FORTINI - Conceitos de Prescrição, Preclusão e Decadência

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Nº 28 – outubro/novembro/dezembro de 2011 – Salvador – Bahia – Brasil - ISSN 1981-187X

OS CONCEITOS DE PRESCRIÇÃO PRECLUSÃO E


DECADÊNCIA NA ESFERA ADMINISTRATIVA - A INFLUÊNCIA
DO NOVO CÓDIGO CIVIL E DA LEI FEDERAL DE PROCESSO
ADMINISTRATIVO

Cristiana Fortini
Doutora em Direito Administrativo pela UFMG.
1ª Vice-Presidente do Instituto Mineiro de Direito Administrativo.
Professora da PUC Minas e do Centro Universitário Metodista Izabela Hendrix.
Professora dos Cursos de Pós Graduação do Centro de Atualização em Direito – CAD/
Gama Filho, do Praetorium e do Instituto de Educação Continuada-PUC Minas.
Diretora da Procuradoria Geral do Município de Belo Horizonte.

1. Introdução

O decurso do tempo possui considerável relevância na vida do ser humano. O


desenvolvimento humano e profissional (e até a morte) tem intrínseca relação com o
fator temporal.

A influência do tempo no mundo jurídico é, igualmente, notória. O correr dos dias


tem o condão de extinguir ou suscitar direitos, afetando relações jurídicas com o
intuito de estabilizá-las.

Por essa razão, o tema relacionado à preclusão, prescrição e decadência sempre


interessou aos estudiosos do Direito, independentemente da área jurídica de seu
maior apreço.

A atuação do fenômeno tempo no Direito Administrativo opera de maneira


multifacetária, seja porque toca os direitos dos administrados em relação à
Administração Pública, seja porque obstaculiza o agir administrativo.

2. Preclusão e processo administrativo

Diante da sempre crescente importância conferida ao processo administrativo, que


passa a ocupar o espaço antes reservado ao ato administrativo, em face essência
democrática de que se nutre o texto constitucional é de se pretender que grande
parte das medidas administrativas sejam adotadas ao final da referida relação
jurídica.

Apropriadas são as palavras de Ruy Cirne Lima, para quem administração é a


"atividade de quem não é senhor absoluto" . Assim, não há espaço para o agir
administrativo descompromissado com as idéias de participação, transparência,
controle, ampla defesa e contraditório. Toda a atuação administrativa deve retirar
dos princípios e das normas positivas (com destaque para os primeiros) sua fonte de
validade.

Logo, embora o processo administrativo não resuma o único modo de atuação


administrativa, há de se lhe atribuir a condição de opção mais ajustada ao interesse
público, por traduzir a aplicação prática dos princípios que devem impregnar as
condutas administrativas, com ênfase para a eficiência, impessoalidade e
moralidade. O processo administrativo rompe a idéia de imperatividade,
posicionando o administrado como colaborador para que a atividade administrativa
opere licitamente. Também não se pode olvidar que a utilização adequada do
processo administrativo poderá reduzir o apelo ao Poder Judiciário, com a solução
dos litígios na intimidade da Administração Pública.

A noção de processo administrativo leva necessariamente à noção de procedimento


administrativo e, assim, à noção de prazo. Os atos que compõem o processo
administrativo precisam ser realizados em determinado tempo, de forma que a
relação jurídica seja impelida a caminhar com destino à solução na esfera
administrativa.

A inércia provoca, pois, efeitos jurídicos sobre o processo administrativo. Ao não


postular a produção de prova no momento ajustado, sofre o interessado o ônus de
sua desídia (sem embargo da possibilidade de a Administração Pública reapreciar
seus atos, quando possível, em apoio ao princípio da autotutela). A omissão gera a
preclusão administrativa, que se caracteriza pela perda da faculdade de agir no
curso do processo.

A Lei Federal n° 9.784/99 (fato que se repete na Lei do Estado de Minas Gerais)
consigna a expressão acima mencionada, embora o faça de maneira, no mínimo,
curiosa.

Nos termos do diploma legal acima mencionado, é possível a revisão de ofício de


ato ilegal a despeito de o recurso do interessado não poder ser conhecido. Porém,
os referidos diplomas condicionam a revisão à não ocorrência da preclusão
administrativa.

Sérgio Ferraz sustenta que "não tem sentido, tecnicamente, falar-se em revisão de
ofício do ato ilegal, "desde que não ocorrida preclusão administrativa" no caso de
recurso intempestivo (inciso I do art. 63) ou de exaustão da esfera administrativa
(inciso IV do art. 63): nessas duas hipóteses, sempre terá ocorrido, até mesmo como
efeito inelutável das duas figuras nela tratadas, preclusão administrativa..."

Razão assiste ao autor. Tecnicamente, se não se obteve êxito na pretensão de


acionar a Administração Pública a fim de se operar o reexame da decisão anterior,
porque: a irresignação foi manifestada intempestivamente; porque ilegítima a parte
recorrente; porque esgotada a via administrativa ou porque o apelo foi dirigido à
autoridade incorreta, inviável afastar a ocorrência de preclusão.

É preciso, portanto, procurar o sentido da norma.


Modernamente aceita-se a manutenção de ato viciado quando o interesse público
assim recomendar.

Relativiza-se, pois, o apego à autotutela quando se detecta o risco ao interesse


público e à segurança jurídica, pelo que inaceitável a aplicação irrestrita das
Súmulas 346 e 473 do Supremo Tribunal Federal. Daí a crescente importância que a
doutrina atribui à convalidação cada vez mais compreendida como conduta
vinculada (salvo nas hipóteses de ato discricionário praticado por autoridade
incompetente).

Percebe-se que a intenção do legislador foi, em obséquio dos princípios da


legalidade e da autotutela, franquear ao administrador o reexame da conduta
combatida pelo recurso (apesar de seu não conhecimento), salvo quando
demonstrada a inviabilidade de se reformar a decisão recorrida porque tal medida
implicaria ofensa ao princípio finalístico (dentre outros).

Portanto, a leitura da Lei Federal de processo administrativo rejuvenesce o


tradicional conceito de "preclusão administrativa". O legislador considerou que há
preclusão administrativa quando o organismo estatal, a quem cabe curar os
interesses da coletividade, não puder, em face do princípio finalístico, alterar a
situação. Assim, para o legislador federal, a preclusão administrativa não se
concretiza quando a parte recorre intempestivamente ou quando o decurso é dirigido
de maneira inadequada. Ao contrário, em tais hipóteses, pode não ter se solidificada
a prescrição se o interesse público recomendar a revisão da conduta administrativa
combatida pelo interessado.

3. Prescrição e Decadência

A expressão "prescrição administrativa" costuma ser analisada sob ângulos


diversos.

Para José dos Santos Carvalho Filho , prescrição administrativa "é a situação
jurídica pela qual o administrado ou a própria Administração perdem o direito de
formular pedidos ou firmar manifestações em virtude de não o terem feito no prazo
adequado".

Maria Sylvia Zanella Di Pietro salienta "que prescrição administrativa designa " de
um lado, a perda do prazo para recorrer de decisão administrativa; de outro, significa
a perda do prazo para que a Administração reveja seus próprios atos; finalmente,
indica a perda do prazo para aplicação de penalidades administrativas".

A expressão acima mencionada assim como a expressão "coisa julgada


administrativa" (com que aquela mantém íntima relação) já mereceram severas
críticas por conduzirem, de início, à equivocada idéia de intangibilidade das
condutas/decisões praticadas na esfera administrativa, interpretação que não se
coaduna com a garantia do acesso ao Poder Judiciário . Também não se pode
descurar do princípio da auto tutela que consolida o dever de a Administração
Pública reapreciar seus atos, anulando-os quando maculados. ¬

"Coisa julgada administrativa" e "prescrição administrativa" autorizam afirmar, tão-


somente, a irretratabilidade da situação jurídica nos limites da via administrativa (ou
a impossibilidade de se realizar determinada ação), sem que se possa atribuir à
conduta administrativa o status de imodificável. Portanto, não obstante refutada com
certa freqüência, a noção de coisa julgada administrativa há de ser considerada,
porque não pode ser desprezada a impossibilidade de reforma da conduta
administrativa, no sentido de proporcionar segurança e estabilidade.

O critério clássico de que se valia a doutrina para apartar decadência de prescrição


baseava-se no fato de a primeira atingir o direito e, por via oblíqua, a ação, enquanto
a prescrição fulminaria a ação e, indiretamente, o direito.

Esta noção tradicional foi e é objeto de contestações, especialmente porque o direito


de instaurar o procedimento judicial não é, verdadeiramente, tocado pela prescrição,
dado que ao interessado se consagra o direito de acesso ao Judiciário,
independentemente da ocorrência da prescrição.

Em excelente trabalho, Agnelo Amorim Filho discorre sobre a distinção entre os dois
institutos, aduzindo que a prescrição se inicia com a violação de direito que gera o
direito a uma ação em que se postulará uma pretensão. Por isso, a prescrição afeta
apenas as ações de cunho condenatório, uma vez que nelas (e só nelas) pretende o
autor obter do réu determinada prestação. Na ação constitutiva, pretende-se a
criação; modificação ou extinção de um estado jurídico e, na ação declaratória
objetiva-se uma confirmação jurídica, razão pela qual não é correto relacioná-las à
prescrição. O autor consolida sua posição quando, ao se ater às situações fixadas
no art. 178 do Código Civil de 1916, que cuidava de fixar hipóteses de prescrição,
conclui que, efetivamente, todas são relativas às ações condenatórias.

Transportando o pensamento para a esfera administrativa, é possível afirmar que,


quando a Administração Pública, pelo decurso do tempo, não pode rever seus atos
ou aplicar determinada penalidade, a hipótese é de decadência.

Vale dizer: os direitos potestativos de que é titular a Administração Pública (sem


exclusividade), porque seu exercício cria um estado de sujeição para terceiros, são
alcançados, nos prazos fixados pelo ordenamento jurídico, pela decadência. ¬

Esclarece-se: o poder de promover a anulação de seus próprios atos, sujeitando o


administrado (cidadão, melhor seria) aos efeitos dessa medida (não sem antes
instaurar e bem desenvolver o processo administrativo) espelha exemplo de direito
potestativo, tendo em vista que seu exercício implica a submissão do administrado
aos efeitos provocados pela extinção do ato.

Não há pretensão violada quando a Administração Pública decide rever seus atos,
pela que incabível a prescrição.. Situação idêntica se verifica quando a
Administração. Pública aplica pena aos seus servidores estatutários, autores de
infrações administrativas.
Não bastasse esse argumento, a conclusão não seria diversa adotado fosse o
parâmetro distintivo da doutrina clássica. À Administração Pública se confere a dever
de rever seus próprios atos sem que se faça necessário bater às portas do
Judiciário. A inviabilidade de a Administração. Pública rever seus atos ou aplicar
sanções não é reflexa, pois da perda de ação ou do perecimento da via processual.

O pensamento de Câmara Leal, par fim, chancela a tese de que há impropriedade


técnica no emprego da expressão prescrição administrativa como habitualmente dita
a doutrina, ao expor que:

“a) a prescrição supõe uma ação cuja origem é distinta da origem do direito tendo
por isso um nascimento posterior ao nascimento do direito;
b) a decadência supõe uma ação cuja origem é idêntica à origem do direito sendo
por isso simultâneo o nascimento de ambos”.

A atuação administrativa não dista temporalmente do direito (dever) de rever seus


atos ou de sancionar comportamentos inadequados ao direito. A ação é
contemporânea ao direito (dever).

Nesse sentido, bem andou a Lei Federal n° 9.784/99 que, em seu art. 54, dispõe:

“O direito da Administração de anular os atos administrativos de que decorram


efeitos favoráveis para os destinatários decai em cinco anos} contados da data em
que foram praticados} salvo comprovada má-fé”.

O novo Código Civil, na tendência da doutrina moderna, estabelece que o direito


violado dá origem à pretensão apresentada em juízo por meia da ação. Extinta a
pretensão aniquila-se a ação. (art. 189).

Tal opção do legislador acaba par salientar que a prescrição não equivale à perda
do direito de ação, reafirmando a inadequação do uso da expressão prescrição
administrativa para indicar a inviabilidade de a Administração Pública reapreciar
seus atos ou sancionar conduta inapropriada de seus agentes ou de terceiros.

Assim, o conceito tradicional de prescrição administrativa parece carecer de revisão.

Não se pode compreendê-la como usualmente faz a doutrina, já que o conceito


presente nos livros de Direito Administrativo geralmente promove confusão entre
prescrição e decadência.

É imperioso, diante da nova Lei Federal de Processo Administrativo e em face do


novo Código Civil, realinhar os conceitos para ajustá-los ao caminhar dos tempos e
ao avançar das leis.

4. Conclusões

Pode-se rematar a seguinte, após as considerações aqui expostas:


a) a conceito de preclusão administrativa sofre alterações com o advento da Lei
Federal de Processo Administrativo que não caracteriza como tal a apresentação de
recurso intempestivo (por exemplo). A interpretação da lei federal permite concluir
que há preclusão administrativa quando, em face do princípio da interesse público,
não mais for possível rever as atos praticados pela Administração Pública;

b) o conceito tradicional de prescrição administrativa também não se harmoniza com


a novo Código. Civil, que rompe o pensamento doutrinário já antes combatido, o
qual traçava, como limite entre prescrição e decadência, o fato de a primeira implicar
perda do direita de ação e a segunda perda do direito material.. Transportando o
conceito de prescrição, hoje consignado no Código Civil, para a esfera
administrativa, a impossibilidade de a Administração Pública rever seus atos ou
aplicar pena a seus agentes ou a terceiros, em face do decurso do tempo, traduz
decadência e não prescrição, porque atingido o agir estatal.

Referências Bibliográficas

CARVALHO FILHO, José dos Santos. Manual de Direito Administrativo. 11 ed. Rio
de Janeiro: Lúmen Juris, 2004.

DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito Administrativo. 17 ed. São Paulo: Atlas,
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FERRAZ, Sérgio.; DALLARI, Adilson Abreu. Processo Administrativo, São Paulo:


Malheiros, s.t

GROTTI, Dinorá Adelaide Musetti. Devido Processo Legal e o Procedimento


Administrativo. Boletim de Direito Administrativo. São Paulo, jan-99, p. 25-36

MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Administrativo Brasileiro, 29 ed. São Paulo:


Malheiros, 2004

MOREIRA, Egon Bockmann. Processo Administrativo. 2 ed. São Paulo: Malheiros,


s.t

NOBRE JUNIOR, Edílson Pereira. Prescrição: decretação de ofício em favor da


Fazenda Pública. Revista Trimestral de Direito Público. São Paulo, n. 22, p. 55-63,
s.t
Referência Bibliográfica deste Trabalho:
Conforme a NBR 6023:2002, da Associação Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto
científico em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma:
FORTINI, Cristiana. Os conceitos de prescrição preclusão e decadência na esfera
administrativa - a influência do Novo Código Civil e da Lei Federal de Processo Administrativo.
Revista Eletrônica de Direito do Estado (REDE), Salvador, Instituto Brasileiro de Direito
Público, nº. 28, outubro/novembro/dezembro de 2011. Disponível na Internet:
<http://www.direitodoestado.com/revista/REDE-28-OUTUBRO-2011-CRISTIANA-
FORTINI.pdf>. Acesso em: xx de xxxxxx de xxxx

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