Campos de Algodão Corte IDH

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CORTE INTERAMERICANA DE DIREITOS HUMANOS

CASO GONZÁLEZ E OUTRAS (“CAMPO ALGODOEIRO”) VS. MÉXICO


SENTENÇA DE 16 DE NOVEMBRO DE 2009
(EXCEÇÃO PRELIMINAR, MÉRITO, REPARAÇÕES E CUSTAS)

No caso González e outras (“Campo Algodoeiro”),


a Corte Interamericana de Direitos Humanos (doravante denominada “a Corte
Interamericana”, “a Corte” ou “o Tribunal”), integrada pelos seguintes juízes: 1
Cecilia Medina Quiroga, Presidenta;
Diego García-Sayán, Vice-Presidente;
Manuel E. Ventura Robles, Juiz;
Margarette May Macaulay, Juíza;
Rhadys Abreu Blondet, Juíza, e
Rosa María Álvarez González, Juíza ad hoc;

presentes, ademais,

Pablo Saavedra Alessandri, Secretário, e


Emilia Segares Rodríguez, Secretária Adjunta,

em conformidade com os artigos 62.3 e 63.1 da Convenção Americana sobre Direitos


Humanos (doravante denominada “a Convenção” ou “a Convenção Americana”) e os artigos
29, 31, 37.6, 56 e 58 do Regulamento da Corte 2 (doravante denominado “o Regulamento”),
profere a presente Sentença.

I
INTRODUÇÃO DA CAUSA E OBJETO DA CONTROVÉRSIA

1
Em 15 de dezembro de 2007, o então Presidente da Corte, Juiz Sergio García Ramírez, de nacionalidade
mexicana, cedeu a Presidência à Juíza Cecilia Medina Quiroga e informou ao Tribunal sobre sua impossibilidade de
conhecer do presente caso. O Juiz García Ramírez expôs as razões que sustentaram sua condição, as quais foram
aceitas pelo Tribunal. Em 21 de dezembro de 2007, esta decisão foi comunicada ao Estado e este foi informado que
poderia designar um juiz ad hoc para que participasse na consideração do presente caso. Em 29 de fevereiro de
2008, após duas extensões de prazo, o Estado designou a senhora Verónica Martínez Solares como juíza ad hoc.
Em 18 de setembro de 2008, os representantes das supostas vítimas objetaram esta designação, afirmando que a
senhora Martínez Solares “não re[unia] um dos requisitos que estabelece o artigo 52 da [Convenção Americana]
para ser juíza da Corte Interamericana”. Em 30 de outubro de 2008, a Corte proferiu uma Resolução na qual
afirmou que a senhora Martínez Solares “não cumpr[ia] os requisitos para participar como juíza ad hoc no presente
caso”. Nesta Resolução, a Corte concedeu um prazo ao Estado para que designasse um novo juiz ad hoc. Em 3 de
dezembro de 2008, o Estado designou em tal qualidade a senhora Rosa María Álvarez González. Além disso, por
razões de força maior, o Juiz Leonardo A. Franco não participou na deliberação e assinatura da presente Sentença.
2
Em conformidade com o disposto no artigo 72.2 do Regulamento da Corte Interamericana vigente, cujas
últimas reformas entraram em vigor a partir de 24 de março de 2009, “[o]s casos em curso continuarão
tramitando conforme este regulamento, com exceção daqueles casos em que se tenha convocado a audiência no
momento de entrada em vigor do presente Regulamento, os quais seguirão tramitando conforme as disposições do
Regulamento anterior”. Desse modo, o Regulamento da Corte mencionado na presente Sentença corresponde ao
instrumento aprovado pelo Tribunal em seu XLIX Período Ordinário de Sessões, realizado de 16 a 25 de novembro
de 2000, e reformado parcialmente pela Corte em seu LXI Período Ordinário de Sessões, realizado de 20 de
novembro a 4 de dezembro de 2003.
2

1. Em 4 de novembro de 2007, a Comissão Interamericana de Direitos Humanos


(doravante denominada “a Comissão” ou “a Comissão Interamericana”) apresentou, em
conformidade com os artigos 51 e 61 da Convenção, uma demanda contra os Estados
Unidos Mexicanos (doravante denominado “o Estado” ou “México”), a partir da qual se
iniciou o presente caso. A petição inicial foi apresentada perante a Comissão em 6 de março
de 2002. Em 24 de fevereiro de 2005, a Comissão aprovou os Relatórios n° 16/05, 17/05 e
18/05, por meio dos quais declarou admissíveis as respectivas petições. Em 30 de janeiro
de 2007, a Comissão notificou às partes sua decisão de acumular os três casos.
Posteriormente, em 9 de março de 2007, aprovou o Relatório de Mérito n° 28/07, nos
termos do artigo 50 da Convenção, o qual incluía determinadas recomendações para o
Estado. Este relatório foi notificado ao Estado em 4 de abril de 2007. Depois de considerar
que o México não havia adotado suas recomendações, a Comissão decidiu apresentar o
presente caso à jurisdição da Corte. A Comissão designou como delegados os senhores
Florentín Meléndez, Comissário, Santiago A. Canton, Secretário Executivo, e como
assessores jurídicos Elizabeth Abi-Mershed, Secretária Executiva Adjunta, e Juan Pablo
Albán, Marisol Blanchard, Rosa Celorio e Fiorella Melzi, especialistas da Secretaria
Executiva.
2. A demanda está relacionada com a suposta responsabilidade internacional do Estado
pelo “desaparecimento e posterior morte” das jovens Claudia Ivette González, Esmeralda
Herrera Monreal e Laura Berenice Ramos Monárrez (doravante denominadas “as jovens
González, Herrera e Ramos”), cujos corpos foram encontrados em uma plantação de
algodão de Ciudad Juárez no dia 6 de novembro de 2001. O Estado é responsabilizado “pela
falta de medidas de proteção às vítimas, duas das quais eram menores de idade; a falta de
prevenção destes crimes, apesar do pleno conhecimento da existência de um padrão de
violência de gênero que havia deixado centenas de mulheres e meninas assassinadas; a
falta de resposta das autoridades frente ao desaparecimento […]; a falta de devida
diligência na investigação dos assassinatos […], bem como a denegação de justiça e a falta
de reparação correta”.
3. A Comissão solicitou à Corte que declare o Estado responsável pela violação dos
direitos consagrados nos artigos 4 (Direito à Vida), 5 (Direito à Integridade Pessoal), 8
(Garantias Judiciais), 19 (Direitos da Criança) e 25 (Proteção Judicial) da Convenção, em
relação às obrigações estabelecidas nos artigos 1.1 (Obrigação de Respeitar os Direitos) e 2
(Dever de Adotar Disposições de Direito Interno) da mesma, e o descumprimento das
obrigações que derivam do artigo 7 da Convenção para Prevenir, Punir e Erradicar a
Violência contra a Mulher (doravante denominada “Convenção de Belém do Pará”). A
demanda foi notificada ao Estado em 21 de dezembro de 2007 e aos representantes em 2
de janeiro de 2008.
4. Em 23 de fevereiro de 2008, as organizações Associação Nacional de Advogados
Democráticos A.C., Comitê da América Latina e do Caribe para a Defesa dos Direitos da
Mulher, Rede Cidadã de Não Violência e Dignidade Humana e Centro para o
Desenvolvimento Integral da Mulher A.C., representantes das supostas vítimas3 (doravante
denominados “os representantes”), apresentaram seu escrito de petições, argumentos e
provas (doravante denominado “escrito de petições e argumentos”). Além das alegações
apresentadas pela Comissão, os representantes solicitaram ampliar o número de vítimas
para 11 mulheres e que a Corte se pronunciasse sobre a suposta detenção arbitrária,
tortura e violações ao devido processo de três pessoas adicionais. Adicionalmente aos
artigos invocados pela Comissão, os representantes solicitaram à Corte que declare que o
Estado é responsável pela violação dos direitos consagrados nos artigos 7 (Direito à
3
Em 14 de dezembro de 2007, as mencionadas organizações comunicaram ao Tribunal, em conformidade
com o artigo 23.2 do Regulamento da Corte, a designação da senhora Sonia Torres Hernández como interveniente
comum (expediente de mérito, tomo V, folha 1936).
3

Liberdade Pessoal) e 11 (Direito à Dignidade e à Honra) da Convenção, todos eles em


relação às obrigações gerais que se derivam dos artigos 1.1 e 2 da mesma, bem como o
artigo 7 da Convenção de Belém do Pará, em relação aos artigos 8 e 9 do mesmo
instrumento. Além disso, solicitaram a violação do direito consagrado no artigo 5 da
Convenção Americana, em detrimento das três supostas vítimas identificadas pela
Comissão.
5. Em 26 de maio de 2008, o Estado apresentou seu escrito de contestação da
demanda e observações ao escrito de petições e argumentos (doravante denominado
“contestação da demanda”). Este escrito questionou a competência da Corte para conhecer
sobre as supostas violações à Convenção de Belém do Pará. Adicionalmente, objetou a
ampliação das vítimas proposta pelos representantes e reconheceu parcialmente sua
responsabilidade internacional. O Estado designou o senhor Juan Manuel Gómez-Robledo
Verduzco como Agente e Patricia González Rodríguez, Joel Antonio Hernández García, María
Carmen Oñate Muñoz, Alejandro Negrín Muñoz e Armando Vivanco Castellanos como
Agentes Assistentes.
6. Em 16 de julho de 2008, a Presidenta da Corte (doravante denominada “a
Presidenta”), após a revisão da contestação da demanda, informou ao Estado que as
alegações referidas à Convenção de Belém do Pará constituíam uma exceção preliminar. Em
razão disso, em conformidade com o artigo 37.4 do Regulamento, concedeu à Comissão e
aos representantes um prazo de 30 dias para apresentar alegações escritas. Estas
alegações foram apresentadas em 20 de agosto de 2008 e em 6 de setembro de 2008,
respectivamente.
II
PROCEDIMENTO PERANTE A CORTE
7. Em 21 de agosto de 2008, os representantes manifestaram sua intenção de se
pronunciar sobre “informação relevante" contida nos anexos à contestação da demanda e
de informar sobre o acontecimento de “fatos supervenientes". Em 26 de agosto de 2008, a
Presidenta negou o pedido dos representantes de se pronunciar nessa etapa processual
sobre os anexos à contestação da demanda, visto que não argumentaram os motivos pelos
quais deveria ser aplicado o artigo 39 do Regulamento. Em todo caso, a Presidenta informou
aos representantes que poderiam fazer as alegações que considerassem pertinentes no
procedimento oral ou em suas alegações finais escritas.
8. Em 6 de setembro de 2008, os representantes apresentaram um escrito no qual,
inter alia, realizaram "algumas considerações em relação ao indicado pelo Estado mexicano
em sua contestação à demanda". Em 9 de setembro de 2008, a Presidenta considerou que
esta seção do escrito não seria levada em consideração, já que sua apresentação não
estava prevista no Regulamento e não foi requerida. Em todo caso, a Presidenta informou
aos representantes que poderiam apresentar as alegações que considerassem pertinentes
no procedimento oral ou em suas alegações finais escritas.
9. Em 19 de janeiro de 2009, a Corte negou por meio de Resolução o pedido de
ampliação das supostas vítimas e determinou que as supostas vítimas do presente caso
seriam Esmeralda Herrera Monreal e seus familiares: Irma Monreal Jaime (mãe), Benigno
Herrera Monreal (irmão), Adrián Herrera Monreal (irmão), Juan Antonio Herrera Monreal
(irmão), Cecilia Herrera Monreal (irmã), Zulema Montijo Monreal (irmã), Erick Montijo
Monreal (irmão), Juana Ballín Castro (cunhada); Claudia Ivette González e seus familiares:
Irma Josefina González Rodríguez (mãe), Mayela Banda González (irmã), Gema Iris
González (irmã), Karla Arizbeth Hernández Banda (sobrinha), Jacqueline Hernández
(sobrinha), Carlos Hernández Llamas (cunhado); e Laura Berenice Ramos Monárrez e seus
familiares: Benita Monárrez Salgado (mãe), Claudia Ivonne Ramos Monárrez (irmã), Daniel
4

Ramos Monárrez (irmão), Ramón Antonio Aragón Monárrez (irmão), Claudia Dayana
Bermúdez Ramos (sobrinha), Itzel Arely Bermúdez Ramos (sobrinha), Paola Alexandra
Bermúdez Ramos (sobrinha), Atziri Geraldine Bermúdez Ramos (sobrinha). 4 Além disso,
nesta resolução foi analisada a negativa do Estado de enviar determinada prova solicitada
pelo Tribunal. A Corte resolveu que o Tribunal poderá considerar estabelecidos os fatos que
sejam demonstráveis unicamente através de prova que o Estado se negue a enviar.5
10. Por meio de Resolução de 18 de março de 2009, 6 a Presidenta ordenou o
recebimento, através de declarações prestadas perante agente dotado de fé pública
(affidavit), de alguns dos testemunhos e perícias apresentados oportunamente pelas partes.
Adicionalmente, foram as partes convocadas para uma audiência privada para receber o
testemunho, oferecido pelo Estado, de Patricia González Rodríguez, desde que esta
renunciasse à sua condição de Agente Assistente. Além disso, foi convocada a audiência
pública para receber as declarações propostas, segundo o caso, pela Comissão, pelo Estado
e pelos representantes, bem como as alegações finais orais sobre a exceção preliminar e os
eventuais mérito, reparações e custas. Finalmente, a Presidenta fixou prazo até 1° de junho
de 2009 para que as partes apresentassem suas respectivas alegações finais escritas.
11. Por meio de Resolução de 3 de abril de 2009, a Corte resolveu aceitar a confirmação
da senhora Patricia González Rodríguez como Agente Assistente do Estado e, por fim, a
desistência estatal do oferecimento de sua declaração a título informativo em uma audiência
privada7 (par. 10 supra).
12. A audiência pública foi realizada em 28 e 29 de abril de 2009, durante o XXXIX
Período Extraordinário de Sessões realizado na cidade de Santiago, República do Chile. 8

4
Cf. González e outras (“Campo Algodoeiro”) Vs. México. Resolução da Corte de 19 de janeiro de 2009,
ponto resolutivo segundo.
5
Cf. González e outras (“Campo Algodoeiro”) Vs. México, ponto resolutivo quarto, nota 4 supra.
6
Cf. González e outras (“Campo Algodoeiro”) Vs. México. Resolução da Presidenta da Corte de 18 de março
de 2009.
7
Cf. González e outras (“Campo Algodoeiro”) Vs. México. Resolução da Corte de 3 de abril de 2009, ponto
resolutivo primeiro.
8
A esta audiência compareceram: a) pela Comissão Interamericana: Florentín Meléndez, Comissário;
Elizabeth Abi-Mershed, Secretária Executiva Adjunta; Juan Pablo Albán Alencastro, assessor; Rosa Celorio,
assessora, e Fiorella Melzi, assessora; b) pelas supostas vítimas: Alfredo Limas Hernández, representante; Andrea
de la Barreda Montpellier, representante; Andrea Medina Rosas, representante; Ariel E. Dulitzky, assessor; David
Peña Rodríguez, representante; Emilio Ginés Santidrián, assessor; Héctor Faúndez Ledesma, assessor; Héctor
Pérez Rivera, assessor; Ivonne I. Mendoza Salazar, representante; María del Carmen Herrera García, assessora;
María Edith López Hernández, assessora; Karla Micheel Salas Ramírez, representante, e Sonia Josefina Torres
Hernández, interveniente comum, e c) pelo Estado: Alejandro Negrín Muñoz, Agente, Diretor Geral de Direitos
Humanos e Democracia da Chancelaria Mexicana; Mario Leal Campos, assessor, Embaixador do México no Chile;
Patricia González Rodríguez, Agente Assistente, Procuradora Geral de Justiça do Estado de Chihuahua; Mario
Alberto Prado Rodríguez, assessor, Coordenador de Assessores do Subsecretário de Assuntos Jurídicos e Direitos
Humanos da Secretaria de Governo; Mauricio Elpidio Montes de Oca Durán, assessor, Diretor Geral Adjunto de
Investigação e Atendimento a Casos de Direitos Humanos da Secretaria de Governo; Víctor Manuel Uribe Aviña,
assessor, Consultor Jurídico Adjunto da Chancelaria; Arturo Licón Baeza, assessor, Subprocurador de Direitos
Humanos e Atendimento a Vítimas do Crime do Estado de Chihuahua; Pablo Navarrete Gutiérrez, assessor,
Coordenador de Assuntos Jurídicos do Instituto Nacional das Mulheres; Carlos Garduño Salinas, assessor, Diretor
de Direitos Humanos da Procuradoria Geral da República; Fernando Tiscareño Luján, assessor, Assessor do
Secretário Geral de Governo do Estado de Chihuahua; Rodolfo Leyva Martínez, assessor, funcionário da
Subprocuradoria de Direitos Humanos e Atendimento a Vítimas do Crime do Estado de Chihuahua; José Ignacio
Martín del Campo Covarrubias, assessor, Diretor da Área de Litígio Internacional em matéria de Direitos Humanos
da Chancelaria; Ximena Mariscal de Alba, assessora, Subdiretora da Área de Litígio Internacional em matéria de
Direitos Humanos da Chancelaria; David Ricardo Uribe González, assessor, Chefe do Departamento da Área de
Litígio Internacional em matéria de Direitos Humanos da Chancelaria; Luis Manuel Jardón Piña, assessor, Chefe do
Departamento de Litígios da Consultoria Jurídica da Chancelaria, e Carlos Giménez Zamudio, assessor, Encarregado
da Área de Política Interna, Imprensa e Direitos Humanos da Embaixada do México no Chile.
5

13. Em 12 de junho de 2009, a Comissão e o Estado enviaram suas alegações finais


escritas. Em 16 de junho de 2009, os representantes enviaram seu respectivo escrito.
14. O Tribunal recebeu escritos na qualidade de amicus curiae das seguintes pessoas,
instituições e organizações: International Reproductive and Sexual Health Law Program da
Faculdade de Direito da Universidade de Toronto (IRSHL Programme) e o Centro pela
Justiça e o Direito Internacional (CEJIL);9 TRIAL- Track Impunity Always e a Organização
Mundial contra a Tortura;10 um grupo de bolsistas do Instituto de Investigações Jurídicas da
Universidade Nacional Autônoma do México (doravante denominada “a UNAM”);11 um Grupo
de Direitos Humanos da Divisão de Pós-Graduação da UNAM;12 Women’s Link Worldwide; 13
Rede de Mulheres da Ciudad de Juárez A.C;14 Programa de Justiça Global e Direitos
Humanos da Universidade de los Andes;15 Programa de Direitos Humanos e o Mestrado em
Direitos Humanos da Universidade Ibero-Americana do México;16 Human Rights Watch;17
Horvitz & Levy LLP;18 Comissão Internacional de Juristas;19 Anistia Internacional;20 Centro

9
Este escrito foi apresentado por Simona Cusack, Rebecca J. Cook, Viviana Krsticevic e Vanessa Coria em 4
de dezembro de 2008.
10
Este escrito foi apresentado por Eric Sottas e Philip Grant em 16 de abril de 2009. Em 28 de abril de 2009,
o Conselho Geral da Advocacia Espanhola e a Fundação do Conselho Geral da Advocacia Geral aderiram a este
escrito.
11
Este escrito foi apresentado por Miguel Ángel Antemate Mendoza, Selene Cruz Alcalá, Rafael Caballero
Hernández, Carlos Alejandro Martiarena Leonar e Alma Elena Rueda Rodríguez em 23 de abril de 2009.
12
Este escrito foi apresentado por Raymundo Gil Rendón e vários de seus alunos em 24 de abril de 2007.
13
Este escrito foi apresentado por Viviana Waisman e Paloma Soria Montañez em 27 de abril de 2008.
14
Este escrito também foi preparado por: Cáritas Diocesana de Ciudad Juárez, Pastoral Operária, Programa
Companheiros, Cidadãos por uma melhor Administração Pública, Casa Amiga Centro de Crise, e a título pessoal por
Clara Eugenia Rojas Blanco, Elizabeth Loera e Diana Itzel Gonzáles. O mesmo foi apresentado por Imelda Marrufo
Nava em 15 de maio de 2009.
15
Este escrito foi apresentado por César A. Rodríguez Garavito em 1° de junho de 2009.
16
Este escrito foi apresentado por José Antonio Ibáñez Aguirre em 10 de julho de 2009.
17
Este escrito foi apresentado por Clive Baldwin em 8 de junho de 2009.
18
Este escrito foi respaldado por: Amnesty International, Thomas Antkowiak, Tamar Birckhead, Mary Boyce,
Break the Circle, Arturo Carrillo, Center for Constitutional Rights, Center for Gender & Refugee Studies, Center for
Justice & Accountability, Centro de Direitos Humanos da Universidade Diego Portales, Columbia Law School Human
Rights Clinic, Cornell Law School International Human Rights Clinic, Bridget J. Crawford, The Domestic Violence and
Civil Protection Order Clinic of The University of Cincinnati, Margaret Drew, Martin Geer, Human Rights and
Genocide Clinic, Benjamín N. Cardozo School of Law, Human Rights Advocates, Deena Hurwitz, Immigration Clinic
at The University of Maryland School of Law, The Immigration Justice Clinic, IMPACT Personal Safety, The
International Human Rights Clinic at Willamette University College of Law, International Mental Disability Law
Reform Project of New York Law School, The International Women’s Human Rights Clinic at Georgetown Law,
Latinojustice PRLDEF, Legal Services Clinic at Western New England College School of Law, Leitner Center for
International Law and Justice at Fordham Law School, Bert B. Lockwood, Allard K. Lowenstein International Human
Rights Clinic, Yale Law School, Beth Lyon, Thomas M. McDonnell, The National Association of Women Lawyers, Los
Angeles Chapter of The National Lawyers Guild, The National Organization for Women, Noah Novogrodsky, Jamie
O´Connell, Sarah Paoletti, Jo M. Pasqualucci, Naomi Roht-Arriaza, Darren Rosenblum, Susan Deller Ross, Seton
Hall University School of Law Center for Social Justice, Gwynne Skinner, Kathleen Staudt, Jeffrey Stempel, Maureen
A. Sweeney, Jonathan Todres, The Urban Morgan Institute for Human Rights, U.S. Human Rights Network, Penny
M. Venetis, Deborah Weissman, Richard J. Wilson, The Women’s Law Project, Women Lawyers Association of Los
Angeles, and World Organization for Human Rights USA. O mesmo foi apresentado por David S. Ettinger e Mary-
Christine Sungaila em 17 de julho de 2009.
19
Este escrito foi apresentado por Leah Hoctor em 17 de julho de 2009.
20
Este escrito foi apresentado por Widney Brown em 13 de julho de 2009.
6

de Direitos Humanos e a Escola de Direito da Universidade de Essex, o Centro Internacional


para a Justiça Transicional e Redress.21
15. Em 22 de setembro de 2009, os representantes apresentaram um escrito no qual
informaram ao Tribunal sobre “fatos supervenientes” relativos à nomeação do senhor Arturo
Chávez Chávez para encabeçar a Procuradoria Geral da República.
16. Seguindo instruções da Presidenta, a Secretaria concedeu prazo à Comissão e ao
Estado para que apresentassem suas observações ao escrito dos representantes indicado no
parágrafo anterior. Em 15 de outubro de 2009, a Comissão afirmou que não tinha
observações a formular. Em 16 de outubro de 2009, o Estado expressou que “os fatos
expostos pelos representantes […] de nenhuma maneira guardam relação alguma com a
litis do assunto nem oferecem elemento algum que [a] Corte possa levar em consideração
para melhor resolver”. Acrescentou que os fatos narrados pelos representantes não
possuíam “um mínimo vínculo fenomenológico com os fatos do processo e, pelo contrário,
pretendem introduzir à litis fatos diferentes dos que formam seu contexto fático”.
Finalmente, fez notar que os representantes não referiam a forma em que a designação do
atual Procurador Geral da República incidia ou se encontra relacionada com algum fato
matéria do presente assunto.
17. A esse respeito, o Tribunal reitera que embora os fatos supervenientes possam ser
apresentados pelas partes em qualquer estado do processo antes da sentença, “isto não
quer dizer que qualquer situação ou acontecimento constitua um fato superveniente para os
efeitos do processo. Um fato dessa índole tem que estar ligado fenomenologicamente aos
fatos do processo, de modo que não basta que determinada situação ou fato tenha relação
com o objeto do caso para que este Tribunal possa se pronunciar a esse respeito.” 22
18. Por outro lado, a Corte ressalta que no presente caso sua função é determinar, em
exercício de sua competência contenciosa como tribunal internacional de direitos humanos,
a responsabilidade do Estado pelas violações alegadas, e não a responsabilidade pessoal do
senhor Chávez Chávez ou outros funcionários públicos. Essa tarefa é exclusiva do Estado,
sem prejuízo de que este Tribunal possa verificar se aquele cumpriu ou não as obrigações
que a esse respeito são derivadas da Convenção Americana.
19. Em razão do anterior, o Tribunal não admite o escrito dos representantes indicado no
parágrafo 15 supra e se limitará a analisar as alegações das partes relativas à suposta
responsabilidade internacional do Estado.
III
RECONHECIMENTO PARCIAL DE RESPONSABILIDADE INTERNACIONAL
20. O Estado realizou um reconhecimento parcial de responsabilidade internacional nos
seguintes termos:
O Estado reconhece que na primeira etapa das investigações, entre 2001 e 2003, apresentaram-se
irregularidades. […]
[Na] segunda etapa das investigações destes três casos, a partir do ano de 2004, […]as
irregularidades foram corrigidas plenamente, foram integrados aos autos e foram iniciadas as
investigações com uma sustentação científica, inclusive com componentes de apoio internacional.

21
Este escrito foi apresentado em 21 de setembro de 2009, por Clara Sandoval e estudantes do Centro de
Direitos Humanos e da Faculdade de Direito da Universidade de Essex, Carla Ferstman e Marta Valiñas de Redress,
Javier Ciurlizza e Catalina Díaz do Centro Internacional para a Justiça Transicional (ICTJ), Ruth Rubio Marín do
Instituto Universitário Europeu, e a título pessoal por Mariclaire Acosta, Ximena Andión Ibañez e Gail Aguilar
Castañón.
22
Caso Perozo e outros Vs. Venezuela. Exceções Preliminares, Mérito, Reparações e Custas. Sentença de 28
de janeiro de 2009. Série C N° 195, par. 67.
7

[…]
O Estado reconhece que, derivado das irregularidades antes referidas, foi afetada a integridade
psíquica e a dignidade dos familiares de Claudia Ivette González, Esmeralda Herrera Monreal e
Laura Berenice Ramos Monárrez. Contudo, são expostos com amplitude os apoios com recursos
econômicos, assistência médica e psicológica e assessoria jurídica que se vem oferecendo aos
familiares de cada uma das três vítimas, constituindo uma reparação ao dano causado.
Entretanto, o Estado considera que nestes três casos não pode ser alegado de modo algum a
configuração de violação dos direitos à vida, à integridade pessoal, à dignidade e à liberdade
pessoal de Esmeralda Herrera Monreal, Claudia Ivette González e Laura Berenice Ramos Monárrez.
Por um lado, em nenhum dos três homicídios participaram agentes do Estado. Por outro lado, é
apresentada ampla informação que demonstra o pleno cumprimento da obrigação por parte do
Estado inclusive a este respeito, com os resultados contundentes das investigações e casos
resolvidos entre 1993 e esta data.
No mesmo sentido, o Estado empreendeu ações plenamente demonstradas para proteger e
promover os direitos das crianças, de modo que não se pode declarar violação ao artigo 19 da
Convenção Americana em detrimento das vítimas. Em resumo, o Estado não pode ser declarado
responsável diretamente nem indiretamente por haver violado os direitos à vida, à integridade
pessoal e à liberdade pessoal no caso sub judice.

21. Nesse sentido, o Estado solicitou à Corte que:


aprecie o reconhecimento parcial de responsabilidade do Estado pelo descumprimento das
obrigações contidas nos artigos 8.1 e 25.1 da Convenção Americana [sobre] Direitos Humanos, e 5
da mesma Convenção em relação aos familiares de Laura Berenice Ramos Monárrez, Claudia Ivette
González e Esmeralda Herrera Monreal.
Declare a inexistência de violações por parte do Estado mexicano aos artigos 4.1, 5.1, 7, 11 e 19
da Convenção Americana [sobre] Direitos Humanos em relação a Claudia Ivette González,
Esmeralda Herrera Monreal e Laura Berenice Ramos Monárrez.
Declare que o Estado cumpriu as obrigações de prevenção, investigação e reparação, contidas nos
artigos 4.1 e 5.1, em relação ao artigo 1.1 da Convenção Americana [sobre] de Direitos Humanos.
No caso de que seja declarado algum tipo de reparação, [solicitou] que esta seja fixada atendendo
os limites e considerações feitos valer pelo Estado […], bem como que sejam reconhecidos os
esforços realizados pelo Estado mexicano para reparar os familiares das vítimas, inclusive desde
antes que este processo iniciasse, e os múltiplos contatos com os mesmos para decidir uma
reparação adicional.

22. A Comissão apreciou o reconhecimento parcial de responsabilidade internacional


realizado pelo México, pois considerou que este era “um passo positivo para o cumprimento
de suas obrigações internacionais”. Entretanto, sem rejeitar o valor e a transcendência
deste reconhecimento, a Comissão notou que o mesmo “deriva de uma interpretação dos
fatos diversa à apresentada na demanda e no escrito de petições, argumentos e provas”.
Acrescentou que “vários dos argumentos expostos pelo Estado no próprio escrito de
contestação à demanda controvertem os fatos supostamente reconhecidos”. Além disso,
observou que pelos termos do reconhecimento em questão “as implicações jurídicas em
relação aos fatos não foram totalmente assumidas pelo Estado, e tampouco a pertinência
das reparações solicitadas pelas partes”. Em consequência, a Comissão considerou que era
“indispensável que o Tribunal resolvesse em sentença as questões que permanecem em
contenção”.
23. Os representantes solicitaram “que seja levado em consideração o reconhecimento
de responsabilidade feito pelo Estado […] em sua justa dimensão” e que a Corte “se
pronuncie sobre as violações dos direitos humanos das vítimas ocorridas desde o dia de seu
desaparecimento até agora”.
24. Em conformidade com os artigos 53.2 e 55 do Regulamento e em exercício de seus
poderes de tutela judicial internacional dos direitos humanos, a Corte pode determinar se
um reconhecimento de responsabilidade internacional efetuado por um Estado demandado
8

oferece base suficiente, nos termos da Convenção, para continuar o conhecimento do


mérito e determinar as eventuais reparações e custas. 23
25. Nesse sentido, a Corte observa que a frase “a procedência do reconhecimento”, bem
como o texto íntegro do artigo 55 do Regulamento, indicam que estes atos não são, por si
mesmos, vinculantes para o Tribunal. Em vista de que os processos perante esta Corte se
referem à tutela dos direitos humanos, questão de ordem pública internacional que
transcende a vontade das partes, a Corte deve velar por que tais atos sejam aceitáveis para
os fins que busca cumprir o sistema interamericano. Nesta tarefa o Tribunal não se limita
unicamente a verificar as condições formais dos mencionados atos, mas deve confrontá-los
com a natureza e gravidade das violações alegadas, as exigências e o interesse da justiça,
as circunstâncias particulares do caso concreto e a atitude e posição das partes. 24
26. No presente caso, a Corte considera que o reconhecimento parcial de
responsabilidade efetuado pelo Estado constitui uma contribuição positiva ao
desenvolvimento deste processo, à boa prática da jurisdição interamericana sobre direitos
humanos, à vigência dos princípios que inspiram a Convenção Americana e à conduta à que
estão obrigados os Estados nesta matéria, 25 em virtude dos compromissos que assumem
como partes nos instrumentos internacionais sobre direitos humanos.26
27. No que se refere aos fatos, a Corte observa que o Estado admitiu, em termos gerais,
os fatos de contexto relativos à violência contra as mulheres em Ciudad Juárez,
particularmente os homicídios que foram registrados desde o início dos anos 90, bem como
os fatos referentes ao que o Estado denomina “primeira etapa” das investigações dos crimes
perpetrados contra três vítimas, que abarca o período de 2001 a 2003. Além disso, o México
aceitou os fatos relativos à afetação da integridade psíquica e da dignidade dos familiares
das três vítimas.
28. Sem prejuízo do anterior, o Tribunal percebe que, embora o Estado tenha aceitado
estes fatos em termos gerais, em sua argumentação posterior relativa ao mérito do assunto
controverteu fatos específicos de contexto ou da “primeira etapa” das investigações. Por
isso, a Corte determinará nos seguintes capítulos todo o contexto fático deste caso e fará as
especificações correspondentes quando um fato for considerado estabelecido com base na
aceitação do Estado, ou como provado, em conformidade com a evidência apresentada
pelas partes.

23
O artigo 53.2 do Regulamento dispõe que:
Se o demandado comunicar à Corte seu acatamento às pretensões da parte demandante e às dos
representantes das supostas vítimas, seus familiares ou representantes, a Corte, ouvido o parecer
das partes no caso, resolverá sobre a procedência do acatamento e seus efeitos jurídicos. Neste
caso, a Corte determinará, se for o caso, as reparações e custas correspondentes.
Por sua vez, o artigo 55 do Regulamento estabelece que:
A Corte, levando em conta as responsabilidades que lhe cabem em matéria de proteção dos direitos
humanos, poderá decidir pelo prosseguimento do exame do caso, mesmo em presença das
situações indicadas nos artigos precedentes.
24
Cf. Caso Kimel Vs. Argentina. Mérito, Reparações e Custas. Sentença de 2 de maio de 2008. Série C N°
177, par. 24, e Caso Ticona Estrada Vs. Bolívia. Mérito, Reparações e Custas. Sentença de 27 de novembro de
2008. Série C N° 191, par. 21.
25
Cf. Caso Trujillo Oroza Vs. Bolívia. Mérito. Sentença de 26 de janeiro de 2000. Série C N° 64, par. 42;
Caso Albán Cornejo e outros Vs. Equador. Mérito, Reparações e Custas. Sentença de 22 de novembro de 2007.
Série C N° 171. par 24, e Caso Kimel Vs. Argentina, par. 25, nota 24 supra.
26
Cf. Caso Carpio Nicolle e outros Vs. Guatemala. Mérito, Reparações e Custas. Sentença de 22 de
novembro de 2004. Série C N° 117, par. 84; Caso Albán Cornejo e outros Vs. Equador, par. 24, nota 25 supra, e
Caso Kimel Vs. Argentina, par. 25, nota 24 supra.
9

29. No que se refere às pretensões de direito, o Tribunal declara que cessou a


controvérsia sobre a violação dos artigos 5.1, 8.1, 25.1 da Convenção Americana, em
detrimento dos familiares das vítimas identificados no parágrafo 9 supra, pelas violações
aceitas pelo Estado na “primeira etapa” das investigações. Por outro lado, declara que
subsiste a controvérsia sobre as alegadas violações dos artigos 4, 5, 7, 11 e 19 da
Convenção Americana, em relação aos artigos 1.1 e 2 da mesma e ao artigo 7 da
Convenção de Belém do Pará. Além disso, subsiste a controvérsia sobre a alegada violação
do artigo 5 da Convenção Americana por fatos diferentes dos reconhecidos pelo Estado, em
relação aos familiares das vítimas, bem como a controvérsia relativa à alegada violação dos
artigos 8.1 e 25.1 da Convenção, em relação aos artigos 1.1 e 2 da mesma, sobre a
“segunda etapa” das investigações.
30. Finalmente, em relação às pretensões de reparações, o Estado aceitou que tem o
dever de reparar as violações aceitas e indicou uma série de medidas reparatórias que
realizou ou que oferece realizar, o que será avaliado no capítulo IX desta Sentença, em
conformidade com os argumentos e prova apresentados pelas partes.
IV
EXCEÇÃO PRELIMINAR
(INCOMPETÊNCIA RATIONE MATERIAE DA CORTE)

31. O Estado alegou a incompetência da Corte para “determinar violações” à Convenção


de Belém do Pará. Isso foi rejeitado pela Comissão e pelos representantes, os quais
alegaram a competência da Corte sobre o artigo 7 desta Convenção. Os representantes
alegaram que, além disso, a Corte tem competência para “conhecer de violações” ao artigo
9 e “aplicar o artigo 8” desta Convenção.
32. Para resolver controvérsias sobre a interpretação de normas, a Corte invocou27 a
Convenção de Viena sobre o Direito dos Tratados. Em sua parte pertinente, esta Convenção
afirma:
Artigo 31. Regra geral de interpretação. 1. Um tratado deve ser interpretado de boa fé segundo o
sentido comum atribuível aos termos do tratado em seu contexto e à luz de seu objetivo e
finalidade.
[…]
Artigo 32. Meios suplementares de interpretação. Pode-se recorrer a meios suplementares de
interpretação, inclusive aos trabalhos preparatórios do tratado e às circunstâncias de sua
conclusão, a fim de confirmar o sentido resultante da aplicação do artigo 31 ou de determinar o
sentido quando a interpretação, de conformidade com o artigo 31:
a) deixa o sentido ambíguo ou obscuro; ou
b) conduz a um resultado que é manifestamente absurdo ou desarrazoado.

33. A Convenção de Viena possui uma regra que deve ser interpretada como um todo. O
sentido corrente dos termos, a boa-fé, o objetivo e fim do tratado e os demais critérios
confluem de maneira unida para desentranhar o significado de uma determinada norma. Por
outro lado, a Corte ressalta que o Direito Internacional dos Direitos Humanos está composto
tanto de um conjunto de regras (as convenções, pactos, tratados e demais documentos
internacionais), como de uma série de valores que estas regras pretendem desenvolver.
Então, a interpretação das normas deve ser desenvolvida também a partir de um modelo
baseado em valores que o Sistema Interamericano pretende resguardar, sob o “melhor
27
Cf. Caso Ivcher Bronstein Vs. Peru. Competência. Sentença de 24 de setembro de 1999. Série C N° 54,
par. 38, e Caso Blake Vs. Guatemala. Interpretação da Sentença de Reparações e Custas. Sentença de 1° de
outubro de 1999. Série C N° 57, par. 21.
10

ângulo” para a proteção da pessoa. Nesse sentido, ao enfrentar um caso como o presente, o
Tribunal deve determinar qual é a interpretação que se adequa de melhor maneira ao
conjunto das regras e valores que compõem o Direito Internacional dos Direitos Humanos.
Concretamente, neste caso, o Tribunal deve estabelecer os valores e objetivos perseguidos
pela Convenção de Belém do Pará e realizar uma interpretação que os desenvolva na maior
medida. Isso exige a utilização em conjunto dos elementos da norma de interpretação do
citado artigo 31 (par. 32 supra).
34. Levando em consideração o anterior, em primeiro lugar o Tribunal analisará sua
competência sobre o artigo 7 da Convenção de Belém do Pará, para posteriormente dirimir
o pertinente sobre os artigos 8 e 9 do mesmo tratado.
1. Competência contenciosa do Tribunal em relação ao artigo 7 da
Convenção de Belém do Pará
1.1. A regra geral de competência expressa e o critério literal de interpretação
35. O Estado alegou que a Corte somente pode interpretar e aplicar a Convenção
Americana e os instrumentos que expressamente lhe concedem competência. Além disso,
afirmou que a Corte, “exercendo sua faculdade consultiva” pode “conhecer e interpretar
tratados diferentes” da Convenção Americana, mas “a faculdade de punir o descumprimento
de outros tratados não é extensiva quando a mesma exerce sua jurisdição contenciosa”,
visto que “o princípio fundamental que rege a competência jurisdicional da mesma é a
vontade [ou aceitação expressa] do Estado de se submeter a ela”. Acrescentou que o
princípio de segurança jurídica “garante não somente a estabilidade do sistema
interamericano”, mas “a certeza das obrigações que derivam para o Estado por se submeter
aos órgãos internacionais de proteção dos direitos humanos”.
36. O Tribunal considera que o Estado tem razão em relação a que a Convenção
Americana estabelece, em seu artigo 62, uma regra de competência expressa, segundo a
qual a competência da Corte deve ser estabelecida por “declaração especial” ou por
“convenção especial”.
37. O México alega que cada tratado interamericano requer uma declaração específica de
concessão de competência à Corte. A esse respeito, o Tribunal ressalta que no caso Las
Palmeras Vs. Colômbia ratificou a possibilidade de exercer sua competência contenciosa em
relação a outros instrumentos interamericanos diferentes da Convenção Americana, no
contexto de instrumentos que estabeleçam um sistema de petições objeto de supervisão
internacional no âmbito regional.28 Nesse sentido, a declaração especial para aceitar a
competência contenciosa da Corte segundo a Convenção Americana, levando em
consideração o artigo 62 da mesma, permite que o Tribunal conheça tanto de violações à
Convenção como de outros instrumentos interamericanos que lhe concedem competência.
38. Corresponde então analisar como se estabelece a competência para o trâmite de
petições na Convenção de Belém do Pará. Os artigos pertinentes deste instrumento afirmam
o seguinte:
CAPÍTULO IV. MECANISMOS INTERAMERICANOS DE PROTEÇÃO
Artigo 10. A fim de proteger o direito de toda mulher a uma vida livre de violência, os Estados Partes
deverão incluir nos relatórios nacionais à Comissão Interamericana de Mulheres informações sobre as
medidas adotadas para prevenir e erradicar a violência contra a mulher, para prestar assistência à
mulher afetada pela violência, bem como sobre as dificuldades que observarem na aplicação das
mesmas e os fatores que contribuam para a violência contra a mulher.

28
Cf. Caso Las Palmeras Vs. Colômbia. Exceções Preliminares. Sentença de 4 de fevereiro de 2000. Série C
N° 67, par. 34.
11

Artigo 11. Os Estados Partes nesta Convenção e a Comissão Interamericana de Mulheres poderão
solicitar à Corte Interamericana de Direitos Humanos parecer consultivo sobre a interpretação desta
Convenção.
Artigo 12. Qualquer pessoa ou grupo de pessoas, ou qualquer entidade não governamental
juridicamente reconhecida em um ou mais Estados membros da Organização, poderá apresentar à
Comissão Interamericana de Direitos Humanos petições referentes a denúncias ou queixas de
violação do artigo 7 desta Convenção por um Estado Parte, devendo a Comissão considerar tais
petições em conformidade com as normas e procedimentos estabelecidos na Convenção Americana
sobre Direitos Humanos e no Estatuto e Regulamento da Comissão Interamericana de Direitos
Humanos, para a apresentação e consideração de petições (sem grifo no original).

39. O Estado afirmou que o citado artigo 12 “menciona expressa e exclusivamente a


Comissão Interamericana como o órgão encarregado da proteção da Convenção, através do
procedimento de petições individuais”, o que “não deixa espaço para dúvidas” e leva à
conclusão de que a Corte “é incompetente” para conhecer de violações deste instrumento.
Explicou que “[s]e a intenção dos Estados […] houvesse sido a de conceder competência [à]
Corte, não somente teria sido indicado [expressamente], mas além da Convenção
Americana, do Estatuto e do Regulamento da Comissão, necessariamente teria incluído
também o Estatuto e o Regulamento da Corte”.
40. O Tribunal considera errôneas as alegações do Estado. A Convenção de Belém do
Pará estabelece que a Comissão considerará as petições sobre seu artigo 7 “em
conformidade com as normas e os requisitos de procedimento para a apresentação e
consideração de petições estipuladas na Convenção Americana […] e no Estatuto e no
Regulamento da Comissão”. Esta formulação não exclui nenhuma disposição da Convenção
Americana, de modo que haverá de concluir que a Comissão atuará nas petições sobre o
artigo 7 da Convenção de Belém do Pará, “em conformidade com o disposto nos artigos 44
a 51 [da Convenção Americana]”, como dispõe o artigo 41 da mesma Convenção. O artigo
51 da Convenção e o artigo 44 do Regulamento da Comissão se referem expressamente à
submissão de casos perante a Corte quando ocorre descumprimento das recomendações do
Relatório de Mérito ao que se refere o artigo 50 da Convenção Americana. Além disso, o
artigo 19.b do Estatuto da Comissão estabelece que entre as atribuições da Comissão está a
de “comparecer perante a Corte Interamericana de Direitos Humanos nos casos previstos na
Convenção”.
41. Em resumo, parece claro que o teor literal do artigo 12 da Convenção de Belém do
Pará concede competência à Corte ao não excetuar de sua aplicação nenhuma das normas e
requisitos de procedimento para as comunicações individuais.
42. Ora, ainda que o texto pareça literalmente claro, é necessário analisá-lo aplicando
todos os elementos que compõem a regra de interpretação do artigo 31 da Convenção de
Viena (par. 32 supra). Este Tribunal também afirmou que o “sentido corrente” dos termos
não pode ser uma regra em si mesma, mas deve se relacionar ao contexto e, em especial,
ao objeto e fim do tratado, de maneira tal que a interpretação não conduza de nenhuma
maneira a debilitar o sistema de proteção consagrado na Convenção 29.
1.2. Interpretação sistemática

29
Cf. “Outros tratados” objeto da função consultiva da Corte (artigo 64 da Convenção Americana sobre
Direitos Humanos). Parecer Consultivo OC-1/82 de 24 de setembro de 1982. Série A N° 1, pars. 43 a 48;
Restrições à Pena de Morte (artigos 4.2 e 4.4 da Convenção Americana sobre Direitos Humanos). Parecer
Consultivo OC-3/83 de 8 de setembro de 1983. Série A N° 3, pars. 47 a 50; Proposta de modificação à Constituição
Política da Costa Rica relacionada à naturalização. Parecer Consultivo OC-4/84 de 19 de janeiro de 1984. Série A
N° 4, pars. 20 a 24, e, entre outros, Caso Velásquez Rodríguez Vs. Honduras. Exceções Preliminares. Sentença de
26 de junho de 1987. Série C N° 1, par. 30.
12

43. A Corte ressalta que, segundo o argumento sistemático, as normas devem ser
interpretadas como parte de um todo cujo significado e alcance devem ser fixados em
função do sistema jurídico ao qual pertencem.
44. O Estado alegou que “aceit[ou] a jurisdição” da Corte “exclusivamente para casos
que versem sobre a interpretação ou aplicação da Convenção Americana e não sobre
tratado ou instrumento internacional diferente”. Por outro lado, o México argumentou que é
possível a não judicialização do sistema de petições incluído na Convenção de Belém do
Pará, levando em consideração instrumentos internacionais de direitos humanos que “não
estabelecem mecanismos ipso jure para a submissão de petições a tribunais internacionais”,
que inclusive estabeleceram “Protocolos” que incluem “comitês ad hoc para analisar
petições individuais”. Destacou que “não se deve esquecer que estes não são órgãos
jurisdicionais, mas que mantêm estruturas, procedimentos e faculdades similares às da
Comissão Interamericana”.
45. No sistema interamericano existem tratados que não estabelecem como mecanismo
de proteção qualquer referência ao trâmite de petições individuais, tratados que permitem o
trâmite de petições, mas as restringem para certos direitos e tratados que permitem o
trâmite de petições em termos gerais.
46. Na primeira hipótese se encontra a Convenção Interamericana para a Eliminação de
Todas as Formas de Discriminação contra as Pessoas Portadoras de Deficiência (doravante
denominada a “CIETFDPD”), cujo artigo VI estabelece que um Comitê para a Eliminação de
todas as Formas de Discriminação contra as Pessoas Portadoras de Deficiência “será o foro
para examinar o progresso registrado” na aplicação da Convenção. Neste tratado não se faz
menção ao trâmite de petições individuais que denunciem a violação desta Convenção.
47. Ums segunda hipótese se encontra em tratados que concedem competência para o
trâmite de petições, mas as restringem ratione materiae a certos direitos. Assim, por
exemplo, o artigo 19.6 do Protocolo Adicional à Convenção Americana em matéria de
Direitos Econômicos, Sociais e Culturais, “Protocolo de San Salvador”, permite a
apresentação de denúncias somente em relação ao direito à educação e aos direitos
sindicais.
48. Na terceira hipótese se encontram a Convenção Interamericana para Prevenir e Punir
a Tortura (doravante denominada a “CIPST”), a Convenção Interamericana sobre o
Desaparecimento Forçado de Pessoas (doravante denominada “CIDFP”) e a Convenção de
Belém do Pará. Estes tratados contêm normas de jurisdição diferentes da Convenção
Americana, tal como se explica a seguir.
49. O Estado alegou a “inaplicabilidade” dos critérios utilizados pela Corte em relação à
“aplicação” da CIPST e da CIDFP, levando em consideração que estas “contêm cláusulas
diferentes” do artigo 12 da Convenção de Belém do Pará, visto que este restringe a
possibilidade unicamente à Comissão Interamericana, razão pela qual se aplica o critério
interpretativo conforme o qual “a menção expressa de uma circunstância exclui às demais”
e “a expressão especial impede toda interpretação extensiva”.
50. O Tribunal constata que a CIDFP, em seu artigo XIII, afirma que as petições estarão
sujeitas às normas de procedimento da Comissão e da Corte, razão pela qual tem se
declarado sua violação em alguns casos.30

30
Cf. Caso Gómez Palomino Vs. Peru. Mérito, Reparações e Custas. Sentença de 22 de novembro de 2005.
Série C N° 136, par. 110; Caso Ticona Estrada e outros Vs. Bolívia, par. 85, nota 24 supra, e Caso Anzualdo Castro
Vs. Peru. Exceção Preliminar, Mérito, Reparações e Custas. Sentença de 22 de Setembro de 2009. Série C N° 202,
par. 61.
13

51. Por outro lado, o artigo 8 da CIPST autoriza o acesso "a instâncias internacionais,
cuja competência tenha sido aceita [pelo] Estado" ao que se atribui a violação deste
tratado. Esta Convenção não menciona a Corte Interamericana em nenhum de seus artigos.
Entretanto, a Corte declarou a violação deste tratado em diversos casos utilizando um meio
de interpretação complementar (os trabalhos preparatórios) diante da possível ambiguidade
da disposição.31
52. A Corte considera que, diferentemente do que afirma o México, a Convenção de
Belém do Pará faz menção ainda mais explícita que a CIPST à jurisdição da Corte, já que
alude expressamente às disposições que permitem à Comissão enviar estes casos à Corte.
53. Por outro lado, o Estado alegou que embora a Convenção de Belém do Pará afirme
que a Comissão deverá conhecer das petições em conformidade com as normas e
procedimentos estabelecidos na Convenção Americana, “isso somente pode significar que
deverá se acolher ao estabelecido na Seção 4 do Capítulo VII da Convenção Americana”,
pois “é aí onde são estabelecidas as regras que ordenam o procedimento de uma petição
individual”. O México alegou que o fato de que a Comissão possa apresentar um caso à
Corte “não se deve confundir” com o procedimento de petições individuais. Pelo contrário,
afirmou o Estado, “o artigo 12 da Convenção de Belém do Pará é aquele no qual a Comissão
exerce suas funções quase jurisdicionais”, e que “o fato de que o trâmite de uma petição
perante a Comissão Interamericana possa derivar em um caso perante a Corte […] não
implica que o procedimento perante a Comissão dependa do processo perante a Corte”, o
que “é evidente, visto que a conclusão de uma petição nem sempre é uma sentença da
Corte”.
54. A partir de uma interpretação sistemática, nada no artigo 12 aponta para a
possibilidade de que a Comissão Interamericana aplique o artigo 51 da Convenção
Americana de maneira fragmentada. É verdade que a Comissão Interamericana pode decidir
não enviar um caso à Corte, mas nenhuma norma da Convenção Americana nem o artigo
12 da Convenção de Belém do Pará proíbem que um caso seja transmitido ao Tribunal, se a
Comissão assim o decide. O artigo 51 é claro neste ponto.
55. A Corte reitera sua jurisprudência em torno à “integridade institucional do sistema de
proteção consagrado na Convenção Americana”. Isso significa, por um lado, que a
submissão de um caso contencioso perante a Corte em relação a um Estado Parte que
tenha reconhecido a competência contenciosa do Tribunal requer do desenvolvimento prévio
do procedimento perante a Comissão.32 Por outro lado, a competência designada à
Comissão pelo inciso f do artigo 41 da Convenção abarca os diversos atos que culminam na
apresentação de uma demanda perante a Corte para obter desta uma resolução
jurisdicional. Este artigo se refere a um âmbito no qual são atualizadas as atribuições tanto
da Comissão como da Corte, em seus respectivos momentos. Cabe recordar que a Corte é o
único órgão judicial nestas matérias.33
56. O anterior não quer dizer que um Estado Parte que não tenha reconhecido a
jurisdição contenciosa da Corte segundo a Convenção Americana e tenha ratificado, por
exemplo, a Convenção de Belém do Pará, possa ser objeto da jurisdição contenciosa deste
Tribunal. Nesse caso, a aplicação do artigo 51 se faz impossível, já que para que esse

31
Cf. Caso das “Crianças de Rua” (Villagrán Morales e outros) Vs. Guatemala. Mérito. Sentença de 19 de
novembro de 1999. Série C N° 63, pars. 247 e 248.
32
Cf. Assunto de Viviana Gallardo e outras. Série A N° G 101/81, pars. 12.b), 16, 20, 21 e 22, e Caso
Acevedo Jaramillo e outros Vs. Peru. Exceções Preliminares, Mérito, Reparações e Custas. Sentença de 7 de
fevereiro de 2006. Série C N° 144, par. 174.
33
Cf. Caso Velásquez Rodríguez Vs. Honduras. Exceções Preliminares, par. 45, nota 29 supra.
14

componente do artigo 51 opere, requer-se haver cumprido o disposto no artigo 62 da


Convenção Americana.
57. Além disso, o Tribunal reitera que ter conferido competência à Corte segundo a
Convenção Americana significa garantir que nos eventos nos quais seja estabelecido um
sistema de petições, como seja pertinente, seja garantido o controle judicial da Corte na
matéria. Diferente seria naqueles instrumentos nos quais não se estabelece um sistema de
petições como mecanismo de proteção, tal como ocorre com a CIETFDPD.
58. Em conclusão, uma interpretação sistemática das normas relevantes para resolver
esta controvérsia permite respaldar ainda mais a competência contenciosa da Corte em
relação ao artigo 7 da Convenção de Belém do Pará.
1.3. Interpretação teleológica e princípio do efeito útil
59. Em uma interpretação teleológica é analisado o propósito das normas envolvidas,
para o que é pertinente analisar o objetivo e fim do próprio tratado e, se for pertinente,
analisar os propósitos do sistema regional de proteção. Nesse sentido, tanto a interpretação
sistemática como a teleológica estão diretamente relacionadas.
60. O Estado indicou que embora “o objetivo e fim da Convenção de Belém do Pará seja
a eliminação total da violência contra a mulher”, “não se pode confundir esse fim último […]
com a judicialização do sistema de direitos e obrigações que rege o instrumento”.
61. O fim do sistema de petições consagrado no artigo 12 da Convenção de Belém do
Pará é o de fortalecer o direito de petição individual internacional a partir de certas
precisões sobre os alcances do enfoque de gênero. A adoção desta Convenção reflete uma
preocupação uniforme em todo o hemisfério sobre a gravidade do problema da violência
contra a mulher, sua relação com a discriminação historicamente sofrida e a necessidade de
adotar estratégias integrais para preveni-la, sancioná-la e erradicá-la.34 Em consequência, a
existência de um sistema de petições individuais dentro de uma convenção de tal tipo tem
como objetivo alcançar a maior proteção judicial possível, em relação àqueles Estados que
admitiram o controle judicial por parte da Corte.
62. Neste ponto é fundamental ter presente a especificidade dos tratados de direitos
humanos e seus efeitos sobre sua interpretação e aplicação. Por um lado, o objetivo e fim é
a proteção dos direitos humanos dos indivíduos; por outro lado, significa a criação de uma
ordem jurídica na qual os Estados assumem obrigações não em relação a outros Estados,
mas para os indivíduos sob sua jurisdição.35 Além disso, estes tratados são aplicados em
conformidade com a noção de garantia coletiva.36
63. No presente caso o Estado afirmou que a interpretação teleológica deriva de que,
enquanto o artigo 12 é omisso em indicar a Corte, “o artigo 11 lhe concede competência
exclusiva para emitir pareceres consultivos”, o que indica que “a intenção das partes no
tratado era precisamente delimitar as faculdades da Corte à sua função consultiva”. Por sua
vez, a Comissão e os representantes afirmaram que a Corte não pode deixar de assumir
competência para conhecer de violações à Convenção de Belém do Pará, pois isso
desconheceria o “princípio do efeito útil”. Sobre este último, o Estado afirmou que “o efeito
útil se encontra já garantido na Convenção e a aplicação do mesmo não implica que a Corte
exerça sua jurisdição sobre a mesma”, visto que isso seria “desconhecer e desqualificar” as
funções que desempenham a Comissão Interamericana de Mulheres e a Comissão
34
Preâmbulo da Convenção de Belém do Pará.
35
Cf. “Outros tratados” objeto da função consultiva da Corte (artigo 64 da Convenção Americana sobre
Direitos Humanos), par. 29, nota 29 supra.
36
Cf. Caso do Tribunal Constitucional Vs. Peru. Competência. Sentença de 24 de setembro de 1999. Série C
N° 55, par. 41, e Caso Ivcher Bronstein Vs. Peru, par. 42, nota 27 supra.
15

Interamericana de Direitos Humanos no âmbito dos mecanismos de proteção estabelecidos


pela Convenção de Belém do Pará.
64. A alegação que o Estado faz no sentido de que a Corte não teria competência
contenciosa porque o artigo 11 da Convenção de Belém do Pará somente se refere à
jurisdição consultiva da Corte não apoia esta posição, mas, ao contrário, a contradiz. De
fato, a competência consultiva não está incluída nos artigos 44 a 51 da Convenção
Americana, de modo que era necessário estabelecê-la expressamente em outra disposição.
65. Em relação ao efeito útil, a Corte reitera o indicado em sua primeira decisão
contenciosa, no sentido de que uma finalidade inerente a todo tratado é a de alcançar este
efeito.37 Isso é aplicável às normas da Convenção Americana relacionadas com a faculdade
da Comissão de apresentar casos à Corte. E é esta uma das normas à que remete a
Convenção de Belém do Pará.
1.4. Critério complementar de interpretação: os trabalhos preparatórios da
Convenção de Belém do Pará
66. O Estado manifestou que “os representantes dos Estados discutiram amplamente a
forma na qual se poderiam reivindicar violações […], concluindo que a Comissão seria o
único órgão competente para conhecer destas queixas”, manifestando sua “inconformidade
em conceder faculdades jurisprudenciais à Corte Interamericana para revisar possíveis
violações” desta Convenção. Além disso, segundo o Estado, o artigo incluído no anteprojeto
desta Convenção que facultava a esta Corte para conhecer violações à mesma, “não foi
incluído no projeto final da [C]onvenção”. Ademais, afirmou que “a faculdade de aceitar a
competência obrigatória de um tribunal é um ato soberano de cada Estado que não
encontra mais limites que a própria vontade do Estado”. Concluiu que “é evidente que foi a
intenção dos Estados signatários delimitar a competência exclusiva da Comissão para
conhecer sobre petições individuais referentes a supostas violações a [esta] Convenção”.
67. A Comissão rejeitou os argumentos do Estado relativos aos travaux préparatoires da
Convenção de Belém do Pará e considerou que “em nenhum momento os Estados
discutiram […] a possibilidade de excluir a competência material da Corte […] para conhecer
sobre o descumprimento das obrigações emanadas [desta] Convenção”. Os representantes
não ofereceram alegações neste ponto.
68. A Corte observa que a Convenção de Viena exige referir-se aos trabalhos
preparatórios somente de forma subsidiária. No presente caso, não seria necessário fazê-lo
levando em consideração o analisado até agora. Sem prejuízo disso, o Tribunal estudará os
trabalhos preparatórios para responder às alegações apresentadas pelo Estado.
69. O “Texto aprovado pela maioria” na “Reunião Intergovernamental de Especialistas”,
convocada em outubro de 1993 para revisar o projeto da Convenção Interamericana para
Prevenir, Punir e Erradicar a Violência contra a Mulher, afirmava o seguinte:
Artigo 15. Todo Estado Parte pode, a qualquer momento e em conformidade com as normas e os
procedimentos estipulados na Convenção Americana sobre Direitos Humanos, declarar que reconhece
como obrigatória de pleno direito e sem convenção especial, a competência da Corte Interamericana
de Direitos Humanos sobre todos os casos relativos à interpretação ou aplicação da presente
Convenção.38

70. Em 26 de outubro de 1993, a delegação do México apresentou uma proposta


relacionada às competências da Comissão Interamericana de Direitos Humanos e da

37
Cf. Caso Velásquez Rodríguez Vs. Honduras. Exceções Preliminares, par. 30, nota 29 supra.
38
Cf. Comissão Interamericana de Mulheres, VI Assembleia Extraordinária de Delegadas, Texto Preliminar
Inicial e a Última Versão de Projeto de Texto para a Convenção Interamericana para Prevenir, Punir e Erradicar a
Violência Contra a Mulher (Ponto 1 do temário), OEA/Ser.L/II.3.6 CIM/doc.9/94, 13 de abril de 1994, p. 16.
16

Comissão Interamericana de Mulheres (doravante denominada “CIM”). 39 Em particular, a


proposta do México se dirigia a que fosse criado um Comitê para a Eliminação da Violência
contra a Mulher que ajudasse a CIM no exame de relatórios nacionais e que revisasse
denúncias ou queixas relativas à Convenção, apresentando “um parecer sobre [estas
denúncias] à [CIM], com vistas à apresentação de casos perante a Comissão
Interamericana de Direitos Humanos”.40 Por sua vez, a delegação do Brasil informou que
“reserva[va] sua posição” frente a este artigo 15 do anteprojeto.41
71. Por outro lado, um dos documentos analisados na VI Assembleia Extraordinária de
Delegadas, que durante o ano de 1994 analisou o anteprojeto da Convenção, inclui os
comentários de alguns Governos a este documento. 42 Trinidad e Tobago apoiou a proposta
do México, ao passo que Antígua e Barbuda, Bahamas, Colômbia, Costa Rica, Equador, El
Salvador, Guatemala, Paraguai, Santa Lúcia, Uruguai e Venezuela afirmaram seu acordo
com o anteprojeto. O Chile apresentou observações que não se relacionavam aos
mecanismos de proteção. São Cristóvão e Nevis se “reserv[ou] o direito de tomar uma
decisão sobre os Artigos 13 a 15 do Projeto da Convenção e sobre as modificações
propostas ao mesmo”. Barbados e Dominica manifestaram que se entendia que o trâmite de
petições individuais estava regulamentado pela Convenção Americana. Por sua vez, o Peru
considerava pertinente um “projeto de procedimento que devesse ser seguido perante a
CIDH” ou “o estabelecimento de uma relatoria ad hoc para o caso específico das denúncias”.
72. Em 19 de abril de 1994, as delegadas da CIM reuniram-se para discutir o projeto da
Convenção e procederam a uma votação nominal dos diversos artigos. Participaram 22
países membros da OEA. Em relação ao artigo 15 do Projeto, a votação teve como
resultado: “16 votos a favor, um contra e quatro abstenções”.43 Em uma “ata resumida”
desta votação foi indicado que o artigo “não foi aprovado” porque se “requer[iam] 18 votos
a favor para aprovar uma moção”. A Corte observa que não é correto argumentar que não
houve uma maioria a favor da aprovação deste artigo, mas somente que não se obteve a
quantidade de votos suficientes.
73. Os trabalhos preparatórios, deste modo, à medida em que se relacionam a um
método subsidiário de interpretação, são completamente insuficientes como fundamento
sólido para rejeitar a interpretação realizada do artigo 12 da Convenção de Belém do Pará.
Por tal motivo, a Corte recorreu a todos os elementos primários de interpretação da
Convenção de Viena.

39
Cf. Comissão Interamericana de Mulheres, Relatório Preliminar da Segunda Sessão da Reunião
Intergovernamental de Especialistas para Considerar o Anteprojeto da Convenção Interamericana para Prevenir,
Punir e Erradicar a Violência Contra a Mulher, OEA/Ser.L/II.7.5 CIM/Recovi/doc.36/93 corr. 2, 14 de abril de 1994.
Ver em particular, Anexo I, Grupo de Trabalho II, Propostas de reforma apresentadas pela delegação do México
aos artigos 13 a 16 do capítulo IV do projeto da Convenção, WG-II/doc. 5/93 26 outubro 1993, pp. 12 e 13.
40
Cf. Comissão Interamericana de Mulheres, Anexo I, Grupo de Trabalho II, Propostas de reforma
apresentadas pela delegação do México aos artigos 13 a 16 do capítulo IV do projeto da Convenção, p. 13, nota 39
supra.
41
Cf. Comissão Interamericana de Mulheres, VI Assembleia Extraordinária de Delegadas, p. 16, nota 38
supra.
42
Cf. Comissão Interamericana de Mulheres, VI Assembleia Extraordinária de Delegadas, Comentários
Recebidos dos Governos ao Projeto da Convenção Interamericana para Prevenir, Punir e Erradicar a Violência
Contra a Mulher (Ponto 1 do temário), OEA/Ser.L/II.3.6 CIM/doc.4/94, 4 de abril de 1994.
43
Cf. Comissão Interamericana de Mulheres, VI Assembleia Extraordinária de Delegadas, Ata Resumida da
Segunda Sessão Plenária, OEA/Ser.L/II.3.6 CIM/doc.24/94, rev.1, 6 de junho de 1994. Os países que votaram a
favor foram: Equador, Bolívia, Trinidad e Tobago, Barbados, República Dominicana, Guatemala, Argentina,
Colômbia, Nicarágua, Paraguai, Dominica, Venezuela, Chile, São Cristóvão e Nevis, Peru, Uruguai. O único país que
votou contra foi o Brasil. Abstiveram-se de votar os seguintes países: México, Estados Unidos, Canadá e Jamaica.
17

1.5. Efeitos do precedente estabelecido na sentença do Caso do Presídio Miguel


Castro Castro
74. O Estado afirmou que no Caso do Presídio Miguel Castro Castro Vs. Peru a Corte “não
analisou sua competência para conhecer da Convenção de Belém do Pará”, razão pela qual
“não existe evidência dos motivos pelos quais exerceu sua competência”. Além disso,
alegou que o fato de que neste caso “não [se] tenha objetado a competência des[t]a Corte
e que esta tampouco a tenha analisado, não deve ser obstáculo para que a Corte atenda a
objeção do Estado” neste caso e “declare sua incompetência”.
75. No Caso do Presídio Miguel Castro Castro, o Tribunal declarou violada a Convenção de
Belém do Pará, o que é equivalente a declarar sua competência sobre ela. Além disso, a
Corte ressalta que não somente neste caso estabeleceu sua competência na matéria. Com
efeito, nos Casos Ríos e outros Vs. Venezuela e Perozo e outros Vs. Venezuela, embora a
Corte tenha declarado que “não correspond[ia] analisar os fatos [destes casos] sob as […]
disposições da Convenção de Belém do Pará”44 porque não se demonstrou que as agressões
foram “em especial dirigid[as] contra as mulheres” nem que “estas tenham ocorrido devido
à sua condição [de mulher]”,45 esta conclusão de não violação foi possível a partir da
análise desta Convenção. Nisso se projetou então a competência do Tribunal sobre a
mesma.
76. Em consequência, embora seja verdade que no Caso do Presídio Miguel Castro Castro
Vs. Peru não foi realizada uma análise exaustiva da competência do Tribunal para conhecer
de violações ao artigo 7 da Convenção de Belém do Pará, que em seu momento foi
considerada desnecessária diante da falta de controvérsia das partes, no presente caso, no
qual o México questionou esta competência, a Corte expôs os motivos que a levam a
reafirmar sua jurisprudência na matéria.
*
* *
77. Tudo isso permite concluir que a conjunção entre as interpretações sistemática e
teleológica, a aplicação do princípio do efeito útil, somadas à suficiência do critério literal no
presente caso, permitem ratificar a competência contenciosa da Corte para conhecer de
violações do artigo 7 da Convenção de Belém do Pará.
2. Incompetência do Tribunal em relação aos artigos 8 e 9 da Convenção
de Belém do Pará
78. A Comissão Interamericana não alegou a competência contenciosa da Corte em
relação aos artigos 8 e 9 da Convenção de Belém do Pará. Por sua vez, os representantes
aludiram a esta competência, levando em consideração a “relação direta” do artigo 9 com o
artigo 7 desta Convenção, em razão de uma “interpretação pro personae” do artigo 12 e do
princípio do efeito útil. Acrescentaram que a Corte deve “assumir em conjunto ambos os
artigos para conhecer das violações alegadas”.
79. A Corte considera que os critérios sistemáticos e teleológicos são insuficientes para se
sobrepor ao que indica claramente o teor literal do artigo 12 da Convenção de Belém do
Pará, onde se afirma que o sistema de petições se concentrará exclusivamente na possível
violação do artigo 7 desta Convenção. A esse respeito, a Corte ressalta que a partir do
princípio de interpretação mais favorável não se pode derivar um enunciado normativo

44
Caso Ríos e outros Vs. Venezuela. Exceções Preliminares, Mérito, Reparações e Custas. Sentença de 28 de
janeiro de 2009. Série C N° 194, par. 280 e Caso Perozo e outros Vs. Venezuela, par. 296, nota 22 supra.
45
Caso Ríos e outros Vs. Venezuela, par. 279, nota 44 supra, e Caso Perozo Vs. Venezuela, pars. 295 e 296,
nota 22 supra.
18

inexistente, neste caso, a integração dos artigos 8 e 9 ao teor literal do artigo 12. Isso não
impede que os diversos artigos da Convenção de Belém do Pará sejam utilizados para a
interpretação da mesma e de outros instrumentos interamericanos pertinentes.
*
* *

80. Por todo o exposto, o Tribunal decide aceitar parcialmente a exceção preliminar
interposta pelo Estado e, portanto, declarar que: a) tem competência contenciosa em razão
da matéria para conhecer de alegadas violações ao artigo 7 da Convenção de Belém do
Pará, e b) não tem competência contenciosa em razão da matéria para conhecer de
supostas violações aos artigos 8 e 9 deste instrumento internacional.
V
COMPETÊNCIA
81. A Corte Interamericana é competente, nos termos do artigo 62.3 da Convenção, para
conhecer do presente caso, em razão de que o México é Estado Parte na Convenção
Americana desde 24 de março de 1981 e reconheceu a competência contenciosa do Tribunal
em 16 de dezembro de 1998. Além disso, o Estado ratificou a Convenção de Belém do Pará
em 12 de novembro de 1998.
VI
PROVA
82. Com base no estabelecido nos artigos 44 e 45 do Regulamento, bem como em sua
jurisprudência em relação à prova e sua apreciação, 46 a Corte examinará e apreciará os
elementos probatórios documentais apresentados pelas partes em diversas oportunidades
processuais, bem como as declarações prestadas através de affidavit e em audiência
pública. Para isso, o Tribunal se aterá aos princípios da crítica sã, dentro do marco legal
correspondente.47

1. Prova testemunhal e pericial


83. Foram recebidas as declarações escritas das seguintes testemunhas e peritos:
a) Luis Alberto Bosio. Testemunha proposta pela Comissão. Declarou, inter alia, sobre
“os reconhecimentos médico-forenses e pareceres médico-ósseos em antropologia
forense que praticou em relação a vários dos restos encontrados no denominado
‘Campo Algodoeiro’ entre 6 e 7 de novembro de 2001; suas conclusões, e a
compatibilidade dos exames realizados com anterioridade, em relação aos mesmos
restos, com os padrões internacionais aplicáveis na matéria”.
b) Mercedes Doretti. Testemunha proposta pela Comissão. Declarou, inter alia, sobre “as
investigações desenvolvidas pela EAAF [Equipe Argentina de Antropologia Forense]
em relação aos homicídios de mulheres e meninas cometidos no Estado de
Chihuahua, México; o processo de identificação das vítimas de tais crimes; a conduta

46
Cf. Caso da “Panel Blanca” (Paniagua Morales e outros) Vs. Guatemala. Reparações e Custas. Sentença de
25 de maio de 2001. Série C N° 76, par. 50; Caso Acevedo Buendía e outros (“Demitidos e aposentados da
Controladoria”) Vs. Peru. Exceções Preliminares, Mérito, Reparações e Custas. Sentença de 1° de julho de 2009.
Série C N° 198, par. 22, e Caso Escher e outros Vs. Brasil. Exceções Preliminares, Mérito, Reparações e Custas.
Sentença de 6 de julho de 2009. Série C N° 199, par. 55.
47
Cf. Caso da “Panel Blanca” (Paniagua Morales e outros) Vs. Guatemala, par. 76, nota 46 supra; Caso
Reverón Trujillo Vs. Venezuela. Exceções Preliminares, Mérito, Reparações e Custas. Sentença de 30 de junho de
2009. Série C N° 197, par. 26, e Caso Escher e outros Vs. Brasil, par. 55, nota 46 supra.
19

e níveis de colaboração das autoridades diante de tais investigações, e as conclusões


da EAAF a partir de suas investigações”.
c) Carlos Castresana Fernández. “[M]embro da equipe do Escritório das Nações Unidas
contra a Droga e o Crime (UNODC) que fiscalizou, em 2003, as investigações
relizadas no âmbito interno em relação aos homicídios de mulheres e meninas em
Ciudad Juárez, incluídos os casos de Campo Algodoeiro”. Perito proposto pela
Comissão. Declarou, inter alia, sobre “a devida diligência nos processos de
investigação de crimes desta natureza; e a condução das investigações nos Casos
Campo Algodoeiro à luz dos padrões internacionais aplicáveis à matéria”.
d) Servando Pineda Jaimes. “Diretor da Faculdade de Ciências Sociais da Universidade
Autônoma de Ciudad Juárez”. Perito proposto pela Comissão. Declarou, inter alia,
sobre “as causas e consequências do fenômeno dos desaparecimentos e homicídios
de mulheres e meninas no Estado de Chihuahua; e os padrões socioculturais que
condicionam as atuações judiciais e da polícia em relação a este tipo de casos”.
e) Clyde Snow. “Antropólogo forense”. Perito proposto pela Comissão. Declarou, inter
alia, sobre “os padrões internacionais aplicáveis à identificação dos restos de vítimas
de crimes violentos; a preservação correta de evidência essencial neste tipo de casos;
[e] o processo de identificação genética de restos humanos”.
f) Oscar Máynez Grijalva. Testemunha proposta pelos representantes. Declarou, inter
alia, sobre “o processo de levantamento pericial dos corpos, o manejo institucional do
caso durante o tempo em que ele trabalhou como servidor público, as [supostas]
pressões das autoridades para dar uma resposta rápida; as [alegadas] anomalias e
irregularidades que lhe constam; o motivo de sua renúncia; [e] as [supostas]
pressões por parte das autoridades”.
g) Ana Lorena Delgadillo Pérez. Testemunha proposta pelos representantes. Declarou,
inter alia, sobre “o desempenho institucional das autoridades (federais e locais)
envolvidas na investigação e julgamento do caso; a forma de atenção e tratamento
aos familiares das vítimas por parte das diversas instâncias de governo que
intervieram no caso; as [alegadas] dificuldades das famílias [para ter] acesso à
justiça; a colaboração das diversas autoridades entre s[i]; [e] a necessidade de
mecanismos nacionais eficientes para a busca de mulheres desaparecidas”.
h) Abraham Hinojos. Testemunha proposta pelos representantes. Declarou, inter alia,
sobre “elementos [supostamente] valiosos sobre todos [os] elementos que integram
a impunidade no caso: vítimas e fabricação de culpados”.
i) Rosa Isela Pérez Torres. Testemunha proposta pelos representantes. Declarou, inter
alia, sobre “[sua documentação da] violência contra as mulheres em Ciudad Juárez e
as [supostas] atuações irregulares das autoridades locais e federais” e “a [suposta]
influência do governo do Estado no manejo da informação nos meios de comunicação
sobre a violência contra as mulheres, em especial sobre os homicídios de mulheres
registrados desde 1993”.
j) Elizabeth Lira Kornfeld. “[E]specialista em psicologia social”. Perita proposta pelos
representantes. Declarou, inter alia, sobre “os critérios e mecanismos para reparar o
dano às vítimas de violência contra as mulheres, em especial às famílias de mulheres
vítimas de homicídio” e sobre “diretrizes para mitigar as sequelas da tortura
psicológica nas famílias das vítimas a partir de critérios de saúde mental comunitária
e direitos humanos”.
k) Jorge de la Peña Martínez. “[P]siquiatra”. Perito proposto pelos representantes.
Declarou, inter alia, sobre o “[alegado] dano psicológico ocasionado [às s]enhoras
20

Josefina González e Benita Monárrez e suas famílias em razão do [suposto]


desaparecimento e homicídio [de] suas filhas, vinculado à [suposta] violência
institucional de que foram parte”.
l) Fernando Coronado Franco. “[E]specialista em Direito Penal mexicano e Direito
Internacional dos Direitos Humanos”. Perito proposto pelos representantes. Declarou,
inter alia, “sobre o papel e a atuação do [M]inistério [P]úblico e do [P]oder
[J]udiciário no caso ‘Campo Algodoeiro’; os [supostos] principais obstáculos para o
acesso à justiça e o desenvolvimento de um direito penal democrático à raiz das
reformas constitucionais; a [suposta] repercussão destas reformas nas legislaturas
dos estados, entre eles, o Estado de Chihuahua; as repercussões de não contar com
um sistema acusatório e a [alegada] ausência de controles para a atuação do
[M]inistério [P]úblico no caso Campo Algodoeiro; os poderes fáticos que
[supostamente] impossibilitaram a resolução das investigações realizadas no Caso
Campo Algodoeiro; a [suposta] ausência de mecanismos eficazes na proteção e
promoção dos direitos humanos no Estado [m]exicano[,] e a [alegada] repercussão
disto tanto nas vítimas como nos prováveis responsáveis”.
m) Elena Azaola Garrido. “[E]specialista em psicologia, perspectiva de gênero, direitos da
infância e processos de vitimização”. Perita proposta pelos representantes. Declarou,
inter alia, sobre “o [suposto] processo de vitimização dos familiares das vítimas de
homicídio e desaparecimento relacionados com o caso Campo Algodoeiro, a [alegada]
repercussão em suas vidas e os [supostos] danos causados” e sobre “o [alegado]
dano psicológico ocasionado à [s]enhora Irma Monreal Jaime e sua família com
motivo do [suposto] desaparecimento e homicídio de Esmeralda Herrera Monreal,
ligado à [suposta] violência institucional de que foi parte”.
n) Marcela Patricia María Huaita Alegre. “[E]specialista sobre violência de gênero e
direito das mulheres de acesso à justiça”. Perita proposta pelos representantes.
Declarou, inter alia, sobre “o [alegado] problema das famílias relacionadas ao caso
Campo Algodoeiro para ter acesso à justiça, a [suposta] conduta discriminatória das
autoridades para resolver casos de violência contra as mulheres, a [suposta] ausência
de políticas de gênero na busca e administração de justiça, a [suposta] ausência de
pressupostos com perspectiva de gênero; [e] a [alegada] ausência de estratégias
estaduais e nacionais para investigar casos paradigmáticos de violência contra as
mulheres que possam estar vinculadas com tráfico ou exploração sexual”.
o) Marcela Lagarde y de los Ríos. “[E]specialista em direitos humanos das mulheres,
perspectiva de gênero e políticas públicas”. Perita proposta pelos representantes.
Declarou, inter alia, sobre “a [alegada] ausência de política de gênero em Ciudad
Juárez e Chihuahua, bem como no restante do [E]stado mexicano; as [supostas]
dificuldades das mulheres para ter acesso aos serviços prestados pelo [E]stado, as
políticas [supostamente] discriminatórias pelo fato de ser mulher; a [suposta] falta de
prevenção da violência de gênero; o papel do poder legislativo na criação de políticas
de gênero; o papel do poder legislativo como órgão supervisor na atuação das
instituições; [e] a especificação dos diferentes tipos e modos de violência que têm
enfrentado as mulheres em Ciudad Juárez, de maneira especial as [supostas] vítimas
de desaparecimento, homicídio e seus familiares”.
p) Clara Jusidman Rapoport. “Especialista em políticas públicas e gênero”. Perita
proposta pelos representantes. Declarou, inter alia, sobre “a avaliação […] que
realizou em Ciudad Juárez e Chihuahua, indicando os principais obstáculos que
[supostamente] enfrenta a administração pública de Ciudad Juárez como resultado da
[suposta] ausência de políticas públicas com perspectiva de gênero; as [alegadas]
repercussões da [suposta] ausência de políticas públicas com perspectiva de gênero
21

no âmbito nacional; os principais desacertos em matéria de gênero por parte das


autoridades estaduais e nacionais; [e] o contexto social, político e econômico de
violência contra as mulheres que vive Ciudad Juárez”.
q) Julia Monárrez Fragoso. “[E]specialista em violência em razão de gênero […] que
estudou durante anos o contexto de violência de gênero em Ciudad Juárez”. Perita
proposta pelos representantes. Declarou, inter alia, sobre “os [supostos] feminicídios
em Ciudad Juárez e em especial, sobre o [alegado] padrão sistêmico de violência
sexual feminicida; a [suposta] imperícia das autoridades para investigar casos que
apresentam o mesmo padrão de violência; a [alegada] falta de acesso à informação
ou de informação sistematizada e clara que impede investigações baseadas em dados
oficiais; o manejo […] do [E]stado para informar a sociedade sobre o número de
homicídios de mulheres [e] o número de mulheres desaparecidas; a [suposta]
minimização das autoridades diante do contexto de violência contra as mulheres; o
papel das instâncias governamentais e não governamentais no atendimento dos
familiares das mulheres desaparecidas ou não identificadas; o papel da sociedade de
Ciudad Juárez diante do contexto de violência contra as mulheres; os atores políticos
e sociais que [supostamente] permitiram o contexto de violência contra as mulheres;
[e] a reação dos empresários, meios de comunicação, igreja e outros setores da
sociedade diante dos [alegados] feminicídios”.
r) Mara Galindo López. Testemunha proposta pelo Estado. Declarou, inter alia, sobre
“[a]s funções do órgão [de Atendimento a Vítimas da Subprocuradoria da Região
Norte da Procuradoria Geral de Justiça do Estado de Chihuahua]; [os] [alegados]
apoios materiais proporcionados aos familiares de Claudia Ivette González, Laura
Berenice Ramos Monárrez e Esmeralda Herrera Monreal; e [a] [suposta] atenção não
material proporcionada aos familiares de Claudia Ivette González, Laura Berenice
Ramos Monárrez e Esmeralda Herrera Monreal”.
s) Flor Rocío Murguía González. Testemunha proposta pelo Estado. Declarou, inter alia,
sobre “[a] integração ministerial das averiguações pela morte de Claudia Ivette
González, Laura Berenice Ramos Monárrez e Esmeralda Herrera Monreal; e [as]
diretrizes de investigação da Promotoria [Especializada em Investigação de
Homicídios de Mulheres em Juárez,] sob sua responsabilidade”.
t) Eberth Castañón Torres. Testemunha proposta pelo Estado. Declarou, inter alia, sobre
“[as] análises periciais realizadas em torno às investigações das mortes de Claudia
Ivette González, Laura Berenice Ramos Monárrez e Esmeralda Herrera Monreal”; e os
“[alegados a]vanços e resultados em matéria de genética forense no Estado de
Chihuahua, em especial em Ciudad Juárez, derivados da implementação do novo
sistema de justiça penal e das reformas em matéria forense”.
u) Luisa Fernanda Camberos Revilla. Testemunha proposta pelo Estado. Declarou, inter
alia, sobre “[a] política integral do governo do Estado de Chihuahua implementada
para prevenir, investigar, punir e eliminar a violência contra a mulher; [os] resultados
dos programas para prevenir, investigar, punir e eliminar a violência contra a mulher
implementados pelo governo do Estado de Chihuahua, e [os] [alegados] apoios
materiais e não materiais concedidos pelo Instituto [Chihuahuense da Mulher] aos
familiares de mulheres vítimas de crimes, em especial aqueles concedidos aos
familiares de Claudia Ivette González, Laura Berenice Ramos Monárrez e Esmeralda
Herrera Monreal”.
v) María Sofía Castro Romero. Testemunha proposta pelo Estado. Declarou, inter alia,
sobre “[a] criação e funcionamento da Comissão para Prevenir e Erradicar a Violência
contra as Mulheres em Ciudad Juárez[, e ]os resultados da intervenção da Comissão
para Prevenir e Erradicar a Violência contra as Mulheres em Ciudad Juárez nos
22

programas de prevenção e atenção à violência contra as mulheres em Chihuahua, em


especial em Ciudad Juárez”.
84. Em relação à prova apresentada em audiência pública, a Corte recebeu as
declarações das seguintes pessoas:
a) Josefina González Rodríguez. Mãe de Claudia Ivette González e suposta vítima.
Testemunha proposta pela Comissão. Declarou, inter alia, sobre “as diversas gestões
realizadas pela família de [Claudia Ivette] no período imediatamente posterior a seu
[alegado] desaparecimento; a resposta e atitude das autoridades frente a tais
gestões; a condução das investigações no âmbito interno depois da descoberta dos
restos de sua filha; os [supostos] obstáculos enfrentados pela família de [Claudia
Ivette] na busca de justiça para o caso; [e] as [alegadas] consequências das
[supostas] violações aos direitos humanos sofridas por sua filha em sua vida pessoal
e para a família”.
b) Irma Monreal Jaime. Mãe de Esmeralda Herrera Monreal e suposta vítima.
Testemunha proposta pela Comissão. Declarou, inter alia, sobre “sua [suposta]
história de vitimização à raiz do [alegado] desaparecimento de sua filha, as ações
realizadas, as [supostas] violações de que foi objeto por parte das autoridades
mexicanas, sua resposta, atitude e os [alegados] danos ocasionados; o [suposto]
tortuoso e confuso processo de identificação de [sua filha Esmeralda]; a condução
das investigações; os [alegados] obstáculos e a denegação de justiça; a condução do
fundo criado pela Procuradoria Estadual e pela [Procuradoria Geral da República]; as
repercussões em sua vida e na de sua família com motivo do [suposto] processo de
vitimização; a gestão dos outros apoios dados pelo governo; a [alegada] falta de
acesso à informação; a [suposta] ausência de assessoria e apoio jurídico para
impulsionar as investigações; a [alegada] negligência das autoridades; o processo
que teve que viver para ter acesso ao Sistema Interamericano; [e] a [suposta]
pressão das autoridades”.
c) Benita Monárrez Salgado. Mãe de Laura Berenice Ramos Monárrez e suposta vítima.
Testemunha proposta pela Comissão. Declarou, inter alia, sobre “sua [suposta]
história de vitimização à raiz do [alegado] desaparecimento de sua filha, as ações
realizadas, as [supostas] violações de que foi objeto por parte das autoridades
mexicanas, sua resposta, atitude e os danos ocasionados; o [suposto] tortuoso e
confuso processo de identificação de [sua filha Laura]; a condução das investigações;
os [alegados] obstáculos e a denegação de justiça; a condução do fundo criado pela
Procuradoria Estadual e pela [Procuradoria Geral da República]; as [supostas]
repercussões em sua vida e na de sua família com motivo do [suposto] processo de
vitimização; a gestão dos outros apoios dados pelo governo; a [alegada] falta de
acesso à informação; a [suposta] ausência de assessoria e apoio jurídico para
impulsionar as investigações; a [alegada] negligência das autoridades; o processo
que teve que viver para ter acesso ao Sistema Interamericano; [e] a [suposta]
pressão das autoridades”.
d) Rhonda Copelon, Professora de Direito, especialista, inter alia, em Direitos Humanos,
Direito Penal Internacional, gênero e violência contra as mulheres. Perita proposta
pela Comissão. Declarou, inter alia, sobre “o problema da violência contra as
mulheres em geral; sua relação com a discriminação historicamente sofrida; a
necessidade de fortalecimento institucional e adoção de estratégias integrais para
preveni-la, sancioná-la e erradicá-la; e o acesso à justiça por parte das vítimas de
violência de gênero”. Após sua declaração oral, a perita enviou ao Tribunal uma
versão por escrito de sua peritagem.
e) Rodrigo Caballero Rodríguez. Testemunha proposta pelo Estado. Declarou, inter alia,
23

sobre “[as] diligências realizadas na investigação ministerial pela morte de Claudia


Ivette González, Laura Berenice Ramos Monárrez e Esmeralda Herrera Monreal,
durante a segunda etapa das investigações; [os] resultados obtidos nesta[s]
indagações; e [as] diligências em processo e pendentes de resolver”.
f) Silvia Sepúlveda Ramírez. Testemunha proposta pelo Estado. Declarou, inter alia,
sobre “[as] análises periciais realizadas em torno às investigações das mortes de
Claudia Ivette González, Laura Berenice Ramos Monárrez e Esmeralda Herrera
Monreal; e [os a]vanços e resultados em matéria de genética forense no Estado de
Chihuahua, em especial em Ciudad Juárez, derivados da implementação do novo
sistema de justiça penal e das reformas em matéria forense”.
g) Rosa Isela Jurado Contreras. “Magistrada da Sexta Sala Penal do Superior Tribunal de
Justiça de Chihuahua”. Perita proposta pelo Estado. Declarou, inter alia, sobre “[as]
reformas legislativas e o funcionamento do novo sistema de justiça penal no Estado
de Chihuahua, bem como seus resultados e projeções”.
2. Apreciação da prova
85. Neste caso, como em outros,48 o Tribunal admite o valor probatório dos documentos
apresentados oportunamente pelas partes que não foram controvertidos nem objetados,
nem cuja autenticidade foi colocada em dúvida, bem como os documentos solicitados como
prova para melhor resolver e aqueles que se referem a fatos supervenientes.
86. Em relação aos testemunhos e perícias, a Corte os considera pertinentes na medida
em que se ajustem ao objeto definido pela Presidência na Resolução que ordenou recebê-los
(par. 10 supra), os quais serão apreciados no capítulo que corresponda. Em relação às
declarações das vítimas, por terem um interesse no presente caso suas declarações não
serão apreciadas isoladamente, mas dentro do conjunto das provas do processo. 49
87. O Estado questionou as declarações periciais dos senhores Castresana e Snow, bem
como as declarações testemunhais dos senhores Bosio e Hinojos e da senhora Delgadillo
Pérez, afirmando que as mesmas se referiram a pessoas alheias a esta litis. A esse respeito,
o Tribunal reitera que, em conformidade com a Resolução de 19 de janeiro de 2009 (par. 9
supra), a situação de pessoas alheias a este caso poderá ser utilizada
como prova relevante no momento de avaliar o alegado contexto de violência contra a mulher, as
supostas falências nas investigações realizadas no foro interno e outros aspectos denunciados em
detrimento das três supostas vítimas identificadas na demanda.50

88. O Estado impugnou a declaração do perito Castresana Fernández, alegando que o


perito não participou nas ações do Estado realizadas desde 2003. A esse respeito, o Tribunal
apreciará no mérito do assunto se o afirmado pelo perito encontra sustento probatório.
89. O Estado questionou o perito Pineda Jaimes por parcialidade e falta de conhecimento
na área de sua perícia. Também afirmou que não proporcionou informação
metodologicamente organizada que apresente elementos especializados e imparciais e que
as conclusões referentes às medidas e parâmetros de reparação do dano e os direitos dos
defensores de direitos humanos se encontram fora do objeto de sua perícia. A esse respeito,
o Tribunal considera que o Estado não apresentou fundamentos da alegada parcialidade que
indiquem que se apresenta uma das causas de impedimento previstas no artigo 19 do

48
Cf. Caso Velásquez Rodríguez Vs. Honduras. Exceções Preliminares, par. 140, nota 29 supra; Caso Ríos e
outros Vs. Venezuela, par. 81, nota 44 supra, e Caso Perozo e outros Vs. Venezuela, par. 94, nota 22 supra.
49
Cf. Caso Loayza Tamaio Vs. Peru. Mérito. Sentença de 17 de setembro de 1997. Série C N° 33, par. 43;
Caso Valle Jaramillo e outros. Mérito, Reparações e Custas. Sentença de 27 de novembro de 2008. Série C N° 192,
par. 54, e Caso Reverón Trujillo Vs. Venezuela, par. 45, nota 47 supra.
50
Cf. González e outras (“Campo Algodoeiro”) Vs. México, considerando quadragésimo sexto, nota 4 supra.
24

Estatuto. Em relação às conclusões do perito que estariam fora do objeto de sua declaração,
a Corte as considera úteis para o presente caso, de modo que as admite, em conformidade
com o artigo 45.1 do Regulamento.
90. O Estado afirmou que o senhor Snow estabeleceu observações genéricas em sua
perícia que não devem ser levadas em consideração. A esse respeito, a Corte analisará as
supostas observações genéricas do perito no mérito do assunto e verificará se as mesmas
encontram respaldo no restante do acervo probatório.
91. Sobre a perita Copelon, o Estado afirmou que o escrito apresentado por esta (par.
84.d) excede o permitido expressamente pela Presidenta na audiência pública, e que a
especialista faz alusão a situações supostamente ocorridas em Ciudad Juárez “sem contar
com a autoridade pericial para fazê-lo”, de modo que solicitou que fossem rejeitadas certas
seções da perícia. A esse respeito, o Tribunal não terá em consideração as afirmações da
perita que excedam o objeto definido pela Presidenta na audiência pública. Em relação à
“autoridade pericial”, o Tribunal apreciará no mérito do assunto se o asseverado pela
especialista tem relação com o restante do acervo probatório.
92. O Estado questionou a perícia da senhora Lira Kornfeld por falta de metodologia,
parcialidade e desconhecimento do caso. Fundamentou o anterior no fato de que a perita
baseou suas afirmações em relatórios psicológicos realizados por outras pessoas e em
testemunhos apresentados em nove casos análogos, bem como pelo fato de que a perita fez
certas acusações contra o Estado em matéria de administração de justiça. O Tribunal não
considera que referir-se a testemunhos de outras vítimas ou relatórios de outros
profissionais implique uma falta de metodologia da especialista, sobretudo se estas
declarações e relatórios têm a ver com a problemática tratada no presente caso. Por outro
lado, o Tribunal recorda que, à diferença das testemunhas, os peritos podem proporcionar
opiniões técnicas ou pessoais que se relacionem com seu especial saber ou experiência.
Além disso, os peritos podem se referir tanto a pontos específicos da litis como a qualquer
outro ponto relevante do litígio, desde que se circunscrevam ao objeto para o qual foram
convocados.51
93. Em relação à declaração pericial do senhor De La Peña Martínez, o Estado
argumentou que, “embora as observações do perito poderiam ser valiosas, estas não
podem ser levadas em consideração pelo Tribunal, já que em conformidade com a
metodologia utilizada pelo declarante, observa-se que este nunca teve contato direto com
as vítimas nem avaliou as ações do Estado em matéria de reparação do dano psicológico,
fato que claramente denota a subjetividade de suas manifestações”. A Corte coincide com o
Estado em que a entrevista direta com as supostas vítimas haveria podido proporcionar
mais dados ao especialista para a realização de sua perícia. Entretanto, a falta de entrevista
direta não é motivo suficiente para rejeitar a peritagem, mas é uma questão que incide no
peso probatório da mesma. Por conseguinte, o Tribunal a admite e a apreciará juntamente
com o restante da prova operante nos autos.
94. Sobre a declaração do senhor Coronado Franco, o Estado criticou o fato de que a
perícia se baseasse na demanda da Comissão, no escrito dos representantes e nos
processos penais n° 426/01, 48/01 e 74/04, sem levar em consideração a informação
proporcionada pelo Estado nem explicar a relação desses processos penais com o caso. A
Corte considera que o fato de que o perito tenha se abstido de levar em consideração a
informação proporcionada pelo Estado não é motivo para rejeitar a perícia. O que
corresponde nesta situação é que o Tribunal leve em consideração o exposto pelo perito,
verifique-o com as alegações e a prova apresentada pelo Estado e obtenha as conclusões
que se derivem da lógica e da crítica sã, o que será feito no mérito do assunto.

51
Cf. González e outras (“Campo Algodoeiro”) Vs. México, considerando septuagésimo quinto, nota 6 supra.
25

95. Em relação à declaração da senhora Azaola Garrido, o Estado afirmou que do


currículo da perita “se observa seu desconhecimento e inexperiência em relação à disciplina
da psicanálise, à síndrome de estresse pós-traumático e à avaliação de danos à saúde física
e mental das pessoas”. O Estado não solicitou que se descarte esta perícia, de modo que a
Corte a apreciará juntamente com o restante das provas nos autos, levando em
consideração as observações estatais e o currículo da especialista.
96. Sobre a peritagem da senhora Huaita Alegre, o Estado manifestou que “não se
baseia nos conhecimentos especializados […], mas em determinações da C[omissão]”; não
demonstra a suposta conduta discriminatória das autoridades na administração de justiça
com posterioridade ao ano de 2003, e que a perita solicita à Corte que “declare a
responsabilidade do Estado por não haver atuado com a devida diligência, sendo que não
está dentro do objeto de sua perícia julgar as atuações do Estado”. O Tribunal, se
necessário, apreciará no mérito do assunto as fontes nas quais a perita baseia suas
conclusões e o período temporal ao qual sua perícia se refere.
97. No que se refere à senhora Lagarde y de los Ríos, o Estado expôs uma série de
questionamentos aos dados proporcionados pela perita, e solicitou que sejam considerados
na hora de fixar o peso probatório da peritagem. O Tribunal, no mérito do assunto,
analisará a perícia juntamente com as demais provas dos autos e levando em consideração
as observações do Estado.
98. Sobre a perícia da senhora Jusidman Rapoport, o Estado indicou que contém dados
desatualizados, de modo que solicitou que seja descartada. A Corte considera que mesmo
quando a perícia contiver dados desatualizados, isso não é motivo suficiente para descartá-
la, mas para apreciá-la no âmbito temporal ao que se refere e levando em consideração a
prova atualizada que as partes tenham apresentado. Por outro lado, a Corte observa que a
perita ampliou motu propio o objeto de sua peritagem, o que não foi objetado pelas partes.
Levando em consideração o anterior e considerando que a ampliação é útil para o presente
caso, o Tribunal a aceita, em conformidade com o artigo 45.1 do Regulamento.
99. Em relação à especialista Monárrez Fragoso, o Estado objetou que a perícia se
baseasse em uma investigação realizada com um fim distinto à perícia, que a perita se
refere a casos fora da litis, que os dados estatísticos apresentados pela perita não estão
atualizados, e que certa terminologia utilizada pela perita, segundo o Estado, não existe na
legislação nacional. O Tribunal considera que o fim inicial da investigação realizada pela
perita não incide no valor probatório de sua perícia; que os casos a que se refere a perita
são relevantes para apreciar o contexto no que se enquadra o presente caso; que a
peritagem será levada em consideração no período temporal a que se refira, e que as
questões terminológicas e de peso probatório serão analisadas no mérito do assunto.
100. Sobre o testemunho da senhora Castro Romero, os representantes contradisseram
várias de suas afirmações, o que, caso seja pertinente, será apreciado pela Corte no mérito
do assunto.
101. No tocante ao testemunho do senhor Bosio, o Estado manifestou que a testemunha
realizou uma análise de algumas das perícias médico-forenses dos corpos encontrados em
Campo Algodoeiro em 2001 e que “a realização destas perícias são fatos que não constam
diretamente à testemunha, já que sua intervenção no caso foi a partir de 2005”; que a
Comissão deveria ter proposto sua declaração na qualidade de perícia e não de testemunho;
e que a testemunha realizou conclusões que “não lhe constam nem lhe são próprias”. A
esse respeito, o Tribunal reitera que uma testemunha pode se referir aos fatos e
circunstâncias que lhe constem em relação ao objeto de sua declaração e deve evitar dar
26

opiniões pessoais,52 em virtude de que qualquer opinião da testemunha Bosio não será
levada em consideração pela Corte.
102. Sobre o testemunho da senhora Doretti, o Estado o objetou porque “apresenta
informação confidencial que poderia afetar a investigação dos homicídios” das supostas
vítimas. A esse respeito, o Tribunal confirma o exposto na Resolução da Presidenta de 18 de
março de 2009 (par. 10 supra), no sentido de que,
a efeitos do procedimento internacional perante este Tribunal, o conflito de direitos entre o dever
de confidencialidade e o interesse público internacional em esclarecer os fatos relacionados com
os alcances da atribuição de responsabilidade ao Estado, resolve-se oferecer a maior proteção
possível para as testemunhas que comparecem perante a Corte, a fim de que suas declarações
possam ser realizadas com a maior liberdade. Nesse sentido, a defesa do Estado não pode
descansar em objetar totalmente uma declaração que, em alguns de seus componentes,
dificilmente possa ser substituída com outros meios probatórios.53

103. Sobre o testemunho do senhor Maynez Grijalva, o Estado questionou sua veracidade
e afirmou que em vários parágrafos a testemunha ofereceu opiniões pessoais sem
sustentação probatória. A Corte não levará em consideração as meras opiniões da
testemunha e verificará com o resto do acervo probatório cada uma de suas afirmações que
sejam relevantes para o presente caso.
104. O Estado solicitou que seja rejeitado o testemunho da senhora Delgadillo Pérez, em
virtude de que a declarante excedeu o objeto do testemunho e expôs opiniões pessoais. O
Tribunal manifesta que as meras opiniões da testemunha não serão levadas em
consideração. Em relação às afirmações da testemunha que saem fora do objeto de sua
declaração, a Corte as apreciará se forem úteis para a resolução do presente caso.
105. Sobre o testemunho do senhor Hinojos, o Estado expôs que este é “o representante
legal de Edgar Álvarez Cruz, que foi condenado por sua responsabilidade no homicídio de
uma mulher em Ciudad Juárez [e s]eu testemunho carece de valor, visto que poderia estar
tentando favorecer seu representado”. A esse respeito, o Tribunal reitera que para as
testemunhas rege o dever consagrado no artigo 48.1 do Regulamento de dizer “a verdade,
toda a verdade e nada mais que a verdade” em relação aos fatos e circunstâncias que lhe
constem. Para verificar se o senhor Hinojos se ateve à verdade, a Corte apreciará sua
declaração, no mérito do assunto, juntamente com o restante do acervo probatório.
106. Em relação à declaração da senhora Pérez Torres, o Estado solicitou que seja
rejeitada, inter alia, porque não foi prestada perante agente dotado de fé pública como
requereu a Presidenta. A Corte confirma que não consta nos autos que os representantes
tenham enviado a declaração da mencionada testemunha perante agente dotado de fé
pública, de modo que decide desconsiderá-la por não se ajustar ao ordenado pela
Presidenta (par. 10 supra).
107. Sobre as declarações das testemunhas Murguía González, Castañón Torres, Galindo
López e Camberos Revilla, os representantes questionaram a informação por eles
apresentada e objetaram sua credibilidade, o que será verificado pelo Tribunal no mérito do
assunto, em conformidade com a crítica sã e levando em consideração o restante do acervo
probatório.
108. O Tribunal observa que vários documentos citados pelas partes em seus respectivos
escritos não foram apresentados à Corte, entre estes se encontram alguns correspondentes
a instituições públicas do Estado, que puderam ser localizados através da Internet. Do
mesmo modo, as partes incluíram links diretos a páginas da Internet. No presente caso, a
Corte observa que os documentos apresentados desta maneira são pertinentes e as partes

52
Cf. González e outras (“Campo Algodoeiro”) Vs. México, considerando quadragésimo sétimo, nota 6 supra.
53
Cf. González e outras (“Campo Algodoeiro”) Vs. México, considerando trigésimo sexto, nota 6 supra.
27

tiveram a possibilidade de controvertê-los, mas não o fizeram. Por isso, estes documentos
são aceitos e incorporados aos autos, já que não foi afetada a segurança jurídica nem o
equilíbrio processual das partes.
VII
SOBRE A VIOLÊNCIA E A DISCRIMINAÇÃO CONTRA A MULHER NESTE CASO
ARTIGOS 4 (DIREITO À VIDA),54 5 (DIREITO À INTEGRIDADE PESSOAL),55 7
(DIREITO À LIBERDADE PESSOAL),56 8 (GARANTIAS JUDICIAIS)57 19 (DIREITOS
DA CRIANÇA)58 E 25 (PROTEÇÃO JUDICIAL),59 EM RELAÇÃO AOS ARTIGOS 1.1
(OBRIGAÇÃO DE RESPEITAR OS DIREITOS)60 E 2 (DEVER DE ADOTAR
DISPOSIÇÕES DE DIREITO INTERNO) 61 DA CONVENÇÃO AMERICANA E AO ARTIGO
7 DA CONVENÇÃO DE BELÉM DO PARÁ62

54
O artigo 4.1 da Convenção estipula:
Toda pessoa tem o direito de que se respeite sua vida. Esse direito deve ser protegido pela lei e, em
geral, desde o momento da concepção. Ninguém pode ser privado da vida arbitrariamente.
55
O artigo 5 da Convenção estabelece:
1. Toda pessoa tem o direito de que se respeite sua integridade física, psíquica e moral.
2. Ninguém deve ser submetido a torturas, nem a penas ou tratos cruéis, desumanos ou
degradantes. Toda pessoa privada da liberdade deve ser tratada com o respeito devido à
dignidade inerente ao ser humano. […]
56
O artigo 7 da Convenção dispõe:
1. Toda pessoa tem direito à liberdade e à segurança pessoais.
2. Ninguém pode ser privado de sua liberdade física, salvo pelas causas e nas condições previamente
fixadas pelas constituições políticas dos Estados Partes ou pelas leis em conformidade com elas
promulgadas.
3. Ninguém pode ser submetido a detenção ou encarceramento arbitrários.
[…]
57
O artigo 8.1 da Convenção estabelece que:
Toda pessoa tem direito a ser ouvida, com as devidas garantias e dentro de um prazo razoável, por um
juiz ou tribunal competente, independente e imparcial, estabelecido anteriormente por lei, na apuração
de qualquer acusação penal formulada contra ela, ou para que se determinem seus direitos ou
obrigações de natureza civil, trabalhista, fiscal ou de qualquer outra natureza. […]
58
O artigo 19 da Convenção estabelece:
Toda criança tem direito às medidas de proteção que a sua condição de menor requer por parte da sua
família, da sociedade e do Estado.
59
O artigo 25.1 da Convenção afirma que:
Toda pessoa tem direito a um recurso simples e rápido ou a qualquer outro recurso efetivo, perante os
juízes ou tribunais competentes, que a proteja contra atos que violem seus direitos fundamentais
reconhecidos pela constituição, pela lei ou pela presente Convenção, mesmo quando tal violação seja
cometida por pessoas que estejam atuando no exercício de suas funções oficiais.
60
O artigo 1.1 da Convenção estabelece:
Os Estados Partes nesta Convenção comprometem-se a respeitar os direitos e liberdades nela
reconhecidos e a garantir seu livre e pleno exercício a toda pessoa que esteja sujeita à sua jurisdição,
sem discriminação alguma por motivo de raça, cor, sexo, idioma, religião, opiniões políticas ou de
qualquer outra natureza, origem nacional ou social, posição econômica, nascimento ou qualquer outra
condição social.
61
O artigo 2 da Convenção dispõe:
Se o exercício dos direitos e liberdades mencionados no artigo 1 ainda não estiver garantido por
disposições legislativas ou de outra natureza, os Estados Partes comprometem-se a adotar, de acordo
28

109. A Comissão solicitou à Corte que declare que o Estado descumpriu sua obrigação de
garantir o direito à vida das vítimas “através da adoção de medidas para prevenir seus
assassinatos[,] incorrendo deste modo em uma violação do artigo 4 da Convenção
Americana, em relação aos artigos 1.1 e 2 do mesmo tratado”. Além disso, solicitou que
“declare que o Estado falhou em seu dever de atuar com a devida diligência para prevenir,
investigar e punir os atos de violência sofridos [pelas vítimas] em contravenção do artigo 7
da Convenção de Belém do Pará”. Finalmente, argumentou que o Estado descumpriu sua
obrigação de investigar efetiva e corretamente os desaparecimentos e posterior morte das
jovens González, Herrera e Ramos, em violação dos artigos 8, 25 e 1.1 da Convenção
Americana. Segundo a Comissão, “[apesar] do transcurso de seis anos, o Estado não
avançou no esclarecimento dos acontecimentos ou da correspondente responsabilidade”.
110. Os representantes coincidiram com a Comissão e, ademais, alegaram que “a omissão
do [E]stado em preservar os direitos humanos das vítimas se aplica em relação ao direito à
vida, mas também ao direito à integridade pessoal e à liberdade pessoal, em relação direta
com o direito ao devido processo”. Afirmaram que “a omissão de ação e reação das
autoridades perante as denúncias de desaparecimento não somente permitiu que fossem
mortas, mas também que fossem mantidas privadas de liberdade e torturadas; o anterior
apesar da conhecida situação de risco na qual se encontravam as mulheres”.
111. O Estado, ainda que tenha reconhecido “a gravidade destes homicídios”, negou
“qualquer violação” de sua parte aos direitos à vida, à integridade e à liberdade pessoais.
Segundo o Estado, nem a Comissão nem os representantes “provaram responsabilidade de
agentes do Estado nos homicídios”. Ademais, alegou que na segunda etapa das
investigações destes três casos, a partir do ano de 2004, “foram corrigidas plenamente as
irregularidades, reintegrados os autos e reiniciadas as investigações com uma sustentação
científica, inclusive com componentes de apoio internacional”. Segundo o Estado, “não
existe impunidade. As investigações dos casos continuam abertas e continuam sendo
realizadas diligências para lidar com os responsáveis”.
112. A controvérsia apresentada exige que a Corte analise o contexto dos fatos do caso e
as condições nas quais estes fatos podem ser atribuídos ao Estado e comprometer, em
consequência, sua responsabilidade internacional derivada da suposta violação dos artigos
4, 5 e 7 da Convenção Americana, em relação aos artigos 1.1 e 2 da mesma e ao artigo 7
da Convenção de Belém do Pará. Além disso, apesar do reconhecimento efetuado pelo
Estado, subsiste a necessidade de precisar a natureza e a gravidade das violações ocorridas
em relação aos artigos 8.1 e 25.1 da Convenção, em conexão com os artigos 1.1 e 2 deste
tratado e ao artigo 7 da Convenção de Belém do Pará. Para isso, o Tribunal passará a
realizar as considerações de fato e de direito pertinentes, analisando as obrigações de
respeito, de garantia e de não discriminação do Estado.

com as suas normas constitucionais e com as disposições desta Convenção, as medidas legislativas ou
de outra natureza que forem necessárias para tornar efetivos tais direitos e liberdades.
62
O artigo 7 da Convenção de Belém do Pará estipula:
Os Estados Partes condenam todas as formas de violência contra a mulher e convêm em adotar, por
todos os meios apropriados e sem demora, políticas destinadas a prevenir, punir e erradicar tal
violência e a empenhar-se em:
[…]
b. agir com o devido zelo para prevenir, investigar e punir a violência contra a mulher;
c. incorporar na sua legislação interna normas penais, civis, administrativas e de outra natureza, que
sejam necessárias para prevenir, punir e erradicar a violência contra a mulher, bem como adotar as
medidas administrativas adequadas que forem aplicáveis;
[…]
29

1. Antecedentes contextuais
1.1. Ciudad Juárez
113. Ciudad Juárez está localizada no norte do Estado de Chihuahua, exatamente na
fronteira com El Paso, Texas. Sua população é de mais de 1.200.000 habitantes. 63
Caracteriza-se por ser uma cidade industrial onde se desenvolveu de maneira particular a
indústria maquiladora e o trânsito de migrantes, mexicanos e estrangeiros.64 O Estado, bem
como diversos relatórios nacionais e internacionais, fazem menção a uma série de fatores
que convergem em Ciudad Juárez, como as desigualdades sociais65 e a proximidade da
fronteira internacional,66 que contribuíram ao desenvolvimento de diversas formas de crime
organizado, como o narcotráfico,67 o tráfico de pessoas,68 o tráfico de armas69 e a lavagem
de dinheiro,70 incrementando assim os níveis de insegurança e violência.71
1.2. Fenômeno de homicídios de mulheres e cifras
114. A Comissão e os representantes alegaram que desde o ano de 1993 existe um
aumento significativo no número de desaparecimentos e homicídios de mulheres e meninas

63
Cf. Radiografia Socioeconômica do Município de Juárez realizada pelo Instituto Municipal de Investigação e
Planejamento, 2002 (expediente de anexos à contestação da demanda, tomo XXV, anexo 2, folhas 8488 a 8490,
8493, 8495 e 8510)
64
Cf. Radiografia Socioeconômica do Município de Juárez 2002, folha 8492, nota 63 supra; CIDH, Situação
dos Direitos da Mulher em Ciudad Juárez, México: O Direito a Não Ser Objeto de Violência e Discriminação,
OEA/Ser.L/V//II.117, Doc. 44, 7 de março de 2003 (expediente de anexos à demanda, tomo VII, anexo 1, folha
1742); Nações Unidas, Relatório sobre o México produzido pelo CEDAW de acordo com o Artigo 8 do Protocolo
Facultativo da Convenção e resposta do Governo do México, CEDAW/C/2005/OP.8/MEXICO, 27 de janeiro de 2005
(expediente de anexos à demanda, tomo VII, anexo 3b, folha 1921); Nações Unidas, Relatório da Relatora Especial
sobre a violência contra a mulher, suas causas e consequências, Yakin Ertürk, Integração dos Direitos Humanos da
Mulher e a Perspectiva de Gênero: A Violência contra a Mulher, Missão ao México, E/CN.4/2006/61/Add.4, 13 de
janeiro de 2006 (expediente de anexos à demanda, tomo VII, anexo 3c, folha 2011), e Anistia Internacional,
México: Mortes Intoleráveis, dez anos de desaparecimentos e assassinatos de mulheres em Ciudad Juárez e
Chihuahua, AMR 41/027/2003 (expediente de anexos à demanda, tomo VII, anexo 6, folha 2267).
65
Cf. Relatório sobre o México produzido pelo CEDAW, folha 1921, nota 64 supra; Relatório da Relatora
Especial sobre a violência contra a mulher, folha 2011, nota 64 supra; Anistia Internacional, Mortes Intoleráveis,
folha 2268, nota 64 supra, e Comissão Mexicana de Defesa e Promoção dos Direitos Humanos A.C., Compêndio de
recomendações sobre o feminicídio em Ciudad Juárez, Chihuahua, 2007 (expediente de anexos ao escrito de
petições e argumentos, tomo XX, anexo 11.1, folha 6564).
66
Cf. CNDH, Relatório Especial sobre os Casos de Homicídios e Desaparecimentos de Mulheres no Município
de Juárez, Chihuahua, 2003 (expediente de anexos à demanda, tomo VII, anexo 5, folha 2168); Relatório da
Relatora Especial sobre a violência contra a mulher, folha 2011, nota 64 supra, e Anistia Internacional, Mortes
Intoleráveis, folha 2267, nota 64 supra.
67
Cf. CIDH, Situação dos Direitos da Mulher em Ciudad Juárez, folha 1742, nota 64 supra; Relatório sobre o
México produzido pelo CEDAW, folhas 1921 e 1922, nota 64 supra; CNDH, Relatório Especial, folha 2168, nota 66
supra, e Comissão para Prevenir e Erradicar a Violência contra as Mulheres em Ciudad Juárez, Primeiro Relatório de
Gestão, novembro de 2003 – abril de 2004 (expediente de anexos à contestação da demanda, tomo XXV, anexo 7,
folha 8666).
68
Cf. Relatório sobre o México produzido pelo CEDAW, folha 1922, nota 64 supra, e Relatório da Relatora
Especial sobre a violência contra a mulher, folha 2011, nota 64 supra.
69
Cf. Comissão para Prevenir e Erradicar a Violência contra as Mulheres em Ciudad Juárez, Primeiro
Relatório de Gestão, folha 8666, nota 67 supra, e Relatório sobre o México produzido pelo CEDAW, folha 195, nota
64 supra.
70
Cf. Relatório sobre o México produzido pelo CEDAW, folha 1922, nota 64 supra, e Relatório da Relatora
Especial sobre a violência contra a mulher, folha 2011, nota 64 supra.
71
Cf. CIDH, Situação dos Direitos da Mulher em Ciudad Juárez, folha 1742, nota 64 supra; Relatório sobre o
México produzido pelo CEDAW, folhas 1921 a 1922, nota 64 supra; CNDH, Relatório Especial, folha 2168, nota 66
supra, e Comissão Mexicana de Defesa e Promoção dos Direitos Humanos A.C., Compêndio de recomendações,
folha 6564, nota 65 supra.
30

em Ciudad Juárez. Segundo a Comissão, “Ciudad Juárez se converteu no foco de atenção da


comunidade nacional e internacional em razão da situação particularmente crítica da
violência contra as mulheres que impera desde 1993 e à deficiente resposta do Estado
diante destes crimes”.
115. O Estado reconheceu “a problemática que enfrenta pela situação de violência contra
as mulheres em Ciudad Juárez[,] particularmente, os homicídios que têm sido registrados
desde princípios dos anos noventa do século passado”.
116. Diversos mecanismos nacionais e internacionais de vigilância dos direitos humanos
têm acompanhado a situação em Ciudad Juárez e têm chamado a atenção da comunidade
internacional. Em 1998, a Comissão Nacional de Direitos Humanos do México (doravante
denominada a “CNDH”) examinou 24 casos de homicídios de mulheres e concluiu que
durante as investigações foram violados os direitos humanos das vítimas e seus
familiares.72 A partir dessa data, pronunciaram-se a esse respeito, inter alia, a Relatora
Especial sobre execuções extrajudiciais, sumárias ou arbitrárias das Nações Unidas
(doravante denominada a “Relatora sobre execuções extrajudiciais da ONU”) em 1999, 73 o
Relator Especial das Nações Unidas para a independência de juízes e advogados (doravante
denominado o “Relator para a independência judicial da ONU”) em 2002, 74 a Comissão
Interamericana e sua Relatora Especial para os Direitos da Mulher (doravante denominada a
“Relatora da CIDH”) em 2003,75 a Comissão de Especialistas Internacionais do Escritório das
Nações Unidas contra a Droga e o Crime em 2003,76 o Comitê para a Eliminação da
Discriminação contra a Mulher das Nações Unidas (doravante denominado “o CEDAW”) em
200577 e a Relatora Especial das Nações Unidas sobre a Violência contra a Mulher
(doravante denominada a “Relatora da ONU sobre a violência contra a mulher”) em 200578.
Cabe notar que o Parlamento Europeu proferiu uma Resolução a esse respeito em 2007. 79
Além disso, conta-se com relatórios realizados por organizações não governamentais de
direitos humanos internacionais e nacionais como Anistia Internacional,80 o Observatório
Cidadão para Monitorar a Aplicação da Justiça nos casos de Feminicídio em Ciudad Juárez e
Chihuahua81 (doravante denominado o “Observatório Cidadão”) e a Comissão Mexicana de
Defesa e Promoção dos Direitos Humanos A.C. 82

72
Cf. CNDH, Recomendação 44/1998 emitida em 15 de maio de 1998 (expediente de anexos à demanda,
tomo VII, anexo 4, folhas 2113 a 2164).
73
Cf. Nações Unidas, Relatório da Missão da Relatora Especial sobre execuções extrajudiciais, sumárias ou
arbitrárias, E/CN.4/2000/3, Add.3, 25 de novembro de 1999 (expediente de anexos à demanda, tomo VII, anexo
3d, folhas 2025 a 2058).
74
Cf. Nações Unidas, Relatório da Missão do Relator Especial para a Independência de Juízes e Advogados,
E/CN.4/2002/72/Add.1, 24 de janeiro de 2002 (expediente de anexos à demanda, tomo VII, anexo 3e, folhas 2060
a 2111).
75
Cf. CIDH, Situação dos Direitos da Mulher em Ciudad Juárez, folhas 1732 a 1779, nota 64 supra.
76
Cf. Nações Unidas, Relatório da Comissão de Especialistas Internacionais da Organização das Nações
Unidas, Escritório das Nações Unidas contra a Droga e o Crime, sobre a Missão em Ciudad Juárez, Chihuahua,
México, novembro de 2003 (expediente de anexos à demanda, tomo VII, anexo 3a, folhas 1861 a 1913).
77
Cf. Relatório sobre o México produzido pelo CEDAW, folha 1921, nota 64 supra.
78
Cf. Relatório da Relatora Especial sobre a violência contra a mulher, folhas 2011 a 2021, nota 64 supra.
79
Cf. Parlamento Europeu, Resolução sobre os assassinatos de mulheres (feminicídios) no México e na
América Central e o papel da União Europeia na luta contra este fenômeno, emitida em 11 de outubro de 2007,
2007/2025/(INI) (expediente de anexos ao escrito de petições e argumentos, tomo XIII, anexo 3.1, folhas 4718 a
4727).
80
Cf. Anistia Internacional, Mortes Intoleráveis, folhas 2256 a 2305, nota 64 supra.
81
Cf. Observatório Cidadão para Monitorar a Aplicação da Justiça nos casos de Feminicídio em Ciudad Juárez
e Chihuahua, Relatório Final. Avaliação e Monitoramento sobre o trabalho da Promotoria Especial para a Atenção de
31

117. O Relatório da Relatora da CIDH ressalta que, ainda que Ciudad Juárez tenha se
caracterizado por um pronunciado aumento dos crimes contra mulheres e homens, 83 (par.
108 supra) o aumento em relação às mulheres “é anômalo em vários aspectos”, já que: i)
em 1993 se incrementaram notavelmente os assassinatos de mulheres,84 ii) os coeficientes
de homicídios de mulheres foram duplicados em relação aos dos homens,85 e iii) o índice de
homicídios correspondente a mulheres em Ciudad Juárez é desproporcionalmente maior que
o de cidades fronteiriças em circunstâncias análogas.86 Por sua vez, o Estado proporcionou
prova referente a que Ciudad Juárez ocupava em 2006 o quarto lugar em homicídios de
mulheres entre as cidades mexicanas.87
118. Da informação apresentada pelas partes, a Corte observa que não existem dados
claros sobre a cifra exata de homicídios de mulheres em Ciudad Juárez a partir do ano de
1993.88 Diversos relatórios indicam cifras que oscilam entre 260 e 370 mulheres entre 1993

Crimes relacionados aos Homicídios de Mulheres no Município de Juárez, Chihuahua da Procuradoria Geral da
República, novembro de 2006 (expediente de anexos ao escrito de petições e argumentos, tomo XX, anexo 11.2,
folhas 6629 a 6759).
82
Cf. Comissão Mexicana de Defesa e Promoção dos Direitos Humanos A.C., Compêndio de recomendações,
folhas 6561 a 6626, nota 65 supra, e Comissão Mexicana de Defesa e Promoção dos Direitos Humanos, Feminicídio
em Chihuahua. Assinaturas Pendentes, 2007 (expediente de anexos ao escrito de petições e argumentos, tomo XX,
anexo 11.3, folhas 6761 a 6864).
83
Segundo a Comissão Mexicana de Defesa e Promoção dos Direitos Humanos, mesmo que o fenômeno de
violência em Ciudad Juárez afete tanto homens como mulheres, “é importante mencionar que no caso dos homens
se sabe que as causas dos assassinatos estão relacionadas com o narcotráfico, ajustes de contas, brigas de rua,
entre outras” e “[no] caso dos assassinatos de mulheres […] não existem causas aparentes” (Comissão Mexicana
de Defesa e Promoção dos Direitos Humanos, Compêndio de recomendações, folha 6565, nota 65 supra). Em
sentido similar, a Comissão para Ciudad Juárez afirmou que mesmo que o quadro de violência em Ciudad Juárez
afete homens, mulheres e meninas, “subjaz um padrão de violência de gênero que se faz notar apesar da
necessidade de contar com mais estudos e estatísticas locais sobre o tema” (Comissão para Prevenir e Erradicar a
Violência contra as Mulheres em Ciudad Juárez, Primeiro Relatório de Gestão, folha 8668, nota 67 supra).
84
Cf. CIDH, Situação dos Direitos da Mulher em Ciudad Juárez, folhas 1744 e 1761, nota 64 supra.
85
O Relatório da Relatora da CIDH explica que segundo uma exposição realizada em 17 de março de 2000
por Cheryl Howard, Georgina Martínez e Zulma Y. Méndez intitulada “Women, Violence and Politics”, uma análise
baseada nos atestados de óbitos e outros dados levaram à conclusão de que no período de 1990-1993 foram
assassinados 249 homens, e entre 1994 e 1997 foram assassinados 942 homens, o que implica um incremento de
300%. Segundo o mesmo estudo, entre 1990 e 1993 foram assassinadas 20 mulheres e entre 1994 e 1997 foram
assassinadas 143, o que implica um incremento de 600% (Cf. CIDH, Situação dos Direitos da Mulher em Ciudad
Juárez, folha 1761, nota 64 supra).
86
Cf. CIDH, Situação dos Direitos da Mulher em Ciudad Juárez, folhas 1743 e 1761, nota 64 supra; Relatório
da Relatora Especial sobre a violência contra a mulher, folha 2007, nota 64 supra, e Comissão Especial para
Conhecer e Dar Acompanhamento às Investigações Relacionadas com os Feminicídios na República Mexicana e à
Procuradoria de Justiça Vinculada, da Câmara de Deputados do Honorável Congresso da União, Violência feminicida
em 10 entidades da República Mexicana, publicado em abril de 2006 (expediente de anexos ao escrito de petições
e argumentos, tomo XXI, anexo 11.4, folha 6930).
87
Cf. Promotoria Especial para a Atenção de Crimes relacionados aos Homicídios de Mulheres em Ciudad
Juárez, Chihuahua, Relatório Final, emitido em janeiro de 2006 (expediente de anexos à contestação da demanda,
tomo XL, anexo 59, folha 14607). Cabe notar que as cifras referentes a homicídios com vítimas femininas por cada
cem mil habitantes mencionadas pela Comissão e pela Promotoria Especial em seus respectivos relatórios diferem.
A cifra proporcionada pela Comissão é de 7,9 (o relatório não indica que período foi utilizado para calculá-la) e pela
Promotoria Especial de 2,4, para o período de 1991 a 2004 (Cf. CIDH, Situação dos Direitos da Mulher em Ciudad
Juárez, folha 1761, nota 64 supra, e Promotoria Especial para a Atenção de Crimes relacionados aos Homicídios de
Mulheres em Ciudad Juárez, Relatório Final, folha 14607).
88
Relatórios apresentados como prova ao Tribunal, assim como a prova enviada por parte do Estado,
demonstram que não existe consenso sobre as estatísticas dos homicídios de mulheres em Ciudad Juárez. A esse
respeito, o CEDAW afirmou: “[n]ão existem registros claros, convincentes sobre a quantidade de mulheres
assassinadas e desaparecidas. Não há coincidência nas cifras que apresentam as diferentes instâncias do Governo
e as que citam as ONGs” (Relatório sobre o México produzido pelo CEDAW, folha 1934, nota 64 supra). Além disso,
segundo a Comissão Nacional de Direitos Humanos, existe “disparidade e contradição de dados, números e
informação proporcionados pelas autoridades federais e estaduais competentes a esta Comissão Nacional, assim
32

e 2003.89 Por sua vez, o Estado apresentou prova segundo a qual, até o ano de 2001
haviam sido registrados 264 homicídios de mulheres, e até o ano de 2003, 328. 90 Segundo
a mesma prova, no ano de 2005, os homicídios de mulheres chegavam a 379.91 A esse
respeito, o Observatório Cidadão afirmou que “esta cifra dificilmente poderia ser
considerada como confiável, em razão da já documentada inconsistência na formação de
expedientes, investigações e processo de auditoria empreendido pela PGR [Procuradoria
Geral da República], contrastado, ademais, com a informação que apresentou o Colégio da
Fronteira Norte e a Comissária para Prevenir e Erradicar a Violência contra as Mulheres, da
Secretaria de Governo, que falam de 442 mulheres assassinadas”.92
119. Em relação aos desaparecimentos de mulheres, segundo relatórios de 2003 do
Comitê CEDAW e da Anistia Internacional, as ONGs nacionais mencionam ao redor de 400, 93
entre os anos de 1993 e 2003, ao passo que segundo o Relatório da Relatora da CIDH, até
o ano de 2002 não havia sido encontrado o paradeiro de 257 mulheres declaradas como
desaparecidas entre 1993 e 2002. 94 Por outro lado, a Promotoria Especial para a Atenção de
Crimes Relacionados com os Homicídios de Mulheres no Município de Juárez (doravante
denominada a “Promotoria Especial”) estabeleceu que no período entre 1993 e 2005 houve
4.456 relatos de mulheres desaparecidas e em 31 de dezembro de 2005 havia 34 mulheres
pendentes de localizar.95
120. O Observatório Cidadão questionou esta cifra e afirmou que há “firmes indícios de
que […] restos humanos correspondem a mais do que as 34 mulheres que supõe a
[Promotoria Especial], em virtude de que o que se supunha eram esqueletos de uma só

como a diversos organismos internacionais e não governamentais defensores dos direitos humanos em relação às
mulheres vítimas de homicídios ou desaparecimentos no município de Juárez, Chihuahua, o que por si mesmo
denota uma negligência no desempenho da procuradoria de justiça” (CNDH, Relatório Especial, folha 2247, nota 66
supra). Por sua vez, a Promotoria Especial destacou que “[u]m dos aspetos mais difíceis de determinar e que maior
polêmica gerou em torno ao ocorrido no Município de Juárez […], é o relativo ao número de casos de mortes e
desaparições aí ocorridas, com caraterísticas ou padrões de condutas similares durante os últimos treze anos. A
especulação a que se chegou neste tema tem sido enorme, manejando-se sem nenhum rigor cifras ou fatos que
não correspondem com o sucedido na realidade”. Segundo a Promotoria Especial, “com cifras e provas se
demonstra que nos últimos anos foi gerada uma percepção diferente da realidade, criando-se um círculo vicioso, de
fatos, impunidade e especulação que impactou principalmente à sociedade de Juárez” (Promotoria Especial para a
Atenção de Crimes relacionados aos Homicídios de Mulheres em Ciudad Juárez, Relatório Final, folhas 14540 e
14607, nota 87 supra). A Comissão para Ciudad Juárez afirmou que “[n]ão há certeza em relação ao número de
homicídios e desaparecimentos em Ciudad Juárez; não há uma cifra que represente credibilidade para grupos
familiares e instituições do governo” (Comissão para Prevenir e Erradicar a Violência contra as Mulheres em Ciudad
Juárez, Primeiro Relatório de Gestão, folha 8677, nota 67 supra).
89
Cf. CIDH, Situação dos Direitos da Mulher em Ciudad Juárez, folha 1743, nota 64 supra; Relatório sobre o
México produzido pelo CEDAW, folha 1921, nota 64 supra; CNDH, Relatório Especial, folhas 2166 e 2167, nota 66
supra, e Anistia Internacional, Mortes Intoleráveis, folhas 2256 e 2262, nota 64 supra.
90
Cf. Promotoria Especial para a Atenção de Crimes relacionados aos Homicídios de Mulheres em Ciudad
Juárez, Relatório Final, folha 14646, nota 87 supra.
91
Cf. Promotoria Especial para a Atenção de Crimes relacionados aos Homicídios de Mulheres em Ciudad
Juárez, Relatório Final, folha 14691, nota 87 supra, e Comissão Mexicana de Defesa e Promoção dos Direitos
Humanos, Feminicídio em Chihuahua, folhas 6761 a 6864, nota 82 supra.
92
Relatório Final do Observatório Cidadão, folha 6647, nota 81 supra.
93
Cf. Relatório sobre o México produzido pelo CEDAW, folha 1928, nota 64 supra, e Anistia Internacional,
Mortes Intoleráveis, folha 2253, nota 64 supra.
94
Cf. CIDH, Situação dos Direitos da Mulher em Ciudad Juárez, folha 1746, nota 64 supra; Relatório sobre o
México produzido pelo CEDAW, folha 1928, nota 64 supra, e Anistia Internacional, Mortes Intoleráveis, folha 2274,
nota 64 supra.
95
Cf. Promotoria Especial para a Atenção de Crimes relacionados aos Homicídios de Mulheres em Ciudad
Juárez, Relatório Final, folhas 14543, 14661, 14584 e 14587, nota 87 supra, e CNDH, Segundo Relatório de
Avaliação Integral, folha 4667, nota 72 supra.
33

pessoa, resultaram ser de mais de 60”. Acrescentou que a informação que dá argumento à
investigação da Promotoria Especial “é por completo inacessível à observação cidadã, de
modo que é virtualmente impossível verificar as fontes e a consistência nos dados que a
própria [Promotoria Especial] maneja”.96 Em sentido similar se pronunciou a CNDH em
2003, ainda que não em relação às cifras proporcionadas pela Promotoria Especial, e
afirmou que observou “a falta de diligência com que foram empreendidas as ações por parte
da [Procuradoria Geral de Justiça do Estado], nos casos de mulheres mencionadas como
desaparecidas” e que as autoridades proporcionaram à CNDH relatórios diferentes daqueles
proporcionados a organismos internacionais. Por sua vez, a CNDH indicou que ao ser
requerida oficialmente informação e o estado atual das investigações, “recebeu-se como
resposta que não estavam em possibilidade de saber qual havia sido o destino de 2.415
casos, visto que ‘não tinham os autos fisicamente’”.97
121. A Corte toma nota de que não existem conclusões convincentes sobre as cifras em
relação a homicídios e desaparecimentos de mulheres em Ciudad Juárez, mas observa que
de qualquer forma são alarmantes. Além dos números, mesmo quando muito significativos,
não são suficientes para entender a gravidade do problema de violência que vivem algumas
mulheres em Ciudad Juárez, as alegações das partes, bem como a prova apresentada por
estas, apontam a um fenômeno complexo, aceito pelo Estado (par. 115 supra), de violência
contra as mulheres desde o ano de 1993, que se caracterizou por fatores particulares que
esta Corte considera importante ressaltar.
1.3. Vítimas
122. Em primeiro lugar, a Comissão e os representantes alegaram que as vítimas eram
mulheres jovens, de 15 a 25 anos de idade, estudantes ou trabalhadoras de maquiladoras
ou de lojas ou outras empresas locais, e que algumas viviam em Ciudad Juárez há
relativamente pouco tempo. O Estado não se pronunciou a esse respeito.
123. As alegações dos demandantes encontraram argumento em diversos relatórios de
entidades nacionais e internacionais que estabelecem que as vítimas dos homicídios
parecem ser predominantemente mulheres jovens, 98 incluindo meninas,99 trabalhadoras
principalmente de maquiladoras,100 de escassos recursos,101 estudantes102 ou migrantes.103

96
Relatório Final do Observatório Cidadão, folhas 6650 e 6659, nota 81 supra.
97
CNDH, Relatório Especial, folha 2238, nota 66 supra.
98
Cf. CIDH, Situação dos Direitos da Mulher em Ciudad Juárez, folha 1744, nota 64 supra; Relatório sobre o
México produzido pelo CEDAW, folhas 1924 e 1926, nota 64 supra; Relatório da Relatora Especial sobre execuções
extrajudiciais, sumárias ou arbitrárias, folha 2052, nota 73 supra; Anistia Internacional, Mortes Intoleráveis, folhas
2256 e 2271, nota 66 supra, e Promotoria Especial para a Atenção de Crimes relacionados aos Homicídios de
Mulheres em Ciudad Juárez, Relatório Final, folha 14605, nota 87 supra.
99
Cf. CIDH, Situação dos Direitos da Mulher em Ciudad Juárez, folha 1764, nota 64 supra; Anistia
Internacional, Mortes Intoleráveis, folhas 2256 e 2271, nota 64 supra, e declaração prestada perante agente
dotado de fé pública pela perita Jusidman Rapoport em 21 de abril de 2009 (expediente de mérito, tomo XIII, folha
3806).
100
Cf. CIDH, Situação dos Direitos da Mulher em Ciudad Juárez, folha 1744, nota 64 supra; Relatório sobre o
México produzido pelo CEDAW, folhas 1924 e 1926, nota 64 supra; Relatório da Relatora Especial sobre a violência
contra a mulher, folha 2012, nota 64 supra, e Anistia Internacional, Mortes Intoleráveis, folhas 2257 e 2271, nota
64 supra.
101
Cf. Relatório sobre o México produzido pelo CEDAW, folhas 1924 e 1926, nota 64 supra; Relatório da
Relatora Especial sobre a violência contra a mulher, folha 2012, nota 64 supra; Anistia Internacional, Mortes
Intoleráveis, folha 2257, nota 64 supra; Promotoria Especial para a Atenção de Crimes relacionados aos Homicídios
de Mulheres em Ciudad Juárez, Relatório Final, folha 14605, nota 87 supra; declaração prestada perante agente
dotado de fé pública pela perita Monárrez Fragoso em 20 de novembro de 2008 (expediente de mérito, tomo XIII,
folha 3911), e Comissão para Prevenir e Erradicar a Violência contra as Mulheres em Ciudad Juárez, Terceiro
Relatório de Gestão, maio de 2005 - setembro de 2006, citando o Segundo Relatório de Gestão, intitulado “O
34

1.4. Modalidade
124. Em segundo lugar, a Comissão e os representantes alegaram que um número
considerável dos homicídios apresentaram sinais de violência sexual. Segundo um relatório
da Promotoria Especial, alguns homicídios e desaparecimentos desde 1993 “apresentaram
características e/ou padrões de condutas similares”. 104
125. Diversos relatórios estabelecem os seguintes fatores em comum em vários dos
homicídios: as mulheres são sequestradas e mantidas em cativeiro, 105 seus familiares
denunciam seu desaparecimento106 e depois de dias ou meses seus cadáveres são
encontrados em terrenos baldios107 com sinais de violência, incluindo estupro ou outros
tipos de abusos sexuais, tortura e mutilações.108
126. Em relação às características sexuais dos homicídios, o Estado alegou que, de acordo
com cifras do ano de 2004, aproximadamente 26% dos homicídios obedecia a atos de
índole sexual violenta.
127. Por outro lado, ainda que a Promotoria Especial tenha concluído que a maioria dos
homicídios de mulheres em Ciudad Juárez foram independentes uns dos outros e que,
portanto, eram cometidos em circunstâncias de tempo, modo e ocasião distintos,109 até o
ano de 2005 esta instituição “conseguiu determinar que o número de casos nos quais se
apresent[ou] o padrão de conduta que ha[via] identificado o fenômeno denominado ‘Mortas
de Juárez’ e[ra] de aproximadamente [] 30% dos 379 homicídios identificados”, ou seja, ao
redor de 113 mulheres. Além disso, a Comissão para Prevenir e Erradicar a Violência contra
as Mulheres em Ciudad Juárez (doravante denominada a “Comissão para Ciudad Juárez”)
afirmou que, ainda que continuassem apresentando discrepâncias em relação às cifras

feminicídio: formas de exercer a violência contra as mulheres” (expediente de anexos à contestação da demanda,
tomo XXVII, anexo 12, folha 9016).
102
Cf. CIDH, Situação dos Direitos da Mulher em Ciudad Juárez, folha 1744, nota 64 supra; Relatório sobre o
México produzido pelo CEDAW, folhas 1924 e 1926, nota 64 supra; Relatório da Relatora Especial sobre a violência
contra a mulher, folha 2012, nota 64 supra, e Anistia Internacional, Mortes Intoleráveis, folhas 2257 e 2271, nota
64 supra.
103
Cf. CIDH, Situação dos Direitos da Mulher em Ciudad Juárez, folha 1744, nota 64 supra, e Relatório da
Relatora Especial sobre execuções extrajudiciais, sumárias ou arbitrárias, folha 2053, nota 73 supra.
104
Cf. Promotoria Especial para a Atenção de Crimes relacionados aos Homicídios de Mulheres em Ciudad
Juárez, Relatório Final, folha 14525, nota 87 supra.
105
Cf. Relatório sobre o México produzido pelo CEDAW, folhas 1924 e 1927, nota 64 supra, e Anistia
Internacional, Mortes Intoleráveis, folha 2271, nota 64 supra.
106
Cf. CIDH, Situação dos Direitos da Mulher em Ciudad Juárez, folha 1744, nota 64 supra.
107
Cf. CIDH, Situação dos Direitos da Mulher em Ciudad Juárez, folha 1744, nota 64 supra; Relatório sobre o
México produzido pelo CEDAW, folha 1927, nota 64 supra, e Relatório Final do Observatório Cidadão, folha 6640,
nota 81 supra.
108
Cf. CIDH, Situação dos Direitos da Mulher em Ciudad Juárez, folha 1744, nota 64 supra; Relatório da
Relatora Especial sobre execuções extrajudiciais, sumárias ou arbitrárias, folha 2052, nota 73 supra; Anistia
Internacional, Mortes Intoleráveis, folha 2271, nota 64 supra; CNDH, Recomendação 44/1998, folha 2154, nota 72
supra, e Relatório sobre o México produzido pelo CEDAW, folha 1927, nota 64 supra.
109
Cf. Promotoria Especial para a Atenção de Crimes relacionados aos Homicídios de Mulheres em Ciudad
Juárez, Relatório Final, folha 14608, nota 87 supra. A esse respeito, cabe notar que a Comissão para Ciudad Juárez
afirmou que, “[s]e bem é certo que tem sido difícil demonstrar que os homicídios de mulheres em Ciudad Juárez
estejam relacionados com assassinos seriais, faltou de parte da [Promotoria Especial] uma análise sobre o
fenômeno criminal que constituíram os casos paradigmáticos, aqueles nos que se pode haver evidências do que a
[Promotoria Especial] chama ‘homicídios de mulheres com caraterísticas e/ou padrões de conduta similares’”. Em
sentido similar, criticou que a Promotoria Especial “segue sem focalizar sua análise sob a perspectiva de gênero;
apesar das recomendações internacionais que foram feitas” (Comissão para Prevenir e Erradicar a Violência contra
as Mulheres em Ciudad Juárez, Terceiro relatório de Gestão, folha 9073, nota 101 supra).
35

absolutas, distintos relatórios coincidiram em que um terço do total dos homicídios de


mulheres eram classificados como sexuais e/ou em série; estes últimos “são aqu[e]les onde
é repetido um padrão no qual geralmente a vítima não conhece seu agressor e é privada de
sua liberdade e submetida a humilhações e sofrimentos múltiplos, até a morte”. 110 Os
relatórios do CEDAW e da Anistia Internacional também coincidiram em que
aproximadamente um terço dos homicídios tinham um componente de violência sexual ou
características similares.111
1.5. Violência baseada em gênero
128. Segundo os representantes, o tema de gênero é o denominador comum da violência
em Ciudad Juárez, a qual “sucede como culminação de uma situação caracterizada pela
violação reiterada e sistemática dos direitos humanos”. Alegaram que “meninas e mulheres
são violentadas com crueldade pelo simples fato de serem mulheres e somente em alguns
casos são assassinadas como culminação desta violência pública e privada”.
129. O Estado afirmou que os homicídios “têm causas diversas, com diferentes autores,
em circunstâncias muito distintas e com padrões criminais diferentes, mas se encontram
influenciados por uma cultura de discriminação contra a mulher”. Segundo o Estado, um dos
fatores estruturais que motivou situações de violência contra as mulheres em Ciudad Juárez
é a modificação dos papéis familiares que gerou a vida laboral das mulheres. O Estado
explicou que desde 1965 começou, em Ciudad Juárez, o desenvolvimento da indústria
maquiladora, o qual se intensificou em 1993 com o Tratado de Livre Comércio com a
América do Norte. Afirmou que, ao dar preferência à contratação de mulheres, as
maquiladoras causaram mudanças na vida laboral destas, o que impactou também sua vida
familiar, porque “os papéis tradicionais começaram a se modificar, ao ser agora a mulher a
provedora do lar”. Isto, segundo o Estado, levou a conflitos no interior das famílias porque a
mulher começou a ter a imagem de ser mais competitiva e independente
economicamente.112 Além disso, o Estado citou o Relatório do CEDAW para afirmar que
“[e]sta mudança social nos papéis das mulheres não foi acompanhada de uma mudança nas
atitudes e nas mentalidades tradicionais - o aspecto patriarcal - mantendo-se uma visão
estereotipada dos papéis sociais de homens e mulheres”.
130. Outros fatores mencionados pelo Estado como geradores de violência e
marginalização são a falta de serviços públicos básicos nas regiões marginalizadas;
narcotráfico, tráfico de armas, criminalidade, lavagem de dinheiro e tráfico de pessoas que
ocorrem em Ciudad Juárez por ser uma cidade fronteiriça; o consumo de drogas; o alto
índice de deserção escolar, e a existência de “muitos agressores sexuais” e “efetivos
militares […] provenientes de conflitos armados” na cidade próxima de El Paso.

110
Comissão para Prevenir e Erradicar a Violência contra as Mulheres em Ciudad Juárez, Terceiro relatório de
Gestão, folhas 8996 e 8997, nota 101 supra.
111
Segundo o relatório do CEDAW, publicado no ano de 2005, o Instituto Chihuahuense da Mulher referiu 90
casos, a Promotoria Especial e o Delegado da Procuradoria Geral da República em Ciudad Juárez mencionou 93
casos e as ONGs contabilizavam 98 (Cf. Relatório sobre o México produzido pelo CEDAW, folha 1924, nota 64
supra).
112
Estas alegações coincidem com as conclusões do Primeiro Relatório de Gestão da Comissão para Ciudad
Juárez, o qual indica que, nas décadas de setenta e oitenta, a indústria maquiladora se caracterizou pela oferta
quase exclusiva a mulheres em um contexto de desemprego masculino, o que “produziu um choque cultural no
interior das famílias” e que “os homens ficaram sem trabalho e as que sustentavam o lar eram as mulheres”
(Comissão para Prevenir e Erradicar a Violência contra as Mulheres em Ciudad Juárez, Primeiro Relatório de
Gestão, folha 8663, nota 67 supra. Ver também, Relatório sobre o México produzido pelo CEDAW, folha 1922, nota
64 supra; declaração prestada perante agente dotado de fé pública pelo perito Pineda Jaimes em 15 de abril de
2009, expediente de mérito, tomo VIII, folha 2825, e declaração da perita Jusidman Rapoport, folha 3778, nota 99
supra).
36

131. Segundo prova apresentada pelo Estado, nos homicídios de mulheres ocorridos entre
1993 e 2005, 31,4% foram por violência social (que inclui vingança, briga, imprudência,
quadrilhas, roubo), 28% foram por violência doméstica, 20,6% foram por motivo sexual e
20,1% são indeterminados.113 Cabe notar que há inconsistências entre cifras do próprio
Estado. Por exemplo, em sua resposta ao relatório do CEDAW de 2003, o Estado afirmou
que 66% dos homicídios são resultado da violência intrafamiliar ou doméstica e comum, 8%
têm um motivo desconhecido e os 26% restantes obedecem a atos de índole sexual
violenta.114
132. A Corte toma nota de que, apesar da negação do Estado em relação à existência de
algum tipo de padrão nos motivos dos homicídios de mulheres em Ciudad Juárez, este
afirmou perante o CEDAW que “estão influenciados por uma cultura de discriminação contra
a mulher baseada em uma concepção errônea de sua inferioridade".115 Também cabe
destacar o indicado pelo México em seu Relatório de Resposta ao CEDAW, em relação às
ações concretas realizadas para melhorar a situação de subordinação da mulher no México e
em Ciudad Juárez:
deve-se reconhecer que uma cultura fortemente arraigada em estereótipos, cuja pedra angular é o
pressuposto da inferioridade das mulheres, não se muda da noite para o dia. A mudança de
padrões culturais é uma tarefa difícil para qualquer governo. Mas ainda quando os problemas
emergentes da sociedade moderna: alcoolismo, toxicomania, tráfico de drogas, quadrilhas, turismo
sexual, etc., contribuem a exacerbar a discriminação que sofrem vários setores das sociedades, em
particular aqueles que já se encontravam em uma situação de desvantagem, como é o caso das
mulheres, dos meninos e das meninas, dos e das indígenas.116

133. Distintos relatórios coincidem em que ainda que os motivos e os perpetradores dos
homicídios em Ciudad Juárez sejam diversos, muitos casos tratam de violência de gênero
que ocorre em um contexto de discriminação sistemática contra a mulher. 117 Segundo a
Anistia Internacional, as características compartilhadas por muitos dos casos demonstram
que o gênero da vítima parece ter sido um fator significativo do crime, influindo tanto no
motivo e no contexto do crime como na forma da violência à que foi submetida.118 O
Relatório da Relatoria da CIDH afirma que a violência contra as mulheres em Ciudad Juárez
“tem suas raízes em conceitos referentes à inferioridade e à subordinação das mulheres”. 119
Por sua vez, o CEDAW ressalta que a violência de gênero, incluindo os assassinatos,
sequestros, desaparecimentos e as situações de violência doméstica e intrafamiliar “não são
casos isolados, esporádicos ou episódicos de violência, mas uma situação estrutural e um
fenômeno social e cultural enraizado nos costumes e mentalidades” e nas quais estas

113
Cf. Promotoria Especial para a Atenção de Crimes relacionados aos Homicídios de Mulheres em Ciudad
Juárez, Relatório Final, folha 14549, nota 87 supra.
114
O Estado explicou em sua Resposta ao Relatório do CEDAW que o contexto de violência contra a mulher
no qual estão imersos muitos dos homicídios e as concepções fortemente arraigadas na opinião pública sobre as
possíveis causas destes, “dificulta[m] sobremaneira realizar uma classificação com base em seus motivos”, mas
que é possível realizar a qualificação referida “à luz de que se conta com informação sobre autores do homicídio,
que existem testemunhas, e sob qu[e] circunstâncias se deu” (Relatório sobre o México produzido pelo CEDAW,
folha 1957, nota 64 supra).
115
Relatório sobre o México produzido pelo CEDAW, folha 1957, nota 64 supra.
116
Relatório sobre o México produzido pelo CEDAW, folha 1960, nota 64 supra.
117
Cf. CIDH, Situação dos Direitos da Mulher em Ciudad Juárez, folha 1735, nota 64 supra; Relatório sobre o
México produzido pelo CEDAW, folha 1922, nota 64 supra; Relatório da Relatora Especial sobre a violência contra a
mulher, folhas 2001 a 2002, nota 64 supra, e Anistia Internacional, Mortes Intoleráveis, folhas 2259 e 2269, nota
64 supra.
118
Anistia Internacional, Mortes Intoleráveis, folha 2269, nota 64 supra.
119
CIDH, Situação dos Direitos da Mulher em Ciudad Juárez, folha 1766, nota 64 supra (citando carta do
Secretário de Governo de Chihuahua à Relatora Especial de 11 de fevereiro de 2002).
37

situações de violência estão fundadas “em uma cultura de violência e discriminação baseada
no gênero”.120
134. Por sua vez, a Relatora sobre a Violência contra a Mulher da ONU explica que a
violência contra a mulher no México somente pode ser entendida no contexto de “uma
desigualdade de gênero arraigada na sociedade”. A Relatora se referiu a “forças de
mudança que põem em causa as próprias bases do machismo”, entre as quais incluiu a
incorporação das mulheres à força de trabalho, o que proporciona independência econômica
e oferece novas oportunidades de se formar.
Estes fatores, embora a longo prazo permitam às mulheres superar a discriminação estrutural,
podem exacerbar a violência e o sofrimento a curto prazo. A incapacidade dos homens para
desempenhar seu papel tradicionalmente machista de provedores de sustento conduz ao abandono
familiar, à instabilidade nos relacionamentos ou ao alcoolismo, o que, por sua vez, torna mais
provável que se recorra à violência. Inclusive os casos de violação e assassinato podem ser
interpretados como tentativas desesperadas por se aferrar a normas discriminatórias que se veem
superadas pelas cambiantes condições socioeconômicas e o avanço dos direitos humanos.121

135. Por outro lado, a Comissão para Ciudad Juárez destacou que a ênfase da Promotoria
Especial na violência intrafamiliar e na grave decomposição social como razões para os
crimes sexuais não resgata “os elementos de discriminação por gênero da violência que
especificamente afeta as mulheres”, o que, “amalgama a violência de gênero como parte da
violência social, sem aprofundar a forma como afeta especificamente as mulheres”.122
136. O Relatório da Comissão ressaltou as características sexuais dos homicídios e
afirmou que “embora não se conheça com suficiente certeza a magnitude destes aspectos
do problema, as provas recolhidas em determinados casos indicam vínculos com a
prostituição ou o tráfico com fins de exploração sexual” e que “[e]m ambos os casos podem
se dar situações de coação e abuso de mulheres que trabalham no comércio sexual ou se
veem forçadas a participar nele”.123
1.6. Sobre o alegado feminicídio
137. A Comissão não qualificou os fatos ocorridos em Ciudad Juárez como feminicídio.
138. Os representantes expressaram que “[o]s homicídios e desaparecimentos de
meninas e mulheres em Ciudad Juárez são a máxima expressão da violência misógina”,
razão pela qual alegaram que esta violência foi conceitualizada como feminicídio. Segundo
explicaram, consiste em “uma forma extrema de violência contra as mulheres; o
assassinato de meninas e mulheres pelo simples fato de sê-lo, em uma sociedade que as
subordina”, o que implica “uma mistura que inclui fatores culturais, econômicos e políticos”.
Por esta razão, argumentaram que “para determinar se um homicídio de mulher é um
feminicídio se deve conhecer quem o comete, como o faz e em que contexto”. Afirmaram
que, mesmo que nem sempre toda a informação esteja disponível nos crimes deste tipo,
existem indicadores tais como as mutilações de certas partes do corpo, como a ausência de
peitos ou genitais.
139. Na audiência pública, o Estado utilizou o termo feminicídio ao fazer referência ao
“fenômeno […] que prevalece em Juárez”. Entretanto, o Estado, em suas observações a
perícias apresentadas pelos representantes, objetou o fato de que pretenderam “incluir o

120
Cf. Relatório sobre o México produzido pelo CEDAW, folhas 1937 e 1949, nota 64 supra.
121
Relatório da Relatora Especial sobre a violência contra a mulher, folhas 2001 e 2002, nota 64 supra.
122
Comissão para Prevenir e Erradicar a Violência contra as Mulheres em Ciudad Juárez, Primeiro Relatório de
Gestão, folha 9074, nota 67 supra.
123
CIDH, Situação dos Direitos da Mulher em Ciudad Juárez, folhas 1748 e 1750, nota 64 supra (citando
carta do Secretário de Governo de Chihuahua à Relatora Especial de 11 de fevereiro de 2002).
38

termo feminicídio como um tipo penal, quando este não existe nem na legislação nacional
nem nos instrumentos vinculantes do sistema interamericano de direitos humanos”.
140. No México, a Lei Geral do Acesso das Mulheres a uma Vida Livre de Violência, vigente
desde 2007, define em seu artigo 21 a violência feminicida como “a forma extrema de
violência de gênero contra as mulheres, produto da violação de seus direitos humanos, nos
âmbitos público e privado, formada pelo conjunto de condutas misóginas que podem levar à
impunidade social e do Estado e pode culminar em homicídio e outras formas de morte
violenta de mulheres”.124 Por sua vez, algumas instâncias governamentais proporcionaram
definições para o termo feminicídio em seus relatórios. 125
141. Os peritos Monárrez Fragoso,126 Pineda Jaimes,127 Lagarde y de los Rios128 e
Jusidman Rapoport129 qualificaram o ocorrido em Ciudad Juárez como feminicídio.
142. Adicionalmente, o relatório da Comissão Especial da Câmara de Deputados para
Conhecer e Dar Acompanhamento às Investigações Relacionadas com os Feminicídios na
República Mexicana (doravante denominada a “Comissão da Câmara de Deputados”) e os
da Comissão para Ciudad Juárez referem-se ao “feminicídio” que supostamente ocorre em
Ciudad Juárez.130 Além disso, fazem-no o Observatório Cidadão,131 as ONGs Centro para o
Desenvolvimento Integral da Mulher e AC / Rede Cidadã de Não Violência e Dignidade
Humana,132 a Comissão Mexicana de Defesa e Promoção dos Direitos Humanos A.C., 133 bem
como diferentes amici curiae apresentados à Corte.134
143. No presente caso, a Corte, à luz do indicado nos parágrafos anteriores, utilizará a
expressão “homicídio de mulher por razões de gênero”, também conhecido como
feminicídio.

124
Artigo 21 da Lei Geral do Acesso das Mulheres a uma Vida Livre de Violência, publicada no Diário Oficial da
Federação em 1° de fevereiro de 2007 (expediente de anexos à contestação da demanda, tomo XLIII, anexo 109,
folha 16126).
125
Cf. Comissão para Prevenir e Erradicar a Violência contra as Mulheres em Ciudad Juárez, Primeiro
Relatório de Gestão, folha 8661, nota 67 supra, e Comissão da Câmara de Deputados, Violência Feminicida em 10
entidades da República Mexicana, folha 6885, nota 86 supra.
126
Cf. declaração da perita Monárrez Fragoso, folha 3906, nota 101 supra.
127
Cf. declaração do perito Pineda Jaimes, folha 2813, nota 112 supra.
128
Cf. declaração prestada perante agente dotado de fé pública pela perita Lagarde y de los Ríos em 20 de
abril de 2009 (expediente de mérito, tomo XI, folha 3386).
129
Cf. declaração da perita Jusidman Rapoport, folha 3806, nota 99 supra.
130
Cf. Comissão da Câmara de Deputados, Violência Feminicida em 10 entidades da República Mexicana,
folha 6889, nota 86 supra, e Comissão para Prevenir e Erradicar a Violência contra as Mulheres em Ciudad Juárez,
Primeiro Relatório de Gestão, folha 8662, nota 67 supra.
131
Cf. Relatório Final do Observatório Cidadão, folha 6714, nota 81 supra.
132
Cf. Centro para o Desenvolvimento Integral da Mulher e AC / Rede Cidadã de Não Violência e Dignidade
Humana. As Vítimas de Feminicídio em Ciudad Juárez. Relatório do Estado da Procuradoria de Justiça e o Acesso às
Garantias Judiciais sobre feminicídios e mulheres desaparecidas em Juárez, 1993 – 2007. Relatório para a
Comissão Interamericana de Direitos Humanos, maio de 2007 (expediente de anexos à demanda, tomo IV,
apêndice 5 Vol. III, folhas 544 e 555).
133
Cf. Comissão Mexicana de Defesa e Promoção dos Direitos Humanos A.C., Compêndio de recomendações,
folha 6654, nota 65 supra.
134
Cf. escrito apresentado pelo Programa de Justiça Global e Direitos Humanos da Universidade de los Andes,
Colômbia (expediente de mérito, tomo XV, folha 4416); escrito apresentado pela Organização Mundial contra a
Tortura e TRIAL – Track Impunity (expediente de mérito, tomo VI, folha 2197), e escrito apresentado pela Rede
Mesa de Mulheres de Ciudad Juárez (expediente de mérito, tomo XV, folha 4290).
39

144. Para efeitos deste caso, a Corte avalia que, levando em consideração a prova e a
argumentação sobre a prova disponível nos autos, não é necessário nem possível se
pronunciar de maneira definitiva sobre quais homicídios de mulheres em Ciudad Juárez
constituem homicídios de mulheres por razões de gênero, além dos homicídios das três
vítimas do presente caso. Por esta razão, a Corte se referirá aos casos de Ciudad Juárez
como homicídios de mulheres, ainda que entenda que alguns ou muitos destes possam
haver sido cometidos por razões de gênero e que a maioria tenha ocorrido dentro de um
contexto de violência contra a mulher.
145. Em relação às mortes produzidas no presente caso, a Corte analisará em seções
posteriores, conforme a prova apresentada pelas partes, se constituem homicídios de
mulheres por razões de gênero.
1.7. Investigação dos homicídios de mulheres
146. Segundo a Comissão e os representantes, outro fator que caracteriza estes
homicídios de mulheres é sua falta de esclarecimento e as irregularidades nas respectivas
investigações, o que, segundo eles, gerou um clima de impunidade. A esse respeito, a Corte
toma nota do reconhecimento do Estado quanto “ao cometimento de diversas
irregularidades na investigação e processamento de homicídios de mulheres cometidos
entre os anos de 1993 e 2004 em Ciudad Juárez”. O Estado, além disso, lamentou “os erros
cometidos até antes do ano de 2004 por servidores públicos que participaram durante
algumas destas investigações”.
1.7.1 Irregularidades nas investigações e nos processos
147. Ainda que o Estado tenha reconhecido o cometimento de irregularidades na
investigação e processamento dos homicídios de mulheres entre os anos de 1993 e 2003
(par. 145 supra), não especificou quais foram as irregularidades que encontrou nas
investigações e nos processos realizados durante esses anos. Entretanto, a Corte toma nota
do afirmado a esse respeito pelo Relatório da Relatora da CIDH:
O Estado mexicano, por sua vez, admite que foram cometidos erros durante os primeiros cinco
anos em que se viu confrontado com esses assassinatos. Reconhece, por exemplo, que não foi
infrequente que a Polícia dissesse a um familiar que tentava informar sobre o desaparecimento de
uma menina que voltasse em 48 horas, sendo evidente que havia coisas a investigar. Tanto os
representantes do Estado como de entidades não estatais afirmaram que as autoridades de Ciudad
Juárez costumavam rejeitar as denúncias iniciais, manifestando que a vítima teria saído com um
namorado e não demoraria em voltar para casa. A PGJE mencionou também falta de capacidade
técnica e científica e de capacitação, nessa época, por parte dos membros da Polícia Judiciária.
Autoridades do Estado de Chihuahua afirmaram que as falhas eram tais que em 25 casos, que
datam dos primeiros anos dos assassinatos, os "autos" eram pouco mais do que sacolas que
continham uma série de ossos, o que praticamente não servia de base para avançar na
investigação.135

148. A Corte observa que apesar de os detalhes manifestados pelas autoridades do Estado
à Relatora da CIDH, e indicados supra, serem circunscritos às investigações e processos
realizados até 1998, o mesmo Estado reconheceu perante a Corte que houve
irregularidades até antes do ano de 2004 (par. 145 supra), ainda que não as tenha
detalhado.
149. Diversos relatórios publicados entre 1999 e 2005 coincidem em que as investigações
e os processos dos homicídios de mulheres em Ciudad Juárez estiveram cheios de
irregularidades e deficiências136 e que estes crimes permaneceram impunes.137 Segundo a

135
CIDH, Situação dos Direitos da Mulher em Ciudad Juárez, folha 1750, nota 64 supra, (citando carta do
Secretário de Governo de Chihuahua à Relatora Especial de 11 de fevereiro de 2002).
136
Cf. CIDH, Situação dos Direitos da Mulher em Ciudad Juárez, folha 1767, nota 64 supra; CNDH,
Recomendação 44/1998, folhas 2118 a 2129 e 2138, nota 72 supra; Relatório do México produzido pela CEDAW,
40

Promotoria Especial, “deve se enfatizar que a impunidade dos casos não resolvidos se
produziu, principalmente, entre os anos de 1993 a 2003, por causa das graves omissões em
que incorreu o pessoal que trabalhou na Procuradoria Geral de Justiça do Estado [de
Chihuahua]”. Acrescentou que durante esse período “os governos estaduais não
promoveram políticas públicas dirigidas a dotar a Procuradoria [deste e]stado da
infraestrutura, processos de trabalho e pessoal especializado que lhe permitisse realizar as
investigações de homicídios de mulheres em níveis de confiabilidade razoavelmente
aceitáveis”.138
150. Em conformidade com a prova apresentada, as irregularidades nas investigações e
nos processos incluem a demora no início das investigações, 139 a demora das mesmas ou a
inatividade nos autos,140 negligência e irregularidades na coleta e realização de provas e na
identificação de vítimas,141 perda de informação,142 extravio de partes dos corpos sob
custódia do Ministério Público,143 e a falta de contemplação das agressões a mulheres como
parte de um fenômeno global de violência de gênero. 144 Segundo o Relator sobre a
independência judicial da ONU, depois de uma visita a Ciudad Juárez em 2001,
“surpreendeu-lhe a absoluta ineficácia, incompetência, indiferença, insensibilidade e
negligência da polícia que havia conduzido as investigações até então”.145 Por sua vez, a
Promotoria Especial afirmou em seu relatório de 2006 que, de 139 averiguações prévias
analisadas, em mais de 85% foram detectadas responsabilidades atribuíveis a servidores

folha 1924, nota 64 supra, e Relatório da Comissão de Especialistas Internacionais das Nações Unidas, folha 1898,
nota 76 supra.
137
Cf. CIDH, Situação dos Direitos da Mulher em Ciudad Juárez, folha 1749, nota 64 supra; Relatório da
Comissão de Especialistas Internacionais das Nações Unidas, folha 1869, nota 76 supra; CNDH, Relatório Especial,
folha 2167, nota 66 supra, e declaração prestada perante agente dotado de fé pública pelo perito Castresana
Fernández em 21 de abril de 2009 (expediente de mérito, tomo VIII, folha 2904).
138
Promotoria Especial para a Atenção de Crimes relacionados aos Homicídios de Mulheres em Ciudad Juárez,
Relatório Final, folha 14573, nota 87 supra.
139
Cf. CIDH, Situação dos Direitos da Mulher em Ciudad Juárez, folha 1746, nota 64 supra, Relatório sobre o
México produzido pelo CEDAW, folha 1924, nota 64 supra, e Anistia Internacional, Mortes Intoleráveis, folha 2274,
nota 64 supra.
140
Cf. CIDH, Situação dos Direitos da Mulher em Ciudad Juárez, folha 1767, nota 64 supra; CNDH,
Recomendação 44/1998, folha 2140, nota 72 supra; Promotoria Especial para a Atenção de Crimes relacionados
aos Homicídios de Mulheres em Ciudad Juárez, Relatório Final, folhas 14579 e 14610, nota 87 supra; Conferência
de imprensa do Subprocurador de Direitos Humanos, Atenção a Vítimas e Serviços à Comunidade e da Promotora
Especial para a Atenção dos Crimes Relacionados com Atos de Violência Contra as Mulheres no auditório de
juristas, Reforma 211, México, Distrito Federal, 16 de fevereiro de 2006, anexo 4 do Relatório Final do
Observatório Cidadão, folha 6714, nota 81 supra.
141
Cf. CIDH, Situação dos Direitos da Mulher em Ciudad Juárez, folha 1750, nota 64 supra; CNDH,
Recomendação 44/1998, folha 2140, nota 72 supra; Relatório da Comissão de Especialistas Internacionais das
Nações Unidas, folha 1929, nota 76 supra, Promotoria Especial para a Atenção de Crimes relacionados aos
Homicídios de Mulheres em Ciudad Juárez, Relatório Final, folha 14579, nota 87 supra, e declaração prestada
perante agente dotado de fé pública pela testemunha Doretti em 17 de abril de 2009 (expediente de mérito, tomo
VI, folha 2326 e 2327).
142
Cf. CIDH, Situação dos Direitos da Mulher em Ciudad Juárez, folha 1750, nota 64 supra; Relatório da
Comissão de Especialistas Internacionais das Nações Unidas, folhas 1898 e 1899, nota 76 supra; declaração da
testemunha Doretti, folha 2332, nota 141 supra.
143
Cf. declaração da testemunha Doretti, folhas 2371 e 2372, nota 141 supra.
144
Cf. Relatório da Comissão de Especialistas Internacionais das Nações Unidas, folha 1897, nota 76 supra;
CNDH, Recomendação 44/1998, folha 2154, nota 72 supra; CNDH, Relatório Especial, folha 2227, nota 66 supra, e
Anistia Internacional, Mortes Intoleráveis, folha 2279, nota 64 supra.
145
Relatório do Relator Especial sobre a Independência de Juízes e Advogados, folha 2100, nota 74 supra.
41

públicos, graves deficiências e omissões que “entorpeceram a resolução dos homicídios aí


relacionados, provocando impunidade”.146
1.7.2. Atitudes discriminatórias das autoridades
151. A Comissão e os representantes alegaram que as atitudes das autoridades estatais
diante dos homicídios de mulheres em Ciudad Juárez eram notoriamente discriminatórias e
dilatórias, situação que a Comissão descreveu como um “alarmante padrão de resposta e
concepções estereotipadas das mulheres desaparecidas”. Em particular, o padrão “se
manifestava na percepção dos funcionários estatais de que a busca e proteção de mulheres
mencionadas como desaparecidas não era importante” e implicava que no princípio as
autoridades se negavam a investigar.
152. A esse respeito, o Estado afirmou que a cultura de discriminação da mulher
“contribuiu para que tais homicídios não fossem percebidos em seu início como um
problema de magnitude importante para o qual se requeriam ações imediatas e
contundentes por parte das autoridades competentes”. 147 O Tribunal observa que ainda que
o Estado não tenha feito este reconhecimento no trâmite perante a Corte, sim enviou o
documento no qual consta tal reconhecimento,148 sendo parte do acervo probatório que será
analisado em conformidade com as regras da crítica sã.
153. Diversas fontes afirmam que a resposta de funcionários estatais diante dos crimes foi
influenciada por um contexto de discriminação baseada em gênero. 149 Segundo o Relator
Especial sobre a independência judicial da ONU, “a princípio é indubitável que estes fatos
não comoveram muito os agentes da polícia e os procuradores, que chegaram inclusive a
repreender as mulheres por sua suposta falta de moralidade”.150 A Relatora sobre execuções
extrajudiciais da ONU afirmou que:
[a] conduta arrogante de alguns funcionários públicos e sua manifesta indiferença diante […] destes
crimes permitem concluir que muitos deles foram deliberadamente deixados de lado pela simples
razão de que as vítimas eram ‘somente’ garotas comuns e, portanto, não eram consideradas uma
grande perda. Temo que, como consequência dos atrasos e das irregularidades, tenham se perdido
tempo e dados importantes.151

154. Distintas provas apresentadas ao Tribunal, indicam, inter alia, que funcionários do
Estado de Chihuahua e do Município de Juárez minimizavam o problema e chegaram a
culpar as próprias vítimas de sua sorte, seja por sua forma de vestir, pelo local em que
trabalhavam, por sua conduta, por andarem sozinhas ou por falta de cuidado dos pais. 152
Nesse sentido, destacam-se as afirmações da CNDH em sua Recomendação 44/1998, com

146
Promotoria Especial para a Atenção de Crimes relacionados aos Homicídios de Mulheres em Ciudad Juárez,
Relatório Final, folhas 14575 e 14609, nota 87 supra.
147
Relatório sobre o México produzido pelo CEDAW, folha 1957, nota 64 supra.
148
Cf. Resposta do governo do México ao relatório produzido pelo CEDAW de acordo com o artigo 8 do
Protocolo Facultativo da Convenção, 27 de janeiro de 2005 (anexos à contestação da demanda, tomo XXV, anexo
6, folhas 8612 a 8653).
149
Cf. CIDH, Situação dos Direitos da Mulher em Ciudad Juárez, folhas 1734 e 1742, nota 64 supra; Relatório
sobre o México produzido pelo CEDAW, folha 1928, nota 64 nota 141 supra; Anistia Internacional, Mortes
Intoleráveis, folhas 2259 e 2269, nota 64 supra; declaração do perito Pineda Jaimes, folha 2832, nota 112 supra, e
declaração da perita Jusidman, folha 3808, nota 99 supra.
150
Relatório do Relator Especial sobre a Independência de Juízes e Advogados, folha 2100, nota 74 supra.
151
Relatório da Relatora Especial sobre execuções extrajudiciais, sumárias ou arbitrárias, folha 2053, nota 73
supra.
152
Cf. CIDH, Situação dos Direitos da Mulher em Ciudad Juárez, folha 1765, nota 64 supra; Relatório sobre o
México produzido pelo CEDAW, folha 1928, nota 64 supra; Relatório da Relatora Especial sobre execuções
extrajudiciais, sumárias ou arbitrárias, folha 2052, nota 73 supra; CNDH, Recomendação 44/1998, folha 2139,
nota 72 supra, e declaração da perita Monárrez Fragoso, folhas 3938 e 3940, nota 101 supra.
42

relação a que as declarações de funcionários e autoridades da Procuradoria estadual


documentadas por aquela instituição denotavam “ausência de interesse e vocação por
atender e reparar uma problemática social grave, bem como uma forma de discriminação” e
que constituíam uma “forma de menosprezo sexista”.153
1.7.3. Falta de esclarecimento
155. A Comissão fez ênfase em que a resposta das autoridades diante dos crimes contra
mulheres havia sido “notavelmente deficiente” e alegou que a grande maioria dos
assassinatos continuavam impunes no momento da visita da Relatora da CIDH a Ciudad
Juárez em 2002. Ademais, afirmou que ainda que o Estado tivesse conhecimento da
gravidade da situação, “existia uma grande brecha entre a incidência do problema de
violência contra as mulheres e a qualidade da resposta estatal oferecida a este fenômeno, o
qual propendeu à repetição dos fatos”.
156. Os representantes alegaram que no ano em que ocorreram os fatos do presente
caso, “isto é, há 8 anos de que se teve conhecimento do incremento da violência contra as
mulheres”, a situação de impunidade não havia tido nenhuma melhora, destacando que
esse ano apresentou a mais alta porcentagem de homicídios de mulheres.
157. O Estado reiterou “sua convicção de que [no presente caso] e em geral, em relação
aos homicídios de mulheres ocorridos em Ciudad Juárez, não se configura uma situação de
impunidade, já que foi investigado, perseguido, capturado, julgado e sancionado um
número significativo de responsáveis”. Também afirmou que entre janeiro de 1993 e maio
de 2008 haviam sido registrados 432 casos de homicídios de mulheres, dos quais “45,25%
foram resolvidos por uma instância jurisdicional e 33,02% estariam na etapa de
investigação”.
158. A Corte observa que diversos relatórios coincidem em que a falta de esclarecimento
dos crimes é uma característica dos homicídios de mulheres em Ciudad Juárez que se
reveste de especial importância. O Relatório da Relatoria da CIDH de 2003 afirmou que a
grande maioria dos casos continuam impunes.154 Além disso, segundo o Comitê CEDAW,
“uma cultura de impunidade se arraigou, o que permitiu e foment[ou] terríveis violações
dos direitos humanos”, e segundo o Escritório sobre Drogas e Crimes da ONU, os diferentes
fatores complexos do fenômeno criminal em Ciudad Juárez “colocaram à prova um sistema,
por si só insuficiente, que foi manifestamente inundado por um desafio criminal para o qual
não estava preparado, dando lugar a um colapso institucional que determinou a impunidade
generalizada dos responsáveis pelos crimes”.155
159. A Corte toma nota de que vários relatórios apontam diferentes cifras sobre o estado
dos casos de homicídios de mulheres em Ciudad Juárez.156 Segundo cifras oficiais
apresentadas pelo Estado, não controvertidas pelas outras partes, de 379 casos de
homicídios de mulheres que ocorreram em Ciudad Juárez entre 1993 e 2005, 145 contavam
no ano de 2005 com sentenças condenatórias ou sanções, 157 o que representa ao redor de
38,5%. Por outro lado, o Estado proporcionou ao Tribunal uma lista de 203 sentenças
definitivas com relação aos homicídios de mulheres até setembro de 2008, das quais 192

153
CNDH, Recomendação 44/1998, folha 2155, nota 72 supra.
154
Cf. CIDH, Situação dos Direitos da Mulher em Ciudad Juárez, folha 1734, nota 64 supra.
155
Relatório da Comissão de Especialistas Internacionais das Nações Unidas, folha 1869, nota 76 supra.
156
Cf. CIDH, Situação dos Direitos da Mulher em Ciudad Juárez, folha 1734, nota 64 supra; Relatório da
Relatora Especial sobre a Violência contra a mulher, folha 2012, nota 64 supra, e CNDH, Recomendação 44/1998,
folha 2232, nota 72 supra.
157
Cf. Promotoria Especial para a Atenção de Crimes relacionados aos Homicídios de Mulheres em Ciudad
Juárez, Relatório Final, folhas 14617 a 14651, nota 87 supra.
43

são sentenças condenatórias.158 A esse respeito, a Corte observa que o Estado não informou
os números globais de homicídios até o ano de 2009 e não ofereceu prova em relação a
suas alegações de fato relativas a que, no ano de 2008, 41,33% dos homicídios de
mulheres haviam sido resolvidos por um órgão jurisdicional e 3,92% pelo Tribunal para
Menores.
160. Em relação às sentenças, especificamente aquelas impostas aos responsáveis por
homicídios dolosos, a Promotoria Especial observou em seu relatório do ano de 2006 que
estas se enquadraram em uma média não maior a 15 anos de prisão, apesar de que na
maioria dos casos foram cometidos com agravantes e que isso:
pode ter obedecido a uma política judiciária que oportunamente deverá ser revisada pelo próprio
Poder Judiciário do Estado, ou ainda ao fato de que o Ministério Público do foro comum não efetuou
todas as ações que permitissem aos juízes se munir de elementos para punir os responsáveis de
uma maneira mais severa.159

161. Um aspecto relacionado reunido pelos relatórios é que o número de sentenças e a


pena imposta são mais baixos quando se trata dos homicídios de mulheres com
características sexuais. Sobre este ponto, segundo cifras apresentadas pelo Estado perante
a Comissão Interamericana, de 229 casos de homicídios de mulheres entre 1993 e 2003, 160
159 foram casos com motivos diferentes do sexual e destes, 129 haviam sido “concluídos”,
enquanto que de 70 casos de homicídios de mulheres com motivo sexual, somente 24
haviam sido “concluídos”.161 É importante afirmar que o Estado não especificou o que
entende por “concluídos”162 e que sobre o mesmo ponto em sua resposta ao relatório do
CEDAW estabeleceu que dos 92 crimes sexuais ocorridos até o ano de 2004, somente em
quatro casos havia sido proferida sentença.163
162. A Comissão para Ciudad Juárez, por sua vez, destacou que “[o] que mais surpreende
destas histórias [de homicídios de mulheres] é a impunidade ainda vigente em muitos dos

158
Cf. fichas de 203 casos de homicídios de mulheres cometidos em Ciudad Juárez, nos quais foram
proferidas sentenças definitivas, setembro de 2003 (expediente de anexos às alegações finais escritas do Estado,
tomo XLIX, anexo 6, folhas 17347 a 17400).
159
Promotoria Especial para a Atenção de Crimes relacionados aos Homicídios de Mulheres em Ciudad Juárez,
Relatório Final, folha 14612, nota 87 supra.
160
Cabe notar que existem inconsistências entre as cifras globais, já que segundo o Relatório Final da
Promotoria Especial, até o ano de 2003 haviam ocorrido 328 casos de homicídios de mulheres em Ciudad Juárez
(Promotoria Especial para a Atenção de Crimes relacionados aos Homicídios de Mulheres em Ciudad Juárez,
Relatório Final, folha 14646, nota 87 supra).
161
Cf. Procuradoria Geral de Justiça do Estado de Chihuahua, Promotoria Especial para a Investigação de
Homicídios de Mulheres, Ciudad Juárez, 2003. Anexos ao quarto relatório mensal do Estado à Comissão
Interamericana de Direitos Humanos de 17 de fevereiro de 2003 (expediente de anexos à contestação da
demanda, tomo XLII, anexo 75, folha 15446).
162
De maneira geral, em relação aos chamados casos “concluídos” pelo Estado, o CEDAW afirmou em seu
relatório de 2005 que lhe preocupava que fossem considerados e informados como concluídos ou resolvidos os
casos ao serem apresentados perante os Tribunais, “mesmo que os acusados não tivessem sido detidos nem
sancionados” (Relatório sobre o México produzido pelo CEDAW, folha 1959, nota 64 supra). Além disso, e também
de maneira geral, a CNDH em seu relatório de 2005 afirmou que “obteve informação suficiente para desvirtuar as
afirmações da PGJE, no sentido de considerar resolvidos casos, sem que existam bases jurídicas para sustentar
estas afirmações” (CNDH, Relatório Especial, folha 2234, nota 66 supra).
163
Cf. Relatório sobre o México produzido pelo CEDAW, folha 1964, nota 64 supra. A esse respeito, cabe
notar o afirmado pelo CEDAW em seu relatório: “O Governo assegura que dos 90 casos que consideram como de
violência sexual s[o]mente em quatro foi proferida sentença, enquanto que a quase totalidade das fontes da
sociedade civil expõe que esses quatro casos tampouco estão resolvidos e que talvez alguns dos acusados não
sejam culpados. S[o]mente um prisioneiro foi julgado e sancionado, depois de 8 anos, encontrando-se ainda em
fase de apelação” (Relatório sobre o México produzido pelo CEDAW, folha 1934, nota 64 supra).
44

casos classificados como sexuais e/ou em série”.164 Segundo o CEDAW, as autoridades


mexicanas expressaram que havia avanços no processo de investigação, identificação e
julgamento dos culpados por crimes com motivos como violência intrafamiliar ou
delinquência comum e que a maioria dos sentenciados foram condenados a penas que
ultrapassam os 20 anos de prisão, enquanto que nos atos de caráter sexual violento “há
pessoas que têm sete anos de prisão, outras cinco e ainda que a Lei estabeleça que há que
proferir sentença no período de dois anos, ocorre que os autos estão incompletos e as
provas não resultam convincentes para os juízes”. 165 Por sua vez, a Relatora Especial sobre
a Violência contra a Mulher da ONU indicou que a porcentagem de encarceramento para os
crimes sexuais é menor que para o restante dos crimes contra as mulheres, representando
especificamente 33,3% e 46,7%.166
163. Finalmente, a Corte observa que alguns relatórios afirmam que a impunidade está
relacionada com a discriminação contra a mulher. Assim, por exemplo, o Relatório da
Relatora da CIDH concluiu que “[q]uando os perpetradores não são responsabilizados –
como em geral ocorreu em Ciudad Juárez – a impunidade confirma que essa violência e
discriminação é aceitável, o que fomenta sua perpetuação”.167 Em sentido similar, a
Relatora sobre execuções extrajudiciais da ONU expressou que: “os acontecimentos de
Ciudad Juárez são o típico exemplo de crime sexista favorecido pela impunidade”. 168
1.8. Conclusões da Corte
164. De todo o exposto anteriormente, a Corte conclui que desde o ano de 1993 existe
em Ciudad Juárez um aumento de homicídios de mulheres, havendo pelo menos 264
vítimas até o ano de 2001 e 379 até o ano de 2005. Entretanto, além das cifras, sobre as
quais a Corte observa não existir firmeza, é preocupante o fato de que alguns destes crimes
parecem apresentar altos graus de violência, incluindo sexual, e que em geral foram
influenciados, tal como aceita o Estado, por uma cultura de discriminação contra a mulher,
a qual, segundo diversas fontes probatórias, incidiu tanto nos motivos como na modalidade
dos crimes, bem como na resposta das autoridades. Nesse sentido, cabe destacar as
respostas ineficientes e as atitudes indiferentes documentadas em relação à investigação
destes crimes, que parecem haver permitido que se tenha perpetuado a violência contra a
mulher em Ciudad Juárez. Até o ano de 2005, a Corte constata que a maioria dos crimes
continuam sem esclarecimento, sendo os homicídios que apresentam características de
violência sexual os que apresentam maiores níveis de impunidade.
2. Fatos do caso
2.1. Desaparecimentos das vítimas
165. Laura Berenice Ramos Monárrez tinha 17 anos de idade e era estudante do quinto
semestre do segundo grau. A última notícia que se conhecia dela era uma ligação que fez a
uma amiga no sábado, dia 22 de setembro de 2001, para avisar que estava pronta para ir a
uma festa.169 A denúncia afirma que desapareceu na terça-feira dia 25 de setembro de 2001,
sem que sejam oferecidos mais detalhes.170

164
Comissão para Prevenir e Erradicar a Violência contra as Mulheres em Ciudad Juárez, Terceiro Relatório de
Gestão, folha 8997, nota 101 supra, (citando o Segundo Relatório de Gestão, intitulado “O feminicídio: formas de
exercer a violência contra as mulheres).
165
Relatório sobre o México produzido pelo CEDAW, folha 1931, nota 64 supra.
166
Cf. Relatório da Relatora Especial sobre a violência contra a mulher, folha 2012, nota 64 supra.
167
CIDH, Situação dos Direitos da Mulher em Ciudad Juárez, folha 1766, nota 64 supra.
168
Relatório da Relatora Especial sobre a violência contra a mulher, folha 2053, nota 64 supra.
169
Cf. comparecimento de Claudia Ivonne Ramos Monárrez perante um subagente do Ministério Público
vinculado à Promotoria Especial para a Investigação de Desaparecimento e Homicídio de Mulheres efetuado em 1°
45

166. Claudia Ivette González tinha 20 anos de idade e trabalhava em uma empresa
maquiladora. Segundo uma amiga próxima, “quase sempre saía com o tempo limitado, já
que ajudava sua irmã a cuidar de sua filha menor, motivo pelo qual às vezes chegava
tarde”171 ao trabalho. Em 10 de outubro de 2001, chegou dois minutos atrasada à
maquiladora, de maneira que foi impedida de entrar.172 Nesse mesmo dia, desapareceu.173
167. Esmeralda Herrera Monreal tinha 15 anos de idade e contava com “grau de instrução
do terceiro ano do segundo grau”.174 Desapareceu na segunda-feira, dia 29 de outubro de
2001, depois de sair da casa onde trabalhava como empregada doméstica.175
168. Segundo os representantes, as jovens Ramos, González e Herrera eram de “origem
humilde”.
2.2. As primeiras 72 horas
169. As alegações da Comissão e dos representantes neste ponto apresentam
inconsistências, já que se referem em algumas instâncias a que as autoridades
manifestaram aos familiares que deviam esperar 72 horas em relação a uma ou duas
vítimas e em outras instâncias afirmam que isso ocorreu em relação às três vítimas. Além
disso, algumas alegações se referem a que não se elaborava a denúncia antes de
transcorridas 72 horas e outras a que não se iniciavam investigações até depois de 72
horas.
170. O Estado controverteu o anterior e alegou que “esta afirmação [não] está provada e
é incorreta”, visto que se “elaborou o relatório de desaparecimento das jovens no momento
em que seus familiares compareceram para denunciá-lo”. Ademais, afirmou de maneira
geral e sem mencionar datas específicas que “as autoridades […] ordenaram a busca e

de outubro de 2001 (expediente de anexos à demanda, tomo VIII, anexo 17, folha 2621) e comparecimento de
Rocío Itxel Núñez Acevedo perante um subagente do Ministério Público vinculado à Promotoria Especial para a
Investigação de Desaparecimento e Homicídio de Mulheres efetuado em 5 de outubro de 2001 (expediente de
anexos à demanda, tomo VIII, anexo 19, folha 2625).
170
Cf. Registro de Pessoas Desaparecidas N° 225/2001 diligenciado em 25 de setembro de 2001 em relação
a Laura Berenice Ramos Monárrez (expediente de anexos à demanda, tomo VIII, anexo 11, folha 2609), e
comparecimento de Benita Monárrez Salgado perante um subagente do Ministério Público vinculado à Promotoria
Especial na Investigação de Homicídios de Mulheres e Desaparecimento de Pessoas efetuado em 25 de setembro
de 2001 (expediente de anexos à demanda, tomo VIII, anexos 12 e 14, folha 2611).
171
Informação resenhada no boletim informativo emitido por dois agentes da Polícia Ministerial ligados à
Promotoria Mista para o Atendimento de Homicídios de Mulheres de Chihuahua em 28 de setembro de 2007
(expediente de anexos à contestação da demanda, tomo XXXV, anexo 50, registro II, tomo IV, folha 12974).
172
Cf. declaração prestada em 24 de outubro de 2001 por Juan Antonio Martínez Jacobo perante a
Promotoria Especial para a Investigação de Homicídios de Mulheres e Pessoas Desaparecidas (expediente de
anexos à demanda, tomo VIII, anexo 23, folha 2637) e Registro de Pessoas Desaparecidas N° 234/2001
diligenciado em 12 de outubro de 2001 em relação a Claudia Ivette González (expediente de anexos à demanda,
tomo VIII, anexo 8, folha 2603).
173
Cf. Registro de Pessoas Desaparecidas N° 234/2001, nota 172 supra; comparecimento de Mayela Banda
González perante um subagente do Ministério Público vinculado à Promotoria Especial na Investigação de
Homicídios de Mulheres e Pessoas Desaparecidas efetuado em 12 de outubro de 2001 (expediente de anexos à
contestação da demanda, tomo XXXII, anexo 50 registro II, tomo I, folha 11102), e declaração prestada pela
senhora González na audiência pública realizada perante a Corte Interamericana em 28 de abril de 2009.
174
Comparecimento de Irma Monreal Jaime perante um agente do Ministério Público vinculado à Promotoria
Especial na Investigação de Homicídios de Mulheres e Pessoas Desaparecidas em 30 de outubro de 2001
(expediente de anexos à demanda, tomo VIII, anexo 29, folha 2653).
175
Cf. comparecimento de Irma Monreal Jaime, nota 174 supra; Registro de Pessoas Desaparecidas N°
241/2001 diligenciado em 30 de outubro de 2001 em relação a Esmeralda Herrera Monreal (expediente de anexos
à demanda, tomo VIII, anexo 13, folha 2613), e declaração prestada pela senhora Monreal na audiência pública
realizada perante a Corte Interamericana de 28 de abril de 2009.
46

localização imediata das mulheres desaparecidas”, “levando em consideração a informação


proporcionada pelos familiares”.
171. A Corte constata que a jovem Ramos desapareceu em 22 de setembro de 2001 e,
segundo o alegado pela Comissão e pelos representantes, em 25 de setembro, a mãe
interpôs a denúncia perante as autoridades, o que não foi controvertido pelo Estado. Nesse
dia foi elaborado o relatório de desaparecimento.
172. A jovem González desapareceu em 10 de outubro de 2001. Os representantes
alegaram que em 11 de outubro seus familiares e amigos próximos foram interpor a
denúncia.176 A Comissão e o Estado afirmaram que em 12 de outubro foi relatado o
desaparecimento. A data do registro de pessoa desaparecida é de 12 de outubro de 2001. 177
173. A jovem Herrera desapareceu em 29 de outubro de 2001. No dia seguinte foi feita a
denúncia178 e o relatório de desaparecimento tem data desse mesmo dia.179
174. Salvo o caso da mãe da jovem González, não consta nos autos prova com relação a
que os familiares houvessem recorrido às autoridades antes da data que se afirma como o
dia de apresentação da denúncia. Nem a Comissão nem os representantes controverteram a
validade dos registros de desaparecimento apresentados pelo Estado. Por tudo isso, a Corte
conclui que o relatório de desaparecimento foi emitido no mesmo dia em que foi feita a
denúncia nos casos das jovens Herrera e Ramos, enquanto no caso da jovem González a
Corte não conta com prova suficiente para determinar se os familiares recorreram às
autoridades pela primeira vez em 11 ou 12 de outubro, mas em todo caso não
transcorreram 72 horas desde o momento em que recorreram às autoridades até que foi
emitido o relatório de desaparecimento.
175. Em relação à alegada espera de 72 horas para iniciar as investigações, o Tribunal
constata que nos três casos, no mesmo dia em que foi feito o “Registro de Pessoas
Desaparecidas”,180 o Programa de Atendimento a Vítimas de Delitos encaminhou um ofício
ao Chefe da Polícia Judiciária.181 Estes ofícios tinham por objetivo informar que havia sido
colocado em conhecimento daquele escritório o desaparecimento das três vítimas, razão
pela qual se solicitava ao pessoal daquela dependência a realização de “investigações
dirigidas a alcançar o esclarecimento dos fatos”.182
176. Durante a audiência pública perante a Corte, as mães das três vítimas manifestaram
que no primeiro contato com as autoridades lhes foi manifestado que deveriam transcorrer

176
Cf. comparecimento de Mayela Banda Gonzáles, folha 2605, nota 173 supra.
177
Cf. Registro de Pessoas Desaparecidas N° 234/2001, nota 172 supra.
178
Cf. testemunho efetuado em 5 de abril de 2006 por Irma Monreal Jaime perante a Promotoria Mista para a
Investigação de Homicídios de Mulheres (expediente de anexos à contestação da demanda, tomo XXVIII, anexo
38, folha 9555), e comparecimento de Irma Monreal Jaime, supra nota 174.
179
Cf. Registro de Pessoas Desaparecidas N° 241/2001, nota 175 supra.
180
Registro de Pessoas Desaparecidas N° 225/2001, folha 2609, nota 170 supra; Registro de Pessoas
Desaparecidas N° 234/2001, nota 172 supra, e Registro de Pessoas Desaparecidas N° 241/2001, nota 175 supra.
181
Cf. ofício N° 549/2001 emitido em 25 de setembro de 2001 pela Coordenadora do Programa de
Atendimento a Vítimas de Delitos e Pessoas Desaparecidas em relação ao desaparecimento de Laura Berenice
Ramos Monárrez (expediente de anexos à contestação da demanda, tomo XXVIII, anexos 20 e 90, folha 9420);
ofício N° 589/2001 emitido em 12 de outubro de 2001 pela Coordenadora do Programa de Atendimento a Vítimas
de Delitos em relação ao desaparecimento de Claudia Ivette González (expediente de anexos à demanda, tomo
VIII, anexo 10, folha 2607), e ofício N° 634/01 emitido em 30 de outubro de 2001 pelo Programa de Atendimento
a Vítimas de Delitos em relação ao desaparecimento de Esmeralda Herrera Monreal (expediente de anexos à
contestação da demanda, tomo XXVIII, anexos 32 e 88, folha 9575).
182
Ofícios N° 549/2001, 589/01 e 634/01, nota 181 supra.
47

72 horas para que suas filhas fossem consideradas desaparecidas,183 o que foi reiterado em
outras declarações.184
177. Segundo os representantes, a prova da demora no início das investigações se
encontra nas “Fichas 103-F” do relatório especial da CNDH de 2003. Entretanto, estas fichas
não fazem referência a que as autoridades tenham feito uma afirmação nesse sentido. 185
178. As declarações periciais confirmam que as mães informaram à sua psiquiatra ou
psicóloga respectiva sobre uma suposta negativa do Estado para iniciar uma possível
averiguação antes das 72 horas.186 Adicionalmente, a testemunha Delgadillo Pérez,
referindo-se a todos os desaparecimentos da plantação de algodão, afirmou que as
investigações em “[v]ários dos expedientes não foram iniciadas no momento em que as
famílias os denunciaram, mas uma vez que transcorreram 72 horas”, indicando
especificamente o caso da jovem Herrera e concluindo que “perderam as primeiras horas
que eram fundamentais para a busca”.187 No mesmo sentido, a perita Jusidman Rapoport
afirmou que, até a presente data, “para as autoridades é necessário que transcorram 72
horas para iniciar a busca de mulheres mencionadas como desaparecidas”.188 Isso também
foi indicado no relatório da EAAF para o caso da jovem Herrera189. A Corte nota que ainda
que estas declarações proporcionam indícios sobre uma suposta demora de 72 horas para
iniciar a busca de pessoas desaparecidas, os peritos não indicaram a fonte de suas
conclusões a partir das quais seja possível avaliar sua afirmação. Ademais, as declarações
dos peritos não oferecem datas específicas, de maneira que a Corte não pode concluir se,
segundo eles, a espera de 72 horas existia no ano de 2001.
179. Para resolver a questão, a Corte tem em consideração que neste aspecto o ônus da
prova corresponde ao Estado, já que este sustenta que suas autoridades procederam com
as investigações, o que é suscetível de prova. Diferente é a situação da Comissão e dos
representantes, que alegam um fato negativo, ou seja, a ausência de investigação nas
primeiras 72 horas. Ademais, leva-se em consideração que os meios de prova estão à
disposição do Estado, de modo que sua defesa não pode descansar sobre a impossibilidade
dos demandantes de apresentarem provas que não podem ser obtidas sem sua
cooperação.190

183
Cf. declarações prestadas pelas senhoras Monárrez, González e Monreal na audiência pública realizada
perante a Corte Interamericana em 28 de abril de 2009.
184
Cf. comparecimento voluntário de Irma Monreal Jaime perante um Agente do Ministério Público da
Federação, Comissário da Agência Mista de Investigações de Homicídios de Mulheres efetuado em 20 de outubro
de 2003 (expediente de anexos à contestação da demanda, tomo XXX, anexo 50, registro I, tomo I, folha 10578);
documento apresentado por Josefina González e pela Rede Cidadã de Não Violência e Dignidade Humana perante a
CIDH em 3 de setembro de 2006 (expediente de anexos à demanda, tomo II, apêndice 5, vol. I, folha 131), e
documento apresentado por Irma Monreal Jaime e pela Associação Nacional de Advogados Democráticos perante a
CIDH em 29 de julho de 2005 (expediente de anexos à demanda, tomo IV, apêndice 5 vol. III, folha 734).
185
Cf. CNDH, Relatório Especial, folhas 2192 a 2220, nota 66 supra.
186
Cf. declaração prestada perante agente dotado de fé pública pelo perito de la Peña Martínez em 21 de abril
de 2009 (expediente de mérito, tomo XI, folha 3350), e declaração prestada perante agente dotado de fé pública
pela perita Azaola Garrido em 20 de abril de 2009 (expediente de mérito, tomo XI, folha 3369).
187
Declaração prestada perante agente dotado de fé pública pela testemunha Delgadillo Pérez em 21 de abril
de 2009 (expediente de mérito, tomo XI, folhas 3481 e 3482).
188
Declaração da perita Jusidman Rapoport, folha 3824, nota 99 supra.
189
Cf. EAAF, laudo de antropologia e genética forense, Esmeralda Herrera Monreal, 12 de junho de 2006
(expediente de anexos à contestação da demanda, tomo XXX, anexo 50, registro I, tomo I, folha 10326).
190
Cf. Caso Velásquez Rodríguez Vs. Honduras. Exceções Preliminares, par. 135, nota 29 supra; Caso Kawas
Fernández Vs. Honduras. Mérito, Reparações e Custas. Sentença de 3 de abril de 2009. Série C N° 196, par. 95, e
Caso Escher e outros Vs. Brasil, par. 127, nota 46 supra.
48

180. A esse respeito, a Corte observa que a prova apresentada pelo Estado indica que nas
primeiras 72 horas unicamente foram registrados os desaparecimentos e os testemunhos
daqueles que as interpuseram, emitiu-se um ofício do Programa de Atendimento a Vítimas
de Delitos e foram recebidos os testemunhos de somente três pessoas, uma em cada caso,
aparte das declarações adotadas no momento de apresentação da denúncia.191 Ou seja,
além de diligências rotineiras e formais, o Estado não apresentou alegações nem prova
sobre ações tomadas no período referido para mobilizar o aparato investigador na busca
real e efetiva das vítimas.
181. Ademais, a Corte ressalta que o Estado não apresentou cópia da totalidade dos autos
criminais nestes casos, mesmo quando lhe foi solicitado (par. 9 supra). Por tal motivo, o
Tribunal conta com uma margem de discricionariedade para considerar estabelecidos certo
tipo de fatos segundo a ponderação que possa ser efetuada com o resto do acervo
probatório. Por isto, a Corte conclui que, ainda que não se possa dar por provado que
efetivamente as autoridades disseram às mães das vítimas que tinham que esperar 72
horas depois de seu desaparecimento para que começassem as investigações, o Estado não
demonstrou que gestões concretas realizou e como buscou efetivamente as vítimas durante
o período mencionado.
2.3. Alegada falta de busca das vítimas antes da descoberta de seus restos
182. A Comissão alegou que “[a] atuação das autoridades estatais diante [das] denúncias
de desaparecimento se limitou à realização de gestões formais e administrativas, sem
medidas concretas, dirigidas a encontrar com brevidade as vítimas, com vida”.
183. Os representantes afirmaram que as três mães “tiveram de iniciar suas próprias
ações de busca” diante da “falta de ações eficientes por parte das autoridades”, como
pregar folhetos nas ruas, recorrer a meios de comunicação e fazer averiguações.
184. O Estado controverteu o anterior e afirmou que as autoridades “ordenaram a busca e
localização imediata das mulheres desaparecidas”, “levando em consideração a informação
proporcionada pelos familiares”. Além disso, alegou que realizou diversas ações para
encontrar o paradeiro das vítimas.
185. Tal como foi indicado, no dia em que foram elaborados os registros de
desaparecimento das vítimas, foi solicitado à Polícia Judiciária que realizasse investigações.
Entretanto, não foi apresentada nenhuma resposta a tal pedido e o Estado não ofereceu
detalhes sobre o acompanhamento que foi dado à mesma.
186. Por outro lado, ainda que conste evidência de que as autoridades elaboraram um
cartaz com informação sobre o desaparecimento de cada uma das vítimas, 192 estes cartazes
não indicam a data na qual foram emitidos e o Estado não precisou em que momento e
como os fez circular. Segundo a mãe da jovem Herrera, foi ela “quem se encarregou de
difundi-lo e pregá-lo em vários pontos da Cidade”.193 A mãe da jovem González afirmou que

191
No caso da jovem Ramos está a declaração de seu pai, Daniel Ramos Canales, de 28 de setembro de 2001
(expediente de anexos à demanda, tomo VIII, anexo 15, folha 2615). No caso da jovem González, uma amiga de
nome Juana González Flores compareceu voluntariamente a prestar declaração em 12 de outubro de 2001 perante
um Subagente do Ministério Público vinculado à Promotoria Especial para a Investigação de Desaparecimento e
Homicídio de Mulheres, no mesmo dia que se interpôs a denúncia (expediente de anexos à contestação da
demanda, tomo XXXII, anexo 50, registro II, tomo I, folhas 11104 e 11105). No caso da jovem Herrera, consta a
declaração de Eduardo Chávez, que compareceu voluntariamente em 2 de novembro de 2001 (expediente de
anexos à contestação da demanda, tomo XXX, anexo 50, registro I, tomo I, folhas 10315 e 10316).
192
Cf. cartazes intitulados “ajude-nos a encontrar esta pessoa”, emitidos pelo Grupo Especial de Atendimento
à Família, Unidade Juárez, da Procuradoria Geral de Justiça do Estado de Chihuahua (expediente de anexos à
demanda, tomo IX, anexos 30, 31 e 32, folhas 2655, 2657 e 2659).
193
Documento apresentado por Irma Monreal Jaime e pela Associação Nacional de Advogados Democráticos
perante a CIDH em 29 de julho de 2005 (expediente de anexos à demanda, tomo IV, apêndice 5, vol. III, folha
49

depois de interpor a denúncia de desaparecimento, começaram “com averiguações e a


colocar fotos dela em folhetos, […] e perguntando, buscando na Cruz Vermelha, nos
hospitais”,194 e a mãe da jovem Ramos disse que ela procurou a sua filha em todos os locais
“existentes e por existir”.195 Isso coincide com o declarado pela testemunha Delgadillo
Pérez, que afirmou que “[s]ão as famílias que, em face do desespero e da falta de apoio
institucional, movem-se pela cidade tratando de encontrar suas filhas”.196
187. Em relação à jovem Ramos, as autoridades receberam, além da declaração prestada
quando foi denunciado seu desaparecimento,197 declarações de dois familiares198 e de três
amigas de sua escola.199 Destes testemunhos a Corte nota que se observam certos
possíveis indícios que poderiam haver ajudado na busca da jovem Ramos, como por
exemplo, informação sobre um rapaz com quem ela falava frequentemente por telefone, 200
locais que frequentava,201 seus planos para a noite de seu desaparecimento, 202 sobre um
rapaz que trabalhava com ela e outras pessoas que pudessem ter informação, 203 bem como
de um homem, com quem, segundo o declarado, a jovem Ramos não queria sair. 204

756); comparecimento voluntário de Irma Monreal Jaime de 20 de outubro de 2003 (expediente de anexos à
contestação da demanda, tomo XXX, anexo 50, registro I, tomo I, folhas 10578); cartão informativo de 15 de
outubro de 2003 (expediente de anexos à contestação da demanda, tomo XXX, anexo 50, registro I, tomo I, folhas
10571 e 10572); testemunho de Irma Monreal Jaime perante um agente do Ministério Público da Promotoria Mista
para o Atendimento de Homicídios de Mulheres efetuado em 5 de abril de 2006 (expediente de anexos à
contestação à demanda, tomo XXX, anexo 50, registro I, tomo I, folhas 10286 e 10287), e testemunho de Benigno
Herrrera Monreal perante um agente do Ministério Público da Promotoria Mista para o Atendimento de Homicídios
de Mulheres efetuado em 5 de abril de 2006 (expediente de anexos à contestação à demanda, tomo XXX, anexo
50, registro I, tomo I, folha 10294).
194
Declaração prestada pela senhora González, nota 183 supra. No mesmo sentido declarou a irmã da jovem
González mencionando ações realizadas pela família (Cf. comparecimento de Mayela Banda González, nota 173
supra).
195
Declaração prestada pela senhora Monárrez, nota 183 supra; comparecimento de Ivonne Ramos
Monárrez, folha 2620, nota 169 supra; comparecimento voluntário de Benita Monárrez Salgado perante um agente
do Ministério Público da Federação ligado à Subprocuradoria de Controle Regional, Procedimentos Penais e Amparo
efetuado em 20 de outubro de 2003 (expediente de anexos à contestação da demanda, tomo XXXVII, anexo 50,
registro III, tomo II, folha 13593), e comparecimento de Ivonne Ramos Monárrez perante um agente do Ministério
Público da Federação ligado à Subprocuradoria de Controle Regional, Procedimentos Penais e Amparo efetuado em
20 de outubro de 2003 (expediente de anexos à contestação da demanda, tomo XXXVII, anexo 50, registro III,
tomo II, folha 13600).
196
Declaração da testemunha Delgadillo Pérez, folha 3523, nota 187 supra.
197
Cf. comparecimento de Benita Monárrez Salgado, folha 2611, nota 170 supra.
198
Cf. comparecimento de Daniel Ramos Canales perante um Subagente do Ministério Público vinculado à
Promotoria Especial na Investigação de Homicídios de Mulheres e Desaparecimento de Pessoas efetuado em 28 de
setembro de 2001 (expediente de anexos à demanda, tomo VIII, anexo 15, folha 2615), e comparecimento de
Claudia Ivonne Ramos Monárrez, folhas 2619 a 2621, nota 169 supra.
199
Cf. comparecimento de Ana Catalina Solís Gaytán perante um subagente do Ministério Público vinculado à
Promotoria Especial para a Investigação de Desaparecimento e Homicídio de Mulheres efetuado em 1° de outubro
de 2001 (expediente de anexos à demanda, tomo VIII, anexo 16, folha 2617); comparecimento de Diana América
Corral Hernández perante um subagente do Ministério Público vinculado à Promotoria Especial na Investigação de
Homicídios de Mulheres e Desaparecimento de Pessoas efetuado em 1° de outubro de 2001 (expediente de anexos
à demanda, tomo VIII, anexo 18, folha 2623), e comparecimento de Rocío Itxel Núñez Acevedo, (folhas 2625 a
2626), nota 169 supra.
200
Cf. comparecimento de Ana Catalina Solís Gaytán, nota 199 supra.
201
Cf. comparecimento de Rocío Itxel Núñez Acevedo, folha 2626, nota 169 supra.
202
Cf. comparecimento de Rocío Itxel Núñez Acevedo, folha 2626, nota 169 supra.
203
Cf. comparecimento de Claudia Ivonne Ramos Monárrez, folhas 2620 e 2621, ota 169 supra, e
comparecimento de Rocío Itxel Núñez Acevedo, folha 2626, nota 169 supra.
204
Cf. comparecimento de Diana América Corral Hernández, nota 199 supra.
50

188. Além disso, a mãe da jovem Ramos declarou no ano de 2003 sobre várias ligações
que recebeu nos dias posteriores ao desaparecimento de sua filha, e que em uma delas
“conseguiu escutar que [sua] filha Laura discutia com uma pessoa” e que por esta razão se
dirigiu “à Procuradoria Geral de Justiça do Estado para que rastreassem a ligação” e lhe
disseram que não a podiam rastrear.205 Adicionalmente, segundo a senhora Monárrez, não
foram realizadas diligências de averiguação na escola onde sua filha estudava, outras
entrevistas com suas amigas e conhecidos, ou em alguns locais que frequentava, com o
propósito de encontrá-la.206 Além disso, não foram realizadas gestões em relação às
ligações telefônicas que a jovem Ramos havia efetuado e recebido em seu celular. 207
189. Em relação à jovem González, além da declaração prestada quando foi denunciado o
desaparecimento,208 foram tomadas as declarações de cinco amigos,209 um colega de
trabalho na maquiladora,210 seu ex-companheiro sentimental211 e dois chefes de segurança
da empresa.212 Destes testemunhos se observam certos possíveis indícios que poderiam ter
ajudado na busca da jovem González, como por exemplo, informação sobre um rapaz com

205
Cf. cartão informativo de 15 de outubro de 2003 (expediente de anexos à contestação da demanda, tomo
XXXVII, anexo 50, registro III, tomo II, folha 13580).
206
Cf. documento apresentado por Benita Monárrez Salgado e pela Rede Cidadã de Não Violência e Dignidade
Humana perante a CIDH, folha 294, nota 184 supra.
207
Cf. comparecimento de Rocío Itxel Núñez Acevedo, folhas 2625 e 2626, nota 169 supra.
208
Cf. comparecimento de Mayela Banda González, nota 173 supra.
209
Cf. comparecimento de Juana González Flores, nota 191 supra; comparecimento de Ana Isabel Suárez
Valenciana perante um agente do Ministério Público vinculado à Promotoria Especial para a Investigação de
Desaparecimento de Pessoas e Homicídio de Mulheres efetuado em 16 de outubro de 2001 (expediente de anexos
à contestação da demanda, tomo XXXII, anexo 50, registro II, tomo I, folhas 11106 a 11108); comparecimento de
Aide Navarrete García perante um agente do Ministério Público vinculado à Promotoria Especial para a Investigação
de Desaparecimento de Pessoas e Homicídio de Mulheres efetuado em 16 de outubro de 2001 (expediente de
anexos à contestação da demanda, tomo XXXII, anexo 50, registro II, tomo I, folhas 11109 a 11111);
comparecimento de Armando Velazco Fernández perante um agente do Ministério Público vinculado à Promotoria
Especial para a Investigação de Desaparecimento de Pessoas e Homicídio de Mulheres efetuado em 19 de outubro
de 2001 (expediente de anexos à contestação da demanda, tomo XXXII, anexo 50, registro II, tomo I, folhas
11112 e 11113), e comparecimento de Verónica Hernández Estrada perante um agente do Ministério Público
vinculado à Promotoria Especial para a Investigação de Desaparecimento de Pessoas e Homicídio de Mulheres
efetuado em 19 de outubro de 2001 (expediente de anexos à contestação da demanda, tomo XXXII, anexo 50,
registro II, tomo I, folhas 11114 a 11115).
210
Cf. comparecimento de Efrén Pérez Maese perante um agente do Ministério Público vinculado à Promotoria
Especial para a Investigação de Homicídios de Mulheres e Pessoas Desaparecidas efetuado em 24 de outubro de
2001 (expediente de anexos à contestação da demanda, tomo XXXII, anexo 50, registro II, tomo I, folha 11116).
211
Cf. comparecimento de Víctor Hugo Hernández Bonilla perante um agente do Ministério Público vinculado
à Promotoria Especial para a Investigação de Homicídios de Mulheres e Pessoas Desaparecidas efetuado em 25 de
outubro de 2001 (expediente de anexos à contestação da demanda, tomo XXXII, anexo 50, registro II, tomo I,
folhas 11119 a 11120).
212
Cf. comparecimento de Juan Antonio Martínez Jacobo perante um agente do Ministério Público vinculado à
Promotoria Especial para a Investigação de Homicídios de Mulheres e Pessoas Desaparecidas efetuado em 24 de
outubro de 2001 (expediente de anexos à contestação da demanda, tomo XXXII, anexo 50, registro II, tomo I,
folhas 11117 a 11118) e comparecimento de Jesús Moisés Cuellar Juárez perante um agente do Ministério Público
vinculado à Promotoria Especial para a Investigação de Homicídios de Mulheres e Pessoas Desaparecidas efetuado
em 25 de outubro de 2001 (expediente de anexos à contestação da demanda, tomo XXXII, anexo 50, registro II,
tomo I, folha 11121).
51

quem ela saía213, sobre um casal que, aparentemente a observava muito cada vez que
passava214 e um rapaz da maquiladora que a incomodava.215
190. Por outro lado, a Comissão alegou que havia sido comunicado às autoridades que,
duas semanas antes de seu desaparecimento a jovem González havia sido intimidada por
dois policiais. Apesar de ser certo que a prova apresentada pela Comissão corresponde a
uma nota de imprensa emitida em 2005 – na qual a mãe da jovem González não precisa o
momento em que informou estes fatos às autoridades – e que as demais declarações a esse
respeito foram efetuadas em 2007 e 2009, 216 o Estado não controverteu nem os fatos nem
a data na qual se alega que as autoridades foram informadas. Além disso, não apresentou a
totalidade do expediente criminal. Por esta razão, o Tribunal considera estabelecido que
esta informação foi comunicada às autoridades antes de 6 de novembro de 2001, ou seja,
antes da descoberta de seu corpo.217 Não se observa dos autos que os investigadores
tenham realizado uma linha de investigação em torno a esta informação, com o propósito
de encontrar a jovem González com vida.
191. Uma declarante afirmou que um rapaz disse a ela e à irmã da jovem González que
“ele se havia dado conta, não disse como, que Claudia Ivette estava desaparecid[a]”. 218
Tampouco consta que o Estado tenha indicado alguma investigação em relação a este
indício.
192. Segundo a Comissão, entre o relato do desaparecimento da jovem González e a
descoberta de seus restos, o único contato das autoridades com a família desta foram duas
ligações efetuadas pela Promotoria Especial, nas quais se indagou se tinham novidades. O
Estado não controverteu o anterior nem apresentou prova em contrário.
193. No caso da jovem Herrera, segundo o Estado, a mãe informou a um agente da
polícia que sua filha conhecia um jovem que trabalhava em uma gráfica e que “insistia que
saísse para comer com ele” e que este jovem não havia ido trabalhar no dia em que a
vítima desapareceu. As autoridades, posteriormente, receberam a declaração deste jovem,
que reconheceu haver cumprimentado a jovem Herrera, mas negou tê-la convidado para
comer.219 Não consta nos autos que o Estado tenha realizado alguma outra ação dirigida a
encontrar a jovem Herrera com vida.

213
Cf. comparecimento de Mayela Banda González, nota 173 supra; comparecimento de Juana González
Flores, nota 191 supra; comparecimento de Ana Isabel Suárez Valenciana, folhas 11106 e 11107, nota 209 supra;
comparecimento de Aide Navarrete García, folha 11110, nota 209 supra, e comparecimento de Armando Velazco
Fernández, folha 11113, nota 209 nota 209 supra.
214
Cf. comparecimento de Juana González Flores, supra nota 191, folha 11105.
215
Cf. comparecimento de Ana Isabel Suárez Valenciana, supra nota 209, folha 11107.
216
Cf. nota de imprensa intitulada “Impunes crímenes de las ocho mulheres”, publicada no diário “Norte” em
6 de novembro de 2005 (expediente de anexos à demanda, tomo VIII, anexo 7, folha 2329); parecer informativo,
nota 171 supra; testemunho prestado por Irma Josefina González perante um agente do Ministério Público
vinculado à Promotoria Mista para a Investigação de Homicídios de Mulheres em Ciudad Juárez efetuado em 12 de
fevereiro de 2009 (expediente de anexos às alegações finais escritas do Estado, tomo XLVIII, anexo 4, folhas
17193 e 17194), e testemunho prestado por Ana Isabel Suárez Valenciana perante um agente do Ministério Público
vinculado à Promotoria para o Atendimento de Homicídios de Mulheres em Ciudad Juárez efetuado em 25 de
fevereiro de 2009 (expediente de anexos às alegações finais escritas do Estado, tomo XLVIII, anexo 4, folha
17197).
217
Em similar sentido ver ECHR. Case of Pukhigova v. Russia, Judgment of 2 July 2009, paras. 75 and 84.
218
Testemunho prestado por Ana Isabel Suárez Valenciana, nota 209 supra.
219
Cf. comparecimento de Eduardo Chávez Marín perante um agente do Ministério Público vinculado à
Promotoria Especial na Investigação de Homicídios de Mulheres e de Desaparecimento de Pessoas efetuado em 2
de novembro de 2001 (expediente de anexos à contestação da demanda, tomo XXX, anexo 50, registro I, tomo I,
folhas 10315 a 10316).
52

194. Apesar de o Estado ter alegado que começou a busca das vítimas de imediato,
segundo o que consta nos autos, o único que foi feito antes da descoberta dos restos foi
elaborar os registros de desaparecimento, os cartazes de busca, a tomada de declarações e
o envio do ofício à Polícia Judiciária. Não consta nos autos que as autoridades tenham feito
circular os cartazes de busca nem que efetuaram uma investigação mais profunda sobre
fatos razoavelmente relevantes que se observavam das mais de 20 declarações tomadas. 220
195. Além disso, a Corte considera que é possível enquadrar estes fatos dentro de um
contexto geral documentado nos autos. De fato, em janeiro de 2006, a Relatora das Nações
Unidas sobre a Violência contra a Mulher afirmou que, “[a]o que parece, a polícia municipal
de Ciudad Juárez não empreende ações de busca nem adota nenhuma outra medida
preventiva no momento de receber uma denúncia de desaparecimento de uma mulher.
Inexplicavelmente, a polícia costuma esperar que seja confirmado o cometimento de um
crime.”221
2.4. Alegados estereótipos projetados pelos funcionários para os familiares das
vítimas
196. A Comissão alegou que “quando foi denunciado cada desaparecimento, os familiares
receberam comentários por parte de agentes estatais sobre a conduta de suas filhas que
consideram ter influenciado a inação estatal posterior”.
197. Os representantes afirmaram que “as autoridades minimizavam os fatos ou
desacreditavam” as denúncias dos familiares das vítimas “sob o pretexto de que eram
mocinhas que ‘andavam com o namorado ou ‘andavam de paqueras”.
198. A mãe da jovem Herrera declarou que, ao interpor a denúncia, as autoridades lhe
disseram que sua filha “não está desaparecida, anda com o namorado ou anda com os
amigos de gandaia”,222 “que se lhe acontecia isso era porque ela procurava, porque uma
menina bem comportada, uma mulher bem comportada, fica em sua casa”.223
199. A mãe da jovem González afirmou que, quando compareceram para apresentar o
relato de desaparecimento, um funcionário haveria dito a uma amiga de sua filha que
“provavelmente havia saído com o namorado, porque as garotas eram muito ‘paqueradoras’
e provocavam os homens”.224 A mãe também afirmou que quando foram apresentar a
denúncia lhe disseram que “provavelmente saiu com o o namorado, que provavelmente
logo regressaria”.225
200. Por sua vez, a mãe da jovem Ramos afirmou que os agentes policiais lhe disseram
que ela tinha que procurar sua filha porque “todas as meninas que se perdem, todas […]vão

220
Entretanto, a Corte observa que existe uma declaração de um agente policial afirmando a tomada de
diversas declarações, incluindo algumas tomadas na maquiladora onde trabalhava a jovem González e na escola
onde estudava a jovem Ramos (Cf. testemunho de José Miramontes Caro efetuado em 14 de abril de 2009 perante
um Agente do Ministério Público, expediente de anexos às alegações finais escritas do Estado, tomo XLVIII, anexo
4, folhas 17221 e 17222).
221
Relatório da Relatora Especial sobre a violência contra a mulher, folha 2018, nota 64 supra.
222
Cf. declaração prestada pela senhora Monreal, nota 183 supra. Ver também a manifestação de Irma
Monreal Jaime na petição apresentada perante a Comissão Interamericana em 6 de março de 2002 (expediente de
anexos à demanda tomo XXVII, anexo 42, folha 9802). No mesmo sentido, o irmão da vítima declarou que as
autoridades diziam não poder fazer nada “porque provavelmente se foi com o namorado” (Cf. declaração da perita
Azaola Garrido, folha 3369, nota 186 supra).
223
Cf. declaração da senhora Monreal Jaime, nota 183 supra.
224
Cf. comunicação apresentada por Josefina González perante a Comissão Interamericana em setembro de
2006 (escrito de anexos à demanda, tomo II, apêndice 5 volume I, folha 141).
225
Cf. declaração da senhora González, nota183 supra.
53

com o namorado ou querem viver sua vida sozinhas”.226 Acrescentou que em uma
oportunidade solicitou aos agentes policiais que a acompanhassem a um salão de baile para
procurar sua filha e que eles lhe haveriam dito “não senhora, é muito tarde, nós já temos
que descansar e você espere o momento adequado para procurar a Laura”, e, batendo nas
suas costas, teriam manifestado: “vai você para que se relaxe, tome umas cervejas em
nossa homenagem, porque nós não podemos acompanhá-la”.227
201. O Estado não controverteu estas declarações das mães das vítimas.
202. Por outro lado, o testemunho da senhora Delgadillo Pérez, em relação ao
desempenho das autoridades no presente caso, afirma que “[s]e determina[va] a
responsabilidade ou não da vítima, em conformidade com o papel social que, a juízo do
investigador, ela tinha na sociedade. Isto quer dizer que se a mulher assassinada gostava
de se divertir, sair para dançar, tinha amigos e uma vida social, era considerada em parte
como responsável pelo que sucedeu”.228 Segundo a testemunha, “[nessa] época as
autoridades estigmatizavam as vítimas de desaparecimento pelo fato de serem mulheres”,
sendo a desculpa que “andavam com o namorado” ou “andavam como loucas”, “chegou-se
também a culpar as mães por permitir que suas filhas andassem sozinhas ou que saíssem à
noite”.229
203. A Corte ressalta que o testemunho da senhora Delgadillo Pérez, bem como as
declarações das mães e familiares das vítimas concordam com o contexto descrito por
diversas instâncias nacionais e internacionais, no qual funcionários e autoridades
“minimizavam o problema” e denotavam “ausência de interesse e vocação para atender e
reparar uma problemática social grave” (par. 154 supra).
204. Os representantes relacionam os comentários efetuados pelos funcionários que
atenderam os casos com uma política que, no momento dos fatos, distinguiria entre
“desaparecimentos de alto risco” e outros que não o eram.
205. A Anistia Internacional afirmou que, “no ano de 2001, a PGJECH havia colocado em
prática o critério de ‘desaparecimentos de alto risco’, baseado unicamente no
comportamento da vítima. Se a mulher desaparecida era uma pessoa com uma rotina
estável, esta poderia ser candidata a este tipo de busca. Este critério resultou altamente
discriminatório e pouco funcional já que no ano de 2003, somente existia um caso de
desaparecimento considerado como de alto risco”. 230
206. Em sentido similar, em 2003, a CNDH afirmou que “[a] Procuradoria do Estado
adotou há três anos o critério de desaparecimentos de ‘alto risco’, baseado em que a jovem,
antes de desaparecer, tinha uma rotina estável ou [não] havia manifestado sua vontade de

226
Cf. declaração da senhora Monárrez, nota 183 supra.
227
Cf. declaração da senhora Monárrez, nota 183 supra e cartão informativo emitido pelo Comandante da
Agência Federal de Investigação informando da entrevista mantida com a senhora Benita Monárrez Salgado em 15
de outubro de 2003 (expediente de anexos à contestação da demanda, tomo XXXVII, anexo 50, registro III tomo
II, folha 13579).
228
Cf. declaração da testemunha Delgadillo Pérez, folha 3481, nota 187 supra.
229
Cf. declaração da testemunha Delgadillo Pérez, folhas 3494 e 3495, nota 187 supra.
230
Segundo um relatório da Anistia Internacional, em março de 2003, do total de 69 desaparecimentos
somente um caso em Ciudad Juárez era considerado para as autoridades como de “alto risco”. Tratava-se de uma
jovem de 18 anos desaparecida desde 10 de maio de 2002 (Cf. Anistia Internacional, Mortes Intoleráveis, folha
2274, nota 64 supra). Cabe notar que segundo a CNDH, em um ofício de 18 de junho de 2003 observava “que os
casos de [cinco pessoas] foram considerados como de ‘alto risco’” (CNDH, Relatório especial, folha 2204, nota 66
supra).
54

abandonar sua família”.231 Além disso, em 2003, o CEDAW criticou a classificação entre os
considerados de “alto risco” e os que não são.232
207. Por outro lado, a Corte constata que o formulário no qual os familiares denunciavam
o desaparecimento requeria informação sobre as “preferências sexuais” das vítimas.233
208. O Tribunal considera que no presente caso, os comentários efetuados por
funcionários no sentido de que as vítimas teriam ido com seus namorados ou que teriam
uma vida censurável e a utilização de perguntas sobre a preferência sexual das vítimas
constituem estereótipos. Por outro lado, tanto as atitudes como as declarações dos
funcionários demonstram que existia, pelo menos, indiferença com relação aos familiares
das vítimas e suas denúncias.
2.5. Descoberta dos corpos
209. Em 6 de novembro de 2001, foram encontrados os corpos de três mulheres em uma
plantação de algodão.234 Estas três mulheres foram posteriormente identificadas como as
jovens Ramos, González e Herrera. Em 7 de novembro de 2001, em um local próximo
dentro da mesma plantação de algodão, foram encontrados os corpos de outras cinco
mulheres,235 que não são consideradas supostas vítimas no presente caso, pelos motivos
expostos na Resolução do Tribunal de 19 de janeiro de 2009. 236

231
CNDH, Relatório especial, folha 2174, nota 66 supra.
232
Cf. Relatório sobre o México produzido pelo CEDAW, folha 1950, nota 64 supra.
233
Registro de Pessoas Desaparecidas N° 225/2001, folha 2609, nota 170 supra; Registro de Pessoas
Desaparecidas N° 234/2001, folha 2603, nota 172 supra, e Registro de Persona Desaparecida N° 241/2001, folha
2613, nota 175 supra.
234
Cf. atas de levantamento pericial de cadáver dos corpos não identificados N° 188/2001, 189/2001 e
190/2001 emitidas pelo Departamento de Serviços Periciais da Procuradoria Geral de Justiça do Estado de
Chihuahua em 6 de novembro de 2001 (expediente de anexos à demanda, tomo IX, anexo 35, 36 e 37, folhas
2672 a 2675, 2677 a 2679 e 2681 a 2683).
235
Cf. declaração preliminar de evidência emitida por um agente do Ministério Público vinculado à Promotoria
Especial para a Investigação de Homicídios de Mulheres no Inquérito de Investigação Prévia 27913/01/1501 em 8
de novembro de 2001 (expediente de anexos ao escrito de petições e argumentos, tomo XIV, anexo 3, folhas 4778
a 4783).
236
Nesta Resolução a Corte afirmou, inter alia:
40. Que [… a Comissão emitiu os relatórios de admissibilidade somente em relação a [… três vítimas
e seus familiares. […]
41. Que, com posterioridade à adoção dos relatórios de admissibilidade, na etapa de mérito, os
representantes fizeram petições à Comissão para que esta se pronunciasse sobre possíveis violações aos
direitos das outras supostas vítimas encontradas na plantação de algodão. Em particular, solicitaram à
Comissão que tramitasse motu proprio estes casos e os reunisse aos casos que já se encontravam em
desenvolvimento, ou que, supletivamente, fosse considerada a ANAD como peticionária pelas novas
supostas vítimas.
[…]
44. Que […] a Comissão não se pronunciou em nenhum momento sobre as petições dos peticionários
[…]. A Corte observa que os representantes unicamente conheceram a posição da Comissão três anos
depois, quando a Corte requereu esta informação.
[…]
46. Que, tendo em consideração que em relação às novas supostas vítimas alegadas pelos
representantes não foram cumpridas todas as etapas processuais necessárias que permitissem à
Comissão integrá-las a seu Relatório de Mérito, a Corte deve recusar o pedido de incluir María de los
Ángeles Acosta Ramírez, Guadalupe Luna de la Rosa, Mayra Juliana Reyes Solís, Verónica Martínez
Hernández, Bárbara Aracely Martínez Ramos, María Rocina Galicia Meraz, Merlín Elizabeth Rodríguez
Sáenz e a mulher que permanece não identificada 195/01, assim como os senhores Víctor Javier García
Ramírez, Gustavo González Meza e Edgar Álvarez Cruz como supostas vítimas no presente caso. […
55

210. A Comissão e os representantes manifestaram que os corpos das jovens Herrera,


González e Ramos foram objeto de uma particular brutalidade por parte dos perpetradores
dos homicídios. Os representantes acrescentaram que “[a] forma em que foram
encontrados os corpos [das três vítimas] sugere que foram estupradas e abusadas com
extrema crueldade”.
211. O Estado alegou que o laudo de autópsia concluiu que “os fenômenos cadavéricos
iniciais já não eram observáveis [nos] corpo[s] pelo transcurso do tempo e pela ação
ambiental sobre [os] mesmo[s] (contratura muscular post mortem e lividezes cadavéricas),
o que implicava que o grau de decomposição era tão elevado que inibia cientificamente uma
análise pormenorizada e, portanto, o estabelecimento da causa de morte”. O México
enfatizou que o “estado de decomposição dos corpos (questão de ordem natural [que] não
[lhe é] atribuível”) impediu “determinar a causa da morte”. Além disso, afirmou que a
“primeira ação da Procuradoria Geral de Justiça foi determinar a natureza das mortes,
levando em consideração as condições em que foram encontrados os corpos”.
212. Da prova apresentada se observa que em 6 de novembro de 2001, dia em que foram
encontrados os cadáveres das três supostas vítimas, foi elaborada ata de levantamento
pericial dos corpos237 e uma declaração juramentada sobre o local do crime,238 e, ademais,
lhes foram praticadas as correspondentes autópsias, cujos laudos foram emitidos em 9 de
novembro daquele mesmo ano.239 Destes documentos consta a seguinte informação:
a) em relação a Esmeralda Herrera Monreal, vestia blusa rasgada240 no lado
superior direito e sutiã, ambas as alças levantadas por cima da região peitoral, bem
como meias brancas rasgadas. O estado de conservação do corpo era incompleto,
encontrando-se em uma posição de decúbito dorsal, com sua extremidade cefálica em
direção ao oriente, suas extremidades inferiores em direção oposta e flexionadas, suas
extremidades superiores estavam unidas entre si na região lombar, com um cordão
preto o qual dava duas voltas em cada pulso, com dois nós no pulso direito e três na
mão esquerda. O cordão rodeava o corpo em sua totalidade na região abdominal. Ao
ser retirado o cordão observaram marcas equimóticas ao redor dos pulsos. A pele
apresentava coloração violácea a negra. O crânio e o pescoço estavam descarnados,
bem como a região clavicular direita, ombro direito, terço superior do braço direito e a
região peitoral direita. O crânio apresentava alguns cabelos aderidos. Ausência de
região mamária direita. Ausência parcial de partes do mamilo da região mamária
esquerda. Ambas as mãos apresentavam desprendimento de pele a este nível em
forma de luva. O cadáver apresentava fauna cadavérica. Debaixo do crânio, sobre o
piso de terra, foi encontrada uma mancha avermelhada. Foi estabelecida causa de
morte indeterminada e o tempo de morte entre 8 a 12 dias;
b) em relação a Claudia Ivette González, vestia blusa branca de alças e sutiã de
cor clara. Seu estado de conservação era incompleto. Encontrava-se em uma posição
237
Cf. atas de levantamento pericial de cadáver, folhas 2672 a 2683, nota 234 supra.
238
Cf. declaração juramentada sobre o local e os cadáveres emitida por um agente do Ministério Público de
Chihuahua e duas testemunhas de assistência em 6 de novembro de 2001 (expediente de anexos à demanda,
tomo IX, anexo 33, folhas 2661 a 2667).
239
Cf. laudos de autópsia dos corpos não identificados 188/2001, 189/2001 e 190/2001 emitidos por um
Médico Legista do Escritório Técnico de Serviços Periciais da Procuradoria de Chihuahua, em 9 de novembro de
2001 (expediente de anexos à demanda, tomo IX, anexos 40, 41 e 42, folhas 2696, 2697, 2699, 2700, 2702 e
2703).
240
A declaração juramentada sobre o local do crime afirma o seguinte: “blusa de listras de cores branca, rosa
e vermelho a qual se encontra rasgada na sua parte superior direita” (Cf. declaração juramentada sobre o local e
os cadáveres, folha 2662, nota 238 supra). Por sua vez, o laudo de autópsia se refere a “blusa rasgada vermelha
com branco e alaranjado faltando parte do lado direito” (Cf. laudo de autópsia do corpo não identificado 188/2001,
folha 2696, nota 239 supra).
56

de decúbito lateral direito, com a extremidade cefálica apontando para o oriente, das
extremidades superiores a direita por debaixo do tórax e a esquerda levemente
flexionada e separada do corpo. A extremidade inferior direita estendida e para o lado
oposto da extremidade cefálica e a esquerda flexionada à altura da dobra do joelho.
Presença de vegetação própria do local. Crânio descarnado com escassa presença de
couro cabeludo. Ausência de tecido no pescoço e tórax. Foi estabelecida causa de
morte indeterminada e o tempo de morte entre 4 a 5 semanas, e
c) em relação ao corpo de Laura Berenice Ramos Monárrez, vestia blusa branca
de alças, de pescoço em V, e sutiã cor preta colocados ambos por cima da região
mamária e se observava no mamilo direito uma ferida plana de 5 mm que cortou a
ponta do mesmo. O estado de conservação do corpo era incompleto. Encontrava-se
em posição de decúbito dorsal com a extremidade cefálica apontando para o sul, as
extremidades inferiores em direção contrária e as superiores estendidas por cima da
extremidade cefálica. Apresentava enrugamento na pele. O crânio descarnado em sua
parte posterior. Cabelo escasso com cortes irregulares. Encontrava-se coberto de
vegetação própria do local. Foi estabelecida causa de morte indeterminada e o tempo
de morte entre 4 a 6 semanas.241
213. Em 2 de fevereiro de 2002, os peritos de campo que realizaram o levantamento
pericial dos cadáveres em novembro de 2001 emitiram um parecer criminalístico242 no qual
indicaram, inter alia, que “é possível estabelecer que a[s] agress[ões] foram perpetradas no
local da identificação dos corpos”. Acrescentaram que, apesar de que não foi possível por
meio da autópsia legal determinar que houve violação sexual, “devido às condições de
seminudez em que […] foram encontradas, é possível estabelecer com alto grau de
probabilidade que se trata de […] crime[s] de índole sexual”.
214. Especificamente, em relação à jovem Herrera, concluíram que “[p]elo grau de
dificuldade que se observava na amarração que apresentava […] da cintura a suas
extremidades superiores, [era] possível estabelecer que […] chegou de mãos atadas ao
local dos fatos”; que, em relação à ausência de tecido brando do tórax até a extremidade
cefálica, era “possível estabelecer que […] apresentava alguma lesão nestas regiões, que
lhe causar[am] a morte”, e que tornava “factível supor que a causa da morte fosse
estrangulamento”.
215. Em relação à jovem Ramos, os peritos concluíram que, com base nos hematomas
que se observaram em diferentes tecidos ósseos, era “possível estabelecer que […] foi
severamente golpeada antes de sua morte”.
216. Em relação aos pareceres criminalísticos realizados por peritos de campo, em 9 de
julho de 2003, o Diretor de Medicina Forense levou ao conhecimento do Sétimo Juízo
Criminal que “um perito em criminalística de campo não se encontra capacitado para
determinar questões estritamente médicas, como determinar a causa da morte de cada um
dos cadáveres que são mencionados nas diferentes folhas dos autos […], e tampouco é

241
Faz-se notar que a ata de levantamento pericial do cadáver estabelece o tempo de morte entre 3 a 4
semanas (Cf. ata de levantamento pericial de cadáver do corpo não identificado N° 190/2001, folha 2681, nota 234
supra). Por sua vez, o laudo de autópsia determina um tempo de morte entre 4 a 6 semanas. (Cf. laudo de
autópsia do corpo não identificado 190/2001, folha 2703, nota 239 supra).
242
Cf. parecer de criminalística emitido por peritos oficiais da Procuradoria Geral do Estado de Chihuahua nas
áreas de criminalística de campo, fotografia forense e escavação forense em 2 de fevereiro de 2002 (expediente de
anexos à demanda, tomo IX, anexo 62, folhas 2914 a 2920).
57

possível que […] determine a data aproximada do falecimento de cada um; isso corresponde
à área de medicina legal”.243
217. Na decisão da Quarta Vara do Tribunal de Chihuahua proferida em 14 de julho de
2005, foi estabelecido, em referência ao parecer criminalístico (par. 213 supra), que os
“peritos falam de probabilidade e estas não são mais que suposições, conjecturas, as quais,
por seu caráter de índole subjetiva […] não são, neste caso, meios adequados para chegar à
verdade histórica e legal dos verdadeiros acontecimentos”. 244
218. Em 18 de novembro de 2005, a Equipe Argentina de Antropologia Forense (EAAF)
realizou uma segunda autópsia dos restos da jovem Herrera. 245 Esta equipe estabeleceu que
a autópsia realizada em 6 de novembro de 2001 (par. 212 supra) não teve em consideração
os princípios gerais nos quais deve se basear uma correta necrópsia médico legal, de modo
que, “[a]o carecer destas normas, não chega aos objetivos de uma autópsia médico-legal
[…]. Inclusive em algum ponto de sua redação leva a […] confusão [e c]arece da
profundidade necessária para realizar um diagnóstico diferido ao não ser completa a
necrópsia e carecer de estudos complementares”. A EAAF concluiu que, “[d]a leitura [da]
autópsia não se podem tirar conclusões válidas, dad[a] a pobre descrição dos exames
interno e externo, os quais haveriam permitido estabelecer uma hipótese fundada da causa
de morte”. Em relação à jovem Ramos, a família somente contava com uma clavícula, já
que haviam incinerado os demais restos, a qual entregaram à EAAF para que confirmassem
sua identidade.246 Os restos da jovem González não foram incluídos nos casos a reexaminar
pela EAAF diante da negativa dos familiares.247
219. Apesar das deficiências nas primeiras etapas das investigações, em especial no
procedimento para a realização das autópsias - às quais o Tribunal se referirá em detalhe
mais adiante - é possível concluir que Esmeralda Herrera Monreal, ao estar de mãos atadas
nas costas, nua na parte inferior do corpo, com a camiseta e sutiã por cima da região
peitoral, sem região mamária direita e com danos em partes do mamilo esquerdo (par. 212
supra), sofreu uma brutalidade tal que deve ter causado severos sofrimentos físicos e
psíquicos antes de sua morte.
220. Em relação a Laura Berenice Ramos Monárrez e Claudia Ivette González, não é
possível para este Tribunal, pelas deficiências indicadas nas primeiras etapas das
investigações, diferenciar cientificamente quais sinais foram causados por agressão e quais
pela passagem do tempo. Por isso, a Corte deve ter em consideração os diversos fatores
que se deram em relação ao desaparecimento das vítimas. Em concreto, que o tratamento
sofrido durante o tempo em que permaneceram sequestradas antes de sua morte com toda
probabilidade lhes causou, ao menos, um sofrimento psicológico agudo, e que muito
possivelmente os fatos ocorridos antes de sua morte, da mesma forma que no caso de
Esmeralda Herrera Monreal, tiveram um motivo sexual, pois as jovens foram encontradas
seminuas na parte inferior do corpo e Laura Berenice Ramos Monárrez com a blusa e o sutiã

243
Cf. manifestação efetuada pelo Diretor da Direção de Serviços Periciais e Medicina Forense da Procuradoria
Geral de Justiça e consignada em um auto assinado pelo Sétimo Juiz Criminal do Distrito Judiciário de Morelos em
9 de julho de 2003 (expediente de anexos à demanda, tomo IX, anexo 74, folhas 2982 a 2983).
244
Cf. sentença de 14 de julho de 2005 proferida pela Quarta Vara Criminal do Supremo Tribunal de Justiça
do Estado de Chihuahua (expediente de anexos à demanda, tomo X, anexo 83, folhas 3422 a 3500).
245
Cf. nova autópsia de Esmeralda Herrera Monreal efetuada por Luis Alberto Bosio em 18 de novembro de
2005 (expediente de mérito, tomo VII, folha 2481).
246
Cf. comparecimento de Benita Monárrez Salgado perante um agente do Ministério Público de Chihuahua
em 24 de julho de 2006 (expediente de mérito, tomo VII, folha 2718).
247
Cf. laudo de antropologia e genética forense, emitido pela Equipe Argentina de Antropologia Forense em
relação a Esmeralda Herrera Monreal em 12 de junho de 2006 (expediente de anexos à contestação da demanda,
tomo XXX, anexo 50, registro I, tomo I, folha 10341).
58

levantados por cima dos seios (par. 212 supra). O anterior se soma ao fato de que em
Ciudad Juárez, no momento do desaparecimento das vítimas, existiam muitos casos
análogos ao presente nos quais as mulheres apresentavam sinais de “violência sexual”
(pars. 116 e 117 supra).
221. As três vítimas estiveram privadas de sua liberdade antes de sua morte. Pelas
deficiências nos laudos de autópsia, o Tribunal não pode determinar com certeza quanto
tempo durou seu sequestro.
3. A violência contra a mulher no presente caso
222. A Comissão e os representantes se referiram ao vivido pelas jovens González, Ramos
e Herrera como “violência contra a mulher”. Os representantes alegaram que “os
assassinatos do presente caso coincidem em sua infinita crueldade e são crimes de ódio
contra estas meninas e mulheres de Juárez, crimes misóginos realizados em uma enorme
tolerância - e impulso social e estatal - à violência genérica contra as mulheres”.
223. O Estado reconheceu “[a] situação de violência contra a mulher em Ciudad Juárez
[…] como um problema que deve ser combatido de forma integral”.
224. Antes de analisar a possível responsabilidade internacional do Estado neste caso, a
Corte considera pertinente estabelecer se a violência que sofreram as três vítimas constitui
violência contra a mulher segundo a Convenção Americana e a Convenção de Belém do
Pará.
225. No Caso do Presídio Castro Castro Vs. Peru, a Corte se referiu a alguns alcances do
artigo 5 da Convenção Americana em relação aos aspectos específicos de violência contra a
mulher, considerando como referência de interpretação as disposições pertinentes da
Convenção de Belém do Pará e da Convenção sobre a Eliminação de todas as Formas de
Discriminação contra a Mulher, já que estes instrumentos complementam o corpus juris
internacional em matéria de proteção da integridade pessoal das mulheres, do qual faz
parte a Convenção Americana.248
226. A Convenção de Belém do Pará define a violência contra a mulher como “qualquer
ato ou conduta baseada no gênero, que cause morte, dano ou sofrimento físico, sexual ou
psicológico à mulher, tanto na esfera pública como na esfera privada”. 249
227. Esta Corte estabeleceu “que nem toda violação de um direito humano cometida em
prejuízo de uma mulher leva necessariamente a uma violação das disposições da Convenção
de Belém do Pará”.250
228. No presente caso, a Corte toma nota, em primeiro lugar, do reconhecimento do
Estado com relação à situação de violência contra a mulher em Ciudad Juárez (par. 222
supra), bem como sua indicação de que os homicídios de mulheres em Ciudad Juárez “estão
influenciados por uma cultura de discriminação contra a mulher” (par. 129 supra).
229. Em segundo lugar, o Tribunal observa o estabelecido supra (par. 133) em relação
aos relatórios da Relatoria da CIDH, do CEDAW e da Anistia Internacional, entre outros, que
afirmam que muitos dos homicídios de mulheres em Ciudad Juárez são manifestações de
violência baseada em gênero.
230. Em terceiro lugar, as três vítimas deste caso eram mulheres jovens, de escassos
recursos, trabalhadoras ou estudantes, como muitas das vítimas dos homicídios em Ciudad

248
Cf. Caso do Presídio Miguel Castro Castro Vs. Peru. Mérito, Reparações e Custas. Sentença de 25 de
novembro de 2006. Série C N° 160, par. 276.
249
Artigo 1° da Convenção de Belém do Pará.
250
Caso Perozo e outros Vs. Venezuela, par. 295, nota 22 supra.
59

Juárez (par. 123 supra). As mesmas desapareceram e seus corpos apareceram em uma
plantação de algodão. Teve-se como provado que sofreram graves agressões físicas e muito
provavelmente violência sexual de algum tipo antes de sua morte.
231. Tudo isso leva a Corte a concluir que as jovens González, Ramos e Herrera foram
vítimas de violência contra a mulher de acordo com a Convenção Americana e a Convenção
de Belém do Pará. Pelos mesmos motivos, o Tribunal considera que os homicídios das
vítimas ocorreram por razões de gênero e estão enquadrados dentro de um reconhecido
contexto de violência contra a mulher em Ciudad Juárez. Corresponde agora analisar se a
violência perpetrada contra as vítimas, que terminou com suas vidas, é atribuível ao Estado.
4. Dever de respeito, garantia e não discriminação dos direitos
consagrados nos artigos 4, 5 e 7 da Convenção Americana e acesso à
justiça, em conformidade com os artigos 8 e 25 da mesma
232. A Comissão Interamericana não alegou a violação dos artigos 5 e 7 da Convenção
em detrimento das vítimas. Tendo isso em consideração, a Corte reitera que as supostas
vítimas e seus representantes podem invocar a violação de outros direitos distintos aos já
compreendidos na demanda, porquanto são eles os titulares de todos os direitos
consagrados na Convenção, enquanto isso se atenha aos fatos já contidos na demanda, 251 a
qual constitui o marco fático do processo.252 Por outro lado, o momento para que as
supostas vítimas ou seus representantes exerçam plenamente aquele direito de locus standi
in judicio é o escrito de petições, argumentos e provas. 253
233. No presente caso, as alegações dos representantes relativas à suposta violação dos
artigos 5 e 7 da Convenção foram submetidas ao Tribunal em seu escrito de petições e
argumentos e são baseadas em fatos contemplados na demanda da Comissão. Por isso, a
Corte as analisará.
234. O Tribunal estabeleceu que, em conformidade com o artigo 1.1 da Convenção, os
Estados estão obrigados a respeitar e garantir os direitos humanos nela reconhecidos. A
responsabilidade internacional do Estado se fundamenta em atos ou omissões de qualquer
poder ou órgão deste, independentemente de sua hierarquia, que violem a Convenção
Americana.254
235. Em relação ao dever de respeito, a Corte afirmou que a primeira obrigação assumida
pelos Estados Partes, nos termos do citado artigo, é a de "respeitar os direitos e liberdades"
reconhecidos na Convenção. Assim, na proteção dos direitos humanos, está
necessariamente compreendida a noção da restrição ao exercício do poder estatal.255
236. Sobre a obrigação de garantia, a Corte estabeleceu que pode ser cumprida de
diferentes maneiras, em função do direito específico que o Estado deva garantir e das

251
Cf. Caso “Cinco Aposentados” Vs. Peru. Mérito, Reparações e Custas. Sentença de 28 de fevereiro de
2003. Série C N° 98, par. 155; Caso Kawas Fernández Vs. Honduras, par. 127, nota 190 supra, e Caso Escher e
outros Vs. Brasil, par. 191, nota 46 supra.
252
Cf. Caso do “Massacre de Mapiripán” Vs. Colômbia. Mérito, Reparações e Custas. Sentença de 15 de
setembro de 2005. Série C N° 134, par. 59; Caso Escher e outros Vs. Brasil, par. 63, nota 46 supra e Caso
Garibaldi Vs. Brasil. Exceções Preliminares, Mérito, Reparações e Custas. Sentença de 23 de setembro de 2009.
Série C N° 203, par. 59.
253
Cf. Caso do “Massacre de Mapiripán” Vs. Colômbia, par. 56, nota 252 supra; Caso Perozo e outros Vs.
Venezuela, par. 33, nota 22 supra, e Caso Reverón Trujillo Vs. Venezuela, par. 135, nota 47 supra.
254
Cf. Caso Cantoral Huamaní e García Santa Cruz Vs. Peru. Exceção Preliminar, Mérito, Reparações e
Custas. Sentença de 10 de julho de 2007. Série C N° 167, par. 79 e Caso Kawas Fernández Vs. Honduras, pars. 72
e 73, nota 190 supra.
255
Cf. A expressão "leis" no artigo 30 da Convenção Americana sobre Direitos Humanos, Parecer Consultivo
OC-6/86 de 9 de maio de 1986. Série A N° 6, par. 21.
60

necessidades de proteção particulares.256 Esta obrigação implica o dever dos Estados de


organizar todo o aparato governamental e, em geral, todas as estruturas através das quais
se manifesta o exercício do poder público, de maneira tal que sejam capazes de assegurar
juridicamente o livre e pleno exercício dos direitos humanos. 257 Como parte desta obrigação,
o Estado possui o dever jurídico de “prevenir, razoavelmente, as violações dos direitos
humanos, de investigar seriamente com os meios a seu alcance as violações que tenham
sido cometidas dentro do âmbito de sua jurisdição a fim de identificar os responsáveis, de
impor as sanções pertinentes e de assegurar à vítima uma correta reparação”.258 O decisivo
é elucidar “se uma determinada violação […] foi realizada com o apoio ou a tolerância do
poder público ou se este atuou de maneira que a transgressão tenha ocorrido apesar de
toda prevenção ou impunemente”259.
237. Corresponde então ao Tribunal verificar se o México cumpriu suas obrigações de
respeitar e garantir os direitos à vida, à integridade pessoal e à liberdade pessoal das
jovens González, Ramos e Herrera.
4.1. Dever de respeito
238. A Comissão alegou que, “no presente caso, […] ainda não se sabe se os assassinos
são particulares ou agentes estatais, dado que os três casos continuam na impunidade”.
239. Segundo os representantes, “em conformidade com o que se observa dos
testemunhos, nos casos de Laura Berenice e Claudia Ivette as mães haviam indicado algum
tipo de relação entre agentes do Estado e o desaparecimento de suas filhas”. Em particular,
afirmaram que a senhora Monárrez atestou em 2003 que, no momento dos fatos, sua filha
tinha relação com um policial, mas o Estado não o intimou a declarar até o ano de 2007.
240. Por outro lado, os representantes afirmaram que “embora não tenhamos elementos
de prova diretos, ao longo do presente escrito manifestamos algumas circunstâncias que o
Estado não conseguiu esclarecer” e que mantêm o caso na impunidade. Segundo os
representantes, esta impunidade “leva a apresentar duas hipóteses em relação aos autores
materiais do desaparecimento, tortura e assassinato de Esmeralda, Laura e Claudia: a) Os
autores eram agentes de autoridade ou b) Eram particulares organizados protegidos pelo
Estado”.
241. O Estado negou que houvesse responsabilidade de agentes do Estado nos homicídios
das vítimas.
242. Tanto a Comissão como os representantes fazem alusão à possível participação de
agentes estatais sem proporcionar prova a esse respeito, além da declaração da senhora
Monárrez.260 O fato de que a impunidade no presente caso impeça conhecer se os
perpetradores são agentes estatais ou particulares atuando com seu apoio e tolerância, não
pode levar este Tribunal a presumir que sim o foram e condenar automaticamente o Estado
256
Cf. Caso do “Massacre de Mapiripán” Vs. Colômbia, pars. 111 e 113, nota 252 supra; Caso Perozo Vs.
Venezuela, par. 298, nota 22 supra, e Caso Anzualdo Castro Vs. Peru, par. 62, nota 30 supra.
257
Cf. Caso Velásquez Rodríguez Vs. Honduras, Mérito. Sentença de 29 de julho de 1988. Série C N° 4, par.
166; Caso Kawas Fernández Vs. Honduras, par. 137, nota 190 supra, e Caso Anzualdo Castro Vs. Peru, par. 62,
nota 30 supra.
258
Caso Velásquez Rodríguez Vs. Honduras. Mérito, par. 174, nota 257 supra, e Caso Anzualdo Castro Vs.
Peru, par. 62, nota 30 supra.
259
Caso Velásquez Rodríguez Vs. Honduras. Mérito, par. 173, nota 257 supra; Caso Godínez Cruz Vs.
Honduras. Mérito. Sentença de 20 de janeiro de 1989. Série C N° 5, par. 182, e Caso Gangaram Panday Vs.
Suriname. Mérito, Reparações e Custas. Sentença de 21 de janeiro de 1994. Série C N° 16, par. 62.
260
Cf. testemunho prestado perante agente dotado de fé pública pela senhora Monárrez Salgado em 23 de
julho de 2006 (expediente de anexos à contestação da demanda, tomo XXXVI, anexo 50 registro 2, tomo I, folha
13082).
61

pelo descumprimento do dever de respeito. Portanto, não pode ser atribuída ao Estado
responsabilidade internacional por violações aos direitos substantivos consagrados nos
artigos 4, 5 e 7 da Convenção Americana.
4.2. Dever de garantia
243. A Corte reitera que não basta que os Estados se abstenham de violar os direitos,
mas que é imperativa a adoção de medidas positivas, determináveis em função das
necessidades particulares de proteção do sujeito de direito, seja por sua condição pessoal
ou pela situação específica em que se encontre.261
244. Os direitos à vida e à integridade pessoal revestem um caráter essencial na
Convenção. Em conformidade com o artigo 27.2 do referido tratado, esses direitos fazem
parte do núcleo inderrogável, pois não podem ser suspensos em casos de guerra, perigo
público ou outras ameaças.
245. Além disso, o Tribunal estabeleceu que o direito à vida tem um papel fundamental na
Convenção Americana, por ser o pressuposto essencial para o exercício dos demais direitos.
Os Estados têm a obrigação de garantir a criação das condições que se requeiram para que
não se produzam violações desse direito inalienável e, em particular, o dever de impedir
que seus agentes atentem contra ele. A observância do artigo 4, relacionado com o artigo
1.1 da Convenção Americana, não somente pressupõe que nenhuma pessoa seja privada de
sua vida arbitrariamente (obrigação negativa), mas ademais requer que os Estados adotem
todas as medidas apropriadas para proteger e preservar o direito à vida (obrigação
positiva),262 conforme o dever de garantir o pleno e livre exercício dos direitos de todas as
pessoas sob sua jurisdição.263
246. Em relação à obrigação de garantir o direito reconhecido no artigo 5 da Convenção
Americana, esta implica o dever do Estado de prevenir e investigar possíveis atos de tortura
ou outros tratamentos cruéis, desumanos ou degradantes. A esse respeito, o Tribunal
afirmou que
à luz da obrigação geral de garantir a toda pessoa sob sua jurisdição os direitos humanos
consagrados na Convenção, estabelecida no artigo 1.1 da mesma, em conjunto com o direito à
integridade pessoal, em conformidade com o artigo 5 (Direito à Integridade Pessoal) deste tratado,
existe a obrigação estatal de iniciar de ofício e imediatamente uma investigação efetiva que permita
identificar, julgar e punir os responsáveis, quando existe denúncia ou razão fundada para acreditar
que foi cometido um ato de tortura.264

247. No que se refere ao artigo 7.1 da Convenção, esta Corte afirmou que este consagra
em termos gerais o direito à liberdade e segurança e que os demais incisos do artigo 7
reconhecem diversas garantias que devem ser observadas na hora de privar alguém de sua
liberdade. Daí se explica que a forma em que a legislação interna afeta o direito à liberdade
é caracteristicamente negativa, quando permite que se prive ou restrinja a liberdade.

261
Cf. Caso Baldeón García Vs. Peru. Mérito, Reparações e Custas. Sentença de 6 de abril de 2006. Série C
N° 147, par. 81; Caso da Comunidade Indígena Sawhoyamaxa Vs. Paraguai. Mérito, Reparações e Custas.
Sentença de 29 de março de 2006. Série C N° 146, par. 154; e Caso do Massacre de Pueblo Bello Vs. Colômbia.
Mérito, Reparações e Custas. Sentença de 31 de janeiro de 2006. Série C N° 140, par. 111.
262
Cf. Caso das “Crianças de Rua” (Villagrán Morales e outros) Vs. Guatemala, par. 144, nota 31 supra; Caso
do Presídio Castro Castro Vs. Peru, par. 237, nota 248 supra, e Caso Vargas Areco Vs. Paraguai. Mérito,
Reparações e Custas. Sentença de 26 de setembro de 2006. Série C N° 155, par. 75.
263
Cf. Caso do Massacre de Pueblo Bello Vs. Colômbia, par. 120, nota 261 supra; Caso do Presídio Castro
Castro Vs. Peru, par. 237, nota 248 supra, e Caso Vargas Areco Vs. Paraguai, par. 75, nota 262 supra.
264
Caso do Presídio Miguel Castro Castro Vs. Peru, par. 345, nota 248 supra; Caso Vargas Areco Vs.
Paraguai, par. 79, nota 262 supra, e Caso Bueno Alves Vs. Argentina. Mérito, Reparações e Custas. Sentença de 11
de maio de 2007. Série C N° 164, par. 89.
62

Sendo, por isso, a liberdade sempre a regra e a limitação ou restrição sempre a exceção. 265
Consequentemente, o Estado deve prevenir que a liberdade dos indivíduos seja prejudicada
pela atuação de agentes estatais e terceiros particulares, bem como investigar e punir os
atos violatórios deste direito.
248. Corresponde agora ao Tribunal analisar se o Estado preveniu corretamente o
desaparecimento, abusos e morte sofridas pelas três vítimas e se investigou as mesmas
com a devida diligência. Em outras palavras, se cumpriu o dever de garantia dos artigos 4,
5 e 7 da Convenção Americana, em conformidade com o artigo 1.1 da mesma e o artigo 7
da Convenção de Belém do Pará, que complementa o corpus juris internacional em matéria
de prevenção e sanção da violência contra a mulher, 266 e se permitiu o acesso à justiça aos
familiares das três vítimas, conforme estipulam os artigos 8.1 e 25.1 da Convenção
Americana, em relação aos artigos 1.1 e 2 da mesma.
4.2.1. Dever de prevenção dos direitos à liberdade pessoal, integridade pessoal e
vida das vítimas
249. A Comissão alegou que o Estado “não adotou medidas razoáveis para proteger a vida
e prevenir os assassinatos” das vítimas, “apesar de que tinha conhecimento do risco
iminente que corriam de serem assassinadas por haverem sido denunciadas como
desaparecidas até a data dos fatos”. Em sentido similar, afirmou que a informação
apresentada pelo Estado durante o trâmite perante ela “não indica que foram
implementadas normas e práticas orientadas a garantir uma ordem de busca imediata
diante das denúncias de desaparecimento, ou que existiram disposições sancionadoras
perante uma resposta deficiente de funcionários estatais”.
250. Os representantes afirmaram que “as autoridades mexicanas, no momento em que
ocorreram os desaparecimentos das vítimas, tinham conhecimento de que existia um risco
real e imediato para a vida destas”, “[d]evido a que os casos aqui expostos fazem parte do
padrão de violência contra mulheres e meninas, e o Estado não tomou as medidas
necessárias com a devida diligência para evitá-los”.
251. O Estado alegou que “cumpriu suas obrigações de prevenção, investigação e sanção
em cada um dos casos”.
252. A Corte estabeleceu que o dever de prevenção inclui todas as medidas de caráter
jurídico, político, administrativo e cultural que promovam a proteção dos direitos humanos e
que assegurem que as eventuais violações aos mesmos sejam efetivamente consideradas e
tratadas como um fato ilícito que, como tal, é suscetível de acarretar sanções para quem as
cometa, bem como a obrigação de indenizar as vítimas por suas consequências prejudiciais.
É claro, por sua vez, que a obrigação de prevenir é de meio ou de comportamento e não se
demonstra seu descumprimento pelo simples fato de que um direito tenha sido violado.267
253. A Convenção de Belém do Pará define a violência contra a mulher (par. 226 supra) e
em seu artigo 7.b obriga os Estados Partes a utilizar a devida diligência para prevenir, punir
e erradicar esta violência.
254. Desde 1992, o CEDAW estabeleceu que “os Estados também podem ser responsáveis
por atos privados se não adotarem medidas com a devida diligência para impedir a violação

265
Caso Chaparro Álvarez e Lapo Íñiguez. Vs. Equador. Exceção Preliminar, Mérito, Reparações e Custas.
Sentença de 21 de novembro de 2007. Série C N° 170, par. 53.
266
Cf. Caso do Presídio Miguel Castro Castro Vs. Peru, par. 276, nota 248 supra.
267
Cf. Caso Velásquez Rodríguez Vs. Honduras. Mérito, par. 166, nota 257 supra; Caso Perozo e outros Vs.
Venezuela, par. 149, nota 22 supra, e Caso Anzualdo Castro Vs. Peru, par. 63, nota 30 supra.
63

dos direitos ou para investigar e castigar os atos de violência e indenizar as vítimas”. 268 Em
1993, a Declaração sobre a Eliminação da Violência contra a Mulher da Assembleia Geral
das Nações Unidas instou os Estados a “[p]roceder com a devida diligência a fim de
prevenir, investigar e, conforme a legislação nacional, castigar todo ato de violência contra
a mulher, seja por atos perpetrados pelo Estado ou por particulares” 269 e o mesmo fez a
Plataforma de Ação da Conferência Mundial sobre a Mulher de Beijing. 270 Em 2006, a
Relatora Especial sobre violência contra a mulher da ONU afirmou que, “[t]omando como
base a prática e a opinio júris, […]pode-se concluir que há uma norma do Direito
Internacional consuetudinário que obriga os Estados a prevenir e responder com a devida
diligência aos atos de violência contra a mulher”.271
255. No Caso Maria Da Penha Vs. Brasil (2000), apresentado por uma vítima de violência
doméstica, a Comissão Interamericana aplicou pela primeira vez a Convenção de Belém do
Pará e decidiu que o Estado havia descumprido sua obrigação de exercer a devida diligência
para prevenir, punir e erradicar a violência doméstica, ao não condenar e punir o agressor
durante 15 anos apesar das reclamações oportunamente efetuadas. 272 A Comissão concluiu
que dado que a violação faz parte de um “padrão geral de negligência e falta de efetividade
do Estado”, não somente havia sido violada a obrigação de processar e condenar, mas
também a de prevenir estas práticas degradantes.273
256. Por outro lado, a Relatoria Especial sobre a violência contra a mulher da ONU
proporcionou diretrizes sobre que medidas devem tomar os Estados para cumprir suas
obrigações internacionais de devida diligência em relação à prevenção, a saber: ratificação
dos instrumentos internacionais de direitos humanos; garantias constitucionais sobre a
igualdade da mulher; existência de leis nacionais e sanções administrativas que
proporcionem reparação adequada às mulheres vítimas da violência; políticas ou planos de
ação que se ocupem da questão da violência contra a mulher; sensibilização do sistema de
justiça penal e da polícia em relação a questões de gênero, acessibilidade e disponibilidade
de serviços de apoio; existência de medidas para aumentar a sensibilização e modificar as
políticas discriminatórias na esfera da educação e nos meios de informação, e coleta de
dados e elaboração de estatísticas sobre a violência contra a mulher. 274

268
Cf. CEDAW, Recomendação geral 19: A Violência contra a Mulher, 11° período de sessões, 1992, U.N.
Doc. HRI\GEN\1\Rev.1 at 84 (1994), par. 9.
269
Cf. Nações Unidas, Declaração sobre a Eliminação da Violência contra a Mulher. Resolução da Assembleia
Geral 48/104 de 20 de dezembro de 1993. A/RES/48/104, 23 de fevereiro de 1994, artigo 4.c.
270
Nações Unidas, Relatório da Quarta Conferência Mundial sobre a Mulher, Beijing, 4 a 15 de setembro de
1995, Declaração e Plataforma de Ação de Beijing aprovada na 16ª sessão plenária realizada em 15 de setembro
de 1995. A/CONF.177/20/Rev.1, página 54, par. 124 b.
271
Relatório da Relatora Especial sobre a violência contra a mulher, supra nota 64.
272
CIDH, Caso 12.051, Relatório N° 54/01, Maria Da Penha Maia Fernandes. Relatora Especial sobre a
violência contra a mulher Vs. Brasil, Relatório Anual, 2000, OEA/Ser.L/V.II.111 Doc.20 rev. (2000).
273
CIDH, Maria Da Penha Maia Fernandes Vs. Brasil, par. 56, nota 272 supra. No mesmo sentido se
pronunciou o CEDAW. Assim, no caso A.T. Vs. Hungria (2005), determinou que o Estado não havia cumprido as
obrigações estabelecidas na Convenção para prevenir a violência contra a vítima e protegê-la. Em particular,
afirmou que “preocupa especialmente que não tenha sido promulgada legislação específica que combata a violência
doméstica e o abuso sexual, e a inexistência de ordens judiciais de proteção ou de abandono do lar, ou de
albergues para a proteção imediata das mulheres vítimas de violência doméstica” (Cf. CEDAW, Comunicação N°
2/2003, Sra. A. T. Vs. Hungria, 32° período de sessões, 26 de janeiro de 2005 par. 9.3). Em sentido similar, no
Caso Yildirim Vs. Áustria, no qual a vítima foi assassinada por seu marido, o Comitê CEDAW concluiu que o Estado
havia faltado com seu dever de devida diligência por não tê-lo detido (Cf. CEDAW, Comunicação N° 6/2005, Fatma
Yildirim Vs. Áustria, 39° período de sessões, 23 de julho a 10 de agosto de 2007, par. 12.1.4 e 12.1.5).
274
Cf. Nações Unidas, A violência contra a mulher na família: Relatório da Sra. Radhika Coomaraswamy,
Relatora Especial sobre a violência contra a mulher, com inclusão de suas causas e consequências, apresentado em
64

257. Além disso, segundo um Relatório do Secretário Geral da ONU:


É uma boa prática fazer com que o entorno físico seja seguro para as mulheres, e têm se utilizado
auditorias comunitárias de segurança para detectar os locais perigosos, examinar os temores das
mulheres e solicitar às mulheres suas recomendações para melhorar sua segurança. A prevenção
da violência contra a mulher deve ser um elemento explícito no planejamento urbano e rural e na
elaboração dos edifícios e residências. Faz parte do trabalho de prevenção o melhoramento da
segurança do transporte público e das estradas que utilizam as mulheres, por exemplo, para as
escolas e instituições educacionais, os poços, os campos e as fábricas.275

258. De todo o anterior, observa-se que os Estados devem adotar medidas integrais para
cumprir a devida diligência em casos de violência contra as mulheres. Em particular, devem
contar com um marco jurídico de proteção adequado, com uma aplicação efetiva do mesmo
e com políticas de prevenção e práticas que permitam atuar de uma maneira eficaz perante
as denúncias. A estratégia de prevenção deve ser integral, ou seja, deve prevenir os fatores
de risco e por sua vez fortalecer as instituições para que possam proporcionar uma resposta
efetiva aos casos de violência contra a mulher. Além disso, os Estados devem adotar
medidas preventivas em casos específicos nos quais é evidente que determinadas mulheres
e meninas podem ser vítimas de violência. Tudo isto deve levar em consideração que em
casos de violência contra a mulher, os Estados têm, além das obrigações genéricas contidas
na Convenção Americana, uma obrigação reforçada a partir da Convenção do Belém do
Pará. A Corte passará agora a analisar as medidas adotadas pelo Estado até a data dos
fatos do presente caso para cumprir seu dever de prevenção.
259. O Estado alegou que, “a partir do contexto de violência em Ciudad Juárez
reconhecido pelas autoridades governamentais, foram tomadas e continuaram adotando
todas as medidas que foram consideradas necessárias para evitar que os fatos de violência
contra as mulheres se repetissem”. Além disso, afirmou que ficou demonstrado “o
fortalecimento da capacidade e da infraestrutura institucional orientadas a que as
investigações nos casos de violência contra as mulheres sejam efetivas e representem um
acompanhamento judicial consistente”, bem como “os amplos programas orientados a
erradicar padrões socioculturais discriminatórios contra a mulher, como políticas integrais
de prevenção, programas de atendimento a vítimas do crime, participação cidadã, e
capacitação de funcionários públicos”.
260. A Comissão afirmou que existia uma “ausência de medidas estatais efetivas ante o
desaparecimento e posterior morte das vítimas” e que “na época em que ocorreram os
fatos, o Estado não havia adotado as políticas nem as medidas necessárias para garantir a
efetiva prevenção, investigação e sanção de fatos violentos contra as mulheres”.
261. Os representantes alegaram de maneira geral que “nenhuma das poucas ações
adotadas pelas autoridades desde 1993 até 2001 e os recursos econômicos destinados
podem ser considerados como medidas efetivas para prevenir a violência contra mulheres e
meninas”.
262. Da prova apresentada ao Tribunal se observa, em primeiro lugar, que o México criou
a Promotoria Especial para a Investigação de Homicídios de Mulheres em Ciudad Juárez da
Procuradoria de Justiça de Chihuahua (doravante denominada a “FEIHM”) em 1998, 276 como

conformidade com a resolução 1995/85 da Comissão de Direitos Humanos, UN Doc. E/CN.4/1999/68, 10 de março
de 1999, par. 25.
275
Nações Unidas, Assembleia Geral, Estudo a fundo sobre todas as formas de violência contra a mulher.
Relatório do Secretário Geral, Sexagésimo Primeiro Período de Sessões, A/61/122/Add.1, 6 de julho de 2006, par.
352.
276
Cf. Relatório sobre o México produzido pelo CEDAW, folha 1922, nota 64 supra; CNDH, Relatório Especial,
folha 2168, nota 66 supra, e Anistia Internacional, Mortes Intoleráveis, folha 2265, nota 64 supra.
65

resposta à Recomendação n° 44/98 da CNDH.277 Segundo o Estado, esta Promotoria foi


criada como “uma primeira resposta ao fenômeno de violência contra as mulheres em
Ciudad Juárez”.
263. A esse respeito, o Relatório da Relatoria da CIDH de 2003 afirmou que, segundo o
que informaram autoridades do Estado de Chihuahua durante a visita da Relatora em 2002,
esta Promotoria “ha[via] colocado em prática as medidas necessárias para reagir pronta e
corretamente” aos homicídios, estava formada por agentes “com capacitação especializada”,
que a mesma havia sido “dotada de capacidade técnica para responder de maneira mais
eficaz a esses crimes”, que haviam sido instalados diversos sistemas de informação e que
cada um dos homicídios “havia sido designado a determinado grupo de agentes
encarregados da investigação em todas suas etapas, para evitar o possível custo da perda
de informação e para garantir a integridade da investigação.”278
264. Em relação aos êxitos da FEIHM, destaca a resposta do Estado ao Relatório do
CEDAW em 2005, na qual afirmou que “sua instalação gerou um processo de investigação
que levou a obter resultados favoráveis e permitiu a identificação, julgamento e sanção dos
responsáveis em 45,72% dos casos”.279 A esse respeito, a Corte observa o estabelecido
previamente (par. 159 supra), em relação a que, no ano de 2005, ao redor de 38% dos
casos de homicídios de mulheres em Ciudad Juárez contavam com sentenças condenatórias
ou sanções. Em segundo lugar, a Corte observa que na mesma resposta do Estado ao
Relatório do CEDAW esclarece que a cifra de 45,72% de sentenças se refere aos crimes não
sexuais, enquanto que dos 92 crimes sexuais documentados, somente quatro haviam
recebido sentença280 (par. 161 supra).
265. Por outro lado, a FEIHM teve vários promotores especiais,281 a maioria com uma
permanência de alguns meses, e a informação com que contava era insuficiente para
realizar uma análise integral sobre os homicídios e desaparecimentos ocorridos em Ciudad
Juárez, bem como sobre o impacto da FEIHM nesta situação.282
266. Finalmente, segundo o Relatório da Relatoria da CIDH do ano de 2003, “[a]
informação disponível reflete que os esforços realizados para melhorar a reação frente a
esses crimes através da Promotoria Especial alcançaram alguns êxitos” e que,
“[c]ertamente, a situação não é tão grave como nos primeiros anos, em que em alguns
casos o único ‘expediente’ de um assassinato consistia em uma sacola de ossos”. 283
267. Também consta nos autos perante a Corte que, em 27 de junho de 1998 foi
publicada no Diário Oficial do Estado de Chihuahua a “Lei Sobre o Sistema Estadual de

277
Cf. Relatório sobre o México produzido pelo CEDAW, folha 1963, nota 64 supra. Segundo a CNDH, a
criação desta Promotoria obedeceu a que "as investigações de todos os homicídios que se suscitavam em Ciudad
Juárez, Chihuahua, de 1993 a 1996, estavam a cargo do grupo de homicídios da Polícia Judiciária da mesma
entidade federativa" e segundo a Anistia Internacional, “foi uma reivindicação das organizações locais desde o ano
de 1996 em razão da incapacidade da [Procuradoria Geral de Justiça do Estado] de responder à situação” (Cf.
CNDH, Relatório Especial, folha 2168, nota 66 supra, e Anistia Internacional, Mortes Intoleráveis, folha 2278, nota
64 supra).
278
Cf. CIDH, Situação dos Direitos da Mulher em Ciudad Juárez, México, folha 1752, nota 64 supra.
279
Cf. Relatório sobre o México produzido pelo CEDAW, folha 1963, nota 64 supra.
280
Cf. Promotoria Especial para o Atendimento de Crimes relacionados aos Homicídios de Mulheres em
Ciudad Juárez, Relatório Final, folhas 14617 a 14651, nota 87 supra.
281
Cf. Relatório sobre o México produzido pelo CEDAW, folha 1937, nota 64 supra, e CNDH, Relatório
Especial, folha 2235, nota 66 supra.
282
Cf. CNDH, Relatório Especial, folha 2235, nota 66 supra, e Anistia Internacional, Mortes Intoleráveis, folha
2278, nota 64 supra.
283
CIDH, Situação dos Direitos da Mulher em Ciudad Juárez, folha 1752, nota 64 supra.
66

Segurança Pública”, 284 mas o Estado não proporcionou argumentos nem prova sobre como
esta medida contribuiu a prevenir, segundo sua alegação, que “os fatos de violência contra
as mulheres se repetissem”.
268. A Corte toma nota de que, segundo a Lei Orgânica do Poder Executivo do Estado de
Chihuahua, reformada em 1998 e vigente em 2001, é função da Procuradoria Geral de
Justiça do Estado “[d]itar as medidas adequadas para combater e erradicar a violência
contra a mulher e as crianças, desenvolvendo para tal efeito mecanismos institucionais”, 285
bem como “[c]onceder a proteção que a lei prevê aos direitos das vítimas”. 286
269. Além disso, a Corte constata que, no âmbito federal, foi criado o Instituto Nacional
de Mulheres (doravante denominado o “INMUJERES”), através de uma lei publicada no
Diário Oficial em 12 de janeiro de 2001.287 Esta lei estabeleceu que o objetivo geral do
INMUJERES é “promover e fomentar as condições que possibilitem a não discriminação, a
igualdade de oportunidades e de tratamento entre os gêneros; o exercício pleno de todos os
direitos das mulheres e sua participação equitativa na vida política, cultural, econômica e
social do país”.288 Entretanto, as atividades e programas do INMUJERES indicados nos autos
são posteriores a 2001, ano dos homicídios das vítimas, de modo que não é aplicável ao
presente caso.
270. O México também fez referência à criação, em 1998, de um programa piloto
denominado “Programa de Atendimento a Vítimas do Crime” e que em 2000, como parte
deste Programa, “foi criada uma base de dados para facilitar a busca e localização de
pessoas desaparecidas”. Entretanto, a Corte observa que não conta com informação
pertinente nos autos para apreciar estas iniciativas.
271. Ademais, o Estado apresentou como prova um relatório da Procuradoria Geral de
Justiça do Estado de Chihuahua apresentado perante a Comissão Interamericana em março
de 2002, o qual indicou uma série de ações adotadas por parte do governo estadual. O
México não remeteu prova adicional sobre as diversas medidas indicadas neste documento.
Além disso, o Estado não aprofundou sobre estas ações em suas alegações 289 nem ofereceu
informação específica como a data e lugares em que foram implementadas, ou sobre os
resultados das mesmas. Isso impede que a Corte possa apreciá-las.
272. O Tribunal toma nota de que os relatórios da Relatoria da CIDH e da Anistia
Internacional, ambos do ano de 2003, faziam alusão a uma série de medidas tomadas pelo
Estado que incluíam a ampliação de iluminação pública, pavimentação de estradas,
incremento de segurança nas regiões de alto risco, melhoria na seleção dos motoristas de
ônibus que transportam trabalhadores a toda hora, programas de controle estrito do

284
Cf. Lei Sobre o Sistema Estadual de Segurança Pública emitida pelo Congresso do Estado, publicada no
Diário Oficial do Estado N° 51 de 27 de junho de 1998 e reformada no ano de 2002, 2004 e 2005 (expediente de
anexos à contestação da demanda, tomo XLII, anexo 72, folhas 15326 a 15364).
285
Cf. artigo 35, inciso V da Lei Orgânica do Poder Executivo do Estado de Chihuahua, publicada no Diário
Oficial N° 79 de 1° de outubro de 1986, última reforma POE 2005.01.19/N° 6.
286
Cf. artigo 35, inciso VI da Lei Orgânica do Poder Executivo do Estado de Chihuahua, nota 285 supra.
287
Cf. Lei do Instituto Nacional das Mulheres (expediente de anexos à contestação da demanda, tomo XLIII,
anexo 86, folhas 16010 a 16019).
288
Artigo 4 da Lei do Instituto Nacional das Mulheres, folha 16010, nota 287 supra.
289
O Estado mencionou o Programa de Tolerância Zero e a Operação Cruzeiro em suas alegações, mas não
explicou os êxitos ou resultados destes programas (Cf. escrito de contestação da demanda, expediente de mérito,
tomo III, folha 1031). A Corte observa que no documento da Procuradoria descrito no par. 270 supra, o Estado
mencionou que os Crimes diminuíram como resultado destes programas, mas não ofereceu maior explicação nem
proporcionou prova adicional a esse respeito.
289
Cf. CIDH, Situação dos Direitos da Mulher em Ciudad Juárez, nota 64 supra.
67

consumo de álcool e a instalação de duas linhas telefônicas de urgência. 290 Entretanto, estes
relatórios não proporcionam as datas quando foram realizadas estas medidas, de modo que
é impossível para o Tribunal apreciá-las como medidas de prevenção adotadas pelo México
antes de 2001.
273. A Corte observa que relatórios nacionais e internacionais coincidem em que a
prevenção dos casos de homicídios de mulheres em Ciudad Juárez, bem como a resposta a
eles, foi ineficaz e insuficiente.291 Segundo o Relatório do CEDAW de 2005, não foi senão até
o ano de 2003 e sobretudo como acompanhamento ao Relatório da Relatoria da CIDH “que
se começ[ou] a encarar de frente a necessidade de um programa global [e] integrado, com
áreas de intervenção distintas e complementares”. O CEDAW concluiu que, “[c]onsiderando
que no presente há uma maior vontade política, principalmente nas estruturas federais […],
não pode deixar de afirmar que, […] desde 1993, no que respe[i]ta à prevenção, à
investigação e à sanção […], as políticas adotadas e as medidas tomadas foram ineficazes e
permitiram um clima de impunidade”.292
274. Desde o ano de 1998, o Estado foi advertido publicamente sobre a problemática
existente em Ciudad Juárez, por meio da Recomendação n° 44 da CNDH. Nesta
Recomendação, a CNDH afirmou que obteve argumentos:
que permitem afirmar que as autoridades estatais incorreram em uma omissão culposa ao observar o
crescimento deste fenômeno social e não atendê-lo, controlá-lo ou erradicá-lo, já que não somente
não o previram nem preveniram, mas tampouco tomaram cuidados; e tomando como referência os
casos de mulheres assassinadas durante 1998, é uma tendência que, ao não serem tomadas de
imediato as medidas necessárias para preveni-los e reprimi-los, lamentavelmente ultrapassar[ão] as
cifras dos anos anteriores.293

275. Em 1999, a Relatora sobre execuções extrajudiciais da ONU visitou Ciudad Juárez,
reuniu-se com autoridades estatais e em seu relatório observou que “o Governo, ao
descuidar deliberadamente da proteção das vidas dos cidadãos em razão de seu sexo, havia
provocado uma sensação de insegurança em muitas das mulheres de Ciudad Juárez. Ao
mesmo tempo, havia conseguido que os autores desses crimes ficassem impunes”. 294
276. Em 2003, a CNDH determinou que “mais de cinco anos depois de haver sido emitida
[a Recomendação n° 44], o fenômeno social não foi controlado e, ao contrário, o índice de
criminalidade contra as mulheres que vivem ou transitam no município de Juárez,
Chihuahua, continuou sua escala ascendente”. Com relação a recomendações específicas
feitas pela CNDH relativas a convênios de colaboração com outras Procuradorias e corpos
policiais, ao estabelecimento de programas de segurança pública e a capacitações aos
corpos policiais, a CNDH concluiu que “[as] declarações apresentadas […] permitiram
observar a insuficiência das ações adotadas”.295
277. Segundo os fatos do presente caso, as vítimas González, Ramos e Herrera eram
mulheres jovens de 20, 17 e 15 anos, respectivamente, todas humildes, uma estudante, as
outras duas trabalhadoras. Saíram de sua casa um dia e seus corpos foram encontrados

290
Cf. CIDH, Situação dos Direitos da Mulher em Ciudad Juárez, folha 1820, nota 64 supra, e Anistia
Internacional, Mortes Intoleráveis, folha 2285, nota 64 supra.
291
Cf. CIDH, Situação dos Direitos da Mulher em Ciudad Juárez, folha 1749, nota 64 supra; Relatório sobre o
México produzido pelo CEDAW, folha 1924, nota 64 supra, e CNDH, Recomendação 44/1998, folha 2155, nota 72
supra.
292
Relatório sobre o México produzido pelo CEDAW, folhas 1938 e 1926, nota 64 supra.
293
CNDH, Recomendação 44/1998, folha 2155, nota 72 supra.
294
Relatório da Relatora sobre as execuções extrajudiciais, sumárias ou arbitrárias, folha 2053, nota 73
supra.
295
CNDH, Relatório Especial, folhas 2224 e 2226, nota 266 supra.
68

dias ou semanas mais tarde em uma plantação de algodão com sinais de violência sexual e
outros maus-tratos. Nos dias entre seus desaparecimentos e a descoberta de seus corpos,
suas mães e familiares recorreram às autoridades em busca de respostas, mas se
encontraram com juízos de valor sobre o comportamento das vítimas e com nenhuma ação
concreta destinada a encontrá-las com vida além do recebimento de declarações.
278. A Corte considerou provado e o Estado reconheceu que, no ano de 2001, Ciudad
Juárez vivia uma forte onda de violência contra as mulheres. Os fatos do caso revelam
paralelos significativos com o contexto provado.
279. Apesar de que o Estado tinha pleno conhecimento do risco que corriam as mulheres
de serem objeto de violência, não demonstrou ter adotado medidas efetivas de prevenção
antes de novembro de 2001 que reduzissem os fatores de risco para as mulheres. Ainda
que o dever de prevenção seja de meio e não de resultado (par. 251 supra), o Estado não
demonstrou que a criação da FEIHM e algumas adições a seu contexto legislativo, por mais
que tenham sido necessárias e demonstrem um compromisso estatal, foram suficientes e
efetivas para prevenir as graves manifestações da violência contra a mulher que eram
vividas em Ciudad Juárez na época do presente caso.
280. Agora, em conformidade com a jurisprudência da Corte, é claro que um Estado não
pode ser responsável por qualquer violação de direitos humanos cometida entre particulares
dentro de sua jurisdição. De fato, as obrigações convencionais de garantia a cargo dos
Estados não implicam uma responsabilidade ilimitada dos Estados frente a qualquer ato ou
fato de particulares, pois seus deveres de adotar medidas de prevenção e proteção dos
particulares em suas relações entre si se encontram condicionados ao conhecimento de uma
situação de risco real e imediato para um indivíduo ou grupo de indivíduos determinado, e
às possibilidades razoáveis de prevenir ou evitar esse risco. Ou seja, ainda que um ato ou
omissão de um particular tenha como consequência jurídica a violação de determinados
direitos humanos de outro particular, este não é automaticamente atribuível ao Estado, pois
deve se limitar às circunstâncias particulares do caso e à concretização destas obrigações de
garantia.296
281. No presente caso, existem dois momentos-chave nos quais o dever de prevenção
deve ser analisado. O primeiro é antes do desaparecimento das vítimas e o segundo antes
da localização de seus corpos sem vida.
282. Sobre o primeiro momento antes do desaparecimento das vítimas, a Corte considera
que a falta de prevenção do desaparecimento não leva, per se, à responsabilidade
internacional do Estado porque, apesar de que este tinha conhecimento de uma situação de
risco para as mulheres em Ciudad Juárez, não foi estabelecido que tinha conhecimento de
um risco real e imediato para as vítimas deste caso. Ainda que o contexto neste caso e suas
obrigações internacionais impõem ao Estado uma responsabilidade reforçada com relação à
proteção de mulheres em Ciudad Juárez, as quais se encontravam em uma situação de
vulnerabilidade, em especial as mulheres jovens e humildes, não impõem uma
responsabilidade ilimitada frente a qualquer fato ilícito contra elas. Finalmente, a Corte não
pode senão fazer presente que a ausência de uma política geral que houvesse sido iniciada
pelo menos em 1998 – quando a CNDH advertiu sobre o padrão de violência contra a
mulher em Ciudad Juárez -, é uma falta do Estado no cumprimento geral de sua obrigação
de prevenção.
283. Em relação ao segundo momento – antes da descoberta dos corpos -, dado o

296
Cf. Caso do Massacre de Pueblo Bello Vs. Colômbia, par. 123, nota 261 supra; Caso da Comunidade
Indígena Sawhoyamaxa Vs. Paraguai, par. 155, nota 261 supra, e Caso Valle Jaramillo e outros Vs. Colômbia, par.
78, nota 49 supra. Ver também ECHR, Case of Kiliç v. Turkey, Judgment of 28 March 2000, paras. 62 and 63 e
ECHR, Case of Osman v. the United Kingdom, Judgment of 28 October 1998, paras. 115 and 116.
69

contexto do caso, o Estado teve conhecimento de que existia um risco real e imediato de
que as vítimas teriam sido agredidas sexualmente, submetidas a abusos e assassinadas. A
Corte considera que, ante tal contexto, surge um dever de devida diligência estrita frente a
denúncias de desaparecimento de mulheres, em relação à sua busca durante as primeiras
horas e os primeiros dias. Esta obrigação de meio, ao ser mais estrita, exige a realização
exaustiva de atividades de busca. Em particular, é imprescindível a atuação rápida e
imediata das autoridades policiais, do Ministério Público e judiciais, ordenando medidas
oportunas e necessárias dirigidas à determinação do paradeiro das vítimas ou do local onde
possam se encontrar privadas de liberdade. Devem existir procedimentos adequados para
as denúncias e que estas levem a uma investigação efetiva desde as primeiras horas. As
autoridades devem presumir que a pessoa desaparecida está privada de liberdade e
continua com vida até que seja posto fim à incerteza sobre o que ocorreu.
284. O México não demonstrou ter adotado as medidas razoáveis, em conformidade com
as circunstâncias que rodeavam os casos, para encontrar as vítimas com vida. O Estado não
atuou com rapidez dentro das primeiras horas e dias depois das denúncias de
desaparecimento, perdendo horas valiosas. No período entre as denúncias e a descoberta
dos corpos das vítimas, o Estado se limitou a realizar formalidades e a tomar declarações
que, ainda que importantes, perderam seu valor uma vez que estas não repercutiram em
ações de busca específicas. Além disso, as atitudes e declarações dos funcionários aos
familiares das vítimas, que davam a entender que as denúncias de desaparecimento não
deviam ser tratadas com urgência e rapidez, levam o Tribunal a concluir razoavelmente que
houve uma demora injustificada depois das apresentações das denúncias de
desaparecimento. Tudo isso demonstra que o Estado não atuou com a devida diligência
requerida para prevenir corretamente as mortes e agressões sofridas pelas vítimas e que
não atuou como razoavelmente era de se esperar, em conformidade com as circunstâncias
do caso, para pôr fim à sua privação de liberdade. Este descumprimento do dever de
garantia é particularmente sério devido ao contexto conhecido pelo Estado - o qual colocava
as mulheres em uma situação especial de vulnerabilidade - e às obrigações reforçadas
impostas em casos de violência contra a mulher pelo artigo 7.b da Convenção de Belém do
Pará.
285. Além disso, a Corte considera que o Estado não demonstrou ter adotado normas ou
implementado as medidas necessárias, em conformidade com o artigo 2 da Convenção
Americana e o artigo 7.c da Convenção de Belém do Pará, que permitissem às autoridades
oferecer uma resposta imediata e eficaz diante das denúncias de desaparecimento e
prevenir adequadamente a violência contra a mulher. Tampouco demonstrou ter adotado
normas ou tomado medidas para que os funcionários responsáveis por receber as denúncias
tivessem a capacidade e a sensibilidade para entender a gravidade do fenômeno da
violência contra a mulher e a vontade para atuar de imediato.
286. Em razão de todo o exposto, o Tribunal considera que o Estado violou os direitos à
vida, à integridade pessoal e à liberdade pessoal reconhecidos nos artigos 4.1, 5.1, 5.2 e
7.1 da Convenção Americana, em relação à obrigação geral de garantia contemplada no
artigo 1.1 e à obrigação de adotar disposições de direito interno contemplada no artigo 2 da
mesma, bem como às obrigações contempladas no artigo 7.b e 7.c da Convenção de Belém
do Pará, em detrimento de Claudia Ivette González, Laura Berenice Ramos Monárrez e
Esmeralda Herrera Monreal.
4.2.2. Dever de investigar os fatos efetivamente, em conformidade
com os artigos 8.1 e 25.1 da Convenção, derivado da obrigação de garantia
dos direitos à vida, à integridade pessoal e à liberdade pessoal
287. Da obrigação geral de garantia dos direitos à vida, integridade pessoal e liberdade
pessoal deriva a obrigação de investigar os casos de violações desses direitos; ou seja, do
70

artigo 1.1 da Convenção em conjunto com o direito substantivo que deve ser amparado,
protegido ou garantido.297 Além disso, o México deve observar o disposto nos artigos 7.b e
7.c da Convenção de Belém do Pará, que obriga a atuar com a devida diligência298 e a
adotar a normativa necessária para investigar e punir a violência contra a mulher.
288. Em sua sentença de mérito proferida no caso Velásquez Rodríguez Vs. Honduras, a
Corte estabeleceu que, em conformidade com o dever de garantia:
[o] Estado está […]obrigado a investigar toda situação na qual tenham sido violados os direitos
humanos protegidos pela Convenção. Se o aparato do Estado atua de modo que tal violação
fique impune e não se restabeleça, enquanto seja possível, à vítima a plenitude de seus direitos,
pode afirmar-se que descumpriu o dever de garantir seu livre e pleno exercício às pessoas
sujeitas à sua jurisdição. O mesmo é válido quando se tolere que os particulares ou grupos deles
atuem livre ou impunemente em prejuízo dos direitos humanos reconhecidos na Convenção.299

289. O dever de investigar é uma obrigação de meio e não de resultado, que deve ser
assumida pelo Estado como um dever jurídico próprio e não como uma simples formalidade
condenada de antemão a ser infrutífera.300 A obrigação do Estado de investigar deve ser
cumprida diligentemente para evitar a impunidade e para que este tipo de fatos não voltem
a se repetir. Nesse sentido, a Corte recorda que a impunidade fomenta a repetição das
violações de direitos humanos.301
290. À luz desse dever, uma vez que as autoridades estatais tenham conhecimento do
fato, devem iniciar ex officio e sem demora, uma investigação séria, imparcial e efetiva por
todos os meios legais disponíveis e orientada à determinação da verdade e à perseguição,
captura, julgamento e eventual castigo de todos os autores dos fatos, em especial quando
estão ou possam estar envolvidos agentes estatais.302
291. Por outro lado, a Corte advertiu que esta obrigação se mantém “qualquer que seja o
agente ao qual possa eventualmente ser atribuída a violação, também os particulares, pois,
se seus atos não são investigados com seriedade, resultariam, de certo modo, auxiliados
pelo poder público, o que comprometeria a responsabilidade internacional do Estado”. 303
292. Nesse sentido, no contexto da obrigação de proteger o direito à vida, o Tribunal
Europeu de Direitos Humanos desenvolveu a teoria da “obrigação processual” de efetuar
uma investigação oficial efetiva em casos de violações a este direito. 304 A Corte

297
Cf. Massacre de Pueblo Bello Vs. Colômbia, par. 142, nota 261 supra; Caso Heliodoro Portugal Vs.
Panamá. Exceções Preliminares, Mérito, Reparações e Custas. Sentença de 12 de agosto de 2008. Série C N° 186,
par. 115, e Caso Perozo e outros Vs. Venezuela, par. 298, nota 22 supra.
298
Cf. Caso do Presídio Miguel Castro Castro Vs. Peru, par. 344, nota 248 supra.
299
Caso Velásquez Rodríguez Vs. Honduras, Mérito, para. 176, nota 257 supra, e Caso Kawas Fernández Vs.
Honduras, par. 76, nota 190 supra.
300
Cf. Caso Anzualdo Castro Vs. Peru, par. 123, nota 30 supra, e Caso Garibaldi Vs. Brasil, par. 113, nota
252 supra.
301
Cf. Caso Anzualdo Castro Vs. Peru, par. 179, nota 30 supra, e Caso Garibaldi Vs. Brasil, par. 141 nota 252
supra.
302
Cf. Caso do Massacre de Pueblo Bello Vs. Colômbia, par. 143, nota 261 supra; Caso Heliodoro Portugal Vs.
Panamá, par. 144, nota 297 supra, e Caso Valle Jaramillo e outros Vs. Colômbia, par. 101, nota 49 supra.
303
Caso do Massacre de Pueblo Bello Vs. Colômbia, par. 145, nota 261 supra, e Caso Kawas Fernández Vs.
Honduras, par. 78, nota 190 supra.
304
Cf. ECHR, Ergi v. Turkey, Judgment of 28.07.1998, Reports of Judgments, n. 81, paras. 85-86, ECHR, Akkoç
v. Turkey, Judgment of 10 October 2000, paras. 77 to 99, and ECHR, Kiliç v. Turkey, Judgment of 28 March 2000,
paras. 78 to 83.
71

Interamericana também aplicou esta teoria em diversos casos.305


293. A Corte considera que o dever de investigar efetivamente, seguindo os padrões
estabelecidos pelo Tribunal (pars. 287 a 291 supra) tem alcances adicionais quando se trata
de uma mulher que sofre uma morte, maltrato ou violação à sua liberdade pessoal no
âmbito de um contexto geral de violência contra as mulheres. Em sentido similar, o Tribunal
Europeu afirmou que quando um ataque é motivado por razões de raça, é particularmente
importante que a investigação seja realizada com vigor e imparcialidade, levando em
consideração a necessidade de reiterar continuamente a condenação ao racismo por parte
da sociedade e para manter a confiança das minorias na habilidade das autoridades de
protegê-las da ameaça de violência racial.306 O critério anterior é totalmente aplicável ao se
analisar os alcances do dever de devida diligência na investigação de casos de violência por
razão de gênero.
294. Para determinar se a obrigação processual de proteger os direitos à vida, integridade
pessoal e liberdade pessoal pela via de uma investigação séria sobre o ocorrido foi cumprida
integralmente neste caso, é preciso examinar as diversas ações tomadas pelo Estado com
posterioridade à descoberta dos corpos sem vida, bem como os procedimentos no âmbito
interno destinados a elucidar os fatos ocorridos e a identificar os responsáveis pelas
violações cometidas em detrimento das vítimas.
295. O Tribunal analisará a controvérsia entre as partes sobre alegadas irregularidades
relacionadas com 1) a custódia da cena do crime, coleta e manejo de evidências, elaboração
das autópsias e a identificação e entrega dos restos das vítimas; 2) atuação seguida contra
supostos responsáveis e alegada fabricação de culpados; 3) demora injustificada e
inexistência de avanços substanciais nas investigações; 4) fragmentação das investigações;
5) falta de sanção aos funcionários públicos envolvidos em irregularidades, e 6) negação de
acesso aos autos e demoras ou negação de cópias do mesmo.
4.2.2.1. Alegadas irregularidades na custódia da cena do crime, coleta e
manejo de evidências, elaboração das autópsias e a identificação e entrega dos
restos das vítimas
296. Tal como foi indicado (par. 20 supra), o Estado alude a duas etapas das
investigações, a primeira entre 2001 e 2003 e a segunda entre 2004 e 2009. O Estado
reconheceu sua responsabilidade por algumas irregularidades na primeira etapa, mas
alegou que na segunda etapa estas deficiências foram corrigidas e foi impulsionado o
“Programa de Identidade Humana” com a participação da EAAF.
297. A Corte observa que, em 1° de maio de 2005, a Procuradoria de Chihuahua
contratou a EAAF com o fim de assessorar na “identificação de restos de mulheres não
identificadas nas cidades de Juárez e Chihuahua”, bem como “na revisão de casos nos quais
os familiares das vítimas expressam dúvidas sobre a identidade dos restos que
receberam”.307 Levando em consideração as conclusões elaboradas pela EAAF em relação ao
presente caso, a prova disponível nos autos e o reconhecimento de responsabilidade do
Estado, o Tribunal se referirá às irregularidades que se apresentaram: a) na descoberta dos
corpos, na custódia da cena do crime, e na coleta e manejo de evidências; b) na realização
de autópsias, e c) na realização de exames de DNA, identificação e entrega dos restos

305
Cf. Caso Juan Humberto Sánchez Vs. Honduras. Exceção Preliminar, Mérito, Reparações e Custas.
Sentença de 7 de junho de 2003. Série C N° 99, par. 112; Caso Valle Jaramillo e outros Vs. Colômbia, par. 97,
nota 49 supra, e Caso Garibaldi Vs. Brasil, par. 23, nota 252 supra.
306
Cf. ECHR, Case of Angelova and Iliev v. Bulgaria, Judgment 26 July 2007, para. 98.
307
Cf. contrato de prestação de serviços profissionais realizado pela Procuradoria Geral de Justiça do Estado
de Chihuahua com a Equipe Argentina de Antropologia Forense em 1° de maio de 2005 (expediente de anexos à
contestação da demanda, tomo XLV, anexo 136, folhas 16581 a 16586).
72

mortais.

a) Irregularidades na elaboração do relatório de descoberta dos corpos,


preservação da cena do crime e a coleta e manejo de evidências
298. A Comissão alegou que “a ata de levantamento pericial dos cadáveres não afirma os
métodos utilizados para coletar e preservar a evidência” e que as autoridades “associaram
alguns elementos de evidência […] com determinados cadáveres […] em razão de sua
proximidade com os corpos, sendo que tudo isso foi encontrado em um espaço amplo”. Os
representantes alegaram que as autoridades não rastrearam devidamente o local.
Agregaram que do conjunto “de objetos e provas observados no local, não houve maiores
resultados além da tipificação sanguínea de alguns, sem que posteriormente fossem
confrontados com outros elementos e com os corpos”. Além disso, a Comissão e os
representantes afirmaram que não foi feita “constância ou identificação do local onde
ficaram resguardadas as evidências” nem dos funcionários a cargo das mesmas. Os
representantes acrescentaram que “[n]ão há uma ordem nem uma sequência para marcar
as provas encontradas”, o que resultou “em contradições e inconsistências nos resultados
dos pareceres periciais”.
299. Entre as irregularidades reconhecidas pelo Estado durante a primeira etapa das
investigações se encontram “[a] preservação inapropriada do local da descoberta”, a não
adoção de “medidas necessárias” para que a cena do crime “não fosse contaminada”, “o
processamento não exaustivo das evidências obtidas” e a não realização de “diligências
periciais sobre os indícios probatórios”.
300. Este Tribunal estabeleceu que a eficiente determinação da verdade no contexto da
obrigação de investigar uma morte deve ocorrer a partir das primeiras diligências com todo
empenho.308 Nesse sentido, a Corte especificou os princípios orientadores que devem ser
observados em uma investigação quando se está diante de uma morte violenta. As
autoridades estatais que conduzem uma investigação deste tipo devem tentar como
mínimo, inter alia: i) identificar a vítima; ii) recuperar e preservar o material probatório
relacionado com a morte, com o fim de ajudar em qualquer potencial investigação penal dos
responsáveis; iii) identificar possíveis testemunhas e obter suas declarações em relação à
morte que se investiga; iv) determinar a causa, forma, lugar e momento da morte, bem
como qualquer padrão ou prática que possa ter causado a morte, e v) distinguir entre morte
natural, morte acidental, suicídio e homicídio. Ademais, é necessário investigar
exaustivamente a cena do crime, devem ser realizadas autópsias e análise de restos
humanos, de forma rigorosa, por profissionais competentes e empregando os
procedimentos mais apropriados.309
301. Além disso, os padrões internacionais afirmam que, em relação à cena do crime, os
investigadores devem, como mínimo, fotografar esta cena, qualquer outra evidência física e
o corpo como foi encontrado e depois de movê-lo; todas as amostras de sangue, cabelo,
fibras, fios ou outras pistas devem ser coletadas e conservadas; examinar a área em busca
de pegadas de sapatos ou qualquer outra que tenha natureza de evidência, e fazer um
relatório detalhando qualquer observação da cena, as ações dos investigadores e a

308
Cf. Caso Servellón García e outros Vs. Honduras. Mérito, Reparações e Custas. Sentença de 21 de
setembro de 2006. Série C N° 152, par. 120; Caso do Presídio Miguel Castro Castro Vs. Peru, par. 383, nota 248
supra, e Caso Zambrano Vélez e outros Vs. Equador. Mérito, Reparações e Custas. Sentença de 4 de julho de
2007. Série C N° 166, par. 121.
309
Cf. Caso Juan Humberto Sánchez Vs. Honduras, par. 127, nota 305 supra; Caso Escué Zapata Vs.
Colômbia. Mérito, Reparações e Custas. Sentença de 4 de julho de 2007. Série C N° 165, par. 106, e Caso Kawas
Fernández Vs. Honduras, par. 102, nota 190 supra.
73

disposição de toda a evidência coletada.310 O Protocolo de Minnesota estabelece, entre


outras obrigações, que ao investigar uma cena de crime deve ser fechada a área contígua
ao cadáver e proibido o ingresso à mesma, salvo para o investigador e sua equipe.311
302. Em 6 de novembro de 2001, foi feito o levantamento pericial dos cadáveres das três
vítimas. A informação nos autos perante a Corte afirma que uma ligação de um “trabalhador
da construção que cruzava o terreno a pé para cortar distância”312 alertou sobre a existência
dos corpos. Entretanto, essa informação nem nenhuma outra relacionada com as
circunstâncias da descoberta foi mencionada no respectivo relatório judicial. Somente
consta que o agente do Ministério Público iniciou a investigação à raiz de uma ligação
telefônica do operador de rádio da Polícia Judiciária do Estado. 313
303. Na declaração juramentada de 6 de novembro, foram resenhadas um total de 26
evidências e indícios.314 Entretanto, estas não são, com exceção de uma, as evidências que
figuram nas três atas de levantamento pericial de cadáver,315 cada uma das quais afirma
evidências distintas sem que se observe a localização das mesmas, a relação entre elas e
sua relação com a declaração juramentada. Outras evidências foram encontradas em 7 de
novembro de 2001, durante a identificação dos outros cinco cadáveres (par. 209 supra).
Entretanto, a lista das evidências coletadas em 7 de novembro é igual à elaborada em 6 de
novembro.316 Ademais, nas atas de levantamento pericial dos outros cinco cadáveres
também constam outras evidências distintas das anteriores, 317 sem que se demonstre nos
autos a localização das mesmas, a relação entre elas e com a declaração juramentada.
304. Com posterioridade à coleta de provas efetuada em 6 e 7 de novembro, os familiares
das vítimas fizeram duas investigações entre 24 e 25 de fevereiro de 2002 para obter prova
adicional no local da descoberta dos corpos. Encontraram um número significativo de
evidências. O inventário das provas coletadas inclui itens de vestuário, nove peças de
calçado e 11 objetos diversos entre os que se encontrava uma placa de veículo fronteiriço e
uma carteira de motorista municipal provisória. Também incluíam cabelos, restos de
sangue, vestimenta das possíveis vítimas, pedaços de plástico, diversas embalagens,
amostras de terra, restos ósseos, entre outros. Não se indica quem eram os funcionários
responsáveis por estas amostras, onde foram enviadas e em que condições foram
conservadas.318 Algumas destas provas permaneceram mais de seis anos sem serem

310
Cf. Manual sobre a Prevenção e Investigação Efetiva de Execuções Extrajudiciais, Arbitrárias e Sumárias
das Nações Unidas, Doc. E/ST/CSDHA/.12 (1991).
311
Cf. Manual sobre a Prevenção e Investigação Efetiva de Execuções Extrajudiciais, nota 310 supra.
312
Cf. declaração testemunhal prestada perante agente dotado de fé pública pelo senhor Máynez Grijalva em
21 de abril de 2009 (expediente de mérito, tomo XIII, folha 3845).
313
Cf. aviso emitido pelo agente do Ministério Público vinculado à Promotoria Especial para a Investigação de
Homicídios de Mulheres em Ciudad Juárez, em 6 de novembro de 2001 (expediente de anexos ao escrito de
petições e argumentos, tomo XIV, anexo 3, folha 4742) e resolução proferida pela Quarta Vara Criminal do
Supremo Tribunal de Justiça do Estado de Chihuahua em 14 de julho de 2005 (expediente de anexos à demanda,
tomo IX, anexo 83, folha 3431).
314
Cf. declaração juramentada sobre o local e os cadáveres, folha 2667, nota 238 supra.
315
Cf. atas de levantamento pericial de cadáver, nota 234 supra.
316
Cf. lista de evidências realizada pelo Chefe do Escritório Técnico de Serviços Periciais e Medicina Legal em
13 de novembro de 2001 (expediente de anexos à demanda, tomo IX, anexo 44, folhas 2708, 2720 e 2721) e
declaração juramentada sobre o local e os cadáveres, folha 2667, nota 238 supra.
317
Cf. atas de levantamento pericial de cadáver, folhas 2710, 2712, 2714, 2716 e 2718, nota 234 supra.
318
Nestas averiguações dos familiares encontraram o título de eleitor e a carteira de trabalho da jovem
González (Cf. declaração juramentada sobre o local e objetos emitida em 24 de fevereiro de 2002 pela agente do
Ministério Público ligada à Promotoria Especial para a Investigação de Homicídios de Mulheres, expediente de
anexos à demanda, tomo IX, anexo 63, folhas 2923 e 2924); declaração juramentada sobre o local e objetos
emitida em 25 de fevereiro de 2002 pelo agente do Ministério Público vinculado à Promotoria Especial para a
74

analisadas. De fato, em 22 de novembro de 2007, no contexto da organização de caixas


com evidência sobre casos tramitados em Ciudad Juárez, foi encontrada uma caixa com
amostras de cabelo e ossos das vítimas, sem nenhuma indicação sobre por que esta prova
se encontrava nesse local e sem indicação sobre procedimentos estabelecidos para proteger
estas evidências, ou seja, sem devida cadeia de custódia.319
305. Sobre este ponto, o Manual das Nações Unidas indica que a devida diligência em uma
investigação médico-legal de uma morte exige a manutenção da cadeia de custódia de todo
elemento de prova forense.320 Isso consiste em realizar um registro escrito preciso,
complementado, conforme corresponda, por fotografias e demais elementos gráficos, para
documentar a história do elemento de prova à medida em que passa pelas mãos de
diversos investigadores encarregados do caso. A cadeia de custódia pode se estender além
do julgamento e da condenação do autor, dado que as provas antigas, devidamente
preservadas, poderiam servir para a absolvição de uma pessoa condenada erroneamente. A
exceção são os restos mortais de vítimas positivamente identificadas que podem ser
devolvidos a suas famílias para seu devido sepultamento, com a reserva de que não podem
ser cremados e que podem ser exumados para novas autópsias. 321
306. O Tribunal conclui que no presente caso ocorreram irregularidades relacionadas com:
i) a falta de precisão das circunstâncias da descoberta dos cadáveres; ii) o pouco rigor na
inspeção e proteção da cena do crime realizada pelas autoridades; iii) o indevido manejo de
algumas das provas coletadas, e iv) os métodos utilizados não foram adequados para
preservar a cadeia de custódia.
307. Ademais, a Corte observa que este caso não é o único no qual foram denunciadas
negligências na coleta de provas (par. 150 supra). De fato, a Promotoria Especial para o
Atendimento de Crimes relacionados com os Homicídios de Mulheres em Ciudad Juárez
afirmou que, entre 1993 e 2005, frequentemente “os laudos periciais, fundamentalmente os
de criminalística de campo, não correspond[iam] em seu conteúdo aos registros feitos no
local dos fatos pelo agente do Ministério Público respectivo”. 322 Ademais, eram cometidos
muitos erros na preservação da cena do crime,323 destruição de provas324 e irregularidades
na preservação e análise de evidência.325
b) Irregularidades na realização de autópsias
308. Os representantes alegaram que as conclusões sobre a causa de morte das vítimas

Investigação de Homicídios de Mulheres, expediente de anexos à demanda, tomo IX, anexo 64, folhas 2927 e
2928), e declaração prestada pela senhora Monárrez Salgado perante o agente do Ministério Público vinculado à
Controladoria de Assuntos Internos Região Norte em 23 de julho de 2006 (expediente de anexos à demanda tomo
IX, anexo 84, folhas 3504 a 3507).
319
Cf. testemunho prestado por uma perita em Química ligada à Direção Geral de Serviços Periciais e
Ciências Forenses de Ciudad Juárez perante o agente do Ministério Público vinculado à Promotoria Mista para a
Investigação de Homicídios de Mulheres em Ciudad Juárez em 15 de março de 2008 (expediente de anexos à
contestação da demanda, tomo XXXVIII, anexo 50, folhas 14072 a 14074).
320
Cf. Manual sobre a Prevenção e Investigação Efetiva de Execuções Extrajudiciais, nota 310 supra.
321
Cf. declaração prestada perante agente dotado de fé pública pelo perito Snow em 17 de abril de 2009
(expediente de mérito, tomo XIV, folha 4225).
322
Cf. Promotoria Especial para o Atendimento de Crimes relacionados aos Homicídios de Mulheres no
Município de Juárez, Relatório Final, folha 14580, nota 87 supra, e declaração da testemunha Doretti, folha 2326,
nota 141 supra.
323
Cf. Relatório da Comissão de Especialistas Internacionais das Nações Unidas, folha 1900, nota 76 supra, e
Relatório sobre o México produzido pelo CEDAW, folha 1929, nota 64 supra.
324
Cf. Relatório sobre o México produzido pelo CEDAW, folha 1929, nota 64 supra.
325
Cf. declaração da testemunha Doretti, folha 2326, nota 141 supra.
75

não são claras e não oferecem certeza. Além disso, destacaram que as autoridades não
ordenaram os exames correspondentes e que colheram amostras de órgãos para realizar
exames, mas não são conhecidos os resultados dos mesmos e a localização da amostra.
309. O Estado reconheceu “[o] processo impróprio de identificação dos corpos e de
determinação da causa de morte”.
310. A Corte ressalta que as autópsias têm como objetivo coletar, como mínimo,
informação para identificar a pessoa morta, a hora, data, causa e forma da morte. Estas
devem respeitar certas formalidades básicas, como indicar a data e hora de início e
finalização, bem como o local onde é realizada e o nome do funcionário que a executa. Além
disso, deve-se, inter alia, fotografar corretamente o corpo; tirar radiografias do cadáver, de
sua bolsa ou envoltório e depois de desvesti-lo, documentar todas as lesões. Deve ser
documentada a ausência, soltura ou dano dos dentes, bem como qualquer trabalho dental,
e examinar cuidadosamente as áreas genital e paragenital em busca de marcas de abuso
sexual. Em casos de suspeita de violência ou abuso sexual, devem ser preservados os
líquidos oral, vaginal e retal, e os pelos externos e púbicos da vítima.326 Além disso, o
Manual das Nações Unidas indica que nos protocolos de autópsia devem ser anotadas a
posição do corpo e suas condições, incluindo se está morno ou frio, leve ou rígido; proteger
as mãos do cadáver; registrar a temperatura do ambiente e coletar qualquer inseto. 327
311. No presente caso, um perito da EAAF que analisou a autópsia da jovem Herrera
afirmou que esta não era completa, que foram omitidas tanto as anotações sobre as lesões
no sistema ósseo e falta de pele como a realização de estudos para determinar outros
indícios. Não foram descritos o período da putrefação, a macroscopia dos órgãos internos,
nem foi examinado o crânio, ou seja, não havia abertura no mesmo.328 As autópsias não
anexaram fotografias nem radiografias, que deveriam ter sido tirados, nem fizeram
referência a elas.329 Conclusões similares podem ser estabelecidas sobre as demais
autópsias a partir da prova disponível perante a Corte. 330 Tampouco documentaram a
realização de exames específicos em busca de evidências de abuso sexual, o que é
particularmente grave em razão do contexto provado no presente caso e das características
que apresentavam os corpos no momento de sua descoberta (par. 212 supra).
312. A Corte constata que estas negligências não são isoladas, mas fazem parte de um
contexto em Ciudad Juárez, segundo o qual “[e]m grande parte dos autos analisados não foi
observado que tenha sido pedido, nem se incluía nos autos qualquer laudo pericial para a
busca de fibras nas roupas das vítimas, para efeito de uma posterior confronta[ção]; o
anterior, inclusive, nos restos humanos ou esqueletos de vítimas não identificados”. 331
Segundo um relatório da Anistia Internacional de 2003, as autópsias não foram realizadas
“conforme os padrões necessários para contribuir ao esclarecimento dos crimes”, 332 nem
tampouco são expostos os meios utilizados para chegar a conclusões, como por exemplo, a

326
Cf. Manual sobre a Prevenção e Investigação Efetiva de Execuções Extrajudiciais, nota 310 supra.
327
Cf. Manual sobre a Prevenção e Investigação Efetiva de Execuções Extrajudiciais, nota 310 supra.
328
Cf. declaração prestada pelo perito Bosio perante agente dotado de fé pública em 15 de abril de 2009
(expediente de mérito, tomo VI, folha 2279).
329
Cf. declaração do perito Bosio, folha 2378, nota 328 supra.
330
Cf. laudos de autópsia, nota 239 supra.
331
Promotoria Especial para o Atendimento de Crimes relacionados aos Homicídios de Mulheres no Município
de Juárez, Relatório Final, folha 14580, nota 87 supra.
332
Anistia Internacional, Mortes Intoleráveis, folha 2301, nota 64 supra.
76

estatura, tipo de morte ou a possível hora ou data de morte. 333 Além disso, a Promotoria
Especial para o Atendimento de Crimes relacionados com os Homicídios de Mulheres em
Ciudad Juárez faz referência a que “foi detectado que, em alguns casos[,] estes laudos
estabelecem datas nas quais está plenamente confirmado que as vítimas ainda estavam
com vida”.334 Ademais, a testemunha Doretti afirmou que muitos autos de homicídio “não
continham informação sobre a localização final dos restos depois de sua passagem pelo
[Serviço Médico Forense], incluindo tanto aqueles que foram entregues a seus familiares
como os que foram enterrados como restos não [i]dentificados em cemitérios municipais ou
depositados” naquele serviço.335
c) Alegadas irregularidades na identificação e entrega dos corpos
313. A Comissão e os representantes aludiram a contradições e inconsistências nos
resultados de identificação dos restos mortais. O Estado “reconhec[eu] a falta de uma
determinação científica e irrefutável da identidade das três vítimas em um primeiro
momento”. A Corte analisará a seguir irregularidades a) na designação dos nomes aos
corpos encontrados, b) na entrega incompleta dos corpos sem que existisse uma
identificação positiva, e c) nas controvérsias relativas às análises de DNA.
c.1) Designação inicial arbitrária de nomes aos corpos
314. A Comissão e os representantes alegaram que a designação inicial dos nomes aos
corpos foi arbitrária. Os representantes, além disso, afirmaram que no momento em que se
“proferiu ordem formal de prisão contra dois acusados, cada um dos corpos tinha nome e
sobrenome, apesar de que […] não haveriam aparecido novas evidências ou provas
científicas que levassem a essa conclusão”.
315. Sobre a relevância de uma identificação das vítimas segundo as regras de devida
diligência, o perito Castresana Fernández afirmou o seguinte:
Iniciada a investigação, quando é necessária a identificação da vítima, os procedimentos adequados
- técnico forenses -, têm relevância visto que, em conformidade com as condições de descoberta
dos cadáveres ou restos humanos, não é possível muitas vezes realizar a identificação de forma
visual - direta ou por fotografia -, ou pelas peças de vestir e pertences que levava a vítima. Nestes
casos, a identificação por meios científicos como os sistemas antropométrico, digital, geométrico de
Matheios, biométricos, DNA, antropologia forense, odontologia forense, etc., requerem de
laboratórios especializados com a acreditação e o reconhecimento internacional que garantam a
confiabilidade dos procedimentos e a idoneidade dos proissionais que realizem as provas.336

316. Em relação à designação arbitrária de nomes, a testemunha Máynez Grijalva


declarou que “a identidade dos corpos dada pelo Procurador foi obtida da confissão dos
detidos”.337 Além disso, a EAAF afirmou que foi solicitado que “quatro dos oito esqueletos
recuperados[, incluindo as três vítimas, fossem] comparados […] somente com uma
desaparecida”.338 A EAAF acrescentou que “[os] ofícios nos quais foi realizado este pedido e
o expediente consultado não especificam a razão pela qual certos corpos são comparados
especificamente […] apenas com certas mulheres desaparecidas em um e dois dias da

333
Cf. Promotoria Especial para o Atendimento de Crimes relacionados aos Homicídios de Mulheres no
Município de Juárez, Relatório Final, folha 14580, nota 87 supra, e declaração do perito Bosio, folhas 2281, 2284 e
2286, nota 328 supra.
334
Promotoria Especial para o Atendimento de Crimes relacionados aos Homicídios de Mulheres no Município
de Juárez, Relatório Final, folha 14580, nota 87 supra.
335
Cf. declaração da testemunha Doretti, folha 2331, nota 141 supra.
336
declaração do perito Castresana Fernández, folha 2883, nota 137 supra.
337
declaração da testemunha Máynez Grijalva, folha 3846, nota 312 supra.
338
Cf. EAAF, Laudo de antropologia e genética forense, folha 10330, nota 189 supra.
77

descoberta”. 339
317. O Estado não controverteu as precisões de fato efetuadas por estes testemunhos e
documentos, razão pela qual o Tribunal considera provadas estas irregularidades
relacionadas com a designação arbitrária de identidades.
c.2) Entrega dos corpos sem que existisse uma identificação positiva
318. Os padrões internacionais exigem que a entrega de restos mortais ocorra quando a
vítima esteja claramente identificada, ou seja, uma vez que se tenha conseguido uma
identificação positiva. O Protocolo de Minnesota estabelece que “o corpo deve ser
identificado por testemunhas confiáveis e outros métodos objetivos”. 340
319. No presente caso, apesar de haver sido ordenada a realização de diversos laudos
periciais,341 incluindo alguns baseados na sobreposição crânio-facial e na realização de
exames de DNA,342 no momento da entrega dos corpos o Estado somente contava com os
pareceres que alguns familiares emitiram sobre alguns dados físicos gerais e para o
reconhecimento de vestimenta.343
320. De fato, no caso da jovem González, em 15 de novembro de 2001, sua irmã afirmou
que a havia reconhecido por uma amostra de cabelo, uma unha, um casaco e uma blusa,
bem como por uma restauração dentária.344 O corpo foi entregue aos familiares naquele
mesmo dia.345 No caso da jovem Herrera, em 16 de novembro de 2001, foi reconhecida por
seu irmão e por seu pai através “da roupa que encontraram” no local da descoberta dos
cadáveres.346 Naquele mesmo dia o corpo foi entregue aos familiares.347 Sobre este caso, a
EAAF considerou que ao serem entregues os restos aos familiares “ainda não se contava
com elementos suficientes para estabelecer uma identificação positiva”.348 No caso da
jovem Ramos, em 22 de março de 2002, sua mãe afirmou que reconheceu o corpo de sua

339
Cf. EAAF, Laudo de antropologia e genética forense, folha 10331, nota 189 supra.
340
Cf. Manual sobre a Prevenção e Investigação Efetiva de Execuções Extrajudiciais, nota 310 supra.
341
Cf. ofício N° 0504/00 emitido pela agente do Ministério Público titular da Promotoria Especial para a
Investigação de Homicídios de Mulheres em 10 de novembro de 2001 (expediente de anexos à demanda, tomo IX,
anexo 39, folha 2687).
342
Cf. ofício N° 0507/01 emitido pela agente do Ministério Público titular da Promotoria Especial para a
Investigação de Homicídios de Mulheres em 8 de novembro de 2001 (expediente de anexos à demanda, tomo IX,
anexo 39, folha 2688); ofício 504/01 emitido pela agente do Ministério Público titular da Promotoria Especial para a
Investigação de Homicídios de Mulheres em 8 de novembro de 2001 (expediente de anexos à demanda, tomo IX,
anexo 39, folha 2689); ofício N° 513/01 emitido pela agente do Ministério Público titular da Promotoria Especial
para a Investigação de Homicídios de Mulheres em 9 de novembro de 2001 (expediente de anexos à demanda,
tomo IX, anexo 39, folha 2690), e ofício N° 514/01 emitido pela agente do Ministério Público titular da Promotoria
Especial para a Investigação de Homicídios de Mulheres em 9 de novembro de 2001 (expediente de anexos à
demanda, tomo IX, anexo 39, folha 2691).
343
Cf. EAAF, Laudo de antropologia e genética forense, folha 10331, nota 189 supra.
344
Cf. comparecimento de Mayela Banda González, folhas 2796 e 2797, nota 173 supra.
345
Cf. ofício N° 530/01 emitido pela agente do Ministério Público ligada à Promotoria Especial para a
Investigação de Homicídios de Mulheres em 15 de novembro de 2001 (expediente de anexos à demanda, tomo IX,
anexo 51 e 53, folha 2799).
346
Cf. declaração testemunhal de identificação de cadáver efetuada por Adrián Herrera Monreal em 16 de
novembro de 2001 (expediente de anexos à demanda, tomo IX, anexo 54, folha 2882) e declaração testemunhal
de identificação de cadáver efetuada por Antonio Herrera Rodríguez (expediente de anexos à demanda, tomo IX,
anexo 55, folha 2884).
347
Cf. ofício N° 534/01 emitido pela agente do Ministério Público ligada à Promotoria Especial para a
Investigação de Homicídios de Mulheres em 16 de novembro de 2001 (expediente de anexos à demanda, tomo IX,
anexos 56 e 57, folha 2886).
348
Cf. declaração da perita Doretti, folha 2347, nota 141 supra.
78

filha por um sutiã e uns “huaraches” (sandálias) que lhe mostraram. Além disso, afirmou
que lhe perguntaram se sua filha tinha uma fratura no braço, ao que respondeu
afirmativamente.349 Esta identificação foi ratificada pelo tio da vítima ao reconhecer os
traços que lhe foram descritos e a fratura no braço. 350 Nesse mesmo dia o corpo lhes foi
entregue.351
321. Depois de ter entregado os corpos aos familiares, o Escritório de Serviços Periciais de
Chihuahua emitiu pareceres em matéria de craniometria e odontologia e determinou
“coincidência em relação ósseo-facial” e “características em dentes” ao comparar fotografias
das vítimas, seu crânio e sua dentadura.352
322. Em relação à utilização desta metodologia de sobreposição crânio-facial, a prova
pericial disponível nos autos indica que deve estar complementada com outros laudos para
chegar a uma identificação positiva. O perito Snow precisou que “nenhum antropólogo
forense responsável utiliza esta técnica como meio de identificação positiva”. 353 Por
exemplo, no caso da jovem Herrera, a testemunha Doretti esclareceu que “a análise de
sobreposição crânio-foto deveria ter sido reforçada por uma análise genética completa antes
da entrega dos restos”. A esse respeito, a testemunha precisou que esta entrega dos restos
gerou que um laudo genético realizado quase um ano depois apresentasse resultados
inconclusivos em razão da pouca informação genética recuperada.354
323. Ademais, a EAAF afirmou que, em outubro de 2003, foram solicitadas novas análises
genéticas para os outros casos de Campo Algodoeiro. Entretanto, os restos das vítimas do
presente caso não foram analisados, “possivelmente porque já haviam sido entregues a
suas famílias e as amostras coletadas em setembro de 2002 se esgotaram nas análises de
2002”.355
324. A Corte conclui que o reconhecimento efetuado por parte de familiares não era
suficiente para uma identificação positiva, e tampouco o eram as provas crânio-faciais.
Ademais, a Corte constata que a entrega de corpos foi realizada antes que existisse certeza
sobre a identidade dos mesmos, o que gerou maiores dificuldades no processo posterior de
identificação através de amostras de DNA.
325. Contudo, o Tribunal observa que a identificação final da jovem Ramos foi alcançada
entre 18 de outubro de 2005 e 16 de março de 2006, depois de a EAAF efetuar um segundo
exame de DNA em uma clavícula que sua família conservava. 356 Em 15 de março de 2006, a

349
Cf. declaração testemunhal de identificação de cadáver efetuada por Benita Monárrez Salgado em 22 de
março de 2002 (expediente de anexos à demanda, tomo IX, anexo 67, folha 2934).
350
Cf. declaração testemunhal de identificação de cadáver efetuada por Pablo Monárrez Salgado em 22 de
março de 2002 (expediente de anexos à demanda, tomo IX, anexo 68, folha 2937).
351
Cf. ofício N° 248/02 MP autorização de entrega do cadáver de Laura Berenice Ramos Monárrez emitido
pela agente do Ministério Público ligada à Promotoria Especial para a Investigação de Homicídios de Mulheres em
22 de março de 2002 (expediente de anexos à demanda, tomo IX, anexo 69 e 70, folha 2939).
352
Cf. laudo de identificação forense emitido pelo Escritório de Serviços Periciais em relação à jovem
González em 21 de novembro de 2001 (expediente de anexos à demanda, tomo IX, anexo 58, folhas 2888 a
2893); laudo de identificação forense emitido pelo Escritório de Serviços Periciais em relação à jovem Herrera em
21 de novembro de 2001 (expediente de anexos à demanda, tomo IX, anexo 59, folhas 2895 a 2900), e laudo de
identificação forense emitido pelo Escritório de Serviços Periciais em relação à jovem Ramos em 8 de janeiro de
2002 (expediente de anexos à demanda, tomo IX, anexo 72, folhas 2955 a 2962).
353
Cf. declaração do perito Snow, folha 4224, nota 321 supra, e declaração da perita Doretti, folha 2345,
nota 141 supra.
354
Cf. declaração da perita Doretti, folha 2347, nota 141 supra.
355
Cf. EAAF, laudo de antropologia e genética forense, folha 10341, nota 189 supra.
356
Cf. EAAF, laudo de antropologia e genética forense, folhas 10358, 10367 e 10368, nota 189 supra.
79

mãe da jovem Herrera compareceu perante o Ministério Público a fim de expressar seu
desejo de não continuar com a análise de DNA, manifestando sua conformidade com a
identificação efetuada previamente.357 Os familiares da jovem González afirmaram sua
conformidade com a identificação inicial (par. 218 supra).
c.3). Controvérsias relativas às análises de DNA
326. A Comissão e os representantes alegaram que os resultados das amostras de DNA
“foram entregues dois anos depois” e que “não pud[eram] obter perfis genéticos
completos”.
327. O Estado argumentou que “a demora nos resultados de […] DNA […] não obedecia à
negligência por parte da autoridade ministerial local, mas ao procedimento que estas
perícias requerem”.
328. No presente caso, foram realizados três laudos genéticos, em 2002. Em um laudo de
setembro de 2002, foi concluído que não existia relação genética entre o corpo identificado
como o da jovem Ramos e sua família,358 o que contradizia as conclusões estabelecidas
pelos exames antropológicos.359 Em outra análise genética, realizada em outubro de 2002,
foi determinado que a jovem Ramos não apresentava parentesco com duas famílias
analisadas360 e foi determinada “provável relação de parentesco genético [de um esqueleto]
com a [f]amília Herrera” .361 No caso da jovem González, não se conseguiu confrontar com
sua família “devido à ausência de perfil genético em [seu] esqueleto”. 362
329. Sobre este resultado, a EAAF afirmou que o fato de que se tenha concluído que dois
dos perfis genéticos de dois esqueletos pertencem a uma mesma pessoa exigia “novas
amostras dos restos para poder ratificar ou retificar o diagnostico”. 363 Adicionalmente, a
EAAF criticou que “nem todos os restos foram comparados com todos os familiares das oito
famílias”.364
330. Em relação ao caso da jovem Herrera, a EAAF afirmou que a conclusão de uma das
análises era “insuficiente […] para estabelecer uma relação genética” 365 e que “[n]ão consta
nos autos a cadeia de custódia das amostras dos restos mencionados que são analisados
nesta primeira análise genética”.366
331. A Corte constata que existiram irregularidades na aplicação das provas genéticas e
que estas somente tiveram um resultado parcialmente positivo para o caso da jovem
Herrera. Para o caso da jovem González não foi obtido nenhum resultado, enquanto no caso
da jovem Ramos os resultados contradisseram a identificação já realizada pelos familiares e
o laudo crânio-foto. Em relação à alegação referente ao excessivo tempo que levou à

357
Cf. testemunho da senhora Irma Monreal Jaime prestado perante agente do Ministério Público ligado ao
grupo da Promotoria Mista para a Investigação de Homicídios de Mulheres em 15 de março de 2006 (expediente de
anexos à contestação da demanda, tomo XXX, anexo 50, Registro I, tomo I, folha 10230).
358
Cf. EAAF, laudo de antropologia e genética forense, folha 10339, nota 189 supra.
359
Cf. declaração da testemunha Doretti, folhas 2352 e 2353, nota 141 supra.
360
Cf. parecer realizado por uma perita em genética forense em 8 de outubro de 2002 (expediente de anexos
à demanda, tomo XI, folha 2908).
361
Cf. parecer em genética forense, folha 2908, nota 360 supra.
362
Cf. parecer em genética forense, folha 2908, nota 360 supra.
363
Cf. EAAF, laudo de antropologia e genética forense, folha 10339, nota 189 supra.
364
Cf. EAAF, laudo de antropologia e genética forense, folha 10339, nota 189 supra.
365
Cf. EAAF, laudo de antropologia e genética forense, folha 10341, nota 189 supra.
366
Cf. EAAF, laudo de antropologia e genética forense, folha 10338, nota 189 supra.
80

realização dos mencionados exames, não foi oferecida argumentação que permita concluir
sobre demoras não razoáveis.
332. Levando em consideração todo o anterior, a Corte considera que o presente caso se
relaciona ao verificado pelo Escritório das Nações Unidas sobres Drogas e Crime em outros
casos similares. Este escritório constatou a “falta de coleta de amostras de DNA das vítimas,
das desaparecidas e dos respectivos familiares.367 Quando estas foram realizadas, muitas
mostraram resultados distintos às identificações iniciais.368 Nesse sentido, os resultados das
análises genéticas obtidos eram em alguns casos contraditórios entre si, “um laboratório,
por exemplo, obtém um resultado positivo entre determinados restos e uma determinada
família […], enquanto outro laboratório obtém resultados negativos ao realizar a mesma
comparação”. Tampouco foram utilizadas soluções possíveis, tais como “juntas de peritos
para revisar as opiniões divergentes e proporcionar maiores elementos de análise”. 369
*
* *
333. Levando em consideração o exposto, bem como o reconhecimento de
responsabilidade efetuado pelo Estado, o Tribunal concluiu que ocorreram irregularidades
relacionadas com: i) falta de informação no relatório sobre a descoberta dos cadáveres, ii)
incorreta preservação da cena do crime, iii) falta de rigor na coleta de evidências e na
cadeia de custódia, iv) contradições e insuficiências das autópsias, e v) irregularidades e
insuficiências na identificação dos corpos, bem como em sua entrega irregular.
4.2.2.2. Alegadas irregularidades na atuação contra os supostos responsáveis e
alegada fabricação de culpados
334. A Comissão alegou que foram acusados como responsáveis pelos assassinatos os
senhores Víctor Javier García Uribe e Gustavo González Meza (doravante denominados “o
senhor García” e “o senhor González”), apesar de que não tinham uma “relação evidente
com os fatos” e que sua “detenção […] foi realizada de maneira arbitrária e suas confissões
de culpa foram extraídas sob tortura”. Os representantes concordaram com a Comissão e
acrescentaram que o “Procurador [ordenou] ‘armar’ o expediente e fabricar culpados para
evitar a pressão social”. Além disso, afirmaram que o senhor González faleceu na
penitenciária depois de uma cirurgia de hérnia, a qual estaria relacionada com a tortura
sofrida. A Comissão e os representantes acrescentaram que os advogados defensores dos
senhores García e González foram assassinados em circunstâncias ainda não esclarecidas e
que seus familiares teriam recebido ameaças, o que motivou a adoção de medidas
cautelares a seu favor.
335. O Estado manifestou que a Corte “unicamente pode conhecer das supostas
violações” pela morte das três vítimas e não em relação ao processo penal contra os
senhores García e González. Além disso, o Estado afirmou que “a hipótese da provável
responsabilidade” destes senhores “não pode nem deve ser considerada como uma
fabricação de culpados”, mas “foi o resultado da análise de vários elementos de convicção
que […] permitiam, nesse momento, presumir [sua] participação direta” nos homicídios.
Entretanto, o Estado reconheceu que a investigação contra estes senhores fez com que não
se esgotassem “outras linhas de investigação” e que “a determinação da não
responsabilidade penal” desses dois senhores “gerou [nos] familiares falta de credibilidade
nas autoridades investigadoras, perda de indícios e provas pelo simples transcurso do

367
Cf. Relatório da Comissão de Especialistas Internacionais das Nações Unidas, folha 1901, nota 76 supra.
368
Cf. Relatório sobre o México produzido pelo CEDAW, folha 1930, nota 64 supra, e declaração da perita
Doretti, folha 2352, nota 141 supra.
369
Cf. declaração da perita Doretti, folha 2334, nota 141 supra.
81

tempo”.
336. Em relação à alegação de incompetência indicada pelo Estado, a Corte reitera o
proferido na Resolução de 19 de janeiro de 2009 (par. 9 supra), no sentido de que toda a
prova disponível nos autos em torno ao ocorrido com os senhores García e González pode
ser utilizada como “prova relevante no momento de avaliar […] as supostas falhas nas
investigações conduzidas no foro interno” sobre a morte das três vítimas.
337. A esse respeito, depois da descoberta dos corpos na plantação de algodão nos dias 6
e 7 de novembro de 2001, os senhores García e González foram detidos em 9 de novembro
de 2001. Em suas declarações iniciais aceitaram terem cometido os crimes e descreveram a
forma como os teriam realizado.370 Entretanto, em 12 de novembro de 2001, ao serem
ouvidos em “declaração preparatória”, afirmaram que a confissão que haviam feito se
originava de atos de tortura que haviam recebido e em ameaças contra eles e seus
familiares.371
338. Em 5 de fevereiro de 2002, o advogado do senhor González morreu por disparos por
parte da Polícia Judiciária do Estado de Chihuahua, em circunstâncias ainda não
esclarecidas.372 Naquele mesmo dia, segundo um relatório da Anistia Internacional de 2003,
a esposa do senhor García foi ameaçada por dois homens não identificados. 373 Em 8 de
fevereiro de 2003, o senhor González faleceu no centro penitenciário onde se encontrava
preso, horas depois de uma intervenção cirúrgica.374
339. Em 13 de outubro de 2004, o Terceiro Juiz Criminal do Distrito Judicial Bravos
condenou o senhor García a 50 anos de prisão como responsável pelos homicídios na
plantação de algodão.375 O Juiz afirmou que a “retratação” dos acusados “não produz
nenhuma convicção” porque “são o resultado de reflexões de maior meditação sobre as
consequências que traz o reconhecimento do cometimento de um crime ou ainda sugestões
de assessores”. O Juiz acrescentou que “as marcas de violência encontradas em seus corpos
não podem ser a razão [pela] qu[al] incluíram suas assinaturas em suas primeiras
declarações.”

370
Cf. declaração de Víctor Javier García Uribe perante o Agente do Ministério Público vinculado à
Procuradoria Geral de Justiça do Estado de Chihuahua em 9 de novembro de 2001 (expediente de anexos ao
escrito de petições e argumentos, tomo XIV, anexo 3, folhas 4839 a 4842) e declaração de Gustavo González Meza
perante o Agente do Ministério Público vinculado à Procuradoria Geral de Justiça do Estado de Chihuahua em 9 de
novembro de 2001 (expediente de anexos ao escrito de petições e argumentos, tomo XIV, anexo 3, folhas 4854 a
4857).
371
Cf. declaração preparatória de Gustavo González Meza perante o Terceiro Juiz Criminal do Distrito Bravos,
Chihuahua, em 12 de novembro de 2001 (expediente de anexos ao escrito de petições e argumentos, tomo XIV,
anexo 3, folhas 4887 a 4894) e declaração preparatória de Víctor Javier García Uribe perante o Terceiro Juiz
Criminal do Distrito Bravos, Chihuahua, em 12 de novembro de 2001 (expediente de anexos ao escrito de petições
e argumentos, tomo XIV, anexo 3, folhas 4896 a 4904).
372
A CNDH afirmou que “foi assassinado ao ser confundido, segundo as autoridades do Estado de Chihuahua,
com um delinquente, e, segundo certos relatórios, o advogado que atualmente defende o senhor García Uribe
também foi ameaçado” (CNDH, Relatório Especial, folha 2230, nota 66 supra; CIDH, Situação dos Direitos da
Mulher em Ciudad Juárez, folha 1749, nota 64 supra, e Anistia Internacional, Mortes Intoleráveis, folha 2294, nota
64 supra).
373
A Comissão e os representantes afirmaram que, em janeiro de 2006, o advogado do senhor García foi
assassinado em circunstâncias ainda não esclarecidas. Entretanto, a única prova disponível nos autos é a
declaração de uma jornalista que foi recusada pelo Tribunal por motivos de forma (par. 106 supra).
374
Cf. resolução de arquivamento por morte do processado Gustavo González Meza (expediente de anexos ao
escrito de petições e argumentos, tomo XVIII, anexo 3, folhas 6164 a 6166).
375
Cf. Terceiro Juiz Criminal do Distrito Judicial Bravos, sentença proferida na causa criminal 74/2004,
“Guadalupe Luna de la Rosa e outras” em 13 de outubro de 2004 (expediente de anexos ao escrito de petições e
argumentos, tomo XVIII, folhas 6213 a 6398).
82

340. Em 14 de julho de 2005, a Quarta Vara do Supremo Tribunal de Justiça de


Chihuahua revogou a decisão de primeira instância por falta de prova contra o senhor
García.376 Além disso, esta Vara afirmou que para deter e acusar o senhor García foi
utilizada uma investigação prévia relacionada a “fatos totalmente distintos” ocorridos em
1999, o que “de nenhuma forma […] era determinante para ordenar [sua] detenção”.
Finalmente, foi feito constar que não houve ordem judicial de detenção quando
perfeitamente poderia haver sido conseguida. A partir do anterior, a Vara afirmou que “a
detenção dos [senhores García e González] foi arbitrária”. Em relação às confissões
efetuadas, a Vara afirmou que “resulta difícil acreditar que, conhecendo seus direitos [à não
auto-incriminação,] ambos os acusados houvessem relatado de forma tão minuciosa […]
sua participação nos fatos” e que, inclusive, houvessem aceitado os fatos de 1999 “sem que
ninguém lhes perguntasse a esse respeito”. Também aludiu à “contradição que existe entre
[as confissões] e as autópsias”, de tal forma que “as confissões dos dois acusados foram
elaboradas para coincidir com as datas dos desaparecimentos das mulheres que se
disseram ofendidas”.
341. É importante ressaltar que, em 2003, a CNDH considerou que “não existe nenhum
momento em que tenha ficado detalhado ou constância que permita ao menos presumir que
as lesões foram autoinfligidas, mas existem, em contrapartida, as afirmações de que […]
foram objeto de tortura”, de maneira que, para a CNDH, “ficou confirmado que […] foram
objeto de sofrimentos graves para que prestassem uma confissão sobre um crime”. Além
disso, precisou que a defesa “aparece em um trabalho distante do que deveria ser realizado
em termos constitucionais”, “visto que, inclusive, em uma parte da confissão complementa
a resposta de seus defendidos para alcançar uma melhor acusação”.377
342. Por sua vez, a EAAF ressaltou irregularidades relacionadas com o fato de que: i)
somente lhes tenham sido mostrados cartazes de fotos de oito mulheres desaparecidas,
sendo que havia mais mulheres desaparecidas naquela data; ii) justamente os cartazes que
lhes foram apresentados constituíram a lista final de vítimas de Campo Algodoeiro publicada
oficialmente; iii) é notória a similitude de suas declarações com o conteúdo de documentos
oficiais, como por exemplo os cartazes e as autópsias, iv) recordavam com muita precisão
dados físicos e de vestimenta de cada uma de suas vítimas, a mais de um ano e meses de
alguns desaparecimentos e que também recordavam o mesmo. Além disso, a EAAF
considerou que dado o nível de contradição nas perícias prestadas, não havia explicação
sobre sua apreciação na sentença de condenação. 378
343. A Corte recorda que os senhores García e González não são as vítimas em relação a
quem se está determinando a existência de supostas violações à Convenção. Entretanto, a
informação sobre as irregularidades na investigação é fundamental para avaliar o acesso à
justiça que tiveram as mães e demais familiares das três mulheres assassinadas. Levando
em consideração a prova analisada, é possível concluir que as investigações sobre os
“crimes da plantação de algodão” se relacionam a um contexto de irregularidades na
determinação de responsáveis por crimes similares. Assim, por exemplo, em 2003, a CNDH
se referiu à “obtenção indiscriminada de confissões” por parte de agentes do Ministério
Público e elementos policiais. A partir de 89 casos que foram submetidos ao conhecimento
da autoridade judicial, a CNDH observou que:

376
Cf. Quarta Vara Criminal do Supremo Tribunal de Justiça do Estado de Chihuahua, sentença de 14 de julho
de 2005 (expediente de anexos à demanda, tomo X, anexo 83, folhas 3422 a 3500).
377
CNDH, Relatório Especial, folhas 2229 e 2230, nota 66 supra, e Segundo Inspetor Geral da Comissão
Nacional de Direitos Humanos, ofício N° V2/004191 de 27 de fevereiro de 2004 (expediente de anexos à demanda,
tomo IX, anexo 78, folhas 2994 e 2995).
378
Cf. declaração da testemunha Doretti, folha 2379, nota 141 supra.
83

as pessoas envolvidas no cometimento dos crimes confessaram de maneira "espontânea" sua


participação perante o agente do Ministério Público do Estado, apesar de que com posterioridade
tenham manifestado perante o órgão judicial que haviam sido submetidos a torturas, maus-
tratos ou ameaças para que assinassem declarações com as que não se encontravam em
conformidade, e que lhes haviam sido arrancadas com violência.
[…]
é claro que no caso de torturas causadas em pessoas detidas, geralmente os responsáveis
costumam recorrer a práticas orientadas a não deixar nenhuma marca no corpo da vítima, e se
for o caso a justificar sua atuação por meio da simulação de atestados médicos, os quais, por
regra geral, sem cumprir nenhum parâmetro metodológico, resumem-se em afirmar que a
pessoa examinada se encontrava "sem lesões".379

344. Um Relatório do Escritório das Nações Unidas sobre Drogas e Crime (UNODC) sobre
sua missão a Ciudad Juárez analisou o Caso Campo Algodoeiro e outros casos. Este
Escritório verificou que vários juízes invertiam indevidamente o ônus da prova, rechaçavam
as alegações de tortura subestimando a veracidade das retratações e indicavam que não
estavam suficientemente provadas sem uma avaliação médico-pericial das lesões e sem que
houvesse sido iniciada uma investigação prévia a esse respeito. O relatório concluiu que:
[e]m todos os procedimentos examinados se reproduz o mesmo padrão: […] uma parte
significativa dos [acusados] confessa os crimes de que são acusados no momento de prestar
declaração na fase pré-processual ou na investigação prévia, assistidos por defensor público
(não designado por eles), e não ratificam esta declaração em presença judicial, […]
denunciando tratamentos desumanos e degradantes, e […]crimes de tortura, por meio dos
quais aqueles teriam obtido sua confissão. Invariavelmente, tais alegações são rechaçadas
pelos Juízes intervenientes, pelas sucessivas decisões por eles proferidas, com argumentos
mais ou menos abstratos, ou com terminologia técnico-jurídica diversa, mas sem ordenar
investigações ou diligências dirigidas a esclarecer se as denúncias de torturas têm ou não
fundamento. Isto ocorre, apesar de que, em vários casos, tais denúncias são extremamente
detalhadas, reproduzem nos distintos procedimentos examinados os métodos supostamente
utilizados pela Polícia Judiciária (descargas eléctricas ou "cigarras", cobertores empapados de
água, asfixia com sacolas de plástico, etc.) e aparecem confirmadas por relatórios inequívocos
emitidos por médicos particulares e/ou de instituições oficiais que comprovam as marcas físicas
de maus-tratos incompatíveis com as hipóteses de autolesão, bem como por fotografias e
outros meios de prova. […] As denúncias de privações ilegítimas de liberdade e de torturas,
seguidas da não investigação das mesmas pelo Ministério Público e pelos Juízes, têm como
resultado, também sistemático, a aceitação por parte dos operadores jurídicos das declarações
de acusados e testemunhas em tais condições como provas de acusação válidas para, com
base nelas, construir e sustentar a acusação. Em Chihuahua, os processos se constroem, […]
fundamentalmente, sobre a auto-acusação dos processados, e sobre a acusação de co-
processados e testemunhas.380

345. Em sentido similar, a Comissão para Ciudad Juárez afirmou que “as perícias
oferecidas […] estavam dirigidas a justificar uma hipótese do Ministério Público”. 381 O
Relator das Nações Unidas para a Independência de Juízes e Advogados aludiu, em 2002, à
tortura de cinco integrantes de uma quadrilha, acusados de alguns dos crimes. 382 Ademais,
em um relatório de 2003, a Anistia Internacional documentou ao menos outros três casos
na cidade de Chihuahua nos quais foi denunciada a utilização de tortura para obter
confissões de suspeitos de assassinatos de mulheres. 383
346. Levando em consideração todo o anterior, a Corte aceita o reconhecimento de
responsabilidade estatal em relação a que a investigação dirigida contra os senhores García
379
CNDH, Relatório Especial, folhas 2228 e 2229, nota 66 supra.
380
Cf. Relatório da Comissão de Especialistas Internacionais das Nações Unidas, folhas 1878, 1879, 1883 e
1891, nota 76 supra.
381
Cf. Comissão para Prevenir e Erradicar a Violência contra as Mulheres em Ciudad Juárez, Terceiro Relatório
de Gestão, folha 9011, nota 101 supra.
382
Cf. Relatório do Relator Especial sobre a Independência de Juízes e Advogados, folha 2100, nota 74 supra.
383
Cf. Anistia Internacional, Mortes Intoleráveis, folha 2273, nota 64 supra.
84

e González implicou que “não se continu[asse] esgotando outras linhas de investigação” e


que “a determinação da não responsabilidade criminal” desses dois senhores “gerou [nos]
familiares falta de credibilidade nas autoridades investigadoras, perda de indícios e provas
pelo simples transcurso do tempo”. Ademais, o Tribunal ressalta que a falta de devida
investigação e sanção das irregularidades denunciadas propicia a reiteração no uso de tais
métodos por parte dos investigadores. Isso afeta a capacidade do Poder Judiciário para
identificar e perseguir os responsáveis e alcançar a sanção que corresponda, o que torna
inefetivo o acesso à justiça. No presente caso, estas irregularidades geraram o reinício da
investigação quatro anos depois de ocorridos os fatos, o qual gerou um impacto grave na
eficácia da mesma, mais ainda pelo tipo de crime cometido, onde a apreciação de
evidências é ainda mais difícil com o transcurso do tempo.
4.2.2.3. Alegada demora injustificada e inexistência de avanços substanciais
nas investigações
347. A Comissão alegou que “não houve acompanhamento a testemunhos-chave com
informação pertinente para a investigação”. Os representantes concordaram com isso e
agregaram que “não há nenhum suspeito indiciado pelos assassinatos” e que no caso da
jovem González o Estado “se apresentou perante a Corte sem nenhum avanço”.
348. O Estado afirmou que na segunda etapa de investigações “continuou [o] trabalho
[investigativo utilizando] os registros iniciais das diligências efetuadas a partir da
descoberta dos cadáveres”, incluindo “os relatórios de paradeiro desconhecido, os
testemunhos obtidos, a inspeção do local do descobrimento, a relação das evidências
coletadas e os laudos de identificação”.
349. A esse respeito, a jurisprudência da Corte afirmou que um Estado pode ser
responsável por deixar de “ordenar, praticar ou apreciar provas que houvessem sido de
muita importância para o devido esclarecimento dos homicídios”.384
350. No presente caso, em 9 de março de 2006, a Titular da Promotoria Mista para o
Atendimento de Homicídios de Mulheres em Ciudad Juárez recebeu o inquérito criminal
sobre as mortes da plantação de algodão. Isso ocorreu com posterioridade a 14 de julho de
2005, data na qual foi revogada a condenação do único acusado, a qual havia ocorrido em
13 de outubro de 2004.385 A Corte constata que, sem justificativa alguma, as investigações
estiveram paralisadas durante quase oito meses depois da anulação da condenação.
351. Por outro lado, durante a audiência pública, a Corte foi informada sobre os
resultados da segunda etapa das investigações e o plano de trabalho a seguir por parte do
Ministério Público.386 Entretanto, não existem resultados das diligências anunciadas pelo
Agente do Ministério Público encarregado da investigação, tais como o estudo de certas
vestimentas, novas análises genéticas e a investigação sobre supostos responsáveis.
352. Finalmente, o Tribunal ressalta que as falhas investigativas na primeira etapa das
investigações, e que foram aceitas pelo Estado, dificilmente poderiam ser reparadas pelas
diligências probatórias tardias e insuficientes que o Estado desenvolveu a partir do ano de
2006. Prova disso são os oito anos transcorridos desde que aconteceram os fatos sem que a
investigação passasse de sua fase preliminar.
384
Caso das “Crianças de Rua” (Villagrán Morales e outros) Vs. Guatemala, par. 230, nota 31 supra.
385
Cf. acordo de 9 de março de 2006 da Procuradoria Geral de Justiça do Estado de Chihuahua Região Norte,
Promotoria Mista para a Investigação de Homicídio de Mulheres em Ciudad Juárez no Inquérito de Investigação
Prévia 27913/01-I (expediente de anexos à contestação da demanda, tomo XXX, anexo 50, folha 10184) e
resolução da Quarta Vara Criminal do Supremo Tribunal de Justiça do Estado de Chihuahua de 14 de julho de 2005
(expediente de anexos à contestação da demanda, tomo X, anexo 83, folhas 3422 a 3500).
386
Declaração prestada pela testemunha Caballero Rodríguez na audiência pública realizada em 28 de abril
de 2009.
85

4.2.2.4. Alegadas irregularidades relacionadas com a fragmentação das


investigações e seu suposto impacto na geração de impunidade
O Tribunal observa que a controvérsia entre as partes sobre a fragmentação dos casos está
relacionada a três temas distintos: a) as alegadas irregularidades no início de uma
investigação por tráfico de órgãos e a não articulação desta com a investigação por
desaparecimento e homicídio, b) a alegada necessidade de que o foro federal conhecesse do
presente caso, e c) as alegadas irregularidades derivadas de investigar os três casos de
forma separada.
a) Alegadas irregularidades no início de uma investigação por tráfico de órgãos e
a não articulação desta com a investigação por desaparecimento e homicídio
353. As oito mortes da plantação de algodão foram o objeto de uma mesma investigação
por parte da PGR, entre os anos de 2003 e 2006, que indagava, no foro federal, a possível
vinculação com o crime organizado, em particular com o tráfico de órgãos. 387 O crime de
homicídio continuou sendo competência da PGJE.388
354. A Comissão alegou que “quando a Procuradoria Geral de Justiça da República reteve
os inquéritos em exercício de sua faculdade de atração, não houve atividade processual nem
investigativa alguma”. Os representantes consideraram que esta linha de investigação “foi
considerada inverossímil”, “com falta de seriedade”, que “despertou mais curiosidade e
sensacionalismo” e que, “depois de quatro anos, […] tampouco houve contribuição de
elementos na investigação dos homicídios” da plantação de algodão. Ademais, ressaltaram
que “nunca existiu nenhuma relação entre a investigação prévia federal e o processo contra
[os senhores García e González]”.
355. O Estado alegou que nesta investigação por tráfico de órgãos foram realizados “273
laudos de medicina forense, genética forense, retrato falado, trabalho social, psiquiatria,
grafoscopia, poligrafia, fotografia, criminologia, criminalística, psicologia, datiloscopia,
áudio, estomatologia forense, reconstrução facial, identificação, compilação hemerográfica,
inspeção com sensor binomial, vitimologia, química e antropologia forense. Também foram
realizadas 737 declarações ministeriais, 246 indagações da Agência Federal de Investigação,
dois pedidos de assistência jurídica internacional e 43 cartas precatórias em apoio à
Procuradoria Geral de Chihuahua”. Além disso, estabeleceu que “[o] material derivado das
diligências da PGR foi integrado à investigação prévia reiniciada com o n° 27913/01-1”.
356. Em relação à não atração do crime de homicídio ao foro federal, o perito Castresana
Fernández afirmou que, “[d]e acordo com o princípio de investigação integral, a PGR
deveria investigar os fatos de desaparecimento e homicídio de Campo Algodoeiro”.389
357. A Corte observa que, apesar de que a legislação interna prevê a possibilidade de que
as autoridades federais conheçam também dos crimes de foro comum quando estes tenham
conexão com crimes federais,390 neste caso isso não ocorreu.391 Entretanto, os
representantes não argumentaram por que isso desconhece a obrigação de garantir um

387
Cf. relatório da Procuradoria Geral da República, “Homicídios de Mulheres em Ciudad Juárez, Chihuahua”
(expediente de anexos à demanda, tomo II, apêndice 5, folhas 184 a 216) e Promotoria Especial para o
Atendimento de Crimes relacionados aos Homicídios de Mulheres no Município de Juárez, Chihuahua, terceiro
relatório, janeiro 2005 (expediente de anexos à contestação da demanda, tomo X, anexo 81, folha 3362).
388
Cf. Terceiro Relatório da Promotoria Especial, folha 3363, nota 387 supra.
389
Declaração do perito Castresana Fernández, folha 2902, nota 137 supra.
390
Cf. artigo 73 inciso XXI da Constituição Política dos Estados Unidos Mexicanos (expediente de anexos à
contestação da demanda, Tomo XXVIII, Anexo 43, folha 9852).
391
Cf. declaração da testemunha Delgadillo Pérez, folha 3513, nota 187 supra, e declaração do perito
Castresana Fernández, folha 2902, nota 137 supra.
86

acesso efetivo à justiça. Em particular, não fica claro se se trata de uma faculdade ou de
uma obrigação e de que forma isso afetava a investigação. A insuficiente motivação dos
representantes impede o Tribunal de realizar um pronunciamento sobre esta alegação.
358. Sobre os resultados da investigação por tráfico de órgãos, a Corte observa que, de
fato, algumas diligências da mesma foram trasladadas em 2007 à investigação prévia sobre
homicídio.392 Entretanto, a Corte não conta com evidência para determinar se foi
apresentada toda a prova mencionada pelo Estado. Além disso, os representantes tampouco
argumentaram em que sentido essa prova era relevante. Ao contrário, sustentam que esta
linha de investigação era “inverossímil”. Levando em consideração o anterior, o Tribunal
declara que os representantes não ofereceram elementos que permitam concluir que a
suposta negligência na remissão de prova constitui - ou contribui a - uma violação de
direitos humanos.
359. Em relação à falta de conexão entre esta investigação federal e a investigação em
Chihuahua, nos autos perante a Corte não consta prova suficiente em relação a que tenha
existido intercâmbio de informação entre a procuradoria local e federal em relação aos
homicídios das jovens Herrera, González e Ramos. Além disso, a investigação perante a
PGR começou antes de que houvesse concluído o processo contra o senhor García. Não
existe explicação que permita compreender por que esta investigação alternativa, a qual
provavelmente continha informação relacionada com o mencionado acusado, não foi
apreciada no processo realizado em Chihuahua.393 Sem argumentação sobre prova, é
insuficiente resenhar os fatos descritos para concluir sobre seu impacto na ineficácia da
investigação.
b) Alegadas irregularidades pela falta de atração dos inquéritos por parte da
Procuradoria Geral da República
360. Os representantes alegaram que “os investigadores [deveriam chegar] à conclusão,
ao menos como hipótese de investigação, de que se encontravam perante um grupo
criminoso organizado”, de modo que “a competência para a investigação e persecução dos
crimes deveria ser atribuída, desde o momento da descoberta dos cadáveres, ao
conhecimento das autoridades policiais, do Ministério Público e judiciais do foro federal”. O
não fazê-lo “impediu a aplicação da normativa específica e a utilização dos meios legais e
materiais de investigação previstos para o crime organizado, que não são, entretanto,
aplicáveis aos delitos comuns”.
361. A testemunha Delgadillo Pérez afirmou que “[n]ão há explicação por parte do Estado
sobre por que a Federação não atraiu a investigação pelos homicídios das oito mulheres
se[,] como foi demonstrado[,] a Procuradoria local não tinha a capacidade técnica, científica
e profissional para fazê-lo”.394 O perito Castresana Fernández afirmou que pela forma em
que foram cometidos os assassinatos e abandonados os cadáveres, com o risco iminente
para os responsáveis de serem descobertos, deriva-se que era crime organizado e se infere

392
Cf. registro de 16 de agosto de 2007 pelo qual o agente do Ministério Público vinculado à Promotoria Mista
para a Investigação de Homicídios em Ciudad Juárez localiza diferentes diligências (expediente de anexos à
contestação da demanda, tomo XXXVII, anexo 50, registro III, tomo II, folhas 10569, 10570, 13577, 13578,
13641 e 13642).
393
Embora a Promotoria Especial tenha afirmado que não se encontra confirmado que em nenhuma das 19
investigações tenham sido “violadas leis federais que justifiquem a figura da atração", este órgão afirmou que no
Anexo B do relatório “são detalhadas as hipóteses de investigação correspondentes, assim como a proposta de
diligências a serem praticadas em cada uma das 19 investigações prévias" em relação a 22 homicídios objeto deste
relatório. Mesmo que o anterior signifique um indício de intercâmbio de informação, a Corte observa que não
consta que tenham sido recomendadas diligências similares para os casos das jovens Herrera, González e Ramos
(Terceiro Relatório da Promotoria Especial, folha 3363, nota 387 supra).
394
Declaração da testemunha Delgadillo Pérez, folha 3513, nota 187 supra.
87

que foram funcionários do Estado ou particulares que simplesmente gozavam da proteção


daqueles. Levando em consideração esta hipótese, o perito indicou que “a manutenção
deliberada da investigação no foro estadual, apesar de existirem fundados indícios que
atribuíam a competência ao foro federal, tinha outra consequência igualmente determinante
de impunidade: impediu a aplicação da normativa específica e a utilização dos meios legais
e materiais de investigação previstos para o crime organizado, que não são, entretanto,
aplicáveis ao crime comum”. Acrescentou que o anterior fez com que o caso ficasse nas
mãos “das mesmas autoridades estatais que manifestavam tão escassa diligência”. 395
362. O Estado não apresentou alegações sobre este ponto. Entretanto, anexou um
relatório no qual faz referência a diversos critérios que regulam a atração de casos perante
o foro federal. Neste relatório é mencionado o convênio entre a PGR e a PGJCH para
avançar ações conjuntas de investigação, um projeto de reforma constitucional na matéria e
o estabelecimento da Promotoria Especial que investigaria os homicídios de mulheres que
fossem de competência federal.396
363. A Corte observa que a prova testemunhal e pericial apresentada pelos
representantes se refere, em primeiro lugar, a que esta atração tinha que ocorrer pela falta
de capacidade técnica das autoridades de Chihuahua. A Corte não encontra argumentos
sobre o direito interno que lhe permitam analisar a atribuição de competência ao foro
federal como consequência das irregularidades que foram constatadas no presente caso. Em
segundo lugar, não se argumenta quais são esses fundados indícios que atribuíam
competência ao foro federal, além de presumir que a impunidade do caso implica a
participação de agentes estatais ou do crime organizado. Tampouco são elaborados
argumentos sobre o funcionamento da atração ao foro federal. Em resumo, os
representantes não apresentam argumentação sobre prova e direito interno aplicável que
permita analisar em que sentido a falta de atração dos crimes e a não aplicação de meios
legais correspondentes ao crime organizado contribuiu para a ineficácia dos processos
judiciais.
c) Alegadas irregularidades relacionadas com a fragmentação dos casos e a falta
de investigação dos mesmos no âmbito de seu contexto
364. Os representantes alegaram que a “individualiza[ção] da investigação dos
homicídios” se transforma em “falta de busca da verdade e […] justiça para as vítimas”.
Afirmaram que “é pouco crível que uma única pessoa […] possa estar envolvida” no
homicídio “e que não tenha relação alguma com os homicídios das outras sete mulheres”.
Acrescentaram que “não é crível” que “unicamente” essa pessoa “tenha assassinado
Esmeralda, a tenha jogado em um local onde já se encontravam outros sete corpos em
circunstâncias similares e tenha realizado alguma ação para acelerar o processo de
decomposição […] na parte superior de [seu] corpo”. Além disso, alegaram que “o caso sub
judice não pode ser analisado de maneira descontextualizada desta situação de violações
graves e sistemáticas contra meninas e mulheres vivida há 16 anos em Ciudad Juárez”.
365. O Estado afirmou que “o elemento comum nos três casos é a descoberta dos corpos
no mesmo local”. A partir desse fato, alegou que “foi feito um exame concreto das
circunstâncias dos casos” e “lhes foi dado um tratamento individualizado dentro da
investigação, sem rejeitar outros possíveis traços comuns, mas igualmente sem forçar
vínculos entre eles”, já que “foram observados detalhes particulares em cada caso que não
possibilitavam uma investigação em conjunto, sob pena de propiciar confusão entre
elementos distintos, que por fim houvesse redundado negativamente nos resultados”. Além
disso, afirmou que “[p]or metodologia de investigação delitiva, jamais se inicia com a

395
Declaração do perito Castresana Fernández, folhas 2902 e 2903, nota 137 supra.
396
Cf. Relatório sobre o México produzido pelo CEDAW, folhas 1980 e 1981, nota 64 supra.
88

hipótese de que dois casos são similares, pois isso constituiria uma distorção subjetiva na
análise”.
366. A jurisprudência da Corte indicou que certas linhas de investigação, quando eludem a
análise dos padrões sistemáticos, nos quais se enquadram certo tipo de violações a direitos
humanos, podem gerar ineficácia nas investigações.397
367. Neste caso, a Corte observa que quando foram reiniciadas as investigações em
março de 2006, o Ministério Público decidiu, “por razões de método”, “separar todas as
atuações processuais” em um registro destinado a cada uma das oito vítimas encontradas
na plantação de algodão.398 Segundo a testemunha Caballero Rodríguez, o motivo da
individualização foi “estabelecer linhas de investigação concretas em cada caso”, “com
independência de que seja um mesmo inquérito de investigação”.399
368. Os representantes não apresentaram uma argumentação clara e prova suficiente que
demonstre que o estabelecimento de linhas de investigação concretas para cada um dos
oito casos da plantação de algodão pode ter impactado na eficácia das mesmas. Entretanto,
o Tribunal considera que, apesar de que a individualização das investigações pode, em
teoria, inclusive favorecer o avanço das mesmas, o Estado deve ser consciente de que estas
se enquadram dentro de um contexto de violência contra a mulher. Portanto, deve adotar
as providências que sejam necessárias para verificar se o homicídio concreto que investiga
se relaciona ou não com este contexto. A investigação com devida diligência exige levar em
consideração o ocorrido em outros homicídios e estabelecer algum tipo de relação entre
eles. Isso deve ser impulsionado de ofício, sem que sejam as vítimas e seus familiares
quem tenham o ônus de assumir tal iniciativa.
369. No presente caso, nas investigações pelos três crimes, não se encontram decisões do
Ministério Público dirigidas a relacionar estas indagações com os padrões nos que se
enquadram os desaparecimentos de outras mulheres. Isto foi ratificado pelo agente do
Ministério Público na audiência pública do presente caso. Por todo o anterior, a Corte
considera que não é aceitável o argumento do Estado no sentido de que o único fator em
comum entre os oito casos seja que apareceram na mesma região, nem é admissível que
não exista uma mínima apreciação judicial dos efeitos do contexto sobre as investigações
destes homicídios.
370. O ocorrido no presente caso é concordante com o indicado previamente no contexto,
em relação a que em muitas investigações se observa a falta de contemplação das
agressões a mulheres como parte de um fenômeno generalizado de violência de gênero.
Nesse sentido, a CNDH afirmou em seu relatório do ano de 2003 que a FEIHM não estava
estudando “o fenômeno de maneira global, mas que, a cada assunto tem sido concedido um
tratamento individual, à margem das possibilidades legais, como se se tratasse de casos
isolados plenamente diferentes e não de maneira integral”.400 Por sua vez, a testemunha
Delgadillo Pérez declarou que “[n]ão existe uma estratégia integral na investigação dos
homicídios a partir de padrões de violência detectados em cada caso”. Acrescentou que
“ainda que seja uma promotoria especial, é designado um determinado número de casos a
cada agente do Ministério Público”401 e “não existem mesas de discussão sobre estratégias

397
Cf. Caso do Massacre de La Rochela Vs. Colômbia. Mérito, Reparações e Custas. Sentença de 11 de maio
de 2007. Série C N° 163, pars. 156, 158 e 164.
398
Cf. acordo de 9 de março de 2006 da Procuradoria Geral de Justiça do Estado de Chihuahua Região Norte,
folha 10184, nota 385 supra.
399
Declaração da testemunha Caballero Rodríguez, nota 386 supra.
400
Cf. CNDH, Relatório Especial, folha 2235, nota 66 supra.
401
Cf. declaração da testemunha Delgadillo Pérez, folha 3481, nota 187 supra.
89

de investigação e determinação dos fatos a investigar, onde a titular da promotoria, a


equipe de investigadores, os policiais e os peritos possam ter uma visão global do que
ocorre em cada fato denunciado”.402
4.2.2.5. Alegada falta de sanção aos funcionários públicos envolvidos com
irregularidades no presente caso
371. Os representantes alegaram que alguns dos funcionários que incorreram em
irregularidades, omissões e negligências no presente caso continuaram trabalhando na
PGEC, alguns somente foram sancionados administrativamente e com um “alcance muito
limitado”, e outros não foram investigados e sancionados.
372. O Estado afirmou que, a partir de outubro de 2004, analisou os inquéritos de 255
homicídios de mulheres em Ciudad Juárez com o fim de revisar as atuações dos servidores
públicos nas diligências de investigação. Alegou que foram consignadas 20 ações perante
tribunais criminais contra funcionários públicos e iniciados 62 procedimentos administrativos
perante o órgão de controle interno governamental (Secretária da Controladoria do Estado
de Chihuahua). Nestes procedimentos administrativos, 15 funcionários foram inabilitados,
cinco destituídos, três suspensos e dois repreendidos. Atualmente, restam abertos 12
procedimentos administrativos.
373. Em outros casos, o Tribunal se referiu a instâncias disciplinares de caráter judicial em
alguns países, concedendo importante valor simbólico à mensagem de repreensão que pode
significar este tipo de sanções sobre funcionários públicos e membros das forças
armadas.403 Além disso, o Tribunal ressalta a importância das atuações disciplinares a fim
de controlar a atuação destes funcionários públicos, particularmente quando as violações de
direitos humanos respondem a padrões generalizados e sistemáticos.
374. Sobre a relação das ações disciplinares com o direito de acesso à justiça, o Tribunal
afirmou que nos processos disciplinares devem ser determinadas as circunstâncias em que
foi cometida a infração ao dever funcional que conduz ao menosprezo do Direito
Internacional dos Direitos Humanos.404
375. No presente caso, o relatório final da Promotoria Especial para o Atendimento de
Crimes Relacionados aos Homicídios de Mulheres no Município de Juárez inclui uma lista de
funcionários públicos que intervieram em 139 processos judiciais relacionados com estes
homicídios, bem como o número daqueles com possível responsabilidade penal e
administrativa para cada caso. Entretanto, esta lista não inclui nenhuma das três execuções
deste caso.405 Adicionalmente, o Estado apresentou um relatório de funcionários
sancionados, indicando o nome do funcionário e o expediente sobre o qual lhe foi atribuída
possível responsabilidade, bem como também o estado processual do caso. Entretanto, a
Corte observa que nesta segunda lista tampouco são mencionados funcionários que tenham
sido investigados pelas irregularidades cometidas na investigação do ocorrido com as jovens
Herrera, González e Ramos.406
376. De igual forma, em um escrito apresentado pelos representantes perante a
Procuradora Geral de Justiça do Estado de Chihuahua, foi incluída uma lista de 25
402
Cf. declaração da testemunha Delgadillo Pérez, folha 3481, nota 187 supra.
403
Cf. Caso do “Massacre de Mapiripán” Vs. Colômbia, par. 215, nota 252 supra.
404
Cf. Caso do Massacre de La Rochela Vs. Colômbia, par. 207, nota 397 supra.
405
Cf. Promotoria Especial para o Atendimento de Crimes relacionados aos Homicídios de Mulheres em Ciudad
Juárez, Relatório Final, folhas 14881 a 14892, nota 87 supra.
406
Cf. Procuradoria Geral de Justiça do Estado de Chihuahua, Relatório de Funcionários Sancionados, emitido
em 27 de abril de 2009 (expediente de anexos à contestação da demanda, tomo XLIX, anexo 5, folhas 17319 a
17346).
90

funcionários públicos que se alega deveriam ser investigados por diversas omissões,
negligências e irregularidades relacionadas com o Caso Campo Algodoeiro.407 O Estado não
realizou nenhuma alegação em relação às denúncias efetuadas pelos representantes neste
escrito.
377. O Tribunal ressalta que as sanções administrativas ou penais têm um papel
importante para criar a classe de competência e cultura institucional adequada para
enfrentar os fatores que explicam o contexto de violência contra a mulher que foi provado
no presente caso. Se se permite que pessoas responsáveis por estas graves irregularidades
continuem em seus postos, ou pior ainda, ocupem posições de autoridade, pode-se gerar
impunidade e criar as condições para que os fatores que incidem no contexto de violência
persistam ou sejam agravadas.
378. A partir da informação disponível nos autos perante a Corte, conclui-se que não
foram investigados nenhum dos funcionários supostamente responsáveis pelas negligências
ocorridas no presente caso. Em concreto, não foram esclarecidas as graves irregularidades
na persecução dos responsáveis e no manejo das evidências durante a primeira etapa da
investigação. Isso torna ainda mais manifesta a situação de vulnerabilidade das vítimas,
contribui à impunidade e propicia a repetição crônica das violações dos direitos humanos.
4.2.2.6. Alegada negação de acesso aos autos e demoras ou negação de cópias
do mesmo
379. A Comissão alegou que os familiares “não tiveram acesso aos autos” nem lhes foi
permitido fotocopiá-lo. Entretanto, a Comissão não precisou com clareza datas e
argumentos sobre prova a esse respeito.
380. Os representantes alegaram que “o acesso aos [autos]tem sido negado de maneira
sistemática”. Afirmaram que, em dezembro de 2004, a Procuradora de Chihuahua se
comprometeu a entregar cópia dos autos e que isto não ocorreu. Alegaram que o mesmo
pedido foi realizado por escrito durante os anos de 2005, 2006 e 2007 sem ter resposta.
Entretanto, os representantes não apresentaram cópias destas petições.
381. Além disso, os representantes alegaram que, em 4 de agosto de 2006, reuniram-se
com a Procuradora e a EAAF e solicitaram verbalmente cópia das investigações realizadas
até o momento. Precisaram que as cópias foram entregues a uma das mães, um mês
depois, mas de uma maneira incompleta, de modo que solicitaram a parte restante, sem
obter resposta. Afirmaram que, em 13 de setembro de 2006, os familiares solicitaram “as
cópias dos autos ou que permitissem sua leitura nos escritórios da Promotoria, ante estas
duas possibilidades [a autoridade correspondente] se negou argumentando que se
encontrava atualizando as investigações, devido a alguns acontecimentos recentes
relacionados com aqueles homicídios”. Os representantes acrescentaram que ao menos em
seis oportunidades que solicitaram por escrito os autos, estes lhes foram negados com o
argumento de que "estão investigando" e que “o direito das vítimas a conhecer seus
próprios autos não pode estar acima das ações das autoridades investigadoras”. O Tribunal
observa que os representantes não apresentaram argumentação sobre se o direito interno
regulamenta este tipo de restrições no acesso à informação, como funcionariam essas
possíveis restrições no presente caso, e por que estas possíveis restrições são injustificadas
ou desproporcionais.
382. Afirmaram, ademais, que solicitaram cópias dos autos perante a Subprocuradoria de
Investigação Especializada em Crime Organizado. Obtiveram como resposta que “não se
pode ter acesso ao inquérito porque ao se investigar crime organizado a informação é

407
Cf. denúncia de fatos apresentada pela Associação Nacional de Advogados Democráticos A.C. em 5 de
junho de 2007 (expediente de anexos à demanda, tomo X, anexo 92, folhas 3546 a 3588).
91

confidencial”. Acrescentaram que este inquérito “é mantido sob absoluta confidencialidade”.


A Corte observa que tampouco foi apresentada argumentação sobre o direito interno que
regulamentasse as restrições no acesso à informação sobre investigações em relação ao
crime organizado.
383. A falta de acesso aos autos, alegaram os representantes, impediu que
“conhec[essem] os avanços nas investigações e as linhas de investigação das autoridades
para atribuir responsabilidade aos prováveis responsáveis por estes fatos”, e tampouco
permitiu que os familiares “exerc[essem] seu direito constitucional de intervir nas
investigações e, se fosse o caso, de apoiar as determinações do Ministério Público”. A Corte
observa que não foi apresentada argumentação em relação a como se regulamenta este
direito à intervenção no direito interno.
384. O Estado alegou que “concedeu [aos familiares das vítimas] toda a informação
relativa aos autos” e que eles “e seus representantes designados no inquérito têm acesso às
investigações a qualquer momento”.
385. A testemunha Caballero Rodríguez afirmou que os familiares das vítimas têm acesso
regular aos autos da investigação, podendo acessá-lo, lê-los e fotocopiá-los. Afirmou que
“os familiares da [jovem Ramos] podem acessar os autos por meio de um representante
interventor”, a mãe da jovem González “teve contato em duas ocasiões [com ele e lhe]
pediu relatórios dos autos, incluindo cópias autenticadas”, e no caso da jovem Herrera “[o]
interventor […] não compareceu [perante o Ministério Público] para informação nesse
sentido”. Adicionalmente, fez notar que foi entregue recentemente ao interventor do caso
da jovem González “a totalidade das atuações que integram o inquérito”.408
386. A Corte nota que dentro da prova apresentada ao Tribunal se encontram duas
decisões de negação de cópias. Uma delas estabelece que “estas cópias […] serão
expedidas”, mas se informa que “no momento não é possível da[r] trâmite [ao] pedido por
se encontrarem os autos em uma revisão na Cidade de Chihuahua” e se esclarece que ao
retornarem os autos “será dado trâmite [ao] pedido e serão entregues as cópias solicitadas
com a brevidade possível”.409 A outra decisão afirma que não consta nos autos “faculdades
como representante” ao interventor que solicitou as cópias.410 Do mesmo modo, incluem-se
diversos pedidos de cópias e decisões de expedição de cópias.411
387. Concluindo, o Tribunal considera que não foi entregue prova suficiente sobre a
negação de acesso aos autos e fotocópias do mesmo. Por outro lado, não são oferecidos

408
Declaração prestada pela testemunha Caballero Rodríguez, nota 386 supra.
409
Cf. decisão emitida por um Licenciado do Ministério Público vinculado à Promotoria Mista para o
Atendimento de Homicídios de Mulheres em 3 de maio de 2007 (expediente de anexos ao escrito de petições e
argumentos, tomo XXIV, anexo 34, folhas 8480).
410
Cf. decisão emitida por um Agente do Ministério Público em 30 de janeiro de 2008 (expediente de anexos
à contestação da demanda, tomo XXXV, anexo 50, registro II, tomo IV, folha 12982).
411
No caso da jovem González foram solicitadas cópias em 1° de abril de 2002, 2 de maio de 2007, 29 de
janeiro de 2008, 4 de novembro de 2008 e 12 de fevereiro de 2009 e foram expedidas cópias em 1° de abril de
2002, 12 de fevereiro de 2009 e 11 de março de 2009 (Cf. expediente de anexos à contestação da demanda, tomo
XXXII, anexo 50, registro II, tomo I, folha 11122; tomo XXIV, anexo 34, folhas 8478 e 8479; tomo XLVIII, anexo
4b, folha 17313, tomo XLVIII, folha 17193, e tomo XLVIII, folha 17208). No caso da jovem Ramos foram
solicitadas cópias em 26 de fevereiro de 2002, 6 de março de 2007, 3 de maio de 2007 e 29 de janeiro de 2008 e
foram expedidas cópias em 26 de fevereiro de 2002 e 1° de junho de 2007 (Cf. expediente de anexos à
contestação da demanda, tomo XXXVI, anexo 50, registro III, tomo I, folha 13069; tomo XXIV, anexo 34, folhas
8481; tomo XXXVI, anexo 50, registro III, tomo I, folha 13129; expediente de anexos ao escrito de petições e
argumentos, tomo XXIV, anexo 34, folhas 8477; expediente de anexos à contestação da demanda, tomo XXXVI,
anexo 50, registro III, tomo I, folha 13070, e anexo 50, registro III, tomo I, folha 13130. No caso da jovem
Herrera foram expedidas cópias em 11 de março de 2002 (expediente de anexos à contestação da demanda, tomo
XXX, anexo 50, folha 13171).
92

argumentos sobre o direito interno que regulamenta a reserva da investigação prévia e o


alegado “direito de intervenção”. Além disso, não foi especificado o impacto específico que
cada negação ou demora tenha tido no exercício de seus direitos como parte civil. Por todo
o anterior, a Corte não conta com elementos para analisar estas alegações.
*
* *
388. Para concluir, a Corte aceita o reconhecimento de responsabilidade pelas
irregularidades cometidas na primeira etapa das investigações. Entretanto, o Tribunal
constatou que na segunda etapa das mesmas estas falhas não foram reparadas totalmente.
As irregularidades no manejo de evidências, a alegada fabricação de culpados, o atraso nas
investigações, a falta de linhas de investigação que tenham em consideração o contexto de
violência contra a mulher no qual ocorreram as execuções das três vítimas e a inexistência
de investigações contra funcionários públicos por sua suposta grave negligência, violam o
direito de acesso à justiça, a uma proteção judicial eficaz e o direito dos familiares e da
sociedade a conhecer a verdade sobre o ocorrido. Ademais, denota um descumprimento
estatal de garantir, através de uma investigação séria e correta, os direitos à vida, à
integridade pessoal e à liberdade pessoal das três vítimas. Tudo isso permite concluir que
no presente caso existe impunidade e que as medidas de direito interno adotadas foram
insuficientes para enfrentar as graves violações de direitos humanos ocorridas. O Estado
não demonstrou ter adotado normas ou implementado as medidas necessárias, em
conformidade com o artigo 2 da Convenção Americana e com o artigo 7.c da Convenção de
Belém do Pará, que permitissem às autoridades realizar uma investigação com devida
diligência. Esta ineficácia judicial diante de casos individuais de violência contra as mulheres
propicia um ambiente de impunidade que facilita e promove a repetição dos fatos de
violência em geral e envia uma mensagem segundo a qual a violência contra as mulheres
pode ser tolerada e aceita como parte da vida diária.
389. Em face do exposto, o Tribunal conclui que o Estado descumpriu seu dever de
investigar - e com isso seu dever de garantir - os direitos consagrados nos artigos 4.1, 5.1,
5.2 e 7.1 da Convenção Americana, em relação aos artigos 1.1 e 2 da mesma e com o
artigo 7.b e 7.c da Convenção de Belém do Pará, em detrimento de Claudia Ivette González,
Laura Berenice Ramos Monárrez e Esmeralda Herrera Monreal. Pelos mesmos motivos, o
Estado violou os direitos de acesso à justiça e proteção judicial, consagrados nos artigos 8.1
e 25.1 da Convenção Americana, em relação aos artigos 1.1 e 2 da mesma e 7.b e 7.c da
Convenção de Belém do Pará, em detrimento dos familiares das três vítimas identificadas no
parágrafo 9 supra.
4.3. Obrigação de não discriminar: A violência contra a mulher como discriminação
390. A Comissão afirmou que “[é] essencial entender o vínculo entre a violência contra as
mulheres e a discriminação que a perpetua para apreciar o alcance do dever de devida
diligência no presente caso”. Segundo a Comissão, “atitudes discriminatórias contra as
mulheres por parte de funcionários estatais influenciaram na investigação destes
assassinatos”.
391. Os representantes afirmaram que, “além da violência por seu gênero, as meninas e
as mulheres de Juárez sofrem uma dupla discriminação, já que a origem humilde de
Claudia, Laura e Esmeralda, como as meninas e mulheres assassinadas ou que são
informadas como desaparecidas, bem como das mães e famílias destas mulheres, também
gera uma discriminação de classe social”. Acrescentaram que os danos gerados pelos fatos
do caso “se intensificam porque têm como causa manter a desigualdade e a discriminação
das mulheres” e que “entre outras condições de vulnerabilidade, os danos se ampliam, pois
93

a impunidade criada e propiciada a partir do Estado [m]exicano sustenta e legitima os


padrões de discriminação e violência contra as mulheres”.
392. O Estado afirmou que “nas investigações pelo desaparecimento e pelos homicídios
das jovens González, Herrera e Ramos não foram encontrados elementos que permitam
supor […] discriminação”. Acrescentou que “estabeleceu os mecanismos necessários para
que as pessoas que se encontram dentro de sua jurisdição […] possam exercer […] seus
direitos sem serem objeto de nenhuma discriminação”. Entretanto, reconheceu perante a
Corte que os homicídios de mulheres em Ciudad Juárez se encontram influenciados por
“uma cultura de discriminação contra a mulher”.
393. Dada a controvérsia entre as partes e a ambiguidade do reconhecimento efetuado
pelo Estado, o Tribunal analisará se a obrigação de não discriminar contida no artigo 1.1 da
Convenção foi cumprida no presente caso.
394. Sob uma perspectiva geral, o CEDAW define a discriminação contra a mulher como
“toda distinção, exclusão a restrição baseada no sexo que tenha por objetivo ou por
resultado menosprezar ou anular o reconhecimento, gozo ou exercício pela mulher,
independentemente de seu estado civil, com base na igualdade do homem e da mulher, dos
direitos humanos e das liberdades fundamentais nas esferas política, econômica, social,
cultural e civil ou em qualquer outra esfera”. No âmbito interamericano, a Convenção de
Belém do Pará afirma que a violência contra a mulher é “uma manifestação das relações de
poder historicamente desiguais entre mulheres e homens” e reconhece que o direito de toda
mulher a uma vida livre de violência inclui o direito a ser livre de toda forma de
discriminação.
395. O Comitê CEDAW declarou que a definição da discriminação contra a mulher “inclui a
violência baseada no sexo, ou seja, a violência dirigida contra a mulher [i] porque é mulher
ou [ii] que a afeta de forma desproporcional”. O Comitê CEDAW também afirmou que “[a]
violência contra a mulher é uma forma de discriminação que impede gravemente que goze
de direitos e liberdades em pé de igualdade com o homem”.412
396. O Tribunal Europeu de Direitos Humanos declarou no Caso Opuz Vs. Turquia que “a
falha do Estado em proteger as mulheres contra a violência doméstica viola o seu direito à
igual proteção da lei e esta falha não necessita ser intencional”. O Tribunal Europeu
considerou que, ainda que a passividade judicial geral e discriminatória na Turquia não
fosse intencional, o fato de que afetava principalmente as mulheres permitia concluir que a
violência sofrida pela peticionária e sua mãe podia ser considerada violência baseada em
gênero, o que é uma forma de discriminação contra as mulheres. Para chegar a esta
conclusão, o Tribunal aplicou o princípio segundo o qual uma vez que se demonstra que a
aplicação de uma regra leva a um impacto diferente entre mulheres e homens, o Estado
deve provar que se deve a fatores objetivos não relacionados com a discriminação. O
Tribunal Europeu constatou que no local em que a peticionária vivia se apresentava o
número mais alto de vítimas de violência doméstica, que as vítimas eram todas mulheres,
que a maioria das vítimas eram da mesma origem e, além disso, que as mulheres vítimas
enfrentavam problemas quando denunciavam a violência, como o fato em que os policiais
não investigavam os fatos, mas assumiam que esta violência era um “tema familiar”.413
397. No Caso do Presídio Castro Castro Vs. Peru, a Corte afirmou que as mulheres detidas
ou presas “não devem sofrer discriminação, e devem ser protegidas de todas as formas de
violência ou exploração”, que “devem ser supervisionadas e revisadas por oficiais
femininas”, que as mulheres grávidas e lactantes “devem ser providas de condições

412
Cf. CEDAW, Recomendação geral 19: A Violência contra a Mulher, par. 1 e 6, nota 268 supra.
413
ECHR, Case of Opuz v. Turkey, Judgment of 9 June 2009, paras. 180, 191 e 200.
94

especiais”. Esta discriminação inclui “a violência dirigida contra a mulher porque é mulher
ou que a afeta de forma desproporcional”, e que inclui “atos que causem danos ou
sofrimentos de índole física, mental ou sexual, ameaças de cometer esses atos, coação e
outras formas de privação da liberdade”.414
398. No presente caso, o Tribunal constata que o Estado afirmou perante o Comitê
CEDAW que a “cultura de discriminação” da mulher “contribuiu a que [os] homicídios [de
mulheres em Ciudad Juárez] não fossem percebidos no princípio como um problema de
magnitude importante para o qual eram requeridas ações imediatas e contundentes por
parte das autoridades competentes”. Ademais, o Estado também afirmou que esta cultura
de discriminação contra a mulher estava baseada “em uma concepção errônea de sua
inferioridade” (par. 132 supra).
399. A Corte considera que estas declarações apresentadas como prova pelo Estado são
coincidentes com seu reconhecimento de responsabilidade no sentido de que em Ciudad
Juárez existe uma “cultura de discriminação” que influenciou nos homicídios das mulheres
em Ciudad Juárez. Além disso, a Corte observa que como já foi estabelecido supra,
diferentes relatórios internacionais fizeram a conexão entre a violência contra a mulher e a
discriminação contra a mulher em Ciudad Juárez.
400. Por outro lado, no momento de investigar esta violência, foi estabelecido que
algumas autoridades mencionaram que as vítimas eram “avoadas” ou que “se foram com o
namorado”, o que, somado à inação estatal no começo da investigação, permite concluir
que esta indiferença, por suas consequências em relação à impunidade do caso, reproduz a
violência que se pretende atacar, sem prejuízo de que constitui em si mesma uma
discriminação no acesso à justiça. A impunidade dos crimes cometidos envia a mensagem
de que a violência contra a mulher é tolerada, o que favorece sua perpetuação e a aceitação
social do fenômeno, o sentimento e a sensação de insegurança nas mulheres, bem como
uma persistente desconfiança destas no sistema de administração de justiça. A esse
respeito, o Tribunal ressalta o afirmado pela Comissão Interamericana em seu relatório
temático sobre “Acesso à Justiça para Mulheres Vítimas de Violência” no sentido de que
[a] influência de padrões socioculturais discriminatórios pode ter como resultado uma
desqualificação da credibilidade da vítima durante o processo penal em casos de violência e uma
assunção tácita de responsabilidade dela pelos fatos, seja por sua forma de vestir, por sua
ocupação laboral, conduta sexual, relação ou parentesco com o agressor, o que se traduz em
inação por parte dos promotores, policiais e juízes frente a denúncias de fatos violentos. Esta
influência também pode afetar de forma negativa a investigação dos casos e a apreciação da prova
subsequente, que pode se ver marcada por noções estereotipadas sobre qual deve ser o
comportamento das mulheres em suas relações interpessoais.415

401. De forma similar, o Tribunal considera que o estereótipo de gênero se refere a uma
preconcepção de atributos ou características possuídas ou papéis que são ou deveriam ser
executados por homens e mulheres, respectivamente. Levando em consideração as
manifestações efetuadas pelo Estado (par. 398 supra), é possível associar a subordinação
da mulher a práticas baseadas em estereótipos de gênero socialmente dominantes e
socialmente persistentes, condições que se agravam quando os estereótipos se refletem,
implícita ou explicitamente, em políticas e práticas, particularmente no raciocínio e na
linguagem das autoridades de polícia, como ocorreu no presente caso. A criação e uso de
estereótipos se converte em uma das causas e consequências da violência de gênero contra
a mulher.

414
Cf. Caso do Presídio Miguel Castro Castro Vs. Peru, par. 303, nota 248 supra.
415
CIDH, Acesso à justiça para mulheres vítimas de violência nas Américas, OEA/Ser.L/V/II. Doc. 68, 20
janeiro 2007 (expediente de anexos à demanda, tomo VII, anexo 2, folha 1822).
95

402. Por isso, o Tribunal considera que, no presente caso, a violência contra a mulher
constituiu uma forma de discriminação e declara que o Estado violou o dever de não
discriminação contido no artigo 1.1 da Convenção, em relação ao dever de garantia dos
direitos consagrados nos artigos 4.1, 5.1, 5.2 e 7.1 da Convenção Americana, em
detrimento de Laura Berenice Ramos Monárrez, Esmeralda Herrera Monreal e Claudia Ivette
González; bem como em relação ao acesso à justiça consagrado nos artigos 8.1 e 25.1 da
Convenção, em detrimento dos familiares das vítimas identificados no parágrafo 9 supra.
5. Direitos das crianças, artigo 19 da Convenção Americana
403. A Comissão alegou que o Estado “tinha um dever reforçado de proteger os direitos
humanos de Laura Berenice Ramos e Esmeralda Herrera Monreal, por dois fatores, sua
menoridade e a obrigação de adotar medidas especiais de cuidado, prevenção e garantia”.
Entretanto, segundo a Comissão, “as instâncias estatais encarregadas de fazer cumprir a lei
não atuaram para prevenir que acontecessem fatos como os que aqui se analisa nem para
individualizar e punir os responsáveis” e “as agências estatais encarregadas especificamente
da proteção à infância não intervieram de nenhum modo nem na prevenção destes fatos
nem em propor alguma tipo de solução para o caso”.
404. Para os representantes, as meninas Herrera e Ramos “foram assassinadas oito anos
depois de que se teve registro dos primeiros homicídios de meninas e mulheres em Ciudad
Juárez. O Estado tinha a obrigação de adotar medidas especiais de proteção para garantir
sua vida, liberdade e integridade pessoais”. Manifestaram que o Estado “falhou em adotar
medidas para prevenir a violência comunitária e para assegurar o pleno gozo dos direitos
fundamentais da infância”.
405. O Estado afirmou que “cumpre sua obrigação de proteção às crianças com a adoção
de medidas em conformidade com sua situação especial de vulnerabilidade”. Ademais,
argumentou que não teria responsabilidade internacional já que “não existiu participação
direta de agentes estatais nos homicídios […], além de que não foi demonstrado que a
menoridade das vítimas houvesse sido um fator relevante”, e implementou “medidas
especiais para assegurar a plena vigência dos direitos da criança”.
406. Como já foi estabelecido com anterioridade, na época dos fatos as autoridades
públicas tinham conhecimento de um contexto de desaparecimentos, violência e homicídios
contra mulheres jovens e meninas (par. 129 supra).
407. O Especialista Independente das Nações Unidas para o estudo da violência contra as
crianças afirmou que “[a] violência contra as crianças se apresenta sob diversas formas e
depende de uma ampla gama de fatores, das características pessoais da vítima e do
agressor até seus entornos culturais e físicos”. O grau de desenvolvimento econômico, o
nível social, a idade, o sexo e o gênero são alguns dos muitos fatores relacionados com o
risco da violência letal. Além disso, manifestou que “a violência sexual afeta principalmente
os que alcançaram a puberdade ou a adolescência”, sendo as meninas as mais expostas a
sofrer este tipo de violência.416
408. Esta Corte estabeleceu que os meninos e meninas têm direitos especiais aos quais
correspondem deveres específicos por parte da família, da sociedade e do Estado. Ademais,
sua condição exige uma proteção especial que deve ser entendida como um direito adicional
e complementar aos demais direitos que a Convenção reconhece a toda pessoa.417 A

416
Nações Unidas, Relatório do Especialista Independente para o estudo da violência contra as crianças,
Paulo Sérgio Pinheiro, apresentado em conformidade com a resolução 60/231 da Assembleia Geral, A/61/299, 29
de agosto de 2006, pars. 25, 29 e 30.
417
Cf. Condição Jurídica e Direitos Humanos da Criança. Parecer Consultivo OC-17/02 de 28 de agosto de
2002. Série A N° 17, pars. 53, 54 e 60; Caso Irmãos Gómez Paquiyauri Vs. Peru. Mérito, Reparações e Custas.
Sentença de 8 de julho de 2004. Série C N° 110, par. 164, e Caso das Crianças Yean e Bosico Vs. República
96

prevalência do interesse superior da criança deve ser entendida como a necessidade de


satisfação de todos os direitos da infância e da adolescência, que obriga o Estado e irradia
efeitos na interpretação de todos os demais direitos da Convenção quando o caso se refira a
menores de idade.418 Além disso, o Estado deve prestar especial atenção às necessidades e
aos direitos das supostas vítimas em consideração a sua condição de meninas, como
mulheres que pertencem a um grupo em uma situação vulnerável.419
409. No presente caso, a Corte considera que o Estado tinha a obrigação de adotar todas
as medidas positivas que fossem necessárias para garantir os direitos das meninas
desaparecidas. Em concreto, o Estado tinha o dever de assegurar que fossem encontradas à
maior brevidade, uma vez informada sua ausência pelos familiares, em especial em razão
de que o Estado tinha conhecimento da existência de um contexto específico no qual
meninas estavam desaparecendo.
410. Apesar da existência de legislação para a proteção da infância,420 bem como de
determinadas políticas estatais,421 a Corte ressalta que da prova apresentada pelo Estado
não consta que, no caso concreto, essas medidas tenham sido traduzidas em medidas
efetivas para iniciar uma pronta busca, ativar todos os recursos para mobilizar as diferentes
instituições e aplicar mecanismos internos para obter informação que permitisse localizar as
meninas com rapidez e, uma vez encontrados os corpos, realizar as investigações,
processar e punir os responsáveis de forma eficaz e expressa. Definitivamente, o Estado
não demonstrou ter mecanismos de reação ou políticas públicas que dotassem as
instituições envolvidas dos mecanismos necessários para garantir os direitos das meninas.
411. Consequentemente, este Tribunal considera que o Estado violou o direito consagrado
no artigo 19 da Convenção, em relação aos artigos 1.1 e 2 deste tratado, em detrimento
das crianças Esmeralda Herrera Monreal e Laura Berenice Ramos Monárrez.
6. Direito à integridade pessoal dos familiares das vítimas
412. Este Tribunal determinou que não subsiste a controvérsia em relação às alegadas
violações ao direito consagrado no artigo 5.1 da Convenção em detrimento dos familiares
das vítimas, em função das violações aceitas pelo Estado na “primeira etapa” das
investigações (par. 20 supra). Sem prejuízo do anterior, a Corte considera oportuno
precisar a natureza e o alcance de tais violações. Ademais, será determinado se houve ou
não violação do artigo 5 da Convenção por fatos distintos aos reconhecidos pelo Estado.
Nesse sentido, a Corte analisará a violação à integridade psíquica e moral dos familiares das
vítimas pelos fatos ocorridos a estas, as investigações realizadas para determinar o ocorrido
e o tratamento que as autoridades deram aos familiares e aos restos das vítimas.

Dominicana. Exceções Preliminares, Mérito, Reparações e Custas. Sentença de 8 de setembro de 2005. Série C N°
130, par. 133.
418
Cf. Condição Jurídica e Direitos Humanos da Criança, pars. 56, 57 e 60, nota 417 supra, e Caso das
Crianças Yean e Bosico Vs. República Dominicana, par. 134, nota 417 supra.
419
Cf. CEDAW, Recomendação geral 24: A mulher e a saúde, 20° Período de Sessões, A/54/38/Rev.1, 1999,
par. 6 e Caso das Crianças Yean e Bosico Vs. República Dominicana, par. 134, nota 417 supra.
420
Cf. Constituição Política dos Estados Unidos Mexicanos, artigo 4 (expediente de anexos à contestação da
demanda, anexo 43, tomo XXVIII, folha 9816) e Lei para a Proteção dos Direitos das Meninas, Meninos e
Adolescentes, publicada no Diário Oficial da Federação em 29 de maio de 2000, artigos 2 a 5 (expediente de
anexos à contestação da demanda, anexo 103, tomo XLIII, folha 16049).
421
Como, por exemplo, a criação do Conselho Nacional para a Infância e a Adolescência (expediente de
anexos à contestação da demanda, anexo 104, tomo XLIII, folhas 16065 a 16068); o Sistema Nacional para o
Desenvolvimento Integral da Família (expediente de mérito, tomo III, folha 1082); o Plano de Ação Nacional para
Prevenir, Atender e Erradicar a Exploração Sexual Comercial Infantil (expediente de mérito, tomo III, folha 1082),
e a Campanha de Prevenção da Violência para a Infância (expediente de mérito, tomo III, folha 1085).
97

Posteriormente, serão analisadas as alegadas violações por atos de perseguição, ameaças e


intimidações aos familiares das vítimas.
6.1. Sofrimento dos familiares pelo ocorrido às vítimas e pela busca da verdade
413. A Comissão alegou que as mães das vítimas foram afetadas em sua integridade
psíquica e moral como consequência direta do repentino desaparecimento de suas filhas, do
desconhecimento de seu paradeiro durante um período considerável de tempo e da falta de
investigação do ocorrido, bem como pelo tratamento que receberam por parte das
autoridades, de atitudes indiferentes, até mesmo hostis.
414. Os representantes alegaram que “[o] desaparecimento, a tortura, o assassinato, a
destruição de seus restos e a falta de respostas apropriadas, oportunas e eficazes por parte
das autoridades para esclarecer as circunstâncias da morte [das vítimas], provocaram nos
familiares danos consideráveis à sua saúde física e mental, à sua qualidade e ao projeto de
vida, à sua sensação de bem-estar e violaram de maneira importante seu[s] sentimento[s]
de dignidade, de segurança e de pertencimento a uma comunidade onde os direitos das
vítimas são reconhecidos e respeitados, marcando um limite a suas expetativas de vida”.
415. A Corte declarou em outras oportunidades que os familiares das vítimas de violações
dos direitos humanos podem ser, por sua vez, vítimas.422
416. No caso da jovem Ramos, sua mãe declarou perante este Tribunal que:
Passaram-se cinco meses para que pudessem me mostrar o corpo de minha filha, e não era corpo,
eram ossos […] e sempre me diziam que tinha de levar um médico ou um dentista, e os levava e
nunca nos permitiram ver o corpo.
[…]
Necessitava saber se minha filha estava viva [ou] morta [e] necessitava reconhecer esse corpo, de
modo que pedi à promotora suplente que, se eu reconhecesse o corpo, eles me entregariam o
corpo como presente de aniversário, e me disse que era muito cruel, mas que sim. Em 20 de
março, consegui entrar para reconhecer os ossos e me disseram que podia fazer o que quisesse
com eles.423
[…]
[As investigações realizadas pelas autoridades] foram nulas, ainda que eu lhes levava linhas
precisas de investigação, nunca me deram atenção, tratavam de nos dar ajuda mínima que não
restabelecia a dor que levava dentro, tudo o que tinha que lutar para seguir investigando […].
[N]ão é [somente o] dano de que perdi minha filha, prejudicaram toda a família, meus filhos
Claudia Ivonne e Jorge Daniel, eles necessitam de muito apoio psicológico porque lhes tiraram
também uma parte, […] já não estamos completos, […] eu não necessito que me deem um tapinha
nas costas de pobrezinha, eu necessitava que procurassem minha filha, que me entregassem a
minha filha, que me entregassem o reconhecimento de que era minha filha ou não. Agora lhes exijo
que […] me devolvam toda minha vida, porque minha vida já não é a mesma, isso é o que eu peço
a estas pessoas que eu sei que têm o poder para poder fazer que eles paguem todo o dano, tudo o
que nos fizeram.424

422
Cf. Caso Bámaca Velásquez Vs. Guatemala. Mérito. Sentença de 25 de novembro de 2000. Série C N° 70,
par. 160; Caso Escué Zapata Vs. Colômbia, par. 77, nota 309 supra e Caso Anzualdo Castro Vs. Peru, par. 105,
nota 30 supra. Embora na sentença do Caso Valle Jaramillo a Corte tenha estabelecido que, com relação aos
familiares que não pertencem ao núcleo de “familiares diretos” não há presunção de sofrimento, mas corresponde
ao Tribunal analisar nesses casos se existe, inter alia, vínculo afetivo, sofrimento ou se participaram na busca da
verdade, no presente caso o Estado aceitou o alegado sofrimento dos familiares, de modo que a Corte não aplica
tal análise no presente caso (Cf. Caso Valle Jaramillo e outros Vs. Colômbia. par. 119, nota 49 supra).
423
Cf. declaração da senhora Monárrez na audiência pública, nota 183 supra. Ver também declaração da
senhora Benita Monárrez Salgado perante o agente do Ministério Público da Procuradoria Geral de Justiça do Estado
de Chihuahua em 24 de julho de 2006 (expediente de anexos à contestação da demanda, tomo XXIX, anexo 46,
folha 10046).
424
Cf. declaração da senhora Monárrez, nota 183 supra.
98

417. No caso da mãe da jovem Herrera, em sua declaração perante a Corte relatou que:
A atitude das autoridades foi muito ruim […] nunca foram dignos nem sequer [em] nos ligar, em
[…] oito anos, [para] me dizer [como] vão as investigações […] de tudo tenho que ficar sabendo
pelos meios de comunicação.
[…]
O processo de identificação de minha filha foi feito quatro anos depois de eu pedir uma exumação e
um DNA […]. Esse processo foi muito difícil para mim e para minha família, porque voltamos a viver
um funeral, uma exumação, eu em várias oportunidades [tentei] tirar minha vida, porque para mim
a vida não tinha sentido, porque eu não via justiça […]. Meus filhos mais novos tentaram tirar suas
vidas, estiveram internados. Minha filha, que era uma menina de onze anos naquele momento, […]
fizeram investigações e as colava por toda a casa […] porque as autoridades nunca elaboraram
uma investigação.
[…]
Eu passava as noites imaginando o que fizeram à minha filha, como era estuprada, como era
torturada. Era uma coisa horrível, que eu não podia dormir por estar imaginando. Da mesma
maneira, por estar aguardando-a, eu tinha a esperança e a ilusão de que minha filha iria aparecer,
que algum dia que eu chegasse de meu trabalho iram me dizer, da mesma forma que me diziam
Esmeralda não aparece, […] a Esmeralda está aqui, a Esmeralda apareceu.

418. A mãe da jovem González declarou perante a Corte que:


[E]u fiquei muito afetada, eu fiquei doente, minha irmã ficou mal também, e também tive um
filho doente de câncer, ele foi afetado quando encontramos o cadáver, em dois meses […] faleceu
[…][as autoridades] não me ajudaram em nada, nem sequer houve avanços […]. Não […] nos
respeitaram […] porque não descobriram os culpados, e continua havendo muitas mocinhas
desaparecidas […]. Eu já não confio neles […]. Tenho filhas e tenho medo de que volte a
acontecer porque a autoridade não faz nada […].
[para] que nos dessem informação […] íamos diariamente e […] às vezes […] tinham a porta
fechada e não nos atendiam, nada mais que nossa força eram os jornalistas. […]Fizeram um
exame de DNA na minha filha e em mim pela primeira vez e passaram cerca de três meses e
então vieram fazer outro exame de DNA. Me mandaram outra vez à Cidade do México e eu lhes
disse: “pois se já haviam feito um, onde está?”. [Responderam] “Não senhora, porque se perdeu,
estragou” […].
O mais difícil é a impotência, [a] coragem por minhas filhas que ficam, isso é o que já não quero
que me aconteça.425

419. Do acervo probatório se observa que, depois do desaparecimento das três vítimas,
os familiares tiveram que empreender diferentes atuações para procurar as desaparecidas
em virtude da inatividade das autoridades, as quais ao mesmo tempo emitiam juízos
reprováveis contra as jovens, causando com isso sofrimento aos familiares. Assim, os
relatórios periciais indicaram que os juízos emitidos pelas autoridades, no sentido de que a
culpabilidade pelos desaparecimentos radicava na conduta das jovens, “produzem confusão
e angústia nos familiares, em especial naqueles [aos] quais lhes consta que a vida de suas
filhas não combina com estas versões”.426 Além disso, “[as] mães insistem no agravo
experimentado pela negligência das autoridades e a desumanidade com que foram tratadas,
destacando […] o padecimento agravado por esse maltrato, por desalentar a denúncia que
talvez houvesse permitido encontrá-las com vida e pela falta de informação durante todo o
processo”.427
420. Por outro lado, os familiares sofreram em sua saúde mental e emocional pela falta de
diligência na determinação da identidade dos restos encontrados e pela falta de informação
sobre as atuações realizadas por parte das autoridades. Assim, “[a] não identificação dos

425
Cf. declaração da senhora González, nota 183 supra.
426
Cf. declaração prestada por meio de agente dotado de fé pública pela perita Lira Kornfeld em 21 de abril
de 2009 (expediente de mérito, tomo XI, folha 3340).
427
Cf. declaração da perita Lira Kornfeld, folha 3340, nota 426 supra.
99

corpos [pelo lapso de vários anos] impediu às famílias viver os rituais que acompanham a
morte e o enterro de seu ente querido, alterando bruscamente seu processo de luto. Não
puderam sarar as feridas, obrigadas a viver com uma dor permanente que se reacende cada
vez que as notícias anunciam a descoberta de novos cadáveres”. 428
421. A falta de investigações dirigidas a encontrar a verdade, julgar e, se for o caso, punir
os responsáveis “agrava a experiência de impotência, desamparo e vulnerabilidade destas
famílias”.429
422. O Estado reconheceu que “as irregularidades admitidas pela autoridade no início das
investigações dos [três] homicídios […] afetaram diretamente os familiares […]. Em razão
disso, o Estado reconhece e aceita que o direito à integridade psíquica e moral dos
familiares foi violado”.
423. O Estado especificou o alcance de seu reconhecimento nos seguintes termos:
i) no momento em que os corpos foram localizados, as autoridades não tomaram as
precauções suficientes para resguardar o local dos fatos e os demais elementos que
foram encontrados no mesmo, elementos que constituem evidências materiais dos
homicídios. Esta negligência obstaculizou e induziu a erros nas investigações iniciais
dos homicídios, o que provocou um sofrimento adicional nos familiares das vítimas;
ii) os erros e negligências na condução do inquérito contribuíram de igual forma ao
atraso nas investigações para encontrar os responsáveis dos homicídios. Esta
questão afetou os familiares ao não terem certeza sobre a seriedade, imparcialidade
e exaustividade das investigações pelos homicídios das vítimas;
iii) o reinício das investigações dos homicídios se deveu em parte à necessidade de
identificar as vítimas, em virtude de que os familiares haviam expressado dúvida
razoável sobre os exames de identificação realizados, reconhecendo “o sofrimento
das mães […] ao terem que identificar os corpos de suas filhas, quando estes se
encontravam em um alto grau de decomposição que os fazia praticamente
irreconhecíveis”;
iv) o Estado é consciente do sofrimento que causa aos familiares das vítimas o fato
de que não tenham sido identificados até agora os responsáveis pelos homicídios das
jovens González, Herrera e Ramos, e
v) no início das investigações os familiares não foram informados pontualmente
sobre os interrogatórios e as diligências que as autoridades realizavam para
identificar e localizar os responsáveis. Reprovou as atitudes insensíveis mostradas
pelos funcionários da Procuradoria Geral de Justiça do Estado de Chihuahua com os
familiares. Reprovou a insensibilidade das autoridades ao entregar os corpos das
jovens González, Herrera e Ramos a seus familiares e lamentou as declarações
emitidas por funcionários públicos em relação aos homicídios das jovens González,
Herrera e Ramos, que feriram a integridade psíquica e moral de seus familiares.
424. Em razão do exposto, a Corte conclui que a violação da integridade pessoal dos
familiares das vítimas se configurou pelas circunstâncias sofridas durante todo o processo
desde que as jovens Esmeralda Herrera Monreal, Claudia Ivette González e Laura Berenice
Ramos Monárrez desapareceram, bem como pelo contexto geral no qual ocorreram os fatos.
A atuação irregular e deficiente das autoridades do Estado na hora de buscar o paradeiro
das vítimas uma vez informados sobre seu desaparecimento, a má diligência na

428
Cf. Anistia Internacional, Mortes Intoleráveis, folha 2282, nota 64 supra. Em igual sentido CIDH, Situação
dos Direitos da Mulher em Ciudad Juárez, folha 1745, nota 64 supra.
429
Cf. declaração da perita Lira Kornfeld, folha 3339, nota 426 supra
100

determinação da identidade dos restos, das circunstâncias e causas das mortes, o atraso na
entrega dos cadáveres, a ausência de informação sobre o desenvolvimento das
investigações e o tratamento dado aos familiares durante todo o processo de busca de
verdade provocou neles um grande sofrimento e angústia. Tudo isso, a critério do Tribunal,
configura um tratamento degradante, contrário ao artigo 5.1 e 5.2 da Convenção
Americana, em relação ao artigo 1.1, em detrimento de Irma Monreal Jaime, Benigno
Herrera Monreal, Adrián Herrera Monreal, Juan Antonio Herrera Monreal, Cecilia Herrera
Monreal, Zulema Montijo Monreal, Erick Montijo Monreal, Juana Ballín Castro, Irma Josefina
González Rodríguez, Mayela Banda González, Gema Iris González, Karla Arizbeth Hernández
Banda, Jacqueline Hernández, Carlos Hernández Llamas, Benita Monárrez Salgado, Claudia
Ivonne Ramos Monárrez, Daniel Ramos Monárrez, Ramón Antonio Aragón Monárrez, Claudia
Dayana Bermúdez Ramos, Itzel Arely Bermúdez Ramos, Paola Alexandra Bermúdez Ramos
e Atziri Geraldine Bermúdez Ramos.
6.2. Ameaças, intimidação e perseguições sofridas pelos familiares
425. A Comissão alegou que “as mães de Claudia Ivette, Esmeralda e Laura Berenice […]
foram vítimas de perseguição, maus-tratos e intimidação por parte de autoridades e
agentes estatais de maneira contínua, desde a denúncia dos desaparecimentos até a
atualidade”. Para a Comissão, “a busca por justiça neste caso levou a que as mães e alguns
membros de suas famílias sejam vítimas de perseguições e ameaças em diferentes
momentos a partir de que ocorreram os desaparecimentos de suas filhas, colocando-se em
risco suas vidas e integridade”.
426. Os representantes afirmaram que, “ante a demanda de justiça e de investigação por
parte das mães de Esmeralda, Laura, Claudia e suas famílias, a resposta do Estado
mexicano foi a intimidação, perseguição, formas sistemáticas de dissuasão, até a violência
contra elas: tanto de forma direta contra seus filhos, como também contra suas
defensoras”.
427. O Estado destacou que, “durante as investigações pelo desaparecimento, a
localização dos restos e os interrogatórios para encontrar os responsáveis pelos homicídios
de Claudia Ivette González, Esmeralda Herrera Monreal e Laura Berenice Ramos Monárrez,
não se encontram elementos que demonstrem atos de desprezo público, perseguição ou
discriminação em agravo dos familiares destas três mulheres”. O Estado assegurou que
“não há elementos que permitam demonstrar acusações falsas ou ameaças cometidas por
agentes do Estado contra os familiares das três vítimas. Pelo contrário, o Estado informou à
Corte que os familiares das jovens González, Herrera e Ramos contam com todos os
recursos contemplados na legislação nacional para denunciar possíveis acusações ou
ameaças. Entretanto, como os familiares não compareceram para informar sobre estas
atuações, as autoridades não contam com elementos para investigar as mesmas e punir os
responsáveis.
428. A senhora Monárrez declarou perante o Tribunal o seguinte:
[por haver pegado os ossos de minha filha] começaram perseguições, carros, identificados como
veículos oficiais da PGR tanto por mim como por minha filha Claudia Ivonne, que nos seguiam a
todas as partes.
[…]
eu tive de sair de meu país porque em uma ocasião tentaram atropelar meus dois filhos menores e
a mim, e tive que pedir asilo nos Estados Unidos, porque depois de que não procuraram minha filha
eu formei uma organização chamada Integração de Mães por Juárez […]
[E]stavamos sendo perseguidos, inclusive a minha filha Claudia Ivonne, ela havia ficado no México
quando eu fui pedir asilo. Tivemos que passar por um processo muito difícil. Tivemos que ficar
detidos. Eu fiquei três semanas com meu menino de cinco anos, que agora tem um problema. Ele
não pode ver as autoridades. Ele não pode ver ninguém de uniforme que lhe dá pânico. Minha filha
Claudia ficou no México porque não podiam nos ajudar todos ao mesmo tempo. Ficou com minhas
101

netas. Tentaram tirar uma de minhas meninas de sete anos da escola. Puseram uma pistola na
cabeça da Claudia e lhe disseram que ficasse calada, que […] não continuasse dizendo nada porque
senão iam machucá-la […]
[As autoridades realizaram atos de perseguição] porque nunca puderam me comprar, mesmo com
todas as coisas que me faziam para ter medo, […] por isso fui embora. […]
Tive que pedir a muitas pessoas que me ajudassem. Tive que vender comida na rua. Tivemos que
dormir na rua. Tivemos que estar em um local com os indigentes da rua. Creio que minha família
não merecia isto. Creio que as autoridades são tão culpadas de fazer com que eu tivesse que
emigrar para proteger a vida de minhas filhas e a minha própria […]. Fui embora em 4 de setembro
de 2006 e minha filha […] no ano passado, quando já não consegui suportar mais. […].
[As hostilidades se deram] desde o princípio, quando minha filha desapareceu, desde então eu me
senti com os pés e as mãos amarrados.430

429. Em 9 de julho de 2007, Claudia Ivonne Ramos Monárrez, irmã da jovem Ramos,
declarou perante o Ministério Público que:
no dia 2 de maio de [2006], apresent[ei] uma denúncia sobre alguns veículos e pessoas que
andaram em minha casa perguntando onde eu vivia e com quem vivia e o que faz[i]a, e andaram
investigando minha vida […]. [A] denúncia foi feita perante a Procuradora e ela enviou ordens
expressas a [uma] funcionária [que] tom[ou] uma declaração e tudo era feito em sigilo […] [até]
agora não foi investigado nada; [além disso] […] há dois meses […] solicitei por escrito uma cópia da
denúncia que [inter]pus e me d[ei] conta que não era uma denúncia[,] [mas que] tomaram minha
declaração como testemunho e o anexaram ao inquérito […] de minha irmã Berenice Ramos […] [de
modo que] volto a solicitar que seja investigado [por que] funcionários judiciais e carros oficiais
estiveram diante de meu domicílio.431

430. A família Ramos Monárrez solicitou asilo às autoridades estadunidenses. O Juiz que
decidiu sobre o pedido de asilo político baseou sua decisão, inter alia, na declaração de
várias testemunhas, que mencionaram que:
Há vários grupos que se manifestaram contra o feminicídio. Estes grupos realizaram protestos e
marchas. Um destes grupos foi ‘Integração de Mães por Juárez’, que foi fundada pela Senhora
Monarrez Salgado. [A declarante] tenta participar de uma reunião da organização. Antes de chegar,
alguns homens armados assaltaram os participantes, de modo que a reunião foi cancelada;432
[…]
Prevalece, claramente, um clima de medo e intimidação contra as pessoas que se manifestam contra
os assassinatos e a falta de investigação relacionada com os homicídios das jovens mulheres em
Ciudad Juárez [...]. A senhora Monarrez Salgado se converteu em uma das familiares das vítimas de
feminicídio que mais se faz ouvir na hora de solicitar que a polícia investigue estes crimes […].
Questionou publicamente a competência da polícia, seu nível de compromisso para resolver crimes e
discutiu abertamente a possível participação direta da polícia no encobrimento dos feminicídios. […]
Participou de várias entrevistas nacionais e internacionais através de distintos meios de rádio, canais
de televisão e jornais. […] Os funcionários do governo e as pessoas diretamente vinculadas a ele
estão por trás das ameaças e atos de intimidação, dado seu interesse em silenciar o apoio aos
homicídios e as críticas em relação ao manejo dos casos de feminicídio por parte do governo.433

431. Finalmente, o mesmo Juiz considerou os testemunhos da família Ramos Monarrez, os


quais qualificou como “consistentes e bem fundamentados pela prova documentada”. 434 Em
relação às declarações da senhora Monarrez afirmou que:

430
Cf. declaração prestada pela senhora Monárrez, nota 183 supra.
431
Cf. declaração de Claudia Ivonne Ramos Monárrez perante o agente do Ministério Público da Procuradoria
Geral de Justiça de Chihuahua em 9 de julho de 2007 (expediente de anexos à demanda, tomo X, anexo 91, folha
3544). Em relação a esta denúncia, ver também o pedido de cópia da denúncia por perseguição realizado em 25 de
agosto de 2006, por Claudia Ivonne Ramos Monárrez perante a Promotoria Especial de assassinatos contra
mulheres em 1° de maio de 2007 (expediente de anexos à contestação à demanda, tomo XXXVI, folha 13128).
432
Cf. United States Department of Justice, Executive Office for Immigration Review, written decision of the
Immigration Court, April 13, 2009 (expediente de mérito, tomo XIII, folha 4015).
433
Cf. written decision of the Immigration Court, folha 4023, nota 432 supra.
434
Cf. written decision of the Immigration Court, folha 4025, nota 432 supra.
102

Através dos meios de comunicação, a Sra. Monárrez Salgado acusou publicamente os funcionários
do governo do México, incluindo o Governador e o Promotor Geral do Estado mexicano de
Chihuahua, de serem cúmplices da morte de sua filha e da subsequente investigação deficiente.
[…]
Depois de identificar o corpo de sua filha, a Sra. Monárrez Salgado começou a receber ligações
ameaçadoras. As pessoas que telefonaram lhe disseram que se continuasse falando, iam matá-la
ou fazer desaparecer seus filhos. As ligações telefônicas foram contínuas, entretanto se
intensificaram depois que a Corte Interamericana admitiu o caso dos Assassinatos de Campo
Algodoeiro;
Um dia, enquanto caminhava para um funeral, a Sra. Monárrez Salgado percebeu que era seguida
por uma caminhonete. A caminhonete acelerou e se dirigiu rapidamente para cima dela. Ela
conseguiu sair do caminho. A caminhonete deu a volta na quadra e tentou atropelá-la novamente.
A Sra. Monárrez Salgado conseguiu evitar o segundo ataque, razão pela qual a caminhonete se
afastou. Depois dirigiu-se ao funeral;
Ao voltar do funeral, percebeu que alguém havia entrado em sua casa e havia revisado seus
documentos relacionados com a morte de sua filha. Faltavam alguns documentos. Algumas
semanas depois, alguém tentou entrar em sua casa pela segunda vez.

432. Da mesma maneira, a senhora Claudia Ivonne Ramos Monárrez e o senhor Jorge
Daniel Ramos Monárrez declararam perante o Juiz de imigração sobre determinados fatos
de perseguição que lhes fizeram sentir-se ameaçados e que suas vidas estivessem em
perigo, de modo que solicitaram asilo às autoridades estadunidenses, o que lhes foi
concedido.435
433. O Juiz concedeu o asilo ao constatar que, “no transcurso de oito anos, a família
Monárrez Salgado teve de enfrentar atos de perseguição, ameaças e atentados contra suas
vidas que chegaram ao nível de acosso. Cada membro da família sofreu incidentes,
chegando a ser uma séria ameaça contra suas vidas e, portanto, isso constituiria assédio.
Assim, é claro que sofreram assédio quando se tem em consideração o efeito acumulativo
dos anos de intimidação, perseguição e ataques físicos”. 436
434. A prova pericial apresentada no processo perante a Corte determinou, em relação
aos familiares da jovem Ramos, que sofrem medo sustentado pelos perigos e diversas
ameaças que sofreram, refletidos em fatos que colocaram em perigo sua segurança e sua
integridade em espaços públicos, sem que as autoridades tenham dado atenção expressa e
correta a suas demandas. Também sofreram sensações de solidão e isolamento pela
desconfiança crescente nas autoridades.437
435. Dos autos do presente caso se observam certos dados em relação à existência de um
padrão de condutas estatais para familiares de mulheres vítimas de violência em Ciudad
Juárez que consistiam em tratamentos depreciativos e desrespeitosos e até agressivos
quando tentavam obter informação sobre as investigações,438 que geravam na maioria dos
casos desconfiança e temor, razão pela qual não denunciavam os fatos. Em alguns casos os
familiares manifestaram que lhes foi dito que deixassem de realizar investigações ou
realizar outras atividades em busca de justiça.439 Além disso, foi informado que “a
perseguição e as ameaças aos familiares das vítimas, a seus representantes e às
organizações da sociedade civil, incrementou-se na mesma medida em que a pressão

435
Cf. written decision of the Immigration Court, folhas 4018 a 4020, nota 432 supra.
436
Cf. written decision of the Immigration Court, folhas 4028 e 4029, nota 432 supra.z
437
Cf. declaração do perito de la Peña Martínez, folha 3352, nota 186 supra.
438
Cf. CIDH, Situação dos Direitos da Mulher em Ciudad Juárez, folhas 1745 e 1770, nota 64 supra, e Nações
Unidas, Relatório sobre o México produzido pelo CEDAW, folha 1924, nota 64 supra.
439
Cf. CIDH, Situação dos Direitos da Mulher em Ciudad Juárez, folhas 1748 e 1769, nota 64 supra.
103

nacional e internacional aumentaram”, fazendo-os responsáveis por essa dimensão nacional


e internacional que a situação tomou.440
436. Com base no anterior, a Corte considera que do acervo probatório se observa que a
senhora Monárrez sofreu diversos atos de perseguição desde o desaparecimento de sua
filha até que abandonou seu país para asilar-se nos Estados Unidos, circunstâncias que
também sofreram seus três filhos e netos.
437. Em relação à família Herrera, em 5 de abril de 2006, a senhora Monreal Jaime
declarou perante a Promotoria que seu filho Adrián Herrera Monreal “foi interceptado em
seu veículo, chegaram duas patrulhas da Polícia Municipal e duas caminhonetes da Polícia
Judiciária, desceram-no, golpearam-no e levaram seu veículo. [O]ito meses depois o carro
apareceu desmantelado em um terreno da Polícia Judiciária”. 441 Esta declaração é
consistente com a realizada perante esta Corte na audiência pública442 e com a prova
pericial apresentada.443
438. Por outro lado, não há um questionamento específico por parte do Estado contra
estes fatos alegados, nem o mesmo ofereceu prova que desvirtue sua existência. Portanto,
o Tribunal considera estabelecida a existência de atos de perseguição contra o senhor
Adrián Herrera Monreal.
439. Em relação à família González, nem os representantes nem a Comissão precisam
fatos concretos que refletem as alegadas perseguições e ameaças, nem construíram uma
argumentação com fundamentos probatórios que permita à Corte realizar uma conclusão
sobre a alegação.
440. Em virtude do exposto, a Corte conclui que os atos de perseguição sofridos pelos
familiares configura uma violação ao direito à integridade pessoal, consagrado no artigo 5.1
e 5.2 da Convenção Americana, em relação ao artigo 1.1 da mesma, em detrimento de
Adrián Herrera Monreal, Benita Monárrez Salgado, Claudia Ivonne Ramos Monárrez, Daniel
Ramos Monárrez, Ramón Antonio Aragón Monárrez, Claudia Dayana Bermúdez Ramos, Itzel
Arely Bermúdez Ramos, Paola Alexandra Bermúdez Ramos e Atziri Geraldine Bermúdez
Ramos.
VIII
ARTIGO 11444 (PROTEÇÃO DA HONRA E DA DIGNIDADE) DA CONVENÇÃO
AMERICANA
441. Os representantes alegaram que “o Estado violou o direito à dignidade e à honra,
previsto no artigo 11 da [Convenção], ao fomentar uma atitude de desprezo por parte da
autoridade em relação às vítimas, por meio de perguntas e observações preconceituosas a
certos familiares no momento de suas denúncias, bem como ao realizar declarações
440
Cf. Relatório sobre o México produzido pelo CEDAW, folha 1946, nota 64 supra.
441
declaração testemunhal de Irma Monreal Jaime perante o agente do Ministério Público ligado ao grupo da
Promotoria Mista para a Investigação de Homicídios de Mulheres em 5 de abril de 2006 (expediente de anexos à
contestação à demanda, tomo XXX, anexo 50 registro I tomo I, folha 10290).
442
Cf. declaração prestada pela senhora Monreal, nota 183 supra.
443
Cf. declaração da perita Azaola Garrido, folha 3366, nota 186 supra.
444
O artigo 11 estabelece:
1. Toda pessoa tem direito ao respeito de sua honra e ao reconhecimento de sua dignidade.
2. Ninguém pode ser objeto de ingerências arbitrárias ou abusivas em sua vida privada, na de sua
família, em seu domicílio ou em sua correspondência, nem de ofensas ilegais à sua honra ou
reputação.
3. Toda pessoa tem direito à proteção da lei contra tais ingerências ou tais ofensas.
104

públicas ofensivas”. A critério dos representantes, “o Estado, ao manifestar de maneira


pública uma atitude de desprezo e desprestígio pelas vítimas, afeta diretamente sua
dignidade e honra; ademais, não cumpre sua obrigação de modificar os padrões culturais
que fomentam a discriminação contra as mulheres nem de capacitar as autoridades
encarregadas de prevenir, punir e erradicar a violência contra elas, como estabelece o
artigo 8 da Convenção de Belém do Pará”. Posteriormente, consideraram que “isso
estigmatizou e ridicularizou a ação que as mães realizavam em reivindicação de justiça”.
442. O Estado argumentou que “não se configuram violações ao direito à honra e à
dignidade reivindicados pelos peticionários em agravo dos familiares das [três mulheres]”,
já que “durante as investigações sobre o desaparecimento, a localização dos restos e os
interrogatórios para encontrar os responsáveis pelos homicídios […] não são encontrados
elementos que demonstrem atos de desprezo público, perseguição ou discriminação contra
os familiares [das] três mulheres”.
443. O Tribunal procede a analisar estas alegações, apesar de que a Comissão não
apresentou argumentos nesse sentido, já que se cumprem os requisitos expostos no
parágrafo 232 supra.
444. O artigo 11 da Convenção reconhece que toda pessoa tem direito ao respeito a sua
honra, proíbe todo ataque ilegal contra a honra e a reputação e impõe aos Estados o dever
de oferecer a proteção da lei contra tais ataques. Em termos gerais, o direito à honra está
relacionado com a autoestima e o valor próprio, enquanto a reputação se refere à opinião
que os outros têm de uma pessoa.445
445. O Tribunal faz constar que as alegações relacionadas com a suposta violação do
artigo 11 da Convenção em detrimento das vítimas e de suas mães se referem a fatos
relativos ao tratamento que sofreram como consequência da busca das jovens
desaparecidas e a posterior reivindicação de justiça. As consequências jurídicas destes fatos
já foram examinadas em relação ao artigo 5 da Convenção, de modo que o Tribunal
considera improcedente declarar uma violação ao artigo 11 da Convenção.
IX
REPARAÇÕES
446. É um princípio de Direito Internacional que toda violação de uma obrigação
internacional que tenha produzido dano comporta o dever de repará-lo adequadamente.446
Essa obrigação é regulamentada pelo Direito Internacional.447 Em suas decisões a este
respeito, a Corte se baseou no artigo 63.1 da Convenção Americana.
447. Em conformidade com as considerações expostas sobre o mérito e as violações à
Convenção declaradas nos capítulos anteriores, bem como à luz dos critérios fixados na
jurisprudência da Corte em relação à natureza e alcances da obrigação de reparar, 448 a
Corte procederá a analisar as pretensões apresentadas pela Comissão e pelos

445
Cf. Caso Tristán Donoso, par. 57, nota 9 supra, e Caso Escher e outros Vs. Brasil, par. 117, nota 46
supra.
446
Cf. Caso Velásquez Rodríguez Vs. Honduras. Reparações e Custas. Sentença de 21 de julho de 1989. Série
C N° 7, par. 25; Caso Anzualdo Castro Vs. Peru, par. 170, nota 30 supra, e Caso Dacosta Cadogan Vs. Barbados.
Exceções Preliminares, Mérito, Reparações e Custas. Sentença de 24 de Setembro de 2009. Série C N° 204, par.
94.
447
Cf. Caso Anzualdo Castro Vs. Peru, par. 170, nota 30 supra, e Caso Dacosta Cadogan Vs. Barbados, par.
94, nota 446 supra.
448
Cf. Caso Velásquez Rodríguez Vs. Honduras. Reparações e Custas, pars. 25 e 26, nota 446 supra; Caso
Anzualdo Castro Vs. Peru, par. 173, nota 30 supra, e Caso Dacosta Cadogan Vs. Barbados, par. 95, nota 446
supra.
105

representantes, e a postura do Estado, com o objetivo de dispor as medidas dirigidas a


reparar os danos.
1. Parte lesada
448. A Corte reitera que as pessoas declaradas vítimas de uma violação de um direito
reconhecido na Convenção são consideradas “parte lesada”.449 Neste caso, o Tribunal
declarou que o Estado violou os direitos humanos de Claudia Ivette González, Esmeralda
Herrera Monreal e Laura Berenice Ramos Monárrez, bem como de seus familiares
identificados no parágrafo 9 supra, de modo que serão considerados como “parte lesada” e
beneficiários das reparações que são ordenadas neste capítulo.
2. Alegada “dupla reparação” das medidas solicitadas pelos
representantes
449. O Estado manifestou que as reparações solicitadas pelos representantes “são
excessivas, repetitivas e constituem um pedido de dupla reparação ao se referirem muitas
delas aos mesmos conceitos de violação”. Acrescentou que “determinar e conceder por
separado estas […] medidas de reparação implicaria uma carga desproporcional para o
Estado, pois estas excederiam o dano causado”. O Estado afirmou que estas reparações
“não podem se referir ao mesmo conceito de violação” e “devem ter em consideração os
apoios [médicos, econômicos em dinheiro, psicológicos e legais] oferecidos”.
450. A Corte recorda que o conceito de “reparação integral” (restitutio in integrum)
implica o restabelecimento da situação anterior e a eliminação dos efeitos que a violação
produz, bem como uma indenização como compensação pelos danos causados. Entretanto,
levando em consideração a situação de discriminação estrutural na qual se enquadram os
fatos ocorridos no presente caso e que foi reconhecida pelo Estado (pars. 129 e 152 supra),
as reparações devem ter uma vocação transformadora desta situação, de tal forma que as
mesmas tenham um efeito não somente restitutivo, mas também corretivo. Nesse sentido,
não é admissível uma restituição à mesma situação estrutural de violência e discriminação.
Do mesmo modo, a Corte recorda que a natureza e quantia da reparação ordenada
dependem do dano ocasionado nos planos tanto material como imaterial. As reparações não
podem implicar nem enriquecimento nem empobrecimento para a vítima ou seus familiares,
e devem ter relação direta com as violações declaradas. Uma ou mais medidas podem
reparar um dano específico sem que estas sejam consideradas uma dupla reparação.
451. Em conformidade com isso, a Corte apreciará as medidas de reparação solicitadas
pela Comissão e pelos representantes, de forma que estas: i) refiram-se diretamente às
violações declaradas pelo Tribunal; ii) reparem proporcionalmente os danos materiais e
imateriais; iii) não signifiquem enriquecimento nem empobrecimento; iv) na maior medida
do possível, restabeleçam às vítimas a situação anterior à violação naquilo que não interfira
com o dever de não discriminar; v) orientem-se a identificar e eliminar as causas de
discriminação; vi) sejam adotadas sob uma perspectiva de gênero, levando em
consideração os diferentes impactos que a violência causa em homens e mulheres, e vii)
considerem todos os atos jurídicos e ações alegadas pelo Estado nos autos dirigidas a
reparar o dano ocasionado.

449
Cf. Caso da “Panel Blanca” (Paniagua Morales e outros) Vs. Guatemala. Reparações e Custas. Sentença de
25 de maio de 2001. Série C N° 76, par. 82; Caso Acevedo Buendía e outros (“Demitidos e Aposentados da
Controladoria”) Vs. Peru, par. 112, nota 46 supra, e Caso Dacosta Cadogan Vs. Barbados, par. 97, nota 446 supra.
106

3. Obrigação de investigar os fatos e identificar, julgar e, se for o caso,


punir os responsáveis pelas violações
3.1. Identificação, processo e sanção dos responsáveis pelo desaparecimento,
abusos e homicídio por razões de gênero das jovens González, Ramos e
Herrera
452. A Comissão afirmou que “uma reparação integral exige que o Estado investigue com
a devida diligência, de forma séria, imparcial e exaustiva, os desaparecimentos e
posteriores assassinatos” das vítimas com o propósito de “esclarecer a verdade histórica dos
fatos”, para o que o Estado deveria “adotar todas as medidas judiciais e administrativas
necessárias com o fim de completar a investigação, localizar, julgar e punir o ou os autores
intelectuais e materiais dos fatos, e informar sobre os resultados”. Os representantes
coincidiram com esta petição.
453. A Corte aceitou o reconhecimento de responsabilidade do Estado pelas
irregularidades cometidas na primeira etapa das investigações, mas também concluiu que
muitas delas não foram reparadas na segunda etapa (par. 388 supra). O Tribunal concluiu
que no presente caso existia impunidade e que essa impunidade é causa e, por sua vez,
consequência da série de homicídios de mulheres por razões de gênero que foi confirmada
no presente caso.
454. A Corte considera que o Estado está obrigado a combater esta situação de
impunidade por todos os meios disponíveis, já que esta propicia a repetição crônica das
violações de direitos humanos.450 A ausência de uma investigação completa e efetiva sobre
os fatos constitui uma fonte de sofrimento e angústia adicional para as vítimas, que têm o
direito a conhecer a verdade sobre o ocorrido.451 Este direito à verdade exige a
determinação da mais completa verdade histórica possível, o que inclui a determinação dos
padrões de atuação conjunta e de todas as pessoas que de diversas formas participaram
nestas violações.452
455. Por isso, a Corte dispõe que o Estado deve conduzir eficazmente o processo penal
em curso e, se for o caso, os que chegarem a ser abertos, para identificar, processar e punir
os responsáveis materiais e intelectuais pelo desaparecimento, maus-tratos e privação da
vida das jovens González, Herrera e Ramos, em conformidade com as seguintes diretrizes:
i) deverão ser removidos todos os obstáculos de jure ou de facto que impeçam a
devida investigação dos fatos e o desenvolvimento dos respectivos processos
judiciais e usar todos os meios disponíveis para fazer com que as investigações e
processos judiciais sejam expeditos a fim de evitar a repetição de fatos iguais ou
análogos aos do presente caso;
ii) a investigação deverá incluir uma perspectiva de gênero; considerar linhas de
investigação específicas em relação à violência sexual, para a qual devem ser
incluídas as linhas de investigação sobre os padrões respectivos na região; ser
realizada de acordo com protocolos e manuais que cumpram as diretrizes desta
Sentença; fornecer informação regularmente aos familiares das vítimas sobre os
avanços na investigação e dar-lhes pleno acesso aos autos, e deve ser realizada por
450
Cf. Caso Goiburú e outros Vs. Paraguai. Mérito, Reparações e Custas. Sentença de 22 de setembro de
2006. Série C N° 153, par. 164; Caso dos Massacres de Ituango Vs. Colômbia. Exceção Preliminar, Mérito,
Reparações e Custas. Sentença de 1° de julho de 2006. Série C N° 148, par. 399, e Caso Baldeón García Vs. Peru,
par. 195, nota 261 supra.
451
Cf. Caso Heliodoro Portugal Vs. Panamá, par. 146, nota 297 supra, e Caso Valle Jaramillo e outros Vs.
Colômbia, par. 102, nota 49 supra.
452
Cf. Caso do Massacre de La Rochela Vs. Colômbia, par. 195, nota 397 supra, e Caso Valle Jaramillo e
outros Vs. Colômbia, par. 102, nota 49 supra.
107

funcionários altamente capacitados em casos similares e em atenção a vítimas de


discriminação e violência por razão de gênero;
iii) deverá ser assegurado que os distintos órgãos que participem no procedimento
de investigação e nos processos judiciais contem com os recursos humanos e
materiais necessários para desempenhar as tarefas de maneira correta,
independente e imparcial, e que as pessoas que participem na investigação contem
com as devidas garantias de segurança, e
iv) os resultados dos processos deverão ser divulgados publicamente para que a
sociedade mexicana conheça os fatos objeto do presente caso.
3.2. Identificação, processo e, se for o caso, punição dos funcionários que
cometeram irregularidades
456. A Comissão manifestou, de maneira geral, que “o Estado possui a obrigação de
investigar e punir todos os responsáveis pela obstrução da justiça, encobrimento e
impunidade que imperaram em relação a estes casos”.
457. Os representantes solicitaram a realização de uma investigação séria, exaustiva e
imparcial sobre os funcionários que participaram na investigação dos homicídios das três
vítimas de 2001 até a presente data, e que estes sejam sancionados de maneira
proporcional à lesão e ao dano produzido. Além disso, afirmaram que muitos dos
funcionários que participaram nas investigações do Caso “Campo Algodoeiro” teriam
continuado trabalhando no Estado de Chihuahua e teriam cometido as mesmas
irregularidades, omissões e negligências.
458. O Estado somente reconheceu “sua responsabilidade em processar e punir os
funcionários públicos que cometeram [irregularidades] no primeiro período das
investigações”, e alegou ter sancionado os funcionários responsáveis, incluindo a
“demissão” de alguns deles.
459. No presente caso, a Corte constatou que nenhuma das pessoas que incorreu nas
graves irregularidades ocorridas na primeira etapa da investigação havia sido sancionada
(par. 378 supra).
460. O Tribunal considera que, como forma de combater a impunidade, o Estado deverá,
dentro de um prazo razoável, investigar, por intermédio das instituições públicas
competentes, os funcionários acusados de irregularidades e, após um devido processo,
aplicar as sanções administrativas, disciplinares ou penais correspondentes aos que forem
considerados responsáveis.

3.3. Investigação das denúncias apresentadas pelos familiares de vítimas que


foram intimidados e perseguidos
461. Os representantes solicitaram que o Estado investigue os atos de perseguição e
intimidação que foram denunciados pela senhora Benita Monárrez, sua filha, Claudia Ivonne
Ramos Monárrez, e pelo senhor Adrián Herrera Monreal, irmão da jovem Herrera, e que até
a presente data não foram investigados pelas autoridades.
462. Em virtude de que o Tribunal constatou que no presente caso a senhora Monárrez
sofreu diversos atos de perseguição desde o desaparecimento de sua filha até que
abandonou seu país para ir-se ao exterior como asilada, circunstâncias que também
sofreram seus outros três filhos e netos, e que o senhor Adrián Herrera Monreal sofreu
diversos atos de perseguição, esta Corte ordena ao Estado que, dentro de um prazo
razoável, realize as investigações correspondentes e, se for o caso, sancione os
responsáveis.
108

*
* *
463. Os três homicídios por razões de gênero do presente caso ocorreram em um
contexto de discriminação e violência contra a mulher. Não corresponde à Corte atribuir
responsabilidade ao Estado somente pelo contexto, mas não pode deixar de advertir a
grande importância que o esclarecimento da supracitada situação significa para as medidas
gerais de prevenção que o Estado deveria adotar a fim de assegurar o gozo dos direitos
humanos das mulheres e meninas no México e convida o Estado a considerar esta medida.
4. Medidas de satisfação e garantias de não repetição
464. Nesta seção, o Tribunal determinará as medidas que buscam reparar o dano
imaterial e que não têm natureza pecuniária, e disporá medidas de alcance ou repercussão
pública.
4.1. Medidas de satisfação
465. A Comissão afirmou que a gravidade e a natureza dos fatos no presente caso exigem
que o Estado adote medidas destinadas à dignificação da memória das vítimas, de modo
que solicitou à Corte que ordene ao Estado que: i) publique através de meios de
comunicação escrita, rádio e televisão, a sentença que eventualmente profira o Tribunal; ii)
realize um reconhecimento público de sua responsabilidade internacional pelo dano causado
e pelas graves violações ocorridas, da forma digna e significativa que os objetivos da
reparação exigem, em consulta com as mães das vítimas e seus representantes, e iii)
estabeleça, em consulta com os familiares das vítimas, um lugar ou monumento em
memória das mesmas.
466. Os representantes concordaram com a Comissão e solicitaram, ademais, que i) a
publicação dos extratos da sentença que a Corte profira seja realizada em ao menos dois
jornais de circulação nacional, dois de circulação estadual em Chihuahua, dois de circulação
internacional e no Diário Oficial da Federação; ii) em relação ao reconhecimento público de
responsabilidade, os representantes consideraram que o Estado deveria incluir as três
esferas de governo e acrescentaram que deveria estar presente o Presidente da República,
o Governador do Estado de Chihuahua, o Procurador Geral da República, o Procurador Geral
de Justiça de Chihuahua, o Presidente do Tribunal Superior de Justiça e o Presidente da
Suprema Corte de Justiça da Nação, juntamente com as famílias das vítimas e as
organizações civis que acompanharam a denúncia internacional do feminicídio, e a mesma
deverá ser transmitida por meios impressos, rádio e televisão; iii) que um memorial seja
estabelecido no local onde foram encontradas as vítimas e outro na Cidade do México, e iv)
que o dia 6 de novembro de cada ano seja comemorado como “Dia nacional em memória
das vítimas do feminicídio”.
467. O Estado ofereceu: i) o reconhecimento público de responsabilidade; ii) a difusão
pública em meios massivos de comunicação do reconhecimento de responsabilidade, e iii) a
realização de um evento público no qual sejam oferecidas desculpas aos familiares das
vítimas pelas irregularidades reconhecidas pelo Estado durante as investigações iniciais dos
homicídios e pelos danos sofridos pelos familiares das vítimas.
4.1.1. Publicação da Sentença
468. Como a Corte dispôs em outros casos,453 como medida de satisfação, o Estado
deverá publicar no Diário Oficial da Federação, em um jornal de ampla circulação nacional e
em um jornal de ampla circulação no Estado de Chihuahua, por uma única vez, os

453
Cf. Caso Garibaldi Vs. Brasil, par. 157, nota 252 supra; Caso Kawas Fernández Vs. Honduras, par. 199,
nota 190 supra, e Caso Escher e outros Vs. Brasil, par. 239, nota 46 supra.
109

parágrafos 113 a 136, 146 a 168, 171 a 181, 185 a 195, 198 a 209 e 212 a 221 da
Sentença e os pontos resolutivos da mesma, sem as correspondentes notas de rodapé.
Adicionalmente, como foi ordenado pelo Tribunal em ocasiões anteriores, 454 a presente
Sentença deverá ser publicada integralmente em um sítio web oficial do Estado, tanto
federal como do Estado de Chihuahua. Para realizar as publicações nos jornais e na Internet
é fixado o prazo de seis meses, a partir da notificação da presente Sentença.
4.1.2. Ato público de reconhecimento de responsabilidade internacional
469. A Corte determinou que o reconhecimento de responsabilidade efetuado pelo Estado
constitui uma contribuição positiva ao desenvolvimento deste processo e à vigência dos
princípios que inspiram a Convenção Americana (par. 26 supra). Entretanto, como em
outros casos,455 para que surta seus efeitos plenos, o Tribunal considera que o Estado deve
realizar um ato público de reconhecimento de responsabilidade internacional em relação aos
fatos do presente caso, em honra à memória das jovens González, Herrera e Ramos. Neste
ato, o Estado deverá fazer referência às violações de direitos humanos declaradas na
presente Sentença, tenham sido estas reconhecidas pelo Estado ou não. O ato deverá ser
realizado por meio de uma cerimônia pública e ser transmitido através de rádio e televisão,
tanto local como nacional. O Estado deverá assegurar a participação dos familiares das
jovens González, Herrera e Ramos, identificados no parágrafo 9 supra, que assim o
desejem, e convidar ao evento as organizações que representaram os familiares nas
instâncias nacionais e internacionais. A realização e demais particularidades desta cerimônia
pública devem ser consultadas prévia e devidamente com os familiares das três vítimas. Em
caso de desacordo entre os familiares das vítimas ou entre os familiares e o Estado, a Corte
resolverá. Para cumprir esta obrigação o Estado conta com um prazo de um ano a partir da
notificação da presente Sentença.
470. Em relação às autoridades estatais que deverão estar presentes ou participar neste
ato, o Tribunal, como o fez em outros casos, afirma que deverão ser de alta hierarquia.
Corresponderá ao Estado definir a quem será atribuída tal tarefa.
4.1.3. Memória das vítimas de homicídio por razões de gênero
471. A critério do Tribunal, no presente caso é pertinente que o Estado erija um
monumento em memória das mulheres vítimas de homicídio por razões de gênero em
Ciudad Juárez, entre elas as vítimas deste caso, como forma de dignificá-las e como
recordação do contexto de violência que padeceram e que o Estado se compromete a evitar
no futuro. O monumento será revelado na mesma cerimônia na qual o Estado reconheça
publicamente sua responsabilidade internacional (par. 469 supra) e deverá ser construído
na plantação de algodão onde foram encontradas as vítimas deste caso.
472. Em vista de que o monumento se refere a mais pessoas que as consideradas vítimas
neste caso, a decisão sobre o tipo de monumento corresponderá às autoridades públicas,
que consultarão o parecer das organizações da sociedade civil através de um procedimento
público e aberto, no qual serão incluídas as organizações que representaram as vítimas do
presente caso.
4.1.4. Dia nacional em memória das vítimas
473. A Corte considera suficiente, para efeitos de satisfação das vítimas, a publicação da
Sentença (par. 469 supra), o reconhecimento público de responsabilidade (par. 470 supra),

454
Cf. Caso das Irmãs Serrano Cruz Vs. El Salvador. Mérito, Reparações e Custas. Sentença de 1° de março
de 2005. Série C N° 120, par. 195; Caso Escher e outros Vs. Brasil, par. 239, nota 46 supra, e Caso Garibaldi Vs.
Brasil, par. 157, nota 252 supra.
455
Cf. Caso Kawas Fernández Vs. Honduras, par. 202, nota 190 supra, e Caso Anzualdo Castro Vs. Peru, par.
200, nota 30 supra.
110

e o monumento que será construído em memória das vítimas (par. 472 supra). Portanto,
não considera necessário conceder o pedido de que o dia 6 de novembro de cada ano seja
comemorado como “Dia nacional em memória das vítimas do feminicídio”, sem prejuízo de
que uma medida como esta possa ser discutida através dos canais pertinentes no âmbito
interno.
4.2. Garantias de não repetição
4.2.1. Sobre o pedido de uma política integral, coordenada e de longo
prazo para garantir que os casos de violência contra as mulheres
sejam prevenidos e investigados, os responsáveis processados e
punidos, e as vítimas reparadas
474. A Comissão considerou que a Corte deveria ordenar ao Estado adotar uma “política
integral e coordenada, respaldada com recursos adequados, para garantir que os casos de
violência contra as mulheres sejam corretamente prevenidos, investigados, punidos e suas
vítimas reparadas”.
475. Os representantes solicitaram a criação de um programa de longo prazo que
contasse com os recursos necessários e a articulação dos diversos atores sociais, em
coordenação com as instituições do Estado, com objetivos, metas, indicadores definidos que
permitam avaliar periodicamente os avanços e permitam fazer de conhecimento da
comunidade o trabalho realizado para conhecer a verdade dos fatos. Consideraram também
que é necessária uma avaliação dos contextos normativos que preveem e sancionam a
violência contra as mulheres, bem como das políticas e modelos de atenção a vítimas de
violência de gênero, e em particular das famílias de mulheres vítimas de homicídio, em
conformidade com os parâmetros internacionais de atendimento às vítimas. Posteriormente,
solicitaram que o Estado elabore um programa permanente e transversal com mecanismos
de avaliação constante e indicadores de obstáculos e avanços para erradicar a discriminação
por gênero dentro da administração pública.
476. O Estado alegou que “implementou uma política integral e coordenada, respaldada
com recursos públicos adequados, para garantir que os casos específicos de violência contra
as mulheres sejam corretamente prevenidos, investigados, sancionados e reparados por
quem seja responsável”.
477. A Corte observa que o Estado recontou todos os atos jurídicos, instituições e ações
empreendidas desde 2001 até a presente data, tanto no âmbito federal como local, para
prevenir e investigar os homicídios de mulheres em Ciudad Juárez, bem como dos apoios
governamentais concedidos às vítimas.
478. Quanto a políticas de investigação em relação a estes crimes, o Estado explicou
como, ao longo dos últimos anos, funcionaram diversos tipos de Promotorias, tanto no
âmbito federal e estadual como de caráter misto. Estas políticas de investigação são
explicadas com maior profundidade ao analisar o pedido de reparações relacionadas com a
atração de casos ao foro federal (pars. 515 a 518 a seguir).
479. Por outro lado, o Estado adotou, em 2006 e 2007, diversas leis e reformas
legislativas que têm como objetivo melhorar o sistema penal, o acesso à justiça e a
prevenção e sanção da violência contra a mulher no Estado de Chihuahua: i) o novo Código
Penal do Estado de Chihuahua;456 ii) o novo Código de Processos Penais do Estado de
Chihuahua;457 iii) a Lei Estadual do Direito das Mulheres a uma Vida Livre de Violência; 458

456
Cf. Código Penal do Estado de Chihuahua, publicado no Diário Oficial em 27 de dezembro de 2006
(expediente de anexos à contestação da demanda, tomo XXXIX, anexo 55, folhas 14364 a 14452).
457
Cf. Código de Processos Penais do Estado de Chihuahua, publicado no Diário Oficial em 9 de agosto de
2006 (expediente de anexos à contestação da demanda, tomo XXXIX, anexo 54, folhas 14266 a 14362).
111

iv) a Lei para Prevenir e Eliminar a Discriminação,459 e v) a Lei Orgânica do Poder Judiciário
do Estado de Chihuahua.460
480. O Estado adotou, em 2006, a Lei de Atendimento e Proteção a Vítimas ou Ofendidos
pelo Crime no Estado de Chihuahua e facultou à Subprocuradoria de Direitos Humanos e
Atendimento a Vítimas do Crime para realizar tarefas em direitos humanos, acesso à justiça
e reparação às vítimas.461 Além disso, o Estado se referiu às reformas de 2006 e 2007 do
Ministério Público do Estado de Chihuahua e a seus seguintes órgãos internos: i) a Agência
Estadual de Investigação; ii) o Centro de Estudos Penais e Forenses; iii) o Departamento de
Serviços Periciais e Ciências Forenses, e iv) o Departamento de Atendimento a Vítimas de
Violência de Gênero e Violência Familiar.462
481. Em relação à segurança pública, o México afirmou que o Estado de Chihuahua criou,
no ano de 2005, o programa “Chihuahua Seguro”. Entre as ações seguidas neste programa
se encontram: i) o combate à impunidade; ii) a criação, em 2005, da Promotoria Especial de
Crimes contra Mulheres em Ciudad Juárez, para um melhor atendimento de vítimas e um
número telefônico de denúncia cidadã; iii) a capacitação das corporações municipais, em
especial em direitos humanos, equidade, gênero; e iv) outras medidas para atender casos
de violência contra as mulheres no âmbito familiar.463 O Estado aludiu a uma Rede de
Atendimento a Vítimas do Crime em Chihuahua, em coordenação com a CNDH. 464
482. Do mesmo modo, o Estado afirmou que o Instituto Chihuahuense da Mulher
(doravante denominado “o ICHIMU”) foi criado em agosto de 2002, para “impulsionar a
igualdade de oportunidades na educação, capacitação, saúde, emprego, desenvolvimento,
bem como potencializar o pleno exercício dos direitos das mulheres e fomentar a cultura da
não violência para eliminar todas as formas de discriminação” e, em conformidade com o
decreto de criação do ICHIMU, para implementar as políticas públicas que promovam o
desenvolvimento integral das mulheres e sua participação plena na vida econômica, social,
política, familiar e cultural.465 O Estado indicou que o ICHIMU trabalha em duas vertentes: a
institucionalização da perspectiva de gênero e a prevenção da violência contra as mulheres.
483. Dentro do contexto do planejamento e programação no Estado de Chihuahua, a
Corte observa que foi apresentada informação em torno a cinco instrumentos que são
resenhados a seguir: i) o Plano Estadual de Desenvolvimento 2004-2010 de Chihuahua
(doravante denominado “o PEDCH”); ii) Programa para Melhorar a Condição da Mulher; iii)

458
Cf. Lei Estadual de Direito das Mulheres a uma Vida Livre de Violência, publicada no Diário Oficial em 24
de janeiro de 2007 (expediente de anexos à contestação da demanda, tomo XLIII, anexo 110, folhas 16144 a
16163).
459
Cf. Lei para Prevenir e Eliminar a Discriminação no Estado de Chihuahua, publicada no Diário Oficial em 7
de julho de 2007 (expediente de anexos à contestação da demanda, tomo XLIII, anexo 111, folhas 16165 a
16178).
460
Cf. Lei Orgânica do Poder Judiciário do Estado de Chihuahua, publicada no Diário Oficial em 9 de agosto de
2006 (expediente de anexos à contestação da demanda, tomo XXXIX, anexo 53, folhas 14187 a 14264).
461
Cf. Lei de Atendimento e Proteção a Vítimas ou Ofendidos pelo Crime do Estado de Chihuahua, publicada
no Diário Oficial em 21 de outubro de 2006 (expediente de anexos à contestação da demanda, tomo XXXIX, anexo
58, folhas 14506 a 14513).
462
Cf. Lei Orgânica do Ministério Público do Estado de Chihuahua, publicada no Diário Oficial em 9 de agosto
de 2006 (expediente de anexos à contestação da demanda, tomo XXXIX, anexo 52, folhas 14174 a 14185).
463
Cf. Procuradoria Geral de Justiça do Estado de Chihuahua, relatório sobre as políticas institucionais
implementadas para prevenir, investigar, punir e eliminar a violência contra as mulheres (expediente de anexos à
contestação da demanda, tomo XL, anexo 60, folha 14946).
464
Cf. CNDH, Segundo Relatório de Avaliação Integral, folha 4714, nota 79 supra.
465
Cf. Decreto N° 274/02-II-P.O de 30 de maio de 2002 (expediente de anexos à contestação da demanda,
tomo XLIII, anexo 112, folhas 16179 a 16193).
112

Programa Integral para Garantir o Direito das Mulheres a uma Vida Livre de Violência; iv) o
Programa de Atendimento a Vítimas do Crime, e v) o Programa Integral de Segurança
Pública entre 2003 e 2004.
484. O PEDCH considera as seguintes estratégias: i) fomentar espaços de participação e
decisão para as mulheres, garantindo sua colaboração em iniciativas que permitam avançar
na equidade de gênero; ii) reforçar a sensibilização sobre a perspectiva de gênero nos
âmbitos social e governamental; iii) enfatizar a busca e aplicação de justiça na defesa e
proteção da mulher e da família; iv) impulsionar reformas jurídicas que protejam a mulher
em situação de violência; v) incrementar as ações institucionais de formação e informação
no cuidado da saúde da mulher, e vi) promover a organização e desenvolvimento de
projetos produtivos, que permitam diversificar fontes de emprego e rendadas mulheres, em
especial de mulheres indígenas e localizadas em regiões rurais e localidades urbanas
marginalizadas.466
485. Segundo o Estado, o Programa para Melhorar a Condição da Mulher, coordenado pelo
Conselho Estadual de População do Estado de Chihuahua, tem como objetivo fortalecer de
maneira interinstitucional as ações e os esforços dirigidos ao desenvolvimento integral da
mulher que gerem condições e informação que lhes permita exercer plenamente suas
liberdades e direitos.
486. Além disso, segundo o Estado, o Programa Integral para Garantir o Direito das
Mulheres a uma Vida Livre de Violência, coordenado pelo Sistema Estadual para o
Desenvolvimento Integral da Família de Chihuahua (doravante denominado “DIF”), promove
uma cultura de não violência, em particular contra as mulheres, e uma cultura de denúncia
de atos violentos cometidos contra mulheres, meninas, meninos e adultos mais velhos,
incluindo ações dirigidas aos povos indígenas. Dentro das ações do DIF, o Estado destacou
diversos programas, foros, jornadas de informação, oficinas e ações. 467 O Programa de
Atendimento a Vítimas do Crime é aplicado desde 1998 pela FEIHM (par. 270 supra), mas
foi reestruturado no início de 2004,468 e o Estado afirmou que foi constituído para “criar um
vínculo direto de assistência para a localização e apoio entre as vítimas, seus familiares e as
instituições estatais competentes”. Finalmente, o Estado afirmou que o Programa Integral
de Segurança Pública teve como objetivo a coordenação das forças de segurança das três
esferas de governo no Estado de Chihuahua.
487. Em relação à competência federal, a Subcomissão de Coordenação e Contato para
Prevenir e Erradicar a Violência contra as Mulheres em Ciudad Juárez (doravante
denominada “a SCEPEVM”) foi criada em 6 de junho de 2003 para “analisar a situação de
violência contra as mulheres em Ciudad Juárez e propor uma política pública integral, com
linhas de ação em distintos âmbitos a favor das meninas e mulheres de Ciudad Juárez”. 469
488. Em 22 de julho de 2003, a SCEPEVM anunciou em Ciudad Juárez o Programa de
Ações de Colaboração do Governo Federal para Prevenir e Erradicar a Violência contra as
Mulheres de Ciudad Juárez (“Programa das 40 ações”). O Programa das 40 ações “foi
elaborado para atender as múltiplas causas vinculadas aos homicídios e desaparecimentos
466
Cf. Relatório da Procuradoria Geral de Justiça do Estado de Chihuahua, folha 14944, nota 463 supra.
467
Cf. Relatório da Procuradoria Geral de Justiça do Estado de Chihuahua, folhas 14951 e 14952, nota 463
supra.
468
Em fevereiro de 2004 foi instalada na FEIHM a base de dados do Registro Nacional de Vítimas do Crime e
foi anunciada a criação do Banco de Dados em Genética Forense (Cf. Promotoria Especial para a Atenção de Crimes
relacionados aos Homicídios de Mulheres no Município de Juárez, Chihuahua, Primeiro Relatório, 3 de junho de
2004, expediente de anexos à demanda, tomo X, anexo 79, folhas 3103 e 3098).
469
Cf. Relatório sobre o México produzido pelo CEDAW, folhas 1940 e 1970, nota 64 supra, e Comissão para
Prevenir e Erradicar a Violência contra as Mulheres em Ciudad Juárez, Terceiro Relatório de Gestão, folha 9030,
nota 101 supra.
113

de mulheres em Ciudad Juárez”, e “baseia suas ações nas três principais áreas de ação que
derivam das diversas recomendações recebidas: Busca de Justiça e Prevenção do Crime,
Promoção Social e Direitos Humanos da Mulher”. 470
489. A Corte observa que o Programa das 40 ações se baseou em três princípios
fundamentais: i) coordenação, ii) participação social, e iii) a transparência, e possuía três
eixos estratégicos: i) busca de justiça e prevenção do crime, com 15 ações; ii) promoção
social, com 14 ações; e iii) direitos humanos da mulher, com 11 ações. 471
490. O Programa das 40 ações teve continuação com a Comissão para Ciudad Juárez (par.
127 supra), criada em 18 de fevereiro de 2004 como um órgão descentralizado da
Secretaria de Governo, dependente do Executivo Federal. A Comissão para Ciudad Juárez
começou a operar no final de 2003.472 A atividade da Comissão para Ciudad Juárez se
concentrava em quatro linhas de ação: i) atenção direta a vítimas, ii) verdade e justiça; iii)
políticas públicas com perspectiva de gênero, e iv) fortalecimento do tecido social. 473 A
Comissão para Juárez contava com dois escritórios, um em Ciudad Juárez e outro na Cidade
do México, para o cumprimento de suas funções.474 A Corte observa que a Comissão para
Juárez foi substituída em junho de 2009 pela Comissão Nacional para Prevenir e Erradicar a
Violência contra as Mulheres para atender a problemática da violência contra as mulheres
no âmbito nacional.475
491. Existe um fundo de apoio econômico que funciona em Ciudad Juárez, o qual será
explicado posteriormente ao avaliar as indenizações entregues no presente caso (par. 556 a
seguir). Por outro lado, no âmbito federal, o INMUJERES recebeu em 2008 um orçamento
de pouco mais de $529.000.000,00 (quinhentos e vinte e nove milhões de pesos
mexicanos), dos quais $290.000.000,00 (duzentos e noventa milhões de pesos mexicanos)
foram destinados a estados e municípios para fortalecer as instâncias da mulher e
organismos da sociedade civil que trabalham no tema. Entre essas instâncias, o Estado se
referiu ao Fundo de Apoio aos Mecanismos para o Progresso das Mulheres nas Entidades
Federativas para o Atendimento das Mulheres Vítimas de Violência de Gênero, que teve um
orçamento de $112.300.000,00 (cento e doze milhões e trezentos mil pesos mexicanos)
que foi fornecido aos estados de maneira equitativa para fortalecer as iniciativas locais em

470
Cf. Relatório sobre o México produzido pelo CEDAW, folhas 1938 a 1940, nota 64 supra; Promotoria
Especial para o Atendimento de Crimes relacionados aos Homicídios de Mulheres no Município de Juárez, Relatório
Final, folhas 7449 e 7450, nota 87 supra.
471
Cf. Comissão para Prevenir e Erradicar a Violência contra as Mulheres em Ciudad Juárez, Terceiro Relatório
de Gestão, folhas 9156 a 9292, nota 101 supra, e Relatório sobre o México produzido pelo CEDAW, folhas 1938 a
1940, nota 64 supra.
472
Cf. Decreto através do qual se cria como órgão administrativo descentralizado da Secretaria de Governo, a
Comissão para Prevenir e Erradicar a Violência contra as Mulheres em Ciudad Juárez, publicado no Diário Oficial da
Federação em 18 de fevereiro de 2004 (expediente de anexos ao escrito de alegações finais do Estado, tomo XLIX,
anexo 7, folhas 17403 e 17404) e Comissão para Prevenir e Erradicar a Violência contra as Mulheres em Ciudad
Juárez, Primeiro relatório de Gestão, folha 8690, nota 67 supra.
473
Cf. Comissão para Prevenir e Erradicar a Violência contra as Mulheres em Ciudad Juárez, Primeiro relatório
de Gestão, folha 8708, nota 67 supra.
474
Cf. Comissão para Prevenir e Erradicar a Violência contra as Mulheres em Ciudad Juárez, Primeiro relatório
de Gestão, folha 8707, nota 67 supra.
475
Cf. Decreto através do qual se cria como órgão administrativo descentralizado da Secretaria de Governo, a
Comissão Nacional para Prevenir e Erradicar a Violência contra as Mulheres, publicado no Diário Oficial da
Federação em 1° de junho de 2009 (expediente de anexos ao escrito de alegações finais do Estado mexicano,
tomo XLIX, anexo 8, folhas 17406 a 17409).
114

matéria de combate à violência de gênero.476 Os representantes e a Comissão não


contradisseram estas cifras.
492. Através do INMUJERES, entre outras atividades e ações, o Estado ministrou diversas
oficinas e capacitações a funcionários públicos, além de ter fortalecido centros de atenção e
refúgio para mulheres e centros de atenção a homens violentos, incluindo centros em
Ciudad Juárez. 477 O INMUJERES, criado em 2001, entre outras atividades, i) elaborou
políticas públicas de erradicação de mensagens discriminatórias ou violentas contra as
mulheres ou com estereótipos de gênero em meios de comunicação; ii) elaborou pautas
publicitárias para prevenir a violência contra as mulheres em estações de rádio e canais de
televisão em Chihuahua; iii) realizou campanhas de erradicação de violência de gênero; iv)
direcionou vítimas a instituições de apoio através do serviço de atendimento de violência de
gênero; v) financiou o projeto do Centro para o Desenvolvimento Integral da Mulher A.C.,
denominado “Pelos Direitos das Mulheres Vítimas do Feminicídio em Juárez”; vi) financiou,
em 2003, em coordenação com o Conselho Nacional de Ciência e Tecnologia (CONACYT) a
elaboração de um diagnóstico sobre a incidência de violência de gênero em Ciudad Juárez,
Chihuahua e em cinco entidades federativas mais, e vii) elaborou o “Diagnóstico Geo-
socioeconômico de Ciudad Juárez e sua Sociedade”. Os representantes e a Comissão não
contradisseram a existência e alcances destes projetos e ações.
*
* *
493. A Corte observa que nem a Comissão nem os representantes objetaram a existência
ou validez dos organismos e programas referidos pelo Estado anteriormente, bem como as
avaliações que o Estado fez de cada um deles. Tampouco a Comissão ou os representantes
argumentaram suficientemente quais são as deficiências práticas das ações desenvolvidas
pelo Estado até hoje, nem precisaram de que forma as medidas adotadas pelo Estado, em
seu conjunto, não podem ser consideradas como uma “política integral e coordenada”. A
esse respeito, o Tribunal recorda que em conformidade com o artigo 34.1 do Regulamento,
é dever da Comissão expressar na demanda suas pretensões de reparações e custas, bem
como seus fundamentos de direito e suas conclusões pertinentes. Este dever de motivação
e fundamentação não se cumpre com petições genéricas às quais não se anexa prova ou
argumentação, de fatos ou direito, que permita analisar sua finalidade, razoabilidade e
alcance. O mesmo é aplicável aos representantes.
*
* *
494. O Tribunal aprecia os esforços do Estado mexicano para adequar formalmente sua
legislação, outros atos jurídicos e instituições e para realizar diversas ações orientadas a
combater a violência por razão de gênero, tanto no Estado de Chihuahua como no âmbito
federal, bem como seu esforço para adequar seu sistema judiciário em matéria penal no
âmbito local e federal. Estes avanços constituem indicadores estruturais relacionados com a
adoção de normas que, em princípio, têm como objetivo enfrentar a violência e
discriminação contra a mulher em um contexto como o que foi provado no presente caso.

476
Cf. Orçamento da Federação para o Exercício Fiscal 2008, publicado no Diário Oficial da Federação em 13
de dezembro de 2007 (expediente de anexos à contestação da demanda, tomo XLIII, anexo 85, folhas 15794 a
15910). No orçamento aparece que o INMUJERES recebeu 543,2 milhões de pesos mexicanos.
477
Cf. Lei do Instituto Nacional das Mulheres, publicada no Diário Oficial da Federação em 12 de janeiro de
2001 (expediente de anexos à contestação da demanda, tomo XLIII, anexo 87, folhas 16010 a 16047). Algumas
das atividades que o Estado menciona se encontram contidas no Anexo do Sexto Relatório Periódico do México em
cumprimento da Convenção sobre a Eliminação de todas as Formas de Discriminação contra a Mulher, novembro
de 2005 (expediente de anexos à contestação da demanda, tomo XLII, anexo 82, folha 15479).
115

495. Entretanto, a Corte não conta com informação suficiente e atualizada para poder
avaliar se, através destes atos jurídicos, instituições e ações: i) foi gerada uma efetiva
prevenção e investigação dos casos de violência contra a mulher e homicídios por razões de
gênero; ii) os responsáveis foram processados e sancionados, e iii) as vítimas reparadas;
tudo isso no âmbito do contexto provado no presente caso. Assim, por exemplo, nenhuma
das partes ofereceu informação precisa sobre a ocorrência de crimes similares aos do
presente caso entre os anos de 2006 a 2009.478 Em particular, o Tribunal não pode se
pronunciar sobre a existência de uma política integral para superar a situação de violência
contra a mulher, discriminação e impunidade, sem informação sobre as falhas estruturais
que atravessam estas políticas, os problemas em seus processos de implementação e seus
resultados sobre o gozo efetivo de direitos por parte das vítimas desta violência. Assim
mesmo, a Corte não conta com indicadores de resultado em relação a como as políticas
implementadas pelo Estado possam constituir reparações com perspectiva de gênero,
enquanto: i) questionem e estejam em capacidade de modificar, através de medidas
especiais o status quo que causa e mantém a violência contra a mulher e os homicídios por
razões de gênero; ii) tenham constituído claramente um avanço na superação das
desigualdades jurídicas, políticas e sociais, formais ou de facto, que sejam injustificadas por
causar, fomentar ou reproduzir os fatores de discriminação por razão de gênero, e iii)
sensibilizem os funcionários públicos e a sociedade sobre o impacto dos fatores de
discriminação contra as mulheres nos âmbitos público e privado.
496. Essa insuficiência de argumentação por parte da Comissão, dos representantes e do
Estado impede o Tribunal de se pronunciar se as políticas públicas atualmente
desenvolvidas constituem realmente uma garantia de não repetição quanto ao ocorrido no
presente caso.
4.2.2. Padronização dos protocolos, critérios de investigação, serviços
periciais e de aplicação de justiça para combater desaparecimentos
e homicídios de mulheres e os distintos tipos de violência contra as
mulheres
497. A Comissão solicitou, em geral, que a Corte ordene ao Estado fortalecer sua
capacidade institucional para combater o padrão de impunidade frente a casos de violência
contra as mulheres em Ciudad Juárez através de investigações penais efetivas, às quais
deve ser dado um acompanhamento judicial constante, garantindo assim a adequada
sanção e reparação.
498. Os representantes afirmaram que as práticas de busca e aplicação de justiça devem
ser modificadas a partir de suas raízes e devem incluir todas as etapas de investigação,
preservação de provas e evidências, de proteção do local dos fatos, de levantamento dos
corpos, da cadeia de custódia, etc. Além disso, solicitaram que fosse padronizado e
harmonizado o sistema de justiça penal estatal ou de prevenção e investigação do crime
com as necessidades de respeito dos direitos humanos das mulheres, principalmente
protocolos e manuais de investigação.
499. Em relação ao Novo Código Penal do Estado de Chihuahua, vigente desde 2007, o
Estado afirmou que foram reformados: i) os crimes de homicídio doloso e sequestro em
detrimento de mulheres ou menores de idade, de forma que se existe concorrência de
crimes, mesmo quando isso exceda a pena de prisão de 60 anos, deverá ser imposta a pena

478
Em suas alegações finais escritas de junho de 2009, os representantes afirmaram que “de 2008 até a
presente data 24 meninas e mulheres desapareceram em Ciudad Juárez sem que se conheça seu paradeiro e sem
que as autoridades tenham realizado diligências suficientemente sérias e exaustivas para localizá-las”, segundo
uma “cifra computada com informação oficial registrada” pela organização civil Nossas Filhas de Regresso à Casa
A.C. Entretanto, perante a Corte não se precisou qual era essa informação oficial, nem com base em que
metodologia se obtinha esta cifra. Tampouco se anexou nenhum documento probatório a esse respeito.
116

por cada crime; ii) o crime de homicídio simples, de modo que se a vítima do crime é uma
mulher ou um menor de idade é aplicada uma pena de 30 a 60 anos no lugar de uma pena
de 8 a 20 anos de prisão, além da pena que se acumule por cada crime adicional ainda que
se exceda a pena máxima de prisão de 60 anos, e iii) o crime de lesões, de forma que se for
causada lesão a um ascendente, descendente, irmão, cônjuge, concubina ou concubino,
casal, adotante ou adotado, aumenta em uma terceira parte a pena que corresponda.
Finalmente, afirmou que este código castiga os atos de violência familiar nos termos da Lei
Estadual do Direito das Mulheres a uma Vida Livre de Violência.479
500. Em relação ao novo Código de Processo Penal do Estado de Chihuahua, vigente
desde 2006, o Estado afirmou que o mesmo: “estabelece que não serão aplicados os
critérios de oportunidade para o exercício da ação penal em caso de crimes contra a
liberdade e segurança sexuais, ou de violência familiar, por afetar gravemente o interesse
público”. Além disso, este código prevê que nos casos de crimes sexuais e de violência
familiar, a vítima conte “com assistência integral por parte das unidades especializadas da
Procuradoria Geral de Justiça do Estado de Chihuahua, que intervirão com a devida
diligência, aplicando os protocolos emitidos”. Finalmente, informou que se contempla a
medida cautelar de separação imediata do provável delinquente do domicílio quando se
trate de agressões a mulheres.480
501. O Estado anexou modelos de protocolos como prova 481 e, a esse respeito, afirmou
que “para cada tipo de crime se segue um protocolo específico. No caso dos homicídios de
mulheres, conta-se com os protocolos relativos aos crimes de ordem sexual, lesões,
criminalística de campo, atendimento a vítimas, atenção em crises, química forense,
medicina forense, homicídio, suicídio e morte acidental”. Afirmou que a PGJCH difundiu
amplamente o conteúdo da Declaração sobre Eliminação da Discriminação contra a Mulher,
da Convenção sobre a Eliminação de todas as Formas de Discriminação contra a Mulher e da
Convenção de Belém do Pará.
502. A Corte ordenou em outros casos normalizar, em conformidade com os padrões
internacionais, os parâmetros para investigar, realizar a análise forense e julgar.482 O
Tribunal considera que no presente caso o Estado deve, em um prazo razoável, continuar
com a padronização de todos os seus protocolos, manuais, critérios de investigação,
serviços periciais e de aplicação de justiça utilizados para investigar todos os crimes que se
relacionem com desaparecimentos, violência sexual e homicídios de mulheres, em
conformidade com o Protocolo de Istambul, o Manual sobre a Prevenção e Investigação
Efetiva de Execuções Extrajudiciais, Arbitrárias e Sumárias das Nações Unidas e os padrões
internacionais de busca de pessoas desaparecidas, com base em uma perspectiva de
gênero. A esse respeito, deverá ser apresentado um relatório anual durante três anos.
4.2.3. Implementação de um programa de busca e localização de
mulheres desaparecidas no Estado de Chihuahua
503. Os representantes solicitaram revisar, reelaborar e reestruturar a “Operação Alba”
com “a participação de especialistas internacionais na matéria que permitam […]

479
Cf. Artigos 32, parágrafo terceiro; 125, parágrafo segundo; 126; 130, e 193 do Código Penal do Estado de
Chihuahua, folhas 14371, 14390, 14391 e 14404, nota 456 supra.
480
Cf. Artigo 83, inciso I, parágrafo segundo; 121, último parágrafo, e 169, inciso IX do Código de Processos
Penais do Estado de Chihuahua, folhas 14281, 14291 e 14301, nota 457 supra.
481
Cf. Procuradoria Geral de Justiça do Estado de Chihuahua, Protocolos de Investigação em Criminalística e
Protocolos de Pessoal Especializado em Atendimento a Vítimas (expediente de anexos às alegações finais escritas
do Estado, tomo XLVII, anexo 3, folhas 16955 a 17082).
482
Cf. Caso Gutiérrez Soler Vs. Colômbia. Mérito, Reparações e Custas. Sentença de 12 de setembro de
2005. Série C N° 132, pars. 109 e 110.
117

estabelecer um programa de investigação e documentação de resposta imediata [que conte


com] os recursos financeiros correspondentes para seu adequado funcionamento”.
Argumentaram, ademais, que “as operações de ‘reação imediata’ [vigentes] não constituem
uma medida efetiva para atender de imediato um relato de desaparecimento ou extravio e,
sobretudo, que não constituem ações corretas e efetivas que impeçam a realização de
condutas criminais contra as mulheres e as meninas de Ciudad Juárez”, devido
principalmente a que “os critérios para classificar os desaparecimentos como de ‘Alto Risco’
não são claros nem objetivos e revestem critérios discriminatórios” ou, inclusive, devido a
que funcionários se negam a implementar as medidas urgentes sem uma justificativa
plausível.
504. A Corte observa que, em 22 de julho de 2003, o Estado implementou a Operação
Alba com o “objetivo [de] estabelecer uma vigilância extraordinária à já existente nas
regiões de alto risco para mulheres e onde houve descobertas […] de vítimas de
homicídios”. Posteriormente, em 12 de maio de 2005, foi colocado em prática o Protocolo de
Atendimento, Reação e Coordenação entre autoridades federais, estaduais e municipais em
caso de desparecimento de mulheres e meninas no Município de Juárez ou “Protocolo Alba”,
onde foi estabelecido, por acordo e consenso das instituições participantes, um mecanismo
de atendimento, reação e coordenação entre autoridades dos três âmbitos de governo em
caso de desaparecimento de mulheres e meninas em Ciudad Juárez. Até outubro de 2006, o
protocolo havia sido “ativado em oito ocasiões [desde sua criação], das quais permitiu
localizar sete mulheres e dois meninos em situação de desaparecimento ou perda.483
505. O Tribunal avalia positivamente a criação da “Operação Alba” e do “Protocolo Alba”
como uma forma de oferecer maior atenção ao desaparecimento de mulheres em Ciudad
Juárez. Entretanto, observa que estes programas de busca unicamente são colocados em
prática quando se apresenta um desaparecimento de “alto risco”, critério que segundo
diversos relatórios, somente era satisfeito quando se apresentavam relatos com
“características específicas”484 a saber: “existe certeza de que [as mulheres] não tinham
motivos para abandonar o lar”, trata-se de uma menina,485 “a jovem [tinha] uma rotina
estável”486 e que o relato “tivesse características vinculadas com os homicídios ‘em
série’”.487
506. A Corte considera que o Protocolo Alba ou qualquer outro dispositivo análogo em
Chihuahua deve seguir, entre outros, os seguintes parâmetros: i) implementar buscas de
ofício e sem nenhuma demora quando se apresentem casos de desaparecimento, como uma
medida dirigida a proteger a vida, liberdade pessoal e a integridade pessoal da pessoa
desaparecida; ii) estabelecer um trabalho coordenado entre diferentes corpos de segurança
para encontrar o paradeiro da pessoa; iii) eliminar qualquer obstáculo de fato ou de direito
que reduza a efetividade da busca ou que faça impossível seu início, como exigir
investigações ou procedimentos preliminares; iv) designar os recursos humanos,
econômicos, logísticos, científicos ou de qualquer índole que sejam necessários para o êxito
da busca; v) confrontar o relatório de desaparecimento com a base de dados de pessoas
desaparecidas referida na seção 4.2.4 a seguir, e vi) priorizar as buscas em áreas onde

483
Cf. Comissão para Prevenir e Erradicar a Violência contra as Mulheres em Ciudad Juárez, Terceiro Relatório
de Gestão, folha 9054, nota 101 supra.
484
Cf. Procuradoria Geral de Justiça do Estado de Chihuahua, Ofício encaminhado ao Diretor de Direitos
Humanos da Secretaria de Relações Exteriores, 17 de fevereiro de 2003 (expediente de anexos à contestação da
demanda, tomo XLII, anexo 75, folha 15381).
485
Cf. Relatório do México elaborado pelo CEDAW, folha 1929, nota 71 supra.
486
Cf. CNDH, Relatório Especial, folha 2174, nota 66 supra, e Anistia Internacional, Mortes Intoleráveis, folha
2274, nota 64 supra.
487
Cf. CIDH, Situação dos Direitos da Mulher em Ciudad Juárez, folha 1746, nota 64 supra.
118

razoavelmente seja mais provável encontrar a pessoa desaparecida sem rejeitar


arbitrariamente outras possibilidades ou áreas de busca. Todo o anterior deverá ser ainda
mais urgente e rigoroso quando a desaparecida seja uma menina. A esse respeito, deverá
ser apresentado um relatório anual durante três anos.
507. Por outro lado, a Comissão para Ciudad Juárez informou que, em março de 2005,
criou o site www.mujeresdesaparecidascdjuarez.gob.mx onde se encontram dados de
algumas mulheres, jovens e meninas desaparecidas em Ciudad Juárez.488 A Corte nota que
o site deixou de ser atualizado a partir de dezembro de 2006.
508. A esse respeito, e levando em consideração que uma rede de informática através da
qual qualquer pessoa possa fornecer informação sobre uma mulher ou menina desaparecida
pode ser útil para localizá-la, a Corte, como o dispôs em outras ocasiões, 489 ordena a
criação de um site que conterá a informação pessoal necessária de todas as mulheres,
jovens e meninas que desapareceram em Chihuahua desde 1993 e que continuam
desaparecidas. Esse site deverá permitir que qualquer indivíduo se comunique por qualquer
meio com as autoridades, inclusive de maneira anônima, a fim de proporcionar informação
relevante sobre o paradeiro da mulher ou menina desaparecida ou, se for o caso, de seus
restos. A informação contida no site deverá ser atualizada permanentemente.
4.2.4. Confrontação de informação genética de corpos não identificados
de mulheres ou meninas privadas da vida em Chihuahua com
pessoas desaparecidas no âmbito nacional
509. Os representantes solicitaram que seja criada uma base de dados de âmbito nacional
para facilitar a identificação das pessoas relatadas como desaparecidas. Também afirmaram
que é necessário implementar uma base de dados nacional que permita confrontar a
informação de pessoas desaparecidas com informação de pessoas que foram encontradas
sem vida e que foram registradas como não identificadas.
510. O Estado não se pronunciou especificamente a esse respeito. Entretanto, fez
referência ao denominado “Programa de Identidade Humana”, quando propôs aos familiares
das vítimas que colaborassem com a EAAF a fim de confirmar a identidade dos corpos
encontrados na plantação de algodão.
511. Embora o Tribunal observe que o Estado criou um registro de dados de mulheres
desaparecidas no Município de Juárez e um banco de dados em genética forense, 490 a Corte
não tem elementos probatórios que lhe permitam concluir que o Estado tenha criado uma
base de dados de pessoas desaparecidas de âmbito nacional. Por outro lado, embora a
Corte observe que existe um banco de dados em genética forense com informação genética
de alguns familiares de vítimas de homicídio por razão de gênero e de alguns corpos
encontrados,491 ao Tribunal não lhe consta que o Estado houvesse confrontado a informação
de mulheres desaparecidas no âmbito nacional, bem como a informação genética de
familiares dessas pessoas desaparecidas com a informação genética extraída dos corpos de
qualquer mulher ou menina privada da vida e não identificada em Chihuahua. Tampouco
consta nos autos informação que permita à Corte determinar a suficiência dos dados
contidos nas referidas bases, bem como a eficácia e os resultados que estas bases de dados

488
Cf. Comissão para Prevenir e Erradicar a Violência contra as Mulheres em Ciudad Juárez, Terceiro Relatório
de Gestão, folha 9200, nota 101 supra.
489
Cf. Caso das Irmãs Serrano Cruz Vs. El Salvador. par. 190, nota 454 supra.
490
Cf. Promotoria Especial para o Atendimento de Crimes relacionados aos Homicídios de Mulheres no
Município de Juárez, Relatório final, folhas 14582 e 14587 a 14594, nota 87 supra.
491
Cf. Promotoria Especial para o Atendimento de Crimes relacionados aos Homicídios de Mulheres no
Município de Juárez, Relatório final, folhas 14582 e 14587 a 14594, nota 87 supra.
119

tiveram dentro da investigação dos desaparecimentos e homicídios de mulheres em Ciudad


Juárez.
512. A Corte considera que a racionalidade de criar uma base de dados de mulheres e
meninas desaparecidas de âmbito nacional e a atualização e confrontação da informação
genética proveniente de familiares de pessoas desaparecidas e de corpos não identificados
responde à possibilidade de que os corpos de algumas mulheres ou meninas encontradas
em Chihuahua pertençam a pessoas desaparecidas em outras entidades federativas,
inclusive de outros países. Por isso, como o dispôs em outros casos, 492 a Corte ordena: i) a
criação ou atualização de uma base de dados que contenha a informação pessoal disponível
de mulheres e meninas desaparecidas no âmbito nacional; ii) a criação ou atualização de
uma base de dados com a informação pessoal que seja necessária, principalmente genética
e amostras celulares, dos familiares das pessoas desaparecidas que consintam – ou que
assim o ordene um Juiz - para que o Estado armazene esta informação pessoal unicamente
com objetivo de localizar a pessoa desaparecida, e iii) a criação ou atualização de uma base
de dados com a informação genética e amostras celulares proveniente dos corpos de
qualquer mulher ou menina não identificada que for privada da vida no Estado de
Chihuahua. O Estado a todo momento deverá proteger os dados pessoais contidos nestas
bases de dados.
4.2.5. Criação de uma figura legislativa para atrair os casos do foro
comum ao foro federal quando se apresentem condições de
impunidade ou se confirmem irregularidades de mérito nas
averiguações prévias
513. Os representantes afirmaram que é necessário contar com um mecanismo legal
contido nas leis nacionais para facilitar e enquadrar a atração dos casos do foro comum ao
foro federal, devido a que neste caso “um dos principais problemas que permitiram e ainda
permitem as violações aos direitos humanos das vítimas de violência contra as mulheres e
feminicídio é a impossibilidade de que a Federação intervenha, revise e se for o caso corrija
as irregularidades e deficiências dos inquéritos realizados no foro comum”. Afirmaram que
embora no âmbito federal tenha sido criada em 2004 a Comissão para Prevenir e Erradicar
a Violência contra as Mulheres de Ciudad Juárez, esta nunca teve faculdades legais para
propor ou corrigir as atuações dos funcionários do foro comum. Além disso, especificaram
que ainda que tenha sido criada em 2004, a Promotoria Especial para o Atendimento de
Crimes relacionados com os Homicídios de Mulheres no Município de Ciudad Juárez, esta
somente revisou as investigações prévias no foro comum em relação a negligências e
responsabilidades de funcionários que nelas haviam participado, sem revisar, propor,
intervir ou corrigir deficiências que havia encontrado já que seu mandato não a facultava
para isso.
514. O Estado informou quem em 29 de agosto de 2003m foi criada a Agência Mista do
Ministério Público no Município de Ciudad Juárez, Chihuahua, para a Investigação de
Homicídios de Mulheres e dos Crimes Conexos (doravante denominada “a Agência Mista”),
por meio de um convênio de colaboração entre a PGR e a PGCH. De acordo com a prova
apresentada pelas partes, o objetivo da Agência Mista era perseguir os crimes dentro de um
contexto de plena colaboração e coordenação entre as duas procuradorias e instrumentar
ações conjuntas nas investigações dirigidas a esclarecer os homicídios de mulheres neste

492
Cf. Caso Molina Theissen Vs. Guatemala. Reparações e Custas. Sentença de 3 de julho de 2004. Série C
N° 108, par. 91; Caso das Irmãs Serrano Cruz Vs. El Salvador, par. 193, nota 454 supra, e Caso Servellón García e
outros Vs. Honduras, par. 203, nota 308 supra.
120

município. A Promotoria Especial Federal para Juárez coordenava e supervisionava a


representação do Ministério Público da Federação que formava a Agência Mista. 493
515. Em 30 de janeiro de 2004, foi criada a Promotoria Especial de âmbito federal.
Segundo o alegado pelo Estado, a Promotoria Especial Federal para Juárez dependia da PGR
e “era competente para dirigir, coordenar e supervisionar as investigações dos crimes
relacionados com homicídios de mulheres do município de Juárez, Chihuahua, em exercício
da faculdade de atração naqueles casos que tiveram conexão com algum crime federal”.
Esta afirmação não foi controvertida pela Comissão ou pelos representantes. Entre as
funções da Promotoria Especial se encontrava a de “revisar […] e investigar cada um dos
autos que contêm informação sobre homicídios e desaparecimentos de mulheres, e
investigar com responsabilidade os casos em que encontrem provas de negligência,
ineficiência ou tolerância por parte de servidores públicos, a fim de evitar a impunidade e
punir aqueles que tenham deixado de cumprir seu dever”. 494 A Corte observa que a
Promotoria Especial desenvolveu quatro programas específicos dentro de seu plano de
trabalho: i) sistematização da informação sobre homicídios de mulheres e crimes
relacionados; ii) atendimento a crimes relacionados com homicídios; iii) atendimento a
denúncias de mulheres desaparecidas, e iv) atendimento a vítimas.495
516. A Promotoria Especial concluiu sua atuação em 2006, quando foi revogado o acordo
de criação de 2004.496 Em 16 de fevereiro de 2006, a PGR entregou à CNDH o relatório final
da Promotoria Especial. A CNDH afirmou que “não foi informado no relatório final nenhum
avanço significativo aos três relatórios anteriores, a respeito dos quais, inclusive, esta
Comissão Nacional comentou pontualmente em seu Relatório de avaliação de 23 de agosto
de 2005”.497
517. A Promotoria Especial foi substituída posteriormente em duas ocasiões: em 16 de
fevereiro de 2006 pela Promotoria Especial para o Atendimento de Crimes Relacionados com
Atos de Violência contra as Mulheres, ligada ao Gabinete do Procurador Geral da República,
com o objetivo de atender crimes relacionados com atos de violência contra as mulheres no
país;498 e, em 31 de janeiro de 2008, pela Promotoria Especial para os Crimes de Violência
contra as Mulheres e Tráfico de Pessoas, ligada também ao Gabinete do Procurador Geral da
República, para investigar e perseguir crimes federais relacionados com fatos de violência
contra as mulheres, bem como os de tráfico de pessoas.499
518. No âmbito local, em agosto de 2005, o Estado de Chihuahua modificou o objetivo de
criação da FEIHM, já que, segundo o Estado, “antes se concentrava exclusivamente nos

493
Cf. Promotoria Especial para o Atendimento de Crimes relacionados aos Homicídios de Mulheres no
Município de Juárez, Chihuahua, Primeiro Relatório, folhas 2999 a 3142, nota 468 supra; Promotoria Especial para
o Atendimento de Crimes relacionados aos Homicídios de Mulheres no Município de Juárez, Relatório final, folha
14536, nota 87 supra, e Relatório sobre o México produzido pelo CEDAW, folha 1939, nota 64 supra.
494
Cf. Promotoria Especial para o Atendimento de Crimes relacionados aos Homicídios de Mulheres no
Município de Juárez, Relatório final, folha 14532, nota 87 supra.
495
Cf. Promotoria Especial para o Atendimento de Crimes relacionados aos Homicídios de Mulheres no
Município de Juárez, Relatório final, folhas 14532, 14536 e 14537, nota 87 supra.
496
Cf. Procuradoria Geral da República, Acordo N° A/003/06, folha 15464, nota 498 supra.
497
Cf. CNDH, Segundo Relatório de Avaliação Integral, folha 4664, nota 72 supra.
498
Cf. Procuradoria Geral da República, Acordo N° A/003/06, 19 de janeiro de 2006 (expediente de anexos à
contestação da demanda, tomo XLII, anexo 78, folhas 15462 a 15465).
499
Cf. Procuradoria Geral da República, Acordo N° A/024/08, 29 de janeiro de 2008 (expediente de anexos à
contestação da demanda, tomo XLII, anexo 80, folhas 15470 a 15473).
121

homicídios que tivessem um motivo sexual”, incluindo desde aquela data “todos os casos de
homicídios dolosos nos quais as vítimas fossem mulheres”.500
519. A Corte observa que a atividade da Promotoria Especial esteve limitada a
sistematizar a informação dos homicídios de mulheres em Ciudad Juárez e somente a
investigar os crimes que pertencessem ao foro federal.501 O Tribunal tampouco tem
informação atualizada sobre o funcionamento e efetividade da renovada FEIHM.
520. Os representantes não sustentaram seu pedido de reparação em argumentos claros,
pertinentes e suficientes sobre os problemas de acesso à justiça que se derivariam do
direito interno aplicável à figura de atração ao foro federal. Tampouco argumentaram sobre
a prova específica em torno a políticas elaboradas pelo Estado para solucionar a
problemática sobre a matéria durante os últimos anos. Isso impede o Tribunal de se
pronunciar sobre este pedido de reparação.
4.2.6. Proibição a todo funcionário de discriminar por razão de gênero
521. Os representantes solicitaram a proibição expressa e sancionada a todo funcionário
presente ou futuro dentro dos três níveis de governo que declarasse ou atuasse depreciando
ou minimizando as violações aos direitos das mulheres, em particular a negação ou
minimização da existência de violência contra as mulheres dentro do contexto de homicídios
por motivos de gênero em Ciudad Juárez. Afirmaram que, em distintos momentos
históricos, o Estado mexicano insistiu em reduzir, desvirtuar e minimizar as causas e efeitos
dos homicídios e desaparecimentos de centenas de mulheres nessa cidade, e agregaram
que a atitude das autoridades foi notoriamente discriminatória.
522. O Estado informou sobre a Lei Geral para a Igualdade entre Mulheres e Homens,
publicada em 2006, que tem por objetivo regulamentar e garantir a igualdade entre
mulheres e homens e propor as diretrizes e mecanismos institucionais que orientem o
Estado mexicano para o cumprimento da igualdade substantiva nos âmbitos público e
privado, promovendo o empoderamento das mulheres. A lei criou o Sistema Nacional para a
Igualdade entre Mulheres e Homens, instalado em 2007 e, dentro do âmbito de aplicação da
mesma, foi colocado em prática o Programa Nacional para a Igualdade entre Mulheres e
Homens 2008-2012.502 Por sua vez, o Programa Nacional para a Igualdade entre Mulheres e
Homens 2008-2012 foi apresentado em 2008 dentro do âmbito do Plano Nacional de
Desenvolvimento 2007-2012503 e o Estado afirmou que “contribui ao sucesso dos objetivos,
estratégias e prioridades nacionais em matéria de igualdade substantiva entre mulheres e
homens”. Este programa é dirigido pelo INMUJERES. A lei foi replicada no Estado de
Chihuahua desde o ano de 2007, com a publicação da Lei para Prevenir e Eliminar a
Discriminação do Estado de Chihuahua.504
523. O Estado alegou que a Lei Geral de Acesso das Mulheres a uma Vida Livre de
Violência, publicada em 2007, estabelece “as bases para a prevenção, atendimento e
erradicação da violência contra as mulheres de qualquer idade no âmbito público e privado”,
bem como os “preceitos de orientação para que as mulheres contem com acesso a uma vida
500
Cf. Relatório sobre o México produzido pelo CEDAW, folhas 1937 e 1963, nota 64 supra, e CNDH, Segundo
Relatório de Avaliação Integral, folha 4697, nota 72 supra.
501
Cf. Promotoria Especial para o Atendimento de Crimes relacionados aos Homicídios de Mulheres no
Município de Juárez, Relatório final, folhas 14532, 14538, 14539 e 14544, nota 87 supra.
502
Cf. Lei Geral para a Igualdade entre Mulheres e Homens, publicada no Diário Oficial da Federação em 2 de
agosto de 2006 (expediente de anexos à contestação da demanda, tomo XLIII, anexo 106, folhas 16079 a 16089).
503
Cf. Plano Nacional de Desenvolvimento 2007-2012, estratégia 5.4 do eixo 1 e objetivo 16 do eixo 3
(expediente de anexos à contestação da demanda, tomo XLII, anexo 84, folhas 15495 a 15792).
504
Cf. Lei para Prevenir e Eliminar a Discriminação no Estado de Chihuahua, folhas 16164 a 16178, nota 459
supra.
122

livre de violência no âmbito federal e local: igualdade jurídica entre a mulher e o homem;
respeito à dignidade humana das mulheres; a não discriminação e liberdade das mulheres”.
Acrescentou que esta lei “identifica os mecanismos para a prevenção, proteção e assistência
às mulheres e meninas para erradicar a violência contra elas e contempla a obrigação dos
órgãos de segurança pública dos estados, dos municípios e da federação, bem como dos
órgãos de aplicação de justiça, de oferecer um atendimento adequado e especial às vítimas
mulheres”.505 Finalmente, a Lei para a Proteção dos Direitos de Meninas, Meninos e
Adolescentes prevê que a proteção de seus direitos tem como objetivo assegurar um
desenvolvimento pleno e integral, o que implica a oportunidade de formação física, mental,
emocional, social e moralmente em condições de igualdade.506
524. Além disso, o México regulamentou no Estado de Chihuahua um tipo delitivo de
discriminação e uma sanção administrativa para funcionários públicos que discriminem em
conformidade com a Lei Federal de Responsabilidades dos Servidores Públicos.507
525. Os representantes não argumentaram sobre os vazios e insuficiências deste tipo de
normas, programas e ações, razão pela qual o Tribunal não conta com elementos para se
pronunciar sobre seu pedido.
4.2.7. Lei para regulamentar os apoios para as vítimas de homicídios por
razões de gênero
526. Os representantes solicitaram ao Tribunal “a criação de uma [l]ei que regulamente
[…] objetivamente os apoios específicos para as vítimas do feminicídio, bem como os
padrões mínimos para o acompanhamento e avaliação destes apoios”. Este pedido foi
justificado em virtude de que os apoios, de caráter social ou de compensação geral,
implementados pelo Estado até a presente data, não podem estar ao arbítrio dos
funcionários de turno, e porque os apoios não foram fixados nem estabelecidos com base
em critérios internacionais de reparação do dano, mas sob critérios políticos e de governo.
527. O Estado não se pronunciou especificamente a esse respeito. Entretanto, a Corte
observa que o Estado, ao conceder os apoios aos que este Tribunal se referirá mais adiante,
atribuiu-lhes o caráter de indenizações adicionais às que ofereceu em seu escrito de
contestação de demanda (par. 550 a seguir), e inclusive afirmou que o contato das
autoridades mantido com os familiares das vítimas devia ser tomado “como uma mostra da
boa-fé do Estado para reparar as consequências das irregularidades aceitas pelas
autoridades em um primeiro momento das investigações sobre os homicídios das três
mulheres”.
528. A Corte observa que a titular da Comissão para Ciudad Juárez reconheceu que ao se
criar o Fundo de Auxílio Econômico aos Familiares das Vítimas de Homicídio de Mulheres em
2005 (par. 557 a seguir), este não foi considerado uma forma de reparação do dano; o tipo
de auxílio foi concedido em consideração das condutas delitivas do homicida e não das
responsabilidades do Estado; e os apoios estavam condicionados à promoção de juízos
cíveis ou familiares.508

505
Cf. Lei Geral de Acesso das Mulheres a uma Vida Livre de Violência, folhas 16091 a 16107, nota 124
supra.
506
Cf. Lei para a Proteção dos Direitos de Meninas, Meninos e Adolescentes, folhas 16049 a 16063, nota 420
supra.
507
Cf. artigos 30, 31 e 32 de Lei para Prevenir e Eliminar a Discriminação no Estado de Chihuahua, folha
16177, nota 459 supra; artigo 197 do Código Penal para o Estado de Chihuahua, folhas 14364 a 14452, nota
456 supra, e artigo 3 da Lei Geral para a Igualdade entre Mulheres e Homens, folha 16079, nota 502 supra.
508
Cf. Comissão para Prevenir e Erradicar a Violência contra as Mulheres em Ciudad Juárez, Terceiro Relatório
de Gestão, folha 9185, nota 101 supra.
123

529. O Tribunal considera que não pode ser confundida a prestação dos serviços sociais
que o Estado concede aos indivíduos com as reparações a que têm direito as vítimas de
violações de direitos humanos, em razão do dano específico gerado pela violação. Nesse
sentido, o Tribunal não considerará como parte das reparações que o Estado alega haver
realizado os apoios governamentais que não tenham sido dirigidos especificamente a
reparar a falta de prevenção, impunidade e discriminação atribuíveis ao Estado no presente
caso.
530. Por outro lado, a Corte considera que não pode indicar ao Estado como regulamentar
os apoios que oferece às pessoas como parte de um programa de assistência social, razão
pela qual se abstém de pronunciar-se em relação a este pedido dos representantes.
4.2.8. Capacitação com perspectiva de gênero a funcionários públicos e à
população em geral do Estado de Chihuahua
531. A Comissão solicitou ao Tribunal que ordene ao Estado realizar programas de
capacitação para funcionários públicos em todas as áreas da administração da justiça e da
polícia, e políticas integrais de prevenção. Além disso, solicitou que seja ordenada a
implementação de políticas públicas e programas institucionais destinados a superar os
estereótipos sobre o papel das mulheres na sociedade de Ciudad Juárez e promover a
erradicação de padrões socioculturais discriminatórios que impeçam o pleno acesso das
mulheres à justiça.
532. Os representantes reconheceram que, embora o Estado tenha feito esforços
importantes em matéria de capacitação a funcionários públicos, principalmente àqueles cujo
trabalho impacta diretamente nos casos de desaparecimentos e homicídios de mulheres,
estes esforços não foram interamente satisfatórios, ao não haver sido desenvolvida uma
perspectiva transversal de gênero e não incorporar a perspectiva de gênero em toda a
atividade desenvolvida pelas autoridades do Estado. Agregaram que os funcionários que
compareceram à audiência, embora tenham sido capacitados, “não entendem o conteúdo
das Convenções […] em relação aos direitos" das vítimas.
533. O Estado afirmou que “está consciente de que parte das irregularidades cometidas
no início da investigação pelos homicídios de Claudia Ivette González, Esmeralda Herrera
Monreal e Laura Berenice Ramos Monárrez ocorreram devido à falta de capacitação dos
funcionários públicos que estiveram envolvidos nas mesmas”. Entretanto, o Estado alegou
que a Procuradoria Geral de Justiça do Estado de Chihuahua elaborou, a partir de outubro
de 2004, em coordenação com instituições e universidades locais e internacionais, um
programa de capacitação no qual investiu mais de 14 milhões de pesos para a
especialização em técnicas e procedimentos de investigação e profissionalização em matéria
pericial. A Corte não conta com registro do investimento do referido capital. Este programa
inclui “mestrados com a colaboração de universidades espanholas e da Comissão Nacional
de Direitos Humanos”.509 Em 2005, através do Centro de Estudos Penais e Forenses foram
implementados mais de 122 programas de capacitação que significaram um investimento
superior a 12 milhões de pesos.510 O Tribunal observa que não há registro deste
investimento.

509
O Estado anexou diversos contratos realizados entre 2005 e 2008 com instituições nacionais e
internacionais como a UNAM, o Instituto de Mediação do México, S.C., a Universidade Autônoma de Chihuahua, a
Universidade Autônoma de Ciudad Juárez, a Universidade de Barcelona, a Universidade de Gerona, o IMCAA, S.A.
de C.V., o Foro Latino-Americano para a Segurança Urbana e a Democracia, A.C., entre outros, em colaboração
com instâncias locais como a Procuradoria Geral de Justiça do Estado de Chihuahua ou a Comissão Estadual de
Direitos Humanos e instâncias federais como a Comissão Nacional de Direitos Humanos (expediente de anexos às
alegações finais escritas do Estado, tomo L, folhas 17565 17833).
510
O Estado apresentou uma lista de cursos ministrados entre os anos de 2005 e 2009 com o nome do curso,
o lugar e a data de realização e as pessoas que foram capacitadas (Cf. Procuradoria Geral de Justiça do Estado de
124

534. Em relação a temas de capacitação, a Lei Orgânica do Poder Judiciário do Estado de


Chihuahua dá especial importância, a partir de 2006, à formação em direitos humanos e
equidade de gênero dos funcionários que integram o Poder Judiciário Federal ou de
Chihuahua.511
535. O Estado afirmou que capacitou em perspectiva de gênero os funcionários públicos
dos estados da República do México, entre eles do Estado de Chihuahua, através dos Cursos
de Formação de Multiplicadores do Subprograma de Equidade de Gênero. 512 Também
mencionou que ofereceu capacitação a funcionários públicos federais dentro do contexto do
programa de Sensibilização com Perspectiva de Gênero ministrado pelo INMUJERES, bem
como do Subprograma de Equidade de Gênero a funcionários públicos da Secretaria de
Segurança Pública do Governo Federal. Além disso, afirmou que em 2003 e em 2004
capacitou pessoal da Secretaria de Segurança Pública em temas básicos e especializados
sobre Direitos Humanos e Segurança Pública. O Estado não apresentou prova que
confirmasse quais funcionários públicos foram capacitados.
536. O Estado mencionou que, sob o Plano Nacional de Desenvolvimento 2007-2012,
dentro da estratégia 5.4 relativa a “combater e punir com maior severidade a violência de
gênero”, o Governo Federal colocará em operação programas de “sensibilização e
capacitação dirigidos a policiais, médicos, promotores públicos e juízes, e a todo o pessoal
encarregado dos trabalhos de proteção e atendimento às mulheres que sofrem de violência
em todas as suas manifestações”.513
537. Além disso, o Estado se referiu aos seguintes cursos implementados em 2007: um
“Diploma Internacional em Gênero e Sistema Penal”, no qual participaram 41 funcionários
públicos;514 um “Diploma em Violência Familiar e Direitos Humanos”, o qual reuniu 69
integrantes da Procuradoria;515 o curso “Bases e Princípios de Alta Especialidade em Direito
Processual e Gênero”;516 o curso “Violência Doméstica, um Problema de Todos”, dirigido ao
pessoal do centro de justiça alternativa, Unidade de Pronto Atendimento e Unidade

Chihuahua, Centro de Estudos Penais e Forenses, Cursos ministrados no período 2005-2009, expediente de anexos
às alegações finais escritas do Estado, tomo XLIX, folhas 17537 a 17564).
511
Cf. artigos 135 e 145-k da Lei Orgânica do Poder Judiciário do Estado de Chihuahua, folhas 14220 e
14226, nota 460 supra.
512
A Corte observa que consta um comprovante da realização do curso de formação de multiplicadores no
âmbito nacional do Subprograma de Equidade e Aplicação do Manual de Equidade de Gênero em “Prevenção da
Violência Familiar” a autoridades da Secretaria de Segurança Pública do Estado de Chihuahua, e em “Direitos
Humanos da Mulher e Autoestima”, “Masculinidade e Autoestima” e “Violência Familiar e Assertividade”, a
funcionários de Chihuahua (Cf. Avanços ou resultados das ações no contexto do “PROEQUIDADE”, realizado pelo
Instituto Nacional das Mulheres, Direção Geral de Avaliação e Desenvolvimento Estatístico, Direção de Avaliação no
período de janeiro a dezembro de 2005, expediente de anexos à contestação da demanda, tomo XLI, anexo 6,
folhas 15014 a 15016).
513
Cf. Plano Nacional de Desenvolvimento 2007-2012, estratégia 5.4., folha 15495 a 15792, nota 503 supra.
514
Cf. convênio realizado entre o Secretário Geral Executivo do Foro Latino-Americano para a Segurança
Urbana e a Democracia A.C. e a Procuradoria Geral de Justiça do Estado de Chihuahua em 15 de maio de 2007
(expediente de anexos às alegações finais escritas do Estado, tomo L, folhas 17675 a 17688).
515
Cf. convênio de colaboração para o curso “Violência Familiar e Direitos Humanos” entre a Procuradoria
Geral de Justiça do Estado de Chihuahua e a Universidade Nacional Autônoma do México de 9 de abril de 2007
(expediente de anexos às alegações finais escritas do Estado, tomo L, folha 17689) e relatório sobre as políticas
institucionais implementadas para prevenir, investigar, punir e eliminar a violência contra as mulheres, emitido
pela Procuradoria Geral do Estado de Chihuahua (expediente de anexos à contestação da demanda, tomo XL,
anexos 60, folha 14960).
516
Cf. contrato de prestação de serviços entre a Procuradoria Geral de Justiça do Estado de Chihuahua e o
Instituto Mexicano de Ciências e Artes Aplicadas (INMCAA S.A. de C.V.) de 1° de fevereiro de 2007 (expediente de
anexos às alegações finais escritas do Estado, tomo L, folha 17696).
125

Especializada em Crimes Contra a Liberdade, Segurança Sexual e contra a Família. 517 Em


2008, o Estado aludiu ao curso “Perícias Forenses em caso de Violência de Gênero”, o qual
foi dirigido a psicólogos do “Departamento de Atenção a Vítimas”.518 Além disso, existe no
Estado de Chihuahua a “Licenciatura em Busca de Justiça” cujo programa de estudo
contempla a matéria “Perspectiva de Gênero”.519
538. A Corte observa que a testemunha Castro Romero declarou que, nos dias 14 de
outubro e 26 de novembro de 2005, foi realizada a diplomação “Gênero e Direitos
Humanos”, ministrada pela rede de instituições públicas que atendem mulheres em situação
de violência. Além disso, fez referência ao seminário sobre “Direito Internacional dos
Direitos Humanos, estratégias de Litígio”, no qual participaram aproximadamente “60
pessoas, entre elas a Subprocuradora da Região Norte da PGJE e pessoal da FEVIM”.520
539. Além disso, a testemunha Caballero Rodríguez, agente do Ministério Público
encarregada das investigações no presente caso, manifestou ter recebido capacitação, entre
outros temas, em relação à Convenção Americana e à Convenção de Belém do Pará. 521
540. A Corte avalia positivamente todas as capacitações com perspectiva de gênero para
funcionários públicos que o Estado realizou a partir do ano de 2004, bem como o possível
destino de volumosos recursos destinados a esta finalidade. Entretanto, a capacitação,
como sistema de formação contínua, deve ser estendida durante um período importante
para cumprir seus objetivos.522 Ademais, a Corte afirma que uma capacitação com
perspectiva de gênero implica não somente uma aprendizagem das normas, mas o
desenvolvimento de capacidades para reconhecer a discriminação que as mulheres sofrem
em sua vida cotidiana. Em particular, as capacitações devem gerar que todos os
funcionários reconheçam as afetações que geram nas mulheres as ideias e avaliações
estereotipadas em relação ao alcance e conteúdo dos direitos humanos.
541. Em consequência, sem prejuízo da existência de programas e capacitações dirigidas
a funcionários públicos encarregados da aplicação de justiça em Ciudad Juárez, bem como
de cursos em matéria de direitos humanos e gênero, o Tribunal ordena que o Estado
continue implementando programas e cursos permanentes de educação e capacitação em:
i) direitos humanos e gênero; ii) perspectiva de gênero para a devida diligência na condução
de investigações prévias e processos judiciais relacionados com discriminação, violência e
homicídios de mulheres por razões de gênero, e iii) superação de estereótipos sobre o papel
social das mulheres.
542. Os programas e cursos estarão destinados a policiais, promotores, juízes, militares,
funcionários encarregados do atendimento e assistência jurídica a vítimas do crime e a
qualquer funcionário público, tanto no âmbito local como federal, que participe direta ou
517
O Estado anexou uma lista do Centro de Estudos Penais e Forenses com os cursos ministrados de 2005 a
2009. Na mesma consta que foi ministrado um curso denominado “Curso de Violência Doméstica; Um Problema
para Todos”, com uma duração de 12 horas, dirigido a 26 pessoas, entre 26 a 28 de junho de 2007 (expediente de
anexos às alegações finais escritas do Estado, tomo XLIX, folha 17551).
518
Dentro da lista de cursos ministrados entre 2005 e 2009, o Estado afirmou que em outubro de 2008, o
Instituto Chihuahuense da Mulher ministrou o curso "Perícias Forenses em caso de Violência de Gênero" a 8
psicólogos de atendimento a vítimas da Procuradoria (Cf. Procuradoria Geral de Justiça do Estado de Chihuahua,
Centro de Estudos Penais e Forenses, folha 17563, nota 510 supra).
519
O Estado anexou uma lista sobre capacitação em 2005 onde é feita referência a uma “Licenciatura em
Busca de Justiça” que envolveria 549 pessoas (expediente de anexos às alegações finais escritas do Estado, tomo
XLIX, folha 17535).
520
Cf. declaração prestada perante agente dotado de fé pública pela testemunha Castro Romero em 27 de
abril de 2009, anexo 1 (expediente de mérito, tomo VIII, folhas 2927 e 2928).
521
Cf. declaração da testemunha Caballero Rodríguez, nota 386 supra.
522
Cf. Caso Escher e outros Vs. Brasil, par. 251, nota 46 supra.
126

indiretamente na prevenção, investigação, processamento, sanção e reparação destes


casos. Dentro destes programas permanentes deverá ser feita uma especial menção à
presente Sentença e aos instrumentos internacionais de direitos humanos, especificamente
aos relativos à violência por razões de gênero, entre eles a Convenção de Belém do Pará e a
CEDAW, levando em consideração como certas normas ou práticas no direito interno, seja
intencionalmente ou por seus resultados, têm efeitos discriminatórios na vida cotidiana das
mulheres. Os programas deverão também incluir estudos sobre o Protocolo de Istambul e o
Manual sobre a Prevenção e Investigação Efetiva de Execuções Extrajudiciais, Arbitrárias e
Sumárias das Nações Unidas. O Estado deverá informar anualmente, durante três anos,
sobre a implementação dos cursos e capacitações.
543. Além disso, levando em consideração a situação de discriminação contra a mulher
reconhecida pelo Estado é necessário que este realize um programa de educação destinado
à população em geral do Estado de Chihuahua, com o fim de superar esta situação. Para
este efeito, o Estado deverá apresentar um relatório anual por três anos, no qual indique as
ações que tenham sido realizadas para tal fim.
5. Reabilitação
544. A Comissão manifestou que “o México deve adotar medidas de reabilitação para os
familiares das vítimas”, as quais devem incluir “medidas de reabilitação psicológica e
médica”.
545. Os representantes solicitaram “que o Estado [m]exicano ofereça a assistência médica
e psicológica a partir de duas instituições de caráter federal para garantir um serviço de
qualidade ou […] que garanta a remuneração dos especialistas que atendam às famílias até
que […] sejam concluídos os […] tratamentos”. O anterior devido a que “as violações aos
direitos humanos cometidas contra [as três vítimas] tiveram repercussões de forte impacto
em suas […] mães [,] ao terem sofrido […] outras violações aos direitos fundamentais”.
Ademais, afirmaram que “as famílias das vítimas” sofreram “problemas físicos e
psicológicos”.
546. O Estado afirmou que ofereceu atendimento médico e psicológico aos familiares das
vítimas através “[d]o Departamento de Atenção a Vítimas e Delitos, dependente da PGJCH”,
do “Instituto Chihuahuense da Mulher”, “[d]a Secretaria de Fomento Social do Estado de
Chihuahua […]” e do “Centro de prevenção e atendimento a mulheres e famílias em
situação de violência”.
547. A Corte observa que o Estado apresentou diversas listas elaboradas por organismos
estatais523 referentes ao suposto atendimento médico e psicológico proporcionado aos
familiares das vítimas. Também observa que a testemunha Camberos Revilla afirmou que
as três mães receberam tratamento médico e que o Estado ofereceu tratamento psicológico

523
Cf. relação de pagamentos no Hospital Geral de Mães de Vítimas de Feminicídios que compreende o
período de 2002 a 8 de maio de 2007 realizada pela chefia de trabalho social desta instituição em 11 de maio de
2007 (expediente de anexos à contestação da demanda, tomo XLI, anexo 133, folha 15138); relação de
medicamentos proporcionados pela Direção de Fomento Social à senhora Benita Monárrez Salgado elaborado pelo
Diretor de Fomento Social em 11 de maio de 2007 (expediente de anexos à contestação da demanda, tomo XLI,
anexo 133, folha 15140); relação de medicamentos proporcionados pelo Departamento de Fomento Social à
senhora Irma Monreal Jaime elaborado pelo Diretor de Fomento Social em 11 de maio de 2007 (expediente de
anexos à contestação da demanda, tomo XLI, anexo 133, folha 15141); relação de serviços médicos oferecidos às
pessoas que pertencem ao Programa de Atendimento a Vítimas realizada pelo Diretor Geral do Hospital da Mulher
em 11 de maio de 2007 (expediente de anexos à contestação da demanda, tomo XLI, anexo 133, folha 15143);
relação de atendimento médico e atendimento psicológico realizado pelo Centro de Prevenção e Atendimento a
Mulheres e Famílias em Situação de Violência em 11 de maio de 2007 (expediente de anexos à contestação da
demanda, tomo XLI, anexo 133, folha 15165), e ofício N° Jur/0223/2007 emitido pelo Instituto Chihuahuense da
Mulher em 4 de maio de 2004 (expediente de anexos à contestação da demanda, tomo XLI, anexo 133, folhas
15173 e 15174).
127

às senhoras González e Monreal, apesar de que esta última se recusou a recebê-lo.524 A


testemunha Galindo afirmou que a Secretaria de Fomento Social do Estado de Chihuahua
apoiou os familiares das jovens Ramos e González com medicamentos e serviço médico. 525
Em conformidade com a declaração da testemunha Castro Romero, a senhora González e a
senhora Monreal participaram em terapias de grupo denominadas “Da Dor à Esperança”. 526
Também consta que na audiência pública a senhora González afirmou que o Estado lhe
proporcionou assistência médica.527
548. Embora este Tribunal aprecie a assistência médica e psicológica que o Estado
ofereceu a algumas das vítimas, o Estado não demonstrou que cada um dos familiares
tenha recebido ou continue recebendo algum tratamento psicológico, psiquiátrico ou
médico, e não confirmou a qualidade das terapias ou as consultas e o progresso obtido
pelos pacientes até a presente data.
549. Portanto, a Corte, como medida de reabilitação, ordena ao Estado que ofereça
atendimento médico, psicológico ou psiquiátrico gratuito, de forma imediata, correta e
efetiva, através de instituições estatais de saúde especializadas, a todos os familiares
considerados vítimas por este Tribunal no caso sub judice, se estes assim o desejarem. O
Estado deverá assegurar que os profissionais das instituições de saúde especializadas que
sejam designados para o tratamento das vítimas avaliem devidamente as condições
psicológicas e físicas de cada vítima e tenham a experiência e formação suficiente para
tratar tanto os problemas de saúde físicos que padeçam os familiares como os traumas
psicológicos ocasionados como resultado da violência de gênero, da falta de resposta estatal
e da impunidade. Além disso, o tratamento deve ser oferecido pelo tempo que seja
necessário e incluir o fornecimento de todos os medicamentos que eventualmente
requeiram.528
6. Indenizações
550. O Estado informou que como resultado do reconhecimento de violações parciais ao
direito à integridade psíquica e moral dos familiares, concedeu através de suas autoridades
locais e federais uma série de auxílios para reparar estas violações.529 Além disso, o Estado
solicitou à Corte que “analise os dados expostos sobre os auxílios materiais concedidos aos
familiares [das três vítimas] a fim de determinar se cumpriu a obrigação internacional de
indenizar as vítimas pelo reconhecimento de responsabilidade na violação parcial dos
direitos […] mencionados”.
551. Os representantes afirmaram que “o único auxílio extraordinário entregue às famílias
das vítimas […] é o denominado ‘Fundo de Auxílio Econômico aos Familiares das Vítimas de
Homicídio de Mulheres’, criado em 2005, ex profeso, para indenizar as famílias vítimas do
feminicídio de Ciudad Juárez”, e que “estas quantias são as que reconhecem as famílias das

524
Cf. declaração prestada perante agente dotado de fé pública pela testemunha Camberos Revilla em 8 de
abril de 2009 (expediente de mérito, tomo IX, folhas 2981 a 2983).
525
Cf. declaração prestada perante agente dotado de fé pública pela testemunha Galindo López em 16 de
abril de 2009 (expediente de mérito, tomo X, folhas 3308 e 3309).
526
Cf. declaração prestada pela testemunha Castro Romero, folhas 2922 a 2924, nota 520 supra.
527
Cf. declaração prestada pela senhora González, nota 183 supra.
528
Cf. Caso Kawas Fernández Vs. Honduras, par. 209, nota 190 supra, e Caso Anzualdo Castro Vs. Peru, par.
203, nota 30 supra.
529
O Estado quantificou o valor dos auxílios materiais pelos seguintes montantes: $551.874,27 (quinhentos e
cinquenta e um mil, oitocentos e setenta e quatro pesos mexicanos e 27 centavos) para os familiares de Laura
Berenice Ramos Monárrez; $545.358,01 (quinhentos e quarenta e cinco mil, trezentos cinquenta e oito pesos
mexicanos e 1 centavo) para a família de Esmeralda Herrera Monreal, e $504.602,62 (quinhentos e quatro mil,
seiscentos e dois pesos mexicanos e 62 centavos) para os familiares de Claudia Ivette González.
128

vítimas como indenização ou pagamento extraordinário a título de reparação de dano


material, sem que tenham estado [de] acordo com os requisitos, procedimentos e condições
para sua entrega, pois lhes era pedido antes da entrega que ‘aceitassem’ os restos de suas
filhas e [que] ‘desistissem’ de buscar prova genética que demonstrasse claramente sua
correspondência filial”.
552. Os representantes reconheceram a entrega por parte do Estado dos seguintes
recursos provenientes do Fundo de Auxílio Econômico aos Familiares das Vítimas de
Homicídio de Mulheres (doravante denominado “o Fundo de Auxílio”), às seguintes pessoas:
Familiar Montante
Esmeralda Herrera Monreal
Irma Monreal Jaime $136.656,00 pesos
Benigno Herrera Monreal $34.164,00 pesos
Adrián Herrera Monreal $34.164,00 pesos
Juan Antonio Herrera Monreal $34.164,00 pesos
Cecilia Herrera Monreal $34.164,00 pesos
Claudia Ivette González
Irma Josefina González Rodríguez $273.312,00 pesos
Laura Berenice Ramos Monárrez
Benita Monárrez Salgado $136.656,00 pesos
Daniel Ramos Canales530 $136.656,00 pesos
553. Os representantes também afirmaram de forma geral que os auxílios concedidos pelo
Estado “inclue[m] auxílios em dinheiro e auxílios de caráter social que foram concedidos por
petição expressa dos familiares das vítimas e outros que fazem parte de programas de
auxílio social atualmente prestados pelo Governo do Estado de Chihuahua e o Governo
Federal a favor das vítimas de violência contra as mulheres e feminicídio de Ciudad Juárez”.
Além disso, afirmaram que incluem “outros programas sociais que estão à disposição e para
o benefício da sociedade em geral pretendendo confirmar que todos eles fazem parte de
uma reparação material integral concedida às vítimas”. Posteriormente, afirmaram que
“alguns auxílios foram destinados às famílias como parte de um financiamento para projetos
produtivos com a participação dos governos estadual e federal […] sem mencionar que
esses auxílios fazem parte de uma política pública do Governo Federal de auxílio a pessoas
que desejem empreender um negócio e que se encontram em uma situação econômica
desfavorável”.
554. A Corte observa que entre os auxílios provados que o Estado concedeu às vítimas se
encontram: i) os recursos do Fundo de Auxílio que representam 50% ou mais, dependendo
do caso, do valor total dos auxílios que o Estado alega ter concedido aos familiares das
vítimas;531 ii) auxílios para moradia com recursos provenientes do Instituto da Moradia do
Estado de Chihuahua (IVI) para a senhora González e o senhor Adrián Herrera Monreal, que
segundo o Estado chegam a $ 114.200,00 (cento e quatorze mil e duzentos pesos

530
O pai da jovem Ramos não foi incluído pela Comissão como vítima no presente caso.
531
Cf. certidão de entrega do auxílio do Fundo de Auxílio Econômico aos Familiares das Vítimas de Homicídio
de Mulheres no Município de Juárez, Chihuahua, a favor de: Benita Monárrez Salgado, em 11 de novembro de 2005
(expediente de anexos à contestação da demanda, tomo XLI, anexo 133, folhas 15069 a 15072); Daniel Ramos
Canales, em 13 de dezembro de 2005 (expediente de anexos à contestação da demanda, tomo XLI, anexo 133,
folhas 15057 a 15061); Cecilia Herrera Monreal, Juan Antonio Herrera Monreal, Benigno Herrera Monreal e Adrián
Herrera Monreal, em 27 de novembro de 2006 (expediente de anexos à contestação da demanda, tomo XLIV,
anexo 129 e 130, folhas 16303 a 16305); Irma Monreal Jaime, em 27 de abril de 2006 (expediente de anexos à
contestação da demanda, tomo XLIV, anexos 129 e 130, folhas 16327 a 16329), e Irma Josefina González
Rodríguez, em 11 de novembro de 2005 (expediente de anexos à contestação da demanda, tomo XLV, anexo 132,
folhas 16527 a 16530).
129

mexicanos), respectivamente,532 e auxílio consistente em um contrato de compra e venda


realizado com o IVI de modo que a senhora Monárrez adquiriu um imóvel pela quantia de $
1,00 (um peso mexicano);533 iii) auxílios para projetos produtivos provenientes de um
programa coordenado pelo Governo Federal através da Secretaria de Desenvolvimento
Social (SEDESOL) pela quantia de $ 60.000,00 (sessenta mil pesos mexicanos) e de $
83.000,00 (oitenta e três mil pesos mexicanos) entregues à senhora Monárrez e à senhora
Monreal, respectivamente,534 e iv) diversos apoios constituídos em mantimentos, outros
donativos e dinheiro em espécie.535

532
No acervo probatório somente consta um lista de moradias do IVI onde aparece que as senhoras González
e Monreal receberam cada uma um imóvel na rua "Vista del Pino". Por outro lado, consta um contrato de compra e
venda de imóvel pela quantia de $30.000,00 (trinta mil pesos mexicanos) realizado por Adrían Herrera Monreal na
rua "Vista del Prado". Não existe registro de que algum dos três imóveis recebidos superem o valor que alega o
Estado (Cf. relação de mães de vítimas que contam com moradia do Instituto da Moradia, expediente de anexos à
contestação da demanda, tomo XLV, anexo 132, folha 16570), e contrato privado de compra e venda de imóvel
realizado por Adrián Herrera Monreal em 19 de junho de 2007, expediente de anexos à contestação da demanda,
tomo XLIV, anexo 130, folhas 16458 a 16460).
533
Cf. declaração da senhora Monárrez, nota 183 supra. Ver também, contrato de compra e venda realizado
pela senhora Benita Monárrez Salgado em 18 de abril de 2006 (expediente de anexos à contestação da demanda,
tomo XLI, anexo 127, folhas 15078 e 15079); declaração da testemunha Camberos Revilla, folha 2982, nota 524
supra; ofício N° Jur/0223/2007 do Instituto Chihuahuense da Mulher de 4 de maio de 2004 (expediente de anexos
à contestação da demanda, tomo XLI, anexo 133, folha 15173), e declaração da testemunha Galindo López, folha
3308, nota 525 supra.
534
Cf. comprovante de entrega à senhora Benita Monárrez Salgado de $60.000,00 (sessenta mil pesos
mexicanos) por meio do programa de opções produtivas em 31 de maio de 2005 (expediente de anexos à
contestação da demanda, tomo XLIV, anexo 128, folha 16262) e comprovante de entrega à senhora Irma Monreal
Jaime de $83.660,00 (oitenta e três mil, seiscentos e sessenta pesos mexicanos) por meio do programa de opções
produtivas em 31 de maio de 2005 (expediente de anexos à contestação da demanda, tomo XLIV, anexo 131,
folha 16464).
535
Relacionados com a jovem Ramos: lista de auxílios (mantimentos) realizada pelo programa de
Atendimento a Vítimas da Subprocuradoria de Justiça em 30 de março de 2004 (expediente de anexos à
contestação da demanda, tomo XLI, anexo 133, folha 15094); lista de auxílios (carne) realizada pelo programa de
Atendimento a Vítimas da Subprocuradoria de Justiça em 30 de março de 2004 (expediente de anexos à
contestação da demanda, tomo XLI, anexo 133, folha 15100); registro de entrega (caixa de carne) à senhora
Benita Monárrez Salgado emitido pelo Departamento de Atendimento a Vítimas dos Crimes em 30 de março de
2004 (expediente de anexos à contestação da demanda, tomo XLI, anexo 133, folha 15098); registro de entrega
(mantimentos) a Claudia Ivonne Ramos Monárrez emitido pelo Escritório de Atendimento a Vítimas dos Crimes em
22 de abril de 2004 (expediente de anexos à contestação da demanda, tomo XLI, anexo 133, folha 15103);
declaração da testemunha Galindo López, folhas 3305 a 3309, nota 525 supra; recibos de pagamento emitidos pela
Subprocuradoria de Justiça a favor da senhora Monárrez Salgado em 29 de outubro, 14 e 28 de novembro e 12 e
29 de dezembro de 2003 (expediente de anexos à contestação da demanda, tomo XLI, anexo 133, folhas 15109,
15111, 15113, 15115 e 15117); recibos de pagamento N° AFV-00294, AFV-00335, AFV-00376 e um sem número
emitidos pelo Instituto Chihuahuense da Mulher em 31 de maio, 15 de junho, 30 de junho e 3 de fevereiro de 2004
(expediente de anexos à contestação da demanda, tomo XLI, anexo 133, folhas 15145, 15147, 15151 e 15155);
registro de entrega (fogão e botijão de gás) emitido pela Unidade de Atendimento a Vítimas dos Crimes em 3 de
fevereiro de 2004 (expediente de anexos à contestação da demanda, tomo XLI, anexo 133, folha 15233);
declaração da testemunha Camberos Revilla, folhas 2981 a 2983, nota 524 supra, e ofício N° Jur/0223/2007
emitido pelo Instituto Chihuahuense da Mulher em 4 de maio de 2004 (expediente de anexos à contestação da
demanda, tomo XLI, anexo 133, folhas 15173 e 15174). Relacionados com a jovem Herrera: lista de auxílios
(carne) realizada pelo programa de Atendimento a Vítimas da Subprocuradoria de Justiça em 30 de março de 2004
(expedientes de anexos à contestação da demanda, tomo XLIV, anexo 130, folha 16277); lista de auxílios
(mantimentos) realizada pelo programa de Atendimento a Vítimas da Subprocuradoria de Justiça em 30 de março
de 2004 (expedientes de anexos à contestação da demanda, tomo XLIV, anexo 130, folha 16274); registro de
entrega (mantimentos) emitido pelo Departamento de Atendimento a Vítimas dos Crimes em 31 de março de 2004
(expedientes de anexos à contestação da demanda, tomo XLIV, anexo 130, folha 16280); recibos de pagamento
emitidos pela Subprocuradoria de Justiça a favor da senhora Monreal Jaime em 29 de abril, 29 de maio, 12 de
junho, 10 e 31 de julho, 14 e 28 de agosto de 2003 (expedientes de anexos à contestação da demanda, tomo
XLIV, anexo 130, folhas 16267, 16268, 16269, 16270, 16271, 16272 e 16273), e declaração da testemunha
Galindo López, folhas 3305 a 3309, nota 525 supra. Relacionados com a jovem González: lista de auxílios (carne)
realizada pelo programa de Atendimento a Vítimas da Subprocuradoria de Justiça em 30 de março de 2004,
(expediente de anexos à contestação da demanda, tomo XLV, anexo 132, folha 16476); lista de auxílios
(mantimentos) realizada pelo programa de Atendimento a Vítimas da Subprocuradoria de Justiça em 30 de março
130

555. A Corte observa que diversos auxílios concedidos pelo Instituto Chihuahuense da
Mulher não se encontram provados. Embora o Estado os tenha relacionado e existam
diversos testemunhos de autoridades que foram concedidos, dentro do acervo probatório
não existem comprovantes que permitam a este Tribunal corroborar que foram recebidos
pelos familiares das vítimas.536
556. No ano de 2004, a PGR realizou um contrato com uma instituição de crédito para
administrar o Fundo de Auxílio Econômico aos Familiares das Vítimas de Homicídio de
Mulheres no Município de Juárez, Chihuahua (doravante denominado “o Fundo de Auxílio”).
Em sua primeira sessão ordinária de 29 de junho de 2005, o Conselho Assessor emitiu as
“Diretrizes gerais às que haverá de se sujeitar a administração, aplicação e entrega dos
recursos que, em via de auxílio econômico, serão concedidos aos familiares das vítimas de
homicídio de mulheres no Município de Juárez, Chihuahua”.537
557. A Corte observa que, conforme as diretrizes do Fundo de Auxílio, “o auxílio
econômico que será concedido aos familiares das vítimas com direito ao Fundo, nos termos
da legislação aplicável, não constitui indenização ou reparação do dano”.538 Além disso, esta
Corte observa que, no dia 11 de novembro de 2005, o mandatário deste fundo entregou um
cheque às pessoas referidas, fazendo-lhes declarar o seguinte:
Acrescenta, sob compromisso de dizer verdade, haver recebido os restos de sua filha que em vida
se chamava [nome de cada uma das três vítimas], de modo que não solicitará perante as
autoridades competentes nenhum estudo de DNA ou diligência diversa a esse respeito, visto que os
restos humanos que lhes foram entregues nesta oportunidade correspondem indubitavelmente aos
da filha.539

558. O Tribunal sustenta que de nenhuma maneira poderia considerar estes recursos
como uma forma de reparação por dano material às vítimas, já que o próprio Estado
reconheceu que os mesmos não podem ser considerados como uma forma de reparação e
porque foram concedidos sob a condição de que os familiares desconhecessem seu direito

de 2004 (expediente de anexos à contestação da demanda, tomo XLV, anexo 132, folha 16479); registro de
entrega (caixa de carne) à senhora Irma Josefina González Rodríguez emitido pelo Departamento de Atendimento
a Vítimas dos Crimes em 30 de março de 2004 (expediente de anexos à contestação da demanda, tomo XLV,
anexo 132, folha 16481), e registro de entrega (mantimentos) à senhora Irma Josefina González Rodríguez emitido
pelo Departamento de Atendimento a Vítimas dos Crimes em 2 de abril de 2004 (expediente de anexos à
contestação da demanda, tomo XLV, anexo 132, folha 16538). Nos autos se encontra uma lista realizada pelo
departamento administrativo da Procuradoria Geral de Justiça do Estado de Chihuahua referente a cheques
emitidos pela Subprocuradoria de Justiça Região Norte no período de 2002 a 2006. Entretanto, esta Corte não
analisa esta lista já que o Estado não a relacionou com algum auxílio, nem as quantidades coincidem com conceitos
alegados pelo Estado. Além disso, o Estado não anexou ao material probatório os cheques que supostamente
teriam sido emitidos (expediente de anexos à contestação da demanda, tomo XLI, anexo 133, folhas 15168 a
15172).
536
Cf. declaração da testemunha Camberos Revilla, folhas 2977 a 2985, nota 524 supra; ofício N°
Jur/0223/2007 emitido pelo Instituto Chihuahuense da Mulher em 4 de maio de 2004 (expediente de anexos à
contestação da demanda, tomo XLI, anexo 133, folhas 15173 e 15174), e declaração da testemunha Galindo
López, folhas 3305 a 3309, nota 525 supra.
537
Cf. Promotoria Especial para o Atendimento de Crimes relacionados aos Homicídios de Mulheres no
Município de Juárez, Relatório final, folha 14598, nota 87 supra.
538
Cf. acordo N° CA/001/05 do Conselho Assessor de Aplicação do Fundo de Auxílio Econômico aos Familiares
das Vítimas de Homicídio de Mulheres no Município de Juárez, Chihuahua, da Procuradoria Geral da República de
29 de julho de 2005 (expediente de anexos à contestação da demanda, tomo XL, anexo 59, folha 14919).
539
Cf. certidão de entrega do apoio do Fundo de Auxílio Econômico a Familiares a favor de Benita Monárrez
Salgado, em 11 de novembro de 2005; Daniel Ramos Canales, em 13 de dezembro de 2005; Cecilia Herrera
Monreal, Juan Antonio Herrera Monreal, Benigno Herrera Monreal e Adrián Herrera Monreal, em 27 de novembro de
2006; Irma Monreal Jaime, em 27 de abril de 2006, e Irma Josefina González Rodríguez, em 11 de novembro de
2005, (expediente de anexos à contestação, tomo XLI, folhas 15057 a 15061, 15069 a 15072, e expediente de
anexos às alegações finais escritas, tomo XLIV, anexo 128, folhas, 16303 a 16305, 16327 a 16329, e volume XLV,
anexo 131, folhas, 16527 a 16530).
131

de acesso à justiça e conhecimento da verdade. Em virtude do princípio nemo auditur


propriam turpitudinem allegans (ninguém pode alegar a seu favor sua própria torpeza ou
dolo), o qual foi incluído no artigo 27 da Convenção de Viena sobre o Direito dos Tratados e
na jurisprudência da Corte,540 o Estado não pode invocar em seu benefício um acordo
realizado com as vítimas que descumpre a Convenção para justificar que as reparou.
559. Em relação aos auxílios para moradia com recursos provenientes do IVI, constituídos
de duas “casas mínimas” e aos auxílios para projetos produtivos provenientes de um
programa coordenado pelo Governo Federal através da Secretaria de Desenvolvimento
Social (SEDESOL), a Corte se remete ao exposto no parágrafo 529 e, por conseguinte, não
as considera parte da indenização devida às vítimas.541
560. Finalmente, em relação ao auxílio consistente em um contrato de compra e venda
realizado com o IVI de modo que a senhora Monárrez adquiriu o imóvel referido no
parágrafo 554, bem como a diversos auxílios constituídos de mantimentos, outros donativos
e dinheiro em espécie, a Corte os levará em consideração para o cálculo das indenizações.
6.1. Dano material
6.1.1. Dano emergente
561. Os representantes afirmaram que, “por motivo dos desaparecimentos e posteriores
mortes de Esmeralda, Claudia Ivette e Laura Berenice, as respectivas famílias de cada uma
delas tiveram de realizar uma série de gastos extraordinários, […] recalcando que estes não
se limitaram somente aos gastos funerários e de sepultamento dos corpos”. Afirmaram que,
“desde o momento dos desaparecimentos de cada uma das vítimas as famílias tiveram que
realizar diversos gastos, constituídos de impress[ões] e cópias de panfletos […] para
divulgar seu desaparecimento”, da mesma maneira tiveram que financiar os “gastos de
viagem extraordinários de vários membros das famílias […], para ajudar em sua
localização” e fazer “pagamentos extraordinários de telefone e outras despesas diversas
durante as semanas em que estiveram desaparecidas”. Afirmaram que apesar de que não
contem com os comprovantes respectivos dos gastos, consideram pertinente que a Corte
conceda uma indenização geral por cada semana de desaparecimento até o momento da
localização dos corpos de US$ 150,00 (cento e cinquenta dólares dos Estados Unidos da
América) distribuídos da seguinte maneira: i) à jovem Herrera, US$ 150,00 (cento e
cinquenta dólares dos Estados Unidos da América); ii) à jovem González, US$ 600,00
(seiscentos dólares dos Estados Unidos de América), e iii) à jovem Ramos, US$ 1.050,00
(mil e cinquenta dólares dos Estados Unidos da América).
562. Os representantes reconheceram que o Estado concedeu um auxílio extraordinário a
título de pagamento de serviços funerários nos anos de 2004 e 2006 para cobrir “uma parte
das despesas da senhora Monreal e da senhora González no ano de 2001”, estimados em $
2.600,00 (dois mil e seiscentos pesos mexicanos) e $ 6.500,00 (seis mil e quinhentos pesos

540
Cf. Responsabilidade internacional pela expedição e aplicação de leis violatórias da Convenção (artigos 1 e
2 da Convenção Americana de Direitos Humanos). Parecer Consultivo OC-14/94 de 9 de dezembro de 1994, par.
35 e Caso Castillo Páez Vs. Peru. Supervisão de Cumprimento de Sentença. Resolução da Corte Interamericana de
3 de abril de 2009, considerando quinto.
541
As senhoras González e Monreal reconheceram haver recebido “casas mínimas”. Entretanto, o Estado não
contrariou uma das declarações das mães na audiência pública em relação às condições dos imóveis, segundo a
qual “nos deram uma casa mínima que mede vinte metros mais ou menos, está em região de risco, está em uma
lixeira, […] está perigoso, é uma região de risco” (Cf. declaração da senhora González, nota 183 supra). Tampouco
contrariou uma declaração da perita Azaola Garrido no sentido de que a “casa mínima” que o Estado lhes concedeu
“[s]e trata de um quarto de, aproximadamente, 4 x 4 metros, em um local distante da cidade, que carece de todo
tipo de serviços e que inclusive no início carecia de transporte público, o que implicava tempo de traslado para
seus locais de trabalho de até duas horas, assim como longas jornadas em que as crianças deviam permanecer
sozinhas” (Cf. declaração da perita Azaola Garrifo, folha 3370, nota 186 supra).
132

mexicanos), respectivamente. Em relação à senhora Monárrez, afirmaram que “não há


registro de que [o] auxílio extraordinário tenha sido entregue”.
563. Sem exibir comprovantes dos gastos funerários, os representantes solicitaram fixar a
título de dano emergente derivado dos gastos funerários das famílias das vítimas as somas
de: i) US$ 1.000,00 (mil dólares dos Estados Unidos da América) para a senhora Monreal, e
compensar os gastos que não foram devidamente cobertos pelo Estado no ano de 2006; ii)
US$ 1.000,00 (mil dólares dos Estados Unidos da América) para a senhora González, e
compensar os gastos que não foram cobertos pelo Estado no ano de 2004, e iii) US$
1.300,00 (mil e trezentos dólares dos Estados Unidos da América) para a senhora Monárrez,
e compensar os gastos realizados e que não foram compensados em nenhum momento pelo
Estado.
564. O Estado apresentou uma proposta de reparação para cada uma das vítimas e, em
relação ao dano emergente, estabeleceu que os gastos distribuídos pelos familiares das
vítimas, como consequência de sua morte, poderiam englobar $ 10.000,00 (dez mil pesos
mexicanos) para cada vítima, levando em consideração o valor que equivaleria aos “gastos
funerários” em Ciudad Juárez. Além disso, anunciou que a Procuradoria Geral de Justiça do
Estado de Chihuahua entregou aos familiares da jovem Herrera, a título de pagamento de
serviços funerários, em 2006, um total de $ 3.300,00 (três mil e trezentos pesos
mexicanos),542 e anteriormente o Instituto Chihuahuense da Mulher concedeu em 2004 à
senhora Monreal e seus familiares um total de $ 6.500,00 (seis mil e quinhentos pesos
mexicanos), a título de apoio para gastos funerários.543
565. Diante da falta de apresentação de comprovantes que provem que os gastos
funerários superaram as quantias solicitadas pelos representantes e levando em
consideração que: i) os representantes reconheceram que a senhora Monreal e a senhora
González receberam $ 2.600,00 (dois mil e seiscentos pesos mexicanos) e $ 6.500,00 (seis
mil e quinhentos pesos mexicanos), respectivamente; ii) a falta de prova do Estado de que
concedeu algum apoio a título de gastos funerários à senhora Monárrez, e iii) o
reconhecimento do Estado de que em Ciudad Juárez os gastos funerários equivalem a $
10.000,00 (dez mil pesos mexicanos), este Tribunal considera, em equidade, que sejam
entregues US$ 550,00 (quinhentos e cinquenta dólares dos Estados Unidos da América) à
senhora Monreal, US$ 250,00 (duzentos e cinquenta dólares dos Estados Unidos da
América) à senhora González e US$ 750,00 (setecentos e cinquenta dólares dos Estados
Unidos da América) à senhora Monárrez a título de gastos funerários.
566. Em relação aos gastos extraordinários, dado que: i) os representantes não
afirmaram por que o Tribunal deveria ordenar ao Estado indenizar os gastos extraordinários,
diferentes dos funerários, em que incorreram os familiares das vítimas, tomando como base
para o cálculo a quantia de US$ 150,00 (cento e cinquenta dólares dos Estados Unidos da
América) por cada semana de desaparecimento até a data de localização dos corpos; ii) na
audiência, duas das mães reconheceram de maneira geral haver realizado gastos diferentes
aos funerários,544 e iii) o Estado não controverteu este pedido de gastos concretamente,
mas se limitou a propor somente uma indenização a título de “gastos funerários”; a Corte
decide conceder, em equidade, a título de gastos de busca: i) US$ 150,00 (cento e
cinquenta dólares dos Estados Unidos da América) à senhora Monreal; ii) US$ 600,00
(seiscentos dólares dos Estados Unidos da América) à senhora González; e, iii) US$
1.050,00 (mil e cinquenta dólares dos Estados Unidos da América) à senhora Monárrez.

542
Cf. declaração da testemunha Galindo López, folha 3308, nota 525 supra.
543
Cf. declaração da testemunha Camberos Revilla, folha 2982, nota 524 supra.
544
A senhora González fez referência a gastos por cópias e outros itens. Por sua vez, a senhora Monárrez fez
referência a gastos por estudos de DNA (Cf. declarações das senhoras Monárrez e González, nota 183 supra).
133

567. As indenizações fixadas no parágrafo anterior serão entregues diretamente a suas


destinatárias.
6.1.2. Lucro cessante ou perda de ingressos
568. Os representantes alegaram que um cálculo “mais exato” do lucro cessante exige ter
em consideração certo tipo de “incremento[s] anua[is]” em relação ao “salário diário” e ao
“salário atualizado” que recebiam as vítimas. Além disso, aludiram a conceitos tais como
“fator de integração” e “salário progressivo dos anos subsequentes”. Afirmaram que
deveriam ser integrados todos os “fatores” que a Corte desenvolveu em sua jurisprudência
e que estão relacionados com a “ponderação da idade no momento da morte, os anos
restantes para completar a expectativa de vida média do país em questão” e uma
“estimativa” dos salários que são pagos pelo “tipo de trabalho realizado pelas vítimas”, bem
como sua “preparação e oportunidades profissionais”. Afirmaram que não deveriam ser
descontados “os 25% por gastos pessoais que poderia[m] haver incorrido a[s] vítima[s]”,
em virtude de que no Caso Bámaca Velásquez Vs. Guatemala, “o Tribunal não descontou
essa quantia”. Finalmente, desenvolveram uma fórmula para calcular o lucro cessante por
meio da qual calcularam as quantias devidas a cada vítima por este conceito.545
569. Os representantes argumentaram que a jovem Herrera trabalhava em uma “casa
como empregada”, recebia um salário mensal de $ 3.000,00 (três mil pesos mexicanos) e
que no momento de sua morte tinha 15 anos de idade. Calcularam, em conformidade com
sua fórmula, que o montante total deixado de receber pela jovem Herrera chegava a $
15.520.085,59 (quinze milhões, quinhentos e vinte mil, oitenta e cinco pesos mexicanos e
59 centavos), que equivaleriam, segundo seu critério, a US$ 958.029,97 (novecentos e
cinquenta e oito mil e vinte e nove dólares dos Estados Unidos da América e 97 centavos),
tomando como referência a taxa de câmbio de 20 de fevereiro de 2008.
570. Em relação à jovem González, os representantes alegaram que trabalhava em uma
“maquiladora” e que no momento de sua morte tinha 20 anos de idade e ganhava um
salário mensal de $ 2.000,00 (dois mil pesos mexicanos). Em conformidade com sua
fórmula, afirmaram que o montante deixado de perceber chegava a $ 7.593.561,83 (sete
milhões, quinhentos e noventa e três mil, quinhentos e sessenta e um pesos mexicanos e
83 centavos), equivalentes a US$ 703.107,57 (setecentos e três mil, cento e sete dólares
dos Estados Unidos da América e 57 centavos).
571. Em relação à jovem Ramos, os representantes afirmaram que no momento de seu
desaparecimento tinha 17 anos de idade, trabalhava em um restaurante como caixa, e
recebia um salário mensal de $ 4.600,00 (quatro mil e seiscentos pesos mexicanos). Em
conformidade com sua fórmula, afirmaram que o montante que deixou de receber esta
vítima chegava a $ 20.400.026,75 (vinte milhões, quatrocentos mil, vinte e seis pesos
mexicanos e 75 centavos), equivalentes a US $ 1.888.891,36 (um milhão, oitocentos e
oitenta e oito mil, oitocentos e noventa e um dólares dos Estados Unidos da América e 36
centavos).
572. Os representantes informaram em suas alegações finais que o total deixado de
receber pela jovem Herrera em seu equivalente em dólares americanos na taxa de câmbio
de 12 de junho de 2009 é de US$ 772.143,56 (setecentos e setenta e dois mil, cento e
quarenta e três dólares dos Estados Unidos da América e 56 centavos), e o das jovens
González e Ramos US$ 566.683,71 (quinhentos e sessenta e seis mil, seiscentos e oitenta e
três dólares dos Estados Unidos da América e 71 centavos) e US$ 1.522.390,00 (um

545
Os representantes exibiram quadros de cálculo para o montante de lucro cessante das vítimas sem
explicitar nos mesmos o desenvolvimento da fórmula (expediente de anexos ao escrito de petições e argumentos,
tomo XXIII, anexo 19, folhas 8099 a 8105).
134

milhão, quinhentos e vinte e dois mil, trezentos e noventa dólares dos Estados Unidos da
América), respectivamente.
573. Por sua vez, o Estado informou que a jovem Herrera se dedicava à “limpeza
doméstica” e que no Estado de Chihuahua o padrão de renda que se recebe por este tipo de
serviços é de $ 31.200,00 (trinta e um mil e duzentos pesos mexicanos) anuais, ou seja, $
2.600,00 (dois mil e seiscentos pesos mexicanos) mensais. O Estado referiu que a morte da
jovem Herrera ocorreu em novembro de 2001, em cuja data a média de expectativa de vida
no México para mulheres era de 76,7 anos em conformidade com o Instituto Nacional de
Informação Estatística e Geografia do México (INEGI) 546 e que levando em consideração que
a vítima tinha 15 anos de idade quando ocorreu sua morte, o Estado considerou que o que
deixariam de receber os familiares da vítima como consequência da morte da jovem Herrera
é de $ 1.903.200,00 (um milhão, novecentos e três mil e duzentos pesos mexicanos).
574. Em relação à jovem González, o Estado alegou que se sabe que trabalhava em uma
“empresa maquiladora” e estabeleceu que fazendo uma estimativa do que recebia no
momento de sua morte e do que atualmente receberia por prestar este tipo de serviços
laborais, seu salário integral aproximado seria de $ 31.200,00 (trinta e um mil e duzentos
pesos mexicanos) anuais. Levando em consideração a expectativa de vida no México e
considerando que a vítima tinha 20 anos no momento de sua morte, o Estado afirmou que a
quantia que deixariam de receber os familiares da jovem González chega a $ 1.747.200,00
(um milhão, setecentos e quarenta e sete mil e duzentos pesos mexicanos).
575. Em relação à jovem Ramos, o Estado alegou que tinha conhecimento de que “não
trabalhava” antes de morrer. Entretanto, o Estado considerou neste caso o mesmo salário
anual que foi considerado para as duas vítimas anteriores, isto é, de $ 31.200,00 (trinta e
um mil e duzentos pesos mexicanos) anuais. O Estado, tendo em conta a expectativa de
vida e que a vítima tinha 17 anos quando ocorreu sua morte, considerou que o que
deixaram de receber os familiares chega a $ 1.840.800,00 (um milhão, oitocentos e
quarenta mil e oitocentos pesos mexicanos).
576. A Corte observa que: i) tanto a média de expectativa de vida apresentada pelos
representantes como a apresentada pelo Estado se refere, em última instância, a uma
mesma fonte nacional, ao haver obtido os dados do INEGI e do Programa das Nações
Unidas para o Desenvolvimento do Conselho Nacional de População do México (CONAPO); ii)
as medias de expectativa de vida diferem em 1,2 anos, sendo menor a proposta pelo
Estado. Entretanto, em conformidade com os indicadores básicos do CONAPO, a média de
expectativa de vida de mulheres no Estado de Chihuahua em 2001 era de 76,97; iii) as
idades das jovens Herrera, González e Ramos eram 15, 20 e 17 anos de idade no momento
de seu desaparecimento, e iv) tanto o salário mensal de cada uma das vítimas proposto
pelos representantes como o salário mensal proposto pelo Estado não têm sustentação
probatória.
577. Em virtude do anterior, a Corte conclui que o oferecimento estatal realizado para
compensar o lucro cessante (par. 573, 574 e 575 supra) é adequado. Portanto, o leva em
consideração e, em equidade, decide fixar as seguintes quantias que o Estado deverá
pagar:
Vítima Montante
Esmeralda Herrera Monreal US $145.500,00
Claudia Ivette González US $134.000,00
Laura Berenice Ramos Monárrez US $140.500,00

546
Para obter o índice de expectativa de vida no México para mulheres, o Estado remeteu ao site oficial do
Instituto Nacional de Informação Estatística e Geografia do México (INEGI): www.inegi.gob.mx Nesta página se
observa que a média de expectativa de vida é extraída do Conselho Nacional de População do México (CONAPO).
135

578. Estas quantias serão divididas em conformidade com o direito sucessório vigente na
atualidade no Estado de Chihuahua, México.
6.2. Dano imaterial
579. Em sua jurisprudência, o Tribunal determinou diversas formas em que o dano
imaterial pode ser reparado.547
6.2.1. Dano moral
580. Os representantes enunciaram em seu escrito as violações imateriais sofridas pelos
familiares das vítimas e quantificaram o dano moral nas seguintes quantias: i) US$
120.000,00 (cento e vinte mil dólares dos Estados Unidos da América) para as mães de
Esmeralda Herrera Monreal e Laura Berenice Ramos Monárrez; ii) US$ 150.000,00 (cento e
cinquenta mil dólares dos Estados Unidos da América) para a mãe de Claudia Ivette
González; iii) US$ 50.000,00 (cinquenta mil dólares dos Estados Unidos da América) para
cada um dos irmãos das vítimas, e iv) 25.000,00 (vinte e cinco mil dólares dos Estados
Unidos da América) para cada um dos familiares restantes.
581. O Estado ofereceu conceder como reparação compensatória pelos sofrimentos
causados aos familiares das três vítimas, em virtude das irregularidades cometidas pelos
funcionários públicos que participaram durante as investigações dos três casos até antes de
2004, a quantia de US$ 10.000,00 (dez mil dólares dos Estados Unidos da América) a cada
familiar ou seu equivalente em pesos mexicanos.
582. A jurisprudência internacional estabeleceu reiteradamente que uma sentença
declaratória de violação de direitos constitui, per se, uma forma de reparação.548 Entretanto,
a Corte considera pertinente determinar o pagamento de uma compensação a título de
danos imateriais a favor dos familiares das jovens Herrera, González e Ramos, considerados
vítimas da violação ao artigo 5 da Convenção Americana, em relação ao artigo 1.1 da
mesma.
583. A Corte concluiu que os familiares experimentaram e continuam experimentando
afetações em sua integridade psíquica e moral em razão de três causas: i) a privação da
liberdade, humilhações e morte sofridas pelas jovens Herrera, González e Ramos; ii) as
irregularidades na investigação das autoridades e a impunidade; e iii) as perseguições
sofridas pelo familiares indicados no parágrafo 440 supra.
584. Levando em consideração o anterior, bem como o exposto no parágrafo 560 supra, e
considerando que é razoável o oferecimento estatal de pagar US$ 10.000,00 (dez mil
dólares dos Estados Unidos da América) a cada um dos familiares das vítimas, a Corte
decide partir dessa quantia e i) incluir os familiares declarados vítimas neste caso que não
foram considerados no oferecimento estatal; ii) incrementar tal quantia em US$ 1.000,00
(mil dólares dos Estados Unidos da América) para cada um dos familiares, como forma de
reparação pelo dano moral que as violações não reconhecidas pelo Estado produziram; iii)

547
O dano imaterial pode compreender tanto os sofrimentos e as aflições causados à vítima e a seus parentes
próximos, a deterioração de valores muito significativos para as pessoas, assim como as alterações, de caráter não
pecuniário, nas condições de existência da vítima ou sua família. Dado que não é possível designar ao dano
imaterial um equivalente monetário preciso, somente pode ser objeto de compensação por meio do pagamento de
uma quantia em dinheiro ou a entrega de bens ou serviços apreciáveis em dinheiro, que o Tribunal determina em
termos de equidade, assim como por meio da realização de atos ou obras de alcance ou repercussão públicos que
tenham como efeito o reconhecimento da dignidade da vítima e evitar que voltem a ocorrer violações dos direitos
humanos (Cf. Caso Anzualdo Castro Vs. Peru, par. 218, nota 30 supra, e Caso Dacosta Cadogan Vs. Barbados, par.
111, nota 446 supra).
548
Cf. Caso Neira Alegría e outros Vs. Peru. Reparações e Custas. Sentença de 19 de setembro de 1996.
Série C N° 29, par. 56; Caso Anzualdo Castro Vs. Peru, par. 219, nota 30 supra, e Caso Dacosta Cadogan Vs.
Barbados, par. 100, nota 446 supra.
136

incrementar a quantia resultante em US$ 4.000,00 (quatro mil dólares dos Estados Unidos
da América) a favor das três mães, já que nelas recaiu a busca de justiça; iv) incrementar a
quantia resultante em US$ 1.000,00 (mil dólares dos Estados Unidos da América) a favor de
Adrián Herrera Monreal, Claudia Ivonne e Daniel Ramos Monárrez; Ramón Antonio Aragón
Monárrez, e Claudia Dayana, Itzel Arely e Paola Alexandra Bermúdez Ramos pelos atos de
perseguição que sofreram, e iv) incrementar a quantia resultante em US$ 3.000,00 (três mil
dólares dos Estados Unidos da América) a favor da senhora Benita Ramos Salgado, em
razão dos atos de perseguição que sofreu.
585. Além disso, ainda que os representantes não tenham solicitado, o Tribunal considera
que é oportuno ordenar ao Estado que indenize as jovens Herrera, Ramos e González pela
falta de garantia de seus direitos à vida, à integridade pessoal e à liberdade pessoal. Para
fixar a quantia correspondente, a Corte tem em consideração sua jurisprudência em casos
similares;549 o contexto no qual se produziram os fatos; a idade das vítimas e as
consequentes obrigações especiais do Estado para a proteção da infância, e a violência por
razões de gênero que as três vítimas sofreram. Por conseguinte, fixa em equidade a quantia
de US$ 38.000,00 (trinta e oito mil dólares dos Estados Unidos da América) a favor de
Claudia Ivette González e US$ 40.000,00 (quarenta mil dólares dos Estados Unidos da
América) para cada uma das meninas, Esmeralda Herrera Monreal e Laura Berenice Ramos
Monárrez. Estas quantias serão divididas em conformidade com o direito sucessório vigente
na atualidade no Estado de Chihuahua, México.
586. Consequentemente, o Estado deverá entregar as seguintes quantias:
Vítima Parentesco Montante
Esmeralda Herrera Monreal US$40.000,00
Irma Monreal Jaime Mãe US$15.000,00
Benigno Herrera Monreal Irmão US$11.000,00
Adrián Herrera Monreal Irmão US$12.000,00
Juan Antonio Herrera Monreal Irmão US$11.000,00
Cecilia Herrera Monreal Irmã US$11.000,00
Zulema Montijo Monreal Irmã US$11.000,00
Erick Montijo Monreal Irmão US$11.000,00
Juana Ballín Castro Cunhada US$11.000,00
Claudia Ivette González US$38.000,00
Irma Josefina González Rodríguez Mãe US$15.000,00
Mayela Banda González Irmã US$11.000,00
Gema Iris González Irmã US$11.000,00
Karla Arizbeth Hernández Banda Sobrinha US$11.000,00
Jacqueline Hernández Sobrinha US$11.000,00
Carlos Hernández Llamas Cunhado US$11.000,00
Laura Berenice Ramos Monárrez US$40.000,00
Benita Monárrez Salgado Mãe US$18.000,00
Claudia Ivonne Ramos Monárrez Irmã US$12.000,00
Daniel Ramos Monárrez Irmão US$12.000,00
Ramón Antonio Aragón Monárrez Irmão US$12.000,00
Claudia Dayana Bermúdez Ramos Sobrinha US$12.000,00
Itzel Arely Bermúdez Ramos Sobrinha US$12.000,00
Paola Alexandra Bermúdez Ramos Sobrinha US$12.000,00
Atziri Geraldine Bermúdez Ramos Sobrinha US$12.000,00

549
Cf. Caso do “Massacre de Mapiripán” Vs. Colômbia, par. 288, nota 252 supra; Caso Heliodoro Portugal Vs.
Panamá, par. 239, nota 297 supra, e Caso Kawas Fernández Vs. Honduras, par. 184, nota 190 supra.
137

6.2.2. Dano ao projeto de vida das vítimas


587. Os representantes alegaram que as jovens Herrera, González e Ramos sofreram
danos a seu projeto de vida por diversas causas.
588. A Comissão e o Estado não realizaram alegações a esse respeito.
589. Além de que os representantes não argumentaram suficientemente por que os atos
do Estado afetaram o projeto de vida das jovens Herrera, González e Ramos, a Corte afirma
que a reparação por dano ao projeto de vida não procede quando a vítima faleceu, ao ser
impossível repor as expectativas de realização que razoavelmente toda pessoa tem. Por
essa razão, o Tribunal se abstém de realizar maiores considerações a esse respeito.
7. Custas e gastos
590. Como a Corte já afirmou em oportunidades anteriores, as custas e gastos estão
compreendidos dentro do conceito de reparação consagrado no artigo 63.1 da Convenção
Americana.550
591. A Comissão solicitou que se ordene ao Estado o pagamento das custas e gastos
razoáveis e necessários devidamente provados, que se originem na tramitação do presente
caso tanto no âmbito interno como perante o Sistema Interamericano.
592. Os representantes solicitaram o pagamento de gastos e custas originados no âmbito
nacional e no âmbito internacional na tramitação do caso, em conformidade com os
montantes considerados da seguinte maneira:
a. A Associação Nacional de Advogados Democráticos A.C. (ANAD) considerou
suas custas e gastos a título de viagens à Cidade do México, viagens a Washington
D.C., despesas por hospedagem e alimentação entre os anos de 2005 e 2008 em
Ciudad Juárez, pagamento de honorários de advogados e outros gastos em um total
de US$ 44.776,11 (quarenta e quatro mil, setecentos e setenta e seis dólares dos
Estados Unidos da América e 11 centavos).
b. O Centro para o Desenvolvimento Integral da Mulher (CEDIMAC) considerou
suas custas e gastos a título de investigação entre os anos de 2003 a 2007,
representação legal e gastos de intervenção psicológica e atendimento clínico em um
total de US$ 205.351,85 (duzentos e cinco mil, trezentos e cinquenta e um dólares
dos Estados Unidos da América e 85 centavos).
c. O Comitê da América Latina e do Caribe para a Defesa dos Direitos da Mulher
(CLADEM) considerou suas custas e gastos a título de viagens aéreas à cidade do
México, viagens à cidade de Washington D.C., pagamento de honorários profissionais
e outros gastos em um total de US$ 14.490,74 (quatorze mil, quatrocentos e
noventa dólares dos Estados Unidos da América e 74 centavos).
d. A Rede Cidadã de Não Violência e Dignidade Humana considerou suas custas
e gastos em um total de US$ 33.230,00 (trinta e três mil, duzentos e trinta dólares
dos Estados Unidos da América), a título de consulta cidadã realizada em março de
2002, traslados, hospedagem e alimentação nas viagens realizadas à cidade do
México, durante o período compreendido entre os anos de 2003 e 2005, viagem à
cidade de Washington D.C. em outubro de 2006, honorários profissionais e outros
gastos.

550
Cf. Caso Garrido e Baigorria Vs. Argentina. Reparações e Custas. Sentença de 27 de agosto de 1998. Série
C N° 39, par. 79; Caso Perozo e outros Vs. Venezuela, par. 417, nota 22 supra; Caso Garibaldi Vs. Brasil, par. 194,
nota 252 supra.
138

593. O Estado afirmou que “os gastos e custas no âmbito interno que familiares da[s]
vítima[s] puderam haver custeado, foram cobertos pelo Estado”. Além disso, afirmou que as
custas e gastos que houvessem incorrido no âmbito internacional são desconhecidos do
Estado. Apesar disso, o Estado considerou que se as mães de cada vítima houvessem
participado em três ocasiões a reuniões na sede da Comissão, entre gastos de transporte e
hospedagem, o montante a receber por cada uma chegaria a aproximadamente $
81.500.00 (oitenta e um mil e quinhentos pesos mexicanos). Finalmente, o Estado
acrescentou que não pode reconhecer como vítimas do procedimento as organizações
representantes das vítimas, de maneira que não podem obter a seu favor somas
monetárias, já que somente as vítimas podem receber como reparação o reembolso de
gastos, e que receber a quantia total de US$ 284.498,00 (duzentos e oitenta e quatro mil,
quatrocentos e noventa e oito dólares dos Estados Unidos da América) “resulta[ria] absurda
e contrária à equidade, visto que e[ra] superior ao montante de compensação para cada
uma das três vítimas no presente caso”.
594. O Tribunal esclarece que as custas e gastos, à diferença das medidas de indenização,
não são concedidas a quem foi declarada vítima, porque as custas não são uma
indenização. Dependendo das circunstâncias do caso, corresponde sua concessão à pessoa
ou instituição que representou a vítima. O reembolso se justifica na necessidade de não
gerar um prejuízo econômico para quem não cometeu a violação. O ônus corresponde ao
Estado caso seja constatada sua responsabilidade internacional na matéria.
595. Os representantes das vítimas não apresentaram nenhum elemento probatório que
comprovasse os gastos que foram alegados. A esse respeito, o Tribunal afirmou que “as
pretensões das vítimas ou seus representantes em matéria de custas e gastos, e as provas
que as sustentam, devem ser apresentadas à Corte no primeiro momento processual que
lhes é concedido, isto é, no escrito de petições e argumentos, sem prejuízo de que tais
pretensões sejam atualizadas em um momento posterior, em conformidade com as novas
custas e gastos em que se tenha incorrido em razão do procedimento perante esta
Corte”.551
596. A Corte observa que o Estado fez um oferecimento de pagamento a título de gastos e
custas na quantia de $ 244.500,00 (duzentos e quarenta e quatro mil e quinhentos pesos
mexicanos) a título de reuniões das mães das jovens Herrera, Ramos e González perante a
Comissão Interamericana. Além disso, o Tribunal observa que os representantes não
efetuaram nenhuma manifestação em relação à afirmação do Estado segundo a qual teriam
sido cobertas as custas do foro interno. Entretanto, o Tribunal também adverte que os
representantes das vítimas incorreram em gastos para assistir à audiência pública do caso
realizada na cidade de Santiago, Chile, assim como gastos relativos ao exercício de sua
representação legal, tais como a remissão de seus escritos, gastos de comunicação, entre
outros, durante o processo perante este Tribunal. Levando em consideração o anterior e
diante da falta de comprovantes destes gastos, determina, em equidade, que o Estado deve
entregar a quantia de US$ 45.000,00 (quarenta e cinco mil dólares dos Estados Unidos da
América) às mães das jovens Herrera, Ramos e González que entregarão, se for o caso, a
quantia que considerem adequada a seus representantes, a título de custas e gastos. Este
montante inclui os gastos futuros em que possam incorrer durante a supervisão do
cumprimento desta Sentença e deverá ser entregue dentro de um ano a partir da
notificação da presente Sentença.

551
Cf. Caso Chaparro Álvarez e Lapo Íñiguez. Vs. Equador, par. 275, nota 265 supra; Caso Escher e outros
Vs. Brasil, par. 259, nota 46 supra, e Caso Tristán Donoso Vs. Panamá, par. 215, nota 9 supra.
139

8. Modalidade de cumprimento dos pagamentos ordenados


597. O pagamento da indenização por dano material e imaterial e o reembolso de custas e
gastos estabelecidos na presente Sentença serão feitos diretamente às pessoas indicadas na
mesma, no prazo de um ano, contado a partir de sua notificação, considerando o indicado
nos parágrafos 578 e 585 da mesma. Em caso de falecimento de algum beneficiário com
anterioridade ao pagamento das respectivas quantias, estas serão entregues a seus
herdeiros, em conformidade com o direito interno aplicável.
598. O Estado deverá cumprir as obrigações monetárias por meio do pagamento em
dólares dos Estados Unidos da América ou seu equivalente em moeda nacional, utilizando
para o respectivo cálculo a taxa de câmbio que se encontre vigente na bolsa de Nova York,
no dia anterior ao pagamento.
599. Se por causas atribuíveis aos beneficiários das indenizações ou a seus herdeiros não
for possível o pagamento das quantias determinadas dentro do prazo indicado, o Estado
consignará este montante a seu favor em uma conta ou certificado de depósito em uma
instituição financeira mexicana idônea, e nas condições financeiras mais favoráveis que
permitam a legislação e a prática bancária. Se depois de 10 anos o montante designado não
for reivindicado, as quantias serão devolvidas ao Estado com os juros acumulados.
600. As quantias designadas na presente Sentença sob o conceito de indenizações e
reembolso de custas e gastos não poderão ser afetadas ou condicionadas por motivos fiscais
atuais ou futuros. Portanto, deverão ser entregues aos beneficiários de forma íntegra em
conformidade com o estabelecido nesta Sentença.
601. Caso o Estado incorra em demora, deverá pagar juros sobre a quantia devida,
correspondente ao juro bancário moratório no México.
X
PONTOS RESOLUTIVOS
602. Portanto,

A CORTE

DECIDE,
por unanimidade,
1. Aceitar parcialmente a exceção preliminar interposta pelo Estado, em conformidade
com os parágrafos 31 e 80 da presente Sentença e, portanto, declarar que: i) tem
competência contenciosa em razão da matéria para conhecer de alegadas violações ao
artigo 7 da Convenção de Belém do Pará, e ii) não tem competência contenciosa em razão
da matéria para conhecer de supostas violações aos artigos 8 e 9 deste instrumento
internacional.
2. Aceitar o reconhecimento parcial de responsabilidade internacional efetuado pelo
Estado, nos termos dos parágrafos 20 a 30 da presente Sentença.
DECLARA,
por unanimidade, que,
3. Não pode atribuir ao Estado responsabilidade internacional por violações aos direitos
substantivos consagrados nos artigos 4 (Direito à Vida), 5 (Direito à Integridade Pessoal) e
7 (Direito à Liberdade Pessoal) da Convenção Americana sobre Direitos Humanos, derivadas
140

do descumprimento da obrigação de respeito contida no artigo 1.1 da mesma, em


conformidade com os parágrafos 238 a 242 desta Sentença.
4. O Estado violou os direitos à vida, à integridade pessoal e à liberdade pessoal,
reconhecidos nos artigos 4.1, 5.1, 5.2 e 7.1 da Convenção Americana, em relação à
obrigação geral de garantia contemplada no artigo 1.1 e à obrigação de adotar disposições
de direito interno contemplada no artigo 2 da mesma, bem como às obrigações
contempladas no artigo 7.b e 7.c da Convenção de Belém do Pará, em detrimento de
Claudia Ivette González, Laura Berenice Ramos Monárrez e Esmeralda Herrera Monreal, nos
termos dos parágrafos 243 a 286 da presente Sentença.
5. O Estado descumpriu seu dever de investigar e, com isso, seu dever de garantir os
direitos à vida, à integridade pessoal e à liberdade pessoal, consagrados nos artigos 4.1,
5.1, 5.2 e 7.1 da Convenção Americana, em relação aos artigos 1.1 e 2 da mesma e com o
artigo 7.b e 7.c da Convenção de Belém do Pará, em detrimento de Claudia Ivette González,
Laura Berenice Ramos Monárrez e Esmeralda Herrera Monreal. Pelos mesmos motivos, o
Estado violou os direitos de acesso à justiça e à proteção judicial, consagrados nos artigos
8.1 e 25.1 da Convenção Americana, em relação aos artigos 1.1 e 2 da mesma e 7.b e 7.c
da Convenção de Belém do Pará, em detrimento de: Irma Monreal Jaime, Benigno Herrera
Monreal, Adrián Herrera Monreal, Juan Antonio Herrera Monreal, Cecilia Herrera Monreal,
Zulema Montijo Monreal, Erick Montijo Monreal, Juana Ballín Castro, Irma Josefina González
Rodríguez, Mayela Banda González, Gema Iris González, Karla Arizbeth Hernández Banda,
Jacqueline Hernández, Carlos Hernández Llamas, Benita Monárrez Salgado, Claudia Ivonne
Ramos Monárrez, Daniel Ramos Monárrez, Ramón Antonio Aragón Monárrez, Claudia
Dayana Bermúdez Ramos, Itzel Arely Bermúdez Ramos, Paola Alexandra Bermúdez Ramos
e Atziri Geraldine Bermúdez Ramos, em conformidade com os parágrafos 287 a 389 da
presente Sentença.
6. O Estado violou o dever de não discriminação contido no artigo 1.1 da Convenção
Americana, em relação ao dever de garantia dos direitos à vida, à integridade pessoal e à
liberdade pessoal, consagrados nos artigos 4.1, 5.1, 5.2 e 7.1 de deste tratado, em
detrimento de Laura Berenice Ramos Monárrez, Esmeralda Herrera Monreal e Claudia Ivette
González; bem como em relação ao acesso à justiça, consagrado nos artigos 8.1 e 25.1 da
mencionada Convenção, em detrimento de Irma Monreal Jaime, Benigno Herrera Monreal,
Adrián Herrera Monreal, Juan Antonio Herrera Monreal, Cecilia Herrera Monreal, Zulema
Montijo Monreal, Erick Montijo Monreal, Juana Ballín Castro, Irma Josefina González
Rodríguez, Mayela Banda González, Gema Iris González, Karla Arizbeth Hernández Banda,
Jacqueline Hernández, Carlos Hernández Llamas, Benita Monárrez Salgado, Claudia Ivonne
Ramos Monárrez, Daniel Ramos Monárrez, Ramón Antonio Aragón Monárrez, Claudia
Dayana Bermúdez Ramos, Itzel Arely Bermúdez Ramos, Paola Alexandra Bermúdez Ramos
e Atziri Geraldine Bermúdez Ramos, nos termos dos parágrafos 390 a 402 da presente
Sentença.
7. O Estado violou os direitos da criança, consagrados no artigo 19 da Convenção
Americana, em relação aos artigos 1.1 e 2 da mesma, em detrimento das meninas
Esmeralda Herrera Monreal e Laura Berenice Ramos Monárrez, em conformidade com os
parágrafos 403 a 411 da presente Sentença.
8. O Estado violou o direito à integridade pessoal, consagrado no artigo 5.1 e 5.2 da
Convenção Americana, em relação ao artigo 1.1 da mesma, pelos sofrimentos causados a
Irma Monreal Jaime, Benigno Herrera Monreal, Adrián Herrera Monreal, Juan Antonio
Herrera Monreal, Cecilia Herrera Monreal, Zulema Montijo Monreal, Erick Montijo Monreal,
Juana Ballín Castro, Irma Josefina González Rodríguez, Mayela Banda González, Gema Iris
González, Karla Arizbeth Hernández Banda, Jacqueline Hernández, Carlos Hernández
Llamas, Benita Monárrez Salgado, Claudia Ivonne Ramos Monárrez, Daniel Ramos Monárrez,
141

Ramón Antonio Aragón Monárrez, Claudia Dayana Bermúdez Ramos, Itzel Arely Bermúdez
Ramos, Paola Alexandra Bermúdez Ramos e Atziri Geraldine Bermúdez Ramos, nos termos
dos parágrafos 413 a 424 da presente Sentença.
9. O Estado violou o direito à integridade pessoal, consagrado no artigo 5.1 e 5.2 da
Convenção Americana, em relação ao artigo 1.1 da mesma, pelos atos de perseguição que
sofreram Adrián Herrera Monreal, Benita Monárrez Salgado, Claudia Ivonne Ramos
Monárrez, Daniel Ramos Monárrez, Ramón Antonio Aragón Monárrez, Claudia Dayana
Bermúdez Ramos, Itzel Arely Bermúdez Ramos, Paola Alexandra Bermúdez Ramos e Atziri
Geraldine Bermúdez Ramos, nos termos dos parágrafos 425 a 440 da presente Sentença.
10. O Estado não violou o direito à proteção da honra e da dignidade, consagrado no
artigo 11 da Convenção Americana, nos termos dos parágrafos 441 a 445 da presente
Sentença.
E, DISPÕE
por unanimidade, que,
11. Esta Sentença constitui, per se, uma forma de reparação.
12. O Estado deverá, em conformidade com os parágrafos 452 a 455 desta Sentença,
conduzir eficazmente o processo penal em curso e, se for o caso, os que chegarem a ser
abertos, para identificar, processar e, se for o caso, punir os responsáveis materiais e
intelectuais pelo desaparecimento, maus-tratos e privação da vida das jovens González,
Herrera e Ramos, em conformidade com as seguintes diretrizes:
i) deverão ser removidos todos os obstáculos de jure ou de facto que impeçam
a devida investigação dos fatos e o desenvolvimento dos respectivos
processos judiciais, e deverão ser usados todos os meios disponíveis para
fazer com que as investigações e processos judiciais sejam expeditos a fim de
evitar a repetição de fatos iguais ou análogos aos do presente caso;
ii) a investigação deverá incluir uma perspectiva de gênero; empreender linhas
de investigação específicas em relação à violência sexual, para o que devem
ser incluídas as linhas de investigação sobre os padrões respectivos na
região; deve ser realizada em conformidade com os protocolos e manuais que
cumpram as diretrizes desta Sentença; deve ser fornecida informação
regularmente aos familiares das vítimas sobre os avanços na investigação e
dar-lhes pleno acesso aos autos, e deve ser realizada por funcionários
altamente capacitados em casos similares e em atenção a vítimas de
discriminação e violência por razão de gênero;
iii) deverá ser assegurado que os distintos órgãos que participem no
procedimento de investigação e nos processos judiciais contem com os
recursos humanos e materiais necessários para desempenhar as tarefas de
maneira correta, independente e imparcial, e que as pessoas que participem
na investigação contem com as devidas garantias de segurança, e
iv) os resultados dos processos deverão ser divulgados publicamente para que a
sociedade mexicana conheça os fatos objeto do presente caso.
13. O Estado deverá, dentro de um prazo razoável, investigar, por meio das instituições
públicas competentes, os funcionários acusados de irregularidades e, depois de um devido
processo, aplicar as sanções administrativas, disciplinares ou penais correspondentes aos
que forem considerados responsáveis, em conformidade com o exposto nos parágrafos 456
a 460 desta Sentença.
142

14. O Estado deverá realizar, dentro de um prazo razoável, as investigações


correspondentes e, se for o caso, punir os responsáveis pelas perseguições de que foram
objeto Adrián Herrera Monreal, Benita Monárrez Salgado, Claudia Ivonne Ramos Monárrez,
Daniel Ramos Monárrez, Ramón Antonio Aragón Monárrez, Claudia Dayana Bermúdez
Ramos, Itzel Arely Bermúdez Ramos, Paola Alexandra Bermúdez Ramos e Atziri Geraldine
Bermúdez Ramos, em conformidade com o exposto nos parágrafos 461 e 462 desta
Sentença.
15. O Estado deverá, no prazo de seis meses a partir da notificação da presente
Sentença, publicar no Diário Oficial da Federação, em um jornal de ampla circulação
nacional e em um jornal de ampla circulação no Estado de Chihuahua, por uma única vez,
os parágrafos 113 a 136, 146 a 168, 171 a 181, 185 a 195, 198 a 209 e 212 a 221 desta
Sentença e os pontos resolutivos da mesma, sem as notas de rodapé correspondentes.
Adicionalmente, o Estado deverá, dentro do mesmo prazo, publicar a presente Sentença
integralmente em um sítio web oficial do Estado. Tudo isso em conformidade com o
parágrafo 468 desta Sentença.
16. O Estado deverá, no prazo de um ano a partir da notificação desta Sentença, realizar
um ato público de reconhecimento de responsabilidade internacional em relação aos fatos
do presente caso, em honra à memória de Laura Berenice Ramos Monárrez, Esmeralda
Herrera Monreal e Claudia Ivette González, nos termos dos parágrafos 469 e 470 da
presente Sentença.
17. O Estado deverá, no prazo de um ano a partir da notificação desta Sentença, erigir
um monumento em memória das mulheres vítimas de homicídio por razões de gênero em
Ciudad Juárez, nos termos dos parágrafos 471 e 472 da presente Sentença. O monumento
será revelado na mesma cerimônia na qual o Estado reconheça publicamente sua
responsabilidade internacional, em cumprimento do ordenado no ponto resolutivo anterior.
18. O Estado deverá, em um prazo razoável, continuar com a padronização de todos os
seus protocolos, manuais, critérios de investigação, serviços periciais e de aplicação de
justiça, utilizados para investigar todos os crimes que sejam relacionados a
desaparecimentos, violência sexual e homicídios de mulheres, em conformidade com o
Protocolo de Istambul, o Manual sobre a Prevenção e Investigação Efetiva de Execuções
Extrajudiciais, Arbitrárias e Sumárias das Nações Unidas e os padrões internacionais de
busca de pessoas desaparecidas, com base em uma perspectiva de gênero, em
conformidade com o disposto nos parágrafos 497 a 502 desta Sentença. A esse respeito,
deverá ser apresentado um relatório anual durante três anos.
19. O Estado deverá, em um prazo razoável e de conformidade com os parágrafos 503 a
506 desta Sentença, adequar o Protocolo Alba, ou, na sua falta, implementar um novo
dispositivo análogo, em conformidade com as seguintes diretrizes, devendo apresentar um
relatório anual durante três anos:
i) implementar buscas de ofício e sem nenhuma demora, quando se apresentem
casos de desaparecimento, como uma medida dirigida a proteger a vida, liberdade
pessoal e a integridade pessoal da pessoa desaparecida;
ii) estabelecer um trabalho coordenado entre diferentes corpos de segurança
para encontrar o paradeiro da pessoa;
iii) eliminar qualquer obstáculo de fato ou de direito que reduza a efetividade da
busca ou que torne impossível seu início, como exigir investigações ou
procedimentos preliminares;
iv) designar os recursos humanos, econômicos, logísticos, científicos ou de
qualquer natureza que sejam necessários para o êxito da busca;
143

v) confrontar o relatório de desaparecimento com a base de dados de pessoas


desaparecidas referida nos parágrafos 509 a 512 supra, e
vi) priorizar as buscas em áreas onde razoavelmente seja mais provável
encontrar a pessoa desaparecida sem rejeitar arbitrariamente outras possibilidades
ou áreas de busca. Todo o anterior deverá ser ainda mais urgente e rigoroso quando
a desaparecida for uma criança.
20. O Estado deverá criar, em um prazo de seis meses a partir da notificação desta
Sentença, um site que deverá ser atualizado permanentemente e terá a informação pessoal
necessária de todas as mulheres, jovens e meninas que desapareceram em Chihuahua
desde 1993 e que continuam desaparecidas. Este site deverá permitir que qualquer
indivíduo se comunique por qualquer meio com as autoridades, inclusive de maneira
anônima, a fim de proporcionar informação relevante sobre o paradeiro da mulher ou da
menina desaparecida ou, se for o caso, de seus restos mortais, em conformidade com os
parágrafos 507 e 508 desta Sentença.
21. O Estado deverá, dentro do prazo de um ano a partir da notificação desta Sentença e
em conformidade com os parágrafos 509 a 512 da mesma, criar ou atualizar uma base de
dados que contenha:
i) a informação pessoal disponível de mulheres e meninas desaparecidas no
âmbito nacional;
ii) a informação pessoal que seja necessária, principalmente genética e amostras
celulares, dos familiares das pessoas desaparecidas que consintam – ou que assim o
ordene um Juiz - que o Estado armazene esta informação pessoal unicamente com o
objetivo de localizar a pessoa desaparecida, e
iii) a informação genética e amostras celulares provenientes dos corpos de
qualquer mulher ou menina não identificada que seja privada da vida no Estado de
Chihuahua.
22. O Estado deve continuar implementando programas e cursos permanentes de
educação e capacitação em direitos humanos e gênero; perspectiva de gênero para a devida
diligência na condução de investigações prévias e processos judiciais relacionados com
discriminação, violência e homicídios de mulheres por razões de gênero, e superação de
estereótipos sobre o papel social das mulheres dirigidos a funcionários públicos nos termos
dos parágrafos 531 a 542 da presente Sentença. O Estado deverá informar anualmente,
durante três anos, sobre a implementação dos cursos e capacitações.
23. O Estado deverá, dentro de um prazo razoável, realizar um programa de educação
destinado à população em geral do Estado de Chihuahua, com o fim de superar esta
situação. Para esse fim, o Estado deverá apresentar um relatório anual durante três anos,
no qual indique as ações que foram realizadas para tal fim, nos termos do parágrafo 543 da
presente Sentença.
24. O Estado deve oferecer atendimento médico, psicológico ou psiquiátrico gratuito, de
forma imediata, correta e efetiva, através de instituições estatais especializadas de saúde, a
Irma Monreal Jaime, Benigno Herrera Monreal, Adrián Herrera Monreal, Juan Antonio
Herrera Monreal, Cecilia Herrera Monreal, Zulema Montijo Monreal, Erick Montijo Monreal,
Juana Ballín Castro, Irma Josefina González Rodríguez, Mayela Banda González, Gema Iris
González, Karla Arizbeth Hernández Banda, Jacqueline Hernández, Carlos Hernández
Llamas, Benita Monárrez Salgado, Claudia Ivonne Ramos Monárrez, Daniel Ramos Monárrez,
Ramón Antonio Aragón Monárrez, Claudia Dayana Bermúdez Ramos, Itzel Arely Bermúdez
Ramos, Paola Alexandra Bermúdez Ramos e Atziri Geraldine Bermúdez Ramos, se estes
assim o desejam, nos termos dos parágrafos 544 a 549 esta Sentença.
144

25. O Estado deverá, dentro do prazo de um ano a partir da notificação desta Sentença,
pagar as quantias fixadas nos parágrafos 565, 566, 577, 586 e 596 da presente Sentença a
título de indenizações e compensações por danos materiais e imateriais e o reembolso de
custas e gastos, segundo corresponda, sob as condições e nos termos dos parágrafos 597 a
601 da presente Sentença.
26. A Corte supervisionará o cumprimento íntegro desta Sentença, em exercício de suas
atribuições e em cumprimento de seus deveres em conformidade com a Convenção
Americana, e dará por concluído o presente caso uma vez que o Estado tenha dado cabal
cumprimento ao disposto na mesma. Dentro do prazo de um ano contado a partir da
notificação desta Sentença o Estado deverá apresentar ao Tribunal um relatório sobre as
medidas adotadas para dar-lhe cumprimento.
A Juíza Cecilia Medina Quiroga e o Juiz Diego García-Sayán informaram à Corte seus Votos
Concorrentes, os quais acompanham a presente Sentença.

Redigida em espanhol e inglês, fazendo fé o texto em espanhol, em San José, Costa Rica,
em 16 de novembro de 2009.

Cecilia Medina Quiroga


Presidenta

Diego García-Sayán Manuel E. Ventura Robles

Margarette May Macaulay Rhadys Abreu Blondet

Rosa María Álvarez González


Juíza Ad Hoc

Pablo Saavedra Alessandri


Secretário

Comunique-se e execute-se,

Cecilia Medina Quiroga


Presidenta
Pablo Saavedra Alessandri
Secretário
VOTO CONCORRENTE DO JUIZ DIEGO GARCIA-SAYAN EM RELAÇÃO À SENTENÇA
DA CORTE INTERAMERICANA DE DIREITOS HUMANOS NO CASO GONZÁLES E
OUTRAS (“CAMPO ALGODOEIRO”) VS. MÉXICO, DE 16 DE NOVEMBRO DE 2009

1. A violência contra a mulher é um drama com várias dimensões e expressões. É, sem


dúvida, uma das manifestações persistentes de discriminação mais generalizadas no
mundo, que se reflete em um leque que vai de expressões sutis e veladas até situações
cruéis e violentas. Dentro desta última categoria se encontra obviamente a violência contra
a mulher em Ciudad Juárez, da que foram vítimas Claudia Ivette González, Esmeralda
Herrera Monreal e Laura Berenice Ramos Monárrez e a que se refere esta Sentença
proferida no Caso González e outras (“Campo Algodoeiro”) Vs. México (doravante
denominada “a Sentença”). Como o disse a Corte Interamericana de Direitos Humanos
(doravante denominada “a Corte Interamericana”, “a Corte” ou “o Tribunal”) na Sentença,
os fatos descritos foram influenciados “por uma cultura de discriminação contra a mulher”
(par. 164). Essa cultura “incidiu tanto nos motivos como na modalidade dos crimes, bem
como na resposta das autoridades frente a estes” (par. 164). Expressão disso, em
conformidade com a Sentença, são “as respostas ineficientes e as atitudes indiferentes
documentadas em relação à investigação destes crimes” (par. 164) sobre as quais a Corte
estabeleceu a responsabilidade internacional do Estado.
2. Em relação aos fatos de violência contra as mulheres em Ciudad Juárez, o Tribunal
se pergunta na Sentença se os atos perpetrados contra as vítimas, que terminaram com a
morte das jovens González, Herrera Monreal e Ramos Monárrez, são atribuíveis ao Estado
(par. 231). A Corte estabeleceu que carecia de elementos para concluir que os
perpetradores houvessem sido agentes estatais (par. 242) e concentrou seu raciocínio na
eventual responsabilidade do Estado por omissão no cumprimento de seu dever de garantia.
3. O tema do dever de prevenção foi tratado pela justiça internacional, em geral, e por
esta Corte, em particular, com enfoques claros dentro da indubitável complexidade do
problema. A jurisprudência do Tribunal estabeleceu critérios precisos e fundamentais sobre
o dever de prevenção. Esses critérios são mais específicos, certamente, quando se trata de
pessoas que se encontram sob custódia do Estado, como é o caso de um centro onde se
encontravam menores presos1 ou situações nas quais o Estado se encontra em posição
especial de garante como é o caso de uma comunidade indígena deslocada por haver sido
vítima do despojo de suas terras.2
4. Em situações mais “definidas” como as que se apresentaram nos casos Ximenes
Lopes Vs. Brasil ou Yakye Axa Vs. Paraguai, os critérios do Tribunal foram, de fato, mais
específicos, pois se referem a grupos humanos que ocupavam espaços que se encontravam
sob custódia do Estado dadas as características específicas dos problemas em cada caso. No
Caso Ximenes Lopes, a Corte estabeleceu que, no caso de pessoas com uma deficiência
mental e que se encontravam sob a custódia ou cuidado do Estado, 3 este tinha
responsabilidade internacional ao haver descumprido “seu dever de cuidar e de prevenir a
violação da vida e da integridade pessoal, bem como seu dever de regular e fiscalizar o
atendimento médico de saúde, o que constituem deveres especiais derivados da obrigação
de garantir os direitos consagrados nos artigos 4 e 5 da Convenção Americana”.4 No Caso
Yakye Axa, por sua vez, ao se tratar de uma comunidade indígena deslocada de seu
1
Cf. Caso Ximenes Lopes Vs. Brasil. Mérito, Reparações e Custas. Sentença de 4 de julho de 2006. Série C
N° 149.
2
Cf. Caso da Comunidade Indígena Yakye Axa Vs. Paraguai. Mérito Reparações e Custas. Sentença 17 de
junho de 2005. Série C N° 125
3
Cf. Caso Ximenes Lopes Vs. Brasil, par. 138, nota 1 supra.
4
Cf. Caso Ximenes Lopes Vs. Brasil, par. 146, nota 1 supra.
2

território, composta por um grupo identificável de famílias e que se encontrava


temporariamente em condições muito precárias em uma área limítrofe a uma estrada, a
Corte determinou que o Estado tinha “o dever de adotar medidas positivas, concretas e
orientadas à satisfação do direito a uma vida digna”.5
5. Tanto o Tribunal Europeu de Direitos Humanos (doravante denominado “o Tribunal
Europeu”) como a Corte Interamericana foram estabelecendo critérios precisos e rigorosos
para definir o “dever de prevenção” dentro de marcos situacionais mais amplos e gerais. O
Tribunal Europeu adotou a esse respeito decisões desde 1998 através das quais é analisada
a complexidade do tema do dever de prevenção e são enumerados alguns critérios
específicos para defini-lo. Assim, no Caso Osman Vs. Reino Unido o Tribunal Europeu
estabeleceu uma aproximação cautelosa para definir o dever de prevenção mencionando
alguns critérios específicos, reiterados em posteriores e mais recentes decisões desse
mesmo tribunal:6
Levando em consideração as dificuldades que implicam o planejamento e adoção de políticas públicas
nas sociedades modernas, para o Tribunal, a imprevisibilidade da conduta humana e as opções de
caráter operativo que devem ser tomadas em função das prioridades e dos recursos disponíveis, essa
obrigação positiva deve ser interpretada de forma que não imponha às autoridades uma carga
impossível ou desproporcional. […] Na opinião do Tribunal, quando haja uma alegação de que as
autoridades violaram sua obrigação positiva de proteger o direito à vida […], deve ser estabelecido
com clareza que no momento dos fatos as autoridades sabiam, ou deviam saber, da existência de um
risco real e imediato para a vida de um indivíduo ou indivíduos identificados como vítimas de atos
criminais de terceiros, e que tais autoridades não tomaram as medidas dentro do alcance de suas
atribuições que, apreciadas razoavelmente, podiam ser esperadas para evitar este risco.7

6. O Tribunal Europeu, pois, põe ênfase na dificuldade de garantir a ordem pública, na


imprevisibilidade da conduta humana e na vastidão de opções operacionais para determinar
prioridades e designação de recursos, derivando disso a conclusão de que a obrigação de
prevenir não pode ser interpretada em um sentido que imponha uma carga impossível ou
desproporcional ao Estado. Nessa perspectiva, enfatiza a obrigação de dar os “passos
apropriados” para proteger a vida das pessoas que estejam sob sua jurisdição8 o que supõe
implementar normas penais corretas para dissuadir o cometimento de crimes que estejam
respaldados por um maquinário de aplicação da lei em matéria de prevenção, repressão e
sanção.9 Em “algumas circunstâncias bem definidas”10 esta obrigação pode implicar,
inclusive, a obrigação positiva das autoridades de tomar medidas operacionais preventivas
para proteger um indivíduo cuja vida se encontre sob risco de sofrer atos criminais por
parte de outro indivíduo.

5
Cf. Caso da Comunidade Indígena Yakye Axa Vs. Paraguai, par. 162, nota 2 supra
6
Por exemplo, European Court of Human Rights, Case Kilic v. Turkey (Application N° 22492/93) Judgment
Strasbourg, 28 March 2000, par. 63, Cf. Case of Opuz v. Turkey (Application N° 33401/02), Judgment Strasbourg,
9 June 2009. para. 129.
7
Cf. Case of Osman v. The United Kingdom (87/1997/871/1083). Judgment Strasbourg, 28 October 1998,
para. 116. Texto original e oficial:
For the Court, and bearing in mind the difficulties involved in policing modern societies, the
unpredictability of human conduct and the operational choices which must be made in terms of
priorities and resources, such an obligation must be interpreted in a way which does not impose an
impossible or disproportionate burden on the authorities. […] In the opinion of the Court where there
is an allegation that the authorities have violated their positive obligation to protect the right to life
[…] it must be established to its satisfaction that the authorities knew or ought to have known at the
time of the existence of a real and immediate risk to the life of an identified individual or individuals
from the criminal acts of a third party and that they failed to take measures within the scope of their
powers which, judged reasonably, might have been expected to avoid that risk.
8
Cf. Case of Osman v. The United Kingdom, par. 115, nota 7 supra.
9
Cf. Case of Osman v. The United Kingdom, par. 115, nota 7 supra.
10
Cf. Case of Osman v. The United Kingdom, par. 115, nota 7 supra.
3

7. Em linha e em consonância com a jurisprudência do Tribunal Europeu, esta Corte


Interamericana construiu seus próprios critérios jurisprudencias sobre o dever de
prevenção. Um conceito que a Corte mencionou - e reiterou - desde o Caso Velásquez
Rodríguez Vs. Honduras na jurisprudência fundacional do Tribunal em 1988 é que o Estado
possui a obrigação de prevenir “razoavelmente” as violações dos direitos humanos. 11 Em
casos mais recentes, a Corte estabeleceu quais são os componentes para definir e precisar
o conteúdo do “dever de prevenção” em linha com decisões do Tribunal Europeu, como as
citadas.
8. No Caso Pueblo Bello Vs. Colômbia, o Tribunal estabeleceu critérios claros através de
conceitos que foram reiterados depois nos Casos da Comunidade Indígena Sawhoyamaxa
Vs. Paraguai12 e em Valle Jaramillo e outros Vs. Colômbia. 13 Assim, no Caso Pueblo Bello a
Corte estabeleceu que:
[…] para a Corte, é claro que um Estado não pode ser responsável por qualquer violação de direitos
humanos cometida entre particulares dentro de sua jurisdição. De fato, o caráter erga omnes das
obrigações convencionais de garantia a cargo dos Estados não implica uma responsabilidade
ilimitada dos Estados frente a qualquer ato ou fato de particulares, pois seus deveres de adotar
medidas de prevenção e proteção dos particulares em suas relações entre si se encontram
condicionados ao conhecimento de uma situação de risco real e imediato para um indivíduo ou
grupo de indivíduos determinado e às possibilidades razoáveis de prevenir ou evitar esse risco. Ou
seja, ainda que um ato, omissão ou fato de um particular tenha como consequência jurídica a
violação de determinados direitos humanos de outro particular, este não é automaticamente
atribuível ao Estado, pois deve-se atender as circunstâncias particulares do caso e a concretização
destas obrigações de garantia”.14

9. A Corte estabeleceu, pois, que não existe “uma responsabilidade ilimitada dos
Estados frente a qualquer ato ou fato de particulares” 15 e que o dever de prevenção tem -
em linhas gerais e fora das situações especiais nas quais o Estado tenha uma posição
especial de garante – três componentes que devem concorrer: 1) o “conhecimento de uma
situação de risco real e imediato”; 2) “um indivíduo ou grupo de indivíduos determinado”, e
3) “possibilidades razoáveis de prevenir ou evitar esse risco”. 16 Esses conceitos foram
apontados para se referir ao “risco real e imediato” nos Casos Ríos e outros Vs. Venezuela 17
e Perozo e outros Vs. Venezuela.18
10. Ao resolver o presente caso, a Corte recordou o já determinado no caso Velásquez
Rodríguez sobre a obrigação de prevenir “razoavelmente” (par. 236) e reiterou os três
critérios integrantes do dever de prevenção estabelecidos na jurisprudência desta Corte e
do Tribunal Europeu e recapitulados no parágrafo anterior.

11
Cf. Caso Velásquez Rodríguez Vs. Honduras. Exceções Preliminares. Sentença de 26 de junho de 1987.
Série C N° 1, par. 174.
12
Cf. Caso da Comunidade Indígena Sawhoyamaxa Vs. Paraguai. Mérito, Reparações e Custas. Sentença de
29 de março de 2006. Série C N° 146, par. 155.
13
Cf. Caso Valle Jaramillo e outros Vs. Colômbia. Mérito, Reparações e Custas. Sentença de 27 de novembro
de 2008. Série C N° 192, par. 78.
14
Cf. Caso do Massacre de Pueblo Bello Vs. Colômbia. Mérito, Reparações e Custas. Sentença de 31 de
janeiro de 2006. Série C N° 140, par. 123.
15
Cf. Caso do Massacre de Pueblo Bello Vs. Colômbia, par. 123, nota 14 supra.
16
Cf. Caso do Massacre de Pueblo Bello Vs. Colômbia, par. 123, nota 14 supra.
17
Cf. Caso Ríos e outros Vs. Venezuela. Exceções Preliminares, Mérito, Reparações e Custas. Sentença de 28
de janeiro de 2009. Série C N° 194, par. 110.
18
Cf. Caso Perozo e outros Vs. Venezuela. Exceções Preliminares, Mérito, Reparações e Custas. Sentença de
28 de janeiro de 2009. Série C N° 195, par. 121.
4

11. O Tribunal concluiu neste caso, assim, que a ausência de uma política geral que
devia haver sido iniciada em 1998 é uma falta do Estado no cumprimento geral de seu
dever de prevenção (par. 282). Esta “política geral” pode ser interpretada fazendo uso dos
critérios estabelecidos pelo Tribunal Europeu no Caso Osman Vs. Reino Unido, no sentido da
necessidade de uma política de segurança pública orientada à prevenção, persecução e
sanção de crimes, como aqueles contra mulheres que se conhecia que vinham sendo
cometidos em Ciudad Juárez, pelo menos desde esse ano, quando a Comissão Nacional de
Direitos Humanos (ente federal) advertiu sobre o padrão de violência contra a mulher nessa
localidade.
12. Simultaneamente, a Corte determina, entretanto, que “não foi estabelecido que [o
Estado] tinha conhecimento de um risco real e imediato para as vítimas deste caso” (par.
282) antes de seu sequestro e desaparecimento. Distinto é o tratamento que faz o Tribunal
no que a Sentença chama o “segundo momento”, que é desde quando o Estado sim teve
conhecimento sobre o risco “real e imediato” sobre um “grupo de indivíduos determinado”,
quando as três vítimas identificadas desapareceram, apresentando-se, assim, o perigo
concreto e específico de que elas fossem estupradas e privadas da vida, frente ao que o
Estado “não demonstrou ter adotado as medidas razoáveis, em conformidade com as
circunstâncias que cercavam os casos, para encontrar as vítimas com vida” (par. 284).
13. Ao reiterar sua jurisprudência na matéria sobre o “dever de prevenção”, a Corte
enfatizou as características e componentes fundamentais deste dever de garantia, bem
como as características e níveis da responsabilidade internacional do Estado. Assim, aparece
a combinação de uma obrigação de elaborar e pôr em prática o que nesta Sentença se
denomina “uma política geral” de segurança pública com seus respectivos espaços de
prevenção e persecução penal, entendendo as dificuldades em qualquer contexto e, pior
ainda, em contextos de criminalidade ampla e generalizada.
14. Mas, simultaneamente, a Corte estabelece os componentes específicos do dever de
prevenção para casos determinados em uma perspectiva que contribui a que não se diluam
os critérios para determinar a responsabilidade internacional do Estado confundindo-a,
eventualmente, com o crime comum. Isso facilita que não se diluam e evaporem conceitos
fundamentais como os de “violação de direitos humanos” ou “responsabilidade internacional
dos Estados” ou que se confundam com fatos muito graves, certamente, mas juridicamente
diferentes e distinguíveis como a atividade criminal de indivíduos. Os componentes do dever
de prevenção reiterados nesta Sentença, desta forma, ajudam a prevenir que no dia de
amanhã os atos criminais de um indivíduo possam ser confundidos com os deveres
internacionais do Estado.
15. Os Estados estão obrigados a estabelecer políticas gerais de ordem pública que
protejam a população da violência delinquencial. Esta obrigação tem prioridade progressiva
e decidida dado o contexto de crescente criminalidade na maioria dos países da região. Mas
disso não se deriva, como se diz com clareza nesta Sentença, que exista “uma
responsabilidade ilimitada dos Estados frente a qualquer ato ou fato de particulares” (par.
280) já que as medidas de prevenção sobre as quais o Estado pode ser declarado
internacionalmente responsável têm as características e componentes que a jurisprudência
desta Corte desenvolveu e que se reiteram nesta Sentença.

Diego García-Sayán
Juiz
Pablo Saavedra Alessandri
Secretário
VOTO CONCORRENTE DA JUÍZA CECILIA MEDINA QUIROGA EM RELAÇÃO À
SENTENÇA DA CORTE INTERAMERICANA DE DIREITOS HUMANOS NO CASO
GONZÁLEZ E OUTRAS (“CAMPO ALGODOEIRO”) VS. MÉXICO, DE 16 DE NOVEMBRO
DE 2009
1. Mesmo quando concordo com a decisão da Corte Interamericana de Direitos Humanos
(doravante denominada “Corte” ou “Tribunal”) neste caso, no sentido de que existe uma
violação do artigo 5.2 da Convenção Americana sobre Direitos Humanos (doravante
denominada “Convenção Americana” ou “Convenção”), não concordo com o fato de que a
Corte não tenha qualificado como tortura as ações perpetradas contra as vítimas.
2. Sob um ponto de vista prático-jurídico, não há maiores diferenças em qualificar ou não
uma conduta como tortura. Tanto a tortura como os tratamentos cruéis, desumanos ou
degradantes são violações de um direito humano e todos estes atos são regulamentados
praticamente da mesma maneira. Sem prejuízo disso, a Corte não vacilou em outros casos
em qualificar uma conduta como tortura, frequentemente sem mencionar as razões pelas
quais o fez, e se observa que o elemento principal é o da severidade da ação e como a
mesma afeta a vítima. É a conduta, em geral, a que determina a distinção entre tortura e
outros tratamentos cruéis, desumanos ou degradantes. A razão de qualificar um ato como
tortura obedece ao maior estigma em designá-lo em relação a outros, também
incompatíveis com o artigo 5.2 da Convenção.
3. A Corte decidiu explicitar os requisitos que eram exigidos para a ocorrência de tortura
no Caso Bueno Alves Vs. Argentina, entendendo que se está diante de um ato constitutivo
de tortura quando o maltrato é: a) intencional; b) cause severos sofrimentos físicos ou
mentais, e c) seja cometido com determinado fim ou propósito. 1 Se analisamos estes três
elementos veremos que o primeiro e o terceiro podem se encontrar presentes em outros
tratamentos incompatíveis com o artigo 5.2 da Convenção. A intencionalidade se refere à
consciência do sujeito de que está realizando um ato que irá causar um sofrimento ou um
sentimento de humilhação e o propósito se refere às razões pelas quais o executa:
dominação, discriminação, sadismo, alcance de alguma ação ou omissão da vítima ou
outros. Ambos os elementos podem existir nos tratamentos cruéis, desumanos ou
degradantes. Portanto, o que realmente distingue a tortura de outros tratamentos, nos
termos em que foi formulado pela Corte no Caso Bueno Alves, é a severidade do sofrimento
físico ou mental.
4. O Tribunal Europeu de Direitos Humanos (doravante denominado “Tribunal Europeu”)
adotou precisamente essa posição. Nesse sentido, no Caso Irlanda Vs. Reino Unido decidiu
que a tortura se refere a “um tratamento desumano que causa sofrimento muito sério e
cruel”. 2
5. A Observação Geral 20 ao Artigo 7 do Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos
(doravante denominado “o Pacto”), do Comitê de Direitos Humanos, 3 sustenta que a
distinção entre as diferentes formas de tratamento a que faz referência o Pacto “depende da
classe, propósito e severidade do tratamento particular.”4 Esse mesmo Comitê não fez

1
Cf. Caso Bueno Alves Vs. Argentina. Mérito, Reparações e Custas. Sentença de 11 de maio de 2007. Série
C N° 164, par. 79, e Caso Bayarri Vs. Argentina. Exceção Preliminar, Mérito, Reparações e Custas. Sentença de 30
de outubro de 2008. Série C N° 187, par. 81.
2
Cf. European Court of Human Rights, Case of Ireland v. The United Kingdom, (Application N° 5310/71)
Judgment Strasbourg, 18 January 1978, para. 167.
3
Cf. General Comment N° 20: Replaces general comment concerning prohibition of torture and cruel
treatment or punishment (Art. 7): 10/03/92 CCPR General Comment N°20.
4
Cf. General Comment N° 20, par. 4, nota 3 supra .
2

distinções entre os diversos tipos de conduta quando argumentou na Observação indicada


que:
A finalidade das disposições do artigo 7 do Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos é
proteger a dignidade e a integridade física e mental da pessoa. O Estado Parte tem o dever de
oferecer a toda pessoa, por meio das medidas legislativas e de outra natureza, a proteção
necessária contra os atos proibidos pelo artigo 7, sejam infligidos por pessoas que atuem no
desempenho de suas funções oficiais, à margem destas funções ou inclusive a título privado.5

6. O Tribunal Europeu tampouco fez qualquer distinção no recente Caso Opuz Vs.
Turquia,6 no qual argumentou:
Em relação à questão de se o Estado pode ser considerado responsável, sob o artigo 3, pelos
maus-tratos infligidos a pessoas por parte de atores não estatais, a Corte recorda que a obrigação
dos Estados Partes conforme o artigo 1 da Convenção, de assegurar a toda pessoa sob sua
jurisdição os direitos e liberdades consagrados na Convenção, conjuntamente com o artigo 3,
requer dos Estados que tomem medidas elaboradas para assegurar que os indivíduos sob sua
jurisdição não sejam objeto de tortura ou tratamentos ou penas cruéis, desumanos ou
degradantes, incluindo maus-tratos perpetrados por indivíduos privados (ver, mutatis mutandi,
H.L.R. v. France, 29 April 1997, § 40, Reports 1997-III). Particularmente, as crianças e outros
indivíduos vulneráveis têm direito à proteção por parte do Estado, em forma de dissuasão efetiva,
contra aquelas violações sérias à integridade pessoal (ver A. v. the United Kingdom,
23 September 1998, § 22, Reports 1998-VI).7

7. Como se pode observar, nenhuma destas decisões ou interpretações faz alusão ao


requisito da exigência da participação ativa, aquiescência ou tolerância, ou inação de um
agente estatal. Esse é um requisito agregado pela Convenção Interamericana para Prevenir
e Punir a Tortura (doravante denominada “a CIPST”) e pela Convenção contra a Tortura e
Outros Tratamentos ou Penas Cruéis, Desumanos ou Degradantes (doravante denominada
“Convenção contra a Tortura”). Ambas as Convenções são posteriores à Convenção
Americana, tendo entrado em vigor em 1987.
8. Ao ler os parágrafos 218, 219, 220 e 230 desta decisão, pode-se advertir que as três
vítimas sofreram graves agressões físicas e, muito provavelmente, violência sexual de
algum tipo antes de sua morte. A descrição do estado dos cadáveres, ainda que tenha sido
feita de maneira ineficiente nos primeiros momentos, mostra a magnitude do tratamento
que lhes foi infligido, de modo que os fatos permitiam ser considerados como atos de
tortura.
9. Não parece, pois, haver justificativa ao fato de que o tratamento que foi aplicado à
três vítimas deste caso não tenha sido qualificado como tortura, salvo o fato de que a Corte
considerou que não era possível concluir que um Estado pudesse ser responsável por um
ato de tortura se não havia prova de que este houvesse sido perpetrado por agentes do
Estado ou houvesse sido realizado quando um empregado ou funcionário público, podendo
impedir o ato, não o houvesse feito (artigo 3.a8 da CIPST) ou, nos termos do artigo 19 da

5
Cf. General Comment N° 20, par. 2, nota 3 supra. Também faz referência a atos de tortura cometidos por
particulares no par. 13 da mesma Observação Geral, no sentido de que:
[a]o apresentar seus relatórios, os Estados Partes deverão indicar as disposições de seu direito penal
que sancionam a tortura e os tratamentos ou castigos cruéis, desumanos e degradantes, e especificar
as sanções aplicáveis a esses atos, sejam estes cometidos por funcionários públicos ou outras pessoas
que atuem em nome do Estado ou por particulares. Serão considerados responsáveis quem viole o
artigo 7, seja alentando, ordenando ou perpetrando atos proibidos.
6
Cf. European Court of Human Rights, Case of Opuz v. Turkey, (Application N° 33401/02), Judgment
Strasbourg, 9 June 2009, para. 159. Ver também Case of Z and others v. the United Kingdom (Application N°
29392/95), Judgment Strasbourg 10 May 2001, par. 73-
7
Cf. European Court of Human Rights, Case of Opuz v. Turkey, par. 159, nota 6 supra.
8
O artigo 3 da Convenção Interamericana para Prevenir e Punir a Tortura estabelece:
Serão responsáveis pelo delito de tortura:
3

Convenção contra a Tortura, o ato houvesse sido realizado com a aquiescência de um


agente do Estado.
10. Com relação à formulação da Convenção contra a Tortura, é suficiente dizer que o
próprio Comitê contra a Tortura, criado por esta Convenção, afirmou que:
quando as autoridades do Estado […] têm conhecimento ou motivos fundados para acreditar que
sujeitos privados ou atores não estatais perpetram atos de tortura ou maus-tratos e não exercem
a devida diligência para impedir, investigar, julgar e castigar estes sujeitos privados ou atores não
estatais […] o Estado é responsável […] por consentir ou tolerar esses atos inaceitáveis. A
negligência do Estado à hora de intervir para por fim a esses atos, punir os autores e oferecer
reparação às vítimas da tortura facilita e faz possível que os atores não estatais cometam
impunemente atos proibidos pela Convenção, de modo que a indiferença ou inação do Estado
constitui uma forma de incitação e/ou de autorização de fato. O Comitê aplicou este princípio aos
casos em que os Estados Partes não impediram atos de violência de gênero, como a violação, a
violência no lar, a mutilação genital feminina ou o tráfico, ou não protegeu as vítimas.10

11. Também o Relator especial sobre a questão da tortura, referindo-se ao artigo 1 da


Convenção contra a Tortura, que consagra obrigações similares ao citado artigo 3 da CIPST,
afirmou que:
a violência contra a mulher à margem do controle direto do Estado tem sido utilizada com
frequência para excluir do âmbito de proteção que dispõe a Convenção. Entretanto, [este artigo,]
quando fala de consentimento ou aquiescência do funcionário público[,] faz extensivas claramente
as obrigações do Estado à esfera privada e deveria se entender que abarca a falta de proteção por
parte do Estado das pessoas que estejam dentro de sua jurisdição contra a tortura e os maus
tratos por particulares.11

12. Em relação à CIPST, três pontos são pertinentes de destaque. O primeiro é que a
Convenção Americana, vigente desde julho de 1978, não contém uma definição desta
conduta e que a Corte teve de construí-la em conformidade com suas faculdades como
órgão autorizado para dar uma interpretação autêntica às disposições desse tratado, de
modo que o conceito de tortura do Tribunal, explicitado ou não explicitado nas decisões,
mas presente na mente dos julgadores, não deve ser necessariamente igual ao destas
convenções e não deve ser aplicado inexoravelmente. O segundo é que nem todos os
Estados partes da Convenção Americana o são da CIPST, de maneira que a Corte, até hoje,
pode estar enfrentada a conhecer de um caso de tortura sem poder aplicar essa Convenção
diretamente. De fato, nesta decisão não é aplicada a Convenção Interamericana contra a
Tortura, nem esta é utilizada para iluminar a interpretação das normas da Convenção
Americana. O terceiro recorda que o próprio Tribunal determinou que, após considerar o

a. os empregados ou funcionários públicos que, atuando nesse caráter, ordenem sua comissão ou
instiguem ou induzam a ela, cometam-no diretamente ou, podendo impedi-lo, não o façam.
b. as pessoas que, por instigação dos funcionários ou empregados públicos a que se refere a alínea a,
ordenem sua comissão, instiguem ou induzam a ela, cometam-no diretamente ou nele sejam cúmplices.
9
O artigo 1.1 da Convenção contra a Tortura e Outros Tratamentos ou Penas Cruéis, Desumanos ou
Degradantes estabelece:
Para os efeitos da presente Convenção, o termo "tortura" significa qualquer acto por meio do qual uma
dor ou sofrimentos agudos, físicos ou mentais, são intencionalmente causados a uma pessoa com os
fins de, nomeadamente, obter dela ou de uma terceira pessoa informações ou confissões, a punir por
um acto que ela ou uma terceira pessoa cometeu ou se suspeita que tenha cometido, intimidar ou
pressionar essa ou uma terceira pessoa, ou por qualquer outro motivo baseado numa forma de
discriminação, desde que essa dor ou esses sofrimentos sejam infligidos por um agente público ou por
qualquer outra pessoa agindo a título oficial, a sua instigação ou com o seu consentimento expresso ou
tácito. Este termo não compreende a dor ou sofrimentos resultantes unicamente de sanções legítimas,
inerentes a essas sanções ou por elas ocasionados.
10
Comitê contra a tortura, Observação Geral N° 2 sobre aplicação do artigo 2 pelos Estados Partes,
documento CAT/C/GC/2, de 24 de janeiro de 2008, par. 18.
11
Relatório 2008 do Relator Especial sobre a tortura e outros tratamentos ou penas cruéis, desumanos ou
degradantes, Manfred Nowak, doc. A/HRC/7/3 de 15 de janeiro de 2008, par. 31.
4

conceito de tortura desenvolvido no sistema europeu de direitos humanos e a definição


prevista na CIPST, havia chegado à conclusão de “que foi conformado um verdadeiro
regime jurídico internacional de proibição absoluta de todas as formas de tortura”, 12 tanto
física como psicológica.13
13. Havendo sido formulado um corpus juris internacional, é procedente ver como é
aplicado para dar a maior proteção aos direitos humanos dos indivíduos. Talvez o melhor
resumo da posição que possa ser adotado neste caso, que é um caso de violação grave da
integridade de duas meninas e uma jovem mulher – por si mesmas pertencentes a um setor
colocado pela sociedade em um estado de vulnerabilidade, que por sua vez é permitido pelo
Estado -, se encontra em uma decisão do Tribunal Penal Internacional para a antiga
Iugoslávia (doravante denominado “Tribunal para a antiga Iugoslávia”).
14. No Caso Prosecutor Vs. Dragoljub Kunarac, Radomir Kovac e Zoran Vukovic,14 o
Tribunal para a antiga Iugoslávia acode, no parágrafo 479, à jurisprudência do Tribunal
Europeu15 e, no parágrafo 482, a sua própria jurisprudência16 para argumentar que a
definição da Convenção contra a Tortura não constitui uma norma de direito
consuetudinário. A definição contida nessa Convenção somente pode ser utilizada na
medida em que outros instrumentos internacionais ou leis nacionais não deem ao indivíduo
uma proteção mais ampla, ou melhor. Isto repete, ademais, uma das normas básicas da
aplicação dos instrumentos de direitos humanos que se encontra no artigo 29.b. 17 da
Convenção Americana e no artigo 5.2 18 do Pacto Internacional sobre Direitos Civis e
Políticos.
15. O Tribunal para a antiga Iugoslávia, depois de examinar o conjunto de normas e
regras que se referem à tortura, chega, por um lado, à conclusão, que compartilho, de que

12
Caso Irmãos Gómez Paquiyauri Vs. Peru. Mérito, Reparações e Custas. Sentença de 8 de julho de 2004.
Série C N° 110, par. 112. Ver também Caso Fermín Ramírez Vs. Guatemala. Mérito, Reparações e Custas.
Sentença de 20 de junho de 2005. Série C N° 126, par. 117, e Caso do Presídio Miguel Castro Castro Vs. Peru.
Mérito, Reparações e Custas. Sentença de 25 de novembro de 2006. Série C N° 160, par. 271.
13
Cf. Caso Velásquez Rodríguez Vs. Honduras. Exceções Preliminares. Sentença de 26 de junho de 1987.
Série C N° 1, par. 103. Igualmente, Caso Cantoral Benavides Vs. Peru. Mérito. Sentença de 18 de agosto de 2000.
Série C N° 69, par. 102; Caso Maritza Urrutia Vs. Guatemala. Mérito, Reparações e Custas. Sentença de 27 de
novembro de 2003. Série C N° 103, par. 92; Caso Irmãos Gómez Paquiyauri Vs. Peru. Mérito, Reparações e
Custas. Sentença de 8 de julho de 2004. Série C N° 110, par. 112.
14
Cf. International Tribunal for the Prosecution of Persons Responsible for Serious violations of International
Humanitarian Law Committed in the Territory of the Former Yugoslavia since 1991, Trial chamber, Prosecutor v.
Dragoljub Kunarac, Radomir Kovac and Zoran Vukovic, Judgment of 22 February 2001.
15
Costello-Roberts v. UK, 25 Mar 1993, Séries A, No 247-C, paras. 27-28; HLR v. France, 29 Apr 1997,
Reports 1997-III, p. 758, para. 40; and A v. UK, 23 Sept 1998, Reports of Judgments and Decisions 1998-VI, p.
2692, para. 22.
16
Cf. International Tribunal for the Prosecution of Persons Responsible for Serious violations of International
Humanitarian Law Committed in the Territory of the Former Yugoslavia since 1991, Trial Chamber, Prosecutor v
Furundžija, Case IT-95-17/1-T, Judgment, 10 Dec 1998, para. 160.
17
O artigo 29.b da Convenção estabelece:
Nenhuma disposição desta Convenção pode ser interpretada no sentido de:
b) limitar o gozo e exercício de qualquer direito ou liberdade que possam ser reconhecidos em
conformidade com as leis de qualquer dos Estados Partes ou em conformidade com outra convenção em
que seja parte um dos referidos Estados;
18
O artigo 5.2 do Pacto estabelece:
Não pode ser admitida nenhuma restrição ou derrogação aos direitos fundamentais do homem
reconhecidos ou em vigor em todo Estado Parte no presente Pacto em aplicação de leis, convenções,
regulamentos ou costumes, sob pretexto de que o presente Pacto não os reconhece ou reconhece-os
em menor grau.
5

há três elementos na tortura que não são objetados e que constituem, por conseguinte, jus
cogens: i) o sofrimento ou dor severos, físicos ou mentais, seja por ação ou omissão; ii) a
intencionalidade do ato e iii) a motivação ou fim do ato para alcançar algo.19 Por outro lado,
há três elementos que permanecem em contenção e, portanto, não formam parte do jus
cogens: i) a lista de motivações pelas quais o ato é cometido; ii) a necessidade de que o ato
seja cometido em conexão com um conflito armado; e iii) o requisito de que o ato seja
perpetrado ou instigado por um agente do Estado ou seja realizado com seu consentimento
ou aquiescência.20
16. Todo este raciocínio me leva a argumentar que a Corte não está obrigada a aplicar
ou a se guiar nem pela definição da CIPST nem pela da Convenção contra a Tortura, mas
que deveria fazer prevalecer a concepção do jus cogens, visto que essa estabelece a melhor
proteção para as vítimas de tortura. Recordo, ademais, que o artigo 16 da CIPST dispõe que
essa Convenção “deixa a salvo o disposto pela Convenção Americana sobre Direitos
Humanos, por outras convenções sobre a matéria e pelo Estatuto da Comissão
Interamericana de Direitos Humanos com relação ao delito de tortura”, de modo que
interpretar a tortura se afastando desta Convenção não constitui um descumprimento da
mesma, mas, pelo contrário, sua aplicação fiel.
17. Se a Corte é independente para definir a tortura e, portanto, não necessita integrar
como um elemento do conceito da mesma a participação por ação ou omissão de um
agente do Estado (nem necessita tampouco interpretar de maneira estrita o conceito de
aquiescência, visto que neste caso – baseando-me nos fatos – sustento que usando o
conceito de aquiescência do Comitê contra a Tortura havia aquiescência do Estado) o único
problema que deveria ser analisado é se é possível atribuir ao Estado o fato de não ter
cumprido sua obrigação de garantir a integridade pessoal das vítimas diante da
possibilidade da tortura. Não necessito repetir o que a Corte disse em muitas decisões, e
que reitera nesta Sentença, que a obrigação de garantir requer o dever de prevenir.
18. A decisão neste caso estabelece dois momentos em que o Estado não cumpriu esse
dever completamente. O primeiro é anterior ao desaparecimento das vítimas e não se
refere à obrigação de impedir que essas três vítimas fossem sequestradas; isso seria
desproporcional. O que sim podia ser exigido é que desde o momento em que o Estado
teve conhecimento oficial (não menciono o não oficial), ou seja, pelo menos desde o
momento em que a Comissão Nacional de Direitos Humanos advertiu oficialmente sobre a
existência do padrão de violência contra as mulheres em Ciudad Juárez, existiu ausência de
políticas destinadas a tentar reverter a situação.
19. O segundo momento, que é o que me interessa para este voto, é o período entre o
momento em que as três vítimas desapareceram e a resposta do Estado a esse
desaparecimento, que foi, em conformidade com a decisão, completamente tardia e até
hoje insuficiente. A Corte reconhece no parágrafo 283 da decisão que o Estado “teve
conhecimento de que existia um risco real e imediato de que as vítimas fossem agredidas
sexualmente, submetidas a abusos e assassinadas”, e que, por conseguinte, “considera que
ante tal contexto surge um dever de devida diligência estrita frente a denúncias de
desaparecimento de mulheres, em relação à sua busca durante as primeiras horas e os
primeiros dias”.
20. Se a Corte tivesse concluído que o Estado era neste caso responsável pela tortura a
que foram submetidas as vítimas, o Tribunal teria seguido a tendência de outros órgãos de
supervisão internacionais, já citados, que vêm instituindo uma tendência em relação à
responsabilidade dos Estados por atos de tortura cometidos por agentes não estatais, o

19
Cf. Prosecutor v. Dragoljub Kunarac, Radomir Kovac and Zoran Vukovic, par. 483, nota 14 supra.
20
Cf. Prosecutor v. Dragoljub Kunarac, Radomir Kovac and Zoran Vukovic, par. 484, nota 14 supra.
6

que, considero, teria constituído um importante desenvolvimento e esclarecimento sobre


um tema em relação ao qual a Corte, com certeza, deverá continuar se ocupando.

Cecilia Medina Quiroga


Juíza
Pablo Saavedra Alessandri
Secretário

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