Cartas As Escolas J Krishnamurti PDF
Cartas As Escolas J Krishnamurti PDF
Cartas As Escolas J Krishnamurti PDF
CARTAS
ESCOLAS
ÍNDICE
17 1. 1 de Setembro, 1978
20 2. 15 de Setembro, 1978
23 3. 1 de Outubro, 1978
26 4. 15 de Outubro, 1978
29 5. 1 de Novembro, 1978
33 6. 15 de Novembro, 1978
38 7. 1 de Dezembro, 1978
41 8. 15 de Dezembro, 1978
45 9. 1 de Janeiro, 1979
48 10. 15 de Janeiro, 1979
51 11. 1 de Fevereiro, 1979
54 12. 15 de Fevereiro, 1979
57 13. 1 de Março, 1979
61 14. 15 de Março, 1979
64 15. 1 de Abril, 1979
67 16. 15 de Abril, 1979
71 17. 1 de Maio, 1979
75 18. 15 de Maio, 1979
79 19. 1 de J u n h o ,1979
82 20. 15 de J u n h o ,1979
85 21. 1 de Julho, 1979
88 22. 15 de Julho, 1979
91 23. 1 de Agosto, 1979
95 24. 15 de Agosto, 1979
99 25. 1 de Setembro, 1979
102 26. 15 de Setembro, 1979
105 27. 1 de Outubro, 1979
108 28. 15 de Outubro, 1979
110 29. 1 de Novembro, 1979
112 30. 15 de Novembro, 1979
115 31. 1 de Dezembro, 1979
118 32. 15 de Dezembro, 1979
121 33. 1 de Janeiro, 1980
124 34. 15 de Janeiro, 1980
127 35. 1 de Fevereiro, 1980
130 36. 15 de Fevereiro, 1980
133 37. 1 de Março, 1980
1 de Setembro, 1978
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Estamos a tentar inverter esse processo, porque só o dinheiro
não pode fazer o homem feliz. Quando o dinheiro se torna o
factor dom inante na vida, há desequilíbrio na nossa actividade
quotidiana. Assim, se me permitem, gostaria que todos os edu
cadores compreendessem isto com muita seriedade e vissem bem
todo o seu significado. Se o educador compreender a im portân
cia disto e lhe der na sua vida o lugar adequado, será então
capaz de ajudar o jovem, que é levado pela sociedade e pelos
próprios pais a fazer da carreira a coisa mais im portante. G osta
ria, pois, com esta primeira carta, de acentuar este ponto, para
que nestas escolas se m antenha sempre um modo de viver que
ajude a cultivar o ser hum ano na sua totalidade.
A m aior parte da educação que recebemos consiste na aqui
sição de conhecimentos, o que está a tornar-nos cada vez mais
mecânicos; as nossas mentes estão a funcionar em caminhos
rotineiros e estreitos, quer o conhecimento que adquirimos seja
científico, filosófico, religioso, comercial ou tecnológico. A nossa
maneira de viver, em casa ou fora dela, e a nossa especialização
numa profissão determ inada tornam as nossas mentes cada vez
mais estreitas, limitadas e incompletas. Tudo isto leva a um
modo mecânico de viver, a um a mentalidade que se ajusta a
padrões, e assim gradualmente o Estado, mesmo um Estado
democrático, dita aquilo em que deveremos tornar-nos. Muitas
pessoas dadas à reflexão têm naturalm ente consciência disso,
mas infelizmente parecem aceitar viver assim. E isso torna-se um
perigo para a liberdade.
A liberdade é algo muito complexo e para compreender essa
complexidade é necessário o pleno desabrochar da mente. Cada
um, como é natural, dará um a definição diferente do que
entende por desabrochar do homem, de acordo com a sua cul
tura, a form a como foi educado, a sua experiência, as suas cren
ças religiosas — isto é, de acordo com o seu condicionamento.
Não nos ocuparemos aqui de opiniões ou preconceitos mas sim
de uma compreensão, para além das palavras, das implicações e
consequências do completo desabrochar da mente. Esse desabro
char é o total desenvolvimento e cultura da mente e do coração,
e também o bem-estar do corpo, o que significa viver em com
pleta harmonia, sem oposição ou contradição entre eles.
O pleno desabrochar da mente só pode acontecer quando há
percepção clara, objectiva, impessoal, livre de qualquer espécie
de imposição. Não se trata de o que pensar mas de como pensar
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lucidamente. Há séculos que por meio da propaganda e de
outras influências, temos sido orientados para o que pensar. A
maior parte da educação moderna é isso, sem um a investigação
de todo o movimento do pensamento. O desabrochar implica
liberdade: como uma planta, a mente precisa de,liberdade para
crescer.
Abordaremos isto de maneiras diversas nestas cartas, durante
o ano que vai começar: tratarem os do acordar do coração, que
nada tem a ver com sentimentalismos, rom antism o ou imagina
ção, mas com a bondade que nasce da afeição e do amor. T rata
remos da cultura do corpo, da alim entação correcta e do exercí
cio adequado, criadores de uma sensibilidade profunda.
Quando a mente, o coração e o corpo estão, os três, em
completa harmonia, então o desabrochar acontece naturalmente,
de maneira fácil e em plenitude. É este o nosso trabalho como
educadores, é esta a nossa responsabilidade, e a profissão de
educar assume então na vida toda a sua grandeza.
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15 de Setembro, 1978
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torna-se, assim, extraordinariam ente im portante. Não é uma
questão casual que se olha descuidadam ente, nem um jogo de
um a mente sofisticada. Em ana da profundidade do ser e faz
parte da nossa existência quotidiana.
É na acção, pois, que a bondade se manifesta. Em bora acção
e conduta sejam provavelmente a mesma coisa, para m aior cla
reza precisamos de as caracterizar e exam inar em separado. Agir
correctam ente é extremamente difícil. É algo m uito complexo
que precisa ser visto de perto, sem impaciência e sem nos precipi
tarm os para qualquer conclusão.
Na nossa vida diária, a acção é um movimento contínuo
derivado do passado, ocasionalmente interrom pido por novas
conclusões. Estas conclusões tornam -se então o passado, e a pes
soa passa a agir de acordo com isso. Age-se segundo ideias pre
concebidas ou de acordo com ideais e, assim, está-se constante
mente a agir em função ou do conhecimento acum ulado, que é o
passado, ou de futuro idealizado, de um a utopia.
Aceitamos tal acção como sendo normal. Sê-lo-á? Q uando
a pomos em dúvida, depois de já ter acontecido ou antes de a
realizarmos, esse pôr em dúvida ou se baseia em conclusões
anteriores ou se faz em função de compensações ou penalidades
futuras. “Se fizer isto — obtenho aquilo”, e assim por diante.
P o r isso temos de pôr totalm ente em causa a ideia de acção que
vulgarmente se aceita.
Geralm ente, a acção tem lugar depois de se ter acum ulado
conhecim ento ou experiência; ou então agimos para aprender a
partir dessa acção, agradável ou desagradável, e o que aprende
mos torna-se uma nova acumulação de conhecimento. Am bas as
acções se baseiam, portanto, no conhecimento; não são diferen
tes. O conhecimento (que é acumulativo) é sempre o passado e,
sendo assim, as nossas acções são mecânicas.
Haverá um a acção que não seja mecânica, um a acção não /
repetitiva, não rotineira e, portanto, sem frustração? É realmente
im portante compreender isto porque onde há liberdade e a bon
dade floresce, a acção nunca pode ser mecânica. O acto de escre
ver é mecânico, tal como aprender uma língua ou conduzir um
automóvel; adquirir qualquer espécie de conhecimento técnico e
actuar de acordo com ele é mecânico. Na actividade mecânica
pode haver um intervalo, mas nesse intervalo é form ada uma
nova conclusão que, por sua vez, se torna mecânica.
Temos de ter constantem ente presente que a liberdade é
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essencial à beleza da bondade. Há uma acção que não é mecâ
nica, mas temos de a descobrir. Ninguém nos pode dizer nada
sobre ela, nem dar-nos instruções a esse respeito; e não podemos
aprender a partir de exemplos, porque isso torna-se imitação e
conformismo. Perdemos então completamente a liberdade, e a
bondade não pode existir.
Penso que é bastante, por agora, e na próxim a carta conti
nuarem os, então, com o desabrochar da bondade no relaciona
mento.
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1 de O utubro, 1978
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cação e é muito mais importante do que ensinar apenas as maté
rias escolares.
O relacionamento requer muita inteligência. Não é aprendido
nos livros, nem pode ser ensinado. Tam bém não é resultado de
muita experiência acumulada.
Conhecimento não é inteligência. A inteligência pode utilizar
o conhecimento. Este pode ter um valor utilitário, pode ser bri
lhante, arguto, mas nada disso é inteligência. A inteligência surge
natural e facilmente quando se vê toda a natureza e estrutura do
relacionamento. É por isso que é importante ter tempo disponí
vel, para que o homem e a mulher, o professor e o aluno possam
conversar tranquila e seriamente acerca da sua relação, para que
nela as suas verdadeiras reacções, susceptibilidades e barreiras
sejam vistas, e não imaginadas, não deformadas para agradar ao
outro, ou reprimidas para o satisfazer.
A função de uma escola é seguramente a de ajudar o estu
dante a despertar a sua inteligência e a aprender a extrema
importância de uma verdadeira relação.
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15 de O utubro, 1978
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um a evasão em face da miséria, da coniusão e do solnm ento
quotidianos da nossa vida.
O bem não pode desabrochar no cam po do medo. E há neste
cam po muitas variedades de medo — o medo imediato e os
medos de muitos amanhãs.
O medo não é um conceito, mas a explicação o medo é con
ceptual e essas explicações variam de especialista para especia
lista, de intelectual para intelectual. Não é a explicação que é
im pòrtante, o essencial é encarar o facto que é o medo.
Em todas as nossas escolas, os educadores e as outras pes
soas responsáveis pelos estudantes, nas aulas, nos campos de
jogos ou noutras dependências, têm o encargo de estar atentos,
para que não surja qualquer form a de medo.
O educador não deve despertar no jovem qualquer receio.
N ão se trata de um a questão m eramente conceptual, abstracta,
porque o próprio educador compreende, e não apenas a nível
intelectual, que o medo, sob qualquer form a, mutila a mente,
destrói a sensibilidade e atrofia os sentidos. O medo é o pesado
fardo que o homem desde sempre tem trazido consigo. Deste
m edo nascem várias formas de superstição — ligadas à religião,
à ciência e ao dom ínio do imaginário. Vive-se num m undo de
“faz de conta”, e a essência deste m undo idealizado nasce do
medo.
Dissemos anteriorm ente que o hom em não pode viver sem
relação, e esta não é im portante apenas na sua vida privada. Se
se trata de um educador, ele tem tam bém um a relação directa
com o educando. Se nesta relação existir qualquer espécie de
receio, então não é possível ao educador ajudar o jovem a
libertar-se do medo.
O estudante vem de um meio onde existe medo, onde há
autoritarism o, inúmeras pressões e toda a espécie de impressões,
im aginadas e reais. O educador tem tam bém as suas próprias
tensões, os seus próprios receios. E não será capaz de criar a
com preensão da natureza do medo se ele mesmo não tiver posto
a descoberto a raiz dos seus próprios medos. Isto não quer dizer
que deva primeiro estar livre deles para ajudar o jovem a
libertar-se, mas que na relação diária, em conversa ou na aula, o
professor reconheça que ele próprio está sujeito ao medo, tal
como o aluno, e assim poderão explorar juntos toda a natureza e
estrutura do medo. Deve reparar-se que não se trata de uma
“confissão” da parte do professor. Ele apenas menciona um
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tacto, sem qualquer acento emotivo ou pessoal. É com o um a
conversa entre bons amigos. Isso requer sinceridade e humildade.
Hum ildade porém não é servilismo; nem consiste em sentir-se
subjugado; a hum ildade não conhece nem a arrogância nem o
orgulho.
O professor tem pois uma trem enda responsabilidade, por se
tratar de um a profissão de im portância fundam ental. O educa
dor existe para fazer aparecer um a nova geração no m undo — o
que é um facto e não um a abstracção. Podem os transform ar um
facto num a abstracção e perder-nos assim em conceitos, mas
o real permanece sempre. E ncarar o real, o agora, e tam bém o
medo, é a mais alta função do educador; ele tem de fazer surgir
não só um elevado nível escolar mas o que é bem mais im por
tante, a liberdade psicológica do aluno e de si próprio. E quando
se com preende a natureza da liberdade, então elimina-se toda a
competição, no campo dos jogos, na sala de aula. Será possível
eliminar com pletam ente a avaliação com parativa, tanto no
cam po escolar como no ético? Será possível ajudar o jovem no
dom ínio escolar e não pensar em term os de competição, sem que
por isso deixe de ter m uito boa qualidade nos seus estudos, nas
suas acções e na vida quotidiana?
Lembremo-nos de que estamos em penhados no desabrochar
da bondade, e que esse desabrochar é impossível quando existe
qualquer espécie de espírito competitivo. Só há competição
quando há comparação, e esta não cria verdadeira qualidade.
Estas escolas existem fundam entalm ente para ajudar o edu
cando e tam bém o educador, a desabrochar em bondade. Isto
requer elevada qualidade na acção, na conduta e no relaciona
mento. É isto que desejamos que aconteça, foi para isto que estas
escolas foram criadas: não para lançar pessoas meramente inte
ressadas num a carreira, mas para criar grande qualidade
humana.
Na próxim a carta continuarem os a tratar da natureza do
medo — não da palavra medo, mas do facto real que é o medo.
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1 O Autor usa o termo conhecer (to know) no sentido de um processo meramente inte
lectual e acumulativo e, portanto, limitado. (N.T.)
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A educação nestas escolas não é só adquirir conhecim entos
mas, e isso é bem mais im portante, despertar a inteligência, que
utilizará então os conhecimentos. Nunca é o inverso. E dado que
em todas estas escolas estamos em penhados no despertar da inte
ligência, surge então a pergunta inevitável: como despertar a inte
ligência? Q ual é o sistema, o m étodo, a prática? A própria per
gunta indica que se está ainda a funcionar no cam po do
conhecim ento. Perceber que se trata de um falso problem a é já
despertar a inteligência. A prática, o m étodo, o sistema na vida
quotidiana levam à rotina, a um a acção repetitiva e, portanto, a
uma mente mecânica. O movimento contínuo do conhecim ento,
especializado ou não, faz a mente ficar num cam inho estreito e
rotineiro, num m odo de viver m uito limitado. A prender a obser
var e a compreender toda esta estrutura do conhecim ento é
começar a despertar a inteligência.
As nossas mentes vivem na tradição. O próprio sentido desta
palavra — transm itir como herança — exclui a inteligência. É
fácil e cóm odo seguir a tradição, seja ela política, religiosa, ou
uma “tradição” inventada pela própria pessoa. Não se tem de
reflectir sobre ela, nem de a pôr em causa; faz parte da própria
tradição aceitar e obedecer. Q uanto mais velha é a cultura, mais
a mente está presa ao passado, mais vive no passado. O desapa
recimento de um a tradição é inevitavelmente seguido pela im po
sição de outra. Uma mente que tem atrás de si muitos séculos de
um a determ inada tradição, recusa-se a abandoná-la e só aceita
fazê-lo quando a pode trocar por outra igualmente gratificante,
igualmente segura.
A tradição em todas as suas múltiplas formas, desde as tradi
ções religiosas às que dizem respeito à escola, tem necessaria
mente de negar a inteligência. A inteligência é ilimitada, e o
conhecim ento, por m uito vasto que seja, é lim itado, com o a tra
dição. Nas nossas escolas, o mecanismo da mente que leva à
form ação de hábitos deve ser observado, e nessa observação a
inteligência torna-se activa.
Faz parte da tradição hum ana aceitar o medo. Vivemos com
medo, tanto a geração mais velha como a mais jovem. A m aior
parte das pessoas não tem consciência disso e só num a form a
ligeira de crise ou perante um incidente perturbador a pessoa se
apercebe desse medo permanente. Ele lá está. Alguns têm cons
ciência dele, outros fazem por ignorá-lo. A tradição diz que se
deve controlar o medo, fugir dele, reprimi-lo, analisá-lo, agir
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sobre ele ou aceitá-lo. Há milénios que vivemos com medo e, de
certo m odo, conseguimos acom odar-nos a isso. É próprio da
tradição actuar sobre ele ou fugir-lhe; ou então aceitá-la senti
m entalm ente e esperar que algum agente exterior o faça desapa
recer. As religiões nascem deste medo, e o desejo de poder que
im pulsiona os políticos dele nasce tam bém . Q ualquer form a de
dom ínio sobre os outros é da natureza do medo. Q uando um
hom em ou um a mulher são possessivos em relação a alguém,
existe medo no fundo, e este medo destrói toda a form a de
relacionamento.
Cabe ao educador ajudar o jovem a encarar o medo — seja
do pai, do professor, de um rapaz mais velho, seja o m edo de
estar só, ou o medo do m undo natural. O que é essencial na
com preensão da natureza e da estrutura do medo é encará-lo,
não através da cortina das palavras, mas observar o próprio
acontecer do medo, sem qualquer m ovim ento para fugir-lhe.
Fugir do facto é camuflá-lo.
A nossa tradição e a educação que recebemos levam ao con
trolo, à aceitação ou então a um a hábil racionalização. M as,
com o educadores, podereis ajudar o jovem , e portanto vós pró
prios tam bém , a encarar cada problem a que surja na vida? No
acto de aprender não há mestre nem discípulo; há só aprender.
P a ra aprenderm os acerca de todo o m ovim ento do medo, tem os
de o abordar com um a curiosidade que tem a sua vitalidade
própria. Com o um a criança muito curiosa — nessa curiosidade
há intensidade.
O que é tradicional é im por o nosso dom ínio ao que não
com preendem os, subjugá-lo, reprimi-lo, ou então prestar-lhe
culto. T radição é conhecim ento, e o findar do conhecim ento é o
nascer da inteligência.
Com preendendo então que não há um que ensina e outro
que é ensinado, mas apenas o acto de aprender, por parte do
adulto e do jovem, poder-se-á, pela percepção directa do que está
a acontecer, aprender o que é o medo e tudo o que com ele se
relaciona?
Isso é possível se se deixar o medo contar a sua estória
(story). Escutai-o atentam ente, sem qualquer interferência, por
que está a contar-vos a história (history) do vosso próprio medo.
Q uando assim escutardes, descobrireis que esse medo não está
separado de vós. Sois esse mesmo m edo, essa mesma reacção,
com o um a palavra que lhe está associada. A palavra não é
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ím ponanie. a . palavra e conhecim ento, tradição; mas o real, o
agora que está a acontecer, é algo totalm ente novo. É a desco
berta da nova qualidade do vosso próprio medo. E ncarar o facto
do m edo, sem qualquer m ovim ento do pensam ento, é o acabar
do medo. E não é qualquer m edo particular, mas a própria raiz
do medo que é arrancada nesta observação. N ão há observador,
há só observação.
O m edo é algo m uito com plexo; antigo com o os m ontes,
antigo com o a hum anidade, tem um estória (story) extraordiná
ria para contar. M as temos de saber a arte de escutá-lo, e nesse
escutar há um a grande beleza. H á só o escutar, e a estória não
existe.
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que pela vida tora compreenda o sentido a a responsaDinuaue.
Esta arte inclui a conduta, o m odo como pensam os, e a acção
correcta, que é tão im portante. Nestas nossas escolas, não dam os
im portância apenas às matérias escolares, em bora elas sejam
necessárias; o sentido de responsabilidade, para com a terra,
p ara com a natureza, para com os outros seres hum anos, faz
parte da nossa educação.
Podem os então perguntar que é que o professor está a ensi
nar e que é que o aluno está a receber; e, de m odo mais geral
— que é aprender? Qual é a função do educador? Será só ensinar
álgebra, física, etc., ou será despertar no estudante — e portanto
em si mesmo — este grande sentido de responsabilidade? As
duas coisas — a aprendizagem das m atérias escolares, necessá
rias para um a profissão, e esta responsabilidade para com toda a
hum anidade e para com toda a vida — poderão andar juntas?
Ou deverão estar separadas? Se as separam os, haverá então con
tradição na vida do aluno; haverá hipocrisia e, inconsciente ou
deliberadam ente, o jovem repartirá a sua vida em dois com par
tim entos estanques. A hum anidade vive nesta divisão. Em casa
é-se de um a certa m aneira, e na fábrica ou no escritório assume-
-se um a face diferente. Perguntam os pois se as duas coisas
podem an d ar juntas. Será possível? Q uando se põe um a questão
desta espécie, o que é preciso é investigar as suas implicações, em
vez de responder se é ou não possível. Assim, é da m aior im por
tância o m odo como abordais a questão. Se a abordais a partir
do vosso condicionam ento, que é lim itador como todo o condi
cionam ento, então só haverá uma apreensão parcial das im plica
ções de tudo isto. Tereis de abordar a questão com um espírito
novo. Descobrireis então a futilidade da própria questão, porque
quando a abordam os com um espírito novo, vemos que as duas
coisas se encontram , como dois cursos de água que se fundem
num rio imenso, que é a nossa vida, a nossa vida quotidiana de
um a responsabilidade total.
É isto que estais a ensinar, com preendendo que o professor
tem um a profissão de im portância fundamental?
T udo isto não é um a questão só de palavras; é um a realidade
perm anente que não deve ser desprezada. Se não sentis a ver
dade disto, então deveríeis realmente exercer outra profissão.
E vivereis então nas ilusões que a hum anidade cria para si
própria.
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que está o aluno a aprender? Criareis aquela atm osfera especial
em que acontece um a verdadeira aprendizagem ? Se com preen
deis a im ensidade da responsabilidade e tod a a sua beleza, então
assumis inteiram ente a responsabilidade pelo aluno — o que ele
come, a ro u p a que veste, a sua m aneira de falar, e assim por
diante.
D esta questão surge ainda outra: que é aprender? A m aior
parte de nós, provavelm ente, nem m esmo faz esta pergunta ou,
se a faz, responde segundo a tradição, que aprender é acum ular
conhecim entos, conhecim entos de que nos servimos com m aior
ou m enor capacidade, para ganhar a vida. É isso o que se ensina,
é para isso que todos os colégios e universidades, todas as escolas
tradicionais existem. O conhecim ento tem o lugar predom inante,
o que constitui um dos nossos maiores condicionam entos, e
desse m odo o cérebro nunca se liberta do conhecido. Está sem
pre a acrescentar ao que já se conhece. E assim é m etido na
estrutura rígida do conhecido e nunca está livre para descobrir
um a m aneira de viver que não se baseie no conhecido. O conhe
cido leva a um cam inho já andado, seja estreito ou largo, e fica-
-se nessa rotina, pensando que nela há segurança. Essa segurança
é porém destruída pelo próprio conhecido, que é sempre limi
tado. T al tem sido, até agora, o curso da vida hum ana.
H averá então um m odo de aprender que não transform a a
vida num a rotina, num cam inho estreito? Que é então aprender?
T em os de perceber com m uita clareza os m ecanism os do
conhecim ento: prim eiro adquirir conhecim ento, e depois agir a
partir desse conhecim ento — tecnológico e psicológico — ou
então agir, e a partir da acção adquirir conhecim ento. Em am bos
os casos há aquisição do conhecimento.
O conhecim ento é sempre o passado. Existirá um outro
m odo de agir, sem o enorm e peso do conhecim ento acum ulado
pelo hom em ? Existe. N ão é o aprender que conhecem os; é a
observação pura que não é um a observação contínua e que
então se to rn a m emória, mas um a observação de m om ento a
m om ento.
O observador (o eu) é a essência do conhecim ento e im põe
àquilo que observa o que adquiriu através da experiência e de
várias form as de reacção sensorial. O observador está constan
tem ente e m anipular aquilo que observa, e aquilo que observa é
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sempre reauziao a connecim ento. Assim , esta sempre prisioneiro
da velha tradição de formar hábitos.
A prender é pois um a observação pura — não só das coisas
exteriores a nós, mas tam bém do que está a acontecer interior
mente; é observar sem o observador.
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1 Para Krishnamurti, religião não é crença, é “uma maneira de viver”, que surge “quando
se penetra profundamente no descobrimento de si mesmo (...) Para mim, religião é
sinónimo de revolução, uma revolução na própria consciência” — in O Passo Decisivo,
pp. 191-196, Ed. Cultrix, S. Paulo, Brasil, 1974. (N.T.)
38
A *
interm inavelm ente e pouco a pouco tornam o-nos seres hum anos
de segunda m ão. É um facto que se pode observar p o r todo o
m undo, e a nossa educação m oderna é isto.
O acto de aprender, com o dissemos, é um acto de observação
pura, e esta observação não está sujeita aos limites da m em ória.
A prendem os a ganhar a vida, mas nunca vivemos. A activi
dade de g an h ar a vida ocupa a m aior parte da nossa existência;
dificilmente nos sobra tem po para outras coisas. C onseguim os
ter tem po p ara falar de futilidades, para jogar, para nos diver
tirm os, mas viver não é isso. H á todo um cam po, o d a verda
deira vida, totalm ente esquecido.
P a ra aprender a arte de viver é preciso tem po disponível. A
expressão “tem po disponível” é m uito m al com preendida, com o
dissem os na nossa terceira carta. G eralm ente significa não estar
ocupado com as coisas que se é obrigado a fazer, com o gan h ar a
vida, ir para o escritório, para a fábrica, etc., e só q uando isso
acaba se está “disponível”. D urante esse tem po “disponível”, as
pessoas querem divertir-se, descontrair-se, fazer coisas de que
realm ente gostam ou que necessitam do m áxim o da sua capaci
dade. G an h ar a vida — seja o que for que se faça — está em
oposição ao que se cham a “tem po disponível”. Assim, há sem pre
esforço, tensão, e fuga a essa tensão, e o “tem po disponível” é o
tem po em que não se está sujeito a esse constrangim ento. Pega-
-se então num jornal, abre-se um rom ance, conversa-se, joga-se,
etc. Este é o facto real. É o que acontece por to d a a parte.
“G an h ar a vida” é a negação da vida.
C hegam os assim à questão — o que é disponibilidade? Q ue é
realm ente um tem po disponível? Tal com o é entendido, é uma
pausa na pressão da vida quotidiana. G eralm ente consideram os
essa pressão de ganhar a vida, ou qualquer outra pressão que
nos é im posta, como um a ausência de tem po disponível mas,
consciente ou inconsciente, há em nós um a pressão m uito m aior,
a do desejo, de que tratarem os mais tarde.
A escola é um lugar de disponibilidade. Só q u a n d o se tem
disponibilidade é possível aprender. Isto é, a aprendizagem só
pode acontecer quando não há qualquer espécie de pressão.
Q uando um a pessoa se vê em face de um a serpente ou de qual
quer perigo, há um a determ inada aprendizagem , devida à pres
são criada pelo facto desse perigo. A prender sob essa pressão é
cultivar a m em ória, que ajudará a reconhecer perigos futuros,
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A disponibilidade implica um a mente que não está ocupada.
Só então existe um estado de aprender. A escola é um espaço de
aprendizagem e não apenas um lugar para acum ular conheci
mentos. É realmente im portante com preender isto.
C om o dissemos, o conhecim ento é necessário e tem o seu
lugar na vida, um lugar lim itado. Infelizmente, este cam po limi
tado devora todas as nossas vidas e não nos fica espaço para
aprender. Estam os tão ocupados em ganhar a vida que isso nos
absorve to d a a energia do mecanism o do pensam ento, e de tal
m odo que no fim do dia estam os exaustos e precisamos de ser
estim ulados. Restabelecemo-nos dessa exaustão por meio de
entretenim entos — “religiosos” ou outros. É esta a vida dos seres
hum anos. C riam um a sociedade que exige todo o seu tem po,
todas as suas energias, toda a sua vida. N ão há disponibilidade
para aprender, e assim a existência torna-se m ecânica, quase sem
sentido.
Tem os pois de com preender com m uita clareza que a palavra
disponibilidade implica um tem po, um período, em que a m ente
não está ocupada com o que quer que seja. É um tem po de
observação. Só a mente não ocupada pode observar. U m a
observação livre é um m ovim ento de aprendizagem . Isto impede
que a mente se torne mecânica.
P oderá então o professor, o educador, aju d ar o estudante a
com preender todo esse problem a de “ter de ganhar a vida”, com
as suas enorm es pressões — estudar para a rran jar um em prego,
com todos os medos, ansiedades e receio do am anhã? Se o p ró
prio professor com preende a natureza da disponibilidade e da
observação pu ra — de tal m odo que “gan h ar a vida” não é p ara
ele um a to rtu ra, um a ansiedade, ao longo da existência — pode
ajudar o aluno a ter um a mente que não seja mecânica.
C ontribuir para o desabrochar da bondade, num a disponibi
lidade plena, é a absoluta responsabilidade do educador. É para
isso que estas escolas existem. Pertence ao educador criar um a
nova geração, para que a estrutura social seja transform ada de
m odo que “ganhar a vida” deixe de ser a preocupação exclusiva.
E ducar torna-se então um acto sagràdo.
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que é am or pode iransform ar radicalm ente o estado actual da
sociedade.
Os sistemas existentes nas várias partes do m undo — sejam
eles quais forem — são corruptos, degenerados, com pletam ente
imorais. Basta olharm os à volta para vermos este facto. P or todo
o m undo se gastam milhões e milhões em arm am ento, e todos os
políticos falam de paz enquanto preparam a guerra. As religiões
têm constantem ente proclam ado a santidade da paz, mas têm
fom entado guerras e form as subtis de violência e de tortura. Há
inúm eras divisões e seitas, com os seus sacerdotes, os seus rituais
e todas as coisas absurdas que se fazem em nom e de Deus e da
religião. O nde há divisão tem de haver desordem , luta, conflito
— quer religioso, quer político, económ ico, etc. A nossa socie
dade m oderna está baseada na avidez, na inveja e no poder.
Q uando se percebe tudo isto com o de facto é — este com er
cialismo dom inador — tudo indica um degradação e um a im ora
lidade de base. A lterar radicalm ente o nosso padrão de vida que
é o fundam ento de toda a sociedade, é da responsabilidade do
educador. Os seres hum anos estão a destruir a terra, e todas as
coisas que nela existem estão tam bém a ser destruídas para grati
ficação do homem.
A educação não consiste apenas em ensinar as várias disci
plinas escolares, mas em desenvolver no jovem o sentido da res
ponsabilidade total. O educador nem sempre com preende que
educar é estar a fazer surgir um a nova geração. N a sua m aior
parte, as escolas têm apenas a preocupação de transm itir conhe
cimentos. N ão estão nada em penhadas na transform ação do
hom em e d a sua vida quotidiana, e vós, que sois educadores
nestas escolas, precisais de ter este profundo em penham ento e a
atenção afectuosa desta responsabilidade total.
De que m aneira então podereis ajudar o jovem a sentir esta
qualidade de am or, com toda a sua beleza? Se vós próprios não
a sentirdes profundam ente, falar de responsabilidade não tem
qualquer sentido. Com o educadores, sentireis a verdade de tudo
isto?
C om preender esta verdade criará naturalm ente este am or e
esta responsabilidade total. Tendes de reflectir nisto, observá-lo
diariam ente na vossa vida, na relação com a vossa m ulher, com
os vossos amigos, com os vossos alunos. E assim, ao relacionar-
vos com os alunos, não podereis deixar de falar disto com o
coração — sem procurar apenas um a clareza verbal. Ser sensível
a esta realidade é o m aior dom que o hom em pode ter, e um a
vez acesa a cham a, encontrar-se-á a palavra justa, a acção ade
quada, a conduta correcta.
Q uando observardes o aluno, vereis que ele vos chega sem a
m enor preparação para tudo isto. G eralm ente vem am edron
tado, nervoso, ansioso por agradar, ou então na defensiva, con
dicionado pelos pais ou pela sociedade em que tem vivido os
seus poucos anos. Tendes de perceber essas influências sociais e
culturais, tendes de estar atentos, cada um de vós, ao que ele
realm ente é, não lhe im pondo as vossas próprias opiniões, con
clusões e juízos. A com preensão do que ele é revelará o que sois,
e assim aperceber-vos-eis de que o aluno não é diferente de vós.
E então, ao mesmo tem po que ensinais m atem ática, física,
etc. — que o jovem precisa de saber para ganhar a vida — pode
reis ajudá-lo a com preender que é responsável por toda a hum a
nidade? E m bora ele venha a trab alh ar para a sua própria profis
são, p ara o seu próprio m odo de vida, isso não lhe to rn ará
estreita a mente. Perceberá o perigo do confinam ento da especia
lização, com todas as suas limitações e a sua estranha desum ani-
zação. Tendes de o ajudar a ver tudo isso.
O desabrochar do bem, da bondade profunda, não consiste
em saber m atem ática e biologia ou em passar nos exam es e ter
um a carreira cheia de sucesso. Está fora de tudo isso, e quando
esse desabrochar acontece, a profissão e todas as outras activi
dades necessárias são tocadas pela sua beleza. A ctualm ente, dá-
-se im portância apenas a um aspecto e o desabrochar é inteira
m ente esquecido. Nestas escolas estam os a tentar reunir as duas
coisas, não artificialm ente, não com o um princípio ou um
m odelo que se segue, mas porque vemos a verdade fundam ental
de que elas devem fazer-se em confluência, para que o hom em
possa regenerar-se.
Podereis fazer isto? — não porque todos estais de acordo a
esse respeito, depois de descutido o assunto e de terdes chegado a
um a conclusão, mas porque cada um de vós vê interiorm ente a
ex trao rd in ária gravidade de tudo isto: percebe-o por si próprio.
E ntão, o que cada um de vós disser terá verdadeiram ente sen
tido. E ntão, cada um de vós torna-se centro de um a luz que não
foi acesa por outrem.
C om o cada um de vós é a hum anidade — o que é um a reali
dade e n ão um a simples afirm ação verbal — cada um de vós é
inteiram ente responsável pelo futuro do hom em . M as não deveis
^unaiuciai ísio como um iarao. 5>e o Iizerdes, esse “fardo” será
só um a série de palavras sem qualquer realidade. Será um a ilu
são. E sta responsabilidade tem a sua própria alegria, o seu
hum or, o seu m ovim ento próprio, sem o peso do pensam ento.
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comusao suciai e economica. / \ reacçao a essa eoniusao e o
totalitarism o.
A liberdade é um a questão m uito complexa. Tem os que a
en carar com a m áxim a atenção, porque liberdade não é o con
trário de sujeição nem é fugir às circunstâncias que nos cercam.
N ão consiste em libertar-se de qualquer coisa ou em fugir do
constrangim ento. A liberdade não tem contrário, existe por si
própria, per se. A própria com preensão da natureza da liberdade
desperta a inteligência. N ão se tra ta pois de um a adaptação a o
que é, mas da com preensão de o que é, passando-se assim para
além d e le .1
Se o educador não com preender a natureza da liberdade,
im porá então os seus preconceitos, as suas limitações, as suas
conclusões ao educando. Desse m odo, naturalm ente, o jovem
resistirá, ou então aceitará p o r m edo, tornando-se um ser
hum ano convencional, tím ido ou agressivo.
Só na com preensão desta liberdade de viver — não a ideia de
liberdade ou a aceitação da palavra, que se torna um slogan — é
que a mente está livre para aprender.
U m a escola é, afinal, um lugar onde é preciso, antes de mais
nada, que o jovem seja feliz, um lugar onde não esteja oprim ido,
nem atem orizado com os exam es, onde não seja forçado a agir
de acordo com um padrão, com um sistema. É um lugar onde se
ensina a arte de aprender. Se o jo v em não é feliz, é incapaz de
aprender esta arte.
Pensa-se que aprender é m em orizar, registar inform ações.
Isto dá origem a um a mente lim itada, e portanto pesadam ente
condicionada. A arte de aprender consiste em dar à inform ação
o lugar adequado, em agir eficazmente em função do que se
aprende, m as tam bém em não ficar psicologicam ente prisioneiro
das limitações do conhecim ento, e das imagens ou dos sím bolos
que o pensam ento cria.
A rte im plica pôr cada coisa n o lugar certo — e não segundo
um certo ideal. C om preender o m ecanism o dos ideais e das con
clusões é aprender a arte de observar. Um conceito elaborado
1 O Autor usa o termo com preensão (understanding), não no sentido de uma compreen
são intelectual, “o que de facto não é compreender” (Carta 12), mas de uma percepção
profunda, de um insight (Cartas 16 a 23). o que é é a verdade — e é a observação da
verdade que liberta a mente de o que é." — in O M u ndo S om os Nós, p. 81, Ed. Livros
Horizonte, Lisboa, 1985. (N.T.).
AC\
L l --------------------------------------- 7 - 1 -------------- T -------------------------------------- ~ 1 ------
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vida?
Q uando o jovem chega à escola, já foi ferido psicologica
m ente, do que provavelm ente não tem consciência. Pela obser
vação das suas reacções, dos seus medos, da sua agressividade, o
professor descobrirá o mal que foi feito. Vai assim encontrar-se
perante dois problem as: libertar o jovem desse passado, e evitar
futuras feridas.
Estareis realmente em penhados nisto? Ou contentar-vos-ei
em ler esta carta, em com preendê-la intelectualm ente, o que de
facto não é com preender, não sentindo um verdadeiro interesse
pelo aluno? M as se esse interesse existir, com o deveria, que fareis
então com essa realidade — o facto de que ele está atingido, e
que deveis a todo o custo im pedir outras feridas? C om o é que
encarais este problem a? E ao encará-lo qual é o vosso estado de
espírito? T am bém tendes este problem a, não é só o aluno que o
tem. Tendes feridas psicológicas, tal com o o jovem . Desse m odo,
am bos estais implicados. N ão é um problem a unilateral; o p ro
fessor está tão envolvido com o o aluno. Este envolvim ento é o
factor central que tendes de encarar, de observar. Desejar apenas
estar liberto da ferida passada e esperar nunca mais ser atingido
é um a perda de energia. Um a atenção com pleta, a observação
desse facto, não revelará apenas a história da ferida: essa m esm a
atenção dissolve-a, fá-la desaparecer.
A atenção é, pois, esta imensa energia que nenhum a ferida,
nenhum a corrupção pode atingir. M as, por favor, não aceiteis o
que se diz nestas cartas. A aceitação destrói a verdade. Experim en
tai-o — mas não num a data futura; experim entai-o ao ler esta
carta. Se o fizerdes, não superficialm ente, mas com to d o o co ra
ção, com todo o vosso ser, então descobrireis, por vós, a verdade
de todo este problem a. E só então podereis ajudar o jovem a
apagar o passado, e a ter um a mente que não poderá ser ferida.
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i '” X
estes m ovim entos íluem conjuntam ente, en tão há integridade.
R eparem os na separação entre o consciente e o inconsciente,
entre “deus” e o “dem ónio”; é o pensam ento que cria estas divi
sões e o conflito que existe entre elas. A bondade não tem
oposto.
C om u m a nova com preensão do que é a integridade, pode
mos prosseguir e investigar o que é o insight. Isto é e x trem a
m ente im p o rtan te, p o rq u e talvez seja este o facto r capaz de revo
lucionar a nossa acção e de pro d u zir u m a tran sfo rm ação no
próprio c é re b ro .1
D issem os que a nossa m aneira de viver se to rn o u m ecânica:
o p assado, com to d a a experiência e to d o o conhecim ento a c u
m ulados, é a fo nte do pensam ento, e está co n stan tem en te a d iri
gir e a m o ld ar a nossa acção. O passado e o fu tu ro são inter
relacionados e inseparáveis, e o p ró p rio processo de pensar é
baseado nisto.
O pensam ento é sem pre lim itado, finito; em bora pretenda
alcançar o céu, esse m esm o céu situa-se no q u a d ro do pensa
m ento. A m em ória é m ensurável, tal com o o tem po. Este m ovi
m ento d o pensam ento nunca pode ser fresco, novo, original.
Assim, a acção baseada no pensam ento tem de ser sem pre frag
m entada, incom pleta e contraditória. Precisam os de com preen
der p ro fu n d am ente to d o este m ovim ento do pensam ento, e o seu
lugar, a sua relativa im portância, nas necessidades da vida q u o
tidiana, coisas em que a m em ória tem de ser usada.
Q u al é en tão a acção que não é um p ro lo n g am en to da
m em ória? É um a acção nascida da com preensão im ediata e
penetrante, d o insight.
O insight não é um a dedução m inuciosa, não é um processo
analítico do pensam ento, nem tem q u a lq u e r relação com a
m em ória, que nos lim ita ao tem po. É um percebim ento sem o
percebedor; é um a percepção instantânea. A p a rtir deste insight,
a acção tem lugar im ediatam ente. A p a rtir dele, a com preensão
de q u alq u er p ro blem a é rigorosa, com jdeta e verdadeira. N ão há
desap o n tam en to s, não há reacções. E um a com preensão abso-
1 O A utor realiza uma investigação aprofundada deste problem a, nas obras E xploraiion
in to Insight, Ed. G ollancz, Londres, 1979, e The E nding o f Tim e (diálogos entre Krish-
namurti e o físico David Bohm ) — Ed. G ollancz, Londres, 1985. (N. T.)
insight não é um a operação intelectual sujeita a argum entos e
dem onstrações. Este am o r é a mais alta form a de sensibilidade
— q u an d o todos os sentidos florescem juntam ente. N ão se tra ta
de um a sensibilidade aos desejos e problem as pessoais, que
fazem p arte d a estreiteza d a vida que se vive, m as de um a sensi
bilidade que é am or. Sem ela, o insight é com pletam ente im pos
sível.
O insight é holístico *. Im plica assim a totalidade, a plenitude
d a m ente. A m ente é to d a a experiência da hum anidade, o vasto
conhecim ento acum ulado, com toda a sua capacidade técnica, os
seus sofrim entos, ansiedade, dor, angústia e solidão. M as o
insight, a com preensão profunda está fora do alcance de tu d o
isto. E star liberto do sofrim ento, da tristeza, do isolam ento, é
essencial p ara que esta com preensão aconteça. O insight não é
um m ovim ento contínuo. N ão pode ser aprisionado pelo pensa
m ento. O insight é a mais alta inteligência, e a inteligência utiliza
o pensam ento com o um instrum ento. O insight é inteligência,
com a sua beleza e am or. São realm ente inseparáveis: são, de
facto, um a só realidade. E esta realidade é o to d o , o que há de
mais sagrado.
O termo h olístico (holistic) deriva da palavra inglesa whole, que significa inteiro, total.
Recentemente está também a ser usado por cientistas interessados na obra de Krishna-
murti (tais com o os físicos David Bohm e Fritjof Capra, entre outros), referindo a neces
sidade urgente de acom panhar a especialização existente nos dom ínios das várias ciências
com uma profunda com preensão do homem e do m undo, com o fazendo parte do m esm o
todo. (W. r.;
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peios outros — e m uito im portante. A responsabilidade não é
um a reacção em ocional, nem sentir-se responsável é algo que a
pessoa im ponha a si mesma. Nesse caso tornar-se-ia um dever, e
o dever perde o perfume, a beleza, desta qualidade íntim a da
responsabilidade total. N ão é algo que se adopte com o um prin
cípio ou um a ideia a que a pessoa se agarre, com o à posse de um
relógio ou de um a cadeira.
Um a mãe pode sentir-se responsável pelo filho, sentir que ele
faz parte do seu sangue e da sua carne, e consagrar portanto
todo o cuidado e atenção a essa criança durante alguns anos.
Este instinto m aternal será responsabilidade? Tavez esta ligação
especial aos filhos tenha sido herdada do prim eiro anim al. Existe
na natureza, desde o mais frágil passarinho ao elefante m ajes
toso. Perguntam os então — será este instinto responsabilidade?
Se o fosse, os pais sentir-se-iam responsáveis por um a educação
correcta e por um tipo de sociedade totalm ente diferente. Fariam
o possível p ara que não houvesse guerras, e para que neles p ró
prios florescesse a bondade.
Parece, pois, que o ser hum ano não se interessa pelos outros,
preocupando-se apenas consigo próprio. Esta preocupação signi
fica um a irresponsabilidade completa. As suas emoções, aquilo
que deseja p ara si próprio, as coisas a que está ligado, a sua
preocupação de sucesso e de ascensão social — tudo isso inevita
velmente criará desum anidade, manifesta ou subtil. Terá isto
algum a relação com a verdadeira responsabilidade?
Nestas escolas, aquele que dá e aquele que recebe, são am bos
responsáveis, e quando isto acontece, não é possível cair nessa
atitude peculiar da separatividade. A separatividade, derivada do
egocentrism o, é talvez a verdadeira raiz da deterioração da pleni
tude da mente em que estamos profundam ente em penhados.
N ão quer dizer que a relação pessoal não exista, com a afeição, a
ternura, o estímulo, o apoio, que ela pode dar. M as quando
apenas a relação pessoal é im portante, e só nos sentim os respon
sáveis por alguns, então começa o mal; isto é um a realidade que
todos os seres hum anos conhecem. É este fragm entar da relação
que na nossa vida é o factor degenerativo, desintegrador. F rac
ciona-se a relação, de tal m odo que a relação só é com a pessoa,
com o grupo, com a nação, com certos conceitos, etc. E o que
está fragm entado nunca pode abranger a plenitude da responsa
bilidade.
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/ \ p arn r ao que e pequeno, tentam os sem pre a g arrar o
maior. O “m elhor” não é o bom, mas todo o nosso pensam ento
tem por base o “m elhor”, o “mais” — o m elhor nos exames, o
m elhor no em prego, um a posição social mais elevada, as ideias
mais excelentes, os melhores deuses.
O “m elhor” é resultado da com paração. O m elhor quadro, a
m elhor técnica, o m aior músico, o mais talentoso, o mais belo, o
mais inteligente — tudo isso depende da com paração. R a ra
m ente olham os o quadro, um hom em ou um a m ulher, por eles
mesmos. Há sempre esta tendência para a com paração.
O am or será com paração? Podereis dizer que amais mais este
do que aquele? Q uando há essa com paração há realmente am or?
Q uando existe esse sentido do “mais”, o que significa medir,
então o pensam ento está em acção. E o am or não é o movi
m ento do pensam ento. Este m edir é com parar. Pela vida fora,
somos incitados a com parar. Q uando num a escola se com para B
com A, está-se a destruir ambos.
Será então possível educar sem espírito de com paração?
P or que é que com param os? C om param os simplesmente
porque com parar, medir, é característico do pensam ento e da
nossa m aneira de viver. Som os criados nesta corrupção: o
“melhor” é sempre mais nobre do que o que é, do que aquilo que
está a acontecer realmente. Observar o que é, sem com parar, sem
medir, é ir além de o que é.
Q uando não há com paração, há integridade. N ão se trata de
ser íntegro, verdadeiro, para si mesmo, o que é ainda uma form a
de lim itação, de m edida. M as quando não há lim itação, quando
não há m edida, há então esta qualidade de inteireza, de
plenitude.
A essência do ego, do eu, é a lim itação, a m edida. E quando
há medida, há fragm entação. Isto precisa de ser profundam ente
com preendido, não como um a ideia, mas com o um a realidade.
Ao lerdes isto, podeis transform á-lo num a abstracção, isto é,
num a ideia ou num conceito, e a abstracção, a intelectualização é
outra form a de limitação, de medida. A quilo que é não tem
medida.
Em penhai-vos de todo o coração em com preender isto, peço-
-vos. Q uando tiverdes com preendido todo o seu significado, a
vossa relação com o aluno e tam bém com a vossa família tornar-
-se-á com pletam ente diferente. Se perguntardes se esta diferença
será para “m elhor”, então estareis prisioneiros na engrenagem da
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ii i v u i u u * â s k i lu v / p v iu v / i v v / j w io . t u iV / io u u n w i v ^ u y u V jU a ilU W 1 W U 1 ~
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G eralm ente os pais têm m uito pouco tem po para dedicar aos
filhos, excepto quando eles são ainda bebés. Depois, m andam -
nos para as escolas locais, para colégios, ou deixam que outros
cuidem deles. N ão têm talvez o tem po ou a paciência necessários
para os educar em casa. Estão ocupados com os seus próprios
problem as.
As nossas escolas tornam -se assim a casa das crianças, e os
educadores passam a ser os pais, com to d a a responsabilidade
que isso implica. C om o já tem os dito, e não é deslocado repeti-
-lo, o que cada um considera “a sua casa” é um lugar onde há
um a certa liberdade, onde a pessoa sente segurança, onde se
sente bem acolhida e tratad a com afeição. S erá que nestas esco
las as crianças tam bém sentem isso? — que são acom panhadas
com cuidado, que lhes dão m uita atenção e afecto, que há quem
se preocupe com a sua conduta, com a sua alim entação, com o
seu vestuário, e com a sua m aneira de tra ta r os outros? Se assim
é, a escola torna-se um lugar onde o aluno se sente realm ente em
casa, com tu d o o que isso implica; sente que há pessoas à sua
volta que estão atentas aos seus interesses, aos seus m odos de
expressão, que se ocupam dele tanto física com o psicologica
m ente, ajudando-o a libertar-se das feridas psicológicas e do
medo. É esta a responsabilidade de todos os professores destas
escolas — e não apenas de um ou dois. A escola, no seu todo,
existe p ara isso, para criar um clim a em que, tan to nos educado
res com o nos educandos, o bem esteja a desabrochar.
O educador precisa de tem po disponível para estar só e em
sossego, p ara recuperar a energia despendida, para se aperceber
dos seus problem as pessoais e para os resolver, de m odo a que
ao voltar a estar com os alunos não leve consigo o rum or, o
ruído, da sua agitação interior.
C om o já acentuám os, qualquer problem a que suija na vida
nr\
deve ser resorvioo imecuuiuiiicii.ic, uu wu lapiuam ^m v
possível, porque os problem as, quando são arrastados de dia
para dia, destroem a sensibilidade da mente, que é um todo. Esta
sensibilidade é essencial. Perdem o-la quando nos limitamos a
instruir o jovem neste ou naquele assunto. Q uando só o assunto
se to rn a im portante, a sensibilidade m urcha, e perde-se real
mente o contacto com o aluno. Este passa então a ser um mero
receptáculo de inform ações. E desse m odo, tanto a mente do
professor com o a do aluno tornam -se mecânicas.
G eralm ente, som os sensíveis aos nossos próprios problem as,
aos nossos próprios desejos e pensam entos, e raram ente aos dos
outros. Q uando estam os constantem ente em contacto com os
alunos, tem os tendência a im por-lhes as imagens que tem os
deles, e se o aluno tem tam bém um a forte im agem de si m esm o,
há conflito entre estas imagens. Torna-se assim m uito im portante
que o ed u cad o r ab andone as suas im agens e se ocupe das im a
gens que os pais ou a sociedade im põem ao jovem ou da imagem
que o próprio aluno cria. Só no encontro recíproco pode haver
relacionam ento, e a relação entre as imagens que geralm ente
cada um tem do outro é ilusória.
Os problem as físicos e psicológicos desgastam a nossa ener
gia. P oderá o educador ter segurança m aterial nestas^ escolas, e
além disso estar livre de problem as psicológicos? É essencial
com preender que, quando não há um sentim ento de segurança
física, a incerteza cria agitação psicológica. A m ente torna-se
pouco sensível, e assim a paixão (a energia do am or), tão neces
sária na vida quotidiana, não pode estar presente, e é o entu
siasmo que tom a o seu lugar.
O entusiasm o tem os seus perigos po rq u e nunca é constante.
Ergue-se com o um a vaga e desfaz-se. E erradam ente tom ado por
interesse sério. Pode-se ter entusiasm o durante algum tem po p or
aquilo que se está a fazer, pode-se estar cheio de a rd o r e activi
dade mas inerente a esse entusiasm o há um desgaste. É tam bém
essencial com preenderm os isso, porque a m aior parte das rela
ções são propensas a esse desgaste.
A paixão é com pletam ente diferente da sensualidade, do
interesse e do entusiasm o. O interesse por um a coisa pode ser
m uito profundo, e é possível utilizá-lo para conseguir lucro ou
poder, mas esse interesse não é paixão. O interesse pode ser
estim ulado por um objecto ou por um a ideia, e está ligado à
auto-satisfação. A paixão está liberta do eu. O entusiasm o existe
O entusiasm o pode ser despertado por outrem , por algum a coisa
exterior. A paixão é um a energia total, que não resulta de qual
quer estim ulação. A paixão está para além do eu.
Será que os professores têm esta paixão? — porque ela é
um a fonte de criatividade. Q uando se ensinam os vários assun
tos, é preciso encontrar novas m aneiras de transm itir a inform a
ção, de m odo a que esta não to rn e a m ente m ecânica. Será pos
sível ensinar história — que é a história da hum anidade — não
com o sendo a história dos ingleses, dos indianos, dos am erica
nos, etc., m as com o a história do hom em , que é um a história
global? Q uando assim é, a m ente d o educador está sem pre cheia
de vivacidade e de frescura, descobrindo um m odo totalm ente
diferente de ab o rd ar o ensino. O educador está então intensa
mente vivo e nessa plenitude de vida há paixão.
Será possível fazer isto em todas as escolas? — porque esta
mos em penhados no aparecim ento de um a sociedade diferente,
no desabrochar da bondade, num a mente que não seja mecânica.
Um a verdadeira educação é isto, e vós, educadores, querereis
assum ir esta responsabilidade? É nesta responsabilidade que
reside o desabrochar de um a autêntica bondade, em vós e nos
alunos.
Som os responsáveis por to d a a hum anidade — que é cada
um de vós e cada aluno. Tendes de com eçar por aí e ab ran g er a
terra inteira. Podeis ir m uito longe, se partis de m uito perto. E o
que está m ais perto sois vós e os vossos alunos. G eralm ente,
com eçam os pelo mais afastado, “o princípio suprem o”, “o mais
alto ideal”, e perdem o-nos em algum sonho vago do pensam ento
im aginativo. M as quando com eçais pelo que está m uito perto,
pelo mais próxim o, isto é, p or vós mesmos, então o m undo todo
está ab erto , p orque vós sois o m undo, e o m undo além de vós é
só a natureza. A natureza não é im aginária: é real, com o é real
o que vos está a acontecer. É pelo real que tendes de com eçar
— pelo que está a acontecer agora — e o agora é sem tem po.
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15 de Julho, 1979
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wvjimauiyau c upusiçao ueniro ae nos mesmos, im plica um a
integridade total, um a harm onia com pleta. Não ser egoísta
essencialmente é isto.
A mente, com as suas respostas em ocionais, com todas as
coisas que o pensam ento reúne sob o seu dom ínio, é a nossa
consciência. E esta consciência com o seu conteúdo, é a cons
ciência de todos os seres hum anos, em bora com certas m odifica
ções; não é inteiram ente semelhante, pois há diferenças de to n a
lidades e de subtileza mas, basicam ente, as raízes da sua existên
cia são com uns a todos nós.
Cientistas e psicólogos estudam a consciência, e os “instruto
res espirituais” jogam com ela para os seus próprios fins. Os que
a estudam com seriedade, exam inam -na com o um conceito, ou
um processo de laboratório — as respostas do cérebro, as ondas
alfa, etc. — com o algo exterior a si próprios. Nós porém não
estam os interessados em teorias, conceitos ou ideias acerca da
consciência; o que nos interessa é a sua actividade, na nossa vida
diária. N a com preensão desta actividade — as respostas quo ti
dianas, os conflitos, etc. — terem os um insighí, um a visão p ro
funda da natureza e da estrutura da nossa própria consciência.
C om o dissemos, a realidade fundam ental desta consciência é
com um a todos nós — não se tra ta da vossa consciência particu
lar ou d a m inha. H erdám o-la e vam o-la m odificando, alterando-
-a aqui e ali, mas o seu m ovim ento básico é com um a toda a
hum anidade.
E sta consciência é a nossa mente, com todas as suas com ple
xidades ligadas ao pensam ento — as em oções, as respostas sen-
soriais, o conhecim ento acum ulado, o sofrim ento, a aflição, a
ansiedade, a violência. T udo isso é a nossa consciência. O
cérebro.
É m uito antigo e está condicionado por séculos de evolução,
por to d a a espécie de experiências, pela recente acum ulação de
conhecim entos, que se m ultiplicaram enorm em ente. T udo isto é
a consciência em acção em todos os m om entos da nossa vida —
a relação entre os seres hum anos com todos os prazeres, dores,
confusão de sentim entos contraditórios e a gratificação do desejo
com o sofrim ento que lhe é inerente. É este o m ovim ento da
nossa vida.
Perguntam os, e isto precisa de ser encarado com o um desa
fio, se este m ovim ento tão antigo poderá findar — porque se
to rn a um a actividade mecânica, um a m aneira de viver tradicio-
m ento acaba) não há nem fim nem começo.
A consciência parece ser algo m uito complexo, mas na reali
dade é m uito simples. É o pensam ento que influencia todo o
conteúdo da nossa consciência — a sua segurança, a sua incer
teza, as suas esperanças e os seus m edos, a depressão e a exalta
ção, o ideal, a ilusão. U m a vez com preendido isto — que o pen
sa m e n to é resp o n sável pelo c o n te ú d o to ta l d a consciência
— surge en tão a pergunta inevitável — será possível p a ra r o
pensam ento?
M uitas tentativas, de tipo religioso ou puram ente mecânico,
têm sido feitas nesse sentido. O próprio desejo de p arar o pen
sam ento faz parte do m ovim ento do pensam ento. A p rópria
busca de um a “superconsciência” é ainda a m edida do pensa
m ento. Os deuses, os rituais, to d a a ilusão em ocional que leva a
construir tem plos, igrejas e m esquitas, com a sua m aravilhosa
arqu itectu ra, faz ainda parte do m ovim ento do pensam ento. É o
pensam ento que põe Deus no céu.
N ão é o pensam ento que cria a natureza. Ela é real. U m a
cadeira tam b ém é real e é p ro d u to do pensam ento; todas as coi
sas que a tecnologia produz são reais. Ilusório é o que se afasta
do real, do actual — o que está a acontecer no m om ento — mas
as ilusões tornam -se um a realidade porque vivemos de acordo
com elas.
Um cão não é produto do pensam ento, m as o que desejam os
que o cão seja é um m ovim ento do pensam ento. P ensam ento é
m edida. Pensam ento é tempo. T udo isto é a nossa consciência.
A mente, o cérebro, os sentidos fazem parte dela.
P erguntam os, então: este m ovim ento poderá ter fim? O pen
sam ento é a raiz de todo o nosso sofrim ento, de to d a a nossa
fealdade. O que querem os é que estes acabem — estas coisas
radicadas no pensam ento — não que acabe o pensam ento, mas
que acabem a nossa ansiedade, o sofrim ento, a aflição, a sede de
poder, a violência. C om o findar de tudo isto, o pensam ento
enco n tra o seu ju sto lugar, um lugar lim itado, que corresponde
ao conhecim ento e à m em ória, de que necessitam os para a vida
de todos os dias.
Q uando os conteúdos da consciência, que são influenciados
pelo pensam ento, já não estão activos, há então um vasto
espaço, e p o rtan to a libertação de um a im ensa energia, que
estava lim itada pela consciência. O am o r está para além desta
consciência.
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1 de A gosto, 1979
Interlocutor:
G ostaria de perguntar-lhe o que considera ser um a das coisas
mais im portantes da vida. T enho pensado bastante neste assunto,
e há tan tas coisas na vida que parecem ser im portantes; gostaria
de pôr-lhe esta questão, com toda a seriedade.
Krishnam urti:
Talvez seja a arte de viver. E stam os a usar a palavra arte no
seu sentido m ais vasto. A vida é tão com plexa que é sem pre
b astan te difícil, e gera confusão, escolher um aspecto e dizer que
é o m ais im portante. A própria escolha, a diferenciação que se
estabelece, perm ita-m e que lhe diga, leva ainda a m aior confu
são. Se dizem os, isto é o mais im portante, então relegam os para
segundo plano os outros factos da vida.
P o rta n to , ou tom am os o m ovim ento da vida com o um to d o ,
o que p a ra a m aioria das pessoas é extrem am ente difícil, ou con
sideram os um aspecto fundam ental, no qual todos os outros
possam estar incluídos. Se concorda com isto, podem os então
con tin u ar o nosso diálogo.
Interlocutor:
Q uer então dizer que um único aspecto pode abranger to d o o
cam po da vida? Isso é possível?
K rishnam urti:
É possível. Exam inem os isto com vagar e grande cuidado.
A ntes de m ais nada, tem os am bos de investigar, sem chegar logo
a um a conclusão — o que é geralm ente bastante superficial.
V am os ex p lo rar jun to s um a faceta da vida e, ao com preender
m os essa faceta, talvez possam os ab ran g er a vida na sua to ta li
dade. P a ra investigar, tem os de estar livres dos nossos preconcei-
ios, uas nossas expenencias pessoais, e ae conciusoes preestaneie-
cidas. C om o um bom cientista, tem os de ter um a m ente não
obscurecida pelo conhecim ento que já acum ulám os. Tem os de
a b o rd a r o problem a com um espírito novo, um a das condições
necessárias à exploração, exploração não de um a ideia ou de
um a série de conceitos filosóficos, mas das nossas próprias m en
tes — sem qualquer reacção ao que está a ser observado. Isto é
absolutam ente necessário; de outro m odo a investigação de nós
mesmos é colorida pelos nossos próprios m edos, prazeres e
esperanças.
Interlocutor:
N ão estará a pedir de mais? Será possível ter um a m ente
assim?
Krishnamurti:
A p ró p ria necessidade prem ente de investigar, com a sua
intensidade, liberta a mente de toda a coloração.
C om o dissemos, um a das coisas mais im portantes é a arte de
viver. H averá um m odo de viver a vida de todos os dias que seja
inteiram ente diferente da m aneira com o geralm ente se vive?
T odos sabem os o que é usual. H averá um m odo de viver sem a
pressão d o controlo, sem conflito, sem o conform ism o da “disci
plina”?
C om o vou descobri-lo? Só o poderei descobrir quando toda
a m inha m ente encara exactam ente o que está a acontecer agora.
O que quer dizer que só posso descobrir o que significa viver sem
conflito, q uando o que está a acontecer pode ser observado. Esta
observação não é um processo intelectual ou em ocional: é um a
percepção nítida, clara, penetrante, em que não há dualidade. Só
há o actual (o que está a acontecer no m om ento) e nada mais.
Interlocutor:
Que entende, neste caso, por dualidade?
Krishnamurti:
N ão existe nem oposição, nem contradição no que é, no que
está a passar-se. A dualidade só aparece quando há um a fuga ao
que é. E sta fuga cria o oposto e então surge o conflito. Na
observação do que é, só há o actual, mais nada.
Está a dizer que quando se percebe qualquer facto psicoló
gico que está a acontecer agora, a mente não deve interferir com
associações e reacções?
Krishnamurti:
Sim, é isso que querem os dizer. As associações e as reacções
ao que está a acontecer constituem o condicionam ento da mente.
Este condicionam ento impede a observação do que está a acon
tecer. O que está a acontecer agora está livre do tem po. O tem po
é a evolução do nosso condicionam ento. É a herança do hom em ,
o fardo que não tem princípio.
Q uando existe essa observação apaixonada, intensa, do que
está a passar, o que está a ser observado dissolve-se no nada. A
observação da cólera presente revela toda a natureza e estrutura
da violência. Este insight é o acabar de toda a violência. Esta não
é então substituída por outra coisa, e é nisso que reside a nossa
dificuldade. O que desejamos, o que querem os intensam ente é
encontrar um objectivo definido. Nesse objectivo sente-se um a
ilusória segurança.
Interlocutor:
É difícil para m uitos de nós observar a cólera, porque as
emoções e as reacções parecem fazer inextricavelm ente parte
dela. N ão se sente cólera sem associações, sem conteúdo.
Krishnamurti:
A cólera tem m uitas histórias atrás dela. N ão é um aconteci
m ento isolado. Tem , com o apontou, m uitíssim as associações.
Essas mesmas associações, com as emoções respectivas, impedem
um a verdadeira observação. No caso da cólera, conteúdo é a
cólera. A cólera é o conteúdo — não são duas coisas separadas.
O conteúdo é o condicionam ento. N a observação apaixo
nada, intensa, do que se está realm ente a passar, isto é, na obser
vação das actividades do condicionam ento, a natureza e a estru
tura do condicionam ento dissolvem-se.
Interlocutor:
Q uer dizer que, q uando um facto psíquico está a ter lugar, há
de im ediato na m ente um a rápida torrente de associações? E se
ção fá-lo p a ra r im ediatam ente e desaparecer? É isto que quer
dizer?
Krishnam urti:
Sim. N a realidade é m uito simples, tão sim ples que essa sim
plicidade, e p o rtan to essa subtileza, passam despercebidas. O que
estam os a dizer é que seja o que for que esteja a acontecer
— q u an d o se está a falar, a andar, a “m editar” — esse aconteci
m ento que está a ter lugar deve ser observado. Q uando a m ente
se dispersa, o pró p rio facto de o observarm os põe fim à sua
tagarelice. Assim não há distracção algum a.
Interlocutor:
Parece pois que está a dizer que o conteúdo do pensam ento
não tem um significado essencial na arte de viver.
Krishnam urti:
Exactam ente. A lem brança não tem lugar na arte de viver. A
arte de viver é relacionam ento. Se neste interfere a lem brança, já
não é relacionam ento. A relação é entre seres hum anos, não
entre as suas m em órias. São estas m em órias que dividem , e
criam p o rtan to os desentendim entos, a oposição do tu e do eu.
Assim, o pensam ento, que é m em ória, não tem qualquer lugar
no relacionam ento. Nisto reside a arte de viver.
O relacionam ento é com todas as coisas — com a natureza,
as aves, as rochas, com tudo o que está à nossa volta e p o r cim a
de nós — as nuvens, as estrelas e o espaço azul do céu. T o d a a
existência é relação. Sem relação não se pode viver. Vivemos
num a sociedade de degenerescência, porque corrom pem os o
relacionam ento.
A arte de viver só pode existir quando o pensam ento não
contam ina o am or.
P o d erá o professor destas escolas dedicar-se inteiram ente a
esta arte?
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15 de A gosto, 1979
Interlocutor:
C om o evitar isso?
K rishnam urti:
A palavra nunca é a coisa. A palavra “m ulher” nunca é a
pessoa, a p alavra “p o rta ” nunca é a coisa a que se refere. A
palavra dificulta a percepção real da coisa ou da pessoa, porque
a palav ra tem m uitas associações. Essas associações que de facto
são lem branças, distorcem não só a observação visual mas ta m
bém a observação psicológica. As palavras tornam -se então um a
barreira ao livre fluir da observação. T om em os as palavras “pri
m eiro-m inistro”, e “escriturário”. Estes term os descrevem fun
ções, m as as palavras “prim eiro-m inistro” têm um forte sentido
de poder, de posição e de im portância, enquanto a palavra
“escriturário” tem associações que sugerem um a situação social
m odesta, de pouca im portância e sem q ualquer poder. Assim, a
palavra im pede que se olhe igualm ente para am bos com o seres
hum anos. H á na m aior parte de nós, um arreigado preconceito
social. Ver o que as palavras fazem ao nosso pensam ento, e estar
atento a isso, sem fazer qualquer escolha, é aprender a arte da
observação — observar sem associações.
Interlocutor:
C om p reen d o o que diz, m as as associações são tão rápidas,
tão instantâneas, que a reacção tem lugar antes de nos aperce
berm os disso. Será possível evitá-lo?
Krishnam urti:
N ão se tra ta rá de um a falsa questão? Q uem é que vai evitá-
lo? S erá um outro sím bolo, um a outra palavra, um a outra ideia?
Se assim for, então não se apreendeu to d o o significado da
escravidão da mente pelas palavras, pela linguagem . Bem vê,
usam -se as palavras em ocionalm ente — é u m a form a de pensar
em ocional — excepto relativam ente ao uso de term os técnicos,
m edidas, núm eros, que têm um sentido preciso.
n h am um papel im portante. O desejo é m uito forte e é alim en
tad o pelo pensam ento que cria a im agem . A im agem é a palavra,
é a representação m ental, e esta está de acordo com o nosso
prazer, com o nosso desejo. D este m odo, to d a a nossa m aneira
de viver é m oldada pela palavra e pelas suas associações. Ver este
processo inteiro com o um todo, é ver com o, na verdade, o pen
sam ento é um obstáculo à percepção.
Interlocutor:
Está a d i/cr que não há pensam ento sem palavras?
Krishnam urti:
Sim , é mais ou m enos isso. M as lem bre-se, p o r favor, que
estam os a falar da arte de viver, que estam os a aprender sobre
ela e não a m em orizar palavras. E stam os a aprender; não um a
ensinar, e o outro a tornar-se um discípulo sem discernim ento.
E stá a perguntar se há pensam ento sem palavras. É um a per
gu n ta m uito im portante. T odo o nosso pensam ento é baseado na
m em ória, e a m em ória, p o r sua vez, baseia-se em palavras, em
im agens, em sím bolos, em representações. T u d o isto são
palavras.
Interlocutor:
M as aquilo que se lem bra não é um a palavra; é um a expe
riência, um acontecim ento de ordem em ocional, a im agem de
um a pessoa ou de um lugar. A palavra é um a associação
secundária.
Krishnam urti:
E stam os a usar a palavra para descrever tudo isso. A palavra
é afinal um sím bolo para indicar o que aconteceu ou está a acon
tecer, p ara com unicar ou para evocar algum a coisa. H averá um
“p en sar” sem todo este processo? H á, m as não se lhe deveria
c h am ar pensar. P ensar implica um a continuação da m em ória,
m as a percepção não é isso, não é u m a actividade do pensa
m ento. É na realidade um insight, um a com preensão clara e
pen etran te d a natureza e do m ovim ento d a palavra, do sím bolo,
da im agem e dos seus desenvolvim entos em ocionais. Ver isso
com o um to d o é d ar à palavra o seu lugar adequado.
M as que significa ver o todo? Diz isto m uitas vezes. O que
quer dizer com isso?
K rishnam urti:
O pensam ento divide, p orque em si m esm o é lim itado.
O bservar de m aneira to tal im plica a não interferência do pensa
m ento. É observar sem que o passado, sob a form a de conheci
m ento, bloqueie a observação. E n tão o ob serv ad o r não existe,
p o rq u e o o b serv ad or é o passado, a verdadeira natu reza do
pensam ento.
Interlocutor:
Está a dizer-nos p ara p arar o pensam ento?
K rishnam urti:
M ais u m a vez, perm ita-m e que lhe diga, trata-se de um a falsa
q uestão. Se o pensam ento diz a si pró p rio p a ra p a ra r de pensar,
cria dualidade e conflito. Esse é exactam ente o processo de divi-
d ão p ró p rio do pensam ento. Se se percebe realm ente a verdade
disto, então, de m odo natural, o pensam ento fica suspenso. T em
então o lugar que lhe é próprio, um lugar lim itado, e não se
a p ro p ria rá de todo o cam po da vida, com o se está a a p ro p ria r
agora.
Interlocutor:
C o m p reen d o que ex tra o rd in á ria atenção é necessária. Serei
realm ente capaz dessa atenção, serei bastante sério p a ra dedicar
a isto to d a a m inha energia?
Krishnam urti:
Será que a energia pode realm ente ser dividida? A energia
despendida a g an h ar a vida, a m anter um a fam ília e a ser bas
tan te sério p a ra com preender o que se está a dizer, é a m esm a
energia to tal. M as o pensam ento divide-a e gastam os assim
m uita energia num aspecto da vida e m uito p ouca no outro. N a
arte de viver a divisão não existe. E então a vida é um todo.
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1 A A
m ente a acontecer, sem teorias, pré-juízos e atitudes valorativas,
é educação.
Os livros são im portantes, m as o que é bem m ais im p o rtan te
é a p re n d er o livro, a história de vós p ró p rio s, p o rq u e cada um é
a h u m an id ad e inteira. Ler esse livro é a arte de aprender. T u d o
está lá; as instituições com as suas pressões, as d o utrinas e as
im posições religiosas, com a sua crueldade, as suas crenças. A
estru tu ra social de todas as sociedades, que é a relação entre os
seres h um anos, com as suas am bições, avidez e violência, os seus
prazeres e ansiedades, tudo isso lá está, se se so u b er olhar. Esse
o lh ar não é dirigido para dentro. O livro não está nem oculto em
vós nem fora de vós. Está em tudo, sois p arte desse livro. O livro
conta-vos a história do ser h u m an o e é p ara ser lido em to d o o
vosso relacionam ento, nas vossas reacções, nos vossos conceitos
e valores. O livro é o p ró p rio centro do vosso ser, e ap ren d er é
ler esse livro com extrem o cuidado. C onta-vos a história do pas
sado, com o o passado vos m odela a m ente, o coração e os
sentidos.
O passado m odela o presente, m odificando-se de acordo com
o desafio do m om ento. E os seres hum anos estão prisioneiros
neste infindável m ovim ento de tem po. É este o co ndicionam ento
do ser h um ano. Este condicionam ento é o fard o constante do
hom em , o vosso fardo e o do vosso irm ão.
Filósofos, teólogos e santos têm aceitado este condiciona
m ento, têm deixado que as pessoas o aceitem , tira n d o p artid o
dele; ou têm oferecido evasões, em fantasias de experiências mís
ticas, de deuses e de céus.
A educação é a arte de a p ren d er sobre este co n d icio n am en to
e sobre o m odo de sairm os dele, de nos libertarm os deste fardo.
H á u m a saída que não é fugir-lhe, nem consiste em aceitar as
coisas com o estão. N ão é um a fuga ao condicionam ento, nem a
sua repressão. É a dissolução do condicionam ento.
Q u an d o lerem ou ouvirem isto, reparem se estão a ouvir ou a
ler só com a capacidade verbal do intelecto, ou com o cuidado
de um a verdadeira atenção. Q uan d o há esta aten ção total, não
há passado, há apenas a observação p u ra do que no m om ento
está a acontecer.
26
102
Quase todos os seres hum anos desejam na vida poder e
riqueza. A riqueza traz um certo sentim ento de “liberdade”, que
tem por alvo o prazer. O desejo de poder parece instintivo e
exprime-se de muitas maneiras. Existe no “guru” , no sacerdote,
no m arido ou na mulher, no rapaz que quer dom inar outro. Este
desejo de dom inar, de submeter, é um dos condicionam entos do
homem, provavelmente herdado do animal. Esta agressividade e
a subm issão que ela impõe pervertem todas as relações ao longo
dá vida. Este tem sido o padrão, desde o começo dos tempos; e o
hom em aceita isso como um m odo natural de viver, com todos
os conflitos e misérias que traz consigo.
Basicamente implicada em tudo isso está a tendência para
m edir — o mais e o menos, o m aior e o m enor — o que, essen
cialmente, é com parar. Uma pessoa está sempre a com parar-se
com outra, a com parar um quadro com outro quadro, etc.; há
com paração entre o mais poderoso e o menos poderoso, entre o
tím ido e o agressivo. Isto começa quase ao nascer e continua
pela vida fora — mede-se constantem ente o poder, a posição, a
riqueza. Esta com paração é estimulada nas escolas e nas univer
sidades. Todos os seus sistemas de classificação se baseiam no
valor com parativo do conhecimento. Q uando A é com parado
com B, que é intelectualmente brilhante, que se auto-afirm a, essa
competição destrói A. Esta destruição tom a a form a de competi
ção, de im itação e conformismo, em relação ao modelo estabe
lecido por B. Consciente ou inconscientemente isto gera antago
nismo, ciúme, ansiedade e mesmo medo; e tudo isto se torna o
clima em que A irá viver para o resto da vida — sem pre a medir,
sempre a com parar, psicológica e fisicamente.
Esta com paração é um dos muitos aspectos d a violência. A
palavra “mais” é sempre com parativa, tal com o a palavra
“melhor”. O problem a que se põe é então: poderá o educador, na
sua relação pedagógica, deixar completamente de com parar, de
medir? Será capaz de aceitar o aluno com o ele é, e não com o
“deveria ser”, sem form ular juízos baseado sem apreciações
comparativas? Só quando há com paração entre aquele a que se
cham a “brilhante” e aquele que se cham a “insignificante” é que
existe essa qualidade de “insignificância”. O “idiota” é “idiota”
por ser incapaz de certas actividades, ou por causa da com para
ção a que é sujeito? Estabelecemos certos padrãos que são
103
oaseaaos na m euiua, e o s q u e n au us a in ig c m sau tu u a iu tia u u s
deficientes.
Q uando o educador põe de lado a com paração e a m edida,
ocupa-se então do jovem tal com o é, e a sua relação com ele é
directa e totalm ente diferente. É na realidade essencial com
preender isto. O am or não com para. O am or não tem medida.
C om parar e m edir são processos do intelecto. E isso cria divisão.
Q uando isto é inteiram ente com preendido — não as palavras,
mas a verdade a que elas se referem — a relação professor-aluno
sofre um a transform ação radical.
Os testes m áxim os de m edida são os exam es, com o seu
m edo e a süa ansiedade, que afectam profundam ente a vida
futura do estudante.
Q uando não há nenhum sentido de com petição, de com para
ção, toda a atm osfera da escola m uda com pletam ente.
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1 de O utubro, 1979
ms
» * 1 A
desejo, e assim essa m esma direcção torna-se um a distorção.
Estas distorções variam de pessoa para pessoa, e no oceano agi
tado da confusão as pessoas agarram -se a elas.
Podem os observar as consequências de se ad o p tarem valores:
eles separam os seres hum anos e põem -nos uns co n tra os outros.
E tudo isso acaba por levar a grande infelicidade, à violência e
finalm ente à guerra.
Os ideais são valores. Sejam de que espécie forem , os ideais
represen tam um a série de valores, nacionais, religiosos, etc.
— colectivos ou pessoais. E podem os observar as consequências
desses ideais, porque elas estão a manifestar-se no m undo.
Q uan d o se vê tudo isto, a m ente fica liberta de todos os valo
res, e p ara um a m ente assim há apenas lucidez. A m ente que se
agarra a um a experiência, ou que a deseja, está a ficar presa
nessa ilusão dos valores, e desse m odo torna-se fechada, reser
vada e criadora de divisão.
Será possível o educador explicar isto ao jovem : explicar-lhe
a necessidade de não ter valores, mas de viver com lucidez, que
não é um valor? É posssível, quando o próprio educador sente
profundam ente a verdade de tudo isto. Se não a sente, então
tudo o que possa dizer será m eram ente um a explicação verbal,
sem qualquer sentido profundo.
É preciso ajudar não só os alunos mais velhos a com preender
isto, mas tam bém os mais jovens. Os mais velhos estão já pesa
dam ente condicionados pela pressão da sociedade e dos pais,
com os seus valores; ou eles mesmos determ inaram os seus p ró
prios objectivos que se tornam um a prisão.
Em relação aos que são m uito jovens, o mais im portante é
ajudá-los a libertar-se de pressões e problem as psicológicos.
A ctualm ente, estudantes m uito jovens são postos perante p ro
blem as intelectuais com plicados; os seus estudos estão a to rn ar-
-se cada vez mais técnicos; é-lhes fornecida um a inform ação cada
vez mais abstracta; os seus cérebros sofrem a im posição de várias
form as de conhecim ento, ficando assim condicionados logo desde
a infância. P a ra nós, porém , aquilo que é essencial, aquilo em
que estam os em penhados é aju d ar aqueles que são ainda m uito
jovens, a não terem problem as psicológicos, a estarem livres do
m edo, d a ansiedade e da crueldade, a serem atentos ao outro, a
terem generosidade e afeição. Isto é bem mais im portante do que
im por conhecim entos às suas mentes jovens. N ão quer dizer que
lOA
a v^uauya n a u a p itn u a a. i t i , a tsv ic v c i, c aSM U l p u i U lcU iiC , iiid .5
15 de O utubro, 1979
115
lllW iV V I-V V x*w .--------------------------------------------- J.---------------------._- _
__
1 de Janeiro, 1980
121
J- I *
tudo isto.
É verdade que, por todo o m undo, os estudantes vêem o
efeito do caos que nos rodeia, e desejam escapar-lhe, refugiando-
-se em qualquer espécie de ordem exterior, em bora dentro de si
m esmos possam estar extrem am ente confusos e agitados. Q ue
rem m udar o exterior sem que cada um se transform e a si
m esmo, mas cada um é que é a origem e a continuação da
desordem . Isto é um facto, não um a conclusão pessoal.
Assim, na educação, estam os em penhados em m udar o que é
a origem da desordem e a faz continuar. São os seres hum anos
que criam a sociedade, e não os deuses, num céu qualquer.
C om eçam os portanto pelo jovem , pelo estudante. Esta palavra
implica estudar, aprender e agir. A prender não só a partir dos
livros e dos professores, mas tam bém estudar e aprender sobre si
m esmo — esta é a educação de base. Se não se sabe nada de si
m esmo, em bora se esteja a encher a m ente com m uita inform a
ção acerca do universo, está-se apenas a aceitar e a continuar a
desordem . C om o jovens que sois, talvez isto não vos interesse.
Quereis divertir-vos, seguir os vossos próprios interesses, estu
dando apenas quando sois forçado a isso, aceitando as com para
ções e os seus resultados inevitáveis, tendo em vista um a carreira
qualquer. Talvez este seja o vosso principal interesse, o que
parece natural, porque os vossos pais e avós seguiram o m esm o
cam inho — em prego, casam ento, filhos, responsabilidades.
D esde que p ara vós haja segurança, pouco vos im porta o que
está a acontecer à vossa volta. É esta a relação real que tendes
com o m undo, o m undo criado pelos seres hum anos. O im ediato
é m uito m ais im portante, real e exigente do que o todo. M as é
necessário que tanto o estudante com o o educador estejam
em penhados em com preender a existência hum ana na sua to tali
dade; não só um a parte, mas o todo. A parte é o m ero conheci
m ento das descobertas do hom em no plano físico.
Nestas cartas é pois p or vós que com eçam os; p or vós, os
estudantes, e tam bém pelos educadores, que vos ajudam a
conhecer-vos a vós mesmos. Esta é a função de to d a a educação.
Precisam os de criar um a sociedade boa para os seres hum anos,
em que todos possam viver felizes e em paz, sem violência e com
segurança. C ada um de vós, estudantes, é responsável por isso.
Um a sociedade ‘boa não surge graças a um ideal, a um herói, a
um chefe, ou a um sistema cuidadosam ente planeado. Tendes de
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sem elhante ao que está, com algum as modificações, ou um
m undo em que todos, vós e os outros, possam viver sem guerras,
sem brutalidade, com generosidade e afeição.
Que fareis então? Com preendeis o problem a, que não é difí
cil; que fareis portanto? N a grande m aioria, sois instintivam ente
generosos, bons, e desejosos de ajudar, excepto, evidentem ente,
se tiverdes sido m uito m altratados e deform ados, o que espera
mos que não tenha acontecido. Q ue fareis, pois? Se os educado
res forem o que devem ser, desejarão ajudar-vos, e então pergun
ta-se: que fareis, em conjunto, para vos aju d ar a estudar-vos a
vós m esm os, a aprender sobre vós m esm os, e a agir? V am os
agora ficar p o r aqui e continuarem os na próxim a carta.
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v^in^wiv. i U1 4 UC: i>ctu scra, por exem plo, devido à pressão do
estudo, à pressão da com petição, à pressão do esforço para se
tentar alcançar uma posição de destaque nos estudos, com paran-
do-se a si próprio com os outros, e sendo talvez oprim ido por
outros estudantes? Não será que todas estas pressões levam for
çosam ente a uma preocupação consigo próprio? E quando se
está assim preocupado consigo, perde-se inevitavelmente essa
qualidade da afeição.
É m uito im portante com preenderdes com o as circunstâncias,
o meio, a pressão exercida pelos pais ou a vossa própria tendên
cia para o conform ism o vão gradualm ene reduzindo a beleza da
vida ao acanhado círculo de vós mesmos. E se enquanto sois
jovens perdeis esta sensibilidade, esta afeição, a mente e o cora
ção endurecem . Raram ente pela vida fora se m antém intacta esta
afeição. Ela é portanto a primeira coisa que precisais de ter.
A afeição implica atenção e cuidado em tudo o que fazeis;
atenção à vossa m aneira de falar, de vestir, ao m odo com o
comeis, com o cuidais do corpo; ao vosso procedim ento para
com os outros, sem fazer distinção entre “superior” e “inferior”; à
m aneira com o considerais as pessoas.
A delicadeza é atenção para com os outros e essa atenção é
cuidado afectuoso, com o se se tratasse do vosso irm ão mais
pequeno ou da vossa irm ã mais velha. Q uando tendes esse cui
dado, toda a violência desaparece de vós, tenha ela a form a que
tiver — cólera, antagonism o, orgulho. Esse cuidado implica
atenção. Atenção é ver, observar, ouvir, aprender.
H á m uitas coisas que podeis aprender nos livros, mas há um
aprender que é infinitam ente claro, rápido e livre de ignorância.
A atenção implica sensibilidade e esta dá à percepção um a pro
fundidade que nenhum conhecim ento, com a sua ignorância,
pode dar. Tendes de estudar tudo isto, não num livro, mas, com
o auxílio do educador, aprendei a observar as coisas à vossa
volta — o que está a acontecer no m undo, o que está a passar-se
com algum colega vosso, o que acontece na aldeia ou nos bairros
miseráveis e tam bém o que se passa com o homem que se arrasta
penosam ente ao longo da rua suja.
A observação não é um hábito. Não é um a coisa que vos
treineis a fazer mecanicamente. É o olhar fresco do interesse, do
cuidado, da sensibilidade. Não podem os treinar-nos para sermos
sensíveis. Q uando a pessoa é jovem , é sensível, tem percepções
rápidas, m as geralmente isso vai-se esbatendo à m edida que vai
PS
ficando mais velha. P or isso, tendes de vos estudar a vós mes
mos, e talvez os vossos professores sejam capazes de vos ajudar.
Se não forem , não im porta, porque é a cada um de vós que cabe
a responsabilidade de se estudar, aprendendo assim o que é. E
quando existir a afeição, as vossas acções nascerão da sua
pureza.
T udo isto pode parecer m uito difícil, mas não é. Estam os
desatentos a todo este lado da vida. Estam os tão preocupados
com a nossa carreira, os nossos prazeres pessoais, a nossa pró
pria im portância, que negligenciamos a grande beleza da afeição.
H á duas palavras em que é preciso sempre reparar — empe
nham ento e negligência. Aplicamos em penhadam ente a m ente a
adquirir conhecim entos nos livros e com os professores, dedica
mos a isso vinte ou mais anos da nossa existência, e negligen
ciamos o estudo do sentido mais profundo da nossa própria
vida. O exterior e o interior existem em nós. O que é interior
necessita de m aior em penham ento do que o que é exterior. É
um a necessidade urgente este em penham ento, que é o assunto
afectuoso, atento, do que se é.
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com preendem a verdade de tudo isto, e portanto põe-na de lado,
dizendo que isso é impossível na vida prática, ou que é idealista
— um a utopia. Mas não é. É eminentemente prático e realizável.
N ão nos deixemos pois desencorajar pelos tradicionalistas e con
servadores, ou por aqueles que se prendem à ilusão de que a
m udança só pode vir do exterior.
Q uando estudam os e aprendem os sobre nós mesmos, surge
um a força extraordinária, baseada na lucidez, que pode enfren
tar todo o absurdo do “Sistema”, da “ordem estabelecida”. Esta
força não é um a form a de resistência, nem um a obstinação ou
um a vontade egocêntricas, mas um a observação em penhada e
atenta do exterior e do interior. É a força da afeição e da inteli
gência.
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revolta, mas aquele que aprende sobre as suas próprias reacções,
o seu próprio condicionam ento, as limitações que eles represen
tam , e ultrapassa essas limitações. A essência do aprender é um
m ovim ento constante, sem um ponto fixo. Se há um ponto fixo,
ele torna-se um preconceito, constituído pelas nossas opiniões e
conclusões, e se começamos já com esse obstáculo então deixa
mos de aprender. O aprender é infinito. A mente que está sem
pre a aprender está para além de todo o conhecim ento.
Estais pois aqui para aprender, e tam bém para comunicar.
A comunicação não é só a troca de palavras, por m uito claras
e logicamente encadeados que sejam; é m uito mais profunda do
que isso. C om unicar é aprender um com o outro, com preender-
se um ao outro, e tudo isso deixa de existir quando se tem um a
posição rígida acerca de qualquer acto insignificante ou um
pouco irreflectido.
Q uando jovem , a pessoa tem tendência a conform ar-se, para
não se sentir à margem; aprender a natureza do conform ism o e
tudo o que ele implica cria a sua própria disciplina. Sem pre que
usam os esta palavra, lembrai-vos por favor de que am bos, o
educando e o educador, estão num a relação de aprendizagem
que nada tem a ver com imposição e aceitação. Q uando isto é
claram ente compreendido, as regras tornam -se desnecessárias.
Q uando isso não acontece, então as pessoas têm de as fazer. E
possível que vos revolteis contra as regras, contra o cham arem -
-vos a atenção para o que deveis fazer ou não fazer. M as rapi
dam ente, quando compreenderdes a natureza do aprender, as
regras desaparecerão completamente. Só os obstinados, os que se
afirm am egoisticamente é que fazem que haja regras: “deveis
fazer isto” e “não deves fazer aquilo”.
O aprender não nasce da curiosidade. Podeis ser curiosos a
respeito do sexo: essa curiosidade é baseada no prazer, num a
espécie de excitação, nas atitudes dos outros. Passa-se o mesmo
com a bebida, com as drogas, com o fum ar. A prender é m uito
mais profundo e vasto. O que nos faz realmente aprender sobre
o universo não é o prazer ou a curiosidade, mas a nossa relação
com o m undo.
Dividim os o aprender em categorias separadas, segundo as
exigências da sociedade ou as inclinações pessoais. N ão é do
aprender acerca de alguma coisa que estam os a falar, mas da
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adquirirm os a técnica necessária quase sempre lim itam os a
mente a ser um instrum ento capaz de funcionar, talvez eficien
tem ente, segundo um certo esquema. É a isto que as pessoas
cham am aprender. Isso dá um a certa segurança sob o aspecto
financeiro — talvez isto seja tudo o que se deseja — e criam os
assim um a sociedade que dá o que esperam os dela. Mas quando
existe essa outra qualidade de aprender, que não é acerca de
algum a coisa, então tem os um a mente e um coração cheios de
um a vida que o tem po não atinge.
Disciplina não é controlo nem sujeição. A prender implica
atenção, e isso é em penham ento. Só a m ente negligente é que
não aprende. Em vez disso, força-se a si mesma a aceitar,
quando está a ser superficial descuidada, indiferente. A mente
em penhada está activa, observa atentam ente, nunca se afun
dando em crenças e valores de segunda mão. A mente que está a
aprender é um a mente livre, e a liberdade exige a responsabili
dade de aprender. A m ente que está prisioneira na sua auto-
suficiência, entrincheirada em determ inados conhecim entos, pode
exigir liberdade, mas o que ela entende p or liberdade é apenas a
expressão das suas próprias atitudes e conclusões pessoais, e
quando isso é contrariado, reivindica a sua auto-afirm ação. M as
liberdade não é afirmação: é ser livre.
Assim, quando se entra para estas escolas ou, de facto, para
qualquer escola, deve existir essa qualidade de aprender, cheia de
sensibilidade, e que está ligada a um grande sentido de afeição.
Q uando realmente, profundam ente, tem os afeição em nós, esta
mos a aprender.