Arte de Retabul
Arte de Retabul
Arte de Retabul
Introdução
1 A noção de Retábulo Proto-Barroco nacional foi definida pela primeira vez por um dos autores (F.L.) e mereceu
desenvolvimento na comunicação de Francisco Lameira e Vitor Serrão «O retábulo proto-barroco da Capela do
antigo Paço Real de Salvaterra de Magos (c. 1666) e os seus autores», Actas do II Congresso Internacional do
Barroco, Porto, 2001 (no prelo), bem como no texto (dos mesmos) «O mestre ensamblador João Correia (1614-
1673) e a talha proto-barroca no Brasil», Actas do V Colóquio Luso-Brasileiro de História da Arte, Faro, 2002, pp.
347-355. Ai se define tipologicamente o conceito através da caracterização da obra de dois dos melhores
representantes, o escultor e ensamblador régio António Vaz de Castro e o entalhador jesuítico João Correia, este
último activo no Brasil.
2 Robert C. Smith, A Talha em Portugal, Livros Horizonte, Lisboa, 1962, p. 49.
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do Seiscentismo pleno e tardio (in catálogo da exposição Bento Coelho e a cultura do seu tempo, organizada por
Luís de Moura Sobral, IPPAR, Lisboa, 1998).
F. LAMEIRA; V. SERRÃO O Retábulo Protobarroco 57
A encomenda artística
5 Entre os agradecimentos que cumpre fazer, além das muitas entidades detentoras de património retabular ou
arquivístico e que facilitaram as pesquisas, uma palavra especial para a Profª Doutora Natália Marinho Ferreira-
Alves, para o Dr. João Miguel Simões, para o Prof. Doutor José Alberto Gomes Machado, para o Prof. Doutor
Nelson Correia Borges e para o técnico de fotografia Hélio Ramos.
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Clero regular
O clero regular estava organizado no século XVII em vinte e três ordens
religiosas (Cónegos Regulares, Eremitas de Santo Agostinho, São Bento, São
Bernardo, São Francisco da Província de Portugal, São Francisco da Província dos
Algarves, São Francisco da Província dos Terceiros, São Francisco da Província dos
Capuchos da Piedade, São Francisco da Província dos Capuchos da Arrábida, São
Francisco da Província dos Capuchos de Santo António, Pregadores ou de São
Domingos, Trinos, Carmelitas Calçados, Carmelitas Descalços, Eremitas de São
Paulo, Jerónimos, Loios ou de São João Evangelista, Companhia de Jesus,
Cartuxos, Santa Brígida, São João de Deus, Obregões e Teatinos). Quase todas as
ordens religiosas tinham uma componente masculina e outra feminina, existindo
conventos diferenciados para cada uma delas. As ordens religiosas cobriam todo o
país, registando-se só na metrópole, no ano de 1652, quatrocentos e quarenta e oito
conventos, dos quais trezentos e trinta e sete eram de religiosos e cento e onze de
religiosas6.
Cada comunidade conventual era liderada por um abade nas casas
masculinas e por uma abadessa nas femininas, que estavam sujeitos à supervisão
dos superiores hierárquicos, isto é, aos dirigentes das casas provinciais ou cabeças
de ordens. Consequentemente a iniciativa pela encomenda artística e o seu
financiamento cabiam a cada convento e particularmente aos seus responsáveis,
enquanto que a autorização e a prévia aprovação do risco ou traça era da
competência dos responsáveis da casa provincial ou cabeça da ordem em questão.
Cada convento tinha obrigatoriamente uma igreja, cuja capela mor era administrada
pela comunidade conventual. As restantes capelas deste templo podiam ou não ser
administradas por essa comunidade, verificando-se, muitas vezes, pertencerem a
confrarias e irmandades ou a particulares. Acontecia também, nalguns casos, haver
outras capelas no interior do convento, pertencendo sempre a sua administração à
comunidade conventual. A demonstrar a importância que as ordens religiosas
tiveram na encomenda artística nacional refere-se que foi o segundo grupo mais
empreendedor logo a seguir à sociedade civil, não existindo contudo elementos que
nos permitam perceber a percentagem de intervenções em mandar fazer ou
reformular os retábulos-mores das igrejas conventuais.
De entre as ordens religiosas duas merecem ser destacadas pois
desempenharam um papel relevante como pioneiras nas inovações litúrgicas e
artísticas associadas à retabulística protobarroca – a Companhia de Jesus e a de
São Domingos. Esta situação é confirmada por testemunhos da época, referindo-se
6 Padre Jorge Cardoso, Agiológio Lusitano, Lisboa, 1652, vol. I , pp. 20 a 22.
F. LAMEIRA; V. SERRÃO O Retábulo Protobarroco 59
Clero secular
O clero secular era responsável pelos serviços religiosos mais elementares
prestados à população – o baptismo, a confissão, a comunhão, o crisma, o
casamento, o enterramento, etc. – ocupando como tal um papel muito importante. A
freguesia ou paróquia era a unidade mais pequena e a diocese a maior. O
responsável por cada freguesia ou paróquia era o Prior ou Pároco. Por sua vez, o
responsável máximo por cada diocese era o Bispo, sendo auxiliado por um órgão
colegial – o Cabido. Como estruturas intermédias referem-se as vigararias, sendo
cada uma delas formada por várias paróquias. Nos meados do século XVII havia em
Portugal continental treze dioceses distribuídas em seis províncias: Minho (Braga e
Porto), Trás-os-Montes (Miranda do Douro), Beira (Coimbra, Lamego, Viseu e
Guarda), Estremadura (Lisboa e Leiria), Alentejo (Évora, Portalegre e Elvas) e
Algarve (Faro). Nas ilhas atlânticas havia duas dioceses -- a do Funchal na ilha da
Madeira e a de Angra nos Açores. Em termos de encomenda artística competia ao
Bispo e ao Cabido a gestão da Catedral, isto é, a igreja sede do assento episcopal.
Neste contexto era da sua responsabilidade obrigatoriamente a capela mor e, por
vezes, algumas capelas laterais.
No período em questão, os Bispos não tiveram o papel relevante que lhes
era tradicional não só devido ao corte de relações diplomáticas entre Portugal e a
Santa Sé, ocorrido entre 1640 e 1669, mas também porque na sequência da
restauração da independência portuguesa face à Coroa espanhola as várias
dioceses iam ficando sucessivamente vacantes após a morte dos prelados. Nas sés
vacantes, a jurisdição eclesiástica residia na corporação capitular na pessoa do
Vigário Geral. Contudo, assiste-se, por vezes, ao pedido de autorização prévia ao rei
para intervir na emenda ou na encomenda de retábulos das capelas mores das
catedrais. Predomina, pois, a tendência para os Cabidos não se envolverem em
grandes empreendimentos e não assumirem compromissos para os quais não
dispunham de muitas verbas.
Deve-se também referir a participação individual de alguns destes
dignitários nas diversas confrarias ou irmandades, assumindo nelas quase sempre
funções dirigentes (Juiz, Prior, Provedor, Protector, Ministro, etc) e nessas
7 Pe Francisco Rodrigues, História da Companhia de Jesus na assistência de Portugal, tomo II, vol. I, p. 222.
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Sociedade civil
A sociedade civil abrangia a maior parte da população desde os mais ricos
aos mais pobres. Estava estruturada em diferentes instituições, existindo em todas
elas uma componente religiosa muito forte, que era expressa obrigatoriamente no
culto realizado numa capela da sua administração, que tanto podia ser uma capela
lateral localizada numa igreja matriz ou conventual ou num templo próprio. As
confrarias e irmandades organizavam-se em função do estatuto socio-profissional
(militares, marítimos, mesteirais, clérigos, estudantes, funcionários municipais, etc.),
social (os nativos de origem africana) ou simplesmente devocional (Nossa Senhora
do Carmo, São Francisco, São Sebastião, Santo António, Almas do Purgatório, etc.)
sendo frequente algumas pessoas pertencerem a mais de uma confraria ou
irmandade.
A liderar as confrarias ou irmandades encontravam-se quase sempre
personalidades de estatuto social privilegiado e de maiores recursos financeiros que
não só dinamizavam a encomenda artística mas também subsidiavam com esmolas
algumas dessas obras. Merecem também uma referência obrigatória algumas
instituições detentoras do padroado de muitos templos espalhados no país: as
ordens militares de Santiago, Malta, Avis e Cristo; a Universidade de Coimbra, etc.
Como demonstração da participação activa da sociedade civil refere-se que
o maior número de retábulos mandados fazer no período em questão deve-se à
iniciativa das confrarias ou irmandades. Aponta-se como exemplo de um retábulo
F. LAMEIRA; V. SERRÃO O Retábulo Protobarroco 61
Privados
Os instituidores privados desempenharam um papel relevante
independentemente de pertencerem ao clero ou à sociedade civil. Atendendo a que
faziam parte de grupos privilegiados e consequentemente dispunham de largos
recursos financeiros recorriam aos artistas mais credenciados. Como era natural, o
rei assumia um papel relevante não só pelos avultados subsídios que atribuía nas
capelas onde era protector, mas também pelas obras que empreendia nas capelas
dos seus palácios, nomeadamente em Lisboa no Paço Real da Ribeira.
Para além da participação dos elementos da nobreza, do clero e dos
mercadores na gestão das confrarias ou irmandades, muitos deles instituíam
vínculos a título pessoal em capelas sediadas nos principais templos ou nas suas
próprias habitações, destinadas a servir de mausoléus da sua família.
Consequentemente mandavam construir retábulos para essas capelas, referindo-se
como exemplos de retábulos inovadores os das capelas da Santíssima Trindade na
Igreja de São Roque de Lisboa mandado construir em 1619 pelo fidalgo Lourenço
Pires de Carvalho e o da capela de Corpus Christi, fundada em 1644 por D.
Francisco de Castro no claustro do Convento de São Domingos de Benfica em
Lisboa.
Resta-nos finalmente referir que o limitado número de estudos sobre a
retabulística deste período não nos permite conhecer com rigor a participação
concreta de cada uma das quatro entidades atrás referenciadas constatando-se, no
entanto, ritmos diferentes na adesão às inovações litúrgicas e artísticas. As regiões
periféricas nomeadamente as que tinham menores recursos humanos e financeiros
denotam um maior desfasamento face a Lisboa e a localidades mais prósperas.
Usos e funções
Clero regular
Nos conventos ou mosteiros a igreja conventual era o espaço mais
importante sendo inclusivamente acessível à sociedade civil em determinados
momentos. As confrarias ou irmandades e os instituidores privados podiam
62 PROMONTORIA Ano I Número I, 2002 / 2003
Clero secular
Nas catedrais a capela-mor era o local mais importante e estava
exclusivamente a cargo da Mitra e do Cabido. Como tal o retábulo-mor era um
exemplar de grandes dimensões e da responsabilidade dos mais credenciados
profissionais. As restantes capelas, sejam elas as da cabeceira, do transepto ou das
naves, eram administradas por confrarias ou irmandades ou então por instituidores
privados. Finalmente, o retábulo da sacristia principal estava também a cargo da
Mitra e do Cabido.
Nas igrejas matrizes ou paroquiais a situação era idêntica à das catedrais
exceptuando o facto de o retábulo da capela-mor ser custeado por várias entidades
(a Mitra, o Cabido, o Comendador e a população da freguesia) fazendo-se contudo a
administração através da Comissão Fabriqueira, cujo responsável máximo era o
Prior ou Pároco.
Sociedade civil
As confrarias ou irmandades, às vezes também designadas por
congregações, e as ordens terceiras podiam estar sediadas em vários locais – em
capelas localizadas em igrejas conventuais, em sés, em igrejas matrizes ou
paroquiais ou ainda em templos próprios, atingindo alguns destes últimos grande
notariedade artística, por exemplo as igrejas da Santa Casa da Misericórdia, da
Ordem Terceira de Nossa Senhora do Monte do Carmo ou de São Francisco, etc.
Normalmente tinham um retábulo, raramente dois, podendo no caso de
administrarem um templo próprio possuir vários retábulos.
Privados
Os privados podiam instituir capelas em vários locais, sendo
obrigatoriamente dotadas de um retábulo. Era possível localizarem-se em igrejas
conventuais, em sés, em igrejas matrizes ou paroquiais, em templos administrados
por confrarias e ordens terceiras, em templos exclusivamente destinados a receber
os seus restos mortais e ainda em capelas privativas existentes no interior das suas
habitações, nomeadamente as personalidades mais destacadas.
F. LAMEIRA; V. SERRÃO O Retábulo Protobarroco 63
Retábulos eucarísticos
Foram os mais relevantes e inovadores influenciando muitas vezes os
restantes retábulos. Esta influência foi determinante não só neste período mas
também nas épocas seguintes. Os retábulos eucarísticos existiam obrigatoriamente
nas igrejas conventuais, nas sés, nas igrejas matrizes ou paroquiais e nos templos
das confrarias e ordens terceiras mais relevantes no panorama religioso de uma
localidade. Maioritariamente ocupavam as capelas-mores desses templos e nalguns
casos uma capela da cabeceira ou da nave então dedicada ao Santíssimo
Sacramento.
Como equipamentos fundamentais destes retábulos referem-se os
sacrários, normalmente de dimensões monumentais, as tribunas, os camarins e os
tronos piramidais em degraus destinando-se estes elementos ao culto solene do
Santíssimo Sacramento.
Retábulos relicários
Apesar de desempenharam um papel muito importante foram relativamente
pouco frequentes estando associados a grupos ou entidades de elevado estatuto
socio-cultural. Tanto podiam existir em capelas-mores como nas restantes capelas
ou altares incluindo em sacristias ou em capelas restritas a uma comunidade.
Como equipamentos fundamentais anotam-se os vários lóculos ou nichos
64 PROMONTORIA Ano I Número I, 2002 / 2003
no interior dos quais eram colocados os relicários. Estes últimos podiam ter a forma
de bustos masculinos ou femininos, antebraços, pés, ostensórios, etc. Era frequente
estarem cobertos ou tapados ficando acessíveis aos fiéis somente nos dias festivos.
8 Luís de Moura Sobral, «Un bel composto: a obra de arte total no primeiro barroco português», in Actas do
Congresso Internacional Struggle for Synthesis. A obra de arte total nos séculos XVII e XVIII, ed. IPPAR, Lisboa,
2001, I vol., pp. 303 a 315.
F. LAMEIRA; V. SERRÃO O Retábulo Protobarroco 65
Mármores
A capela da Santíssima Trindade, situada na cabeceira do lado do
Evangelho na Igreja da Casa Professa de São Roque de Lisboa, data de 1619-1622.
Para além do retábulo propriamente dito, a capela encontra-se forrada por
mármores policromos com embutidos. Em 1619 celebra-se uma escritura pública
notarial, que não chega contudo a ser outorgada, entre o fidalgo da Casa Real,
Lourenço Pires de Carvalho e o mestre pedreiro lisboeta Pero Luís,
comprometendo-se este último, de acordo com a traça feita pelo arquitecto Baltazar
Álvares, a ornamentar a referida capela «com toda a perfeição necessária com as
pedras vermelhas e pedras pretas embutidas (...) e brancas (...) e que todas as
pedras assim vermelhas e pretas como as brancas serão da melhor, posto de onde
se costumam fazer das melhores pedras»9.
Pintura figurativa
A capela da Sagrada Família, localizada na nave do lado do Evangelho da
sobredita igreja inaciana de São Roque em Lisboa, apresenta nas paredes laterais
um embasamento de mármores policromos registando-se na parte superior de cada
um deles «hum painel de boa mão, em um dos quais se representa o nascimento de
Cristo e em outro a adoração dos Reis. Ornam os painéis boas molduras de talha
dourada»10.
Pintura ornamental
Na capela-mor da igreja monástica de Nossa Senhora da Saudação de
Montemor-o-Novo, o retábulo (talvez de Marcos de Magalhães) é complementado
por azulejos de padrão que forram as paredes laterais e pela pintura de brutesco
que reveste inteiramente a abóbada da cobertura, onde surge o cronograma 167311,
data correspondente à campanha onde se colocaram o retábulo-mor e os referidos
azulejos e se executou a pintura mural.
Azulejaria
Para além do exemplo anteriormente referido, indica-se um outro. A capela-
mor da igreja do Colégio do Espírito Santo de Évora (de Sebastião Vaz?) apresenta
nas paredes laterais interessantes painéis de azulejos cronografados de 1631, data
aproximada da construção do retábulo-mor.
9 ANTT, Cartório Notarial 9-A, Livro 83, fls. 16 v.º a 17 v.º (transcrição do Dr. João Miguel Simões, a quem
agradecemos empenhadamente).
10 História dos mosteiros, conventos e casas religiosas de Lisboa, mss. anónimo de c. 1707, I vol., pp. 268 e 269.
11 Túlio Espanca, Inventário Artístico de Portugalo Distrito de Évora, Academia Nacional de Belas-Artes, vol. VIII,
1975, p. 308
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Talha
Para além do exemplo já referido da capela da Sagrada Família na igreja
jesuítica de São Roque em que as molduras das telas das paredes laterais são em
talha dourada, refere-se o revestimento do intradorso e do frontispício do arco da
capela do Santíssimo Sacramento na igreja da Sé de Faro.
Técnicas e materiais
para esta tarefa específica era restrito sendo alguns deles estrangeiros sediados em
Portugal. De entre as matérias primas utilizadas recorria-se a pedraria de várias
cores (vermelho, amarelo, branco, azul, verde, preto, etc.,) não só originárias do
nosso país (Lisboa, Sintra, serra da Arrábida, Vila Viçosa, Estremoz, Montes Claros,
etc.) mas também importadas, nomeadamente de Itália.
O uso de mármores contagia no entanto alguns retábulos de madeira que
passam a utilizar embasamentos marmóreos. Como exemplos referem-se os
retábulos-mores das igrejas matrizes de São João Baptista de Alcochete e de Santa
Maria de Serpa.
Finalmente em relação às restantes actividades complementares referem-
se, por um lado, o douramento e a policromia dos retábulos de madeira entalhada.
Esta tarefa era da responsabilidade dos pintores, particularmente dos praticantes da
modalidade mais comum e entendida como ofício mecânico, a do douramento,
encarnação, policromia e estofamento. Convém ainda referenciar os batefolhas,
profissionais que preparavam o ouro com determinado número de quilates para
poder ser aplicado pelos pintores/douradores. Por outro lado, a pintura figurativa era
igualmente da responsabilidade dos pintores, mas somente dos mais credenciados,
daqueles que sabiam usar a modalidade da pintura de cavalete. Por fim, a
modalidade da pintura em perspectiva arquitectónica também podia ser usada em
situações excepcionais e provisórias. Foi o que ocorreu por exemplo na igreja do
Colégio de Santo Antão de Lisboa, em 1653, quando se inaugurou o templo, que
não estava contudo totalmente concluído: «na capela mor se fingiu na parede
fronteira um retábulo pintado, cuja obra se imitou nos dois altares do cruzeiro»12.
Nos retábulos de mármore o acabamento consistia em lustrar ou polir, actividades
executadas com pedra pomes e pó, materiais por vezes também adquiridos em
Itália.
Caracterização formal
Frontal de altar
O Concílio Vaticano II, ao determinar que o sacerdote passe a celebrar a
eucaristia virado para os fiéis e que somente se utilize o altar-mor, motivou a
destruição de muitas mesas de altar não só em capelas mores mas também nas
restantes capelas e altares. Os frontais de altar ainda remanescentes do período
abrangido neste artigo mostram que a larga maioria utilizava os mármores
policromos registando-se duas soluções mais frequentes: uma mais simples em que
Planta
Na grande maioria das situações predominam as formas rectas ou planas.
Em poucos exemplares começa a surgir uma importante inovação: a dinamização
das plantas, quer através da utilização das colunas extremas mais avançadas do
que as centrais originando a perspectiva côncava, quer das colunas extremas mais
recuadas e consequentemente proporcionando a planta em perspectiva convexa.
Como exemplos apontam-se respectivamente o retábulo da capela do Paço de
Salvaterra de Magos e o retábulo da capela de Corpus Christi na igreja do mosteiro
de São Domingos de Benfica em Lisboa.
Banco
O banco ou predela desenvolve-se acima da mesa do altar, mais
especificamente sobre a banqueta, servindo de suporte ao corpo do retábulo. Em
muitos casos o banco assenta sobre o sotobanco onde surgem os contrapestais. O
banco nem sempre é utilizado assentando nestes casos o corpo do retábulo
directamente em cima do embasamento. É o que ocorre por exemplo em muitos
retábulos da Companhia de Jesus e nalguns exemplares associados a círculos mais
eruditos, onde se torna frequente o embasamento utilizar mármores policromos
sendo o resto do retábulo de madeira entalhada.
É também possível encontrar mais do que um banco no mesmo retábulo,
nomeadamente nalguns exemplares com dois corpos registando-se nestes casos
um banco em cada corpo. Como exemplo refere-se o retábulo-mor da igreja do
convento de São Francisco de Mogadouro. A solução mais utilizada nos bancos são
os plintos rectangulares. Como alternativas menos frequentes usam-se formas mais
dinâmicas, nomeadamente as mísulas, podendo no mesmo retábulo coexistir ambas
as situações. Como exemplo indica-se o referido retábulo de Mogadouro.
Ordem arquitectónica
Como elementos arquitectónicos usados no corpo do retábulo referem-se
as colunas, as pilastras e os consolos podendo nalguns exemplares encontrar-se
70 PROMONTORIA Ano I Número I, 2002 / 2003
Entablamento
O entablamento acompanha a composição do corpo do retábulo. Na
maioria das situações é contínuo, isto é, liga entre si os diversos elementos
arquitectónicos. Nalguns exemplares, nomeadamente nos mais inovadores, o
entablamento é interrompido pela tribuna ficando então restrito aos tramos laterais
ou somente aos elementos arquitectónicos conforme se trate de retábulos com três
tramos ou de tramo único. Como exemplos apontam-se respectivamente os
retábulos-mores das igrejas matrizes de Alcochete e de Nossa Senhora dos Anjos
em Lisboa.
Convém ainda assinalar as diferentes soluções usadas no entablamento.
As mais conservadoras apresentam uma única facies por tramo enquanto que nas
mais inovadoras se utilizam três facies no remate das ordens arquitectónicas. Como
exemplos referem-se respectivamente o retábulo-mor da igreja de São Roque em
Sacrário
Apesar de não ser obrigatória a sua existência em todos os retábulos, o
sacrário surge como um equipamento fundamental nos retábulos eucarísticos.
Nestes exemplares adquire então um carácter monumental chegando a justificar a
execução de um rascunho específico. A sua colocação é sempre ao centro do
retábulo, um pouco acima da mesa do altar, de modo a que o celebrante consiga ter
fácil acesso.
De acordo com a composição de cada retábulo o sacrário tanto pode estar
colocado no banco como na base da tribuna, nomeadamente nos exemplares que
não utilizam banco. As suas dimensões podem oscilar entre um tamanho pequeno
(retábulo-mor da igreja da Misericórdia de Mogadouro) e um tamanho monumental
(retábulo-mor da igreja do convento de São Domingos de Benfica em Lisboa).
Os sacrários com maior individualidade surgem como micro-arquitecturas.
De entre as características compositivas mais comuns apontam-se a planta convexa
com dois ou mais corpos, três tramos e ático. Em termos iconográficos a porta do
sacrário assume um maior protagonismo sendo o local privilegiado para colocar
símbolos eucarísticos.
Trono
Os primeiros tronos, também designados na documentação coeva por
sepulcros, eram peças móveis que se montavam e desmontavam anualmente na
quaresma (a título de exemplo refere-se a situação ocorrida, em 1656, na igreja
matriz de Penafiel: «e como o dito sepulcro consta de muita fábrica e tem muitas
peças miúdas que havendo-se de mudar todos os anos haveria nele muito
detrimento e em breve se desbarataria, além de que era necessário fazer-se uma
casa para o recolhimento da dita obra, em que se fazia grande dispêndio à confraria
e trabalho aos maiordomos dela e porquanto a dita obra era majestoda e estando
sempre fixa na dita capela duraria muitos anos ficando a dita capela e igreja mais
honrada e o povo satisfeito»15, chegando-se, nalguns casos, à conclusão de que
seria melhor fixá-los). Na primeira metade do século XVII adquirem uma importância
fundamental estando o seu aparecimento directamente associado às tribunas e aos
camarins, quer abertos em retábulos pré-existentes (por exemplo o retábulo-mor de
São Roque de Lisboa), quer em exemplares construídos de novo (retábulo da igreja
de Sanfins de Friestas). Excepcionalmente alguns tronos adquirem um carácter
monumental tão acentuado que ocupam totalmente o interior de uma capela (por
exemplo o retábulo da capela do Santíssimo Sacramento na igreja da Sé de Faro).
Tal como as tribunas e os camarins, os tronos surgiram também
associados às funções eucarísticas. A sua utilização estendeu-se igualmente a
outros retábulos, nomeadamente a partir do último terço do século XVII e durante o
século XVIII servindo de suporte a imagens de Cristo, da Virgem e dos santos. Os
tronos são compostos por vários degraus sucessivamente mais pequenos, que
serviam de suporte a velas, sendo o último destinado à exposição de uma custódia
ou de um ostensório com o Santíssimo Sacramento.
15D. de Pinho Brandão, Talha dourada, ensamblage e pintura na cidade e na diocese do Porto. Documentação.
Subsídios para o seu estudo, I vol., Porto, 1984, pp. 321 a 324.
F. LAMEIRA; V. SERRÃO O Retábulo Protobarroco 73
Ático
Neste período foram utilizadas diferentes soluções no ático dos retábulos,
umas mais inovadoras do que outras. Dando continuidade à tradição maneirista,
destacamos as situações em que o ático surge a partir do entablamento contínuo
que percorre todo o retábulo. Três alternativas principais são então possíveis: – a
utilização de um painel rectangular preenchido com uma representação figurativa,
quer em pintura, quer em escultura de alto relevo, delimitado por pilastras, colunas
ou consolos, entablamento contínuo e frontão triangular, interrompido ou não,
surgindo nas ilhargas aletas ou ornatos vegetalistas (por exemplo no retábulo da
capela de Corpus Christi na igreja do convento de São Domingos de Lisboa); – o
uso de segmentos de frontões curvos ladeando na parte central uma cartela ladeada
por ornatos vegetalistas (antigo retábulo-mor da igreja matriz da Merceana, hoje
colocado na sacristia deste templo); – a delimitação do ático por uma arquivolta
plena que enquadra no interior um tondo circular com uma representação figurativa
em pintura ou em alto relevo (retábulo-mor da igreja de São Roque de Lisboa).
Como soluções inovadoras salientamos as situações em que o
entablamento é interrompido na parte central ficando então restrito aos tramos
laterais nos retábulos com três tramos (por exemplo no retábulo-mor da igreja matriz
de Alcáçovas) e aos elementos arquitectónicos nos exemplares de tramo único
(capela do Paço de Salvatera) inscrevendo-se em ambos os casos o ático entre
duas arquivoltas plenas cortadas transversalmente por aduelas ou raios. Como
alternativa pouco frequente e denotando algum apego às soluções maneiristas
refere-se a interrupção do entablamento no tramo central mas continuando o ático a
utilizar frontão triangular interrompido no tramo central e aletas ou enrolamentos
vegetalistas nos tramos laterais (por exemplo na igreja matriz de São Pedro de
Faro).
Elementos figurativos
A tendência dominante e inovadora dá preferência à linguagem escultórica,
que se manifesta não só na imaginária retabular mas também na utilização do alto
relevo nos diversos elementos do retábulo. Relativamente à imaginária retabular é
utilizada com maior frequência nos nichos dos retábulos devocionais dedicados a
Cristo, à Virgem e aos santos podendo encontrar-se no tramo central e nos tramos
laterais nos exemplares com uma composição tetrástila ou somente no tramo central
nos exemplares com um só tramo. Nos retábulos relicários é possível encontrar-se
74 PROMONTORIA Ano I Número I, 2002 / 2003
nos diversos nichos bustos relicários além das imagens devocionais, por exemplo na
capela relicário do mosteiro de Alcobaça.
Em relação ao alto relevo encontram-se duas modalidades distintas:
painéis com representações figurativas alusivas ao orago, por exemplo no retábulo
de Nossa Senhora da Conceição, actualmente existente no Museu Machado de
Castro de Coimbra; elementos figurativos complementares à ornamentação,
nomeadamente cabecinhas de serafins nos fustes das colunas, no friso do
entablamento, nas arquivoltas do ático ou meninos a segurar cartelas no ático, etc.
Como especificidade, devem-se referir alguns retábulos de devoção mariana onde
surgem representações da Árvore de Jessé, por exemplo na igreja do convento de
São Francisco de Estremoz.
Por sua vez, a pintura figurativa tende a desaparecer mantendo-se, no
entanto, nalguns exemplares, sobretudo os que mantêm uma função didáctica.
Nestes exemplares usam-se vários painéis pintados não só no tramo central e nos
laterais, mas também no ático, por exemplo no retábulo de São João Baptista,
actualmente existente no Museu Regional de Lamego. Nos retábulos eucarísticos é
ainda possível recorrer à pintura figurativa nalguns exemplares que usam no ático
um painel rectangular, por exemplo na capela de Corpus Christi na igreja do
convento de São Domingos de Lisboa, ou um tondo circular, por exemplo no
retábulo-mor da igreja de São Roque de Lisboa ou então um grande painel na boca
da tribuna sendo somente utilizado fora dos momentos dedicados à exposição do
Santíssimo Sacramento, por exemplo no retábulo-mor da igreja matriz de Alcochete.
Nestes retábulos há um sistema que permite que a tela suba e desça com facilidade
conforme as circunstâncias. Finalmente nos retábulos devocionais dedicados a
Cristo, à Virgem e aos santos é igualmente possível encontar painéis pintados quer
no tramo central, quer no ático, por exemplo no retábulo da Sagrada Família na
igreja de São Roque de Lisboa.
Ornamentação
O gosto dominante pela linguagem escultórica manifesta-se também nos
ornatos não só na quantidade mas também na volumetria. Consequentemente
prefere-se o entalhe de meio relevo. Há mesmo a preocupação em que a talha fique
bem relevada e crespa, como ocorre, por exemplo, em 1660 na escritura pública
notarial do retábulo-mor da igreja matriz de Santa Justa de Lisboa16. A consciência
desta nova linguagem é bem expressa na documentação coeva ao se utilizar a
expressão ao moderno, por exemplo na encomenda do retábulo-mor da igreja de
São Romão de Mouriz – Paredes no bispado do Porto, ocorrida no dia 18 de Junho
de 1648 entre o mestre Francisco Dinis, com oficina aberta no bispado de Braga e o
16 Ayres de Carvalho, D. João V e a arte do seu tempo, II vol., Lisboa, 1962, pp. 103 e 104
F. LAMEIRA; V. SERRÃO O Retábulo Protobarroco 75
Tipologia 1
É composta pelos retábulos com um só corpo e um único tramo.
Preferencialmente é usada em exemplares quem têm como função principal o culto
a Cristo, à Virgem e aos santos. A maioria situa-se em capelas laterais (retábulo da
Sagrada Família na igreja de São Roque de Lisboa) sendo, no entanto, possível
localizar-se em grandes retábulos de capelas-mores (retábulo da capela do Paço de
Salvaterra, de António Vaz de Castro).
Esta tipologia é usada, em menor número, nos retábulos eucarísticos, isto
independentemente de se localizarem em capelas-mores (igreja do Espírito Santo
de Arcos de Valdevez) ou noutras capelas (Corpus Christi no convento de São
Domingos de Lisboa). Como característica dominante refere-se a tendência para
apresentar uma tribuna com um camarim preenchido por um trono piramidal em
degraus destinado à exposição do Santíssimo Sacramento.
Nesta tipologia, os retábulos empregam colunas e pilastras em número
variável que oscila entre um par e dois pares podendo alguns exemplares ter quatro
pares. Como excepção ao uso de colunas ou de pilastras referem-se os retábulos
que representam a Árvore de Jessé apontando-se como exemplos o da igreja matriz
de Santa Maria do Castelo de Olivença e o da igreja do convento de São Francisco
de Estremoz18. A composição destes retábulos com árvores de Jessé apresentam
também algumas especificidades apesar de estar subordinada à métrica tramo único
com um só corpo.
17 D. de Pinho Brandão, Obra de talha dourada, ensamblagem e pintura na cidade e na diocese do Porto, II vol.,
Porto, 1986, pp. 103 e 104.
18 Flávio Gonçalvres, A Árvfore de Jessé na Arte Portuguesa, sep. da Revista da Faculdade de Letras do Porto,
1984.
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Tipologia 2
É composta pelos retábulos com um só corpo e três tramos.
Preferencialmente é usada em exemplares eucarísticos situando-se na maioria dos
casos em capelas-mores (igreja matriz de São João Baptista de Alcochete).
Esta tipologia é utilizada igualmente em retábulos devocionais dedicados a
Cristo, à Virgem e aos santos, quer estejam situados em capelas laterais (São Pedro
dos clérigos na igreja matriz de Nossa Senhora da Conceição de Vila Viçosa) ou em
capelas privativas (Casa Mateus em Vila Real), quer em capelas-mores de ermidas
(Nossa Senhora das Represas em Vila Ruiva).
Esta tipologia é ainda utilizada nos retábulos relicários situados
maioritariamente em capelas laterais (Nossa Senhora dos Agonizantes na igreja de
São Roque de Lisboa).
Finalmente esta tipologia é ainda usada em retábulos didácticos localizados
na maioria das situações em capelas laterais (retábulo de Nossa Senhora da
Conceição, actualmente existente no Museu Machado de Castro em Coimbra,
atribuído a Manuel da Rocha).
Nesta tipologia os retábulos empregam normalmente uma composição
tetrástila registando-se um tribuna central que interrompe o entablamento. Nos
exemplares eucarísticos acresce referir a existência de um camarim preenchido por
um trono piramidal em degraus adossado à tribuna.. Nos restantes retábulos é
frequente existir três nichos todos eles rematados por um entablamento contínuo
sendo no entanto o nicho central mais largo e mais alto.
Tipologia 3
É composta pelos retábulos com dois corpos e um só tramo.
Preferencialmente é utilizada em exemplares devocionais a Cristo, à Virgem e aos
santos situando-se quer em capelas laterais (retábulo de Santo António na igreja do
colégio de Jesus de Coimbra), quer em retábulos colaterais ao arco triunfal (igreja
matriz da Esgueira).
Nesta tipologia os retábulos normalmente empregam um ou dois pares de
colunas por corpo registando-se em ambos os corpos um entablamento contínuo.
Tipologia 4
É composta pelos retábulos com dois corpos e três tramos.
Preferencialmente é utilizada em exemplares didácticos localizados em capelas
laterais (retábulo do Senhor Crucificado na igreja da sé do Funchal, atribuído à
oficina de Manuel Pereira) ou noutras capelas (retábulo de São João Baptista,
actualmente existente no Museu Regional de Lamego). Os retábulos empregam
uma composição tetrástila em cada corpo com entablamentos contínuos registando-
se telas com pintura figurativa nos intercolúnios.
Nos exemplares eucarísticos mais antigos, regista-se quer a presença de
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um sacrário monumental no tramo central do primeiro corpo, quer uma tribuna com
camarim no segundo corpo, esta última aberta posteriormente (retábulo-mor da
igreja de São Roque de Lisboa). Nos retábulos eucarísticos mais recentes
predomina já uma enorme tribuna que interrompe o entablamento do primeiro corpo
mas que é rematado pelo entablamento contínuo no segundo corpo (retábulo-mor
da igreja do convento de São Domingos de Benfica, em Lisboa, executado por
Jerónimo Correia).
Exemplares ímpares
Finalmente referem-se alguns retábulos que não se integram em nenhuma
das quatro tipologias anteriormente referidas constituindo exemplares de grande
interesse compositivo pela sua raridade. Dois deles têm uma função eucarística e o
terceiro serve de relicário.
O retábulo do Santíssimo Sacramento da Sé de Faro localiza-se na
cabeceira da igreja na capela do lado do Evangelho. Remonta a 1674 tendo sido
mandado executar pelo bispo do Algarve, D. Francisco Barreto II. Como responsável
pelo entalhe deste exemplar refere-se o mestre marceneiro Gabriel Domingues com
oficina aberta na cidade de Faro. Desconhece-se contudo se o risco é igualmente da
sua autoria sendo muito provável ter sido originário de Lisboa.
É composto por um trono piramidal com vários degraus que surgem a partir
da mesa do altar e que ocupa toda a capela tendo por isso uma dimensão
monumental.
O retábulo do Santíssimo Sacramento da igreja matriz de Caminha situa-se
na cabeceira na capela do lado da Epístola. Remonta também a 1674, data em que
o sargento-mor da guarnição da vila de Caminha custeia a charola do Santíssimo
Sacramento e o sacrário. Apesar de o entalhe ter sido executado pelo mestre
entalhador de Caminha, Francisco Fernandes, a autoria do risco parece ser
proveniente da vizinha região espanhola da Galiza atendendo sobretudo ao facto de
o retábulo apresentar mais do que três tramos, situação invulgar em Portugal mas
frequente no país vizinho.
O retábulo tem planta em perspectiva côncava e compõe-se de banco, três
corpos, sete tramos e ático. A parte central dos dois corpos inferiores é ocupada por
um sacrário monumental com três corpos sucessivamente mais pequenos
rematados por um ostensório. Acresce referir que este sacrário é giratório, situação
ímpar no contexto nacional. Os intercolúnios dos tramos laterais (dois no primeiro
corpo, quatro no segundo corpo e seis no terceiro corpo) apresentam nichos com as
imagens de vulto perfeito dos Apóstolos. Finalmente o nicho central do terceiro
corpo é preenchido por nicho maior do que os restantes onde figura a representação
escultórica de Cristo Salvador do Mundo.
Finalmente a notanilíssima capela relicário do mosteiro de Santa Maria de
Alcobaça, que se localiza junto à sacristia, merece especial destaque. É executada
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A produção artística
3. O entalhe
A aquisição da madeira destinada à feitura de um retábulo era normalmente
da responsabilidade do mestre marceneiro, mas também acontecia ser adquirida
pela entidade responsável pela encomenda.
O mestre executava a obra na sua oficina e ia recebendo pagamentos
parciais. Após a conclusão procedia-se ao transporte das peças do retábulo para o
local destinado. Conforme as circunstâncias utilizavam-se meios terrestres ou
marítimos. Uma vez chegadas ao local de destino, procedia-se ao assentamento do
retábulo. Nos casos em que o artista era viandante a obra era realizada em
dependências anecas ao templo em questão.
Um mestre podia contratar os profissionais que necessitasse para trabalhar
numa obra, assistindo-se, por vezes, a trabalhos de parceria com outras oficinas.
Nalgumas situações trespassava a obra a outro mestre. Também podia acontecer
ficar determinado que o trabalho deveria ser exclusivamente da responsabilidade de
uma só oficina.
4. A vistoria e a quitação
Após a conclusão de uma obra procedia-se à sua vistoria. A entidade
responsável pela encomenda convocava normalmente os dois Juizes do ofício,
podendo ser também chamados outros profissionais. Tudo terminava com um termo
de quitação em que ambas as partes assinavam um documento afirmando a sua
satisfação pelo término de um contrato que os ligou durante algum tempo.
As sedes dos assentos episcopais afirmavam-se como os principais centros
religiosos e populacionais. Nelas residiam o bispo, o Cabido, algumas comunidades
monásticas, altos dignitários da nobreza, comerciantes e a maioria da população.
Assim sendo, residiam nestas localidades as entidades responsáveis pela
encomenda artística dos mais avultados empreendimentos, isto é, aqui estavam os
meios financeiros disponíveis para custear as principais obras.
No entanto, a cada diocese não corresponde um centro produtivo. A
existência de uma ou outra oficina na sede de um bispado não é suficiente para
justificar uma dinâmica produtiva própria. Os principais centros produtivos parecem
antes corresponder às regiões administrativas então existentes: seis em Portugal
continental (Minho, Trás-os-Montes, Beira, Estremadura, Alentejo e Algarve) e duas
nas ilhas atlânticas (Madeira e Açores). Deste modo, cada centro produtivo
respondia às necessidades de uma região geográfica que em termos de
organização religiosa podia corresponder a um ou mais bispados.
Nem todos os centros produtivos tiveram a mesma dinâmica nem tão pouco
a mesma vitalidade sobressaindo dois deles: a Estremadura e o Minho. Na primeira
situava-se a principal cidade do Reino, não só por nela estar a corte e os principais
serviços do Estado, mas também pelo elevado número de habitantes. Nela residiam
F. LAMEIRA; V. SERRÃO O Retábulo Protobarroco 81
20 O elenco documental relativo a estas oficinas e mestres seiscentistas, maioritariamente inédito, fruto de pesquisas
sistemáticas em milhares de livros de notas tabeliónicas seiscentistas de todo o país e de livros e registos de
despesa de igrejas, conventos e irmandades, será oportunamente publicado pelos autores.
82 PROMONTORIA Ano I Número I, 2002 / 2003
Conclusão
tramo e a mais conservadora a que emprega dois corpos e três tramos. Poucos são
os retábulos que não se inserem em nenhuma destas quatro tipologias surgindo
então alguns exemplares ímpares. A título de exemplo referem-se os retábulos do
Santíssimo Sacramento da Sé de Faro e da igreja matriz de Caminha e o da capela
relicário do mosteiro de Santa Maria de Alcobaça.
Relativamente ao panorama produtivo é possível identificar oito centros
produtivos nacionais correspondendo às regiões então existentes: Minho, Trás-os-
Montes, Beira, Estremadura, Alentejo, Algarve, Madeira e Açores. No entanto
evidenciam-se pela quantidade e pelo dinamismo a Estremadura e o Minho, a
primeira centralizada na capitalidade de Lisboa, a segunda pulverizada pela
diversidade e fulgor das oficinas sediadas em Braga, Porto, Guimarães, Barcelos,
Famalicão, etc. Finalmente, de entre as oito dezenas de oficinas identificadas,
refere-se somente a identidade de quinze, as que têm obra remanescente ou
atribuída.
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