A Medicina Luso-Brasileira
A Medicina Luso-Brasileira
A Medicina Luso-Brasileira
A MEDICINA LUSO-BRASILEIRA
Instituições, médicos e populações enfermas em Salvador e Lisboa
(1808–1851)
Tese apresentada ao
Programa de Pós-Graduação em
História das Ciências de Saúde da
Casa de Oswaldo Cruz (FIOCRUZ),
como requisito para obtenção do
Grau de Doutor.
Rio de Janeiro
2005
B273i Barreto, Maria Renilda Nery
A medicina luso-brasileira: instituições, médicos e
populações enfermas em Salvador e Lisboa (1808–1851) /
Maria Renilda Nery Barreto.-- Rio de Janeiro, 2005.
257 fls. : il ; 30 cm.
CDD 610.9
MARIA RENILDA NERY BARRETO
BANCA EXAMINADORA
_________________________________________________________________
Profa Dra Maria Lúcia Mott
Instituto de Saúde – São Paulo
_________________________________________________________________
Profa Dra Lina Maria Brandão de Aras
Universidade Federal da Bahia
_________________________________________________________________
Prof. Dr. Jaime Larry Benchimol
Casa de Oswaldo Cruz - FIOCRUZ
_________________________________________________________________
Profa Dra Nara Azevedo Brito
Casa de Oswaldo Cruz - FIOCRUZ
_________________________________________________________________
Prof. Dr. Luiz Otávio Ferreira – Orientador
Casa de Oswaldo Cruz - FIOCRUZ
Rio de Janeiro
2005
À minha extensa e acolhedora família, especialmente meus pais,
que sempre primaram por oferecer aos filhos uma educação de qualidade; e ao
meu marido, que se tornou historiador ao longo da nossa convivência e dedicou
suas férias e finais de semana aos arquivos de Salvador, Lisboa e Paris,
coletando fontes primárias e secundárias e sistematizando os dados desta
pesquisa.
AGRADECIMENTOS
RESUMO ............................................................................................................................................ 9
ABSTRACT ...................................................................................................................................... 10
INTRODUÇÃO ................................................................................................................................. 11
The main subject of the present work was to carry out a comparative study
of institutions, medical knowledge and medical practices in Portugal and Brazil, in
the first half of the nineteenth century. In Portugal, we selected as research focus
the Hospital São José, in Lisbon; in Brazil, we chose the Hospital São Cristóvão,
located in Salvador, Bahia. We found the intellectual tools that had been used by
physicians and surgeons to explain and to treat sick people and their illnesses,
and we questioned the current historiography vision about the “underdevelopment”
the Portuguese and Brazilian medicines. We studied also when and why these
Hospitals, who were associated to charity when they had been created, became
cure spaces, and we described the people who had built the everyday life of the
hospitals.
INTRODUÇÃO
1
Optamos por tratar da história social da medicina em Salvador e Lisboa, em detrimento de uma
abordagem extensiva ao Brasil e Portugal, por considerarmos que, diante das diversidades
regionais luso-brasileiras, a generalização não seria apropriada. Além disto, Salvador e Lisboa
sediaram cursos para formação de cirurgiões e médicos, e isto implicou na construção de um
discurso mais coeso e contundente da medicina acadêmica, bem como da concentração de
facultativos.
16
2
É importante lembrar que o ensino médico no Brasil começou em 1808, com a fundação da
Escola de Cirurgia da Bahia e do Rio de Janeiro.
3
A do Rio de Janeiro, em 1813; a da Bahia, em 1815 (Santos Filho, 1991).
4
As Escolas de Cirurgia do Rio de Janeiro e da Bahia eram regidas pelos estatutos da
Universidade de Coimbra.
17
5
Para Lisboa, recorremos à Gazeta Médica de Lisboa (1853-1883), embora só tenhamos utilizado
os anos de 1853 a 1864; e, para Salvador, selecionamos O Musaico (1844-1847), O Crepúsculo
(1845-1847), O Horizonte (1849), O Athenêo (1849-1850) e O Prisma (1854). Por vezes
utilizamos fontes primárias que extrapolaram os anos 50 do século XIX, uma vez que as idéias
foram gestadas e escritas por homens que viveram nos limites cronológicos da nossa pesquisa,
ou seja, na primeira metade dos Oitocentos.
6
O Hospital São José, em Lisboa, deixou de ser administrado pela Misericórdia lisboeta em
meados dos anos 30 do século XIX. Em Salvador, isto não ocorreu, sendo a Misericórdia da
Bahia responsável pelo Hospital São Cristóvão durante toda a sua existência.
7
Os autores seguintes consideram que o Brasil e Portugal possuíam uma medicina “atrasada” ou
“pré-científica”: Antonio Caldas Coni (1952), Lycurgo Santos Filho (1991), Madel Luz (1982),
Marcos Augusto P. Ribeiro (1997), Pedro Mota de Barros (1997/1998), Maximiano Lemos
(1991), Silva Carvalho (1929), Margarida Ribeiro (1990), Mary del Priore (1993).
18
8
O que chamamos de “sistemas médicos” era definido no século XIX como os modelos que
diferentes médicos estabeleciam para a compreensão e tratamento das moléstias.
19
transição do século XVII para o XVIII, que chegou a ser chamado de communis
Europae praeceptor. Este clínico situou em primeiro plano o programa que havia
proposto o inglês Sydenham e fez escola em Portugal, tendo em Antônio Nunes
Ribeiro Sanches (1699-1783)9 um dos principais adeptos do boerhaavianismo.
Thomas Sydenham (1624-1698)10 fundamentou a patologia na observação
clínica e introduziu o conceito de espécie morbosa, iniciando assim a nosografia
moderna. Para ele, a doença era uma manifestação do esforço realizado pela
natureza para destruir a espécie morbosa e recuperar a saúde. Por isso, o médico
deveria identificar as doenças e classificá-las tal como os naturalistas fizeram com
as plantas. Para isso, eram necessários a observação do doente, o registro dos
sintomas específicos e gerais de cada doença, a relação destas com o máximo de
indicativos ambientais, a exemplo da temperatura e das estações do ano. Ele
classificou as doenças em agudas (a exemplo das febres, provocadas pela
influência do meio ambiente e pela constituição do doente) e crônicas (resultantes
do regime de vida). Como terapêutica, Sydenham prescrevia os exercícios físicos,
uma dieta adequada, sangrias para doenças agudas, purgantes e diuréticos. Os
medicamentos eram preferencialmente de origem vegetal, e dentre as matérias-
primas estavam o ferro, a quina, o mercúrio, o açafrão, a jalapa, o gálbano etc.
(Pita, 2000). Esta concepção abriu caminhos para uma ruptura com o galenismo,
fornecendo os subsídios necessários para o surgimento da higiene.
9
Estudou na Universidade de Coimbra entre 1716 a 1719, mas finalizou o curso de medicina em
1724 na Universidade de Salamanca, onde exerceu a profissão durante dois anos. Em 1726,
devido à perseguição que os judeus sofreram em Portugal, ele saiu do país e fixou-se na
Holanda, onde manteve contato com Boerhaave. Viajou pela Inglaterra, França e Holanda, vindo
a fixar-se na Rússia, onde se tornou médico do exército, e depois do Corpo Imperial dos
Cadetes de São Petersburgo (colégio reservado à mais alta aristocracia russa), tendo por último
sido nomeado médico da czarina Ana Ivanovna. Foi Conselheiro da corte na Rússia, e depois de
passar aí quase duas décadas, fixou-se em Paris, em 1747. Sustentou correspondência com
diversos cientistas, dentre eles seu sobrinho Manuel Joaquim Henriques de Paiva. Foi autor de
diversas obras e um estudioso das doenças venéreas, discordou da teoria vigente que dizia ser
a sífilis originária da América. Para ele a doença já era conhecida na Itália (Lemos, 1991).
Existem vários trabalhos publicados em Portugal sobre a vida e obra de Ribeiro Sanches, dentre
os quais sugerimos Maximiano Lemos – Ribeiro Sanches. A sua vida e a sua obra (1911).
Agradecemos a Dra Graça Almeida Rodrigues, que nos colocou em contato com o diário de
Ribeiro Sanches, com anotações feitas à mão, contendo a rotina deste médico durante o período
que viveu em Paris. Todavia, não exploramos este documento inédito, nesta tese, por limites
temporais.
10
Nasceu em Windford Eagle, no condado de Dorsetshire, em 1624, tomou o grau de Bacharel em
Oxford e o de doutor em Cambridge.
22
11
A Universidade de Coimbra foi a única instituição a formar médicos em Portugal até o século
XIX. Criada em 1290, funcionou na cidade de Lisboa até 1308, momento em que foi transferida
para a pequena cidade de Coimbra. Esta foi praticamente a única instituição do gênero em
Portugal até 1911, uma vez que a Universidade de Évora, fundada na segunda metade do
século XVI pelos jesuítas, foi fechada quando da expulsão dos mesmos (Verger, 1990). Em
1825 foram fundadas as Régias Escolas de Cirurgia de Lisboa e do Porto, transformadas em
Escolas Médico-Cirúrgicas no ano de 1836 e finalmente em Faculdades de Medicina no ano de
1911. Só neste ano, com o ato do Governo Provisório da República, os alunos do Porto e de
Lisboa passaram a obter o título de médico.
12
Para aprofundar esta discussão ver Pita (1996), Araújo (1984) e Carvalho (1929).
13
Londa Schiebinger (1998) estudou como a botânica moderna fez uso de metáforas para
introduzir as noções de reprodução das plantas e o uso implícito do gênero para estruturar a sua
taxionomia. A autora sustenta a tese de que é possível analisar as diferenças entre os sexos e
perceber o debate em torno das “questões de mulher” através das metáforas e da linguagem
antropomórfica presentes nas obras dos botânicos dos séculos XVII e XVIII.
23
14
Cullen doutorou-se em 1740 na cidade de Glasgow. Dezesseis anos mais tarde foi para
Edimburgo, onde assumiu as cátedras de Química, Teoria e Prática da Medicina e Botânica. Sua
obra First lines of Physic (1776) foi um clássico do ensino médico para a época (Disponível em:
<http://en.wikipedia.org/wiki/William_Cullen>. Acesso em: 3 jun. 2005).
24
1802), aquele que definiu a doença como resultado de uma lesão anatômica (Pita,
2000).
A primeira metade do século XIX esteve fortemente marcada pela vigência
do método anatomoclínico. Este método consistia em relacionar os fenômenos
que a observação clínica permitia reconhecer nos enfermos às alterações
estruturais ou lesões anatômicas reveladas pela autópsia post mortem. Neste
período, tradicionalmente chamado de ciência do Romantismo15, Paris foi o centro
do movimento anatomoclínico, e teve em Philippe Pinel (1745-1826), Nicolas
Corvisart (1755-1821), René Théophile Laennec 1781-1826), François Broussais
(1772-1838), Jean-Baptiste Bouillaud (1796-1881) e François Magendie (1783-
1855) os seus principais postuladores.
Dos representantes do movimento anatomoclínico parisiense, daremos
destaque a François Joseph Victor Broussais pela repercussão dos seus
postulados médicos no Brasil e em Portugal. Broussais atacou furiosamente toda
a medicina anterior à sua época, desde Hipócrates até a medicina francesa,
espanhola, italiana e inglesa do começo do século XIX. Ele defendia que a vida
estava determinada e mantida pela “irritação” que os estímulos exteriores
produziam no organismo, principalmente através do eixo respiratório e do tubo
digestivo: a irritação excessiva deste último acabava se transformando em
inflamação, que por simpatia e através do sistema nervoso atuava por todo o
organismo, provocando os sintomas gerais. Neste esquema explicativo das
enfermidades, estão bem visíveis as teorias de John Brown (1735-1788) e o
conceito de “vida”, próprio do pensamento de Bichat, agregado a um terceiro
elemento: a explicação das enfermidades mediante lesões anatômicas localizadas
nos tecidos e nos órgãos (Entralgo, 1978). A terapêutica postulada por Broussais
baseava-se no uso intenso das sangrias e em dieta alimentar rigorosa. Era o
método antiflogístico e debilitante.
No final do século XVIII, o Inglês John Brown elaborou um sistema
propagado na Itália, Alemanha e Áustria. Ele afirmava que a vida não era um
estado normal espontâneo, mas um estado forçado mantido à custa de estímulos
contínuos. O estado de saúde era constituído pela excitabilidade normal dos
15
Esta classificação é utilizada por Desiderio Papp em Vision sinóptica de la ciência del
romanticismo (1800-1848) (Entralgo, 1981).
25
16
Em 1720, foi criada a Academia Real da História Portuguesa, que teve vida curta e se extinguiu
após o terremoto de 1755; em 1748, fundou-se a Academia Cirúrgica Protótipo Lusitânica
Portuense, com o objetivo de discutir sobre o método mais adequado de tratar as doenças
cirúrgicas; em 1759, Manuel Gomes de Lima fundou a Academia Real Cirúrgica Portuense com
a sanção de D. José. A admissão na Sociedade se fazia à semelhança do Colégio dos
Cirurgiões de São Cosme, em Paris. O seu objetivo era aperfeiçoar a teoria e a prática da
cirurgia e, segundo esta trilha, elaborar um compêndio de Anatomia e outros de Cirurgia, bem
como ministrar aulas de Anatomia, Cirurgia e de Arte Obstétrica; em 1779, foi criada a Academia
das Ciências de Lisboa, que tinha por finalidade estudar a meteorologia, a química, a botânica e
a história natural, o que de fato muito contribuiu para o incremento das ciências médicas.
17
Em 1749, Gomes de Lima fundou o primeiro periódico médico português – Zodíaco Lusitano
Délfico – como órgão da Academia Médico-Portopolitana. Em 1762, foi lançada a Gazeta
Literária por Bernardo de Lima que, embora não sendo propriamente um jornal médico, trazia
uma seção de medicina; em 1764, surge o Diário Universal de Medicina, Cirurgia e Farmácia,
órgão da Academia Real Cirúrgica Portuense; em 1792, publicou-se no Porto o Ano Médico
(Caeiro, 1979). Sobre este assunto, ver também A. X. da Silva Pereira em O Jornalismo
Português (1896) e André Belo em As Gazetas e os Livros (2001).
18
Na primeira metade do século XIX foram publicados os seguintes jornais médios: Periódico
Médico Escrito em Dialeto Galego (Porto, 1820-1821), Anais da Medicina Dinâmica (Lisboa,
1832), Repositório Literário da Sociedade de Ciências Médicas e de Literatura do Porto (Porto,
1834), Jornal Médico, Cirúrgico e Farmacêutico de Lisboa (Lisboa, 1835-1837), Jornal das
Ciências Médicas de Lisboa (Lisboa, 1835), Jornal da Sociedade das Ciências Médicas de
Lisboa (Lisboa, 1836), Anais do Conselho e Saúde Pública do Reino (Lisboa, 1838-1842), Anais
das Ciências Médicas (Coimbra (?), 1838), Medicina Portuguesa (Lisboa, 1839), Gazeta Médica
do Porto (Porto, 1842-1853), Jornal dos Facultativos Militares (Lisboa, 1843-1849), O
Escholiaste Medico (Lisboa, 1851-1869), Revista Médica de Lisboa (Lisboa, 1844-1846),
Registro Médico do dr. Lima Leitão (Lisboa, 1847-1848), Zacauto Lusitano (Lisboa, 1849), O
Esculápio (Lisboa, 1849-1854). As informações aqui citadas foram retiradas de Lopes (1897).
27
19
Nas primeiras décadas do século XIX, algumas comissões de médicos foram enviadas para
Paris, com o intuito aprender os postulados de Corvisart e Laennec (Carvalho, 1929).
20
Vide Lemos (1991) e Carvalho (1929).
21
Médico português, de origem judaica, estudou Medicina na Universidade de Évora e,
posteriormente, em Coimbra, onde se licenciou em Medicina. Fugindo ao clima de intolerância
religiosa, abandonou Portugal em 1721, fixando-se em Londres como rabi dos judeus
portugueses. Foi membro do Colégio Real dos Médicos de Londres, sócio da Royal Society e
membro do corpo docente da Universidade de Aberdeen, na Escócia (Disponível em:
<http://www.instituto-camoes.pt/cvc/filosofia/ilu9.html>. Acesso em: 19 ago. 2005).
22
Nasceu em Estremoz em 1714, formou-se em Medicina em Coimbra, exerceu a clínica no
Alentejo e depois se fixou em Lisboa em 1755. Em 1758, tornou-se médico da Casa Real e da
Câmara do Infante D. Manuel e cavaleiro e fidalgo da Casa Real. Em 1759, foi feito cavaleiro da
Ordem de Cristo e, em 1762, nomeado Físico-Mor do Exército durante a guerra de 1762. Em
1763, caiu em desgraça e foi demitido da sua posição, depois de ter estado preso durante quatro
meses e meio. (Disponível em: <http://www.instituto-camoes.pt/cvc/ciencia/p3.html>. Acesso em:
21 ago. 2005).
23
O governo encarregou Ribeiro Sanches de apresentar as bases da reforma no ensino médico,
exposta na obra Methodo de Aprender e Estudar a Medicina (1763). Os pontos capitais da
reforma proposta por Ribeiro Sanches foram: um maior desenvolvimento dado aos estudos das
ciências acessórias (física, química, história natural), a feição prática do ensino pela criação dos
hospitais, de laboratórios e de jardins botânicos, a introdução do sistema de Boerhaave, e que a
medicina e a cirurgia deveriam ser estudadas e exercidas conjuntamente (Lemos, 1991).
28
medicina (Pita, 1996). Ele foi o responsável pela introdução da doutrina browniana
na literatura médica portuguesa e também no Brasil24.
A influência do sistema médico de Broussais em Portugal e no Brasil foi
muito semelhante, conforme se pode constatar ao longo deste trabalho. No
Hospital São José, os facultativos usaram e abusaram do método antiflogístico
para o tratamento das doenças dependentes da irritação do aparelho digestivo;
empregavam como terapêutica universal as evacuações sangüíneas, os
demulcentes25 e as dietas austeras. Em 1849, foram pedidas para as enfermarias
do Hospital São José 83.131 sanguessugas; em 1850, o hospital adquiriu 59.540;
houve uma redução significativa em 1851, com 27.036 bichas; e em 1852 foram
solicitadas 21.853 (GML, 01/10/1853). Este decréscimo das sanguessugas
expressa a substituição destas por ventosas escarificadas e reflete o declínio do
método antiflogístico.
A medicina portuguesa na primeira metade do século XIX não esteve
alijada do paradigma da higiene pública vigente entre fins do século XVIII e início
do XIX, que buscava estabelecer uma relação causal entre doença, natureza e
sociedade26. E a imprensa médica portuguesa, representada pela Gazeta Médica
de Lisboa, se posicionou no sentido de buscar sensibilizar os seus pares no
intuito de cultivarem a estatística médica, a climatologia, a topografia e a clínica,
enquanto disciplinas necessárias à higiene.
O dr. Francisco José da Cunha Vianna, médico do Hospital São José e
também redator da Gazeta Médica de Lisboa, foi um defensor da necessidade do
uso da estatística médica como elemento auxiliar dos próprios facultativos, da
medicina e do governo, e como “base das discussões dos diferentes pontos
controversos de higiene.” (GML, 16/09/1853, p. 243)
Nas páginas da Gazeta Médica de Lisboa eram publicados os dados
climatológicos de Lisboa, o estado sanitário da cidade, estatísticas necrológicas
por bairros, alguns estudos topográficos e meteorológicos27 e muitos estudos
24
Para maiores detalhes sobre este assunto ver, neste trabalho, Henriques de Paiva: um elo da
medicina luso-brasileira.
25
Substância ou medicamento que amolece ou abranda uma inflamação (Holanda, Dicionário
eletrônico).
26
Sobre esta questão, ver Crespo (1990).
27
Estes dados eram coletados pela Escola Médico-Cirúrgica do Hospital São José e pela Escola
Politécnica.
29
28
Aqui usamos o empirismo em sua concepção filosófica, que afirma ser a experiência dos
sentidos a única fonte do conhecimento. O empirismo médico racionalizado baseava-se na
observação, descrição cuidadosa e ensaios relativamente simples sobre as doenças sem se
deter na origem destas, como expressou Laennec (Entralgo, op. cit.).
29
Médico português nascido em Mirandela, Trás-os-Montes, e daí o acréscimo do cognome de
Mirandela. Foi o mais notável representante do iatroquimismo de Silvio de la Böe, e a
terapêutica por ele adotada consistia em sangria, purgantes, expectorantes, no ópio e na quina,
não desprezando as escarificações e os fontículos. (Lemos, op. cit.).
30
Teria nascido em Vila Nova de Ourém, pelos últimos anos de Seiscentos, filho de uma família
perseguida pela Inquisição. Freqüentou Medicina na Universidade de Coimbra, exercendo a
profissão em Lisboa, onde foi médico de D. João V, em Aveiro, no Porto e novamente em
Aveiro, onde se fixou (1726/1727). Foi médico notabilíssimo e deixou escritos sobre matérias
diversas, entre elas a Medicina, salientando-se o Portugal Médico. Por volta de 1734 já havia
adotado a vida conventual, sendo aceito pelo Convento Franciscano de Santo Antônio.
(Disponível em: <http://aveirana.doc.ua.pt/drbrasabreu.htm>. Acesso em: 21 ago. 2005).
31
Nasceu nos arredores da Guarda, foi pedagogo e pensador, e participou ativamente do
alvorecer do Iluminismo em Portugal, nomeadamente pela divulgação do pensamento
pedagógico do Locke, Fénelon e Rollin. (Disponível em: <http://www.instituto-
camoes.pt/cvc/filosofia/ilu2.html>. Acesso em: 21 ago. 2005).
30
32
A partir deste estudo, Henriques de Paiva publicou: Preservativo das bexigas e dos seus
terríveis estragos, ou história da origem e descobrimento da vacina, dos seus efeitos ou
sintomas e do método de fazer a vacina. Lisboa: Oficina de João Procópio Corrêa da Silva,
1801.
33
Tornou-se doutor em Filosofia pela Universidade de Coimbra em 1791, sendo, pouco depois, ali
admitido como lente da cadeira de mineralogia. Em 1804, deixou Portugal para continuar seus
estudos no exterior e empreendeu uma longa viagem científica por diversos países da Europa.
Na Alemanha, freqüentou as lições de Werner, em Freyberg. Deixou inúmeros trabalhos
científicos dispersos em revistas e opúsculos e jamais retornou a Portugal, falecendo em Paris,
em 1834. (Disponível em: <http://www.ceha-madeira.net/elucidario/m/mon24.htm>. Acesso em:
21 ago. 2005).
34
Nasceu em Paredes de Coura, filho de José Manuel Gomes, médico no distrito de Viana do
Castelo, e de Josefa Maria Clara. Foi pai de Bernardino Antônio Gomes (1806-1877), também
médico. Bernardino [pai] formou-se em medicina pela Universidade de Coimbra em 1793, foi
médico, higienista, químico, botânico e parasitologista. Concluído o curso, foi trabalhar como
médico na comarca de Aveiro. Em 1797, foi nomeado cirurgião da Armada Real com o posto de
capitão de fragata graduado e foi para o Brasil, onde permaneceu até finais de 1801. Em 1802,
foi encarregado de debelar uma epidemia de febre tifóide a bordo de uma esquadra portuguesa,
no estreito de Gibraltar. Dispensado do serviço no mar, passou a trabalhar no Hospital da
Marinha e no Hospital Militar de Lisboa. Em 1812, tornou-se membro efetivo da Academia Real
das Ciências de Lisboa, onde promoveu a criação da Instituição Vacínica, que se dedicava à
vacinação antivariólica. Em 1817, foi designado para prestar serviços médicos à princesa
Leopoldina da Áustria, noiva de D. Pedro, futuro Imperador do Brasil, quando esta se deslocou
de Livorno para o Rio de Janeiro, aí permanecendo seis meses. Morreu a 13 de Janeiro de
1823, com 54 anos de idade. (Disponível em: <http://www.instituto-
camoes.pt/cvc/ciencia/p21.html>. Acesso em: 21 ago. 2005).
35
Sobre a sala do Banco do Hospital São José, vide o capítulo II.
31
36
Manuel Constâncio Alves nasceu em Sentieiras, junto a Abrantes (Portugal), em 1725.
Começou os estudos de Cirurgia no Hospital da Vila de Abrantes e depois se dirigiu a Lisboa,
onde se dedicou ao estudo do francês, para tomar contato com obras produzidas em França. Foi
professor de Cirurgia no Hospital Real de Todos os Santos e influenciou uma geração de jovens
aprendizes. Convenceu a Coroa a mandá-los ao exterior, onde poderiam aperfeiçoar a
aprendizagem. Faleceu em 1817, com noventa e dois anos, e não deixou obra impressa nem
manuscrita; tornou-se então conhecido através dos seus ex-alunos (Lemos, 1991). Os detalhes
da vida e da trajetória profissional de Manuel Constâncio Alves se encontram em A Escola de
Cirurgia do Hospital Real de Todos os Santos (1565-1775), de Sebastião Costa Santos (1925).
37
Sobre os manuais portugueses de obstetrícia, ver o capítulo III.
32
38
Nasceu em Lisboa, diplomou-se em Medicina pela Universidade de Coimbra em 1798, sendo
designado para exercer a função de físico-mor em Angola, entre 1799-1807. Foi transferido para
o Brasil como delegado do físico-mor do Reino e, no Rio de Janeiro, foi também nomeado
professor na Escola de Cirurgia e médico da Real Câmara de D. João VI. Faleceu no Brasil.
(Disponível em: <http://www.aac.uc.pt/~sfaac/josebomtempo.php>. Acesso em: 20 ago. 2005).
39
Foi correspondente da Academia Médica da Bahia (Lemos, op. cit.).
40
Os tratados estrangeiros usados no aprendizado da cirurgia eram Princípios da Cirurgia, de
Jorge Lafaye; os Elementos da Cirurgia, de João José de Sue; o Tratado das Doenças que lhes
convêm, de Chopart e Desault; e quase toda a obra de Benjamim Bell – Tratado teórico e prático
das chagas (tradução de Manuel Joaquim Henriques de Paiva), Sistema de Cirurgia, Tratado
das doenças venéreas.
33
41
Consultamos as obras de Henriques de Paiva existentes na Biblioteca Nacional, em Lisboa, e
na Academia das Ciências de Lisboa. Na Biblioteca Nacional do Rio de Janeiro, é possível
localizar quatro títulos, e na Faculdade de Medicina da Bahia não foi possível localizar nenhum
exemplar, pois, lamentavelmente, o acervo, na ocasião da realização desta pesquisa, ainda não
se encontrava disponível para o pesquisador.
34
42
Esta questão é muito bem discutida no trabalho de João Rui Pita – Farmácia, medicina e saúde
pública em Portugal (1772-1836) (1996).
35
43
Na história política e cultural de Portugal, o exílio forçado foi uma tradição contínua nas Eras
Moderna e Contemporânea. Maximiano Lemos (1991) fez uma extensa cronologia dos médicos
e cientistas que foram perseguidos e expulsos de Portugal por motivações políticas e religiosas
entre os séculos XVI-XIX.
44
Desde 1814, a Coroa Portuguesa, sediada no Brasil, dava sinais de recuo na punição dos
acusados de “bonapartismo”. Esta atitude era conseqüência da ação de alguns emigrados, que
foram para a Grã-Bretanha por influência da Maçonaria inglesa, e lá organizaram uma onda de
protestos através da imprensa liberal, contra a justiça portuguesa que condenava inocentes.
Este movimento visava desacreditar em Portugal e na Europa o governo de Lisboa e a corte no
Rio de Janeiro (Araújo, 1998).
38
Quando von Spix e von Martius passaram pela Bahia entre 1817/1820,
notaram o prestígio do médico português e registraram que “os baianos apreciam
os seus concidadãos eruditos, entre os quais goza da mais alta consideração o
dr. Manuel Joaquim Henriques de Paiva, (...) conhecido pela sua variedade
literária sobre assuntos da medicina prática, matéria médica, botânica e química”
(Spix e Martius, 1961, v. 2, p. 163). Ressaltaram que Henriques de Paiva havia
dado aulas de química e história natural na Escola de Medicina da Bahia (ibidem).
Com a proclamação da independência política do Brasil em 1822,
Henriques de Paiva optou pela nacionalidade brasileira e, dois anos depois, teve
a Cadeira de Matéria Médica e Farmácia incorporada ao Colégio Médico-
Cirúrgico, sendo ele o titular. Não havendo espaço no Hospital da Santa Casa
para instalar o curso, Henriques de Paiva, mais uma vez, deu mostras de ser um
homem bem relacionado com a elite baiana, e conseguiu com o Prior do
Convento de Santa Teresa permissão para instalar-se na botica do Convento, e
fazer uso de um salão e de um terreno, onde pudesse iniciar suas atividades
pedagógicas.
Das obras que o luso-brasileiro publicou, darei destaque a algumas que
considero relevantes por divulgarem sistemas médicos adotados na Bahia, quer
na clínica exercida pelos médicos, conforme registros clínicos nos periódicos
médicos, quer no ensino, a julgar pelos livros adotados e pelas lições publicadas.
Na Farmacopéa Lisbonense (1785), Henriques de Paiva apresentou o
resultado de um trabalho que principiou no Brasil, na época dos seus estudos em
História Natural e Farmácia, e expôs a sua preocupação com o fato de Portugal
não dispor de uma farmacopéia nacional. Para ele, a importância de normatizar a
produção medicamentosa transcendia o campo das ciências médicas para
integrar uma vertente social, ou mesmo política, uma vez que a regulamentação
permitia maior cobertura à população e atendia aos propósitos de uma política
sanitária necessária aos “novos tempos” (Pita, 1996).
Esta obra foi escrita em língua portuguesa, pois, para o autor, era
necessário garantir o entendimento dos utilizadores, optando por um aspecto
eminentemente prático, sem, contudo, abdicar do rigor científico. Ele adotou uma
redução substancial do arsenal terapêutico e simplificou a complexidade das
preparações farmacêuticas. Em 1802, saiu a segunda edição da Farmacopéa
39
45
Título original: Vom Fieber und dessen Behandlung überhaupt.
41
Uma outra via de ingresso do galenismo se deu através dos filhos da terra
que estudavam medicina na Europa. Durante o século XVIII, uma vez assentada
a colonização portuguesa na Brasil, a elite enviava seus filhos varões para
estudar na Europa, e a Universidade de Coimbra foi a que mais recebeu
estudantes oriundos do Brasil. Neste período, esta universidade portuguesa
recebeu 1.752 estudantes brasileiros, dos quais 572 eram baianos (Morais,
1949)46.
O contato com as doutrinas médicas também se deu através dos manuais
de medicina, que cruzavam o Oceano Atlântico na bagagem dos doutores recém-
formados, dos naturalistas e dos botânicos, que vieram ao Brasil explorar a fauna
e a flora nativas em fins do século XVIII e nas primeiras décadas do século XIX, e
na dos médicos estrangeiros (Nava, 2003)47. Dos doutores de outras
nacionalidades que se fixaram em Salvador e clinicaram por longo ou curto
período, citamos Jonathas Abbott48, John Ligertwood Patterson49, Otto Edward
Henry Wücherer50, Carl August Tölsner51 e Friedrich Asschenfeld52, dentre outros.
46
Assinalamos uma carência de estudos a respeito dos estudantes brasileiros nas universidades
da Inglaterra e Reino Unido, França, Estados Germânicos e Itália. Sobre brasileiros em
Montpellier, cf. Maria Beatriz Nizza da Silva (1999). Sobre a relação da elite colonial brasileira
em Coimbra, vide Luís Antonio Cunha em A universidade temporã: o ensino superior da Colônia
à era Vargas (1980) e Caio C. Boschi em A Universidade de Coimbra e a formação intelectual
das elites mineiras coloniais (1991).
47
Cf. Barreto e Aras (2003) a relação de naturalistas e médicos germânicos que passaram pela
Bahia nas primeiras décadas do século XIX.
48
Nascem em Londres (03/08/1796) e veio para a Bahia em 1812. Naturalizou-se brasileiro em
1821. Foi aluno do colégio médico-cirúrgico em Salvador em 1819, mas colou grau em medicina
na Universidade de Palermo em 1821. Em 1825, passou a ensinar anatomia na então Escola
Médico-Cirúrgica e jubilou-se em 1861. Foi também cirurgião do Hospital São Cristóvão,
administrado pela Santa Casa da Misericórdia da Bahia, foi membro de diversas academias e
sociedade médica e deixou uma significativa produção cientifica (Blake, 1898). Ainda neste
capítulo, trabalhamos com seis títulos de Abbott e reproduzimos (nos anexos) a carta
endereçada à Provedoria da Santa Casa da Misericórdia da Bahia, onde ele pede demissão do
cargo de cirurgião do Hospital São Cristóvão.
49
Nasceu em 1820, no condado de Aberdeen, Escócia, onde recebeu o título de doutor em
medicina. Chegou à Bahia em 23/04/1841, depois de ter clinicado na Paraíba. Junto com
Ludugero Rodrigues Ferreira, Antonio José Alves, Antonio Januário de Farias, Manoel Maria
Pires Caldas, José Francisco Silva Lima, Otto Edward Henry Wücherer e Antônio Pacífico
Pereira, fundou a Gazeta Médica da Bahia em 1866. Faleceu em dezembro de 1882 (Coni,
1952).
50
Alemão, nascido em 1820, viveu na Bahia entre os seis e sete anos e diplomou-se em medicina
pela Universidade de Tübingen (Würtemberg) em 1843. Retornou ao Brasil neste mesmo ano e
exerceu a clínica em Nazaré e Cachoeira, interior da Província da Bahia, para em 1847 instalar-
se em Salvador (Barreto e Aras, 2003).
51
Médico alemão, clinicou na colônia Leopoldina, sul da Bahia. A biografia deste médico é pouco
conhecida (Barreto e Aras, op. cit.).
42
52
Médico alemão, chegou a Salvador em 1843, percorreu o Recôncavo baiano e foi se
estabelecer na Colônia Leopoldina (Augel, 1975).
53
Lourival Ribeiro (1971) apresenta uma mini-biografia de Manuel José Estrela e afirma que o
mesmo nasceu no Rio de Janeiro em 1763, e foi batizado na freguesia de Nossa Senhora da
Candelária. Informa também que o mesmo obteve carta de Cirurgia em Lisboa a 04 de março de
1789. Tais dados não são confirmados por Lycurgo Santos Filho (1991), tampouco pela nossa
pesquisa nos Arquivos da Universidade de Coimbra.
43
54
Infelizmente não encontramos referências a nenhuma obra escrita ou traduzida por José
Estrela, além desta. Segundo Lycurgo Santos Filho (1991), o cirurgião Joaquim da Rocha
Mazarém publicou outra versão desta obra de Bichat.
44
90
80
70 ?
Coimbra
60 Bahia
Rio de Janeiro
50 Paris
Lisboa
40 Pisa
Palermo
30 Edimburgo
Bolonha
20
10
0
1808-1814 1815-1831 1832-1889
55
Referente às atividades dos músculos e dos órgãos dos sentidos.
56
Referente às atividades do coração, estômago, fígado, pulmão etc.
45
57
Para detalhes sobre este assunto, ver João Rui Pita (1996).
58
Formou-se no colégio São José de Lisboa.
59
Autor do livro Tratado Completo de Anatomia ou Descrição de todas as partes do corpo
humano. Lisboa: Typografia Rollandiana, 1801/1802. Os estudos de Sabatier datam de 1775
(Lemos, 1991).
46
60
Seu nome consta no Livro de Matrícula da Universidade de Coimbra, 1804-1805, p. 91 (verso).
61
Topografia Médica da Bahia (1832) e Memória sobre as água minerais da Bahia [?]. Ele também
escreveu Cartas sobre a educação de Cora, seguidas de um catecismo moral, político e religioso
(1849), publicado após sua morte.
62
Observações sobre as afecções catarrais de Cabanis (1816); Coleção dos fatos principais da
Cólera Morbus epidêmico de Bett e Condie (1833). A Gazeta Médica de Lisboa (16/10/1853) fez
alusão a esta última obra como referência para o estudo da epidemia de cólera morbo.
63
Adriana Reis (2000), ao estudar o inventário de Lino Coutinho, afirmou que as obras
relacionadas a política e filosofia superavam as de medicina.
47
A terapêutica descrita por Silva Lima, marcada pela dieta debilitante e pela
sangria, estava coerente com a concepção de doença postulada por Broussais,
que afirmava serem quase todas as enfermidades uma inflamação do tubo
digestivo: a irritação excessiva acabava se transformando em inflamação, que,
por “simpatias” através do sistema nervoso, atuava sobre o resto do organismo,
provocando os sintomas gerais (Piñero, 1985).
Jonathas Abbott (1796-1868), inglês naturalizado brasileiro, médico
formado pela Universidade de Palermo em 1821 e professor de anatomia na
escola baiana entre 1825-1861, afirmou que, em 1844, a incitabilidade e o
brousseísmo já haviam sido “arquivados”, assim como a homeopatia e o
mesmerismo. Provavelmente Abbott tingiu com cores extremistas o cenário das
doutrinas médicas na Bahia dos anos 40 de século XIX, pois as sangrias só terão
a sua eficácia questionada com mais veemência após as epidemias de febre
amarela (1849-50) e cólera (1855-56), quando doente sangrado era doente morto.
O dr. Abbott angariou muito prestígio na sociedade baiana enquanto
médico e professor. Foi vice-diretor da Faculdade de Medicina em 1837 e
cirurgião do Hospital São Cristóvão entre 1833-1855 (SCMBA, Correspondência
da Provedoria, Carta de Jonathas Abbott, 06/06/1855)64. Entre as décadas de
1830-50, ele publicou cerca de 23 trabalhos, predominando os discursos
introdutórios ao estudo da Anatomia, além do Formulário Cirúrgico do Hospital da
Santa Casa (1838), Generalidades de Artrologia (1848), Generalidades de
Miologia (1849), Generalidades de Angiologia (1853) e Mapa Osteológico
(1855)65.
Este vasto registro sobre o ensino da anatomia é revelador do caráter
profissional do dr. Abbott, zeloso da dupla missão de médico e mestre, bem como
do homem ufanista, que conclamava a juventude a proclamar e sustentar a
independência do “jovem Brasil” na literatura e na medicina, mostrando que não
era preciso “mendigar em solo estranho a prática e a destreza” que poderiam ser
adquiridas sem abandonar os “lares pátrios” (Abbott, 1837, p. 10).
No entanto, subtraindo a excessiva eloqüência no discurso do dr. Abbott e
perscrutando sua formação profissional, veremos que ela foi marcada por idas e
64
O conteúdo desta carta é apresentado no Anexo 1.
65
Esta coletânea de trabalhos de Abbott se encontra listada em Oliveira (1992).
48
66
Este foi o ano em que a obra foi publicada na Bahia. Em Portugal, foi publicada em 1864 pela
Gazeta Médica de Lisboa.
67
Esta documentação se encontra no Memorial de Medicina Brasileiro da Faculdade de Medicina
da UFBA.
68
Disponível na Biblioteca Nacional-BR.
49
reclamasse o morto para ser enterrado de acordo com os rituais fúnebres, que
marcaram a sociedade baiana na primeira metade do século XIX69.
Este episódio, envolvendo o desaparecimento do cadáver sob
responsabilidade da Santa Casa da Misericórdia, aponta para um comércio
clandestino de defuntos na cidade de Salvador, que tinha como propósito o
estudo da anatomia. Os estudantes da Faculdade de Medicina costumavam
adquirir “corpos sem vida” para estudos particulares, conforme denunciou o
acadêmico Cid Emiliano de Olinda Cardoso70 nas páginas do periódico O Prisma
(07/1854). Os estudantes mais abastados costumavam importar os livros
europeus para subsidiar seus estudos, principalmente os compêndios de
anatomia e patologia, os quais, muitas vezes, chegavam quando a matéria já
havia sido concluída.
Duas décadas depois, precisamente em 1858, o dr. Abbott, em seu
Discurso de encerramento do Curso de Anatomia, após 34 anos de magistério,
dava sinais de cansaço e de insatisfação, por não mais possuir sobre a mesa
tantos cadáveres quanto considerava necessário71, fato que o aborrecia deveras e
que limitava sua atuação pedagógica, ao tempo que contrariava a sua crença de
que a anatomia se aprendia no anfiteatro, diante de um cadáver e com o
escalpelo na mão.
A insatisfação de Abbott em fins dos anos 50 é indicativa de que a
anatomia perdia fôlego no currículo do curso médico baiano. Diante das
epidemias de febre amarela e cólera, a higiene ganhou contornos mais fortes na
Faculdade de Medicina da Bahia. Os olhares se voltaram para os sofisticados
esquemas higienistas que anunciavam a possibilidade de tornar a cidade salubre
e a população saudável. Se no terceiro quartel do século XIX, a anatomia
patológica perdeu espaço na academia baiana, o mesmo não ocorreu na
comunidade médica soteropolitana, pois, nos anos 60, um grupo de facultativos
reuniu-se em torno de um projeto científico e fundou a “Escola Tropicalista
69
Sobre esta temática, ver João José Reis em A morte é uma festa (1991).
70
Natural de Pernambuco, ingressou no curso de medicina em 1852, colou grau em 05/12/1857.
Filho de Josefina Caetano da Conceição e Luiz Bento Cardoso (MMB, Livro de Matrícula, 1816-
1874).
71
Em 1858, o dr. Abbott contou com apenas 23 cadáveres para as suas aulas.
51
72
Autores como Edler (1999) e Castro Santos (2003) afirmam que, do ponto de vista da sociologia
da ciência, é difícil classificar o movimento tropicalista como uma “Escola”.
73
Sobre este tema, ver Flávio Edler (1999, 2002), Peard (1999), Coni (1952), Benchimol (2000) e
Barros (1997).
74
Nasceu em Sergipe, cursou cirurgia em 1832, na então Escola Médico-Cirúrgica da Bahia e,
posteriormente, Medicina (1835) na Faculdade de Medicina da Bahia.
75
Anatomia, fisiologia e higiene.
76
Patologia e terapêutica.
52
77
Formou-se em medicina na Faculdade da Bahia em 1844, mas pouco se dedicou a esta
profissão, pois, assim como outros tantos, se engajou na vida política. Ainda estudante,
participou da Sabinada, revolução de cunho federalista e republicano desencadeada em 1837
por Francisco Sabino Álvares da Rocha Vieira. Mais tarde, ingressou no Partido Liberal, chefiado
por Manuel Pinto de Sousa Dantas. Elegeu-se deputado provincial e geral, foi Diretor da
Instrução Pública da Bahia por muitos anos e organizou o Liceu Provincial. Era pai de Rui
Barbosa (Magalhães, 1994).
53
destruir toda a ciência antiga, para colocar-lhes sobre as ruínas uma bandeira
nova” (O Musaico, Abril/1846, p. 153).
Para responder ao primeiro desafio – “Doença, o que é?” – ele argumenta
que esta pressupõe a vida, pois nos corpos inorgânicos este fenômeno não
ocorria, para em seguida defini-la como a luta entre as forças brutas e as forças
vitais (ibidem, p. 150).
78
Nasceu em Santo Amaro da Purificação e formou-se em medicina pela Faculdade da Bahia em
1840, onde ensinou patologia geral. Foi presidente da Comissão de Saúde Pública e também
Inspetor de Saúde Pública. Ingressou na vida política e cumpriu mandado de Deputado
Provincial e Geral (Oliveira, 1992). Teve o seu opúsculo comentado nas páginas da Gazeta
Médica de Lisboa (Gazeta Médica da Bahia, 10/09/1866).
79
Definhamento progressivo e lento do organismo humano produzido por doença (Holanda,
Dicionário eletrônico).
80
Nasceu em Salvador e colou grau em medicina pela Faculdade da Bahia em 1845. Foi Diretor
da Faculdade entre 1874-1881 (Oliveira, 1992). Participou das primeiras reuniões da
denominada Escola Tropicalista Baiana, que ocorreram na residência de John Ligertwood
Paterson (Dicionário Histórico-Biográfico das Ciências da Saúde no Brasil (1832-1930), Casa de
Oswaldo Cruz / FIOCRUZ, Disponível em: <http://www.dichistoriasaude.coc.fiocruz.br>. Acesso
em: 25 ago. 2005).
55
81
Chamamos atenção para o fato de esta obra ter sido publicada em Portugal. Um indicativo das
relações entre médicos brasileiros e portugueses.
82
Natural de Sergipe, ingressou no curso de medicina em 1844, colou grau em 13/12/1849. Era
filho de Pedro José Pinho e dona Anna Joaquina do Sacramento Pinho (MMB, Livro de
Matrícula, 1816-1874). Durante algum tempo, exerceu a clínica em Alagoas, mas logo em
seguida mudou-se para o Rio de Janeiro, onde faleceu. Foi deputado por quatro legislaturas
(Blake, 1899).
56
clínica interna, dr. Antonio Polycarpo Cabral, que, ao examinar o doente83, ainda
vivo, identificou como causa do mal o “acúmulo de fezes endurecidas com
distensão e dilatação dos intestinos”; o outro grupo, após o exame anatômico
patológico, creditou a morte do rapaz a uma inflamação no fígado, que distendeu-
se até o hipogástrio. Desta forma, mestres e aprendizes iam checando
diagnósticos “ao pé do leito” do paciente com as informações oriundas das
autópsias e este novo saber não se estabelecia sem conflitos. Para o estudante
Avelino Pinho, não restava dúvidas que a anatomia patológica permitia ver a
doença com a “polpa dos dedos” (BN-BR, O Athenêo, 01/06/1849, p. 51).
Ao tratar da terapêutica das doenças, o dr. Luís José da Costa recomendou
aos colegas alguns cuidados pertinentes, nos moldes da boa clínica: pesquisar as
causas, examinar as partes acometidas, conhecer o temperamento do indivíduo,
respeitar a época de administrar o remédio, observar a sensibilidade individual, as
simpatias, os hábitos, as profissões, as idades, os sexos, o regime, os climas, as
estações etc. (BN-BR, O Athenêo, 01/05/1849).
A geração espontânea também foi discutida na Bahia, e teve no Acadêmico
Cypriano Barbosa Bettâmio (1818-1855)84 um dos seus defensores (BN-BR, O
Crepúsculo, 20/09/1845; 25/10/1845; 10/11/1845). Os proponentes da geração
espontânea postulavam a idéia de que os organismos vivos surgiam
independentemente de qualquer progênie, seja de matéria orgânica
(heterogênese) ou inorgânica (abiogênese), por serem dotados com uma
"qualidade vital". Esta teoria atingiu o seu auge nas três primeiras décadas do
século XIX, e mobilizou a atenção de filósofos e cientistas, por envolver questões
científicas, religiosas e filosóficas. Esta teoria foi derrubada por Louis Pasteur em
07 de Abril de 1864 no anfiteatro da Sorbonne, quando ele demonstrou, de modo
experimental, que o ar comum continha organismos vivos e que as “gerações
espontâneas”, em suma, resultavam da contaminação dos meios de cultura, a
83
Tratou-se de um homem pardo, de 18 anos, com temperamento nervoso-sanguíneo.
84
Nasceu em Salvador, filho de Jerônimo Barbosa Bettamio. Ingressou no curso de medicina em
1842, colou grau em 25/11/1847 (MMB, Livro de Matrículas, 1816-1847). Durante a epidemia de
cólera morbo, em 1855, o dr. Bettamio deslocou-se para a cidade de Santo Amaro em auxílio
aos doentes; no entanto, tornou-se uma das vítimas da epidemia (Blake, 1893).
57
85
Sobre a geração espontânea na França e o debate entre Pasteur e Pouchet envolvendo a
temática, ver Gerald Geison (2002).
86
Nos periódicos médicos baianos trabalhados nesta pesquisa, encontramos apenas o dr. João
José Barboza de Oliveira (O Musaico, 04/1846) e o dr. Salustiano Ferreira Souto (O Prisma,
07/1854), vitalistas confessos.
87
A partir de 1832, os formandos em Medicina eram obrigados a sustentar uma tese. A primeira
delas data de 1836, de autoria do formando Manuel Ezequiel de Almeida (Castro, op. cit.).
88
Dinorah de Castro trabalhou com uma amostra de 50 teses entre os anos de 1838-1889.
58
89
Sobre o neo-hipocratismo e a constituição do higienismo moderno, ver Patrice Bourdelais
(2001).
90
Nasceu em Salvador, filho de José Caetano da Costa e dona Hilária Maria da Costa, doutorou-
se em medicina pela Faculdade da Bahia e estabeleceu-se como clínico em Caravelas, onde
exerceu, além da clínica, também cargos públicos (Blake, 1898).
91
Pequeno bloco semelhante ao tijolo, preparado com argila crua, secada ao sol.
60
José Cândido da Costa avaliou também os alimentos que iam para a mesa
do baiano nos seus Apontamentos para um tratado de Bromatologia pública da
cidade de São Salvador (BN-BR, O Athenêo, 01/04/1849). Inicia afirmando que a
alimentação dos habitantes da cidade da Bahia era “variadíssima”, para em
seguida discorrer sobre cada uma delas, apontando benefícios e malefícios que
estas trariam ao organismo humano.
Os escravos e pobres comiam a carne salgada, e os mais abastados
ordinariamente ingeriam as carnes de galinhas e vaca. A carne de porco e das
outras aves estavam reservadas para os dias festivos. Estes alimentos foram
92
Casas térreas.
61
O leite era falsificado com água. Os peixes secos, salgados e frescos eram
alimentos menos nutrientes que as carnes, mas poderiam se tornar nocivos
quando levavam muito sol e chuva, passavam de mão em mão, por todas as ruas
da cidade, dentro de uma gamela (ibidem, p. 16-17), provavelmente a dos
vendedores de peixes.
Das raízes, a mandioca era a preferida e consumida em forma de farinha.
O inhame e o aipim eram considerados mais nutrientes e saborosos que a
mandioca. As folhas mais usadas eram as de língua-de-vaca, as couves, os
repolhos, as alfaces e mostardas, que eram tidas de fácil digestão, mas pouco
nutritivas. O pão de trigo era geralmente mal levedado, segundo Cândido da
Costa, graças à desonestidade da maioria dos padeiros, que misturavam farinhas
boas e más. O arroz e o milho foram aprovados pelo estudante, classificados
como alimentos nutritivos e de fácil digestão (ibidem, p. 17).
Em se tratando dos legumes, que para o nosso informante eram muito
sortidos entre os soteropolitanos, eram de difícil digestão e causavam
93
Carne fresca, não salgada (Holanda, Dicionário Eletrônico).
62
94
Palavra de origem indígena que significa abacaxi.
95
A edição original é de 1802.
63
96
Nasceu em Salvador, colou grau em medicina em 1851 (Oliveira, 1992, p. 191). Foi proprietário
da Casa de Saúde São Francisco, conforme consta nos documentos por ele enviados, ao
Presidente da Província, existentes do Arquivo Público da Bahia. Ele foi catedrático de Higiene
na Faculdade de Medicina.
97
O mesmo que feira livre. Em princípio do século XIX, havia três: a quitanda do Terreiro de
Jesus, a da praia e outra nas portas de São Bento (Vilhena, 1969).
98
Segundo Domingos Rodrigues de Seixas (1854), o conceito de salubridade pública abrangia os
conhecimentos físicos e químicos (estudos do ar, das águas e da topografia do globo),
higiênicos, patológicos e ainda a terapêutica.
64
99
Criado em 09/04/1853 em conseqüência da febre amarela, para nele serem tratados todos os
estrangeiros marítimos, uma vez que eles representavam um percentual significativo do total de
enfermos, conforme demonstraremos no capítulo IV. Este Hospital era reaberto sempre que as
doenças consideradas epidêmicas apareciam em Salvador (Amaral, 1923).
100
Esta foi a data em que o hospital começou a ser construído.
101
Destacamos que, em 1866, foi fundado o Hospital da Real Sociedade Portuguesa de
Beneficência.
102
Destacamos que muitas das fontes primárias e secundárias que fazem referência a estes
hospitais, lazaretos e casas de saúde não revelam o ano da sua fundação.
65
103
Sobre as epidemias em Salvador, ver os trabalhos de Athayde (1985), David (1996), Mattoso e
Athayde (1973) e Nascimento (1981).
104
Nasceu em Salvador e colou grau em medicina no Rio de Janeiro em 1847. Foi professor da
Faculdade de Medicina da Bahia.
66
105
Sobre a discussão polarizada sobre contagionismo e anticontagionismo, ver Erwin Ackerknecht
(1948).
68
1
Termo utilizado pela epidemiologia que traduz a idéia de intensidade com que acontece a
morbidade de uma população.
2
É outro conceito que extraímos da epidemiologia, que expressa a força com que as doenças
subsistem nas coletividades.
70
3
Sobre este tema, ver Rohden (2001) e Martins (2004).
4
Sobre detalhes da Fundação do Hospital Real de Todos os Santos e sua existência ao longo dos
séculos XVI, XVII e XVIII, ver José Leone (1993) em Subsídios para a História dos Hospitais
Civis de Lisboa e da Medicina portuguesa (1948-1990). Esta obra foi lançada por ocasião das
comemorações do V Centenário da Fundação do Hospital Real de Todos os Santos.
71
5
Funcionária responsável pela aplicação do clister. Augusto da Silva Carvalho (1949) fala da
existência das cristaleiras como membro do serviço de enfermagem. O Regimento de 1572 já
considerava este ofício, onde rezava: “Toda a mulher que quiser usar do ofício de cristaleira o
não poderá fazer sem primeiro ser examinada pelo físico da cidade se é suficiente para o tal
oficial, e achando que o é lhe passará uma carta e dado juramento de fazer verdade na qual
carta irão todas as coisas que ela for obrigada a fazer por este regimento que lhe outrossim será
dado. E pagará ao dito físico da certidão trinta réis, e sendo achada sem a dita carta de exame
pagará mil réis para a cidade e a outra para quem a acusar. (...) Nenhuma cristaleira poderá
deitar clisteres senão de cozimento comum feito de malvas, celgas, urtigas, morta, folhas de
viola, malvaisco, água de farelos, axeita, mel e sal sem outra erva nem meizinha da botica ainda
que lho diga o doente salvo se for por mandado do médico que o cura, sob pena de pagar do
tronco mil réis.” (Livro dos Regimentos dos Oficiais Mecânicos de mui nobre e sempre leal
cidade de Lisboa, 1572. Obra fac-simile, publicado e prefaciado pelo dr. Vergílio Correia,
Coimbra: Imprensa da Universidade, 1926, cap. LXXII – Do Regimento das Cristaleiras, fl. 248-
verso)
6
Segundo Carvalho (1949), a concentração dos pequenos hospitais, hospícios e albergarias em
uma única instituição se deu em fim do século XV e início do XVI, momento em que começa a se
organizar a assistência hospitalar laica. Até então, os hospitais estavam sob jurisdição e
fiscalização das autoridades eclesiásticas. Ver relação completa dos Hospitais incorporados pelo
Hospital Real em Lemos (1991, v. 1, p. 100-102) e em Carvalho (op. cit.).
72
7
Sobre a expansão hospitalar portuguesa ultramarina na Ásia, África e Austrália, ver Pina (1943) e
Abreu (2001).
73
8
No Compromisso de 1516 da Santa Casa da Misericórdia de Lisboa, o qual forneceu o modelo
para as demais Misericórdias, incluindo-se neste rol a Misericórdia da Bahia, cabia à Irmandade
pautar as suas ações em 7 obras espirituais (ensinar os simples, dar bom conselho a quem o
pede, castigar com caridade os que erram, consolar os tristes, perdoar a quem nos errou, sofrer
as injúrias com paciência, rogar a Deus pelos vivos e pelos mortos) e 7 obras corporais (remir
cativos e visitar os presos, curar os enfermos, cobrir os nus, dar de comer aos famintos, dar de
beber a quem tem sede, dar pousada aos peregrinos e pobres, enterrar os finados) (Manuel,
1988/1989).
9
Leprosário.
10
Laurinda Abreu (1999) trabalha com a idéia do Purgatório contribuiu para a riqueza patrimonial
das Irmandades da Misericórdia.
11
Utilizamos os termos confraria e irmandade como palavras sinônimas, uma vez que a
separação entre estas formas de associação ocorre em 1917 (Abreu, 1999).
74
até meados dos anos 30 do século XIX. De acordo com o Compromisso de 1818,
da Misericórdia de Lisboa12, o hospital era dirigido por um Enfermeiro-Mor, que
deveria viver em grande proximidade com esta Instituição, para garantir-lhe o bom
funcionamento (SCML, Compromisso de 1818, p. 54). O Hospital São José
respeitava o organograma administrativo determinado no Compromisso de 1818,
mas guiava-se por um regimento próprio (SCML, Compromisso de 1818, p. 55).
Os escolhidos para desempenhar a função de Enfermeiro-Mor eram
pessoas oriundas da nobreza portuguesa, conforme se depreende da lista abaixo:
12
Victor Ribeiro, em sua obra A Santa Casa da Misericórdia de Lisboa (Subsídios para a sua
História) 1498-1898 (1998), publicada originalmente em 1902, afirma que este Compromisso foi
publicado no Brasil, por iniciativa da Santa Casa da Misericórdia do Rio de Janeiro. As
publicações foram: 1858, Empresa Tipográfica Dois de Dezembro, Tipografia Paulo Brito; 1878,
Tipografia do Apóstolo; 1890, Tipografia Pereira Braga & C.a. Em todas estas edições, está
reproduzido o frontispício da edição de Lisboa, de 1739.
75
13
Isabel Nobre Vargues e Maria Manuela Tavares Ribeiro estudaram o nascimento do liberalismo
em Portugal e seu reflexo nas práticas políticas (1998).
76
14
Provavelmente a fundação deste Hospital remonta ao tempo das Cruzadas, devido à caridade
de alguns particulares. Em 11 de setembro de 1844 ele foi anexado ao Hospital São José.
15
Aquele que exerce a medicina. Para o período que estamos trabalhando, os médicos e
cirurgiões constituíam-se no corpo de facultativos do Hospital São José, em Lisboa.
16
Francisco Antonio Barral nasceu em Lisboa em 1801, formou-se em medicina em Paris, foi
médico do Hospital São José, professor da Régia Escola de Cirurgia, membro da Academia Real
das Ciências e fez parte de várias comissões de serviço público. Era fidalgo e médico da Casa
Real, e teve grande clínica em Lisboa. Faleceu em 1878, deixando vários relatórios e memórias
publicadas no Jornal da Sociedade das Ciências Médicas, Gazeta Médica de Lisboa e Memórias
da Academia (Carvalho, 1929).
77
17
Nasceu em Lisboa em 1800, estudou no Hospital São José e na Escola Régia, foi professor na
Régia Escola de Cirurgia, cirurgião da Real Câmara, deputado e par do Reino. Faleceu em 1882
e deixou, além de muitos escritos financeiros, numerosas memórias, observações e discursos
publicados em opúsculos e em vários periódicos médicos de Lisboa (Carvalho, 1929).
18
Nasceu no Faial em 1825, estudou na Escola Médico-cirúrgica de Lisboa, onde ensinou
Anatomia, Patologia e Operações. Foi grande clínico, cirurgião do Hospital São José e da Real
Câmara e membro de muitas sociedades científicas nacionais e estrangeiras. Publicou vários
artigos e memórias e foi autor das seguintes obras: Ensaio sobre o cólera epidêmico (1854),
Memórias sobre as principais causas do Hospital São José (1858), Dissertação sobre o
tratamento dos apertos de uretra (1858), Breve notícia sobre a febre amarela em 1858 (1858),
Estudos sobre o garrotilho ou croup (1863), As paralisias da Ajuda (1865 e 1866), Nota sobre a
ovariotomia e outros títulos relacionados a patologia e clínica médica e cirúrgica (Carvalho, op.
cit.).
78
E cabe aqui dizer que ao pensamento que pôs em prática, desde que
se achou colocado à frente da Administração destes importantes
Estabelecimentos [Hospital São José e Anexos], de cercar-se de um
certo número de facultativos, de ouvir os seus conselhos sobre
matérias técnicas da ciência, e de os pôr em execução, com uma
não vulgar firmeza de vontade, deve o Hospital de São José e
Anexos, os melhoramentos já tão demonstrados, que são hoje do
domínio público (Silva, 1853, p. 26).
19
Peça do vestuário confeccionada de tecido mole para cobrir a cabeça; gorro (Holanda,
Dicionário Eletrônico).
20
Infelizmente não localizamos estes diários. Em 2004, por ocasião da nossa pesquisa no Arquivo
Nacional da Torre do Tombo (Portugal), uma parte da documentação referente ao Hospital São
José ainda estava sendo preparada pelos arquivistas.
80
21 o
A Junta do Hospital São José foi criada pelo Artigo 19 do Alvará de 14 de dezembro de 1825
para atender aqueles doentes cujas enfermidades se agravavam dentro dos hospitais. A
disposição deste Alvará foi confirmada pelo Artigo 6o do Decreto de 14 de outubro de 1826,
ampliando-a com o poder de ordenar o internamento dos doentes por ela examinados.
81
22 os
A Gazeta Médica de Lisboa (1857, n 107 e 108) traz uma longa discussão sobre este assunto.
84
23
Nasceu em Tomar, estudou em Coimbra e doutorou-se em Paris. Em seguida, estabeleceu-se
em Lisboa, onde foi lente da Escola Médico-Cirúrgica de Lisboa, Médico do Hospital São José,
sócio da Academia das Ciências e clínico muito considerado. Faleceu em 1890 (Carvalho,
1929).
24
Nasceu em 1826 no Piauí (Brasil) e doutorou-se em Bruxelas. Em Lisboa, foi lente de Matéria
Médica e Terapêutica na Escola Médico-Cirúrgica, médico do Hospital São José e clínico
afamado, por tratar das doenças do coração. Foi um dos primeiros médicos, em Portugal, a
referir-se ao valor da Anatomia Patológica nos casos de febre amarela e a estudar a ação de
vários medicamentos, sobre patologias cardíacas, termometria clínica, etc. Faleceu em 1883
(Carvalho, op. cit.).
25
Nasceu em Lisboa em 1825, estudou na Escola Médico-Cirúrgica de Lisboa, foi cirurgião do
Hospital São José, sendo o primeiro a praticar a ovariotomia. Foi subdelegado de Saúde,
vereador da Câmara Municipal e redator de vários periódicos médicos, dentre eles o Correio
Médico e a Gazeta Médica de Lisboa (Carvalho, op. cit.).
85
26
Caquético é aquele que sofre de caquexia. Segundo Chernoviz (1878, p. 416), esta doença é
uma alteração profunda da nutrição, caracterizada pelo inchaço do rosto, tez amarela ou cor de
chumbo, sangue muito seroso e languidez de todas as funções.
87
tessitura tinha por objetivo demonstrar que o hospital, apesar de “muito diferente
do que foi”, ainda estava distante do que pretendia ser, uma vez que continuava
atendendo a pessoas que deveriam ser assistidas em outros espaços. O saber e
a prática médicos instituíam uma outra função para o hospital, o de tratar a
doença e não de asilar aos pobres.
A análise das causas da mortalidade interna ao hospital expressa a
necessidade dos facultativos de reordenar o espaço intra-hospitalar, um exercício
do olhar voltado para dentro, no intuito de identificar os entraves endógenos que
impediam a cura e provocavam o óbito. A intervenção médica se dirigiu à
extensão e configuração do prédio hospitalar e das enfermarias, altura dos
andares, ventilação, iluminação, calorificação, alimentação, vestuário e utensílios,
nos moldes da mentalidade higienista da época.
27
Segundo Jean Imbert (1982), em 1846 começou a construção do Hôpital du Nort, seguindo as
recomendações feitas pela Academia das Ciências em 1788. Este hospital foi inaugurado em
1856 e ganhou o nome da sua benfeitora, a Condessa de Lariboisière, que destinou 3 milhões
de francos às obras do nosocômio. Ele se tornou referência para o período.
89
Algumas medidas deveriam ser tomadas para reverter este quadro pouco
adequado a um hospital, na opinião dos médicos e cirurgiões:
28
A Comissão fez alusão aos sistemas de Poumet e de Leon Duvior como sendo os melhores
meios de ventilação e calorificação. No primeiro, o ar, antes de entrar nas enfermarias, é levado
para uma máquina particular e uma câmara quente, da qual saía aquecido para as diversas
salas. O segundo não diferia muito do primeiro, exceto por servir-se de água quente como meio
para produzir calor.
29
Preocupação legítima, uma vez que o antigo Hospital Real sofrera dois incêndios de grandes
dimensões em 1601 e 1750.
93
melhorias no espaço físico. Era preciso avaliar o serviço clínico. Pela primeira
vez, era feita uma crítica aos recursos humanos, incluindo médicos, cirurgiões,
boticários e enfermeiros.
Diz textualmente o cirurgião Antonio Maria Barbosa:
eram acordes, pois se acreditava que uma mudança brusca de tratamento era
mais maléfica do que o desenvolvimento da doença.
Pior do que a escassez de médicos e cirurgiões e do que a diversidade de
concepções diagnóstico-terápicas era, na opinião dos facultativos, o despreparo
dos(as) enfermeiros(as). Acreditavam que estes servidores não possuíam a
instrução necessária para avaliar a urgência dos socorros que requeriam os
doentes.
Após a visita dos facultativos, os doentes ficavam entregues aos cuidados
dos enfermeiros e de seus ajudantes. Na opinião dos facultativos, havia uma lista
de atribuições que o(a) enfermeiro(a) deveria preencher para que fosse
considerado apto ao cargo: deveria apresentar um certo grau de inteligência, para
que compreendesse bem as prescrições dos facultativos e pudesse cumpri-las;
possuir uma instrução mediana, para prestar aos doentes os socorros
necessários; ter um mínimo de caridade e de vocação, para aceitar de bom grado
os trabalhos pesados, enfadonhos, repugnantes e tristes da sua profissão; ser
honesto, porque lidava com objetos pessoais dos enfermos, remédios e alimentos
que poderiam ser desviados, se faltasse probidade e honradez aos funcionários; e
ter robustez física, boa saúde e juventude, para cumprir os encargos da profissão
(GML, 16/05/1857, p. 146).
Como era difícil encontrar candidatos que preenchessem estas
prerrogativas com salários tão baixos, alguns facultativos do Hospital São José, a
exemplo de Antonio Maria Barbosa e José Eduardo de Magalhães Coutinho
96
30
Nasceu em Évora, em 24 de outubro de 1815, filho do militar José Bernardo Magalhães
Coutinho. Matriculou-se na Escola Régia de Cirurgia como uma forma de fugir do alistamento
obrigatório, freqüentando as aulas de Anatomia em 1831 e as de Matéria médica em 1832.
Concluiu o curso em 1836. Com o restabelecimento do regime constitucional em 1833, Magalhães
Coutinho alistou-se como voluntário em defesa da Carta e da Rainha. Em finais de 1837,
freqüentava os cursos de química, botânica, física e zoologia. Em 1840, foi cirurgião-mor do
segundo batalhão de voluntários do comércio e, em 1847, entrou para o corpo docente da Escola
Médico-Cirúrgica de Lisboa. Em 1850, foi nomeado professor da cadeira de Obstetrícia e diretor
da enfermaria de partos do Hospital São José. Em 2 de junho de 1856, foi nomeado cirurgião
extraordinário do Hospital de São José e exercia a clínica no Hospital do Desterro. Foi Diretor da
Escola Médico-Cirúrgica e o primeiro médico a experimentar o clorofórmio nos partos e operar
fazendo uso da amilena (1857). Esteve envolvido com a política, elegendo-se deputado entre
1853-1856. Durante a sua passagem pela Câmara, propôs a reforma das escolas médico-
cirúrgicas, de forma que os alunos destas gozassem das mesmas prerrogativas que os da
Universidade de Coimbra. Foi diretor geral da Instrução Pública e vogal do Conselho Superior do
mesmo ramo de serviços públicos. Fundou o Jornal Zacuto Lusitano, jornal semanal de medicina e
ciências acessórias (1849-1850) e o Jornal da Sociedade das Ciências Médicas. Foi nomeado
cirurgião-parteiro da Rainha Maria Pia. Faleceu em 1895 (Costa-Sacadura, 1936, p. 14-18).
97
tratamento que foi indicado pela Junta anterior. Tudo indica que não fazia parte da
rotina dos facultativos consultar o livro de registro, para checar o diagnóstico e a
prescrição feitos anteriormente, no caso do consulente reincidente. E, diante das
divergências sobre diagnóstico e terapêutica, cada grupo deliberadamente
ignorava o trabalho feito anteriormente. Sobre esta parte nos diz a Gazeta Médica
de Lisboa:
1000
950
900
850
800
750
700
650
600
550
500
1/mai
1/jul
1/jan
1/jun
1/mar
1/ago
1/fev
1/nov
1/dez
1/abr
1/set
1/out
Homens Mulheres
Fonte: ANTT - Hospital São José, Mapas de enfermos que entraram, saíram, faleceram e ficaram existindo no Hospital, maço 04, 1850.
FIGURA 4 – Movimentação de Doentes no Hospital São José – 1853/1855
101
8000
7000
6000
5000
4000
3000
2000
1000
0
+Entradas
+Entradas
+Entradas
Final
Final
Final
Início
Início
Início
-Saídas
-Mortes
-Saídas
-Mortes
-Saídas
-Mortes
1853 1854 1855
Homens Mulheres
Fontes: GML, nº 28, 16 de Março de 1854, p. 70; nº 30, 16 de Abril de 1854, p. 101; nº 39, 01 de Setembro de 1854; nº 44, 16 de Novembro de
1854, p. 324; nº 49, de 01 de fevereiro de 1855, p. 15; nº 71, Dezembro de 1855, p. 367.
102
31
Para Jorge Crespo (1990), a preocupação com a baixa estrutura demográfica fez parte do
projeto de transformação de Portugal, no fim do Antigo Regime. O escasso crescimento
populacional e a deficiente condição física dos indivíduos refletiam a distância que havia entre
Portugal e os demais países do mundo europeu. Diante deste contexto, o Estado deflagrou um
processo singular de civilização dos corpos, objetivando alavancar o “progresso” da nação
portuguesa.
32
Ana Cristina Araújo, em A morte em Lisboa (1997), estudou o quadro geral da população de
Lisboa entre 1700 e 1830, e verificou que, para a primeira metade do século XIX, Lisboa
manteve uma progressão muito baixa de crescimento demográfico.
33
O clássico estudo de Bento Carqueja (1916), O povo português: aspectos sociais e econômicos,
traz outros dados populacionais para Portugal do século XIX. No entanto, preferimos fazer uso
dos números apresentados por Veiga (2004), por considerar que a metodologia empregada pela
autora e o uso dos recursos tecnológicos certamente corrigiram algumas distorções
quantitativas.
34
Os estudos de Laurinda Abreu (1999) no Hospital de Setúbal, correspondentes ao fim do século
XVIII, demonstram que a maior parte dos indivíduos ali internados era de trabalhadores,
especificamente os criados particulares.
103
35
Aquele que sofre sezões, ou seja, de febres intermitentes ou maleitas. Segundo Chernoviz
(1878, p. 1049-1052), estas febres aparecem e desaparecem sucessivamente, por intervalos
mais ou menos longos, e o doente apresenta períodos de frio, calor e suor. De acordo com o
paradigma higienista Oitocentista, as febres intermitentes estiveram associadas às exalações
pantanosas e às águas estagnadas.
104
1850 foram: as úlceras (377), as febres36 (364), a sífilis (242), o reumatismo (213),
a bronquite (193), as contusões (72), a gastrite (47), a diarréia (42), a tísica
pulmonar (37), seguidos dos bubões venéreos (19) e da pulmonite (15) (ANTT -
Hospital São José, Mapas de enfermos que entraram, saíram, faleceram e
ficaram existindo no Hospital, Maço 04, 1850).
O maior movimento nas enfermarias femininas para o mesmo período
esteve relacionado ao parto, seguido das úlceras, das febres, da sífilis, do
reumatismo, das caquexias, das bronquites, das diarréias, das inflamações, da
pulmonite, dos cancros venéreos, das contusões, da tísica e dos bubões
venéreos (ANTT - Hospital São José, Mapas de enfermos que entraram, saíram,
faleceram e ficaram existindo no Hospital, Maço 04, 1850).
Fonte: ANTT - Hospital São José, Mapas de enfermos que entraram, saíram,
faleceram e ficaram existindo no Hospital, Maço 04, 1850.
36
Trata-se de um conjunto de febres, formado pela febre gástrica, febre inflamatória, febre
intermitente quotidiana, febre intermitente terçã, febre intermitente quartã, febre atáxica. Se
olhadas separadamente, elas podem passar despercebidas, mas, se computadas no conjunto,
representam um percentual significativo. Neste grupo também se incluem os sezonáticos.
105
virada do século XVIII para o XIX. No lado masculino, houve maior incidência de
contusões e gastrites.
37
O conceito de doenças intercorrentes é compreendido no sentido utilizado por Thomas
Sydenham (1624-1689), como sendo aquelas dependentes da susceptibilidade do corpo. Sobre
esta doença intercorrente do parto, ver capítulo III.
38
Ausência da menstruação (Chernoviz, 1878, p. 154).
39
Anemia própria das jovens que chegaram à época da puberdade. Tratamento: habitação em
lugares elevados e secos; ingestão de carne e cerveja; exercícios físicos, como equitação e
dança; medicamentos tônicos, como águas férreas, naturais e artificiais; banhos frios; fricção
pelo corpo (Chernoviz, op. cit., p. 566-567).
40
Poderia ser causada pelo parto (Mazarém, 1839). Sobre esta doença intercorrente do parto, ver
capítulo III.
41
Segundo Chernoviz (op. cit., p. 174-176), “é uma moléstia própria das senhoras, que se
manifesta por ataques, cujo principal caráter consiste em sentir uma bola que parece subir do
útero, produzir no estômago um calor mais ou menos vivo ou um frio intenso, e dirigir-se depois
ao peito e ao pescoço, onde ocasiona uma espécie de estrangulação. Freqüentemente, as
doentes queixam-se de dores de cabeça: o ventre incha momentaneamente, assim como o peito
e o pescoço; as extremidades tornam-se frias, e há palpitações violentas do coração. Quando o
ataque é forte, estes fenômenos são seguidos de convulsões e perda de sentido. As doentes
batem de encontro ao peito, retorcem os braços, e em sua cólera inocente procuram morder
tudo o que encontram. Esta excitação é imediatamente seguida de sossego, cujas alternativas
se sucedem um número de vezes determinado“.
106
(1), a leucorréia42 (1), a metrite aguda (2), o cirro43 na glândula mamária (1) e a
vaginite44 (2).
As doenças de mulheres não eram representativas na estatística médica
do Hospital São José. Para uma breve demonstração, tomemos o mês de Janeiro
de 185045 como base de cálculo, onde foram atendidas 867 pessoas, sendo 258
do sexo feminino. Deste total de mulheres internadas, apenas 35 sofriam de
doenças específicas de mulheres, ou seja, 13,7%. As demais acusavam outras
doenças comuns aos dois sexos. (ANTT - Secção São José, Mapas de enfermos
que entraram, saíram, faleceram e ficaram existindo no Hospital, Maço 04, 1850).
Neste universo das sofredoras das mazelas do seu sexo, ainda há outro
recorte: das 35 mulheres com problemas específicos do seu sexo, 24 procuraram
o hospital para dar à luz, ou seja, 68,6% dos casos foram de partos. Portanto, o
percentual majoritário de atendimentos foi para as doenças comuns aos sexos
masculino e feminino, como as úlceras, bronquites, febres, gastrite aguda, tísica,
pulmonite, sífilis, reumatismo muscular, diarréia e cancros (ibidem).
O parto, campeão dos atendimentos prestados às mulheres ao longo do
ano de 1850, não registrou nenhuma morte em decorrência direta deste. Este
dado provavelmente não se aproxima da realidade, pois a parturiente poderia vir a
falecer alguns dias depois, e a causa era atribuída às febres ou a gangrena,
conforme demonstram as autópsias cadavéricas do cirurgião Mazarém,
exploradas ainda neste capítulo.
Em 1852, sob nova administração e nova regulamentação, com maior
ingerência dos médicos e cirurgiões, o Hospital São José elaborou uma estatística
médica para o ano de 1851 e primeiro trimestre de 1852, e discutiu as principais
causas de mortalidade daquele estabelecimento. As doenças com maior número
42
Também chamada de flores brancas, caracterizado por um fluxo mucoso que corre pelas
genitais femininas, sem distinção de idade e estado civil. Para o século XIX, era uma doença
muito difícil de curar (Chernoviz, op. cit., p. 1154-1155).
43
Tumor duro que se desenvolve nos tecidos do corpo, principalmente nos seios das mulheres ou
nos testículos dos homens. É o primeiro grau do cancro (Chernoviz, op. cit., p. 936).
44
Inflamação na vagina, que se apresentava em três graus: simples, blenorrágica e granulosa
(Chernoviz, op. cit., p. 1144-1145).
45
Optamos apenas pelo mês de Janeiro porque os dados eram lançados mês a mês e, por vezes,
a doente se mantinha vários meses no hospital, e a sua doença era repetida no quadro do mês
seguinte. Assim, como os dados relativos à doença se sobrepõem, preferimos tomar como
exemplo apenas o mês de janeiro, para não corrermos o risco se superestimar determinadas
enfermidades.
107
46
O Cirurgião Miguel Januário Fernandes Branco não concordava com este consenso. Para ele,
não era o temperamento sangüíneo o predominante em Portugal e sim o linfático e bilioso (GML,
01/11/1854, p. 299-300).
47
Em 11 de Novembro de 1844, o Governo decretou que o leprosário – Hospital de São Lázaro –
passasse definitivamente para a Administração do Hospital São José (Leone, 1993).
108
48
A estatística apresenta as “artes liberais” como ocupações onde se empregam as forças
intelectuais, a exemplo dos cirurgiões, empregados públicos, escreventes, estudantes, mestres
de primeiras letras e músicos; e as “artes mecânicas” como aquelas onde os profissionais
utilizam especialmente a força física, a exemplo dos sapateiros, ferreiros, pedreiros, vidraceiros,
tecelões etc. É a clássica divisão entre trabalho intelectual e trabalho braçal.
109
Nos anos 20 do século XIX, a enfermaria Santa Bárbara foi dirigida pelo
cirurgião Joaquim da Rocha Mazarém, autor do Anuário clínico da arte obstetrícia,
começado no princípio de setembro de 1825, e terminado no fim de agosto de
182649. Este português, assim como Manuel Joaquim Henriques de Paiva, teve
uma passagem pelo Brasil, onde foi também professor do nascente ensino
médico no Rio de Janeiro. Ele nasceu em Chaves, formou-se em Cirurgia no
Hospital São José, em Lisboa, no ano de 1806, e veio para o Brasil junto com a
Família Real em 1807. Por ocasião da fundação da Escola de Cirurgia, ele foi
nomeado lente de Anatomia, em 1808, em seguida passou a lecionar a cadeira de
Medicina Operatória e Arte Obstetrícia, e por fim Fisiologia, em 1813, quando a
Escola de Cirurgia do Rio de Janeiro se transformou em Academia Médico-
Cirúrgica. Quando D. João VI regressou a Portugal, em 1821, Mazarém o
acompanhou e, em Lisboa, foi nomeado cirurgião da Armada, cirurgião da Casa
49
Este documento se encontra disponível no Real Gabinete Português de Leitura, no Rio de
Janeiro.
112
Escola Régia de Cirurgia e o Hospital São José. Era neste nosocômio que
ocorriam as lições práticas da cadeira de Operações e Partos, cujo titular era
Mazarém. Vamos verificar este procedimento em 18 de Janeiro de 1826, quando
M. J. entrou em trabalho de parto de uma criança que se apresentava de
nádegas:
50
Paralisia em um dos lados do corpo (Chernoviz, op. cit., p. 118).
51
Grau fraco de bronquite (Chernoviz, op. cit., p. 786).
116
52
Dor que incide em uma das metades da cabeça (Chernoviz, op. cit., p. 118).
53
A morte em Portugal apresentou-se como um ritual organizado por normas, de caráter
simbólico, que contava com a participação dos familiares, vizinhos, religiosos e irmandades até
meados do século XIX. Sobre este assunto, ver Araújo (1997) e Catroga (1998).
54
Período que se segue ao parto.
117
55
Informação acerca do princípio e evolução duma doença até a primeira observação do médico
(Holanda, Dicionário Eletrônico).
118
56
Que dá à luz pela primeira vez.
57
Termo utilizado pelos cirurgiões para designar a placenta.
58
Líquido sanguíneo, serossanguinolento e, finalmente, seroso, de acordo com a data do parto e a
fase do puerpério, que escorre dos órgãos genitais femininos (Chernoviz, op. cit., p. 613-614).
121
59
Região inferior do abdômen (Holanda, Dicionário Eletrônico).
122
60
Penso se tratar da Polygala amara, originária da Europa, cuja raiz era empregada como tônico.
Possuía cheiro aromático e sabor acre e amargo. Havia também a Polygala senega, originária
da América setentrional, empregada nas hidropisias, reumatismo e bronquites (Chernoviz, op.
cit., p. 738).
61
Bebida em forma de infusão, feita com plantas chamadas avencas, fetos ou samambaias que
habitavam o Brasil e Portugal. Usava-se contra a tosse (Chernoviz, op. cit., p. 269-270).
62
Árvore que habitava a Jamaica, a Guiana e o Brasil, nas províncias da Bahia e do Pará. Os
ramos e a raiz eram macerados em água fria ou em vinho e aplicados como remédio tônico
(Chernoviz, op. cit., p. 795).
63
Insetos de cor verde e de cheiro penetrante, existentes na Espanha, Itália e Brasil. Eram
reduzidos a pó e utilizados na preparação de vesicantes para paralisia da bexiga. Algumas
pessoas a usavam como afrodisíaco (Chernoviz, op. cit., p. 474).
64
Medicamento para produzir rubefação, ou seja, provocar a vermelhidão da pele.
123
1
Etimologicamente a palavra obstetrícia, utilizada a partir de 1819, derivou o latim obstetricus cuja
significação está associada à parteira. (Disponível em:
<http://www.etymonline.com/index.php?l=o&p=1>. Acesso em: 7 set. 2005). Na Inglaterra, a
palavra parteira – midwife – e sua semântica provocaram polêmica entre as comadres do parto e
os cirurgiões. Elas argumentavam que, por definição, apenas mulheres poderiam ser parteiras.
Eles não aceitavam esta variável e Edmund Chapman, em 1737, afirmou que o termo midwifery
(parturição) se aplicava à prática daquela arte e não ao gênero de quem a exercia (Dahl, 2001).
Na Espanha, o termo parteiro se tornou comum nas primeiras décadas do século XVIII e
significava, segundo El Diccionario de Autoridades da Academia Espanhola, “cirurgião que
assiste os partos”, enquanto que “ajudar a parir” cabia as parteiras (Vidal e Tomás, 2001).
126
2
Cirurgiões e médicos eram categorias distintas até o século XIX: aos médicos, cabia prescrever o
medicamento para as doenças internas; e aos cirurgiões, curar feridas, deslocações, abrir e
cortar membros do corpo humano. Nos estatutos franceses, o ofício da cirurgia era classificado
no mesmo patamar que o do barbeiro. No século XVIII, os cirurgiões conseguiram se desvincular
dos barbeiros, mas tal fato não agradou aos médicos que se sentiram ameaçados com a
ascensão de um profissional das artes mecânicas, para as artes liberais (Figueiredo, 1999).
3
No século XVIII, o termo “matrona” começou a ser utilizado na Espanha, para denominar as
mulheres instruídas e/ou legalmente reconhecidas para fazer partos, com o objetivo de distingui-
las das demais que, sem qualificação ou sem nome, desempenhavam a mesma atividade cf.
Cabré e Gómez (2001).
4
São muitos os trabalhos focados na história da obstetrícia que vieram a lume nas duas últimas
décadas. Eles estão majoritariamente escritos em inglês, seguidos de espanhol, francês,
italiano, alemão e russo. Sobre a assistência ao parto na América ver Borst (1999), Kobrin
(1966), Starr (1982), Leavitt (1986), McGregor (1998), Wertz (1989) e Litoff (1978). Para o Brasil
Maria Lúcia Mott (2002) que faz um retrospecto dos principais modelos de atendimento ao parto
no País, destacando os Estados do Rio de Janeiro, São Paulo e Bahia. A autora também
organizou uma bibliografia comentada sobre este tema, contendo 76 trabalhos, dentre os quais
encontram-se artigos, dissertações, teses, relatórios e cartilhas, produzidos por pesquisadores
da história, antropologia, enfermagem, medicina, assistência social psicologia e sociologia.
comentada sobre a assistência ao parto no Brasil (1972-2002).
127
5
No sul da Europa foi criado o Protomedicato, uma instituição controlada por médicos que possuía
a prerrogativa da organização legal do sistema sanitário e de fornecer cartas às parteiras (Cabré
e Gómez, 2001). Vale ressaltar que as restrições também foram impostas aos homens que
desempenhavam as funções de cirurgião, barbeiro, sangrador, algebrista e curandeiro. Ainda
sobre o papel do Protomedicato na Espanha ver Teresa Ortiz Gómez em Protomedicato y
matronas. Una relación al servicio de la cirugía (1996).
128
6
Definidos como aqueles em que a criança, “ainda que se apresente na ordem natural, acha
embaraços, que se opõem ao seu nascimento, que o retardam, ou o fazem dificultoso” (Raulin,
1818, p. 5).
129
7
O clero italiano, principalmente nos escalões inferiores, sustentou uma posição diametralmente
oposta ao do clero espanhol e defendeu a hegemonia feminina na assistência ao parto (Filippini,
1993).
130
8
Esta questão é discutida por Brenes (1996).
132
9
O médico português Domingos de Lima Mello afirmou em 1725 que “todas as mulheres de parto
se valem delas [as parteiras] e, só delas se fiam em caso de tanto perigo, e aperto” (Mello, 1826,
p. III).
10
Sobre a legislação referente ao ensino e exercício da obstetrícia no Brasil ver Dilce Rizzo Jorge
(1976).
133
11
RGPL, Cap LXXI – Do Regimento das Parteiras (Fl 248). Este documento traz ainda os
Regimentos dos Boticários, dos Drogueiros, dos Sangradores e das Cristaleiras.
134
12
Doreen Evenden (1993) demonstrou a organização da sociedade feminina londrina do século
XVII, incluindo parteiras e parturientes que se opuseram às novas regras das autoridades
sanitárias e defenderam o sistema tradicional no qual as parteiras trabalhavam.
13
Maximiano Lemos (1991, p. 112) afirma que até o século XVIII não se tem notícia do tipo de
instrução que recebiam as parteiras portuguesas. Lemos, como médico que viveu em fins do
século XIX e início do XX enfatizou a “ignorância” das comadres.
135
14
Para Maximiano Lemos (1991, vol 2) a criação do Protomedicato representou uma involução
para a ciência médica, uma vez que autorizava a prática da cirurgia e da medicina a pessoas
que não tinham adquirido nenhum tipo de formação acadêmica.
136
15
Dentistas, sangradores e parteiras sem formação acadêmica.
16
Ver no capítulo II a diminuição do número de sanguessugas usadas nas enfermarias do Hospital
São José.
17
Segundo Luís de Pina (1943), a profissão de sangrador foi extinta em Portugal em 1870, mas tal
afirmativa suscita dúvidas diante do Decreto de 03 de dezembro de 1868. Tal assunto carece de
maiores investigações que não realizamos pelo limite temporal e temático da nossa pesquisa.
138
18
Margarida Ribeiro (1990) fez pesquisas etnográficas em Portugal, nas localidades de Portalegre,
Ribatejo, Almeirim, Rio Maior, Baixo Barroso, Montalegre, Guimarães, Ponta de Lima, Algarve,
Açores etc. No Brasil ela trabalhou com a comunidade de São Caetano do Sul, em São Paulo e
algumas povoações do interior do Nordeste. Nesta obra ela informa que os livros e os opúsculos
sobre parto começam a aparecer em Portugal em fins do século XVIII (Ribeiro, 1990). Nossa
pesquisa mostra que eles datam do início dos Setecentos e não do final, conforme escreveu
Ribeiro.
19
Sobre a química e a física em Portugal ver José Pereira Salgado (1929). O autor afirma que
antes do século XVIII, mas precisamente na Reforma da Universidade de Coimbra em 1772, a
química não teve cultores em Portugal e as doutrinas alquímicas, iatroquímicas e flogísticas não
dispunham de adeptos nas terras lusitanas (op. cit., p. 5).
20
Segundo Silva Carvalho (1929), o fato destas obras terem sido escritas, inicialmente em latim, e
não em língua pátria constituiu-se numa barreira para a elite portuguesa letrada.
21
Para conhecer esta fase da medicina portuguesa, vide Silva Carvalho (op. cit.).
140
22
Nasceu em 1671, na Catalunha, estudou em Barcelona, Valência e por último em Lérida, onde
se diplomou. Foi para Portugal em 1721 por influência do embaixador português em Espanha,
Diogo de Mendonça Corte-Real. Foi lente de Anatomia no Hospital Real entre 1722 a 1732.
Morreu em 1753 (Lemos, op. cit.).
23
Sumo da uva, antes de terminada a fermentação (Aurélio Buarque de Holanda, Dicionário
Eletrônico).
24
Operação na qual se praticava punção na cabeça, no tórax e no abdômen do feto para diminuir
o seu volume e tornar possível a sua extração (GML, 01/09/1857).
25
Natural de Viana do Castelo, foi médico na Vila de Povos (Lemos, op. cit, p. 114).
26
Trabalhamos com a edição de 1826, na Biblioteca Nacional de Portugal.
27
Percebemos que os médicos e cirurgiões portuguesa adotaram o modelo metodológico de
Baudelocque para escrever os manuais de obstetrícia, conforme discutiremos adiante .
28
Conforme mostramos em capítulo anterior, os estudos de anatomia e cirurgia no Hospital São
José, em Lisboa, podem ser localizados no século XVII. Cf. Carvalho (1929).
141
29
Apenas para exemplificar, a Luz das comadres ou parteiras aconselhava que a mulher com
dificuldade no parto ingerisse leite de cadela, misturado com mel e vinho branco (op. cit., p. 11).
30
Vidal e Tomás (2001) afirmam que a literatura médica e cirúrgica do Iluminismo, ao enfocar a
ignorância das comadres, abriu brechas para a figura do competidor masculino: o cirurgião-
parteiro.
142
31
Candice Dahl (2001) trabalhou com os manuais de obstetrícia do final do século XVII e início do
XVIII e afirma que nos Setecentos a literatura sobre obstetrícia enfatizava a necessidade do
estudo da anatomia e o treinamento para melhor utilização de instrumentos obstétricos, a
exemplo do fórceps. Tal preocupação não consta nos manuais do século XVII, quando bastava o
conhecimento prático obtido através do tempo e da experiência.
32
A obra de Baudelocque (1746-1810) – Princípios acerca da arte obstetrícia – foi publicada em
língua portuguesa no século XVIII, e apresenta uma concepção da arte de partejar e da
formação das parteiras, diametralmente oposta a da Luz das comadres ou parteiras. Os
detalhes desta obra serão discutidos nas páginas que se seguem.
33
Margarida Ribeiro, ao trabalhar com Luz das Comadres ou parteiras, afirma que a leitura da
obra a deixou profundamente magoada: “Interrogamo-nos sobre o estado de ignorância que
tornou admissível, durante um século, - período avaliado pela data das edições da obra -, picar
os delicados pés de um inocente para o obrigar a apresentar-se na melhor posição de nascer”
(1990, p. 84).
143
34
Trata-se da obra Observations sur les causes et les accidens de plusieurs accouchemens
laborieux, avec des remarques sur ce qui a ete propose ou mis en usage pour les terminer: & de
nouveaux moyens pour y parvenir plus aisement.
35
Refere-se a A collection of cases and observations in midwifery de William Smellie.
36
Trata-se de Observations sur la grossesse et l’accouchement des femmes et sur leur maladies,
et celles des enfans nouveau-nés.
37
Refere-se a Elémens de l’art des accouchemens. Augmentée des observations sur les
accouchemens laborieux.
38
Trata-se de Manuel des accouchements à l'usage des sages-femmes.
39
Esta obra foi traduzida para o português e será trabalhada por nós, neste capítulo. Algumas das
obras acima citadas foram trabalhadas por Ana Paula Martins (2004) em Visões do feminino: a
medicina da mulher nos séculos XIX e XX.
144
40
A ausência de estampas neste período foi creditada ao alto preço das gravuras e à dificuldade
em reproduzi-las. O primeiro Atlas de estampas de arte obstetrícia data de 1842 e foi traduzido
do alemão, para o português, pelo dr. F. Kessler e pelo cirurgião Joaquim da Rocha Mazarém
(BN – PT, Busch, 1842).
145
Fonte: AFFONSO, Manoel José e MELLO, José Francisco de. Novo método de partejar,
recopilado dos mais famigerados e sábios autores. Lisboa: Oficina de Miguel Rodrigues, 1772.
146
41
Bridgette Sheridan (2001) nos dá uma visão do quanto à prática e as responsabilidades das
atividades das parteiras francesas foram progressivamente restringidas e reguladas por médicos
e cirurgiões, a partir do século XVII.
42
O argumento de que a natureza dos homens permitia-lhes aprendizados do tipo que as
mulheres não seriam capazes foi tratado por Candice Dahl (2001).
147
43
Gabrielle Falloppio em 1561 foi um dos primeiros anatomistas a dedicar-se ao estudo da
genitália feminina. Ele cunhou o nome vagina; descreveu o clitóris; os tubos do ovário, as
chamadas trompas de falópio. Só dois séculos foi reconhecido que os óvulos eram formados nos
ovários, descendo por aquele canal, para o útero. Regnier de Graaf descreveu em 1670 o
sistema reprodutivo feminino (Porter, 1996).
44
É um instrumento semelhante ao fórceps, um pouco mais extenso e largo, com o cabo situado
em uma linha reta (Denman, 1793, p. 21).
45
Thomas Denman (1733-1815), nascido em Derbyshire, Inglaterra, estudou Medicina no St
George’s Hospital (Londres). A partir de 1753, assistiu às aulas sobre parturição dadas pelo dr.
Smellie. Graduou-se em 1764, após passar um período (1757-1763) na Marinha. Foi médico-
parteiro no Middlesex Hospital (1769-1783), e licenciou-se em parturição pelo College of
Physicians em 1783. Contribuiu para tornar comum, na Inglaterra, a prática de induzir o parto
prematuro, nos casos de pélvis estreita (Fonte: King’s College London Archives Services.
Disponível em: <www.kcl.ac.uk/iss/archives/collect/10de55-1.html>. Acesso em: 29 jul. 2005.
148
que reafirmou a carência de livros nacionais sobre aquele “ramo da arte”46. Como
esta obra era destinada à formação de cirurgiões, trazia informações sobre
anatomia, partos naturais e laboriosos, aplicação de instrumentos cirúrgicos,
dentre outros tópicos, utilizando uma linguagem mais técnica e elaborada, com
riqueza de detalhes. Denman fecha a obra com extensos relatos de casos que ele
vivenciou como médico-parteiro.
Os manuais de obstetrícia do século XVIII, a exemplo do Novo método de
partejar, recopilado dos mais famigerados e sábios autores, permitem uma
rediscussão sobre a medicina portuguesa, diferente do caminho percorrido por
Mary Del Priore, que afirmou “estar a medicina portuguesa naufragando no
obscurantismo e levando a colônia [Brasil] junto" (Priore, 1997, p. 80).
46
Observando a produção científica de Thomaz Denman, percebemos que o cirurgião português
Manoel Álvares da Costa Barreto acabou por fazer uma compilação de várias obras do médico
inglês. São elas: Essays on the Puerperal Fever, and on puerperal convulsions (J Walter,
London, 1768); A Letter to dr. Richard Huck, on the construction and method of using vapor
baths (London, 1768]; Aphorisms, respecting the distinction and management of preternatural
presentations (London, c 1780]; Directions for the application of the forceps (London, c 1780); An
Essay on Uterine Hemorrhages depending on Pregnancy and Parturition (J Johnson, London,
1785); An Essay on Difficult Labours (J. Johnson, London, 1787-1791); An Essay on Natural
Labours (J Johnson, London,1786); An Essay on Preternatural Labours (J. Johnson, London,
1786); A Collection of Engravings, tending to illustrate the generation and parturition of animals,
and of the human species (J Johnson, London, 1787); An Introduction to the Practice of
Midwifery (J Johnson, London, 1794, 95); Observations on the Cure of Cancer (J Johnson,
London, 1810).
149
das províncias (1772)47 do médico francês Joseph Raulin (1708-1784), cujo título
original era Instructions succintes sur les accouchements en faveur des sages-
femmes de province (1769).
Como sugere o próprio título, esta obra tinha como público alvo as parteiras
do interior da França, e a instrução era tida como eixo fundamental para o ofício
destas profissionais. Mas, antes de instruí-las, a partir dos princípios e conselhos
da ciência, era preciso reforçar a moral com virtudes adequadas ao bom
comportamento feminino: “as parteiras devem ser decentes, modestas, de bons
costumes, capazes de guardarem segredo, desinteressadas, regulares no seu
modo de viver, e livres de toda a suspeita” (Raulin, 1818, p. 6).
E, para que elas desempenhassem bem a sua função, ou seja,
acompanhar o parto, definido como ação pela qual a criança sai do ventre da mãe
(ibidem, p. 3-4), era preciso seguir algumas instruções elementares:
47
Quanto ao tradutor português, sabemos apenas das suas iniciais: M. R. D. A. Trabalhamos na
Biblioteca Nacional de Lisboa com a obra publicada em 1818, mas existem edições datadas de
1772. No mesmo ano, este livro também foi traduzido na Espanha, em Zaragoza, por Antonio C.
García Martinez e Manuel J. García Martinez, com o título de «Instrucciones succintas sobre los
partos, para la utilidad de las Comadres».
48
Refere-se às bebidas alcoólicas.
150
49
O batismo efetuado por parteiras, chamado batismo de emergência, foi um tema recorrente em
várias nações européias. Wiesner (1993) estudou este assunto em cidades católicas e
protestantes da Alemanha, e demonstrou a preocupação das autoridades alemãs, ao longo da
Era Moderna, resultante das mudanças na doutrina do batismo, nas regiões protestantes;
Fillippini (1993) interpretou este ritual como uma forma de reforçar a aliança entre párocos e
parteiras na Itália, além de proporcionar uma valiosa oportunidade para o sacerdote obter
informações sobre as atividades da comunidade e manter algum controle, embora indireto, sobre
a sexualidade de suas paroquianas, as práticas abortivas, os nascimentos ilegítimos, a gravidez
das mulheres solteiras, etc.; Vidal e Tomás (2001) ponderaram que, por trás das diretrizes
tridentinas, o sacramento do batismo se converteu em um dos baluartes da Igreja e a grande
mortalidade de crianças nos primeiros dias de vida justificava a administração do batismo pela
parteira.
50
Sobre a história da Igreja em Portugal ver Fortunato Almeida (1967).
151
51
Em 1781, Baudelocque publicou L’art des accouchemens. Esta obra circulou também em
Portugal e encontramos na Biblioteca Nacional de Lisboa um exemplar, datado de 1796, em sua
3a edição. Encontramos um exemplar do mesmo livro no Memorial de Medicina Brasileiro, da
a
Faculdade de Medicina da Bahia, datada de 1807, em sua 4 edição.
52 a
Trabalhamos na Biblioteca Nacional de Lisboa com a 4 edição, datada de 1824.
53
Encontramos na Biblioteca Nacional de Lisboa duas publicações dos Principes sur l'art des
accouchemens par demandes et réponses en faveur des élèves sages-femmes, uma datada de
1787 e outra de 1912.
152
Fonte: RAULIN, Joseph. Breves instruções sobre os partos a favor das parteiras das
províncias. Trad. M. R. D. A. Lisboa: Impressão Régia, 1818.
153
Fonte: RAULIN, Joseph. Breves instruções sobre os partos a favor das parteiras das
províncias. Trad. M. R. D. A. Lisboa: Impressão Régia, 1818.
Fonte: RAULIN, Joseph. Breves instruções sobre os partos a favor das parteiras das
províncias. Trad. M. R. D. A. Lisboa: Impressão Régia, 1818.
154
54
Sobre a instrução pública em Portugal ver o trabalho de Luís Reis Torgal (1998).
155
Fonte: BUSCH, D. W. H. Atlas de estampas da arte obstetrícia. Traduzida do alemão pelo dr. F.
Kessler e J. da R. Mazarém. Lisboa: Imprensa Nacional, 1842.
156
55
Sobre os pudores dos médicos em examinar as mulheres e destas em mostrar seu corpo, vide
Jean-Claude Bologne (1986).
56
A transformação do corpo feminino em objeto de conhecimento dos médicos obstetras e
ginecologistas na segunda metade do século XIX e início do XX encontra-se na obra de Ana
Paula Vosne Martins (2004).
57
Segundo Piñero (1985), a projeção da Alemanha no cenário das ciências médicas resultou de
um contexto que agregou as atividades docentes, a clínica e a investigação em laboratório. A
integração do hospital, da sala de autópsias e do laboratório em mãos de profissionais da
universidade permitiu o florescimento das contribuições criadoras e sua imediata aplicação à
clínica e ao ensino.
58
Sobre o uso da iconografia nos manuais de obstetrícia e ginecologia ver Harold Speert (2004).
157
Fonte: BUSCH, D. W. H. Atlas de Estampas da Arte Obstetrícia. Traduzida do alemão pelo dr. F.
Kessler e J. da R. Mazarém. Lisboa: Imprensa Nacional, 1842.
158
59
Era provavelmente natural de Tomar, e Cavaleiro da Ordem de Cristo. Na altura em que o livro
foi lançado ele era Cirurgião do Hospital Real da Marinha, examinador em todo o ramo da
Cirurgia, delegado do Cirurgião Mor das Armadas na Cidade de Lisboa. Faleceu pelo ano de
1850, com mais de oitenta anos.
60
Evenden (1993, p. 20) afirma que os cirurgiões ingleses do século XVII e suas esposas,
estiveram atentos para a negligência do parteiro. Assim, as mulheres daqueles asseguraram que
suas próprias crianças viessem ao mundo pelas mãos de uma experiente parteira.
159
Tal definição não é exibida em outros manuais por nós analisados e que
tratam pormenorizadamente a descrição dos órgãos sexuais femininos, a exemplo
da obra de Baudelocque. Todavia, a interpretação de Jacinto da Costa não foi
excludente da percepção dos seus contemporâneos. A anatomia havia superado
a representação galênica61, preservada na Renascença, que vigorou até o século
XVIII, cuja representação dos órgãos femininos era uma versão dos órgãos
61
Para Galeno, a mulher possuía os mesmos órgãos que os homens, porém invertidos. Os
desdobramentos desta crença, que permaneceu na sociedade ocidental até o século XVIII, na
formulação conceitual de sexo e gênero são discutidos por Thomas Laquer (2001).
160
masculinos, mas o mesmo não aconteceu com o clitóris62. Ele atravessou séculos
sendo visto como um similar do pênis. No século XVII, o parteiro François
Mauriceau (1637-1709) descreveu o clitóris como um órgão que funcionava como
um pênis; em 1813 o Dictionnaire des Sciences Médicales definiu o clitóris como
um pênis em forma e estrutura que ao ser tocado proporcionava prazer; em 1884
Georg Ludwig Kobelt estudou pormenorizadamente este órgão, dissertando sobre
sua estrutura e função, mas manteve a proposição de que ele era um homólogo
exato do órgão masculino (apud Laquer, 2001, p. 282-284).
A menstruação foi definida como um fenômeno fisiológico, associada à
irritabilidade do útero, que ocorria periodicamente durante toda a idade madura da
mulher. Costa afastava qualquer relação entre sangue menstrual e influência
lunar, excluindo assim as explicações metafísicas e místicas e isentando a mulher
da condição de “impura” e “suja”. Ele diz textualmente que “a qualidade deste
sangue é a mesma que a de todo o mais, e não se deve julgar corrompido, sendo
a mulher sã e limpa” (Costa, 1810, p. 20).
62
O clitóris foi descoberto em 1559 pelo italiano Mateo Realdo Colombo e, desde já, relacionado
ao orgasmo (Porter, op. cit.).
161
finalizavam este ciclo entre os quarenta e nove e cinqüenta e dois anos (ibidem,
p. 20).
A obra de Jacinto da Costa não foi a primeira a inserir a menstruação no
rol dos fenômenos fisiológicos. Na realidade, Costa praticamente repetiu o que
está escrito na obra de José Jacob Plenk – Instituições de Cirurgia teórica e
prática que compreendem a fisiologia, e a patologia geral e particular63 – traduzido
para o português e publicado pela primeira vez em 1786 por Manoel Joaquim
Henriques de Paiva64.
Assim, a tese de que a medicina endossou o poder enlouquecedor do
sangue menstrual nos Setecentos, bastante difundida nos trabalhos de Mary Del
Priore (1993; 1997) merece uma ressalva. Não estamos questionando o
significado da menstruação na mentalidade da sociedade luso-brasileira no século
XVIII. Certamente que, nos idos colonial, e até no século XIX, a população
preservou a concepção da menstruação como impureza, castigo etc, como
demonstra Priore. Nossa discordância reside na interpretação que a autora faz da
medicina acadêmica enquanto matriz ideológica mantenedora e corroboradora do
pensamento mágico e fantasioso sobre o corpo feminino, em especial sobre
menstruação, gravidez, útero e parto. Para a autora, a medicina “evoluía contra o
que considerava arcaísmos” mas sem conseguir desfazê-los e assim, a “ciência
médica ratificava o pensamento mágico sobre os corpos das mulheres” como um
espaço de disputas entre Deus e o Diabo (Priore, 1997, p. 113)65.
Nossa pesquisa revela que o saber médico construído em Portugal, a partir
de meados dos Setecentos e início dos Oitocentos, em muito se afasta das
concepções fantasiosas sobre o corpo feminino, em especial sobre o “sangue
secreto” da menstruação.
63
Vide páginas 86-87.
64
Vide quadro com a produção científica de Henriques de Paiva no capítulo I.
65
Salientamos que Mary Del Priore não foi a primeira, nem a única, que afirmou estar a medicina
luso-brasileira contaminada pela concepção mágico-religiosa quando o assunto era o corpo
feminino. Martins (2004), ao tratar da constituição da ginecologia e da obstetrícia em fins do
século XIX e início do XX, “comprou” o argumento de Margarida Ribeiro (op. cit.), ao afirmar que
“boa parte dos livros de obstetrícia portugueses produzidos antes do século XIX são exemplos
da sobreposição de conhecimentos eruditos do sistema hipocrático-galênico, dos primeiros
tratados de partos do século XVI, da astrologia, de fórmulas mágicas e de receitas populares. A
interação entre erudição, magia e cultura popular permaneceu mesmo no século XIX com a
publicação de Luz das comadres ou parteiras, de 1826(...) “ (Martins, 2004, p. 213).
162
66
Ele afirma que os seus conhecimentos foram adquiridos com os cirurgiões José Pereira de Mota
e Antonio Patrício de Couto e que, parte da sua obra, é baseada em autores clássicos que
tratam do tema obstetrícia.
163
67
Disponível em:
<http://www.scienceandsociety.co.uk/results.asp?image=10284323&wwwflag=&imagepos=1>.
Acesso em 29 jul. 2005.
68
Margarida Ribeiro (op.cit.) apresenta uma rica iconografia de objetos relacionados ao
nascimento: cadeiras de parteiras, banco parideiro, leitos, berços, tira-leite, dentre outros.
69
Quando os seios das mulheres apresentam vermelhidão, dores, calor e inchação. Deveriam ser
tratados com cataplasma quente, sangrias com bichas, corte com o bisturi para sair a “matéria”
(Costa, 1810, p. 97).
70
Definido por Costa (Idem, ibidem, p. 98) como um “tumor de sangue arterial pela dilatação ou
rotura das túnicas das artérias. Cura-se com sangrias, dieta e sossego do corpo e da alma”.
71
Era resultante do parto e poderia ser remediado com ligadura (Idem, ibidem, p. 98).
72
Para o cirurgião, as inchações das pernas curavam-se com compressas de ataduras circulares
(Idem, ibidem, p. 98).
165
73
As hérnias eram curadas pela compressão dos dedos ou pela incisão sobre a pele (Idem,
ibidem, p. 99).
74
O prolapso do ânus se curava com remédios tônicos, banhos, compressas com chumaços
embebidos em cozimentos adstringentes. Para o prolapso do útero o tratamento era à base de
sangrias, cataplasmas emolientes, banhos sedativos e manipulação do útero com as mãos para
recolocá-lo no lugar (Idem, Ibidem, p. 99- 100).
166
75
Disponível em:
<http://www.scienceandsociety.co.uk/results.asp?image=10439364&wwwflag=&imagepos=7>.
Acesso em: 29 jul. 2005.
167
O cirurgião parteiro para ser perfeito, deve ser bem feito de corpo, e
forçoso, braços delgados, mãos estreitas, dedos compridos, e
flexíveis, e dotados de grande sensibilidade.
Deve ser alegre e ter presença de espírito; bom católico Romano; de
bons costumes; não descobrir as faltas do seu próximo, e portar-se
com toda prudência.
Deve ter um perfeito conhecimento físico, e anatômico das partes
genitais da mulher, assim das duras, como das moles, e tanto
internas, como externas.
Deve saber o uso particular de cada uma daquelas partes, e qual
sofre mais na prenhez, no parto e depois dele.
Deve saber todas as leis mecânicas da prenhez e do parto, da
mesma sorte os vícios ou defeitos particulares, tanto da parte da
mãe, como da parte do filho, que possam embaraçar ou retardar o
parto, e torná-lo laborioso.
Deve ter todos os conhecimentos necessários para remediar todos
os partos laboriosos ou difíceis qualquer que seja a sua causa; os
sintomas, que lhes pode sobrevir, e os meios de os aniquilar ou
prevenir. (...)
Deve ter inteiro conhecimento da organização particular do corpo do
feto, a fim de saber, quando visitar a parturiente nos momentos do
parto, qual é a parte que ele apresenta.
Deve saber qual é a posição que há de dar a parturiente, para que o
parto se realize com mais facilidade.
Deve saber quais são os casos, e os momentos em que há de
batizar a criança, temendo, se o parto for laborioso ou difícil, que ela
morrerá sem aquele santo Sacramento.
Todos esses conhecimentos devem ser fundados sobre os
conhecimentos anatômicos e físicos, particularmente das dimensões
da bacia, explicados, e ensinados a praticar nas Aulas, e à cabeceira
da parturiente; sendo além disto indispensável a lição dos diferentes
Autores, que tratarão desta tão preciosa parte da Ciência Cirúrgica.
(...)
Deve tratar a parturiente com toda a honestidade, não lhe descobrir
parte alguma do seu corpo, sem urgente necessidade; ocultar-lhe os
76
Jacinto da Costa também foi autor do livro Elementos gerais de cirurgia medica, clinica e legal :
obra muito útil, especialmente para a mocidade que se quiser entregar ao estudo da cirurgia
(1813), existente na Biblioteca Nacional de Lisboa.
77
Sobre o perfil destas parturientes ver o capítulo II.
168
78
Esta obra foi explorada por nós no capítulo II.
79
A primeira edição desta obra data de 1833. A segunda edição, datada de 1843, foi adotada na
escola Médico-Cirúrgica de Lisboa, onde o autor foi Lente de Partos e ministrou o curso para
médicos e parteiras.
80
Durante nossa permanência em Lisboa não tivemos acesso a algumas obras de Mazarém que
estavam em processo de restauração.
169
Fonte: MAZARÉM, Joaquim da Rocha. Quadros sinópticos das moléstias das mulheres de parto e
dos recém-nascidos. Lisboa : Tipografia de J. M. R. e Castro, 1839.
170
81
Mazarém não diz que idade é essa.
82
Técnica usada no Hospital da Caridade de Lyon, em França.
171
83
O incêndio da Biblioteca da Faculdade de Medicina da Bahia em 1905, destruindo as obras
existentes desde 1808 e a indisponibilidade de acesso ao acervo atual não nos permitiu checar
esta informação.
4 O HOSPITAL SÃO CRISTÓVÃO: ENTRE A CARIDADE E A
MEDICALIZAÇÃO
1
Estas informações podem ser encontradas em Alberto Silva (1963).
2
Estamos nos referindo aos relatórios apresentados pelos Provedores à Junta da Irmandade por
ocasião da posse, que costumava ocorrer em julho de cada ano; aos Livros de Ata da Mesa; aos
Livros de Termo da Junta; à Correspondência da Provedoria, dentre outros documentos
existentes no Arquivo da Santa Casa da Misericórdia da Bahia.
174
que a nosografia não era padronizada. Além disto, nem todos os livros de
assentos de pacientes que selecionamos trazem o registro regular da doença.
Para não incorrer em anacronismos, interpretamos as enfermidades e suas
terapêuticas a partir do Dicionário de Medicina Popular do dr. Pedro Luiz
Napoleão Chernoviz, uma obra do século XIX. Destacamos também O Athenêo,
periódico médico baiano da primeira metade do século XIX que, ao tratar das
doenças mais comuns em Salvador, nos permitiu vislumbrar quais as ferramentas
intelectuais eram utilizadas pela medicina para caracterizar a “ausência da
saúde”.
3
Sobre o funcionamento do Hospital da Santa Casa da Misericórdia do Rio de Janeiro, ver Tânia
Salgado (2003). Há também o trabalho de Mary Karasch (2000) que, ao estudar a vida dos
escravos, utilizou os documentos da Santa Casa da Misericórdia do Rio de Janeiro para traçar o
quadro das doenças que mais os matavam, entre os anos de 1833-1849.
4
Entre 1949-1953, Carlos Ott, na época pesquisador de DPHAN (Diretoria do Patrimônio Histórico
e Artístico Nacional), trabalhou nos arquivos da Misericórdia baiana e, em 1960, publicou A
Santa Casa da Misericórdia da Cidade do Salvador, um estudo monográfico que trata da
fundação da Irmandade, da construção do edifício sede e do patrimônio artístico. Em que pese o
objetivo de Ott, de estudar o patrimônio arquitetônico e artístico daquela confraria, ele acabou
por arrolar fontes primárias que permitiram reconstituir a história da fundação do Hospital São
Cristóvão no século XVI e algumas intervenções no edifício, adequando-o às demandas da
cidade do Salvador nos séculos XVII e XVIII. O seu olhar se manteve sobre o espaço físico
organizado por meio do agenciamento urbano e da edificação, sem mergulhar nas atividades ali
desenvolvidas, ou seja, nas práticas curativas dos médicos, enfermeiras, sangradores, boticários
e outros. O trabalho de Paulo Segundo da Costa (2000), com o título Hospital de Caridade da
Santa Casa de Misericórdia da Bahia (São Cristóvão e Santa Izabel), foi publicado por ocasião
da comemoração dos 450 anos da Irmandade baiana. O autor, sem pretensão de fazer um
trabalho historiográfico, descreveu a inserção da Misericórdia da Bahia como fundadora e
mantenedora de serviços de assistência à saúde da população baiana, como o Hospital São
Cristóvão, o Hospital Santa Izabel, a Maternidade Climério de Oliveira, a Escola de Enfermagem,
dentre outros.
176
5
Trabalhamos com a edição de 1981.
177
6
O Compromisso de 1618 estendeu-se a todas as Misericórdias do Reino que não possuíam
regras especiais.
180
7
Iniciado em 06 de março de 1693 pelo Frei Alípio da Purificação, Comissário Geral dos
Agostinianos (APEB, maço 5276).
8
Em 1833, a Mesa do Hospital da Santa Casa da Misericórdia de Nazaré (Recôncavo sul da
Bahia) encaminhou para o Hospital São Cristóvão dois doentes de moléstias crônicas, alegando
não ter meios para tratá-los (SCMBA, Correspondências do Provedoria, 1833). A transferência
de doentes do interior da Província para a capital demonstra que o Hospital São Cristóvão era
um centro catalisador de tratamento de enfermos.
181
9
Este prédio localiza-se na Rua da Misericórdia, no. 6 e, atualmente, encontra-se em restauração.
10
Honorato José de Barros Paim (26/06/1831 a 04/06/1832). Ver Tavares (2001).
182
Hospital São Cristóvão, com capacidade para cerca de 300 doentes (APEB,
Pacífico Pereira, 1892, maço 5286).
As enfermarias eram divididas entre medicina e cirurgia, refletindo assim a
clássica divisão das ciências médicas, e também por sexo. Em 1840 havia um
total de 10 enfermarias, sete destinadas aos homens e três para as mulheres.
11
Formou-se em medicina pela Universidade de Coimbra. Na escola da Bahia foi professor de
Química Médica, Princípios Elementares de Mineralogia e Clínica Interna (Oliveira, 1992).
184
12
Inflamação do olho ou das pálpebras, também chamada de conjuntivite (Chernoviz, 1878, p.
508).
13
Pagamento trimestral.
185
14
Vide o capítulo II, que trata do corpo de enfermagem do Hospital São José. Ver também Tânia
Salgado (op. cit.).
186
15
Nasceu em Camitá (PA), foi educado pelo tio materno, o padre Romualdo de Souza Coelho.
Iniciou sua educação religiosa aos oito anos no Seminário Episcopal de Santa Maria de Belém e
concluiu no convento de Santo Antonio de Belém. A seguir, foi para Lisboa, onde completou sua
formação com os oratorianos do Real Hospício das Necessidades. De volta ao Brasil em 1805,
foi ordenado padre dez anos depois e deslanchou rapidamente na carreira eclesiástica. Em
1827, foi nomeado arcebispo da Bahia e tornou-se um grande reformador da Igreja, sendo muito
respeitado pelas elites conservadoras e pelo governo. Envolveu-se na vida política, onde foi
deputado nas Cortes de Lisboa, deputado a Assembléia Geral pelo Pará (1826-1829) e a
Assembléia da Bahia (1835-1841) (Silva e Azzi, 1981). Foi diversas vezes provedor da Santa
Casa da Misericórdia da Bahia.
16
Ultramontanismo: sistema dos que defendem a autoridade absoluta do Papa em matéria de fé e
disciplina (Holanda, Dicionário Eletrônico)
17
Sobre a atuação de D. Romualdo Antonio de Seixas como reformador da Igreja Católica ver
Mattoso (1992), Silva e Azzi (1981).
18
No Arquivo da Santa Casa da Misericórdia da Bahia há uma vasta documentação envolvendo a
vinda das irmãs vicentinas.
187
19
Segundo Russel-Wood (op. cit.), uma quarta correspondia a 9,07 litros.
189
20
Massa de farinha de trigo em fios delgados, usada em sopas ou preparada com ovos, leite e
açúcar (Holanda, Dicionário Eletrônico).
21
O documento não revela o tempo de consumos dos produtos, se semanal, mensal, semestral ou
anual.
22
Segundo Russel-Wood (1981), os pesos e medidas usados em Lisboa eram bem diferentes dos
usados no Brasil. Mesmo aqui, as medidas de capacidade variavam de região para região.
Acreditamos que as medidas utilizadas no século XVIII, interpretadas pelo autor, continuavam
valendo para a primeira metade do XIX. Então, uma canada variava de 1,375 litros para 2,66 ou
4,180 litros; uma arroba correspondia a 14,745 quilos; uma onça equivalia a 28,800 gramas;
uma oitava correspondia a 3,600 gramas; um alqueire valia 36,27 litros; uma quarta
correspondia a 9,07 litros; uma libra era 0,46080 quilo; um quartilho equivalia a 0,6655 litro. A
partir destas medidas, convertemos as quantidades de alimento para as medidas atuais, para
facilitar a compreensão.
190
legumes e as frutas. Além disto, a quantidade servida era insuficiente para manter
de pé um homem são, quanto mais para levantar um enfermo! Assim, não é de
espantar que os indivíduos situados na linha de pobreza, que já não dispunham
de condições materiais no seu cotidiano, sucumbissem no espaço hospitalar.
O São Cristóvão complementava a sua despensa com alguns produtos
surpreendidos no mercado ilegal, a exemplo de sacas de açúcar que depois da
apreensão pela polícia eram destinados ao hospital (SCMBA, Correspondência da
Provedoria, 26/02/1855; 01/05/1855). Tais benefícios se davam pela relação de
proximidade entre a Santa Casa e a Presidência da Província, uma vez que
alguns dos provedores e irmãos superiores também ocupavam cargos públicos.
O hospital não possuía botica própria e o fornecimento de medicamentos
se constituía em um problema no que diz respeito aos custos e a qualidade das
drogas. Os médicos se queixavam e a Mesa discutiu a questão em janeiro de
1836, e em agosto decidiu que o abastecimento de remédios para o São
Cristóvão e o Recolhimento deveria ser “posto em haste pública para ser
fornecido por quem menos fizesse de baixo; das bases que a Mesa apresentasse”
(SCMBA, Livro de Ata da Mesa, 14/09/1836, f. 19 – verso).
Ainda assim, a insatisfação continuava, a julgar pela rotatividade dos
contratos assinados entre a Santa Casa e os boticários da praça da Bahia. Em
outubro, a irmandade decidiu suspender o acordo com o boticário Custódio Bento
Monteiro e firmar um outro com Jerônimo José Barata, pagando a quantia de 5
contos e 500 mil réis por ano (ibidem, 13/10/1836, f. 22 – frente).
Com o passar dos anos, a Mesa tornou-se mais exigente e passou a incluir
cláusulas contratuais no intuito de garantir melhores serviços. Em 12 de
Novembro de 1844, o boticário André Aducci comprometeu-se a fornecer
remédios ao Recolhimento, à Roda dos Expostos e ao Hospital, atendendo às
seguintes condições:
23
Apesar das buscas não conseguimos localizar este documento.
192
4.4.1 Os europeus
24
Freguesia significa o conjunto de paroquianos, uma povoação sob o ponto de vista eclesiástico.
Mas, no estudo da autora, freguesia significa “um espaço material limitado, divisão administrativa
e religiosa da cidade, onde estavam localizados os habitantes, ligados á sua igreja matriz”
(Nascimento, 1986, p. 29).
25
Anna Amélia Nascimento trabalhou com a população residente nas freguesias da cidade de
Salvador e utilizou como fontes primárias o Recenseamento de 1855, as listas de qualificação
eleitoral, os livros de títulos de residência de estrangeiros, os mapas de doentes atacados pela
cólera das freguesias da Penha e de Santo Antônio Alem do Carmo, os registros de testamentos
com pagamento do imposto de sucessão, a série transcrição de imóveis e inventários post-
mortem.
195
26
As freguesias que se encontram em branco não constam no recenseamento de 1855.
196
27
Este valor foi calculado aplicando-se o percentual de homens (88,3%) ao percentual de
portugueses e portuguesas (58,5%).
197
28
Sertão refere-se a toda a extensão territorial além das fronteiras do Recôncavo Baiano. Assim,
mesmo as regiões que não são geograficamente caracterizadas como sertão, assim foram
denominadas ao longo da história do Brasil (Andrade, 1992).
198
Fonte: SCMBA – Livros de Assentos de Pessoas que entraram no Hospital São Cristóvão
(1823-1851).
4.4.2 Os marítimos
29
PT = Portugal e SSA = Salvador.
199
Fonte: SCMBA – Livros de Assentos de Pessoas que entraram no Hospital São Cristóvão
(1823-1851).
30
Segundo Antonio Carlos Nogueira Brito (2003, disponível em:
<www.medicina.ufba.br/historiamed/histmedart14.htm>. Acesso em 12 set. 2005. ) o Hospital da
Marinha funcionava desde 1832 nas instalações do Arsenal da Marinha da Bahia. Antes disso
funcionou no Velho Celeiro Público.
31
Sobre a falta de recursos deste Hospital, ver o relato de D. Pedro II, quando visitou o Arsenal da
Marinha em sua viagem pela Bahia em 1859.
200
32
Nos anos anteriores a informação das profissões dos enfermos não estava disponível.
201
Hospital São Cristóvão era formada por mestiças, oriundas de Salvador e da sua
circunvizinhança.
O número de européias foi muito reduzido, sobretudo se comparado ao de
europeus. De modo geral, elas não possuíam atividade de ganho, mas as poucas
que a declararam realizavam ocupações reservadas às mulheres pobres:
lavadeira, costureira e mendiga.
As portuguesas lideraram o percentual de estrangeiras. Elas vieram dos
Açores (Ilha de Santa Catarina e Ilha Graciosa), de Lisboa e do Porto, e
provavelmente acompanharam os maridos, ou tentavam melhores condições de
vida, principalmente as originárias dos Açores.
Chamam atenção, sobretudo, as irlandesas, responsáveis por boa parte da
cifra de européias. Esta onda migratória pode estar relacionada à grande fome
que ocorreu na Irlanda, na primeira metade do século XIX, ceifando cerca de
750.000 mil vidas e provocando a diáspora de milhões de pessoas. As
espanholas estão em menor número que as portuguesas e as irlandesas e
também não possuíam ocupações de ganho, com exceção de uma lavadeira.
De modo geral a presença destas mulheres reflete a intensificação da
política migratória adotada no Brasil após 1808, com a vinda da Corte para o Rio
de Janeiro, da abertura dos portos e ampliação do comércio.
As mulheres que buscaram tratamento nas enfermarias do Hospital São
Cristóvão eram predominantemente oriundas de Salvador e arredores, solteiras,
mestiças e sem uma ocupação que lhes rendesse algum provento. Este perfil
caracteriza um grupo muito próximo da linha de pobreza, ou, abaixo dela, que
buscou na beneficência um meio de sobrevivência 33.
33
Sobre a relação entre pobreza e caridade em Portugal ver Laurinda Abreu (1999) e para a
Espanha ver a obra de Mariano Esteban de Vega (1991).
202
século XVIII. Esta redução não pode ser atribuída somente ao “fluxo e refluxo”34
do tráfico escravista, o qual “descarregava” uma média de 6.000 a 7.000 africanos
por ano na Bahia, sendo difícil precisar quantos ficavam em Salvador e quantos
eram os “escravos de passagem” (Mattoso, 1992).
Entre 1823 e 1829, as importações de africanos caíram sensivelmente por
conta das lutas de independência, dos tumultos sociais e da desorganização do
comércio. No entanto, entre 1831 e 1851, período de proibição inglesa, mas de
consentimento brasileiro, ocorreu um aumento significativo da importação de
escravos (Mattoso, op. cit.). Assim, é um falso problema atribuir a redução do
número de enfermos escravos à proibição do tráfico.
34
Tomei emprestada a expressão utilizada por Pierre Verger em Fluxo e Refluxo do Tráfico de
Escravos entre ao Golfo de Bénin e a Bahia de Todos os Santos dos séculos XVII a XIX (1987).
204
35
Sobre a inserção dos negros, escravos e libertos, no comércio de ganho em grandes cidades
como Salvador e Rio de Janeiro, ver os trabalhos de Maria Inês Côrtes Oliveira (1988), Kátia de
Queirós Mattoso (1982; 1979) e Mary Karasch (2000).
36
Salvaguardamos a denominação que está nos documentos.
205
Salvador recorria aos curandeiros africanos, mas é uma hipótese que também
precisa ser averiguada. O que está posto é que o Hospital São Cristóvão foi um
espaço freqüentado por muitos brancos europeus, pela população mestiça de
Salvador e por um reduzido número de escravos.
Além dos escravos, havia registro de duas outras condições jurídicas:
forros e indígenas. Estes últimos pouco freqüentaram o Hospital São Cristóvão,
vinham do sul da Bahia e estavam integrados às embarcações mercantis. Os
forros representaram uma parcela significativa da população de cor, superando o
número de escravos nos anos de 1823, 1830, 1835 e 1840.
Curiosamente, entre os anos de 1848 a 1851, não houve nenhum registro
de forros, nos livros de assento de pacientes do Hospital São Cristóvão. Isto não
quer dizer que eles não existissem na cidade de Salvador; apenas deixaram de
ser registrados como tal na Santa Casa. É possível que tenham sido incorporados
à categoria dos homens livres.
Os estudos de Anna Amélia (1986) sobre as dez freguesias da cidade do
Salvador mostram que, em 1848, os libertos correspondiam a 4,6% da população,
avaliada em 54.625 habitantes. Destes 2.508 libertos, 993 eram homens e 1515,
mulheres. Apesar de terem conseguido a carta de alforria, estes homens e
mulheres sofriam várias restrições e eram olhados com desconfiança por outras
camadas da população, que os associava à idéia de insubordinação e revolta.
Os libertos tinham que pagar impostos à municipalidade para exercer
qualquer ofício. Eles eram obrigados a pagar uma taxa anual de 10.000 réis, sob
pena de, em caso de inadimplência, serem obrigados a se retirarem do Brasil.
Ficariam isentos do tributo aqueles que denunciassem qualquer conspiração ou
insubordinação de outros libertos ou escravos, ou que trabalhassem em fábricas
de açúcar ou algodão. Não era permitido aos forros que alugassem casas, e
necessitavam de uma autorização especial do juiz de paz para fixarem residência.
(Nascimento, op. cit.).
206
37
Anna Amélia Nascimento (1986) afirma que o mendigo na Bahia de meados do século XIX
possuía uma morada, ou seja, havia um teto sobre sua cabeça.
38
Chamamos a atenção para o fato de que as fontes selecionadas para esta pesquisa só
informam a ocupação do doente a partir de 1848.
207
39
Sobre as atividades de ganho das mulheres das classes populares em Salvador, ver Ferreira
Filho (1994).
209
40
Chegamos a esta conclusão ao cruzarmos os dados ocupacionais registrados na documentação
da Santa Casa com o estudo demográfico das freguesias baianas realizado por Anna Amélia
Nascimento (1986).
210
1823 22 22 2 2 46 47 11 11 7 7 10 10 98 100
1830 28 24 5 4 43 36 17 14 21 18 5 4 119 100
1835 24 20 26 21 33 27 39 32 - - 1 1 123 100
1840 18 12 29 19 57 38 46 31 - - - - 150 100
1848/49 18 15 10 9 41 35 - - 47 40 1 1 117 100
1850 22 21 15 15 24 23 - - 42 41 - - 103 100
1851 22 16 20 15 45 33 6 4 40 29 4 3 137 100
Fonte: SCMBA – Livros de Assentos de Pessoas que entraram no Hospital São Cristóvão
(1823-1851).
41
Sobre a pobreza em Salvador ver Walter Fraga Filho (1996)
211
42
Para os anos de 1823 e 1830 a idade dos enfermos não foi registrada.
212
43
Vide conceituação no capítulo II.
213
44
Nas tabelas de doenças, em cada ano, a primeira coluna contém o número de casos; a terceira
coluna contém o percentual, em relação ao total de enfermos(as); e a segunda coluna contém o
percentual, considerando apenas o total de enfermos(as) cuja moléstia foi informada, ou seja,
excluindo o item “ND” (não disponível).
214
4.5.1 As febres
45
Sobre a compreensão da medicina baiana acerca da febre amarela, ver o capítulo I.
215
46
Dentre os anos selecionados para a coleta de dados sobre os doentes assentados no Hospital
São Cristóvão, as enfermidades só foram registradas a partir de 1848. Assim, nossa análise
sobre os diversos tipos de enfermidades recaiu entre os anos de 1848, 1849, 1850 e 1851.
216
4.5.2 A tísica
47
Esta terminologia só foi utilizada em fins do século XIX (Bernier, 2005).
48
Graciela Gonçalves (2000) realizou a cronologia das secas que atingiram a Bahia entre os
séculos XVI e XIX. Daremos destaque àquelas que ocorreram na primeira metade do século XIX
e que trouxeram transtornos para Salvador.
218
49
Nasceu em Vosges, na França, estudou medicina em Estrasburgo e Paris, diplomando-se em
1853. Publicou em 1868 a obra Études sur la Tuberculose; Preuves Rationnelles et
Expérimentales de sa Spécificité et Son Inoculabilité. (Disponível em:
<http://villemin.gerard.free.fr/Esprit/Villemin.htm>. Acesso em: 4 out. 2005.
50
Esta hipótese foi levantada por Karasch (2000) para o Rio de Janeiro, mas também se aplica a
Salvador.
219
51
Sobre o estudo das águas termais no Brasil e em Portugal ver Maria Manuel Quintela (2004).
220
52
Sobre a sífilis neste período ver Gisele Sanglard (2005).
53
Árvore originária da América do Norte e sua raiz era empregada no combate a sífilis (Chernoviz,
op cit, p. 932).
54
Árvore da Jamaica e Ilha de São Domingos, cuja casca e raízes eram empregadas na cura da
sífilis e do reumatismo (Chernoviz, op. cit., p. 93-94).
221
4.5.4 A alienação
55
Arbusto sarmentoso da China e do Japão, cuja raiz cozida era empregada no cura da sífilis
(Chernoviz, op. cit. p. 562-563..
222
56
Que se assemelha a epilepsia, às suas manifestações (Aurélio Buarque de Holanda, Dicionário
eletrônico).
57
Sobre a loucura feminina ver Abelson (1999), Theriot (1999) e Loudon (1988).
223
provocadas por armas de fogo, temática que gerou várias teses da Faculdade de
Medicina da Bahia.
A terapêutica era peculiar a cada tipo de ferida. Nas dilacerações simples
com instrumentos cortantes era recomendado unir os dois lados da fenda com
esparadrapo ou atadura; nas mais profundas o cirurgião recorria às suturas; nas
contusões eram aplicados panos untados com glicerina, cataplasma de linhaça e
compressa com aguardente canforada; nas mordeduras era aconselhável a
cataplasma de linhaça ou de fécula, e ungüentos; nas amputações a hemorragia
era o primeiro problema a ser enfrentado através da laqueação das artérias, em
seguida lutava-se para conter a podridão de hospital ou gangrena pro intermédio
das cauterizações com cáusticos; nas feridas por armas de fogo o cirurgião
tentava extrair o corpo estranho (grãos de chumbo, pedaços de ferro, pedra,
vidro, etc) e daí, o tratamento era semelhante ao das demais feridas (Chernoviz,
op. cit., p. 1063-1108).
As úlceras eram compreendidas como uma afecção crônica que afetava
principalmente as pernas. A pele tornava-se vermelho escuro, e formavam-se
botões; ocorria a dor e inchação do membro afetado; em seguida a pele abria-se
e dali ocorria uma supuração. O tratamento era composto de repouso,
cataplasmas, sobretudo o de linhaça ou de fécula e limpeza com água morna; as
mais recalcitrantes e profundas eram cauterizadas com cáusticos (Chernoviz, op.
cit., p. 1107-1108).
O acadêmico José Cândido da Costa (op. cit., p. 45) afirmou que os
mendigos era muito afeitos as úlceras, as quais faziam questão de conservar para
assim, angariar a compaixão pública. Os operários as tinham, nas pernas, por
ficarem boa parte do tempo em pé; os negros estavam vulneráveis ao tétano e a
gangrena por conta das operações, das feridas por arma de fogo e das picadas.
O depoimento do estudante reforça a condição de estrema vigilância dispensada
aos escravos, em uma Bahia que mantinha muito viva a memória das rebeliões
escravas, cujas milícias particulares e até mesmo a força militar oficial não
exultava em atirar nos cativos insurgentes58.
58
Sobre o levante dos malês ver João José Reis (2003).
225
4.5.8 A hepatite
59
“É uma tração praticada sobre o fragmento inferior da fratura por meio de uma força aplicada a
porção do membro que se continua com este fragmento” (Chernoviz, op. cit., p. 1170).
60
“É uma tração feita sobre a porção do membro que se continua com o fragmento superior, para
impedir este de ser arrastado pela forças extensivas” (Idem, ibidem).
61
“É uma manobra que tem por fim assegurar as relações exatas de dois fragmentos, uma vez
que a deslocação foi corrigida pela extensão e pela contra-extensão” (Idem, ibidem).
226
62
Inflamação do útero.
63
Hemorragia uterina.
227
Estas mulheres sedentárias, com um marido para ocultar o seu mal estar,
não eram do mesmo estrato social que aquelas atendidas no Hospital São
Cristóvão. As hospitalizadas eram predominantemente negras escravas e
mestiças livres, vivendo em condições bem diferentes das “patrícias” do
acadêmico José Cândido da Costa, carregando latas de água na cabeça, cestos
de frutas, verduras e peixes, lavando, passando, cozinhando, costurando e
criando seus filhos.
O século XIX chegava a sua metade e o hospital baiano não possuía
nenhum espaço reservado às doenças de mulheres. Nenhuma discussão com
esta temática havia sido travada nas reuniões da Santa Casa. No Hospital São
José, em Portugal, no ano de 1850, a enfermaria Santa Bárbara realizou 238
partos, ao passo que o Hospital São Cristóvão, em Salvador, neste mesmo ano,
atendeu apenas uma parturiente.
Para a primeira metade do século XIX observamos através dos casos
clínicos relatados no periodismo especializado que os médicos baianos não
estavam preocupados com as doenças de mulheres ou com o corpo feminino na
64
Brenes (1991) afirma que esta enfermaria foi fundada em 1875.
228
TABELA 39 – Mortalidade
ANO HOMENS % MULHERES % TOTAL %
1823 133 24 74 35 207 27
1830 116 15 119 38 235 21
1835 124 15 93 27 217 18
1840 135 14 114 28 249 18
1848/49 144 17 103 33 247 21
1850 48 8 21 8 69 8
1851 110 16 94 25 204 19
Fonte: SCMBA – Livros de Assentos de Pessoas que entraram no Hospital São Cristóvão
(1823-1851).
A grande maioria das mulheres que passaram pelo Hospital São Cristóvão
não possuía ocupações que lhes rendessem o suficiente que a sua sobrevivência,
tornando-as mais vulneráveis em épocas de crise econômica, aproximando-as da
linha de pobreza. Elas ficavam, portanto, na dependência do pai ou marido que
lhes provessem. Quando viúvas ou mães solteiras, a situação tornava-se ainda
mais difícil, pois elas assumiam a inteira responsabilidade pelo sustento da prole,
o que as levava a repartir o pouco que possuíam. Em condições adversas de
65
Utilizamos as categorias conceituais do Charles Rosenberg (1992).
66
Dentro do universo que selecionamos para realizar a amostragem, as doenças foram
registradas a partir de 1848.
229
Arquivos:
Impressos:
AFFONSO, Manoel José e MELLO, José Francisco de. Novo método de partejar,
recopilado dos mais famigerados e sábios autores. Lisboa: Oficina de Miguel
Rodrigues, 1772.
AMARAL, Polycarpo Antonio Araponga do. Breve descrição do estado atual dos
principais hospitais desta cidade. Bahia: Tipografia de Camillo de Lellis Masson &
C, 1853.
BAHIA (Província). Fala que recitou o presidente da Província da Bahia João José
de Moura Magalhães, na abertura da Assembléia Legislativa, em 25 de março de
1848. Bahia: Tipografia. de João Alves Portella, 1848.
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