A Higiene Militar - Cardoso

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Casa de Oswaldo Cruz – FIOCRUZ

Programa de Pós-Graduação em História das Ciências e da Saúde

RACHEL MOTTA CARDOSO

A HIGIENE MILITAR: UM ESTUDO COMPARADO ENTRE O


SERVIÇO DE SAÚDE DO EXÉRCITO BRASILEIRO E O CUERPO
DE SANIDAD DO EXÉRCITO ARGENTINO (1888-1930)

Rio de Janeiro
2013

1
RACHEL MOTTA CARDOSO

A HIGIENE MILITAR: UM ESTUDO COMPARADO ENTRE O


SERVIÇO DE SAÚDE DO EXÉRCITO BRASILEIRO E O CUERPO
DE SANIDAD DO EXÉRCITO ARGENTINO (1888-1930)

Tese de Doutorado apresentada ao


Curso de Pós-Graduação em História
das Ciências e da Saúde da Casa de
Oswaldo Cruz-Fiocruz, como requisito
parcial para obtenção do Grau de
Doutor. Área de Concentração: História
das Ciências.

Orientador: Profª. Drª. Magali Romero Sá


Coorientador: Prof. Dr. Renato Luís do Couto Neto e Lemos

Rio de Janeiro
2013

2
Ficha catalográfica

C268dh Cardoso, Rachel Motta


.. .... A higiene militar: um estudo comparado entre o Serviço de
Saúde do Exército Brasileiro e o Cuerpo de Sanidad do Exército
Argentino (1888-1930) / Rachel Cardoso – Rio de Janeiro:
[s.n.], 2013.
455 f .

Tese (Doutorado em História das Ciências e da Saúde) -


Fundação Oswaldo Cruz. Casa de Oswaldo Cruz, 2013.
Bibliografia: xxx-xxx f.

1. Serviços de saúde. 2. História da medicina. 3. Medicina


militar. 4. Higiene militar. 5. Militares. 6. História. 7. Brasil. 8.
Argentina.
CDD 355.345

3
RACHEL MOTTA CARDOSO

A HIGIENE MILITAR: UM ESTUDO COMPARADO ENTRE O


SERVIÇO DE SAÚDE DO EXÉRCITO BRASILEIRO E O CUERPO
DE SANIDAD DO EXÉRCITO ARGENTINO (1888-1930)

Tese de doutorado apresentada ao Curso


de Pós-Graduação em História das
Ciências e da Saúde da Casa de
Oswaldo Cruz-FIOCRUZ, como
requisito parcial para obtenção do Grau
de Doutor. Área de Concentração:
História das Ciências.

BANCA EXAMINADORA

Profª. Drª. Magali Romero Sá (COC/FIOCRUZ) – Orientadora

____________________________________________________________
Prof. Dr. Renato Luís do Couto Neto e Lemos (IH/UFRJ) – Coorientador

_________________________________________________________________
Prof. Dr. Jaime Larry Benchimol (COC/FIOCRUZ)

____________________________________________________________
Profª. Drª. Simone Petraglia Kropf (COC/FIOCRUZ)

_________________________________________________________________
Prof. Dr. Felipe Abranches Demier (UNIFOA)

_________________________________________________________________
Prof. Dr. André Felipe Cândido da Silva (USP)

Suplentes:
_________________________________________________________________
Profª. Drª. Dominichi Miranda de Sá (COC/FIOCRUZ)
_________________________________________________________________
Prof. Dr. Claudio Beserra de Vasconcelos (UNIRIO)

Rio de Janeiro
2013
4
Dedicatória

Ao meu amor

5
Agradecimentos

O processo de escrita de uma tese significa o convívio constante com livros,


documentos e computadores. Ao longo do tempo, somos obrigados a nos afastar da
presença daqueles que são fundamentais em nossas vidas, mas por conta da realização
de um objetivo, da busca incessante de um eterno querer saber. Mesmo nestes
momentos, em que nossa única companhia é aquele livro antigo, de páginas amareladas
e cheiro característico, lembramos daqueles que são tão queridos e dos quais
momentaneamente tivemos que nos despedir. A alegria de ver o seu trabalho concluído
faz perceber que tudo isto valeu a pena e é com os que outrora estivemos distantes que
agora queremos correr para compartilhar tamanha felicidade.
Toda esta dedicação não seria possível sem a bolsa de doutorado que me foi
ofertada pelo Programa de Pós-Graduação em História das Ciências e da Saúde
(PPGHCS) da Casa de Oswaldo Cruz (COC) do Instituto Oswaldo Cruz. Desde meu
ingresso no curso pude contar com esta importante fonte de recursos que me
possibilitou destinar meu tempo de forma exclusiva às atividades de minha pesquisa, de
acompanhamento de disciplinas e da aquisição da bibliografia fundamental para o
desenvolvimento de estudos do meu objeto.
Não poderia deixar de agradecer aos meus orientadores, Magali Romero Sá
e Renato Luís do Couto Neto e Lemos (ou simplesmente Renato Lemos).
À Magali agradeço pela confiança no meu trabalho, pelo incentivo para me
candidatar a uma bolsa de estudos para a realização de minha pesquisa na Argentina e,
principalmente, por ter aceitado de braços abertos esta aluna e pesquisadora naquela
instituição. As orientações, os conselhos dados sempre nas horas mais adequadas, as
advertências bem colocadas, o carinho nas reuniões e nos telefonemas mesmo quando
eu estava a quilômetros de distância, morando em outro país. Como sempre lhe chamo,
querida orientadora, obrigada por tudo.
Ao Renato Lemos tenho até dificuldades em dimensionar o tamanho da
minha gratidão. São anos (na verdade mais de uma década) de trabalho, de orientação,
de dicas preciosas de pesquisa e de leituras. O melhor que pude ter ganho ao longo de
todo este tempo de convívio foi a amizade de uma das figuras que mais respeito não
apenas como historiador, mas como pessoa. Poder ter ainda a honra de chamá-lo de
amigo é um dos melhores presentes que já pude ganhar ao longo de toda esta vida, ainda

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que curta, acadêmica. Não há palavras suficientes para demonstrar o quanto lhe sou
grata.
Ao corpo docente do Programa de Pós-Graduação em História das Ciências
e da Saúde por tudo o que aprendi com as disciplinas cursadas ao longo do curso.
Especialmente à professora Simone Kropf que me ajudou a perceber um novo e ainda
inexplorado campo de pesquisa na área de história militar durante as aulas de História
das Ciências no Brasil. Os encontros pelos corredores, o incentivo para a pesquisa e o
entusiasmo que sempre a acompanha. Obrigada.
A todos os professores que estiveram desde o início na minha formação.
Dedico especialmente a uma professora muito querida e que sempre foi um exemplo de
profissional que eu gostaria de ser. Angela Malizia, professora super querida, esta tese
também é uma conquista sua. Obrigada por ter me proporcionado momentos de tanta
alegria na escola. Muito obrigada por ter me ensinado lições para toda uma vida.
Os sempre prestativos e atenciosos funcionários da secretaria do PPGHCS,
Paulo Chagas e Maria Claudia, deixo aqui registrado minha gratidão por todo o tempo
que era dedicado às minhas dúvidas quanto ao funcionamento do PPGHCS e afins, ao
cumprimento sempre bem humorado e a simpatia de todos os dias.
Nelson Nascimento, o Nelsinho, que sempre atento e prestativo atendia aos
desesperados apelos textos para as próximas leituras. Ao papo descontraído nas pausas
entre uma aula e outra. À torcida pelo rubro-negro.
Ao longo destes quatro anos, tive a felicidade de ser contemplada com uma
bolsa para estudos no exterior a partir do Programa de Doutorado Sanduíche no Exterior
(PDSE), financiado pela Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível
Superior (CAPES). Em função da natureza do estudo comparado de meu objeto de
pesquisa, se mostrava necessário o trabalho nos arquivos e bibliotecas em território
argentino. Durante os quatro meses em que dediquei meus trabalhos naquele país, contei
com o apoio e acompanhamento da CAPES para o bom desenvolvimento de minha tese
e, também, para o meu bem-estar em terras estrangeiras. Graças ao PDSE, tive a
oportunidade de viver outra cultura, de conhecer o modus operandi de outros arquivos e
de enriquecer pessoal e profissionalmente. Este tipo de retorno não pode ser mensurado
em valores e muito menos em agradecimentos. A conclusão de minha tese é apenas uma
pequena parte deste eterno reconhecimento.
No período em que morei na Argentina fui orientada pelo professor Andrés
Reggiani, da Universidad Torcuato Di Tella. A recepção amistosa, seu entusiasmo e

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suas preciosas dicas foram fundamentais para o desenvolvimento de meu trabalho e para
a ambientação em uma nova realidade que me esperava.
Nos arquivos e bibliotecas argentinos contei com a simpatia e a agilidade
dos serviços de seus funcionários. Desenvolvi minha pesquisa no Archivo General Del
Ejército Argentino, Archivo General de la Nación, Biblioteca Nacional Militar (a do
Círculo Militar), Archivo Histórico de Chancilleria (Ministerio de Relaciones
Exteriores), Biblioteca Nacional Argentina e a Biblioteca del Estado Mayor del
Ejército. Nestes, passei a maior parte do tempo no Archivo General Del Ejército e na
Biblioteca Nacional.
No Archivo General Del Ejército Argentino (AGEA) pude contar com a
ajuda do bibliotecário Pedro, que foi fundamental para o desenvolvimento de minha
pesquisa ali, além de trocar informações acerca de bibliografias e acervos que eu
deveria acrescentar em meu curto período de tempo que teria ali. Neste mesmo local,
também contém o auxílio do oficial (cuja patente não me recordo agora e infelizmente
não registrei) Mariano e da senhora Olga, a atendente que registra nossos primeiros
pedidos.
Além do AGEA, um dos locais que mais gostei de pesquisar foi a Biblioteca
Nacional Argentina. Logo na recepção era sempre cumprimentada com o bom dia
sorridente dos seguranças que precisavam registrar meus aparelhos eletrônicos antes da
entrada na sala de leituras e consulta. Já no interior da biblioteca, a busca no catálogo, a
minha credencial de “Investigador” e, graças a ela, o acesso a todo acervo ali
disponível. Com o passar dos tempos, os livros que havia pedido para consultar e que
estavam “desaparecidos” no dia seguinte, quando encontrados eram guardados e o
funcionário gentilmente me avisava que o havia localizado. O setor destinado aos
periódicos, a Hemeroteca, tem uma construção interessantíssima e muitas vezes eu me
sentia a bordo de um navio em função do formato das janelas e da disposição das mesas
para consulta. Ali, contei com a ajuda dos bibliotecários dos horários da manhã, tarde e
noite. O mistério dos livros desaparecidos também ocorria por ali, mas contava com a
sorte e com o empenho daqueles profissionais de sempre ter o material solicitado
localizado em algum momento futuro.
Na Biblioteca Nacional Militar fui recebida com o mesmo carinho e
atenção. Ali, agradeço especialmente ao Coronel Ozarán Carlos, o seu diretor, a Maria
Rosa e ao Julio, os atendentes que disponibilizaram meu acesso a obras raras e só
encontradas naquela instituição.

8
Nestes três locais de pesquisa pude contar com a alegria destes funcionários
e com as brincadeiras que me ajudavam a passar o tempo no longo caminho que seria
percorrido naqueles quatro meses de trabalho. A todos eles, os meus mais sinceros
agradecimentos.
No Brasil, minha pesquisa se desenvolveu principalmente no Arquivo
Histórico do Exército (AHEx), no Centro Histórico de Documentação Diplomática
(CHDD) do Arquivo Histórico do Itamaraty (AHI) e na Biblioteca de Ciências
Biomédicas da FIOCRUZ.
Minhas pesquisas no Arquivo Histórico do Exército contaram sempre com a
ajuda do Capitão Ferreira; dos Tenentes Mauro, Rita Paula, Solange e Ellen; e do
Sargento Álvaro. Agradeço ao capitão, também historiador, por todas as dicas que me
foram dadas ao longo de todos estes anos de pesquisa. Rita Paula, Ellen e Solange me
remetem aos meus primeiros dias de pesquisa ali naquele arquivo. A simpatia e a
gentileza com que me atendiam – e atendem – sempre me deixaram com a certeza de
que meu cotidiano de pesquisa certamente seria alegre e proveitoso. Estes profissionais
não foram apenas funcionários de arquivo, se tornaram, ao longo do tempo, colegas de
pesquisa e pessoas queridas.
Em outra seção do AHEx tive contato com outra turma de profissionais. Em
certa etapa de meu trabalho precisei trabalhar com microfilmes e pude conhecer o
Tenente Coronel Murta (à época Major); os primeiros sargentos Wanderson e
Anderson; os terceiros sargentos Corrêa, Jolne, Cruz e Sardagna (que era mais
conhecido por mim e pelos demais simplesmente como “palmeirense”); e com o
soldado Branco. O contato diário com essa turma, a alegria de todas as manhãs, as
discussões futebolísticas – em que havia sempre a clássica divisão entre vascaínos e
flamenguistas – tornavam meu trabalho com microfilmes menos árduo. O convívio por
meses a fio me fez sentir saudades quando terminei por ali a minha consulta ao acervo.
Rapazes, obrigada por toda a camaradagem com a qual pude contar por todo aquele
período.
Na pesquisa na Biblioteca de Ciências Biomédicas da FIOCRUZ contei com
o apoio de todos os profissionais, especialmente do João Paulo, da Priscila e do Ricardo.
A forma sempre tão receptiva e gentil com que fui tratada foram fundamentais para o
bom andamento do meu trabalho por ali.
No Arquivo Histórico do Itamaraty, contei com o auxílio do Seu Miranda,
da Rosiane Rigas, da Paula Valle e dos diversos estagiários, em especial Edilmar

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Alcantara (ou Ed), Carla Surcin e Pedro Novaes. Aqueles tomos pesados e antigos da
documentação diplomática trocada entre Brasil, Alemanha e França me ajudaram a
encontrar nestes funcionários verdadeiros parceiros. O Senhor Miranda estava sempre
me dando informações acerca do acervo e me ajudando a encontrar documentação que
eu sequer conhecia. O contato com o índice decimal mudou minha vida! Paula Valle
também teve importância neste processo, ao me ajudar com os pesados tomos e,
principalmente, pelos curtos papos, muitas vezes “salvadores”, quando o cansaço
parecia querer me dominar. Rosiane Rigas se tornou uma eterna querida, com quem
compartilho histórias acadêmicas e “historinhas” do cotidiano e “papos salvadores” por
uma longa estrada.
Foi graças a Rosi e ao Seu Miranda que pude conhecer uma pessoa que hoje
é um querido amigo. Eu estava na correria para viajar, buscava informações sobre
Argentina, melhor local para moradia em função da proximidade com arquivos e
bibliotecas... Um turbilhão de coisas que apenas quem conhecia muito bem a região ou
fosse de lá poderia me ajudar. Foi então que conheci meu querido argentino Diego
Galeano. De um simples papo na sala de pesquisa, troca de telefones e e-mails encontrei
uma das pessoas mais legais que alguém pode conhecer. Sabe aquela pessoa que
parecemos conhecer há anos, mesmo tendo conversado por tão pouco tempo? É o
Diego! Seu carinho e amizade, ainda que infelizmente menos corriqueira do que
desejado, foram fundamentais para o desenvolvimento e conclusão deste trabalho.
¡Gracias, cariño!
Não poderia deixar de agradecer aos meus colegas de turma na FIOCRUZ e
que lembrarei sempre com muito carinho. Agostinho, André, Ivone, Ivoneide, Juliana e
Rodrigo, agradeço a todos os momentos que compartilhamos nossas dúvidas, nossos
conhecimentos, nossos cotidianos de pesquisa e nossa vida acadêmica. Essa conquista
também é de vocês! Obrigada a todos!
A Charles Klajman agradeço por toda a ajuda com a revista Medicina
Militar e por ter gentilmente me cedido seu material de pesquisa.
A Taisa Falcão pela troca de ideias em função da proximidade de nossos
temas e, principalmente, por observações preciosas acerca de temas sobre os quais
sequer havia me atentado ao longo de minha pesquisa e análise das revistas de medicina
militar brasileiras.

10
Glaucia, querida amiga, seus telefonemas sempre me salvavam nos
momentos de angústia e estresse provocados pelo árduo processo de confecção de tese.
As conversas a respeito de tudo, o carinho ainda que de longe... Obrigada!
Paula e Iris, amigas de longa data e que acompanharam de perto todo o
processo até aqui. As risadas, os choros, as alegrias... Toda uma história que temos para
contar! Vocês são parte desta vitória! Obrigada pela amizade de todos estes anos.
A vida acadêmica tem me proporcionado muitas alegrias. Uma delas foi ter
conhecido o meu Quase-irmão. Do cotidiano de estudos do LEMP à pesquisa para a
ABL encontrei no Claudio Beserra mais que um amigo com quem contar. Descobri que
tenho realmente mais um irmão. É difícil expressar por aqui tudo o que tenho a
agradecer, mas acho que o maior agradecimento é simplesmente reconhecer o lugar que
já ocupa não apenas na minha vida acadêmica. Quase-irmão a gente pode escolher e
ainda bem que a vida acadêmica nos ajudou no processo! Obrigada por tudo, quase-
irmão!
Muito do que consegui até aqui não teria sido possível sem a ajuda dos
meus pais. Agradeço ao meu pai, Waldir, também conhecido como “nojentão”, todo o
apoio, “amor, carinho e afeto” por toda esta longa estrada da vida. Por sempre acreditar
em mim, desde quando eu não sabia o que o mundo estava reservando para mim.
Obrigada por sempre ter sido o meu porto seguro. Obrigada por ter sido sempre o meu
melhor amigo. Obrigada por tudo, pai.
À minha mãe agradeço este lugar especial que agora ocupa em minha vida,
a presença, o carinho que se faz presente e a confiança que sempre depositou em mim.
Por me lembrar que me cobro demais e que às vezes é necessário se desligar um pouco
do estresse que nos cerca. Obrigada pela confiança que deposita em mim. Obrigada por
tudo, mãe.
Maninha, Ferdinanda, não teria chegado até aqui se não fosse pelas nossas
brincadeiras na infância, nosso “tininaninum”, o amor ao mesmo tempo incondicional e
tão implicante que só os irmãos sabem ter. Obrigada por me ensinar a dividir, a
compartilhar tudo, por ser sempre tão presente e por ser simplesmente minha irmãzinha.
Este ano ainda veio com um brinde! Emmanuel, o fofinho, chega para alegrar as nossas
vidas! Obrigada por estar sempre por perto e por ser minha melhor amiga e confidente.
Eduardo, estrupício, agora é oficialmente da família. Querido amigo, que
esteve presente em horas difíceis e que sempre se mostrou presente em todas as
situações. Obrigada por estar sempre por perto.

11
O prazer pelos livros me foi dado pela minha tia. Tia Wanilda, agradeço
todos os dias por você ter me mostrado este mundo fantástico que mudaria a minha vida
e, quem diria, seria a fonte da minha profissão. Obrigada por ter me ajudado a ser quem
eu sou hoje. Obrigada por ter me ensinado as lições que eu deveria ter aprendido.
À minha irmã mais velha que veio como minha prima, Luciana. Agradeço
por todos os momentos em que esteve presente na minha infância e por ter sido meu
exemplo no início da minha vida escolar. Além do fato de ter me dados meus primeiros
sobrinhos, Isadora e Danilo.
Tia Valéria, bela senhora, seu carinho e atenção sempre significaram muito
para mim. A alegria de nossas brincadeiras, nosso papo descontraído e as conversas
sérias quando era preciso desabafar. Obrigada por estar sempre por perto.
Bicho, o que seria dos encontros da família sem a alegria que vem com
você? Obrigada por todo o carinho e atenção que tem comigo.
Meus primos queridos, Vanessa, Vivian, Taís e Iuri. A vida seria muito, mas
muito sem graça, sem a alegria de vocês por perto!
Não há como não agradecer à “trupe Cobayashi e Souza”. Dona Nery, Seu
Osvaldo, Karin, Denilson, Erick, Arthur e dona Katue.
Dona Nery, o carinho e o amor que sempre recebi foram muito importantes
nessa nova etapa que se iniciava. As conversas, as brincadeiras, as “vontades” feitas...
Uma extensa lista de todos os mimos que eu nem sei se merecia. Obrigada por se
mostrar tão presente na minha vida.
Seu Osvaldo, agradeço por ter me deixado fazer parte da sua família e por
me ensinar tantas coisas. A aprender sobre as coisas simples da vida, a se fazer presente
de um jeito único e a encontrar na natureza a essência daquilo que somos.
Karin, cunhada favorita, agradeço pela amizade, pelo carinho, pelo convívio
que é sempre tão bom quando estamos juntas.
Denilson, obrigada pelos papos futebolísticos, pelas brincadeiras, pela
alegria sempre demonstrada quando todos estão reunidos.
Por fim, o reconhecimento de que nada disso teria sido possível se não fosse
por você, meu amor. É difícil escrever em algumas palavras como agradecer por tudo o
que você me proporciona. Por ser o porto seguro quando pareço estar perdida. Pelo
carinho que recebo quando o cansaço e a tristeza me tomam. Por compartilhar todos os
momentos, sejam eles alegres ou tristes. Por me proporcionar tanta alegria, quando
posso encontrar você ao final do meu dia... Obrigada por ser tão especial na minha vida!

12
SUMÁRIO

Introdução 18

Capítulo 1  Sobre a higiene militar: seus aspectos e suas “estratégias de


sobrevivência” 49
1.1. Alguns conceitos da higiene e sua aplicabilidade no meio militar 50
1.2. A higiene militar e sua relação com o meio civil 76
1.2.1. A vivência nos trópicos 78
1.2.2. A higiene militar como estratégia 81

1.3. A Organização dos Serviços de Saúde dos Exércitos da Alemanha e da França


86
1.3.1. O Serviço de Saúde do Exército Francês 97
1.3.2. O Serviço de Saúde do Exército Prussiano 97

1.4. O Serviço de Saúde do Exército no Brasil 106


1.4.1. Hospital Real Militar e Ultramar, a origem do Hospital Central do Exército
107
1.4.2. Botica Real Militar 109
1.4.3. A organização do Serviço de Saúde 111

1.5. O Cuerpo de Sanidad do Exército Argentino 115

Capítulo2  As missões militares e suas implicações nos Serviços de Saúde dos


Exércitos da Argentina e do Brasil 122
2.1. Um breve histórico da saúde dos Exércitos brasileiro e argentino na Guerra do
Paraguai (1864-1870) 123
2.1.1. A experiência do Serviço de Saúde do Exército brasileiro 125
2.1.2. A experiência do Cuerpo de Sanidad do Exército argentino 144

2.2. Missões militares e relações diplomáticas: Argentina e Brasil e a busca pela


modernização de seus exércitos 155
13
2.2.1. As Comissões Militares ao Estrangeiro 158
2.2.1.1.A Organização do Cuerpo de Sanidad e a Comisión de Sanidad del
Ejército Argentino 165
2.2.1.1.1. Comisión de Sanidad del Ejército Argentino 170
2.2.1.2.Ismael da Rocha e A Comissão Militar ao Estrangeiro 178
2.2.1.2.1. O Laboratório de Microscopia Clínica e Bacteriologia 182
2.2.2. As missões militares e suas implicações 188
2.2.2.1.A Argentina e sua missão alemã 192
2.2.2.1.1. Escuela de Aplicación de Sanidad Militar 203
2.2.2.2.O Brasil e as missões militares 205
2.2.2.2.1. A Missão Francesa na Força Pública de São Paulo (1906) 207
2.2.2.2.2. A Missão Francesa na Escola de Veterinária do Exército (1908-
1914) 210
2.2.2.2.3. Os “jovens turcos” 215
2.2.2.2.4. O Brasil na Primeira Guerra: a Missão Médica Militar (1918-
1919) 227
2.2.2.2.5. A Missão Militar Francesa (1919-1924) 233

Capítulo 3  As revistas militares de saúde e seus cenários científicos no Cuerpo de


Sanidad do exército argentino (1891-1931) 241
3.1. Boletín de Sanidad Militar (1891-1914) 244
3.2. Anales de Sanidad Militar (1899-1905) 263
3.3. Revista de La Sanidad Militar (1914-1931) 283

Capítulo 4  As revistas militares de saúde e seu cenário científico no Serviço de


Saúde do exército brasileiro (1910-1931) 299
4.1. Medicina Militar (1910-1923) 300
4.2. Boletim da Sociedade Médico-Cirurgica Militar (1915-1920) 323
4.3. Revista de Medicina e Higiene Militar (1921-1931) 344

Conclusão 363
Bibliografia 371
Anexos 395

14
LISTA DE ANEXOS

Anexo 1: Decretos e Regulamentos do Serviço de Saúde do Exército Brasileiro 396


Decreto nº 601, de 19 de Abril de 1849 398
Decreto nº 763, de 22 de Fevereiro de 1851 400
Decreto nº 1.900, de 7 de Março de 1857 405
Decreto nº 2.715, de 26 de Dezembro de 1860 435

Anexo 2: Decretos e Regulamentos do Cuerpo de Sanidad do Exército Argentino 438


Registro Nacional – 1814, N.712 – Creación de un Cuerpo Médico Militar
440
Decreto de Organización del Cuerpo Médico del Ejército 443

Anexo 3: Tabelas dos temas norteadores para periódicos argentinos de medicina e


higiene militar 444
Boletín de Sanidad Militar 446
Anales de Sanidad Militar 447
Revista de La Sanidad Militar 449

Anexo 4: Tabelas dos temas norteadores para periódicos brasileiros de medicina e


higiene militar 451
Medicina Militar 453
Boletim da Sociedade Médico-Cirúrgica 454
Revista de Medicina e Higiene Militar 455

15
Resumo

Nosso objetivo com o presente trabalho é compreender as influências dos


exércitos da Alemanha e da França no processo de modernização dos Serviços de Saúde
dos exércitos de dois países da América Latina: Argentina e Brasil. Além disso,
procuramos entender como as influências de saberes médicos daquelas escolas
europeias estiveram presentes no cenário médico militar dos serviços de saúde destes
países sul americanos. Para tal, temos a higiene militar e o desenvolvimento técnico-
científico das Forças Armadas como eixo de nossos estudos para identificarmos as
principais mudanças sofridas no Serviço de Saúde, do Brasil, e no Cuerpo de Sanidad
da Argentina, bem como suas relações/implicações políticas à época.
Nosso recorte temporal está relacionado com o surgimento do Cuerpo de
Sanidad, bem como o processo de modernização deste e do Serviço de Saúde do
exército brasileiro. Já o ano de 1930 foi escolhido em função do seu significado na
historiografia destes dois países e, principalmente, por um novo quadro político,
econômico, social e militar em função de seus movimentos “revolucionários”.
Quanto à nossa abordagem teórico-metodológica, além do estudo comparado,
partimos da noção de desenvolvimento desigual e combinado desenvolvido por Trotsky.
Entendemos que a busca pela adequação ao processo evolutivo dos exércitos dos países
centrais se deu em diversos países da América Latina a partir da contratação de missões
estrangeiras para modernizarem seus exércitos. Ao utilizar as experiências da Argentina
e do Brasil na contratação de missões deste tipo, podemos generalizar o tema, ou seja,
generalizar a forma como o processo de modernização e do desenvolvimento técnico-
científico implica mudanças nos Corpos de Saúde destes exércitos.

Palavras-chave: Higiene militar, medicina militar, Serviço de Saúde do Exército,


Cuerpo de Sanidad.

16
Abstract

This work intends to comprehend the influences of the French and Germany
armies in the process of modernization of the Armies Health Services of two countries
of Latin America: Argentina e Brazil. Besides, we trying to understand how such
influences were incorporated in the medical military scenery of these South American
countries. For such, we had the military hygiene and the technical-scientific
development of the Army Forces as axis of this study, in order to identify the main
changes that occurred in the Army Services of Brazil and the Cuerpo de Sanidad of
Argentina, as well as the political implications of the time.
The time frame is related to the emergence and modernization of the Cuerpo de
Sanidad in Argentina and the modernization of the Brazilian Health Service Army. It
ends in the year 1930 because of its significance in the historiography of these two
countries mainly due to the "revolutionary" movements and its implications of a new
political, economic, social and military order.
As for the theoretical-methodological approach, the work based in the
comparative method study and also, in the notion of uneven and combined development
developed by Trotsky. We understand that hiring foreign military missions by Latin
American countries in order to modernize their armies, were a way of adapting in these
countries the evolutionary process occurred in the armies of developed countries. By
utilizing the experiences of Argentina and Brazil in hiring military missions, we can
imply that in the process of modernization and technical-scientific development
significant changes occurs in the armies Bodies Health.

Keywords: Military Hygiene, Military Medicine, Army Health Service, Cuerpo de


Sanidad.

17
INTRODUÇÃO

Ao tratar das correntes no Exército a partir do conceito de partidos militares


em minha dissertação de mestrado,1 verifiquei a importância da discussão sobre a
influência de potências estrangeiras no desenvolvimento nacional. Tais correntes
demonstravam as divisões existentes nas Forças Armadas e tinham sua origem em
questões ligadas à influência de participação externa em questões consideradas
estratégicas. Diante deste cenário, somemos ainda as dificuldades encaradas pelos
exércitos e serviços de saúde da Argentina, do Brasil e do Uruguai ao longo da Guerra
do Paraguai (1864-1870). Finda a guerra, ficava claro para os governos que seus
exércitos precisavam ser reestruturados, nos interessando particularmente como se deu
este processo com os chamados “corpos (ou forças) auxiliares”: o Cuerpo de Sanidad
do exército argentino – criado oficialmente em 1888 – e o Serviço de Saúde do exército
brasileiro. As comissões militares de saúde e de estudos, enviadas ao exterior pela
Argentina a partir de 1888 e pelo Brasil em 1892, a participação do Brasil na 1ª Guerra
Mundial (1914-1918) e as missões militares que foram contratadas visando a
modernização2 dos exércitos destes países estão diretamente ligadas a este pensamento.
A preocupação com a higiene da tropa, a questão da higiene militar, deve
ser apontada como um processo de modernização dos exércitos nacionais pautado em
um projeto de acordo com uma perspectiva voltada para pró-franceses e pró-
germânicos. Neste ponto, questionaremos sobre o grau de influência destas potências
estrangeiras no processo de organização e reestruturação dos serviços de saúde dos
exércitos brasileiro e argentino, visando a construção de um exército “moderno”
pautado nos padrões técnicos dos exércitos europeus. 3
O início do século XX é marcado pelas disputas por territórios e,
consequentemente, mercados de “escoamento” de material bélico entre as principais
potências capitalistas  em destaque as europeias: Alemanha, França e Inglaterra. A

1
CARDOSO, Rachel Motta. Depois, o Golpe: as eleições de 1962 no Clube Militar. Dissertação
(mestrado), Rio de Janeiro: UFRJ/IFCS/Programa de Pós-Graduação em História Social, 2008.
2
Chamamos aqui de “modernização” a reforma nas Forças Armadas como resultado das experiências de
oficiais argentinos e brasileiros que estagiaram no Exército alemão e, também, da atuação da Missão
Militar Francesa no Brasil. Pontos como o reexame de ideias e conceitos, reformulação de manuais,
criação de regimentos e, principalmente, as mudanças de critério de promoção no Exército são
identificados neste processo.
3
Entendemos “padrões técnicos” as práticas utilizadas pelos exércitos alemão e francês visando a
construção e manutenção de uma tropa saudável a partir da higiene militar.

18
história de modernização dos principais exércitos da América do Sul (Brasil, Argentina
e Chile) não se distancia daquela realidade e a Alemanha e a França destacaram-se neste
processo. O envio de oficiais do Cuerpo de Sanidad à Europa em 1888 e a viagem de
Ismael da Rocha à Europa em 1892, bem como as viagens de turmas de oficiais para
realização de estágios nos regimentos alemães, principalmente na primeira década do
XX,4 apontam para este quadro. Os militares brasileiros que retornaram da Alemanha
estavam determinados a contratar alemães e, logo, publicariam artigos traduzidos do
alemão enaltecendo a importância daquele Exército.5 Foi no ano da primeira viagem dos
oficiais do exército brasileiro para o estágio na Alemanha, 1906, que o coronel francês
Paul Balagny chegou ao Brasil. O objetivo, naquele momento, era instruir a Força
Pública de São Paulo após rápida negociação realizada por Gabriel Toledo de Piza,
embaixador do Brasil na França, e o Ministro da Guerra francês, Eugène Étienne.6 O
contrato com os franceses foi renovado em 1913, sendo dispensada em 1914 em função
dos acontecimentos da 1ª Guerra. Em 1908, conseguiriam a primeira brecha no Exército
do Brasil: uma missão de veterinários militares, que teria como papel estudar a cavalaria
do Exército estabelecendo “os fundamentos do ensino da medicina veterinária”.7
No caso argentino, oficiais alemãs e franceses figuraram na formação dos
militares do exército. Até 1904, as Forças Armadas francesas serviram de espelho para a
configuração de seu exército, mas este utilizava armamento alemão  canhões Krupp e
fuzis Mauser. O prestígio das forças francesas começa a perder força em 1900, com a
contratação de uma missão militar alemã em 1899 – durante a presidência de Julio Roca
– comandada pelo coronel alemão Alfred Arent. No ano seguinte, dando continuidade a
este processo, a Escuela Superior de Guerra é criada com patrocínio da Alemanha e seu

4
Os futuros oficiais do exército argentino teriam uma experiência por um período maior. No caso do
Brasil as viagens se deram em 1906, 1908 e 1910. Trata-se dos chamados jovens turcos. Passaram a ser
assim chamados em função das turmas de jovens oficiais turcos que estagiaram no Exército alemão e
reorganizaram o Exército da Turquia. Este será um dos temas abordados no nosso segundo capítulo. Mais
informações sobre este tema: NETO, Manuel Domingos. “A disputa pela missão que mudou o Exército”.
Estudos de História, UNESP, São Paulo, v.8, p. 197-215, 2001; ____. “Influência estrangeira e luta
interna no Exército, 1889-1930”. In: ROUQUIÉ, Alain (org.). Os Partidos Militares no Brasil. Rio de
Janeiro: Editora Record, 1980, p. 43-70; e, LUNA, Cristina. “Os ‘jovens turcos’ na disputa pela
implementação da missão militar estrangeira no Brasil”. In: I Encontro Nacional da Associação
Brasileira de Estudos de Defesa, 2007, São Carlos – SP. Textos do Primeiro Encontro Nacional da
ABED, 2007.
5
Em 1913 os jovens turcos criam uma revista, A Defesa Nacional, em que publicavam estes artigos.
LUNA, C. Op. cit.
6
Ministro da Guerra (Ministre de La Défense) da França no período de 12 de novembro de 1905 a 25 de
outubro de 1906 e de 21 de janeiro a 9 de dezembro de 1913.
7
NETO, Manuel Domingos. “A disputa pela missão que mudou o Exército”. Op. cit.; MALAN, Alfredo
Souto. Missão Militar Francesa de Instrução Junto ao Exército Brasileiro. Rio de Janeiro: Biblioteca
do Exército, 1988.

19
corpo docente formado por oficiais oriundos deste país. O “processo de germanização”
se completaria a partir de 1904, quando há um envio maciço de oficiais argentinos para
estágios em regimentos das forças armadas imperiais. De acordo com Alain Rouquié, a
incorporação exclusiva em unidades alemãs não atingiria apenas um pequeno número
de oficiais. De acordo com a fala, em 1920, de um adido militar brasileiro, “a metade
dos oficiais argentinos passou pelas escolas ou tropas alemãs”. 8 Assim como se deu no
Chile, 9 em que um oficial alemão foi incorporado ao Exército nacional, no caso
argentino, tivemos três oficiais alemães incorporados ao Exército argentino: Albert Von
Sydow, Rudolf Von Colditz e Georg Ruhde.10
Até o início da 1ª Guerra Mundial (1914-1918), Alemanha e França
buscavam cativar políticos e oficiais brasileiros a partir de convites para visitas aos seus
países, como, por exemplo, a realizada pelo presidente Roca da Argentina em 1897 e
pelo Marechal Hermes da Fonseca em 1910, ambos à Alemanha. Com o início dos
conflitos e a formação das alianças,11 a Argentina se declarou um país neutro e o Brasil
faria o mesmo. 12 Entretanto, em função de ataques alemães a navios comerciais
brasileiros em abril de 1917, o país rompeu as relações diplomáticas com os
germânicos. Em outubro daquele mesmo ano era proclamado estado de guerra, após o
torpedeamento do mercante brasileiro Macau e o fato do comandante desta embarcação
ter sido feito prisioneiro dos alemães.
O Brasil atuaria naquele conflito através da Divisão Naval de Operações de
Guerra, a DNOG. Criada em uma conferência entre os países aliados em novembro de

8
ROUQUIÉ, 1980, p.99.
9
Em 1885 o governo do Chile contratou uma missão alemã para profissionalizar o seu Exército. A missão
teve como chefe de 1886 a 1910 o coronel Emilio Körner Henze, que à época era capitão. Este oficial
criou uma Escola de Guerra baseada no modelo da kriegsakademie (a Academia de Guerra Germânica) e
com um programa de estudos de três anos. Os melhores alunos eram enviados para regimentos alemães e
para a guarda imperial. O programa tem seu fim em 1906, não sem antes ter incorporado o coronel
Körner, que naquele momento alcançara a patente de general, ao Exército nacional e nomeá-lo chefe do
Estado-Maior, em 1891. Ver: LUNA, Cristina. “Os ‘jovens turcos’ na disputa pela implementação da
missão militar estrangeira no Brasil”. In: I Encontro Nacional da Associação Brasileira de Estudos de
Defesa, 2007, São Carlos – SP. Textos do Primeiro Encontro Nacional da ABED, 2007, versão eletrônica.
10
LUNA, C. Op. cit., cf. p.1.
11
Na 1ª Guerra Mundial, a formação de alianças configurou dois blocos. Um foi chamado de Tríplice
Entente e era composto pela Inglaterra, França e Rússia. O outro, a Tríplice Aliança, integrado pela Itália,
Alemanha e Império Austro-Húngaro.
12
A Argentina declarou sua neutralidade em 4 de agosto de 1914 e não mudou este quadro, mesmo
depois de ter um cônsul fuzilado em setembro de 1914 na cidade belga de Dinant pelas tropas alemãs de
ocupação e a captura do navio argentino Presidente Mitre em novembro de 1915. Mais detalhes, ver:
CISNEROS, Andrés e ESCUDÉ, Carlos. Historia General de las Relaciones Exteriores de la República
Argentina. Buenos Aires: Consejo Argentino para las Relaciones Internacionales (CARI) / Grupo Editor
Latinoamericano, 1999, Parte II, Tomo VIII: Las Relaciones con Europa y los Estados Unidos, 1881-
1930, “Las relaciones políticas con Alemania (1880-1930)”, p.33-47.

20
1917, ela seria comandada pelo Contra-Almirante Pedro Max Fernando de Frontin, que
fora nomeado em 30 janeiro de 1918, totalizando aproximadamente 1.515 homens entre
oficiais e praças. Seus trabalhos se iniciaram em 7 de maio, quando os navios da DNOG
seguiram rumo ao litoral nordeste para, em seguida, se dirigirem para Gibraltar. Seu
objetivo, naquele momento, era “varrer os mares” dos submarinos inimigos. Em função
disso, a frota que a compunha deveria patrulhar a área norte do continente africano,
especificamente as regiões de Dakar, Cabo Verde e Gibraltar.13 Posteriormente, o
presidente da república na época, Wenceslau Braz,14 pelo Decreto nº 13.092 de 10 de
Julho de 1918, criaria a Missão Médica Militar Especial em França comandada pelo
coronel Nabuco de Gouvêa, que também participaria da organização da mesma, em 28
daquele mesmo mês, em conjunto com o Ministro da Guerra, marechal José Caetano de
Faria.
O objetivo da Missão Médica era organizar, em território francês, um
hospital brasileiro em um ponto qualquer a ser designado pelo Quartel-General aliado e
auxiliar no combate à gripe espanhola que assolava a população francesa. Partindo da
Praça Mauá no dia 18 de agosto de 1918 à bordo do navio La Plata e rumo à Europa, os
membros da Missão Médica Militar enfrentariam o risco de serem bombardeados pelos
submarinos alemães que se encontravam pela costa africana. Após aportarem na maior
cidade de Serra Leoa, Freetown, se iniciava o incomodo convívio com a moléstia contra
qual estavam indo lutar: a gripe espanhola. A caminho de Dakar, os sintomas
começaram a aparecer em boa parte daqueles que se encontravam embarcados. A
DNOG teria 464 homens mortos pela doença. A Missão Médica chegaria em solo
francês somente em 24 de setembro, aportando em Marselha, e seria extinta em
fevereiro de 1919.
A Missão Médica Militar em França fora concluída, mas uma nova fase nas
relações entre este país e o Brasil teria início. Em abril de 1920, chegou o general
Gamelin, responsável pela Missão de Instrução das Forças Armadas Brasileiras.
A historiografia voltada para os estudos da Missão Militar Francesa no
Brasil, como os trabalhos de Nelson Werneck Sodré, Alfredo Souto Malan, Manoel
Domingos Neto, etc. – buscam compreender e relatar as principais mudanças realizadas
no exército, mas se concentram na análise exclusiva das armas. Ainda não contamos

13
FROTA, Guilherme de Andrea. Quinhentos Anos de História do Brasil. Rio de Janeiro: Biblioteca do
Exército Editora, 2000, cf.p.564-565.
14
Presidente do Brasil de 15/11/1914 a 15/11/1918.

21
com trabalhos que tenham no serviço de saúde dos exércitos o seu objeto de estudos ao
trabalharem com suas fontes.
A questão relativa a esta força auxiliar, o da saúde nas Forças Armadas, não
tem sido tema dos trabalhos acerca do desenvolvimento, reestruturação e modernização
dos exércitos que tiveram em sua história a contratação de missões militares
estrangeiras. Quanto a estas, a Missão Militar Francesa no Brasil reestruturou uma
importante instituição de ensino voltada para a medicina militar, a Escola de Saúde do
Exército, que fora criada em 1910. E o que diz respeito ao período anterior? Aquele que
compreende o início das comissões de médicos militares enviadas ao exterior para
estudos e aquisição de equipamentos? Como se encontravam estruturadas na Argentina
e no Brasil as suas forças auxiliares, ou seja, seus serviços de saúde?
É na tentativa de responder a estas questões que nosso trabalho se insere. No
último quarto do XIX, a situação do Cuerpo de Sanidad e do Serviço de Saúde do
Exército brasileiro apresentam suas similaridades e diferenças. Enquanto o primeiro
havia sido criado oficialmente apenas em 1888 o segundo já possuía uma pequena
estruturação desde o período colonial. Naquele período, os exércitos destes dois países
estariam vivenciando as consequências imediatas após a Guerra do Paraguai (1864-
1870) e o panorama de um dos conflitos mais importantes da época, na perspectiva
militar, a Guerra Franco-Prussiana (1870-1871).
Esta última guerra foi marcada pela discrepância entre os números de
mortos e feridos dos exércitos da Prússia e da França. Era a primeira vez que se via uma
inversão de número em uma guerra: o número de mortos por enfermidades era inferior
àquele oriundo das baixas no combate. Tal quadro se deu dentre as tropas prussianas. O
que teria levado a esta nova realidade? A atuação do serviço de saúde prussiano e a
política de vacinação em seus homens. O exército francês aprenderia sua lição e
buscaria na reestruturação e reorganização de seu Service de Santé uma forma de
manter seu contingente em futuros confrontos.
E quanto à Argentina e ao Brasil? A experiência na Guerra do Paraguai
traria implicações para os seus serviços de saúde? De que forma se encontrava
estruturada?
Um dos pontos para entendermos a situação do serviço de saúde brasileiro
está na presença de instituições voltadas para a saúde de suas tropas e que tem uma
relação direta com a higiene militar, na medida em que são responsáveis por pesquisas
na área da saúde militar. Com o final do conflito, o que teríamos de mas significativo

22
para o Serviço de Saúde do Exército brasileiro seria o envio do capitão primeiro-
cirurgião Ismael da Rocha em 1890. Retornando em 1892, este oficial médico havia
frequentado os dois principais institutos de pesquisa na área médica na época: O
Instituto Pasteur e o Instituto Koch. O objetivo do Ministério da Guerra, logo do Estado,
naquele momento, era estudar tudo o que fosse relativo à medicina militar, bem como
“os meios curativos de Koch”. Esta viagem implicou na criação de uma comissão que
seria responsável pela organização e fundação de um laboratório de microscopia e
bacteriologia no meio militar.
Criado em 1894 com o nome de “Laboratório de Microscopia Clínica e
Bacteriologia”, o Laboratório Militar de Bacteriologia surgiu sob influência da escola
francesa de Louis Pasteur e foi um dos primeiros15 no âmbito da bacteriologia no Brasil.
A finalidade deste laboratório era “propiciar aos médicos militares as investigações
microscópicas relativas às necessidades dos serviços clínicos hospitalares, à
16
bacteriologia e ao parasitismo” . O laboratório seria ainda responsável pela pesquisa
“sobre a origem, natureza, patogenia, tratamento e profilaxia de doenças endêmicas,
epidêmicas e infecto-contagiosas, observadas no país” 17.
Trabalhando em conjunto com o Laboratório Militar de Bacteriologia
18
tínhamos o Laboratório Químico Farmacêutico Militar , que teve sua origem em 1808
sob o nome de Botica Real Militar. Conforme o Decreto nº 9.717, de 5 de fevereiro de
1887, sujeito ao Cirurgião-Mór do Exército, este laboratório destinava-se a “preparar os
compostos químicos e farmacêuticos necessários ao Serviço de Saúde do Exército e
fornecer às farmácias militares, ambulâncias de forças expedicionárias,
estabelecimentos militares em geral e a outros destinos que forem determinados pelo

15
Os primeiros laboratórios bacteriológicos instalados no Brasil foram os criados por Domingos Freire no
Rio de Janeiro em 1890 e o Instituto Bacteriológico de São Paulo em 1892. BENCHIMOL, Jaime Larry.
“Domingos José Freire e os primórdios da bacteriologia no Brasil”. História, Ciências, Saúde –
Manguinhos, Rio de Janeiro, v. II, n.1, p.67-98, mar./jun. 1995; BENCHIMOL, Jaime Larry. Dos
micróbios aos mosquitos. Febre amarela e a revolução pasteuriana no Brasil. Rio de Janeiro: Ed.
FIOCRUZ/Ed. UFRJ, 1999.
16
MELLO, Luis Eduardo Lethier de; FONSECA, Maria Rachel Fróes da. “Laboratório de Microscopia
Clínica e Bacteriologia”. In: Dicionário Histórico Biográfico das Ciências da Saúde no Brasil (1832-
1930). Casa de Oswaldo Cruz / FIOCRUZ – (http://www.dichistoriasaude.coc.fiocruz.br). Acesso em
setembro de 2008.
17
Idem.
18
Utilizamos o nome utilizado no período referente ao recorte cronológico de nossos estudos. O
Laboratório Químico Farmacêutico Militar, a partir de 1943 seria denominado de Laboratório Químico
Farmacêutico do Exército.

23
19
Ministério da Guerra” . Com o fim do Império e o advento da República, o
Laboratório teria que se submeter a outras funções além das que nos referimos
anteriormente. Conforme Decreto nº 7.454 de 8 de julho de 1909, o Laboratório tinha
como fim “proceder a todos os exames e análises de química geral ou aplicada à higiene
militar”. Este Decreto possibilitava ainda que o Diretor fizesse pedido, às autoridades,
de artigos necessários ao laboratório e quais destes artigos na Europa. No ano seguinte,
1910, o Decreto nº 2.232 determinou que, em conjunto com o Hospital Central do
Exército e Laboratório Militar de Bacteriologia e Microscopia Clínica, funcionaria
como locais em que seriam realizados os cursos da Escola de Aplicação Médico Militar.
O Cuerpo de Sanidad Del Ejército argentino não apresentaria instituições
deste tipo. Talvez por se tratar de uma força auxiliar nova no contexto das demais armas
do exército, o exército argentino naquele período ainda discutia a construção de seu
hospital central e, em função disso, a necessidade de enviar o seu oficial médico, o
Cirurgião-mor Alberto Costa, à Europa para adquirir os instrumentos mais recentes no
campo da cirurgia militar. Se dava então a Comisión de Saniad. Além ser responsável
pela aquisição do instrumental que seria levado para o Hospital Militar Central, Costa e
os demais membros da comissão deveriam estudar os serviços sanitários dos principais
exércitos europeus – Alemanha, França, Inglaterra, Itália, etc.
O que notamos nestes Serviços de Saúde no período delimitado por nossa
pesquisa?
Na virada do século, a Argentina recebia uma missão alemã para a
modernização de seus exércitos. O Brasil, por outro lado, iniciava o século XX sem ter
contratado ainda uma missão militar – ao contrário de seus vizinhos Chile e Argentina –
e enviando várias turmas de oficiais para prestarem estágios junto ao exército alemão
em 1906, 1908 e 1910. Ao mesmo tempo, os franceses já se encontravam realizando
missões no país, através da Força Pública de São Paulo e do Serviço de Veterinária do
Exército. Apesar da ligação com os alemães em período anterior, seria ao lado dos
franceses que nosso exército lutaria na 1ª Guerra Mundial e junto dos quais teríamos
uma missão médica para auxiliar no atendimento à população civil que era atacada pela
epidemia de gripe espanhola. Na década de 1920 os franceses finalmente conquistariam

19
VELLOSO, VerônicaPimenta, BRAGA, João Âreas. “Botica Real Militar”. In: Dicionário Histórico
Biográfico das Ciências da Saúde no Brasil (1832-1930). Casa de Oswaldo Cruz / FIOCRUZ –
(http://www.dichistoriasaude.coc.fiocruz.br). Acesso em setembro de 2008.

24
sua influência no exército brasileiro e seriam contratados para uma Missão Militar de
instrução. Portanto, a influência alemã e francesa se fez presente durante todo o período.
Desta forma, como ressaltamos no início deste texto, a disputa entre França
e Alemanha não se daria apenas no campo das armas militares. Entendemos que o
mesmo se dava nos seus serviços de saúde. Se estes serviam de modelo para o que
deveria ser um exército, na perspectiva dos governos brasileiro e argentino, então seus
serviços de saúde não estariam desligados desta lógica. É a partir da noção de higiene
militar que trabalharemos para a compreensão e aplicabilidade destes modelos pelos
exércitos argentino e brasileiro.
O objeto da higiene é a proteção e o desenvolvimento da saúde. Para a
realidade dos militares, o estudo de higiene da tropa levava em consideração aspectos
como educação física militar; exercícios militares e os acidentes provocados em sua
execução; asseio, fardamento e equipamento do soldado; habitações; profilaxia de
doenças comuns no exército; etc. Nosso objetivo, aqui, não é fazer um “tratado” sobre
higiene, mas perceber o papel desta na reestruturação dos exércitos da Alemanha e da
França e a sua relação com a busca de um modelo de serviço de saúde para a Argentina
e no Brasil baseados nestes países. No entanto, ao encontrarmos na higiene militar o
nosso ponto em comum de pesquisa, não podemos deixar de trabalhar com as
influências que a medicina, fosse ela geral ou militar, daqueles dois países europeus
tiveram sob os médicos militares de nossos estudos.
A criação de laboratórios civis e militares voltados para pesquisa de doenças
e desenvolvimento de soros e vacinas estaria, também, relacionado com esse processo
de modernização pautado no modelo dos exércitos europeus. Neste caso, apontamos o
Instituto Koch – fundado em 1891 –, como fundamental, na medida em que, ao
contrário do Instituto Pasteur – fundado em 1888 –, estava diretamente ligado às
questões de Estado e. 20 Um exemplo de tal afirmativa é a criação do Laboratório de
Higiene da Faculdade de Medicina do Rio de Janeiro. Verônica Pimenta Velloso, ao
tratar da origem deste laboratório, percebe que ele é resultado das reformas do ensino
médico na década de 1880, “inspiradas no modelo germânico de instituições de ensino e
pesquisa. O ensino prático e livre seria o pilar deste modelo que contrastava com o

20
WEINDLING, Paul. “Scientific elites and laboratory organisation in fin de
siècle Paris and Berlin”. In: Cunningham, A. & Williams, P. (eds.). The
laboratory revolution in medicine. Cambridge University Press., 1992, p. 170-188.

25
modelo centralizador francês”. 21 Sabemos que este instituto passou por várias
modificações em sua estrutura e sua nomenclatura até ser dirigido em 1897, já sob a
denominação de Instituto Sanitário Federal, pela Diretoria Geral de Saúde dos Portos.
Contudo, ressaltamos a importância dos laboratórios nacionais pautados nos modelos de
institutos europeus.
Referindo-se a estes institutos estrangeiros e sua influência sobre institutos e
laboratórios nacionais, é profícuo fazermos algumas observações acerca dos mais
importantes existentes no momento de criação do Laboratório de Higiene da Faculdade
de Medicina do Rio de Janeiro (1882), civil, e do Laboratório de Microscopia Clínica e
Bacteriologia (1894), militar. No final do século XIX, especificamente nas décadas de
1880 e 1890, surgia uma nova forma de laboratório de pesquisa médica. Fora do
contexto das universidades, destinavam-se principalmente à saúde pública e terapia
hospitalar. 22

A fundação destes institutos foram encorajados pela


esperança de que a bacteriologia poderia providenciar soluções aos
aparentemente intratáveis problemas de saúde das cidades em
desenvolvimento (burgeoning cities).”23

Além disto, havia também uma questão da competição internacional em


função do surgimento do imperialismo. O prestígio internacional viria na mesma
proporção em que novas descobertas no campo bacteriológico eram feitas. É neste
ambiente competitivo que os Institutos Pasteur e Koch são fundados. O Instituto
Pasteur, fundado em 1888, era uma fundação privada, mas com facilidades e suporte do
Estado e do município. Outro ponto é o significado do Instituto no momento histórico
de seu país. O Instituto Pasteur “era o símbolo da terceira República”, pois “combinava
a multiplicidade de interesses pessoais com um ethos nacional”.24 Assim, o suporte

21
VELLOSO, Verônica Pimenta. “Laboratório de Higiene da Faculdade de Medicina do Rio de Janeiro”.
In: Dicionário Histórico Biográfico das Ciências da Saúde no Brasil (1832-1930). Casa de Oswaldo
Cruz / FIOCRUZ – (http://www.dichistoriasaude.coc.fiocruz.br). Acesso em setembro de 2008.
22
WEINDLING, Paul. Op. Cit.
23
Idem, p. 170.
24
Idem, p. 174.
Sobre ethos, “O ethos de um povo é o tom, o caráter e a qualidade de sua vida, seu estilo moral e estético,
e sua disposição é a atitude subjacente em relação a ele mesmo e ao seu mundo que a vida reflete. A visão
de mundo que esse povo tem é o quadro que elabora das coisas como elas são na simples realidade, seu
conceito da natureza, de si mesmo, da sociedade. Esse quadro contém suas ideias mais abrangentes sobre
a ordem” (GEERTZ, Clifford. A Interpretação das Culturas. Rio de Janeiro: LTC – Livros Técnicos e
Científicos Editora S.A., 1989, p. 93.

26
político dado ao instituto demonstra como a higiene era entendida como uma forma
segura de progresso.

Como Pasteur enfatizou, enquanto seus esforços somente


convertiam uma elite para trabalho médico e científico, esta elite podia
mudar o destino da nação em seus resultados na economia da nação e
na população. Ainda que sempre precário financeiramente, uma
multiplicidade de fontes de renda significavam que os cientistas
permaneciam mestres de seus destinos. 25

Enquanto o Instituto Pasteur obtinha seus fundos pautado em pesquisas em


torno da raiva, o Instituto Koch, fundado na Alemanha em 1891, obteve apoio de uma
terapia inovadora para importante doença na época: a tuberculose. Weindling chama
nossa atenção para o fato de que, em termos científicos, Pasteur e Koch eram muito
diferentes. Enquanto Pasteur havia realizado seus experimentos em técnicas de
fermentação e análises químicas, Koch trabalhou com material mais sofisticado para a
cultura de bactérias. Um outro ponto a observar é que “a escola de bacteriologia de
Koch pode ser vista como uma consequência de uma geração anterior de pesquisadores
(...). A maior parte das descobertas em bacteriologia entre 1876 e 1900 eram de alemães
ou treinados por pesquisadores alemães”. 26
Os institutos Pasteur e Koch tiveram contato com setores militares, mas
estes desempenharam papéis diferenciados em seus quadros. Enquanto o instituto
francês apresentava um “potencial” para desenvolver contato com autoridades militares
em função de sua localização – Paris –, o Instituto Koch, por manter sua rígida estrutura
hierárquica, apresentava como membros de sua equipe vários oficiais-médicos militares.
Segundo Weindling, “Havia uma maior hierarquia, uniformidade e orientação do Estado
e envolvimento militar que o Instituto Pasteur”.27 Por fim, no que diz respeito ao
período entreguerras, o autor afirma que mesmo o Instituto Koch crescendo enquanto
centro nacional de pesquisas, este acabou sucumbindo ao nazismo.
Em um artigo intitulado Higiene Militar e Medicina Militar, Monteiro
Sampaio – Capitão-médico instrutor da Escola de Saúde do Exército – publicado em
1942, inicia seu texto se referindo a uma conferência sobre medicina militar proferida
na Universidade de Viena, 1938, por um general médico, Dr. Handloser. Na
comunicação deste médico, agradeceu a presença de médicos civis que “atenderam ao

25
WEINDLING, Paul. Op. cit, p.174.
26
WEINDLING, Paul. Op. cit, p. 176.
27
Idem, p. 184.

27
chamado” da medicina militar e que “esta [a medicina militar] representava para eles, de
um modo geral, uma terra virgem e que lhe era uma honra e um prazer guiá-los através
deste novo território, apoiado pelos conhecimentos e resultados das pesquisas e
experiências dos antigos e modernos tempos, bem como sua experiência própria de
28
trinta anos de médico militar” . Há duas observações pertinentes a fazermos neste
documento. A primeira diz respeito ao lugar em que ocorreu esta Conferência. Em
1938, não havia se iniciado a 2ª Guerra Mundial, mas Viena era capital de um país que,
naquele momento vivia sob um regime fascista: Áustria. Um segundo aspecto a
considerarmos é o médico responsável por esta conferência. Dr. Handloser era general
médico do Exército alemão e sob as ordens de seu Führer, Hitler, no ano da
Conferência, Generaloberstabsarzt Dr. Handloser era chefe das Forças Armadas do
Serviço Médico alemão 29. Ao longo do artigo, o Capitão-médico Monteiro Sampaio faz
referências a proposições deste médico e à forma como este define a medicina militar.
Cabe destacar:

As exigências do serviço militar (exercícios fatigantes,


marcha, emprego das armas, acampamento, etc.) põem à prova de sua
resistência orgânica que deve ser objeto de meticulosa observação por
parte do médico de tropa. Essa observação meticulosa, esse estudo por
assim dizer experimental do próprio cerne da raça, é um dos grandes
benefícios feitos à nacionalidade pelo Exército, que é o caminho onde
os seus filhos se enrijam e enobrecem.
Tudo o que mediata ou imediatamente leve a este fim,
higiene, inspeção médica, profilaxia e tratamento das doenças,
educação física e educação mora, é do domínio da medicina militar.
Incumbe-lhe, diz o Dr. Handloser (...), especialmente, participar de
todas as medidas sociais e político-demográficas que elevam o poder
defensivo, pesquisar as causas das incapacidades para o serviço
militar, contribuindo para afastá-las , e finalmente colaborar em todas
as medidas de educação física que desenvolvem e fortificam a
juventude, que é o Exército de amanhã.
[...]
Se assim é, porém, se a medicina militar no seu mais amplo
conceito de conservação, desenvolvimento e aperfeiçoamento da raça
é tarefa honrosa de todos os médicos, há contudo, um setor especial
que constitui por excelência a esfera de ação do médico militar. E
neste setor ocupa o primeiro lugar a higiene militar. ‘Ela foi em todos
os tempos, escreve Handloser, e é também ainda hoje, um domínio
especial do médico militar’. Dela não se ocupam apenas os
especialistas, mas normalmente o médico de tropa e mesmo o médico
militar, em geral deve dar-lhe o maior apreço.

28
SAMPAIO, Monteiro. “Higiene Militar e Medicina Militar”. Revista Médico-Cirúrgica do Brasil, Ano
L, nº 5, Maio-1942, p. 385-397.
29
Nazi Conspiracy and Aggression. Volume VIII. USGPO, Washington, 1946/p.672-678
(http://www.ess.uwe.ac.uk/genocide/keitel4.htm). Acesso em outubro de 2008.

28
[...]
Na higiene militar resumem-se os deveres mais
fundamentais e mais elevados da medicina militar. Por isso o nosso
Regulamento para o Serviço de Saúde em tempo de paz (Bol. Do Ex.
n. 42, 31-7-36) prescreve em primeiro lugar: o Serviço de Saúde do
Exército tem por objeto: a) aplicação dos preceitos de higiene à
conservação da saúde da tropa...
Dever-se-ia completar este mandamento com a noção do
desenvolvimento e aperfeiçoamento da raça, que é, sem dúvida, a
missão social do Exército e que não se pode realizar sem o concurso
da medicina militar. 30

O documento acima, ainda que de um período posterior ao de nosso recorte,


é apenas uma amostra do que entendemos por “influência” de correntes científicas de
potências europeias, no nosso caso alemães e franceses, no nosso Serviço de Saúde.

HISTORIOGRAFIA

Sobre a bibliografia pertinente ao nosso tema, nos deparamos com grandes


lacunas. A história do serviço de saúde e o papel das correntes científicas internacionais
devem ser analisados de acordo com obras específicas de temas que se relacionam para
a elaboração de nosso trabalho.
A história do Serviço de Saúde do Exército é trabalhada especificamente por
dois autores: Gilberto de Medeiros Mitchell e Arthur Lobo da Silva. Gilberto Mitchell,
médico das Forças Armadas, ao escrever sobre História do Serviço de Saúde do
Exército produziu uma obra de dois volumes em que identificamos as origens do
Serviço de Saúde, seu histórico, sua experiência em conflitos e, além disso, a biografia
de figuras importantes para a história da medicina militar. Por ser praticamente um
manual de referências do Serviço de Saúde, esta produção de Mitchell não nos permite
espaços para críticas quanto a formulações teóricas. Trata-se de um bom trabalho de
referência voltado para esclarecimentos de pequenas dúvidas acerca das ações do nosso
Serviço de Saúde Militar.
Arthur Lobo da Silva, com O Serviço de Saúde do Exército Brasileiro,
preocupa-se com, conforme dito em seu subtítulo, uma “história evolutiva desde os seus
primórdios até os tempos atuais. Basicamente no mesmo modelo do trabalho de

30
SAMPAIO, Monteiro. Op. cit., p. 386.

29
Mitchell, a obra de Lobo é mais concisa, sendo apresentada em apenas um volume. O
que destacamos como ponto interessante em seu trabalho é o capítulo terceiro destinado
aos livros, jornais e revistas e a influência das suas publicações no meio militar. Um dos
pontos importantes para nosso trabalho, nesse ponto da obra de Arthur Lobo, é a
importância atribuída aos periódicos médicos destinados aos militares e um histórico
resumido das principais publicações médicas voltadas para o meio militar e, em alguns
casos, como “A Medicina Militar”, a mudança de nomes pela qual passou a revista.
A Missão Militar Francesa é trabalhada de forma detalhada por Alfredo
Souto Malan. Segundo Missão Militar Francesa de Instrução junto ao Exército
Brasileiro, o general apresenta de forma didática como se deu a negociação entre Brasil
e França visando a formação de uma Missão. Alfredo Souto Malan afirma que há vários
tipos de missão e que, tratando-se da Missão Militar Francesa que veio ao Brasil, ela é
classificada como uma “missão de instrução”:

A MISSÃO DE INSTRUÇÃO é organizada num país, por


solicitação de outro para neste último e mediante um acordo ou
contrato firmado entre os dois governos, prestar assistência e
transmitir ensinamentos visando, através de organização adequada,
doutrina conveniente e eficiente preparo, tudo devidamente adaptado
às finalidades conjunturais e aos recursos disponíveis, a tornar o mais
objetivo possível, o organismo bélico do país assistido. 31

Malan aponta para quatro fases da Missão Francesa: 1920-1924; 1925-1930,


1930-1933 e 1934-1940. Contudo, devemos lembrar que outras missões francesas se
deram no Brasil, como destacam Pays e Saliou, e estavam voltadas para outras questões:

Do final do final do século XIX até a Segunda Guerra


Mundial, as missões francesas no Brasil embora tenham sido missões
específicas de cooperação em um país independente já emergindo e
com importantes meios financeiros.

[...]

Estas missões foram realmente missões de cooperação no


sentido completo da palavra em que cada parte trouxe para a outra o
que eles não dominavam. 32

31
MALAN, Alfredo Souto. Missão Militar Francesa de Instrução Junto ao Exército Brasileiro. Rio de
Janeiro: Biblioteca do Exército, 1988, p. 10.
32
PAYS, J. –F., SALIOU, P. "A comparative approach to the French medical missions in Brazil and in
sub-Saharian Africa before the Second World War. Parassitologia 47, 2005, p.366.

30
O que se nota nestes estudos é que os pesquisadores franceses vinham ao
Brasil e estudavam doenças endo-epidêmicas que, ao mesmo tempo, eram notadas nas
colônias africanas sob o julgo francês. A missão Marchoux33 de 1903 ao Rio de Janeiro,
por exemplo, resultou em tentativas para implementar as técnicas de combate à febre
amarela desenvolvidas naquela cidade em Dakar e Senegal. Assim, Salyou e Pays
concluem que estas missões ao Brasil foram parte da batalha francesa contra as doenças
tropicais existentes ou vivenciadas em suas colônias.
A Missão Militar alemã na Argentina tem no trabalho de Fernando García
Molina a sua produção mais recente e mais completa. Em seu La Prehistoria del Poder
Militar en La Argentina. La profesionalización, el modelo alemán y la decadencia
del régimen oligárquico, Molina se pautou nas seguintes questões para o
desenvolvimento de sua análise: que função desempenhou o modelo militar alemão no
processo de profissionalização iniciado pelo presidente Julio A Roca no final do século
XX? Qual a intensidade daquela influência que permita concluir que
“profissionalização” e “germanização” terminaram por significar o mesmo? Que
impacto produziram ambas na conformação do poder militar da Argentina?34
Esta discussão em torno da profissionalização se mostra muito profícua para
a compreensão do que se busca quanto ao uso deste termo e, principalmente, sua relação
ou não com um processo de modernização. Molina compartilha do mesmo ponto de
vista de Huntington quanto à definição de “profissionalização” das Forças Armadas, ou
seja, sua compreensão sobre o termo “profissionalismo”. Enquanto o primeiro define a
profissionalização como uma aquisição de uma capacidade específica ou, dentre outros,
a formação de um espírito de corpo, Huntington se volta para este processo de
profissionalização e a relação direta deste que virá a ser um profissional militar com a
sociedade. De acordo com Samuel Huntington,

As instituições militares de qualquer sociedade são


moldadas por duas forças: um imperativo funcional, que se origina das
ameaças à segurança da sociedade, e um imperativo societário,
proveniente das forças sociais, das ideologias e das instituições
dominantes dentro dessa mesma sociedade. Instituições militares que
só refletem valores sociais podem ser incapazes de desempenhar com

33
Sobre a Missão Marchoux, ver BENCHIMOL, Jaime & SÁ, Magali Romero. “Insetos, humanos e
doenças: Adolpho Lutz e a medicina tropical. In: BENCHIMOL, J. & SÁ, M.R. Adolpho Lutz. Obra
Completa. Febre Amarela, Malária e Protozoologia, volume 2, número 1, 2005, p. 43-245.
34
MOLINA, Fernando García. La Prehistoria del Poder Militar en La Argentina. La
profesionalización, el modelo alemán y la decadencia del régimen oligárquico. Buenos Aires:
EUDEBA, 2010.

31
eficiência sua função específica. Por outro lado, poderá ser impossível
conter dentro de uma sociedade instituições militares moldadas
exclusivamente por imperativos funcionais. É na interação dessas duas
forças que está o nó do problema das relações entre civis e militares.
O grau em que elas entram em conflito depende da intensidade das
exigências de segurança e da natureza e força do padrão de valores da
sociedade”.35

No que diz respeito à higiene militar, tratada de forma sucinta em nossa


apresentação, o trabalho de Murillo de Campos é fundamental. Médico do Serviço de
Saúde do Exército, em Elementos de Hygiene Militar o autor procura deixar claro que a
questão da higiene militar é um campo de estudos da higiene voltado para o cotidiano
da caserna. Tratando de elementos como “raça” e a importância do serviço militar, ao
36
considerar que “A caserna é para o soldado uma escola de asseio e de hygiene” . Os
modelos franceses e alemães de elementos de higiene (profilaxia, asseio da tropa,
fardamento, educação física, etc) são vistos a todo instante. A leitura atenta nos leva a
perceber que, segundo o autor, a cultura física, ou seja, a educação física do Exército
Nacional era feito pautado no modelo francês, já que seguia o modelo da escola de
Educação Física de Joinville-le-Pont37. É importante tratarmos de questões como essa,
na medida em que a instrução física militar compreende parte educativa e adaptação às
diversas especialidades.
Sob a perspectiva de uma análise comparada entre as missões militares que
se fizeram presentes na América do Sul, temos os trabalhos de Alain Rouquié e seu
livro O Estado Militar na América Latina,38 e Frederick Nunn com Yesterday’s
Soldiers.39
Na obra citada, Rouquié tem seu estudo baseado na fisiologia do poder
militar, através de seus mecanismos, de seu funcionamento e de suas funções 40 e tem
como proposta de análise uma leitura do que seria este poder militar e sua diversidade.
Sua abordagem comparativa se dá como uma proposta de construção da problemática,

35
HUNTINGTON, Samuel P. O Soldado e o Estado. Teoria Política e das Relações entre Civis e
Militares. Rio de Janeiro: Biblioteca do Exército Editora, 1996, p. 20-21.
36
CAMPOS, Murillo de. Elementos de Higiene Militar. Rio de Janeiro: Empreza Graphica Editora –
Paulo, Pongeti & Cia, 1927, p. 160.
37
Escola de Educação Física que ficou conhecida com a chegada da Missão Militar Francesa. Mais
detalhes, ver: CORRÊA, Denise A. “Ensinar e aprender educação física na ‘era Vargas’: lembranças de
velhos professores”. In: VI EDUCERE - CONGRESSO NACIONAL DE EDUCAÇÃO - PUCPR -
PRAXIS, 2006, Curitiba.
Anais... Curitiba: PUCPR, 2006. v. 1. (ISBN 85-7292-166-4).
38
ROUQUIÉ, Alain. O Estado Militar na América Latina. São Paulo: Editora Alfa-Omega, 1984.
39
NUNN, Frederick. Yesterday’s Soldiers. Lincoln: University of Nebraska Press, 1983.
40
ROUQUIÉ, 1984, cf.p.XXII-XXIII.

32
que entende no Exército e no Estado da América Latina duas realidades
consubstanciadas. Do ponto de vista do autor, é a única perspectiva “realmente adaptada
às realidades latino-americanas”.41
Frederick Nunn, antes de realizar este trabalho, publicou duas obras acerca
das relações entre civis e militares no Chile. Enquanto a primeira destinava-se à política
chilena entre 1920-1931 e a discussão em torno de uma ação político-militar baseada no
ethos profissional, a segunda também tratava das relações entre civis e militares, mas
com um intervalo de tempo maior, entre 1810 e 1973. Neste, Nunn percebeu que o
pensamento militar chileno entre 1920 e 1970 pouco havia mudado, permanecendo o
mesmo. Foi então que algumas questões surgiram para o autor e todas elas relacionadas
com as experiências militares vividas por suas “irmãs”, no caso: Argentina, Brasil e
Peru. Era iniciado o trabalho do livro em questão, Yesterday’s Soldiers.
Como o autor ressalta, meio século não representou praticamente mudanças
no pensamento militar, mas o período em questão em seu Yesterday’s Soldiers é aquele
compreendido entre 1890 e 1940. Embora ele esteja convencido de que a essência do
pensamento militar de 1920 não seja tão diferente daquele de 1970.
Entendemos que, talvez, esta essência do pensamento exista mesmo no caso
dos demais países – Argentina, Peru e Chile −, mas o Brasil não se enquadraria nesta
afirmação. Isso tudo em função da forte influência do pensamento norte-americano após
a participação do Brasil na 2ª Guerra mundial e a criação da ESG − nos modelos da
National War College dos EUA. Talvez, tal afirmação possa se dar na mesma
perspeciva adotada por Edmundo Campos Coelho e sua teorização em torno da
Doutrina de Segurança Nacional.
O autor pretende demonstrar que o pensamento e a autopercepção militares
pouco mudaram. Para Nunn, “Estes são a própria essência do profissionalismo militar, o
estado ou condição de ser profissional no sentido do dicionário”. Ao debruçar-se sobre
as literaturas francesa e alemã sobre o tema, tirou suas primeiras conclusões. Uma delas
é a de que os sul americanos copiavam os europeus de diversas formas. Além disso,
Nunn afirma que eles passaram a pensar como franceses e alemães e a se perceberem da
mesma forma. Nesta empreitada, a figura dos “missionários militares” seria
fundamental. Ao longo de seus capítulos, Nunn identifica a precariedade dos exércitos
sul americanos e como estes missionários, ou seja, aqueles instrutores militares alemães

41
Ibidem, p.XXIV.

33
e franceses que eram enviados para a América do Sul, eram responsáveis pelo
desenvolvimento da influência de seus exércitos na região.
A questão da higiene nos remete às discussões em torno dos estudos sobre
guerra, medicina, as relações entre estas duas e, além disso, saúde. Roger Cooter, em
seu artigo War and Modern Medicine42, relaciona o cotidiano de guerra com suas
implicações no campo médico e aponta para o “descaso” na história de medicina quanto
à relação da medicina com a guerra. Segundo Cooter, há três gerações de historiadores
voltados para a história da medicina:

1. Primeira geração preocupada com aspectos biográficos de grandes


personalidades médicas;
2. Segunda geração, em que o autor inclui Rosen, também não se preocupa
com o estudo da importância da guerra para a medicina.
3. A geração atual, que evita tocar na questão em função de um assunto que
gostariam de evitar: Vietnã.43

Esta classificação do autor a respeito de uma historiografia voltada para a


história da medicina aponta para os “vazios” a serem preenchidos por trabalhos voltados
para a relação entre as guerras e o desenvolvimento, ou não, da medicina. Um dos
autores mais importantes da história da medicina, George Rosen, sequer toca na relação
entre guerra e medicina, chegando ao ponto de nem mencionar o termo “guerra” em
suas obras. Quanto à questão de desenvolvimento/modernização, devemos lembrar o
que destaca Cooter, ao afirmar que com a primeira "Grande Guerra”, as práticas de
combate passaram por um processo tecnologicamente revolucionário e que neste mesmo
período “a organização da medicina militar foi significativamente reformada”.44
Contudo, devemos ressaltar que esse desenvolvimento, esse processo de modernização e
de reforma devem ser vistos a partir da perspectiva da medicina militar como produto e
agente da política e da economia de seu tempo.
Finalmente, no que diz respeito às doenças, destacamos o trabalho de dois
importantes autores: George Rosen e Mark Harrison.

42
COOTER, Roger. “War and modern medicine”. In: BYNUM, W.F. and PORTER, Roy. Companion
Encyclopedia of the History of Medicine. 2vols, Routledge, London, 1993, p. 1536-1573
43
COOTER, Roger. Op. cit., cf. p. 1537-1538.
44
Idem, cf. p. 1540.

34
George Rosen, que fora criticado por Cooter por não trabalhar as relações
entre guerra e história da medicina, em seu História da Saúde Pública, tem como
objeto de estudos a saúde pública e utiliza em seus escritos “a noção de que a natureza
dos problemas de saúde e do modo de enfrentá-los em cada sociedade decorrem de
condições políticas, econômicas e sociais, assim como dos conhecimentos disponíveis e
das concepções de saúde e doença nela prevalentes. É da interpretação dos problemas de
saúde à luz destas condições objetivas de vida que, segundo o autor, surge a teoria capaz
de dar inteligibilidade e significado aos fatos de que se ocupa a história da medicina”.45
Uma das alternativas metodológicas em que o autor se baseia é a “história da doença”:

Na condição de objeto das práticas de saúde (...) a doença


configura a base sobre a qual se estruturam as relações entre, de um
lado, necessidades socialmente postas e, de outro lado, instrumentos
para sua satisfação. A doença permite, dessa forma, distinguir com
mais acurácia que a técnica, isoladamente, os determinantes e os
valores que explicam as diferentes conformações dessas práticas ao
longo da história”.

[...]

“... a história da doença pode ser vista como mais do que o


estudo de entidades particulares, independentes; ela se torna o
delineamento de padrões de adoecimento característicos de certas
épocas e sociedades assim como dos fatores e processos que
conduzem às suas transformações no tempo e no espaço”. 46

Mark Harrison, com seu trabalho Disease and the Modern World, apresenta
um capítulo que nos interessa de forma especial. Trata-se do capítulo sete, sob o título
“Disease, War and Modernity”. Assim como Cooter já havia demonstrado no texto
citado por nós anteriormente, Harrison volta a afirmar que o número de mortos por
doença na 1ª Guerra Mundial em relação ao de mortos por ferimentos em combate
apresentou uma função inversa. Isto se daria em parte porque as armas utilizadas nos
confrontos têm um poder destrutivo maior do que aquelas usadas em outras guerras. Isto
é um fator que não deve ser esquecido, mas o controle de doenças, a partir de medidas
sanitárias, se deu de forma mais efetiva nos teatros de operações da 1ª Guerra Mundial.

45
ROSEN, George. Uma História da Saúde Pública. São Paulo: Hucitec: Editora da Universidade
Estadual Paulista; Rio de Janeiro: Associação Brasileira de Pós-Graduação em Saúde Coletiva, 1994, p.
20.
46
ROSEN apud AYRES, José Ricardo de C. M. Ibidem, p.20.
35
OBJETIVOS, METODOLOGIA E FONTES

Temos na higiene militar o nosso principal eixo norteador, no entanto, não


nos limitamos apenas à análise de elementos da higiene. Nossa proposta de trabalho de
pesquisa e confecção de tese diz respeito ao exame conjunto dos seguintes eixos
temáticos:

I. Modernização: a partir do desenvolvimento técnico e científico dos


exércitos dos chamados “países centrais”, no nosso caso específico
os exércitos da França e da Alemanha, os exércitos dos países
periféricos buscam a modernização de sua estrutura militar. Tal
processo apresenta implicações na estruturação do Serviço de Saúde,
nosso objeto de pesquisa.
II. Comparação: a importação de tecnologias dos exércitos europeus
não se deu apenas no Brasil, sendo uma característica do mesmo
processo pelos demais “países periféricos” da América Latina. Por
razões históricas, trabalharemos com o Cuerpo de Sanidad do
exército argentino.

I. Modernização
Nossa pesquisa terá como foco o caráter modernizador das reformas
empreendidas pelos oficiais oriundos das comissões militares enviadas ao estrangeiro –
as de Alberto da Costa e Ismael da Rocha – e por aquelas que estiveram em território
nacional como missões de instrução – tais quais as missões de médicos veterinários
franceses na Escola de Veterinária do Exército e a missão de instrução para a Força
Pública do Estado de São Paulo, hoje Polícia Militar do Estado de São Paulo. Estas
missões militares serão entendidas a partir das necessidades colocadas pelo Ministro da
Guerra do período, o marechal Hermes Rodrigues da Fonseca, bem como pelas relações
estabelecidas pelo diplomata brasileiro responsável pela visibilidade do Brasil no
exterior, o Barão do Rio Branco.
Se a modernização é vista como um ponto fundamental para a concepção de
nossa tese, é no processo de desenvolvimento técnico e científico que teremos a espinha
dorsal de nosso texto. Não nos deteremos apenas nos aspectos relativos à higiene

36
militar, visto que a relativa falta de pesquisa no campo de estudos da medicina militar e
do seu processo de desenvolvimento devem ser abordados em nosso trabalho. Assim,
não podemos desligar o processo de desenvolvimento técnico-científico do Exército do
seu Serviço de Saúde, uma vez que, na concepção de determinadas correntes, o
contingente é de suma importância para a construção de um “Exército forte”.
Para muitos dos oficiais que estiveram presentes nas missões estrangeiras de
instrução, um dos aspectos mais significativos desta modernização das Forças Armadas
dizia respeito à profissionalização dos militares. Assim, a necessidade de
reestruturação/reforma do Serviço de Saúde e a criação dos diversos institutos e
laboratórios não está desconectada deste processo modernizador do Exército nacional.
Portanto, estudar a modernização deste setor é entender também o seu papel, sua
importância, na gênese do processo e entender a mesma como parte da
institucionalização científica do país.47
Sendo assim, é a partir do desenvolvimento técnico-científico dos exércitos
alemães e franceses, da necessidade de criar zonas de influência e da busca dos
“exércitos periféricos” de acompanharem tal processo evolutivo que construiremos
nosso trabalho. O autor Alain Rouquié 48 corrobora este ponto ao afirmar que através de
serviços de reorganização do aparelho defensivo, França e Alemanha conseguiram
aumentar sua influência diplomática e comercial. De forma mais objetiva, os saberes
médicos e suas práticas estarão ligados à lógica de tal desenvolvimento e seus reflexos
no Serviço de Saúde serão analisados em nossa pesquisa.

II. Comparação
Como destacado no item anterior, a busca pela adequação ao processo
evolutivo dos exércitos dos países centrais, ou europeus, se deu em diversos países da
periferia, ou seja, não europeus. Na América Latina, vários países também contrataram
missões estrangeiras para modernizarem seus exércitos, mas destacamos em especial
dois países: Argentina e Brasil. 49 Nossa proposta é entender as influências dos exércitos

47
Não trataremos aqui do processo de institucionalização da ciência, mas acreditamos que este pode ser
um dos vários caminhos que se abrirão para pesquisas futuras.
48
ROUQUIÉ, Alain. O Estado Militar na América Latina. São Paulo: Editora Alfa-Omega, 1984.
49
O estudo do serviço de saúde do exército chileno completaria o ABC da América do Sul, mas
infelizmente não tivemos tempo para promover um projeto desta dimensão.

37
franceses e alemães no processo de modernização do Exército nacional. Desta forma,
não deixaremos de abordar as diferentes missões militares oriundas destes dois centros.
Neste contexto é que temos a importância destes outros países da América
do Sul. Assim, notamos que, para compreender o processo em curso no exército
brasileiros, devemos nos ocupar das preocupações que cercavam os militares quanto ao
desenvolvimento das Forças Armadas de seus vizinhos – fala marcada no destaque do
adido militar brasileiro se referindo aos oficiais argentinos formados sob influência
alemã. Além disso, devemos atentar para as características comuns às missões
empreendidas nestes países. Desta forma, poderemos formular generalizações que
demonstrar-se-ão fecundas para o campo historiográfico. Partimos do pressuposto de
que uma tese de doutoramento deve ser composta conteúdos significativos e que
permitam desdobramentos futuros. Consequentemente, o que pretendemos aqui é dar
início a um tipo de trabalho que, como vimos em nossos estudos, ainda carece de
atenção na historiografia.

***

O nosso recorte cronológico diz respeito a dois momentos: a formação do


Cuerpo de Sanidad do Exército argentino em 1888 e a mudança no cenário político e
militar de Argentina e Brasil, ou seja, suas sociedades após os movimentos de 1930.

Metodologia
Ao trabalharmos com as missões militares e a busca por parte dos países
periféricos para se “adequarem” ao processo evolutivo das Forças Armadas dos países
centrais percebemos a necessidade de um método que contemplasse as diferenças e
semelhanças destas realidades. Desta forma, notamos a aplicação do método
comparativo a configuração mais adequada para nossa tarefa de pesquisa e busca de
fontes, bem como no processo de construção de nossos argumentos.
Segundo Ciro Flamarion Cardoso50 e Héctor Pérez Brignoli,

50
CARDOSO, Ciro Flamarion e BRIGNOLI, Héctor Pérez. “O método comparativo na História”. In:
______. Os Métodos da História. Rio de Janeiro: Editora Graal, 1979, p. 409-420.

38
aplicar o método comparativo no quadro das ciências humanas consiste (...)
em buscar, para explicá-las, as semelhanças e as diferenças que apresentam
duas séries de natureza análoga, tomadas de meios sociais distintos.51

Pelo exposto nesta citação, concordamos que as experiências militares


compõem as “séries de natureza análoga”, sendo possível então o estudo comparativo
destes países e a aplicação deste método para a análise de nossas fontes.
Sobre a aplicação do método em si e a sua importância na construção do
conhecimento histórico, José D’Assunção Barros assim como Neyde Theml e Regina
Bustamante52  destaca que o artigo “Pour une histoire comparée des sociétés
européenes”, de Marc Bloch, publicado em 1928, significou um marco para uma nova
“promessa historiográfica”. Era um momento propício, dentre a intelectualidade
europeia, para uma formulação nova no campo da historiografia; deixando para trás o
modelo historiográfico predominante da História Política do século XIX, a
historiografia nacionalista. Modelo este que teve nos historiadores daquele momento
uma grande importância para a construção da memória dos Estados-nações e de um
sentimento nacionalista. Contudo, este nacionalismo se demonstrou exacerbado e teve
como resultado os conflitos da 1ª Guerra Mundial.
Barros nos leva a pensar que esta realidade foi importante para que o novo
modelo, ou uma nova proposta de, surgisse. Fato esse que traria na História Comparada
a possibilidade do diálogo, ultrapassando o paradigma existente até aquele momento.
Sobre a “promessa historiográfica” com a qual demos início este trecho de
nosso trabalho, o artigo a que ele se refere, publicado em 1928 com o título Pour une
histoire comparée des sociétés européenes, marcou as considerações teóricas sobre o
comparativismo histórico e “podem ser consideradas uma decorrência de sua primeira
realização prática neste sentido: a obra Os Reis Taumaturgos (...), que havia sido
publicada alguns anos antes, em 1924”. 53 Segundo Barros, para se fazer um bom
trabalho de história comparada é preciso que ele seja atravessado por um problema - tal
como feito por Marc Bloch com Os reis Taumaturgos em que a partir da comparação
entre duas sociedades rivais e distintas, Inglaterra e França, havia um problema que
conduzia o trabalho. O problema que se colocava, naquele caso, era sobre a construção

51
BLOCH apud CARDOSO, p.409.
52
BARROS, José D’Assunção. “História Comparada – Da Contribuição de Marc Bloch à Constituição de
um Moderno Campo Historiográfico”, História Social, Campinas – SP, nº13, 07-21, 2007; THEML,
Neyde e BUSTAMANTE, Regina. “História Comparada: Olhares Plurais”, Revista de História
Comparada, Rio de Janeiro– RJ, volume 1, número 1, jun./2007, 1-23.
53
BARROS, J. A. Op. cit., p.13.

39
do mito da existência dos dons taumatúrgicos dos reis, traçando um panorama da
sociedade europeia naquele momento.54
O trabalho de Maria Ligia Coelho Prado55 também ressalta a importância da
obra “Pour une histoire comparée des sociétés européennes”. Sobre o método
propriamente dito, supunha determinados procedimentos, começando pelo objeto.

Para Bloch, deviam-se escolher dois ou mais fenômenos


que parecessem, à primeira vista, apresentar certas analogias entre
eles, em um ou vários meios sociais diferentes; em seguida, descrever
as curvas de sua evolução, constatar as semelhanças e as diferenças e,
na medida do possível, explicá-las à luz da aproximação entre uns e
outros. De preferência, propunha estudar paralelamente sociedades
vizinhas e contemporâneas, sociedades sincrônicas, próximas umas
das outras no espaço.56

De acordo com Cardoso e Brignoli, há duas maneiras de aplicarmos o


método comparativo às nossas pesquisas em história. A primeira se limita à comparação
entre “sociedades aproximadamente contemporâneas e que partilham grande número de
traços estruturais análogos”, o que permite um manejo mais fácil e seguro do método. A
segunda forma “estende a comparação a sociedades francamente heterogêneas, ou muito
afastadas no tempo”; o que dificulta a aplicação do método, podendo levar a
anacronismos e armadilhas.57 Para definirmos quanto ao uso de uma dessas formas, é
importante nos lembrarmos sempre da definição dada por Marc Bloch no início de
nosso texto: localizar as diferenças e fixar as regularidades. 58 Sendo assim,
consideramos que nossa perspectiva de análise enquadra-se na primeira forma, já que
temos “sociedades aproximadamente contemporâneas e com traços estruturais
análogos”.
Entendemos que utilizar as experiências da Argentina e do Brasil na
contratação de missões militares nos possibilita generalizar o tema, ou seja, generalizar
a forma como o processo de modernização e desenvolvimento técnico-científico implica
mudanças no Serviço de Saúde destes exércitos. Daí, concordarmos com a afirmação de

54
Idem, cf. p.14-15.
55
PRADO, Maria Ligia Coelho. “Repensando a História Comparada da América Latina”, Revista de
História, nº 153, 2º semestre de 2005, 11-33.
56
Idem, p.17.
57
CARDOSO e BRIGNOLI, op. cit., cf. p.415.
58
Idem, cf. p.416.

40
Postan, de que não é possível “alcançar uma generalização sociológica a partir de um
único fato ou processo. A possibilidade de generalizar implica, pois, a comparação”. 59
Dentre aqueles que criticam o uso do método, há a orientação para que os
historiadores fiquem em alerta para não caírem nas armadilhas dos procedimentos
comparativos. Um dos exemplos dados pela autora está ligado ao de uma análise
voltada para o eurocentrismo; como atentou Edward Said, em sua obra Orientalismo: o
Oriente como invenção do Ocidente, ao apontar “para o olhar comparativo como
responsável pela construção de um Oriente inventado pelo Ocidente”.60
Quanto às críticas, armadilhas e perigos em sua aplicação, Cardoso e
Brignoli destacam o anacronismo como um dos mais importantes. De acordo com estes
autores, apenas a contemporaneidade não nos garante a comparação entre as sociedades.
Além disso, ressaltam que “o método comparativo exige uma rigorosa definição de
termos e conceitos, o que permite evitar polêmicas inúteis ou mal colocadas”. 61
Foi atentando para este fato que compreendemos a necessidade de
esclarecermos o uso de determinado aparato teórico em nosso trabalho: a teoria do
desenvolvimento desigual e combinado de Leon Trotsky.
Segundo Michael Löwy,62 a teoria do desenvolvimento desigual e
combinado de Trotsky é uma tentativa de explicar as mudanças sofridas pelas
sociedades “e, por consequência, de dar conta da lógica das contradições econômicas e
sociais dos países do capitalismo periférico ou dominados pelo imperialismo”.63
É no primeiro capítulo de História da Revolução Russa que Trotsky
apresenta de forma explícita e coerente a teoria do desenvolvimento desigual e
combinado: “O capitalismo (...) preparou e, num certo sentido, realizou a universalidade
e a permanência do desenvolvimento da humanidade. Por isto está excluída a
possibilidade de uma repetição das formas de desenvolvimento de diversas nações.
Forçado a se colocar a reboque dos países avançados, um país atrasado não se conforma
com a ordem de sucessão (...)”.64 Com isso, sociedades menos desenvolvidas saltam
determinadas etapas do desenvolvimento e adotam “traços avançados”.

59
POSTAN apud CARDOSO, p.411.
60
PRADO, M. L. C. Op. cit., p. 15.
61
CARDOSO, C.F. e BRIGNOLI, H. P. Op. cit., p.414.
62
LÖWY, Michael. “A teoria do desenvolvimento desigual e combinado”, Revista Outubro, nº1, São
Paulo, 1998, p.73-80.
63
Idem, p. 73-74.
64
TROTSKY apud LÖWY, p. 76-77.

41
Entendemos que as missões militares se inserem na mesma lógica. Isto
porque as forças armadas dos países periféricos se encontram em um patamar de
desenvolvimento pessoal e tecnológico muito diferente da realidade vivida pelos
exércitos de países do continente europeu. Desta forma, tais missões refletem a
realidade desigual dos sistemas periférico e central da economia capitalista. Enquanto as
sociedades periféricas procuram igualar seus exércitos aos padrões dos países centrais,
estes buscam naqueles uma zona de influência e de escoamento de produtos de sua
indústria bélica. Ou, segundo o próprio Trotsky: “Os selvagens renunciam ao arco e
flecha, para logo tomarem os fuzis, sem percorrer a distância que separava, no passado,
estas diferentes armas. (...) O desenvolvimento de uma nação historicamente atrasada
conduz, necessariamente, a uma combinação original das diversidades. A órbita descrita
toma, em seu conjunto, um caráter irregular, complexo, combinado”.65

FONTES
O nosso objeto de estudos requer um conjunto substancial de arquivos e que
estão presentes em nossa cidade. Para elaborarmos nossa tese, procuramos analisar
documentos diversificados e outros tipos de fontes, oriundos de meios oficiais e não-
oficiais. Os de cunho oficial são aqueles produzidos pelas embaixadas brasileiras no
estrangeiro66, pelo Ministério da Guerra – neste caso englobando a documentação dos
institutos de pesquisa que trabalharemos em nossa tese.
O Arquivo Histórico do Exército (AHEx) apresenta a maior parte do nosso
acervo documental, concentrando documentos de órgãos extintos do Exército Brasileiro
e também disponibilizando o Boletim do Exército e o Noticiário do Exército, assim
como as Ordens do Dia. Neles encontramos detalhes e dados que muitas vezes não são
localizados no trabalho com as fontes primárias e que produzem dúvidas na confecção
de nossos textos. Este tipo de documentação nos ajuda a perceber as ligações do
exército brasileiro com determinados países europeus.
Há muitas questões pertinentes ao trabalho neste arquivo, o AHEx, mas
consideramos uma como a principal para nosso ponto de partida:

65
TROTSKY, Leon. História da Revolução Russa. Rio de Janeiro: Editora Saga, vol. 1, 1967, p. 24-25.
66
No nosso caso, aquelas sediadas em Paris, Berlim e Buenos Aires.

42
 Como estava estruturado o Serviço de Saúde do Exército antes deste
processo de “modernização”?

De forma a auxiliar o nosso trabalho, a análise de decretos também é


considerada. Procuramos identificar o papel do Estado neste processo de modernização
do Exército a partir da emissão de decretos. Importante ressaltarmos que este tipo de
fonte também serve de parâmetro para diferenciarmos o viável daquilo que era
planejado. Neste caso, nossas perguntas norteadoras estão relacionadas com as lacunas
resultantes do processo de análise das fontes anteriores, não podendo ser pré-
determinadas.

No início de nosso trabalho de pesquisa, não havíamos dado a devida


importância para outros acervos que poderiam ser utilizados e que nos ajudariam a
compreender o início das relações existentes entre Brasil, França e Alemanha. Este novo
olhar, mais atento, fez com que encontrássemos mais um acervo a ser pesquisado e ter
seu conteúdo incluso no material a ser usado para a confecção de nossa tese. Trata-se do
Museu da Polícia Militar de São Paulo. Chegamos até este acervo a partir de leituras
referentes à Missão Militar Francesa de instrução que esteve no Brasil na década de
1920. Nestes trabalhos, encontramos indicações da existência de um primeiro contato de
caráter semelhante àquele verificado nesta missão militar. Em 1906 o coronel francês
Paul Balagny chegou ao Brasil. O objetivo, naquele momento, era instruir a Força
Pública de São Paulo após rápida negociação realizada por Gabriel Toledo de Piza,
embaixador do Brasil na França, e o Ministro da Guerra francês, Eugène Étienne.67 O
contrato com os franceses foi renovado em 1913, sendo a missão dispensada em 1914
em função dos acontecimentos da 1ª Guerra Mundial. Em 1908, os franceses
conseguiriam uma missão ligada ao Exército do Brasil: uma missão de veterinários
militares, que teria como papel estudar a cavalaria do Exército estabelecendo “os
fundamentos do ensino da medicina veterinária”.68
O arquivo do Museu da Polícia Militar do Estado de São Paulo passou a
figurar dentre o nosso acervo a ser estudado, como parte da estratégia de pesquisa de

67
Ministro da Guerra (Ministre de La Défense) da França no período de 12 de novembro de 1905 a 25 de
outubro de 1906 e de 21 de janeiro a 9 de dezembro de 1913.
68
NETO, Manuel Domingos. “A disputa pela missão que mudou o Exército”. Estudos de História,
UNESP, São Paulo, v.8, p. 197-215, 2001; MALAN, Alfredo Souto. Missão Militar Francesa de
Instrução Junto ao Exército Brasileiro. Rio de Janeiro: Biblioteca do Exército, 1988.

43
levantamento, análise e estudo de fontes. O nosso objetivo neste acervo era procurar
entender como as relações que se estabeleceram entre o exército francês e a Polícia
Militar do estado de São Paulo – na época conhecida como Força Pública –
possibilitaram uma aproximação com o exército brasileiro.
Para a análise destas fontes, nos baseamos em algumas questões
norteadoras:

 Que relação teve o comandante desta missão na Força Pública de


São Paulo com aquela do General Gamelin no Exército dos anos
1920?
 Quais militares franceses que participaram da missão na Força
Pública de São Paulo estiveram envolvidos com a Missão de Militar
Francesa de instrução?
 De acordo com a pergunta anterior, em não havendo relação
encontrada entre os militares de ambas as missões, haveria então
alguma participação dos militares na primeira missão no contato
com a missão de veterinários enviada ao Exército em 1908?
 Qual a relação entre as três missões?
 Que nomes de militares franceses seriam encontrados em duas ou
três missões francesas?
 Como era o modelo aplicado à Força Pública de São Paulo?
 Houve alguma semelhança entre este modelo e aquele aplicado no
Exército dos anos 1920?

Podemos perceber que o cerne de nossas questões diz respeito ao conteúdo


destas missões, bem como suas semelhanças e diferenças. Contudo, lembremos que na
Força Pública de São Paulo não esperávamos encontrar a influência de oficiais que
tiveram experiência com a doutrina do exército alemão.
O Centro de História e Documentação Diplomática (CHDD) do Palácio do
Itamaraty é fundamental para verificarmos a produção de documentação oficial entre
representantes dos países que desejamos verificar suas relações com o Brasil. Neste
acervo, concentramos nossos esforços na análise da documentação trocada entre a
Legação Brasileira em Berlim, o Ministério das Relações Exteriores e o Ministério da
Guerra. Trabalhamos com despachos, ofícios, telegramas e relatórios, tendo como

44
objetivo compreender o clima político existente na época a partir da perspectiva oficial,
além de identificar um possível sistema de informações acerca dos serviços de saúde,
em sua maioria, europeus.
Outras fontes, que não as oficiais, também foram trabalhadas. Destacamos
aqui o trabalho com os periódicos que tratam da medicina e higiene militar. A análise de
seu conteúdo nos remete à produção de médicos nacionais e estrangeiros, nos ajudando
a compreender e estruturar o cenário científico ao longo do processo de
desenvolvimento e reestruturação do serviço de saúde do exército brasileiro. Aqui,
nosso objetivo era perceber:
 O que era produzido?
 Apenas médicos militares figuravam entre seus principais
colaboradores?
 Qual era o conteúdo dos artigos relativos a temas voltados para o
Serviço de Saúde e a higiene militar?
 Que escolas médicas exerciam maior influência naquele momento?
 Os médicos militares que escreviam tiveram algum papel nas
missões estrangeiras?
 Que áreas recebiam maior atenção?
 Como estas áreas estavam relacionadas com a higiene militar e o
Serviço de Saúde do Exército?

A Biblioteca de Manguinhos foi fundamental para a nossa pesquisa das


revistas brasileiras de medicina militar, bem como de publicações ligadas à medicina
militar ou produções dos principais personagens médicos que analisamos ao longo de
nossa tese.
Em função do nosso estudo comparado com o exército argentino, nosso
trabalho com as fontes também se deu em seus principais arquivos. No caso argentino,
lidamos especificamente com as fontes de arquivos e bibliotecas.
O trabalho de pesquisa desenvolvido na capital Argentina contemplou as
seguintes instituições: Archivo General Del Ejército Argentino, Archivo General de la
Nación, Círculo Militar, Archivo Histórico de Chancilleria (Ministerio de Relaciones
Exteriores), Biblioteca Nacional Argentina e a Biblioteca del Estado Mayor del
Ejército. Nestes estabelecimentos encontrei um extenso material que possibilitou o
contato com fontes inéditas e que até então não haviam sido trabalhadas pela

45
historiografia brasileira e tampouco pela argentina. Assim, a análise das mesmas foi
feita de forma cuidadosa e criteriosa, na medida em que tínhamos a noção do papel que
nosso trabalho poderia ter na historiografia.
O Archivo General Del Ejército Argentino é o principal arquivo do tipo
naquele país e concentra a maior parte da documentação produzida pelo seu exército. 69
Foi neste acervo que realizamos uma parte significativa de nossa pesquisa. Foi no seu
conjunto de fontes que encontramos as informações necessárias sobre o processo de
modernização do exército argentino e, principalmente, o material da Comisión de
Sanidad e os relatórios do Ministério da Guerra
O Archivo General de La Nación guarda a documentação oficial produzida
pelos diversos órgãos oficiais argentinos. Nossa pesquisa neste acervo foi feita de forma
pontual, a partir de referências identificadas em outras fontes ou na literatura na qual
baseamos nossos estudos.
Dentre a pesquisa em bibliotecas, a Biblioteca Nacional Argentina também
mereceu nossa atenção. Foi ali que, na seção Hemeroteca, pudemos acessar os
periódicos de medicina militar. Além disso, pudemos pesquisar em seu acervo
bibliográfico e registrar as principais obras que foram utilizadas para a construção de
nosso quadro argumentativo e para a elucidação de muitas dúvidas no campo da
medicina militar argentina e de seu Cuerpo de Sanidad.
A Biblioteca Del Círculo Militar e do Biblioteca del Estado Mayor del
Ejército nos auxiliou no preenchimento de lacunas de edições de publicações que não
conseguimos localizar na Biblioteca Nacional Argentina, bem como de um acervo
bibliográfico exclusivo, pertinente ao nosso tema e somente localizado nestas
instituições.

CAPÍTULOS
Nosso primeiro capítulo se destina ao desenvolvimento de temas relativos à
higiene militar e sua relação com o meio civil. A partir da definição de alguns conceitos
desta área e da sua aplicação na sociedade, buscaremos compreender as
semelhanças/diferenças entre os métodos de higiene no meio civil e aqueles do meio

69
Pelo território argentino há outros centros de documentação que concentram parte da produção dos
regimentos que ali se situam.

46
militar. Porém, sempre voltado para as especificidades de cada um destes meios e dos
objetivos envolvidos em sua aplicação.
Chamamos atenção para o que entendemos como “estratégias de
sobrevivência”. Se nosso intuito é compreender a higiene e suas especificidades, então
buscaremos experiências de exércitos europeus  não nos detendo apenas naqueles da
Alemanha e França  em situações de combate e sua relação com a aplicabilidade do
resultado destas experiências na sociedade civil. Portanto, a partir de uma rica
bibliografia destinada, principalmente, ao estudo dos trópicos e às experiências dos
exércitos europeus é que construiremos nosso texto e fundamentaremos nossos
argumentos.
Nosso trabalho demonstra uma preocupação com a influência dos saberes
médicos alemães e franceses no corpo de saúde do Exército brasileiro em seu processo
de modernização. Sendo assim, julgamos oportuno tratarmos de forma específica os
aspectos característicos da higiene militar nos exércitos da Alemanha e da França. Há
uma gama enorme de fatores a serem analisados na higiene militar.
O segundo capítulo de nossa tese tratará em especial das comissões de saúde
e estudos ao estrangeiro e das missões militares empreendidas pelos oficiais brasileiros.
Aqui, faremos um comparativo com a missão militar alemã realizada na Argentina.
Nosso objetivo ao trabalhar as comissões, as missões militares e a
participação do Brasil na Primeira Guerra Mundial em conjunto diz respeito ao
encadeamento de uma rede de contatos presentes nas relações internacionais
características do momento de cada uma delas. Ou seja, nossa hipótese a ser defendida
aqui é a de que as missões “menores”, ou seja, aquelas que não apresentaram um
envolvimento em grande parte do efetivo do Exército, foram fundamentais para que os
militares franceses pudessem estabelecer contato com a alta oficialidade daquela força.
As missões francesas presentes em diversos grupamentos militares
brasileiros serão analisadas a partir de pontos em comum: de que forma elas foram
contratadas, quais eram os objetivos de franceses e brasileiros com tais contratações e,
principalmente, como se deu o contato com a alta oficialidade do Exército a partir da
missão na Força Pública de São Paulo possibilitando uma futura contratação para a
Escola de Veterinária do Exército.
Além das missões temos a participação do Brasil na Primeira Guerra a partir
de uma missão médica militar. Trabalharemos com o quadro internacional que

47
possibilitou este acontecimento e de que forma esta experiência pode ser relacionada
com a contratação de uma Missão Militar de Instrução francesa em 1919.
Outro ponto a ser trabalhado diz respeito à necessidade da criação de zonas
de influência dos exércitos francês e alemão. Estabelecer contato com os exércitos da
América do Sul e fomentar a “necessidade de modernização” traria implicações para a
forma como os Serviços de Saúde se organizarão.
Os dois últimos capítulos são destinados à forma como a comunidade
médica militar da Argentina e do Brasil produziam seus discursos através das produções
científicas militares na área de medicina e higiene dos periódicos de medicina e higiene
militar. O capítulo três está voltado para a análise de três periódicos: Boletín de Sanidad
Militar, Anales de Sanidad Militar e Revista de La Sanidad Militar. Aqui, poderemos
comparar o conteúdo das revistas e, também, verificar quais eram as principais
influências sobre os corpos editoriais destas revistas. Nosso objetivo aqui é
compreender como se dava a divulgação científica no meio médico militar e quais eram
suas maiores preocupações bem como suas maiores influências no campo da medicina.
O período em que foram publicadas, o público alvo, as propagandas e outros
aspectos nos ajudarão a compreender o cenário científico de médicos militares
brasileiros e argentinos. É através dos artigos destas revistas que temos as opiniões de
oficiais e comandantes acerca das modificações feitas na organização militar pelas
missões militares estrangeiras. Além disso, entendemos que a revista se torna não
apenas um meio de divulgação científica, mas também de defesa de determinados
pontos de vista. Desta forma, podemos identificar a existência – ou não – de grupos
divergentes nos serviços de saúde militares.
O quarto e último capítulo terá o mesmo quadro do descrito acima, mas
agora voltado para a análise dos periódicos brasileiros. Aqui, analisaremos as seguintes
publicações científicas: Medicina Militar, Boletim da Sociedade Médico-Cirúrgica
Militar e a Revista de Medicina e Higiene Militar.

48
Capítulo 1  Sobre a higiene militar: seus aspectos e suas “estratégias de
sobrevivência”

A história da doença é uma das alternativas metodológicas para o estudo de


diversas sociedades através dos instrumentos com as quais utiliza para combater as
enfermidades. É a partir da forma como se combate que podemos estudar a sua estrutura
e a forma com a qual está inserida no contexto médico internacional. E quando
mudamos o foco e tentamos entender a partir da forma como se dá a prevenção da
propagação destas enfermidades? É neste momento que chegamos à higiene.
A higiene, seja ela de caráter civil ou militar, está fundamentada nos
princípios que visam o bem estar físico e moral do indivíduo. No Exército, para que sua
ação seja possível, é necessário que o Serviço de Saúde coloque em prática aquilo que
está regulamentado em suas disposições. Desta forma, é necessário compreendermos
que estas determinações sofrem modificações na mesma medida em que a medicina
passa por transformações no seu campo de conhecimento.
A história da higiene e seu processo de compreensão podem ser analisados
desde o cuidado exclusivo com a prevenção da doença do século XIX até os discursos e
práticas que visavam o “melhoramento da raça” até meados dos anos 1950. Portanto,
devemos tratar os principais conceitos da higiene à luz desse processo de
transformações tanto no pensamento médico quanto nas experiências de combate
vividos pelos Exércitos nacionais e suas estratégias de sobrevivência.

49
1.1. Alguns conceitos da higiene e sua aplicabilidade no meio militar

O termo “higiene” tem sua origem na mitologia grega a partir da divindade


Hygeia, responsável por amparar as “frágeis criaturas o seu crescimento pelos anos
além”. 70 O objeto da higiene, assim, é a proteção e a saúde.
No período aqui estudado, ou seja, aquele que compreende meados do
século XIX até a década de 1940, trataremos da forma como a higiene era compreendida
tanto no meio civil como no meio militar. Assim, nos deteremos em publicações que
entendemos como fundamentais para a compreensão de um “quadro de pensamento
higiênico”, já que as analisaremos como nossas fontes primárias.
“A higiene (...) é um conjunto de preceitos, buscados em vários
conhecimentos humanos, mesmo fora e além da medicina, tendentes a cuidar da saúde e
a poupar a vida”. Esta definição acima encontra-se na obra do médico legista formado
na Faculdade de Medicina da Bahia em 1897 e professor de Higiene e Medicina Legal
na Faculdade de Medicina do Rio de Janeiro em 1907, Afranio Peixoto (1876-1947).71
A higiene militar é definida como

a ciência do cuidado das tropas e [que] lida com as leis de saúde, as


causas de incapacidades e métodos de preveni-las, a fim de que as
forças de combate não sofrão qualquer diminuição de sua resistência a
doenças evitáveis.72

A chamada “higiene moderna” da época de Peixoto era composta por um


corpo de doutrinas como geologia, meteorologia, química e técnica sanitária. A história
desta disciplina era, aos olhos de Peixoto, algo que acompanhava a história da
civilização e poderia ser dividida em quatro ciclos: religioso, médico, profilático e
econômico.
O primeiro ciclo, o religioso, tinha a doença como uma punição divina em
que o paciente deveria ser expulso, banido.

70
ROCHA, Ismael. Defesa Nacional pela Medicina Civil e pela Medicina Militar. Conferencia Publica
realizada a 14 de dezembro de 1915 na Biblioteca Nacional. Rio de Janeiro: Tipografia Besnard Frères,
1917, p.20.
71
PEIXOTO, Afranio. Higiene. Higiene Geral. Rio de Janeiro: Livraria Francisco Alves, 1926, vol. 1, 4ª
Ed. (1ª Ed., 1913), p.7.
72
WOODBURY, Frank T. (Tenente-Coronel); MOSS, Jas. A. (Coronel). Manual for Medical Officers:
Being a Guide to the Duties of Army Medical Officers. Menasha, Wisconsin: George Banta Publishing
Company, 1918, p.147. Este texto como os demais encontrados ao longo do nosso trabalho seguirão a
reprodução ipsis litteris de seus originais.seus originais.

50
O ciclo médico consistia na defesa do doente contra a doença. A doença,
neste momento, era entendida como um perigo individual e o doente como digno de
piedade.
O terceiro ciclo, o profilático tem como seu objetivo a defesa do são contra
a doença, que é entendida como um perigo público. O doente, no entanto, continua
merecedor de caridade e, além disso, deve ser assistido e não ser nocivo à comunidade.
É neste momento que, de acordo com Peixoto, temos a independência da higiene porque
torna-se possível as práticas de isolamento, quarentenas, desinfecção, vacinas e leis
coercitivas.73
O último ciclo, o econômico tem na extinção da doença o seu objeto. A
enfermidade, então, é entendida como um mal evitável e o doente visto como causa dos
prejuízos à indústria e à sociedade. “A doença não deve existir” e, por isso, a
comunidade se volta para eliminá-la. É neste momento que, para Peixoto, há uma
separação definitiva entre a higiene e a medicina, passando a ser somente um “simples
departamento da biologia, [que] estatuirá as leias de manter a saúde, a despeito da
variedade e da mudança dos meios”.74
A higiene, em seus aspectos mais gerais, pode ser dividida quanto ao
entendimento dos seguintes elementos: solo, água, ar, clima, alimentação, habitação e
vestuário. Um último ponto, de caráter mais específico e sob grande discussão no
momento em que Peixoto escrevia a sua obra era a eugenia. Este tema, no entanto, será
discutido ao longo de nosso trabalho e de forma pontual.
O estudo do solo na higiene está voltado para as suas relações com o
homem, sendo importante para a conservação e a melhora da saúde. O interesse da
higiene está, não só na origem, composição e configuração dos terrenos, mas nas
“propriedades físicas do solo relativamente ao calor ao ar, à agoa (sic), que
imediatamente influem sobre a superfície em que o homem vive ou de que se
aproveita”.75 A análise deste elemento traz à tona a questão dos miasmas. Estes são
entendidos por Peixoto como “uma palavra sem sentido”, já que são os elementos
químicos presentes no solo e no ar os responsáveis pelas condições especiais que afetam
a saúde do homem. 76 Por fim, não apenas a presença dos elementos químicos, mas a
presença dos parasitas no solo também é fonte de preocupação para a higiene e a adoção

73
PEIXOTO, op.cit., cf.p.8-9.
74
Ibidem, p.9.
75
Ibidem, p.28.
76
Ibidem, cf.p.31.

51
de suas medidas preventivas, já que bactérias e parasitas vivem no solo e podem ser
transmitidas ao homem através de alimentos contaminados ou com o contato direto com
a terra.77
A água é uma grande fonte de preocupação para a higiene. O primeiro
aspecto a ser considerado antes de testes físicos, químicos ou biológicos é o da
avaliação de sua salubridade. Por esta razão, no que diz respeito à salubridade, as águas
de fonte – oriundas de montanha, declives ou cursos de água – são consideradas como
de melhor procedência para o abastecimento de populações.
Há inúmeras fontes de doenças presentes na água e a análise da mesma é
fundamental para a verificação de elementos daninhos à saúde do homem, como
parasitas e micróbios. Duas enfermidades, responsáveis por um vultoso número de
mortos nos Exércitos de todo mundo, a cólera e a febre tífica, têm no transporte hídrico
uma das suas formas de contaminação. Assim, o exame biológico da água deveria ser
realizado, seja ele qualitativo ou quantitativo, podendo ser o de primeiro tipo o de maior
interesse e importância para o higienista em função do bacilo ou germe que se encontra.
Para o processo de filtração da água, então, era necessário a utilização de
produtos químicos (como coagulantes), sendo este método largamente utilizado nos
Estados Unidos e na Argentina daquele período. Nos Exércitos, durante a 1ª Guerra
Mundial (1914-1918), seus serviços de saúde adotaram como medida higiênica a
utilização dos hipocloritos para a depuração nas águas – processo conhecido como
“javelização” pelo Exército da França em função da água-de- javel. 78
Ao tratar do ar, Peixoto critica a crença nos miasmas, no mefitismo (que é a
enfermidade ocasionada pela matéria em decomposição) e no “gênio epidêmico” 79 e
trata dos “micróbios no ar” como uma “noção empírica e exagerada pelo medo e pela
ignorância”. 80 Considerava-se então, o ar como antes e depois das descobertas de
Pasteur e tendo um dos motivos o fato de este cientista francês ter reconhecido a
infecção por outros meios que não o ar. Desta forma, concluía que o ar não possuía

77
Ibidem, cf.p.37-38.
78
Água-de-javel: [Química] Solução de um sal derivado do cloro utilizada como antisséptico (tratamento
das águas) ou como descorante (branqueamento).
(In: Dicionário Priberam da Língua Portuguesa, versão eletrônica,
http://www.priberam.pt/dlpo/Default.aspx?pal=%u00e1gua-de-javel)
Ver também:
LEVENE, Alberto. Páginas de Sanidad Militar. Buenos Aires: Tall. Graf. Cersosimo y Cia., 1934,
p.148.
79
Expressão utilizada para se referir aos sintomas de uma enfermidade de caráter epidêmico.
80
PEIXOTO, op.cit., p.81.

52
micróbios, mas poeiras “pesadas e tangíveis” que, estas sim, eram responsáveis pela
contaminação e impureza da atmosfera. 81
O clima era entendido como “uma fórmula meteorológica” e que não
apresentava consequências inevitáveis para o indivíduo, como se atribuíam até aquele
momento, já que os homens se adaptavam às condições do meio que se fizesse
necessário.82 Baseando-se neste pensamento, Peixoto critica a noção difundida entre os
europeus de que era frequente a insolação e intermação nas regiões quentes e tropicais.
Segundo o autor, a umidade destas zonas atenuaria os efeitos rigorosos do calor.83 As
expressões “doenças dos países quentes, perigos dos trópicos” e similares, encontradas
em publicações europeias, também constitem um descontentamento de Peixoto porque
estariam relacionadas com “a superioridade que cada um se atribui à custa dos outros”,84
causando sérios prejuízos coloniais à Europa.
Em sua discussão sobre a relação entre clima e saúde, Afrânio Peixoto deixa
claro que

[A região] Tórrida, úmida, passou a ser taxada de


insalubre. É a fase que percorremos. E falsa como as outras. Tudo foi
e vai sendo imputado ao Equador e aos trópicos: à noção
meteorológica do clima superpôs-se a noção sanitária do clima.
Surgiram na medicina e na higiene, prevenidas e presumidas, as
noções de climas sãos, os frios e os europeus, naturalmente; de climas
insalubres, os quentes e coloniais, como são chamados
desdenhosamente.
As doenças nos países frios foram sempre consideradas
fatalidade, independente do clima; não se lhes sabia a causa, mas
outras eram as suposições dos patologistas. Para os países quentes,
porém, o critério é diverso; sem mais exame, o clima é apontado como
causa maior, junto da qual são todas de somenos. Este conceito é tão
arraigado que, para a mesma doença, o procedimento europeu é
diferente, segundo se trata da Europa ou de outra parte infectada. As
noções de profilaxia da cólera, por exemplo, não são as mesmas nas
Índias ou na Grã-Bretanha. Os ingleses na sua ilha defendem-se
victoriosamente das epidemias exóticas, nas suas colônias pactuam
pacientemente com elas. É que estão convencidos, como bons
europeus que são, que a cólera é asiática.85

A demonstração destas afirmações se dava, segundo Peixoto, nas práticas


colocadas pela política sanitária internacional. Todas as medidas tomadas (como

81
PEIXOTO, op.cit., cf.p.82.
82
Ibidem, cf.p.109.
83
Ibidem, cf.p.129.
84
Ibidem, p.132.
85
Ibidem, p.134.

53
cordões sanitários e quarentenas, por exemplo) são precauções visando o cuidado com a
Europa, mas nenhuma visando acabar com a causa destes problemas oriundos de suas
colônias. Desta forma, os países europeus continuavam difamando as regiões tropicais,
divulgando suas insalubridades, mas nada fazendo para reverter o caso ou “em triste
inércia”. 86
Enquanto os europeus permaneciam inertes, os Estados Unidos, ao invés de
criarem lazaretos ou fazerem desinfecções, foram até territórios dominados por
enfermidades (Cuba “infestada de febre amarela” e Filipinas “contaminada com a peste
ou de cólera”) e “com a higiene apropriada os sanearam completamente, banindo deles
as epidemias, que os degradavam”.87 É por este motivo que Peixoto classifica os
Estados Unidos, e também o Japão, como povos mais capazes que os europeus, quanto à
aclimação e a higiene em colônias em função de suas ações já realizadas nas Filipinas –
o caso dos Estados Unidos – e na Manchúria – pelo Japão.
Os países europeus são acusados, ainda, de acumularem

contra os outros porção de preconceitos e prevenções, uma das quaes,


e das mais falsas, é essa do clima, com a qual se tem pretendido até
agora, em falta da noção etiológica das doenças, encher lacuna no
conhecimento e das justificativas ao medo.88

Estas doenças, tão “temidas” e consideradas “climáticas” de outrora eram a


cólera, a malária e a doença do sono. À época de seus escritos, a etiologia destas já era
conhecida e não mais subordinada ao clima. A higiene, então, seria a razão por elas
terem recuado. Este quadro, então, leva Peixoto a afirmar que “existem apenas doenças
evitáveis, contra as quaes a Higiene tem meios de defesa e de agressão”. 89
Após o clima, outro ponto que é fruto dos estudos de higiene é a
alimentação, que “destina-se a compensar os gastos da vida, preparando o organismo,
produzindo calor e permitindo trabalho”. 90 Sua maior preocupação está voltada para a
qualidade dos alimentos, principalmente da carne, em que a contaminação do alimento
pode ser a fonte de enfermidades para o homem. No entanto, a alimentação pressupõe

86
PEIXOTO, op.cit., p.134.
87
Ibidem, p.134.
88
Ibidem, p.134-135.
89
Ibidem, p.135.
90
Ibidem, p.153.

54
também o consumo de bebidas e, aqui, o alcoolismo é fruto de preocupação já que
vários estudos, até aquele momento, demonstravam o caráter daninho do álcool. 91
O indivíduo que o ingeria com frequência poderia gerar danos à saúde e
acabaria por tornar-se mais suscetível às doenças em função da fragilização de seu
corpo provocado pelo processo de intoxicação pelo álcool. É a esta substância que, junto
com a sífilis, Peixoto considera como a fonte de extermínio da raça tendo então, o
Estado uma obrigação quanto à profilaxia deste mal.
Quanto às habitações coletivas, sejam elas no meio militar ou civil, as
melhores construções seriam aquelas em que os pavilhões estivessem isolados,
proporcionando melhores condições ao meio. O higienista também deveria avaliar as
qualidades sanitárias de determinados materiais para a construção de uma
moradia/habitação. Estas qualidades consistem em: porosidade, permeabilidade ao ar e à
água e condutibilidade térmica. Sendo o último ponto entendido como o mais
importante para proteger a coletividade do frio ou do calor excessivos. 92
O vestuário seguiria estas mesmas preocupações quanto ao clima, voltados
para os princípios da calorimetria e que indicariam a produção e o gasto calórico de
acordo com cada tipo de meio em que o indivíduo se encontrasse.
O trabalho de Peixoto havia sido escrito no início do século XX e estava
voltado basicamente para os estudos da higiene no meio civil. Como se dava este tipo de
conhecimento no meio militar?
A dieta das Forças Armadas no Brasil é fruto de críticas por parte de
Peixoto, pois não são elaboradas para os soldados por critérios de rações reguladas para
o melhor rendimento do indivíduo. É baseado nesta relação, que Peixoto considera
salutar a cor cáqui do uniforme utilizado pelo Exército.93
No século XIX a higiene era basicamente entendida como a forma de se
prevenir doenças94 e as publicações brasileiras voltadas para a higiene militar neste
período são escassas. Nos pautaremos aqui em estudos posteriores a este período, mas
que nos remetem a ele. No entanto, há uma importante obra daquele século e que será
considerada.

91
Ibidem, cf.p.231-244.
92
Ibidem, cf.p.263-269.
93
Ibidem, cf.p.328.
94
CAMPOS, Murillo de. Elementos de Higiene Militar. Rio de Janeiro: Paulo, Piongetti & Cia., 1927,
cf.p.5.

55
Trata-se do trabalho de José Muniz Cordeiro Gitahy. Nosso autor era
formado em medicina pela Faculdade da Bahia. Sua carreira militar teve início em 5 de
abril de 1852, ano em que assentou praça, classificado como 2º cirurgião e com a
graduação de alferes e obtendo o grau de 2º Cirurgião Tenente em dezembro de 1854.
Fez parte do Corpo de Médicos militares na Guerra do Paraguai (1864-1870), tendo
servido no Corpo do 1º Exército como 1º Cirurgião-Mor de Brigada, com a patente de
major, durante os anos de 1866 e 1867 e Cirurgião-Mor de Divisão, como tenente
coronel entre os anos de 1869 e 1870.95 Quando escreveu Da Higiene Militar do Brasil,
Gitahy era Segundo Cirurgião Tenente do Corpo de Saúde do Exército e o confronto
com o Paraguai ainda não havia iniciado.96
Tendo como referência obras da medicina francesa tanto civil quanto
militar, ao estabelecer o que entendia por higiene, a define como algo que “se funda
sobre o princípio da perfectibilidade physica e moral do homem”. 97
Este princípio de “perfectibilidade física” é possível graças às medidas da
higiene pública, que se refere “[à] reunião ou collecção de indivíduos [que] forma um
corpo, uma espécie de unidade viva, a qual tem sua hygiene, como cada individuo tem a
sua”.98 Quanto às suas medidas, a higiene pública implicava em “uma grande atuação
médica no dia-a-dia das populações contaminadas por moléstias infectocontagiosas”,
visando preservar a sua saúde.99

95
Fontes:
 3ª Seção da 2ª Diretoria Geral da Secretaria de Estado dos Negócios da Guerra. Almanak
Militar. Rio de Janeiro: Typographia Nacional, 1863, cf.p.118.
 ORLEANS, Luiz Felipe Fernando Gastão de (Conde d’Eu). Ordens do Dia (1869-1870). Rio de
Janeiro: Typ. De Francisca Alves de Souza, 1877, cf.p.6.
 SILVA, Luis Alves de Lima e (Duque de Caxias). Ordens do Dia. Rio de Janeiro: Typ. De
Francisca Alves de Souza, 1877, Vol. 1 (1866-1867), cf.p.200.
96
A Guerra do Paraguai, nomeada pelos argentinos como a Guerra da Triplice Aliança foi um confronto
que se deu inicialmente entre Brasil e Paraguai, quando Solano López, presidente do Paraguai mandou
seu navio de guerra Taquari aprisionar o vapor brasileiro Marquês de Olinda em 12 de novembro de
1864. Os argentinos e uruguaios formariam uma aliança com o Brasil, a Trípllice Aliança, através de um
tratado assinado entre estes países em 1º de maio de 1865. A Guerra terminaria em 1º de março de 1870,
com a morte de Solano Lopez pelos soldadosbrasileiros. A historiografia recente do tema entende a
Guerra do Paraguai como um conflito ligado ao “processo de formação dos Estados nacionais da América
Latina e da luta entre eles para assumir uma posição dominante no continente”.. FAUSTO, Boris.
História do Brasil. São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo/ Fundação para o Desenvolvimento
da Educação, 2001 (9ª Edição), p.211; FROTA, Guilherme de Andrea. Quinhentos Anos de História do
Brasil. Rio de Janeiro: Biblioteca do Exército Editora, 2000, cf.p.364-392.
97
GITAHY, José Muniz Cordeiro. Da Higiene Militar do Brasil. Rio de Janeiro: Typographia Universal
de Laemmert, s/d, cf.p.13.
98
Ibidem, p.38.
99
SCHWARCZ, Lilia Moritz. O espetáculo das raças: cientistas, instituições e questão racial no Brasil
1870-1930. São Paulo: Companhia das Letras, 1993, cf.p.190.

56
A higiene pública procura compreender como o ambiente externo e comum
aos homens influenciam no seu cotidiano, quais os reflexos em sua saúde, a relação
entre duração do trabalho e repouso. Enfim, a higiene pública é uma extensão e uma
aplicação de um lado da higiene privada. Desta forma, as condições higiênicas mudam
conforme as condições ao seu redor. Para Gitahy, estas mudanças frequentes, vividas
em seu séculos eram fruto “deste movimento rápido de todas as indústrias, apenas
nascidas, e já renovando a face do mundo, graças á intervenção das sciencias physicas e
chimicas nos seus processos!”. O que nos leva a perceber que a higiene se moderniza, se
modifica, conforme as demais ciências interferem no meio.
Nesse caso, o modelo francês serve como parâmetro para Gitahy.

O interesse que geralmente se tem tomado em todas as nações por


uma boa polícia sanitária, se acha provado por esse grande numero de
decretos e disposições dos primeiros reis da França, entre os quaes se
distinguirão neste sentido Carlos Magno, Filipe Augusto e João o
bom. A influencia salutar que o progresso das sciencias phisicas
exerceu sobre o bem-estar dos povos, diz M. Trebuchet, foi sempre
em augmento. Vede essa Academia de Medicina, na França, cujas
memórias, publicadas desde 1776 até 1790 constituem ainda hoje um
dos mais bellos monumentos da medicina publica, e onde os médicos,
até então isolados, achavão um ponto de reunião, que foi préviamente
preparada por Turgot, sob o nome de Sociedade Real de Medicina.
Essa solicitude que a França empregou sempre em favor
da saúde dos seus povos, foi seguida por todas as outras nações cultas
da Europa. – A Inglaterra, tem adoptado importantes reformas, que
tem feito penetrar a luz nesses focos profundos de pobreza... 100

De que forma se dá, então, esta higiene pública? Ela está presente nos
cuidados com o asseio, com a iluminação, na venda de produtos comestíveis, no
cuidado de alimentos e bebidas, na construção das ruas e demais espaços comuns ao
indivíduo, hospitais, instituições de educação, quartéis... Uma infinidade de espaços em
que o Estado se faz presente a partir das suas aplicações para a manutenção da saúde de
sua população, uma vez que é a higiene pública quem previne as epidemias ou diminui
o seu progresso. Além disso, lhe cabe ainda tomar as medidas que constituem a policia
sanitária e que organiza os serviços de vacinações. 101
A higiene pública é compreendida como algo fundamental, pois todos os
seus zelos são, segundo Gitahy, aplicáveis à higiene militar, que é uma parte desta

100
GITAHY, op. cit., p.37.
101
Ibidem, cf.p.39-40.

57
higiene. O que se deve ter em mente é que a higiene sofre influência do tipo de
profissão para qual está voltada.102
Ao se referir à higiene militar, Gitahy faz uma relação direta entre
“disposições morais” e condições físicas, sendo aquela a expressão desta. Daí a
importância, em “sociedades bem constituídas”, 103 do esforço em proteger a saúde
pública. Sendo assim, um dos primeiros cuidados com o militar se dá justamente com
aquele que ainda não o é: o conscrito. Sua entrada no meio é vista pelo médico militar
da seguinte forma:

O individuo, depois de recrutado, é submetido a uma


inspecção de saúde que julga se elle é ou não apto para o serviço
militar; disposição, cujos salutares effeitos são de primeira intuição,
por isso que o soldado que tem uma moléstia que se opõe a certos
exercícios militares, sacrifica a sua saúde já arruinada sem muita
vantagem para o serviço militar, visto como elle o não pôde
desempenhar completamente. Reconhecido, que o recruta não soffre
enfermidade que o impossibilite do serviço, elle, depois de ser
vaccinado, se ainda o não é, jura bandeira e ei-lo no quartel onde tem
de partilhar os trabalhos de seus companheiros de arma; ahi recebe o
seu fardamento, armamento, e equipamento, alimenta-se, sujeita-se
aos exercícios militares; e quando é acommetido de qualquer
enfermidade, apresenta-se nas revistas de doentes que têm lugar
diariamente, e verificando o official do corpo de saúde do Exército
que serve no respectivo batalhão, que é real a sua moléstia, o manda
para o hospital militar, ou regimental, onde elle vai receber o
necessário tratameto médico dos officiaes do corpo de saúde alli
empregados, que depois de o haverem curado, o remettem para o
batalhão a que pertence. 104

Por isso, há uma ordem de considerações que deverão ser feitas para o
recrutamento:
1. Idade;
2. Moléstias e defeitos congênitos, ou adquiridos, que impossibilitem o recruta
de desempenhar a profissão militar;
3. Regras que se devem cumprir na vacinação dos recrutas;
4. Preceitos a respeito da aclimatação dos recrutas.105

102
GITAHY, op.cit., cf.p.40.
103
Ibidem, cf.p.35.
104
Ibidem, p.42.
105
Ibidem, op.cit., cf.p.43.

58
Quanto ao primeiro ponto, o autor defende que jovens até vinte anos são
mais suscetíveis às doenças, mas não apenas pelo tempo em caserna, mas pela sua
pouca ou ausente robustez e se baseia em estudos franceses para confirmar seu ponto de
vista. De acordo com estes trabalhos, a força muscular teria seu potencial máximo
atingido dos 21 aos 30 anos, sendo muito inferior em período anterior e posterior.
No aspecto de número dois, relativo às moléstias, Gitahy trata de doenças
responsáveis pela inaptidão do indivíduo ao serviço militar. Uma delas nos chama
especial atenção, pois é também discutida em momento posterior por Ismael da Rocha,
general médico, em sua Conferência pública, de 1915, 106 realizada na Biblioteca
Nacional e quando o referido General era o Diretor de Saúde do Exército. Trata-se da
avaliação da capacidade respiratória do soldado a partir da medida de seu tórax. Ao se
referir aos níveis desejáveis, Githay trata da relação entre a circunferência do peito e sua
altura. O mínimo permitido seria a metade de seu talhe e, para tal assertiva, se refere ao
mínimo daquele exigido pelo regulamento francês.
Para demonstrar esta relação, Gitahy utiliza os resultados obtidos por Simon
a partir do uso do “spirometro” de Huthinson em 93 homens. Em seguida, temos uma
tabela relacionando a altura (que vai desde 1,56 até 1,80 de altura do candidato) e a
capacidade respiratória avaliada em centímetros cúbicos, baseados nos estudos de M.
Simon e que estariam de acordo com o mesmo tipo realizado por Boudin. A conclusão a
que chega é que a capacidade respiratória aumenta de acordo com a altura do indivíduo.
Assim, em função das médias obtidas pelo estudo de Simon, Gitahy propõe que, ao
realizar o teste com os candidatos e voluntários, deveria verificar se a sua capacidade
encontrava-se de acordo com a tabela resultante destes estudos.107
Ismael da Rocha criticava, em 1917, um método que se assemelhava a este
apresentado por Gitahy. O exame em questão era o “Índice de Robustez” e visto como
um dado passível de falha. Este índice era calculado pela fórmula: E- (P+P), em que se
subtraía da estatura (E) o resultado da soma do peso (P) com o perímetro torácico (P) de
uma pessoa.108 Rocha, então, sugeria que, quanto à forma do indivíduo, haveria a
predominância de um dos seguintes tipos de funcionamentos:
 Muscular.

106
ROCHA, op.cit., cf.p.31-34.
107
GITAHY, op.cit., cf.p.49-59.
108
MENDES, Maria Isabel Brandão de Souza; NÓBREGA, Terezinha Petrucia da. “O Brazil-Medico e as
contribuições do pensamento médico-higienista para as bases científicas da educação física brasileira”,
História, Ciências, Saúde – Manguinhos, vol.15, N.1, Rio de Janeiro, p.209-219, Jan/Mar. 2008,
cf.p.212.

59
 Digestivo.
 Respiratório.
 Cerebral

Estes tipos significariam uma hierarquia funcional inerente a cada um destes


aparelhos. As características resultantes de suas configurações físico-anatômicas
mostrariam, então, que os índices de robustez eram passíveis de falha. Para o doutor
Ismael da Rocha, todos os militares, de todos os graus, estariam inseridos nestes quatro
modelos científicos que foram descritos por Thooris. Este médico e pesquisador, que
também fora presidente da Comissão Científica da Federação Atlética Francesa,
classificava os tipos descritos por Ismael da Rocha da seguinte forma:

1. Respiratório: predomínio do tórax ou peito;


2. Digestivo: abdômen predominante;
3. Muscular: tipificado pelo bom desenvolvimento do peito, ou peitoral
bem desenvolvido;
4. Cerebral: a cabeça é predominante, o corpo é subdesenvolvido.109

Figura 1 − Os quatro tipos de Sigaud (SOUZA, p.118)


109
“Athletes Choose Sports by Novel Tests”, Popular Science Monthly, November 1926, p.44.
Thooris deu início ao estudo das capacidades físicas de velocidade, agilidade, resistência e força (o
VARF). Como encontrado no artigo citado acima, é a partir destas capacidades que os novos atletas
estariam sendo escolhidos e tendo suas capacidades desenvolvidas. Foi ele quem deu forma, no conhecido
“Esquema de Thooris”, para estes tipos que foram definidos pela primeira vez, em 1894, por Claude
Sigaud, figura de destaque que fazia parte da conhecida “Escola Francesa” de teorias biotipológicas. O
uso deste termo, biotipologia, foi utilizado pela primeira vez em 1922 por Nicola Pende “para designar a
ciência que teria por objeto o estudo das ‘manifestações vitais de ordem anatômica, humoral, funcional,
psicológica, da síntese das quais resulta o conhecimento do tipo estrutural dinâmico especial de cada
indivíduo’”.. (SOUZA, Romeu Rodrigues de. Avaliação Biométrica em Educação Física. Ministério da
Educação e Cultura. Secretaria de Educação Física e Desportos, s/d, p.103)

60
Haveria uma relação entre estes quatro tipos de Sigaud e a estrutura física
do jovem que entraria no Exército. Entendia-se que para cada uma das armas do
exército (artilharia, cavalaria, engenharia, infantaria, intendência...) haveria um perfil de
candidato/aluno correspondente. Assim, temos que uma falha no índice de robustez
estava justamente no caráter predominante do fator estatura. Seguindo por esta lógica da
relação entre os tipos de Sigaud (a partir do Esquema de Thooris) e as armas do
Exército, Rocha estabelece que o tipo muscular, ou o “atleta, estaria destinado à
artilharia, por ter na capacidade de seus músculos algo indispensável. O tipo digestivo
apresenta um aspecto menos violento, constituindo um homem de resistência firme,
constituindo, então, o soldado da defesa e da infantaria. O terceiro tipo, o respiratório,
apresenta um caráter também de menor violência e se adequaria ao homem para tarefas
aéreas e para a cavalaria. O quarto e último tipo, o cerebral, é aquele de caráter mais
estudioso, pensador e que pouco se aproveita nas atividades físicas do Exército, mais
voltado para grandes planos de guerra. Seu destino, então, seria o Estado Maior do
Exército. Finalmente, após a identificação de cada tipo, caberia aos médicos militares a
diferenciação necessária destes perfis nas escolas militares e o destino para cada um
deles.110
No período de Gitahy esta classificação proposta pela escola biotipológica
francesa ainda não era aplicada. Dessa forma, não haveria como dividir os candidatos
por perfis, o que implicava que a próxima etapa após a verificação dos candidatos aptos
para o serviço militar deveria ser a vacinação – feita imediatamente e de acordo com a
legislação em vigor à época. A vacina é descrita pelo autor como algo revolucionário
para “a vida dos povos modernos”. Em função da prática da época, em que o indivíduo
era vacinado a partir do vírus vacínico do braço de outro indivíduo, era necessária a
revacinação do indivíduo a cada cinco anos. Isto porque, como afirma Gitahy, à medida
que a vacina passa “de indivíduo a indivíduo se vai gradualmente degenerando de tal
sorte que alguns anos depois perde em geral sua ação preservativa”. 111
Quanto a esta prática, cita o caso do governo de Wurttemberg, 112 que fez
vacinações sucessivas em seu Exército durante as décadas de 1820 e 1830, “nas quaes
se vio a vaccina desenvolver-se tanto melhor quanto a data da primeira vaccinação (...),

110
ROCHA, op.cit., cf.p.32-34.
111
GITAHY, op.cit., p.65.
112
O Reino de Wurttemberg era um dos estados que compunham os estados da Confederação Germânica
naquele período.
(COY, Jason Philip. A Brief History of Germany. New York: Facts On File, 2011, cf.p.114-119).

61
conforme as observações do Dr. Hein, medico militar; e desde que o mesmo governo
determinou a revaccinação se vio diminuir consideravelmente entre os soldados o
número dos variolicos”.113 Finalmente, sobre a sua importância, conclui: “A vaccinação,
pois. É nestas epidemias de immensa utilidade, porque impede a moléstia de estender-
se, dando ás praças o Exército uma immunidade nova”.
O último ponto, o “aclimatamento” também é apresentado e discutido por
Githay. De que forma este termo era definido por Gitahy em meados do século XIX?

O acclimatamento é um conflicto entre a reunião das


circumstancias que caracterisão uma zona, uma região, uma
localidade, e as disposições orgânicas que formão o fundo da
individualidade humana; produzindo esse conflicto uma serie de
modificações que se operão nas condições da saúde sob a influencia
do clima, e donde resulta para o estrangeiro, a possibilidade de viver e
de resistir ás moléstias, da mesma maneira que o indígena. [...]. Trata-
se, 1º de conhecer a organisação e a funccionalidade dos indígenas; 2º
de dirigir por este modelo a actividade physiologica dos recém-
chegados, e de aproxima-los por uma transformação gradual, do typo
orgânico dos indígenas, com os quaes todavia nunca elles se poderão
confundir.
Mudar de clima é, pois, nascer para uma outra
vida...114

De acordo com o autor, no caso do Brasil, sua extensão e diversidade de


latitudes implicavam em uma variedade de climas e era necessário

attender-se á variedade do seu clima na mobilisação do exercito,


empregando-se todos os meios de preparar e dispor o organismo dos
soldados a receber a influência de um clima differente daquelle em
que vivia, sem grande perigo para sua existência, e deste modo
afastando-se a maior parte dos inconvenientes que traz uma mudança
de clima.115

Seus estudos estavam pautados em trabalhos franceses voltados para a


higiene na Argélia em que o recrutamento das tropas francesas ali deveria ser “utilmente
calculado” sobre as disposições de cada indivíduo para o clima. O clima, então, é um
dos grandes responsáveis pelo surgimento de enfermidades. Segundo Gitahy,

113
GITAHY, op.cit., p.65.
114
Ibidem, op.cit., p.79.
115
Ibidem, p.66.

62
o outono e a primavera da zona tórrida são notáveis por essas
variações bruscas, phlegmasicas, seus paroxismos perniciosos, suas
formas convulsivas, soporosa, delirante, etc., suas soluções
eminentemente críticas. Com esta affecção coincidem moléstias
locaes, febris ou apyrethicas: o calor sêcco dispõe as hyperemias
cerebraes, as meningites, as encephalitis, as apoplexias; a luz da
reverberação solar provoca ophtalmias; a pelle, sede de um constante
estimulo, se cobre de erupções diversas, erythemas, erysipelas; o
sarampão e a varíola, que não poupão hoje nação alguma do globo,
são originarias dos climas quentes. Os aparelhos digestivos e biliar se
irritão por sua vez, quer directamente quer por sympathia; as gastrites,
as gastro-enterites, as colites, as dysenterias, as hepatitis se mostrão
em multidão, acompanhadas de uma violenta febre de reacção que não
se deve confundir com a febre primitiva reinante, porém esta não tarda
em imprimir seu caráter a estas phlegmasias. 116

Na perspectiva de análise do autor, o homem, graças à sua estrutura, é capaz


de se acomodar nos novos ambientes, mas como condição para isso, é importante a
higiene para combater as irregularidades de reações orgânicas e os efeitos do clima. No
entanto, as altas mortalidades de europeus nos países quentes se dão não em razão única
da insalubridade do clima, mas pelas complicações de seu terreno (como pântanos e
focos de infecção), que podem ser facilmente combatidos. Além disso, demonstra
também o “esquecimento das leis da higiene”. Assim, as fases de ocupação francesa na
África confirmam este quadro. Segundo Gitahy,

na ocasião do desembarque do Exército na planície da Dyalowa, em


frente de Navarino, as moléstias o invadirão e multiplicarão as
victimas; mais tarde, quando as tropas entrarão na posse de todas as
vantagens de uma boa hygiene, o estado sanitário se tornou
excellente. 117

Ainda quanto à experiência francesa em território africano,

Os primeiros annos da estada dos soldados Franceses na


118
Algeria despertão recordações de luta e de morte: uma terra que
lhes era desocnhecida, a penúeria dos objectos necessários ao
tratamento dos doentes, a falta de hospitaes bem organisados, a
corrupção das águas pluviaes, estas causas, ás quaes se deve ajuntar
muitas outras, e sobretudo a nostalgia, fazem comprehender a
intensidade mortífera das epidemias que os flgellarão. Mas, depois as
construcções, a regularidade dos serviços administrativos, o
melhoramento asnitario das povoações, o deseccamento parcial dos

116
GITAHY, p.68.
117
Ibidem, p.80.
118
Argélia.
63
pântanos, as culturas, uma maior familiaridade do paiz, e a
tranquilidade que goza o soldado com a consciência dos cuidados de
que elle é objeto, tem amortecido os effeitos da moléstia. Em 1840, o
exercito ainda perdia ahi, 0,143; em 1843, elle não perdia mais do que
0,074; e em 1845, 0,050.119

Vimos que Peixoto considerava haver no início do XIX uma espécie de


“atraso científico” em função do que ele chama de “superstições higiênicas” (“gênios
epidêmicos” e “miasmas”),120 já que estavam baseadas na ignorância da causa das
doenças, fazendo com que se responsabilizassem os meios e não seus reais vetores. Por
outro lado, como um homem de ciência representando este período “ultrapassado” em
destaque por Peixoto, Gitahy, escrevendo na primeira metade do XIX, tem na noção de
miasmas um assunto recorrente em sua obra. Podemos verificar tal aspecto quando o
autor, ao estabelecer a relação dos problemas do ar com o clima, afirma o seguinte:

Na estação humida, em consequencia da acção


dissolvente desta, completa-se a prostração da economia, já esgotada
pelas super-excitações que têm sido entretidas pelo calor da estação
precedente: as primeiras chuvas que refrescão a terra deseceada fazem
fermentar a camada de substancias orgânicas que as reveste; então a
superfície do solo se apresenta em grande extensão sob a forma de um
limo fétido, e em toda a zona tórrida se faz um desenvolvimento de
emanações deletérias, principalmente ao longo das costas pantanosas,
nos terrenos baixos e nos paizes cobertos de mattas...121

No que diz respeito às doenças específicas dos países quentes, Gitahy cita os
trabalhos realizados por médicos em diferentes regiões do planeta: o holandês Bontius
no XVIII e os britânicos Amesley, Johnson e Teining nas Índias Orientais; os franceses
M.M. Bailay, Rochoux e Levacher nas Antilhas e Bajón e Ségond em Caiena; etc. Não
considerando as especificidades locais, o autor, então, busca os “traços gerais da
pathologia equatorial”. Quando na estação seca, há o predomínio da “febre contínua
remitente”, ou seja, aquelas que diminuem de intensidade de acordo com intervalos.
Finalmente, conclui que “o caracter mais constante, mais invariável e mais efficaz dos
climas equatoriaes, é o calor”.122

119
GITAHY, op. cit., p.80.
120
PEIXOTO, op.cit., cf.p.7-8.
121
GITAHY, p.68.
122
Ibidem, op.cit., p.71.

64
Os climas temperados – o que predomina no sul do país e em São Paulo –
são aqueles em que, de acordo com Gitahy, “as estações também são distinctas” e o frio
e o calor se alternam anualmente. Sobre a influência no organismo,

A zona temperada imprime á economia humana um


caracter geral, que se diversifica sob a influencia dos climas
particulares que ella encerra. No interior das vastas regiões que
pertencem á zona temperada – na estatura, na coloração dos systemas
piloso, e cutâneo, no desenvolvimento muscular, na evolução mais ou
menos rápida dos órgãos da reproducção, no rhytmo das funções de
hematose, e de nutrição, no jogo da enervação, e por consequência nas
manifestações do moral e do intellectual, differenças que dependem
não só da acção climaterica, mas também do regimen e dos habitos. 123

Os climas da zona temperada, no que tange ao estado fisiológico, “exprime


uma tendência á harmonia, não pelo equilíbrio das funcções, mas pela compensação
total de suas excitações alternativas, segundo as estações”.124 Neste tipo de ambiente,
suscetível às variações e inconstâncias do ar, as “afecções mórbidas” também se faziam
presentes.
Definidos os cuidados e as características de cada tipo de clima, nos
voltemos para o soldado brasileiro. Sua aclimatação era vista como algo importante na
medida em que precisava se deslocar de uma província a outra do Império. Segundo
Gitahy, alguns soldados, especialmente aqueles oriundos de São Paulo e Minas Gerais,
quase sempre sofrem de nostalgia − “moléstia proveniente de saudades da pátria”. 125
A questão da aclimatação – ou aclimatamento como se refere Gitahy – nos
coloca numa relação direta com os miasmas e suas influências na saúde do indivíduo. O
autor defende que ao passar de uma região de clima temperado para outra mais quente,
o homem fica exposto às condições características como temperatura e umidade. Elas
são responsáveis por modificações em seu organismo e que o correm ao longo do
tempo. No entanto, há uma que o homem pode resistir, mas não se habituar. É o caso
dos miasmas.
Por essa razão, há, então, as regras higiênicas a serem observadas na
mudança de um clima para outro e muitas delas pautadas nos preceitos vinculados aos
perigos daquelas exalações:

123
Ibidem, p.75.
124
Ibidem, p.76.
125
Ibidem, cf.p.77-78.

65
 Ao mobilizar a tropa, é importante que esta se estabeleça em uma
região de clima intermediário entre os dois tipos de clima.
 A chegada da tropa deve coincidir, na região de destino, com a
estação em que a temperatura mais se assemelhe àquela de onde o
grupo procede.
 A escolha do local de morada também é importante, pois era preciso
fixar sua residência sobre um terreno seco e era importante evitar a
proximidade com as “águas corruptas”.
 Quando a adaptação ao clima deveria ser feita em “lugares expostos
aos miasmas paludosos”, ou seja, pantanosos, a salubridade das
localidades se mostrava de suma importância.
 Lugares elevados também eram vistos como lugares com “estado
sanitário perfeito”, pois eram os mais salubres das regiões
temperadas.126

Ao mesmo tempo em que se tomavam cuidados especiais com o ambiente e


seus “ares” para a saúde da tropa, a alimentação também constituía fator de suma
importância, já que ela também era responsável nesse processo de adaptação/adequação
ao clima. Um regime muito nutritivo – um eufemismo para comida em excesso – ou
muito estimulante – outra forma de escrever sobre o abuso de chá e café – era visto
como uma “infração direta às leis physiologicas e do acclimatamento”, sendo o mesmo
princípio estendido ao uso do álcool. 127
Outra noção comum era a de que a transição para climas diferentes também
era acompanhada por enfermidades ou pela “cura” de outras e isso demandava um
maior cuidado e atenção para com a tropa.

A passagem dos paizes quentes para os climas frios


prepara ou aggrava certas moléstias, e influe favoravelmente para o
curativo de outras. Esta ultima consideração é de muito valor na
hygiene militar, visto como muitas vezes é para os militares que
habitão os trópicos o único meio de salvação contra affecções que se
não podem curar senão fora da esphera onde ellas têm tido origem;
taes são: as febres paludosas, a dysenteria aguda ou chronica, que as

126
GITAHY, op.cit., cf.p.81-82.
127
Ibidem, cf.p.82-85.

66
complica ou lhes succede frequentemente, a diarrhéa, a colina secca
com a hepatite ou sem ella.128

Essas moléstias resultariam em uma grande mortalidade quando na mudança


da região temperada para outra de clima equatorial. No entanto, ainda que as
“civilizações mais adiantadas” provessem o homem com os recursos necessários para a
sobrevivência no inverno daquela zona, elas se mostravam menos eficientes na
neutralização dos inconvenientes resultantes das áreas equatoriais. Decorre, então, o
entendimento de que havia uma facilidade maior em adaptar-se ao clima dos países
frios, em função deste quadro das “civilizações adiantadas”, em contraponto ao mesmo
quando nas zonas equatoriais. Assim, entendia-se que para os militares a mudança era
mais fácil e de menor perigo se a mudança se desse do norte para o sul e não no sentido
contrário. No entanto, estas medidas para o aclimatamento só seriam possíveis em
períodos de paz, já que em estado de guerra a urgência de mobilização das tropas
impediria este processo por exigir a rápida chegada das mesmas.129
Além da questão da adaptação às mudanças do clima, há outro ponto
importante a ser tratado na higiene: o cotidiano no quartel. O quartel, por ser um local
de convívio de aglomerados, deve seguir normas higiênicas diversas, como aquelas que
se referem à localização e disposição da construção, à existência de uma atmosfera em
que exista a renovação de ar e às latrinas adequadas.
No entanto, boa parte dos quartéis não foi construída para este fim. Eram
instalações de antigos edifícios que eram destinados para outro uso “e o vício da
distribuição interior [dos conventos transformados em quartéis] reage sobre a
salubridade destas habitações, talvez dispendiosamente transformadas”. 130
Além disso, era comum que o soldado dormisse em tarimbas,131 o que não
possibilitava o descanso do indivíduo por tratar-se de acomodação desconfortável e rude

128
Ibidem, p.85.
129
GITAHY, op.cit., p.85-87.
130
Ibidem, p.91.
131
Tarimba é o nome dado a qualquer dama dura e desconfortável. No meio militar, ela se refere à cama
que soldados e demais membros da tropa costumavam dormir durante as campanhas. A denominação
“tarimbeiros” passou a ser utilizada para identificar os indivíduos mais antigos no Exército e que, em sua
maioria, não havia feito o curso da Escola Militar, que preparava para o ingresso no oficialato, mas que
no XIX não era obrigatório para a progressão na carreira militar. Logo o termo “tarimbeiro” passou a ser
utilizado com um sentido pejorativo para diferenciar aqueles oficiais que haviam concluído o curso
naquela Escola – recebendo títulos de bacharéis ou doutores – e se sentiam “mais preparados e
superiores” que aqueles oriundos da tarimba. LUNA, Cristina. O Desenvolvimento do Exército e as
relações militares entre Brasil e Alemanha (1889-1920). 2011. 250f. Tese (Doutorado em História) –
Programa de Pós-Graduação em História Social (PPGHIS), Instituto de História (IH), Universidade
Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), Rio de Janeiro. 08/2011, cf.p.77.

67
e trazia implicações para a saúde do soldado, que não poderia se recompor, em seu sono
e momento de descanso, de suas atividades exigidas no cotidiano da caserna.
Não só a qualidade do sono e do descanso tornava-se um problema, mas a
proximidade com que a tropa se encontrava durante o sono também afetava o aspecto
higiênico das instalações, levando os indivíduos a respirarem um ar mais impuro. Na
tentativa de resolver uma parte destes problemas, o Ministério da Guerra, publica o
seguinte aviso em 29 de setembro de 1855:

Rio de Janeiro, Ministério dos Negócios da Guerra, em 29 de


Setembro de 1855. – Illmo e Exmo Sr. – Sendo muito prejudicial á saúde
dos soldados dormirem em tarimbas, como está quase geralmente em
uso, e cumprindo que estas sejão substituídas por camas de madeira
com pés de ferro em todos os quartéis, guardas, prisões e fortalezas,
de ordem de S.M. o Imperador assim o communico a V. Exª afim de
que expeça as convenientes ordens, para que esta substituição se faça
com a possível brevidade. Deos guarde a V.Exª – Marquez de
Caxia.s.132

As habitações coletivas são aspectos característicos da vida na caserna. Não


apenas os quartéis, mas os hospitais militares também eram fruto de preocupação
quanto às medidas higiênicas. Se para os quartéis, as habitações particulares deveriam
fornecer todas as condições necessárias visando a renovação do ar, a boa ventilação e a
luz penetrando em bastante quantidade para que “não haja inconveniente” algum aos
que ali estivessem recolhidos; então para os hospitais as mesmas regras se aplicavam,
mas com o agravante da existência de homens doentes e a condição dos enfermos era o
diferencial, devendo receber toda a atenção do governo.
Os hospitais militares poderiam ser de caráter temporário ou permanente,
sendo estes existentes no interior do país e colônias e mantidos mesmo em tempos de
paz e aqueles criados somente em períodos de guerra e construídos fora do centro das
cidades, preferencialmente em local mais salubre e sobre um terreno livre e vasto. 133
A forma com que se dava a construção do edifício também era importante.
Gitahy cita trabalhos de arquitetos franceses, que defendiam construção em formas de
estrela (Pettit), circular e quadrada (Poyet). A Academia de Ciências de Paris, em
resposta ao projeto do arquiteto Poyet, decidiu banir as formas circular e quadrada por
entender que “a proximidade das divisões interiores permitte ao ar viciado de uma

132
GITAHY, op.cit., p.92.
133
Ibidem, cf.p.109-110.

68
enfermaria penetrar em outra; e ella se pronunciou por um edifício em forma de simples
parallelogramo, dirigido de Leste a Oeste”.134
O Exército brasileiro não optou pela planta quadrada, pela circular ou pela
estrela, pois “sabe-se quanto é prejudicial a um indivíduo no estado de saúde respirar o
ar já respirado por homens doentes, quanto mais indo este ar assim viciado alimentar a
respiração de outros que se achão também doentes”. 135
A escolha do tipo de construção do hospital militar no Brasil se deu baseada
no modelo aprovado pela Academia de Ciências de Paris e visando satisfazer as
condições higiênicas de hospitais,

a mais consentânea com os progressos da sciencia, a forma de


parallelogramo, adoptada pela Academia de Sciencias de Paris; não de
maneira que o edifício apresente a sua frente para o nascente, como
querem os hygienistas (...); e sim de tal sorte que a direcção do
estabelecimento seja de Leste a Oeste, como opina a Academia de
Sciencias [de Paris]...136

Como a preocupação com os miasmas era algo característico daquele


período, a qualidade do ar era um aspecto fundamental a ser considerado. Cabe
utilizarmos um trecho da fala de José Muniz Gitahy ao se referir a todas as matérias que
poderiam ser encontradas nas instalações de um hospital.

As causas ordinárias da alteração do ar (respiração,


transpirações pulmonar e cutanea, evaporação das substancias
gordurosas que entretem as luzes de noite) se ajunta nos hospitaes
uma causa especial: é a evaporação das tisanas, dos banhos tomados
nas enfermarias, dos pannos e ataduras humedecidas com certas
substancias, das cataplasmas, fomentações, irrigações, dos
medicamentos voláteis, como os chloruretos, a camphora, o almíscar,
preparações sulfurosas, etc., do sangue das sangrias e das ventosas,
das matérias vomitadas, das supurações, das urinas, etc. Sem duvida o
zelo dos facultativos incumbidos de tratar os soldados doentes faz
desaparecer uma parte destes focos de emanações pútridas: porém
devemos notar que organisações enfermas, enfraquecidas pelos
soffrimentos, pela dieta, e privadas ás mais das vezes da excitação
moral, devem ter mui pouca força de reacção contra os miasmas
deletérios, e soffrem quase sem resistência os effeitos deste gênero de
intoxicação. 137

134
Ibidem, p.111.
135
Ibidem, p.111.
136
Ibidem, p.111.
137
Ibidem, p.114.

69
A forma mais eficaz para a manutenção da salubridade de hospitais estava
na existência de uma ventilação regular e contínua e, também, no trato das latrinas.
Estas eram objeto de preocupação da higiene hospitalar, já que também estava ligada à
qualidade do ar. Um dos indicativos de tal quadro consta nas determinações do
Congresso de Bruxelas em 1852. Neste encontro, foram tratados, dentre outros temas, a
questão das latrinas em hospitais e determinou as regras de sua construção. Dessa
forma, ao elaborar seu sistema de constructo, seguiria, como uma das condições, a
ausência dos miasmas nocivos ou desagradáveis. 138
A alimentação também é fonte de estudos da higiene, seja militar ou civil.
No caso militar, alimentos sólidos e bebidas constituíam a alimentação básica das
praças do Exército. Dentre os sólidos, usualmente consumiam substancias animais
(carne e peixe), pão, vegetais e frutos. No regime do soldado, eram considerados como
fundamentais os seguintes alimentos: carne, pão e legumes. Baseados nesta dieta, sua
nutrição se dava através de três refeições diárias: o café da manhã, o almoço e o café da
tarde. Contudo, destinar apenas duas refeições por dia era considerado como algo
incorreto, já que o soldado praticava trabalhos penosos em seus exercícios. 139
A partir da experiência cotidiana com as tropas, concluía-se que não deveria
fazer o uso de um único alimento por período prolongado e excluindo-se os demais. Da
mesma forma, o uso contínuo dos mesmos preparos de alimentos também prejudicava a
boa alimentação. Portanto, baseando-se nestes fatos, concluíam que cada refeição
deveria ser composta por uma boa diversidade de alimentos e que a dieta deveria ser
variada, não se baseando nos mesmos alimentos todos os dias. 140
Um aspecto que diz respeito apenas à higiene militar é a preocupação com o
conjunto composto por armamento, fardamento e equipamento. São eles que constituem
os primeiros objetos que recebe o soldado e não deveriam constituir uma sobrecarga ao
militar. Desta forma, conforme Gitahy, o governo imperial solicitou um novo sistema de
mochilas naquele período e que deveriam apresentar menos inconvenientes àqueles que
a carregassem.

138
Ibidem, cf.p.115.
139
GITAHY, cf.p.101-102.
140
,Ibidem, cf.p.95-96.

70
Este material a ser carregado era constituído por: arma, capote, mochila com
roupa da ordem, correame, 141 cantil, 50 cartuchos. Somando-se todo este material –
considerando o capote seco e o cantil com uma quantidade de água determinada – temos
51 ½ libras, o equivalente a 23,13 kg. Ainda compunha a mochila os objetos pessoais do
militar. Além disto, em caso de campanha, era necessário adicionar a barraca além dos
itens que já destacamos antes. Finalmente, reunindo todo o material necessário, teríamos
o equipamento, os objetos pessoais e o peso da barraca totalizando 67 ½ libras ou
aproximadamente 30,39 kg.
Em alguns casos era necessário adicionar ainda as rações que as praças
deveriam carregar para três dias, totalizando mais 5 ½ libras (ou 2,27 kg). Daí a
importância do material e da qualidade que constituiriam a mochila do militar – que
pesava em torno de 14 libras. 142
O peso deste conjunto (armamento, fardamento e equipamento militar)
continua sendo uma questão no século seguinte. Murillo de Campos, médico do Corpo
de Saúde do Exército e que além de seus estudos sobre higiene também se dedicava à
área da psiquiatria,143 escreveu, em 1927, Elementos de Hygiene Militar. Escrito em
outro momento da história militar e da história medicina, aborda as questões relativas à
higiene no meio militar. Uma delas diz respeito justamente ao equipamento e carga do
soldado.
Em termos de carga, há pouca diferença em relação ao que tivemos aqui
descrito por Gitahy. O equipamento do soldado de infantaria do Exército nacional se
dava sob duas formas, conforme o decreto 7.231 de 24 de fevereiro de 1908: o
equipamento normal (ou de campanha), que era composto pelo equipamento em si
(mochila, bornal, cinturão, duas cartucheiras, porta-sabre e capote), ferramenta de sapa
(seis pás, duas picaretas, um facão, um alicate e uma serra articulada) e material de
acampamento. O peso deste equipamento era de 15 kg. Acrescentemos a isso o
armamento (fuzil, sabre-punhal e 120 cartuchos) e o fardamento, chegaríamos a uma

141
Série de correias ('tiras'), especialmente as que se encontram no uniforme militar. Ver: Dicionário
Eletrônico Houaiss da Língua Portuguesa.
142
GITAHY, cf.p.103-105.
143
Sobre os estudos de Murillo de Campos na psiquiatria, ver:
VENANCIO, Ana Teresa A.. “Classificando diferenças: as categorias demência precoce e esquizofrenia
por psiquiatras brasileiros na década de 1920”. História, Ciências, Saúde − Manguinhos, vol.17,
suplemento 2, dezembro de 2010, p. 327-343.
Disponível em:
http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0104-59702010000600004&lng=en&nrm=iso
Campos viria a ser um dos redatores do periódico médico nilitar, Boletim da Sociedade Médico-
Cirúrgica, sobre o qual trataremos no terceiro capítulo.

71
carga total de 26 kg. O equipamento de combate era composto pelo mesmo da marcha,
acrescido de duas carteiras com 120 cartuchos que elevavam o seu peso a 18 kg – o que
nos leva a concluir que a carga total fosse de 29 kg.144
Em comparação com outros Exércitos, o peso do equipamento do Exército
brasileiro continuava elevado. A infantaria de diversos Exércitos apresentava o seguinte
peso a ser carregado pelos seus soldados: na Inglaterra, 23 kg; Japão, 25 kg; França,
25,5 kg; Alemanha, 27,5 kg; Rússia, 27,5 kg. No entanto, um importante aspecto deve
ser ressaltado: assim como acontecia no Exército japonês, o soldado brasileiro tinha
estatura e peso inferiores ao europeu.145
Há alguns aspectos que aparecem em discussão neste momento. Uma das
principais diferenças que notamos nestes dois trabalhos voltados para a higiene militar
está na relação com a atividade física 146 (ou a falta dela) e os cuidados com a saúde e
com o corpo do soldado. Outro ponto que o diferencia dos estudos do XIX realizados
por Gitahy diz respeito ao termo “degeneração”.
Neste momento, devemos ressaltar a forma como Murillo de Campos
entende a define a higiene. Segundo o autor, esta

tem por objeto a protecção e o desenvolvimento da saúde. Assim


acontecendo, entre as suas atribuições figuram, não só a prevenção das
doenças, o que no século passado, a constituía quasi exclusivamente,
mas também a eugenia e a cultura humana. 147

Quanto à prevenção de doenças, a vacina merece destaque, já que o


desenvolvimento da “doutrina microbiana” permitiu medidas profiláticas que
apresentaram um “acentuado grau de eficiência”.148 Enfermidades que antes afligiam
enormes populações, hoje já não provocavam tantas “mortíferas epidemias”, como a
varíola e a febre tífica.
Além da vacinação, havia também a educação higiênica e o
aperfeiçoamento dos códigos sanitários. Estes possibilitaram que alguns países,

144
CAMPOS, op.cit., cf.p.102-103.
145
Ibidem, cf.p.108.
146
A importância da relação entre a Educação Física e o Exército não é um tema novo, mas será discutido
de forma mais sistemática no capítulo 2 de nosso trabalho.
Para mais a respeito do tema, ver: CASTRO, Celso. “In corpore sano - os militares e a introdução da
educação física no Brasil”. Antropolítica, Niterói, RJ, nº 2, p.61-78, 1º sem. 1997.
147
CAMPOS, op.cit., p.5.
148
Ibidem, p.5.

72
sobretudo europeus, reduzissem de forma progressiva, suas taxas de morbidade e
mortalidade. De acordo com este tipo de pensamento, Campos afirma o seguinte:

O simples afastamento das condições normaes e


existência é bastante para determinar, sobretudo nas camadas
proletárias das grandes cidades, alterações da morphologia corporal,
assim como diminiução da robustez e da capacidade de trabalho, as
quaes, por muito tempo, se attribuiram á degeneração da espécie
humana. A verificação, porém, de determinados fatores maléficos,
como habitação insalubre ou superlotada, alimentação insuficiente ou
defraudada, ausência de cultura física, excessos alcoólicos, doenças
evitáveis, trouxe, afinal, a verdadeira explicação dessa pseudo
degeneração.149

Em função do quadro exposto acima, Murillo de Campos entende que o


serviço militar seria um grande fator de saneamento das populações modernas. 150
Portanto,

Passando pelas casernas, os indivíduos, qualquer que seja a sua


procedência, experimentam a influência benéfica dos exercícios
físicos metódicos, da alimentação segundo normas racionais, do asseio
corporal obrigatório, da repressão do alcoolismo e da profilaxia das
doenças transmissíveis.151

Os exercícios físicos se dão a partir da prática da Educação Física Militar,


que tem como objetivo a adaptação dos recrutas e dos demais profissionais do meio às
eventualidades dos serviços de campanha, que consistem “na capacidade de fazer
marchas e de combater” e proporcionar ao organismo a resistência à fadiga.152 É esta
atividade também que permite o desenvolvimento da resistência para que a marcha seja
eficiente, permitindo ao soldado transportar-ser à linha de fogo. Se a tropa se encontra
fatigada, isto indica que houve um trabalho muscular excessivo, excedendo “o limite da
tolerância orgânica”. 153 É o treinamento que determina a maior perfeição para a
execução do trabalho e que retarda o aparecimento da fadiga. Sua profilaxia se dá a
partir de um treinamento bem conduzido. Finalmente, sobre este tipo de educação e

149
Ibidem, p.5.
150
CAMPOS, op.cit., cf.p.5.
151
Ibidem, p.6.
152
Ibidem, páginas 51 e 58.
153
Ibidem, p.73

73
treinamento, estes seguem o Regulamento de Instrução Física Militar, que fora
instituído em 1921.154
Assim como se deu no XIX, a preocupação com a alimentação do soldado
era um ponto de extrema importância e o mesmo é verificado no período seguinte. Ao
se dedicar a uma análise sobre a ração do soldado brasileiro, Murillo de Campos nos
remete aos trabalhos de Souza Lopes e Afrânio Peixoto que, ao se referirem à
alimentação do Exército nacional, a consideraram insuficiente e inadequada ao clima.
Campos, da mesma forma, considera que estas observações seriam aplicadas para as
rações em prática na época. A ração brasileira, então, teria 4.500 calorias, o que era um
valor considerado acima do ideal, já que a ração planejada para o soldado nacional,
sujeito a um trabalho de oito horas por dia, não deveria ultrapassar 2.800 ou 3 mil
calorias. A alimentação da tropa que resultava em 4.500 calorias estava baseada em uma
tabela divulgada pelo exército a partir do seu Boletim do Exército (BE) e que fora
publicada na sua edição de número 63, de 10 de dezembro de 1916. Esta tabela
compreendia a qualidade e a quantidade máxima dos gêneros que deveriam compor a
alimentação das praças do exército. Os gêneros eram constituídos por açúcar, arroz,
azeite doce, batata inglesa, carnes diversas, farinha, feijão, mate, manteiga, pão, peixe,
queijo, sal, etc. Seguindo a quantidade que era determinada para cada praça, Campos
conclui que ao distribuir os gêneros conforme sua quantidade máxima atribuída – já que
a tabela não determinava o mínimo – a ração conteria 230 gramas e equivaleria ao
elevado número de calorias anterior. Contudo, o autor ressalta que todos os alimentos
divulgados na tabela poderiam não ser consumidos na refeição diária do praça, já que a
regulamentação que fora publicada no BE estabelecia o máximo a ser consumido, mas
não o mínimo.155
O que Campos busca ao analisar estas tabelas de ração alimentícia era
criticar a forma como a mesma se dava, já que não se considerava a composição
química dos alimentos e nem as calorias que dali resultavam. Este quadro geraria
grandes prejuízos para a tropa, pois não encontraria na sua alimentação diária os
nutrientes necessários para o bom desenvolvimento de suas atividades físicas no
cotidiano de exercícios e obrigações militares.
Além disso, constava também como um dos itens da ração do soldado
brasileiro a distribuição de bebida alcoólica – descrita na tabela a que nos referimos

154
CASTRO, op.cit., cf.p.5.
155
CAMPOS, op.cit., cf.p.112-114.

74
como “vinho virgem”. Da mesma forma que Peixoto e Gitahy, a presença desta
substância na ração do soldado era criticada, pois

esta distribuição cria oportunidades para constituir-se, em muitos


indivíduos, o hábito alcoólico. Diante da necessidade de suprimir o
alcoolismo, um dos maiores flagelos das sociedades modernas, já não
se pode tolerar o consumo de bebidas alcoólicas nas corporações
armadas.156

Da mesma forma que Peixoto e Gitahy, dentre as bebidas servidas à tropa, a


que merecia especial atenção do corpo de saúde do Exército era a água potável. O seu
abastecimento no meio militar merecia especial atenção da fiscalização em função do
risco de contaminação – como febre tífica, cólera e disenteria.
O grau de potabilidade da água estará no conjunto de todas as pesquisas,
sobretudo nas de ordem química e bacteriológica. Os dois aspectos devem ser
considerados bons para o consumo. No entanto, se a tropa está em campanha, todas as
águas encontradas deverão ser tratadas como suspeitas, mesmo que seu aspecto seja
bom. Para o seu consumo, a depuração deve ser realizada. Os processos de depuração
eram divididos em mecânicos, físicos e químicos. Tais procedimentos compreendiam as
seguintes práticas:

 Mecânicos: decantação e filtração;


 Físicos: ebulição;
 Químicos: diversas substâncias podem ser empregadas, sendo o
cloro um dos mais usados pelos Exércitos americano e inglês. 157

O cuidado com o estado físico do indivíduo é o que prevalece quando


analisamos os principais conceitos adotados pela higiene, seja ela voltada para o meio
civil ou militar. O que percebemos, se compararmos os estudos dos médicos
trabalhados aqui, é que os temas permanecem os mesmos (como a água, o solo, a
alimentação, o ar, a higiene pessoal, o fardamento, profilaxia de doenças...). A mudança
está na forma como as medidas higiênicas são adotadas em função das transformações
pelas quais passa o pensamento médico em função da evolução das técnicas e das
descobertas no campo ao longo do período.

156
Ibidem, p.116.
157
Ibidem, cf.p.142-145.

75
1.2. A higiene militar e sua relação com o meio civil

A aclimatação, ou aclimação, é definida como o ato ou efeito de aclimatar (-


se), ou seja, constitui uma adaptação, um ajustamento, no nosso caso, a um determinado
clima. 158 Este tema apresentou um interessante debate entre o entendimento feito por
Afrânio Peixoto e Gitahy, que à época a nomeava como “aclimatamento”. A
responsabilidade creditada ao clima por inúmeros males não é bem vista por Peixoto. É
então que ele critica a utilização da expressão “doença tropical” utilizada nos tratados
médicos europeus. O autor considera que a maior parte delas compõe apenas
curiosidades de uma ou outra região e de uma mesma latitude, não sendo peculiares
exclusivamente às áreas tropicais. A partir deste ponto, nos detemos nos entendimentos
desta região e daquilo que se convencionou chamar de “medicina tropical”.
A história da medicina tropical nos mantém em contato com uma
diversidade enorme de temas de caráter multidisciplinar para pesquisas e estudos. A
fase de expansão imperialista desenvolveu um importante papel no desenvolvimento do
que conhecemos hoje como “Medicina Tropical”. O contato com a população local e
com a realidade de territórios que ainda não haviam sido desbravados colocou em risco
boa parte do contingente de homens que se aventuravam por eles. Sendo assim, nosso
foco estará voltado para esta experiência e para um tipo de resposta à alta mortalidade
dado pelos médicos europeus e norte-americanos.
A medicina ocidental, em seu processo de transmissão, atuou tanto como
uma atividade cultural quanto como uma forma de propagação do Ocidente. A “história
médica” sempre esteve relacionada, ou melhor, habitou por muito tempo a história da
doença. Este processo “despolitizou” os efeitos, levando a abordagens que apenas
consideravam os problemas de saúde e as respectivas soluções técnicas, abandonando o
viés político e cultural da questão. Esta cultura comum era sustentada pela imagem da
ciência como um agente do progresso e a medicina científica como sua serva. 159
Desta forma, nos deparamos com a construção do termo tropicalidade. Em
um primeiro momento a natureza nos trópicos era idealizada e transmitia a noção do
Éden, do paraíso. Em meados do século XVIII as representações negativas dos trópicos
se tornam um lugar comum e passam a apresentar um lado bem menos atraente: o dos

158
Aclimatação. Dicionário Eletrônico Houaiss da Língua Portuguesa.
159
McLEOD, Roy. “Introduction”. In: McLEOD, Roy & LEWIS, Milton (eds.). Disease and Empire.
Perspectives on Western medicine and the experience of European expansion. London, Routledge,
1988, cf. p.1-3.

76
fenômenos naturais e das doenças específicas. Com a ocupação e com o processo de
interiorização dos trópicos – já que a presença europeia se dava somente na região
costeira – há uma mudança fundamental da visão e da realidade vivida naquela região.
Ela deixa de ser aquela idealizada – o Éden – e passa a ser a que está relacionada às
dificuldades encontradas ali. Sendo assim, o uso do termo tropical passa a ser
empregado no sentido negativo, já que “trópico” implicava um meio hostil ao ser
humano. Contudo, não devemos nos prender somente ao processo de interiorização. Ele
não é condição suficiente para explicar a mudança da visão sobre o trópico. Isto porque
devemos entender a perspectiva econômica, a formação das sociedades científicas e os
aparatos de conhecimentos que estavam presentes à época. Portanto, a construção do
conceito de tropicalidade esteve fortemente identificada com uma produção teórica
europeia a partir do XIX.160
O trópico, aqui, deve ser entendido enquanto um espaço conceitual e não
apenas físico. Como afirmamos acima, o aspecto cultural não deve ser deixado de lado.
A natureza, segundo David Arnold, “ditava cultura”. Os trópicos representavam o que
era diferente do território europeu, a natureza que ainda não havia sido domada como os
bosques do clima temperado. Sendo assim, entendemos os trópicos como expressão que
define algo culturalmente diferente da Europa (e também dos Estados Unidos mais
adiante), só existindo como uma justaposição mental a algo mais: terras temperadas. 161
Nada distante deste pensamento está o surgimento do termo medicina
tropical, que serviu para comemorar a noção crescente do domínio europeu sobre os
trópicos e seus habitantes. Isto porque os trópicos também eram identificados com a
população local de uma determinada região. 162
Com a “interiorização” do europeu nos trópicos notamos uma grande
preocupação com a saúde das tropas e de outros indivíduos enviados para desbravarem
o “novo” território.163 Este tema é trabalhado por Mark Harrison em seu Climates &
Constitutions, em questões relativas à saúde, raça e meio ambiente, além de ressaltar a
estranheza dos britânicos na Índia. Baseado em fontes do XVII ao XIX, Harrison
centraliza a sua análise nos pontos destacados anteriormente. Segundo o autor, os
160
ARNOLD, David. “Inventing tropicallity”. In: _____. The problem of nature: environment, culture
and European expansion. Blackwell Publishers, Oxford/Cambridge, 1996, p.141-168.
161
Idem, p. 142.
162
Idem, p. 150-153.
163
Novo na medida em que as tropas europeias adentravam por boa parte do território que antes era
apenas conhecido em sua zona costeira, em seu litoral. Ver: HARRISON, Mark. “Health, Race,
Environment and British Imperialism”. In: _____. Climates and Constitutions: Health, Race,
Environment and British Imperialism in India. Oxford: Oxford University Press, 1999, p. 1-24.

77
britânicos veem no clima um fator determinante para a superioridade de uma raça em
relação a outra. Isto explicaria o porquê dos indianos serem submissos e os europeus do
norte uma raça dinâmica; tudo isto devido ao clima.
Philip Curtin também trabalha com o expansionismo europeu em seu
Disease and Empire. O pano de fundo para a sua pesquisa é a saúde das tropas
européias na conquista da África. A mesma preocupação, ou seja, a do estudo da saúde
das tropas e de estratégias adotadas pelos médicos é encontrado em Colonial
Pathologies, de Warwick Anderson. Enquanto no primeiro a análise gira em torno das
tropas européias, em Anderson o universo de estudos se volta para a medicina tropical
americana nas Filipinas. Este autor nos leva a uma questão muito interessante: a
importância da higiene militar para as políticas reguladoras adotadas pelos norte-
americanos em território filipino. Tema muito caro para nossa pesquisa.
Deste modo nossa proposta de trabalho está voltada para uma discussão
relativa às vivências das tropas em terreno tropical e as estratégias encontradas a partir
das observações dos médicos militares que vivenciaram aquela realidade. A higiene
militar será uma destas “estratégias de sobrevivência” em território desconhecido e
hostil.

1.2.1. A vivência nos trópicos

O expansionismo britânico será trabalhado a partir de sua experiência no


território britânico da Índia e na sua interiorização do continente africano. A vivência na
Índia foi importante na medida em que representava a importância da noção de que o
clima produzia efeitos nos corpos de europeus e indianos. Nesta perspectiva, o trabalho
de Mark Harrison164 procura entender por que os europeus passaram a considerar o
clima como uma restrição sobre as ambições imperiais – lembrando que a presença
europeia estava confinada no litoral até meados do XVII.
Uma grande preocupação dos europeus dizia respeito ao conhecimento dos
territórios pelos quais desejavam aventurar-se. A existência de poucos estudos sobre
ares, águas e locais, poderia ser reflexo da vontade mínima de se fixar permanentemente

164
HARRISON, W., Op. cit. p.5.

78
na Índia. Isto porque naquele momento a medicina europeia vivia sob o paradigma dos
“miasmas”. Eram eles os responsáveis pela propagação de doenças e isto se dava em
função da qualidade do ar e da proximidade de terrenos úmidos, pantanosos ou algo
parecido. Com o domínio britânico sendo ameaçado pelos países do sul da Ásia, os
britânicos se veem obrigados a expandirem seus territórios. Assim, a expansão
territorial leva ao surgimento de um interesse no meio-ambiente do território indiano:
médicos, historiadores, naturalistas, dentre outros, começam a se questionar sobre a
melhor localização para que os europeus pudessem estender seus domínios e facilitarem
o processo de aclimatação.165
A aclimatação e a raça eram aspectos de grande importância para a medicina
colonial. O estudo da aclimatação esteve relacionado com uma tentativa de médicos
chegarem a uma solução para o “enigma médico do imperialismo” que existiu durante
os séculos XIX e início do XX.166 Tal enigma dizia respeito ao fato de não haver um
lugar para o homem branco e, ao mesmo tempo, a existência de um único lugar em que
ele pudesse ter domínio sobre o homem e a natureza: os trópicos. Disto, originou-se o
estudo da aclimatação, fruto de uma potente mistura de teoria racial, patologia
geográfica e política global. Segundo Anderson, foi esta investigação médica que ao
fazer interagirem constituição racial e meio ambiente estruturou a doutrina
administrativa colonial de todos os poderes europeus.167 Contudo, sempre foi uma
questão muito debatida, já que mesmo no XIX discutia-se se a aclimatação nunca
poderia ser mais do que superficial. 168
Antes de 1860 a presença europeia na África Ocidental estava limitada ao
oeste daquele continente. Os franceses tinham postos naquela região, que se
encontravam na foz dos rios. No caso britânico, os fortes eram os estabelecimentos
mais substanciais no oeste da África, embora também houvesse postos. No início da
década de oitenta do XVIII, a atenção foi voltada para novas possibilidades para a
atividade imperial. Algumas correntes defendiam que o tráfico de escravos era algo
ineficiente e indagavam qual a razão de levar trabalho para a América se havia terra

165
Ibidem, p.5.
166
ANDERSON, Warwick. “Introduction”, “American Military Medicine faces West”. Colonial
Pathologies. American Tropical Medicine, Race and Hygiene in the Philipines. Durham/London:
Duke University Press, 2006, p. 1-44.
167
Ibidem, p. 63.
168
HARRISON, 1999, cf.p.18.

79
fértil e disponível em território africano? A perda das colônias americanas deveria ter
restabelecido o seu equilíbrio. 169
O caminho seria aquele traçado pelas correntes humanitárias que
acreditavam que novas colônias na África ajudariam os colonos europeus a criarem uma
nova sociedade para reparar os erros cometidos com o tráfico de escravos. Para este fim,
foi fundada Serra Leoa (1787), que se tornou um local de fixação para afro-americanos
que lutaram ao lado dos britânicos na revolução dos Estados Unidos. Era apenas o início
dos problemas dos colonos.
Nos primeiros anos de colonização da região, registros publicavam a morte
de quarenta e seis por cento de colonos brancos. Nos anos seguintes os números não
sofreram queda. Entre 1792-1793, quarenta e nove por cento era a taxa de mortalidade
no primeiro ano dos colonizadores da “Companhia Serra Leoa”. Mais de dez anos
depois  1804-1825  A Church Missionary Society perdeu cinquenta e quatro dos
oitenta e nove europeus enviados para a África Ocidental. Dentre os militares as taxas
não eram diferentes. Entre 1819 e 1836 a mortalidade da tropa em Serra Leoa
apresentava altos índices, que podem ser explicados pela falta de um padrão de
imunidade adquirido na infância e relacionado àquele ambiente específico da África
Ocidental. Curtin sugere três grupos de doenças responsáveis pelo alto índice de
mortalidade: malária, febre amarela e infecções gastrointestinais. Reunidas, elas eram
responsáveis por noventa e quatro por cento de todas as mortes entre os europeus na
África Ocidental. 170
Mesmo com estes números, por que tantos governos europeus e empresas
europeias desejavam arriscar a vida de soldados? Por que as pessoas se voluntariavam
para colocar em risco suas vidas na África? Segundo Philip Curtin,

A resposta provável é uma combinação de ignorância,


coerção e condições de vida na Europa que parecia ser intolerável. A
maioria dos soldados europeus que guarneciam as fortalezas do
comércio de escravos foi recrutada, permitindo-lhes substituir o
serviço na África pela punição na Grã-Bretanha.171

169
CURTIN, Philip D. “The West African Disease and background”. In: ____. Disease and Empire. The
health of European troops in the conquest of Africa. Cambridge University Press, 1998, p. 1-28.
170
CURTIN, op.cit.,p.11-12.
171
Ibidem, p.12.Tradução nossa.
Obs.: Nosso trabalho conterá somente material traduzido por nós, não sendo reproduzido o conteúdo em
seu idioma original.

80
Movidos por estes altos índices de mortalidade, o governo britânico
designou uma Comissão Real que deveria descrever a situação na região de Serra Leoa.
O relatório afirmava que não havia relação entre o alto índice de mortalidade e a má
conduta higiênica por parte dos indivíduos. Além do fato de que as melhorias
encontradas, no que diz respeito ao saneamento daquela área, também não surtiram
efeito. Mas uma observação feita neste relatório alerta para o fato de que os negros não
eram imunes às febres que atacavam os europeus, como se suspeitava na época. Os
comissários chamaram atenção para o alto índice de mortalidade dos negros pobres
oriundos da Inglaterra. A taxa de mortalidade apresentada por esse grupo era de trinta e
nove por cento durante o primeiro ano. Dado não muito dispare dos brancos, que
apresentavam, para o mesmo período quarenta e seis por cento.172 Na época não foi
possível explicar a razão para estes números, mas hoje sabemos que a população local
era praticamente imune em função do desenvolvimento das doenças daquela região na
infância.
Por fim, diante de tão altas taxas de mortalidade um dos caminhos era deixar
a região. Em 1830 verificou-se uma retirada de europeus e uma mudança na composição
das tropas. Agora, tanto o Exército francês quanto o britânico possuíam em seus
quadros soldados africanos. Isto como resultado de uma prática estabelecida há muito
tempo: a compra de “escravos da fortaleza”, isto é, escravos que não possuíam ligação
com a população local, não devendo qualquer tipo de lealdade a ela.

1.2.2. A higiene militar como estratégia

No ano de 1918 foi publicado nos Estados Unidos um manual para médicos
oficiais. Escrito pelo médico e tenente-coronel Frank T. Woodbury e pelo coronel Jas
Moss, da infantaria, esta obra visava servir de guia para as tarefas dos oficiais médicos
do Exército dos Estados Unidos. É nele que encontramos a melhor definição de higiene
militar a ser dada aqui:

Higiene militar é a ciência do cuidado das tropas, e lida


com regras de saúde, as causas das deficiências, e os seus métodos

172
Ibidem, p.15.

81
preventivos, a fim de que as forças de combate não sofram nenhuma
diminuição na força por doenças evitáveis. É uma parte do serviço de
segurança e informação. 173

Enquanto as experiências britânica e francesa na África Ocidental


resultaram em retirada, o mesmo não podemos afirmar da presença dos Estados Unidos
nas Filipinas do final do XIX até 1946. Ainda que em momentos históricos diferentes e
em circunstâncias igualmente díspares, os norte-americanos permaneceram no
arquipélago e desenvolveram uma eficiente estratégia de sobrevivência de suas tropas: a
higiene militar.
Porém, para Warwick Anderson  que tem como hipótese de sua obra as
continuidades entre o processo de civilização pós-colonial e os projetos de
desenvolvimento internacional , a ação destes indivíduos estava diretamente motivada
por uma ideia: “purificação”. Esta noção não nos limita à purificação apenas de lugares,
água e comida. Os norte-americanos também propunham a purificação dos corpos e da
conduta dos filipinos. Sendo assim, podemos resumir em duas noções básicas a
presença dos Estados Unidos naquela região: purificar e transformar. Para colocá-las em
ação, era necessária uma “reforma higiênica”  intrínseca ao processo civilizatório e
que tinha nas Filipinas o seu “Laboratório de Modernidade Higiênica”. 174 Esta reforma
higiênica seguiu uma lógica militar colonial.
Os Estados Unidos adquiriram as Filipinas à Espanha pelo Tratado de Paris
(1898)  que colocava um fim à guerra hispano-americana  e a mantiveram sob seu
domínio por quarenta e oito anos. Porém, estiveram em conflito entre 1898 e 1902. As
tropas filipinas utilizavam táticas de guerrilha para combater o Exército norte-
americano. As exigências oriundas deste tipo de conflito remodelaram o conhecimento
dos oficiais médicos americanos, no que diz respeito ao risco e à contaminação. Deste
modo, criaram novos métodos de controle de doenças tropicais e de gerenciamento da
população.
No início do confronto o papel do cirurgião militar foi de fundamental no
controle da propagação de doenças. Além de exercer suas funções específicas, o
cirurgião-militar era também um inspetor sanitário. Isto porque na era moderna era ele o
responsável pelo bem-estar da tropa.

173
MOSS, Jas A. & WOODBURY, Frank T. Manual for Medical Officers. Being a Guide to the Duties
of Army Medical Officers. Menasha, Winsconsin: The Collegiate Press. George Banta Publiching
Company, 1918, p. 147.
174
ANDERSON, W. (2006), cf.p.1-3.

82
No que diz respeito aos agentes de saúde colonial, a maioria era oriunda das
escolas médico-científicas das maiores universidades do leste. Muitos destes agentes
foram transferidos diretamente dos serviços civis de saúde para o departamento médico
militar. Segundo Anderson, “Eles tenderam a se ver como progressivos e representantes
pragmáticos da moderna ciência americana”. 175 Já nas Filipinas, era tarefa dos oficiais-
médicos prevenir e tratar de doenças e da degeneração oriundas das condições
climáticas daquela região. Além disso, o cirurgião militar era um pesquisador da
natureza com o objetivo de cuidar da tropa. Ao dominar assuntos relativos às mudanças
climáticas o oficial médico deveria entender o que elas representavam para a saúde de
sua tropa, quais as implicações destas mudanças no corpo de seus comandados.
Portanto, podemos afirmar que a medicina militar nas Filipinas, procurou proteger a
“raça estrangeira” de circunstâncias estranhas e maus hábitos.
Naquele momento, a grande questão que se colocava era a possibilidade de
degeneração da raça branca em função das condições climáticas. As obrigações
sanitárias, segundo Anderson, “asseguravam que os oficiais médicos também tentariam
reestruturar e assegurar as fronteiras da masculinidade nos trópicos coloniais para
determinar como preservar o vigor e bons costumes do anglo-saxão em uma região
hostil”. 176 Desta forma, o cuidado e a disciplinarização das tropas brancas poderiam
servir como teste sobre como gerenciar os colonos e como disciplinar os nativos.
Como vimos anteriormente, os médicos americanos se auto-proclamavam
representantes da modernidade, do progressivismo e do zelo científico. No
departamento médico do Exército, o microscópio era visto como um emblema do novo
médico e uma das mais importantes para seu trabalho de campo. Daí dizermos que a
transformação intelectual e profissional da medicina militar, tanto em aspectos
terapêuticos quanto profiláticos, combinava as obrigações clínicas com as tarefas
administrativas do novo oficial-médico.
Assim como os britânicos proferiam suas ideias correspondentes aos
miasmas presentes nos trópicos – não exclusivamente desta região – os oficiais do
Exército americano compartilhavam da mesma preocupação. A ciência sanitária do
oficial militar era amplamente atribuída ao conhecimento de marcos geográficos das
doenças. Segundo J. J. Lane Notter, especialista em higiene militar, as doenças só

175
Ibidem, p.7, 22.
176
Ibidem, p.17.

83
podem florescer dentro de certos limites geográficos.177 As condições do ar e do solo e
as suas implicações na saúde da tropa eram medidas para a escolha de um acampamento
saudável.
Além da preocupação com o meio, cabia ao oficial médico atentar para as
condições de vida do militar. Cirurgiões militares defendiam que, quando a matéria-
prima do Exército era fraca, disciplina e treinamento físico poderiam transformar aquilo
em bons soldados. Assim, com um soldado bem treinado, esperava-se que este pudesse
reconhecer as condições salubres e evitasse riscos e perigos sanitários. Contudo, com o
advento dos princípios da Higiene Moderna no final do XIX, dava-se maior ênfase à
clínica e à microscopia biológica.
O clima, além de afetar o vigor do homem branco era responsável por
quadros de desordem mental. Isto era causado pelo simples fato de o homem branco
estar nos trópicos, ou seja, fora do seu lugar, implicando assim em degeneração e na
aquisição de doenças. Para “salvar” o homem branco deste cenário, havia a higiene, que
diminuía a degradação do homem branco e funcionaria como uma “armadura sanitária”
contra o clima. No manual de Woodbury encontramos uma forma de manter-se afastado
dos “perigos dos trópicos”. Era preciso apenas seguir as oito leis da higiene:

I. Manter a pele limpa;


II. Manter o corpo devidamente protegido contra o tempo;
III. Manter o corpo devidamente alimentado;
IV. Manter o corpo provido com ar fresco;
V. Manter o corpo bem exercitado sem exaustão;
VI. Manter o corpo descansado;
VII. Manter o corpo livre de desgastes;
VIII. Manter a mente ocupada e feliz.178

Os pontos colocados acima não diferem daqueles preceitos básicos da


higiene tropical sugeridos pelo major Charles F. Manson. São eles: evitar o sol,
permanecer calmo, comer comidas leves, beber álcool com moderação ou não beber. 179
Sendo assim, para o homem branco não permanecer vulnerável aos trópicos bastaria

177
Id., p.24.
178
MOSS, J.A. & WOODBURY, F. Cf. p. 147.
179
ANDERSON, W. (2006). P. 42.

84
seguir as orientações dos oficiais médicos. Isto demonstrava a estratégia desenvolvida
pelas tropas americanas para manterem o seu vigor, a sua sanidade mental e os seus
bons costumes.
O expansionismo europeu, de um modo geral, levou aquele continente a
vivenciar experiências até então desconhecidas. O contato com um terreno estranho, que
tinha sido idealizado e mitificado foi vivido com maior intensidade. Este tipo de
experiência mudou o olhar do europeu que chegava no “Éden”, que agora poderia
representar um pequeno pedaço de um lado obscuro.
O medo do que era diferente levou a uma reformulação de suas práticas e
teorias médicas. O que chamamos de estratégias de sobrevivência foram as respostas
dadas por europeus e norte-americanos para lidarem com o que era diferente do seu
mundo, com o que não era entendido como igual.
Enquanto as teorias raciais e os estudos sobre aclimatação foram as
primeiras respostas para um grupo de cientistas-médicos e pensadores; para outro a
saída foi uma reformulação e um maior rigor nas práticas de higiene e uma maior
preocupação com as políticas sanitárias.
Analisadas em momentos históricos diferentes (final do XVIII e meados do
XIX e final do XIX e início do XX), estas estratégias nos mostram como o pensamento
médico foi passando por mudanças de acordo com as experiências vividas por seus
homens e pelas necessidades por eles sentidas. É claro que não podemos esquecer toda
uma estrutura social e econômica que viabilizou todo um aparato científico de pesquisa
médica e de expedições científicas destinadas a desbravar o território desconhecido.
Por fim, não podemos esquecer que a maioria destas reformulações foi
levada para o cotidiano daqueles países colonizadores. Um exemplo disso foi a presença
dos Estados Unidos nas Filipinas e a destruição da maioria do aparato sanitário existente
do tempo dos espanhóis. Com a guerra, boa parte do sistema de saúde não existia mais.
Os Estados Unidos vivenciaram a necessidade de implantar recursos que viabilizassem
medidas de saúde pública, já que isto implicaria, também, na saúde de sua tropa que
residia naquele momento no arquipélago. Boa parte da experiência norte-americana
rendeu frutos no sistema de saúde urbano daquele país, já que as Filipinas serviram
como um “grande laboratório de higiene”.

85
1.3. A Organização dos Serviços de Saúde dos Exércitos da Alemanha e da França

De acordo com Richard Gabriel, 180 a primeira organização efetiva dos


serviços de saúde dos Exércitos se deu no século XVIII. Era um campo praticamente
inexistente na Europa desde os tempos do Império Romano até o período em questão, o
XVII.181 A França teria a organização de sua saúde militar a partir do edito de Luís XIV
de 1708. No caso da Prússia, foi Frederico Guilherme I (1713-1740) quem deu aos
médicos militares o grau de oficiais. Contudo, a história da medicina militar destes dois
países e a atuação de seus oficiais médicos até aquele momento são fundamentais para
compreendermos o motivo que levou estes dois Exércitos a tornarem-se modelos para o
Cuerpo de Sanidad da Argentina e o Serviço de Saúde do Brasil.
O século XVIII era, para a medicina, aquele dos teóricos e dos “criadores de
sistemas”.182 Se na era moderna predominava a noção de miasmas e contágios, no final
do XVII e início do XVIII o “novo hipocratismo” ganharia força. 183 A partir do estudo
sistemático de registros de fenômenos físicos, climáticos e ambientais, padrões de
doenças, etc., originaria a escrita das topografias médicas. Era a herança deixada pelo
Renascimento com a emergência do método científico. Era o século de uma medicina
científica.184 Também foi um período marcado pelas descobertas científicas de Edward
Jenner (que descobriu a vacina da varíola) e James Lind (o pai da medicina natural) que
proporcionaram melhorias nos cuidados de combatentes. 185
Na medicina militar, o período era do reconhecimento do Estado de seu
papel a zelar pela saúde de seus soldados. No início do século ainda predominava a
prática de tempos anteriores, ou seja, poucos médicos e cirurgiões incorporados ao meio
militar com treinamento insuficiente ou inexistente atendendo aos feridos nas
batalhas.186 O quadro sofreria alterações em meados do XVIII, momento em que as

180
GABRIEL, Richard A.. Between Flesh and Steel. A History of Military Medicine from the Middle
Ages to the War in Afghanistan. Washington, D.C.: Potomac Books, 2013 (Versão eletrônica: “Kindle
Edition”).
181
MCCALLUM, Jack E. Military Medicine. From Ancient Times to the 21st Century. California:
ABC-Clio, 2008, cf.p.186
182
MAJOR, Ralph H. A History Of Medicine. Springfield, Illinois: Charles C. Thomas, Vol. 2, 1954,
cf.p.565.
183
LINDEMANN, Mary. “Saúde e Sociedade”. In: Medicina e Sociedade no início da Europa
Moderna: novas abordagens da história europeia. Lisboa: Editora Replicação, 2002. p.155-192,
cf.p.180.
184
PORTER, Roy The greatest benefit to mankind: a medical history of humanity. New York / London:
WW Norton & Company, 1999, cf.p.247.
185
MCCALLUM, op. cit., cf.p.217.
186
GABRIEL, Op. cit., Kindle Edition, Location 1441-1457.

86
realizações em medicina militar se tornam possíveis em função de uma postura
nacionalista que se tornava realidade.187

1.3.1. O Serviço de Saúde do Exército Francês

A medicina militar do século XVIII representou avanços no campo


administrativo e científico a partir da institucionalização da medicina militar por Luís
XIV e seu edito de 1708. Apesar disso, a formação de médicos militares na França só se
daria com a criação das Escolas de Saúde Militar em 1775, voltadas para o ensino de
medicina, cirurgia e farmácia. Encontravam-se nas cidades de Estrasburgo, Lelle e Metz
aquelas destinadas ao Exército. Em Toulon e Brest, as de Marinha. A organização e
estruturação do Service de Santé do Exército francês viria apenas na era napoleônica.
Ainda que em 1778, o Exército francês tenha criado as “Brigadas Sanitárias”, que
seguiam os grandes destacamentos do Exército,188 foi com as Guerras Revolucionárias
de 1792 e aquelas da Era Napoleônica que o serviço de saúde francês seria estruturado e
organizado.

Dados suas batalhas prolongadas, grande número de combatentes,


armas mais letais e as condições climáticas e geográficas brutais, as
guerras revolucionárias e napoleônicas apresentaram uma gama de
desafios inteiramente novos para cirurgiões militares. 189

As guerras revolucionárias tiveram seu início em 1792 e, naquele mesmo


ano, quinze escolas médicas francesas seriam fechadas pela Convenção Nacional e a
Sociedade Real de Medicina seria abolida. Segundo Richard A. Gabriel, o motivo do
fechamento estava ligado ao caráter da abolição de privilégios. A partir de então, todas
as escolas de medicina estariam fechadas e a prática médica foi aberta a qualquer pessoa
que dispusesse de uma licença.190 Somente em 1794 essas instituições seriam
substituídas pelas Écoles de Santé, conhecidas por sobrecarregarem o Exército com
oficiais de saúde pouco qualificados e mal treinados. Esta situação perduraria até 1804,
187
GABRIEL, Op. cit., Location 1825-1840.
188
ESTEVES, (Major Médico) Julio Roberto. Temas de Sanidad Militar. Buenos Aires: Circulo Militar,
1955, cf.p.146-149.
189
MCCALLUM, op. cit., p.217.
190
GABRIEL, Op. cit., Location 2867-2882.

87
quando Napoleão, ao declarar que perdia mais homens para seus cirurgiões que para a
artilharia russa, restaurou as faculdades médicas. 191
A situação em 1794 foi agravada quando os hospitais militares, que eram
dirigidos por oficiais médicos, foram transferidos para administradores locais e para o
Comitê de Salvação Pública. 192 Depois disso, suas instalações foram atingidas pela
ineficiência e corrupção, o que fez com que médicos e cirurgiões os abandonassem e
seguissem para cargos regimentais no campo, onde seriam menos úteis, mas estariam
longe das pressões políticas.193
Até aquele momento, era regra que soldados feridos, independentemente de
sua gravidade, ficassem à esquerda do campo de batalhas aguardando para serem
recolhidos e receberem curativos ou serem amputados após dias de uma agonizante
espera. A ambulância dos corpos fora projetada para trazer tratamento médico ao
soldado e consistia em extensas carruagens que carregavam uma grande quantidade de
equipamento, era composta por uma equipe de 134 profissionais de saúde (dentre eles,
31 cirurgiões e 31 enfermeiros). Seu tamanho implicava na utilização de quarenta e
nove cavalos para puxar cada carruagem, o que resultava em um deslocamento sob
baixa velocidade e difícil. 194 O cirurgião do Exército francês, Dominique-Jean Larrey
(1766-1842) creditava a esta demora o agravamento dos ferimentos e, em consequência,
a alta taxa de mortalidade dos soldados feridos. Então, Larrey concebeu a ideia de levar
o “hospital” à zona de combate. Era o nascimento das “ambulâncias volantes” ou
“ambulâncias ligeiras”, acrescentadas com instrumentos cirúrgicos e suprimentos, que
transformavam o socorro que chegaria de 36 a 72 horas em questão de horas e criadas
por Larrey enquanto este desempenhava a função de cirurgião de campo no Exército do
Reno em 1792.195
Dominique-Jean Larrey, cirurgião chefe dos Exércitos napoleônicos por 16
anos, estabeleceu os fundamentos do emprego da medicina militar e que permanecem
em vigência até hoje:

191
MCCALLUM, op. cit., p.217. Há uma outra referência quanto ao fechamento destas escolas médicas.
Richard A. Gabriel afirma que o fechamento das mesmas se deu em 1793 e não em 1792, como defendido
por McCallum (GABRIEL, Op. cit., Location 2867-2882).
192
O Comitê de Salvação Pública se tornaria em breve o Ministério da Guerra francês (HOBSBAWM,
Eric J.. A Era das Revoluções. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1979, 2ª Ed., cf.p.88).
193
MCCALLUM, op. cit., cf.p.217-218; GABRIEL, op.cit., Location 2867-2882.
194
GABRIEL, op.cit., Location 2937-2955.
195
BURONI, José Raúl; BURONI, Pablo José. “Factores exógenos que influyeron sobre el pensamiento
militar argentino en materia de sanidad en la primera mitad del siglo XX”. II Congreso Internacional de
Historia Militar Argentina. Buenos Aires: Instituto de Historia Militar Argentina – IHMA, 2010, Vol. I,
p. 603-610; GABRIEL, op.cit., Location 2956-2972; MCCALLUM, op. cit., cf.p.218.

88
1. Concentração para o tratamento;
2. Levantar os feridos o mais rápido possível;
3. Estação de tratamento o mais próximo possível do campo de combate.196

Em função de sua importância na história da medicina militar, não


poderíamos tratar das Guerras Napoleônicas (1806-1815) e sua relação com o Serviço
de Saúde francês sem discorrer sobre Dominique-Jean Larrey. Oriundo de uma família
de cirurgiões foi treinado por seu tio Alexis Larrey. Serviu rapidamente na Marinha,
antes de concluir sua educação em cirurgia no Hôtel Dieu de Paris. 197 O cirurgião
militar francês era chamado por Napoleão como “o homem mais virtuoso que ele já
tinha conhecido”.198 Serviu como cirurgião chefe do Exército, participou de mais de 60
batalhas, seis campanhas e foi ferido três vezes. 199 De acordo com McCallum, Larrey
era um cirurgião querido pelos soldados em função de suas habilidades técnicas e seu
zelo com a tropa.
No século XVIII, os feridos em combate eram vistos como de pouca
utilidade e poderiam ser deixados para morrer no campo de batalha se não tivessem
quem prestasse os devidos cuidados. Foi em função deste quadro que Larrey, que
considerava cruel e fonte de desperdício abandonar os feridos, criou um sistema de
evacuação que revolucionaria os serviços de saúde que se consolidariam. Como dito
anteriormente, era o surgimento das “ambulâncias volantes” ou ligeiras, que consistiam
em veículos puxados por cavalos e que poderiam acompanhar as unidades tratando e
recuperando os feridos imediatamente após o combate. Ele planejou uma carruagem de
quatro rodas, montada sobre molas e que seria puxada por dois ou quatro cavalos e
poderia carregar até quatro feridos. Este tipo de ambulância seria amplamente utilizado
nas Guerras Napoleônicas.200
Até então, as feridas ocasionadas por armas de longo alcance (como canhões
e bombas) eram associadas a altos índices de amputações. A técnica padrão, e executada
por cirurgiões russos e alemães, era retardar o tratamento da ferida e, em seguida,
amputar o membro em circunferência e esticando a pele sobre o coto. O resultado era a

196
BURONI, J. R.; BURONI, P. J., op.cit., cf. p. 603.
197
Fundado no século VII, é considerado o hospital mais antigo de Paris e ligado à Faculdade de
Medicina da Université Paris-Descartes.
(Fonte: http://pt.wikipedia.org/wiki/H%C3%B4tel-Dieu_de_Paris, visto em 23/03/2013).
198
MCCALLUM, p.186.
199
GABRIEL, op.cit., Location 2902-2920.
200
MCCALLUM, op.cit., cf.p.186.

89
infecção destes ferimentos e a morte por gangrena. Larrey, por outro lado, adotaria a
técnica de Henri François Le Dran’s, que cortava o membro acima do ferimento e
deixava uma quantidade de pele resultando em um fechamento sem tensão. 201 Outra
prática adotada por Larrey era o tratamento das feridas logo que possível, pois,
poderiam ficar mais limpas se fechadas rapidamente.
Quanto a seus inventos, é dele a criação das agulhas cirúrgicas curvas, que
passavam de forma mais eficaz pelo tecido em relação às utilizadas anteriormente. A
técnica de irrigação das feridas com antissépticos, comuns na 1ª Guerra Mundial, teria
sido utilizada por Larrey.202
Larrey foi nomeado cirurgião chefe da Guarda Imperial de Napoleão –
considerada a melhor assistência médica na Europa e sua equipe médica era constituída
por um cirurgião de primeira classe, dois cirurgiões de primeira classe e 12 de terceira
classe apoiados por doze enfermeiros203 – e participou das campanhas na Rússia, Itália,
Egito e Prússia. Entre as campanhas, ele servia na École de Médicine Militaire de Val-
de-Grâce.204 Na campanha de 1812 contra a Rússia, voltaria a ser nomeado cirurgião em
chefe, mas desta vez do Grande Exército. Durante o confronto, sua estação de curativos
chegou a atender 2/3 dos 9 mil franceses feridos, além de realizar aproximadamente 200
amputações em um período de 24 horas. De uma tropa com cerca de 110 mil homens205
que entraram em Moscou, havia aproximadamente 20 mil feridos ou doentes. Larrey,
através de seus cuidados, possibilitou que 100 mil soldados estivessem aptos para
deixarem a cidade, ainda que 1.200 feridos e doentes tenham sido deixados para trás.
Em 1815, Napoleão organiza o Exército, após escapar da ilha de Elba, e
restabeleceu Pierre François Percy como cirurgião em chefe. Larrey retornaria às suas
funções de cirurgião, tendo sido brutalmente ferido e capturado em Waterloo.
Condenado à morte, fora resgatado por um soldado britânico que havia assistido às suas
aulas em Berlim em momento anterior à guerra.206 Levado ao Marechal de Campo

201
Este tipo de cirurgia se tornaria o padrão da prática médica militar até a guerra Russo-Turca, quando o
cirurgião militar russo K.K. Reyer demonstrou que a maioria das fraturas provocadas por armas de fogo
poderiam ser recuperadas ao adicionar antissépticos e retirar parte do tecido atingido ou a retirada de
corpo estranho. (GABRIEL, op.cit., Location 2921-2936).
202
MCCALLUM, op.cit., cf.p.187.
203
GABRIEL, op.cit., Location 2989-3005.
204
MCCALLUM, op.cit., cf.p.187-188.
205
Richard A. Gabriel afirma que foram 95.000 homens.
206
Em Between Flesh and Steel, Richard A. Gabriel apresenta uma controvérsia a esse ponto. Segundo
este autor, Larrey teria sido capturado por prussianos após a batalha de Waterloo (GABRIEL, op.cit.,
Location 2902-2920).

90
Blücher, Larrey foi reconhecido por ter tratado o filho do oficial. Seria libertado e
enviado para casa.
Durante o período da Restauração, esteve fora das atividades, mas em 1830,
com a Revolução, foi nomeado cirurgião em chefe do Hôtel dês Invalides, onde pôde
cuidar de seus camaradas do Grande Exército.207
O trabalho e o reconhecimento de Larrey se deu no desenvolver das guerras
napoleônicas, período em que as doenças eram tão importantes quando os ferimentos. A
disenteria pode ter sido um recurso militar mais importante para os franceses do que o
seu Exército mal treinado. Frederico Guilherme II (rei da Prússia de 1740 a 1797)
contava com um Exército de 42 mil soldados contra os franceses e provavelmente junto
dos austríacos, teria conquistado Paris se pelo menos 30 mil de seus homens não
tivessem inutilizados horas de combate por diarreias e vômitos.208
As tropas de Frederico Guilherme II não seriam as únicas a sofrerem com as
doenças durante a história de muitos combates. Durante as guerras napoleônicas, dos
cerca de quatro milhões e quinhentos mil soldados que serviram no Exército francês,
dois milhões e quinhentos mil morreram em hospitais por motivo de doenças ou em
função de seus ferimentos. O número de mortos em combate era de cento e cinquenta
mil. 209 Em 1793, Larrey encontrava Napoleão durante o cerco a Toulon e o acompanhou
na Expedição ao Egito em 1798, que se mostraria mal sucedida. A higienização das
tropas napoleônicas era uma das piores dos registros históricos e seus péssimos hábitos
lhe cobraram um alto preço às margens do rio Nilo. 210 Isso fez com que Larrey
compusesse uma lista de instruções higiênicas a seus cirurgiões. A preocupação com a
vestimenta compunha um dos seus itens, tendo Larrey prescrito roupas especiais para
médicos e enfermeiros, feitas de “pano oleado” ou tafetá emborrachado. Se estes itens
não estivessem disponíveis, solicitava, então, vestimentas de linho, firmemente tecidas e
regularmente mergulhadas em vinagre de toalete. 211 Determinava também que mãos e
rostos deveriam ser lavados regularmente com vinagre e, quando em cirurgia, os
médicos deveriam utilizar máscaras de linho embebidas nesta substância. Além disso,
nesta lista de medidas higiênicas, no que tange ao trato com os pacientes, exigia-se que

O que consideramos aqui, apesar da controvérsia, é o fato de um cirurgião francês ser reconhecido por seu
trabalho em Exércitos inimigos e ser “recompensado” por isso.
207
MCCALLUM, op.cit., cf.p.188.
208
MCCALLUM, op.cit., cf.p.188.
209
GABRIEL, op.cit., Location 2883-2901.
210
GARRISON apud MCCALLUM, op.cit.,cf.p.218.
211
Neste período, o vinagre (ácido acético) era utilizado para desinfecção de doenças (SPINAGE, Clive
A. Cattle plague: a history. New York: Kluwer Academic/Plenum Publishers, 2003, cf.p.370).

91
seus cirurgiões trocassem periodicamente as vestimentas de seus doentes e
minimizassem o contato físico direto com seus ferimentos. As bandagens antigas
deveriam ser queimadas imediatamente e os instrumentos frequentemente lavados e
mantidos em local arejado. Por último, ao deixarem as instalações hospitalares, médicos
e cirurgiões deveriam trocar suas roupas e lavar seus corpos com o vinagre. Mesmo com
todas estas medidas que deveriam ser seguidas pelos cirurgiões e médicos militares, os
soldados franceses – e também de outros países – sofreriam de enfermidades como
disenteria, tifo e doenças parasitárias do fígado. Dos 30 mil soldados que entraram no
Egito, 4.758 morreram em ação e 4.157 morreram por enfermidades e infecções. Dentre
estes, 1.689 morreram de peste bubônica. Ao fim, a taxa de mortalidade estava baseada
em uma relação de 109 por mil. 212
Após esta experiência e seu retorno para França em 1800, Napoleão tomava
medidas para organizar o seu serviço médico. O Service de Santé seria, então, composto
por médicos, cirurgiões, boticários, cirurgiões-ajudantes e cirurgião-ajudante inferior,213
além de mais dois praticantes. Os ajudantes eram recrutados em escolas médicas e
promovidos a oficiais não comissionados. Um aspecto que diferencia o corpo médico
francês é o fato de seus médicos servirem regularmente como combatentes, correndo,
assim, maiores riscos.214
No início da guerra os hospitais militares eram compostos por empregados
contratados. Em sua maioria, “eles eram indolentes, sujos e notoriamente dispostos a
roubar do governo e de seus pacientes”. O serviço hospitalar seria reorganizado em
1808, por Pierre Percy. 215 Soldados-atendentes seriam então encarregados de
recolherem os feridos e prestarem os primeiros socorros. Seu desempenho teria sido um
pouco melhor que o de seus predecessores civis. 216 No entanto, a organização dos
hospitais militares do período das guerras napoleônicas é considerada como o ponto
crítico da medicina militar de então. Nos referimos anteriormente às mudanças no

212
MCCALLUM, op.cit., cf.p.218; GABRIEL, op.cit., Location 2883-2920.
213
Do original sous aides-major.
214
MCCALLUM, op.cit., cf.p.218. Esta característica foi bastante criticada nos periódicos médico-
militares brasileiros ao se referirem à experiência francesa na Primeira Guerra. Ao se referir sobre a
Missão Médica Militar para o Exército brasileiro, que seria uma das ações da Missão Militar de Instrução
a partir de 1919, o editorial do número 46 de “Brazil Médico”, criticava o papel dos médicos franceses na
I G.M.: “... em França foram estes [médicos e cirurgiões] desperdiçados nas trincheiras como simples
soldados..”. (“A Missão Médica para o Exército”, Brazil Médico, Anno XXXIV, 13 de novembro de
1920, n.46, p.758).
215
Pierre François Percy (1754-1825) era o cirurgião em chefe do Exército, tendo entrado para o Exército
em 1776 (MCCALLUM, op.cit., cf.p.243).
216
., cf.p.218-219.

92
cenário político francês e a saída de médicos da estrutura hospitalar do Exército. Os
melhores médicos, fugindo de interferência política, serviriam nos campos de batalha e
esta mudança implicaria na transformação dos hospitais em verdadeiros lazaretos.217
Assim, “a higiene militar no sentido moderno foi quase a mais baixa já registrada na
história”. 218
O cenário, no entanto, não era tão desolador. Os cirurgiões militares
franceses criaram um “brilhante sistema hierárquico de atendimento” em que um
cirurgião regimental organizava uma estação auxiliar semelhante às ambulâncias
ligeiras de Larrey tão perto da zona de combate quanto fosse possível. Desta forma,
poderiam tratar dos feridos em questão de horas.
Quartéis generais atribuíram uma “divisão de ambulância” para cada divisão
de infantaria e cavalaria e ainda organizaram hospitais de campo, que poderiam ser
construções que receberiam os feridos de maior gravidade e que possibilitassem o
transporte destes para hospitais do interior. “Este sistema de cuidado progressivo e
evacuação persistiu virtualmente inalterado através da I Guerra Mundial”. 219
Além de habitações, alimentação e saneamento, os médicos militares da era
napoleônica contavam com um reduzido arsenal com o qual combatiam as doenças que
se faziam presentes por toda parte. Contra a malária e outros tipos de febres a quinina
era amplamente usada desde o século XVI. O ópio servia para o controle das dores. Para
a irrigação antisséptica – que consiste na introdução de um líquido nas cavidades do
organismo – utilizavam-se bebidas alcoólicas como o vinho e conhaque ou, na ausência
destes, vinagre para a cauterização e limpeza dos ferimentos. A limpeza de latrinas, lixo
hospitalar e curativos infestados pela gangrena era feita com cal. Cânfora, pólvora e
uma infinidade de ervas eram utilizadas pelas farmácias militares. Enquanto as plantas
eram de pouca ajuda, o mesmo não se aplica a “eméticos, purgantes, sangrias,
escarificações,220 vesiculação221 e sangramentos” que eram amplamente aplicados para
doenças, ferimentos e semelhantes.222

217
Lazareto: 1.estabelecimento para controle sanitário, onde são postas de quarentena as pessoas que,
chegadas a um porto ou aeroporto, podem ser portadoras de moléstias contagiosas. 2. prédio em lugar
ermo ou navio fundeado onde se mantinham em quarentena passageiros e tripulantes de navio sem
cadernetas sanitárias que atestassem condição de bom estado higiênico. Ver: Dicionário Eletrônico
Houaiss da Língua Portuguesa.
218
GARRISON apud GABRIEL, op.cit., Location 3007-3023.
219
MCCALLUM, op.cit, p.219.
220
Trata-se de pequenas incisões que eram feitas na pele para aplicações de vacina.
221
Do original, “blistering”.
222
MCCALLUM, op.cit., cf.p.220.

93
Desconhecendo que a malária era fruto da contaminação por picada de um
mosquito, os cirurgiões militares a relacionavam com locais de baixa altitude,
acampamentos em ambientes úmidos e exposição ao ar noturno. Por isso, optavam por
montar suas barracas e/ou acampar em lugares mais altos, evitavam a marcha durante a
noite e mantinham seus soldados na cama até uma hora após o nascer do sol.
A sífilis também era fruto de preocupação e tinha se apresentado como um
problema, especialmente na campanha do Egito. A saída encontrada foi o isolamento
dos doentes em hospitais venéreos. Outra medida era manter os homens longe das
mulheres locais e, aquele que fosse infectado, seria penalizado com a suspensão de seu
pagamento e “muitas vezes sendo forçado a pagar pelo seu próprio tratamento”. 223
Na Campanha contra a Rússia, em 1812, o tifo era o grande responsável
pela alta taxa de mortalidade nas guerras daquela época e se fez notar neste confronto,
principalmente pela falta de higiene dos soldados franceses que, em função do frio, não
retiravam suas roupas nem para defecar. McCallum afirma que os cirurgiões militares
franceses relacionavam o tifo com a imundície e, por isso, tiveram o cuidado de se
isolarem dos prisioneiros russos que pareciam mais sujos.
No combate às enfermidades, Napoleão reconheceu a importância do
desenvolvimento da vacina contra varíola por Edward Jenner em 1798. Assim, a
vacinação das tropas francesas tornava-se algo obrigatório, tendo sido suspensa em
1815 com a restauração dos Bourbons.
Até a sua próxima batalha, a Guerra da Criméia que se iniciaria em 1853, o
Service de Santé encontrava-se ultrapassado, desorganizado e ainda sofria com os
efeitos organizacionais e políticos ocasionados pela derrota do Exército francês em
Waterloo. Assim, o que se dava era uma necessária reforma em seu serviço médico, mas
que se demonstrou mal sucedida.
O ano de 1848 foi marcado por revoluções por quase todo o continente
europeu. Na França, as agitações provocaram brigas de rua generalizadas e as tropas do
serviço médico precisaram entrar em ação. Este quadro resultou em dois aspectos
importantes: os cirurgiões franceses ganharam experiência no uso do clorofórmio, que
era inalado durante as operações como um meio anestésico – sendo utilizado durante a
Guerra da Criméia. O segundo ponto é o do reconhecimento, por parte das autoridades
políticas, da necessidade de reforma dos serviços médicos do Exército francês. Desta

223
Ibidem, p.220.

94
forma, a França seria o primeiro país a tomar a iniciativa, de forma concreta, para a
criação de um serviço médico independente e autônomo. No entanto, no ano seguinte,
tendo como Ministro da Guerra o General Alphonse Henri d’Hautpoul (1789-1865), a
proposta não obteria êxito e o serviço médico encontraria um período de desorganização
em função das medidas tomadas pelo general. 224
D’Halpoul ordenou que “cirurgiões, médicos e farmacêuticos fossem
recrutados exclusivamente dos graduados de instituições de treinamento de civis, de
modo que o Exército francês desmontou seu estabelecimento educacional de medicina
militar”.225 Os médicos, agora de origem civil, passariam por um curso de um ano de
medicina militar na École d’Aplication de La Médicine Militaire em Val-de-Grâce.
Contudo, o resultado não foi positivo, já que, segundo Gabriel, os médicos não teriam
assimilado o conteúdo das disciplinas.226
A Guerra da Criméia (1853-1856) foi um conflito ocorrido entre o império
russo e a aliança entre Reino Unido, França, Império Otomano e Reino de Piamonte de
Cerdeña. Para os serviços de saúde, significou um período de grandes perdas, já que os
Exércitos aliados não contavam com uma organização sanitária eficiente e, por isso,
sofreriam com grande número de baixas. Foi o que realmente aconteceu, já que “A
Guerra da Criméia representou um dos maiores desastres médicos de todos os
tempos”.227 O Exército aliado contava com um efetivo de 200 mil homens. Destes,
77.030 morreram de doenças infecciosas e avitaminoses (cólera, tifo, febre tifoidea,
disenteria e escorbuto). A perda por feridas ocasionadas pelo combate totalizou 17.197
mortos.228 Para aquele combate, o Exército francês era composto de aproximadamente
310 mil homens (309.628 segundo Richard A. Gabriel), tendo perdido 75 mil para
doenças – cólera em sua maioria – e 20 mil para ferimentos, totalizando 95 mil
mortos229 com uma taxa de mortalidade de 42%, equivalente àquela da Idade Média. 230
As condições precárias do sistema hospitalar militar são entendidas como uma das
causas do elevado número de mortes dos soldados feridos, principalmente no Exército
francês, o que nos leva a concluir que a lista de medidas higiênicas determinadas por
Larrey durante a Campanha do Egito não constituíram como uma regra para o Service

224
GABRIEL, op.cit., Location 3222-3256.
225
Ibidem, Location, 3240-3256.
226
Ib.
227
Ib., Location, 3117-3132.
228
BURONI, op.cit., f.p.66-68.
229
CAMPOS, op.cit., cf.p.205; ESTEVES, op.cit., cf.p.62-63.
230
GABRIEL, op.cit.., Location 3130-3147.

95
de Santé. Segundo Buroni, eram sete vezes maiores as chances dos soldados feridos
morrerem por alguma doença no hospital do que morrer no campo de batalha. 231
A Guerra Franco-Prussiana (1870-1871) constituiu um dos confrontos mais
importantes do século XIX, inclusive no que diz respeito aos serviços de saúde,
principalmente para o Service de Santé do Exército francês. Em artigo tratando da
organização do serviço de saúde do Exército brasileiro no final da década de 1910, sua a
importância é destacada.

O confronto das perdas verificadas na guerra de 1870


entre os Exércitos francez e allemão falla mais eloquentemente que
qualquer outro argumento, destinado a provar a efficiencia de uma boa
organização sanitária: emquanto que, no Exército Francez, o insucesso
da medicina militar – devido a essa desorganização – produzia perdas
comparáveis ás da guerra da Criméa, no exercito allemão – que
possuía já um bem organizado serviço de saúde – a mortalidade por
doenças e epidemias foi muito mais reduzida que a oriunda dos
projecteis. 232

As guerras, campanhas e batalhas ocorridas até a Guerra Franco-Prussiana


eram caracterizadas por uma taxa de mortalidade entre os doentes muito superior àquela
dentre os feridos em combate. A Guerra Franco-Prussiana foi a primeira guerra
moderna em que as forças militares perderam menos homens para doenças que em
combate.233 Estes números são apresentados por Murillo de Campos:

A predominância do número de doentes sobre o de feridos sempre


constituiu uma das características médico higiênicas das guerras. A
primeira vez que este fato não ocorreu foi na guerra franco-alemã,
1870-1871, em que o Exército alemão para o total de 43.182 óbitos,
acusou 28.278 por ferimentos e apenas 14.904 por doenças. A
organização sanitária desse Exército, em plena e ativíssima campanha,
constitui uma demonstração brilhante do alcance das medidas de
higiene em tempo de guerra.234

As causas desta estatística favorável ao serviço de saúde do Exército


prussiano diziam respeito à sua organização 235 e ao número de médicos.236 Quanto ao

231
BURONI, op.cit., cf.p.68; GABRIEL, op cit., Location 3130-3147.
232
“Orientação Actual do Serviço de Saúde do Exército”, Boletim da Sociedade Médico-Cirúrgica, Rio
de Janeiro, Ano IV, nº7-8, p.3-12, janeiro- fevereiro 1919.
233
CAMPOS, op.cit., p.206; GABRIEL, op.cit., Location 3768-3784; MCCALLUM, op.cit., cf.p.255.
234
CAMPOS, op.cit., p.206.
235
FRIAS, Carlos Cincinato da Costa. Sanidade Militar. Porto: s/e. Dissertação inaugural apresentada à
Faculdade de Medicina do Porto, 1919, cf.p.7.

96
primeiro aspecto, nos referindo à organização médica francesa, o Service de Santé
possuía hospitais de caridade, enfermeiras voluntárias e padioleiros trazidos de unidades
de combate. Enquanto o Exército prussiano contava com um efetivo de quase quatro mil
médicos, os franceses possuíam apenas mil. 237
A França, então, teria que passar por um processo de remodelamento nas
décadas posteriores, tentando transformar seu Exército e seu serviço de saúde em uma
força moderna e eficiente como o do Império Germânico, mas não obteria sucesso. 238 A
que poderíamos atribuir o sucesso germânico? É necessário recorrermos, então, à sua
organização e estruturação correspondente ao mesmo período que abordamos a tentativa
de institucionalização da medicina militar no Exército francês com o edito de 1708 e o
Service de Santé.

1.3.2. O Serviço de Saúde do Exército Prussiano

Junto com a França, a Prússia e seu sucessor, o império Alemão, foram os


fundadores e principais inovadores da medicina militar na Europa.239 Nestes países o
processo de institucionalização da medicina militar tem início no século XVIII. No
entanto, ao longo deste caminho, há alguns fatos importantes que devem ser tratados e
que dizem respeito à história do serviço de saúde do Exército prussiano.
A organização militar moderna do que viria a tornar-se o Exército prussiano
teve início com Maximiliano I (1459-1519), de Habsburgo e imperador do Sacro
Império Romano-Germânico, que formou a primeira força nacional: a Landsknechte
(soldados nativos). Esta força foi fortalecida e expandida sob o império de Carlos V
(1500-1556), imperador do Sacro Império Romano-Germânico de 1519-1556240 e
fomentada por Georg von Frundsberg (1473-1528). Em 1555, Leonard Fronsperger

236
NUNN, Frederick. Yesterday’s Soldiers. Lincoln: University of Nebraska Press, 1983; PETITJEAN,
Patrick. “Entre ciência e diplomacia: a organização da influência científica francesa na América Latina,
1900-1940”. In: HAMBURGUER, Amélia Império; DANTES, Maria Amélia M.; PATY, Michael;
PETITJEAN, Patrick (org.) A Ciência nas Relações Brasil-França (1850-1950). São Paulo: Editora da
Universidade de São Paulo; FAPESP, 1996, p. 89-120, cf.p.91.
237
BURONI, op.cit., cf.p.89; GABRIEL, op.cit., Location 3768-3784.
Garrison afirma que tratava-se de 3.853 oficiais médicos no Serviço de Saúde prussiano e 1.020 oficiais
médicos para o Service de Santé dos franceses (GARRISON, op.cit., cf.p.178).
238
“Orientação Actual do Serviço de Saúde do Exército”, op.cit., p.5; NUNN, op.cit., cf.p.24-25.
239
MCCALLUM, op.cit., cf.p.253.
240
Sobre o governo de Carlos V, ver especialmente os capítulos 4 e 5 de: COY, Jason Philip. Op.cit

97
descreveu as instruções para o pessoal médico. Este acontecimento tem sido destacado
como a base das regulações médicas do Exército alemão moderno ou o nascimento de
sua medicina militar. De acordo com as instruções, na Landsknechte, cada agregação,
ou hauffen, de 5 mil a 10 mil homens foi dividida em regimentos que consistiam de dez
a quatorze fahlein (unidades padrão) ou tropas de quatrocentos homens cada. Estas
regulações definiam que para cada tropa, companhia de infantaria – composta de
duzentos homens – e esquadrão de cavalaria, foi designado um cirurgião-barbeiro
(feldscher).241 Além disso, o comandante de cada Hauffen tinha um médico-em-chefe de
campo (Obrist-Feld-artzt) e um barbeiro de campo (Doktor und Feldscher). O marechal
de cavalaria também tinha um médico (Doktor der Arznei) e o chefe de artilharia um
cirurgião (Wundartzt). Essas regulações feitas por Fronsperger determinavam as
obrigações dos médicos – cuidado com doentes e feridos – e a quem comandariam –
cirurgiões ou barbeiros –, verificação de regimentos quando organizados e em seguida
mensalmente, bem como a verificação dos seus instrumentos. Finalmente, trata de suas
responsabilidades quanto ao atendimento ao seu superior, durante a marcha ou não. 242
No século seguinte, Maximiliano I (1573-1651), duque da Bavária,
organizou os primeiros hospitais militares de campo alemães, em 1620, para seus
soldados que lutavam com a Liga Católica, além de terem um cuidado especial ao
limitar o contato entre pacientes com disenteria e o resto da população. Estes hospitais
tinham corredores bem ventilados e eram separados por tipos de doenças, conforme as
regulações de Konrad Behrens (1660-1736) em 1689. Estes hospitais eram compostos
por médicos, barbeiros, cirurgiões e seus enfermeiros e padres. 243
No século XVIII, o Exército francês buscava a institucionalização da
medicina militar e, da mesma forma, organizar o seu serviço de saúde. Na Prússia, foi
Frederico Guilherme I, rei da Prússia de 1713 a 1740, 244 quem deu aos médicos
militares o grau de oficiais. Naquele momento, havia uma importante influência
francesa na Prússia.

241
Cirurgiões-barbeiros eram os praticantes e concorrentes a cirurgiões mestre da Idade Média até
meados do XVIII. Durante um período significativo da história, tendo sua origem com os médicos
educados na universidade e que consideravam a cirurgia uma especialidade abaixo de sua dignidade, os
cirurgiões eram vistos como profissionais inferiores. Esta especialidade, a de cirurgião-barbeiro, acabaria
quando a cirurgia se torna uma profissão. Ver: Barber-surgeons. MACCALLUM, op.cit., p.37.
242
GABRIEL, op.cit., Location 1116-1134; GARRISON, Fielding H. Notes on the History of Military
Medicine. Hildesheim e New York: Georg Olms Verlag, 1970 (1ª Ed., em alemão, 1922), cf.p.102-103;
MCCALLUM, op.cit., cf.p.253.
243
MCCALLUM, op.cit., cf.p.254.
244
COY, op.cit., cf.p.89.

98
No século XVIII, a França figurava à frente das ciências
médicas e nela se desenvolveu notavelmente a cirurgia militar (...). A
influência francesa se irradiou aos Exércitos de Espanha e Prússia por
cirurgiões franceses que fizeram escola. 245

Notamos tal quadro quando, em torno de 1713, Frederico I envia alguns de


seus médicos militares246 para estudos em Paris, entre 1716 e 1719, e nomeia Ernst
Holtzendorff o primeiro cirurgião geral do Exército Prussiano em 1716. 247
Ernst Conrad Von Holtzendorff (1688-1751) começou sua carreira como
barbeiro de campo e insistia que se os cirurgiões fossem bem treinados em anatomia e
fizessem suas próprias dissecações, isto ajudaria a elevar seu status e aproximá-los dos
“médicos mais instruídos”, uma vez os barbeiros eram proibidos de tratarem de
ferimentos – exceto se supervisionados de cirurgiões regimentais. 248 O kaiser Friedrich
Wilhelm I (Frederico Guilherme I), então, o nomeou, a 1724, como cirurgião geral do
Exército prussiano e diretor de “todos os cirurgiões de terras prussianas”. 249 com
supervisão direta de todos os cirurgiões, barbeiros e parteiras do reino. Era a primeira
vez que médicos e cirurgiões recebiam o mesmo treinamento no Exército. Como fruto
de confiança que possuía do kaiser, Holtzendorff conseguiu enviar cirurgiões militares,
à custa do governo, para estudos na França e outros países – que infelizmente
desconhecemos – para completarem seus estudos médicos. Esta prática evoluiu para a
expansão do Teatro Anatômico, fundado em 1713, que deveria, então, incluir o
Collegium Medico-Chirurgicum – que ao longo da sua história foi renomeado como
Colégio Médico-Cirúrgico Pépinière (1795), Friedrich Wilhelms (1818) e Kaiser
Wilhelms Akademie (1895) − para a instrução de oficiais militares médicos, de acordo
com a instrução a oficiais médicos de 3 de janeiro de 1724, por Frederico Guilherme I.
Neste Colégio, futuros cirurgiões militares receberiam formação científica básica
seguida por formação clínica no Charité – antigo lazareto de Berlim que fora convertido
em hospital civil e militar por decreto real em 10 de março de 1704. Os graduados pelo
Charité tinham cursos de anatomia e teoria médica, além de realizarem estágio sob

245
ESTEVES, op.cit., p.49.
246
J.C.G. Brandhorst, J.H. Bouness e Cassebohm foram os enviados para estudos em Paris (GARRISON,
op.cit, cf.p.142).
247
MCCALLUM, op.cit., cf.p.254.
248
GABRIEL, op.cit., Location 2306-2323.
249
GARRISON, op.cit., p.146.

99
orientação de médicos qualificados antes de se graduarem como Arzten (médicos) com
credenciais tanto em medicina quanto em cirurgia. 250 Assim, o Charité seria importante
com um centro de treinamento para formação médica militar desde o seu surgimento,
efetivamente em 1727, até 1945 e Holtzendorff seria visto como fundamental na
fundação e extensão do Colégio Médico para o Exército prussiano.251
O século XVIII teria no reinado de Frederico II um grande número de
batalhas. Houve várias perdas nas principais batalhas que se travaram (como a Guerra
da Silésia entre 1740 e 1763), o que levou o rei a considerar a medicina militar de forma
mais séria. No decorrer deste período, Frederico Guilherme II ordenou a criação de seis
hospitais militares fixos em Breslau, Glogau, Stettin, Dresden, Torgau e Wittenberg. No
entanto, um personagem seria especialmente importante neste intervalo: o cirurgião
Johann Görcke, que esteve à frente do Serviço de Saúde durante as Guerras
Napoleônicas.
É à figura de Johann Görcke (1750-1822), tendo servido como cirurgião
geral de 1797 a 1822, que a Prússia deve muito de seu aprimoramento, pois foi o
reorganizador de sua medicina militar. Em 1797, Görcke foi nomeado chefe de
saneamento militar e Cirurgião-mor geral – cargo ocupado por ele até sua morte em
1822.
O atraso de sua medicina militar se tornou óbvio nas Guerras
Revolucionárias de 1792 a 1795 e, após isto, Pépinière, o hospital militar modelo e que
também funcionava como uma escola médico militar foi fundado em 1795, por
insistência de Görcke. A escola foi responsável pelo treinamento de 1.359 oficiais
médicos entre 1795 e 1821. Além dela, Görcke organizou diversos hospitais de campo
entre 1809 (com as novas regulações hospitalares de 2 de outubro daquele ano) e 1813,
compreendendo três hospitais gerais, um hospital reserva e nove hospitais de campo,
resultando em 8.400 camas para atendimento de doentes e feridos. No entanto, o
primeiro hospital militar de campo da Prússia foi inaugurado por Görcke em 1793 e,
enquanto atuava como cirurgião geral, padronizou a avaliação dos cirurgiões militares.
As barracas de madeira, introduzidas pela Áustria em 1788, seriam vistas no Exército
prussiano entre 1805-1806 e com este tipo de instalação utilizado também para hospitais
entre 1813-1815. Outro aspecto importante foi a introdução de vagões de transporte

250
GARRISON, op.cit., cf.p.141-142 ; MCCALLUM, op.cit., p.149-150.
251
GARRISON, op.cit., cf.p.146 ; Ib., p.254 ; site oficial do hospital Charité :
http://www.charite.de/en/charite/organization/locations/campus_charite_mitte_ccm/ (acessado em
24/03/2013).

100
para feridos, introduzidos por Görcke em 1795, mas que apenas em 1813 estaria
disponível para uso em campo. Desta forma, as condições dos hospitais, um novo corpo
de enfermeiros voluntário (em voga desde 1800) e um avançado sistema de transporte
de feridos por terra e pelos rios faria do cuidado médico prussiano o melhor dentre
aqueles envolvidos nas guerras napoleônicas. 252
Nestas guerras napoleônicas, os cirurgiões militares eram periodicamente
examinados e encontravam-se sob a supervisão de Johann Görcke. Os hospitais por ele
organizados para o tratamento de feridos – como o da Batalha de Eylau em 1807 –
enfatizavam o saneamento e a ventilação.
Ao longo do século XIX o Serviço Médico do Exército Prussiano foi
melhorando progressivamente. Com isso, os prussianos entraram nas guerras do século
XIX com um serviço médico bem organizado, bem equipado e bem guarnecido. Em
1848, a cirurgia já havia se tornado uma respeitada disciplina acadêmica na Alemanha e
com um status maior que em qualquer outro país da Europa, tendo em Georg Friedrich
Louis Stromeyer (1804-1876) o fundador da moderna cirurgia alemã. 253
A experiência na Guerra Austro-Prussiana (1866) foi fundamental para este
quadro evolutivo organizacional do Serviço de Saúde. Em um Exército composto por
669.076 homens, 2.286 eram oficiais médicos e 1.909 assistentes hospitalares. Cada
corpo de Exército era provido de um trem médico com trezentos homens e corpos de
ambulâncias de cem homens. 254
Os prussianos possuíam um armamento mais moderno que aqueles das
tropas austríacas, causando um número de mortos e feridos bem superior aqueles
infligidos pelos austríacos. No entanto, o a taxa de doentes entre os dois Exércitos era
maior dentre aqueles da Prússia, em que sua tropa era atingida por epidemias de cólera,
tifo e disenteria. Este quadro levaria o Exército prussiano a reorganizar seus serviços
médicos, criando “um corpo médico militar independente pela primeira vez na história
alemã”.255 e os resultados seriam vistos na próxima guerra.
A Guerra Franco-Prussiana marcaria a história do Serviço Médico do
Exército prussiano, pois passaria a ser visto como modelo para Exércitos de todo o
252
BURONI, op.cit., cf.p.49-50; GARRISON, op.cit., cf.p. 168-169; MCCALLUM, op.cit., cf.p.135-136
e 219.
253
ESTEVES, op.cit., cf.p.63; MCCALLUM, op.cit., cf.p.254.
Sobre a vida de Stromeyer, ver o seguinte artigo:
SMITH, Peter F. “Louis Stromeyer (1804-1876): German orthopaedica and military surgeon and his links
with Britain”, Journal of Medical Biography, Vool. 14, Maio 2006.
254
GABRIEL, op.cit., Location3734-3758.
255
Ibidem, Location 3742-3760.

101
mundo. No entanto, a história do pensamento médico alemão não deve ser esquecida de
forma que é apontado como um dos fatores para os avanços em seu campo militar.
Assim como ocorria em outros países, o status dos cirurgiões perante a
sociedade era consideravelmente baixo. No entanto, a cirurgia encontrou seu espaço nas
universidades, “onde foi praticada por pesquisadores médicos, acadêmicos e
cientistas”. 256 O resultado disto é que estes profissionais do campo médico estavam
mais ligados às provas empíricas e às investigações científicas, o que os transformava
em um grupo que poderia assimilar mais facilmente os conhecimentos adquiridos na
prática dos campos de batalha em relação aos seus colegas dos demais países. 257

Até a década de 1830, a medicina alemã estava


mergulhada no período hegeliano de seu desenvolvimento, e debates
centrados na filosofia da ciência com pouca ênfase empírica. Depois
de 1848, a ciência e medicina alemã começaram sua transição em
direção ao realismo sistemático, com uma forte ênfase sobre a coleção
de dados e observação. Os velhos hábitos acadêmicos de métodos
rigorosos e provas moveram a medicina alemã rapidamente na direção
de uma ciência exata. Como consequência, a medicina alemã estava
muito mais receptiva para evidencias demonstradas que as profissões
médicas no resto da Europa.258

Este é um ponto importante a ser considerado no contexto médico e


científico da época e que nos remete ao fato dos médicos e cirurgiões alemães terem
sido os primeiros a aceitarem a prática de antissepsia cirúrgica de Lister,259 reduzindo,
assim, a taxa de mortalidade cirúrgica provocada por infecções. 260

Os médicos militares alemães se tornaram pioneiros na


esterilização a vapor de seus instrumentos cirúrgicos, no
uso de roupas esterilizadas e máscaras para a equipe
cirúrgica, uso de luvas de borracha (embora o crédito
desta invenção pertença aos cirurgiões americanos), e a

256
Ibidem, Location 3688-3704.
257
Ibidem
258
Ibidem
259
Joseph Lister (1827-1912) popularizou a antissepsia e revolucionou a cirurgia. De origem inglesa,
cursou medicina na Universidade Londres, tendo completado em 1852. Em 1860 tornara-se professor de
cirurgia na Universidade de Glasgow. Preocupado com o grande número de mortes provocadas pelas
amputações, passou a estudar sobre o tema, Lister reconheceu o trabalho de Pasteur e a importância de
micro-organismos e sua relação com as doenças, desenvolvendo técnicas para cobrir as feridas de forma a
evitar o desenvolvimento de infecções. Encontrara no ácido carbólico a resposta para seu método
antisséptico (MCCALLUM, op.cit, cf.p.193-194).
Lister excursionaria pelo território alemão como um herói, ao mesmo tempo em que sua descoberta ainda
estava sob discussão na Inglaterra e na França (Ibidem; GABRIEL, op.cit., Location 3742-3760).
260
GABRIEL, op.cit., Location 3761-3778.

102
substituição de anfiteatros cirúrgicos abertos por
fechados, salas de operação limpas.261

No que tange ao caráter numérico dos dois serviços de saúde envolvidos no


confronto, o da Prússia e o da França, o primeiro iniciou o conflito com número de
oficiais médicos cinco vezes maior que o seu oponente. Enquanto o Service de santé
contava com 1.020 médicos, o pessoal médico prussiano consistia em 3.853 oficiais
médicos, mas tendo seu número elevado a 5.548 em função da entrada de civis. Além
do quadro de pessoal, seus serviços sanitários estavam organizados da seguinte forma:

1. Prússia:
 Companhias sanitárias;
 Instalações de cuidados estratificadas desde estações de
vestimenta até área de retaguarda geral dos hospitais;
 Companhias dedicadas a carregadores de maca, os
padioleiros;
 Ambulâncias;
 200 vagões hospitais.

2. França:
 Hospitais de caridade;
 Enfermeiras voluntárias;
 Maqueiros trazidos de unidades de combate.262

A administração médica do Departamento de Guerra da Prússia era dirigida


por um cirurgião geral – H.G. Grimm à época do embate. No campo de operações,
incluía-se “um cirurgião chefe para cada Exército, cirurgiões de corpo para os corpos
separados, cirurgiões de divisão, cirurgiões regimentais, cirurgiões de batalhão (...) e
cirurgiões assistentes para a cavalaria e artilharia”.263 Importante destacar, diante de tal

261
MCCALLUM, op.cit., p.255.
262
MCCALLUM, op.cit., cf.p.254-255.
263
GARRISON, op.cit., p.178.

103
quadro, que o Serviço de Saúde Alemão estava a cargo do cirurgião de etapas ou de
escalões, que dirigia a organização dos hospitais. 264
Os hospitais Serviço de Saúde do Exército Alemão eram organizados em
seções para feridos e outras para enfermos. Estes setores para doentes poderiam ser
divididos conforme a doença (tifo, disenteria, problemas mentais, etc.). Havia, também,
lugares reservados para convalescentes, uma seção de transporte de enfermos e, se
necessário, o uso do serviço de trens-hospitais. 265 Do lado francês, este mesmo serviço
era realizado com trabalho contratado para a condução de suas ambulâncias. 266
Para o tratamento e socorro de feridos havia um sistema de evacuação bem
estruturado, já que os oficiais dispuseram companhias de padioleiros nas linhas de
batalha. Os feridos eram recolhidos e recebiam os primeiros socorros e curativos, se
fosse necessário. Quando ambulâncias estivessem próximas das linhas de combate, os
feridos eram levados diretamente para o centro de curativos. 267 Esta disposição do
atendimento para feridos trouxe implicações aos serviços médicos alemães:

O fluxo de feridos para os postos de socorro e pontos de


coleta atrás da batalha aumentou a habilidade dos médicos germânicos
em prover tratamento ao soldado ferido mais rapidamente que
qualquer outro Exército tinha realizado anteriormente. 268

Outra prática inovadora do corpo médico do Exército prussiano estava no


fato de cada soldado trazer consigo um kit estéril de primeiros socorros, que incluía
gaze e bandagens. Uma novidade foi trazida por este corpo de médicos durante o
conflito: o cartão de saúde que cada soldado trazia no pescoço. Desta forma, os
médicos de campo registravam as lesões e a condição do soldado, o que fornecia mais
dados aos cirurgiões para estes desempenharem suas funções, bem como o ganho de
tempo – precioso em muitos casos.269
A guerra não produzia apenas feridos em combate. Um grande número de
doentes também era verificado. Os números foram apresentados quando discutimos o
serviço de saúde do Exército francês e, por isso, não nos cabe repeti-los aqui. O que nos
vale ressaltar é realmente a marca de que, pela primeira vez na era moderna, a relação

264
BURONI, 2010, op.cit., cf.p.606.
265
Ibidem, cf.p.606-607.
266
GABRIEL, op.cit., Location 3761-3778.
267
GARRISON, op.cit., cf.p.178-79.
268
GABRIEL, op.cit., Location 3742-3760.
269
GABRIEL, op.cit., Location 3761-3778.

104
da taxa de mortalidade entre feridos e doentes se inverteu nos Exércitos de pelo menos
um país. Dentre as enfermidades que se fizeram presentes, as mais fatais foram: tifo,
febre tifoidea, varíola e disenteria.
Da mesma forma que havia acontecido com a utilização da antissepsia nos
processos cirúrgicos – que eram proibidos nos Service de Santé –, os franceses
escolheram não empregar a vacinação de suas tropas.270 A varíola matou 278 soldados,
em uma incidência de 4.823 casos.271 Este número não foi maior porque os soldados
alemães haviam sido vacinados e revacinados. Do lado francês, contudo, 24 mil homens
morreram devido à doença. Dentre os presos de guerra franceses, foram 14.718 casos
que resultaram em 1.963 mortes.272 A enfermidade entraria em terreno prussiano com
estes cativos, matando uma porcentagem significativa da população civil que não fora
vacinada, em um total de cento e cinquenta mil. 273
O século XIX seria aquele do progresso do desenvolvimento do cuidado
médico, tendo testemunhado o surgimento da anestesia – que se dava através da
utilização do clorofórmio em cirurgias –, da cirurgia antisséptica e da bacteriologia.
Estas foram “as três mais importantes inovações no conhecimento médico, contribuindo
para a melhoria da medicina militar”.274 Além das inovações técnicas, este mesmo
século ficaria marcado pelo desenvolvimento de serviços de saúde independentes nos
Exércitos. Os avanços na etiologia da doença fizeram com que estes mesmos serviços
tomassem as necessárias medidas higiênicas visando a profilaxia e o controle de
propagação de epidemias.275 Finalmente, a noção de que este quadro modernizador
possibilitou o aprimoramento da higiene militar e as medidas que resultariam em
melhorias na qualidade do soldado e de sua saúde.
Este sucesso faria com que a Prússia se tornasse um modelo para a criação
do serviço imperial japonês.276 da mesma maneira que para reforma de serviços médicos
de todo mundo e a estruturação e organização de outros, como os da Argentina e do
Brasil.

270
Ibidem
271
GARRISON, op.cit., cf.p.179.
272
GABRIEL, op.cit., Location 3761-3778.
273
BURONI, op.cit., cf.p.606.
274
GABRIEL, op.cit., Location 3779-3794.
275
Ibidem, Location 3794-3809.
276
MCCALLUM, op.cit., p.255.

105
1.4. O Serviço de Saúde do Exército no Brasil

O Exército brasileiro tem sua formação no século XVII e a história do


Serviço de Saúde do Exército remonta aos tempos do Brasil colonial. Os poucos
documentos relacionados a este período disponíveis indicam um serviço mantido em
regimentos e batalhões da época. Em 1763, havia um Hospital Militar na Corte que,
anos mais tarde, seria instalado no Morro do Castelo. O ano de 1808 marca,
oficialmente, a origem de um Serviço de Saúde do Exército brasileiro. 277
Sua origem, nos leva ao período colonial e tem seu processo de formação
com a chegada da família real portuguesa ao Brasil, em 1808. Com o Decreto Real de 9
de fevereiro daquele ano, é criado o cargo de Cirurgião-Mor dos reais Exército e
Armada e organizado o “Serviço dos Cirurgiões e Físicos”.278 O nomeado para esta
função, no Exército, foi o português frei Custódio de Campos e Oliveira, tornando-se,
então, o 1º Diretor do Serviço de Saúde e exercendo seu cargo de 9 de fevereiro de 1808
até 10 de dezembro de 1822. Contudo, foi a partir do Decreto nº 601 de 19 de abril de
1849 que o Serviço de Saúde do Exército foi efetivamente organizado, estabelecendo os
postos e suas respectivas graduações militares pertinentes.
O Decreto de 9 de fevereiro criava também a Repartição do Cirurgião-Mor,
que seria o embrião da futura Diretoria de Saúde da Guerra.279 Havia uma limitação nas
atividades deste cargo, já que não o Cirurgião-Mor possuía autoridade sobre médicos e
boticários, que eram subordinados ao Físico Mor do Reino. Isto restringia suas ações e
impedia qualquer iniciativa de reforma, estruturação e organização da medicina militar
no Brasil naquele momento. De qualquer forma, significava uma tentativa de
organização dos serviços de saúde militar.280
Até a criação do seu serviço de saúde, o Brasil contava com cirurgiões
portugueses e espanhóis, cirurgiões-barbeiros e até mesmo curandeiros. 281 As origens da

277
“As Origens da Saúde no Exército e no Brasil”, Revista Verde Oliva, Ano XL, N. 214, Jan/Fev/Mar
2012, cf.p.6-7.
278
“As Origens da Saúde no Exército e no Brasil”, p.6-8, cf.p.7.
279
Ibidem
280
MITCHELL, Gilberto de Medeiros. História do Serviço de Saúde do Exército. Rio de Janeiro:
Gráfica da Escola de Saúde do Exército, vol.1, 1963, cf.p.47.
281
Curandeiro: 1. que ou quem procura tratar e curar doentes sem habilitação médica oficial, e ger.
mediante práticas de feitiçaria, beberagens etc.; benzedeiro, carimbamba. 2. que denota o uso de magias,
rezas, beberagens etc. na cura de determinadas doenças. Ver: Dicionário Eletrônico Houaiss da Língua
Portuguesa.

106
medicina militar no Brasil e o processo de construção da higiene militar, estariam então
relacionados à estrutura dos hospitais militares, que já existiam no país desde o XVIII.
Assim, tratar dos hospitais militares significa contar uma parte significativa da história
do processo de organização do Serviço de Saúde brasileiro.

1.4.1. Hospital Real Militar e Ultramar, a origem do Hospital Central do


Exército

A história do Hospital Central do Exército remonta aos tempos dos Vice-


reis. Tendo sido os jesuítas expulsos da cidade de São Sebastião do Rio de Janeiro em
1759, durante o governo do Conde de Bobadela (1733-1763), seu sucessor D. Antônio
Álvares da Cunha - o conde da Cunha,282 solicitou durante seu governo que a residência
dos Vice-Reis fosse transferida para a antiga casa dos jesuítas situada ao Morro do
Castelo. Executou grandes reformas, mas o conde da Cunha não chegou a residir no
prédio. A residência então foi destinada para a fundação de um Hospital Militar no
governo de D. Antonio Rolim de Moura (1767-1769), o conde de Azambuja, sucessor
do conde da Cunha, recebendo o nome de Hospital Real Militar e Ultramar. 283
Como podemos deduzir, as instalações não eram adequadas para o
funcionamento de um hospital, o que levou à construção de pavilhões e que eram vistos
como verdadeiros apêndices da construção original. Segundo Gilberto de Medeiros
Mitchell e Artur Lobo da Silva, o 1º Diretor do Serviço de Saúde, Frei Custódio de
Campos e Oliveira, nomeado 1º Cirurgião-mór (Coronel) dos Reais Exércitos e
Armadas de Portugal, 284 quem intentou modificações significativas na realidade
existente no hospital militar. Ao analisar o ambiente hospitalar, Frei Custódio verificara
vários aspectos que configuravam um quadro lastimável de desleixo na fiscalização da
higiene e no exercício da profissão. Sendo assim, o Príncipe Regente mandou executar
medidas, que foram propostas pelo Diretor de Saúde, através da Decisão nº 3 de 22 de
282
Governador do Rio de Janeiro de 1763 a 1767 (www.rio.rj.gov.br/arquivo/governantes.doc, acessado
em 06/12/2012).
283
MITCHELL, op.cit., p.24-35; SILVA, Arthur Lobo da. O Serviço de Saúde do Exército Brasileiro.
(História evolutiva desde os tempos primórdios até os tempos atuais). Rio de Janeiro: Biblioteca do
Exército, 1958; http://www.hce.eb.mil.br, acessado em 06/12/2012.
284
Arthur Lobo, ao identificar e resumir as atvidades de cada um dos diretores do Serviço de Saúde do
exército brasileiro, classifica Frei Custódio como o 1º Diretor do Serviço de Saúde, tendo exercido o
cargo de 9/02/1808 a 10/12/1822. SILVA, A.L. Op.cit., cf.p.23.

107
fevereiro de 1808. Estas medidas diziam respeito à necessidade do cumprimento de Leis
e Regulamentos (“Regulamento para os Hospitais Militares) que já haviam sido
prescritos em Lisboa, 1805. Destacaremos, para exemplificar, a terceira providência:

3ª – que nenhum cirurgião ou sangrador possa ser admitido


para embarcar em razão dos seus empregos sem que apresentem ao Cirurgião
Mor, ou aos seus Delegados as cartas de aprovação, e sem que perante os
mesmo faça um exame, em que mostrem que são peritos, com autoridade e
poderes para os suspenderem logo, que por ignorância, ou por omissão não
cumpram os seus deveres”. 285

Algumas melhoras foram vistas, na medida em que os profissionais do


hospital agora ficariam subordinados a um único indivíduo: o Diretor do Serviço de
Saúde. Durante a direção de Frei Custódio, as eleições para segundos cirurgiões se
dariam mediante apresentação de documentos comprobatórios de suas atividades.
Quanto aos primeiros cirurgiões, estes seriam eleitos segundo concurso realizado dentre
os segundos cirurgiões-ajudantes. Os ajudantes dos Cirurgiões Mores seriam
selecionados dentre aqueles que frequentavam as aulas no Hospital Militar. A respeito
destas aulas dadas no Hospital Militar, essas eram compostas de aulas de: anatomia,
operações e de medicina prática. Outro aspecto relevante, no que diz respeito à
formação destes médicos militares, é aquele voltado para a manutenção destes
profissionais. Através de Regulamento, que seria publicado em forma de Decreto em 16
de dezembro de 1820, era assegurado a estes estudantes: casa, moradia e tratamento
médico; além de uma manutenção diária dada em dinheiro e regulada mensalmente.
Portanto, com esta medida, Mitchell afirma que se “preparava um corpo de profissionais
mais capazes e, o que não acontecia antes, regulamentando-os em condições de suprir as
deficiências e necessidades do Exército e Marinha”.
Outra transformação só seria proposta em 1832 através do decreto da
Regência de 17 de fevereiro de 1832, quando o Hospital Militar que era dirigido por
Manuel Antônio Henrique Tota e que permaneceu no cargo até julho de 1849 passou a
ser chamado de Hospital Regimental do Campo (1832-1844). Além da mudança do
nome, o hospital também mudou seu endereço, deixando o Morro do Castelo e passando
a funcionar no Campo da Aclamação.286 Contudo, as dificuldades presenciadas por Frei
Custódio no início do XIX ainda eram vivenciadas pelo hospital nesta época, mudando
apenas seu endereço e seu nome.
285
MITCHELL, G. M., op. cit., p.46.
286
Atualmente conhecido como Praça da República.

108
Este tipo de hospital foi extinto em 1844 dando origem ao Hospital Militar
da Guarnição da Corte a partir do Decreto nº 397 de 25 de novembro daquele ano e
regulamentado pelo mesmo documento. Segundo este Decreto, os doze anos dos
hospitais regimentais demonstraram que não houve “o melhor tratamento dos enfermos,
economia da Fazenda Nacional, e commodidade (sic) da Tropa, a par do bem do
serviço”.287 O hospital volta então a funcionar em suas antigas instalações do Morro do
Castelo, em que as condições não eram as ideais e a higiene era precária.
Com o advento da república em 1899, uma Comissão é formada pelo
Governo Provisório com o intuito de organizar o Serviço de Saúde e o Hospital Militar.
Os Decretos nº 277 de 22 de março e nº 307 de 7 de abril, ambos de 1890, demonstram
este objetivo. Enquanto o primeiro regulamenta o funcionamento do Serviço de Saúde
dentro de uma nova organização, o segundo o denomina como conhecido até hoje:
Hospital central do Exército. Até ser construído na área a ele destinada no bairro de
Benfica, o hospital passou pelo Palácio Leopoldina – no Engenho Velho – e pelo
Palácio Isabel – conhecido atualmente como Palácio Guanabara.
Lembremos que o Hospital Central do Exército abrigou o Laboratório de
Microscopia Clínica e Bacteriologia no 2º Pavimento do Pavilhão Rodrigues Alves a
partir do ano de 1905 e lá permanecendo, sob a direção do Major Dr. José Aragão
Bulcão até 1932.288 Neste período, Ismael da Rocha fora nomeado, em dezembro de
1904, o diretor do Hospital Central do Exército.

1.4.2. Botica Real Militar

A Botica Real Militar é criada a partir de um Decreto de 21 de maio de 1808


e sua origem no mesmo ano da chegada da família real ao país e diretamente
relacionada com o nascimento do Serviço de Saúde brasileiro, já que ficaria anexa ao
Hospital Militar e da Marinha. Percebera-se que era necessário um local em que se
pudesse fazer a manipulação dos medicamentos para os doentes e com horário
independente. Sua composição se daria com de um boticário – Joaquim José Leite

287
Decreto nº 397 de 25 de novembro de 1844, Collecção das Leis do Império do Brasil, Tomo 7º,
Parte 2ª, Seção 41ª, p. 229.
288
Ministério do Exército. Instituto de Biologia do Exército. Diretoria Técnica, 1ª Edição, 20 fls., 1967,
p.2.

109
Carvalho fora nomeado no Decreto de criação –, outro oficial, um aprendiz e um
servente289.
Em 1810, a Botica Real passaria a ser chamada de Laboratório
Farmacêutico, em função de um Decreto Real de 22 de maio daquele ano. Sua
denominação mudaria ainda para Laboratório Químico Farmacêutico, em 1877,
Laboratório Químico Farmacêutico Militar, 1887 e Laboratório Químico Farmacêutico
do Exército, no ano de formação da F.E.B. (1943).
Aquele documento de maio de 1810, definia que Joaquim José Leite, seu
boticário, ficaria subordinado a José Maria Bomtempo, médico da Real Câmara, “lente
de uma das cadeiras que constituía a Escola Anatômica, Cirúrgica e Médica do Rio de
Janeiro, a de matéria médica e farmácia, autorizada a ser ministrada naquele hospital em
12 de abril de 1809”.290 Em 1877, uma Comissão especial de viagem à Europa é
montada visando a aquisição de mais recursos e “modernização das instalações do
Laboratório”.291 No entanto, não passaria por grandes transformações até 1880, ano em
que se dá a ampliação dos serviços do Laboratório Químico Farmacêutico e a nomeação
de uma comissão, presidida pelo Ministro da Guerra, João Lustosa da Cunha Paranaguá,
que seria responsável pela criação de uma Farmácia Central nas instalações do
laboratório e para fornecer um parecer sobre os hospitais-barraca. A comissão contaria
ainda com o Cirurgião-Mor de Exército e de Marinha. O objetivo era o preparo de
“medicamentos com símplices de primeira qualidade obtidos diretamente nos mercados
da Europa”.292 Os hospitais-barraca, por outro lado, não tinham os Exércitos europeus
como referência, sendo o dos Estados Unidos a sua inspiração.
Por fim, tendo sido a construção de pavilhões e edifícios autorizada pelo
Império em 1º de março de 1880, as obras foram concluídas no final daquele ano. Em
1887 o laboratório passaria a ser denominado Laboratório Químico Farmacêutico
Militar e teria suas funções ampliadas, segundo Decreto Nº 9.717 de 5 de fevereiro do
referido ano. Dentre estas novas obrigações estava o fornecimento de compostos
químicos e farmacêuticos às farmácias militares e qualquer outro destino definido pelo

289
VELLOSO, VerônicaPimenta, BRAGA, João Âreas. “Botica Real Militar”. In: Dicionário Histórico
Biográfico das Ciências da Saúde no Brasil (1832-1930). Casa de Oswaldo Cruz / FIOCRUZ –
(http://www.dichistoriasaude.coc.fiocruz.br), acesso em setembro de 2008, cf.p.1.; MITCHELL, op.cit.,
cf.p.67-68.
290
VELLOSO & BRAGA, op.cit., p.1.
291
Ibidem, cf.p.2.
292
PILAR apud VELLOSO & BRAGA, p. 2.

110
Ministério da Guerra. Outras transformações e modernizações se dão no Laboratório, no
entanto, o período abordado ultrapassa os limites deste capítulo.

1.4.3. A organização do Serviço de Saúde

Se no final do século XIX os serviços de saúde pelo mundo conseguiriam


tornar-se independentes e possuírem uma estrutura autônoma, então o Brasil não se
tornaria exceção. O Decreto Nº 601 de 19 de abril de 1849 era aprovado e definia a
organização do Corpo de Saúde do Exército, proporcionando a tal autonomia e
independência.293
De acordo com este documento, o Corpo de Saúde ficaria estruturado da
seguinte forma:
 1 Cirurgião-Mor do Exército, Coronel;
 2 cirurgiões-mores de divisão do Exército, Tenente-coronel;
 6 cirurgiões-mores de Brigada, Major;
 32 primeiros cirurgiões, podendo ser 16 Capitães e os demais como
tenentes;
 64 segundos cirurgiões, 32 sob a patente de Tenente e os demais
como alferes.294

Este regulamento, que dava forma ao Corpo de Saúde do Exército brasileiro,


seria modificado pelo terceiro Diretor do Serviço de Saúde, logo, o seu terceiro
Cirurgião-Mor, dr. Antonio José Ramos. Aprovava-se, então, em 1851, o Decreto nº
763, de 22 de fevereiro.295
O referido documento complexifica o anterior, não apenas pelo número de
artigos que o compõem, mas pelas funções a serem desempenhadas pelos profissionais
do Corpo de Saúde. Para nós é de grande importância, pois é o primeiro a tratar das
instruções e regulamentos higiênicos em seu artigo 4º − ainda que não explicite mais no
documento. Outro ponto a ser verificado é o fato de que exigia-se a execução de um
concurso para a avaliação daqueles que buscavam uma vaga no Corpo de Saúde.
Sobre o referido decreto e a organização de corpo médico militar:

293
A íntegra deste documento encontra-se em anexo ao final de nosso trabalho.
294
Artigo 1º, Decreto nº601, de 19 de Abril de 1849; MITCHELL, op.cit., cf.p.129; SILVA, op. cit.,
cf.p.32-33.
295
Idem nota 213.

111
A organisação de um corpo especial de médicos
militares, dirigido por um chefe da mesma profissão, que pudesse
avaliar as necessidades do serviço de saúde militar, por isso que sendo
um homem d’arte possue as habilitações precisas para propor os
melhoramentos convenientes a este ramo do publico serviço, era uma
medida reclamada pelo exercito do Brasil, que constituindo já uma
forma numerosa, não podia deixar de acompanhar o progresso das
outras nações civilisadas, a respeito deste objecto. 296

Na opinião de Gitahy, ao criar o Corpo de Saúde do Exército e determinar


suas funções e obrigações, como consta no decreto de 1851, o império estaria
acompanhando a realidade dos “países mais civilizados”. 297 Referindo-se a este novo
Regulamento, o médico militar critica aquele que regulava os hospitais militares no
Brasil e que data de 17 de fevereiro de 1832, que seria de pouca utilidade a este tipo de
instalação. De acordo com o Gitahy, a respeito do dos hospitais militares, “o
regulamento actualmente em vigor, sendo confeccionado há 24 annos, não se pode de
modo algum prestar ás necessidades do serviço, cuja marcha se modifica á proporção
que se vai manifestando o progresso em todos os conhecimentos humanos”. 298
Ao criticar a forma como se dava a estrutura da organização administrativa
dos hospitais militares, Gitahy trata os oficiais de saúde como “homens de ciência”.
Aqui, notamos tal descrição e, também, do papel desempenhado pelo oficial e saúde no
âmbito militar, além da referência à experiência de Exércitos europeus:

É difficil comprehender que a sciencia conservasse sua


justa e legítima independência, quando aquelle que a
exercia estava incessantemente submetido não só ás
ordens, como também aos juízos e ás apreciações de
funccionários que erão estranhos a esta sciencia. Como se
conciliava esta situação com a dignidade e a iniciativa
que são a vida e a recompensa dos homens da sciencia,
que se dedeicão ao serviço do paiz, e ao curativo das
enfermidades que affligem a seus semelhantes?
Dizer que os officiaes de saúde tinhão
necessidade de independência para exercer dignamente e
com utilidade suas funcções era exprimir um facto de
incontestável evideencia. Em matéria de reforma, de
recrutamento, de baixa do serviço, a natureza mesma das
cousas, muito mais do que o regulamento escripto, os
constitue árbitros, e confia a suas luzes e á sua
consciência os interesses mais importantes das pessoas,

296
GITAHY, op.cit., p.117.
297
Ibidem, cf.p.121.
298
Ibidem, p.117.

112
das famílias e do thesouro publico. Nos hospitaes, elles
têm de inspeccionar os objectos, alimentos e
medicamentos fornecidos, e se pronunciarem sobre sua
qualidade. Nos corpos elles dão o seu parecer sobre o
regimen e os trabalhos das praças, sobre os lugares de
habitação, etc. Por toda a parte o seu papel constante e
obrigatório é reclamar, tendo em vista a conservação da
saude do soldado, o bem-estar dos doentes, e o bom êxito
dos tratamentos e das operações.
As considerações que acabamos de fazer
têm sido geralmente attendidas; de sorte que, quase todas
as nações civilisadas têm reconhecido que o interesse
bem comprehendido do Exército e do estado reclamava a
organisação de um corpo militar de saúde, submettido a
chefes que fossem igualmente filhos da sciencia, e
sujeitos á autoridade ministerial.
Nos Exércitos da Inglaterra, da Prussia e da
Austria, o serviço de saude tem chefes que o dirigem e o
administrão, debaixo da autoridade do ministério da
guerra. Na Belgica, a lei de 10 de Março de 1847,
publicada depois de uma longa e solemne discussão,
estabeleceu a organisação independente do corpo dos
officiaes de saúde. 299

Portanto, as principais atribuições dos oficiais do Exército no Corpo de


Saúde, segundo Gitahy seriam:

1. Em corpos, hospitais, ambulâncias e campos de batalha, exercem


funções especiais e essenciais de medicina, cirurgia e farmácia. Eles
conservam e preservam medicamentos, tratam e curam os feridos.
2. “Elles sempre velão na hygiene dos soldados, observão e investigão as
influencias favoraveis, ou prejudiciaes que podem obrar sobre elles, e
dão os conselhos que julgão necessários para a conservação de sua
saude”.
Sua missão, também, é de remover, quando for possível, a
causa das epidemias nos Exércitos, “empregando todos os recursos da
sciencia para attenuar, limitar, ou fazer cessar os seus estragos”.
3. Indicar as qualidades que tornam os recrutas aptos ou inaptos ao serviço
militar. Por isso, “elles [oficiais do corpo de saúde] são de alguma sorte

299
GITAHY, op.cit., p.119-120.

113
a alma do recrutamento, e exercem uma influencia na composição do
exercito”. 300
4. Determinar que enfermidades ou afecções são responsáveis por
reformas, pensões, baixas ou passagem para 2ª classe ou para serviço de
inválidos.
5. Produzir relatórios sobre hospitais contendo seu estado sanitário,
necessidades, sugestões de melhoramentos, informes sobre saúde dos
soldados e tudo o que diz respeito ao serviço de saúde.301

Assim, no que diz respeito ao papel e à importância do serviço de saúde do


Exército, conclui:
Portanto o corpo de saúde do exercito tem a preencher,
não só as funcções de pratica medica, cirúrgica, e mesmo de
pharmacia, mas também funcções relativas á conservação do exercito,
á sua composição, aos interesses mais caros das famílias dos militares
de todos os grãos, e do thesouro nacional. Conseguintemente, o estado
deve ligar a mais subida importância a que este corpo seja composto
de homens illustrados, dedicados a seus deveres, e a todos os respeitos
dignos de confiança, para o que convem garantir-lhes todas as
necessárias commodidades; visto como, embora a carreira medica seja
uma carreira modesta, que não ambiciona um grande numero de
empregos muito elevados, nem as honras ligadas aos grandes
commandos, nem as dignidades conquistadas pelas civtorias que
engrandecem ou consolidão os impérios: todavia essa modéstia não
deve ser, no moral, a negação de uma justa consideração; e debaixo do
ponto de vista material uma mediocridade, que não permitta satisfazer
convenientemente as necessidades da família. 302

A obra de Gitahy trabalhada aqui é anterior à reorganização que o Corpo de


Saúde passaria em função do Decreto nº1.900 de 7 de março de 1857.303 Tratava-se de
um regulamento mais completo, que criava um quadro de farmacêuticos, descrevia a
instalação de Juntas Militares de Saúde que possuiriam inúmeras funções –
principalmente no que diz respeito à higiene. Por outro lado, dispensava de concurso
para admissão aqueles com destino aos quadros de médicos e farmacêuticos e deixava a
direção dos hospitais militares aos combatentes. 304

300
Ibidem, p.122-123
301
Ibidem, cf.p.123.
302
Ibidem, p.122.
303
A íntegra deste documento encontra-se em anexo ao final de nosso trabalho.
304
Esta questão seria um ponto de inflexão entre oficiais e de grande importância no decorrer da Guerra
do Paraguai. Este aspecto será abordado em nosso capítulo seguinte.

114
O Capítulo III, aquele que trata “Dos deveres dos Officiaes do Corpo de
Saude em geral”, em seu Artigo 19, o primeiro da seção, estabelece que além do
tratamento aos militares enfermos, também seriam responsáveis pela “atenção e
cuidados que demandarem os preceitos da higiene militar”. A preocupação com a
higiene é verificada em diversos momentos do Decreto nº1.900, mas o mesmo seria
modificado de forma pontual por Manoel Feliciano, o quarto Diretor do Serviço de
Saúde (1856-1867). Neste novo regulamento (Decreto nº 2.715, de 26 de dezembro de
1860),305 altevara-se o número de cirurgiões, elevando sua quantidade. Por outro lado,
extinguiam-se as Juntas Militares de Saúde Provinciais (Art. 10).
O século XIX não representou para o Brasil um período de batalhas
sucessivas que exigissem de suas tropas e Corpo de Saúde. Não desenvolvíamos nossas
habilidades na guerra da forma como as experiências dos Exércitos europeus
possibilitavam. No entanto, a segunda metade do século reservaria para as tropas do
Brasil, Argentina, Uruguai e Paraguai um confronto que marcaria aquela época e a
história não só do Corpo de Saúde, mas do Exército nacional: a Guerra do Paraguai
(1864-1870).

1.5. O Cuerpo de Sanidad do Exército Argentino

Em seu Temas de Sanidad Militar, o major médico Julio Roberto Esteves


divide a história da saúde militar argentina em dois momentos:

I. 1806-1890: criação e organização do serviço de saúde, que se


corrige nos campos de batalha
II. 1890 até meados do século XX (no caso até 1955, a data de
publicação do livro): se aperfeiçoa sobre os livros, os centros de
tratamento, laboratórios e congressos internacionais. 306

Concordamos com a divisão proposta por Esteves e, neste trecho de nosso


trabalho, nos dedicaremos ao período que comporta o item I, mas limitando nossa

305
A íntegra deste documento encontra-se em anexo ao final de nosso trabalho.
306
ESTEVES, op.cit., cf.p.95.

115
abordagem até o conflito com o Paraguai, configurando a Guerra da Tríplice Aliança.
Contudo, ao longo do século XIX, não teremos a preocupação com a organização e
estruturação de seu corpo de saúde como vimos no caso do Brasil.
Antes de nos detemos nestes marcos, não podemos falar da medicina na
região do Rio da Prata sem nos referirmos ao Protomedicato de Buenos Aires. Fundado
em 17 de agosto de 1780 pelo vice-rei Don Juam José de Vértiz y Salcedo, tendo
perdurado até depois da Revolução de 1810. 307 Junto com Salcedo, o vice-rei Don
Pedtro de Cevallos toma as primeiras medidas sanitárias em Buenos Aires “contra o
curanderismo indígena”, contra as ondas epidêmicas e, inclusive, a supervisão de navios
estrangeiros em busca da presença de enfermidades dentre aqueles que se encontravam
a bordo. Os alunos da Escola de Medicina do Protomedicato deveriam servir como
cirurgiões dos Exércitos da independência. Muitos dos médicos que a compunham
foram para o Exército, mas a escassez de médicos militares era tão grande, que foi
necessário a adoção de serviços de profissionais estrangeiros. Naquele mesmo ano, a
medicina começava a sofrer a interferência de instituições militares e o Protomedicado,
antes importante para a formação de quadros médicos militares, teria seu fim em 1824 a
partir de um decreto de Bernardino Rivadavia, o primeiro presidente das Províncias
Reunidas do Prata.308
O ano de 1806 é compreendido como um marco em função da tomada de
Buenos Aires por tropas inglesas em 27 de junho. Antes de ali chegar, o brigadeiro
William Carr Ceresford desembarcara com suas tropas na costa de Quilmes em 25 de
junho daquele ano. Com a cidade ocupada, as tropas e chefes espanhóis não reagiram de
forma eficaz e acabaram por se dispersar, deixando a região. Mesma atitude seria
tomada pelo seu Vice-Rei, Sobre Monte. A população portenha e de seus arredores,
junto com os espanhóis, constituía grupos de milícias que lutaram contra os ingleses e
retomaram a cidade em 12 de agosto. 309 Durante o conflito, o socorro aos feridos em
combate foi feito por treze alunos da Escola de Medicina do Protomedicato. 310

307
O mês de maio do ano de 1810, “foi o começo certo de uma revolução pela independência política”.
FLORIA, Carlos Alberto & BELSUNCE, César A. García. Historia de los Argentinos. Buenos Aires:
Ediciones Larousse Argentina S.A.I.C., 1992, p.297.
308
Ibidem, c.p.96-97; “El protomedicato em Buenos Aires”,
www.cienciaenlavidriera.com.ar/2012/02/01/argerich-cosme-personaje-del-mes-febrero-2012/ (acessado
em 07/05/2012).
309
FLORIA, Carlos Alberto & BELSUNCE, César A. García. Historia de los Argentinos. Buenos Aires:
Ediciones Larousse Argentina S.A.I.C., 1992, 2 vols, Vol.I, cf.p.238-240; SCENNA, Miguel Angel. Los
Militares. Buenos Aires: Editorial de Belgrano, 1980, cf.p.13.
310
O protomedicato do Rio da Prata, com sede em Buenos Aires, foi a instituição encarregada da saúde
pública e da formação de médicos de 17 de agosto de 1780 a 11 de fevereiro de 1822.

116
Um destes alunos era o jovem médico Cosme Argerich (1758-1820). Seu
pai, Francisco Argerich, era cirurgião e procurou enviá-lo para a Espanha a fim de que
estudasse medicina na Universidade de Cervera, por oito anos. Retornando para Buenos,
participou de forma ativa no cuidado com os doentes durante uma epidemia de varíola
entre 1794 e 1796.311 Durante o período das invasões inglesas (1806-1807), Argerich
atuou como médico chefe do Hospital de Caridade e apresentou um trabalho memorável
durante os preparativos para o movimento de maio. Seria de Argerich a iniciativa para a
criação de um Instituto Medico Militar, em 1813. 312
Antes do Instituto, no entanto, era necessária a existência de uma instituição,
de um organismo que compusesse a medicina militar argentina. O seu Cuerpo de
Sanidad Militar, que só seria criado

a 16 de junho [de 1810], a Junta Governativa, integrada por Saavedra,


Castelli, Belgrano, Azcuénaga, Alberti, Mathey, Larrea e Moreno,
assina a Ata do nascimento da nossa sanidad militar313, ao elaborar
um decreto nomeando como Primeiro Cirurgião do Exército argentino
ao Dr. Juan Madera.314

Além de Madera, mais cinco homens compunham este primeiro Cuerpo de


Sanidad: Manuel Antonio Casal (2º Cirurgião), 1 boticário, 1 praticante e dois
sangradores.315
No início do XIX, um dos pontos mais importantes na história do Cuerpo de
Sanidad do Exército argentino foi criação do Instituto Medico Militar:

a necessidade de médicos para os Exércitos determinou à Assembleia


Geral Constituinte, a fins de maio de 1813, a criar o Instituto Médico
Militar, que foi a escola de medicina até que em 1821 foi substituído
pelo Departamento de Medicina da Universidade de Buenos Aires. 316

(Fonte: Wikipedia).
311
“Argerich, Cosme”, www.cienciaenlavidriera.com.ar/2012/02/01/argerich-cosme-personaje-del-mes-
febrero-2012 (acessado em 07/05/2012).
312
“Argerich, Coems Mariano (1758-1820)”,
www.iese.edu.ar/eude/biografias/A/argerich_cosme_bio.html (acessado em 07/05/2012)
313
Grifo meu.
314
ESTEVES, op.cit, p.105.
315
Ibidem, cf.p.105.
316
Ibidem, p.110.
No Brasil, algo semelhante aconteceria com o ensino de engenharia, que teve seu início em instituições
militares e que depois foram transformadas em instituições civis de ensino. Um exemplo claro é o
surgimento da Escola Politécnica em 1874, criada a partir da Real Academia de Artilharia, Fortificação e
Desenho. Esta deu início ao ensino de engenharia no país em caráter formal, ao ser instituída em 17 de
dezembro de 1792 por D. José Luís de Castro, o 2º Conde de Resende. A Real Academia teria seu nome
mudado algumas vezes ao longo de sua história (como Escola Militar da Corte e Escola Central). O curso

117
Este instituto teve como diretor o cirurgião Cosme Argerich e seu corpo
docente era composto da seguinte forma:

I. 1º Ano: Anatomia Normal e Patológica, professor Francisco


Cosme Argerich (filho do diretor);
II. 2º Ano: Fisiologia, Higiene, Patologia Geral e Terapeutica,
professor Juan Antonio Fernández;
III. 3º Ano: Matéria Médica, Química e Botânica, professor Salvio
Gafarot;
IV. 4º Ano: Nosografia Cirúrgica, professor Cristóbal Martín de
Montúfar;
V. 5º Ano: Nosografia Médica, professor Cosme Argerich;
VI. 6º Ano: 2 professores de clínicas317.

O governo deixou a cargo da direção do Instituto a redação de um


regulamento de medicina militar. Argerich, então, o assinou e enviou ao Diretor
Supremo em 1814, tendo sido aprovado com poucas modificações. Contudo, o Instituto
teve encerradas suas funções através de um decreto de setembro de 1821, um pouco
depois da morte de Argerich, tendo como diretor após este evento o doutor Montúfar.
Naquele momento retirava-se o grau de Cirurgião-Mor dos Exércitos nacionais e os
professores do Instituto foram nomeados catedráticos da Universidade de Buenos Aires,
originando o curso de medicina como destacamos na citação anterior.318 Os recursos
para a saúde militar eram bem escassos e que os “mestres da guerra na Europa”
demonstravam como organizar o socorro aos feridos na batalhas que eram travadas
(Waterloo e Criméia, por exemplo). 319

de Arquitetura Civil que era dado ali finalmente foi separado em 1874, originando a Escola Politécnica,
que foi ampliada e encarregada de ministrar o curso de Engenharia Civil. Ver: MARINHO, Pedro
Eduardo Mesquita de Monteiro. De politécnicos a engenheiros: a engenharia entre a sociedade civil e a
sociedade política no Brasil oitocentista. In: ALMEIDA, Marta de e VERGARA, Moema de Rezende.
Ciência, História e Historiografia. São Paulo: Via Lettera; Rio de Janeiro: MAST, 2008, p.13-24;
http://bndigital.bn.br/redememoria/poli.html. Acesso em: 18/08/2013.
317
ESTEVES, cf.p.110.
318
Ibidem, cf.p.110-111
319
Ibidem, cf.p.95-96.

118
O documento resultante da direção do Instituto foi publicado como Registro
Nacional – 1814. N.712 – Creación de um Cuerpo Médico Militar.320 É este
regulamento que efetivamente organiza e estrutura o futuro Cuerpo de Sanidad do
exército argentino. Nele, seu artigo 1° determinava que os professores e alunos do
Instituto Médico da Capital, por ser militar, formariam o Cuerpo de Medicina Militar.
Além disso, o Chefe daquela instituição seria o Diretor do referido Corpo e com o grau
de Major, conforme seus artigos 2° e 14°.
Enfim, um ponto defendido por Esteves diz respeito da história da saúde
militar argentina: pouco ou nada ensina aos estrangeiros. Isso porque “nem em recursos,
nem em campos de experimentação se podem comparar às organizações sanitárias de
Desgenettes, Larrey ou Guthrie com as de Argerich, Madera ou Muñiz”. 321
Quando o Instituto Médico Militar foi criado, uma das solicitações de
Argerich – e que constava no artigo 12° do regulamento de 1814− era um uniforme
militar para o corpo médico do Exército. O pedido foi aceito e, então, os médicos
militares passaram a utilizá-los. Com o fim do IMM, também se vetou o uso de
uniformes militares por parte dos médicos, bem como o fim das graduações militares.
Na história do desenvolvimento do seu Cuerpo de Sanidad, o confronto com
o Brasil, que declarou guerra contra a Argentina em 10 de dezembro de 1825. 322 Com a
guerra em questão, o então Cirurgião-Mor do Exército argentino, Dr. Francisco de Paula
Rivero, se preocupou em “prestigiar e dar autoridade” ao corpo de saúde do Exército.
Seu pedido fora levado ao Ministro da Guerra, Carlos de Alvear, e aceito por
Rivadavia323 e um decreto a respeito de distinções e uniformes dos professores de
cirurgia do Exército foram obtidos.
Assim, conforme seu artigo 1º, ficava determinada a seguinte graduação e
equivalência:
 Cirurgião-mor dos Exércitos, grau de Coronel;
 Cirurgião Principal do Exército, Tenente Coronel;

320
Fontes: Archivo General Del Ejército Argentino (AGEA) – Dirección de Sanidad, Caja I, documentos
2 a 4; MALLO, Pedro. Tratado de Higiene Militar. Buenos Aires: Imprenta Europea, 1883, 2 volumes,
Vol.II, p. 312-314.
Este documento encontra-se em sua integra em anexo neste trabalho.
321
ESTEVES, op.cit., p.96.
322
FLORIA & BELSUNCE, op.cit., cf.p.474.
323
Em 6 de fevereiro de 1826, o Congresso sancionou uma lei que criava o poder executivo nacional que
ficaria a cargo de um magistrado que levaria o título de Presidente das Províncias Unidas do Rio da Prata.
No dia seguinte, 7 de fevereiro, era eleito para assumir o cargo Bernardino Rivadavia, que viria a
renunciar ao cargo em fevereiro de 1828. ESTEVES, op.cit., cf.p.123; ROMERO, José Luis. Breve
Historia de la Argentina. Buenos Aires, Fondo de Cultura Economica, 2012, 11ªEd., cf.p.71-74.

119
 Cirurgião Primeiro do Exército, Sargento Superior,
 Cirurgião Segundo do Exército, Capitão;
 Ajudante Primeiro do Exército, Tenente;
 Ajudante Segundo do Exército, Subtenente.324

Após a contenda com o Brasil pela região da República Oriental, o


Regulamento do Cuerpo Medico Militar, que constituira o embrião do Cuerpo de
Sanidad, sofreria alterações. Em 5 de agosto de 1826, publica-se o Decreto de
Organización Del Cuerpo Médico Del Ejército. Neste documento, encontramos
determinações acerca da responsabilidade dos facultativos no que diz respeito aos seus
instrumentos de trabalho. De acordo com o seu primeiro artigo, todos os cirurgiões,
ajudantes ou praticantes que serviam ao exército deveriam ser proprietários dos
instrumentos que utilizariam para o desempenho de suas funções. No caso de não
possuí-los, o Estado concederia um empréstimo, que na verdade constituía um
adiantamento dos soldos até o valor equivalente para a aquisição do instrumental.
Assim, verificamos como naquele momento as atividades profissionais e os meios para
fazê-las era de inteira responsabilidade dos médicos.
Em agosto de 1856, o governo de Buenos Aires deu início à organização do
Cuerpo Médico Militar, pois entendia que um dos primeiros cuidados da administração
militar é o bem estar do soldado. Assim, organizou o corpo, dando estabilidade aos seus
membros e, também, estabelecendo sua composição orgânica e hierárquica. 325
Composição do corpo médico militar argentino:
 1 cirurgião-mor, chefe do copo médico;
 1 cirurgião principal, 2º chefe do corpo médico;
 8 cirurgiões de Exército;
 4 praticantes inferiores;
 1 farmacêutico;
 1 ajudante de farmácia.326

Para ocupar o cargo de cirurgião-mor, o militar deveria ter quatro (4) anos
de serviços contínuos no corpo médico. Quanto ao cargo de cirurgião principal, o

324
ESTEVES, op.cit., cf.p.122-123.
325
Comando en Jefe del Ejército. Reseña Historica y Organica del Ejército Argentino. Buenos Aires:
Circulo Militar, 1972, 3 tomos, Tomo I: Julio-Agosto 1971, cf.p.521.
326
Ibidem, cf.p.551.

120
militar deveria ter desempenhado funções de cirurgião do Exército. No entanto, para
serem admitidos no Exército, deveriam ter o título de médico.
Como pudemos perceber, o Cuerpo de Sanidad não apresenta um quadro
rico em que possamos aprofundar nossa análise neste momento. Só conseguimos
encontrar uma única referência à organização de um Cuerpo de Sanidad ao longo do
período. Este quadro afetaria a atuação do Exército argentino, juntamente com o seu
corpo de saúde, na Guerra da Tríplice Aliança? É o que tentaremos responder no
capítulo seguinte.

121
Capítulo 2  As missões militares e suas implicações nos Serviços de Saúde dos
Exércitos da Argentina e do Brasil

As guerras não produzem transformações apenas nos exércitos envolvidos


naquele cenário. As experiências vividas pelos contingentes e, principalmente, a nação
vencedora passa a ser fruto de análise das demais corporações no restante do mundo.
Seu resultado implica a origem de um modelo desejado, já que sua estrutura e
organização foram responsáveis pelo resultado vitorioso diante do conflito. Por outro
lado, as guerras também podem significar a percepção de que os exércitos nacionais não
se encontram preparados da forma como fora planejado para um conflito. Baseados
neste pensamento, temos o cenário das guerras no teatro de operações do continente
europeu e, na América Latina, o confronto que marcou a história de seus países
beligerantes: a Guerra do Paraguai (1864-1870).
Por essa razão, torna-se importante a análise deste último conflito à luz dos
acontecimentos na Europa e, da mesma forma, compreender como esta experiência
determinou a tomada de consciência a respeito de necessárias reformas na organização e
na estrutura dos exércitos latino americanos e, no nosso caso, nos seus serviços de
saúde.

122
2.1. Um breve histórico da saúde dos Exércitos brasileiro e argentino na Guerra
do Paraguai (1864-1870)

A Guerra do Paraguai seria o maior conflito travado na América do Sul e


envolveria o Paraguai contra a Tríplice Aliança, esta formada por: Argentina, Brasil e
Uruguai. Para o Brasil, o acontecimento marcou a história do Segundo Reinado. E
quanto aos demais envolvidos? Para os países cisplatinos e até mesmo para aquele, a
historiografia recente que trata do tema afirma que

a razão principal da guerra teria sido a luta pela consolidação dos


Estados-nacionais na conturbada região do antigo vice-reinado do
Prata. Um Paraguai saído do isolamento a que o condenara Francia e o
primeiro López, que procurava afirmar-se no cenário regional; uma
argentina com ambições amplas, mas ainda em luta pela unificação
nacional, dividida entre Buenos Aires e a Federação; um Uruguai sem
condições de se afirmar com suas próprias forças fazendo um jogo
perigoso entre Brasil e Argentina; e um Brasil preocupado em conter o
avanço argentino, e refém das pressões dos criadores de gado rio-
grandenses residentes no Uruguai. 327

A guerra, para o Brasil, teve início em 12 de novembro de 1864, quando


Francisco Solano López − que se tornara presidente da República Paraguaia em 10 de
agosto de 1862 após a morte de seu pai Carlos Antonio López −, manda seu navio de
guerra Taquari aprisionar o vapor brasileiro Marquês de Olinda, que se encontrava
pouco acima da cidade de Assunção. A bordo da embarcação brasileira estava o
Presidente da Província do Mato Grosso, Coronel Frederico Carneiro de Campos328. A

327
DORATIOTO apud CARVALHO, José Murilo de. Forças Armadas e Política no Brasil. Rio de
Janeiro: Jorge Zahar Editor, 2006, p.189.
As obras acerca do conflito vão desde aquelas em forma de memoriais (como a publicação de Dionísio
Cerqueira), passando pela interpretação do imperialismo inglês como culpado (Júlio José Chiavenatto),
até as mais recentes – as revisionistas – com um grande trabalho pautado em fontes primárias.
Para mais detalhes, destacamos as seguintes publicações a respeito do tema: CERQUEIRA, Dionísio.
Reminiscências da Campanha do Paraguai. Rio de Janeiro: Biblioteca do Exército, 1980;
CHIAVENATTO, Julio José. Genocídio Americano: A Guerra do Paraguai. São Paulo: Editora
Brasiliense, 1980; DORATIOTO, Francisco Fernando de Monteoliva. O conflito com o Paraguai: a
grande guerra do Brasil. São Paulo: Ática, 1996; ____________. Maldita guerra: nova história da
Guerra do Paraguai. São Paulo: Cia das Letras, 2002; IZECKSOHN, Vitor. O Cerne da Discórdia. A
Guerra do Paraguai e o Núcleo Profissional do Exército Brasileiro. Rio de Janeiro: Biblioteca do
Exército Editora, 1997; LEMOS, Renato. Cartas da Guerra: Benjamin Constant na Campanha do
Paraguai. Rio de Janeiro: IPHAN/6ª S.R./ Museu Casa de Benjamin Constant, 1999; SALLES, Ricardo.
Guerra do Paraguai: Escravidão e Cidadania na Formação do Exército. Rio de Janeiro: Paz e Terra,
1990; TAUNAY, Alfredo de Escragnolle. A retirada da Laguna: episódio da Guerra do Paraguai. São
Paulo: Cia das Letras, 1997.
328
FROTA, Guilherme de Andrea. Quinhentos Anos de História do Brasil. Rio de Janeiro: Biblioteca
do Exército Editora, 2000, p.367.

123
ação fora bem sucedida e o Marquês de Olinda foi capturado e incorporado à Marinha
Paraguaia.
A contenda, para os argentinos, se daria a partir do ano seguinte com o
Congresso Paraguaio, seguindo as determinações de López, declarando guerra àquele
país em 17 de março de 1865. Tal fato se deu após o pedido do presidente paraguaio
para que seu exército obtivesse livre passagem pelo território argentino. O General
Mitre negou a solicitação e, desta forma, estava decidido pelas forças paraguaias que
Corrientes, cidade argentina, seria invadida. 329
Em decorrência dos acontecimentos, no dia 1º de maio de 1865, Argentina,
Brasil e Uruguai assinam o Tratado de Tríplice Aliança. Era o início de um cenário que
só teria fim com a derrota do último e pequeno exército paraguaio e a morte de Solano
López por soldados brasileiros em 1º de março de 1870.330 No entanto, para os exércitos
do Brasil e Argentina era a realidade daqueles diante das necessidades da guerra e o
início de um processo que ainda se estenderia por décadas: a modernização e
organização desta instituição e seus corpos em ambos.
Do lado do “inimigo”, Mitchell apresenta um Paraguai atrasado.331 Francia
e Lopez não teriam feito o que era necessário para o desenvolvimento ou modernização
de seu país. Solano Lopez teria seguido os mesmos passos de seus antecessores. Em
função deste quadro, não era possível a formação de médicos no país, já que a
população, por conseguinte, não possuía instrução. Portanto, se não havia facultativos,
como criar um Serviço de Saúde do Exército paraguaio?
A saída encontrada por Solano Lopez estava na contratação de médicos e
farmacêuticos ingleses. Foi, então, que o exército, para o conflito, passou a contar com
um único cirurgião, o doutor Stuart, comissionado com a patente de Tenente-Coronel;
três médicos foram comissionados no posto de capitão; e um farmacêutico,
comissionado como tenente. Além da inexistência de médicos paraguaios, podemos

329
FLORIA, Carlos Alberto & BELSUNCE, César A. García. Historia de los Argentinos. Buenos Aires:
Ediciones Larousse Argentina S.A.I.C., 1992 (2 vols), Vol.2, cf.p.124-125.
330
FAUSTO, Boris. História do Brasil. São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo/ Fundação para
o Desenvolvimento da Educação, 2001 (9ª Edição), cf.p.208-216.
A guerra pode ter sua cronologia dividida da seguinte forma: ofensiva paraguaia (1864/1867), que
corresponde às campanhas de Mato Grosso (Brasil, 1864-1867) e Corrientes (Argentina, 1864/1865). A
outra fase diz respeito à contraofensiva da Tríplice Aliança (1866/1870), compreendendo as campanhas
de Humaitá (Paraguai, 1866/1868), Piquiciri (Paraguai, 1868) e Cordilheiras (Paraguai, 1870), local da
Batalha do Cerro Corá que terminou com a morte de Solano López. IZECKSOHN, op.cit., cf.p.40.
331
Isso contraria boa parte da historiografia – em especial o revisionismo nacionalista, Léon Pomer – que
sustenta a tese de que Brasil e Argentina fizeram o trabalho sujo para a Inglaterra, preocupada com o
suposto desenvolvimento autônomo do Paraguai.

124
concluir que também faltavam recursos para o serviço de saúde em campanha, o que, na
visão de Mitchell, “transformou o soldado paraguaio em um mártir”. 332
E como estariam organizados os serviços de saúde dos inimigos paraguaios,
os aliados? É sobre dois de seus membros que trataremos agora: o Serviço de Saúde do
exército brasileiro e o Cuerpo de Sanidad do exército argentino.

2.1.1. A experiência do Serviço de Saúde do Exército brasileiro

À época do confronto, o que regulamentava o Serviço de Saúde do Exército


era o Decreto nº 1.900, de 7 de março de 1857333. Era este regulamento que organizava
o Quadro de Saúde, as Juntas Militares de Saúde da Corte e das Províncias, hospitais,
hospitais ambulantes e depósitos. Além de determinar o efetivo do Corpo de Saúde, o
seu Artigo 2º assegurava aos oficiais do referido corpo “todas as honras e privilégios,
liberdades e isenções e franquezas, que pelas Leis do Império competirem aos oficiais
combatentes de postos iguais”. Decretava-se, da mesma forma, que os hospitais
militares teriam os oficiais combatentes responsáveis pela sua parte administrativa.334
De acordo com o Decreto de 1857, o quadro do Corpo de Saúde do Exército seria o
seguinte:
 1 Cirurgião-mor do exército (Chefe do Serviço de Saúde), sob
patente de coronel;
 4 Cirurgiões-mores de Divisão, sob patente de tenente-coronel;
 8 cirurgiões-mores de Brigada, sob patente de major;
 32 1os cirurgiões, capitão;
 64 2os cirurgiões, tenente;
 8 farmacêuticos, alferes.

332
MITCHELL, Gilberto de Medeiros. “Aspectos Históricos da Medicina Militar na Guerra da Tríplice
Aliança”. In: FILHO, Helion Povoa. Problemas de Medicina Militar. Volume II e Último. Rio de
Janeiro: Academia Brasileira de Medicina Militar, 1968, p.767-834, cf.p.771-774.
333
O documento se encontra em sua íntegra ao final de nossa tese. No ano de 1860, este regulamento
sofreria alterações no que diz respeito, principalmente, ao quantitativo que iria compor o Serviço de
Saúde. Contudo, sua estrutura para o conflito encontrava-se regulada pelo decreto de 1857.
334
MITCHELL, 1968, p.780.

125
Além do corpo de médicos e farmacêuticos haveria também um corpo de
enfermeiros que seria composto da seguinte maneira:
 1 1º sargento;
 4 2os sargentos;
 8 cabos de esquadra;335
 150 soldados, assim distribuídos:
* 100 enfermeiros-mores e enfermeiros;
* 50 ajudantes de enfermeiros336.

O Decreto nº 2.715 de 26 de dezembro de 1860 faria alterações no


quantitativo de pessoal que compunha o Corpo de Saúde, que passaria agora a contar
com quarenta e dois primeiros cirurgiões, noventa e quatro 2 os cirurgiões e vinte
farmacêuticos. No entanto, dispensava cirurgiões adidos, isto é, os oficiais reformados e
paisanos – ou civis. Desta forma, o aumento era ilusório na medida em que reduzia de
152 cirurgiões para 136 após o referido decreto.337
Conforme o cirurgião-mor do exército, Manoel Feliciano, para que a
medicina militar se desenvolvesse no Brasil era necessária a criação de uma escola
específica, já que, na opinião do diretor do Serviço de Saúde, as faculdades de medicina
não estavam aptas para cumprirem tal papel. Sendo assim, em 1º de agosto de 1860 o
projeto de criação da Escola Prática de Medicina Militar estava pronto e seu artigo 3º
previa que quatro disciplinas fossem implementadas, constituindo uma delas a cadeira
de farmácia e higiene militar. Contudo, o projeto nunca foi colocado em prática pelo
governo imperial e a escola, assim, não foi criada. 338
Em 14 de março de 1862, Manoel Feliciano envia o Relatório Anual do
Corpo de Saúde ao Ministro da Guerra, General Polidoro Quintanilha Jordão, tratando
de assuntos relativos à Repartição de Saúde – o nome que se dava à Direção de Saúde
do no período. Há duas solicitações que consideramos importantes. Uma diz respeito à

335
Patente utilizada para designar os chefes de esquadras, em que cada uma delas constituía uma
companhia de infantaria.
336
MITCHELL, 1968, cf.p.779; TEIXEIRA, Roberto C. da Motta. “Aspectos Históricos da Medicina
Militar na Guerra da Tríplice Aliança”. In: FILHO, Helion Povoa. Problemas de Medicina Militar.
Volume II e Último. Rio de Janeiro: Academia Brasileira de Medicina Militar, 1968, p.623-719,
cf.p.624-625.
337
SILVA, Carlos Leonardo Bahiense da. Doutores e canhões: o corpo de saúde do Exército Brasileiro
na Guerra do Paraguai (1864-1870). Rio de Janeiro: PPGHCS/COC/FIOCRUZ, 2012, cf.p.56.
338
MITCHELL, Gilberto de. História do Serviço de Saúde do Exército. Rio de Janeiro: Gráfica da
Escola de Saúde do Exército, Volume 1, 1963, cf.p.161-168; SILVA, C.L.B., op.cit., cf.p.58.

126
compra de publicações da área médica que precisariam compor a biblioteca do Serviço
de Saúde. O chefe do Serviço de Saúde ressaltava ainda que estas obras deveriam ser de
origem europeia. O outro apelo se volta para a instrução dos oficiais de saúde. Manoel
Feliciano os considera instruídos em geral, “mas seria de grande utilidade a criação de
uma escola prática de Medicina, Cirurgia e Farmácia Militar”. 339 O pedido havia sido
feito no ano anterior, através da apresentação de projeto e, ao que tudo indica, não
obtivera resposta. O pedido seria reiterado em novo relatório de janeiro de 1863.
Em fevereiro daquele ano, em novo Relatório enviado ao Ministério da
Guerra, o Cirurgião-mor Manoel Feliciano se refere ao número excessivo de feridos e
doentes. Algumas de suas atribuições sobre as causas de tal quadro dizem respeito ao
“excessivo trabalho ao serviço do Exército, atribuído a poucos soldados” e, além disso,
para a origem da constituição das tropas, com predomínio de nortistas que “não estavam
acostumados ao clima e alimentação da Corte”.340 Este ponto nos leva ao trabalho de
Gitahy, ao tratar do “acclimatamento” e a forma que se deveria adaptar o soldado às
diversas regiões do país. Diante do que fora exposto no relatório do Diretor do Serviço
de Saúde, este tipo de medida não se dava na prática.
Tendo início o conflito, o Serviço de Saúde do Exército fora dividido para
atender aos dois Corpos de Exército conformados para a Guerra. Seus chefes eram:
Manuel Feliciano Pereira de Carvalho, à frente do 1º Corpo de Exército (o Exército
Brasileiro de operações) no Uruguai (República Oriental, à época), tinha seu corpo de
saúde composto por 17 oficiais médicos para atender a um efetivo de 9.466 homens que
estavam sob o comando do General Manoel Luiz Osório;341 José Sérgio Ferreira, à
frente do 2º Corpo de Exército no Rio Grande do Sul, com um efetivo de
aproximadamente 12.000 homens e 12 médicos militares. 342 No entanto, neste período,
a ofensiva paraguaia seria um ponto marcante e uma região do território brasileiro não
se encontrava na divisão descrita acima. Trata-se da Província de Mato Grosso, que foi
alvo das tropas paraguaias. O Serviço de Saúde do Exército tinha ali, ao final do ano de

339
TEIXEIRA, op.cit., p.628.
340
Ibidem, cf.p.629.
341
No ano seguinte, 1865, o 1º Corpo seria composto por 18.365 homens e com 58 oficiais médicos
compondo o Corpo de Saúde. Em 1866 os números subiriam para um efetivo de 32.868 homens (dentre
oficiais e demais componentes da tropa) e 71 oficiais médicos. Para este mesmo ano, Mitchell afirma que
o 1º Corpo possuía um efetivo de 33.078 homens (contando com aqueles que compunham o Serviço de
Saúde) e o 2º contava com 15.396, totalizando, assim, 48.474 homens. MITCHELL, 1968, cf.p. 799;
TEIXEIRA, op.cit., cf.p.653-659.
342
MITCHELL, 1968, cf.p.781-790; TEIXEIRA, op.cit., cf.p.647.

127
1864, um efetivo de oito oficiais médicos e um médico militar reformado. Além destes
profissionais, ainda havia dois cirurgiões a serviço da marinha. 343
Segundo Mitchell, 344 o Serviço de Saúde carecia não só de efetivo, mas de
material igualmente para a guerra. O chefe do 2º Exército, dr. Sérgio Ferreira, procurou
diminuir a falta de material, solicitando a compra de ambulâncias 345 completas sob
máxima urgência. Vários contratos foram feitos com farmácias locais (na província do
Rio Grande do Sul), através de concorrências, de forma a abastecer hospitais e
enfermarias com medicamentos e instrumentos cirúrgicos. Quanto à falta de pessoal,
tornou-se comum os contratos realizados, no decorrer da guerra, de médicos,
farmacêuticos e boticas civis.
Vale ressaltar que não se tratava apenas de militares compondo o corpo de
médicos do Serviço de Saúde do Exército brasileiro. Carlos Henrique Liberalli destaca o
número de médicos civis que se alistaram como voluntários e afirma que nove
professores catedráticos e seis opositores se apresentaram oriundos da Faculdade de
Medicina da Bahia. O Rio de Janeiro também teria seus representantes da Faculdade de
Medicina, com quatro catedráticos e cinco opositores. A partir do segundo semestre de
1866, a presença de civis se deu em número considerável em função do Decreto de 24
de Agosto daquele ano que permitia aos alunos de 4º a 6º anos de medicina “prestar
serviços nos campos de batalha sem prejuízo do currículo escolar”. 346
No decorrer dos confrontos no campo de batalha, socorro e evacuação de
doentes e feridos se tornam problemas “fundamentais na organização das tropas em
atividade, e cuja essência primordial é baseada nos meios de transporte e da assistência
imediata ao doente ou ferido”.347 Como visto no capitulo anterior, o exército francês foi
o inovador no que consiste às melhorias para os transportes de feridos, graças ao seu
cirurgião-mor, Dominique-Jean Larrey. Foi ele quem criou e colocou em ação a
primeira unidade móvel, em 1792, que era capaz de acompanhar os movimentos da

343
SOUZA, Luiz de Castro. A Medicina na Guerra do Paraguai. Rio de Janeiro: s/e, 1972, cf.p.17.
Uma boa obra de referência sobre a expedição brasileira em suas operações ao sul do Mato Grosso é A
Retirada de Laguna, de Visconde de Taunay.
344
MITCHELL, 1968, cf.p.781-783
345
As ambulâncias eram caixas que continham medicamentos e, também, poderiam conter instrumentos
cirúrgicos.
346
LIBERALLI, Carlos Henrique. “O Corpo de Saúde Brasileiro na Guerra do Paraguai”. In: Anais do I
Congresso Brasileiro de História da Medicina Militar. Rio de Janeiro: Departamento de Documentação
e História da Medicina Militar da ABMM [Academia Brasileira de Medicina Militar], 1972, Publicação
nº2, p.116-119, p.117.
347
SOUZA, op.cit., p.117.

128
tropa. Desta forma, possibilitava que os primeiros socorros fossem feitos no local do
combate.348
Como a viatura-ambulância criada por Larrey se mostrava ineficiente em
terrenos acidentados, o médico militar francês criou, então, o princípio do cacolet, ao
amarrar cestos no lombo de mulas para o transporte de medicamentos e instrumentos
necessários para suturas e primeiros socorros. Este artifício foi depois aprimorado e
utilizado para o transporte de doentes no lombo de dromedários (no caso da Campanha
do Egito entre 1798-1799, pelas tropas francesas) ou mulas. 349
O exército brasileiro, no século XIX, fabricava seus cacolets no Arsenal de
Guerra da Corte, no Rio de Janeiro. Durante o período da Guerra do Paraguai – e
embora os cacolets apresentassem vantagens em função da falta de burros robustos que
suportassem o peso de dois homens −, a Coluna Expedicionária de Mato Grosso as
utilizaria em função do surto de varíola que atingira aquela província. Outras regiões
também fariam uso deste sistema de transporte de feridos. Na Retirada de Laguna, por
exemplo, dois cacolets foram utilizados para o transporte de quatro soldados feridos. 350
Após o confronto, em 1872, o Ministro da Guerra, João José de Oliveira
Junqueira, solicita ao comandante-em-chefe do exército imperial, o Marechal Conde
D’Eu, “parecer para vários itens de interesse na organização do exército, cujas respostas
deveriam ser baseadas na observação e experiência adquiridas na Campanha do
Paraguai. O 5º quesito compreendia os meios de transporte...”.351
Conde D’Eu responde ao Aviso de Nº16 ressaltando a desvantagem dos
cacolets no decorrer da Guerra do Paraguai – era o caso da quantidade e qualidade dos
burros disponíveis – e, assim, lembra que os doentes e feridos eram transportados em
viaturas de munições e provisões que se encontrassem vazias – o que representava, no
caso do último tipo, o risco de contaminação e propagação de doenças
infectocontagiosas. 352
O transporte de feridos nos leva à questão do socorro que lhes deveria ser
prestado. Os doentes também se encontram inseridos nesta lógica, devendo o
atendimento ser realizado da seguinte forma:

348
Ibidem, cf.p.117
349
Ibidem, cf.p.120; SILVA, C.L.B, op.cit., cf.p.238.
350
MITCHELL, 1963, cf.p.122-123.
351
Ibidem, p.122.
352
Ibidem, cf.p.123.

129
1. Atendimento de urgência no local de combate;
2. Complementação do atendimento de urgência, por trás da linha de
fogo;
3. Atendimento hospitalar e tratamento a longo prazo em instalações
hospitalares afastadas dos teatros de operações.353

Na prática, o atendimento durante a Guerra do Paraguai se deu da forma


como fora esquematizado, quando havia efetivo e material. Os hospitais de sangue –
que consistiam em postos de socorro de urgência – estavam instalados atrás da linha de
fogo e dispunham de medicamentos e de equipamentos para socorros de urgência
levados em maletas de mão, as chamadas “ambulâncias”, e padronizadas pelos Serviços
de Saúde do Exército e da Armada. As enfermarias de retaguarda constavam em uma
segunda etapa, caso esta fosse necessária, dando continuidade ao atendimento de
emergência. A terceira e última etapa se dava nos hospitais instalados em províncias e
que dispunham de melhores recursos para o tratamento e atendimento ao ferido/doente.
Por fim, se não houvesse enfermaria entre o hospital de sangue e o de retaguarda
durante a evacuação, a lacuna seria preenchida pelo Hospital de Sangue da Esquadra, o
vapor Onze de Junho. 354 Contudo, no decorrer da guerra, conforme aumentava o
número de feridos e enfermos, fazia-se necessário o uso de enfermarias improvisadas
em barracas de lona. Este tipo de instalação era condenado por vários médicos em
função das condições climáticas de determinadas áreas, principalmente naquelas em que
havia fortes chuvas que resultavam em feridos e enfermos sofrendo com o frio
provocado pelo estado de suas roupas molhadas. 355
Quanto aos hospitais, enfermarias e suas instalações, o Serviço de Saúde no
1º Corpo de Exército, sob o comando do dr. Manuel Feliciano Pereira de Carvalho,
tinha, além da enfermaria no Hospital Militar em Corrientes, duas outras instaladas:
uma na Quinta de Avalos e outra no Saladeiro. Além destes havia também o Hospital
militar de São Francisco e a enfermaria do Lazareto em Santa Cruz, Santa Catarina. 356 O

353
TEIXEIRA, op.cit., cf.p.638.
354
Ibidem, cf.p.638.
“No centro hospitalar de Corrientes os brasileiros tinham mais e melhor material de saúde que os
argentinos. Instalaram ali seu hospital fixo em carraças de madeira (...) e dispuseram de um hospital
flutuante, o navio ‘Onze de Junho’.”. ESTEVES, , (Major Médico) Julio Roberto. Temas de Sanidad
Militar. Buenos Aires: Circulo Militar, 1955, p.110.
355
MITCHELL,1968, cf.p.811.
356
Ibidem, cf.p. 802-805.

130
2º Corpo de Exército, por ordem do seu Comandante-em-Chefe da Província do Rio
Grande do Sul, o Barão de Porto Alegre, teve seus hospitais instalados em prédios que
não haviam sido destruídos durante os confrontos com os paraguaios. Como o número
de feridos era superior ao espaço existente em tais prédios, foi necessária a utilização de
casas da Vila Uruguaiana para acomodação dos doentes. Os médicos militares
constataram irregularidades, por tratar-se de ambientes fétidos e insalubres, o que os
levou a determinar que antes de instalar os doentes a desinfecção do ambiente, bem
como das habitações ao seu redor, seria uma ação necessária. Porém, cabe ressaltar que
os médicos ficavam apenas com o elemento técnico, com o conhecimento científico. A
parte administrativa dos hospitais e enfermarias ficava a cargo de oficiais combatentes,
o que, na opinião de Mitchell, 357 gerou grandes diferenças entre oficiais de saúde e
combatentes, comprometendo o estado higiênico das instalações em que estavam os
doentes e feridos – como fora detectado pelos facultativos. Além dos problemas no
ambiente hospitalar, a falta de itens comuns como urinóis e camisolas era uma
reclamação comum dentre os médicos dos diversos hospitais. Os médicos militares
ainda tinham problemas com o fornecimento de material básico para sua higiene, como
podemos notar na solicitação do doutor Luiz Alves para compra de sabonete como
material pedido para fornecimento do hospital. Ainda que o General do Quartel-Mestre
negasse alegando que era item de luxo, o referido médico alerta para a necessidade em
função dos cuidados com a manipulação de doentes e feridos. Assim, o sabonete não
seria artigo de luxo, mas “ferramenta” de trabalho. 358 Outros facultativos também
reclamariam de artigos que eram escassos ou faltavam às instalações do Serviço de
Saúde. O dr. José Dória, atentava para a falta de meios e de insuficiência de
medicamentos. O dr. Luiz Francisco de Murinelli aumentava a lista ao tratar dos
utensílios de cozinha – como pratos e talheres – que serviam para a alimentação dos
doentes, além de roupas em quantidade deficiente e água e alimentos escassos e de má
qualidade. 359
Foi tentando alertar para esta realidade, além da forma descuidada com que
se transportava os feridos e doentes, que Benjamin Constant escreveu ao Chefe da
Comissão de Engenheiros e a Caxias, que à época era o comandante das tropas aliadas,
o seguinte conteúdo:

357
Ibidem, cf.p.804.
358
Ibidem, cf.p.805.
359
Ibidem, cf.p.812-813.

131
Disse algumas verdades que nada têm de boas e ainda
hoje tive com o chefe do corpo de saúde, alguns médicos e o diretor
do hospital uma forte questão sobre o modo desumano e mais que
bárbaro que aqui são tratados os infelizes doentes e feridos que ia se
tornando séria. Teve ela [origem] numa representação formal e
enérgica que fiz contra a maneira por que aqui se transportam os
doentes de um para outro hospital em padiolas descobertas ao calor
abrasador nas horas mais quentes do dia e a grandes distâncias. Corta
o coração ver-se os pobres soldados e oficiais ardendo em febre ou
feridos por balas, cortados pelas metralhas, cortando os ares com
dolorosos gemidos, pedindo água, comida, etc., e vê-los assim atirados
sobre o convés de navio onde passam um e dois dias sem ter um pão
para comer. É o espetáculo mais desumano que se pode imaginar.
Felizmente surtiu efeito a questão que tive embora tivesse que meter-
me em seara alheia. [...] E os jornais hão-de dizer que aqui os doentes
e feridos são muito bem tratados, etc. Desgraçadamente temos aqui
uma caterva de infame aduladores que em sua correspondência para
nossas folhas diárias procuram de modo o mais miserável iludir a boa-
fé do povo só para servirem a seus interesses particulares [...] Não
fazes ideia como está este Exército. O Quartel-General-em-Chefe é a
Corte com todas as suas mazelas. Estou com vontade de ir no Segundo
Corpo de Exército porque ao menos não assisto ao espetáculo
hediondo que aqui dá todos os dias o servilismo mais imundo. Não
quero, não posso, não devo assistir calmo, a sangue frio a este quadro
miserável que aqui se dá todos os dias.360

As condições em que se encontravam as tropas brasileiras também já


haviam sido relatadas durante a invasão de Uruguaiana pelas forças inimigas, em
setembro de 1865, sendo descritas pelo Capitão Fernandes:

Na 1ª Divisão, por pouco tempo, e em muito maior escala


e mais tempo na 2ª, eram extraordinárias as privações e misérias que
passava a tropa. Não tinham mais que a pura carne, magra e cansada, e
muitas vezes, esta mesma faltou. Completamente nus, sem soldo há
muitos meses, abatidos pela fome, mortos de fadiga, sem
abarracamento e expostos ao tempo no rigor do inverno, os soldados
começaram desde logo a povoar os hospitais, que nunca passaram de
improvisadas enfermarias, onde tudo faltava, tudo era um perfeito
caos; faleceram muitas praças, inclusive alguns oficiais. Assim
ocorreram as coisas até o dia 17 em que o General Flores atacou os
paraguaios em Yatahy...361

Este quadro de dificuldades durante a campanha afetava o estado sanitário


das tropas e medidas higiênicas seriam necessárias, conforme atenta o doutor João José
Damásio ao Chefe da Esquadra em outubro de 1865:

360
Benjamin Constant para Maria Joaquina, 3 de fevereiro de 1867. LEMOS , op.cit., p.96.
361
TEIXEIRA, op.cit., p.648.

132
A imensidade de corpos em putrefação em Yatahy, o
grande número de cavalos e imundícies que se viam em igual estado
dentro da Vila, as exalações pútridas que se sentia desprenderem-se do
cemitério, onde as inhumações de grande número de cadáveres se
fazem quase à superfície da terra, explicam por demais o estado
viciado da atmosfera por miasmas que por muito tempo se
desenvolveram, concorrendo para o mau caráter das enfermidades. A
Junta Médica do Exército, estudando e discutindo essa questão,
conveio na urgente necessidade de uma alimentação conveniente para
as praças do Exército e na remoção dos focos de infecção para
prevenir-se o desenvolvimento de outros flagelos de mais funestas e
terríveis consequências.362

Vimos acima a ação do Estado, através da Junta Médica do Exército, na


resolução de questões que diziam respeito à saúde daqueles que se encontravam em
combate. De uma forma mais geral, o papel daquele sempre foi preponderante nas
relações entre Medicina e Guerra. Contudo, nem sempre eficaz como os médicos
desejariam. Segundo Corvisier,

Estes [os facultativos] sempre se queixaram da


dependência a que os submetiam os comissários de guerras e outros
agentes do Estado, encarregados da manutenção e da vigilância dos
hospitais que, com esse controle, paralisavam o exercício da arte
deles. 363

A afirmação acima indica, então, uma relação conflituosa entre os médicos


militares e a burocracia estatal - ou “agentes do Estado”, nas palavras de Corvisier.
Carlos Leonardo Bahiense, em sua tese Doutores e Canhões: o Corpo de Saúde do
Exército Brasileiro na Guerra do Paraguai (1864-1870), entende que o governo
imperial não estava alheio aos problemas de ordem higiênica e organizacional existentes
nos hospitais militares da Guerra da Tríplice Aliança e procurava diminuí-los, mas nem
sempre de forma bem sucedida,364 como pudemos verificar na correspondência de
Benjamin Constant. Por fim, era uma ação prevista no regulamento a escolha de leigos
para dirigirem estabelecimentos hospitalares no Exército e esta prática se daria até o
final do Império.365
Além disso, no que tange à relação entre médicos e aqueles que seriam
atendidos, o número de cirurgiões era considerado insuficiente para a quantidade de

362
Ibidem, p.651.
363
CORVISIER, André. A Guerra. Rio de Janeiro: Biblioteca do Exército, 1999, p.209.
364
SILVA, C.L.B., cf.p.95.
365
SOUZA, op.cit., cf.p.14.

133
feridos que chegavam aos hospitais. Ainda que o Corpo de Saúde fosse acrescido com o
contrato de médicos civis e a inclusão de cirurgiões da Guarda Nacional e Polícia, o
grande movimento de tropas e de combatentes os tornava em número insuficiente.366 O
que se considerava importante naquele momento era a figura do cirurgião, já que ele
poderia ser o responsável pela vida ou morte de muitos em função do aglomerado, das
péssimas condições de higiene e de seu trabalho, principalmente após a ação dos
homens nos campos de batalha. A prática médica naquele período era ligada “quase
exclusivamente à cirurgia e esta, principalmente, à amputação dos membros para atalhar
a marcha das gangrenas”.367 Desta forma, para a realização de tais procedimentos,
recorria-se às ambulâncias e aos instrumentos. Estes ficavam sob a responsabilidade dos
cirurgiões empregados por Brigada e consistiam em “uma caixa de ambulâncias para
amputações, instrumentos cirúrgicos, convenientemente providas dos aparelhos e todos
os meios necessários para os fins a que são destinados”.368
O número de doentes também era um fator preocupante e os médicos
concluíam que a região de origem de praças e soldados estava diretamente relacionada
com isto. Segundo os facultativos, os soldados do norte do país eram, em grande parte,
os responsáveis por esse quadro expressivo de enfermidades. A explicação se dava pela
questão de não estarem acostumados com a alimentação local e com o clima. 369 Este
fato já havia sido relatado pelo Diretor do Serviço de Saúde, Manoel Feliciano em
período anterior à guerra e, também, pelo doutor José Muniz Cordeiro Gitahy em sua
publicação de 1856.370 O Diretor do Hospital Militar da Corte, ao ser questionado por
Feliciano sobre a grande quantidade de medicamento solicitado, obtém como resposta
de seu diretor Cirurgião-mor à época que a razão era a qualidade dos indivíduos,
resultando em grande número de baixas. 371
O clima do sul era visto como um inimigo constante.

Os recrutas recém-chegados do norte do Brasil, não


habituados aos rigores do inverno, excepcionalmente frio no ano de
1865, baixavam aos hospitais em grande número; e as fileiras
rarefaziam-se rapidamente. Lembro-me de um luzido batalhão de
voluntários paraenses que desapareceu vitimado pela brusca troca do

366
MITCHELL, 1968, cf.p.800-801.
367
LIBERALLI, op.cit., p.116.
368
MITCHELL, 1968, p.801.
369
Ibidem, cf.p.790-791.
370
GITAHY, José Muniz Cordeiro370. Da Higiene Militar do Brasil. Rio de Janeiro: Typographia
Universal de Laemmert, s/d, cf.p.81.
371
TEIXEIRA, op.cit., cf.p.626-627.

134
clima cálido de sua terra pelo frio intenso de São Francisco e,
provavelmente também, pela mudança de alimentação, quase
exclusiva de carne muito gorda com a qual não estavam habituados. A
disenteria, flagelo dos exércitos em campanha, grassava intensamente
e fazia inúmeras vítimas.372

Contudo, não era apenas a origem de soldados e praças que importava. A


alimentação e as condições vividas por eles também influenciavam para que houvesse
uma ampla quantia de enfermos. A carne, utilizada como alimento principal, muitas
vezes tinha sua qualidade inferior – chegando muitas vezes a serem servidas em
processo de deterioração – o que causava inúmeros problemas gástricos para a tropa. A
qualidade duvidosa deste alimento é atestada por Benjamin Constant Botelho de
Magalhães, oficial que fora convocado em 25 de agosto de 1866 e ao qual já nos
373
referimos. Em carta para sua esposa em 1º de novembro daquele ano, solicita que
umas peças de roupa lhe fossem enviadas e aproveita o ensejo dizendo: “Manda-me se
for possível dois vidros com pimentas a ver se levo melhor esta morrinhenta carne que
por aqui se come”.374 No acampamento de Coxim, no território de Mato grosso, Taunay,
em seu relatório tratando do ano de 1866, anexo ao Relatório do Ministério da Guerra
de 1867, também trata dos problemas relativos à alimentação da tropa. Da mesma forma
como visto no texto de Mitchell, Taunay identifica a carne como o principal – e muitas
vezes o único – alimento a ser servido.375 Tentando reverter esta situação, os médicos do
Corpo de Saúde recomendavam certas medidas, tendo sido estas apresentadas ao Barão
de Porto Alegre. Dentre elas, vestir e calçar o exército; alimentação de modo que a
carne não seja o alimento principal; hospitais providos de material necessário para o
tratamento de doentes; e, finalmente, a desinfecção dos acampamentos – sendo este
último já tratado anteriormente em nosso texto. Tais medidas foram tomadas, mas não
duraram muito tempo.376 Isto está relacionado com o fato de que a falta de higiene no
século XVII foi responsável por um número de mortos superior àquele oriundo dos
campos de combate e teatros de operações, mas o quadro tenderia a começar a
apresentar melhoramentos no campo da saúde dos militares a partir do XVIII. 377 Ainda
que medidas higiênicas fossem tomadas, como no caso da ação do Barão de Porto
Alegre, e a preocupação com aquela no meio militar fosse pré-requisito para a entrada
372
CERQUEIRA apud TEIXEIRA, p.652.
373
LEMOS, op.cit., cf.p.11.
374
Ibidem, p.58.
375
SOUZA, op.cit., cf.p65.
376
MITCHELL, 1968, cf.p.791.
377
CORVISIER, op.cit., cf.p.109.

135
no Corpo de Médicos do Serviço de Saúde,378 as epidemias se fizeram presentes tanto
nas tropas aliadas quanto nas linhas inimigas.
A varíola era uma destas enfermidades que se encontrava de forma
epidêmica e recorrente. Em 1865, um dos médicos militares da Província do Rio Grande
do Sul e também chefe do Serviço de Saúde do 2º Corpo de Exército, o dr. Sérgio
Ferreira, solicita ao Ministro da Guerra o envio de “lâminas com pus vacínico” para
prevenir uma epidemia. Como apenas a vacina não seria suficiente para o controle da
doença, solicita que o Delegado do Cirurgião-mor do Exército, o doutor Souza Fontes,
não permitisse o embarque de praças que estivessem infectadas ou ameaçadas de
febres. 379
No final daquele ano, um acontecimento chamaria a atenção dos facultativos
militares nacionais: a suspeita de epidemia entre os doentes paraguaios. Havia um
índice maior de vítimas fatais por doença daquele país do que em relação aos brasileiros
e argentinos hospitalizados nas mesmas instalações que os primeiros. O Cirurgião-mor
interino do Hospital de São Borja à época, dr. Jonathas Abott Filho, reuniu seus colegas
de forma a averiguar o que ocorria. Concluíram, então, que não havia uma epidemia,
havendo dois grupos de moléstias reinantes. Estas eram diferentes em suas
manifestações, mas quase sempre terminando com os mesmos resultados: febre tífica
eruptiva. Se atitudes não fossem tomadas, as moléstias poderiam tomar proporções
epidêmicas. Para isso, então, medidas higiênicas deveriam ser tomadas, principalmente
quanto ao estado de agitação, as “condições atmosféricas desfavoráveis”, alimentação,
etc. Os hábitos dos paraguaios explicariam a maior suscetibilidade às moléstias e,
também, contribuiriam para a disseminação das mesmas. Eles não se aclimatavam e não
se adaptavam à alimentação que era servida, por ser diferente daquela de sua origem.
Alguns aspectos culturais do inimigo também poderiam ser vistos como responsáveis
pela disseminação deste tipo de enfermidade. Um deles seria o hábito de enterrar seus
mortos no interior das casas em que habitavam. Este tipo de prática era suficiente para
produzir alterações em seus sangues, em função das condições atmosféricas viciadas

378
O Programa para Admissão de Facultativos no Corpo de Saúde do Exército determinava em seu
artigo 3º que “o concurso versará sobre as seguintes matérias:
1º - Clínica médica e cirúrgica, escrevendo cada um dos candidatos a história, diagnóstico, terapêutica e
prognósticos da enfermidade que observar no doente, que Pelo Presidente da Comissão lhe for designado;
2º - Medicina operatória, devendo os candidatos praticar no cadáver as operações que lhe saírem por
sorte;
3º - Considerações sobre higiene militar e sobre o sistema de ambulâncias e hospitais de campanha”.
MITCHELL, 1963, p.136; TEIXEIRA, op.cit., cf.p.630.
379
MITCHELL, 1968, cf.p.784

136
resultantes de tal hábito.380 Assim, temos aqui, a clara defesa do ponto de vista
miasmático nesta conclusão a que chegam os médicos brasileiros. Considerando a ação
dos miasmas no ambiente, bem como as suas consequências para a saúde dos
indivíduos.
No decorrer do conflito, o primeiro caso suspeito de varíola do Exército
brasileiro apareceria em Mato Grosso em 28 de junho, conforme relatório de dezembro
de 1867 do Delegado interino do Cirurgião-mor do Exército daquela província, o Major
Cirurgião-mor de Brigada Francisco Antônio de Azeredo – que também exerceria o
cargo de diretor da Saúde Pública na região. A 14 de julho, as primeiras “febres
eruptivas” já apareciam no Hospital Militar, sendo diagnosticadas no dia seguinte como
varíola. Tal quadro levaria o Major Cirurgião a estabelecer hospitais provisórios
distantes do foco, a cidade de Cuiabá, e a solicitar “o envio de lâminas e tubos capilares
para a inoculação vacínica na profilaxia da varíola”, isto porque havia um número
reduzido de pessoas imunizadas naquela população – calculada em aproximadamente 13
mil habitantes. A linfa vacínica que fora pedida pelo doutor Francisco Antônio de
Azeredo seria enviada, mas acabaria demonstrando-se inútil já que “tratava-se de vacina
pouco ativa”. Por fim, a utilização de linfa humana apresentou melhores resultados na
inoculação.381
Sobre a origem do surto, a epidemia teria se disseminado em função do
“combate do Alegre”, conforme o relatório oficial do primeiro cirurgião chefe do
Hospital de Sangue da Expedição ao Baixo Paraguai, o Capitão 1º Cirurgião João
Tomás de Carvalhal. Este combate apresentou uma junção desordenada de forças, não
sendo possível, assim, o isolamento dos variolosos. Outro ponto relacionado como
possível ponto disseminador foi o número de desertores que se espalharam pela
província e contribuíram com a propagação da doença. O fim da epidemia seria
comunicado pelo presidente Couto de Magalhães, no ofício nº 109 para o Ministério da
Guerra.382
Contudo, a população civil seria atingida no final do mês de julho, sendo
sua primeira vítima fatal registrada em 23 daquele mês. Rapidamente se propagou e
provocou grande número de mortos, levando à construção de mais um cemitério na

380
Ibidem, cf.p.794-795.
381
SOUZA, op.cit., cf.p.107-109.
Estes números de Mitchell nos levam a supor que esta pequena parcela que fora imunizada diz respeito à
vacinação realizada na região em 1865 a pedido do chefe do Serviço de Saúde do 2º Corpo de Exército, o
médico militar José Sérgio Ferreira.
382
SOUZA, op.cit., cf.p.109.

137
cidade de Cuiabá em função do grande número de óbitos – chegando a registrar mais de
100 por dia, conforme o doutor Francisco Azeredo. A epidemia havia diminuído de
intensidade, mas o referido facultativo ainda buscava linfas 383 para a inoculação de parte
da população civil na Corte, em Minas Gerais e em São Paulo. Nestas regiões, não
obteve sucesso. Foi então que o Segundo Cirurgião da Armada, o doutor Augusto
Novis, encontrou, em Ponte Alta, algumas lâminas que serviram para passar a
supuração de braço em braço. Desta forma, conseguiu desenvolver certa quantidade de
vacinas – obtidas através de pústulas – e seguiu, junto com outros médicos do corpo de
saúde, para fazendas e freguesias inoculando cerca de quinhentas pessoas. 384
Os regulamentos da época exigiam e previam que era atribuição do primeiro
médico, tanto dos hospitais quanto das enfermarias, a confecção de mapas estatísticos
patológicos.385 De acordo com esta determinação, temos o mapa nosológico do ano de
1867 para o Hospital Militar de Cuiabá e as enfermarias militares dos distritos de
Poconé, Vila Maria e Mato Grosso, que apresentavam o seguinte quadro como
resultado:

I. Varíola (em função do caráter epidêmico);


II. “Febres intermitentes paludosas” e doenças do aparelho
digestivo: entero-colites, diarreias e disenterias;
III. Afecções cutâneas;
IV. Sífilis. 386

Esta relação de enfermidades também teria sido colocada, não da mesma


forma, por um oficial militar em serviço durante a guerra. Acampado na região do

383
“A vacina jenneriana, também conhecida como ‘humanizada’, foi descoberta pelo médico inglês
Edward Jenner no final do século XVIII, a partir de observações sobre a relação entre a varíola e a
imunidade provocada no homem quando em contato com o cow’pox, ou pústula da vaca, doença similar à
varíola desenvolvida pelos bovinos. O produto extraído do cow-pox foi denominado ‘vacina’ e ao ser
inoculado no homem causava erupções semelhantes às da varíola. A vacina jenneriana consistia na
inoculação da ‘linfa’ ou ‘pus variólico’ produzido por estas erupções da pele humana provocadas pelo
cow-pox. Por este motivo, também era chamada vacinação ‘braço a braço’ devido ao método. Este tipo de
vacina, porém, começou a ser questionado quando se percebeu que, além de perder o efeito após algum
tempo, ele poderia estar associado à transmissão de outras doenças, em particular da sífilis”. Instituto
Vacínico do Império. Dicionário Histórico-Biográfico das Ciências da Saúde no Brasil (1832-1930).
Capturado em 06 set. 2002. Online. Disponível na Internet:
http://www.dichistoriasaude.coc.fiocruz.br/iah/pt/pdf/instvacimp.pdf
384
Ibidem, cf.p.109-110.
385
MITCHELL, 1968, cf.p.807.
386
SOUZA, op.cit., cf.p.113.

138
Tuiuti, Paraguai, Benjamin Constant descreve o que se via sobre as enfermidades e as
condições às quais os homens da tropa eram submetidos:

Para cúmulo de infelicidades, o estado sanitário do Exército é mau, e


vai se tornando cada vez pior. Os hospitais regurgitam de doentes e
são já insuficientes para contê-los. Quando baixarem as águas que
com as enchentes dos rios inundam todos estes campos, começarão as
febres intermitentes, tifoides e outras, a sua devastação. As febres
intermitentes já começam a aparecer; mas enquanto não alcançam seu
máximo de intensidade, outras epidemias vão se entretendo com o
nosso Exército. [...] Não podes fazer ideia dos imensos e variados
recursos de que o Paraguai dispõe contra nós. Não falo dos recursos
bélicos, que não são muitos, posto que muito bem aproveitados: falo
dos recursos naturais. Além de ser o território coberto de matos, de
banhados e pântanos imensos, temos as epidemias, as águas péssimas,
o calor excessivo que queima, que asfixia no verão e o frio que gela
no inverno. Não há aqui meio termo. Além disso, reuniram-se aqui
numa íntima aliança contra nós todas as pragas do mundo.387

As chamadas “febres militares” ou “febres intermitentes” são as formas


pelas quais eram designadas as epidemias que assolavam exércitos e populações. Para
Corvisier, se trata de “expressão que traduz bem a impotência da ciência nesse
assunto”.388 As chuvas que castigavam os acampamentos afetavam o estado sanitário da
tropa, o que permitia que estas enfermidades – muitas vezes configurando quadros
maláricos – se tornassem parte do cotidiano de seus homens. As “febres”, na região em
que acampavam as forças seriam responsáveis por uma grande e violenta mortandade.
No entanto, Luiz de Castro Souza atenta para o fato de que as febres não atuavam
isoladamente. Tal número de mortos estava ligado a uma união de fatores que
contribuíam para as más condições da tropa: má alimentação, o que a transformava em
uma reunião de homens mal nutridos; os locais que precisavam atravessar ao longo das
campanhas, como brejos e pântanos que foram bem destacados no texto de Benjamin
Constant; além de, muitas vezes, acabarem dormindo ao relento pela falta de barracas e
instalações adequadas para o acampamento.389
As más condições de alimentação e o estado físico em que se encontravam
os militares configuravam um cenário de risco para a saúde destes. Diante disso, não

387
Benjamin Constant para Evaristo Xavier da Veiga, 26 de janeiro de 1867. LEMOS, op.cit., p.94-95.
388
CORVISIER, op.cit., p.109.
Sobre as febres, foi um médico militar francês, Alphonse Laveran (1845-1922) quem descobriu o
parasito, o hematozoário, quando estava de serviço na Argélia no hospital militar em Constantine a 6 de
novembro de 1880. SOUZA, op.cit., cf.p.69; BENCHIMOL, Jaime L. & SÁ, Magali Romero. (org.).
Adolpho Lutz. Obra Completa, volume II, livro 1. Rio de Janeiro, Ed. Fiocruz, 2005, p.43-244.
389
CAMPOS, op.cit., cf.p.167; SOUZA, op.cit., p.68.

139
tardaria a levar ao aparecimento de avitaminoses como, em nosso caso, o beribéri. 390
Souza aponta que, à época, tratava-se de uma enfermidade desconhecida e que não
havia sido observada e estudada no Brasil. Isto teria deixado os médicos militares
desorientados.391 O primeiro estudo sobre a patologia publicado no Brasil se daria em
1866, através de uma série de trabalhos do doutor José Francisco Silva Lima que eram
publicados na Gazeta Médica da Bahia. O facultativo havia verificado que se tratava de
enfermidade semelhante àquela que afligia populações da Índia e do Japão. No teatro
principal da guerra, bem como na Armada, os sintomas também já eram identificados
pelo Tenente 2º Cirurgião do Exército, doutor Joaquim Mariano de Macedo Soares, e
pelo Tenente 1º Cirurgião, dr. Manoel Joaquim de Saraiva. O beribéri chegou a ser
chamado pelos médicos militares de “intoxicação paludosa” e era desta forma que se
encontrava descrito nos relatórios oficiais. 392
As febres e o beribéri se transformaram em fardos que a tropa carregaria.
Além destas, outra enfermidade, recorrente em guerras, também se faria presente: a
disenteria. Sob esta designação compreendem-se as denominadas “síndromes” de
origens diversas: bactérias, protozoários ou parasitas intestinais. Durante a Guerra do
Paraguai, as disenterias, em certas campanhas, teriam sido um dos fatores mórbidos
predominantes. Isto em função de seus muitos surtos epidêmicos determinarem um
obituário elevado, resultando em cerca de 11,7%. Dentre seus principais fatores,
encontra-se a mudança de hábitos higiênicos durante o combate. 393
Se a disenteria apenas já era responsável por um dos fatores mórbidos mais
significativos, então a epidemia e os surtos de cólera poderiam ser também debatidos
neste contexto.

Na história médica do exército brasileiro, a cólera enche um capítulo


das mais dolorosas recordações. Durante a Guerra do Paraguai, em

390
“O beribéri caracteriza-se por avitaminose provocada pelo deficit de vitamina B1 (tiamina). O nome da
doença tem origem no termo cansado (biri em srilanquês), e seus principais sintomas são os distúrbios
motores do sistema nervoso ou sensitivo, já que a doença pode causar paralisia muscular (beribéri seco)
ou insuficiência cardíaca (beribéri úmido) (Meade, 2003). Diversos casos foram diagnosticados nas
marinhas de todo o mundo, em particular dos países asiáticos, até o início do século XX. Constatava-se
maior ocorrência nas populações habituadas a alimentação à base de arroz branco sem casca, enquanto
nas comunidades habituadas ao arroz integral encontrava-se risco menor”. Ver: ALMEIDA, Sílvia
Capanema P. de. Corpo, saúde e alimentação na Marinha de Guerra brasileira no período pós-abolição,
1890-1910. História, Ciências, Saúde – Manguinhos. Rio de Janeiro, v.19, suplemento, dez. 2012, p.15-
33.
391
SOUZA, op.cit., cf.p.70-71.
392
Ibidem, cf.p.71-72.
393
CAMPOS, Murillo de. Elementos de Higiene Militar. Rio de Janeiro: Paulo, Piongetti & Cia., 1927,
cf.p.235.

140
maio de 1867, surgiu nas tropas que efetuavam a retirada da Laguna,
causando 295 óbitos contra apenas 41 devidos a ferimentos. 394

Pouco antes desta epidemia, houve uma, em 26 de março de 1867, em


Itapirú e em 29 daquele mês em Corrientes, de onde se propagou às tropas em operações
e aos países do Prata. A cólera surge e se alastra pelas tropas em 26 de março de 1867,
explodindo em Itapirú e em 29 em Corrientes, propagando-se rapidamente a hospitais e,
em seguida, às posições aliadas. Seu alcance de destruição se fez em 10 dias, tendo
causado a morte de 1/3 da força do 2º Corpo de Exército. De acordo com Murillo de
Campos, “O 2º Corpo do Exército, acampado em Curuzú, foi o que maiores perdas
sofreu, cerca de 80 a 100 óbitos por dia”. 395 As perdas não se limitaram apenas à tropa,
já que também se deram no Corpo de oficiais. O Corpo de Saúde contabilizava, naquele
Corpo de Exército, vinte e dois médicos, nove acadêmicos de medicina (comissionados
como cirurgiões) e oito farmacêuticos. 396 No resto da campanha, a cólera apresentou um
caráter endoepidêmico entre 1867-1868 com taxas de 44 a 65,8% de mortalidade. 397
A epidemia de cólera também se faria presente no episódio que ficou
conhecido como A Retirada de Laguna. 398 A ausência do serviço regular de
abastecimentos persistia como um problema para as forças que marchavam em direção
ao Paraguai, uma vez que os elementos de apoio logístico não existiam. 399 O Corpo de
Saúde que compunha a Força Expedicionária do Mato Grosso era composto de quinze
médicos. Destes, doze eram provenientes da corte, dois vieram com as tropas de Minas
Gerais e um da guarnição Goiás. Após dois anos de marcha, só restariam dois médicos
responsáveis pela saúde dos expedicionários: Capitães Cirurgiões Cândido Manoel de
Oliveira Quintana e Manoel de Aragão Gesteira. Ao longo do trajeto, vários oficiais

394
Ibidem, p.236.
395
CAMPOS, op.cit., p.236.
396
LIBERALLI, op.citi., cf.p.118.
397
Ibidem, cf.p.236-237; TEIXEIRA, op.cit., cf.p.680.
398
A Retirada de Laguna foi o resultado de uma investida em território paraguaio que não representou
êxito para o Exército brasileiro. Sua origem se dá após o ataque paraguaio ao território nacional, quando
uma Coluna Expedicionária de voluntários, totalizando 2.500 homens foi organizada em São Paulo e Rio
de Janeiro no dia 10 d abril de 1865, concentrando-se em Uberaba, Minas Gerais, partindo em 18 de julho
sob o comando do Coronel Manoel Pedro Drago e com o objetivo de expulsar os invasores do território
ocupado no sul do Mato Grosso e marchar em direção às terras paraguaias, percorrendo diversas regiões
até chegar ao seu destino. Antes da ofensiva aos paraguaios, os homens já haviam passado pelos ataques
da varíola e sentiam a carência da alimentação. Ao penetrar em território paraguaio e, abril de 1867, tendo
partido, em 25 de fevereiro, da vila de Nioac (ou Nioaque), em Mato Grosso do Sul, passaram para a
fazenda de Laguna – propriedade de López – para obter mantimentos. Encontrando dificuldades na
região, além de pouca munição e atacados pela cavalaria paraguaia, se deu a retirada do local. FROTA,
op.cit., cf.p.376-377; ELLIS, Myrian (et al.) O Brasil Monárquico: Declínio e queda do império. Rio de
Janeiro: Bertrand Brasil, 2004 (História Geral da Civilização Brasileira, Tomo 2, V.6), cf.p.353.
399
SOUZA, op.cit., cf.p.78.

141
médicos adoeceram e, assim, foram recebendo suas baixas ou outras designações. 400
Quanto aos acampamentos, estes eram insalubres e sob condições precárias de higiene
individual e geral. Desta forma, os expedicionários “dormiam ao relento, sem barracas e
em terreno úmido”,401 condição que, como vimos, fragilizava ainda mais a saúde
daqueles que compunham a tropa.
O Capitão 1º Cirurgião Cândido Manoel de Oliveira Quintana, relatou as
ocorrências médico-cirúrgicas que se deram durante o episódio em questão. Estas foram
oficialmente apresentadas em 15 de julho de 1867. No referido documento, o cirurgião
trata do aparecimento de epidemia de cólera-morbus e das condições inadequadas nas
quais se achavam: a falta de víveres, barracas e roupa suficiente para o inverno. 402 As
chuvas constantes transformavam a região em um alagadiço e a carência de alimentos
levou ao consumo de rações deterioradas, gerando intoxicações alimentares, agravadas
pela fadiga daqueles que compunham a força que tentara penetrar em solo paraguaio. 403
Em razão disto, tal quadro concorreria para o agravamento da situação da saúde da
tropa.
O transporte e a acomodação dos doentes nos dão a dimensão de como,
naquele momento, o serviço de saúde se encontrava desestruturado para situações de
combate. Os carros para transporte de feridos se demonstravam pequenos, levando a
uma maior proximidade entre os doentes, o que aumentava os riscos e,
consequentemente, a taxa de mortalidade. Estes mesmos, ao longo do percurso, haviam
sido queimados por necessidade e os doentes agora eram carregados por soldados
debilitados, enfraquecidos e que muitas vezes os deixavam pelo caminho. De acordo
com o documento do médico militar, a epidemia acabara apenas em 3 de junho de 1867,
com a morte do último doente grave de cólera. 404
Luiz de Castro Souza lança dúvida quanto à epidemia de cólera, se havia
mesmo o surto da doença ou se os males sofridos pelos soldados eram fruto de
gastroenterites resultantes da alimentação inadequada – como o episódio de “ataque” a
um boi fatigado em que os homens comeram sua carne mal assada ou mal cozida. 405

400
Ibidem, cf.p.81.
401
Ibidem, p.86.
402
Ibidem, cf.p.85.
Ainda sobre a precariedades do Serviço de Saúde do Exército, Castro afirma que “Faltava aos serviços
médicos do Exército quase tudo (...), enfrentando obstáculos de toda natureza, atuando em terrenos
pantanosos, insalubres e acampando em zonas malarígenas...”. SOUZA apud LIBERALLI, p.117.
403
FROTA, op.cit., cf.p.377.
404
SOUZA, op.cit., cf.p.86-87.
405
Ibidem, cf.p.88-89.

142
Castro demonstra que a dúvida de tal diagnóstico da cólera na Coluna Expedicionária de
Mato Grosso já havia sido colocada pelo doutor José Pereira Rego em seu Relatório da
Junta de Higiene Pública, a 26 de março de 1868. Uma das questões levantadas pelo
médico diz respeito ao surgimento da doença, já que nenhum dos homens teve contato
com outros ou com objetos provenientes de regiões atacadas pela doença. Porém, em
função dos relatos a respeito dos sintomas, o médico José Pereira Rego concluiu que
realmente houve a manifestação da doença. A transmissão da mesma teria se dado pela
“atmosfera infectada do Paraguai”, pois o “elemento gerador da moléstia” era levado a
diferentes pontos do país pelas comunicações fluviais – já que a cólera havia se
propagado no exército brasileiro e na República Argentina – ou terrestres. Além disso, o
estado de saúde em que os expedicionários se encontravam também facilitaria o
processo de propagação da doença.406
A disseminação da enfermidade, então, seria de “responsabilidade dos
reforços enviados por López, pois, na frente principal da guerra, no Paraguai, o mal
havia devastado os combatentes”.407 No entanto, Luiz de Castro Souza atenta para o fato
de que a epidemia se deu nas forças nacionais entre os meses de março e maio de 1867 e
só depois atingiu os combatentes paraguaios. Baseando-se em vários artigos publicados
que discutiam a respeito da existência ou não da epidemia de cólera naquela região, o
autor conclui que não houve epidemia de cólera, mas intoxicação alimentar e
gastroenterites.408 Além disso, observa que à época não se tinha conhecimento do
vibrião colérico, pois este só seria descoberto em 1883 por Koch, quando o cientista
encontrou um bacilo em forma de vírgula e o denominou vibrião colérico. 409 Assim, os
médicos militares e civis que socorreram os doentes não poderiam assegurar que se
tratava realmente de uma epidemia de cólera.
Cabe ressaltar que as diarreias e disenterias já predominavam dentre as
enfermidades apresentadas pela tropa. Segundo dados do Hospital de Marinha, em
Buenos Aires, no ano anterior à epidemia de cólera. 410 No entanto, não eram apenas
estas enfermidades gastrointestinais que assolavam a saúde da tropa. As péssimas
condições sanitárias favoreciam ainda o surgimento de febres palustres, malária – que

406
Ibidem, cf.p.88.
407
Ibidem, p.89.
408
Ibidem, cf.p.89-93.
409
Ibidem, cf.p.92.
410
TEIXEIRA, op.cit., cf.p.668.

143
era tratada com o uso da quinina pelos médicos militares – e o beribéri, que também
vitimavam oficiais e soldados.411
Em 1870, tendo terminado o confronto, todos os doentes e feridos já haviam
sido evacuados por via marítima com destino a cada um dos seguintes locais: Capital do
Império, Província de Mato Grosso e Província do Rio Grande do Sul. 412

2.1.2. A experiência do “Cuerpo de Sanidad” do Exército argentino413

Em 1864, um ano antes da entrada da Argentina na guerra, o seu Corpo


Médico Militar teria a seguinte hierarquia:

 Cirurgião-mor, patente de coronel;


 Cirurgião Principal, tenente coronel;
 Cirurgião do Exército, sargento maior;
 Cirurgião de Corpo (ou de Regimento), capitão;
 Praticante superior, ajudante superior;
 Farmacêutico (boticário principal), ajudante superior;
 Praticante inferior (farmacêutico), tenente;
 Flebotomista, tenente.414

Por conseguinte, seu Serviço de Saúde do Exército estava assim organizado:

 Na capital (Buenos Aires): 1 Cirurgião-mor e 1 cirurgião principal;


 Em cada uma das fronteiras (Norte, Sul, Oeste e Costa Sul): Um
cirurgião cada, totalizando 4;
 Na Patagônia, Bahía Blanca, Melincué e Martin García: um
cirurgião em cada uma das localidades, totalizando 4;

411
Ibidem, cf.p.680-682.
412
Ibidem, cf.p.703.
413
Utilizamos o termo Cuerpo de Sanidad entre aspas porque o mesmo, com a estrutura sobre a qual
trabalharemos, ainda não havia se constituído oficialmente à época da contenda.
414
CASAIS, Norberto Jorge. Organización y Funcionamiento de La Sanidad Militar Argentina en La
Guerra Del Paraguay. Buenos Aires: Archivo General del Ejército Argentino, 2003, cf.p.32-33.

144
 Regimentos de Cavalaria de nº 1, 2, 4, 7 e batalhão de linha nº6:
um cirurgião por unidade, totalizando 5.

O montante acima, então, resulta em quinze cirurgiões à serviço do exército


naquele momento.
Com a declaração de guerra à Argentina pelo Congresso paraguaio em 17 de
março de 1865 e a ocupação de Corrientes pelas forças paraguaias em abril, este país
não poderia mais manter uma posição neutra diante do conflito. Firmado o Tratado de
Tríplice Aliança entre Argentina, Brasil e Uruguai, era dado o início do confronto para o
exército argentino. Dessa forma, para os cuidados de suas tropas que entrariam no
combate, o presidente e General em Chefe do Exército, General Bartolomé Mitre,
organizou o “Corpo Médico de Campanha”, a partir do Decreto de 9 de maio de 1865,
tendo a composição que se segue:

 1 cirurgião-mor, patente de Coronel e Chefe do Corpo Médico de


Campanha, doutor Hilario de Almeyra;
 2 cirurgiões principais, patente de Tenente-Coronel, doutores
Manuel Biedma e Joaquín Díaz de Bedoya;
 4 cirurgiões de exército, patente de sargento (suboficial) superior;
 16 cirurgiões de corpo ou de regimento, patente de capitão;
 20 praticantes (de medicina) superiores, grau de ajudante;
 1 boticário principal, patente de praticante superior;
 16 farmacêuticos e flebotomistas415, patente de tenente.416

Os cirurgiões mor e principal permaneceriam adscritos à Inspeção Geral de


Armas, em Buenos Aires. Os cirurgiões inferiores e o farmacêutico seriam distribuídos
pelos comandos militares. 417
Pelo presente documento, o pessoal de saúde passava a ter status militar,
com suas obrigações e prerrogativas. Nesta época, os membros do Corpo de Médicos
415
Profissionais responsáveis pela realização de sangrias em feridos e enfermos.
416
BURONI, José Raúl. Sanidad Militar: Principios taticos y Operacionales. Su Historia. Buenos
Aires: Fundación Soldados, Fundasol, 2011, cf.p.83; COMANDO EN JEFE DEL EJÉRCITO. Reseña
Historica y Organica del Ejército Argentino. Buenos Aires: Circulo Militar, 1972, 3 tomos, Tomo II:
Septiembre-Octobre 1971, cf.p.128; MARCO, Miguel A. de. “La Organización de la Sanidad Militar en
la Guerra con el Paraguay”, Tercer Congreso Nacional de Historia de la Medicina Argentina, Rosario,
19-21 de outubro de 1972, p.82-85.
417
CASAIS, op.cit., cf.p.32-33.

145
eram regidos pelas ordenanças do período e, também, pelo Regulamento de 22 de
setembro de 1814,418 ou Registro Nacional N.712 – Creación de un Cuerpo Médico
Militar, que efetivamente regulamentava e organizava o Cuerpo de Sanidad. Aquele de
1814 sofreria alterações a partir do Decreto de Organización Del Cuerpo Médico Del
Ejército de 5 de agosto de 1826 e, finalmente, com o editado em 1865. No entanto, há
um ponto que nos chama atenção no decreto de 1826. Como vimos no capítulo anterior,
este trata basicamente das obrigações dos médicos e cirurgiões quanto aos seus
instrumentos, suas ferramentas para o trabalho. Diferente do que ocorria no Brasil, em
que os mesmos eram fornecidos pelo governo imperial, no caso argentino estes eram de
inteira responsabilidade dos facultativos. Este ponto fica claro em seu Artigo 1°:

Todos los cirujanos, ayudantes ó practicantes que sirvan


en el ejército y marina, ó en cualquier otro destino dotado á expensas
del erario público, deberán tener de su propiedad los instrumentos
correspondientes al desempeño de sus respectivas clases.419

Se os profissionais não o possuíssem, o Estado providenciaria o


adiantamento de seus soldos na quantia equivalente para a aquisição dos instrumentos,
conforme seu artigo 2°. Como as demais modificações no regulamento de 1826, bem
como no de 1865, não alteravam este artigo, entendemos que no decorrer do conflito
aquela determinação ainda se encontrava em vigor.
Os instrumentos não constituíam a única dificuldade dos médicos e
cirurgiões que serviriam ao Exército e à Armada. Coronel Beverina, historiador militar
da Guerra do Paraguai, defende a existência de uma falta de previsão da República para
o tamanho do conflito.420 Neste aspecto, o conhecimento científico também apresentava
um cenário repleto de obstáculos. A respeito de conhecimentos técnicos de higiene
militar em campanha, Buroni assim os descreve:

Dado que a dois meses de começada a guerra se carecia de


conhecimentos e bibliografia a respeito dos aspectos técnicos e
organizativos da higiene militar, o general Mitre fez um
requerimento ao doutor Guillermo Rawson, nesse momento

418
BURONI, op.cit., cf.p.83; CASAIS, op.cit., cf.p.32; COMANDO EN JEFE DEL EJÉRCITO, op.cit.,
cf.p.129; ESTEVES, op.cit., cf.p.134; MARCO, op.cit., cf.p.82.
419
Decreto de Organización del Cuerpo Médico del Ejército, 5 de Agosto de 1826. Fontes: Archivo
General Del Ejército Argentino (AGEA) – Dirección de Sanidad, Caja I, documentos 2 a 4; MALLO,
Pedro. Tratado de Higiene Militar. Buenos Aires: Imprenta Europea, 1883, 2 volumes, Vol.II, p. 311.
Este documento encontra-se em sua integra em anexo neste trabalho.
420
CASAIS, op.cit., cf.p.2.

146
Ministro do Interior, e este o responde a 7 de Julho de 1865:
‘Não tenho entre meus livros nem encontro um tratado de
hospitais militares; lhe mando um de cirurgia naval, pela
analogia que Bedoya [Cirurgião Principal] possa encontrar
relativo à higiene e natureza dos acidentes’. 421

Este tipo de publicação era de suma importância em função da necessidade


de referências para a organização dos hospitais militares e da coordenação para o
atendimento de doentes e feridos em combate.
Agora, no que diz respeito ao conflito com o Paraguai, de acordo com a
Ordem do Dia de 15 de Novembro de 1865, determinava-se que o Exército Argentino,
em campanha, seria organizado em quatro corpos de Exército. Trabalharemos aqui
apenas com os aspectos relativos ao serviço de saúde e não com as demais divisões que
os compunham.
Quando da retirada dos paraguaios de Corrientes, na qual a esquadra do
exército brasileiro atuou de 5 de maio a 12 de outubro de 1865, os aliados se prepararam
para a invasão à Costa de Batel e Mitre, assim, organizara o Exército de Operações e
atribuíra a cada Corpo de Exército um chefe médico. Cada um destes corpos teria, além
de seu chefe médico, um hospital ambulante.
O 1º Corpo, com quatro divisões, teria uma repartição do hospital militar, a
cargo do cirurgião principal, Dom Caupolican Molina. O 2º Corpo, igualmente com
quatro divisões e o Hospital Militar a cargo do cirurgião principal, doutor Dom Joaquín
Díaz de Bedoya, seria criado em seguida.422 Para este Corpo, de acordo com uma
disposição complementar do Chefe do Estado-Maior do Exército (e também Ministro da
Guerra), general Juan Andrés Gelly y Obes 423, a 7 de dezembro de 1865, apresentando
sua estrutura da seguinte forma:

a) Serviço de hospital central do corpo: voltado para aqueles


doentes que, em função da gravidade de seus ferimentos ou
enfermidades, não pudessem ser tratados em suas respectivas

421
BURONI, op.cit., p.83-84.
422
CASAIS, op.cit.,cf.p.18-20.
423
FRAGA, Rosendo M. La Política de Defensa Argentina. A través de los Mensajes Presidenciales al
Congreso, 1854-2001. Buenos Aires: Instituto de Historia Militar Argentina, 2002, cf.p.55-56.
No início do confronto, as forças nacionais argentinas contariam com um efetivo de aproximadamente 12
mil homens distribuídos pelos dois Corpos de Exército. AZEVEDO, Pedro Cordolino F. de Azevedo.
História Militar. S.L.: Departamento de Imprensa Nacional, 1950, 2 Volumes (V.2, História Militar do
Brasil), cf.p.283.

147
unidades/corpos. Seu pessoal seria composto por um médico,
um praticante, um farmacêutico, um flebótomo, um ecônomo 424
e um enfermeiro-mor.
b) Serviço de revista de corpos: formado por um cirurgião para
cada divisão de infantaria, um cirurgião para artilharia e
cavalaria, dois praticantes, dois farmacêuticos e um flebótomo.
c) Serviço de guarda: a ser desempenhado por turno e estava a
cargo de todos os cirurgiões, praticantes, farmacêuticos e
flebótomos. Consistia em acompanhar o comboio do hospital
nas marchas, atendendo aos casos que fossem ocorrendo no
Corpo de Exército ao longo do seu percurso. No acampamento,
prestariam assistência aos casos extraordinários de serviço e,
também, vigiariam as acomodações dos enfermos para as
marchas.425
O 1º Corpo de Exército tinha uma organização similar, mas havia sido
formado para grandes unidades de batalha e estava em funcionamento desde o início da
guerra. Ainda assim, o comandante deste Corpo de Exército, general Wenceslao
Paunero,426 manifestou sua preocupação ao Ministro de Guerra, general Gelly y Obes.
De acordo com o oficial, o número de médicos no hospital ambulante era bem inferior
ao necessário. Isto porque havia, naquele momento, cento e cinquenta feridos para
serem tratados por apenas dois médicos, quando o número ideal deveria ser seis ou oito.
Segundo Buroni, o mesmo não ocorria com o exército brasileiro que tinha “um aceitável
plantel”. 427
Este quadro levou a uma mobilização dos profissionais de saúde do meio
civil. Em 9 de agosto de 1865, um grupo de cidadãos se reuniu em Buenos Aires
visando dar apoio o sistema de saúde do exército argentino, que, como visto, era
precário. Formou-se, então, uma Comissão Sanitária Civil sob a presidência do doutor
Juan José Montes de Oca e constituída pelos doutores Bosch, Cantilo, Fréas, Puentes,
Díaz de Vivar e Peralta. Tendo como modelo aquela que havia se formado nos Estados

424
As fontes não são claras quanto às suas funções, se estariam destinadas apenas ao caráter
administrativo do hospital ou se seria o responsável pela despensa do mesmo.
425
CASAIS, op.cit., cf.p.20-25; Comando en Jefe Del Ejército, op.cit., cf.p.129-130.
426
Wenceslao Paunero, militar argentino nascido na Banda Oriental em 1805, faleceu no Rio de Janeiro,
em 1871, atuando como Ministro da Guerra interino.
427
BURONI, op.cit., cf.p.84.

148
Unidos durante a Guerra de Secessão,428 esta Comissão tinha como função colaborar
com a saúde militar prestando assistência aos feridos, dotação de material, inspeção de
acampamentos, etc. Juntamente com o governo, destinou ao teatro de operações
equipamentos e material cirúrgico e sanitário. Em março de 1866, a mesma enviou um
hospital de campanha completo para Corrientes, além de oito médicos (tendo o doutor
Oca, presidente da Comissão, e seus dois filhos dentre estes), enfermeiros e
farmacêuticos.429 Além destes equipamentos e materiais, a referida Comissão

enviou ao teatro de guerra médicos, ambulâncias, material de


curativos, máquina de fazer gelo, etc., e conseguiu a publicação de um
folheto do doutor Tomás W. Evans relativo ao funcionamento do
serviço de saúde em campanha, que foi muito útil para o corpo
médico.430

Até aquela data, a Comissão havia enviado para o teatro de operações: treze
caixas de material cirúrgico, quarenta e quatro enfermarias ambulantes, mil e
quatrocentas camisas, setenta e sete macas, vinte e três tendas e medicamentos – dentre
os quais sulfato de quinina. 431
A Comissão passou a enviar também, além do que foi descrito acima, um
corpo de profissionais, sendo muitos deles oriundos da Faculdade de Medicina de
Buenos Aires. A condição imposta por este coletivo era a atuação de forma
independente das ordens do cirurgião-mor do Cuerpo de Sanidad Militar. A 31 de
março de 1866, partem oito médicos, quatro praticantes e dois farmacêuticos, que se
incorporam à zona de operações nos primeiros dias de abril. 432 Por fim, a respeito da
origem de seus meios, os recursos da Comissão Sanitária eram, em parte, fruto de ações
de artistas estrangeiros para angariar fundos e os doar às obras de caridade. 433

428
CASAIS, op.cit.m cf.p.58.
429
BURONI, op.cit., cf.p.84-85; ESTEVES, op.cit., cf.p.135-136.
Não foi apenas no Serviço de Saúde que o aumento de efetivos se fez necessário. No período de 1865 a
1866, o exército argentino contratou mercenários combatentes oriundos dos mais diversos países e
regiões do continente europeu, a partir de um contrato com a agência Rufino Varela y Cía. A referida
empresa fez uma primeira proposta de 1.000 homens, sendo o valor de 850 francos cada homem. O
Governo argentino não aceitou a proposta, o que gerou uma nova tentativa por parte de Rufino y Varela.
A segunda proposta apresentou quinhentos homens e a forma de pagamento se daria de forma gradual – e
que não nos importa neste momento. Os alistados, então, deveriam cumprir um período de quatro anos de
serviço, a contar do dia de seu embarque na Europa. Muitos destes “combatentes mercenários” foram
incorporados e seguiram carreira nas fileiras do exército nacional. COMANDO EN JEFE DEL
EJÉRCITO, op.cit., cf.p.109-114.
430
ESTEVES, op.cit., cf.p. 136.
431
CASAIS, op.cit., cf.p.59.
432
Ibidem, cf.p.60.
433
Ibidem, cf.p.66.

149
O 2º corpo era comandado pelo General Mitre e fora estruturado depois,
apenas para operações específicas. 434 Em função disso, o material que o compunha era
improvisado e constituía-se do que fora comprado na região do conflito. Dentre eles
encontravam-se os medicamentos para o tratamento dos doentes das tropas argentinas.
No que diz respeito aos processos para cura utilizados na época, temos a higiene
preventiva, que impediria o contágio por germes oriundos da aglomeração das tropas; a
proteção antipalúdica, aquela feita contra a malária através do uso da quinina; e o
combate à cólera, por meio de isolamento de doentes e da incineração dos cadáveres. 435
A questão dos recursos comprados na região do conflito nos remete aos
abastecimentos do exército argentino. Estes apresentavam problemas semelhantes
àqueles enfrentados pelos brasileiros. Tratava-se de uma logística militar ineficiente, já
que tudo o que era necessário chegava atrasado ou simplesmente não era entregue – isso
vale tanto para armamentos quanto para vestuário e gêneros alimentícios. Quanto aos
medicamentos, eles eram enviados pela Comissão Sanitária Civil, mas “se perdiam” no
caminho e nunca chegavam ao seu destino. O sulfato de quinina servia de tratamento
das “febres intermitentes” e também para a contenção de seu avanço epidêmico. Por
isso, esgotava-se em pouco tempo. Como afirma Casais, tratava-se de um produto caro e
que teve uma “escandalosa” elevação de preço na região em que se concentravam os
Corpos de Exército, sendo necessário recorrer ao Ministério da Guerra, em Buenos
Aires. A Comissão, então, enviou 20.000 onças436 de sulfato de quinina, mas este
montante nunca chegou ao seu destino. Além disso, não havia como recorrer ao corpo
médico brasileiro, já que nele também se dava a escassez do medicamento – o que
levava os facultativos brasileiros a administrarem arsênico no lugar do sulfato para o
combate às febres. 437
Durante o movimento das tropas, não era possível atribuir um cirurgião
militar por cada unidade em função de seu grande número. Sendo assim, o pessoal do
serviço sanitário seguia na retaguarda daquelas, ou seja, era a última companhia, o
chamado “comboio hospitalar”. O transporte de feridos era realizado por carros de
quatro rodas levados por cavalos, no início. Estas carretas de transporte de feridos foram
construídas pela Comissão Sanitária Civil e eram baseadas no modelo utilizado na
Guerra de Secessão. Em função da dificuldade em seu uso – uma vez que a roda fina se

434
COMANDO EN JEFE DEL EJÉRCITO, op.cit., cf.p.130.
435
Ibidem, cf.p.130.
436
Uma onça equivale a 31,1gramas. Logo, 20.000 onças seria o equivalente a 622,07kg.
437
CASAIS, op.cit., cf.p.28.

150
afundava na lama – e da necessidade do uso dos cavalos, foi substituída por carretas
levadas por bois.438 Cada Corpo de Exército contava com seis carros para transporte de
feridos e seis para o transporte do material de saúde. A função de cada um destes carros
era recolher os doentes deixados na beira do caminho e que não necessitavam de
assistência médica imediata. Esta prática não se mostrava eficiente, na medida em que
produzia um grande número de militares considerados enfermos. Então, o comandante
do primeiro corpo, General Paunero, ordenou que à frente da coluna deveria seguir um
cirurgião para determinar o grau da enfermidade e o diagnóstico do “retardatário”.439
Por fim, vale ressaltar que foi durante a Guerra do Paraguai que teve início o uso de
macas de barras transversais e carros de transporte com cobertura de lona. 440
A primeira tentativa de organização prática do corpo médico de saúde
militar se deu no acampamento de Esquina441 com destino a Paso de los Libres – ambos
municípios da província de Corrientes, ao Norte da Argentina e que faz fronteira com o
Paraguai. O corpo de saúde foi perdendo seus membros ao longo da marcha, chegando
ao seu destino, durante a batalha de Yatahy, com apenas dois cirurgiões e dois
farmacêuticos. Este efetivo teve que prestar atendimento a um contingente de
quatrocentos militares entre feridos e enfermos. 442
O conflito descrito acima marcaria o ano de 1865 em função das grandes
perdas impostas aos argentinos. Esta ação produziu uma grande quantidade de feridos, o
que convenceu o general Mitre, presidente à época, quanto à necessidade de “hospitais
estáveis”. Por essa razão, ordenou que o Corpo Médico fosse organizado em quatro
seções: três para atendimentos aos feridos e outra que funcionaria como depósito. Outra
medida a ser tomada foi a instalação de hospitais militares, sendo dois em seguida
instalados. Um destes no ponto de reunião das tropas aliadas para receber os feridos e
doentes graves, localizado em Concordia 443 e que estava a cargo do doutor Angel
Gallardo444. O segundo estava localizado em Esquina. Nos anos seguintes, outros

438
BURONI, op.cit., f.p.85-86; ESTEVES, op.cit.,cf.p.135.
439
BURONI, cf.p.86; CASAIS, op.cit., cf.p.47.
440
COMANDO EN JEFE DEL EJÉRCITO, cf.p.132.
441
Cidade da província de Corrientes, localizada ao sul e às margens do Rio Paraná e próxima ao extremo
norte da província de Entre Ríos.
442
CASAIS, op.cit., cf.p.33-34.
443
Cidade da província de Entre Ríos, às margens do Rio Uruguai e fazendo fronteira com o país de
mesmo nome.
444
BURONI, op.cit., cf.p.86; ESTEVES, op.cit., cf.p.136.

151
hospitais foram sendo criados em outras regiões e o Hospital de Concordia foi
deslocado para Bella Vista.445
Percebendo a carência de seu Cuerpo de Sanidad, o presidente Bartolomé
Mitre escreve para seu vice-presidente, Marcos Paz, solicitando o envio de material
sanitário necessário, oriundo de Buenos Aires, para o hospital de Paso de los Libres. Tal
medida foi tomada porque Mitre temia que o combate em Uruguiana pudesse ser mais
grave que aquele ocorrido em Yatahy. 446
No que diz respeito à organização da estrutura de socorro de doentes e
feridos, os hospitais encontravam-se divididos em: hospital de sangue, que ficava na
retaguarda; hospital de campanha ou hospital de campo; hospitais-ambulâncias, que
eram as colunas de transporte.447 Quanto aos de primeiro tipo, tinham suas instalações
no mesmo formato daqueles utilizados pelas tropas brasileiras: tratava-se de construções
espaçosas que haviam sido abandonadas por seus habitantes e nas quais se
improvisavam instalações hospitalares. 448
Ao longo do confronto, notamos várias epidemias que tiveram como
consequência muitas baixas. A higiene era precária e “não se respeitavam os conceitos
de assepsia e antissepsia, nem a esterilização do instrumental, nem a limpeza dos
locais”.449 Soma-se a isso, a deficiência no saneamento dos campos de batalha, pois, por
questão de devoções, muitos corpos não foram incinerados e prejudicaram, desta forma,
as ações de higiene. 450 Outro fato importante é que o aspecto higiênico dos hospitais
militares e os “ares” destas instalações também eram entendidos como responsáveis
pela propagação de doenças,451 da mesa forma como se dava na concepção dos médicos
militares brasileiros.
A primeira moléstia de caráter epidêmico no exército argentino foi a
disenteria. As condições sob as quais viviam boa parte da tropa contribuíam para a sua
disseminação. Faltavam vestimentas e alimentos adequados, o que fragilizava a saúde
daqueles indivíduos. 452

445
Cidade da província de Corrientes, localizada mais ao norte em relação à Esquina e fica às margens do
Rio Paraná.
446
CASAIS, op.cit., cf.p.34.
447
CASAIS, op.cit., cf.p.34.
448
Ibidem, cf.p.35.
449
BURONI, op.cit., p.86.
450
ESTEVES, op.cit., cf.p.137.
451
CASAIS, op.cit., cf.p.127-128.
452
Ibidem, cf.p.122-127.

152
Sobre as “enfermidades reinantes” na Guerra do Paraguai, assim como
acontecera com os soldados e oficiais brasileiros, a epidemia de cólera de 1867 foi, sem
dúvida, a mais devastadora – ainda que, no caso brasileiro, Luiz de Castro Souza
argumente que não se tratava de uma epidemia de cólera. O trabalho, datado de 1870,
do doutor Lucilo del Castillo, um dos médicos que viveu a disseminação da doença
durante o conflito, a relatou em sua tese Enfermedades Renantes en la Campaña del
Paraguay.453 Segundo o autor, alguns dados apontam para o navio brasileiro Teixeira de
Freitas que trazia duzentos soldados do Rio de Janeiro e vinha infectado com cólera
quando chegou ao porto de Goya, em Corrientes, e disseminou a doença naquela
província. Os primeiros relatos da doença começaram em 4 de abril. A enfermidade
teria chegado ao exército em função da importância que a província de Corrientes tinha
no abastecimento dos meios de subsistência para as tropas. Ao chegar ao teatro de
operações, os primeiros doentes apareceriam nas fileiras em 18 de abril de 1867. Logo a
doença se propagaria, afetando principalmente os enfermos nos hospitais militares, além
de se expandir a outras cidades, infectando hospitais e exércitos aliados. 454 Este quadro
levou o General Juan Andrés Gelly y Obes, a uma ordem geral para todo o corpo de
saúde e chefes de corpos militares do exército, que tomassem as devidas medidas
higiênicas com o propósito de atenuar a influência da doença e sua propagação pelas
tropas.455 Sendo assim, esta ordem resultou em medidas que visavam proibir a
permanência de soldados em pontos pantanosos, brejos e sob forte ação solar;
recreações para os soldados – com o objetivo de “estabelecer um bom moral” – a partir
da suspensão dos exercícios doutrinais e promoção de passeios pelo campo (na região
do acampamento) durante a manhã e a tarde.
A alimentação também representou cuidados, já que não era permitido o
consumo de alimentos frios ou misturados com substâncias que pudessem provocar
indigestão; as bebidas alcoólicas ficavam proibidas; o consumo de mate era visto como
uma “boa medida profilática”, já que era usado para matar a sede e era feito com água
fervida.456 Os horários das refeições também eram controlados, impedindo que se
comesse fora do período determinado. À tropa era proibida a permanência em locais
com correntes de “ares úmidos” ou com “miasmas deletérios”, conforme afirma o

453
Ibidem, cf.p.100.
454
BURONI, op.cit., cf.p.86.
455
Ibidem, cf.p.100-101.
456
ESTEVES, op.cit., cf.p.137-138.

153
doutor Lucilo Del Castillo;457 não beber água fria quando estivessem suando; era
proibido dormir ao ar livre. Seguindo com o mesmo rigor, houve a preocupação com a
limpeza de locais comuns, a ventilação adequada dos ambientes e a construção de
lazaretos a certa distância dos hospitais e aplicados a prática do isolamento e da
incineração dos cadáveres. 458 Contudo, mesmo com todas estas medidas, no que diz
respeito à taxa de mortalidade da epidemia de cólera no exército argentino, Casais
afirma que no 1º Corpo temos 77,10% e no 2º Corpo 81,25%. No exército brasileiro, 67
% e 61% respectivamente.459
Outras doenças que também estiveram presentes no cotidiano dos soldados
foram as febres. Estas eram classificadas como febres intermitentes palúdicas (que se
davam de forma endêmica no teatro de operações e sobre as quais tratamos no item
anterior que diz respeito ao Serviço de Saúde do Exército brasileiro) e febre perniciosa.
O tratamento para elas se dava através do uso de derivados da quina, como o sulfato de
quinina, o sulfato de cinchonina e o arsênico. Além disso, as sangrias também eram
comuns à época.460
Interessante verificar que, como forma profilática, na falta ou escassez do
sulfato de quinina, os chefes dos Corpos eram orientados a pôr os soldados em forma de
marcha com suas armas e equipamentos correspondentes. Em seguida, se efetuariam
exercícios forçados e prolongados até que se desse o cansaço e a fadiga daqueles
indivíduos. Encontrando-se neste estado, eram conduzidos a seus alojamentos para que
repousassem em suas camas e, assim, ocorreria a transpiração com a ajuda de infusões
quentes (como chás, por exemplo). Esta prática configurava uma medicação expectante
e profilática, segundo o doutor Lucilo del Castillo. 461
Com o fim da guerra, o Cuerpo de Sanidad do exército argentino foi
desmembrado e, com suas poucas exceções, alguns médicos ficaram no Hospital Militar
– que teve o doutor Caupolicán Molina como o 1º diretor – ou foram enviados para os
corpos de fronteira. O presidente Sarmiento decretou em 7 de julho de 1873 a
reorganização do Corpo de Médicos das Forças Nacionais. Tal medida foi tomada em
função do levante de López Jordán na província de Entre Ríos a 11 de abril de 1870, o
que obrigou o Poder Executivo Nacional a operar com as forças nacionais naquela

457
CASAIS, op.cit., cf.p.162-163.
458
BURONI, op.cit., cf.p.86; CASAIS, op.cit., cf.p.101-102.
459
CASAIS, op.cit., cf.p.115.
460
BURONI, op.cit., cf.p.112-113; CASAIS, op.cit.,, cf.p.132.
461
CASAIS, op.cit., cf.p.147-148.

154
localidade, na divisa com o Uruguai. Tal acontecimento tornou necessária a
reorganização da saúde sobre a sua base anterior e que deveria acompanhar aquelas
tropas sob o comando de Arredondo.462 Este corpo se encontrava agrupado ao Corpo
Médico do Paraná e ao Corpo Médico do Uruguai e era composto da seguinte maneira:
um cirurgião principal, um cirurgião de corpo, três praticantes superiores, um
farmacêutico e um ajudante de farmácia. Outro corpo, no mesmo formato, é formado
em Corrientes, ao norte de Entre Ríos, com a mesma estrutura. 463 O segundo levante de
López Jordán (1873) fez com que a saúde militar fosse organizada nos seguintes corpos
médicos: Entre Ríos (dividido em dois), Paraná, Uruguai e Corrientes. 464
Era o fim do conflito, mas uma nova etapa para o serviço de saúde do
exército argentino. As experiências resultantes e as suas implicações seriam vistas nas
décadas seguintes com as comissões de compras e estudo no estrangeiro, bem como na
legislação que regulamentaria seu Cuerpo de Sanidad.

2.2. Missões militares e relações diplomáticas: Argentina e Brasil e a busca pela


modernização de seus exércitos

O desenvolvimento e o avanço da saúde militar resultam de fatores


interligados entre si: os progressos da ciência e da tecnologia e as mudanças
ocasionadas pela guerra.465 Dentre aqueles que enquadraríamos no primeiro caso, temos
os que dizem respeito à medicina militar e, no tocante de nossa discussão, a higiene
militar e as áreas das quais ela se ocupa.
O que entendemos aqui como ciência?

... cumpre atribuir provisoriamente à palavra ‘ciência’ o sentido mais


amplo de conjunto de conhecimentos ou o conhecimento descritivo
das condições naturais que sugerem o emprego de meios adaptados,
até as pesquisas fundamentais com a finalidade de pôr em prática
novos meios de ação e de utilização de condições naturais.466

462
Ibidem, cf.p.142.
463
COMANDO EN JEFE DEL EJÉRCITO, op.cit., cf.p.132-133.
464
ESTEVES, op.cit., cf.p.143.
465
BURONI, op.cit., cf.p.15.
466
CORVISIER, op.cit., p.74.
Há uma vasta bibliografia a respeito de história das ciências e sobre a qual não nos deteremos aqui.

155
Há uma vasta bibliografia a respeito de história das ciências, do seu caráter
universal ou daquele da ciência em contexto. Da mesma forma como a discussão entre o
que se entende por aquela que se dá no centro – entendido como oriundo do continente
europeu e dos Estados Unidos em determinado momento – e a outra da periferia – o
restante do mundo. No que diz respeito à historiografia brasileira das ciências,
poderíamos basicamente dividi-la em grupos, sendo um tradicional e outro pós-1980. 467
Outra proposta é apresentada pelos autores Shozo Motoyama, J. Carlos Garcia e J.
Carlos de Oliveira;468 que propõem uma divisão desta historiografia em três fases. 469 De
acordo com esta proposta, uma primeira etapa, que se encontra em meados do século
XIX até 1940. A segunda está compreendida entre o início da década de 1940 até
meados de 1960. A terceira e última seria aquela que se iniciava no momento em que
lançavam seu livro, ou seja, no início da década de 1980. Seguindo a divisão proposta
por eles, o que caracteriza esta primeira corrente é o aspecto comemorativo e ufanista,
além do fato de seus estudos tratarem principalmente de temas relativos às ciências
biológicas e explorações científicas. A segunda corrente já demonstrava um maior rigor
metodológico na construção de seu texto e na análise de seus objetos. Fernando de
Azevedo é apontado como o seu principal expoente. A partir de uma abordagem
cultural, este autor encontra nas raízes de nossa colonização portuguesa, em nossa
matriz cultural, a causa para nosso “atraso científico”.470
Para Silvia Figueirôa, esta historiografia tradicional seria fortemente
marcada por um aspecto que já havia sido alertado por Juan José Saldaña. Trata-se da
insuficiência de um modelo analítico, levando a um mimetismo historiográfico, ou seja,
ao tratar da ciência latino-americana, “produziu-se um estranho discurso histórico, não
isento de paradoxos: compreender a historicidade da ciência geográfica e

467
Este pequeno resumo foi baseado nos textos de: DANTES, Maria Amélia (Org.). “Introdução”. In:
_____. Espaços da ciência no Brasil.1800-1930. Rio de Janeiro: Editora FIOCRUZ, 2001, p. 13-22;
FIGUEIRÔA, Silvia Fernanda de Mendonça. “Mundialização da ciência e respostas locais: sobre a
institucionalização das ciências naturais no Brasil”, Asclepio, vol. L, n.2, 1998, p. 107-123; SALDAÑA,
Juan José. “Ciência e identidade cultural: história da ciência na América Latina”. In: FIGUEIRÔA, Silvia
Fernanda de Mendonça (Org.). Um olhar sobre o passado. Campinas/São Paulo: Editora da
Unicamp/Imprensa Oficial, 2000, p. 11-31.
468
GARCIA, J. Carlos V.; OLIVEIRA, J. Carlos de; MOTOYAMA, Shozo. “O desenvolvimento da
história da ciência no Brasil”. In: FERRI, Mário Guimarães; MOTOYAMA, Shozo (Orgs.). História das
Ciências no Brasil. São Paulo: EDU/EDUSP, 1979/1980, vol.2, p. 382-408.
469
Ibidem, cf. p. 387.
470
AZEVEDO, Fernando de (Org.) “Introdução”. In: _____ As Ciências no Brasil. Rio de Janeiro, Ed.
UFRJ, 2ª Ed., 1994, 2 volumes, p. 13-48.

156
socioculturalmente definida a partir de esquemas universalistas”. 471 O que notamos
como uma grande contribuição desta historiografia pós-1980 é justamente uma nova
perspectiva de análise da ciência nos países latino-americanos pautada nas
especificidades daqueles países que não se encontram no contexto da Revolução
Científica e do ambiente econômico vivido principalmente na Inglaterra dos séculos
XVII e XVIII, bem como em outras partes da Europa, caracterizando o “centro”. Tal
questão nos dá espaço para críticas ao trabalho de Fernando de Azevedo, que se baseia
justamente na questão do referencial europeu para entender o desenvolvimento da
ciência. Por isso, notamos nesta historiografia mais recente, nesta terceira corrente, uma
polarização entre os parâmetros de uma ciência universal – aquela que se faz na Europa
– e os contextos de outras regiões – como no caso da América Latina, tida como “à
margem” destes centros científicos.
Esta “nova” historiografia das ciências se contrapõe às correntes anteriores
na medida em que percebe estas diferenças e sugere um recuo temporal, não se
prendendo à concepção de uma ciência universal e que só se verifica no território latino-
americano com a implantação das universidades já no século XX. Autores como
Figueirôa e Maria Amélia Dantes constroem seus estudos partindo de um recuo
temporal e de uma forte presença do Estado como agente financiador. Além disso, outro
aspecto é levado em consideração: o da ciência aplicada. Quer dizer, a ciência voltada
para as necessidades existentes no cenário nacional e que impulsionam as pesquisas
científicas nos países fora do eixo desenvolvido.
Sendo assim, o debate em torno da ciência não está desvinculado da guerra e
suas motivações, na medida em que, na época moderna, o pensar a respeito da aquisição
do conhecimento científico é considerado como algo indispensável ao homem de
combate. Daí a importância do lugar da ciência na formação dos militares e, no nosso
caso, a necessidade da contratação das missões estrangeiras.
No que diz respeito à guerra, é necessário percebermos do que tratam, em
termos militares, os seus componentes essenciais, aqueles da “arte militar”.
De acordo com André Corvisier, enumeraríamos cinco deles:
1. Preparo de forças e sua concentração;
2. Escolha do lugar e do momento de ataque;
3. Emprego da surpresa;

471
SALDAÑA, J.J., op. cit., p.15.

157
4. Cálculo sumário das consequências;
5. Possibilidade de apelo a aliados, sobre a qual temos a origem da
justificativa de uma diplomacia.472

Vimos em nosso capítulo anterior como os quatro primeiros itens estiveram


relacionados com a organização dos serviços de saúde dos exércitos das nações
beligerantes. O quinto e último aspecto não fora visto ou debatido até aqui. Contudo, é
em torno das questões relativas a ele e a sua relação com a medicina, a higiene militar e
os serviços de saúde dos exércitos da Argentina e do Brasil que nos ocuparemos neste
ponto de nosso trabalho.

2.2.1. As Comissões Militares ao Estrangeiro

Ao trabalharmos com o envio de oficiais para estudo no exterior e a


contratação de missões militares, não podemos nos distanciar da discussão que se dá
quanto ao cenário científico internacional. Isto porque entendemos que este tipo de
relação não está desligada da lógica que se segue quanto às relações do Estado e à
necessidade de modernização de seu aparato de força e de garantia de soberania, o
Exército nacional.
No que diz respeito à discussão das relações entre cientistas e o
desenvolvimento científico, destacamos o trabalho de Patrick Petitjean. Em Ciências,
Impérios, Relações Científicas Franco-brasileiras, o autor ressalta “o papel ocupado
pelo envio de cientistas e estudantes ao estrangeiro para daí trazer a ciência moderna ou,
inversamente, o engajamento de professores, cientistas, especialistas e engenheiros
estrangeiros como vetores dessa transferência”. 473 Este tipo de observação também se
dá, como no caso de nossos estudos, nas missões militares e, antes destas, nas
comissões de compra de material no exterior – tanto no caso brasileiro com Ismael da
Rocha, como no caso argentino com a Comisión de Sanidad Del Ejército Argentino
presidida pelo Cirurgião-mor Alberto Costa.

472
CORVISIER, op.cit., cf.p.41.
473
PETITJEAN, Patrick. “Ciências, Impérios, Relações Científicas Franco-brasileiras”. In:
HAMBURGUER, Amélia Império; DANTES, Maria Amélia M.; PATY, Michael; PETITJEAN, Patrick
(org.) A Ciência nas Relações Brasil-França (1850-1950). São Paulo: Editora da Universidade de São
Paulo; FAPESP, 1996, cf.p.25-26.

158
O que destacamos de importante nestas duas comissões é o contato
estabelecido entre os exércitos de Argentina e Brasil e os exércitos dos países em que as
compras de material foram realizadas. Quando do envio de oficiais médicos – e aqui
também cabe o uso de cientistas militares – ao exterior para “trazer” os princípios da
ciência moderna aos seus países, não devemos esquecer que a mesma lógica se aplica às
missões militares. Tratava-se de adequar os exércitos nacionais a um referencial de
“exército modelo” que deveria ser seguido e a um processo de modernização destes
mesmos Estados. A modernização de seus Exércitos estava vinculada a isto. Como
ressalta Petitjean quando trata do papel do Estado neste processo,

já que a referência ideológica à ciência moderna como o


desenvolvimento efetivo das atividades científicas parece ter um papel
importante, na modernização geral do Estado, na legitimação das
elites, na busca de uma identidade de tal ou qual setor aspirante ao
poder, ou, mais amplamente, na constituição dos movimentos
474
nacionalistas em luta por uma independência .

Estas comissões nos remetem à discussão proposta por Petitjean em relação


ao envio de cientistas e a transferência da ciência – no nosso caso, a medicina militar e o
desenvolvimento científico relativo a ela.
Quanto ao contexto científico, ao longo do século XIX, se passava do
internacionalismo para o nacionalismo científico. Na visão de Petitjean, “Em geral, a
ideia dominante é de que é preciso opor ao internacionalismo científico do XIX o
nacionalismo científico do século XX, sobretudo depois da Primeira Guerra”. 475 Além
disso, a ciência ainda era vista como modelo e base para a organização do mundo, já
que era entendida como uma “língua universal”, favorecendo a boa relação entre os
países.
No entanto, verificamos mudanças no cenário científico e no papel da
ciência (ou o seu lugar) na sociedade que, de acordo com Patrick Petitjean, se
manifestam em três níveis:

1. Mudança da natureza da ciência


 Deixa de ser uma atividade de essência filosófica e de prática
individual para tornar-se, em fins do XIX, uma ciência utilitária,

474
PETITJEAN, op.cit., p.26.
475
Ibidem, p.30.

159
voltada para as necessidades de sua contribuição para o
desenvolvimento econômico, para a melhoria das condições
humanas para a expansão territorial, melhoria de relações de força
contra rivais. Enfim, a ciência sofre então as consequências da
Revolução Industrial.
2. Surgimento de Estado-nação nutrido pelo surgimento do nacionalismo
 Crescimento de um nacionalismo cultural, de um nacionalismo
científico e que vem acompanhado da tomada de consciência do
papel desempenhado pela ciência na disputa de forças entre as
potências rivais.
3. Fim da partilha do mundo como último elemento
 Atividades científicas para a criação de áreas de influência e para
marcar territórios.
 Cultura e ciência como fatores que criam redes de amigos das
quais se espera um “papel de grupo de pressão” no caso de
conflitos no futuro.
 América Latina como “terreno de predileção”.

Ao final do XIX, são criados os organismos deste tipo de difusão, já que a


ciência percebida pelas potencias europeias como um investimento importante para o
desenvolvimento dos seus impérios, para a influência política e econômica e para as
relações de força entre elas. 476 No caso francês, a Alliance Française e o Office National
des Universités et dês Écoles Françaises – tendo este último se originado um pouco
antes da 1ª G.M. e com sigla Onuef. A argumentação para a criação da Onuef gira em
torno do sucesso da Alemanha. O autor comenta ainda sobre a existência dos
organismos científicos internacionais, além das instituições nacionais, e o seu papel de
organização da cooperação internacional a partir de seus grandes projetos. Tais práticas
também são entendidas por Petitjean como “espaços de regularização das
rivalidades”.477

476
PETITJEAN, Patrick. “Ciências, Impérios, Relações Científicas Franco-brasileiras”. In:
HAMBURGUER, Amélia Império; DANTES, Maria Amélia M.; PATY, Michael; PETITJEAN, Patrick
(org.) A Ciência nas Relaçõs Brasil-França (1850-1950). São Paulo: Editora da Universidade de São
Paulo; FAPESP, 1996, cf.p.36-37.
477
PETITJEAN, op.cit., p.30-31.

160
No que diz respeito à Alliance Française, temos o trabalho de Mônica
Lessa.478 Sua perspectiva de trabalho é uma abordagem da influência cultural francesa a
partir da língua, ou melhor, a partir do ensino da língua estrangeira – no caso o francês –
pela Aliança Francesa. Para Mônica Lessa, “Tal conceito permite a constituição do que
chamamos ‘o inventário das contribuições’ – no caso – culturais, assim como o da
‘identificação’ cultural com o outro”.479
Ao tratar especificamente do caso da relação entre Brasil e França, afirma
que o intercâmbio cultural perdeu para a influência cultural em um primeiro momento.
No entanto, a fase de “transferência cultural” foi grande. Lessa parte do pressuposto de
que “qualquer ‘influência’ é reflexo de um jogo de interesses, de um conjunto de ações
orientadas por objetivos e razões de pesquisa e de reflexão”. 480

Dentre os organismos citados anteriormente, outro é o objeto de estudos de


Petitjean no artigo Entre ciência e diplomacia: a organização da influência científica
francesa na América Latina, 1900-1940. 481 Trata-se do Groupement des Universités et
Grandes Écoles de France pour les Relations avec l’Amerique Latine (ou simplesmente
Groupement), fundado por cientistas franceses – e não por iniciativa do Estado – em
1907.
O autor destaca o apelo lançado por este grupo aos cientistas franceses para
que participassem do Groupement. Nele, temos a indicação de que, para seu criadores,
“a irradiação de nossa civilização é um dos elementos mais preciosos da influência
francesa no mundo. Importa propagar nossa cultura e defendê-la contra seus rivais”.482
De acordo com esta lógica de propagadores de influência, o médico Georges Dumas era
tido como o principal “animador”483 do Groupement entre as duas guerras.
Dumas era médico ensinava na Sorbonne e recebia médicos brasileiros em
seu laboratório do Hospital Sainte Anne. Quando veio ao Brasil, ao Rio de Janeiro, em
1908, sua vinda se deu em função de um convite feito por Maurício Medeiros, um dos

478
LESSA, Mônica Leite. “A Aliança Francesa no Brasil: política de influência cultural”, Varia História,
n.13, UFMG, 1994, p.80.
479
Ibid., p.79.
480
Ibid., p.80.
481
PETITJEAN, Patrick. “Entre ciência e diplomacia: a organização da influência científica francesa na
América Latina, 1900-1940”. In: HAMBURGUER, Amélia Império; DANTES, Maria Amélia M.;
PATY, Michael; PETITJEAN, Patrick (org.) A Ciência nas Relações Brasil-França (1850-1950). São
Paulo: Editora da Universidade de São Paulo; FAPESP, 1996, p.89-120.
482
Ibidem, cf.p.91.
483
Ibidem, cf.p.93.

161
médicos brasileiros que havia visitado o laboratório do médico francês. 484 Dumas teria
retornado outras vezes ao país. 485
A crítica feita ao Groupement é a redução da ciência a uma atividade
cultural, que prevaleceu como prática do grupo em suas relações. É claro que há a outra
perspectiva, a de ter colaborado com os institutos Pasteur e com o Muséum,
correspondendo a uma “real atividade científica. No entanto, foi mesmo o caráter
cultural que dominou.”.486
Estes organismos para “relações intelectuais” ou “irradiação intelectual”,
foram criados na virada do XX por países europeus e EUA e tinham duas funções:
1. Organizar os intercâmbios científicos, tirando proveito dos últimos
progressos da ciência, no caso de relações com outras metrópoles;
2. Tecer redes de aliados políticos a partir de uma influência cultural e
política – como no caso do Brasil. 487

Logo após a 1ª G.M., os alemães serão excluídos dessas cooperações


internacionais, em seguida boicotados e a França, consequentemente, terá um
importante papel na retomada da “visão universalista mais tradicional”. A partir da
Sociedade das Nações, a França utiliza seu prestígio intelectual e cultural
desempenhando um “papel motor” para que tanto a Comissão quanto o Instituto
Internacional de Cooperação Intelectual, o primeiro em Genebra e o segundo em Paris,
coloquem um fim ao boicote à Alemanha. 488
Quanto à influência cultural francesa no Brasil e demais países da América
Latina, Petitjean destacas três aspectos da mesma no que diz respeito à atividade
científica:
1. Língua francesa como língua científica: segundo Petitjean, o ensino
científico se dava em francês e 80% dos livros utilizados eram em
francês até o início da 1ª G.M.
2. Referência à latinidade, entendida como uma questão de identidade.

484
Ibidem; FERREIRA, Marieta de Moraes. Os professores franceses e a redescoberta do Brasil. Revista
Brasileira, Rio de Janeiro, ano XI, n. 43, p. 227 - 246, abr./ maio/ jun., 2005.
485
Ibidem; KRÖEFF, Mario Luiz. Imagens do Meu Rio Grande. Rio de Janeiro, S.N., 1971, cf.p.382.
486
PETITJEAN, op.cit., cf.p.117.
487
Ibidem, cf.p.91.
488
PETITJEAN, op.cit., p.32; ; Sá, Magali Romero & Viana, Larissa M. La science médicale entre la
France et le Brésil: stratégies d’échange scientifique dans la période de l entre-deux guerres. Cahiers des
Amériques Latines (Paris), v. 65, p. 65-88, 2010.

162
3. Influência de Comte e do positivismo no último terço do XIX.489

No que diz respeito às relações científicas entre Brasil e França, Petitjean


divide as relações científicas entre Brasil e França em cinco períodos:

1. O tempo dos naturalistas (fim do XVII e primeira metade do XIX);


2. Segunda metade do reinado de dom Pedro II e início da República
(1858, chegada de Liais ao Brasil; e 1907, criação do Groupement na
França);
3. Anos do Groupement e da Academia Brasileira de Ciências (1907-
1934);
4. Missões universitárias a partir da fundação da USP (1934) até a
criação do CNPq;
5. Período contemporâneo (a partir de 1953).490

Esta periodização foi feita com o intuito de relacionar três evoluções: “a


história e a organização das ciências no Brasil, na França e a história das trocas entre os
491
dois países”. Dessa forma, notamos que há um traço comum nestes períodos: a
influência cultural francesa que cresce na primeira metade do XIX e declina após a
1ªG.M.
Nos interessa, particularmente, o segundo período. Não somente pelo nosso
recorte cronológico de trabalho 492 como também pelos pontos apresentados pelo autor.
Assim, o desenvolvimento científico é acompanhado de forte demanda brasileira em
relação à ciência, que é impulsionada pelo Estado “como parte de um programa de
modernização da sociedade”. Se este cenário era característico da fase imperial, na
República segue política semelhante. Por esta razão, houve o envio de

489
Ibidem, cf.p.93.
490
Ibidem, p.34.
491
Ibidem.
492
Nosso recorte está localizado no período de 1888 até 1930. O primeiro em função da criação do
Cuerpo de Sanidad do exército argentino e, em seguida, da viagem de Alberto Costa para a compra de
materiais cirúrgicos em Londres e para visitar organizações sanitárias dos exércitos europeus. O segundo,
o ano de 1930, está relacionado com os movimentos que ocorrem no Brasil e na Argentina e que
acarretam em mudanças na estrutura política, econômica, social e militar destas duas sociedades.

163
missões para Europa para estudar laboratórios e
universidades; tomar contato com os meios científicos,
escolher o que lhes parecia o mais adaptado à situação
brasileira e eventualmente trazer sábios europeus para o
Brasil. 493

Portanto, o século XIX deve ser entendido como um período de


amadurecimento ideológico e com laços intelectuais significativos com a Europa.
Teríamos, por conseguinte, a existência de uma política de expansão científica que nos
leva ao período seguinte, no século XX.
O cenário científico nacional também foi estudado por Maria Amélia M.
Dantes e Amélia Império Hambúrguer. O texto “A ciência, os intercâmbios e a História
da Ciência: Reflexões sobre a atividade científica no Brasil” trata de forma introdutória
o cenário científico nacional entre 1850-1950, além de trazer uma reflexão sobre o
processo de institucionalização da ciência moderna no Brasil relativo ao intercâmbio
técnico-científico entre Brasil e França. 494
Para o desenvolvimento deste trabalho, as autoras partem da análise da
atividade científica no país realizada por Nancy Stepan em seu Gênese e Evolução da
Ciência Brasileira: Oswaldo Cruz e a Política de Investigação Científica e Médica. De
acordo com as autoras, Stepan entende a avaliação de atividade científica de um país em
função da escolha de referências próprios e com significação local, “ainda que essa
atividade e seus produtos estejam inseridos no ‘mundo científico internacional’.” 495.
Considerando-se a história de cada país, os “intercâmbios passam a ser vistos como
concretizações dessas ações, desde que ocorram em correlação, isto é, dentro de
conjunturas favoráveis dos dois lados”. 496
Com a chegada da corte portuguesa em 1808, tivemos a implantação de
instituições científicas – como as escolas profissionais e jardins botânicos – e a presença
de intercâmbios científicos. Apesar de sua forte ligação com a Inglaterra, Portugal
trouxe também suas profundas relações com as instituições científicas e políticas

493
PETIJEAN, op.cit., p.36.
494
DANTES, Maria Amélia M. e HAMBURGUER, Amélia Império. “A ciência, os intercâmbios e a
História da Ciência: Reflexões sobre a atividade científica no Brasil”. In: HAMBURGUER, Amélia
Império; DANTES, Maria Amélia M.; PATY, Michael; PETITJEAN, Patrick (org.) A Ciência nas
Relações Brasil-França (1850-1950). São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo; FAPESP, 1996,
cf.p.15.
495
Ibidem, p.17.
496
Ibidem.

164
francesas. A Academia Real Militar, no Rio de Janeiro, foi criada conforme o modelo
da École Polytechnique de Paris. Esta instituição militar inaugurou o ensino de
engenharia no Brasil. Como as autoras destacam, é importante ilustrar o uso de tratados
científicos no original em francês, ou com tradução portuguesa, dos professores da
referida escola francesa.497
Finalmente, um ponto destacado pelas autoras e que converge com nosso
tema de estudos diz respeito ao cenário da Guerra do Paraguai e suas implicações para o
Estado nacional. Segundo Dante e Hambúrguer,

O término da guerra do Brasil, Argentina e


Uruguai contra o Paraguai, em 1870, contribuiu para
acelerar mudanças políticas e sociais. Nesses anos se
instalou no país um processo de modernização que
valorizava as ciências como instrumento constitutivo.498

As implicações da Guerra do Paraguai e a compreensão de que era


necessário acelerar as mudanças no país serão analisadas, em seguida, a partir do estudo
das comissões enviadas ao estrangeiro e das missões militares contradadas por
Argentina e Brasil.

2.2.1.1. A Organização do “Cuerpo de Sanidad” e a “Comisión de


Sanidad del Ejército Argentino”

As últimas décadas do século XIX representam as iniciativas de


modernização e de estruturação de um serviço que, até aquele momento, não havia
recebido os investimentos necessários, o Cuerpo de Sanidad do Exército argentino ou
Inspeccion General de Sanidad como é citado nas fontes do período.
Em novembro de 1879 era criada a Junta Provisória de Higiene Nacional.
Uma de suas missões era redigir a regulamentação da saúde militar. Fora composta
pelos seguintes civis: Guilherme Rawson, Manuel Araóz, Eduardo Wilde, Juan A.

497
Ibidem, cf. p.18-19.
498
Ibidem, p.20.

165
Golfarini, Juan Kyle e Teófilo Banon.499 Finalmente, em 17 de outubro de 1881, o poder
executivo aprovou o Regulamento do Cuerpo de Sanidad que fora enviado para a
referida junta, tendo sido solicitado e escrito pelo médico militar Eleodoro
Damianovich, que havia servido como praticante na Guerra do Paraguai. Determinava-
se, com este documento, que seus membros fariam parte do Estado-Maior e a hierarquia
dos mesmos não se diferia daquela que vinha sendo aplicada ao Cuerpo de Sanidad
desde o regulamento para a Guerra da Tríplice Aliança. Além destes pontos,
determinava-se também que caberia aos cirurgiões a obrigação de zelar pela saúde do
soldado e, também, informar ao chefe militar o surgimento de enfermidades que
pudessem afetar a saúde da tropa para que, em função disso, fossem tomadas as medidas
para evitá-las. Da mesma forma, quando em campanha, era o responsável pela higiene
do local a ser instalado o acampamento e, também, por verificar a qualidade da água a
ser servida e utilizada no preparo de alimentos. Na ausência de cirurgiões, os praticantes
superiores estavam autorizados a prestar assistência médica com as mesmas obrigações
e atribuições. Por fim, ficava estabelecido que os membros do corpo de saúde
desfrutariam das mesmas prerrogativas e privilégios militares. 500
A partir de 1884 o Exército passa por uma reforma substancial e que
alcançaria também o Corpo Médico Militar. Como consta na publicação oficial do
Ministério de Guerra e Marinha, o Memoria de Guerra y Marina, do ano de 1885, o
Corpo Médico, só existia de maneira embrionária no Exército. Todas as tentativas que
os homens de ciência e governos fizeram para sua organização não obtiveram
resultado.501
Até então, o serviço sanitário do Exército era desempenhado por civis. Na
mesma publicação de Memoria citada acima, informa que:

Hoje quase todos os cirurgiões e farmacêuticos do


Exército, são indivíduos recebidos ou diplomados em nossa Faculdade
ou estrangeiro, cujo título profissional revalidam como controle de sua
competência ante uma comissão examinadora, presidida pelo
cirurgião-mor do Exército e de cujo exame fica arquivada uma ata
como testemunho. O resto do pessoal atual o forma, em geral,
estudantes avançados que coroam sua carreira médica com o honroso
título de cirurgião do Exército. 502

499
ESTEVES, op.cit., cf.p.149.
500
Ibidem, cf.p.136.
501
COMANDO EN JEFE DEL EJÉRCITO, op.cit., cf.p.423.
502
Ibidem, p.424.

166
Em maio de 1884 houve um projeto para a aprovação de uma Escuela de
Medicina y Farmacia Militar agregada ao Hospital Militar da capital, tendo sua criação
sido recomendada novamente por Eleodoro Damianovich nas Memorias de Guerra de
1886 e 1889.503 Contudo, as diversas regulamentações necessárias do Cuerpo de
Sanidad não se constituíram como bases definitivas até fins de 1888, impossibilitando a
criação de uma escola de medicina militar de acordo com os parâmetros legais e
organizacionais do serviço de saúde do exército argentino.504
O regulamento provisório inicial que fora redigido pelo cirurgião-mor dr.
Eleodoro Damianovich e aprovado em 1881, “não era suficiente nem poderia assegurar
um serviço de saúde eficiente, mas sua aplicação facilitou o funcionamento do serviço
de saúde militar”.505 Seria apenas em 18 de outubro de 1888, que o Congresso
sancionaria a Ley Orgánica Del Cuerpo de Sanidad Del Ejército y la Armada, sob nº
2.377, criando os corpos de saúde militar – sendo um do Exército e outro da Armada – e
aprovando para todos seus membros a situação de militar. Até aquele momento, os
médicos eram vistos como militares em função de ordenanças, mas civis pela lei de
orçamento. O seu artigo 4º garantia o gozo do estado militar. 506 A referida lei
organizava o corpo de saúde de acordo com o seguinte quadro:

 1 inspetor geral, assimilado ao posto de general de brigada;


 3 cirurgiões do exército, coronel;
 6 cirurgiões de divisão, tenente coronel;
 12 cirurgiões de brigada, major;
 12 cirurgiões de regimento, capitão;
 12 cirurgiões de corpo, tenente 1º;
 1 farmacêutico de exército, capitão;
 12 farmacêuticos de 1ª classe, tenente 1º;
 18 farmacêuticos de 2ª classe, tenente;

503
Carta ao General do Estado Maior, 22 de julho de 1892. Archivo General de la Nación (AGN), Fondo
General Lorenzo Vintter, Signatura Topográfica (ST) 1160; ver: “Anexos”. Memoria de Guerra y
Marina, 1886. Buenos Aires: Imprenta de Sud América, Tomo I, 1886, cf.p.290-293. Memoria de
Guerra y Marina, 1889. Buenos Aires, 1889, cf.p.111-113.
Trataremos da Escuela de Medicina y Farmacia Militar em ítem posterior deste capítulo.
504
COMANDO EN JEFE DEL EJÉRCITO, op.cit., cf.p.423-424.
505
Ibidem, p.424-425.
506
RODRIGUEZ, (Coronel) Augusto G. Reseña Historica del Ejército Argentino, 1862-1930. Buenos
Aires: Gráficas B.U. Chiesino, 1964, cf.p.98.

167
 1 veterinário inspetor, capitão;
 15 veterinários de regimento, subtenente.

Para ingressar no corpo, o aspirante deveria apresentar seu diploma de


médico ou justificar sua condição de aluno na faculdade de medicina da república – no
caso, certificado de haver cursado o 4º ano de estudo na referida instituição − ou na
Escola de Medicina Militar (quando houvesse), ter 22 anos e ser argentino nato ou
naturalizado.507
Esta organização de 1888 configuraria a base do Cuerpo de Sanidad até
período posterior, inclusive em data recente, ainda que com algumas modificações
desde então. Contudo, por questões orçamentárias, o Executivo só pode regulamentar a
Lei Nº2.377 de Organização do Corpo de Saúde do Exército em 24 de outubro de 1891,
fixando sua estrutura geral e as atribuições das distintas autoridades. É neste momento
que temos o surgimento da Inspección General de Sanidad, estabelecendo que toda a
saúde militar deveria depender da mesma. Este órgão contaria com: um inspetor geral,
dois cirurgiões do exército, um farmacêutico mor, um inspetor de drogas, um
veterinário inspetor, um secretário e pessoal subalterno.508
Em 1892, o regulamento definitivo do Cuerpo de Sanidad foi sancionado e
estava baseado na lei orgânica do mesmo corpo. O primeiro diretor de saúde a ser
designado – sob o nome de Inspetor Geral de Saúde – foi o general de brigada doutor
Damianovich, o chefe do Cuerpo de Sanidad desde 1888, que seria substituído por
Alberto Costa na sua função de Inspetor, em 1897. No ano seguinte, 1893, é aprovado o
Regulamento para o Serviço de Saúde em Campanha, de acordo com o projeto do
cirurgião de divisão Francisco de Veyga. Finalmente, com data de 30 de maio de 1895,
o Poder Executivo aprovou o Regulamento para o Serviço de Saúde em Campanha, 509
projetado pela Comissão técnica nomeada pela Inspección General de Sanidad e que era
composta pelos seguintes membros: Eleodoro Damianovich, Inspetor Geral de Saúde do
Exército; Pedro Mallo, Inspetor Geral de Saúde da Armada; Manuel Biedma, General
de Brigada; Alberto Costa, Cirurgião-mor; José M. Cabezón e Lucio Del Castillo,
cirurgiões de exército; Juan A. Golfarini, ex-cirurgião militar.510

507
COMANDO EN JEFE DEL EJÉRCITO, op.cit., cf.p.425.
508
Ibidem, cf.p.426-427; RODRIGUEZ, op.cit., cf.p.98.
509
Ibidem, cf.p.427.
510
Reglamento para el Servicio de Sanidad en Campaña. Buenos Aires: Imprenta y Litografia de G.
Krapft, 1898, cf.p.10.

168
Neste regulamento há um aspecto particular e que devemos atentar, pois nos
remete às influências de exércitos estrangeiros na conformação dos regulamentos do
exército argentino e seu Cuerpo de Sanidad. Em nota de 1º de novembro de 1894 do
cirurgião de divisão doutor Francisco de Veyga, que foi apresentado à Inspección
General de Sanidad o projeto deste regulamento, o mesmo informa que

Para confeccionar este Regulamento tinha em vista


principalmente o que rege o Exército Francês desde Outubro de 1892,
o que é uma forma sensível do antigo, adicionada de “notícias” e
“modelos”, que fazem dele a obra mais completa de seu gênero. Eu
considerei, ao mesmo tempo, nossos regulamentos e ordenanças
militares, nosso meio de ação, nossos recursos, nossa experiência do
passado e nossa própria natureza atual, a fim de fazer para nós uma
adaptação completa dos princípios que regem o Serviço Sanitário no
estrangeiro e preencher as necessidades que são peculiares a nosso
próprio meio.511

Além das modificações necessárias nos regulamentos para o serviço de


saúde, as experiências vividas pelos médicos durante a Guerra do Paraguai resultaram
em mudanças na organização do curso de medicina na Faculdade de Buenos Aires
diante da ausência de uma Escola de Medicina Militar, como nos moldes daquele que
fora solicitada por Damianovich. A faculdade de ciências médicas teria como objetivo
cooperar com os planos de defesa nacional – isso porque o estado argentino estava
preocupado com um possível conflito com o Chile.512 Em função disso, no ano de 1898,
por determinação do decano, professor Enrique Del Arca, a faculdade de medicina
contemplaria cursos trimestrais envolvendo disciplinas ligadas à medicina militar (como
cirurgia de guerra, higiene militar e naval, cirurgia e primeiros socorros em acidentes de
guerra). As aulas teriam como professores, além dos que compunham o quadro da
universidade, profissionais da área militar. Finalmente, naquele ano, a Escola de
Aplicação da Saúde Militar seria criada. 513
Todo este processo de reestruturação do serviço de saúde do exército
argentino não se deu apenas no aspecto “teórico” de sua organização. Esta instituição, a
partir da década de 1880, passa por um grande processo de reformas que se encontra
relacionado com o novo momento no cenário político argentino sob os auspícios de uma
República Liberal e com Julio A. Roca na presidência. É no final desta década que
temos início o processo de modernização do Cuerpo de Sanidad e a busca pela sua
511
Ibidem, p.3-4.
512
CASAIS, op.cit., cf.p.220.
513
Ibidem, cf.p.220-221; ESTEVES, op.cit., cf.p.150-151.

169
adequação aos parâmetros dos serviços de saúde dos principais exércitos europeus.
Caberia à Comisión de Sanidad estudar e adquirir o que fosse necessário para que isso
fosse possível.

2.2.1.1.1. “Comisión de Sanidad del Ejército Argentino”

O cirurgião-mor Alberto Costa foi nomeado para presidir a Comisión de


Sanidad Del Ejército Argentino, conforme o Decreto de 17 de abril de 1895. Antes
desta comissão, no ano em que era sancionada a Ley Orgánica Del Cuerpo de Sanidad
Del Ejército y la Armada, ou seja, em 1888, o oficial médico foi enviado para efetuar
compra de instrumentos cirúrgicos e utensílios especiais em Londres por ocasião da
construção do Hospital Militar. Naquele momento, o oficial também conheceria a
organização sanitária de outros exércitos europeus.514
Desde 1874 já havia planos para a construção de um Hospital Militar. No
entanto, em função de acontecimentos políticos e problemas no orçamento, a
autorização para tal empreitada só se deu com a Lei Nº 1.401, de 12 de julho de 1884.
Foi criada, então, uma “comissão construtora”, que deveria supervisionar a construção e
que contava com três médicos em sua composição: o cirurgião-mor Eleodoro
Damianovich, do Exército; Pedro Mallo, cirurgião-mor da Armada; e Inocencio Torino,
do Departamento Nacional de Higiene. 515
O governo, através da resolução de 1º de setembro de 1888 criou uma
comissão a cargo do cirurgião Alberto Costa para que adquirisse instrumentos
cirúrgicos e outros utensílios especiais em Londres. A referida comissão, da mesma
forma, deveria tomar conhecimento da organização e condição sanitária dos exércitos
europeus para verificar as possibilidades de sua aplicação na Argentina através do envio
de informes e modelos pelo facultativo, conforme a Resolução de 1º de Setembro de
1888 do presidente argentino Miguel Juárez Celman (1886-1890).516
Em função da escassez do material sanitário nos hospitais de campanha,
Alberto da Costa, ainda como cirurgião, foi enviado mais uma vez à Europa em 1892 −

514
Archivo General Del Ejército Argentino (AGEA), Comisión de Sanidad Del Ejército Argentino
(CSEA), “Comisión de Sanidad Del Ejército Argentino”, cf.p.16.
515
COMANDO EN JEFE DEL EJÉRCITO, op.cit., cf.p.428.
516
Memoria de Guerra y Marina, 1888. Buenos Aires: Imprenta Sud America, Tomo II, 1888,
cf.p.LXXI-LXXII.

170
conforme Decreto de 13 de abril daquele ano. No entanto, em função de problemas no
cenário político argentino, esta missão teve que ser interrompida. Alberto da Costa
retornaria à Europa apenas em 1893 (Resolução de 28 de Fevereiro) para a aquisição de
instrumentos e material necessário para os hospitais de sangue – ou hospitais de
campanha. O médico retornaria ao solo argentino somente em setembro daquele ano,
quando concluiria seus serviços.517
O novo Hospital Militar foi inaugurado em 20 de março de 1889, já de
acordo com as novas exigências higiênico-sanitárias do período atendidas – ainda que a
obra ainda se achasse incompleta, com algumas repartições inacabadas, salas que
constavam apenas no orçamento e outras que não tiveram fundos aprovados pelo
Congresso.518
A Comisión de Sanidad Militar que seguiria para a Europa em 1895 teve
sua primeira iniciativa em 1892, tendo o cirurgião-mor Alberto Costa comissionado
para ir à Europa com o objetivo de sanar a deficiência e escassez de material sanitário.
Nesta, buscava-se material para o Cuerpo Médico Militar, para os hospitais de
campanha e também a aquisição de medicamentos. Todos estes na Europa. No entanto,
a mesma não foi possível em razão do cenário político da época.519 Diferente do que
ocorrera durante a Guerra do Paraguai, o instrumental que acompanhava os médicos
agora era de responsabilidade do Estado e não mais de propriedade pessoal de
facultativos e cirurgiões que serviam nas fileiras do exército argentino.
No ano seguinte, em 1893, Alberto Costa fora comissionado para aquisição
de material que deveria compor os hospitais de sangue, a partir de Resolução de 28 de
fevereiro. Além disso, também representaria a Argentina no XI Congresso Médico
Internacional, na cidade de Roma. Da mesma forma como ocorrera em 1888, o oficial
médico deveria adquirir material sanitário e moderno, além de medicamentos para o
Exército.520
A respeito da Comisión de Sanidad, esta se deu após a produção de uma
documentação pela Inspección General de Sanidad Del Ejército, datada de maio de
1894 e janeiro de 1895 e que demonstrava a “necessidade de adquirir o material

517
COMANDO EN JEFE DEL EJÉRCITO, op.cit., cf.p.429-430.
518
Ibidem, cf.p.430-431.
519
BURONI, Jose Raul y GANCEDO, Alberto Juan. Reseña Historica del Hospital Militar Central.
Buenos Aires: Circulo Militar, 1979, cf.p.61-62.
520
AGEA, CSEA, “Comisión de Sanidad del Ejército Argentino”, cf.p.16.

171
521
sanitário completo de campanha para um Corpo de Exército de trinta mil homens”.
Em documento produzido pelo Departamento de Guerra e destinado ao Ministro
argentino a Grã-Bretanha522 concluía-se que para a organização do referido Cuerpo de
Sanidad, era necessário “todos os elementos para sua instrução e devido
funcionamento”. Outro ponto ressaltado é que os estudos realizados por Alberto Costa,
acerca das deficiências materiais do Cuerpo de Sanidad, resultam que o material
proposto para ser adquirido configura o que há de mais “adiantado” a respeito.523
A Comissão de 1895 seguiria a compra do material que fora exposto na
planilha produzida pela Inspección General de Sanidad Del Ejército em março de
1895.524 Dirigida por Alberto Costa, foi composta por outros oficiais médicos do
exército argentino: cirurgião-mor Eleodoro Damianovich, como secretário; os cirurgiões
do exército doutor José M. Cabezón e, o de Brigada, doutor Enrique Pietranera; o
cirurgião de divisão doutor Francisco de Veyga. 525 Esta Comissão tem sua formação
semelhante àquela que apresentara o Reglamento para El Servicio de Sanidad en
Campaña para o mesmo ano da Comisión de Sanidad del Ejército Argentino. Naquela
ocasião, seus membros – que pudemos identificar no item anterior deste trabalho –
apresentaram um informe à Junta Superior de Guerra, datado em 2 de abril de 1895.
Neste documento, tratavam das modificações que foram necessárias para o regulamento
citado e, também, expuseram suas questões a respeito do caráter deficitário do material
sanitário do exército argentino. Estas se encontram diretamente relacionadas com as
ações que seriam empreendidas pela Comisión em território europeu, conforme o
seguinte trecho do informe:

O capítulo 3º do mesmo Título II [do Reglamento para El


Servicio de Sanidad en Campaña], que trata da Composición y

521
AGEA, CSEA, Departamento de Guerra, Ofício Reservado de E.S. Balsa ao Ministro Plenipotenciário
da República Argentina na Grã-Bretanha, Luis L. Dominguez, Buenos Aires 19 de abril de 1895, cf.p.1-2.
(Tradução nossa).
E.S. Balsa era a forma como Eduardo Aristarco Balsa, Ministro da Guerra do período, assinava seus
documentos.
522
Determinava-se que todos os contratos a serem efetuados pela Comissão se dariam com a intervenção
e aprovação deste Ministro, cuja Legação também se encontrava encarregada de realizar os pagamentos
das compras realizadas. AGEA, CSEA, Departamento de Guerra, Ofício Reservado de E.S. Balsa ao
Ministro Plenipotenciário da República Argentina na Grã-Bretanha, Luis L. Dominguez, Buenos Aires 19
de abril de 1895, cf.p.4-5.
523
AGEA, CSEA, Departamento de Guerra, Ofício Reservado de E.S. Balsa ao Ministro Plenipotenciário
da República Argentina na Grã-Bretanha, Luis L. Dominguez, Buenos Aires 19 de abril de 1895, cf.p.2.
524
O referido documento encontra-se em anexo ao nosso trabalho.
525
AGEA, CSEA, Departamento de Guerra, Ofício Reservado ao Ministro Plenipotenciário da República
Argentina na Grã-Bretanha, Luis L. Dominguez, Buenos Aires, 19 de abril de 1895, cf.p.7-8.

172
constitucion Del material, fica reduzido a três artigos (...); o detalhe
deste material passa a figurar como Apendice porque está sujeito a
modificações frequentes e inesperadas que não podem fazer-se
facilmente no texto de um regulamento. A Comissão solicitou da
Inspección General de Sanidad a opinião caracterizada neste ponto e
aceitou a ordem de descrição e as correções (...) que tem feito, dando-
lhe assim o selo oficial requerido a esta parte do Regulamento, o qual
por si só suficiente para ocupar a atenção deste Junta se ela não
soubesse que a Inspección General do serviço e o Ministério de
Guerra estão a ponto de proceder à aquisição de um material, depois
de haver terminado seu estudo.
A Junta congratula-se, a propósito, que esteja concluído
este assunto referente ao material, pois é algo que preocupa seriamente
o exército e ainda a opinião pública, a falta absoluta de recursos de
cura para um caso infeliz de guerra. A importância que se dá a este
assunto está fundada, principalmente, na dificuldade da improvisação,
pois o material sanitário além da delicadeza de sua confecção, de seu
custo, da morosidade em sua preparação, tem de especial que os
veículos de transporte devem ser feitos com a própria arte e com a
previsão suficiente para que o exército que se mobiliza saiba em que
proporção recarrega seus comboios com estes elementos...526

Quanto à distribuição dos membros da Comisión para aquisição de material


e estudo dos mesmos, Damianovich, Cabezón e Pietranera passariam a residir em Paris
e Francisco de Veyga em Berlim. Pietranera fora encarregado pela inspeção e
recebimento de artigos que se fabricavam na França. Enquanto isso, em Berlim, Veyga
fazia o mesmo, mas com relação aos produtos alemães. Ali, Francisco Veyga “deveria
apresentar-se ao Quartel General do Corpo de Exército da Guarda para poder visitar os
hospitais militares dessa capital [Berlim], de Tempelhof e também de Hamburgo e
Estrasburgo”.527
A 20 de abril de 1895, o Ministro da Guerra enviava as instruções sobre o
que deveria ser feito pelo cirurgião-mor do exército, doutor Alberto Costa, tratando-se,
em grande parte, de instruções administrativas e não de caráter técnico.528 O primeiro
ponto da instrução diz respeito ao material a ser adquirido na Europa, que deveria ser de
melhor qualidade e “dos modelos mais adiantados e preços mais convenientes”. Outro
ponto destacado neste mesmo documento adverte Costa quanto aos estudos que se farão

526
Reglamento para el Servicio de Sanidad en Campaña. Buenos Aires: Imprenta y Litografia de G.
Krapft, 1898,p.12-14.
527
AGEA, CSEA, “Comisión de Sanidad del Ejército Argentino”, cf.p.17.
528
AGEA, Instrucciones á que deberá sujetar sus procederes el Cirujano Mayor del Ejército Dr. D.
Alberto Costa, para el desempeño de suya comisión en Europa, Buenos Aires, 20 de abril de 1895.

173
necessários para o levantamento do material a ser comprado e a divisão das tarefas
dentre os membros da Comissão, já que seriam instruídos por ele a realizar estes
mesmos estudos.
Instalado em Paris, Alberto Costa solicitou autorização para visitar e estudar
o material sanitário do exército francês, além de ter visitado “fábricas e outros
estabelecimentos industriais com o objetivo de começar a aquisição dos materiais
necessários”. Para a aquisição destes, Costa e os demais membros iniciaram o estudo de
diversos modelos a partir da comparação de distintas organizações sanitárias de guerra.
Assim, as legações argentinas de Roma e Berlim intermediaram as solicitações de
estudos de Costa, visando o melhor desempenho de sua missão.529
Em carta de Alberto Costa para Francisco de Veyga, 530 o cirurgião-mor dá
instruções ao cirurgião de divisão. Veyga deveria ir a Essen, à fábrica da Krupp, para
que inspecionasse os kits que foram comprados e que iriam anexos às baterias que eram
fabricadas para o exército argentino. Além disso, deveria estudar as rodas que serviam
para o transporte dos canhões daquele companhia e que poderiam ser adaptadas aos
carros de tendas tortoise utilizados pelos argentinos para a locomoção de feridos e
materiais para atendimento aos mesmos. Concluída esta etapa, deveria dirigir-se a
Berlim e se apresentar ao Quartel General do Corpo de Exército da Guarda para que
pudesse visitar os hospitais militares daquela capital e de Tempelhof, como referido
acima. Deveria procurar também pelo doutor Grasnick, diretor do Instituto Friedrich
Wilhelms – a escola de instrução de oficiais médicos do exército alemão – para visitar
este estabelecimento. Ainda em Berlim, fora instruído a visitar as seguintes casas:
Santenschläger, casa de aparelhos e instrumentos de bacteriologia; Moritz Böhme,
material de curativos; E. Jahnle, instrumentos de cirurgia; W. et Hirschmann,
instrumentos elétricos; Warunbrunn Luelitz et Co., instrumentos de farmácia; C.
Maquet, aparelhos hospitalares, macas, etc.; outras do mesmo tipo a respeito das quais
Veyga tivesse notícias. Há ainda outros pontos, neste documento, que demonstram a
importância dada ao aparato médico militar e higiênico do exército alemão. O quarto
ponto da carta se refere justamente a esta questão:

En el campo de Tempelhof pedirá ud. permiso para


visitar el Depósito de Material Sanitario de Guerra tratando de
obtenga datos exactos (con planos, nomenclaturas, etc., si fuera

529
AGEA, CSEA, “Comisión de Sanidad del Ejército Argentino”, p.16.
530
AGEA, CSEA, Carta de Alberto Costa a Francisco de Veyga, Paris, 5 de agosto de 1895.

174
posible) sobre las dataciones sanitarias de guerra y especialmente
sobre los diversos modelos de carro que usa la sanidad del ejército
alemán. De estos últimos informará ud. á la mayor brevedad
posible. 531

Ao sair de Berlim e se direcionar para Dresden, Veyga também deveria


visitar o hospital militar, o depósito sanitário e os quartéis que houvesse naquela cidade,
devendo comunicar a mesma com antecedência à Direção de Saúde Militar (Königliche
Sanitäts-Directum) do exército alemão. O mesmo seria feito em Estrasburgo, ao deixar
Dresden, visitando o XV Corpo de Exército e sua respectiva instalação hospitalar.532
Além de aparelhos, da preocupação com instalações hospitalares e modelos
de depósitos sanitários, medicamentos também foram comprados no exterior. Costa
trata dos detalhes do envio destes, comprados na fábrica de Joh Diedr Bieber
Uhlenhorst de Hamburgo.533 O presidente da Comisión também solicita a Veyga que, ao
visitar a fábrica para a retirada e embalo dos medicamentos, verificasse a existência de
algo que fosse útil para o Cuerpo de Sanidad – ou “nuestra instituición”, como este se
referira.
Durante o período da referida comissão, entre 1895 e 1896, vários acordos e
contratos de compra foram feitos entre o Cuerpo de Sanidad do exército argentino e
casas francesas de material médico e sanitário. Em 1895 houve o contrato com a casa
Froger et Gasselin, de Saint Rémy, para a compra de 30.000 kits individuais para
tratamento de ferimentos. Em 1896, houve compra de instrumentos de cirurgia da casa
Raoul Mathieu e de quatro estufas de Geneste Herscher & Cia.,534 além de contratos
firmados com H. Massmann acerca do fornecimento de material desinfetante, como o
bicloreto de mercúrio. Naquele mesmo ano também se adquiria equipamento oriundo da
Inglaterra, em negociação realizada pelo doutor Veyga. Tratava-se de material sanitário,
tendas Tortoise, tendas completas com função de latrinas, carros destinados às tendas e
dez mesas cirúrgicas para as mesmas. Outros contratos se deram entre o Cuerpo de
Sanidad e casas de material médico, mas trataremos dos mesmos a seguir.
Não haveria apenas compra deste tipo de material, mas também a aquisição
de carros médicos de regimento, de cirurgia e de transporte de feridos, conforme

531
Ibidem.
532
Ibidem
533
AGEA, CSEA, Carta de Alberto Costa a Francisco de Veyga, Paris, 20 de setembro de 1895.
534
Utilizada para a desinfecção de roupas em geral (roupas de cama e uniformes, por exemplo), este tipo
de estufa também foi amplamente utilizado pelo Exército brasileiro, conforme indicado nos trabalhos de
Arthur Lobo, Gilberto de Medeiros Mitchell, Ezequiel Antunes, Murillo de Campos e os Almanaques do
Ministério da Guerra.

175
solicitado pelo Ministro da Guerra, Luis Maria Campos em 30 de janeiro de 1896. O
prazo dado para compra e chegada do material em território argentino era de seis meses.
Foram feitas visitas a diversas fábricas de países europeus (Alemanha, Áustria, França,
Inglaterra) nos primeiros meses de 1896 e uma planilha completa com todo o material
comprado e remetido para Buenos Aires seria enviada em 27 de outubro de 1896, dando
por encerrada a missão de Alberto Costa à Europa. Neste período, entre a solicitação do
ministro e a conclusão de suas tarefas, o médico militar precisou estudar os modelos de
meios de transporte disponíveis e comparar com os que já haviam sido comprados para
que atendessem a um efetivo de trinta mil homens servindo, à época, ao exército
argentino. Não nos cabe aqui apontar a quantidade de cada um deste tipo de transporte
adquirido, mas verificarmos a importância que agora era dada ao cuidado dos feridos e à
estrutura do Cuerpo de Sanidad, bem como à origem de grande parte deste material que
fora adquirido.535
Por fim, pudemos constatar que a maior parte dos contratos feitos entre o
Cuerpo de Sanidad e os fornecedores de equipamentos médicos se deu entre casas
alemãs, francesas e inglesas. Dentre a documentação analisada, encontramos contratos
assinados desde 1895 até 1898 entre o doutor Alberto Costa, como representante do
Cuerpo de Sanidad e em nome do governo argentino, com outras casas de materiais
médicos (divididas por seus países de origem, materiais de suas especialidades e data do
contrato):

1. F.G. Dittmann Wagen-Fabrik, fábrica de equipamento para transporte


Alemanha
de feridos, 19 de junho de 1896.
1. Doffigny, fabricante de vidros e acessórios para laboratórios de
farmácia, 27 de setembro de 1898;
2. Forger & Gosselin, Manufacture de St. Rémy, material para curativo;
20 de outubro de 1895; 8 de outubro de 1898 e 30 de dezembro de
1898.
França
3. Genest Hescher & Cia., Aplicações de engenharia sanitária, 2 de
setembro de 1895;
4. H. Lefebvre, construtor de carros médicos, 11 de novembro de 1896;
5. H. Vergue, fabricante de instrumentos de cirurgia, 21 de setembro de
1898;

535
AGEA, CSEA, “Comisión de Sanidad Del Ejército Argentino”, p.18.

176
6. Hochet, instrumentos de cirurgia e aparelhos de fraturas, 1º de
novembro de 1895;
7. J&J. Schoenfeld Fréres, produtos de borracha para todas as aplicações;
29 de novembro de 1898.
8. Raoul Mathieu, instrumentos de cirurgia, ortopédicos, etc., 3 de julho
de 1895;
1. Maison Robert Owtram & Co., fábrica de tecidos inglesa; 16 de março
de 1896.
Grã-Bretanha 2. The Military Equipment Stores & Tortoise Tents Company Limited,
barracas tortoise536 e materiais semelhantes; 12 e 31de dezembro de
1895; 29 de janeiro de 1896; 20 e 27 de setembro de 1898.

Diante de tais números, podemos concluir que o aparato médico militar do


Cuerpo de Sanidad adquirido pela Comisión de Sanidad se deu de forma majoritária de
casas de materiais médicos franceses. No que diz respeito às futuras instalações
sanitárias, entendemos que a experiência alemã na guerra foi importante para os estudos
de modelos de hospital militar e cuidados sanitários pelo serviço de saúde do exército
argentino. Portanto, se a estrutura e organização poderiam ser alemãs – como vimos nas
instruções de Costa dadas a Veyga para visitas em Berlim, Tempelhof, Dresden e
Estrasburgo – então o instrumental para a prática cotidiana médica seria francesa.
Por fim, destacamos, de forma ilustrativa, como estes materiais foram
recebidos pelo Cuerpo de Sanidad. Como era previsto pelo regulamento, art. 13 do
Reglamento Orgánico del Cuerpo de Sanidad Militar y Del Hospital Militar de La
Capital, o Inspetor Geral, cirurgião-mor Marcial V. Quiroga, envia ao chefe do Estado
Maior, Coronel Alejandro Montes de Oca, a memória anual da repartição sobre a qual
estava encarregado. Na apresentação da mesma naquele ano, afirma que a Saúde Militar
havia melhorado, tendo sido elevada ao nível que deveria ocupar na instituição armada
da República. Assim, ressalta a importância do material adquirido na Europa:

Dotada esta do material de saúde ultimamente chegado


da Europa e de um pessoal tão distinto quanto competente, pode
atender, com toda regularidade, as exigências sanitárias dos corpos e
divisões do Exército, sem inconvenientes e sem obstáculos de
qualquer espécie. 537

536
Trata-se aqui de uma situação interessante, já que a barraca Tortoise é de origem francesa, mas a The
Military Equipment é inglesa.
537
Memoria de Guerra, 1899-1900. Buenos Aires: Imprenta Tribuna, 1900, p.57-58.

177
2.2.1.2. Ismael da Rocha e A Comissão Militar ao Estrangeiro

No que diz respeito a Ismael da Rocha, devemos entender o seu lugar social,
aquele enquanto homem que faz ciência. Na perspectiva de Maria Odila da Silva Dias,
538
estes homens não são cientistas, mas, antes de tudo, homens de Estado. Além disso,
“os cientistas que atuaram no Brasil, de igual modo que no restante da América Latina,
foram ao mesmo tempo religiosos, funcionários públicos, diretores de repartições
públicas, militares (grifo meu), membros de associações diversas, escritores e até
literatos”.539
Nascido em 1859, cursou medicina na Bahia por três anos e completou seus
estudos na Faculdade de Medicina do Rio de Janeiro (1880), defendendo uma tese 
com bases nos estudos da escola microbiana de Pasteur  intitulada “Septicemia”.
Ingressou cinco anos depois no Serviço de Saúde do Exército. Realizou seus trabalhos
enquanto médico, civil e depois militar, na região do Chapecó entre 1881 e 1884
(enquanto civil) e de 1885 a 1886 (como militar), quando foi nomeado para fazer parte
de uma Comissão de Limites entre o Brasil e a República Argentina. Após o trabalho
nesta Comissão, Ismael da Rocha havia sido promovido à patente de capitão primeiro-
cirurgião540 (tornando-se, assim, um oficial intermediário) a 19 de março de 1890.
Nesse ano teríamos a reorganização do Corpo de Saúde e do Serviço Hospitalar do
Exército através do Decreto nº277 de 22 de março.541
Este documento considerava que a organização do Corpo de Saúde do
Exército naquele momento não satisfazia as exigências do serviço e nem correspondia à
nova organização do exército, além de possuir hospitais e enfermarias deficientes.
Dessa forma, buscou organizar o serviço sanitário e o Corpo de Saúde do Exercito
passaria a denominar-se Inspetoria Geral do Serviço Sanitário do Exército 542 e seria
dividido em três seções: a de pessoal, sob o comando do médico de 1ª classe mais
antigo; a de material, comandada por outro médico de 1ª ou 2ª classe; a de farmácia,
dirigida por um farmacêutico de 1ª classe. A 1ª seção, aquela de pessoal, seria composta

538
DIAS, Maria Odila da Silva. “Aspectos da Ilustração no Brasil”. In.: ______ A Interiorização da
Metrópole e Outros Estudos. São Paulo: Alameda, 2005, p. 39-126.
539
FIGUEIRÔA, 1998, p.120.
540
Arquivo Histórico do Exército (AHEx), Ismael da Rocha, Fé de Ofício IV-16-114cf.p.3-4.
541
SILVA, Arthur Lobo da. O Serviço de Saúde do Exército Brasileiro. (História evolutiva desde os
tempos primórdios até os tempos atuais). Rio de Janeiro: Biblioteca do Exército, 1958, cf.p.155.
542
Ministério da Guerra. Relatório apresentado ao presidente da República dos Estados Unidos do Brazil
pelo General de Divisão Antonio Nicoláo Falcão da Frota. Rio de Janeiro: Imprensa Nacional,
Junho/1891, p.33-34.

178
por: corpo médico do exército, corpo farmacêutico e seções de enfermeiros. A seção de
material respondia pelos instrumentos dos estabelecimentos sanitários, dietas,
medicamentos e afins.
Quanto ao quadro de pessoal do serviço de saúde do Exército, este ficaria
com a seguinte composição:

 Corpo médico
* 1 inspetor geral o serviço sanitário, oficial general;
* 3 médicos de 1ª classe, coronéis;
* 9 médicos de 2ª classe, tenentes-coronéis;
* 27 médicos de 3ª classe majores;
* 85 médicos de 4ª classe, capitães,
* 74 médicos adjuntos (civis) com honras de tenente.

 Corpo farmacêutico
* 1 farmacêutico de 1ª classe, tenente –coronel;
* 2 farmacêuticos de 2ª classe, majores;
* 8 farmacêuticos de 3ª classe, capitães;
* 32 farmacêuticos de 4ª classe, tenentes;
* 44 adjuntos (farmacêuticos civis) com as honras de alferes.

 Seções de enfermeiros
* 14 enfermeiros-mores, sargentos;
* 104 enfermeiros, cabos;
* 114 ajudantes de enfermeiros soldados.543

De acordo como artigo 7º, criava-se, naquele momento, o Hospital Central


do Exército (HCE), na Capital Federal. No entanto, enquanto não se desse as instalações
adequadas do mesmo, continuaria a funcionar na “enfermaria militar do Andarahy como
hospital de 2ª classe”.

543
Decreto nº277 de 22 de março de 1890.

179
Por aviso de 9 de dezembro de 1890, o capitão primeiro-cirurgião Ismael da
Rocha fora nomeado para integrar uma comissão para viajar para a Alemanha, 544
seguindo as seguintes instruções:

1ª Estudar o methodo curativo do Dr. Koch para tuberculose,


acompanhando este facultativo em suas experiências e investigações;
2ª Freqüentar os diversos estabelecimentos nosocomines e
principalmente os militares observando tudo quanto for relativo á
installação e tratamento dietético, medico e cirúrgico dos doentes;
3ª Estudar também tudo quanto disser respeito ao serviço médico
militar, na paz e na guerra, comprehendendo hospitaes, barracas,
ambulâncias e instrumental cirúrgico accommodado às circustancias e
exigências do serviço;
4ª Fazer acquisição de modelos, desenhos e mappas de hospitaes,
barracas, ambulâncias, padiolas, etc., tudo com referencia ao serviço
militar;
5ª remetter á Inspetoria do serviço sanitário do exercito boletins, ou
pelo menos um relatório mensal, no qual dará noticia clara e detalhada
do estudo a que vai assistir e de tudo quanto observar de interesse á
sua comissão;
6ª Finalmente, apresentar um relatório circumstanciado acerca dos
trabalhos do Dr. Koch, bem como outro, em separado dos estudos que
fizer sobre o serviço medico militar.545

Ismael da Rocha retorna ao Brasil em 18 de março de 1892. Durante sua


viagem, frequentou o Instituto Pasteur no final de 1891, encontrando com Louis Pasteur
e estabelecendo contato com Emile Roux, diretor do Instituto na época. Sua viagem não
estava apenas relacionada com estes estudos, já que recebera ordens do general médico
João Severiano da Fonseca, que lutara na Guerra do Paraguai e viria a ser o patrono do
Serviço de Saúde, para “estudar tudo o que dissesse a respeito ao serviço médico-militar
na paz e na guerra, compreendendo hospitais, barracas, ambulâncias e instrumentos
cirúrgicos”. 546 Outras informações também foram coletadas pelo médico militar Ismael
da Rocha sobre a construção de hospitais militares. Estes estudos influenciaram o
projeto que deu origem ao prédio do Hospital Central do Exército e aqueles que se

544
AHEx, Ismael da Rocha, Fé de Ofício IV-16-114cf.p.9.
De acordo com Mitchell, outro motivo para a escolha de Ismael da Rocha seria o conhecimento
deste do idioma alemão. MITCHELL, 1963, cf.p.322.
545
Diário Oficial da União, 17 de dezembro de 1890, Ministério da Guerra, Expediente do dia 9 de
dezembro de 1890, p. 5827.
Os documentos que deveriam ser apresentados por Ismael da Rocha e que foram descritos no sexto item
de suas instruções não foram localizados em nossa pesquisa, apesar de serem citados na folha de ofício do
militar.
546
SILVA, Alberto Martins da. Dr. Ismael da Rocha (1859-1924). Sua vida de Cientista e de Militar.
Brasília: Thesaurus, 2004, p. 23-24; Breviário da Evolução do Serviço de Saúde do Exército –
Principais atos e fatos marcantes do seu desenvolvimento. Ministério do Exército. DEP-DFA.
Academia Militar das Agulhas Negras. S.L./S.D, cf.p.3-4.

180
deram no campo bacteriológico também trouxeram implicações em sua vida
profissional fora do ambiente militar. Em 25 de outubro de 1892, o oficial médico
ingressa na Academia Nacional de Medicina como membro titular e apresenta um
trabalho intitulado A tuberculina de Robert Koch ou o tratamento biológico da
tuberculose pulmonar. 547
Em 1905, Ismael da Rocha seria enviado à Europa mais uma vez, como
diretor do Hospital Central do Exército, à época com a patente de tenente-coronel.
Durante os três meses que esteve naquele continente,

percorreu os hospitais de Londres, Bordeaux, Paris, Bruxellas,


Hamburgo, Berlim, Roma e Genova, verificando os progressos
introduzidos em cada um deles e adquirindo o material necessário para
complementar-se o nosso serviço de cirurgia hospitalar.548

Vale ressaltar que Ismael da Rocha foi o fundador de um dos periódicos


mais importantes de sua época relacionada à medicina militar. Publicada no início de
1910, a Revista de Medicina Militar tinha como objetivo transmissão de conhecimentos
médicos militares. Vale destacar que os artigos publicados em suas diversas edições não
eram produzidos apenas por militares, tendo nomes importantes da medicina brasileira
como colaboradores, tais como: João Muniz Barreto Aragão (Tenente-coronel médico
que ingressou na Academia Nacional de Medicina), Artur Lobo e Olimpio da Fonseca.
Em 1924, esta publicação foi incorporada a outro jornal médico militar e mudou a sua
denominação. A Revista de Medicina Militar passava a ser conhecida então como
Revista de Medicina e Higiene Militar. Este jornal esteve sob a direção de profissionais
reconhecidos da medicina como os professores Miguel Couto e Juliano Moreira. Seu
último número foi lançado em 1945, tendo voltado à circulação em 1989 com o nome
de Revista de Medicina Militar.549
A produção histórica relativa ao nosso tema aponta a vivência de Ismael da
Rocha no Instituto Pasteur, durante a Comissão Militar ao Estrangeiro, como um ponto
determinante para o esforço que desempenhou na criação no Exército brasileiro de uma
instituição que dedicasse suas pesquisas à bacteriologia. De acordo com o próprio

547
Diário Oficial da União, 24 de setembro de 1892, cf.p.4062; SILVA, A.M., op.cit., p.27; SOUZA,
Luiz de Castro. “Medicina militar brasileira: nomes marcantes e fatos notáveis”. Separata da Revista
Brasileira de Medicina, vol. 30, n.10, outubro/1973.
548
Ministério da Guerra. Relatório Apresentado ao Presidente da Republica dos Estados Unidos do
Brazil pelo Marechal Francisco de Paula Argollo. Rio de Janeiro: Imprensa Nacional, 1906, p.9.
549
Trataremos destas revistas no terceiro capítulo do presente trabalho.

181
Ismael da Rocha, em seu encontro que durara quinze minutos com Pasteur, este o
haveria aconselhado a fundar no exército um laboratório de bacteriologia. 550 Pouco
tempo depois, em dezembro de 1894 criava-se o Laboratório de Microscopia Clínica e
Bacteriologia, que hoje recebe o nome de Instituto de Biologia do Exército (IBEx),
fundado pelo general médico nomeado para estudar os avanços de Koch.
Portanto, de acordo com o que tratamos neste trecho de nosso trabalho,
entendemos que a Comissão Militar ao Estrangeiro, realizada pelo doutor Ismael, teve
como uma de suas implicações a elaboração e construção do Laboratório de
Microscopia e Bacteriologia do Exército, bem como do Hospital Central da instituição.
Será especialmente do primeiro que trataremos em seguida, em função do cenário
científico internacional e da sua relação com a higiene militar. Neste sentido, o estudo,
tratamento e profilaxia de patogenias e moléstias, especialmente do meio militar, seria
uma de suas principais funções, configurando um dos pontos fundamentais da higiene
militar.

2.2.1.2.1. O Laboratório de Microscopia Clínica e Bacteriologia

A partir do Decreto nº 1.915 de 19 de dezembro de 1894, assinado pelo


Ministro de Estado dos Negócios da Guerra – general de divisão Bernardo Vasques – e
pelo presidente da República – Prudente J. de Moraes –, foi criado o Laboratório de
Microscopia Clínica e Bacteriologia. Ao longo de sua história, esta instituição foi
renomeada diversas vezes: Laboratório Militar de Bacteriologia e Microscopia Clínica,
Laboratório Militar de Bacteriologia (1921), Instituto Militar de Biologia (1932) e,
finalmente, Instituto de Biologia do Exército ou IBEx (1943). Com o Decreto nº 3.220
de 7 de março de 1899, o Laboratório ficava subordinado à Direção Geral de Saúde do
Exército e atuando conforme as especificações destacadas nos artigos que seguem:

Art.4.º O Laboratório terá por fim facilitar aos médicos


militares as investigações microscópicas relativas às necessidades dos
serviços clínicos hospitalares, à bacteriologia, tão desenvolvida e
modificada pelos progressos dos modernos experimentos, e ao
parasitismo.

550
ROCHA, Ismael da. “Centenário de Pasteur”, Medicina Militar, Ano XIII, n.6, p.171-176, dezembro
1922, cf.p.172.

182
Art.5.º Será egualmente um estabelecimento destinado a
pesquizas sobre a origem, natureza, pathogenia, tratamento e
prophilaxia das moléstias endêmicas, epidêmicas, infecto-contagiosas,
observadas no paiz e especialmente nos meios militares.551

O Artigo 5º, exposto acima, demonstra a preocupação em criar um ambiente


de pesquisa voltado para as necessidades do país e da tropa. O laboratório − referido
como Instituto Militar de Bacteriologia e Microscopia no Relatório do Ministério da
Guerra de 1897 −, no entanto, já realizava estudos de microscopia desde 1896,
apresentando um “crescido número de exames e pesquisas” e sob a direção interina do
Major Ismael da Rocha.552
Os anos imediatamente subsequentes apresentariam já o laboratório
funcionando em instalações próprias e com instrumental e aparelhos que possibilitavam
a realização de pesquisas científicas, como podemos verificar no seguinte trecho do
Relatório do Ministério da Guerra de 1899:

Para o exercício vigente foi destinada igual verba pela


necessidade dos reparos para a instalação do laboratório no proprio
nacional onde actualmente funcciona; achando-se, porém, montado e
apto a quaesquer pesquizas scientificas, poderá de ora em diante ser
mantido, á semelhança dos laboratórios annexos ao serviço militar em
todos os paizes adiantados, e sem grande ônus para o Estado.
[...]
O seu instrumental e apparelhos acham-se no mais
perfeito estado de conservação, e a bibliotheca de que dispõe conta os
melhores livros na espécie, grande collecção de revistas scientificas e
obras diversas, algumas das quaes adquiridas no mercado, outras
offertadas ao estabelecimento.553
Convem declarar que prendem particularmente a attenção
da respectiva directoria as questões referentes á hygiene militar, e que
o laboratório é frequentado e procurado por médicos militares e civis,
por officiaes do exercito e da armada e membros das instituições de
ensino, para analyses scientificas e consultas de bacteriologia. 554

551
Ministério da Guerra. Relatório apresentado ao presidente da República dos Estados Unidos do Brazil
pelo General de Divisão Bernardo Vasques. Rio de Janeiro: Imprensa Nacional, Maio/1895, p.94.
552
Ministério da Guerra. Relatório apresentado ao presidente da República dos Estados Unidos do Brazil
pelo General de Brigada Francisco de Paula Argollo. Rio de Janeiro: Imprensa Nacional, Maio/1897,
p.37.
553
Ministério da Guerra. Relatório apresentado ao presidente da República dos Estados Unidos do Brazil
pelo General de Divisão J.N. de Medeiros Mallet. Rio de Janeiro: Imprensa Nacional, Maio/1899, p.59-
60.
554
Ibidem.

183
Nos anos seguintes, as pesquisas que haviam sido iniciadas permaneciam
sendo realizadas em campos de enfermidades como febre amarela, tuberculose, beribéri,
paludismo, peste bubônica e etc.555 Além disso, criticava-se a escassez dos recursos
voltados para o custeio o laboratório, o que impossibilitava “colocá-lo em condições de
preencher seus fins”, mas que continuava a “acompanhar a evolução incessante de
bacteriologia”. 556 Em função dos modestos expedientes, seu material técnico era
adquirido de forma progressiva “conforme as necessidades de expansão dos
trabalhos”557 e a desempenhar “pesquisas e análises de todo o gênero, que dia a dia vão
crescendo, já com os trabalhos que tem realizado em relação aos casos de moléstias
suspeitas”.558
Outro ponto importante é verificado no Decreto nº 3.220 de 1899:

Art.79. Para facilitar-se aos officiaes do corpo a


instrucção de technica relativa a pesquizas scientificas que interessem
á hygiene e á clinica, será o pessoal do laboratório alternado, fazendo
ahi cada funccionário tirocínio nunca menor de dous annos, sem
prejuizo do com funccionamento desse instituto. 559

Este tipo de política denota uma preocupação com a formação do


profissional que desempenharia alguma função relacionada com pesquisas
desenvolvidas no laboratório e, além disso, com o tempo mínimo de permanência de
cada funcionário em um processo de aprendizado “nunca menor de dois anos”. Aqui
poderíamos aproximar este ponto com uma das principais ideias trazidas por Simon
Schwartzman no primeiro capítulo de seu livro, Formação da Comunidade Científica
no Brasil, e também Fernando de Azevedo na introdução de seu As Ciências no Brasil.
Para estes dois autores, os pioneiros da ciência no Brasil não foram os seus fundadores.
Isto acontece, segundo Azevedo e Schwartzman, porque estes cientistas não formaram
discípulos, demonstrando com isto que não haveria uma tradição de trabalho científico

555
Ministério da Guerra. Relatório apresentado ao presidente da República dos Estados Unidos do Brazil
pelo General de Divisão J.N. de Medeiros Mallet. Rio de Janeiro: Imprensa Nacional, Maio/1901,
cf.p.210.
556
Ibidem.
557
Ibidem.
558
Ministério da Guerra. Relatório apresentado ao presidente da República dos Estados Unidos do Brazil
pelo Marechal J.N. de Medeiros Mallet. Rio de Janeiro: Imprensa Nacional, Maio/1902, p.91.
559
Ministério da Guerra. Relatório apresentado ao Presidente da República dos Estados Unidos do
Brazil. Rio de Janeiro: Imprensa Nacional, Maio/1899, p.112.

184
no país.560 Este tipo de determinação  a presente no artigo transcrito anteriormente 
originaria os discípulos dos pesquisadores mais experientes na instituição, dando
continuidade às pesquisas e estudos iniciados por seus mestres/mentores. Se para
Fernando Azevedo e Simon Schwartzman a existência de uma tradição científica denota
a criação de discípulos, podemos sugerir, então, que isto já ocorria no interior de uma
instituição militar na virada do século XIX para o XX.
Como outros laboratórios bacteriológicos561 de seu tempo, este não possuía
um grande número de funcionários. O Decreto de sua criação estipulava, segundo o seu
Artigo 7º que deveria haver apenas um diretor médico militar; um auxiliar técnico,
também médico militar; dois ajudantes, sendo um médico e um farmacêutico químico
do quadro do exército ou do de adjuntos; um escriturário, da Repartição Sanitária; um
porteiro e um servente, podendo estes ser praças reformadas do exército ou paisanos, ou
seja, civis. Ainda que com um reduzido número de indivíduos em seu quadro de
profissionais, o Laboratório de Microscopia Clínica e Bacteriológica possuía um
extenso programa de trabalhos. Anexo ao Decreto,562 este programa dos trabalhos do
laboratório apresentava quarenta e um itens. Não nos deteremos aqui em uma exposição
pormenorizada de todos eles, mas vale destacarmos a presença de alguns. Fazem parte
do programa do laboratório os seguintes pontos: §1º, técnica microscópica,
conhecimentos de histologia normal e anatomia patológica; §5º, estudo dos tecidos,
numeração dos glóbulos de sangue, pesquisas sobre os principais líquidos e excreções
do organismo (leite, suor, urina, fezes, etc); §7º, processos mórbidos, pneumonia,
cirrose, nefrite, tuberculose, beribéri, febre amarela, impaludismo; §8º, pesquisas sobre
as bactérias, suas formas, funções, classificação; §9º, culturas em geral, meios de
cultura, processos de esterilização dos meios de cultura e dos utensílios e instrumentos
empregados em microbiologia; etc.
Este aspecto relacionando as atividades para as quais fora designado e as
pesquisas realizadas no Laboratório pode ser visto neste trecho do Relatório do

560
AZEVEDO, F., op, cit; SCHWARTZMAN, Simon. “Ciência e comunidade científica”. In.: _____
Formação da Comunidade Científica no Brasil. São Paulo/Rio de Janeiro: Ed. Nacional/FINEP, 1979,
p. 1-25.
561
Os primeiros laboratórios bacteriológicos instalados no Brasil foram os criados por Domingos Freire
no Rio de Janeiro em 1890 e o Instituto Bacteriológico de São Paulo em 1892. BENCHIMOL, Jaime
Larry. “Domingos José Freire e os primórdios da bacteriologia no Brasil”. História, Ciências, Saúde –
Manguinhos, Rio de Janeiro, v. II, n.1, p.67-98, mar./jun. 1995; BENCHIMOL, Jaime Larry. Dos
micróbios aos mosquitos. Febre amarela e a revolução pasteuriana no Brasil. Rio de Janeiro: Ed.
FIOCRUZ/Ed. UFRJ, 1999.
562
Ministério da Guerra. Relatório apresentado ao presidente da República dos Estados Unidos do Brazil
pelo General de Divisão Bernardo Vasques. Rio de Janeiro: Imprensa Nacional, Maio/1895, p. 95-97.

185
Ministério da Guerra de 1901, ou seja, em período posterior a sua data de criação e
inauguração.

Esta instituição, cuja utilidade foi contestada, ao tempo


de sua creação, acaba de receber a confirmação de suas vantagens,
com os trabalhos prestados no exame e verificação dos casos suspeitos
de peste bubônica, e com as pesquizas e analyses de todo o gênero,
crescentes em numero cada anno, requisitadas por interessados ou
ordenadas pelas auctoridades competentes.
Dispondo de modestos recursos para a installação, seu
progresso tem sido muito lento, mas successivo e real, devido a ser
sempre bem applicada a escassa verba annual com que é dotado. É de
lastimar que as actuaes circumstancias não permittam alargar as
dotações para collocal-o em condições de melhor preencher seus fins,
e ás necessidades da especialisação de serviço tão exigente nos seus
processos e na escolha dos apparelhos de que faz uso.
O pessoal alli existente, além do director, medico do
exercito, se reduz a mais 7 pessoas, sendo 4 militares, incluídas 2
praças, e 3 civis.563
[...]
Em relação à microbiologia, foram attendidas as
requisições officiaes e satisfeitos todos os pedidos de militares para
investigações bacterioloscopicas.
[...]
Tambem o Laboratorio tem diligenciado acompanhar a
evolução incessante de bateriologia, attendendo, de accordo com o
regulamento, aos médicos civis que o têm procurado para elucidação
de duvidas em casos clinicos, sem prejuízo do serviço militar e sem
dispêndio para os cofres públicos.
O pessoal scientifico, além de attender ao serviço official,
tem continuado as pesquizas iniciadas em relação á febre amarella, á
tuberculose, ao beribéri, ao paludismo, á peste bubônica, etc.
[...]
Quanto ao material technico, que tem sido adquirido
progressivamente, conforme as necessidades e expansão dos
trabalhos, já se acha em condições de attender a quaesquer
investigações, podendo ser visitado, sem desar, por especialistas na
matéria, como tivestes occasião de verificar em visita com que foi
honrada aquella repartição. Sua acquisição tem sido sempre feita com
a máxima economia, de modo que da verba annualmente destinada ao
custeio, fica também em todos os exercícios, saldo, não pequeno, para
os cofres públicos, o que sobremodo abona o zelo e competência dos
funccionarios da Direcção Geral e do próprio Laboratorio. 564

Para a circulação de artigos relativos aos seus estudos e assuntos que


interessavam aos pesquisadores da área de bacteriologia e microbiologia, o Laboratório

563
Relatório do Ministério da Guerra, 1901, p.209.
564
Relatório do Ministério da Guerra, 1901, p.210.

186
deu início à circulação, em 1908, do periódico Archivos do Laboratorio Militar de
Bacteriologia e Microscopia Clínicas. Em seguida teve seu nome modificado para
Archivos do Instituto Militar de Biologia (1941-1960) e, finalmente, Archivos do
Instituto de Biologia do Exército.
Há outro ponto que merece a nossa atenção no Decreto que dá origem a este
laboratório: o fato dele não ser destinado exclusivamente ao meio militar. Segue o artigo
transcrito abaixo:

Art.9.º O laboratório será franqueado não só aos médicos


militares como aos professores das instituições de ensino e a todos
aquelles que se dedicarem á especialidade, sob a permissão e
responsabilidade do diretor do estabelecimento. 565

Segundo Valdir da Rocha, o laboratório era “freqüentado por vários


médicos membros da Academia Nacional de Medicina, tais como Juliano Moreira, Júlio
Afrânio Peixoto, Eduardo Chapot-Prévost e Miguel de Oliveira Couto”.566 Todos
convidados por aquele que esteve à frente da direção do laboratório até dezembro de
1904, demonstrando, assim, a relação de Ismael da Rocha com a “comunidade
científica” da época. Tal proximidade com colegas da mesma área poderia explicar a
relação de Ismael da Rocha com Oswaldo Cruz, bem como a sua presença no grupo de
médicos e pesquisadores que combateu o avanço da peste bubônica com o
desenvolvimento do soro antipestoso e da vacina no Instituto Soroterápico Federal
(1900), o futuro Instituto Oswaldo Cruz. Contudo, a participação naquele instituto teve
que ser finalizada. O médico militar teve que deixar o grupo em função de sua
promoção ao generalato e à nomeação ao cargo de Diretor do Serviço de Saúde do
Exército, em 1911.567
Por fim, entendemos que o processo de criação deste laboratório e a
comissão de Ismael da Rocha para estudos na Europa não são fatos isolados. O Serviço
de Saúde do Exército brasileiro passava por um processo de modernização e
reorganização, conforme vimos nas alterações de seus regulamentos, na comissão de

565
Ministério da Guerra. Relatório apresentado ao Presidente da República dos Estados Unidos do
Brazil. Rio de Janeiro: Imprensa Nacional, Maio/1899.
566
ROCHA apud MELLO, Luis Eduardo Lethier de; FONSECA, Maria Rachel Fróes da. “Laboratório de
Microscopia Clínica e Bacteriologia”. In: Dicionário Histórico Biográfico das Ciências da Saúde no
Brasil (1832-1930). Casa de Oswaldo Cruz / FIOCRUZ – (http://www.dichistoriasaude.coc.fiocruz.br).
Acesso em janeiro de 2010; SILVA, A.M., op.cit., cf. p.30.
567
Breviário da Evolução do Serviço de Saúde do Exército – Principais atos e fatos marcantes do seu
desenvolvimento. Ministério do Exército. DEP-DFA. Academia Militar das Agulhas Negras, cf.p.4;
SILVA, A.M., op. cit., cf. p.31-32.

187
estudos do oficial médico e, também, na construção de um Hospital Militar que buscaria
libertar “os doentes militares das péssimas condições higiênicas dos edifícios que, aqui,
hoje servem de Hospitaes”. 568

2.2.2. As missões militares e suas implicações

A segunda metade do XIX e início do XX representam a disputa de


potências industriais europeias pelo monopólio da influência sobre os exércitos latino-
americanos. Neste cenário, destacamos o papel especial de França e Alemanha.
Segundo Cristina Luna, “Tal disputa abarcava desde a venda de material bélico até o
envio de missões militares estrangeiras de instrução junto aos exércitos latino-
americanos”.569 Assim, antes de nos determos no caso brasileiro, é importante
analisarmos o cenário vivido por seus vizinhos: Argentina e Chile.
O caso do Chile e a chegada do capitão alemão Emilio Körner Henze,
ilustram o cenário de propagação das influências militares da Alemanha nos países da
América do Sul. Este oficial, o capitão Henze, foi responsável pela criação de uma
Academia de Guerra e de um Colégio Militar, além de um Estado-Maior eficiente e da
organização de zonas militares – que posteriormente foram transformadas em divisões,
permitindo um apoio logístico de forma adequada.

Todas essas ações foram completadas pela aquisição de um moderno


equipamento militar, pelo envio de oficiais chilenos à Alemanha e
pela contratação de uma equipe de assessores militares alemães
capazes de auxiliarem Körner no processo de transformação do
exército daquele país. 570

568
Ministério da Guerra. Relatório apresentado ao presidente da República dos Estados Unidos do Brazil
pelo General de Brigada Francisco de Paula Argollo. Rio de Janeiro: Imprensa Nacional, Maio/1897,
p.37.
569
LUNA, Cristina Monteiro de Andrada. “Pela Vinda da Missão Alemã ao Brasil”. In: III Jornada de
Estudos Históricos do PPHIS/UFRJ, 2007, Rio de Janeiro, RJ. Anais (on-line), Rio de Janeiro, PPGHIS-
UFRJ, 2007, cf.p.1. Disponível em: http://revistadiscenteppghis.files.wordpress.com/2009/05/cristina-
luna-pela-vinda-da-missao-militar-alema-ao-brasil.pdf)
O processo de modernização do exército brasileiro e a relação entre os exércitos do Brasil e da Alemanha
foram tema de estudos da tese de Cristina Luna. Ver: LUNA, Cristina Monteiro de Andrada. O
Desenvolvimento do Exército e as relações militares entre Brasil e Alemanha (1889-1920). 2011. 250f.
Tese (Doutorado em Hisória) – Programa de Pós-Graduação em História Social (PPGHIS), Instituto de
História (IH), Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), Rio de Janeiro. 08/2011.
570
Ibidem, p.1.

188
No caso argentino, a reformulação do Exército também se deu sob
influência alemã. Como afirma Luna, na década de 1890 várias comissões de compras
de armamentos foram enviadas à Alemanha e estas eram chefiadas pelo tenente-coronel
Pablo Ricchieri. Em 1899, na presidência de Julio Roca, a Argentina recebe a sua
missão militar alemã com uma equipe de militares sob o comando do coronel alemão
Alfred Arent.571
A preocupação do Brasil em relação à necessidade de uma ação
modernizadora no Exército está ligada à questão da soberania nacional e, também, à
constatação de sua precariedade em conflitos internacionais. Quanto ao primeiro ponto,
como ressalta Luna, a Argentina já havia contestado, na década de 1890, “a posse do
Brasil sobre o território das Missões, tendo Rio Branco participado do litígio, arbitrado
por Grover Cleveland, presidente dos Estados Unidos, que deu ganho de causa ao
Brasil, em 1895”. 572 No que diz respeito ao atraso e à precariedade de nosso Exército, a
guerra de Canudos (1896-1897) e o embate com a Bolívia sobre a região do Acre (1900-
1903) tornaram evidente a fragilidade de nosso poderio militar diante de ameaças
externas e internas.
Que modelo deveria ser seguido? Argentina e Chile já haviam optado pelo
caminho prussiano. Neste caso, creditamos a contratação da missão alemã por estes
países em função dos resultados da guerra franco-prussiana, que se deu entre 1870 e
1871. Como vimos, o conflito resultou em derrota para os franceses, fazendo com que o
exército prussiano fosse visto por diversos oficiais como uma instituição que serviria de
modelo ideal.
Quanto à derrota francesa, Petitjean considera que uma das causas seria o
“atraso científico e técnico diante da Alemanha”. 573 Tal panorama representou, então,
consequências no campo da influência política e, também, no potencial industrial.
Lembraríamos, no nosso caso, do caráter militar, já que o Brasil envia oficiais para
realização de estágios, enquanto Argentina e Chile contratam as forças militares
prussianas para o desenvolvimento e modernização de seus exércitos. Argentina e Chile
ainda no último decênio do XIX (1899 e 1891 respectivamente) e Brasil através do
envio das turmas de oficiais para estudos e estágios junto ao exército alemão no
primeiro decênio do XX.

571
Ver também: QUIROGA, Hugo. Estado, Crisis Económica y Poder Militar (1880-1981). Buenos
Aires: Centro Editor de América Latina, 1985 (Série Biblioteca Política Argentina), cf. p. 12.
572
LUNA, 2007, p.3.
573
PETITJEAN, op.cit., cf.p.91.

189
A Guerra Franco-Prussiana finalizou a unificação do Império Alemão e sua
hegemonia no continente europeu, fazendo com que a França perdesse não só territórios
– Alsácia e Lorena – mas, também, a sua supremacia na Europa. De acordo com
Monica Lessa, o resultado disso seria o isolamento político francês até 1890, ano em
que Otto von Bismarck (1815-1898),574 o primeiro chanceler do Império Alemão, deixa
o poder.

Este isolamento francês era seu principal objetivo para impedir


qualquer possibilidade de aliança sólida que permitisse à França uma
revanche e uma mudança deste novo status quo. A Alemanha se
tornara uma potência econômica, responsável por 16% da produção
industrial do mundo, com a maior população do continente (41
milhões de habitantes em 1871) e o melhor e mais moderno
exército.575

Um conjunto de autores argentinos também compartilha desta visão. De


acordo com estes, a Guerra Franco-Prussiana coloca em evidência como as mudanças
estruturais – baseadas no processo de produção – haviam mudado a forma de se fazer a
guerra. Desde então, a Alemanha teria se tornado o principal paradigma militar para
forças terrestres. Além disso, este conflito teria também demonstrado como o conceito
de “nação em armas” de Clausewitz

havia adquirido uma nova dimensão pela qual não só


implicava o recrutamento massivo senão também a mobilização de
toda a capacidade moral e material de um país para sustentar o esforço
de guerra.576

574
Considerado um dos estadistas mais importantes da história da Alemanha, Otto Von Bismarck foi
nomeado como primeiro-ministro de Guilherme I, o rei da Prússia. No período compreendido entre 1864
e 1871, foi o responsável pelo surgimento de um Império Alemão unificado e que contava com a
diplomacia da guerra. Esta prática se deu em função da observação de Bismarck, ao afirmar que todos os
problemas da Alemanha seriam resolvidos diante de ferro e sangue. Nomeado chanceler em 1871,
continuaria nesta função fevereiro de 1890, quando seria derrotado por William II nas eleições do
Reichstag. Ver: BRUUN, Geoffrey. La Europa del Siglo XIX (1815-1914). México: Fondo de Cultura
Económica, 2001, 11ª ed. (1959, 1ª ed.), passim; HOBSBAWN, Eric J. A Era dos Impérios, 1875-1814.
São Paulo: Editora Paz e Terra, 2007, passim; TAYLOR, A.J.P. The Course of German History. A
survey of the development of German history since 1815. Londres /Nova Iorque: Routledge Classics,
2001, cf.p.160-161.
575
LESSA, op.cit., p.81.
576
BROWN, Fabián; UIG DOMENECH, Jorge A.; MUSICÓ, Ana María; ADÁN, Gloria Isabel;
DOVAL, Alicia. “Política de acercamiento com las instituciones militares europeas (1900-1914). II
Congreso Internacional de Historia Militar Argentina. Buenos Aires: Instituto de História Militar
Argentina – IHMA, p.243-278, vol.I., p.245.

190
Diante deste quadro, temos o envio de turmas de oficiais brasileiros em
1906, 1908 e 1910 para fazerem estágio no exército prussiano. A primeira visita do
ministro da Guerra do Brasil à Alemanha entre agosto e setembro se daria em 1908,
mesmo período em que se deu o envio da segunda turma de oficiais àquele país.

A convite de Guilherme II, a comitiva brasileira, composta pelo


ministro Hermes da Fonseca, pelo general Mendes de Moraes, pelo
major Tasso Fragoso, pelo capitão Deschamps Cavalcanti e pelo
correspondente do Jornal do Comércio, assistiu às manobras de guerra
do exército germânico, realizadas em diferentes locais da
Alemanha.577

Além destas atividades, os oficiais também foram convidados a participar de


banquetes e óperas. É durante estes eventos que a delegação brasileira trava seus
“contatos com o Kaiser, com o Chefe de Estado-Maior alemão, Helmuth von Moltke, e
com vários outros militares”.578

É digno de consideração que consideramos este primeiro


convite do Imperador Guilherme II como uma tentativa inicial de
angariar a simpatia de parte da oficialidade brasileira, bem como de
altas autoridades do Brasil, dentre elas a do ministro das Relações
Exteriores (1902-1912), Barão do Rio Branco, e a do ministro da
Guerra (1906-1909), marechal Hermes Rodrigues da Fonseca, a favor
do exército germânico. Conforme destaca o historiador Manuel
Domingos Neto, a prática de convidar oficiais para fazer estágios de
maior ou menor duração no corpo de tropa ou cursos de especialização
inseria-se no conjunto de iniciativas sistemáticas e de longo curso dos
países desenvolvidos que visavam à conquista de posições
privilegiadas na venda de armas e equipamentos, no estabelecimento
de eventuais alianças militares estratégicas e na disputa por
mercados.579

O caso brasileiro apenas se define em 1919, com a contratação de uma


missão militar francesa comandada pelo general Maurice Gamelin e representando a
derrota do grupo que ficou conhecido como “Jovens Turcos”. 580 Desta forma, o envio
de oficiais brasileiros também deve ser visto como resultado da preocupação de parte
dos militares e de nossa diplomacia, no que diz respeito ao atraso de nosso exército e na

577
LESSA, op.cit.., cf.p.81.
578
LUNA, 2007, cf.p.3.
579
NETO apud LUNA, 2007, p.2-3.
580
Eles foram apelidados por seus adversários no meio militar desta forma “em alusão aos patriotas turcos
que igualmente haviam aprendido na Alemanha em todos os domínios da cultura e que haviam
transformado radicalmente as instituições e até seculares usos e costumes de sua amada terra”. KLINGER
apud LUNA, 2011, p.208.

191
soberania do país. Isso, como exposto acima, em função das missões militares alemãs
que já ocorriam em nossos vizinhos: Argentina e Chile.
Ao tratarmos das missões militares que se deram no Brasil e na Argentina,
buscaremos entender de que forma estas se relacionariam com o Serviço de Saúde e
com o Cuerpo de Sanidad, respectivamente. Ainda que em um primeiro momento suas
ações não tenham se dado de forma direta na medicina militar de seus países, suas
influências se apresentariam em período posterior. Assim, nos deteremos agora na
discussão acerca das comissões de estudo e da presença estrangeira nos exércitos
argentino e brasileiro.

2.2.2.1. A Argentina e sua missão alemã

O exército argentino, desde o último quarto do XIX vinha passando por um


processo de estruturação e organização. O que veríamos em seu Cuerpo de Sanidad não
estaria desligado desta lógica e nem do cenário político em que estava inserido,
demandando, desta forma, um processo de profissionalização de seus oficiais.
O ano de 1880 em que se dava o início da primeira presidência de Julio
Argentino Roca (1880-1886). Até então, prevalecia o cenário de exércitos provinciais e
milícias dirigidas por caudilhos. A partir de junho daquele ano, o exército nacional, com
duas frentes tendo cada uma delas o comando dos generais Racedo e Levalle, derrotaria
o levante realizado na cidade de Buenos Aires pela Guarda Nacional daquela localidade.
Com as milícias portenhas derrotadas, o Decreto Nacional desse período fazia com que
todas as organizações de tipo militar fossem proibidas e a Guarda Nacional se tornaria a
única organização armada legal reseva. Era a formação de um exército nacional
permanente, a única organização armada legal. Definitivamente unificado e pacificado,
o país agora ingressaria numa era de crescimento econômico e de modernização de seu
Estado. 581

581
QUIROGA, Hugo. Estado, crisis económica y poder militar (1880-1981). Buenos Aires: Centro
Editor de América Latina, 1985 (Série Biblioteca Política Argentina), cf.p.7-8; PERINA, Ruben M.
Onganía, Levingston, Lanusse. Los militares en la política argentina. Buenos Aires: Editorial de
Belgrano, 1983, cf.p.34-35; ROUQUIÉ, Alain. Poder Militar y Sociedad Política en la Argentina.
Buenos Aires: Emecé Editores, 1981, cf.p.31; SCENNA, Miguel Angel. Los Militares. Buenos Aires:
Editorial de Belgrano, 1980, cf.p.88.

192
Tendo, agora, o exército nacional permanente, de que forma se daria a
aproximação com a Alemanha até a contratação de uma missão militar em 1899? De
acordo com Andrés Cisneros e Carlos Escudé, temos três fases clássicas nas relações
políticas entre a Argentina e a Alemanha.
I. Tem início na presidência de Julio Argentino Roca, em 1880, até o surto da
Primeira Guerra Mundial em 1914.
Caracterizado pelo importante avanço da influência militar alemã na
Argentina, tanto no que diz respeito à entrada de material bélico quanto à
formação do exército argentino.
II. Compreende os anos de guerra, 1914-1918.
Neste período a influência alemã, econômica e militar, esteve
ameaçada pela política de embargos e listas negras estabelecidas pelo
governo da Grã-Bretanha.
III. Do final da 1ª G.M. (1918) até o golpe militar de 1930.
Esta última fase é marcada pela percepção de uma recuperação
da presença econômica alemã, apesar da supremacia dos EUA no mercado
argentino.582

O que entendemos aqui por aproximação, ou melhor, por uma política de


aproximação?

Se entende por política de aproximação a um conjunto de


relações em particular com outros países, intercâmbios de pessoal
militar superior, levada adiante pela instituição, como parte de uma
decisão estratégica nacional de adotar um arquétipo militar estrangeiro
moderno e funcional para a reestruturação de [...] forças armadas.583

Este mesmo tipo de política pode ser identificado também no meio civil,
como vimos anteriormente na discussão acerca dos textos de Petitjean e Lessa.
A respeito desta primeira fase, em 12 de outubro de 1880, Julio Roca
assume a presidência e, frente ao Congresso, expressou que o Exército era, ao lado das
vias de comunicação, sua maior preocupação. O exército, assim, deveria passar por

582
CISNEROS, Andrés e ESCUDÉ, Carlos. Historia General de las Relaciones Exteriores de la
República Argentina. Buenos Aires: Consejo Argentino para las Relaciones Internacionales (CARI) /
Grupo Editor Latinoamericano, 1999, Parte II, Tomo VIII: Las Relaciones con Europa y los Estados
Unidos, 1881-1930, “Las relaciones políticas con Alemania (1880-1930), p. 149-188, cf.p.149.
583
BROWN, op.cit., p.243.

193
reformas que o tornassem “uma verdadeira instituição”, 584 como aquela entendida pela
Constituição e que era exigida pelo progresso. Estas preocupações deram origem a um
projeto de lei, de autoria do ministro de guerra Benjamin Victorica, que estabeleceu as
bases do desenvolvimento da instituição militar. Em 2 de janeiro de 1884 foi decretada
a organização da Direção Geral do Exército, autorizando inspetores de armas estudarem
os regulamentos estrangeiros que poderiam servir de modelo. Os resultados seriam
vistos no informe do inspetor de cavalaria, Donato Álvarez, que foi levado ao chefe de
Estado Maior do Exército em 16 de março de 1886. Ali, o inspetor escrevia que uma
comissão estudou os regulamentos francês, belga e alemão. Decidiram que o modelo
francês deveria continuar, ainda que, à época, o exército alemão já fosse considerado o
585
instrumento militar mais moderno. Para Alain Rouquié, até o final da presidência de
Julio A. Roca, o modelo francês prevaleceu e a mudança de paradigma teria se dado a
partir de 1904, com o “processo de germanização” a partir do “envio maciço de oficiais
argentinos para estágios em regimentos das forças armadas imperiais”. 586 A discussão a
respeito de um novo modelo militar que seria admitido pelo exército argentino estaria
presente no meio castrense entre 1895 e 1905.
A influência da Escola Militar Francesa se manifestava através de
bibliografia e regulamentos militares, participação de militares argentinos em cursos de
aperfeiçoamento nos institutos franceses e a presença de professores franceses em
estabelecimentos castrenses argentinos.587 Este processo se iniciou já no período de
independência – ainda que este ainda estivesse sob a forte influência do exército
espanhol, fortemente presente em todo o período colonial. Após um período de guerras
nacionais – em que prevaleceu um período de anarquia e nenhuma doutrina militar – o
exército argentino voltaria a ser influenciado pela doutrina francesa na década de 1860,
após a Guerra da Tríplice Aliança. No entanto, o processo de profissionalização do
exército argentino pautado no modelo prussiano, se daria no final do XIX. 588
Para Samuel P. Huntington, a profissionalização, ou seja, o profissionalismo
do oficial é “a característica do moderno oficial, no mesmo sentido em que é
característica do médico ou do advogado. É o profissionalismo que distingue o oficial

584
Ibidem, p.247.
585
Ibidem, cf.p.247-248.
586
ROUQUIÉ, 1984, p.99.
587
ESTEBAN, Carlos. “La influencia de la escuela francesa en la evolución del Ejército Argentino”. II
Congreso Internacional de Historia Militar Argentina. Buenos Aires: Instituto de Historia Militar
Argentina – IHMA, 2010, Vol. I, p. 217-242, cf.p.217.
588
Ibidem, cf.p.236.

194
de hoje dos guerreiros do passado”.589 Fernando García Molina, autor de La Prehistoria
del Poder Militar en La Argentina, tem como principal tese de sua pesquisa a noção de
que é no processo de profissionalização/germanização do exército argentino que se dá o
processo embrionário do poder militar na Argentina, que eclodiria em 1930. Em seu
trabalho, Molina compartilha do mesmo ponto de vista de Huntington quanto à
definição de “profissionalização” das Forças Armadas, sua compreensão sobre o termo
“profissionalismo”. De acordo com Molina, a história da profissionalização argentina
começa quase que ao mesmo tempo com a da Alemanha unificada. 590

La adquisición de una capacidad específica o maestría;


el logro de la autonomía institucional; la aplicación del control
interno; la formación del espíritu corporativo y la presencia de un
sentido de responsabilidad social, son las dimensiones que involucra
el concepto de profesionalización.591

No final do XIX, o governo imperial demonstrava interesse nas vantagens


que poderia trazer os laços com os argentinos. 592 Durante sua segunda presidência, de
1898 a 1904, o presidente Roca foi convidado pelo imperador alemão, Guilherme II, a
assistir manobras militares e estabelecimentos militares, observando pessoalmente o
funcionamento do exército alemão em sua visita realizada àquele país em 1897. Na
perspectiva de Fernando Molina, o presidente argentino não se surpreendera com o que
vira e, em função disso, não se referia a ele de forma laudatória. Assim, ao definir que
modelo seria seguido para a Escuela Superior de Guerra, Roca optaria pela escola
francesa. O coronel francês George Picquart escolhido pelo presidente argentino estava
envolvido na resolução do caso Dreyfus 593, sendo difícil afastar-se do país naquele

589
HUNTINGTON, Samuel P. O Soldado e o Estado. Teoria e política das relações entre civis e
militares. Rio de Janeiro: Biblioteca do Exército Editora, 1996, p.25.
590
Ibidem, cf.p.15.
591
MOLINA, Fernando García. La Prehistoria del Poder Militar en La Argentina. La
profesionalización, el modelo alemán y la decadencia del régimen oligárquico. Buenos Aires:
EUDEBA, 2010, p.13.
592
Ibidem, cf.p.41.
593
Vivia-se sob o clima da “insistência francesa na uniformidade linguística, desde a Revolução. Na
teoria, para um cidadão ser considerado francês não era necessário o uso da língua Frances, mas a
“disposição de adora a língua e as características comuns do povo livre da França”. O capitão Alfred
Dreyfus era descendente de judeus, oficial de artilharia do exército francês e do estado-maior francês. Por
sua descendência. Dreyfus estava sendo agora acusado de não ser “realmente francês”. O que levou a uma
onda de acusações de que espionava a favor da Alemanha em 1894. Em função disso, foi condenado. No
entanto, o caso tomou proporções maiores, polarizando a França porque Dreyfus era e de origem judaica,
em 1894. O processo de acusação ocorreu de forma fraudulenta e a portas fechadas, baseando-se em
documentos falsos. Os oficiais de alta patente tentaram ocultar o erro e a farsa foi acobertada pela onda
nacionalista e xenófoba que se vivia na França da época. Oficial seria perdoado em 1899 e reabilitado em
1906. HOBSBAWM, Eric. A Era dos Impérios, 1875-1814. São Paulo: Editora Paz e Terra, 2007, p.132;

195
momento. Em função disso, o embaixador argentino, o general Julio V. Mansilla594
tentou contratar o general alemão Colmar von der Goltz, que acabava de retornar de
uma missão na Turquia. Por não desejar se afastar do país naquele momento, indica um
veterano da guerra franco prussiana e que havia conhecido em Constantinopla, o
coronel de cavalaria Alfredo Arent.595
Este acontecimento demonstra como o presidente Roca e seu ministro da
Guerra, o tenente general Luis Maria Campos, não tinham um modelo militar exclusivo,
como sugere Molina. Outro aspecto que demonstra tal quadro é que até 1904, no meio
militar predominou a presença de franceses e alemães no exército argentino. Enquanto
os primeiros eram responsáveis pela formação teórica, com exceção daqueles que eram
formados pela Escuela Superior de Guerra, os alemães providenciavam os seus
armamentos.596
Outro importante fator para a aproximação foi o avanço do interesse alemão
no setor de armamentos. As repúblicas em desenvolvimento da América Latina
desejavam desenvolver seus exércitos e o exército alemão, no momento, era aquele
considerado de maior prestígio. Isto porque a Grã-Bretanha, que mantinha relações com
estes países, não possuía uma “fama” militar maior que a naval e os franceses haviam
perdido seu caráter como referencial em função da derrota justamente para os alemães
na guerra franco-prussiana. 597 O entendimento de que a política militar alemã no
exterior fazia parte de uma estratégia maior que envolvia seus interesses econômicos e
fortalecia sua posição internacional em relação aos demais países é vista na primeira
presidência de Julio Roca (1880-1886), quando tivemos o estabelecimento de institutos
militares e a busca de assessoria de técnicos militares alemães. De acordo com Escudé e
Cisneros, estas medidas seriam um exemplo do vínculo existente entre a compra de
armamento moderno e a adoção dos mesmos tipos de treinamento militar, ou seja, a
busca pelos mais “modernos” modelos de treinamento do exército.598

Idem. Nações e nacionalismos desde 1780. Programa, mito e realidade. Rio de Janeiro, Paz e Terra,
1990, cf.p.34.
594
Roca havia nomeado o general Lucio V. Mansilla como embaixador na Alemanha porque esta seria
vista, pelos alemães, como uma atitude positiva para a imagem do Estado argentino, pois os homens de
arma tinham especial consideração e popularidade dentre a sociedade alemã. BROWN, op.cit., cf.p.251;
MOLINA, op.cit., cf.p.46.
595
BROWN, op.cit., cf.p.250; MOLINA, op.cit., cf.p.47.
O Kaiser utilizaria o mesmo recurso no caso brasileiro em período posterior. Em 1908, convidara o então
Ministro da Guerra, Hermes da Fonseca, para assistir às manobras militares. LUNA, 2011, cf.p.148-149.
596
MOLINA, op.cit., cf.p.48; ROUQUIÉ, op. cit., p.99.
597
Ibidem, cf.p.42.; CISNEROS e ESCUDÉ, op.cit., cf.p.149-150.
598
CISNEROS e ESCUDÉ, op.cit., cf.p.150.

196
O exército, ao contratar uma missão alemã, adota um modelo diferente
daquele da elite argentina, que se espelhava na Grã-Bretanha em função dos interesses
econômicos e na França por seu aspecto de “artes e letras”. 599 O treinamento militar
baseado em uma doutrina única teria o seu início com a criação da Escuela Superior de
Guerra (ESG). Sobre a Escuela,

Organizada (...) por um oficial do Estado Maior do Exército imperial,


a Escola multiplicou o modelo alemão através de centenas de oficiais
nativos que passaram por suas salas e por meio da eficiente atuação
dos professores militares dessa origem que integraram, desde o
primeiro dia, seu corpo docente.600

Quando a Escuela foi aberta pra o início dos cursos, seu quadro docente
representa uma diversidade interessante de profissionais militares. Havia quatro
professores alemães – além de seu diretor –, quatro argentinos, um francês e um suíço.
O curso tinha duração de dois anos e consistia uma parte teórica e outra prática em
formato de viagem de exercícios de acordo com aqueles que se realizavam na
Kriegsakademie de Berlim. Em ambos era obrigatório o conhecimento da língua
francesa, sendo o alemão optativo.601
Quanto à organização do exército argentino, o diretor da Escuela afirmava
que não possuía um Estado Maior organizado no formato europeu e sugeria que o
mesmo fosse separado do Ministério da Guerra, como acontecia na Alemanha. Sobre
um formato único de instrução das tropas, Arent julgava que a forma mais efetiva era o
envio de vinte jovens chefes militares argentinos à Alemanha, servindo em unidades
naquele país por um ou dois anos. Tendo o envio destes oficiais autorizado pelo
imperador, os militares passariam por um curso de quatro meses na Escuela, o que
atribuía certa interferência a Arent na seleção dos candidatos, e seriam avaliados de
acordo com suas classificações obtidas e os conceitos de seus superiores. 602

El notorio cambio de actitud que revelaba el gobierno


alemán respecto de la negativa a aceptar oficiales argentinos planteada
pocos años antes tuvo que ver, seguramente, con las perspectivas
futuras que abría a la industria germana el monto de las cuantiosas
compras ya realizadas por la Argentina entre 1898 y 1899.603

599
MOLINA, op.citi, cf.p.11
600
Ibidem, p.48.
601
Ibidem, cf.p.50-51 (ver também a nota 78).
602
Ibidem, cf.p.55-56.
603
Ibidem, p56.

197
No entanto, o projeto não chegou a acontecer durante a presidência de Roca.
Um dos motivos teria sido a relação nada amistosa entre Arent e o Ministro Riccheri.
Além disso, o ministro argentino se opôs á ordem do kaiser que impedia os oficiais
argentinos a entrar em contato com outros exércitos estrangeiros que não o alemão.
Durante o período de 1900 a 1904, presidência de Roca, o exército argentino enviou
trinta e cinco oficiais ao estrangeiro. Destes vinte e um não são especificados, seis
seguiram para a Alemanha, cinco para a Itália, um para França e Alemanha e um para
Europa e Estados Unidos. Estes números demonstram que, no período de Roca, não
havia um modelo exclusivo no exército argentino.604 Por fim, seria durante a
administração de Riccheri na pasta da Guerra que teríamos o menor número de oficiais
alemães atuando no exército argentino, sendo Uriburu quem desempenharia o papel
decisivo até ser considerado “o homem” dos alemães na Argentina.
Com a saída de Arent, uma nova etapa tinha início no exército argentino e
seu processo de modernização/profissionalização. Tratava-se da busca por um perfil de
militar que não interviesse mais na política, 605 que, na fala do Ministro da Guerra do
presidente Manuel Quintana (12 de outubro de 1904 – 25 de janeiro de 1906), General
Enrique Godoy, extirpasse o espírito revolucionário do corpo de oficiais. Para que isso
fosse possível seriam necessárias a reorganização do exército e a implantação da
concepção alemã de dever.
A primeira das medidas se deu através da criação da implantação da Lei
Orgânica Nº4.707 de 1905, que seria vista como um impulso decisivo para a
germanização dos quadros argentino. Com o objetivo de tentar reorganizar o exército, o
606
sistema de promoções e tempo de serviço para reforma seria modificado. De acordo
com a publicação oficial do Ministério de Guerra, buscava-se, com esta lei, quadros

cheios de atividade física e mental, capazes de fornecer o


trabalho intensivo que todo o período de reformas fundamentais
demanda e de fazer este trabalho no sentido da orientação moderna e
prática, que era condição necessária do progresso que se buscava.

604
BROWN, op.cit., cf.p.253; MOLINA, op.cit., cf.p.57.
605
Os militares argentinos compunham um componente importante no sistema político argentino. Além
disso, “Os governos militares contemporâneos da Argentina são praticamente uma consequência
inevitável de uma implicação histórica em todo sucesso político significativo da nação. De uma forma ou
de outra, os militares estiveram envolvidos no estabelecimento, na manutenção ou no colapso de quase
todos os governos da história argentina”. PERINA, op.cit, p.23.
606
MOLINA, op.cit., cf.p.97-99.

198
A lei previu sabiamente que esse resultado não poderia
ser alcançado sem apressar os quadros de muitos elementos que,
apesar de seus longos e bons serviços e precisamente por causa disso,
estavam muito identificados com um passado que era necessário
deixar de lado para edificar o Exército de hoje e amanhã que
necessitamos. Esses oficiais precisavam realizar, para adaptar-se às
novas diretivas que se queria imprimir ao Exército, o maior esforço
intelectual que pode ser imposta a um homem a certa altura da vida:
‘queimar o que se tem adorado’. 607

Assim, fica claro que a questão da reforma nos quadros superiores era algo
necessário para a instauração de um processo de modernização que teria na unificação
da doutrina o seu principal eixo norteador, mas não sem a reorganização do exército
argentino. Para esta tarefa, o general Godoy buscava a ação de oficiais alemães que
seriam destinado a atuar como instrutores e, também, comandantes de unidades de
tropa. Desta forma, seria possível a uniformização de uma doutrina. No caso argentino,
a escolha se dava pela alemã.
A uniformização da doutrina era uma questão importante, na medida em
que, até aquele momento, os oficiais argentinos haviam recebido uma formação teórica
muito variada e até mesmo contraditória algumas vezes em função da variedade de
influências. Este quadro diversificado gerava uma grande instabilidade de toda a
regulamentação militar existente.608
Enrique de Godoy figurava como o verdadeiro pioneiro da reforma militar
sob inspiração alemã, mas foi com Uriburu que a profissionalização se tornou sinônimo
de germanização e encontrou neste militar a figura de seu líder. Foi o general quem
desempenhou um papel chave durante o processo de reforma e incorporação e
adaptação da doutrina germânica, sendo a Escuela Superior de Guerra, seu fator
fundamental. Esta instituição marcou a aproximação do jovem oficial militar com o
modelo de exército prussiano ao tornar-se, em 1901, egresso daquela instituição como
oficial diplomado do Estado Maior, após sua permanência por dois anos na Alemanha
incorporado ao Regimento Nº1 da artilharia da Guarda Imperial. 609 De acordo com
Fernando García Molina, Uriburu se tornaria o líder de um grupo de oficiais “’jovens e
progressistas’, ou ‘reacionários’ (que na linguagem política da época qualificava

607
Memoria de Guerra, 1907-1908. Buenos Aires: Arsenal Principal de Guerra, 1908, p.69. Tradução
nossa.
608
MOLINA, op.cit., cf.p.101-102.
609
Ibidem, cf.p.104-105.

199
também aos opositores do regime gerido por Roca), dispostos a levar adiante a
modernização do exército, identificada agora com o paradigma germano.”.610
O intervalo compreendido entre os anos de 1907 e 1910 corresponderiam à
difusão das vantagens do modelo alemão no meio castrense pelo grupo de militares
ligados àquela doutrina. No entanto, este modelo organizacional se tornaria possível
com o início da educação profissional a partir do regulamento do Estado Maior do
Exército em 1904 − reorganizado conforme seu similar teuto – que deveria agora
estudar e redigir novos regulamentos voltados para a unidade da doutrina. Outro fator
importante foi a criação, no ano seguinte, da Dirección General de Institutos de
Enseñanza Militar. Esta diretoria tinha como função centralizar a direção das escolas de
ensino militar e estabelecer um plano único de estudos, o que possibilitaria, desta forma,
a uniformização de uma doutrina. Com a Dirección à frente do plano de estudos,
incluía-se, em 1905, o idioma alemão como uma das disciplinas do curso superior do
Colégio Militar.611
Durante este período, 1907-1910, o exército argentino passa por
modificações significativas em sua regulamentação com o objetivo de uniformizar a
doutrina germânica, que priorizava a prática no lugar de tendências teorizadoras, como
era o caso da francesa. Este ponto é ressaltado pelo Memoria de Guerra ao tratar em sua
seção referente à Instrução, a sua orientação aplicativa:

A instrução da oficialidade era, até recentemente, muito


teórica; não se compreendera completamente que mais do que as
escolas, mais que o gabinete, a verdadeira instrução a do trabalho no
terreno com as tropas e que o oficial deve ser antes de tudo um
homem de ar livre, bem treinado nos exercícios físicos, habituado a
dominar a fadiga. Sob este critério foi dada uma nova orientação à
instrução dos oficiais e das tropas; se fazem eficazes esforços para
converter a cada corpo em uma verdadeira escola de aplicação, e
acabam de modificar-se os regulamentos e planos de estudo dos
institutos de ensino militar, afastando-se de toda tendência de erudição
superficial, para aprofundar o ensino e fazê-lo essencialmente
aplicado. 612

Neste trecho de Memoria de Guerra, a questão dos exercícios físicos é


colocada como um aspecto positivo, já que um militar bem treinado estaria “habituado a

610
Ibidem, p.104.
611
Ibidem, cf.p.111.
612
Memoria de Guerra, 1907-1908. Buenos Aires: Arsenal Principal de Guerra, 1908, p.105.

200
dominar a fadiga”. A preocupação com a educação física é um dos temas tratados nas
correspondências trocadas entre Riccheri e Roca:

A educação física nacional pedra angular da supremacia


militar e da supremacia étnica, intelectual e econômica.
A agitação da vida civilizada atual irrita e desgasta a tal
extremo o sistema nervoso para salvar a raça da decadência são
antídotos imprescindíveis: a educação física é higiênica da criança
precedendo à instrução literária científica cuja iniciação deve retardar-
se. A cultura física do adulto, revigoradora e calmante, fazendo o
equilíbrio e neutralizando a excitação cerebral. 613

Se agora o exército argentino buscava a prática como a nova forma de


instrução de sua oficialidade, então, como se daria este processo? A resposta se daria a
partir do envio de oficiais escolhidos nas escolas de ensino do exército, especialmente
na ESG, para estágios nas forças imperiais.
Apresentamos alguns números relativo ao envio de oficiais em momento
anterior de nosso trabalho, mas voltaremos a esta questão. Entre 1904-1905, dos
duzentos e trinta e sete oficiais, aproximadamente 12% (28) foram enviados em
comissões para a Europa. Já o intervalo de 1906-1914 concentrou 88% destes oficiais
(208 dos 237). Contudo, é importante destacar que neste primeiro período, entre 1904 e
1905, não houve uma maioria destinada a um país europeu. Isso não ocorreria no
segundo momento, de 1906 a 1914, quando o centro de aprendizagem teórico-prático
seria o império alemão. No final do primeiro intervalo houve, inclusive, uma instrução
datada de 11 de outubro de 1905 que determinava o envio de oficiais à Alemanha para
um período de estudos de um ano e meio, servindo no corpo de tropa de sua perspectiva
arma (infantaria, cavalaria e engenharia). O artigo 27 de tal instrução determinava que
aqueles oficiais que estivessem na Europa, mas servindo em tropas que não as do
exército alemão, deveriam seguir para Berlim de modo que fossem direcionadas ara
ingressar em cursos daquela instituição. 614
O número de oficiais enviados à Alemanha sofreu uma queda em 1907,
totalizando apenas 20% do número de oficiais em relação ao ano anterior. Este fato
agravou a situação de oficiais do exército.. A reforma empregada pela Lei Orgânica Nº
4.707 De acordo com o general Rafael Aguirre, Ministro da Guerra, através de Memoria

613
AGEA, Modernización, Caja 3 (1902-1910), Legajo Augusto G. Rodriguez, s/d.
614
BROWN, op.cit., cf.p.253-254; MOLINA, op.cit., cf.p.114-116.

201
apresentada ao Congresso Nacional em 1908, 615 o número de aposentadorias teria
levado a esse quadro, provocando uma escassez de oficiais e suboficiais nos quadros das
unidades recém-criadas. Uma das saídas adotada para a reversão deste quadro foi a
redução do número de oficiais enviados à Alemanha. Contudo, em 1908 esse número
voltaria a crescer, tendo o seu ápice no ano seguinte com o envio de cinquenta e sete
oficiais.
O Ministro de Guerra, Rosendo Fraga, explica, em 1908, o motivo para
eleger o modelo alemão se dava

exclusivamente como fonte de aperfeiçoamento para os oficiais


mencionados [aqueles cujas aptidões os designem como capazes para
chegar a ser bons professores militares], não só porque, como se tem
dito, se aspira fervorosamente à unidade de doutrina e ao
desenvolvimento dos métodos aplicativos de instrução, qualidades que
aquele exército possui em grau eminente.616

A ação dos oficiais alemães como instrutores de instituições de ensino do


exército argentino não sofreriam grandes mudanças até o início da 1ª Guerra Mundial,
quando os oficiais foram chamados para retornarem ao seu país de origem em função do
conflito. No entanto, o ano de 1912 significou um período de dúvidas quanto à
eficiência alemã e suas missões. A Turquia havia sofrido derrotas no decorrer da
Primeira Guerra Balcânica, fazendo com que houvesse questionamentos acerca da
viabilidade de adoção de sistemas militares estrangeiros. Um dos militares abertamente
antigermânico era o tenente coronel Augusto Maligne. Era dele uma das principais
críticas ao sistema alemão. Na ocasião do conflito, publicara em uma revista francesa
para esboçar algumas conclusões e enaltecer o papel dos franceses em sua instrução ao
exército Grego, que pertencia à Liga Balcânica 617 que vencera o Império Otomano – que
havia sido treinado pelos alemães. Concluía o militar argentino de descendência
francesa, os países da América do Sul estavam destinados a adotar o sistema francês
“por razões culturais, raciais, sociais e linguísticas”. 618

615
Memoria de Guerra, 1907-1908. Buenos Aires: Arsenal Principal de Guerra, 1908, cf.p.71-72.
616
Ibidem, p.108. Tradução nossa.
617
A Liga Balcânica foi uma aliança realizada em 1912, composta ela Bulgária, Grécia, Montenegro e
Sérvia, com o objetivo de conquistar os territórios europeus que ainda restavam à Turquia..Fonte:
http://pt.wikipedia.org/wiki/Liga_Balc%C3%A2nica. Vista em: 10/08/2013.
618
MOLINA, op.cit., p.198.

202
Maligne fazia parte de uma das tendências nacionalistas existentes no
exército argentino. Estas se dariam em dois níveis: aquela pró-francesa, que tinha
naquele oficial uma espécie de líder; e a outra, composta por oficiais nativos e na
ofensiva contra os alemães.619 Estas duas tendências, juntamente com uma parcela
significativa da imprensa argentina criticavam a atuação dos militares alemães e a
adoção dos regulamentos daquele exército. Contudo, ainda que o início da 1ª Guerra
Mundial tenha significado o encerramento abrupto das relações entre alemães e
argentinos, ela não significou o fim da sua influência.
Diante do que temos discutido até agora a respeito da presença do exército
alemão na Argentina, sabemos que a medicina militar não era diretamente uma das
áreas contempladas. As armas de infantaria, artilharia e engenharia foram as
contempladas com o envio de oficiais para o treinamento com as tropas imperiais
alemãs. No entanto, uma importante instituição surgiria durante a presença da missão
alemã na Argentina: a Escuela de Aplicación de Sanidad Militar.

2.2.2.1.1. Escuela de Aplicación de Sanidad Militar

No ano de 1893 era levado ao Ministério da Guerra um projeto para a


criação e instalação de uma escola de medicina e cirurgia militar. Este documento
ampliava outro que fora apresentado em 1883 e continha apenas a base para a criação de
um instituto de ensino de medicina militar.620
Em ofício de Pedro Mallo, Cirurgião-mor da Armada, ao Chefe do Estado
Maior Geral de Marinha, Contra Almirante Bartolomé Lónidas Cordero, 621 apresentava
o dois projetos: um sobre a criação de uma Escuela de Medicina Militar e outra sobre os
Exames de Ingresso de Cirurgiões e Farmacêuticos tanto para o Exército quanto para a
Armada. De acordo com Mallo estes projetos são fruto do trabalho do, à época,
Cirurgião de I Classe Francisco de Veyga, a partir das observações feitas por este nas
principais capitais da Europa e respectivas instituições do tipo. Este tipo de solicitação,
da criação/implantação deste estabelecimento de ensino para ambos os Cuerpos de

619
MOLINA, op.cit., cf.p.197.
620
COMANDO EN JEFE DEL EJÉRCITO, op.cit., cf.p.433-434.
621
Pedro Mallo para o Chefe do Estado Maior Geral de Marinha, Contra Almirante Bartolomé L.
Cordeiro. Buenos Aires, 2 de julho de 1892. Archivo General de la Nación (AGN), Fondo General
Lorenzo Vintter (FGLV), Signatura Topográfica (ST) 1160.

203
Sanidad, ou seja, Exército e Armada, vinha sendo apresentada de forma recorrente nas
Memorias de Guerra dos anos anteriores.622
A escola, no entanto, seria criada apenas em 1898, com o doutor Alberto da
Costa como Inspetor Geral de Saúde Militar. A criação da Escuela de Aplicación de
Sanidad Militar se deu através de um decreto de 25 de janeiro daquele ano. A escola
ficava subordinada à Inspección General de Sanidad e com sua sede no Hospital Militar
da capital. O documento determinava que a escola estava destinada ao ensino teórico-
prático aos que aspiravam ao posto de cirurgiões ou farmacêuticos do exército.
Funcionaria sob a direção de um cirurgião inspetor e seria administrada pelo pessoal do
Cuerpo de Sanidad, destacado pelo Executivo.623
O plano de estudos da escola, regulamentado pelo decreto que a criara, era
dividido conforme o campo: medicina e farmácia. A exigência mínima para entrada na
escola – que tinha seu número de vagas limitado pelo Governo −, além do fato de ser
argentino nato ou naturalizado, era a idade mínima de 23 anos e condições físicas
condizentes com o serviço militar. Além disso, o aspirante deveria apresentar seu
certificado garantindo que havia cursado o quarto ano de estudos na faculdade de
medicina ou o primeiro do curso de farmácia. Assim, aqueles que ingressavam se
comprometiam a servir em um período não inferior a dois anos – a contar da data em
que recebessem os documentos com os graus com os quais ingressariam no corpo de
saúde. Por fim, a duração do curso na escola de aplicação era de quatro anos, custeado
pelo Estado na Escola de Medicina de Buenos Aires até a obtenção de seu diploma. 624
Um novo decreto, de maio de 1902, reestabeleceu a escola e nomeou os
professores que a integrariam. A Escuela de Aplicación de Sanidad Militar havia sido
criada pelo Superior Decreto de 24 de maio de 1902, “destinada a da aos estudantes das
faculdades da República que aspirem a ser cirurgiões, farmacêuticos e veterinários do
exército, a instrução teórico-prática correspondente”,625 funcionando anexa ao Hospital
Militar Central. Para o ingresso na Escuela de Aplicación naquele ano, era necessário
ser classificado no concurso de classificação entre estudantes de diversas faculdades,
sendo 20 vagas para medicina, 4 para farmácia e 8 para veterinários que possuíssem as
maiores notas. Aprovados, prestariam seu serviços como praticantes superiores e

622
Na edição de 1885-1886, localizamos um projeto de escola para padioleiros e enfermeiros. Nos
Anexos de Memoria de Guerra, de 1886, temos o projeto de uma Escuela de Medicina Militar, como
vimos no item referente à “Organização do Cuerpo de Sanidad...”, do presente capítulo.
623
COMANDO EN JEFE DEL EJÉRCITO, op.cit., cf.p.434.
624
Ibidem, cf.p.434-435.
625
Memoria de Guerra, 1902-1903. Buenos Aires: Arsenal Principal de Guerra, 1903, p.13.

204
inferiores, seguindo o plano de estudos da escola que fora aprovado pelo Ministério e
era fruto de consulta das “exigências científicas dos diversos ramos de ensino e de
nossas necessidades”. 626
A escola de aplicação teve seu fim em 1905, pois seu custo de manutenção
era considerado muito elevado e seu ensino era visto como de “caráter complementar”,
já que conferências a cargo do seu corpo médico chegariam aos mesmos resultados. A
instituição só voltaria a funcionar em 1916. 627 Ao se referir ao seu retorno, a Memória
Militar referente a 1917-1918, trata da mesma como um instituto que obteve êxito em
seu funcionamento e que “fará sentir cada vez mais sua influência na especial
preparação de cirurgiões militares.”.628
Entre o fechamento da Escuela de Aplicación de Sanidad Militar e a sua
reabertura, o serviço de saúde militar argentino se apresentava deficiente, precário e
com falta de recursos. Foi um processo muito lento e gradual até a sua reorganização,
através do decreto de 16 de fevereiro de 1916. Sua reestruturação correspondia a um
novo critério, relacionado às necessidades originadas pelo ingresso de cidadãos
oriundos do serviço militar obrigatório. O referido documento reorganizava o Ministério
da Guerra e, assim, a Inspección General de Sanidad − que dará origem à Dirección
General de Sanidad, a quem todos os organismos que integravam o corpo de saúde
deveriam responder. A direção, então, ficava encarregada de tudo o que dizia respeito à
organização, preparação e funcionamento do Serviço de Saúde e Farmácia do Exército
argentino e ficaria constituída da seguinte forma: uma secretaria e três divisões. As
divisões foram designadas como Inspeção e Depósito Sanitário Central, Profilaxia e
Laboratórios, Preparação e Organização. 629

2.2.2.2. O Brasil e as missões militares

Ao colocar as questões que surgem a partir da reflexão de seu trabalho,


Mônica Lessa apresenta diversos pontos. Um deles se dá justamente neste momento de

626
Ibidem, cf.p.13. O plano de estudos encontra-se em anexo ao nosso trabalho.
627
COMANDO EN JEFE DEL EJÉRCITO, op.cit., cf.p.436-437.
628
Memoria de Guerra, 1917-1918. Buenos Aires: Talleres Gráficos del Estado Mayor del Ejército,
1918, p.34.
629
COMANDO EN JEFE DEL EJÉRCITO, op.cit., cf.p.437-438; RODRIGUEZ, op.cit., cf.p.98.

205
nosso texto: “Quais os pontos convergentes nas ambições dos países envolvidos?”.
Acreditamos que esta frase se aplica aos nossos estudos, uma vez que a necessidade de
modernização de nosso Exército – e também do Estado brasileiro – bem como da
difusão de um modelo “vencedor” de organização militar resultante do conflito da 1ª
G.M. e, em nosso caso, representado pela França e sua Missão Militar contratada em
1919630.
Nos diversos textos que tratam sobre o contexto científico, Petitjean,
Hambúrguer, Dantes e Lessa refletiram acerca do comportamento das principais nações
do cenário científico europeu e suas estratégias acerca da ciência e as relações
internacionais. Compreendemos que os pontos trabalhados por estes autores também se
aplicariam à lógica das relações entre os oficiais das principais nações europeias e dos
países latino-americanos.
O intercâmbio de cientistas e de oficiais militares implicam em
transferências/influências culturais que trarão implicações diretas nas opções a serem
tomadas quanto à contratação de uma missão de um ou outro país. É claro que não
podemos nos desligar do contexto histórico em questão. A derrota alemã na 1ª G.M. é
um claro exemplo disto no caso brasileiro. No entanto, enquanto no Brasil temos a
opção pela contratação de uma Missão Militar Francesa, o mesmo não ocorreria em
países como Argentina e Chile. Entendemos que tal quadro se configura desta forma em
função do quase inexistente contato dos oficiais militares daqueles países com nações
europeias. Diferentemente do que ocorreu no Brasil, o contato com o Exército alemão
se deu tanto em solo nacional argentino e chileno, quanto no envio de oficiais para
estudos e estágios nas fileiras do exército alemão. Isto caracterizaria uma forte rede de
contatos e a consolidação de um modelo de exército nestes países: o modelo alemão.
Portanto, o estudo das relações internacionais não se desvincula daquele
para a compreensão da contratação de missões militares. As estratégias de disputa por
mercados consumidores de armamento bélico não deve ser visto como algo alheio à
influência cultural de um país ou outro. Desta forma, as estratégias adotadas pelas
nações europeias no que diz respeito ao cenário científico internacional também será
importante para a compreensão dos caminhos seguidos para a contratação de missões
militares.

630
LESSA, op.cit., cf.p.93-94.

206
2.2.2.2.1. A Missão Francesa na Força Pública de São Paulo
(1906)

A Força Pública de São Paulo tem sua origem no Império, com a lei de 10
de outubro de 1831, que permite às províncias o poder de criarem um corpo municipal
permanente. Sua proposta de organização foi feita pelo Presidente da Província de São
Paulo, Brigadeiro Rafael Tobias de Aguiar. Desde sua criação até a chegada da Missão
Francesa, sua principal função era a manutenção da ordem. No período imperial, era
responsável pela da segurança na província, tendo sido convocada para auxiliar nas
operações em Mato Grosso no decorrer da Guerra do Paraguai e no combate aos
revoltosos de Canudos – ainda que apresentasse instrução deficiente e equipamento
modesto. Além disso, no decorrer deste período até a Proclamação da República, a
antiga província, que agora era o estado de São Paulo, ia se tornando importante no
cenário econômico nacional, o que impulsionaria também ao desejo de reforma e
modernização de seu corpo militar..631
Em 1906, ano em que se dá a vinda da Missão Militar Francesa para a Força
Pública de São Paulo, a província tinha como seu presidente Jorge Tibiriçá, que fora
eleito para os anos de 1904-1908. O presidente daquela região defendia uma
reestruturação da corporação militar, configurando “características de tropa solidamente
estruturada e moldada em princípios de severa disciplina”. 632 Além disso, convidaria
para ocupar o cargo na Secretaria do Interior e Justiça, J. Cardoso de Almeida. É a este
que recorre à solicitação da vinda de uma missão estrangeira que possa instruir a Força
Pública de São Paulo (FP-SP), “aperfeiçoando-a técnica e culturalmente”.633 Assim,
Cardoso de Almeida estabelece comunicação com o Ministério do Exterior para a
contratação de uma missão com instrutores militares estrangeiros. Estabelecido o
contato com o ministro, Barão do Rio Branco, este sugere a contratação de um instrutor
do exército alemão, “que é o primeiro da Europa. Há nele oficiais que falam
corretamente o francês e o italiano”. 634 Interessante esta observação feita pelo ministro,
porque demonstra a preocupação relacionada com os entraves e os limites de

631
AMARAL, Antônio Barreto. “A Missão Francesa de Instrução da Força Pública de São Paulo”.
Separata de: Revista do Arquivo Municipal, São Paulo 1966, CLXXII, cf.p.12-13; ANDRADE, Euclides;
CAMARA, Hely Fernandes da. A Força Pública de São Paulo: Esboço Histórico, 1831-1931. São
Paulo: Sociedade Impressora Paulista, 1982 (1ª Ed. 1931), cf. p.49.
632
AMARAL, op.cit., p.13.
633
Ibidem, p.14.
634
AMARAL, op.cit., p.14.

207
compreensão que poderiam se dar em função do idioma alemão. Entendemos que, no
contexto cultural da época, o fato de os oficiais alemães saberem o idioma francês era
de grande valia para a aproximação dos oficiais do estado de São Paulo.
Na ocasião da contratação dos oficiais estrangeiros, São Paulo encontrava-se
em “marcha franca de progresso”, sendo uma potência agrícola e industrial. Técnicos
militares e parte da imprensa se opuseram à contratação da missão, pois, alegava-se
“falta de patriotismo na resolução governamental”. 635
A FP-SP contaria com três missões militares. Para esta primeira missão, que
duraria de 1906 a 1913, seu chefe seria o Coronel Paul Balagny, acompanhado do
Tenente-Coronel Raoul Negrel (da área de artilharia e que foi assassinado por um dos
membros da Força Pública, o sargento José de Melo), dos tenentes André Honeix de La
Brousse e Louis Jousselain (infantaria), Delphin Balencie (Ginástica e esgrima) e do
capitão Frederic Stattmuller (cavalaria). 636 Uma segunda missão se daria entre 1910 e
1914 com o General Antoine Nérel como comandante. A terceira missão, se daria entre
1919 e 1924, sob o comando do mesmo militar da 2ª missão.637
Na primeira missão, o contrato estabelecia um período de instrução de dois
anos, sendo prorrogável de acordo com a vontade de ambas as partes.638 No decorrer
deste período, os auxiliares de Balagny se encarregaram de “organizar os vários
regulamentos que serviram de base à completa remodelação da força”. As diversas
publicações voltadas para a Força Pública de SP (“Escola do Soldado”, “Escola do
Cavaleiro”, “Escola de Esquadrão”, etc.), dentre outros compêndios, tratava-se de
“ensinamentos militares transplantados do exército francês” para aquela instituição. 639 À
respeito da missão, Amaral afirma que não se tratava apenas de instrução, disciplina e
cultura. Tudo o que fosse passível de melhoria seria atingido, inclusive uniformes,
armamentos e calçados.640
O serviço de saúde da FP-SP era responsável pelos exames físicos que
seriam realizados pelos candidatos a ingresso na corporação. No cuidado com os já
integrantes da Força, este se dava basicamente através de “palestras educativas,

635
ANDRADE, op.cit., p.49.
636
Arquivo do Museu da Polícia Militar do Estado de São Paulo, Trabalho da Missão Militar Francesa
Instrutora da Força Pública – 1910, 06-04-262/03, “Missão Militar Francesa”, p.5-6; PIMENTEL,
(Major) Olímpio de O. “Missão Francesa de Instrução Militar”, Militia, São Paulo, 1957, 67 (XI)/
Janeiro-Fevereiro, p.12-17, cf.p.14.
637
ANDRADE, op.cit., cf.p.58-59.
638
AMARAL, op.cit., cf.p.17.
639
ANDRADE, op.cit., p.60.
640
AMARAL, op.cit., cf.p.35.

208
cuidados preventivos” e tratamentos clínicos e cirúrgicos a partir do atendimento a em
seu hospital militar, criado em 1892 através da Lei 97-A de 21 de setembro e que tinha
como seu diretor o Dr. Luiz Felipe Jardim. 641 Passa a ser chamado como Corpo de
Saúde a partir de 1912, sendo constituído por: 1 tenente-coronel Chefe do Serviço
Sanitário, 7 majores médicos, 1 capitão dentista, 1 capitão farmacêutico, 1 sargento
ajudante enfermeiro-mor, 2 segundos-sargentos, 1 furriel amanuense, 6 cabos
enfermeiros e 18 soldados serventes. No ano de 1911, se dá “o impacto do progresso,
através de reformas substanciais e adequadas ao fim a que se destinam; foi adquirido
equipamento médico-científico e sanitário, exigido pela constante evolução da
ciência”.642
Há um aspecto importante quanto aos cuidados com a saúde e
desenvolvimento da tropa: a educação física. A Escola de Educação Física da Força
Pública foi criada em 1906, tendo sido proposta por Balagny, e a direção desta entregue
ao capitão Lemaitre.643 Para a segunda missão a mesma preocupação se faria presente,
tendo na figura do capitão Delphin Balancier, o mestre de Educação Física – que
consistia basicamente em seção de esgrima e ginástica. A respeito deste
estabelecimento,

Criada para educar physicamente o soldado paulista, a


Escola, alargou o seu campo de acção e coadjuva agora efficazmente
os governos do Estado e da Republica na campanha por ambos
emprehendida no sentido de diffundir, tanto quanto possível, o amor
ela cultura physica no paiz. 644

A escola de educação física da Força Pública não estava vinculada


exclusivamente com o meio militar. Além de todos os elementos da FP-SP – desde
soldados a oficiais – passarem pelo referido estabelecimento de ensino, os civis também
podiam utilizar as suas instalações, bem como crianças e “cavalheiros de elevada
posição social”.645 Além disso, ela também era responsável pela formação de instrutores
de esgrima e ginástica, que constituíam os “propagandistas do revigoramento da raça

641
“O Serviço de Saúde da F.P. – 60º Aniversário”, Militia, São Paulo, 1952, 30 (V)/Setembro-Outubro,
p.86-107, p.86-88.
642
Ibidem, cf.p.97.
643
O Major Pimentel confere ao Coronel Pedro Dias de Campos como idealizador da Escola de Educação
física, tendo sido fundada em 1902, ou seja, anterior à chegada de Delphin Balencie e a Missão Francesa.
PIMENTEL, op.cit., cf.p.14.
644
AMARAL, op.cit., p.145.
645
Ibidem.

209
pelos exercícios físicos” e que acabavam absorvidos pelo mercado dos clubes esportivos
de São Paulo.646
Por fim, um documento localizado apenas parcialmente no Arquivo do
Museu da Polícia Militar do Estado de São Paulo nos chamou especial atenção. Trata-se
de uma correspondência confidencial oriunda da região francesa de Hennebont, de 8 de
setembro de 1910. Endereçada ao secretário, demonstra preocupação quanto à
campanha que se dava no Rio (que supomos ser a cidade do Rio de Janeiro em função
do envio de oficiais brasileiros, naquele período, para a realização de estágios junto ao
exército prussiano), em favor de uma missão militar alemã e que se daria justamente
naquele momento.647

2.2.2.2.2. A Missão Francesa na Escola de Veterinária do Exército


(1908-1914)

Como nosso foco é o Serviço de Saúde, o Serviço de Veterinária do


Exército e sua Escola de Veterinária não poderiam ser ignorados. Não nos cabe tratar
aqui de forma pormenorizada a estrutura e o funcionamento da respectiva escola. Por
isso, nosso foco neste momento se dá através das relações que se estabeleceram para
que a Escola fosse criada e o papel da Missão Militar Francesa neste processo.
A preocupação quanto à necessidade de um Serviço de Veterinária já
encontrava-se descrito no Relatório do Ministério da Guerra, que tinha o Marechal
Hermes da Fonseca (1855-1922) à frente naquele período e que seria uma das principais
figuras – senão a principal – no processo de modernização do Exército brasileiro. Ao
tratar dos novos animais que foram adquiridos pelo Ministério da Guerra, afirma que
estes não atendiam às exigências da guerra por serem pequenos e que acreditava que os
criadores seriam estimulados pelo “novo mercado que o governo lhes oferece”, 648
tratando de melhorar a raça. De acordo com o ministro,

646
Ibidem, p.145-146.
647
Arquivo do Museu da Polícia Militar do Estado de São Paulo, Trabalho da Missão Militar Francesa
Instrutora da Força Pública – 1910, 06-04-262/02.
648
Ministério da Guerra. Relatório apresentado ao presidente da República dos Estados Unidos do Brazil
pelo Marechal Hermes Rodrigues da Fonseca. Rio de Janeiro: Imprensa Nacional, Maio/1907, p.10.

210
Não basta, porém, obter bons productos nacionaes
[referindo-se aos cavalos], é preciso formar um pessoal habilitado a
cuidar da saúde e do preparo delles, para o serviço. Para isso é
indispensável fundar com profissionaes estrangeiros uma escola de
veterinários, tendo já o governo encarregado um dos médicos em
commissão na Europa do estudo de sua organização, e crear depósitos
de remonta onde sejam recolhidos os animaes precisos para a
mobilização, mas destinados principalmente à acquisição e ensino dos
animaes novos que, na idade conveniente, serão entregues aos corpos
perfeitamente adestrados.649

O ano de 1908 se iniciava com a reorganização do exército 650 a 4 de janeiro


e, com ela, a criação de um serviço de veterinária. Naquele período, o exército se
encontrava diante de um grave estado sanitário de sua cavalaria em função de uma
zoonose: o mormo.651 Tendo travado uma batalha contra a doença, uma campanha foi
montada e só terminaria em 1920. O combate se deu a partir da instalação e atuação da
Polícia Sanitária da cavalhada. 652 A preocupação com a enfermidade era tamanha que o
Regulamento do Corpo de Veterinários de 1910, faz menção à doença, ao estabelecer,
em seu Artigo 12, que “É expressamente vedado ao veterinário conservar, no corpo ou

649
Ibidem, p.10.
650
As missões militares empreendidas por argentinos e chilenos preocupavam os militares brasileiros. O
Brasil não se encontrava mais na posição de liderança militar alcançada após a vitória na guerra contra o
Paraguai e que se perdeu “pena inércia dos últimos governos monárquicos”.
Em função disso, três reivindicações foram feitas e diziam respeito ao aumento do número de efetivos, de
modernização estrutural e aquisição de armamento. Um decreto de dezembro de 1899 e outro de 1894
seriam responsáveis pelo aumento, na teoria, do contingente de praças. O aumento real não se deu. Foi
então que o Ministro Marechal Hermes da Fonseca desenvolveu um plano remodelador para o exército,
que resultaria na Lei 1860 de 4 de janeiro de 1908, regulamentando o alistamento e o sorteio militar, além
de reorganizar o exército. Mais uma vez, uma determinação não seria vista na realidade. MOTTA,
Jehovah. Formação do oficial do Exército: currículos e regimes na Academia Militar, 1810-1944. Rio
de Janeiro: Bibliex, 2001, cf.p.215-217.
651
Em algumas regiões, o mormo é conhecido como: lamparão, farcinose, mal de mormo, catarro de
burro dentre outras nomenclaturas populares.
Trata-se de uma doença infectocontagiosa causada por uma bactéria, que acomete principalmente
os equídeos, podendo também acometer o homem, os carnívoros e eventualmente os pequenos
ruminantes, tendo a Burkholderia mallei o seu agente etiológico.
No passado, esta enfermidade ocorria em todo o mundo em função da grande utilização dos
cavalos. Com o passar do tempo o uso destes animais foi diminuindo e os procedimentos em combate às
doenças se desenvolvendo, o que levou a uma redução da incidência da doença pelo mundo.
Esta foi descrita pela primeira vez no Brasil em 1811, tendo sido introduzida, provavelmente por
animais infectados importados da Europa. Fonte:
http://dentistadecavalo.com.br/index.php?option=com_content&view=article&id=53:afinal-o-que-e-
mormo-&catid=25:noticias; visto em 24/11/2010.
652
SOUSA, Luís de Castro. “João Moniz Barreto de Aragão. Médico Militar e Pioneiro da Veterinária
Brasileira”. Separata de: Revista do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro, Rio de Janeiro, 1976,
305, Outubro/Dezembro 1974, cfp.p 58-59. Arquivo Histórico do Exército (AHEx).

211
estabelecimento em que servir, qualquer animal atacado de mormo ou outra moléstia
contagiosa, mesmo a pretexto de experiência para a sua cura”. 653
Aquele ano seria importante porque significava a criação de um Corpo de
Veterinários e em função da falta de uma escola de veterinária, a partir do dia 10 de
maio de 1908, o exército brasileiro receberia dois médicos veterinários contratados na
França: tenente-coronel Antoine Dupery654 e capitão Paul Ferret. A vinda destes
profissionais se deu por insistência do médico militar João Moniz Barreto de Aragão,
tendo sido indicados por Pierre Paul Émile Roux – diretor do Instituto Pasteur à época –
atendendo à solicitação do governo brasileiro, como vimos no Relatório referente ao
655
ano de 1906, que havia pedido ao Instituto a indicação de médicos veterinários. O
serviço de veterinários surgiria e seria organizado juntamente com a vinda de uma
missão estrangeira que se estenderia até 1911.
Os militares franceses já chegariam com uma tarefa imediata:

O estudo das providencias a tomar para a extirpação do


mal [o mormo] foi este anno confiado a uma commissão de
profissionaes francezes, contractados pelo Governo para organizar o
serviço de veterianaria do exercito e fundar uma escola veterinária.656

Para o ingresso de veterinários no Exército, poderiam ser admitidos no


quadro de segundo tenente, aqueles que apresentassem os “diplomas de habilitação, nas
matérias essenciais da profissão”. Aqueles que possuíssem diploma de instituição
estrangeira ficariam sujeitos às determinações do código que regia o ensino nas escolas
superiores.657
A escola de veterinária do exército se tornaria possível com a presença de
professores especializados que preencheriam esta lacuna. Esta ideia, a da fundação de

653
BRASIL. Decreto nº 8.168 de 25de Agosto de 1910. Aprova o regulamento para o serviço de
veterinária do Exército. Diário Oficial da União - Seção 1 - 20/9/1910, Página 7557 (Republicação).
654
A grafia do sobrenome deste médico francês é também escrita em outras publicações como: Dupy e
Dupuy. No entanto, nos basearemos na grafia utilizada pelo Relatório do Ministério da Guerra e que
também se encontra no livro histórico do Serviço de Veterinária do Exército.
655
VELLOSO, Verônica Pimenta. “Escola de Veterinária do Exército”. In: Dicionário Histórico-
Biográfico das Ciências da Saúde no Brasil (1832-1930). Casa de Oswaldo Cruz / FIOCRUZ –
(http://www.dichistoriasaude.coc.fiocruz.br/iah/P/verbetes/escvetex.htm#ficha). Acesso em janeiro de
2012.
João Moniz Barreto viria a ser o Patrono da Veterinário do Exército, de acordo com o Decreto-Lei
nº2.893, de 20 de dezembro de 1940.
656
Ministério da Guerra. Relatório apresentado ao presidente da República dos Estados Unidos do Brazil
pelo Marechal Hermes Rodrigues da Fonseca. Rio de Janeiro: Imprensa Nacional, Junho/1908, p.54.
657
ARAGÃO, João Muniz Barreto de. Organização de Serviços de Veterinária do Exército. Conferencia
realizada no Clube Militar, Rio de Janeiro, 1918, p.5. Arquivo Histórico do Exército (AHEx).

212
um estabelecimento de ensino de veterinária, “foi aventada na França pelo nosso
enviado especial, o então tenente-coronel médico Dr. Ismael da Rocha, conforme se
refere a carta enviada pelo Dr. Roux ao presidente da República brasileira.”. 658 O
Decreto de n. 2.232 de 6 de janeiro de 1910 e que reorganiza o Serviço de Saúde do
Exército, em seu artigo 22 estabelecia que “o Governo [fica] autorizado a crear uma
escola de Veterinaria para preparo dos profissionaes encarregados de vigiar pela
conservação da cavalhada do Exercito” e seu parágrafo único estabelecia os critérios
acerca do ingresso de profissionais: “Enquanto não houver profissionaes habilitados
pelo referido estabelecimento, a admissão ao primeiro posto veterinário será feita por
concurso entre profissionaes diplomados.”. 659 O Serviço de Veterinária do Exército, no
entanto, só teria o seu regulamento em 1910, com o Decreto N.8.168 de 25 de agosto.
De acordo com Verônica Pimenta Velloso, vários autores relacionam a
origem da Escola de Veterinária do Exército com as pesquisas que eram realizadas por
Moniz Barreto no Laboratório de Microscopia Clínica e Bacteriologia. Tal relação se
deu na medida em que

As pesquisas tinham como objeto as doenças que


acometiam os animais e eram transmitidas aos militares, reduzindo o
contingente das tropas. Desta forma, entre os anos de 1904 e 1910, o
então Capitão João Moniz Barreto de Aragão dedicou-se à
bacteriologia e patologia dos animais doméscitos, destacando-se seus
estudos sobre o mormo no homem e a febre aftosa no município de
Cantagalo (RJ), sendo que esse último estudo foi uma incumbência
recebida da Academia Nacional de Medicina. 660

Dupuy e Ferret retornariam ao seu país em 1911 e, em 1913, seus


substitutos chegariam ao Brasil, tendo início uma segunda Missão Militar Francesa.
Eram os médicos veterinários major André Ventillard e o capitão Henri Marliangeas,
ambos da École Veterinaire d’Alfort).661 Esta missão

foi firmada através do contrato feito em paris, a 22 de março de 1913,


solicitada pelo Chefe do Serviço de Saúde do Exército, general Ismael
da Rocha, e pelo Ministro da Guerra, general Vespasiano Gonçalves

658
SOUSA, op.cit., p.60.
659
BRASIL. Decreto nº2.232 de 6 de Janeiro de 1910. Reorganiza o Serviço de Saúde do Exército.
Disponível em: www6.senado.gov.br/legislação/ListaPublicacoes.action?id=102642, acessado em
18/08/2010.
660
VELLOSO, op.cit., p.1.
661
SOUSA, op.cit., cf.p.60-61.

213
de Albuquerque e Silva, com fins de organizara Escola de Veterinária
do Exército.662

Para esta segunda Missão destinada ao serviço veterinário, a Portaria de 8 de


Outubro de 1913 determinaria as funções destes profissionais franceses. A partir da
instalação de um “gabinete provido de material indispensável á clinica veterinária e ás
pesquizas bacteriológicas e parasitológicas dos médicos militares veterinários
francezes”,663 próximo à escola veterinária do Ministério da Agricultura. Este
documento oficial determinava também que nessa instalação os veterinários da missão
francesa deveriam realizar:

a) conferências clínicas aos oficiais veterinários, sargentos e


cabos de esquadra respectivos dos corpos montados;
b) investigações científicas e processos que devam ser seguidos
para o conhecimento prático, o tratamento e a profilaxia das
entidades mórbidas comuns aos animais de tropa e das
transmissíveis a outros animais e a o homem. 664

No entanto, esta segunda missão de veterinários logo retornaria para a


França em função dos conflitos da 1ª G.M. Em carta de 7 de agosto de 1914 do
Subsecretário de Estado das Relações Exteriores, Frederico Affonso de Carvalho, ao
Ministro de Estado dos Negócios da Guerra, general de divisão Vespasiano Gonçalves
de Albuquerque e Silva, o primeiro atenta para as ordens que haviam chegado para que
os oficiais médicos franceses fossem dispensados em caráter de emergência. 665
No entanto, a partida dos médicos desta segunda missão teve parte de seu
objetivo cumprido ao concretizar a inauguração da Escola de Veterinária do Exército
em 17 de julho de 1914. A missão de encontrar médicos para a Escola caberia agora ao
doutor João Moniz, auxiliado pelo capitão-médico doutor Antonio Alves de Cerqueira e
pelo 1º tenente Augusto Tito da Fonseca. 666
Um ponto que nos cabe ressaltar aqui é o fato de que a Escola de Veterinária
do Exército era fundada e seria a responsável pela formação de profissionais tanto do
meio civil quanto do meio militar. O Curso Prático de Veterinária só se daria em 17 de

662
VELLOSO, op.cit., p.2.
663
Ministério da Guerra. Relatório apresentado ao presidente da República dos Estados Unidos do Brazil
pelo General de Divisão Vespasiano Gonçalves d’Albuquerque e Silva. Capital Federal: Imprensa
Militar/Grande Estado-Maior do Exército, Outubro/1914, Anexos, Anexo B, cf.p.108.
664
Idem.
665
Arquivo Histórico do Itamaraty (AHI), Ministério da Guerra, 300-1-10, 1914.
666
SOUSA, op.cit., cf.p.61; VELLOSO, op.cit., cf.p.2.

214
julho de 1914 e era baseado “nas instruções para o serviço da segunda missão de
médicos militares franceses”,667 tendo Moniz de Aragão como seu diretor.
A contratação desta missão, como pudemos verificar, está relacionada com a
Comissão de Militar ao Estrangeiro, realizada por Ismael da Rocha para estudos
relativos aos no final de 1890. A partir desta viagem, foi possível que este
cientista/médico frequentasse as instalações do Instituto Pasteur e estabelecesse contato
com seu diretor, Émile Roux, que viria a ser o responsável pela indicação dos médicos
veterinários na primeira missão ao que viria a ser o serviço de veterinários do Exército
no Brasil. Além disso, consideramos que esta Missão reflete uma das preocupações dos
franceses: a influência do exército alemão na instituição brasileira, como vimos na carta
do arquivo da Força Pública de São Paulo alertando sobre a possibilidade de uma
contratação de missão alemã para o exército brasileiro. No entanto, a missão alemã não
viria ao Brasil, mas oficiais brasileiros seriam enviados para a realização de estágios
naquele país.

2.2.2.2.3. Os “jovens turcos”

A influência do exército germânico no Brasil não se daria exatamente da


mesma forma como vimos ocorrer na Argentina. Enquanto neste uma missão e
instrutores para a criação de sua Escuela Superior de Guerra foram contratados, no
Brasil o contato se daria de forma diferente. Os argentinos seriam enviados em massa
para exercícios junto ao exército alemão, principalmente a partir de 1904. No caso do
exército brasileiro, não teríamos a presença de instrutores em uma Escola Superior de
Guerra – que só seria criada em momento posterior – mas, lidaríamos com o envio de
turmas de oficiais que realizariam estágios junto às tropas prussianas. Sendo assim,
veremos como se configurou a aproximação entre militares do Brasil e da Alemanha,
bem como dos objetivos de cada um destes países.668

667
VELLOSO, op.cit., p.2.
668
A relação entre os exércitos prussiano e brasileiro, bem como seu processo de modernização foi objeto
de estudos na tese recente de Cristina Luna. Ver: LUNA, Cristina Monteiro de Andrada. O
Desenvolvimento do Exército e as relações militares entre Brasil e Alemanha (1889-1920). 2011. 250f.
Tese (Doutorado em História) – Programa de Pós-Graduação em História Social (PPGHIS), Instituto de
História (IH), Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), Rio de Janeiro. 08/2011.

215
Uma grave situação financeira fora deixada pelo Império, em função de sua
dívida externa. Soma-se a isto o aumento do déficit público (o quadro desproporcional
de gastos maiores que a arrecadação) dos primeiros anos da República, acelerado pela
desvalorização do mercado cafeeiro resultante das grandes colheitas de 1896-1897. O
novo presidente, Manoel Ferraz de Campos Sales (1898-1902), precisava tomar
medidas visando a melhoria do cenário econômico nacional. Assim, buscou a
negociação da dívida, ainda no Rio de Janeiro, com o London e o River Plate Bank.
Outra fonte de empréstimos que também teria a atenção de Morais era a Casa
Rothschild, em Londres, fazendo com que houvesse a necessidade do presidente
deslocar-se à Europa. 669
Conforme atenta Cristina Luna, diante da viagem do presidente brasileiro, a
Krupp, fornecedora alemã de equipamento militar desde fins do XIX, o convida para
visitar as instalações da fábrica na Alemanha. Ao chegar à cidade alemã de Colônia, em
28 de junho de 1898, “foi recebido por dois funcionários da Krupp, o secretário de
Friedrich Alfred Krupp e Otávio Haupt, representante da firma no Rio de Janeiro”. 670 O
presidente e sua comitiva visitam a residência da família Krupp na cidade de Essen e a
vila operária no entorno da fábrica, que era constituída por cerca de 150 mil pessoas e
com estrutura para atender às necessidades das mesmas (mercados, açougues, padarias,
escolas, asilos, estrutura sanitária e corpo de bombeiros). Após o período em Essen,
Campos Sales viajaria pelas cidades de Hamburgo, Berlim e Munique. Contudo, Luna
nos chama atenção para o fato de que nenhuma encomenda de armamento foi feita
naquela ocasião, mas o pagamento da terceira e última parcela para a Krupp referente à
compra de couraças para as fortalezas de Imbuí e Laje, ambas no Rio de Janeiro, com o
crédito obtido em Londres. 671
Este contato entre autoridades brasileiras e alemãs se tornou possível graças
ciclo imigratório de alemães para o Brasil que teve início na década de 1820 com a
fundação das primeiras quatro colônias – sendo a de São Leopoldo, no Rio Grande do
Sul, a única bem sucedida. Após 1845, a imigração é retomada, tendo na década de
1850 o seu o maior fluxo. A instalação destas colônias seria importante na medida em
que leva o governo brasileiro a criar laços com as casas de comércio da Alemanha, já

669
FAUSTO, op.cit., cf.p.256-260. LUNA, 2011, p.111.
670
LUNA 2011, p.111.
671
Ibidem, cf.p.111-113.

216
que a população que imigrara demandava a importação de produtos de sua terra natal. 672
Neste período, uma das figuras de grande importância no cenário de relações comerciais
entra Brasil e Alemanha foi o diplomata Kral Georg Von Treutler, que se encontrava à
frente da Legação alemã no Rio de Janeiro. Desde a sua posse, em dezembro de 1900,
Treutler defendia não somente os interesses das indústrias e empresas alemãs, mas
também o seu setor bélico.
Contudo, devemos nos ater, agora, ao nosso recorte, compreendido entre os
anos de 1906 e 1910, quando temos o envio de turmas de oficiais para a realização de
estágios no exército alemão e, ao mesmo tempo, o auge do comércio militar entre estas
duas nações.

Se até este momento, as comissões de estudos e compras no estrangeiro se


mostraram como os primeiros passos para o início de um processo de modernização do
Exército nacional, então, temos na figura de Mallet o responsável por um tipo de
mentalidade voltada para as reformas que se prolongaria até a Primeira Guerra
Mundial. 673
João de Medeiros Mallet foi Ministro da Guerra de novembro de 1898 a
novembro de 1902, durante a presidência de Campos Sales. Mallet criticava os aspectos
do treinamento militar, afirmando que a instrução teórica era insuficiente e que era
necessária a experiência prática em campo. Sua maior contribuição para o pensamento
militar brasileiro não se encontraria desconexo de tal defesa e seria a sua insistência
justamente acerca da necessidade constante de manobras militares de treinamento para a
criação de um “verdadeiro exército”.674 No que diz respeito à organização do Exército,
entendia que a existência de unidades isoladas pelo território nacional comprometia a
Segurança Nacional. Foi a partir destes pontos que o ministro ordenaria seu Estado-
Maior a elaborar um plano de reorganização para o exército, “‘adaptando às nossas
condições os preceitos e aperfeiçoamentos sancionados pela experiência das nações
mais adiantadas’, mas advertiu que a situação geográfica e política em que nos

672
LUNA, 2011, cf.p.115-116; SEYFERTH, Giralda. “Identidade Étnica, Assimilação e Cidadania. A
imigração alemã e o Estado brasileiro”, XVII Encontro Anual da ANPOCS. Caxambu, MG, 22-25 de
outubro de 1993. Fonte: http://www.anpocs.org.br/portal/publicacoes/rbcs_00_26/rbcs26_08.htm. Visto
em: 06/07/2013.
673
MCCANN, Frank D. Soldados da Pátria: história do Exército Brasileiro, 1889-1937. São Paulo:
Companhia das Letras, Rio de Janeiro; Biblioteca do Exército, 2009, cf.p.107.
674
Ibidem, cf.p.110.

217
achamos, a falta de pessoal para o desenvolvimento das indústrias e da agricultura,
impediam moldar completamente o nosso exército pelos das potências europeias’.”. 675
No entanto, os oficiais do Estado-Maior demonstrariam sua inexperiência em
planejamentos e suas discordâncias entre eles e com as ideias do Ministro. Mallet
nomearia uma comissão composta por dois coronéis, pelo chefe do Estado-Maior (João
Thomaz Cantuária, 1898-1902) e pelo capitão Augusto Tasso Fragoso. Estes tinham
como função a criação de um plano que correspondesse às perspectivas orçamentárias
que seriam dedicadas ao exército por Campos Sales. 676 Desta forma, o objetivo desta
reforma e das outras que viriam era a configuração de um “exército qualificado
limitado, eficiente e passível de rápida expansão”. Era o início de um processo que
ficaria marcado no mandato de seu sucessor, o marechal Hermes da Fonseca.
O grande responsável pelas reformas no exército foi o marechal Hermes da
Fonseca, que assumiu a pasta do Ministério da Guerra de 1906 a 1909. Antes de
assumir tal cargo, foi membro da comissão que redigiu Na apresentação de seu primeiro
Relatório do Ministério da Guerra, Hermes da Fonseca afirma que “Apesar dos
esforços dos governos passados e dos sacrifícios feitos com seu custeio, o estado do
exercito não é lisonjeiro; carece de pessoal e de material bélico, de organização e de
comando”.677
Durante o seu período como ministro da pasta de Guerra, houve a aprovação
da Lei nº1860 de 4 de janeiro de 1908, de acordo com Hermes era a “tão desejada
reorganização do nosso exército”, 678 e que tratava da regulamentação do sorteio militar.
O confronto de Canudos e o “clima de patriotismo” do início do XX seriam fatores que
ajudaram a impulsionar a sua aprovação.679 No Relatório do Ministério da Guerra
referente ao ano de 1906, Hermes da Fonseca criticava o formado da lei sobre
recrutamento que prevalecia até então, datada de 1874 e que havia tantas
incompatibilidades entre os regimes que não valeria a pena revigorá-la ou alterar suas
disposições. Tal quadro de antagonismos se dava em função do “princípio básico da

675
MALLET apud MCCANN, 2009, p.107-108.
676
MCCANN, 2009, cf.p.105-108.
677
Ministério da Guerra. Relatório apresentado ao presidente da República dos Estados Unidos do Brazil
pelo Marechal Hermes Rodrigues da Fonseca. Rio de Janeiro: Imprensa Nacional, Maio/1907, p.3.
678
Ministério da Guerra. Relatório apresentado ao presidente da República dos Estados Unidos do Brazil
pelo Marechal Hermes Rodrigues da Fonseca. Rio de Janeiro: Imprensa Nacional, Junho/1908, cf.p.3.
679
MCCANN, 2009, cf.p.140-141.

218
680
constituição dos exércitos modernos”. Contudo, a lei só seria colocada em prática
oito anos depois, em 1916.
A lei de serviço militar obrigatório foi um ponto importante da
administração de Hermes à frente da pasta do Ministério da Guerra. Contudo, sua
mudança mais importante teria se dado no Estado-Maior do Exército (EME). O oficial
foi membro da comissão que redigiu o regulamento para o novo Estado-Maior, “sendo
identificado com as ideias reformistas de Mallet”.681 O EME foi criado em 1899 para
substituir a repartição do ajudante-general, o centro administrativo do Exército, tendo
assumido a maior parte de suas funções. Como consequência, os funcionários oriundos
da extinta repartição seriam incorporados ao EME, mas estavam mais voltados para um
aparato burocrático do que efetivamente para a criação de exercícios necessários para o
treinamento de oficiais, bem como resoluções de problemas. Em 1908 o EME se abriria
para profissionais de outros ramos do exército. O modelo adotado era o alemão, “no
qual os oficiais de estado-maior deviam ter conhecimento em primeira mão das
condições das unidades de linha”. 682 Era o início de um processo que levaria 10 anos até
que atingisse o formato desejado por seus reformadores.
Neste processo de organização de Hermes temos a figura do Ministro das
Relações Exteriores, Barão do Rio Branco (1902-1912), como importante por
incentivador de tais projetos. O diplomata se preocupava com a hostilidade do ministro
do exterior argentino, Estanislau S. Zeballo (novembro/1906 – junho/1908), temendo
que este pudesse levar à guerra o Brasil e seu país. 683 Rio Branco foi o responsável pelo
contato para que Hermes e o general Luís Mendes de Moraes, chefe do 4º Distrito
Militar (Rio de Janeiro), fossem convidados pelo kaiser a assistirem as manobras do
exército alemão em agosto de 1908, além de receberem a oferta de envio de um novo
grupo de oficiais brasileiros para treinamento em seu exército. 684 Naquela ocasião, o
Marechal Hermes e sua comitiva assistiriam não apenas às manobras militares, mas

680
Ministério da Guerra. Relatório apresentado ao presidente da República dos Estados Unidos do Brazil
pelo Marechal Hermes Rodrigues da Fonseca. Rio de Janeiro: Imprensa Nacional, Maio/1907, p.3.
681
MCCANN, 2009, p.138.
682
MCCANN, 2009, p.143.
683
Ibidem, cf.p.145.
684
Ibidem, p.145.
A comitiva era constituída por membros dos ministérios da Guerra e Relações exteriores: general Luís
Mendes de Moraes (Comandante do 4º Distrito Militar); tenentes-coronéis A. de Pederneiras, Clodoaldo
da Fonseca (chefe da Comissão de Compras na Europa) e Francisco Emílio Julien (adido militar da
legação brasileira em Berlim); majores Augusto Tasso Fragoso (ajudante de ordens de Mendes de
Moraes), Lamaignére Teixeira e A. C. Brasil; capitães Constâncio Deschamps Cavalcanti (ajudante de
ordens de Hermes) e A. de Oliveira. LUNA, 2011, cf.p.148-149.

219
visitariam fábricas dos fuzis Mauser, a Escola Militar de Lichterfeld, o bairro industrial
de Berlim e a 10 de setembro, a comitiva brasileira visitaria a fábrica de instrumentos
óticos Zeiss e as instalações do hospital militar. Hermes negociaria com a “Alemanha o
envio de uma missão para supervisionar a reorganização do Exército” dois anos depois.
Contudo, Cristina Luna alerta para o fato de que o convite fora feito em função do
reconhecimento de Hermes como o reformador do Exército e de ser um “partidário da
Krupp”, conforme afirmou seu ministro plenipotenciário Treutler em relatório às
autoridades alemãs.685
Para esta segunda turma de oficiais brasileiros, enviados em 1908, foram
nomeados seis oficiais, sendo que apenas um deles exerceria, em seu retorno, alguma
atividade relativa à difusão da influência militar alemã através de participação na revista
A Defesa Nacional, publicada a partir de 1913.686
A terceira e última turma de oficiais teria seu pedido feito pelo ministro
brasileiro em Berlim, Brasílio Itiberê da Cunha ao ministro das Relações Exteriores da
Alemanha em agosto de 1909. Ela seria composta por um total de vinte oficiais, sendo
nove oficiais de infantaria, quatro de cavalaria e sete de artilharia e todos sob patente de
tenente ou capitão. O pedido seria aceito, mas com a condição de que o governo
brasileiro não poderia enviar oficiais de seu exército para outros exércitos estrangeiros,
bem como não receber instruções militares de outras nações. 687 Contudo, não é o que
verificamos, já que a missão francesa permanecia junto à Escola de Veterinária do
Exército e só a deixaria em função dos acontecimentos da 1ª G.M.
Quando a última turma de oficiais embarcava para a Alemanha, em 1º de
outubro de 1910 e retornando em 30 de setembro de 1912, os membros da missão
militar alemã já haviam sido selecionados para virem ao Brasil.

A missão alemã seria composta por vinte a trinta oficiais


sobre o general (barão) Friedrich Von der Goltz, conhecido escritor
militar (La Nación Armée) e reorganizador do Exército turco. 688

685
Todas as medidas reformistas tomadas por Hermes eram enviadas sob forma de relatórios às
autoridades alemãs por Treutler e pelo adido militar alemão, tenente Auer Von Herrenkirschen. Seu
conteúdo também era repassado para a firma Krupp e para seu diretor geral. Outro ponto a ser ressaltado é
que Herrenkirschen enfatizava em seus relatórios que as reformas empreendidas por Hermes ocorriam de
acordo com um modelo de exército alemão. LUNA, 2011, cf.p.146-147.
686
Ibidem, cf.p.147-148.
687
LUNA, 2011, cf.p.168-169.
688
NETO apud MCCANN, nota 11, p.580-581.

220
Na ocasião da Missão Francesa de Instrução à Força Pública de São Paulo,
vimos a preocupação dos franceses com esta possibilidade, a de contratação de uma
missão alemã pelo governo brasileiro. O assunto esteve presente na imprensa francesa
daquele período. Em ofício de 31 de agosto de 1910 ao Ministro Rio Branco, Gabriel de
Piza, da Legação do Brasil em Paris, enviava recortes de jornais franceses (Gil Blas, La
Patria, Le Journal, Le Temps, Le Brésil) que continham notas e artigos relativos “à
escolha de instructores militares” para o exército brasileiro. O recorte de Gil Blas, de 17
de agosto de 1910, afirma se tratar de “Uma Afronta à França. O presidente da república
do Brasil, nosso anfitrião, quer humilhar a república francesa”, como expressado na
manchete de um dos seus artigos. No decorrer do artigo, afirma-se que os oficiais e
suboficiais que se encontravam em São Paulo não sabiam do que “se trama contra eles”
e informa detalhes sobre a contratação da missão alemã ao Brasil:

O senhor marechal Hermes da Fonseca, nosso anfitrião, e


seu governo, estão, na verdade, neste momento, em negociações com
o governo imperial alemão para obter dele o envio ao Brasil de um
general alemão e de uma missão militar alemã composta de trinta
oficiais de estado-maior, capitães, tenentes e subtenentes aos quais
serão confiados, em substituição aos oficiais franceses, de reorganizar
o exército brasileiro.
O general alemão será o mesmo já designado e não será
outro que o general von der Goltz, o reorganizador do exército turco.
Esta notícia pode parecer improvável: no entanto, ela é
689
verdade.

Os franceses, então, se perguntavam o motivo para esta atitude por parte do


presidente brasileiro, Nilo Peçanha (1/06/1909 – 15/11/1910). Caberia ao ministro de
Relações Exteriores francês, Pichon, perguntar ao presidente e seu ministro da guerra,
José Bormann.690
O periódico La Patria acusaria de germanófilo o presidente brasileiro, em
seu artigo de 20 de agosto e confirmaria a informação de que os oficiais franceses
seriam substituídos por alemães, como já havia destacado Gil Blas, totalizando dez
oficiais superiores e vinte subalternos e que se encontravam no Rio de Janeiro por
ocasião das festas do centenário da Argentina. Este periódico, no entanto, destacava a
questão das proximidades entre Brasil e França como ponto positivo dos oficiais
franceses em relação aos alemães. Era indiscutível, afirma o jornal, que os oficiais
689
AHI, Missões Diplomáticas (MD), Paris, Ofícios, 226-1-14, Gil Blas, 17 de agosto de 1910, Anexo ao
ofício ostensivo nº66 da 1ª seção, 31 de agosto de 1910. Tradução e grifo nossos.
690
Idem.

221
franceses eram mais “convenientes” em função das “similitudes de raça, de ideias, de
sentimentos, de língua, de regime político”. 691
O conteúdo dos demais recortes de periódicos franceses não se diferenciava
do que vimos nestes dois. Destacava-se a proximidade, os laços entre brasileiros e
franceses e, além disso, alertavam à respeito das “reais intenções” do kaiser que, de
acordo com a imprensa francesa, iria de pouco a pouco transformar o país em mais uma
colônia alemã.
No mês seguinte, os jornais Le Brésil e Le Temps reproduziriam a nota do
ministro do Brasil em Berlim, Itiberé da Cunha, que fora publicada no Le Berliner
Tageblatt, declarando que as notícias publicadas acerca da contratação dos instrutores
militares alemães por Hermes da Fonseca era uma “pura invenção”. De acordo com o
jornal, Hermes havia declarado à imprensa que ele não era partidário de qualquer
missão de oficiais instrutores, preferindo o envio de oficiais brasileiros para terminarem
suas instruções no estrangeiro, na França, Alemanha, Rússia e, inclusive, no Japão. 692
Diante de tais acontecimentos, o jornal Gil Blas, em sua edição de 21 de
setembro de 1910, publicaria o seguinte artigo: “Quem é o responsável pela escolha dos
instrutores e dos armamentos alemães? Se não é o marechal Hermes da Fonseca, será o
Barão do Rio Branco, Ministro das Relações Exteriores?”. 693 O artigo defende o
marechal e utiliza como fonte seu discurso oficial, em que expressava que não julgava
superior a preparação militar alemã. A “escolha alemã” teria sido fruto de apelos do
barão do Rio Branco, seguido de seu ministro da Guerra, general Bormann. O fato de
que Rio Branco era casado com uma alemã e sua filha se casara com um major alemão
era o principal argumento do jornal para creditar ao ministro o título de “feroz
germanófilo”.
Enfim, a missão alemã nunca se concretizou, tendo sido “vitimado pela
influência francesa sobre a elite brasileira e pela hábil diplomacia francesa”. 694 Os
políticos paulistas, Tibiriçá e Rodolfo Miranda exerceram forte influência sobre
Hermes, pressionando a romper os laços com Berlim. Como resultado, um mal

691
AHI, MD, Paris, Ofícios, 226-1-14, La Patria, 20 de agosto de 1910, Anexo ao ofício ostensivo nº66
da 1ª seção, 31 de agosto de 1910. Tradução nossa.
692
AHI, MD, Paris, Ofícios, 226-1-14, Le Bresil, 18 de setembro de 1910, Anexo ao ofício ostensivo nº14
da 1ª seção, 20 de setembro de 1910.
693
AHI, MD, Paris, Ofícios, 226-1-14, Gil Blas, 21 de setembro de 1910, Anexo ao ofício ostensivo nº79
da 1ª seção, 23 de setembro de 1910.
694
MCCANN, 2009, p.145.

222
entendimento com São Paulo poderia render um alto custo em seu capital político e,
assim, os instrutores alemães deveriam ser esquecidos.695
A diplomacia francesa trabalhou arduamente para trazer Hermes da Fonseca
para seu lado. Hermes visitaria unidades militares, escolas e fábricas de armamento
franceses, além de ter sido apresentado a intelectuais e homenageado na Sorbonne e
recebido pelo presidente francês. Antes de deixar a França, Hermes negou ter sido
alguma vez germanófilo. Para defender tal ponto de vista, argumentava que seu
referencial teórico era francês, além de terem seu caráter latino em comum. No entanto,
não poderia cortar subitamente seus laços com os alemães e afirmou que “o Brasil não
receberia nenhuma missão estrangeira; seus oficiais eram bons o bastante para treinar
suas forças”.696
Mas o que efetivamente discutia-se com isto tudo? Sem dúvida alguma a
influência dos exércitos europeus sobre os demais. Qual seria, então, o objetivo? Se no
meio civil, como vimos em nossa discussão anterior, a França exercia uma forte
diplomacia cultural visando angariar aliados, no meio militar não seria diferente. Além
de busca por aliados e influências, o que tínhamos aqui era a disputa pela venda de
material bélico. O artigo de Le Matin discursa justamente sobre a relação entre as
missões e suas influências:

As missões militares são uma de nossas melhores


propagandas. Não somente elas estendem a nossa influência moral,
mas elas ainda são para nossa indústria um setor de muitas
oportunidades. Agora estamos à beira de fazer aprovar pelo governo
brasileiro, para seu exército federal, os instrutores franceses. Se nós
não tivermos o espaço, os alemães o preencherão. 697

Por essa razão, os franceses não desejavam perder seus anos de trabalho
com a Força Publica de São Paulo, preparando as tropas e cativando a elite política
paulista. Assim, seguiriam até a 1ª Guerra Mundial com uma intensa propaganda
laudatória, pró-francesa, e contra a Alemanha.698

695
Ibidem, 2009, cf.p.146.
696
Ibidem, 2009, ´;147.
697
AHI, MD, Paris, Ofícios, 226-2-1, Le Matin, 22 de novembro de 1911, Anexo ao ofício ostensivo nº11
da 2ª seção, 30 de novembro de 1911. Tradução nossa
698
MCCANN, 2009, cf.p.148.

223
Enquanto os franceses utilizavam seus recursos visando o impedimento de
uma missão militar alemã, os vinte699 oficiais da última turma que viajara para a
realização de estágio junto às tropas do exército alemão concluíam o seu período de
estudos. Deste total, onze ex-estagiários se reuniram em um restaurante de Berlim, para
discutirem acerca do que fora aprendido no decorrer daquele período e como seriam
aproveitados os conhecimentos adquiridos ali.

Concordaram que a melhor forma seria a partir do


engajamento nos corpos de tropa, onde poderiam demonstrar na
prática como se instruíam ‘os soldados, graduados e oficiais, e
apresentar, através de exemplos, em exercícios táticos, a maneira de
empregar as unidades no combate’. Como resultado, criaram o lema
‘Rumo à tropa’, que seria o mote de ação desses oficiais durante os
anos seguintes.700

Estes ex-estagiários, ao retornarem ao país, contariam “com o apoio de um


grupo de oficiais, que se aglutinou ao longo de uma década, devido às tentativas de
reforma engendradas pelos ministros da Guerra Mallet, Argolo e Hermes da Fonseca.
Desde abril de 1911, parte desse grupo de oficiais concentrava-se em torno do Boletim
do Estado-Maior do Exército”. Tratava-se de uma publicação voltada para temas
técnico-militares com o objetivo de “defender o aperfeiçoamento e a modernização do
Exército de acordo com as inovações bélicas surgidas na Europa e nos Estados
Unidos”.701
Dentre as diversas publicações do Boletim relativas à experiência na
Alemanha, destacamos a que se volta para os conscritos (Nota sobre a infantaria alemã,
de Estevão Leitão de Carvalho, ao longo de edições de 1913), especialmente para o
biotipo dos conscritos no exército alemão, sua constituição física. O autor concluía que
a boa constituição dos alemães se dava em função do ensino militar presente em escolas
primárias e secundárias de toda a Alemanha. 702

699
Há controvérsias quanto ano número exato de oficiais que compuseram a terceira e última turma que
viajou para a Alemanha. Luna afirma que foram 20 oficiais nomeados, enquanto José Murilo de Carvalho
contabiliza 22 e Capella 21. LUNA, 2011, cf.p.191. As referências dos dois autores são:
CARVALHO, José Murilo de. Forças Armadas e Política no Brasil. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed,
2005; CAPELLA, Leila Maria Corrêa. As malhas de aço do tecido social: a revista A Defesa Nacional e
o serviço militar obrigatório. Niterói, 1985. Dissertação em História. Universidade Federal Fluminense.
700
LUNA, 2011, p.193-194.
701
Ibidem, p.198.
702
Ibidem, cf.p.201-202.

224
A experiência na Alemanha e a preocupação com os soldados brasileiros
fizeram com que Leitão de Carvalho “adaptasse do alemão para o português o
Regulamento de Ginástica para a Infantaria e Tropas a Pé”, com ajuda de Bertoldo
Klinger, também preocupado “com a fraca compleição física dos soldados brasileiros,
que obstava o desenvolvimento do Exército”.703 Os originais deste regulamento foram
entregues em janeiro de 1913 e publicados no Boletim de Estado Maior do Exército.704
Além do Boletim, um importante meio difusor do pensamento militar dos
jovens turcos se dava através de A Defesa Nacional. Fundada em 1913, teve como seu
grupo fundador oito ex-estagiários do exército alemão. Seu formato foi escolhido por
seu redator chefe, Bertoldo Klinger, se basearia na Militär Wochenblatt – revista de
militares alemães publicada desde 1816 – e teria sua primeira edição financiada pelo
grupo fundador. Com o seu primeiro número em 10 de outubro de 1913, seu editorial
fundador pode ser entendido como “a síntese do pensamento político-militar dos ‘jovens
turcos’”, segundo Cristina Luna.705 O editorial tratava da importância do Exército e de
sua missão, mas o que nos limitamos a verificar é a sua importância dada ao papel desta
instituição na formação dos cidadãos. De acordo com o editorial inaugural de A Defesa
Nacional (ADN),

o exército, num país como o Brasil, não é somente o primeiro fator de


transformação político e social, nem o principal elemento de defesa
exterior: ele tem igualmente uma função educativa e organizadora a
exercer na massa geral dos cidadãos.
Um bom exército é uma escola de disciplina hierárquica,
que prepara para a disciplina social; e é, ao mesmo tempo, uma escola
de trabalho, de sacrifício e de patriotismo. Um exército bem
organizado é uma das criações mais perfeitas do espírito humano,
porque nele se exige e se obtém o abandono dos mesquinhos
interesses individuais, em nome dos grandes interesses coletivos; nele
se exige e se obtém que a entidade homem, de ordinário tão pessoal e
tão egoísta, se transfigure na abstração do dever; nele se exige e se
obtém o sacrifício do primeiro e do maior de todos os bens que é a
vida, em nome do princípio superior que é a pátria.
Compreende-se facilmente que uma instituição dessa
natureza, que destaca, e põe em relevo, e fortalece aquilo que há de
nobre e de heroico, e de sublime no barro comum – tem que exercer
uma influência salutar sobre o desenvolvimento dos indivíduos e das
sociedades. Se essa influência, que sempre se fez sentir nas sociedades
cultas da Europa, trabalhadas por dois mil anos de civilização, é, nas

703
Ibidem, p.202.
704
Ibidem, cf.p.202.
705
LUNA, 2011, cf.p.205. Sobre a publicação, ver o quarto capítulo de: CIDADE, Francisco de Paula.
Síntese de Três Séculos de Literatura Militar Brasileira. Rio de Janeiro: Biblioteca do Exército Editora,
1998.

225
velhas sociedades já formadas, um meio valioso de aperfeiçoamento,
que os filósofos reconhecem e assinalam – num país como o Brasil ela
será com mais forte razão um fator poderoso de formação e de
transformação de uma retardada e informe.
A necessidade, pois, de construirmos um exército que
corresponda às nossas legítimas aspirações de desenvolvimento e
progresso, está acima de qualquer discussão. 706

Este trecho do editorial deixa muito clara uma marca do pensamento militar
alemão: o exército como integrador dos cidadãos. O exército prussiano era a nação em
armas (das Volk in Waffen) e a melhor personificação das características e valores
nacionais. À respeito deste tema, Colmar Freiherr Von der Goltz publicou sua primeira
edição de A Nação em Armas (Das Volk in Waffen), em 1883. Sua questão principal era
se uma nação moderna deveria se defender com um exército de conscrição em massa
liderado por oficiais profissionais ou profissionais deveriam liderar uma pequena força
especializada de combatentes mercenários de carreira. Nesta obra, Goltz acreditava que
o nível de cultura de uma sociedade estava relacionada com sua capacidade de defesa.
Assim, quanto mais poderoso o exército de um país, maior é o seu nível cultural. 707
Anos depois, em 1891, o capitão Hubert Lyautey, do exército francês,
publicaria o seu “Do papel social do Oficial” (Du Rôle social de l’officier),
perguntando-se se os corpos teriam mais que apenas um papel estritamente profissional
ou se ou se teriam um papel social e educacional a desempenhar dentro do quadro do
serviço militar obrigatório.708
Alain Rouquié também se refere à importância de Lyautey. De acordo com
o autor, grandes conceitos das Forças Armadas (FFAA) francesas, oriundas do
pensamento do Marechal Lyautey, estão presentes nas FFAA do Brasil. Em publicação
de 1937 – Revista do Clube Militar, nº48 – um oficial brasileiro questionava-se sobre a
aplicação do “programa desenvolvido pelo ‘grande africano’ 709, concernente ao ‘papel
social do oficial’”. 710 Segue tal questionamento:

Em razão da extensão do seu território, do baixo nível


intelectual de suas populações, do problema de sua unidade, do
imenso reforço que será necessário realizar para que se transforme em

706
Ibidem,p.206. Trata-se do Editorial Fundador de A Defesa Nacional, nº1, 10.10.1913.
707
NUNN, Frederick. Yesterday’s Soldiers. Lincoln: University of Nebraska Press, 1983, cf.p.80-82.
708
Ibidem, cf.p.23.
709
Alcunha pela qual era conhecido o Marechal Lyautey.
710
ROUQUIÉ, 1984, p.124.

226
um país de homens sãos e alfabetizados, economicamente forte e
politicamente educado, em razão da paz continental, o Brasil é, talvez,
o país que tem mais direito entre todos de exigir que seu Exército
tenha um papel educador.711

O exército prussiano seria o primeiro a “profissionalizar” o seu exército e,


da mesma forma, ter um papel pioneiro no serviço militar obrigatório, levando ao
conceito de “nação em armas”, ou seja, de que havia um exército nacional e integrado
por soldados rasos que eram recrutados por um curto período de tempo,712 da mesma
forma como podemos notar no que fora exposto no trecho destacado do editorial
inaugural de ADN. Assim, podemos verificar o discurso que marcaria uma nova fase da
relação do exército com a sociedade: a campanha vitoriosa pelo serviço militar
obrigatório e o entendimento do próprio exército acerca do seu papel “disciplinador” da
sociedade. Entendemos que a preocupação com a saúde do recruta, com sua constituição
física e seu desenvolvimento farão parte de um processo no qual o Serviço de Saúde
terá um importante papel. Isto porque cabe a esta força auxiliar do exército a avaliação
dos conscritos e, do mesmo modo, as orientações para os cuidados de um
desenvolvimento saudável. Desta forma, trabalharemos com a repercussão destas
medidas no contexto da higiene militar nesta força auxiliar, ou seja, no Serviço de
Saúde do Exército. O exército passaria a ser visto como uma “escola de prudência e
higiene”. 713

2.2.2.2.4. O Brasil na Primeira Guerra: a Missão Médica Militar


(1918-1919)

Até o início da 1ª Guerra Mundial (1914-1918), Alemanha e França


buscavam cativar políticos e oficiais brasileiros a partir de convites para visitas aos seus
países, como, por exemplo, a realizada pelo Marechal Hermes da Fonseca à Alemanha.

711
SOMBRA apud ROUQUIÉ, 1984, p.124-125
712
MOLINA, op.cit., cf.p.19.
713
LEVENE, Alberto. Páginas de Sanidad Militar. Buenos Aires: Tall. Graf. Cersosimo y Cia., 1934,
cf.p.9.

227
Com o início dos conflitos e a formação das alianças 714, o Brasil declarou-se um país
neutro. Entretanto, em função do ataque alemão ao navio comercial brasileiro, Paraná,
em 6 de abril de 1917,715o país rompeu as relações diplomáticas com a Alemanha uma
semana após o ocorrido. Em 26 de outubro daquele mesmo ano, segundo Decreto
N.3.361, era proclamado estado de guerra, após o 4º torpedeamento de mercantes
nacionais e o fato do comandante da embarcação Macau ter sido feito prisioneiro dos
alemães. O Brasil, agora, deveria dar início aos seus preparativos bélicos. Assim,
contribuiria com as unidades da Entente com uma Divisão Naval de Operações de
Guerra (DNOG),716 sob o comando do Contra-Almirante Pedro Max Fernando de
Frontin, deveria seguir para a Europa e unir-se aos aliados. Por fim, o presidente da
república à época, Wenceslau Braz (15/11/1914 – 15/11/1918), pelo Decreto nº 13.092
de 10 de Julho de 1918, criou a Missão Médica comandada pelo coronel Nabuco de
Gouvêa.
A Missão Médica foi organizada em 28 de julho de 1918 pelo Ministro da
Guerra, marechal José Caetano de Faria. Totalizando, aproximadamente, 150
profissionais, a Missão foi composta por 92 médicos  seis da Marinha, cinco do
Exército717 e os demais civis sendo 17 deles acadêmicos de Medicina −, além de 30

714
Na 1ª Guerra Mundial, a formação de alianças configurou dois blocos. Um foi chamado de Tríplice
Entente e era composto pela Inglaterra, França e Rússia. O outro, a Tríplice Aliança, integrado pela Itália
– que em 1915 mudaria de lado –, Alemanha e Império Austro-Húngaro.
715
O navio afundado encontrava-se a dez milhas de Barfleur, na região do Canal da Mancha. Esta ação se
encontra pautada na “campanha submarina irrestrita”, proclamada em 1917 pelo imperador da Alemanha
Guilherme II. De acordo com tal proclamação, navios mercantes de qualquer nacionalidade navegando na
zona de guerra em torno das ilhas britânicas seriam afundados. O Brasil fora comunicado acerca do
perigo que corria, de acordo com o telegrama recebido da Legação em Haya em 8 de fevereiro de 1917. O
objetivo de tal ação era prejudicar a economia inglesa e fazer com que o povo inglês fosse atingido pela
fome. AHI, MD, Berlim, Ofícios, 203-1-6, Ofício Confidencial N.1, Legação dos Estados Unidos do
Brasil em Berlim, Zurich, 30 de Maio de 1917. ALBUQUERQUE, Antonio Luiz Porto e; SILVA, Léo
Fonseca e. Fatos da História Naval. Rio de Janeiro: Serviço de Documentação da Marinha, 2006,
cf.p.128-129. FROTA, op.cit., cf.p.564.
Outros navios mercantes brasileiros também seriam bombardeados: 20 de maio, Mercante Tijuca; 23 de
outubro, Macau; 26 de outubro, Acari e Guaíba. O Brasil suspenderia SUS relações diplomáticas e
comerciais com a Alemanha em 13 de Abril de 1917. AHI, MD, Berlim, Ofícios, 203-1-6, Ofício
Confidencial N.1, Legação dos Estados Unidos do Brasil em Berlim, Zurich, 30 de Maio de 1917.
716
A DNOG foi concebida a partir da Conferência Interaliada, reunida em Paris, em 20 de novembro de
1917. Sua responsabilidade era a patrulha da “área compreendida entre Dacar, Cabo Verde e Gilbratar.
Ficava sob as ordens do Almirantado britânico, representado pelo Almirante Hisshcot Grant.”. O número
total de homens que a compunha era 1.515 homens dentre oficiais e voluntários. FROTA, op.cit., p.564-
565.
717
Os oficiais do Corpo de Saúde nomeados foram: Majores médicos dr. Rodrigo Araujo Aragão Bulcão
e doutor Joaquim Moreira de Sampaio; Capitães médicos drs. Manuel Esteves de Assis, Cleomenes Lopes
de Siqueira Filho, Carlos Rocha Fernandes, João Affonso de Souza Ferreira, Alarico Damasio e João
Florentino Meira. AHI, MD, Paris, Ofícios, Ofício n.2 à Legação do Brasil em Paris em 10 de Janeiro de
1918.

228
soldados e 16 indivíduos de intendência Farmácia e secretaria. Contando em seu início
com 86 médicos, posteriormente outros seis, que já estavam em Paris prestando serviços
em um Hospital de sangue, seriam incluídos na Missão. Os médicos que compunham a
Missão seriam organizados em dez setores, sendo cada um destes chefiado por um
tenente-coronel. Somando todas estas divisões, teríamos oitenta e cinco médicos e
depois a incorporação de mais dez doutorandos.718
O objetivo da Missão Médica era organizar, em território francês, um
hospital brasileiro em um ponto qualquer a ser designado pelo Quartel-General
aliado.719 O artigo primeiro do Decreto que a cria, determinava que o intuito da Missão
era “auxiliar o serviço de saúde dos nossos aliados (...) a fim de manter um hospital
temporário na zona de guerra, enquanto esta durar”. 720 Partindo do Brasil no navio “La
Plata” a 18 de agosto, os militares que sobreviveram à gripe 721 chegaram à França, no
porto de Marselha, em 24 de setembro de 1918, sendo recebidos “pelo professor George
Dumas, pelo coronel Martin, médico inspetor da 15ª região; pelo tenente Perry, em
nome do Ministro do Brasil na França; pelo tenente Aché, em nome do general chefe da
Missão Militar em França; pelo representante do Maire, do Prefeito, etc.”. 722 Em
seguida, seguiram para Paris onde seriam apresentados ao sub-secretario de Estado do
Serviço de Saúde Militar, Mourier, ao Ministro des Affaires Etrangères, Stephan

Os números de médicos são controversos na historiografia. Os números utilizados são colocados por
Malan e Kroeff. Bijos afirma que foram 86 médicos e 6 incluídos posteriormente porque já se
encontravam no Hospital de Sangue em Paris. Dentre estes números, a marinha teria contribuído com 6
médicos e um farmacêutico, enquanto que o exército apresentaria 5 médicos. Todos os demais eram civis.
Além destes números acrescenta-se 17 acadêmicos de Medicina, totalizando, então, 109 médicos.
718
Decreto Nº13.902 de 10 de julho de 1918, Art.3º, Letra A MEDEIROS apud KRÖEFF, 1971,
cf.p.383.
719
BARROSO, Geraldo. “Inconsciente Busca da Auto Destruição”, Boletim Informativo da Academia
Brasileira de Medicina Militar, Rio de Janeiro, Volume VI, Número 10, Outubro/1968, p.427-436,
cf.p.427; MALAN, A. S. Missão militar francesa de instrução junto ao Exército brasileiro. Rio de
Janeiro: Biblioteca do Exército, 1988, cf.p.53.
720
Decreto Nº13.902 de 10 de julho de 1918, Art.1º.
721
A viagem até a Europa contou com a passagem pela costa africana. Após nove dias de viagem,
avistaram o farol de Dakar  capital do Senegal, país que era colônia francesa na época. Para Mario
Kröeff, médico encarregado dos prisioneiros alemães, foi neste momento que o contágio se deu. O
resultado foi a morte de tripulantes e recrutas senegaleses que embarcavam para combater na Europa.
ABREU, Dr. Florêncio de. “A medicina militar no Brasil”. Anais do Hospital Central do Exército, 1945;
KRÖEFF, Mario Luiz. “Autoridade de outorga”. Boletim Informativo da Academia Brasileira de
Medicina Militar, vol. VI, nº 10, out. 1968, p. 435-446; LEITÃO, Dr. Francisco Correia.”O ensino
médico-militar no Brasil”. Anais do Hospital Central do Exército, 1945.
722
“Relatório enviado ao Exmo. Sr. Ministro da Guerra, pelo Dr. José Thomaz Nabuco de Gouvêa, Chefe
da Missão, em 18 de Janeiro de 1919”, Diário Oficial da União, Ano LVIII, n.60, 14 de março de 1919,
cf.p.3481.

229
Pichon,723 e foram entregues ao alto comando francês, que os distribuiu por diversas
províncias com a finalidade de combater a epidemia de gripe que dizimava a população
civil. A Missão seria extinta em fevereiro de 1919, quando o chefe da Missão Médica,
Coronel Dr. Nabuco de Gouvêa é oficialmente desligado do Hospital Militar Brasileiro
em Paris. Contudo, os médicos brasileiros do exército e da marinha permaneceriam até
23 de novembro de 1919, agora sob o comando do coronel-médico Rodrigo de Araújo
Aragão Bulcão.724 Com o fim da Missão Médica Militar à França, o Hospital Militar
Brasileiro, com todos os aparelhos que o compunham, seria doado pelo governo
brasileiro no dia 5 de novembro à Faculdade de Medicina de Paris, representado pelo
Service de Santé na ocasião. No entanto, os médicos militares continuariam no Hospital
até a total entrega do material. 725
Após ter rompido o discurso de neutralidade, por que o Brasil enviaria uma
missão médica para o teatro de operações e não apenas uma Divisão Nacional de
Operações de Guerra?
Vimos anteriormente de que forma, no meio civil, a França se posicionava
através da relação com médicos e intelectuais do Brasil a partir da Alliance Française,
do Groupement e do Onuef. É justamente a partir desta rede de contatos que um dos
médicos membros da Missão Médica, o professor Mauricio de Medeiros, explica a
participação dos facultativos militares no front. A ideia do envio da missão teria se dado
a partir de uma visita de Georges Dumas – o “animador” do Groupement, como destaca
Petitjean – em janeiro de 1918. Medeiros explica que Dumas “veio fazer ao Brasil,
enviado pelo Governo Francês, a fim de verificar a melhor maneira pela qual nosso país
poderia contribuir para o esforço de guerra dos Aliados”. 726 Trata-se aqui, claramente,
da ação dos organismos de difusão utilizados pelo governo francês e que agora agiriam
de acordo com suas funções. Sabemos que a formação de uma Missão Médica não foi
possível apenas em razão da pressão deste tipo de organismo, mas implica na ação
daqueles que, outrora, estabeleceram suas redes de influência e agora buscariam utilizá-
las. O Brasil, desta forma, entraria no conflito a partir da medicina, como um

723
“Relatório enviado ao Exmo. Sr. Ministro da Guerra, pelo Dr. José Thomaz Nabuco de Gouvêa, Chefe
da Missão, em 18 de Janeiro de 1919”, Diário Oficial da União, Ano LVIII, n.60, 14 de março de 1919,
cf.p.3482.
724
AHEx, Missão Médica Militar Brasileira na França – Hospital Brasileiro em Paris – 1918/1919
(MMMBF – HBP), Caixa 1, Pasta 1, Boletins, Boletim do Hospital Militar Brasileiro em Paris, Boletim
N.216 de 23 de Novembro de 1919.
725
AHEx, Missão MMMBF – HBP, Caixa 1, Pasta 1, Boletins, Boletim do Hospital Militar Brasileiro em
Paris, Boletim N.204 de 24 de Outubro de 1919 e Boletim N.215 de 17 de novembro de 1919.
726
MEDEIROS apud KRÖEFF, 1971, p.382.

230
colaborador da causa dos aliados e não com uma Força Expedicionária como
aconteceria na 2ª Guerra Mundial.
Georges Dumas era chefe do serviço de neurologia do Hospital e serviu na
Missão Médica como “oficial de ligamento com o Serviço de Saúde Francês”, conforme
indicação em sua folha de alterações de abril de 1919.727 Ao deixar a chefia da Missão e
diretoria do Hospital, o Coronel-médico Thomaz Nabuco de Gouvêa escreveria no dia
25 sobre Dumas:

velho e dedicadíssimo amigo do Brasil, não tenho


expressão para, digo sufficientes para testemunhar quanto lhe
devemos, tendo sido mesmo mais que um amigo carinhoso,
considerando suas funcções, exercidas sempre com a mais alta
intelligencia e descortino, como funções de grande e relevante
importância política para a aproximação da França e do Brasil,
obra do mais elevado patriotismo que tem tido no professor Dumas
um dos seus mais notáveis e efficientes propugnadores. (Boletim de
25 de fevereiro de 1919).728

Este trecho ressalta a importância da figura de Dumas no processo de


estruturação da Missão Médica Militar brasileira em território francês e, da mesma
forma, da aproximação entre os países. Georges Dumas seria o contato do Coronel
Nabuco de Gouvêa com as regiões de onde provinham os carros que comporiam a
formação sanitária da missão militar brasileira em Paris. 729 Além disso, Dumas
permaneceria a prestar seus serviços no Hospital Militar Brasileiro em Paris como chefe
e especialista do Serviço de Neurologia até 31 de março, quando pediu demissão do
cargo por motivo de enfermidade. Em função deste acontecimento, o Snr. General
Chefe da Comissão de Estudos730 concederia a demissão que fora pedida e declararia a
respeito de Dumas:

727
AHEx, MMMBF – HBP, Caixa 3, Pasta 3/3.2.
728
Idem. Grifo nosso.
729
“Relatório enviado ao Exmo. Sr. Ministro da Guerra, pelo Dr. José Thomaz Nabuco de Gouvêa, Chefe
da Missão, em 18 de Janeiro de 1919”, Diário Oficial da União, Ano LVIII, n.60, 14 de março de 1919,
cf.p.3482.
730
Notamos ao longo da documentação – e no trecho destacado acima se dá o mesmo – que, logo após a
Missão Militar ser extinta, o termo “Comissão de Estudos” passa a ser utilizada. Com o fim da Missão
Médica, os médicos militares que continuariam no Hospital, que ficaria sob a direção exclusiva de
médicos titulares do Exército e da Marinha, ficariam subordinados ao General Napoleão Aché, chefe de
da Comissão de Estudos de Operações de Guerra, a chamada “Missão Aché”. Esta Comissão foi
organizada com o intuito de realizar estudos e compras em território francês. Sua data de chegada se deu
em outubro de 1917, permanecendo pela Europa em 1918. KRÖEFF, 1971, cf.p.391; MALAN, op.cit.,
cf.p.51-52.

231
cumpro o dever de agradecer a esse distincto professor os
bons serviços prestados a extincta Missão Medica Especial e quase um
mez ao actual Hospital Militar (Boletim nº10 de 1º de Abril de 1919,
da Missão, digo da Comissão de Estudos). 731

Quanto à perspectiva dos médicos militares brasileiros, alguns aspectos são


colocados por Mauricio de Medeiros, como “a simpatia especial à França”, o
cumprimento de seus deveres internacionais e, o que particularmente nos interessa, “A
oportunidade para se aperfeiçoar profissionalmente na técnica cirúrgica, dada a
abundância do material a ser posto em nossas mãos”.732 Um dos pontos destacados por
Gouvêa em seu relatório ao Ministério da Guerra diz respeito aos aparelhos que foram
adquiridos para o Hospital Militar em que os brasileiros desempenhavam sua missão
médica. Este foram descritos como “o que há de mais perfeito e completo, dando ao
nosso hospital um cunho de modernismo, que muito nos honra”. 733 Ainda que não
tratemos especificamente da cirurgia, entendemos que o pensamento deste médico
corresponde às expectativas de nosso trabalho na medida em que eles estariam em
contato com o serviço de saúde do exército francês, o seu Service de Santé de l’Armée.
Este aspecto é ressaltado por Kröeff e Medeiros ao se referirem à França
como “Meca da medicina”, como podemos verificar nesse trecho de suas memórias à
respeito do grupo de médicos que embarcaria para o teatro de operações:

Havia nos integrantes especial admiração pela escola


médica que a França representava, no mundo de então. Aos jovens,
fascinava a cirurgia dos grandes golpes, rápidos e ousados, estancando
o sangramento pela compressão dos retalhos. Paris, formando
celebridades clínicas e cirúrgicas, era, na época, a Meca da Medicina,
onde os nossos mestres iam, de tempo em tempo, nas viagens de
estudo, renovar a sua cultura.734

Em relatório de 18 de janeiro de 1919 enviado do Ministro da Guerra, o


chefe da Missão Médica dr. José Thomaz Nabuco de Gouvêa afirma que a missão era,
sobretudo, científica. 735 Para Mario Kröeff, a Missão significou a

731
Idem.
732
MEDEIROS apud KRÖEFF, 1971, p.389.
733
“Relatório enviado ao Exmo. Sr. Ministro da Guerra, pelo Dr. José Thomaz Nabuco de Gouvêa, Chefe
da Missão, em 18 de Janeiro de 1919”, Diário Oficial da União, Ano LVIII, n.60, 14 de março de 1919,
cf.p.3485.
734
KRÖEFF, 1971, p.390.
735
“Relatório enviado ao Exmo. Sr. Ministro da Guerra, pelo Dr. José Thomaz Nabuco de Gouvêa, Chefe
da Missão, em 18 de Janeiro de 1919”, Diário Oficial da União, Ano LVIII, n.60, 14 de março de 1919,
cf.p.3479.

232
oportunidade para combater ao lado de um País Aliado, grande amigo
do Brasil, tido como o mais bravo de todos; para poder presenciar de
visu a excelência da medicina francesa, escola que já se havia incutido
na formação científico-profissional de inúmeros brasileiros.736

Esta oportunidade de combater “lado a lado”, como identificado na fala de


Kröeff, esteve presente no cotidiano do hospital militar. Os boletins do Hospital Militar
Brasileiro em Paris se referem à participação e trabalho de médicos franceses como algo
que se dava de forma corriqueira no período de recuperação dos feridos. 737 Contudo, no
início da instalação do hospital, os médicos brasileiros relatavam muita dificuldade
quanto à falta de laboratórios, que não permitia dizer com segurança que enfermidade
afetava o doente; além da escassez de medicamentos e instalações rudimentares para o
descanso dos médicos e oficiais brasileiros. 738
A excelência da medicina francesa e seu caráter científico marcariam os
oficiais do Exército. Tanto que o oficial da reserva, Majella Bijos, destacou que a
Escola de Saúde do exército era fruto deste intercâmbio entre as medicinas francesa e
brasileira.739 Finalmente, após o conflito com os alemães, era chegada a hora de uma
missão francesa e o início de mais uma etapa nas relações entre este país e o Brasil.

2.2.2.2.5. A Missão Militar Francesa (1919-1924).

A participação do Brasil na 1ª Guerra Mundial trouxe uma aproximação


maior entre o Serviço de Saúde do exército brasileiro e o Service de Santé do exército
francês. Com o fim da Missão Médica Militar Brasileira à França, tínhamos o início de
uma outra etapa das relações entre estas duas instituições. A tão disputada missão
militar havia se configurado a favor daqueles que os médicos brasileiros auxiliaram na
736
KRÖEFF, 1971, p.399.
737
De 25 de fevereiro a 23 de novembro de 1919 foram produzidos 216 boletins. Em diversos deles
encontramos solicitações de médicos franceses para desempenharem seus serviços, na maior parte das
vezes gratuitamente, nas instalações do Hospital. Além destes vários médicos do Service de Santé já
atuavam em conjunto com os médicos brasileiros no atendimento aos doentes e feridos.
Em função de seu conteúdo, acreditamos que tanto este material quanto os demais que compõem o acervo
do Hospital Militar Brasileiro em Paris podem oferecer um bom objeto de estudos para pesquisas futuras.
Ver: AHEx, Missão Médica Militar Brasileira na França – Hospital Brasileiro em Paris – 1918/1919,
Caixas 1 a 5.
738
AHEx, MMMBF – HBP, Caixa 17, Relatório apresentado pelo Capitão Dr. F. Esposel, Outubro-
Novembro-1918, cf.p.6-7.
739
BIJOS apud KRÖEFF, cf.p.400.

233
1ª Guerra, os franceses, e se daria em quatro fases. 740 A primeira fase, de 1920 a 1924, é
a que trataremos aqui, no que tange aos aspectos da medicina e higiene militar.
Se para Mario Kröeff e Medeiros a missão médica brasileira teve uma clara
conotação científica, a missão militar francesa contratada pelo Brasil não seria diferente.
Segundo Petitjean,

Em 1919, uma missão militar instala-se por 20 anos no Rio de Janeiro.


Ela comporta, aliás um aspecto científico: formar químicos militares,
com cursos de química aplicada. Os membros da missão participarão
da Academia Brasileira de Ciências durante vários anos, como Pépin
de Halleur ou John Nicoletis (que redigirá o curso de matemática dado
741
por Hadamard em 1922, para fins de publicação pela academia).

O autor se refere a um objetivo, no aspecto científico, da missão militar


francesa no Brasil: a formação de químicos militares a partir de cursos de química
aplicada. No entanto, não cita a(s) fonte(s) em que se baseou para tal informação e nem
de que forma se dava esta formação. Em nossa pesquisa, não localizamos qualquer
referência a esta preocupação com a formação de químicos militares. Deste modo,
várias perguntas devem ser colocadas: eram cursos ministrados no Brasil ou na França?
Se fossem no Brasil, como e onde seriam? Qual seria a sua duração? Eram voltados para
oficiais ou para escolas de formação de oficiais ou ambos? O alvo era médicos militares
ou farmacêuticos militares? Estas perguntas poderão ser respondidas apenas a partir de
pesquisas futuras e fogem ao escopo de nosso trabalho.
Como Luna ressaltou, o caso da modernização do exército brasileiro só teria
sido resolvido com a Missão Militar Francesa em 1919, sob o comando do general
Gamelin. 742 O primeiro contrato para a vinda desta Missão Militar se daria em 8 de
setembro de 1919. Tendo se originado assim a missão, o General Chefe da Missão
Francesa ficaria subordinado ao Chefe do Estado-Maior do Exército brasileiro e
desempenharia as funções de assistente técnico para instrução e organização. Quanto às
suas responsabilidades, se ocuparia da Escola de Estado-Maior do Exército, das Escolas
de Aperfeiçoamento, Intendência e de Veterinária. 743

740
Alfredo Souto Malan as divide da seguinte forma: 1920-1924/1925-1930/1930-1933/1934-1940.
741
PETITJEAN, Ibidem, p.96.
742
Sobre a relação do chefe da Missão Militar Francesa, o general Gamelin, e o processo modernizador
do exército, ver: NETO, Manuel Domingos. “Gamelin, o modernizador do Exército”. In: Tensões
Mundiais, Revista do Observatório das Nacionalidades. Volume 3, nº4, jan-jun 2007, p. 219-256.
743
BASTOS FILHO, Jayme de Araújo. A Missão militar francesa no Brasil. Rio de Janeiro: Biblioteca
do Exército, 1994, cf.p.106-107.

234
Há diversos estudos que tocam no tema, mas merecem destaque os trabalhos
de Jayme de Araújo Bastos Filho, com seu A Missão Francesa no Brasil e a publicação
do General Alfredo Souto Malan, Missão Militar Francesa de Instrução Junto ao
Exército Brasileiro. 744 Estas duas publicações são fontes riquíssimas para o estudo da
missão francesa no exército brasileiro. Dentre os artigos mais recentes tratando deste
tema, destacamos o trabalho de Jorge Mialhe, que realizou pesquisas nos arquivos
franceses e fez uma análise jurídica do contrato estabelecido entre França e Brasil. 745
Segundo este autor,

As fontes documentais resgatadas no Quai d’Orsay, referentes ao


período de 1917 a 1919, mostram claramente que a ideia do envio da
MMF [Missão Militar Francesa] partiu dos adidos militares da França
e do Brasil, apoiados por militares e políticos brasileiros simpatizantes
da França, por exemplo, o general Aché, chefe de uma malograda
missão militar brasileira na França em 1918, e o futuro ministro da
Guerra, Pandiá Calógeras, primeiro civil colocado á frente do
Ministério da Guerra pelo presidente da República e ex-integrante da
comitiva brasileira que participou das negociações do Tratado de
Versailles juntamente com Epitácio pessoa, presidente da República
entre 1919 e 1922.746

Acreditamos que a referência à “malograda missão militar brasileira em


1918” se trata da Missão Médica para a instalação do hospital de sangue francês e o
auxílio ao controle da gripe no final da 1ª G.M. Não concordamos com a noção de que
tenha sido uma ação malograda. Isto porque a missão cumpriu seus objetivos: auxiliar
os franceses no combate à gripe dentre os civis, instalação de um hospital militar para
atendimento de doentes e feridos. Além disso, também foi importante na medida em que
possibilitou o contato entre médicos militares dos dois exércitos e, da mesma forma,
estreitou a relação entre o Serviço de Saúde do exército brasileiro e o Service de Santé.

744
BASTOS FILHO, op.cit; MALAN, A. S. Missão militar francesa de instrução junto ao Exército
brasileiro. Rio de Janeiro: Biblioteca do Exército, 1988.
745
MIALHE, Jorge L. “O Contrato da Missão Militar Francesa de 1919: direito e história das relações
internacionais”, Cadernos de Direito, Piracicaba, v.10 (18): 89-119, jan-jun. 2010.
Como não tratamos de temas do direito, nos reservamos destacar apenas as informações voltadas para as
fontes documentais trabalhadas pelo autor.
746
MIALHE, op.cit., p.93.

235
A negociação do contrato se deu a partir do representante da legação
brasileira em Paris, com o apoio de seu adido militar. A contratação da missão foi
estabelecida através do Decreto Legislativo nº 3.674, de 7 de janeiro de 1919. A partir
do referido contrato, se dava a contratação de uma missão de oficiais estrangeiros para
instrução do Exército e seu chefe deveria servir junto ao Estado-Maior como assistente
técnico.
Mialhe enfatiza a observação feita por Malan, na qual há evidências do
interesse da França no monopólio da venda do material bélico ao Brasil. O motivo de tal
assertiva está na documentação em que realizou sua pesquisa, identificando “outros
aspectos da vigilância exercida pelos militares franceses sobre as ações do Estado-
Maior brasileiro, no sentido de obter equipamentos e serviços fornecidos por países
terceiros”.747 Desta forma, os membros da Missão Militar Francesa (MMF) afastaram
qualquer possibilidade de concorrência com os países que foram derrotados na 1ª
Guerra Mundial.
O comportamento do governo francês em relação à missão no Brasil se daria
também através de seu caráter de “empreendimento comercial”. Os franceses estavam
preocupado com a “missão como um instrumento de penetração da produção de guerra
francesa, atento à concorrência estrangeira pelo mercado brasileiro de armas”. Um dos
motivos de tal preocupação era a relação e o fluxo de compra de armamentos da
Alemanha pelo Brasil. Gamelin teria como função pressionar “sem deixar transparecer
um interesse econômico direto por parte da França”. 748 Alain Rouquié também atenta
para o fato de os alemães não hesitarem em desacreditar o material francês, enquanto
que os franceses, por outro lado, “denunciavam o racismo dos oficiais alemães que não
se sentiam à vontade em um país mestiço”. 749
Ao tratar da “vitória” francesa e o envio de uma missão militar ao Brasil,
Mialhe cita o trabalho de Malan. Este chama atenção para as memórias de oficiais
germanófilos, no caso Leitão de Carvalho e Bertoldo Klinger, que consideram que a
vitória francesa foi fundamental para que um contrato entre Brasil e Alemanha não
fosse assinado para o envio de uma missão militar.750

747
Ibidem, p.99.
748
Ibidem, p.100.
749
ROUQUIÉ apud MIALHE, p.100. Para mais detalhes, ver: ROUQUIÉ, Alain. O Estado Militar na
América Latina. São Paulo: Editora Alfa-Omega, 1984, p.96.
750
MIALHE, op.cit., cf.p.105

236
A educação também é um ponto que merece destaque. Ela é entendida por
Mialhe como “principal elemento de transformação social”, tendo sido conduzida com
rigor pelos professores e instrutores da Missão. Tal conclusão poderia ser constatada no
trabalho de outros pesquisadores e, também, no Relatório do General Gamelin de 1925
enviado ao Ministério da Guerra Francês. Nele, o general “confirma que, no período
entre 1921 e 1922, o ensino ministrado pelos oficiais da MMF pôde se desenvolver
livremente nos diferentes ramos da atividade militar, conforme os propósitos originais
da Missão”. Além disso, vale lembrar que foram feitas encomendas importantes de
equipamento aos militares franceses. 751
Da mesma forma, Alain Rouquié atenta para a relação entre organização,
treinamento e a influência dos militares franceses. Isto porque

é no domínio da organização, do treinamento e das carreiras que a


influência francesa será particularmente marcante. À dispersão dos
efetivos pelo território à maneira de corpos de polícia, sucederá a
formação de grandes unidades prontas para qualquer manobra e
coordenadas por um Estado-Maior concebido segundo um plano
francês. Os oficiais, que recebiam até então, no melhor dos casos, uma
educação livresca e muito intelectualizada, recebem a partir de então,
em todos os níveis, uma sólida formação militar sob as ordens dos
instrutores franceses... 752

À época da chegada da missão francesa, os manuais utilizados nas escolas


de preparação militar eram ultrapassados, tratando-se de manuais alemães anteriores à
1914 e velhas publicações brasileiras. Então, desde o seu início, os franceses da missão
tiveram que escrever novos guias e manuais ou trabalhar com aqueles adaptados para
seu uso no Brasil. Estas publicações foram escritas/adaptadas para as diversas armas e
especialidades do Exército, dentre elas o corpo de saúde através dos cursos sanitários.
Além disso, os franceses também reescreveram códigos e ordenanças do corpo de
oficiais do exército nacional, além de tratar de questões relativas à legislação militar –
como a organização do exército e o serviço militar, por exemplo. 753 A Missão Militar
francesa, desta forma, daria um grande impulso para a bibliografia militar do período,
ao publicar um expressivo número de obras nas quais se difundiam uma doutrina de
guerra, oriundas de palestras e conferências dadas aos militares brasileiros. Enfim, os

751
Ibidem, cf. p.107.
752
ROUQUIÉ, 1984, p.101.
753
NUNN, op.cit., cf.p.193-194.

237
franceses providenciaram unidade, padronização e doutrina apropriada para o exército
brasileiro.754
A historiografia voltada para a questão militar e o desenvolvimento das tropas
nacionais, aponta a Missão Francesa como fundamental para o entendimento do
processo de modernização do Exército brasileiro.755 E no que diz respeito ao Serviço de
Saúde do Exército? Também influenciou de alguma forma?
A Escola de Saúde do Exército (EsSEx) teve sua origem com o Decreto nº
2.232 de 6 de janeiro de 1910 com o nome de “Escola de Aplicação Médico-Militar”756
e subordinada à Diretoria de Saúde do Exército.757 Naquele momento seu dever era
ministrar conhecimentos básicos da vida militar aos doutores em medicina. Em fase
posterior, esta atividade foi levada a farmacêuticos, dentistas e veterinários que
ingressavam no Serviço de Saúde do Exército a partir de concurso. O Decreto
autorizava, ainda, a criação de um “curso de aplicação especial para os doutores em
medicina que se propunham ao serviço médico-militar”, mas este curso, juntamente
com o de enfermeiros e padioleiros758 foi regulamentado apenas em 1913 (Decreto nº
10.402 de 20 de agosto de 1913). A partir de então, o diretor do Hospital Central do
Exército era o responsável pelo curso de aplicação.
Em 1921, mais uma mudança estrutural na Escola de Saúde do Exército. 759 As
direções técnica, de ensino e de estudos estavam sob responsabilidade da Missão Militar
Francesa. Os professores eram médicos da Missão, enquanto conferencistas e instrutores
eram nomeados pelo Ministério da Guerra. Andréa Lemos Xavier e Verônica Pimenta
Velloso se referem às críticas do médico Louis Marland, diretor de estudos, em

754
CIDADE, op.cit., cf.p.436-437; Ibidem, cf.p.197.
755
Citamos alguns dos autores mais significativos: MALAN, op. cit; SODRÉ, Nelson Werneck.
Memórias de um Soldado. Rio de Janeiro: Editora Civilização Brasileira, 1967; CARVALHO, José
Murilo de. Forças Armadas e Política no Brasil. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed, 2005.
756
http://www.essex.ensino.eb.br/html/a_essex/historico/historico_essex_1.htm, acesso em outubro de
2008; SILVA, Arthur Lobo da. O Serviço de Saúde do Exército Brasileiro. (História evolutiva desde os
tempos primórdios até os tempos atuais). Rio de Janeiro: Biblioteca do Exército, 1958; XAVIER,
Andréa Lemos; VELLOSO, Verônica Pimenta. “Escola de Aplicação Médico-Militar”. In: Dicionário
Histórico Biográfico das Ciências da Saúde no Brasil (1832-1930). Casa de Oswaldo Cruz / FIOCRUZ
– (http://www.dichistoriasaude.coc.fiocruz.br). Acesso em setembro de 2008.
757
Subordinados à Diretoria de Saúde do Exército, estavam: o Instituto de Biologia do Exército (o antigo
“Laboratório de Microscopia Clínica e Bacteriologia”, criado em 1894), o Hospital Central do Exército, o
Laboratório Químico Farmacêutico Militar e a Escola de Saúde do Exército.
Destacamos neste trecho apenas aquelas instituições que se relacionam com nossa pesquisa e com nosso
recorte temporal. Estão ainda subordinados à Diretoria de Saúde: a Policlínica Militar, o Serviço Dentário
do Exército, o sanatório militar, os hospitais e enfermarias militares, o estabelecimento central do material
sanitário do Exército, o posto médico do Ministério da Guerra e, finalmente, o Serviço Veterinário do
Exército. LOBO: 1943, p.152-175.
758
Conforme o Dicionário Aurélio, padioleiro: “aquele que carrega a padiola”; padiola: maca.
759
Decreto Nº15.230 de 31 de dezembro de 1921.

238
Relatório de 1924 dirigido ao Estado-Maior do Exército. Segundo Marland, o curso de
aperfeiçoamento não acontecia no tempo decorrido. Devendo apresentar a duração de
um ano, o curso de aperfeiçoamento era realizado em apenas quatro meses e “a falta de
especialistas nos quadros do Exército, como cirurgiões, bacteriologistas e radiologistas
entre outros, seria suprida pelo curso de aperfeiçoamento com duração de um ano”. Nos
Relatórios dos anos de 1926 e 1928, não verificamos estas colocações.
Quanto ao ensino na Escola de Saúde do Exército, o que nos chama a atenção é
o conteúdo do currículo dos cursos oferecidos em momentos diferentes de sua História.
Conforme o Decreto nº 10. 402 de 1913, o curso de aperfeiçoamento tinha dois anos de
duração. No primeiro ano, os alunos estudariam matérias como “higiene militar,
exercícios de bacteriologia e química aplicada à higiene militar (...); serviço de saúde
nos exércitos, seu funcionamento na paz e na guerra, noções de tática; clínica das
moléstias da pele e sífilis; clínica cirúrgica e das vias urinárias, e cirurgia de guerra. O
segundo e último ano tinha como disciplina a destacarmos a “clínica médica das
enfermidades e epidemias comuns nos exércitos”. 760 Contudo, ressaltam Xavier e
Velloso:

Em termos legislativos, o curso de aplicação se constituiu


como uma escola somente pelo Decreto nº 15.230, de 21/12/1921, que
aprovou o regulamento para o Serviço de Saúde do Exército em
tempos de paz. Desde então, o curso passou a ser designado de Escola
de Aplicação do Serviço de Saúde do Exército, ficando subordinada
diretamente à Diretoria de Saúde da Guerra, e tendo por fim “dar aos
médicos e farmacêuticos, candidatos à inclusão no Corpo de Saúde do
Exército, um complemento de instrução técnica sobre as aplicações
especiais da medicina, cirurgia e química ao Exército (...)”.
[...]
O plano de ensino da Escola de Aplicação do Serviço de
Saúde do Exército compreendia dois cursos: ‘o de aplicação,
destinado ao recrutamento de médicos e farmacêuticos para o
Exército; e o de aperfeiçoamento, destinado ao aperfeiçoamento dos
médicos e farmacêuticos militares, após permanência de alguns anos
no serviço do Exército.761

A relação da Missão Militar Francesa com o Serviço de Saúde do Exército


teria na Escola de Aplicação do Serviço de Saúde do Exército, o seu principal campo de
ação. Além disso, a criação de um Regulamento para o Serviço de Saúde do Exército
em Tempo de Paz em 1922, caracterizou a preocupação com a unidade da doutrina
760
XAVIER, op. cit.
761
Idem. O uso do termo “Corpo” é utilizado por alguns autores ora como um sinônimo para “Serviço”,
ora como parte de uma das divisões do Serviço de Saúde do Exército.

239
francesa e, da mesma forma, da organização desta força auxiliar. No entanto, de que
forma poderíamos verificar a ação da Missão no Serviço de Saúde de forma efetiva?
Entendemos que a criação das Formações Sanitárias, a partir de 1925, nos ajudarão a
compreender tal quadro.

240
Capítulo 3  As revistas militares de saúde e seus cenários científicos no Cuerpo de
Sanidad do exército argentino (1891-1931)

As produções científicas militares na área de medicina e higiene militares


constituem fontes importantes para a compreensão do cenário de debates no meio
intelectual da caserna. Aqui, poderemos comparar o conteúdo das revistas e, também,
verificar quais eram as principais influências sobre os seus corpos editoriais. Nosso
objetivo nesta etapa do trabalho é compreender como se dava a divulgação científica no
meio médico militar, quais eram suas maiores preocupações, suas maiores influências
no campo das ciências médicas relativas à higiene, bem como a existência ou não de um
papel desempenhado pelas missões militares no pensamento médico militar de
brasileiros e argentinos. Contudo, ressaltamos que os periódicos serão analisados como
fontes primárias, tendo como eixo norteador de análise o nosso objeto de pesquisa que é
a higiene militar e a sua relação com a modernização.
O início do século vinte ficou marcado na medicina militar como aquele que
testemunhou avanços importantes na prevenção de doenças e no conhecimento
cirúrgico. Esta tendência, no entanto, teve início no século anterior com os alemães na
guerra franco-prussiana e se tornou “a maior característica da medicina moderna em
todas as sociedades desenvolvidas”. 762 Além disso, o avanço no conhecimento médico e
características técnicas de sociedades industriais resultaram em uma rápida aplicação
destas descobertas na medicina militar. As guerras que se deram nos últimos anos do
XIX e primeiros XX (Guerra dos Boeres, Russo-Japonesa e, principalmente, a 1ª Guerra
Mundial), contribuiriam para o desenvolvimento da medicina militar e suas técnicas.
Contudo, às vésperas da 1ª G.M., os exércitos permaneciam despreparados para os
desafios que encontrariam para salvar vidas nos campos de batalha.
O período em que estes periódicos foram publicados e seus principais temas
no campo da higiene militar, dentre outros aspectos, nos ajudarão a compreender o
cenário científico de médicos militares brasileiros e argentinos, de acordo com este
contexto de mudanças no cenário médico internacional. É através dos artigos destas
revistas que temos as opiniões de oficiais e comandantes acerca das modificações feitas
na organização militar pelas missões militares estrangeiras, mas não exclusivamente por

762
GABRIEL, op. cit., Kindle Edition, Location 4091.

241
estas. Além disso, entendemos que a revista se torna não apenas um meio de divulgação
científica, mas também de defesa de determinados pontos de vista.
Nunn acredita que é no estudo das publicações em jornais militares que
podemos identificar o pensamento e a autopercepção que se tornam a essência do
militarismo profissional moderno.763 Compartilhamos da mesma concepção e, assim,
desenvolveremos nossa análise.
Como utilizaremos estes periódicos militares como fontes, nossa
metodologia de análise está voltada para a seleção de três temas norteadores que serão
identificados em todos os artigos (e não colunas) das publicações brasileiras e
argentinas: higiene militar, missões militares / modernização, Serviço de Saúde do
Exército. Cabe ressaltar que a relação com as escolas médicas, bem como com os
exércitos, da Alemanha e França também compõem parte destes temas norteadores,
existindo como subtemas.
Se o estudo destes periódicos se desse de forma mais abrangente, tentando
entendê-los em si, sua natureza e a quem se destinavam, certamente teríamos uma outra
tese. Como nosso objetivo é compreender a forma como nossos temas se apresentaram
nestes periódicos, adotamos critérios de natureza quantitativa e qualitativa. No que diz
respeito à forma como executamos tal análise e o nosso primeiro método, nos
prendemos a um critério quantitativo, em que o número de publicações destes temas
norteadores foi computado. Ao quantificarmos estes artigos, conseguimos identificar o
escopo de sua produção e seus objetivos, na medida em que, dentro de um universo de
artigos, notas e colunas, a prevalência de um ou outro tema nos leva à significação dada
aos mesmos pelo periódico. Além deste critério quantitativo, nos baseamos naquele
qualitativo, trabalhando com os editoriais. Estes têm uma importância fundamental para
a compreensão da linha de pensamento da revista, na medida em que são eles, os
editoriais, que expressam a opinião de seus editores e diretores acerca de assuntos
diversos do período. Portanto, não objetivamos aqui fazer um estudo destes periódicos,
mas compreendê-los de acordo com uma lógica de produção acerca de temas
determinados que nos possibilitem compreender como estes eram trabalhados no
cenário científico militar do período no qual foram produzidos.
Os periódicos de medicina militar argentinos não apresentam sequer o
escasso estudo verificado com seus correspondentes brasileiros. Se no Brasil ainda

763
NUNN, Frederick. Yesterday’s Soldiers. Lincoln: University of Nebraska Press, 1983, cf.p.3.

242
podemos contar com trabalhos pontuais acerca destas publicações, no caso da Argentina
nossa pesquisa não apresentou o mesmo quadro. Diante de tal conjuntura, nossa análise
será o pontapé inicial para futuros trabalhos comparativos e que tenham neste tipo de
publicação seu corpo de fontes primárias.764
Como nosso objetivo é relacionar o conjunto de artigos encontrados nas
revistas com nossos temas norteadores, no caso argentino a questão da missão militar
será tratada no estudo de três periódicos: Boletín de Sanidad Militar, Anales de Sanidad
Militar e Revista de La Sanidad Militar. Enquanto o primeiro tem sua publicação em
período anterior à chegada da missão militar alemã e uma nova edição a partir de 1920
sob o nome de Revista de La Sanidad Militar, os Anales iniciam seu editorial em 1899.
Este ponto é fundamental para compreendermos o cenário médico-científico dentre os
facultativos militares, pois nos leva a algumas questões: qual a principal diferença entre
ambos? A que público se destinava? O conjunto de médicos que contribuía com artigos
era o mesmo para ambos os periódicos?
Além de nos guiarmos por estas perguntas ainda trabalharemos com nossos
temas norteadores, do mesmo modo como faremos com as revistas de medicina e
higiene militar publicadas no Brasil. Portanto, assim como delimitamos nosso período
de análise até o final do período de publicações de uma das fases da Revista de
Medicina e Higiene Militar e o ano imediatamente anterior a dois fenômenos em
comum nos dois países, as “revoluções” de 1930, o ano de 1931 será o nosso marco
final para a análise das edições argentinas.
Finalmente, a periodização destas revistas foi muito difícil, na medida em
que não há estudos acerca deste tipo de publicação. Para as delimitações aqui utilizadas,
nos baseamos nos editoriais e artigos publicados ao longo dos diversos números destes
periódicos médicos argentinos de medicina militar e que se referiam às edições
anteriores ou com datas comemorativas que nos remetiam às suas primeiras versões. O
Boletín Militar é o caso mais emblemático, pois dele deriva os Anales de Sanidad
Militar, a Revista de La Sanidad Militar e, na década de 1980, a Revista de La Sanidad
Militar Argentina.

764
Um ponto crítico é o fato de não contarmos com a totalidade destas publicações, como se deu no caso
dos periódicos brasileiros. Apesar da exaustiva busca em bibliotecas e arquivos, não contamos aqui com
todos s números disponíveis, mas entendemos que, de maneira geral, nosso trabalho não será prejudicado
e nossa contribuição é apenas o início para futuros estudos destas publicações.

243
3.1. Boletín de Sanidad Militar (1891-1914)

O Boletín de Sanidad Militar foi um periódico militar argentino que teria


seu início após três anos da organização do Cuerpo de Sanidad Del Ejército y La
Armada, em 1888. Com sua fundação em 1º de Janeiro de 1891 e primeira publicação
no mesmo ano, foi organizada pelo cirurgião-mor Eleodoro Damianovich, juntamente
com outros chefes e oficiais da área de saúde militar: Pedro Mallo (oficial de saúde da
Armada), Alberto Costa, F. Sotuyo, B. Araoz, Ramon Gimenez, Carlos Villar, Pacífico
Diaz, José M. Cabezón, Facundo Larrosa, Diego Lima, Alejandro Ortiz, Alagon, Lobo,
Francisco P. Súnico,765 F.P. Lavalle e G. Baumann. Por fim, Alberto Costa e José M.
Cabezón figuravam como seus diretores militares. 766
Este grupo de oficiais que destacamos teria três oficiais médicos que iriam
compor a Comissión de Sanidad, em 1892 (presidida por Alberto Costa), bem como os
responsáveis pelo desenvolvimento, em 1895, do Reglamento para El Servicio de
Sanidad en Campaña. São eles: Eleodoro Damianovich, Alberto Costa e José M.
Cabezón. Sendo assim, não podemos desligar o papel desta publicação no cenário
médico-científico do meio militar e sua relação com as reflexões acerca dos avanços
verificados na medicina – seja ela geral ou militar – e da necessidade de modernização
pelo qual o recém-criado Cuerpo de Sanidad.
Posteriormente, o Boletín apresentaria outras fases: os Anales de Sanidad
Militar, que substituiria o periódico a partir de 1895 e contando com sua primeira
publicação em 1899;767 a Revista de La Sanidad Militar, editada a partir de 1920, e
Revista de La Sanidad Militar Argentina, publicada em 1981 no aniversário de 90 anos
do Boletín. Em sua primeira fase, o Boletín contou com várias interrupções em suas
edições e, por isso, dividimos sua periodicidade desta forma: 1891-1895, 1908-1910 e

765
Francisco P. Súnico defendeu seu trabalho na faculdade de ciências médicas sobre a “Higiene Militar
dos Quartéis” em 1890 e fora interno do Hospital Militar. Fora justamente o conteúdo deste trabalho que
resultaria nos dois artigos referentes à habitação, subtema da higiene militar, que seriam publicados nas
edições de número um e dois de 1891.
766
“Nonagésimo aniversario”, Revista de La Sanidad Militar Argentina, Buenos Aires, Ano LXXX, n.1,
p. 3-4, jan-jun. 1981.
Alberto Costa e José M. Cabezón são apontados como diretores do periódico na seção “Crónica”, que
fora publicada na edição de número um de seu primeiro ano. Trata-se de uma carta enviada a Eleonor
Damiaoviche se referindo aos soldados enfermeiros e identificada na revista como “Comunicacion
dirigida por La direccion del Boletín al señor inspector general de sanidad del ejército”. “Crónica”,
Boletín de Sanidad Militar, Berlim, Ano I, n.1, p.78-86, jan. 1891.
767
Os Anales de Sanidad Militar, assim como a Revista de La Sanidad Militar, serão trabalhados ainda
neste capítulo de nossa tese.

244
1913-1914.768 Nossa pesquisa contemplou a análise de todos estes períodos. No entanto,
o primeiro intervalo de publicação da mesma não pode ser estudado em sua totalidade.
Isto porque não foi possível o acesso às edições dos anos de 1892 a 1895 nos arquivos e
bibliotecas nos quais realizamos nosso trabalho. Sendo assim, os números resultantes de
nossos temas norteadores poderão ser comprometidos, mas trabalharemos com o
material que conseguimos analisar e, de certa forma, contribuiremos para o quadro de
estudos de periódicos militares argentinos.
No seu primeiro período, ou seja, aquele compreendido entre 1892 e 1895, o
periódico teve sua impressão em Berlim e não em Buenos Aires como nos intervalos
seguintes. Baseados nas informações sobre o Cuerpo de Sanidad do exército argentino e
do Director General de Sanidad à época, o cirurgião-mor Eleonor Damianovich, não
conseguimos responder a algumas questões: por que a impressão do Boletín se deu em
Berlim e não em Buenos Aires? Esta escolha partiu de Damianovich? Havia alguma
relação com o local de impressão e a permanência dos médicos militares para a
Comisión de Sanidad que se daria no ano seguinte sob o comando de Alberto Costa?
São perguntas que, talvez, possamos responder com pesquisas futuras a partir de uma
dedicação exclusiva para a compreensão deste periódico argentino de saúde e medicina
militar.
O Boletín de Sanidad Militar (BSM) apresentou uma estruturação de seus
conteúdos que pouco variou de acordo com seus anos de publicação. No seu primeiro
período, o periódico encontrava-se dividido de acordo com as seguintes seções:
Editorial/Artigo; Artigos; Formulário, destinada à divulgação de fórmulas para uso
cotidiano como expectorantes, acidez, pomadas para pele, poção para tísicos, etc.;
Medicina Prática, seção em que discutia a prática em função do formulário apresentado
em sua edição; Estrangeiro; Higiene Militar; Higiene Prática; Crônica; Interesses do
Boletim; Suplemento, que tratava de assuntos de interesse da revista (o número 1, por
exemplo, trazia material sobre a linfa de Koch em Buenos Aires); Variedades; e, a
última, Seção Oficial, com notícias sobre o Cuerpo de Sanidad. No segundo e terceiro
períodos, encontramos: Editorial/Artigo; Artigos; Notas da imprensa médica
estrangeira; Movimento do pessoal; Decretos e resoluções; Situação de revista do
pessoal do Cuerpo de Sanidad do exército; Material/Movimento do parque sanitário

768
Entre 1895 e 1908, tivemos a publicação dos Anales de Sanidad Militar, que substituiria o Boletín.
Contudo, temos a retomada de sua edição a partir de 1908 com seu nome original. Fonte: Redacción. En
el quinto año, Anales de Sanidad Militar, Buenos Aires, Ano V, n.1, p.1-4, jan. 1903.

245
central. Sendo que no segundo intervalo temos ainda as seções exclusivas deste período:
“Bibliografia”, que apresentava um pequeno resumo de publicações nacionais e
internacionais voltadas para o campo médico; e “Crônica”, em que tínhamos um
pequeno resumo sobre algum acontecimento considerado importante no Cuerpo de
Sanidad do exército argentino. No terceiro e último intervalo desta primeira fase,
encontraríamos a seção “Resumo da Saúde Militar”, que seria muito semelhante às
“Crônicas” encontradas entre 1891-1895.
Dentre os nossos temas norteadores temos oitenta e um artigos.769 Destes,
oito tratavam de temática relativa à higiene, dividindo-se nos seguintes assuntos: quatro
sobre profilaxia; um para vacinação; e três relativos a outros assuntos como higiene
individual e hospitais. Vinte e dois artigos contribuíram para os estudos de higiene
militar, classificados segundo estes subitens: dois relativos ao estudo dos elementos
(água, ar e solo), a respeito dos cuidados com a água potável; um artigo sobre
alimentação, voltado para os estudos acerca da alimentação de tropas expedicionárias
terrestres e sua relação com a diversidade climática do continente americano; quatro
para habitação, ou seja, relativos aos estudos de “quartéis-modelo”; um para vestuário,
relativo à preocupação com os calçados para os militares; quatro sobre profilaxia; um
para vacinação; e nove textos destinados a outros temas de higiene militar, como a
higiene naval, hospitais militares, combate às moscas, etc. A Modernização foi
abordada em dois artigos. Os Serviços de Saúde somaram vinte artigos, dentre os quais
treze destinados ao Serviço de Saúde do exército argentino, dois sobre o Serviço de
Saúde do exército alemão, cinco acerca do Serviço de Saúde francês, quatro sobre a
mesma força auxiliar do Exército dos Estados Unidos e seis de Serviços de Saúde de
exércitos estrangeiros (o serviço de saúde do exército brasileiro contaria com três
artigos, dois artigos referentes ao serviço inglês e os suíços teriam um) 770. Outros temas
relativos à cirurgia/saúde/medicina militar totalizaram dezenove artigos, sendo cinco
para cirurgia, sete para saúde militar, seis relativos à medicina militar e um para
congressos na área de medicina militar.
O editorial inaugural do Boletín de Sanidad Militar.

769
Ver Anexo 3, p. 446.
770
A referência ao serviço sanitário suíço não deve ser visto com surpresa. Devemos lembrar que um dos
oficiais estrangeiros contratados para a criação da Escuela Superior de Guerra (1899-1900) era
justamente deste país, o capitão Diserens.

246
Propósitos

Esta revista não é precisamente um órgão oficial do corpo


médico do exército e armada. Sai à imprensa por iniciativa de um
grupo numeroso de facultativos militares, desejosos de dar à
repartição todos os elementos mais propícios para seu
desenvolvimento, - e nenhum outro mais imediatamente útil que a
propaganda de suas aspirações por intermédio de uma publicação séria
e sensata.
Viemos para cumprir um dever igualando nossos
propósitos com os das congregações semelhantes, para o que
contamos com a vontade mais decidida de nossos companheiros e a
das pessoas diretamente interessadas pelo desenvolvimento da
instituição a que pertencemos.
Por enquanto não dispomos de grandes elementos, mas
com um pouco de paciência, outro tanto de estímulo e um grande
desejo, haveremos de alcançar o fim proposto; quer dizer, levantar o
espírito, retemperar a contração e calcar o legítimo orgulho de um
corpo cujos similares trouxeram glória e vantagem a outras nações.
Caso contrário, podem o exército e a armada contar desde agora com
um apoio direto para tudo o que se relacione com o melhoramento de
sua vida física, tanto no relativo à higiene como no que corresponda às
suas enfermidades.
Nosso programa está feito.

A Redação. 771

Embora não fosse apresentado como um órgão oficial do corpo médico, o


surgimento do periódico mereceu atenção no Memoria de Guerra y Marina, publicação
oficial do Exército e Armada argentinos. De acordo com este anuário, o Boletín era
apresentado da seguinte forma:

Temos pela primeira vez entre nós um Boletim da Saúde


Militar, publicação mensal, redigida pelos médicos militares e que
registra todos os fatos dignos de interesse para a Saúde; registrando a
clínica médica e cirúrgica do hospital [militar], estudos especiais do
ramo, troca de pessoal e em geral tudo pertinente à nossa instituição.
Preenche um vazio bem sentido e deste modo vamos começar a
dialogar com outras publicações europeias de igual caráter,
compulsando os avanços realizados nos Cuerpos de Sanidad de outras
nações mais adiantadas.772

Como mencionado, o Boletín preencheria um “vazio bem sentido” e


dialogaria com seus semelhantes europeus. Teria sido este um dos motivos para a

771
“Propósitos – La Redaccion”, Boletín de Sanidad Militar, Berlim, Ano I, n.1, p.1, jan. 1891. Tradução
nossa.
772
Memoria de Guerra y Marina, 1886. Buenos Aires: Imprenta La Tribuna Nacional, 1891, p.170.

247
publicação do Boletín em Berlim? Acreditamos que uma das linhas de raciocínio a ser
seguida para responder à pergunta pode ser justamente esta, a de que o periódico fora
impresso em Berlim de forma a circular no continente europeu e atrair o interesse de
demais oficiais, ou civis, médicos. Além disso, colocaria a revista argentina no cenário
científico internacional.
O primeiro número do Boletín de Sanidad Militar complementaria seu
editorial inaugural através do artigo “Materiais”, em que explica o conteúdo dos
trabalhos a serem encontrados ali, assim como a periodicidade do mesmo. Assim, o
Boletín seria publicado mensalmente e traria matérias que interessassem o corpo médico
militar, o exército e a armada. Além disso, se comprometia a não polemizar, a não ser
quando se fizesse menção às Forças Armadas. Quanto ao conteúdo a ser escolhido, o
critério seria o trabalho enviado para a redação oferecer algum tema de interesse
científico ou que oferecesse vantagens para o ramo médico militar ou para a saúde do
soldado. Finalmente, se colocava como uma revista que faria todo trabalho de aplicação
local e imediata.773
Ao longo deste primeiro número outras duas seções também tratariam do
surgimento da revista. Em “Crónica”, o primeiro tópico era direcionado “aos nossos
colegas”. Ali se fazia uma saudação formal aos “colegas da imprensa médica e de
interesses gerais” por parte da redação do Boletín. Além disso, reforçava o que fora
escrito no editorial inaugural, explicando que o periódico “não abriga outro ideal que a
progressão do desenvolvimento técnico-prático a medicina nacional (...) e em proveito
da família militar”. Por fim, este item é encerado fazendo menção a uma luta que se
travava “na imprensa diária e periódica pelo progresso médico argentino”. Tal ponto
nos leva, mais uma vez a refletir acerca do papel do periódico militar voltado para a
área da saúde e a necessidade, a “luta”, para que os oficiais médicos também
estabelecessem seu canal de comunicação e de divulgação de seu conhecimento
científico. 774
Outro item desta seção, direcionada ao exército e armada nacional,
ressaltava o orgulho sentido pelos membros da revista por terem “sido os primeiros que
levantaram a bandeira de nossos propósitos dentro da república”. Diferentemente do que
víamos nos periódicos brasileiros, o Boletín de Sanidad Militar assumia uma postura
abertamente crítica diante da forma como o Estado se voltava para o Cuerpo de Sanidad

773
“Materiales”, Boletín de Sanidad Militar, Berlim, Ano I, n.1, p.2, jan. 1891.
774
“Crónicas”, op.cit., cf.p.78.

248
do exército argentino. Retornando ao aspecto técnico da publicação, afirmava-se que as
colunas seriam uma espécie de “asilo sagrado” para as questões técnicas e que, agora, os
soldados teriam um órgão que seria o “guardião zeloso e ativo de sua vida física”.
Portanto, se já definimos e entendemos a higiene militar como as medidas necessárias
para o bem estar e a manutenção do estado saudável do militar, o que verificamos até
agora é que o Boletín apresentaria em suas páginas o material necessário para a
construção e manutenção de tal perspectiva.
A outra seção à qual nos referimos diz respeito aos “Interesses do Boletim”.
No primeiro número do Boletín, esta seção apresentou em sua integra o prospecto que
fora distribuído ao corpo sanitário do exército e da armada juntamente com a carta que
apresentava o referido documento, conforme nota do mesmo, assinada por Eleodoro
Damianovic. É neste prospecto que temos as assinaturas dos membros fundadores do
Boletín, que se identificavam naquele momento buscando seus leitores. Embora o
periódico fosse impresso em Berlim, a carta estava datada como Buenos Aires, 1890.
Ou seja, um ano antes da publicação do periódico de medicina militar. Neste material
destinado ao corpo sanitário das forças, Damianovich destaca que este seria lançado no
mês de janeiro do ano seguinte e que sua periodicidade seria mensal e que tinha como
objetivo “sustentar, defender e ajudar as ideias e interesses do corpo médico militar e do
exército e armada da nação”.775 Damianovich, a partir da distribuição do prospecto
buscava arrecadar fundos para manter o Boletín, algo fundamental para “vencer os
primeiros obstáculos”. Desta forma, podemos afirmar que, apesar de possuir o apoio do
Cuerpo de Sanidad o periódico necessitava de contribuições de seus colegas para
custear sua produção.
No que diz respeito ao conteúdo do prospecto, este definia os objetivos da
revista e a apresentava ao seu futuro público de leitores. Assim, as bases principais às
quais a publicação deveria obedecer eram:

1º Desenvolver os estudos médicos pertinentes aos interesses do


exército e armada.
2º Sustentar e fomentar o progresso e solidariedade do corpo
médico militar.
3º Proteger as instituições ou complementares deste ramo.
4º Iniciar um movimento uniforme para a prosperidade físico-
moral de toda a família militar.776

775
“Intereses del Boletin”, Boletín de Sanidad Militar, Berlim, Ano I, n.1, p.87-89, jan. 1891.
776
Ibidem, p.88.

249
Definidas suas bases, divulgava-se também o seu público alvo: médicos e
farmacêuticos do exército e da armada; chefes, oficiais e homens da tropa que
solicitassem, instituições científicas e imprensa argentina; revistas similares nacionais e
estrangeiras, corpo diplomático nacional e estrangeiro; e qualquer um que solicitasse o
envio de um exemplar. Já no que diz respeito ao material científico, este ficaria a cargo
de dois diretores e um secretário geral. Sobre o conteúdo dos mesmos, seria aquele que
oferecesse tema de interesse da instituição, além das seções especiais às quais já nos
referimos ao identificarmos a estruturação do periódico. Além disso, quanto à medicina
e higiene, o documento definia que as matérias de medicina pura teriam sempre
preferência quando fossem de utilidade das classes militares. Referindo-se à higiene,
esta receberia “uma dedicação tão grande” como a que seria prestada ao estudo da
morbidade e da mortalidade das tropas.777
Ao analisarmos os artigos publicados no primeiro ano do Boletín, seus
primeiros números apresentavam uma seção em destaque: Lo de Koch ou “Sobre
Koch”. Neste trecho da publicação, encontramos estudos pormenorizados acerca das
pesquisas desenvolvidas por Koch. Na sua primeira edição, temos o artigo “Tratamento
da Tuberculose. O Sucesso de Berlim”, que na verdade se tratava do texto publicado em
sua integra da comunicação de Koch na Deutsche Medizinische Wochenschrift, que era
um periódico médico de Berlim. Este texto era apresentado pelo Boletín aos seus
leitores como uma

extensa e detalhada memória das novidades mais recentes e


importantes sobre a questão médica do dia, a cura da tuberculose, que,
segundo confissão dos mesmos facultativos franceses, mantém
emocionado todo o mundo médico e o mundo profano dos povos
civilizados (...). 778

Desta forma, o Boletín buscaria incluir em seus números e colunas tudo o


que fosse considerado interessante relacionado ao assunto, chegando a fazer do assunto
uma coluna permanente neste primeiro período da revista e sob o título descrito
anteriormente. A publicação se comprometia de tal forma em apresentar dados novos
sobre a discussão, que afirmava que, caso houvesse algum sucesso ou novidade entre a
publicação do número em questão e o próximo, seria publicado um suplemento do
Boletín. Antes do fechamento da primeira edição foi justamente isso o que se deu: a

777
Ibidem, cf.p.89.
778
“Tratamiento de la Tuberculosis. El suceso de Berlín”, Boletín de Sanidad Militar, Berlim, Ano I, n.1,
p.3-46, jan. 1891, p.3.

250
necessidade da publicação de um suplemento e que encontramos ao final da mesma.
Este levava o título de “A Linfa Koch em Buenos Aires”.779 O suplemento destacava o
papel desempenhado pela Escola de Medicina de Buenos Aires, que era a primeira da
América do Sul a “levar ao terreno da experimentação, a linfa de Koch que tanto
interesse tem despertado nos centros científicos europeus”. Aqui, da mesma forma
como verificado no texto descritivo de Koch (publicado no periódico médico alemão e
em que este apresenta sua descoberta e explica o método utilizado), o objetivo é
descrever como se davam as experiências nas salas de clínica médica e cirurgia no
Hospital de Clínicas e sob a direção de médicos civis, doutores Uballes e Pirovano.
Após este suplemento, as edições de número dois e quatro apresentariam na coluna Lo
de Koch os resultados dos experimentos realizados pelos cientistas europeus e os efeitos
do método de Koch. A última matéria sobre o assunto seria vista na edição de número
seis, na coluna Estrangeiro, demonstrando os resultados oficiais e sua aplicação nas
policlínicas da Prússia. Naquele primeiro ano, dentre os setenta e um artigos e colunas,
nove foram dedicados à discussão em torno da descoberta de Koch.
A relação entre as descobertas de Koch com o meio militar seriam vistas na
quarta edição do Boetín. A coluna Lo de Koch traria como seu tema “O tratamento de
Koch no Hospital Militar número 1 de Berlim”. 780 Tendo o Serviço de Saúde do
exército alemão como intermediário, o governo alemão dirigia circulares aos médicos
diretores de hospitais, datados de 19 e 20 de dezembro de 1890, que estes se instalassem
em um local isolado nos arredores do Estado Maior do Exército. O objetivo era prover o
material necessário para que fossem tratados todos os soldados tuberculosos e enfermos
que poderiam se beneficiar do referido tratamento. Estes estabelecimentos, então,
seriam colocados sob a direção de majores médicos de 1ª ou 2ª classe que possuíssem
“conhecimentos e aptidões necessárias” e com auxílio de ajudantes médicos igualmente
aptos. Desta forma, o oficial médico e seu ajudante teriam como missão recolher as
observações dos enfermos e estas seriam, em seguida, objeto de estudo de uma “relação

779
“Suplemento. La linfa de Koch en Buenos Aires”, “Tratamiento de la Tuberculosis. El suceso de
Berlín”, Boletín de Sanidad Militar, Berlim, Ano I, n.1, p.90-92, jan. 1891.
Também conhecida como tuberculina, a importância de tal substância à época residia no fato de ser o
remédio utilizado para o tratamento de tuberculosos a partir de sua aplicação através de injeção
subcutânea. No entanto, seus resultados não obtiveram êxito, sendo considerado um racasso terapêutico.
Fontes: 779 “Tratamiento de la Tuberculosis. El suceso de Berlín”, Boletín de Sanidad Militar, Berlim,
Ano I, n.1, p.3-46, jan. 1891, cf.p.4-5. Ver em especial o primeiro capítulo de FILHO, Claudio Bertolli.
História Social da Tuberculose e do Tuberculoso: 1900-1950. Rio de Janeiro: Editora FIOCRUZ, 2001.
780
“Lo de Koch. El tratamiento de Koch en el Hospital Militar núm. 1 de Berlín”, Boletín de Sanidad
Militar, Berlim, Ano I, n.4, p.322-324, abr. 1891.

251
sanitária” a cada quatro semanas e que fora iniciada em 10 de janeiro de 1891. Por fim,
concluía-se que não parecia possível “tratar aos tuberculosos segundo o método de
Koch nos hospitais comuns, não podendo ser obtida a linfa senão em pequena
quantidade”, além do tratamento demandar uma cautela maior. 781
Com o fim da primeira fase de publicação do periódico, o primeiro editorial
de 1908 trata da reaparição do periódico, que tivera sua ultima edição em 1896, “Depois
de uma longa trégua, justificada pelas transformações operadas dentro do meio que deu
origem e sustento”. Reaparecia, então, “o órgão dos interesses e dos progressos do
Cuerpo de Sanidad do exército”.782 De acordo com este texto, o programa do Boletín
continuava o mesmo e “cujo fiel cumprimento lhe valeu o respeito da imprensa
científica nacional e estrangeira”. Finalmente, quanto ao seu conteúdo, o editorial
deixava claro que suas páginas se encontravam abertas para as colaborações do Corpo
Médico Militar, que teriam “toda a liberdade de pensamento que deve se dispor na
confecção de trabalhos científicos ou de interesse coletivo”.783
A partir deste segundo período de publicações, o Boletín passaria a
apresentar em suas edições algo que se tornaria habitual nos anos posteriores. Nesta
“reaparição”, traria nos seus primeiros números um resumo do Memoria Del Ministerio
de Guerra – ou Memoria de Guerra –, dedicado à seção de Sanidad Militar que estava
presente naquela publicação oficial. Entendemos que a divulgação deste tipo de
conteúdo está relacionada com o papel que a revista buscava desempenhar dentre seus
leitores. Ao mesmo tempo em que apresentava documentos e posicionamentos oficiais
do Ministério da Guerra, discutia-se soluções encontradas em outros exércitos para a
realidade argentina e, de certo modo, críticas a este órgão em função de sua dedicação
ao Cuerpo de Sanidad. Desta forma, apresentava-se o quadro sanitário e o estado
material, técnico e de pessoal do Cuerpo de Sanidad e, em função disso, traziam em
suas páginas artigos que refletiam a preocupação com este corpo – além de buscarem
experiências de exércitos estrangeiros para problemas afins ou para mudanças e/ou
melhorias na realidade do serviço de saúde do exército argentino.

781
Ibidem, p.324.
Na edição de número 6 de 1910, o Boletín prestaria sua homenagem à Robert Koch através da publicação
de um memorial em função de sua morte em 27 de maio de 1910. “Roberto Koch, 1843-1910”, Boletín de
Sanidad Militar, Berlim, Ano IX, n.6, p.469-474, jun. 1910.
782
“Reaparición”, Boletín de Sanidad Militar, Buenos Aires, Ano VII, n.1, p.5, jun. 1908.
783
Ibidem.

252
Um exemplo disto é a publicação de dois artigos naquele ano: O Estado
Sanitário do Exército Durante o Ano de 1907 784 e A Profilaxia da Febre Tifoide no
Exército Francês na seção “Estrangeiro”.785 O primeiro tratava da questão que
colocamos acima a respeito do Cuerpo de Sanidad e seu corpo de médicos,
principalmente na preocupação quanto à redução do número de doentes de um ano para
outro. Desta forma, o autor relacionava a queda nas estatísticas de mortalidade do ano
de 1906 para 1907, ressaltando o papel do médico como regulador do movimento
hospitalar, ao mesmo tempo em que se referia à importância deste tipo de instalação
pelas cinco regiões militares do exército argentino. 786 Segundo Veyga,

Não pode se admitir como princípio absoluto que o


estado sanitário, bom ou mal de um exército, dependa exclusivamente
do serviço médico que a ele está atribuído, posto que as circunstancias
que o determinam são o resultado direto do regime de vida, da classe
de operações a que estão sujeitas as tropas e sobretudo das condições
do meio em que vivem ou operam. Porém, pode afirmar-se que a boa
ou má execução deste serviço influi fortemente sobre a cifra de
morbidez e mortalidade das mesmas, aumentado ou diminuindo seu
volume; porque aqui, como em todo outro meio, o fator médico é o
agente único, exclusivo de regulação do movimento nosocomial em
sua significação e intensidade.787

Francisco de Veyga, como apresentamos em nosso capítulo dois, foi um dos


oficiais médicos nomeados para a Comisión de Sanidad del Ejército Argentino e, em
função disso, passaria a residir em Berlim. Assim, entendemos que como Veyga
participou ativamente de um processo de modernização do Cuerpo de Sanidad do
exército argentino, seus escritos devem ser vistos como reflexões e conclusões acerca de
seus resultados ou da inexistência dos mesmos.

784
VEYGA, (Inspetor Geral de Saúde) Francisco de. “El Estado Sanitario Del Ejército Durante el Año
1907”, Boletín de Sanidad Militar, Buenos Aires, Ano VII, n.1, p.9-30, jun. 1908.
785
La profilaxia de la fiebre tifoidea en el ejército francés, Boletín de Sanidad Militar, Buenos Aires,
Ano VII, n.1, p.46-51, jun. 1908.
786
Havia o Regulamento do Serviço de Saúde nas Regiões militares, cujo projeto foi aprovado e
decretado pelo presidente Figueroa Alcorta. Este documento estabelecia que o serviço de saúde nos
regimentos militares seria dirigido por um cirurgião chefe que seria designado pelo Ministro da Guerra,
conforme proposto pela Inspección de Sanidad. Além disso, o chefe do serviço sanitário da região
exerceria suas funções sob a autoridade direta do Comando da Região, mas responderia ao Inspetor Geral
de Saúde – Veyga no nosso período em questão – quanto à parte técnica. O artigo oitavo do regulamento
definia as funções ordinárias dos chefes sanitários da região e, em sua letra h, determinava que o referido
oficial deveria participar pessoalmente de todos os atos científicos – estudos congressos, reuniões
profissionais ou concursos – que viessem a realçar sua situação no Cuerpo de Sanidad e fazer participar
delas os oficiais médicos, farmacêuticos e veterinários subordinados a ele, se estes demonstrassem
vontade de empenhar tal ação. “Anexo A. Dirección y Administración Del Ejército”. Memoria de
Guerra, 1907-1908. Buenos Aires: Arsenal Principal de Guerra, 1908, cf.p.XV-XX.
787
VEYGA, op.cit., p.9.

253
Veyga, em seu artigo, demonstra que o número de doenças havia reduzido
ao comparar os anos de 1906 e 1907. Uma das razões, segundo o mesmo, seria os seus
cuidados com o Cuerpo de Sanidad, principalmente com o corpo médico e com a
higiene de hospitais e habitações. Contudo, algumas doenças ainda assolavam as tropas
por todo o território argentino e, para identificar de que forma estas afetavam seus
homens, acabou dividindo as mesmas pelas armas (infantaria, cavalaria, artilharia e
engenheiros). As doenças foram divididas em três grupos: as infecciosas, ou infecto-
contagiosas, estavam divididas em febre intermitente, gripe, febre tifoide, caxumba,
roséola, sarampo, escarlatina, difteria, disenteria, erisipela e tuberculose; as venéreas
foram classificadas como blenorragia (gonorreia), cancro mole e sífilis; e, por fim,
aquelas entendidas como “doenças comuns”. Dentre estes três grupos, ao relacionarmos
com as armas, verificamos que eles atuavam na mesma proporção. Assim, as doenças
comuns eram as responsáveis pela maior produção de enfermos, seguida das infecciosas
e venéreas. No quadro infeccioso, destacamos as doenças que mais afetavam as tropas:
a gripe (influenza), o sarampo e as febres intermitente e tifoide. 788 Além disso, Veyga
alerta para o fato de que a taxa de morbidez, embora tivesse diminuindo quase
cinquenta por cento, ainda era um número relativamente alto. Portanto, era preciso
reforçar os recursos do serviço de saúde do exército a fim de obter melhores resultados.
As causas para tais cifras diziam respeito a três causas identificadas pelo
autor: o sistema de recrutamento defeituoso (apontado como o mais importante dentre
os outros), a falta de conforto no meio militar e a de ordem administrativa – responsável
pela distribuição de material e fornecimento de suprimentos.
Sobre a primeira causa, Veyga, apesar de ressaltar que o sistema de
recrutamento vigente no país estava passando por um processo de mudança gradual e
eficaz, ainda precisava de muito tempo e de “valiosos elementos materiais para chegar à
sua perfeição”. Sua análise se daria a partir do ponto de vista do serviço de saúde,
“chamado a tomar nessa operação a intervenção que lhe está obrigatoriamente
reservada”.789 O quadro problemático seria fruto da forma como os conscritos eram
sorteados, não havendo uma seleção anterior. Caso houvesse, o resultado seria um
grupo de jovens que estariam considerados aptos para o serviço militar e, dentre estes, o
sorteio daqueles que seguiriam para as Forças Armadas do país. Como isto não ocorria,
o que se dava era números cada vez maiores de jovens que entravam na caserna e logo

788
VEYGA, op.cit., cf.p.10-23.
789
Ibidem, p.27-28.

254
apresentavam quadros de enfermidades. Estas, na visão de Veyga, muitas vezes eram
fruto do histórico médico anterior destes indivíduos aliado à total inaptidão para a
carreira militar, o que poderia ter sido evitado se a medida colocada por ele para escolha
anterior ao sorteio fosse tomada. Desta forma, o que se dava era um grande prejuízo na
composição de contingente, uma vez que a maior parte destes enfermos acabava
resultando em baixas para o Exército argentino.
A segunda causa, ligada ao conforto no meio militar, pode ser vista como
uma crítica de Veyga às instalações existentes no exército argentino. Como o mesmo
afirma,
É bem conhecido a nociva influencia que tem as deficientes condições
de regime higiênico sobre a cifra estatística da morbidez para que
entre em maiores detalhes a respeito.
Isto é obra de dinheiro, de milhões para melhor dizer,
mas se o país se decide por fim à aceitar o sistema de organização
militar que se lhe é dado, é indispensável que leve à cabo o sacrifício
pecuniário que lhe está imposto. 790

A terceira e última causa está, de certa forma, relacionada com a segunda e


diz respeito às questões administrativas, que resulta na escassez de elementos materiais
e hospitalares para o tratamento adequado dos enfermos. Contudo, mesmo diante de
todas as estas dificuldades, o Cuerpo de Sanidad é exaltado pelo autor. Isto porque o
seu corpo médico se demonstrava cada vez mais eficaz para a diminuição da morbidez
no período de reorganização do serviço de saúde. Além disso, ainda que os médicos
demonstrassem sua capacidade, cabia à administração “instalar os estabelecimentos
hospitalares que o aumento ou a descentralização dos efetivos em tempo de paz
exigem”. 791
Por fim, apresentadas estas causas, Veyga tinha esperanças de que poderia
tomar as providências necessárias e, assim, diminuir a taxa de morbidez e mortalidade
“a um nível mais próximo (...) da normalidade”. 792
Se no texto de Veyga, temos a preocupação com as taxas de mortalidade e
morbidez e, em decorrência disso a identificação das causas de tal quadro após a
identificação das doenças de maior incidência, então o que teremos na seção Extranjero
será justamente os cuidados com uma das doenças apontadas pelo oficial médico
argentino: a febre tifoide. A partir do artigo A Profilaxia da Febre Tifoide no Exército

790
VEYGA, op.cit., p.29.
791
Ibidem, p.29.
792
Ibidem, p.30.

255
Francês, buscava-se demonstrar como o Service de Santé do exército francês havia se
preparado para combater tal enfermidade. O que podemos verificar é que tratava-se de
um texto que fora distribuído como uma circular do Ministério da Guerra argentino,
como a assinatura do mesmo sugere.793
Em A Profilaxia, se constatava que a febre tifoide era proporcionalmente
mais frequente no exército do que na população civil, constituindo “com a tuberculose a
principal causa dos falecimentos que figuram nas estatísticas militares”. 794 Sendo assim,
se o Estado convocava homens para seu exército, cabia a ele zelar pela sua saúde. Isso
porque,

Ao chamar sob bandeiras em tempo de paz a todos os


homens que sem distinção de origem são reconhecidos aptos para o
serviço, o Estado contrai a obrigação moral de velar por sua saúde, de
salvaguardá-la, a fim de devolver posteriormente à sociedade sujeitos
vigorosos capazes de seguir trabalhando proveitosamente.
É, pois, para os poderes públicos, de imperiosa
necessidade combater por todos os meios possíveis, as manifestações
epidêmicas da febre tifoide e opor às causas ocasionais suscetíveis de
provocar seu desenvolvimento, medidas preventivas ditadas pelo
estudo racional da profilaxia.795

As medidas profiláticas empenhavam-se no controle da água que era


ingerida, já que esta seria um veículo de transmissão da febre tifoide. No entanto, no
exército, suas manifestações mórbidas se diferenciavam daquelas de origem hídrica. A
partir de então, destacava-se o papel dos estudos de Koch e sua escola, que a partir de
suas “investigações sistemáticas” encontravam nas fezes e urinas dos indivíduos que
tiveram a febre tifoide o bacilo de Eberth, responsável pela doença. Por isso, as medidas
profiláticas se dariam não apenas no ambiente ao redor dos militares, mas também com
a higiene pessoal de suas tropas.
Assim, o que se buscava com a experiência do serviço de saúde do exército
francês era compreender a melhor forma de evitar a propagação da febre tifoide no meio
militar a partir dos cuidados por ele encetados. Totalizando onze medidas, temos
aquelas básicas desde as “precauções fundamentais exigidas por todas as enfermidades
infecciosas”, até os cuidados básicos como a vigilância quanto à origem da água e da
mesma usada para o preparo de alimentos, bem como a procedência de alimentos e do

793
“La profilaxia de la fiebre tifoidea en el ejército francés”, Boletín de Sanidad Militar, Buenos Aires,
Ano VII, n.1, p.46-51, jun. 1908, cf.p.51.
794
Ibidem, p.46.
795
Ibidem, p46.

256
leite. Para este último grupo, se recomendava a análise bacteriológica a cada quinze
dias. Os cuidados especiais com os contaminados, conforme os estudos de Koch,
levavam os médicos a realizarem exames bacteriológicos dos resíduos produzidos pelos
enfermos hospitalizados. Estes só seriam liberados após a constatação da ausência total
do bacilo de Eberth em suas fezes e urinas. Por isso, determinava-se o seguinte:

Todo militar que depois de haver sofrido um ataque de


febre tifoide se reincorpore a seu corpo depois da licença por
convalescência, será submetido a um exame com o objetivo de
estabelecer se é ainda portador do bacilo tífico.
No caso afirmativo se dará uma nova licença até que
deixe de ser um perigo possível para a coletividade. 796

Além disso, mesmo após terem recebido alta, a orientação, visando futuras
contaminações, era manter longe do preparo de alimentos aqueles indivíduos que foram
contaminados pelo bacilo tífico. 797
Enfim, o que se pretendia com a publicação desta circular do Ministério da
Guerra era divulgar as medidas profiláticas para o controle do tifo, utilizando a
experiência do exército francês como um exemplo a ser seguido. Desta forma,
mantinha-se a preocupação com o controle de mortalidade e morbidez colocado por
Veyga e, como o mesmo afirma, a sua queda entre 1906 e 1907.
Outro fato interessante que se dava nas páginas do Boletín era a publicação
de artigos de autoria de oficiais médicos de exércitos estrangeiros, mostrando um
intercâmbio entre os profissionais de saúde do meio militar. Encontraríamos este tipo de
contribuição ao longo dos anos seguintes, como o caso do artigo do General Niebergall,
do Serviço de Saúde do Exército Prussiano. O serviço de saúde do exército suíço sendo
descrito por um capitão médico do serviço de saúde dos EUA na edição de número 6 de
1909. No ano seguinte, outro oficial do exército dos EUA, o cirurgião mor Alejandro
Glaunan escreveria acerca de métodos de tratamento de feridas na edição de número 1.
Um oficial de saúde do exército inglês se referindo ao tratamento da gonorreia em seu
exército na mesma edição em que contribuiu o oficial norte americano.Contribuições
dos oficiais franceses Vincent, professor da Escola de Val-de-Grâce, e Liffran, da
Marinha francesa , no ano de 1909. Na edição de número um de 1910, também
encontraríamos autores franceses: o professor Lannois, médico do Hospital Lariboisière

796
“La profilaxia de la fiebre tifoidea en el ejército francés”, Boletín de Sanidad Militar, Buenos Aires,
Ano VII, n.1, p.46-51, jun. 1908, p.49.
797
Ibidem, cf.p.50-51.

257
de Paris, escreveria sobre os portadores do bacilo de Eberth; Sacquépée, outro professor
da Val-de-Grâce, sobre os portadores dos bacilos tíficos. Por fim, oficiais brasileiros
também eram lidos nas páginas da revista. Textos de autoria de Ismael da Rocha acerca
da alimentação das tropas nas expedições terrestres no Brasil e de Moniz de Aragão,
também sobre alimentação do soldado em tempos de paz e guerra, foram publicados ao
longo do ano de 1910. Vale ressaltar que, no caso dos brasileiros, seus textos foram
publicados em função da participação e comunicação dos mesmos na Subseção de
Higiene Militar do I Congresso Internacional Americano de Medicina e Higiene, que
ocorreu em 3 de junho daquele ano.
Um que particularmente nos interessa diz respeito ao serviço de saúde do
exército alemão. O autor deste texto era oficial do Corpo de Saúde do exército dos
Estados Unidos, o major médico Paul Frederick Straub – ou Pablo F. Straub como
assinalado no periódico.798 O objetivo aqui era apresentar as mudanças no novo
regulamento do serviço de saúde em campanha do exército alemão e relacioná-lo com
as experiências resultantes da Guerra dos Bôeres e do conflito entre russos e
japoneses. 799 O Regulamento de Saúde em Campanha (Kriegs-Sanitäts-Ordnung) seria
publicado em janeiro de 1910, após sua última modificação em 1878. Como ressalta
Straub,

É evidente que os alemães tem tratado de tirar proveito


das lições que deriva de sua guerra na África do Sul e da Russo-
Japonesa e particularmente desta última que lhes é de maior valor que
a de qualquer outra nação, posto que a organização da Saúde Japonesa
consistia em uma adaptação do sistema alemão. Os defeitos e
debilidades da antiga regulamentação, tal como tem demonstrado as
campanhas recentes, tem sido corrigidos nesta nova edição;

798
Paul Frederick Straub (3/07/1865-25/11/1937) foi um cirurgião do exército dos Estados Unidos. Tendo
nascido na cidade de Baden, Alemanha em 3 de julho de 1865, foi trazido para os EUA pela sua família
ao imigrarem para Iowa. Se formou em medicina pelas universidades de Iowa em 1885 e de Berlim em
1892, mesmo ano em que entraria para o Departamento Médico do Exército dos EUA. Serviu na guerra
das Filipinas e na Primeira Guerra Mundial e, em 1910, como fruto de sua experiência nos campos de
batalha, publicou um pequeno texto intitulado Medical Service in Campaign: a Handbook for Medical
Officers in the Field. Este manual, inclusive, serviria para a organização e doutrina do departamento
médico dos EUA em sua participação na Primeira Guerra Mundial auxiliando as unidades médicas de
campo. Fontes: GINN, Richard. The History of the U.S. Army Medical Service Corps. Washington,
D.C.: Officer of the Surgeon General and Center of Military History United States Army, 2008, cf.p. 40-
41. Disponível em: http://www.history.army.mil/html/books/030/30-19-1/CMH_Pub_30-19-1.pdf, visto
em 17/09/2013. MILES, Wyndham D. A History of The National Library of Medicine. The Nations
Treasury of Medical Knlwledge. Bethesda, Md: U.S. Dept. of Health and Human Services, Public
Health Service, National Institutes of Health, National Library of Medicine, 1982, cf.p.239-240.
Disponível em: http://www.nlm.nih.gov/hmd/manuscripts/miles/miles.pdf, visto em 17/09/2013.
799
STRAUB, Pablo F. “El Nuevo Reglamento del Servicio de Sanidad en Campaña”, Boletín de Sanidad
Militar, Buenos Aires, Ano VII, n.5, p.326-340, out. 1908, cf.p.326.

258
especialmente pelo aumento do efetivo das organizações sanitárias e
do material que lhes foi atribuído.800

No texto de Veyga, os problemas administrativos e a burocracia eram


apontados como uma das causas para o alto índice de mortalidade e morbidez do
exército argentino. Segundo Straub, isto não ocorria com os oficiais de saúde alemães.
De acordo com o autor, os oficiais de saúde apresentavam uma crescente concessão de
autoridade em relação à responsabilidade que seus postos exigiam. Uma das
consequências imediatas de tal quadro era não permitir que os métodos administrativos

800
STRAUB, op.cit, p.326.
A aproximação entre alemães e japoneses no campo médico está relacionado com a Restauração Meiji
(1868) e o seu processo de modernização. No entanto, a familiaridade dos japoneses com o idioma
alemão é de período anterior.
Com a fundação da dinastia Tokugawa (1603-1868) pelo xogum Yeyasu, o Japão viveu
aproximadamente dois séculos sem guerras, mesmo possuindo uma sociedade dividida em castas – em
que cabiam à casta de guerreiros, os samurais, os cargos de poder. Neste período, o aumento da produção,
da superfície de terras que poderiam ser cultivadas e de sua população – que praticamente triplicou
naquele intervalo - foi significativo. Ao mesmo tempo em que a nação insular crescia, também se afastava
do contato com outras culturas, com outros países.
De acordo com o xogunato, mercadores e missionários estrangeiros eram “batedores” de uma
conquista militar das potências europeias. Partindo deste princípio, o Japão precisava isolar-se do restante
do mundo. A religião cristã representava um risco para a unidade territorial, uma vez que funcionava
como uma espécie de “bandeira” de independência dos grandes senhores das regiões costeiras. Assim,
tivemos a emissão de documentos visando a proibição do cristianismo (a emissão destes documentos data
de 1590, ou seja, antes da fundação da dinastia Tokugawa, demonstrando, assim, uma preocupação com o
avanço do cristianismo em território japonês) e, além disso, a captura e execução de seus missionários.
Procurando isolar-se das nações europeias, que poderiam trazer à tona, novamente, o cristianismo, apenas
os holandeses poderiam residir no Japão, em Deshima, na Baía de Nagasaki.
Isolado do comércio com o mundo ocidental, o Japão traçava sua rede comercial com alguns
países próximos, como a China, mas, principalmente, desenvolvia seu comércio interno. Através de
serviços prestados aos senhores e aos samurais, os habitantes das cidades, neste período (XVII-XIX),
enriqueceram. Esta prosperidade era sentida nos gastos com diversões e principalmente no investimento
individual na cultura. O comércio de livros mostrava-se movimentado e os investimentos na educação,
por parte destas famílias, eram altos. Parte da literatura que liam era de origem ocidental. Estes livros
eram obtidos em lojas de holandeses em Nagasaki e traduzidos, por intérpretes e estudiosos, do holandês
para o japonês.
Para Kaori Kodama, esta mesma prática se dava na medicina praticada pelos japoneses, pois um
pequeno grupo de médicos acadêmicos se dedicava a traduzir e estudar os textos holandeses, ainda que
houvesses reestrições oficiais à medicina ocidental. O marco importante se daria com a inauguração da
Universidade de Tóquio em 1877 e a formação de um corpo docente formado por muitos professores
estrangeiros e a maioria destes era de alemães.
Fontes: CASTRO, Luiz Fernando Damaceno Moura e. Sistema de Governo Japonês. In: Conjuntura
Internacional. Cenários PUC Minas. Versão eletrônica, 10 de abril de 2007. Disponível em:
http://www.pucminas.br/imagedb/conjuntura/CES_ARQ_DESCR20070411125859.pdf.
CULLEN, L.M. A History of Japan, 1582-1941. Internal and External Worlds. New York: Cambridge
University Press, 2003.
HOBSBAWM, Eric H. A Era dos Impérios. Rio de Janeiro, Paz e Terra, 11ª edição, 2007.
JANSEN, Marius B. The Making of Modern Japan. Cambridge, Massachusetts. London, England. The
Belknap Press of Harvard University Press, 2002.
KODAMA, Kaori. “Modernização e medicina ocidental no Japão”. In: BENCHIMOL, Jaime Larry; SÁ,
Magali Romero; KODAMA, Kaori; ANDRADE, Márcio Magalhães de; CUNHA, Vivian da Silva.
Cerejeiras e Cafezais: relações médico-científicas entre Brasil e Japão e a saga de Hideyo Noguchi.
Rio de Janeiro: Bom Texto/Instituto de Tecnologia em Imunobiológicos Bio-Manguinhos, 2009, cap.1,
p.15-42.

259
se tornassem um obstáculo para uma ação rápida, em caso de necessidade. No entanto,
ainda que tenha este certo grau de autonomia, “a posição da Sanidad no que se refere às
responsabilidades e autoridade não está claramente especificada na parte do
regulamento que define as relações entre o oficial superior de Sanidad e o chefe da
companhia de Sanidad (que não é médico)”.801
Este sistema, que parecia funcionar perfeitamente no exército alemão, não
ocorreria da mesma forma no exército dos Estados Unidos, resultando em conflitos e
recaindo o prejuízo aos feridos e enfermos. 802
Quanto à organização em si, o chefe do Serviço de Saúde dos exércitos em
campanha era também o chefe da administração deste serviço, o chamado Chef des
Feld-Sanitätswesens, que é nomeado pelo imperador e autorizado a se comunicar
diretamente com o Ministério da Guerra quando o assunto diz respeito às questões
pertinentes ao serviço de saúde.
Subordinados ao Chef, temos o cirurgião em chefe, que comanda todo o
exército; o cirurgião de corpo, que comanda um corpo de exército; e o cirurgião de
divisão, responsável por uma divisão. 803 Estes profissionais do corpo médico
desempenhavam suas atividades sob as ordens dos seus chefes de comando, mas, como
colocamos anteriormente, tinham autonomia para dar ordens que afetassem o pessoal
sanitário, sendo necessário apenas comunicar o mais breve possível aos seus superiores.
Ainda quanto ao aspecto profissional e de organização do Serviço de Saúde
em tempo de campanha do exército alemão, os dois primeiros cirurgiões – o em chefe e
o de corpo – contavam com os serviços de um cirurgião consultor. Figura desconhecida
tanto na estrutura do Serviço de Saúde do exército brasileiro quanto no Cuerpo de
Sanidad do exército argentino, este profissional era escolhido entre os profissionais que
mais se destacavam no país, por recomendação do chefe do serviço de saúde do
exército, sendo designada para cada corpo de exército. Como sua tarefa era de caráter
estritamente profissional, não cabia a ele qualquer responsabilidade administrativa e sua

801
STRAUB, op.cit., p. 327. Grifo nosso.
802
Ibidem, cf.p.327-328.
803
Corpo e Divisão são unidades militares que dizem respeito ao contingente que os formam. Um corpo
de exército é formado, de acordo com os exércitos modernos, de trinta a oitenta mil soldados e tem como
subunidades duas ou mais divisões. O seu comandante apresentará a patente de general.
Uma divisão é composta de dez a vinte mil militares e apresentando como suas subunidades duas a quatro
brigadas ou regimentos. O general de divisão será o a patente de seu comandante.
Fonte:
http://pt.wikipedia.org/wiki/Unidade_militar#Escal.C3.B5es_das_unidades_nos_ex.C3.A9rcitos_modern
os, visto em 08/09/2013.

260
esfera de ação estava basicamente limitada aos hospitais que estivessem estabelecidos
em campanha. No caso de uma divisão, o cirurgião da mesma é que seria o chefe
administrativo do serviço sanitário da respectiva unidade. Em situação de combate, era
dele a responsabilidade de encontrar o melhor local para o estabelecimento de
ambulâncias e hospitais.
Acerca dos números, o Serviço de Saúde do exército alemão determinava,
pelo seu novo regulamento, que para cada batalhão de infantaria (totalizando mil
homens) teria dois médicos, dois soldados de saúde e dezesseis padioleiros. Para cada
corpo do exército correspondia um batalhão de saúde com um efetivo de novecentos e
quarenta e dois (942) homens – já inclusos os oficiais.804.
O trabalho de Straub está voltado para a forma como o serviço de saúde do
exército alemão fora reorganizado. As experiências de outros serviços de saúde levou
este exército a criar mecanismos que reduzissem a burocracia e, assim, os obstáculos
administrativos que comprometeriam o atendimento aos feridos e enfermos em
campanha. O que notamos é a preocupação com ações rápidas e que se dessem de forma
“natural”, sem a necessidade de recorrer aos superiores na hora de tomar uma decisão.
Assim, o serviço de saúde do exército alemão levava para o teatro de operações uma
estrutura que tinha um único objetivo: socorrer da forma mais eficaz e ágil possível os
homens que fossem atingidos no conflito.
O ano de 1913 marcava mais um retorno de publicações do Boletín, como
consta no editorial da sua edição de número 1 de julho. Este texto ressaltava que a agora
Revista de Sanidad Militar805 voltava por “razões óbvias” e determinava a importância
deste periódico no cenário científico argentino, como no trecho seguinte:

Um corpo como o de Saúde do Exército, eminentemente técnico, que


é capaz de produzir e produz uma obra científica de importância, há de
necessitar sempre um órgão que traduza esta atuação e que represente
diante de nativos e estrangeiros o prestígio natural que deve
acompanhá-la. Má política é o produzir e calar. O homem de ciência
que produz e oculta o valor de sua produção é como o avarento que
acumula o dinheiro que nem o aproveita e nem sirva aos demais. 806

804
STRAUB, op.cit, cf.p.329.
805
“A Modo de Introducción”, Boletín de Sanidad Militar, Buenos Aires, Ano XII, n.1, p.5-6, jul. 1913.
Como colocamos no início do item referente ao Boletín, apesar do editorial se referir ao mesmo como
Revista de Sanidad Militar, esta mudança só se daria na sua segunda fase, ainda que com o nome de
Revista de La Sanidad Militar.
806
Ibidem, p.5.

261
Diferente do que ocorria com as publicações brasileiras, o Boletín era
patrocinado pela Inspección General de Sanidad Del Ejército, que tinha nesta
publicação o “porta-voz dos avanços científicos da classe médico militar da República,
cuja tarefa em prol da saúde do soldado não merece ficar na obscuridade”. 807Contudo, a
reedição do Boletín marcaria o final de seu terceiro período de publicações para iniciar
uma nova fase: a Revista de La Sanidad Militar, que seria vista a partir de 1920.
Estes dois últimos anos do periódico sob o nome de Boletín de Sanidad
Militar não tratariam de qualquer questão ligada diretamente ao Cuerpo de Sanidad do
exército argentino. Este conteúdo era encontrado nas colunas “Movimiento Del
Personal de Sanidad” e “Situación de Revista del personal del Cuerpo de Sanidad del
Ejército”. Predominaria artigos de caráter mais técnico e voltados para temas de
cirurgia e medicina militar, mas não relacionados com higiene militar ou civil.
Durante os seus doze anos de publicação, fracionados em três períodos
diferentes, o Boletín de Sanidad Militar buscou divulgar a produção científica do corpo
de saúde do exército argentino, bem como proporcionar o intercâmbio com outros
pesquisadores, na medida em que vários oficiais estrangeiros contribuíam com artigos
nas páginas do periódico. Se analisarmos em números, o segundo período, aquele de
1908 a 1910, significou a maior presença de artigos estrangeiros. Seria justamente neste
intervalo que teríamos a difusão das vantagens do modelo alemão no meio castrense
pelo grupo de militares ligados à doutrina alemã e à noção da necessidade de
profissionalização dos exércitos. Enquanto o exército argentino passava por diversas
modificações visando uniformizar a doutrina germânica, o que encontramos nas páginas
do Boletín é uma enorme diversidade de pontos de vista de serviços de saúde de
exércitos estrangeiros, pois lia-se sobre os exércitos suíço, inglês, norte americano,
francês, brasileiro e alemão. Se nos voltarmos exatamente para este período, então
notamos que foi somente nele que encontramos publicações acerca dos serviços de
saúde estrangeiros. Dos trinta artigos acerca deste tema, todos foram escritos no
intervalo compreendido entre 1908 e 1910. Destes, apenas dois tratavam do serviço de
saúde do exército alemão, predominando estudos dos serviços de saúde francês –
totalizando cinco artigos – e norte americano – somando quatro artigos. Enquanto no
primeiro período de publicação tivemos uma forte presença da medicina alemã a partir
dos trabalhos de Robert Koch, o mesmo não ocorreria no período seguinte. Portanto,

807
Ibidem.

262
podemos concluir que enquanto as mais diversas armas do exército buscavam
uniformizar a doutrina germânica, seu Serviço de Saúde não seguia o mesmo objetivo.

3.2. Anales de Sanidad Militar (1899-1905)

Fundado a partir da iniciativa do oficial médico Marcial V. Quiroga, o


periódico intitulado Anales de Sanidad Militar foi publicado mensalmente a partir de
janeiro de 1899 e com o objetivo de ser o divulgador científico da Sociedade de
Médicos Militares. Além disso, ele viria a substituir a primeira fase do Boletín de
Sanidad Militar, que fora publicado até 1895.
Seu corpo editorial era constituído da seguinte forma:
1. Diretor:
 Cirurgião de exército Marcial V. Quiroga:808
* Inspetor Geral de Saúde do Exército;
* Professor de Patologia Interna da Faculdade de
Ciências Médicas;
* Professor de Higiene Militar da Escola Superior de
Guerra.
2. Administrador:
 Cirurgião de Corpo Julian Massot.
3. Chefe da Redação:
 Cirurgião de Exército José M. Cabezon.
4. Principais Colaboradores:
 Cirurgiões de Exército:
* Fernando E. Sotuyo, chefe da Seção Estatística e
Administrativa da I.G. de Saúde;
* Pacífico Díaz, chefe do Serviço de Sífilis e
Enfermidades Venéreas do Hospital Militar.
 Cirurgiões de Divisão:

808
Quiroga seria o responsável pelo restabelecimento da Escuela de Aplicación de Sanidad Militar, que
fora criada em 1898, através do decreto de 24 de maio de 1902.

263
* Ramon Gimenez, médico de sala do Hospital Militar,
Chefe do Serviço de Saúde da Guarnição da Capital
Federal;
* Isidro Lobo, chefe de saúde da Divisão do Rio Negro;
* Facundo Larrosa, médico do Hospital Militar da
Capital;
* Nicomedes Antelo, que se encontrava em comissão na
Europa em 1902.
 Cirurgiões de Brigada:
* Alvaro Luna, médico do Regimento 1º de Cavalaria
(Chaco);
* Emilio Cabello, chefe do Parque Sanitário.
 Cirurgião de Regimento Pio I. Acuña, diretor do Hospital
Militar de Villa Mercedes.
 Cirurgiões de Corpo:
 Pedro Barbieri, professor substituto de Medicina Legal
da Faculdade de Ciências Médicas;
 Félix Muñoz, chefe do consultório de garganta, nariz e
ouvido do Hospital Militar da Capital;
 Domingo S. Cavia, professor substituto de medicina
legal da Faculdade de Ciências Médicas;
 Benjamin D. Martinez, médico do Colégio Militar da
Nação;
 Alejandro Castro, chefe do serviço de cirugia do
Hospital Militar da Capital;
 Juan J. Galilano, chefe do Gabinete de Eletroterapia do
Hospital Militar da Capital.
 Secretário de Redação:
 Pedro Rivero, chefe do laboratório e do consultório de
oftalmologia do H.M. da Capital, chefe de clínica da

264
Faculdade de Ciências Médicas (Serviço de
Oftalmologia).809

Como se deu com o Boletín de Sanidad Militar (BSM), os Anales


apresentaram uma estruturação de seus conteúdos que pouco variou no decorrer de seus
anos de publicação. Em seu primeiro ano, seu conteúdo encontrava-se dividido entre
editorial – que na maioria das vezes era substituído por um artigo –; artigos, que
variavam de seis a oito unidades por edição; correspondências; revistas estrangeiras;
bibliografia; seção oficial; e, como forma de arrecadação de fundos, as propagandas. A
seção destinada a artigos apresentava classificações ao longo de seus mais diversos
números. Em 1899, estes eram identificados de acordo com as seguintes áreas:
bacteriologia; cirurgias de guerra, geral, operatória e cirúrgica; clínicas dermatológica,
médica, oftalmológica, sifiligráfica, 810 terapêutica; higiene geral, militar e pública;
Hospital Militar da Capital; medicina legal; micrografia clínica; e, finalmente,
seroterapia. A coluna Correspondências também se encontrava subdividida: científica,
estrangeira, oficial e Sanidad Militar. Os demais anos da revista manteriam
praticamente a mesma estrutura, mas com uma novidade na seção de artigos. No ano de
1900, além de todas aquelas classificações, pudemos identificar outra intitulada
Colaboração Europeia. Tratava-se de mais uma classificação para a publicação de
artigos, como vimos no ano anterior, uma espécie de palavra-chave para classificar o
artigo, além de voltar-se para artigos internacionais traduzidos por médicos argentinos
do Cuerpo de Sanidad. Por fim, nos demais anos que pudemos analisar, as seções
permaneceriam e teríamos apenas o acréscimo da Seção Bibliográfica Europeia que, em
1903, seria intitulada Revista da Imprensa Estrangeira.
Para o trabalho de quantificação e análise dos nossos temas norteadores,
infelizmente não foi possível contabilizar os artigos publicados nos anos de 1904 e
1905. Da mesma forma como se deu com o Boletín, não obtivemos êxito ao tentar
localizar estes dois anos. Porém, entendemos que no conjunto final, a proporção entre
nossos assuntos se manteria, sendo apenas uma questão de números e sem afetar o
objetivo de nossa pesquisa. Portanto, como nos voltamos para a quantificação de temas
para que possamos compreender aqueles que eram priorizados pelo periódico,

809
As informações acerca do corpo editorial e estrutura administrativa da revista só foram encontradas a
partir das edições de 1902, no quarto ano da revista.
810
Sigiligráfico, na grafia atual sifilográfico é relativo a sifilografia. Esta é a parte da medicina que trata
das enfermidades sifilíticas, ou seja, aquelas relativas à sífilis. Fonte: Dicionário Eletrônico Houaiss.

265
consideramos que este aspecto, novamente nos valendo da proporcionalidade, não será
comprometido.
Definido este aspecto, nossos temas norteadores811 somaram cento e trinta e
nove entradas, com cento e trinta e um artigos.812 Aqueles de temática relativa à higiene
totalizaram sete, dividindo-se nos mesmos assuntos já vistos no Boletín: um sobre
estudo dos elementos (solo, ar e água); um tratando da alimentação; cinco sobre
profilaxia. Quarenta e cinco artigos destinados aos estudos de higiene militar,
abrangendo os seguintes subitens: três relativos ao estudo dos elementos (água, ar e
solo), todos a respeito dos cuidados com a água potável; dez artigos sobre alimentação;
três a respeito da habitação e tratando igualmente de quartéis, como vimos com o
Boletín; quatro para vestuário, apresentando artigos que discutiam tipo de vestimenta,
mochila e calçados para a tropa; cinco sobre profilaxia; um para vacinação; e dezenove
textos destinados a outros temas de higiene militar, como a cama do soldado,
higienização dos exércitos, cuidado com os pés da tropa da infantaria, material sanitário
de montanha, sanatório militar, etc. A Modernização seria o tema de quatro artigos, mas
nem todos dizendo respeito especificamente a este processo nos serviços de saúde. Os
Serviços de Saúde tiveram quarenta e oito artigos, dentre os quais vinte e três destinados
ao Serviço de Saúde do exército argentino, quatro sobre o Serviço de Saúde do exército
alemão, seis tratando do Serviço de Saúde francês, quatro sobre o mesmo tipo de corpo
do Exército dos Estados Unidos e onze de Serviços de Saúde de exércitos estrangeiros.
A respeito destes últimos, os serviços de saúde dos exércitos austríaco, belga, japonês e
norte americano contariam com um artigo para cada; o serviço inglês teria cinco artigos;
e, por último, os russos teriam dois artigos tratando de assuntos que se voltavam para o
seu serviço de saúde. Outros temas relativos à cirurgia/saúde/medicina militar
contabilizaram vinte e três artigos, sendo doze para cirurgia, sete para saúde militar e
quatro de medicina militar.
Quanto aos nossos norteadores, identificamos a necessidade de trabalharmos
com mais conjunto de temas em função da presença maior em relação aos outros
periódicos militares. Verificamos a contribuição de autores civis estrangeiros que
tiveram seus artigos traduzidos de periódicos internacionais e que foram publicados nos
Anales, totalizando doze trabalhos. Assim, dividimos este grupo de autores de acordo

811
Ver anexo 3, p.447.
812
Alguns artigos foram contabilizados mais de uma vez em função da classificação com temas afins, por
isso a diferença entre números.

266
com seus países de origem: Alemanha, França e outros. Os alemães totalizaram seis
artigos e os franceses quatro. Os demais países somaram apenas dois artigos, sendo um
deles de autoria do M.D. de Louisville Augusto Schrchner, dos EUA, e outro do
dinamarquês Dr. N. E. Finsens de Copenhague. Contudo, ressaltamos que os que assim
classificamos não se referiam exclusivamente a temas de medicina militar, abordando
também aqueles da medicina e cirurgia em geral.
Em suas colunas, a preferência se dava por assuntos relativos à saúde militar
e medicina e cirurgia do exército. Isto sem prejuízos para as informações acerca dos
avanços e novos descobrimentos no campo científico. Fato destacado pela revista foi a
tradução e publicação de seus artigos em revistas científicas europeias e sul americana
até aquele ano, vista pelo editorial como uma honra. Além disso, segundo o mesmo,
contava ainda com uma circulação e aceitação favoráveis no exército e no corpo médico
civil da República Argentina. 813
O nosso trabalho de análise de editoriais e artigos não pode contar com o
primeiro número da publicação. Ao final do ano de 1899, a redação reconhece que
houve um erro de numeração na edição de número dois, referente ao mês de fevereiro.
No início de nossa pesquisa, creditamos a este erro a possível inexistência da edição de
número um, já que não encontramos referência a artigos que tenham sido publicados
naquele quando analisamos o índice geral do primeiro ano da revista. Portanto, não
possuímos o editorial inaugural da revista, mas encontramos outros, de seus aniversários
anuais ou se referindo a eles, que nos ajudam a compreender melhor acerca do
surgimento dos Anales de Sanidad Militar e de seus objetivos.
No primeiro ano de sua publicação apresentava-se, na edição de número
dois relativa ao mês de fevereiro, um dos principais motivos, na visão da redação, que
explicaria o sucesso do periódico. Este, afirmado novamente no seu quinto ano de
aniversário, residiria “Na íntima vinculação de amizade e companheirismo entre os
membros do Cuerpo de Sanidad” que a revista fomentaria e estreitaria. O objetivo deste
outro editorial era apresentar a importância da disciplina, vista como a responsável pela
união que se pregava na revista. O contrário disto representava um panorama de crise
nos quadros do exército.

Não se pode obedecer pelo temor somente, senão também


por convicção e amor à disciplina e ao dever. Nada há que irrite mais

813
Redacción. En el quinto año, Anales de Sanidad Militar, Buenos Aires, Ano V, n.1, p.1-4, jan. 1903.

267
ao subalterno e o estimule à indisciplina, à murmuração e à rebelião
contra o superior que o reinado de camarilhas e favoritismos que só
aproveita e protege aos próximos – que são poucos – com dano e
prejuízo dos direitos e da dignidade dos que tem caráter e condições
pessoais e são tratadas de acordo com um elevado critério de justiça e
merecimento, sujeitos só ao aplauso de sua própria consciência e ao
cumprimento abnegado de seu dever (...) e que protestam em silêncio
contra a violação desses princípios de equidade e de direito que são a
base da disciplina, do respeito e da obediência, indispensáveis em todo
Corpo Colegiado hierárquico, em que uns dão ordens e outros as
cumprem. 814

Desta forma, entendia-se que a antiguidade no Corpo deveria significar não


apenas os galões e outros símbolos em sua vestimenta, mas seus antecedentes e
serviços, que seriam os verdadeiros responsáveis pela autoridade do oficial e superior
hierárquico. Além disso, dever-se-ia considerar “a competência científica e o esforço
pessoal de cada um em prol do Corpo e da Instituição”. 815 Pela mesma lógica, as
promoções e nomeações para comissões seriam o ponto de partida de tudo isto e a
principal ocasião em que estas condições se fariam presentes. Enfim, o que deveria
vigorar era o aspecto meritório, o que assegurava a disciplina e fortalecia a união de
todo o grupo e com o Cuerpo de Sanidad não seria diferente.
Além da cooperação e colaboração dos membros do Cuerpo de Sanidad, o
editorial da edição de número 11 de 1899 ressaltava que sem a intervenção direta do
então Ministro da Guerra, o tenente general Luís María Campos, e sem o seu interesse,
“esta Revista não poderia ter aparecido”. Comemorar-se-ia, em breve, seu primeiro ano
de existência sob o nome de Anales.816 Mas se este periódico era a continuação do
Boletín, por que referir-se ao seu aniversário como primeiro ano e não o sexto, que seria
a periodização correta após o término do BSM?
A explicação para isto se daria somente no editorial de seu quinto ano,
quando os Anales se apresentam como sucessores do Boletín. Como este tivera sua
última publicação em 1895, os Anales afirmam que, na verdade, a revista estaria no seu
décimo ano e não no quinto, isto considerando os cinco anos de publicação do
Boletín.817 Definia-se aqui o objetivo e a preocupação do periódico até então.

814
“Nuestro Cuerpo de Sanidad Militar. Disciplina, Unión y Compañeirismo”, Anales de Sanidad
Militar, Buenos Aires, Ano I, n.2, p.1-4, fev. 1899, p.2.
815
Ibidem, p.3.
816
El teniente general Luís María Campos. Ministro de Guerra”, Anales de Sanidad Militar, Buenos
Aires, Ano I, n.11, p. 901-902, nov. 1899.
817
Redacción. En el quinto año, op.cit, cf.p.1.

268
O primeiro editorial de 1900 comemorava o segundo ano de existência da
revista. Destacava-se a contribuição de artigos escritos para os Anales “por sábios
europeus como o general médico Von Köhler, subinspetor do Corpo de Saúde do
Império alemão, que queria honrar os Anales com seus interessantes estudos”.818
Voltado para este aspecto, a redação da revista afirmava que grandes
iniciativas resultaram em positivos benefícios para o exército e tiveram sua origem em
artigos publicados nas colunas do periódico (como a calefação do Hospital Militar e a
construção do sanatório militar na região termal dos Copahues, por exemplo). Sendo
assim, afirmava-se que o objetivo da revista era “refletir sempre em suas páginas os
trabalhos e progressos do Cuerpo de Sanidad Militar, dando a preferência a artigos
originais e a todas as questões de interesse e atualidade médica”. 819
Neste editorial nos deparamos com os temas a respeito dos quais a revista se
especializara – e continuaria a fazer – e que eram: higiene militar, cirurgia de guerra,
enfermidades próprias dos soldados, material sanitário e outros temas afins. A produção
científica nacional voltada para os avanços da medicina geral também merecia atenção
do corpo editorial dos Anales, “para que sirva de alento a seus autores e para sua difusão
e conhecimento no exterior”.820 Ainda no que tange à produção do meio científico
argentino, temos a nítida preocupação da revista em ser um meio de divulgação das
produções nacionais, fossem estas oriundas do meio militar ou civil. A produção
nacional teria ainda mais espaço naquele ano, já que haveria a publicação das principais
conferências dadas pelos professores da Faculdade de Ciências Médicas de Buenos
Aires em formato de anexo.
Como ressaltado anteriormente, o periódico contava com a colaboração de
diversos artigos de “sábios europeus”. Naquele ano teria ainda uma seção dedicada às
correspondências europeias sobre saúde militar, o que era visto pelo seu corpo editorial
como algo que aumentaria o “interesse pela nossa revista”.
No entanto, não era apenas autores europeus que escreviam nas páginas dos
Anales. Da mesma forma que os colaboradores nacionais contribuíam com seus artigos
no periódico argentino, oficiais médicos escreviam acerca do Cuerpo de Sanidad do
exército argentino em revistas militares do exterior. A edição de número 46 da revista

818
Redacción. En el Segundo Año de Vida, Anales de Sanidad Militar, Buenos Aires, Ano II, n.1, p.1-5,
jan. 1900, p.1-2.
819
Ibidem, p.2. Sobre o Hospital Militar e a construção do sanatório militar, o Memoria de Guerra
também faz referência a estas duas importantes inserções que se dariam no Cuerpo de Sanidad Militar.
Ver: Memoria de Guerra, 1899-1900. Buenos Aires: Imprenta Tribuna, 1900, p.84-85.
820
Redacción. En el Segundo Año de Vida, op.cit., p.3.

269
francesa Armée et Marine821 de 16 de novembro de 1902 trazia em suas primeiras
páginas o texto do oficial médico Nicomedes Antelo que, na ocasião, se encontrava em
Comissão na Europa. O artigo recebia a atenção dos Anales porque fazia um breve
resumo do Cuerpo de Sanidad do exército argentino, tratando de sua história,
organização, serviços, material sanitário e, inclusive, uma descrição sobre o Hospital
Militar Central. De acordo com a redação, o trabalho de Nicomedes Antelo fez com que
o serviço de saúde argentino tivesse seus progressos reconhecidos pelo “público médico
militar francês”, bem como conhecer o estado atual deste corpo. Sobre este feito,

Neste sentido o Dr. Antelo tem prestado um serviço


positivo ao exército fazendo conhecer na Europa um de seus
ramos acessórios mais importantes, o Sanitário e que na Europa
cada dia ocupa um lugar mais proeminente, demonstrando cada
nova guerra, com a evidência e lógica brutal dos fatos, a
necessidade em que estão os governos de colocar esta nobre
instituição na primeira fila, dando-lhe toda a importância que
deve ter, e toda a amplitude de atribuições e garantias plenas
para que possa realizar seu ideal de um modo completo e o fim
para que foi criada. 822

Em período anterior, o ano de 1900 teria um correspondente científico


especial que residiria em Paris, com a função de informar com “frequência e
abundancia” os detalhes da Exposição Universal de 1900, no que se referia ao material
sanitário, de higiene militar e outros progressos “no ramo expostos naquele grande
torneio das seções do Congresso de Ciências Médicas e demais novidades e produções
que valha a pena fazer conhecer de nossos leitores”. 823
A relação de troca com produções médicas europeias proporcionaram aos
Anales “aperfeiçoar e ampliar a revista bibliográfica mensal completa, da imprensa
estrangeira”. Esta coluna contaria, de forma resumida, com as últimas produções da
intelectualidade europeia, principalmente de escritores “alemães, franceses, ingleses,
italianos, espanhóis” e o que houvesse de mais recente no campo da saúde militar dos
diversos serviços de saúde dos exércitos da Europa.824

821
O acervo completo da revista em questão encontra-se disponível para consulta no seguinte link:
http://gallica.bnf.fr/ark:/12148/cb32702175h/date.
822
Redacción. Notas de actualidad. El Doctor Alejandro Posadas, Anales de Sanidad Militar, Buenos
Aires, Ano IV, n.12, p.1097-1110, dez. 1902, p.1110.
823
Ibidem, p.4.
824
Ibidem, p.4.

270
Os serviços de saúde das armas europeias eram o modelo a ser seguido
pelos facultativos militares do Cuerpo de Sanidad e, como veremos, do Serviço de
Saúde do Exército brasileiro. Por esta razão, chegou-se a identificar no sistema de
organização do Corpo de Saúde do exército francês na guerra Franco-Prussiana, o
modelo que regia o mesmo no exército argentino.825 O trecho a seguir demonstra o
significado destes para seus semelhantes na Argentina e como estes eram vistos pelo
corpo de editores e colaboradores do periódico:

As nações que nos tem precedido nas vias do progresso e


nos avanços científicos, devem servir-nos de exemplo e de norma nos
diversos ramos de suas instituições armadas e corpos auxiliares.
Ali não se chegou de repente à meta e os
aperfeiçoamentos que hoje admiramos e tratamos de copiar, não foi
obtido senão depois de longos ensaios de tentativas e erros, que tem
durado anos e séculos e que tem sido adotados, paulatinamente, depois
de esforçadas e reiteradas experiências. 826

Os acontecimentos e progressos vistos nos armamentos, nas formas e táticas


de guerra refletiam diretamente nos serviços de saúde dos exércitos, levando os mesmos
à reorganização, criação de pessoal médico sanitário e da área de saúde para atender às
necessidades das forças combatentes no decorrer de uma campanha. Além disso, este
quadro evolutivo contribuía também para avanços “na arte de curar feridas” e em
melhores conhecimentos quanto aos traumatismos de guerra, combinado com os
esforços dos cirurgiões militares para o socorro daqueles que eram atingidos em batalha.
No entanto, os “fracassos sanitários” também foram responsáveis por este quadro de
mudanças, especialmente depois da Guerra da Criméia – levando inclusive à
mobilização para a criação da Sociedade Internacional da Cruz Vermelha e, como já
vimos em discussões anteriores, em maior autonomia para os serviços de saúde dos
principais exércitos europeus.
Qual ensinamento para os corpos de saúde europeus diante de tudo isso?

É o de instituições quase perfeitas, chegadas a um alto


grau de desenvolvimento e que preenchem perfeitamente os fins de
sua criação e de sua existência e que podem e devem nos servir de

825
Redacción. La sanidad militar – Bosquejo de su evolución, Anales de Sanidad Militar, Buenos Aires,
Ano I, n.4, p. 179-188, abr. 1899, cf.p.186-187.
826
Redacción. El médico soldado. Nuestros ideales, Anales de Sanidad Militar, Buenos Aires, Ano II,
n.3, p. 253-260, mar. 1900, p.253. Grifo nosso.

271
modelo, de base para o progresso e do nosso, quase embrionário
comparado com aqueles.
(...)
Os exércitos europeus, são atualmente, ao menos nas
grandes potências armadas, a última expressão da ciência e da
disciplina. Os governos se empenham, em uma nobre emulação, para
alcançar a perfeição em todos os seus ramos. 827

Somente na ciência e na disciplina é que encontraríamos a “força real de um


exército”. O artigo destaca que este ideal encontrava-se na saúde, levando em conta o
vigor físico de todos os indivíduos que compõem estes exércitos. Este, as condições
físicas, o vigor, melhorariam na mesma medida em que as condições higiênicas do
meio militar também se desenvolvessem no cotidiano do soldado. Desta forma, teríamos
uma “entidade sã”, e vigorosa, afastada na medida do possível das causas de
“enfermidade, de debilidade ou de decadência”.828
Para que este quadro “higiênico ideal” fosse possível, o corpo de saúde
deveria cuidar não apenas do soldado em si, mas tudo o que diz respeito ao indivíduo e
ao ambiente que o cerca, desde o seu vestuário até sua alimentação. Ao trabalharmos
com o que se entendia por higiene militar em nosso primeiro capítulo vimos questões
que agora estão presentes no texto e que configuram estas medidas para um “ambiente
higiênico ideal”. Na perspectiva de análise do artigo, era justamente na busca por este
quadro ideal que os governos europeus se empenhavam através do fomento de pesquisas
por “homens de ciência mais distintos”829 e que faziam parte dos Corpos de Saúde
Militar para aprofundarem suas questões no meio da higiene militar. 830
Em função de tal realidade, ou seja, do empenho em desenvolver os Corpos
de Saúde e de proporcionar aos soldados o ambiente higiênico ideal, nos deparamos
com o seguinte cenário definido pela revista:

Ali [nos exércitos europeus] os soldados são alojados em


esplendidos quartéis, que são a última palavra em todos os avanços da
higiene, até em seus menores detalhes, seu vestuário é proporcionado
aos climas e estações e o mesmo a alimentação. Pode se dizer que se
tem afastado as causas de enfermidade com uma higiene racional e
previdente e as estatísticas assim o refletem. 831

827
“Redacción. El médico soldado. Nuestros ideales”, op.cit., p.255.
828
Ibidem, p.255.
829
Ibidem, p.256.
830
Ibidem, cf.p.256.
831
Ibidem, p.256.

272
No entanto, ressalta que para atingir este grau de avanços, os governos
europeus buscavam na formação de seus quadros uma “aprendizagem especial”. O
início de tudo estava na incorporação de jovens que se tornariam futuros médicos e lhe
ensinando tanto na teoria quanto na prática as suas funções, enquanto médico militar,
em institutos especiais. É então que se dá a definição do “médico soldado”, ou seja, é o
médico que integra o exército e é formado por ele, tendo suas garantias determinadas
pela lei e sua carreira assimilada não apenas com uma hierarquia, mas com um
“verdadeiro estado” enquanto profissional militar.
A noção dos Corpos de Saúde europeus como modelo estava justamente
neste aspecto do profissional militar, que era reconhecido enquanto homem de ciência e
que tinha, por parte do Estado, os recursos necessários e a autonomia desejada para
desempenhar seu trabalho. Era justamente esta a configuração desejada pelos médicos
militares argentinos para o seu Cuerpo de Sanidad. A pergunta colocada pela redação
era: por que isto não se dava entre eles então?
Esperava-se que, em breve, os primeiros passos fossem dados rumo ao
modelo desejado, ou seja, o padrão dos serviços de saúde dos principais exércitos
europeus – e não priorizando uma ou outra nação, mas tratando a todos como um
modelo único ideal a ser alcançado. Os resultados começariam, de acordo com o texto,
com a fundação da Escola Superior de Guerra – que seria inaugurada naquele ano – e o
programa de Higiene Militar que ali seria ensinado. Trata-se do mesmo tema abordado
pelos Anales na sua edição de fevereiro de 1899, mas ali se criticava o fim deste curso
na grade de ensino da instituição responsável pela formação de oficiais, o Colégio
Militar. De acordo com o periódico, o ensino desta disciplina na Escola Superior de
Guerra contribuiria

indubitavelmente a modificar radicalmente no mundo militar, o


conceito que geralmente se tem, imperfeito e deficiente do papel e
funções da Saúde Militar e da importância e utilidade que ela tem na
saúde e higiene dos exércitos.832

A sua importância se dava principalmente no período de paz, ao


desempenhar um importante papel na diminuição das taxas de morbidez e mortalidade
entre os militares e se manter atenta às enfermidades próprias dos meios militares.
Assim, poderia prevenir sua disseminação e evitar que, caso ocorresse, os soldados

832
Ibidem, p.259.

273
fossem dizimados por doenças infectocontagiosas, epidemias, sífilis e o alcoolismo.
Enfim, como se poderia concluir, os descuidos com a higiene e as enfermidades
produzidas em decorrência causariam cinco vezes mais vítimas que uma batalha feroz.
Se temos claro até aqui a importância dos serviços de saúde europeus e a
forma como estes se reorganizavam em função de suas experiências em cobates, então a
decisão de enviar os jovens oficiais argentinos para estudos na França, Alemanha,
Inglaterra, Itália e outras nações europeias era vista como um ponto positivo no
aperfeiçoamento dos conhecimentos teórico-práticos destes profissionais. Ao
regressarem, estes oficiais argentinos “difundiriam e aplicariam sua evolução e sua
educação”, sendo uma ação muito útil e proveitosa para o exército. Contudo, esta
prática se daria apenas para três ramos das Forças Armadas: infantaria, artilharia e
cavalaria.
A importância de uma experiência como essa não poderia alijar os
chamados “corpos auxiliares” do Exército – Corpo de Engenheiros, Intendência e
Cuerpo de Sanidad. Conforme o editorial, só haveria um pleno desenvolvimento, uma
plena evolução, se o exército estendesse esta prática para os demais corpos. Ainda que
alguns oficiais do Corpo de Engenheiros tivessem realizado cursos de aperfeiçoamento
na Europa, o Cuerpo de Sanidad não possuía nada do tipo.
Nações como Chile e Japão já haviam se conscientizado para a tomada de
tal ação em prol da saúde militar, enviando de forma sistemática e periódica seus
oficiais de saúde – médicos e cirurgiões militares – para estudos nos exércitos europeus,
em suas escolas e em suas operações e manobras. A Argentina havia enviado sim
cirurgiões e médicos militares ao exterior, á Europa, mas para Comissões de Aquisição
de material sanitário para o Exército – como aquelas de Alberto da Costa para a compra
de artigos para o Hospital Militar da Capital e material sanitário para o Cuerpo de
Sanidad. O que se reivindicava com este texto era a adoção do mesmo sistema instituído
por chilenos e japoneses, levando a um aperfeiçoamento de “conhecimentos especiais
que requerem as elevadas e delicadas funções que estão chamados a desempenhar nos
exércitos, em tempo de paz e em época de guerra”.833
A respeito da prática chilena, utiliza-se como exemplo um trecho de uma
carta de 18 de setembro de 1896 do cirurgião do exército chileno, Eduardo Moore, para

833
Redacción. La sanidad militar argentina. Envio de cirujanos militares a Europa. Una buena idea que
necesita complementarse, Anales de Sanidad Militar, Buenos Aires, Ano III, n.8, p.717-727, ago. 1901,
p.719.

274
o Ministro do Chile na Alemanha, Augusto Matte. No referido documento, o cirurgião
chileno descreve os diversos serviços de saúde de exércitos europeus aos quais teve
acesso, bem como instituições de ensino médico-militar da Alemanha, Inglaterra e
França.
A carta de Moore demonstrava a preocupação com o desenvolvimento do
Corpo de Saúde chileno e, ao mesmo tempo, a integração do serviço de saúde ao
processo de modernização de seu exército. Como o próprio editorial ressalta, na
Argentina nunca havia ocorrido algo semelhante, ou seja, o envio de

numerosos grupos de cirurgiões militares e navais a estudar na Europa


em escolas de saúde militar, a visitar todos os parques sanitários, a
seguir as manobras de campanha, a completar cursos de cirurgia
de guerra e [para] se aperfeiçoar nesta difícil arte no próprio
meio, a ouvir as lições dos melhores exemplos, para depois
aplicar em sua pátria a útil lição recebida. 834

Vimos que a Comisión de Sanidad do exército argentino se ocupou da


compra de material sanitário visando a modernização de seus equipamentos e o
suprimento de matérias básicos para sua tropa – como, por exemplo, os trinta mil kits
individuais para tratamento de feridos que foram adquiridos em 1895. Contudo, este
texto de 1901 alerta justamente para o fato de que não bastava possuir um parque
sanitário com material abundante e variado, além de um numeroso corpo de cirurgiões.
Os médicos e cirurgiões militares, assim como os demais integrantes do Cuerpo de
Sanidad, necessitavam de exercícios práticos, de vivências em outros exércitos para
aprender com eles as técnicas mais recentes e que seriam depois adaptadas à realidade
argentina. Um dos exemplos utilizados era o de manobras especiais nas montanhas em
que se seguiria os alpinistas suíços ou italianos para depois desenvolvê-las nos Andes,
em futuras manobras argentinas.835 Assim, os exercícios militares, as grandes manobras
realizadas pelos exércitos europeus eram vistos como o conjunto de práticas ideais que
preparariam o oficial médico, o cirurgião militar, para o socorro aos enfermos e feridos
no momento que fosse – inclusive os mais críticos em meio ao teatro de operações, no
campo de batalha. Portanto, a execução deste tipo de treinamento levaria a tomadas de
decisões mais rápidas, fundamentais na hora do atendimento àqueles que sofram nos

834
Ibidem, p.721.
835
Ibidem, cf.p.722.

275
confrontos, já que os oficiais de saúde teriam sido treinados de acordo com sua
especificidade em um cenário crítico e que demanda ações imediatas.
Sem dúvida, as manobras apresentariam as técnicas mais recentes e os
aperfeiçoamentos alcançados por cada exército. De acordo com este raciocínio, o envio
de cirurgiões militares à Europa se daria para a observação e estudos dos avanços e
aperfeiçoamentos na “arte de curar feridos”, de hospitalizá-los e de transportá-los da
maneira mais adequada; para ver como a tropa se encontrava alojada, como era a
vestimenta do soldado, como este se alimentava; para vivenciar os progressos da
higiene militar. Além destas experiências no meio militar, se daria também os cursos de
cirurgia de guerra, epidemiologia, enfermidades características da caserna e do militar
em campanha, o estudo das instalações militares – hospitais fixos e de campanha,
quartéis, barracas de acampamento –, a alimentação do soldado, tratamento de feridas
de guerra, etc.
Enquanto este sistema de envio sistemático para o Cuerpo de Sanidad não
acontecia, a criação da Escuela de Sanidad Militar era vista pelo editorial de junho de
1902 como “um dos passos mais memoráveis da nossa Sanidad”, no que tange à sua
organização e isto se dava por iniciativa de Marcial V. Quiroga (Inspetor Geral de
Saúde de 1900 até 1907).836 Esta afirmação se dava em função da defesa do ponto de
vista de que as nações mais civilizadas, sem especificar quais, dotavam seus exércitos
com corpos auxiliares completos, tanto em tempos de paz quanto de guerra. Para dispor
de tantos profissionais é que se fazia necessária a organização de Escolas de Saúde
Militar, responsáveis pela formação de futuros médicos militares. Na verdade, era uma
instituição destinada aos estudantes de medicina que complementariam sua formação na
Escuela e aprenderiam matérias próprias da medicina militar. Estes, após concluírem a
etapa de estudos, teriam adquirido os conhecimentos necessários para desempenhar a
função de organização dos serviços de saúde nos campos de manobra – configurando o
treinamento em tempos de paz – ou de combate. 837

836
No período de publicação dos Anales, os Inspetores Gerais de Saúde seriam os oficiais médicos
Alberto da Costa (1897-1900) e Marcial V. Quiroga (1900-1907). A partir de 16/02/1916, a Inspección
General de Sanidad passaria a se chamar Dirección General de Sandiad e teria como seu primeiro
Diretor Geral o oficial médico Nicomedes Antelo, que havia sido nomeado Inspetor Geral em 1914 e
permanecendo neste posto até 1916, quando há a mudança na denominação do órgão, mas não em sua
direção. Antelo seria substituído em 1922 pelo oficial médico Julio Garino que ficaria como Diretor Geral
até 1929.
837
Redacción. La Escuela de Sanidad Militar, Anales de Sanidad Militar, Buenos Aires, Ano IV, n.6,
p.513-515, jun. 1902, p.513.

276
Além da importância da Escuela de Sanidad na formação dos facultativos, o
editorial definia o que era entendida como a missão do médico militar formado por esta
instituição de ensino. De acordo com a redação, definida da seguinte forma:

A vida em comunidade com o soldado, próximo a ele,


atenuando seus sofrimentos segundo os recursos com que conte;
ditando disposições de profilaxia individual e coletiva que ponham à
838
salvaguarda a saúde destes.

Toda esta discussão sobre a formação e aperfeiçoamento de facultativos nos


leva a questionar o que se entendia como sua missão e seu papel na instituição. A
profissão do médico militar era vista como uma missão e que “envolve em si os
conceitos de confraternidade, de ciência, de sacrifício de si mesmo”. No caso da
medicina militar, seu dever no exército e objeto primordial era “a higiene e a
conservação da saúde e da vida a uma coletividade e a uma entidade”. A primeira era o
exército e a entidade se referia ao soldado argentino.839
Para que sua carreira como médico do exército efetivamente se iniciasse, era
necessário iniciar e dar prosseguimento ao “estudo teórico-prático da higiene e
patogenia militar”, além do estudo de seu sujeito principal: o soldado. Não apenas o
indivíduo, mas as múltiplas influências às quais estava sujeito – fossem elas boas ou
ruins – no ambiente que o cercava.840
Do mesmo modo, a profissão militar poderia colocar o organismo do
indivíduo em condições favoráveis ou desfavoráveis. Assim, definia-se o objetivo
prático da higiene e da medicina militar nas tropas:

Obter das primeiras [condições favoráveis] o maior número de


vantagens possíveis; diminuir e atenuar as segundas na medida em que
o exijam as necessidades que dependam da organização e mecanismo
do exército.841

Um ponto interessante apresentado pelo texto é relacionar o sucesso das


ações do médico militar e seu papel de “ativo higienista” como algo que necessita do
apoio do comando para que seja bem executado, apresentando um bom desempenho. É

838
Ibidem, p.514.
839
El Médico Del Ejército. Su misión del punto de vista de La Higiene Militar, Anales de Sanidad
Militar, Buenos Aires, Ano I, n.2, p.81-92, mar. 1899,p.81.
840
Ibidem, p.83.
841
Ibidem, p.84.

277
do chefe de qualquer hierarquia, mas com posição de comando, o dever de transformar
em ordens precisas e claras os conselhos dos cirurgiões, “em nome da ciência e das
funções de seu cargo”, para o restante da tropa. No entanto, para que isto fosse possível,
o oficial que se encontrasse nesta posição de comando deveria ter noções e
conhecimentos de higiene, a fim de compreender as orientações do cirurgião e, assim,
entender e aplicá-las de forma “oportuna e convenientemente”. 842
Mas como isto se daria? Como o oficial obteria tais conhecimentos? A
resposta para isso estaria na cadeira de higiene que deveria ser cursada no Colégio
Militar da Nação.843 A respeito de tal disciplina, esta era destinada à instrução dos
jovens cadetes que, ao terminarem seu período de estudos no referido colégio, se
tornariam oficiais e chefes do exército ativo e teriam aprendido noções elementares e
fundamentais da higiene militar. Contudo, a matéria de higiene havia sido cancelada
naquela instituição de ensino.
Como uma forma de atentar para a disciplina, o histórico da higiene militar
era demonstrado para alertar sobre as perdas resultantes em inúmeros conflitos e como a
higiene militar seria a responsável pela mudança deste quadro. Neste aspecto, a Guerra
da Criméia (1853-1856) serviu como exemplo para ilustrar as perdas sofridas pelo
exército francês em função de enfermidades e agravamento do quadro de feridos, todos
estes relacionados com as precárias condições de higiene enfrentadas pelos militares –
ponto recorrente no discurso de médicos militares, como já abordamos em diversos
outros aspectos de nosso trabalho. Naquele conflito, o exército inglês fez com que seu
serviço médico “racionalmente dirigido” soubesse evitar, após meses de experiência,
“as graves faltas da administração francesa”. 844
É a partir de então, que temos na figura do Corpo de Saúde do exército
francês a figura modelo para um Cuerpo de Sanidad, bem como suas medidas
profiláticas de higiene nos exércitos. Além de exemplo de organização de saúde militar

842
Ibidem, p.84-85.
843
O Colégio Militar foi criado pelo presidente Sarmiento através da lei de 11 de outubro de 1869. Tendo
como seu primeiro diretor o Coronel Juan F. Czets, seu objetivo era formar futuros oficiais para o exército
nacional.
As condições para ingressar naquela instituição eram as seguintes: ser argentino, ter entre 14 e 18
anos e ter um rendimento satisfatório no exame de admissão. Após os três primeiros anos de cursos, os
alunos tornavam egressos com o grau de auferes ou subtenente e seriam incorporados aos corpos de
cavalaria e infantaria. Para aqueles que cursavam o plano de cinco anos de estudos, obteriam o grau de
segundo tenente e eram destinados aos regimentos de artilharia, ao corpo de engenheiros ou Estado
Maior. Fonte: RODRIGUEZ, (Coronel) Augusto G. Reseña Histórica Del Ejército Argnetino, 1862-
1930. Buenos Aires: Gráficas B.U. Chiesino, 1962, cf.p.72-73.
844
Ibidem, p.88.

278
a ser seguido, havia também na importância de seus estudos de higiene e de medicina
militar que contribuiriam para o controle de enfermidades. De acordo com o artigo,

São os trabalhos científicos dos médicos militares que tem feito


conhecer a etiologia, a marcha e o modo de desenvolvimento e de
propagação das enfermidades epidêmicas mais graves, a translação e
transmissão dos germes infecciosos pelas tropas em marcha, sua
capacidade de formar focos, sua atenuação imediata e sua extinção
rápida pela disseminação dos enfermos sobre uma grande superfície
de território e pelo estabelecimento de acampamentos bem dispostos e
isolados com as tropas pernoitando sob tendas e barracas etc. Todos
estes resultados têm sido observados, previstos, anunciados,
aconselhados com uma autoridade científica representada pela
Sanidad Militar de cujos saudáveis e felizes efeitos se tem beneficiado
o exército. Quantas vidas economizadas, quanto dinheiro salvo às
vezes com um simples conselho, com uma simples medida profilática,
dada a tempo e oportunamente ordenada e executada!... 845

Era em função de todos estes benefícios produzidos pelos trabalhos


científicos de médicos militares que os mesmos deveriam compreender a sua força e a
da higiene nos exércitos. Se pensava em vidas que foram salvas e o dinheiro poupado
pelos estados, então os soldados também eram vistos como investimentos e perdê-los
era “uma perda completa deste capital”. Desta forma, quem necessitava de um resultado
positivo além do exército era o próprio Estado, na mesma medida em que era o
responsável por zelar pela saúde do soldado e pelas condições em que estes se
encontrariam no seu cotidiano na caserna.
O serviço militar obrigatório seria diretamente afetado se as condições
higiênicas estivessem comprometidas, pois poderiam “beneficiar-se (...) de uma sábia e
previsora higiene militar”. O indivíduo convocado pelo serviço militar obrigatório não
deveria ter uma experiência nociva para a sua saúde e em que as taxas de morbidez e
mortalidade aumentassem em função do serviço militar obrigatório. Caso isto ocorresse,
ou seja, os jovens de vinte anos que passassem pelos quartéis fossem devolvidos à
população civil como homens “delicados ou enfermos”, o que seria uma causa de
degeneração, então estaria configurado um “verdadeiro perigo nacional”.
Consequentemente, a higiene militar não era pensada unicamente como uma realidade
para a caserna, mas como algo que possuía um efeito a longo prazo que era “fortificar o
soldado e melhorar a raça e isto significa positivo engrandecimento nacional”. 846

845
El Médico Del Ejército. Su misión del punto de vista de La Higiene Militar, op.cit, p.89.
846
Ibidem, p.91.

279
Com este objetivo bem claro, entendia-se o papel crucial dos cirurgiões
militares, na medida em que, na linha de frente, era dever deles “vigiar a higiene e a
saúde do soldado. Assim,

A cada instante o cirurgião militar deve fazer obra de


higienista, assegurando-se diariamente que não existe nenhuma causa
de insalubridade nos quartéis ou acampamentos, que a ventilação das
quadras se faz em boas condições, que as prescrições relativas à
limpeza diária individual dos homens se executa com prolixidade e
exatidão, que os alimentos e a água de bebida são sempre de boa
qualidade, que os filtros funcionem bem, etc. 847

Portanto, da ação do cirurgião e médico militar dependia toda a saúde e a


vida da tropa, na medida em que era da responsabilidade destes profissionais os
cuidados com a higiene e, através desta, da prevenção de enfermidades que provocariam
grandes baixas e altas taxas de mortalidade e morbidez, além da “degeneração da raça”,
como afirmado no artigo.
Esta preocupação com a higiene e a sua relação com a mortalidade é um
tema recorrente nos periódicos médicos. Como vimos, Francisco de Veyga alertava em
seu texto sobre as causas dos problemas das taxas altas de morbidez e mortalidade no
exército na edição de 1908 no Boletín. No entanto, esta preocupação e discussão já
estavam presentes em 1899. O editorial de junho daquele ano via na interferência da
administração sobre as tomadas de decisão dos serviços de saúde, um grande problema
a ser ultrapassado. Utilizando os principais conflitos do XIX e as baixas sofridas pelos
principais exércitos da Europa, o texto demonstra como os serviços de saúde que
possuíam um determinado grau de autonomia em relação ao Comando e à administração
obtiveram um reduzido número de baixas em suas tropas. Um dos exemplos está na
estatística das intervenções cirúrgicas e sua taxa de mortalidade. Enquanto o corpo
médico do exército francês alcançava, na Guerra da Criméia, uma mortalidade em torno
de 72,8%, o exército inglês convivia com 33,9%. Esta expressiva diferença se dava
porque enquanto o exército francês tinha seu corpo de saúde dirigido pela intendência, o
exército inglês apresentava um serviço sanitário autônomo. Desta forma, o primeiro
contabilizaria 21.190 mortes enquanto o segundo teria 606 mortos.848

847
Ibidem, p.91-92.
848
“Redacción. La sanidad militar – Su autonomía, Anales de Sanidad Militar, Buenos Aires, Ano I, n.6,
p. 383-391, jun. 1899.

280
A questão da autonomia também se daria na Guerra de Secessão dos norte-
americanos, em que as perdas entre os operados seriam de 40%. A explicação para tal
quadro se dava, na opinião do cirurgião geral do exército dos Estados Unidos, Barnes,
na nomeação, pelo governo, do cirurgião o chefe do hospital. Assim, o médico militar
seria o responsável pelas tomadas de decisões e medidas de organização que acabariam
por resultar em um quadro positivo.
A França também aprenderia a sua lição e seu processo de organização
passaria por mudanças significativas. De forma gradativa, iniciando em 1873 – logo
após a Guerra Franco-Prussiana (1870-1871) – até a vigilância do controle geral em
1889. Fora uma evolução lenta em função dos inúmeros obstáculos colocados pela
administração, que acreditava que perderia com isso “grande parte de seu poder e de
suas prerrogativas”.849 A respeito de tal perspectiva, afirma-se que
É sem dúvida, França, um dos países que tem
elaborado com mais peso o progresso de sua saúde militar neste
sentido até lhe dar autoridade e autonomia necessárias para o
bom desempenho de suas funções e colocá-la, como está hoje,
nos primeiros postos entre as instituições análogas. 850

Não era apenas a França que havia modificado a estrutura de sua relação
com seu Serviço de Saúde, proporcionando um “regime liberal de exercício
independente”. Áustria, Rússia, Prússia e os Estados Unidos – como tratamos deste
último acima – já conviviam com os benefícios deste novo sistema. O Serviço de Saúde
austríaco tinha na figura do médico geral chefe, com o grau de “general mor”, o
encarregado da direção do corpo e contava com assessoria de um conselho composto
por professores da escola especial de medicina militar. Já os russos dispunham de uma
divisão especial no Ministério da Guerra sob o nome de Departamento dos Assuntos
Médicos e, à sua frente, o médico em chefe do exército – de quem todos os demais
médicos militares dependiam, já que era o responsável pelos ascensos.
Em nossos capítulos anteriores, tratamos das mudanças vividas pelo Cuerpo
de Sanidad neste período, mas é importante destacarmos a forma como a revista da
época tratava das condições deste serviço. Afirmava-se que a “marcha” para mudanças
estava sendo rápida, “pois tem podido aproveitar a experiência alheia e implantar os

849
Ibidem, p.388.
850
Ibidem, p.388.

281
aperfeiçoamentos e conquistas das organizações estrangeiras”. 851 Quanto à tão
propalada autonomia,

A autonomia diretiva está consagrada pela carta


orgânica de sua criação e exercida por seus chefes técnicos, o
Inspetor Geral de Saúde e a Inspeção Geral de Saúde como
corpo consultivo, de acordo com as leis e regulamentos que lhe
asseguram, em sua órbita, um funcionamento livre. 852

Contudo, no aspecto econômico, a Sanidad Militar ainda dependia da


Intendência em sua maior parte. Isto implicava nos efeitos relativos à qualidade do
material adquirido pela mesma, já que não era composta por um corpo de especialistas
para aquisição de elementos do campo da saúde. Então, argumentava-se:

Se as armas de combate da infantaria e da artilharia


e engenheiros são adquiridas por técnicos de cada especialidade;
por que os médicos não hão de ter ação diretamente pessoal na
obtenção de suas armas – o arsenal cirúrgico, o material
sanitário de hospital e de farmácia? 853

Enfim, à época de sua publicação, o texto buscava outorgar de forma


definitiva a autonomia administrativa da Sanidad Militar.
Com a análise destes artigos e o estudo dos números resultantes do
agrupamento de nossos temas norteadores, notamos que, da mesma forma como se deu
no Boletín, os temas relativos aos serviços de saúde – nacional e estrangeiro – e higiene
militar predominaram proporcionalmente no total de artigos publicados nos seus
primeiros cinco anos. Ainda que não tenhamos os seus dois últimos anos, aqueles de
1904 e 1905, podemos deduzir que não teríamos uma mudança brusca nestes números,
considerando o volume médio de produção destes temas ao longo do período de 1899 e
1903. Os Anales teriam seu fim em 1905 e o Boletín voltaria a circular com o seu nome,
como antes. No entanto, outras mudanças seriam vistas e, assim, nos perguntamos: este
panorama do quantitativo temático de artigos mudaria a partir da publicação da Revista
de La Sanidad Militar? Seu corpo editorial daria continuidade à preocupação de uma
adequação e busca de um modelo europeu e seus avanços no campo médico militar? É o
que analisaremos em seguida.

851
Ibidem, p.390.
852
“Redacción. La sanidad militar – Su autonomía, op.cit., p.390.
853
Ibidem, p.391.

282
3.3. Revista de La Sanidad Militar (1914-1931)

A partir de dezembro de 1914, o Boletín de Sanidad Militar é publicado


oficialmente com o nome de Revista de la Sanidad Militar e tendo como seu diretor o
Cirurgião de Regimento (Capitão de Saúde) Eugênio Galli. Este periódico marcava o
início de outra fase do Boletín, após o fim dos Anales de Sanidad Militar em 1905. Sob
o título de Revista de La Sanidad Militar teve sua circulação até 1946. No ano seguinte,
1947, sofreria outra mudança e passaria a ser publicada como Revista de La Sanidad
Militar Argentina. A Revista de La Sanidad Militar era publicada em Buenos Aires e
impressa nas oficinas gráficas do Instituto Geográfico Militar, daí ser apresentada como
uma publicação oficial e sob a direção da Dirección General de Sanidad no ano de
1920.854
Assim como se deu com o Boletín e os Anales, não foi possível o trabalho
de análise integral do material. Apesar da pesquisa e busca incessante do mesmo, não
obtivemos êxito na tentativa de localizar os números que foram publicados no intervalo
de 1915 a 1919. Porém, a partir de 1920, contamos com todas as edições publicadas até
o nosso recorte, o ano de 1931, sem comprometimento para o exame de seu conteúdo e
classificação de artigos.
No período em que analisamos a Revista, esta apresentou uma periodicidade
variável sendo ora bimestral (1921 e 1928 a 1931), ora trimestral (1921, 1924, 1925 e
1928), ora semestral (1920, 1922, 1923, 1926 e 1927). Este espaço entre as publicações
muitas vezes ocorria em um mesmo ano (como ocorrera com aquelas de 1921, 1924 e
1928). Dos doze anos que trabalhamos, tivemos quarenta e duas edições que em sua
maior parte mantiveram uma mesma estruturação. O padrão identificado ao longo das
publicações de 1920 prevaleceu nos demais anos e apresentava as seguintes seções:
Artigos, Notas, Bibliografia, Revistas Estrangeiras e Cuerpo de Sanidad Del Ejército.
Alguns acréscimos e adequações ocorreram no nosso recorte. A seção Revistas

854
A edição de dezembro de 1914 não teve seus artigos contabilizados já na fase da “Revista de La
Sanidad Militar”. Por ser uma publicação de transição entre o Boletín e sua nova fase, optamos por
classificar este número específico como o último número deste no ano de 1914.
Quanto à direção do periódico, não podemos afirmar que no intervalo de 1915 e 1920 encontrava-
se subordinada à Dirección General de Sanidad. A edição de 1914 apresenta como seu diretor o capitão
Eugênio Galli e, naquele ano, o mesmo não era diretor da Dirección – cargo assumido por Isidro Lobo
desde 1913 e substituído ainda em 1914 por Nicomedes Antelo, que permaneceu como diretor da
Dirección até 1922.
Ainda sobre o periódico, a Revista se encontra em circulação até os dias de hoje sob
responsabilidade do Departamento Técnico Del Comando de Sanidad.

283
Estrangeiras foi renomeada como Revista de Revistas a partir de 1921 e de 1929 a 1931,
passaria a ser intitulada Analisis de Revistas. Finalmente, a partir de 1928, a coluna
Cuerpo de Sanidad del Ejército passaria a ser chamada Dirección General de Sanidad
Militar, permanecendo esta configuração até 1931.
Conforme justificado logo no início deste trecho de nosso trabalho,
infelizmente não foi possível contabilizar os artigos publicados nos anos de 1915 a
1919. Da mesma forma como se deu com o Boletín e com os Anales, não obtivemos
êxito ao tentar localizar estes cinco anos. Além disso, mantemos nosso entendimento de
que, no conjunto final, a proporção entre nossos temas se manteria. Portanto, a forma
como trabalhamos com os Anales e a justificativa para a mesma se repete neste
momento de nosso exame pormenorizado do conteúdo e do quantitativo de artigos.
Esclarecido este ponto, nossos temas norteadores855 somaram cento e setenta
e cinco entradas, com cento e sessenta e quatro artigos. A higiene apresentou trinta e
sete artigos, dividindo-se nos mesmos assuntos já vistos no Boletín e nos Anales: um
sobre estudo dos elementos (solo, ar e água); seis a respeito da alimentação; vinte e
quatro relativos à profilaxia; um para vacinação. Quarenta e nove artigos destinados à
higiene militar e voltados para os seguintes subitens: cinco artigos sobre alimentação;
um acerca do vestuário; sete sobre profilaxia; um para vacinação; e trinta e seis
destinados a outros temas de higiene militar, como a epidemia de gripe em uma das
divisões do exército argentino, biometria dos candidatos e a relação entre estas medidas,
cuidados e orientações sobre a sífilis, considerações sobre as marchas, etc. Interessante
percebermos que não houve qualquer tipo de artigo que fizesse menção a processos de
Modernização, mesmo trabalhando com edições que foram publicadas com certa
proximidade do final da guerra, ainda que no período posterior de dois anos do fato. Os
Serviços de Saúde totalizaram sessenta e cinco artigos, sendo quarenta e cinco
destinados ao Serviço de Saúde do exército argentino, um sobre o do exército alemão,
um tratando do Serviço de Saúde francês e dezoito de Serviços de Saúde de exércitos
estrangeiros. Quanto a estes, os serviços de saúde dos exércitos da Grã-Bretanha, da
Holanda, do Paraguai e da Suíça teriam um artigo para cada; aqueles do Peru e da
Polônia teriam dois artigos cada; o serviço de saúde do exército da Bélgica foi abordado
por quatro textos; e, por último, o Serviço de Saúde do Chile contou com seis artigos.
Finalmente, os temas relativos à cirurgia/saúde/medicina militar somaram vinte e quatro

855
Ver Anexo 3, p.449.

284
artigos, sendo três para cirurgia, quatro para saúde militar, sete de medicina militar e
dez a respeito de Congressos de Medicina e/ou Higiene Militar.
A análise dos editoriais é fundamental para compreendermos o
posicionamento e os objetivos dos periódicos. O que pudemos concluir é que no
intervalo determinado por nossa pesquisa não houve publicação deste tipo de texto. Em
seu lugar, temos memoriais em uma edição e um discurso de um oficial superior de
saúde para os novos profissionais de saúde militar – especificamente o diretor geral de
saúde, Alberto Levene, apresentando o Instituto de Higiene do Exército. Diante de tal
quadro, ao compararmos com suas fases anteriores, entendemos que a total ausência de
editorial demonstra a preocupação com o caráter estritamente técnico de seu conteúdo e,
ao mesmo tempo, a constatação de que a revista já havia alcançado a credibilidade que
almejava no cenário científico nacional. Por conseguinte, este mesmo caráter
predominantemente profissional e restrito da Revista nos levou a trabalhar com um
número reduzido de artigos em função do nosso objeto de estudos e a relação com nosso
tema.
O número de artigos e trechos destinados aos congressos de medicina e/ou
higiene militar reflete a realidade do quadro exposto acima. Em 1921 aconteceu o
Primeiro Congresso Internacional de Medicina e Farmácia Militar. Os oficiais médicos
representantes dos serviços de saúde de diversos países, “um núcleo grande de homens
de ciência”, convidados se reuniram em Bruxelas e o governo belga convidou o Cuerpo
de Sanidad para participar do evento.856 Enquanto a Bélgica, sede do evento, teria no
inspetor geral de seu Serviço de Saúde, o doutor Wibin, o governo argentino designava
o primeiro tenente de saúde Nicolás Gaudino como seu delegado e o que fora discutido
ali se encontrava agora de forma resumida no artigo de Rogelio D’Ovidio.857
A perspectiva do autor era que as conclusões adotadas pelo congresso
858
teriam “quase força de lei”. Isto se refletiria, inclusive, nas “grandes reformas”
esperadas pelos povos, especialmente na luta contra a tuberculose e as doenças
venéreas. No campo militar,

856
O governo brasileiro também é convidado pelos belgas para participarem deste evento. Em função
disto, este Congresso será analisado de forma pormenorizada no capítulo seguinte, quando trabalharmos
com o periódico médico militar brasileiro Revista de Medicina e Higiene Militar.
857
D'OVIDIO, (Major de Saúde) Rogelio. Primer Congreso Internacional de Medicina y Farmacia
Militar, reunido en Bruxelas en 1921, Revista de la Sanidad Militar, Buenos Aires, Ano XXI, p.9-23,
jan-jun 1922.
858
D'OVIDIO, op.cit., p.9.

285
Todas as questões relacionadas com as funções militares do pessoal
diretivo do serviço sanitário tem sido estudadas, não com o fim de se
criar situações especiais de privilégio senão para orientar sua atuação
dentro da maior harmonia e unidade de ação com as ideias dominantes
no alto comando. 859

Ao unir estes dois pontos, as conclusões a que chegavam é que, na luta


contra a tuberculose, doenças venéreas e problemas sociais, os exércitos deveriam rever
as suas ações até aquele momento e modificar ou suprimir as que não se harmonizavam
“com as tendências modernas” e que evoluíam de forma constante. Esse caráter
evolutivo era um dos argumentos para a decisão de se adotar reuniões periódicas em
que, a partir da reunião de representantes de todas as nações, os serviços de saúde
pudessem se beneficiar dos progressos que se deram no decorrer da 1ª Guerra Mundial.
Tal quadro positivo seria aplicado para o bem estar do soldado, ao proporcionar
melhorias e conservar sua saúde.
A importância deste tipo de encontro se dava na medida em que D’Ovidio
percebia ali um local ideal para expor suas ideias e teorias, na medida em que estas
seriam passíveis de aperfeiçoamento e poderiam se tornar viáveis na prática. Contudo,
isto só se tornava possível porque passava a se conhecer “a forma como se
desempenham os serviços sanitários em outros países, mostrando geralmente o bom e o
melhor que neles se executa”.860
No Congresso, tivemos a presença de representantes dos serviços de saúde
dos seguintes países: Inglaterra, França, Marrocos, Itália, Japão, Estados Unidos da
América, China, Brasil, Espanha, Suíça, Suécia, Dinamarca, Holanda, Noruega,
Tchecoslováquia, México, Polônia, Guatemala, Argentina e Chile. Havia também
representantes do Comitê Internacional da Cruz Vermelha e da Liga das Sociedades da
Cruz Vermelha.
A Liga das Sociedades da Cruz Vermelha foi fundada em paris, em maio de
1919, após uma conferência médica celebrada em Cannes e por iniciativa do Comitê
Interaliado de Sociedades da Cruz Vermelha e se propunha a

desenvolver e coordenar as atividades das Sociedades da Cruz


Vermelha do mundo inteiro para evitar as enfermidades e mitigar os
sofrimentos. Com este objetivo, os médicos presentes na conferência
de Cannes, elaboraram um programa relacionado com a saúde

859
D’OVIDIO, op.cit., p.10.
860
Ibidem, p.11.

286
internacional e a profilaxia, programa que devia ser executado por um
escritório central higiene, que mais tarde se converteria no
Departamento Médico da Liga.861

Suas funções, então, se voltavam para reunir e difundir todos os informes


considerados importantes e que tivessem relação não apenas com a saúde pública, mas
com novos métodos de profilaxia e combate às epidemias, bem como “tratar de
melhorar e uniformizar a legislação e a educação em matéria de higiene pública no
mundo inteiro”.862
Para a difusão de seus objetivos e estudos, a Liga publicaria dois periódicos.
Um teria um caráter mais técnico e científico, voltado para “especialistas que se ocupam
de higiene pública e profilaxia”. Outro se destinava à educação popular, sendo
considerado “condição sine qua non” para todos aqueles países que quisessem
“introduzir uma legislação e medidas eficazes de saúde pública”. Este seria o Boletín de
La Liga de Sociedades de La Cruz Roja e que vinha sendo publicado de forma regular
desde maio de 1919. Aquele outro periódico, de caráter científico era a Revista
Internacional de Sanidad (RIS), abrangendo todas as questões de saúde pública e
profilaxia. 863
Nos anos de 1920 e 1921 temos a publicação da RIS, com sua impressão em
Genebra, Suíça. Apontada como o órgão científico oficial da Liga de Sociedades da
Cruz Vermelha sua periodicidade era bimestral e seria encontrada nos seguintes
idiomas: inglês, francês, italiano e espanhol. Esta diversidade se dava porque os artigos
que eram encontrados nas páginas da RIS também eram publicados exatamente com
mesmo conteúdo e forma em outros periódicos. Estes eram: International Journal of
Public Health, Revue Internationale D’Hygiène Publique e revista Internazionale di
Sanitá Pubblica. Os textos deveriam versar sobre “questões de interesse em higiene,
saúde pública e em medicina preventiva”. Ao enviar seus trabalhos para este periódico,
os autores se comprometiam em não publicar em nenhum outro meio que não fosse
permitido pelo Diretor da RIS, doutor Thomas R. Brown.
Seus artigos estavam voltados para um serviço de informação médica. Por
isso, a revista era dedicada a “todas as questões de saúde pública e profilaxia”. Desta
forma, se daria a publicação de

861
Revista Internacional de Sanidad, Suíça, Ano I, Vol. I, n. 1, jul. 1920, p.1.
862
Ibidem, p.1.
863
Ibidem, p.1-2.

287
artigos originais sobre matérias científicas e práticas, revistas críticas
sobre assuntos científicos da atualidade, extratos de artigos
importantes publicados em outras revistas médicas, estatísticas e
documentos demográficos relacionados com a situação sanitária do
mundo. 864

Enquanto a Liga se voltava para a RIS como seu órgão oficial de divulgação
científica, o que veríamos no I Congresso Internacional de Medicina e Farmácia Militar
seria a relação dos serviços de saúde militar com a Cruz Vermelha. Ao tratar da
“Organização Geral do Serviço de Saúde nos Exércitos e Relações do Serviço de Saúde
militar com a Cruz Vermelha”, o Congresso aprovou as proposições que diziam respeito
aos seguintes temas: gás de combate, os ensinamentos da guerra para o tratamento das
fraturas dos membros, a luta contra a tuberculose no exército e contra as doenças
venéreas, depuração das águas em campanha e a nomeação de um comitê
permanente.865 Contudo, nos deteremos aqui naquelas resoluções que iniciaram a
exposição dos pontos acima colocados, que dizem respeito aos reflexos da experiência
da Grande Guerra no meio civil e, da mesma forma, relacionam os serviços de saúde
com uma das principais organizações de auxílio a civis, a Cruz Vermelha.
No Congresso teríamos dois conjuntos de disposições. Um destes originaria
o comitê permanente, responsável pela organização e periodicidade dos futuros
encontros internacionais sobre medicina e farmácia militar. O outro, e é o nosso ponto a
partir de então, trata justamente da relação colocada acima. Totalizando sete resoluções,
estas seriam:

1º O congresso estima que todas as medidas concernentes à


adaptação da ciência médica à coletividade militar, tanto na paz como
na guerra devem ser tomadas em colaboração íntima entre o comando
e o serviço de saúde.
2º Para que, em todas as medidas onde o permitirem as
circunstâncias militares, devem ser levadas em conta as considerações
médicas, sem as quais toda organização sanitária é deficiente, é
necessário que os representantes do serviço de saúde façam parte do
pessoal dos estados maiores da mesma forma que os oficiais das
armas combatentes para tratar as questões de interesse de seu próprio
serviço.
3º É indispensável que em cada grande unidade sob a
autoridade do comando militar, os representantes do serviço de saúde

864
Ibidem, p.1-2.
865
O comitê permanente será analisado no capitulo seguinte, ao trabalharmos com os periódicos de
medicina militar brasileiros.

288
em acordo com ele, e ligado com os outros serviços, tenham
participação para elaborar as ordens relacionadas ao funcionamento do
serviço de saúde em todas as suas modalidades, para assegurar a
transmissão e para poder vigiar sua execução.
4º Em tempo de guerra é de importância que os conselheiros
médicos sejam eleitos entre os especialistas: cirurgiões, higienistas,
químicos altamente qualificados pelas autoridades científicas, sejam
agregados aos representantes do serviço de saúde responsáveis diante
do alto comando.
5º Todo o pessoal da Nação, exercendo uma profissão médica, é
convidado a se preparar para o papel especial que em tempo de guerra
dever ser exigida a cada um segundo sua competência.
6º O material utilizado pelo serviço de saúde para o transporte,
evacuação e tratamento dos feridos e para a composição das
formações sanitárias e dos organismos técnicos que se lhe ficam, deve
ser concebido segundo todos os progressos da indústria e das ciências
de acordo com sua evolução. Sua constituição em número suficiente
desde o início das hostilidades deve estar assegurado.
7º Nas constituições dos organismos para o estudo das questões
químicas que se impõem em todos os exércitos é de importância que
se tenha em conta a experiência particular que adquiriram os
farmacêuticos militares.866

Todas estas disposições tratariam basicamente da nova organização desejada


para os serviços de saúde em função dos acontecimentos da 1ª Guerra Mundial,
principalmente a experiência com os gases tóxicos que foram utilizados pela primeira
vez no confronto pelos militares alemães. Um ponto que nos chama especialmente
atenção é o de número seis, pois é ele que estabelece uma relação entre o
desenvolvimento científico e a aquisição de material “concebido segundo todos os
progressos da indústria”. Definia-se assim como os serviços de saúde deveriam ser
equipados e qual padrão deveria seguir.
O quinto ponto diz respeito à formação dos profissionais de medicina para
se preparar, ainda que em tempo de guerra. É justamente a preparação militar dos
oficiais de saúde o tema de um dos artigos que teríamos em outra edição daquele
mesmo ano e tendo sido escrito pelo tenente coronel Basilio Brollo e pelo cirurgião de
regimento Carlos P. Berri, que também era professor da disciplina de higiene na Escola
Superior de Guerra.
Os progressos na comunicação e nos transportes haviam tornado a guerra m
acontecimento cada vez mais complexo. As guerras, então, exigiriam “grandes esforços
e capacidades” e somente um treinamento apropriado, seguido de um trabalho contínuo,
poderiam preparar os militares para a habilidade a ser desempenhada. Brollo e Berri

866
Revista Internacional de Sanidad, op.cit., p.13-14.

289
lembram que “Na guerra nada se improvisa; só se faz bem o que se aprendeu na paz. As
improvisações custam caro”.867 Portanto, se um cirurgião militar tivesse que executar
suas funções na guerra, ele necessitaria de conhecimentos e destrezas.
O primeiro se daria a partir do que se definia como objeto do serviço de
saúde no Regulamento de Serviço Sanitário em Tempo de Guerra (naquele período, a
referência deste era do ano de 1913), como segue abaixo:

1º. A previsão, preparação e execução das medidas de higiene e


profilaxia.
2º. Os cuidados aos enfermos em marcha e estacionamento.
3º. O primeiro tratamento no combate, a elevação, o transporte e
a evacuação dos feridos, qualquer que seja sua nacionalidade.
4º. A hospitalização, no mesmo local, dos enfermos e feridos
leves ou temporariamente não evacuáveis.
5º. A substituição do pessoal e o reaprovisionamento do material
dos corpos e das formações sanitárias.
6º. O tratamento até a cura definitiva dos enfermos e feridos
evacuados.868

Definidos tais objetivos, caberia ao cirurgião militar desempenharia tais


funções, especialmente o cirurgião de divisão, pois era chefe do serviço sanitário e
chefe de uma seção de divisão de exército.
Seria na preparação em tempos de paz que o cirurgião militar conquistaria a
eficácia necessária para suas ações na guerra. Isto porque seria durante o treinamento
nas manobras que se adquiria o “costume e a calma para resolver com acerto frente ao
inimigo, nas circunstâncias de incerteza que é uma das características da guerra”. Este
quadro era o que predominava nos serviços saúde dos exércitos da Alemanha, Chile,
França e Japão.
No caso da Argentina, o treinamento metódico e constante teria início ló GO
que os oficiais de saúde se tornassem egressos da Escuela de Aplicación de Sanidad
Militar, em que receberiam a formação técnica necessária para tornarem-se
profissionais de saúde militar. Este processo de aprendizado e preparação se dava a
partir dos seguintes aspectos:

867
BROLLO, (Tenente Coronel) Basilio; (Cirurgião de regimento) BERRI, Carlos P. Preparación militar
de los oficiales de sanidad, Revista de la Sanidad Militar, Buenos Aires, Ano XXI, p. 263-270, jul-dez
1922, p.264.
868
Ibidem, p.265.

290
a) Conhecimentos militares: voltada para os ensinamentos de
organização geral e sanitária, tática geral e sanitária, conhecimento e
apreciação de terreno, leitura cartográfica, orientação.
b) Desenvolvimento de aptidões militares diversas: domínio de técnicas
para andar a cavalo, resistência à fadiga e condições de mando.869

Determinava-se de que forma o profissional de saúde militar passaria pelo


processo de aprendizado. Mas quais seriam os meios para que desenvolvesse na prática
tudo aquilo que fora aprendido? Brollo define sete meios em que se daria este processo.
O primeiro seria os trabalhos nas tropas e institutos, a partir de trabalhos táticos de
oficiais, “desempenhando em princípio as funções de seu emprego e depois as de um
emprego superior”. O segundo meio era a participação ativa dos oficiais de saúde nas
viagens de estudo, jogos de guerra, etc. que se dariam nas divisões de exército. Os
exercícios especiais de saúde configuram o terceiro meio e ocorreriam em cada divisão
de exército e contando com a assistência de todos os oficiais de saúde. A participação
ativa em exercícios de tropas e os exercícios especiais de saúde com tropas, dispostas
em divisões de exército, são vistas como os quarto e quinto meios respectivamente. O
sexto modo trata dos cursos de aperfeiçoamento. Apesar de não utilizar o termo
“sistemático”, entendemos que é desta forma que Brollo e Berri pensam quanto a
participação primeiro em cursos especiais – e os autores utilizam a França como
exemplo –, em segundo lugar na Escola Superior de Guerra –como já acontecia na
Alemanha e no Japão – e em terceiro, cursos nas escolas europeias de aplicação. Este
último tema que já fora discutido pelo editorial El Medico Soldado, na edição de
número três de 1900 dos Anales de Sanidad Militar e agora era destacado mais uma vez
em outro periódico militar, duas décadas depois. Finalmente, o último meio de prática
para a formação do profissional de saúde do exército argentino se daria através dos
manuais de instrução que apresentassem “em extrato todos os conhecimentos militares
úteis a um cirurgião em campanha para evitar assim o recorrer a inumeráveis
regulamentos, etc.”.870
Era, novamente, o tema da necessidade de profissionalização do oficial de
saúde. Enquanto Brollo e Berri enfatizavam os meios pelos quais se daria a prática para
a formação daqueles que se uniriam ao Cuerpo de Sanidad do exército argentino, Trejo

869
Ibidem, cf.p.268.
870
Ibidem, cf.p.269.

291
também se volta para esta discussão. 871 De acordo com este autor, desde a organização
deste corpo, com a lei de 1888, “se pensou dar a seu pessoal técnico a preparação e os
conhecimentos especiais em higiene e cirurgia e a prova estava em um de seus artigos
que estabelece os concursos nos ascensos antes que a antiguidade”. 872 Este artigo,
entretanto, caiu em desuso e somente naquele momento em que escrevia seu texto, após
a conflagração da Grande Guerra e os progressos em medicina, é que a questão voltava
à pauta de discussões.
Para conseguir tais objetivos, era necessário estabelecer programas
completos, além da escola de medicina ou do instituto de saúde militar “para estar
constantemente ciente dos avanços científicos e gozar de prestígios intelectuais e morais
que procura a cultura de toda saúde bem organizada”. Enquanto este tipo de ação não se
dava, o Cuerpo de Sanidad já havia iniciado este processo ao criar a Escola de
Aplicação para os praticantes do Hospital Militar Central e tendo como propósito a
formação de um corpo no mesmo patamar de avanços que o restante do exército já
havia alcançado.
O Brasil, de acordo com Trejo, já havia preparado os efetivos de seu
exército e reorganizado os seus serviços sanitários, “modernizando e elevando seus
elementos a uma categoria que hoje podem se colocar à cabeça do sul do continente
americano”. Na Argentina, por outro lado, ainda se pensava a respeito e sua situação de
material sanitário e, principalmente, do arsenal terapêutico em vigor precisava ser
modernizado, demonstrando, com isso o caráter evidente de necessidades de reforma no
Cuerpo de Sanidad argentino. Para reverter este quadro, era preciso estudar o caso e
buscar a melhor maneira de se modernizar o seu serviço de saúde. Como Trejo
destacava em seu artigo,

Para este estudo quero pensar que será nomeada alguma


comissão especial, que apresente o trabalho indicando o material que
requer o exército em guarnição e em campanha segundo os métodos
modernos na cura das enfermidades, os estudos biológicos do
organismo humano e as desordens do metabolismo normal. 873

A saída para tal quadro, propõe o autor, era a transformação do parque


sanitário e o laboratório em um “estabelecimento farmacêutico industrial”. Ali seriam

871
TREJO, Clemente. Las nuevas orientaciones en la sanidad militar argentina, Revista de la Sanidad
Militar, Buenos Aires, Ano XXI, p.271-282 jul-dez 1922.
872
Ibidem, p. 272.
873
Ibidem, p.278.

292
empregado tudo o houvesse de elementos medicinais no país e que fossem
“cientificamente reconhecidos”.874 Além de solucionar o problema sanitário, a
implementação deste tipo de fábrica traria benefícios econômicos na medida em que não
oneraria os cofres públicos com a compra de medicamentos no exterior. A proposta,
então, era que a Argentina pudesse “se colocar na categoria de Alemanha e seu exército
que se abasteciam.
Em outro artigo publicado em 1929, na sua edição de número 5, o Cirurgião
de Regimento (capitão de saúde) Pedro Zarate atentava para a necessidade de se
estimular os médicos militares à preparação científica e “ilustração” dos mesmos. 875 De
acordo com o trabalho de Zarate, visando o preparo científico do médico militar, seria
necessário até mesmo obrigado a agregar os médicos nos hospitais civis na guarnição
em que o mesmo estivesse lotado. A explicação para tal atitude se dava na
complexidade da enfermidade. Segundo Zarate, os “melhores” casos eram enviados aos
hospitais regionais ou no Hospital Militar Central, restando casos mais comuns a serem
atendidos. No entanto, não seria apenas este aspecto destacado pelo autor:

É indubitável que o médico, como qualquer outro


profissional a par de sua preparação científica, necessita cuidar de sua
instrução pessoal e ilustração e nada preenche melhor esta necessidade
como as viagens ao estrangeiro que ao mesmo dão um pouco de
notoriedade influem poderosamente no aumento de sua clientela
estimulando-o no exercício de sua profissão. Os médicos da sanidad
se não conseguimos ser mandados em uma comissão, o que é muito
difícil, porque são muito raras e excepcionais estas viagens ao
estrangeiro que é a aspiração de qualquer médico rural e que o realiza
aos 4 ou 5 anos de receber seu titulo, é impraticável (...).876

Desta forma, o autor percebia na viagem dos médicos militares ao


estrangeiro um meio de aumentar seus conhecimentos científicos ao visitar os serviços
de saúde dos exércitos europeus, “que chegaram a um grau de aperfeiçoamento na
guerra mundial” e que tinham muito a aprender não apenas com eles, mas também com
s serviços dos hospitais civis. 877
Os diversos artigos trabalhados até aqui demonstraram, em sua maioria,
uma grande preocupação com a formação e a profissionalização dos oficiais de saúde do

874
Ibidem, p.278.
875
ZARATE, Pedro N. Hay que estimular la preparación científica y ilustración de los médicos de la
Sanidad, Revista de la Sanidad Militar, Buenos Aires, Ano XXVIII, n.5, p.419-422, set-out 1929.
876
Ibidem, p.421.
877
Ibidem, p.422.

293
Cuerpo de Sanidad do exército argentino. Ás últimas edições do intervalo definido em
nossa pesquisa apresentam um fato importante para este corpo: a criação do Instituto de
Higiene del Ejército.
O editorial da edição número um, aquela publicada nos meses de janeiro e
fevereiro, de 1931 versa justamente sobre este importante acontecimento e que marcaria
a década que se iniciava. O autor que escreveu acerca do Instituto de Higiene Del
Ejército foi Alberto Levene, que tem uma produção importante acerca da higiene
militar.
Diante da perspectiva de Levene, os militares, como parte da sociedade,
correm riscos de saúde por sofrerem “influência das condições do meio em que vive”.
No caso destes, encontra-se em risco ao conviver no aglomerado da caserna e também
no seu ambiente civil. Daí a “Dupla razão para vigiar cuidadosamente estes perigos e
(...) colocá-los em guarda”.878
Como o próprio ressalta, tendo sido aluno da Escuela de Aplicación de
Sanidad Militar, foi ao assumir o cargo do serviço sanitário do Colégio Militar, em fins
de 1911, que “o ensino regular e metódico da higiene particularmente da higiene militar,
havia adquirido já, então, um lugar preeminente no estudo dos problemas sociais,
879
sobretudo entre os que se referem às coletividades”. Para dar continuidade ao curso
naquela instituição de ensino, Levene escreveu Lecciones de Higiene Militar, obra que
passara a ser utilizada pelos seus alunos.
Para este oficial médico e autor,

o exército constitui uma coletividade facilmente vulnerável por certas


causas de enfermidades, é inegável também que a cultura que o anima
e a disciplina que o governa, são dois poderosos recursos para aplicar
com êxito as medidas higiênicas apropriadas que no meio civil não
seria fácil realizar.880

Em 1930, Levene assume o cargo de Diretor Geral de Saúde do Exército e,


desde então, se preocupava com a criação de um instituto de higiene militar,

cuja necessidade se faz sentir de um modo imperioso, pelos diversos


problemas de ordem sanitária que se apresentam com frequência nas

878
LEVENE, Alberto. Páginas de Sanidad Militar. Buenos Aires: Tall. Graf. Cersosimo y Cia., 1934,
p.37.
.879 LEVENE, (Cirurgião de exército e diretor geral de saúde) Alberto. Dos Palabras. In: _____. Curso de
Higiene Militar. Buenos Aires: El Ateneo, 1936, p.VII-VIII.
880
Ibidem, p.VIII.

294
distintas regiões do país, relacionados com a saúde da tropa, o que
exige pesquisas e estudos por parte do pessoal especializado que tem
de realizá-los.881

Diante de tal realidade, baseados em levantamentos realizados em


documentos oficiais do Ministério da Guerra e do Departamento de Higiene argentino,
Levene defendia que se fazia necessário um “organismo próprio de investigação e
divulgação”. O resultado seria a proposta de criação do Instituto de Higiene Del
Ejército.
Se no meio civil este tipo de instituição era uma “aspiração perseguida com
persistência pelas autoridades sanitárias das nações mais adiantadas” e ao obtê-la a
mesma resultava em grandes benefícios para os povos, levando a um melhor e maior
cuidado da saúde e “vigor da raça”, então, o desenvolvimento de atividades semelhantes
no meio militar era algo indispensável. Além disso, um instituto de higiene militar
também era visto como um aspecto positivo na formação da juventude que ingressava
nas fileiras do exército. Isto porque além de “construir a mais sã juventude”, é
justamente nesta idade, segundo Levene, que os indivíduos “assimilam os preceitos
fundamentais que conduzem ao bem estar individual e coletivo”. São as ações do
homem que determinam as alterações em sua saúde. Segundo Levene, a partir de bases
científicas, as doenças resultam da falta de cuidado com o nosso organismo. 882
Os princípios da higiene, então, poderiam melhorar os rendimentos do
organismo se fossem aplicados de forma inteligente e visando evitar os erros que podem
interferir na saúde do indivíduo. Assim, o sentido da ciência sanitária é formular as
regras do exercício normal de nossas funções “e as da defesa contra os inimigos
exteriores”. Isto permite ao indivíduo viver em boa saúde, o que equivale a evitar
doenças e melhorar o seu condicionamento físico para conseguir do organismo seu
maior rendimento. Este último ponto é o lema da higiene militar, segundo Levene. 883
Sendo assim,

Se essa juventude tem sido suficientemente instruída


conforme apropriado para a higiene e profilaxia, não há dúvida
alguma que, de volta ao lar, e em consequência à vida cidadã, aqueles
preceitos e a convicção íntima do valor inestimável da educação
adquirida nas fileiras, incutiu em seu espírito em um metódico,

881
Idem. El Instituto de Higiene del Ejercito, Revista de la Sanidad Militar, Buenos Aires, Ano XXX,
n.1, p. 5-9, jan-fev. 1931, p.5.
882
LEVENE, 1934, cf.p.37-38.
883

295
objetivo e prático, continuarão através dele semeando o bem entre
seus familiares, entre seus amigos, suas relações, seus companheiros
de trabalho e em todas as oportunidades apresentadas (...).884

Por outro lado, devemos atentar para o fato de que a vida militar difere do
cidadão comum, ainda que a higiene seja fundamentalmente comum àquela do
indivíduo, do cotidiano do cidadão civil. Contudo, a aplicação prática das regras de
higiene do soldado sofrem variações que são aplicáveis apenas nas fileiras do exército: a
disciplina em primeiro lugar; a convivência em comum com outros indivíduos de
regiões adversas do país, trazendo com isso também os diferentes costumes; a “moral do
exército”, o vestuário, equipamento, alojamento e alimentação; a vida no quartel, em
campanha e etc. Estes elementos em destaque deveriam ser considerados para que não
resulte em fracasso as normas higiênicas que regem o cotidiano militar.
Outro ponto que nos auxilia na compreensão quanto à necessidade de
criação de um instituto de higiene militar, na perspectiva de Levene, está ligado às
reflexões provocadas após a 1ª Guerra Mundial. Por esta razão, segundo o autor,

Hoje, não é somente sua missão [dos institutos militares] preparar


tranquilamente na paz o vigor físico nas foras de combate do futuro e
sua conservação ou resgate dos múltiplos fatores que em uma
campanha tendem à sua debilitação ou destruição, desde o ar, desde o
solo, pelas águas contaminadas, pelos alimentos suspeitos apreendidos
do inimigo, senão também ao arbitrar os meios de sua defesa diante
das novas modalidades da guerra e o emprego de gases tóxicos ou a
possível guerra microbiana.885

A estes institutos agora não caberia apenas os estudos acerca apenas do solo
ou das condições da água – se potável ou não –, os problemas sanitários no quartel, da
marcha, higiene corporal, profilaxia de enfermidades contagiosas, etc. Caberia agora,
além dos já destacados temas, o estudo da composição da ração alimentícia do soldado
ou da tropa, enterros ou cremações, o saneamento do campo de batalha, serviços
quarentenários, cordões sanitários, desratização, as relações com os serviços de higiene
civil, etc.886 Enfim, se fosse criado o Instituto de Higiene Del Ejército, sua organização
se daria providenciando para a instituição o material necessário, de acordo com os
recursos que se pudesse dispor e ficaria subordinado diretamente à Dirección General
de Sanidad.
884
LEVENE, 1931, p.6.
885
Ibidem, p.7.
886
Ibidem, p.7.

296
Levene publica, então em nome da Dirección General de Sanidad Del
Ejército, seu pedido para a criação do Instituto de Higiene Del Ejército, levado aos seus
superiores do Ministério da Guerra em 3 de fevereiro de 1931 e reitera a necessidade de
criação de um Instituto que seria responsável pela higiene e pelo ensino dos cuidados
com o corpo/saúde dos conscritos.887 A imprensa teria recebido a notícia do projeto de
criação do Instituto de Higiene do Exército de forma positiva. Inclusive impressionando
também de forma favorável alguns higienistas argentinos. Recebe, ainda, uma carta de
Gregorio Alfaro888 apoiando o projeto e escreve, sobre a higiene militar: “a higiene
militar é ainda uma especialidade que entre países mais adiantados está bem definida e
bem separada na prática”. Na mesma carta, Alfaro nota ainda que o Instituto
beneficiaria não apenas a “instituição armada”, mas também o “país inteiro”. Os
médicos militares, através da cooperação, alcançariam territórios para lutarem pela
saúde, em especial em regiões atingidas por endemias – paludismo e ancilostomose são
citadas dentre elas. 889
Outro número da Revista de la Sanidad Militar também teria na criação do
Instituto de Higiene Del Ejército o seu tema, enfatizando o papel do diretor geral de
saúde, Alberto Levene, “que foi o gestor da iniciativa e que propôs sua criação”, 890
transcrevendo a sua proposta levada ao Ministério da Guerra e sobre a qual já tratamos
anteriormente.
Terminado o nosso recorte cronológico e a análise de nossos periódicos de
medicina militar, o que temos como um dos eventos mais importantes daquele ano de
1931, para a medicina e higiene militar argentina é justamente a criação do Instituto de
Higiene do Exército, com o seu decreto de criação assinado pelo presidente Uriburu em
6 de março de 1931.
Seu Artigo 2º define a missão do IHE: estudo de todos os problemas de
higiene e profilaxia, tendo como resultado destes estudos sua aplicação para o “maior
vigor físico do soldado, a conservação de sua saúde e sua defesa sanitária em tempo de
paz e de campanha” (p.51).
Conforme o Artigo 4º, o IHE seria organizado em duas seções:

887
LEVENE, 1934, cf.p.45-48.
888
Gregoro Aráoz Alfaro foi presidente do Departamento Nacional de Higiene nos anos 1918, 1923-1228
e 1930-1931.
889
LEVENE, 1934, p.49.
890
Creación del Instituto de Higiene del Ejército, Revista de la Sanidad Militar, Buenos Aires, Ano
XXX, n.3, p.243-253, mai-jun 1931, p.243.

297
I. Investigação: subdivida nos escritórios de Estudos e Ensaios e outro
de Laboratório Bioquímico Microbiológico
II. Divulgação.891

Ao longo da década de 1930, o Instituto de Higiene Del Ejército argentino


produziria produziu material ligado a sua campanha de “Instrução Profilática
Sanitária”.892 Composto por diversos materiais como filmes, folhetos, cartilhas,
cartazes, etc.; seu objetivo era a divulgação de conhecimentos científicos referentes à
higiene militar e à profilaxia de doenças. O material era enviado aos cirurgiões,
encarregados pelas conferências que seriam realizadas. No entanto, estas conferências
não estavam apenas sendo oferecidas aos soldados. As mesmas eram apresentadas à
população civil, sempre que possível, nas “escolas primárias, escolas normais, colégios
nacionais, bibliotecas”, Cruz Vermelha e cinematógrafos.893

891
Ou “Divulgação Científica” como citado por Levene na página 29 de seu trabalho. LEVENE, 1934,
cf.p.51
892
Ibidem, p.61.
893
Ibidem, cf.p.68.

298
Capítulo 4  As revistas militares de saúde e seu cenário científico no Serviço de
Saúde do exército brasileiro (1910-1931)

Os periódicos militares ainda constituem objeto de poucos estudos no


campo historiográfico nacional. Encontramos artigos diversos publicados de forma
escassa ao longo das últimas décadas, mas principalmente tratando de um dos
periódicos mais “famosos” do meio castrense: A Defesa Nacional, criada pelos “jovens
turcos” em 1913 e que tratava basicamente de discussões em torno do processo de
modernização do exército nacional. Aqueles destinados ao entendimento do serviço de
saúde e da saúde militar são praticamente inexistentes. No entanto, alguns trabalhos
voltados para este tema já se encontram presentes no cenário atual.
Um dos autores de grande importância no cenário médico militar produziu
várias obras para o Serviço de Saúde do Exército. Em seu livro O Serviço de Saúde do
Exército Brasileiro. (História evolutiva desde os tempos primórdios até os tempos
atuais), Arthur Lobo da Silva destina seu terceiro capítulo ao estudo de revistas e
publicações científicas até aquele momento (1958). O trecho em questão é intitulado
Livros, Jornais e revistas; influência de suas publicações no meio Médico Militar.
Arthur Lobo, então, apresenta o cenário de produção nacional existente e,
principalmente, as revistas médicas militares que figuravam no período. Detalhes
importantes sobre a cronologia de cada uma delas contribuíram para este momento de
nosso trabalho.
Dentre outros estudos que relacionam o serviço de saúde com periódicos
militares, destacamos os seguintes trabalhos: Leila Maria Corrêa Capella, com sua
dissertação de 1985, As Malhas de Aço no Tecido Social: A Revista “A Defesa
Nacional” e o serviço Militar Obrigatório;894 Vitor Monteiro, outra dissertação,
datada de 2010 e com o título Do “Exército de Sombras” ao “Soldado-Cidadão”:
Saúde, Recrutamento Militar e Identidade Nacional na Revista “Nação Armada”
(1939-1947);895 Charles Klajman e sua dissertação de 2011 intitulada O Conhecimento
Científico Divulgado pelos Soldados de Farda Branca, Através do Periódico Medicina

894
CAPELLA, Leila Maria Corrêa. As malhas de Aço no Tecido Social: A Revista “A defesa Nacional”
e o Serviço Militar Obrigatório. Niterói, RJ, 1985. Dissertação em História. Instituto de Ciências
Humanas e Filosofia da Universidade Federal Fluminense.
895
MONTEIRO, Vitor José da Rocha. Do “Exército de Sombras” ao “Soldado-Cidadão”: Saúde,
Recrutamento Militar e Identidade Nacional na Revista “Nação Armada” (1939-1947). Rio de Janeiro,
RJ, 2010, 166f. Dissertação (Mestrado em História das Ciências e da Saúde). Programa de Pós-Graduação
em História das Ciências e da Saúde / Casa de Oswaldo Cruz / Fundação Oswaldo Cruz.

299
Militar (1910-1923); 896 e, por último, A Revista Medicina Militar: práticas eugênicas
a “serviço da Nação” (1910-1923), de Ana Taisa Falcão.897 Todos estes tiveram
revistas militares como seu objeto, mas apenas as análises de Klajman e Falcão se
voltam para um periódico médico militar. Assim, diante desse cenário escasso de
estudos, iniciaremos esta etapa de nosso trabalho realizando um estudo comparado entre
as publicações médicas editadas no Brasil.

4.1. Medicina Militar (1910-1923)

O periódico Medicina Militar teve como fundador o médico militar Ismael


da Rocha (à época com a patente de Coronel Médico), figura que tem se mostrado de
grande importância para o desenvolvimento do Serviço de Saúde desde fins do XIX.
Seu objetivo com esta publicação era “dar voz ao pessoal do Corpo de Saúde” do
Exército.898 Para a inauguração da revista, Ismael da Rocha teria ao seu lado a figura do
major médico Antonio Nunes Buenos do Prado, com a função de diretor-gerente e, em
seguida, redator chefe. Este se tornaria proprietário e o responsável pela manutenção do
periódico.899
Os trabalhos de Charles Klajman e Taisa Falcão foram fundamentais para a
compreensão da forma como se dava a publicação da revista, a estrutura de seus artigos
e a sua organização. Klajman classificou por assuntos todos os artigos publicados por
Medicina Militar durante sua fase de 1910-1923.900 Aqueles dedicados a higiene

896
KLAJMAN, Charles. O Conhecimento Científico Divulgado pelos Soldados de Farda Branca,
Através do Periódico Medicina Militar (1910-1923). Rio de Janeiro, RJ, 2011, 259f. Dissertação
(Mestrado em História das Ciências e da Saúde). Programa de Pós-Graduação em História das Ciências e
da Saúde / Casa de Oswaldo Cruz / Fundação Oswaldo Cruz.
897
FALCÃO, Ana Taisa da Silva. A Revista Medicina Militar: práticas eugênicas a ‘serviço da Nação’
(1910-1923). Rio de Janeiro, RJ, 2012, 146f. Dissertação (Mestrado em História). Programa de Pós-
Graduação em História da Universidade do Estado do Rio de Janeiro, UERJ.
898
KLAJMAN, op.cit., p.17
899
Klajman afirma que Bueno do Prado foi identificado por Ismael da Rocha como o proprietário do
periódico em um artigo de julho de 1920, por ocasião de felicitações do aniversário daquele. Ibidem;
SILVA, Arthur Lobo da. O Serviço de Saúde do Exército Brasileiro. (História evolutiva desde os
tempos primórdios até os tempos atuais). Rio de Janeiro: Biblioteca do Exército, 1958, cf.p.104.
900
Em seus anexos, a tabela 13 apresenta a referida classificação. Os números apresentados aqui foram
baseados no levantamento realizado por Charles em sua dissertação. KLAJMAN, op.cit., cf.p.248-252.
Ver Anexo 4, p.453.

300
militar,901 foram trinta e dois artigos, sendo vinte e sete relativos à higiene militar no
Brasil e outros cinco voltados para a Guerra Russo–Japonesa – dentre estes a maioria
analisando o serviço de saúde do exército japonês e a disciplina militar de médicos,
oficiais e o restante da tropa. Relacionado à higiene militar, também se discutia o seu
treinamento físico, tendo sido produzidos três artigos a respeito do tema.902 Quanto às
missões/modernizações, a revista produziu sete artigos acerca da evolução da medicina
militar (sendo que oficiais franceses da missão militar de veterinária chegaram a
publicar no periódico, bem como o tenente coronel médico Louis Marland que também
publicaria no período final da revista 903) e tratava de assuntos voltados ao surgimento de
novos aparelhos e novas técnicas na coluna Várias Notícias. Finalmente, sobre o
Serviço de Saúde do Exército Brasileiro tivemos o total de quarenta e quatro artigos
acerca deste tópico.904
Na totalidade de trabalhos para o periódico, verificamos que houve
publicação de artigos de alguns dos médicos que foram convocados para compor a
Missão Médica Militar Brasileira em França durante 1ª Guerra Mundial. Dentre aqueles
oficiais do Serviço de Saúde que identificamos − todos com a patente de capitão médico
−, Carlos Rocha Fernandes escrevera quatro artigos ligados aos seguintes temas:
Cirurgia na Guerra e Serviço de Saúde em Campanha; João Affonso de Souza Ferreira
contribuiria com cinco artigos e todos sobre medicina; Cleomenes Lopes de Siqueira
Filho produziu dois artigos que tratavam da Primeira Guerra Mundial, Cirurgia buco
maxilo facial e Clínica; e, finalmente, Manoel Esteves de Assis, com um trabalho sobre
radiologia.
Uma importante fonte de análise do pensamento que se intencionava
divulgar, bem como o posicionamento daqueles que contribuíam para o periódico, está
nos editoriais. O editorial de inauguração, a nosso entender, constitui o mais importante,

901
Da mesma forma como no capítulo anterior, todas as vezes que fizermos referência a um de nossos
temas norteadores, o manteremos em destaque.
902
Com o nome de “Notas sobre o serviço sanitário do exército japonês”, o Major Moreira Guimarães
escreveu para os números 3, 5 e 10. Tratava, sobretudo, da higiene pessoal dos soldados, transporte de
feridos e técnicas de cirurgia.
903
Os artigos de Marland, tenente-coronel médico da Missão Francesa, foram publicados em francês com
o título “Service de Santé en campagne” nas edições de número1 e 2 e de 4 a 6 de Medicina Militar. Eles
constituem um conjunto de conferências técnicas realizadas pelo oficial francês e que diziam respeito ao
uso do gás nos combates durante a 1ª G.M. e como os serviços de saúde se organizavam para tratar os
militares atingidos pelo mesmo no front. Outra conferência, realizada no Clube Militar, com o mesmo
conteúdo foi publicada na edição de número 7 da revista, mas desta vez com seu texto em português.
904
Ao longo deste capítulo, não discutiremos todos estes artigos que foram publicados. Muitos destes
artigos tratam apenas de resumos de publicações e temas recorrentes. Assim, nos deteremos na discussão
daqueles que se demonstrem proveitosos para nossas argumentações e reflexões acerca de nosso objeto.

301
na medida em que é ele que explica os objetivos da publicação e a forma como se
concebe o que encontraremos nas publicações vindouras. Assim, reproduziremos aqui,
em sua íntegra, o editorial de abertura de Medicina Militar, escrito por Ismael da Rocha.

Macte animo!

Á benevolência das altas autoridades do Ministério da


Guerra se abriga a sorte desta Revista.
O Serviço Sanitário do Exército julga dever seguir o
exemplo dos países mais adiantados. Faz uma tentativa e aspira
cimentá-la com todas as pedras das construções duradouras.
É preciso que aqui se mostre também um reflexo de
nacionalidade. Cintilações de ciência vão aparecendo neste nosso
horizonte do campo militar; elaboram-se e preparam-se materiais,
acumulação de longo trabalho e pensar: há muita força latente.
Enquanto a admiração repete os nomes mais famosos da
época, sepultados na obscuridade de áridas e assíduas fadigas,
mineiros da civilização nacional, os médicos das corporações armadas
ainda não lograram do público toda a justiça que lhes é devida.
A ciência de muito, limitando-se à aplicação na esfera de
seus cargos, não raro morreu com eles, sem legar à pátria memória
perdurável de a haver servido tanto! Outros mais felizes deixaram
nomes que nos habituamos a venerar com a merecida estima de todos
os que se ilustraram em suas luzes ou encontraram neles a lição e o
conselho que procuravam. Mas, esses foram relativamente poucos e a
escassez indica que muita seiva se perde à falta de cultura.
Quem hoje toma sobre si esta responsabilidade, aceita
uma grande missão e confia que se não há de ser só na estrada.
Todos irmãmente obreiros, sem precedência ou
categorias em matéria cientifica, abnegaremos a própria
individualidade para que a glória de um seja a de todos; certos de que
fazem prodígios a reunião de forças por mais débeis que sejam, a
atividade e a perseverança no trabalho, o poder irresistível da
vontade. 905

Alguns pontos merecem destaque neste editorial. O primeiro deles é o


“dever seguir os mais adiantados”. Ainda que não se refira a nenhum deles neste trecho,
o que vemos ao longo dos treze anos desta publicação é a busca por um padrão de
medicina militar e organização de serviços de saúde desenvolvidos principalmente por
países como França, Alemanha, Japão e Inglaterra – ainda que outros países sejam
citados em várias edições, os que destacamos aqui receberam atenção com maior
regularidade e frequência. Ou seja, com exceção de algumas escassas menções aos
exércitos dos Estados Unidos e do Japão, o padrão a ser seguido, o que constituía aquele

905
Medicina Militar, Rio de Janeiro, Ano I, nº1, p.9-10, jun. 1910. Editorial inaugurador. Grifo nosso.

302
dos “mais adiantados”, era o de um contexto europeu. Ismael da Rocha fora
comissionado mais de uma vez para a realização de estudos e compras naquele
continente. Acreditamos que este contato e a experiência deste médico militar que se
define – e aos demais médicos – como cientista, implica na concepção do que este
profissional tem de “fazer ciência”, de ser “um homem de ciência”. Não por acaso,
retornando de sua Comissão ao Exterior em 1892, defenderia a inauguração de um
laboratório científico, o Laboratório de Microscopia Clínica e Bacteriologia (1894).906
Assim, a percepção de um homem de ciências como aquele do laboratório, o que se
pautaria nos “mais adiantados” para o desenvolvimento de suas pesquisas, ainda que
voltadas para um contexto nacional.
O ano de 1910, ou seja, o da fundação da revista e da publicação do editorial
em questão, foi o da criação da Escola de Aplicação Médico-Militar, como vimos no
capítulo anterior. Esta instituição seria um dos órgãos do Serviço de Saúde do Exército,
subordinada à 6ª Divisão do Departamento da Guerra, que tinha Ismael da Rocha como
seu chefe. As “cintilações de ciência” que se davam no Exército naquele momento, de
acordo com nosso entendimento, estão relacionadas com este aspecto, o da criação de
uma escola de medicina de caráter militar e voltada para a formação de profissionais de
saúde especificamente para a caserna. Não seria mais a figura do facultativo que fazia
seu curso em uma universidade de medicina e, após um período, se alistaria nas fileiras
do exército, desconhecendo, desta forma, os códigos compartilhados por estes e as
técnicas e conhecimentos necessários para o cotidiano militar. Desta forma, os estudos
ali estariam voltados para os interesses do Exército e, em função disso, seu quadro de
matérias/disciplinas seria aquele mais adequado para o desenvolvimento da instituição.
Um último ponto a destacar deste editorial diz respeito à busca por um
espaço de divulgação do trabalho científico militar. Ismael ressalta o papel
desempenhado pelos cientistas civis e, em consequência, o seu reconhecimento da
comunidade científica. Qual a forma encontrada para que isso ocorresse? A publicação
de artigos científicos e, em função disto, a construção de uma rede de “cientistas
militares”. O objeto de pesquisa destes se volta para as preocupações concernentes não
só à caserna, mas ao país em geral. Sendo assim, para aqueles que escreveriam em
Medicina Militar, compreender a constituição do soldado nacional, a alimentação mais

906
Cientistas reconhecidos no Brasil e no exterior estiveram no Laboratório para desenvolver suas
pesquisas em patologia tropical. Dentre eles Afrânio Peixoto e Emile Marchoux. “General Dr. Ismael da
Rocha”, Revista de Medicina e Higiene Militar, Rio de Janeiro, Ano XIII, nº4, p.95-110, abr. 1924.

303
adequada, seus vícios, dentre outros aspectos se encontra relacionado com esta lógica, a
construção de uma rede de conhecimentos específica, mas de interesse nacional.
O editorial da edição seguinte, escrito por Bueno Prado, reafirma o caráter
científico da revista Medicina Militar, conforme trecho seguinte:

A Medicina Militar vem em momento opportuno, no


nosso Corpo de Saude do Exercito, que reclamava de há muito um
órgão scientífico de publicidade, semelhante aos que ostentam vida
própria e próspera no meio profissional civil.
É necessário que venham à luz e possam ser divulgados e
conhecidos os productos da cerebração de nossos dignos collegas,
estudiosos e trabalhadores, verdadeiros scientistas, alguns de nomes
ainda modestos, outros de reputação já firmada e que se vão de mais a
mais impondo ao apreço e à admiração da classe.
É precizo fazer desabrochar <<au plein jour>> essa força
latente, que vai apparecendo em scintillações de sciencia no horizonte
do nosso campo militar, onde já se elaboram e preparam os materiaes
preciosos da medicina moderna e da hygiene militar.
Outra missão não menos importante e primacial d’esta
Revista é cimentar de modo mais efficaz e duradouro a união e
fraternidade de nossa corporação, facilitando o conhecimento
recíproco de seus dignos membros esparsos por todo o paiz,
entretendo ou creando entre elles laços de sentimentos affectivos tão
necessários á perfeita e sincera união, que será a base solida e firme da
força collectiva que mais nos elevará no conceito e apreço geral.
A toda a classe armada, enfim, a Medicina Militar se
propõe a prestar não pequena somma de serviços e benefícios,
quer divulgando conhecimentos scientificos de prophylaxia e
hygiene militar, quer publicando conselhos uteis e prudentes para a
conservação da saúde e robustez physica indispensáveis á carreira das
armas, principalmente para aquelles que encaram essa profissão no
sentido de sua maior efficiencia individual no serviço da Patria, defeza
do lar do solo sagrado. 907

Aqui, temos claramente o posicionamento daqueles que conceberam a


revista e qual era o seu propósito. Se antes discutíamos acerca da formação de um tipo
de rede de cientistas militares, este editorial reafirma tal quadro ao asseverar que uma
das missões da revista é “cimentar” a união e o conhecimento recíproco de seus
membros, ainda que se encontrassem nas áreas mais afastadas dos grandes centros. Por
fim, o caráter pedagógico que teria a revista, ao publicar “conselhos úteis” para que se
conservassem a saúde e a robustez física daqueles que compunham as forças armadas.
O discurso da existência de uma “intelectualidade” militar se faria até o
último ano da revista. O editorial do primeiro número do XIII ano de publicação de

907
Medicina Militar, Rio de Janeiro, Ano I, nº2, p.79-80, jul. 1910.

304
Medicina Militar,908 reafirma o caráter de “luta” para a publicação da revista.
Ressaltava-se a participação dos “intelectuais do nosso Corpo de Saúde e do da Armada
Nacional”, que contribuíam com artigos para o periódico. O discurso laudatório em
torno dos colaboradores da revista também é composto por um tom crítico, quando se
refere à classe médica militar como

outrora relegada, apagada no esquecimento do nosso meio culto,


mas que hoje vem reivindicando seus direitos ao apreço e
consideração de seus pares, entre os quais já vemos figurar com
destaque por as sciencia e pericia profissional.
Que de alguma forma, humilde e moderadamente, a “Medicina
Militar” possa ter contribuído para esse bello resultado, cujo
proseguimento trará maior gloria e brilho para o nosso Corpo de
Saúde, que é o que constitue o seu verdadeiro desideratum, terá
Ella conseguido a maior e mais cara recompensa de todos os
seus esforços, canceiras e sacrifícios. 909

Quanto ao aspecto pedagógico a que nos referimos no editorial do segundo


número de seu primeiro ano de publicação, este poderia surgir na revista tratando da
higiene como um modo geral e não específico. “Os dez mandamentos da higiene” são o
tema tratado na coluna Variedades. Utilizado nas escolas da Suécia, este conteúdo –
cuja autoria não é indicada – é afixado em lugares visíveis. Estes pontos são:

1. O melhor preservativo contra as doenças pulmonares é o ar


fresco de dia e de noite; a janella aberta é condição
necessária para a saúde.
2. O movimento é a vida. Fazer todos os dias exercícios ao ar
livre trabalhando e passeando. É o contrapeso do trabalho
sedentário.
3. Comer e beber sempre moderadamente. Quem preferir ao
álcool a água, o leite e a fructa, consolida a saúde e
augmenta as suas capacidades de trabalho e de felicidade.
4. Ter os cuidados intelligentes da pelle, resistir ao frio por
meio de uma lavagem diária de água fria, e tomar um banho
quente pelo menos uma vez por semana, isto todo o anno,
pode-se assim conservar a saúde e evitar os resfriamentos.
5. O vestuário não deve ser nem muito quente nem junto ao
corpo.
6. A habitação deve ser exposta ao sol, secca, desafogada,
limpa, clara, agradável e commoda.

908
“1910-1922”, Medicina Militar, Rio de Janeiro, Ano XIII, n.1, p.1-2, jul. 1922.
909
Ibidem, p.2.

305
7. Rigoroso asseio em tudo: ar, alimentos, água, pão, roupa,
vestuário, casa, tudo deve ser limpo; também o moral influe;
a coragem é um grande preservativo contra o cholera, o
typho e todas as doenças contagiosas.
8. O trabalho regular e intensivo é o melhor preservativo contra
as doenças do espírito e do corpo; é a consolação nos
contratempos e a felicidade na vida.
9. O homem não acha nas festas turbulentas o repouso e a
distracção após o trabalho. A noite é para se dormir. As
horas de descanço e as festas devem consagrar-se á família e
ás satisfações espirituaes. É preciso accordar cedo.
10. A primeira condição de saúde é uma vida fecundada pelo
trabalho e ennobrecida por boas obras e alegrias sans. O
desejo de ser um bom elemento da família, um bom
trabalhador na sua esphera de acção, um bom cidadão,dá a
vida um valor inestimável. 910

Destacava-se a importância destes pontos ensinados nas escolas suecas, que


infelizmente não eram dados nas escolas brasileiras, mas acreditava-se que era possível
“regular aprendizagem de normas de hygiene” em algumas de nossas escolas.
O artigo do Senador Jorge de Moraes a respeito da higiene militar, intitulado
Higiene Militar Brasileira, versa especialmente sobre “o passo do soldado nacional”.
Criticava-se, aqui,

as visíveis lacunas e contradicções existentes nos regulamentos


destinados ao preparo do exército nacional.
Questões preliminares, que visceralmente importam á
base de qualquer organisação militar, não teem soffrido de nossa parte
um estudo nem siquer superficial. 911

O foco da análise de Moraes é o passo. Para isso, o autor faz algumas


observações acerca do soldado nacional e o compara com outros exércitos – em especial
o alemão e o francês. Um dos questionamentos diz respeito à altura e a sua relação com
o tamanho do passo. A distância de um passo a outro traz implicações para a velocidade
da marcha, algo fundamental no decorrer de uma guerra e a necessidade de
deslocamento. De acordo com o senador, quanto maior a altura, maior o passo. O
exército brasileiro não teria um regulamento de ingresso que estipularia a altura mínima

910
“Os dez mandamentos da hygiene”, Medicina Militar, Rio de Janeiro, Ano I, nº6, p.427-428, Nov.
1910.
911
MORAES, Jorge de. “A Higiene Militar Brasileira. Passo do Soldado Nacional. I”, Medicina Militar,
Rio de Janeiro, Ano I, nº5, p.271-279, out. 1910.

306
daquele que se candidatasse à carreira militar. Por outro lado, na Alemanha “os médicos
devem possuir a altura regulamentar do soldado de infantaria”. 912
A missão francesa para a Força Pública de São Paulo é então lembrada. Isto
porque ela havia preparado os homens daquela instituição para a marcha. A marcha
adotada na ocasião era maior que a utilizada em média pelo exército, o que levava o
autor a se perguntar: “os paulistas serão diferentes dos outros brasileiros?”. 913
Se o senador discute a altura e a relaciona com o passo, então temos, por um
lado, um questionamento acerca do tipo de soldado que teríamos em nosso Exército. Se
aproximando de tal perspectiva, temos outro trabalho que foi publicado por Arthur Lobo
da Silva com o título de Higiene Militar. Aqui, o autor inicia seu texto tratando da
criação da Escola de Aplicação Médico Militar, criada por lei em 6 de janeiro de 1910.
Ao fazer uma análise detalhada dos temas que seriam estudados naquela instituição, um
lhe chamou atenção: “o tipo físico do soldado nacional”. Lobo se questiona acerca de
que meios oriundos de conhecimentos científicos, se dispunha para descrever o soldado
brasileiro e conclui que nenhum. Até então, não havia pesquisas com este objetivo
realizadas entre brasileiros. Isto porque, para Lobo, não havia um tipo, mas múltiplos
tipos brasileiros. O motivo era claro: composição diversa que deu origem aos tipos
dividindo em portugueses no Rio de Janeiro, italianos em São Paulo, alemães no sul,
etc.914
Por outro lado, ainda que os alemães seguissem para o norte do país,

os produtos de seu cruzamento ali sofrerão a ação continua,


ininterrupta, poderosíssima, do clima próprio daquela região,
modificando de tal modo o indivíduo que nunca se formará tipo igual
ao do sul.
(...)
O Brazil, vasto paiz que contém em si climas tão
variados, tão desiguaes, terá sempre nos habitantes de suas zonas
principaes os typos que as respectivas posições geográficas permitam
formar.915

O serviço militar obrigatório estava no cerne destas preocupações, uma vez


que todos os estados forneceriam quadros ao exército. Por isso, não seria possível tratar
912
Ibidem, p.275.
913
Ibidem, p.276.
914
SILVA, Arthur Lobo da. “Higiene Militar”, Medicina Militar, Rio de Janeiro, Ano I, nº12, p.730-740,
jun. 1911. Obs.: O artigo em questão é assinado apenas como “Arthur Lobo”, mas optamos por colocar a
citação de seu nome completo para que não haja uma interpretação errônea por parte do leitor de nosso
trabalho.
915
Ibidem, cf.p.731-732.

307
de um tipo físico único, capaz de descrever todos aqueles futuros militares. No entanto,
propõe que, a partir da entrada dos jovens conscritos, o exército adotasse o uso de fichas
antropométricas para que, em um espaço de cinco a dez anos, fosse possível um estudo
– e conclusões – acerca do perfil do tipo físico nacional, especificamente o que
correspondesse àqueles indivíduos aptos para a carreira militar. Por fim, este tipo de
registro já ocorria nas inspeções de saúde, em que os médicos militares registravam
dados sobre a estatura, naturalidade, cor do cabelo e da pele, diâmetro torácico, peso e,
da mesma forma, os cálculos disponíveis à época para o “coeficiente de robustez” – que
já tratamos no primeiro capítulo.
O texto que destacamos acima representa dois pontos anteriores relativos à
publicação de um periódico militar. O primeiro voltado para a atenção ao cenário de
ensino militar nacional ao destacar a Escola de Aplicação e, o segundo, relacionado
justamente com o seu anterior. A análise das disciplinas a serem dadas na Escola levou
Lobo a se questionar acerca dos estudos que haviam sido feitos a respeito de um tema
que dizia respeito aos interesses do exército: o biótipo do soldado nacional. Entendemos
que o autor ao relacionar estes dois aspectos, atenta para a ausência de um campo de
estudos de caráter militar, mas que se encontra no cotidiano civil – ou seja, o das
características do tipo de indivíduo que se originava no país –, ao mesmo tempo em que
mostra a importância de uma instituição de ensino militar, que possibilitaria a formação
daqueles que poderiam preencher esta lacuna.
Importante verificarmos que o periódico buscava tratar da questão do
“Brasil como imenso hospital”, conforme o discurso de Miguel Pereira em outubro de
1916. Como ressalta Klajman, o periódico Medicina Militar já tratava desta questão por
volta de quatro anos antes da fala de Miguel Pereira. Tal discussão estava presente no
artigo de Arthur Lobo da Silva acerca das condições de vida no Recife. Para este autor,
o que a revista buscava apresentar com este tipo de estudo era o seu caráter do “Brasil
médico da época”.916
Outro pensamento recorrente era a lógica higienista da revista. Em um dos
artigos publicados no seu primeiro ano, na sua edição de março, afirmava-se que o
médico que ingressasse no Serviço de Saúde do Exército seria mais higienista do que

916
SILVA apud KLAJMAN, p.89; SILVA, Arthur Lobo da. “Hygiene Militar”, Medicina Militar, Rio de
Janeiro, Ano III, n.3, p. 108-119, set. 1912.

308
clínico.917 Este quadro, aliás, é o tema da dissertação de Taisa Falcão, que estuda o
projeto eugênico e suas práticas a partir da análise dos artigos de Medicina Militar em
sua fase de 1910 a 1923. De acordo com a autora,

A defesa dos editores e colaboradores da revista da


imposição da ciência médica militar como essencial ao
desenvolvimento da nação brasileira chamou atenção para o fato de
que o discurso ideológico da missão educativa do Exército era tão
presente quanto a necessidade de se saber escolher o soldado nacional.
Assim, a defesa nacional, para além da importância da questão racial
para a formação da identidade nacional, estava ligada ao
desenvolvimento da medicina militar e, principalmente, à imposição
da prática da higiene militar. Esta noção de higiene militar foi a chave
para compreensão (...) de que o grupo de médicos que escreveu a
revista Medicina Militar fez a sua própria adaptação das teorias
eugenistas à realidade militar brasileira.918

Em uma série de artigos publicados nos editoriais de números ao longo do


ano de 1917 e intitulada “Evolução da Medicina Militar. O homem feito soldado”, 919
Ismael da Rocha, apresenta este tipo de pensamento do papel do exército na formação
do indivíduo. Na verdade, este texto foi um discurso do facultativo militar na Academia
Nacional de Medicina, datado de 7 de junho de 1917. Para ele,

Todos os aparelhos e todas as funções da vida tendem ao equilíbrio


physico, chimico, thermico, com as diversas influencias exteriores:
equilíbrio só possível, entretanto, si não forem excessivas taes acções
externas, e si o esforço de adaptação não exceder a resistência de que
o individuo é capaz. Em toda a parte, o ambiente actua sobre o
homem: 1º pelos agentes climatérios; 2º pelos agentes infecciosos,
parasitários ou tóxicos. É urgente, pois (e é esta a rasão da necessidade
rigorosa da inspecção de saúde), eliminar todos os indivíduos que, por
sua constituição, pelas taras orgânicas, pelas sequencias de afecções
anteriores, apresentem resistência diminuída, doenças, ou
predisposições, adquiridas ou herdadas. 920

Klajman, no entanto, entende que a sua segunda fase, ou seja, aquela de


1921 a 1931, em que o termo “higiene” foi inserido em seu título, nos levaria à
concepção higienista. Acreditamos que, desde o seu início, a revista tenha uma proposta
higiênica, na medida em que apresenta diversos estudos acerca daquilo que considerava
917
CARVALHO, Leovigildo H. “Reorganização do Serviço de Saúde do Exército”, Medicina Militar,
Rio de Janeiro, Ano I, n.1, p. 11-13, mar. 1910.
918
FALCÃO, op.cit., p.17.
919
ROCHA, Ismael da. “Evolução da Medicina Militar. O homem feito soldado”, Medicina Militar, Rio
de Janeiro, Ano VIII, p.151, dez. 1917.
920
ROCHA, 1917, p.151.

309
como ideal, como um projeto efetivo do que o soldado ou oficial deveria ser. Isto fica
claro nos artigos, como o de Arthur Lobo da Silva, em que os registros antropométricos
eram fundamentais para o entendimento daquilo que se tinha como “produto” dos “tipos
brasileiros” que viriam a compor o exército nacional e, em seguida, retornariam para a
sociedade. Por conseguinte, defendia-se que seria através da medicina – entendida como
ciência – e da higiene militar, a “pedra angular de uma verdadeira organização
militar”921 que o Brasil e os seus aspectos degenerativos – como enfermidades e vícios
como o do álcool – seriam combatidos, o que levaria ao desenvolvimento do Exército.
Este aspecto pode ser constatado no editorial do primeiro número do
terceiro ano da revista e que trata do Congresso Internacional contra a tuberculose, que
acontecia na cidade de Roma. Dentre os médicos brasileiros enviados pelo governo ao
evento, Ismael da Rocha representava os facultativos militares. A participação naquele
encontro e o papel deste tipo de ação no cenário internacional são definidos da seguinte
forma:

Felizmente, nessas reuniões a que comparecemos, raro o


Brazil fica na penumbra. Sem querer destacar o brilhantismo da nossa
representação na ultima conferencia de Haya citaremos a ultima
Conferencia Internacional Americana de Hygiene, realizada em
Santiago do Chile, onde o nosso paiz esteve representado também
pelo Dr. Ismael da Rocha. Foi muito brilhante essa representação no
desempenho que deu à sua missão. As notabilidades, hygienistas, da
America do Sul alli reunidas não escasseiaram com as suas mais
bellas referências à obra de hygiene realizada pelo Brazil e a
competência dos hygienistas brazileiros.
São de summo proveito essas reuniões internacionaes a
que comparecemos; bem equivalem a toda e qualquer propaganda que
se faça no exterior sobre a nossa situação, no nosso adiantamento e os
nossos homens. É pena que o paiz não se faça representar em todos os
Congressos Internacionaes para os quaes raro deixamos de ser
convidados. Independente do que possamos aprender nessas reuniões,
nunca devíamos perder o ensejo de provar o que possuímos em
homens e em progresso, que tratando-se da sciencia, das artes, da

921
CADAVAL, Ribas. “Considerações geraes sobre a utilidade palpitante da publicação de um tratado de
Hygiene Militar para uso do Exercito Brasileiro e de um Vade Mecum do soldado patrício”, Medicina
Militar, Rio de Janeiro, Ano II, n.2, p. 99-111, ago. 1911.
Este artigo teria sua continuação na edição de setembro. Cadaval afirma que o Tratado de Higiene Militar
para uso do Exército já se encontrava em mãos e com mais de mil páginas dentre textos, manuscritos e
gravuras. No entanto, ao longo de nossas pesquisas, verificamos que o único tratado de Cadaval que fora
publicado se deu em período anterior à revista, em 1908, limitando-se à Marinha e higiene naval e não
diretamente ao Exército. Por isso, não foi utilizado em nossa tese por entendermos que se tratava de
questões específicas do cotidiano naval, de cuidados gerais com navios e saúde do marinheiro como era
comum nos livros e artigos desta natureza identificados no início de nossa pesquisa.

310
litteratura, quer de tudo o que constitue a actividade mental ou
material de um povo, que consubstancia seu progresso. 922

Além da relação com o combate às enfermidades no Exército, este editorial


representa um dos pontos apresentados no primeiro número de Medicina Militar. Os
seus criadores, Ismael da Rocha e Bueno Prado, haviam ressaltado a importância do
caráter científico da medicina militar no decorrer de suas publicações e edições.
No seu décimo primeiro ano, Medicina Militar publicou um artigo que se
estendeu por várias edições: Medidas higiênicas que deve tomar o soldado para evitar as
moléstias, de autoria do capitão médico Reynaldo Ramos da Costa. No primeiro número
em que foi publicado, define a higiene como “ciência que estuda os meios de conservar
a saúde” e que esta “estendeu consideravelmente seu domínio depois que foi elucidada e
comprovada a natureza de certas e determinadas moléstias”. 923
Uma das razões para o avanço se dava em função dos progressos da
microbiologia, que havia desvendado as causas de “afecções contagiosas (...) sob a
forma epidêmica”. Os micróbios seriam identificados como causa principal destas
doenças.

A sua existência é verificada em toda a parte, na


intimidade do nosso organismo, no a que respiramos, na água
que bebemos, no solo que pizamos; ora em estado latente, isto é,
promptos á mais insignificante causa que os possa pôr em
actividade como os micróbios que habitam em o nosso intestino,
na boca, nas fossas nasaes, etc.; ora como factor específico de
certas moléstias como o tétano, a peste bubônica, a syphilis,
etc.924

Em períodos anteriores, a etiologia das infecções era atribuída, pelos


cirurgiões militares, às influências exteriores, tais como: frio, promiscuidade, vivência
na guerra, etc. Os “estudos modernos” de então elucidavam as causas destas
enfermidades, que não se encontravam desligadas do cuidado com a saúde dos
indivíduos, como podemos perceber no trecho seguinte:

922
“O Brazil em Roma”, Medicina Militar, Rio de Janeiro, Ano III, nº1, p.3-4, jul. 1912. O texto de
abertura do editorial na verdade é publicação de Diario Popular de São Paulo, de 24 de Abril de 1912.
923
COSTA, (capitão médico) Reynaldo Ramos da. “Medidas higiênicas que deve tomar o soldado para
evitar as moléstias”, Medicina Militar, Rio de Janeiro, Ano XI, n.5, p.132-144, Nov. 1920, p.132.
O artigo foi dividido desde o número 5 até a edição 12 daquele ano.
924
Ibidem, p.132.

311
O álcool, as libações frequentes, a syphilis, as noites
passadas nos bordeis transformam as condições normaes e
physiologicas do soldado, retardam a sua nutrição e debilitam
consideravelmente a sua resistência.
Effectivamente as influencias debilitantes agem
como causas predisponentes; o soldado mal nutrido sujeito a
fadigas excessivas, está mais apto a contrair moléstias do que
aquelle cujas funções orgânicas são perefeitas.
Manter, pois, o estado são do organismo para que
não venha a se romper o equilíbrio funccional dos órgãos e
apparelhos, tornando-os sufficientemente capazes de resistir à
acção das moléstias, tal deve ser o nosso principal objectivo.
(...)
Fugir ao contagio directo e indirecto das moléstias
virulentas, não abalar a nutrição intima dos seus tecidos para que
com elles possa contar na invasão dos germens morbilicos deve
ser única e exclusivamente o papel do soldado adstricto ao
serviço nobre e grandioso de zelar pela pátria. 925

A vacinação não era a única forma de manter o soldado saudável. O


exercício físico também cumpria seu papel, na medida em que era necessário para o
preparo do soldado para longas marchas, bem como para aumentar a “resistência vital
do organismo”, proporcionando “maior dose de energia, de força e de agilidade”. 926 Sua
importância é ressaltada, ao tratar dos êxitos das tropas prussianas, em que seus
exercícios regulares realizados em campos de instrução foram criados por Frederico, o
Grande. 927
Além da resistência física para longas caminhadas, Costa, baseado nos
estudos do higienista Arnould, 928 destaca a influência do exercício físico no combate à
predisposição à tuberculose pulmonar. Isto porque a atividade física aumenta a
vitalidade geral e, por conseguinte, a capacidade respiratória. Por fim, a prática dos
exercícios físicos era aconselhada aos soldados em função de suas “reais vantagens para
o desenvolvimento de sua energia, de sua vontade, e do seu moral”.929

925
Ibidem, p.133-134.
926
Ibidem, p.134-135.
927
Ibidem, cf.p.135.
928
Acreditamos se tratar do higienista francês Jules Arnould, que publicou seu tratado de higiene,
Nouveaux Élements D’Hygiène, em 1888. Isto porque várias citações são feitas no decorrer do artigo, sem
que os créditos sejam devidamente dados ao trabalho de Arnould. Ver especialmente o capítulo VIII, De
exercice et du repos, destacando-se a seção “Influência sanitária do exercício” (Influénce sanitaire de
l’exercice). ARNOULD, Jules. Nouveaux Éléments D’Hygiène. Paris: Librairie J-B. Baillière et Fills,
1889 (10ª Ed.). Disponível em:
http://archive.org/stream/nouveauxlmen00arno#page/n0/mode/1up
929
COSTA, op.cit., p.139.

312
Além dos exercícios físicos, os cuidados com a higiene individual também
são contemplados no artigo. O cuidado com a pele – vista como porta de entrada para
afecções se não estiver na sua normalidade –, os banhos e a higiene bucal, dos pelos e
cabelos compõem os pontos relativos a este tema e são abordados de forma didática.
Em trecho anterior, destacou-se o papel do álcool na transformação do
indivíduo. Na edição de nº6, Medidas Higiênicas, dizia respeito exclusivamente a este
assunto. Em pequenas doses, o álcool contribuía, ainda que de forma diminuta, para o
reparo das perdas do organismo. Contudo, o que se via nos exércitos era o abuso de seu
consumo, levando Costa a afirmar que “O soldado que abusa do álcool é sempre um
mau soldado”.930
O autor defende que o hábito – ou costume – de beber trazia o tédio ao
trabalho, levava à miséria, ao roubo, ao crime, à desarmonia no lar e com a família,
além da “corrupção de costumes” dentre outros aspectos considerados daninhos e que
poderiam, inclusive, terminar com o suicídio daquele que fazia seu uso. 931 No que tange
aos seus descendentes, o álcool seria responsável ainda pela “degeneração sob o ponto
de vista hereditário e atávico”.932
Diante de tantos aspectos negativos, o capitão médico defendia uma acirrada
luta contra o alcoolismo, como no trecho seguinte:

A guerra contra o alcoolismo deve ser feita por todos


os que se interessam pelo bem estar da humanidade e,
particularmente no meio militar, esta guerra deve ser renhida e
constante, porque é nas mãos do soldado que está confiada a
integridade da Pátria; e elle precisa ser forte não só no ponto de
vista physico como no ponto de vista moral. 933

Como um dos nossos temas diz respeito à modernização e serviços de


saúde, entendemos que os acontecimentos na 1ª Guerra Mundial não devem ser
descartados. O assunto é tema de poucos artigos no período em que ocorrera e
destacamos um que fora publicado no sexto ano da revista: Ao Redor da Guerra. 934
Neste artigo extraído de uma correspondência para o “Jornal do Commercio”, a

930
COSTA, (capitão médico) Reynaldo Ramos da. “Medidas higiênicas que deve tomar o soldado para
evitar as moléstias (continuação)”, Medicina Militar, Rio de Janeiro, Ano XI, n.7, p.194-198, jan. 1921,
p.194.
931
Ibidem, p.197
932
Ibidem.
933
Ibidem, p.198.
934
“Ao Redor da Guerra”, Medicina Militar, Rio de Janeiro, Ano VI, n.10, p.276-281, mar. 1916.

313
discussão encontra-se voltada para as condições de tratamento de feridos na guerra.
Vivia-se

a lamentável sorte dos infelizes que não tem a sorte de serem


eliminados prontamente pelo fogo do inimigo e que ficam
condemnados à longa agonia da morte lenta pela falta absoluta de
soccorros médicos, ou pelas condições desfavoráveis que existem nas
ambulâncias e nos hospitaes de sangue. 935

Surpreendia, naquele momento, a quantidade de feridos, “muitíssimo maior


do que em qualquer das guerras dos últimos duzentos annos”. O papel desempenhado
pela artilharia era apontado como fator importante nesta mudança de cenário, em que
esta arma tinha como objetivo “esmagar o outro pelo peso do aço e pelo poder
936
explosivo das granadas”. A gravidade do ferimento era diretamente proporcional à
potência destes armamentos.
O grande número de feridos e o agravamento de seu estado de saúde
resultavam em outra dificuldade: deficiência de pessoal de saúde e de material para
curativos. Aliás, este quadro já havia sido colocado pelo escritor francês Maurice
Barrés, que dirigiu ao Presidente do Conselho de Ministros da República uma carta em
que disponibilizava os documentos de um inquérito feito por ele acerca do
funcionamento dos serviços de saúde militar, da Cruz Vermelha e das ambulâncias de
campanha. Isto porque “as coisas não funcionavam como deviam funcionar”. 937 Toda a
logística de serviços de saúde em campanha fora estruturada nos confrontos anteriores.
Como o próprio artigo ressalta, vivenciava-se uma realidade nova, fruto da potência de
um material bélico que até então não havia sido empregado da forma como se dava na
1ª Guerra Mundial. Esta configuração provocaria mudanças que seriam vistas nos
serviços de saúde não apenas da Europa, mas nos demais continentes, inclusive na
América Latina.
A experiência alemã neste conflito também recebia espaço no periódico. O
artigo de abril de 1918, intitulado Notícias da Allemanha, era assinado pelo médico
militar Bonnette e dividia as notícias acerca daquele país em cinco partes: seu estado
sanitário, alimentação, serviço de saúde regimental alemão, serviço de saúde alemão

935
Ibidem, p.276.
936
Ibidem, p.277.
937
“Os serviços de saúde no Exército francez”, Medicina Militar, Rio de Janeiro, Ano VI, n.9, p.246-254,
fev. 1916.

314
(“composição de uma ‘sanitäts-kompagnie’”) e, por último, as campanhas sanitárias
(sanitäts-kompagnies).
Na parte destinada ao “estado sanitário”, tratava-se da epidemia de
disenteria que já havia feito treze mortes dentre os cinquenta casos registrados em uma
região do país. Além disso, já se viviam as consequências da má alimentação, recebendo
destaque a publicação de um artigo sobre Edema de Guerra, dos médicos Masse e
Zandech, publicado na Berliner Klinische Wochenschrift.938 Este artigo,
especificamente, dizia respeito a uma espécie de edema que os médicos entendiam
como relacionados com a absorção de alimentação mais aquosa em função da
insuficiência de alimentos no decorrer do confronto.
Quanto à seção de “alimentação”, destinava-se às frações de rações servidas
em Berlim – mas não foram especificadas se para civis ou militares –, bem como dos
preços da batata e a proibição de venda de legumes por parte dos produtores sem a
autorização prévia do encarregado do império.
De acordo com o artigo de Bonnette, o serviço de saúde regimental alemão,
normalmente, tinha seu pessoal sanitário composto de dois médicos, quatro enfermeiros
e dezesseis padioleiros – além de outros auxiliares em número indeterminado. À época,
estes dois médicos raramente eram encontrados.939 Aqui, destinava-se à forma como
estava configurado o serviço sanitário nas zonas de combate e trincheiras. Além disso,
explicava que o pessoal do posto regimental compreendia três médicos de batalhão,
cinco padioleiros e padioleiros de companhias sanitárias.
As “sanitäts-kompagnie” eram compostas, naquele momento, por um
médico major de 1ª classe (oberstabsarzt), um médico major de 2ª classe (stabsarzt),
com as funções de médico chefe (Chefarzt).940 Além destes profissionais, as sanitäts
contavam ainda com dois médicos assistentes majores de 2ª classe (assistenzärzte), um
farmacêutico assistente major de 2ª classe (oberapotheker) e dois médicos sanitários
(unterärzts), além de pessoal administrativo, cães sanitários e viaturas (quinze a
vinte).941 Por fim, de acordo com o artigo, “No começo da guerra, a sanistäts-

938
Jornal médico alemão, publicado entre 1864 e 1921, destinado aos clínicos gerais. Fonte:
http://de.wikipedia.org/wiki/Berliner_Klinische_Wochenschrift, visto em: 22/06/2013.
939
BONNETTE. “Notícias da Alemanha”, Medicina Militar, Rio de Janeiro, Ano VIII, n.10, p.293-297,
abr. 1918, cf.p.294.
940
Ibidem, cf.p.295.
941
Ibidem, cf.p.296.

315
kompagnie eram comandadas por um capitão. Na ocasião da reorganização das sanitats-
kompagnien, o capitão foi suprimido e o comando foi dado ao médico chefe”. 942
É justamente o serviço sanitário alemão, especificamente o seu corpo de
padioleiros, que inspira o artigo do major médico Alves Cerqueira. O Guia para
instrução e exercício das tropas em tempos de paz943 trata da organização e necessidade
da profissionalização dos padioleiros e é publicado em duas edições consecutivas do
periódico. A continuação do artigo do major médico Alves Cerqueira trata basicamente
da instrução de padioleiros. No entanto, há elementos interessantes a serem vistos, como
a referência ao “exército que tem servido de modelo à organização dos bons exércitos
do mundo”. Em seguida a isto, cita um trecho de sua instrução acerca do serviço de
padioleiros, em idioma alemão.944
Para Cerqueira, o aperfeiçoamento em determinada área viria na medida em
que se desse a atuação exclusiva naquela prática e não a existência de indivíduos
“multitarefas”. Para aquele que manejasse a padiola, caberia a rubrica de “padioleiro” e
não outra função. Assim, defendia a emancipação de músicos, da mesma forma como já
haviam se emancipado aqueles da companhia combatente.
Neste mesmo artigo, trata do seu desejo quanto à organização da formação
sanitária regimental, “que em tempo de paz se responsabiliza pelo serviço de saúde do
corpo e pela instrucção sanitária, e em tempo de guerra realiza o estabelecimento do
Posto de Socorro”.945 Este seria a base para a nova instrução e, da mesma forma, um
grande passo para o serviço sanitário regimental. 946
A referida “lógica das guerras anteriores”, colocada no artigo sobre os
serviços de saúde do exército francês, pode ser vista no estudo acerca dos serviços de
campanha que eram publicadas na revista em período anterior à 1ª G.M. e que diziam
respeito às demandas que se faziam necessárias aos serviços de saúde dos exércitos. Um
exemplo disto está na seção “Analyses”, em que temos a resenha escrita pelo tenente
médico Affonso Ferreira sobre um artigo do médico principal de 2ª classe, A. H.

942
Ibidem, p.296.
943
CERQUEIRA, (Major Médico) Alves. “Guia para instrucção e exercício das tropas em tempo de paz”,
Medicina Militar, Rio de Janeiro, Ano XI, n.10, p.274-278, abr. 1921.
944
Ibidem, p.298.
O trecho destacado é o seguinte: “Os padioleiros auxiliares – soldados de fileiras, músicos e aprendizes de
música – só serão, temporariamente, empregados no serviço de padioleiros” (Die Hilfskrankenträger-
Soldaten aus der Front, Musiker und Hilfsmusiker – werden nur vorübergehend zum
Krankentragendienst herangezogen).
945
Ibidem, p.298-299.
946
Ibidem, cf.p.299.

316
Follenfant, intitulado Études sur Le serice de santé en campagne.947 O autor trata das
lições aprendidas na nova organização sanitária e suas implicações nos antigos
regulamentos “já antigos pela guerra moderna”, em função da guerra russo-japonesa. O
foco principal do original em francês, segundo análise do facultativo brasileiro, se volta
para os cuidados com os feridos. Temas como levantamento, transporte e hospitalização
dos mesmos constituem o corpo do artigo de Follenfant.
Em artigo intitulado "Notas sobre o serviço sanitário do exército japonês",
do Major Moreira Guimarães,948 as característica positivas do exército japonês são
ressaltadas. Trata-se de não se achar “incorporados nas tropas japonezas senão
indivíduos sadios e vigorozos, que alliavam a notavel rezistencia physiologica de que
dispunham com a capacidade technico-profissional que adquiriram nas cazernas e nos
campos de manobras, tão certo é que na pátria de [Marechal] Oyama se deparam os
benefícios do serviço militar obrigatório. 949
Fazem-se referências aos aprendizados resultantes da guerra russo-japonesa.
Um dos exemplos é a publicação de Ensignements Médicaux de La Guerre Russo-
Japanaise, do doutor Malignon. O livro de Malignon exalta ainda o caráter salubre da
região da Manchúria. Para Moreira Guimarães, a argumentação daquele autor se
fundamenta na explicação climática, em função da qualidade do ar e do solo. Opinião da
qual compartilha Guimarães: “Certo, desde os tempos de Hippocrate era já apreciada
influencia geral do clima sobre a saúde e a evolução dos povos”. 950
Da mesma forma como se buscava melhorar e modernizar os serviços de
saúde após as guerras, a contenda de 1916-1918 também traria sérias implicações para
estes corpos nos exércitos e as reflexões e observações acerca destes acontecimentos
estariam presentes no periódico. Em 1920, o décimo primeiro ano de publicação de
Medicina Militar, o Relatório do Corpo de Saúde do Exército relativo ao ano anterior
constava em três de suas edições.951 Na edição de número dois, ao tratar do Corpo de
Saúde, o diretor do Serviço de Saúde do Exército, Antonio Ferreira do Amaral, tratava
da organização do mesmo. Segundo Amaral,

947
FERREIRA, Affonso, “Analyses”, A Medicina Militar, Rio de Janeiro, Ano I, nº6, p.411-417, dez.
1910.
948
GUIMARÃES, (Major) Moreira. “Notas sobre o serviço sanitário do exército japonês”, Medicina
Militar, Rio de Janeiro, Ano I, nº3, p.166-169, ago. 1910.
949
Ibidem, cf.p.166.
950
Ibidem, cf.p.167-168.
951
O Relatório do Director de Saúde da Guerra, referente ao ano de 1919, seria publicado nas edições de
número 2 a 4.

317
Uma boa e perfeita organização dos serviços de saúde de
um exército moderno representa papel importante e constitue factor
certo da Victoria, quando este Exercito se empenha na lucta. Sendo
defeituosa a organização dos serviços sanitários, grande são os males
e os prejuízos que podem resultar para as forças militares.
Sérios e innumeros foram os ensinamentos que a grande
guerra européa, a que fomos também compellidos, nos proporcionou,
incumbindo-se de provar as benéficas consequências, para um
exercito, de ma cuidadosa organização de seus serviços sanitários e de
uma diligente attenção aos progressos da hygiene, da medicina e da
cirurgia de guerra, o que mantem elevados os effectivos das armas
combatentes e suas unidades.
(...)
Deve ter-se sempre em mente que todos os factos e
ensinamentos chegados até nós, quer da última guerra, quer das
anteriores, constituem uma lição e um exemplo profícuos para nós. 952

Destacava-se como as formas de guerra (de posição e de movimento)


implicaram em dificuldades quanto ao funcionamento dos serviços de saúde, tanto pelo
“aspecto e modo de ação das formações sanitárias”, quanto “pelos novos e múltiplos
engenhos de destruição” que foram empregados. 953 Em função disso, era necessário
rever a organização dos serviços de saúde em tempos de paz e de guerra. Quanto à sua
execução, o artigo estabelece que esta se encontrava, de certa forma, bem organizada.
No entanto,

resentindo-se (...) da execução de medidas complementares, fructo da


natureza mesma dos serviços e das exigências do progresso
scientífico, que se conseguiria completando o apparelhamento com as
installações que nos faltam.954

A organização dos serviços sanitários de guerra pouco havia avançado no


exército brasileiro, restando muito a fazer e conseguir. O Diretor do Serviço de Saúde à
época, Antonio Ferreira do Amaral, 955 ressaltava que os decretos de 18 de junho de
1919 (13.651 a 13.653) acabaram por trazer “perturbações” ao funcionamento do Corpo
de Saúde. Um dos motivos era a já existente insuficiência de quadros. Se, por um lado, a
reforma empreendida por estes decretos implicava em um aumento no número de
oficiais do Corpo, por outro não o distribuía de forma “equitativa e conveniente (...)

952
AMARAL, (Diretor do Serviço de Saúde do Exército) Antonio Ferreira do. “O Corpo de Saúde do
Exército em 1919”, Medicina Militar, Rio de Janeiro, Ano XI, n.2, p.50-58, ago. 1920, p.51.
953
Ibidem.
954
AMARAL, (Diretor do Serviço de Saúde do Exército) Antonio Ferreira do. “O Corpo de Saúde do
Exército em 1919”, Medicina Militar, Rio de Janeiro, Ano XI, n.2, p.50-58, ago. 1920, p.52.
955
General de Brigada Médico Antonio Ferreira do Amaral foi o 13º chefe do Serviço de Saúde, tendo
exercido o cargo de 10 de julho de 1918 até 26 de setembro de 1924. SILVA, A.L (1958). Op.cit., cf.p.65.

318
pelas várias comissões”, o que requeria uma revisão dos referidos quadros,
especialmente do decreto nº 13.653.956
O Laboratório Militar de Bacteriologia seria nomeado, então, Laboratório de
Microscopia. Assim como ocorria no restante do Corpo de Saúde, o quadro de
funcionários era considerado insuficiente (um major diretor, dois auxiliares médicos e
um auxiliar farmacêutico) em função das tarefas a serem desempenhadas ali: exames
bacteriológicos, reações de Wassermann, exames completos de urina e outros que
consumiam o tempo daqueles que se encontravam em suas instalações. Além do
problema de quadros, havia também a falta de verba para o serviço, já que aqueles
descritos anteriormente eram realizados de forma gratuita para o Hospital Central.
No caso dessas duas solicitações serem atendidas, o aumento de pessoal e de
verbas, seria possível o início da “fabricação de todas as vaccinas para o uso do
Exército”.957
Outra crítica feita quanto à utilização do Laboratório diz respeito à formação
de um núcleo de especialistas que seriam úteis ao exército, fosse em tempos de paz ou
de guerra. Para Amaral,

Seria fácil a obtenção de tal objetivo, si se alcança a auctorização para


que, por elle [o Laboratório de Microscopia], passasse o maior numero
de médicos militares, afim de practicar, durante um prazo mínimo de
2 annos, obedecendo-se, naturalmente a uma escala.958

Até aquele momento, funcionava uma Estação de Assistência e Profilaxia


na Praça da República. Com a reforma, oriunda dos decretos anteriormente
mencionados, outra instalação do tipo foi criada na Vila Militar. No entanto, Amaral
afirmava que até então esta não fora dotada nem de quatro médicos que para ela foram
determinados, nem de subalternos ou material para o serviço, “sendo o trabalho
emprehendido pelos médicos arregimentados da 1ª Brigada de Infantaria e Corpos
Divisionários, aquartellados na Villa Militar”. 959

956
Ibidem, p.53. Os referidos decretos diziam respeito à organização do exército enquanto instituição e na
sua divisão territorial. O de nº 13.651 se referia à divisão territorial do exército. Já o 13.652, era
responsável pela distribuição das unidades de acordo com a divisão territorial determinada pelo decreto
anterior. Finalmente, o de nº 13.653, determinava o quadro de oficiais em função dos decretos anteriores,
ou seja, os de nº 13.651 e 13.652.
957
AMARAL, op.cit., p.57.
958
Ibidem, p.57-58.
959
Ibidem, p.58.

319
A Estação em funcionamento na Praça da República era dividida nas
seguintes seções: profilaxia, posto médico, policlínica militar. A primeira delas prestava
serviços de vacinação, revacinação, desinfecção e expurgos; o posto médico era
responsável pelo serviço médico-cirúrgico de urgência, dos quartéis e estabelecimentos
militares da 1ª Região; a última diz respeito à policlínica e prestava serviço em diversas
especialidades médico-cirúrgicas.
Dando continuidade ao artigo publicado na edição anterior, o relatório do
Diretor de Saúde trata, neste momento, dos seguintes pontos: Comissão de Profilaxia
dos Quartéis e Estabelecimentos Militares, Junta Superior de Saúde, Companhias de
Saúde e Ambulâncias Divisionárias, Institutos de ensino subordinados à Diretoria de
Saúde, Dentistas, Enfermeiros, Estatística Médica, Laboratório de Microscopia e
Hospital Central do Exército.960 Quanto aos dois primeiros itens, a mesma constatação e
reclamação como visto no artigo da publicação anterior: falta de recursos, de
equipamentos e de pessoal.
A respeito das Companhias de Saúde, Amaral esclarece que as mesmas
foram criadas de acordo como decreto nº 11.497 de 23 de fevereiro de 1915, que
remodelava o exército, totalizando cinco companhias, uma para cada Divisão do
Exército. As ambulâncias divisionárias foram criadas no mesmo decreto que originava
as Companhias de Saúde. De acordo com a organização dos serviços sanitários do
exército francês, estas ambulâncias correspondiam aos Grupos de Padioleiros
Divisionários (G.P.D.). No entanto, até aquele momento, não haviam conseguido nada
em relação à organização e aquartelamento, sendo este tipo de serviço de grande
importância na guerra.961 Além disso, constituíam importante função tanto no preparo
técnico-militar do pessoal, “como para constituir delas os núcleos de instrução dos
serviços sanitários”. 962 Por fim, ainda relacionado às Companhias, Amaral afirma que as
Formações Sanitárias Regimentais, em tempos de paz, deixavam “muito a desejar, pela
deficiência de número do pessoal a elas destinado”. 963 Quanto ao efetivo, constituía-se
de um capitão médico, chefe da Formação; um primeiro tenente médico, subalterno; um
segundo-sargento de saúde; três terceiros-sargentos de saúde, sendo um por batalhão; e,
finalmente, nove cabos de saúde, sendo um por companhia. Totalizavam-se, então,

960
AMARAL, (Diretor do Serviço de Saúde do Exército) Antonio Ferreira do. “Relatório do Director de
Saúde da Guerra”, Medicina Militar, Rio de Janeiro, Ano XI, n.3, p.75-85, set. 1920.
961
Ibidem, cf.p.77-78.
962
Ibidem, p.78.
963
Ibidem.

320
quinze componentes de uma Formação. No momento em que escrevia o relatório, o
pessoal fora reduzido, constituindo-se de: um capitão médico; um primeiro tenente
médico, subalterno; um segundo-sargento de saúde; um terceiro-sargento de saúde; um
cabo de saúde; e, finalmente, dois anspeçadas de saúde. Totalizavam-se, então, sete
componentes de uma Formação Sanitária de um regimento de infantaria, com três
batalhões e um Estado-Maior.964 Concluía, então, Amaral, acerca do quadro disponível
de cada Formação Sanitária:

Attender a todas as necessidades, oriundas do serviço


sanitário de um corpo de tropa, com tão exíguo pessoal, torna-se
penoso pelas dificuldades que surgem a cada passo, e os resultados
jamais poderão corresponder aos desejos e á expectativa dos
commandos, com sacrifício, muitas vezes, das praças e da
instrucção.965

Para o Diretor do Serviço de Saúde, cada batalhão deveria possuir seu


próprio médico, além do Capitão chefe do serviço.
As instituições de ensino ligadas ao Corpo de Saúde até aquele momento
eram a Escola de Aplicação Médico-Militar e a Escola de Veterinária do Exército,
ambas criadas pela lei 2.232 de 6 de janeiro de 1910. A primeira obteve sua
regulamentação e nomeação para o corpo docente apenas em 1913, mas não funcionava
até o momento em que se escrevia o relatório. Por este motivo, o recrutamento de
médicos militares continuava se dando por concurso, sendo os aprovados incorporados
imediatamente ao exército. Amaral ressalta que isto não representava os melhores
resultados, visto que

Um curso pratico de aperfeiçoamento e applicação, onde serão


tratadas todas as questões especiaes que caracterizam a medicina, a
hygiene e a administração militares, incluida a táctica snaitária, é
indispensável para o cabal desempenho da profissão médico-militar.966

Já a Escola de Veterinária, funcionava com regularidade no preparo dos


veterinários para o Exército, às custas dos professores, que eram oficiais do Corpo de

964
Ibidem, cf.p.78-79.
965
Ibidem, p.79.
966
Ibidem, p.80.

321
Saúde, mas que não recebiam gratificações por desempenharem também o
magistério.967
As estatísticas médicas, por sua vez, auxiliavam os esforços dos higienistas,
na medida em que contribuíam para a descoberta das “causas determinantes ou
ocasionais das diversas doenças”. 968 Caberia também a estas estatísticas verificar as
consequências de leis sanitárias e regulamentos militares. No entanto, apesar da
reclamação de Amaral, a criação de uma seção para este tipo de serviço não foi
aprovada. Enquanto não se dava a criação de tal seção, Amaral contava com o trabalho
de seus auxiliares, que reuniam os dados existentes, organizando os mapas das
estatísticas médicas dos três primeiros trimestres de 1919. 969 Finalmente, a última parte
deste relatório seria publicada na edição de número quatro.970 Um dos pontos abordados
diz respeito à necessidade da vacinação preventiva antitífica no Exército, que deveria
ser introduzida e efetuada de forma sistemática, como já ocorria nos exércitos
estrangeiros.
À época da publicação deste relatório, o exército brasileiro buscava decidir-
se sobre que modelo seguiria. A ligação com os franceses em função da participação
junto aos médicos militares no combate à gripe espanhola que assolava a população
civil e a criação do Hospital de Sangue ajudaram a estreitar os laços entre os médicos do
Brasil e da França. No entanto, os alemães não desistiriam de tentar uma reaproximação
com a classe médica do subcontinente sul-americano em período posterior à guerra.
No período em que a Missão Militar Francesa já atuava no Brasil,
encontramos o seguinte texto: “Cursos de Ampliación de Estudios Médicos del Verein
für Arztliche Fortbildung de Berlim” 971. Este artigo, publicado em espanhol, buscava
promover os cursos oferecidos pela Associação de Médicos de Berlim que estaria
comprometida com o avanço e progressos da medicina, fazendo com que estes
estivessem ao alcance de todos os colegas. Desta forma, seus cursos eram destinados ao
médicos e “especialmente aos colegas hispano-americanos”972.
Os cursos oferecidos seriam os seguintes: enfermidades internas (como
estudos acerca da tuberculose e do coração, endocrinologia e doenças relativas à
967
Ibidem, cf.p.80.
968
Ibidem, p.81.
969
Ibidem, cf.p.83.
970
AMARAL, (Diretor do Serviço de Saúde do Exército) Antonio Ferreira do. “Relatório do General
Director de Saúde da Guerra”, Medicina Militar, Rio de Janeiro, Ano XI, n.4, p.100-110, outubro 1920.
971
“Cursos de Ampliación de Estudios Médicos del Verein für Arztliche Fortbildung de Berlim”,
Medicina Militar, Rio de Janeiro, Ano XIII, n.2, p.68-72, ago. 1922.
972
Ibidem, p.68.

322
nutrição); doenças gastrointestinais, infantis, dos olhos, nervosas e mentais; cirurgia;
ortopedia; ginecologia e parto; urologia; dermatologia; farmacologia, medicina legal e
medicina social; roentgenologia;973 físioterapia; e, por fim, bacteriologia, microscopia
clínica e anatomia patológica. 974
Nestes cursos, estudariam tudo o que houvesse de “mais recente nas
diversas especialidades da Medicina, não só do ponto de vista científico e teórico, senão
prático”. Os médicos que participassem ainda teriam aulas práticas de clínica. 975
Outro ponto em destaque no artigo é o fato de ressaltar que, no caso do
desconhecimento do idioma alemão, os médicos fariam cursos especiais em seu próprio
idioma. Assim, de acordo com o artigo, o desejo dos médicos de Berlim era estreitar as
“relações profissionais e pessoais com os colegas hispano-americanos”.976
O editorial de abertura da edição número um do sétimo ano da revista foi
assinado por Bueno Prado e demonstrava a “luta” de seus responsáveis para a
manutenção da revista, “enfrentando as difficuldades, múltiplas e variadas; combatendo
as resistências que surgem a cada passo, sem nos rendermos aos óbices da época e do
meio”. 977 No período em que este foi escrito, já tínhamos outro periódico militar
concorrendo com Medicina Militar: o Boletim da Sociedade Médico-Cirúrgica Militar,
que fora lançado em 1915. Assim, entendemos que a referência às “resistências” seja
justamente oriunda da existência desta outra revista militar.

4.2. Boletim da Sociedade Médico-Cirurgica Militar (1915-1920)

O Boletim surge a partir da formação da Sociedade Médico-Cirúrgica


Militar. Esta se deu por iniciativa de um grupo de médicos militares que tiveram a ideia
de fundar um “grêmio científico” em que as questões de cirurgia e medicina, voltadas
para o meio militar, seriam tratadas em suas reuniões. Desta forma, os temas tratados

973
Parte da radiologia que lida com os raios X. Fonte: Dicionário Eletrônico Houaiss.
974
Ibidem, cf.p.68-71.
975
Ibidem.
976
Ibidem.
977
Medicina Militar, Rio de Janeiro, Ano VII, n.1, p.1-2, jul. 1916. Não há referência ao mesmo tipo de
aproximação com os médicos brasileiros no artigo. Podemos supor que a proximidade com o idioma
poderia aproximar os médicos brasileiros destes estudos.

323
nestes encontros geravam os artigos que seriam publicados na maior parte das páginas
de Boletim.
Tendo como seu presidente o General Médico Arthur Lobo da Silva, o
periódico não se inicia como uma publicação oficial do Serviço de Saúde do Exército e
tinha sua edição em formato mensal, publicado no último dia de cada mês, 978 com
circulação de dezembro de 1915 a dezembro de 1920, correspondendo à sua primeira
fase. A segunda seria nomeada como: a Revista de Medicina e Higiene Militar,
incorporando a publicação fundada por Ismael da Rocha, a Medicina Militar, e a
Revista de Química e Farmácia Militar.
O Boletim da Sociedade Médico-Cirúrgica Militar manteve uma
estruturação que perdurou em toda a sua primeira fase. Havia trabalhos divididos nas
seções: editorial, artigos (que tratavam de temas específicos de medicina e cirurgia
militar, somando de três a quatro nos dois primeiros anos e tendo este número
aumentado para cinco ou seis nos demais), análises (coluna voltada para resenhas de
publicações médicas) e atas das reuniões da Sociedade. No entanto, algumas pequenas
modificações se deram a partir do segundo ano. O periódico teria as seções “Notas e
alterações” – que diziam respeito ao cotidiano de oficiais militares do Serviço de Saúde
– e/ou “Publicações recebidas” quando as atas das reuniões não eram publicadas ao
longo das edições. O terceiro ano desta publicação apresentava algumas modificações.
A seção “Notas e Alterações” seria vista como um ponto constante de suas edições,
além de “Livros úteis” (em que havia a indicação de obras voltadas para a caserna) e as
colunas “Pelas Associações Médicas” e “Pelas associações científicas” – esta vista no
último número daquele intervalo. É a partir de então que temos um anexo ao Boletim,
com conteúdo sobre medicina veterinária e sob a responsabilidade do major médico
João Moniz Barreto de Aragão. Um acréscimo a essa estrutura se daria apenas no quinto
ano, com a coluna “Interesses Profissionais” no seu último número. Finalmente, o sexto
ano também apresentaria mais um acréscimo: “Formulário” trazia informações a
respeito da composição, indicação e posologia de diversos medicamentos e substâncias.
Nos seus seis anos de publicação, notamos que os artigos divulgados ali
apresentavam uma característica que diferenciava o Boletim da revista Medicina

978
“Estatuto da Sociedade Médico-Cirúrgica Militar”, Boletim da Sociedade Médico-Cirúrgica Militar,
Rio de Janeiro, Ano I, ns.2 e 3, p.50-53, jan-fev. 1916, cf.p.52.
Este intervalo entre as publicações seria afetado no seu segundo ano em função da alta do preço do papel
provocada pela 1ª Guerra, levando a uma lacuna de dois meses entre um número e outro. “Sociedade
Médico-Cirúrgica Militar”, Boletim da Sociedade Médico-Cirúrgica Militar, Rio de Janeiro, Ano II, ns.1
e 2 , p.37-57, jul-ago. 1916, cf.p.48.

324
Militar. Neste periódico, notamos uma preocupação com aspectos do cotidiano da
caserna e de temas de medicina militar e serviço de saúde. Nas edições de Boletim da
Sociedade Médico-Cirúrgica Militar, encontramos, em sua maioria, artigos voltados
para temas da cirurgia, de suas técnicas e desenvolvimento das mesmas. 979 Quanto aos
nossos temas norteadores, tivemos trinta e quatro artigos. Destes, um artigo tratava
especificamente da higiene militar e outro de higiene. A missão militar francesa,
chamada de “Missão Médica” pela revista, foi tema do editorial da edição de número
seis do sexto ano do Boletim. Já no que diz respeito à modernização, tivemos dois
editoriais tratando do assunto. O Serviço de Saúde foi o que apresentou um maior
número de publicações, dentre nossos temas norteadores, com vinte e três artigos, sendo
dezoito tratando especificamente sobre o Serviço de Saúde do exército brasileiro.
Dentre aqueles que faziam referência à Alemanha e França, tanto no desenvolvimento
da medicina quanto aos seus serviços de saúde, totalizaram nove, sendo um referente à
Alemanha e os demais aos franceses.
Em nossa análise de Medicina Militar, trabalhamos com nossos temas
norteadores e com os editoriais que consideramos mais relevantes para o nosso objeto
de pesquisa. O Boletim também publica os seus editoriais, mas entendemos que há outra
seção que deve ser considerada: as atas de reuniões da Sociedade Médico-Cirúrgica
Militar. É neste trecho que encontramos as discussões e argumentações a respeito de
temas de âmbito profissional – e também político que eram de interesse à época – além
de outros extremamente técnicos e que não serão considerados em nosso trabalho (como
resoluções acerca do tratamento de doenças, estudos das mesmas, novos medicamentos,
etc.). Sendo assim, as atas de reuniões são vistas como fundamentais para a
compreensão do cenário médico-científico dos criadores da Sociedade e, por
conseguinte, do Boletim.
Antes de nos determos especificamente no Boletim, devemos compreender a
forma como se deu a criação da Sociedade Médico-Cirúrgica Militar e a organização de
seus primeiros membros fundadores. As primeiras reuniões, as chamadas “reuniões
preparatórias”, 980 se deram no Hospital Central do Exército (HCE) – que viria a ser a
sede social desta associação – no dia 13 de julho de 1915 e o grupo de médicos que se
encontrava ali elegeu Arthur Lobo da Silva como o presidente da Sociedade e Armando

979
Ver Anexo 4, p.454.
980
As reuniões, ou sessões, seriam definidas como de intervalos quinzenais, conforme o estatuto da
Sociedade. Fonte: “Estatuto da Sociedade Médico-Cirurgica Militar”, Boletim da Sociedade Médico-
Cirúrgica Militar, Rio de Janeiro, Ano I, ns.2 e 3, p.50-53, jan-fev. 1916.

325
de Calazans como seu vice. A fundação desta agremiação e seus encontros teriam como
finalidade, segundo o presidente eleito, o “estímulo para o incessante progresso e
aperfeiçoamento do serviço sanitário do Exército”. 981 Assim, era preciso redigir o seu
estatuto e compor a diretoria definitiva e a comissão redatora do Boletim. Na última
reunião preparatória, ocorrida em 29 de julho, definiu-se o formato da revista, que seria
mensal, e a sua comissão redatora: Moreira Sampaio, Alvaro Tourinho, Antonio Ribeiro
do Couto, João Muniz de Aragão, Antonio Alves Cerqueira e Murillo de Souza
Campos.982
É na sessão solene de instalação e posse da diretoria, realizada em 17 de
agosto de 1915 no HCE, que Arthur Lobo da Silva define o papel da medicina militar
naquele momento, bem como o caráter da Sociedade que fora criada. De acordo com o
presidente,

A medicina militar tem, cada vez mais, um papel saliente no preparo e


organização dos Exércitos, prevenindo tudo que porventura possa
constituir prejuízo de ordem physica ou moral para os elementos
componentes do mesmo.
Assim, o caracter da novel sociedade scientifica é
justamente o de tratar do estudo e aperfeiçoamento do serviço
sanitário do Exercito, concorrendo como o seu contingente de esforços
para evitar a estagnação e a rotina, acompanhando o mais
rigorosamente possível a evolução da sciencia medica no meio
militar.983

Em seu discurso naquela reunião, João Muniz de Aragão ressaltava que “foi
a necessidade desta educação [militar] que determinou a nossa resolução de crearmos
esta sociedade”.984 Para este oficial médico, a finalidade da sociedade era o estudo dos
meios de conservação e zelo da saúde dos “homens de tropa”.985 Quanto aos médicos
que esta representava estes tinham o início da sua ação no processo de seleção de
indivíduos, ou seja, o recrutamento, passando por suas mudanças físicas e também
morais que viessem a sofrer, além das moléstias que poderiam sofrer e “as impressões
que os possam ferir nos acontecimentos felizes ou trágicos e aos quaes estão elles

981
“Sociedade Médico-Cirúrgica Militar”, Boletim da Sociedade Médico-Cirúrgica Militar, Rio de
Janeiro, Ano I, n.1, p.21-28, dez. 1915.
982
Ibidem, cf.p.21.
983
Ibidem, p.22.
984
“Discurso proferido na sessão inaugural da Sociedade Médico-Cirúrgica Militar pelo Dr. João Muniz
de Aragão”, Boletim da Sociedade Médico-Cirúrgica Militar, Rio de Janeiro, Ano I, n.1, p.29-39, dez.
1915, p.33.
985
Ibidem.

326
sujeitos, até, finalmente, ao seu preparo para a guerra”.986 Assim, em razão de todos
estes cuidados e responsabilidades, caberia aos oficiais médicos o “conhecimento
especial das necessidades militares”, bem como a forma de atenuar os sofrimentos que
os homens de tropa viessem a sofrer.
O estatuto da Sociedade seria publicado oficialmente na edição
correspondente aos números dois e três do Boletim. No item “Da Sociedade e Seus
Fins”, definia-se, além do que já vimos nos discursos de Arthur Lobo da Silva e João
Moniz de Aragão, como fora concebida a Sociedade, qual sua finalidade. Seus dois
primeiros artigos estabeleceriam tais pontos:

Art.1º. A Sociedade Médico-Cirurgica Militar é uma


agremiação de officiaes do Corpo de Saude do Exercito, tendo por
fim:
§ 1º. Estabelecer troca de conhecimentos medico-cirurgicos
entre seus associados, por meio de observações clinicas e de
laboratório, por estudos outros concernentes aos diversos ramos da
medicina e da cirurgia, bem como aos da alta funcção do Corpo de
Saúde na paz e na guerra.
§ 2º Fundar e manter uma bibliotheca.
§ 3º Manter, como órgão de publicidade, um periódico mensal
como titulo Boletim da Sociedade Medico-Cirurgica Militar.
Art.2º. Sendo seus fins puramente scientificos não devem nas
discussões e relações sociaes, ser antepostos aos interesses scientíficos
e administrativos preceitos de hierarchia propriamente ditos. 987

O primeiro editorial de uma revista científica é aquele que a apresenta e


define de que forma esta se coloca no cenário científico nacional e/ou internacional. Por
esta razão, destacamos na sua integra aquele publicado no mesmo número em que
tivemos a definição do papel de o Boletim:

Nossa razão de ser


Ao acervo das publicações de natureza scientífica entre nós
existentes, junta-se hoje o presente Boletim, que mais não é sinão os
archivos da Sociedade Médico-Cirúrgica Militar, ultimamente
instalada, com sede nesta capital [Rio de Janeiro], entre profissionaes
médicos, pharmaceuticos, dentistas e veterinários que constituem o
Corpo de Saúde do Exército.
As modernas applicações da medicina e da cirurgia em suas
múltiplas modalidades, ao apparelhamento do serviço de saúde das
forças armadas, trouxeram a alguns médicos militares, onde trocando

986
Ibidem.
987
“Estatuto da Sociedade Médico-Cirurgica Militar”, Boletim da Sociedade Médico-Cirúrgica Militar,
Rio de Janeiro, Ano I, ns.2 e 3, p.50-53, jan-fev. 1916, p.50.

327
idéas e impressões, fossem aprestando-se mais desassombradamente
para o mister que lhes incumbe e que, não ha negar, no momento
truculento das pelejas e da lucta é para todos a maior esperança, o
grande, quase único lenitivo.
A medicina militar, occupando logar proeminente entre as
demais especialidades, e de há muito livre dos antigos moldes por que
era pautada, traçou nossa rota, impoz nossa maneira de agir.
D’ahi a convergência de nossos esforços para,
principalmente no domínio dos assumptos medico-cirurgicos
militares, estreitarmos ainda mais a approximação a tudo quanto diz
respeito á sciencia do diagnostico e da therapeutica.
Assim a Sociedade Medico-Cirurgica Militar, dadas as
actuaes circumstancias de trabalho e de estudo a que é preciso se
entregarem quantos têm sobre si a responsabilidade da saúde e da vida
dos exércitos, surge no momento que nos parece apropriado e que
esperamos seja propicio ao seu desenvolvimento e prosperidade.
Não menos opportunamente desponta o Boletim, documento
vivo de sua labuta, procurando inspirar-se nas tendências actuaes da
medicina militar. Será tanto quanto possível o periódico especial que
seu título indica – jornal de medicina e cirurgia militares.
Está claro que sendo forçado a essa feição pelas
necessidades presentes da sciencia, não o levará a um isolamento a
especialisação, tendo-se em mente os laços estreitos que a medicina
militar mantem com o conjuncto da pathologia.
A par de um resumo do que em matéria de observação
clínica for presente ás reuniões sociaes, tenciona o Boletim publicar
não só trabalhos originaes, mas revistas geraes documentadas e
analyses detalhadas do que melhor seja publicado sobre seu vasto
domínio em outros paizes. Deste modo julga collocar seus leitores ao
corrente dos progressos da especialidade medico-militar.
O Boletim nem por isso deixará de ter suas paginas francas
a todos os scientistas que se interessem pelo desenvolvimento da
medicina militar brazileira.
A Comissão de Redacção988

Enquanto o editorial inaugural de Medicina Militar se voltava para um


discurso que buscava localizar a revista em um âmbito de produções científicas, o do
Boletim fortalece a imagem relativa à preocupação com a produção voltada para os
assuntos de interesse do meio militar. Não se destinaria apenas à medicina militar,
embora o tema merecesse destaque, como pudemos identificar ao se referir aos estudos
de dentistas, veterinários e profissionais farmacêuticos. Ali, determinava-se também de
que forma se daria a origem dos artigos e o público para o qual estava destinado, já que
suas páginas estariam voltadas para “todos os cientistas” que se interessassem por temas
da medicina militar.

988
“Nossa razão de ser”, Boletim da Sociedade Médico-Cirúrgica Militar, Rio de Janeiro, Ano I, n.1,
p.1-2, dez. 1915.

328
O terceiro aniversário da revista confirmava os pontos que foram definidos
neste primeiro edital e ressaltava a iniciativa dos médicos que a criaram. Além disso, a
noção de que, através deste periódico, havia se dado a tentativa de entender a
organização de saúde militar “como um elemento de segurança para a saúde e o bom
funcionamento” das forças armadas, tanto na paz quanto na guerra.
O novo contexto que se dava para os serviços de saúde em função da 1ª
Guerra Mundial implicava em mudanças naqueles que ali se encontravam. Os europeus,
na visão do editorial, reconheciam a importância de seu Corpo de Saúde, já que era este
responsável pelo bem-estar dos combatentes. Como sua intervenção era necessária, esta
força obteve a autonomia necessária para que suas formações sanitárias pudessem
executar seu trabalho e “restituir a saúde aos combatentes que de outro modo
irremediavelmente estariam votados à invalidez ou à morte”.989
Os exércitos europeus não seriam os únicos identificados aqui. O Corpo de
Saúde do Exército dos Estados Unidos também mereceu destaque. Ressaltava-se o
sistema de recrutamento e promoções de seus médicos militares e, além disso, o fato de
que o Corpo de Saúde era visto pelo governo com

maximo carinho e vigilante attenção, para que seus médicos sejam


verdadeiros combatentes, apresados para as mais decididas lutas na
destruição das moléstias infectuosas, comoa debellação da febre
amarella em Cuba, e do impaludismo no Panamá – factos
extraordinários levados a cabo por commissões de médicos effectivos
do exercito, esses factos, dizemos nós, trazem-nos a convicção de que
agora, mais do que nunca se justifica a razão de ser da sociedade
Medico-Cirurgica Militar, porque em nosso meio é necessário chamar
á evidencia os espíritos obsecados que não querem ver no Corpo de
Saude do Exercito nacional, elementos capazes de acção meritoria e
teimam em olhal-o aferido pelo estalão da incapacidade e da
inutilidade.990

No caso brasileiro, lutava-se para acompanhar o “movimento científico


moderno” diante de um quadro de “dificuldades insuperáveis” e de “descaso, má
vontade e abandono das forças”. Esta realidade era muito diferente daquela que fora
apresentada (e que se tinha como objetivo) no discurso de João Moniz de Aragão ao

989
Ibidem, p.2.
990
Ibidem, p.2.
A respeito do sistema de promoções dos médicos militares no Corpo de Saúde do Exército dos Estados
Unidos, aquele mesmo número publicaria um artigo que explicaria melhor o mesmo. “Promoções no
Corpo de Saúde do Exército”, Boletim da Sociedade Médico-Cirúrgica Militar, Rio de Janeiro, Ano IV,
n.1-6, p.11-12, jul-dez. 1918.

329
assumir a presidência da Sociedade em seu segundo ano, ou seja, a partir de agosto de
1916. Como o oficial médico destacava,

Resistamos dentro da fragilidade, de quem só sabe luctar


com a lei e com os conhecimentos scientificos adquiridos no labutar
constante com os livros e junto da dor, nos laboratórios, nos hospitaes,
nos gabinetes de estudo, para afrontarmos impávidos as mais
espinhosas surprezas que a nossa missão nos possa trazer. 991

A experiência francesa na 1ª Guerra Mundial seria o tema de “Orientação


Actual do Serviço de Saúde do Exército”,992 que trata das lições aprendidas pelo
Exército francês nas guerras em função das baixas, “devidas a epidemias, doenças e
complicações de ferimentos” e que eram responsáveis por mais de 1/3 do efetivo e
mortalidade mais elevada que aquela produzida pelas armas do inimigo, “são
consequências immediatas da falta da necessaria assistência medica e hygienica e da
desorganização das formações sanitárias” (pp.4-5).
Quanto à guerra franco-prussiana,
O confronto das perdas verificadas na guerra de 1870
entre os exércitos francez e allemão falla mais eloquentemente que
qualquer outro argumento, destinado a provar a efficiencia de uma boa
organização sanitária: emquanto que, no Exército Francez, o insucesso
da medicina militar – devido a essa desorganização – produzia perdas
comparáveis ás da guerra da Criméa, no exercito allemão – que
possuía já um bem organizado serviço de saúde – a mortalidade por
doenças e epidemias foi muito mais reduzida que a oriunda dos
projecteis. 993

A França, então, após esta experiência, teria remodelado seu serviço de


saúde e conferido a ela autonomia visando sua eficiência.
Sobre as implicações da 1ª G.M.,

A guerra actual incumbiu-se de provar os resultados


benéficos que um exercito pode colher de uma boa organização de
seus serviços de saúde, dos progressos da hygiene, medicina e cirurgia
de guerra, mantendo sempre elevados os effectivos das unidades
combatentes. Apezar dos ensinamentos das guerras russo-japoneza e
balkanica, os acontecimentos da conflagração européa ultrapassaram
todas as previsões dos melhores escriptores militares e os francezes
puderam verificar, aliás, com surpreza, que os serviços de saúde

991
“Sociedade Médico-Cirúrgica Militar”, Boletim da Sociedade Médico-Cirúrgica Militar, Rio de
Janeiro, Ano II, ns.1 e 2 , p.37-57, jul-ago. 1916, p.51.
992
“Orientação Actual do Serviço de Saúde do Exército”, Boletim da Sociedade Médico-Cirúrgica
Militar, Rio de Janeiro, Ano IV, n.7-8, p.3-12, jan-fev. 1919.
993
Ibidem, p.5.

330
allemães não deram, relativamente aos seus, demonstração da
superioridade de organização e de previdência, que elles reconheciam
em seus inimigos. 994

As armas de destruição utilizadas no confronto, bem como o uso de gases


asfixiantes e lacrimogêneos, que não eram permitidos pelas leis internacionais,
demonstrava que nenhum dos serviços de saúde estava preparado para lidar com o novo
quadro que se colocava. O exército francês, por exemplo, entrara na guerra organizado e
regido pelo regulamento de 26 de abril de 1910 – que baseava-se nos ocorridos da
guerra russo-japonesa. Em função disto, vários rearranjos se fizeram necessários no
cotidiano do Serviço de Saúde do exército francês, tentando corrigir os erros que se
davam em função do tipo de organização que se tinha.
Assim como o exército francês encontrava dificuldades no decorrer da 1ª
Guerra Mundial, em função de seu regulamento de período anterior, o exército
brasileiro, de forma geral, também apresentava dificuldades. Isto na medida em que
estava “desaparelhado para preencher os seus fins”, com pessoal profissional
insuficiente ou, quando houvesse, não possuía instrução técnica conveniente. Enfim,

Não basta apenas que o pessoal profissional seja


sufficiente em numero e possua os conhecimentos scientificos
precisos; é indispensável também que elle seja familiarizado com a
execução do serviço technico, que o material respectivo corresponda,
em quantidade e qualidade, às condições exigidas pelos progressos
sempre crescentes da sciencia medico-militar, que uma organização
bem feita assegure a presença do pessoal e do material nos pontos em
que se fazem precisos.995

Em função destes progressos da ciência médica militar é que se fazia


necessário o conhecimento daqueles médicos civis que concorriam às vagas de médicos
no meio militar. Não bastava apenas o conhecimento acerca de higiene, patologias ou
outro tema ligado ao cotidiano militar. Solicitava-se que o novo e futuro oficial médico
se inteirasse de outros assuntos do meio castrense, visando completar a sua formação
enquanto médico militar. Este tipo de prática era alvo de crítica por parte deste artigo de
Boletim:

Nós, com o hábito de resolver nossas difficuldades pelo


processo mais commodo das improvisações, em vez do das

994
Ibidem.
995
Ibidem, p.6. Grifo nosso.

331
organizações, somos, talvez, o único exercito, em que se transforma,
de um dia para outro, um medico civil em militar.
A lei n. 2.2232, de 6 de janeiro de 1910, que reorganizou
os serviços de saúde, criou a Escola de Applicação Medico-Militar,
destinada ao ensino especial da practica medica militar aos candidatos
ao Corpo de Saúde. Regulamentada pelo Decreto n. 10.402, de 20 de
agosto de 1913, e nomeado o seu corpo docente, parou ahi a sua
organização. Entretanto, esta Escola precisa funccionar quanto antes,
para que tenhamos médicos militares, orientados sobre a sua
verdadeira missão no Exercito. Actualmente, o serviço fica na
dependência do modo de interpretação pessoal de cada medico sobre o
seu objectivo, pela falta de um centro especifico, onde seja firmada
doutrina a respeito.996

Para a resolução deste problema, da mesma forma como se dava em


Medicina Militar, o Boletim ressaltava a importância da transformação do médico civil
em militar através da Escola de Aplicação Médico-Militar, que se encontrava extinta na
ocasião. No entanto, não era apenas o ensino teórico que seria novamente discutido. A
necessidade de levar ao Serviço de saúde os resultados do conflito era colocada nas
reuniões da Sociedade.
A trigésima quarta sessão ordinária, realizada em 26 de julho de 1917,
menciona o parecer do projeto n.44 de 1917, da Comissão de Marinha e Guerra da
Câmara dos Deputados. Tal projeto autorizava o governo brasileiro a mandar oficiais do
Exército, inclusive do Serviço de Saúde, para praticarem nos exércitos que se
encontravam em guerra e teve como seu relator o deputado Mario Hermes. O parecer
acerca deste é de autoria de Alberto Maranhão e apresentado na Câmara dos Deputados
pelo mesmo. Uma emenda foi apresentada pelo deputado Nabuco de Gouvêa e
propunha, de acordo com Maranhão,

que o Governo mande officiaes de todas as armas do Exercito


Brazileiro ao theatro da guerra européa, para acompanharem as
operações do Exercito Francez na luta actual das grandes massas
ali empenhadas na maior das guerras históricas.
A comissão pensa que é justa a emenda. Não só
junto aos Francezes, mas também a par dos Inglezes, que estão
realizando feitos notáveis, e dos outros povos em luta, poderão
aos nossos officiaes adquirir novos elementos de saber e de
pratica profissional, pela observação directa do estupendo caso
bellico, que prende os maiores exércitos do mundo nas varas
linhas mortíferas das “frentes”.

996
“Orientação Actual do Serviço de Saúde do Exército”, Boletim da Sociedade Médico-Cirúrgica
Militar, Rio de Janeiro, Ano IV, n.7-8, p.3-12, jan-fev. 1919, p.7.

332
A Comissão aconselharia até que, entre os officiaes,
fossem alguns também do corpo de saúde, que não sendo uma
arma de guerra no rigor da expressão, é, entretanto, um dos
poderosos instrumentos auxiliares dos combatentes, fazendo,
como tal, parte integrante das grandes organizações militares.997

Os campos de batalha levavam a grandes avanços na cirurgia dando a “esta


parte da ciência, depois da guerra, um prestígio quase milagroso”. Assim, para
Maranhão, os profissionais brasileiros deveriam acompanhar de perto estes
progressos.998
Quanto ao serviço de saúde que seria prestado nos regimentos, a atenção
estava voltada para a higiene.

Na paz, é principalmente a hygiene applicada ao


tratamento do homem joven e são, cercando-o desta salvaguarda
prophylactica contra todas as causas próximas ou afastadas, capazes
de lhe produzirem debilidade ou decadência do organismo. Trabalho
ingente e de uma assistência continuada, porque os males que o
espreitam e ameaçam existem em tudo que o cerca, na vida collectiva
da caserna e nas obrigações que lhe são impostas pela natureza própria
da carreira das armas. E, si esse bloqueio vigilante nem sempre
consegue deter o ataque e a invasão de algum de taes males, ninguém
melhor do que o medico do corpo para relizar a contra-offensiva, por
meio de uma therapeutica apropriada, pois é elle quem conhece bem
de um lado, a constituição physica do soldado, e do outro, as reacções
desse organismo no meio militar que vive. 999

Enquanto o regulamento determinava estas medidas sanitárias a serem


consideradas para a prevenção de doenças e cuidados com a saúde da tropa, o artigo
deixava claro que sua “applicação nem sempre é feita convenientemente!”. 1000 Desta
forma, merecia destaque o papel do Estado naquela atual conjuntura, uma vez que fora
ele o responsável pela implementação do serviço militar obrigatório sendo, por isso,
responsável pela saúde daqueles que eram obrigados a servir e que, depois retornariam
para a sociedade. De acordo com este artigo do Boletim, o exército incorporava apenas

997
“Sociedade Médico-Cirúrgica Militar”, Boletim da Sociedade Médico-Cirúrgica Militar, Rio de
Janeiro, Ano III, n.1-2, p.89-103, jul-ago. 1917, p.94-95.
998
Ibidem, p.95.
Não encontraríamos nas futuras edições qualquer tipo de artigo ou menção à Missão Médica Militar
Brasileira que fora enviada para o teatro de operações da 1ª G.M na França.
999
“Orientação Actual do Serviço de Saúde do Exército”, Boletim da Sociedade Médico-Cirúrgica
Militar, Rio de Janeiro, Ano IV, n.7-8, p.3-12, jan-fev. 1919, p.7.
1000
Ibidem.

333
homens robustos às suas fileiras e era desta forma que os mesmos deveriam retornar à
sociedade.
Muniz de Aragão em seu artigo Uma medida necessária ao Corpo de Saúde
apresenta algumas resoluções que deveriam ser adotadas após proposta da Sociedade
Médico-Cirúrgica às altas autoridades e hierarquias. O objetivo era a implementação de
cursos no Hospital Central do Exército visando o aperfeiçoamento dos conhecimentos
da medicina militar. As propostas estavam voltadas para criação dos seguintes cursos:
alta cirurgia, com frequência obrigatória para médicos da guarnição; medicina aplicada,
estudando “as principais moléstias que costumam affectar os exércitos em operações e o
emprego dos soros e das vaccinas”; enfermeiros e padioleiros. Também se indicava um
curso das várias clínicas especiais que já existiam no hospital. 1001
Quanto à possibilidade das resoluções serem aceitas, Aragão escreve:

Creio que a minha proposta não encerra cousa alguma


impossível de ser posta em pratica, em um meio scientifico como o
nosso; precisamos apenas de união de vista, amor pela nossa
instituição e boa vontade, visando a grandeza da nossa Patria.1002

Finalmente, ao defender a existência de tais cursos, Aragão afirma que na


Europa estes eram realizados anualmente, mesmo em tempos de paz.
Os acontecimentos decorrentes da Primeira Guerra Mundial também seriam
sentidos no cotidiano do Boletim. O editorial do seu quinto ano chama atenção para este
aspecto, ao destacar a irregularidade das publicações como podemos ver em seguida:

REASSEGURANDO...

Com o presente número entra o Boletim em phase nova,


devendo ser publicado mensalmente e com o desenvolvimento
necessário. Torna ao programma primitivo, que se traçara há mais de
quatro annos, quando foi iniciada a sua publicação, como orgam da
Sociedade Medico-Cirurgica Militar.
Explicações acerca da irregularidade de seu
apparecimento, verificada logo após á sahida dos primeiros números,
são perfeitamente escusáveis. As consequências da grande guerra
mundial, repercutindo intensamente por toda a parte, crearam ás
empresas, embora modestas como esta, os mais sérios embaraços ao
seu objectivo e desenvolvimento.

1001
ARAGÃO, João Muniz de. “Uma medida necessária ao Corpo de Saúde”, Boletim da Sociedade
Medico-Cirurgica Militar, Rio de Janeiro, Ano III, n.11-12, p.49-51, mai-jun. 1918, cf.p.49-50.
1002
Ibidem, p.50.

334
Agora, felizmente, que tudo tende á normalisação, natural
é que a Sociedade Medico-Cirurgica Militar, e, portanto, o seu
Boletim voltem aos compromissos antigos de bem servir aos
interesses do Corpo de Saúde do Exército, o que equivale a dizer os do
Paiz, pois o problema militar brazileiro está dependente do da Saúde
em geral. Si é obrigação de todo o cidadão o serviço militar, também é
necessário que o soldado possua saúde e resistência precisas ao cabal
desempenho de sua patriótica missão.
Deste importante papel que cabe ao Corpo de Saúde do
Exército, na grande obra de saneamento nacional, pretende fazer o
Boletim profícua divulgação e o campo preferido de suas
indagações.1003

Para o Boletim, uma das formas de melhora o Serviço de Saúde e, assim, a


tarefa de cuidar do soldado no “desempenho de sua patriótica missão” era a
especialização de seus oficiais médicos. Desta forma, o editorial de janeiro de 1920 teria
como título: Pela Especialização.1004 Neste texto temos uma crítica à forma
“desinteressada” do brasileiro, além da crítica àqueles sustentados pela herança ou
amparados “no galho dum emprego público”. Diante disso, o editorial solicita que não
fossem assim e que contribuíssem, ainda que como uma pequena parcela, para a
construção do país. 1005
Um caminho apontado é justamente o da especialização, citando o exemplo
de fábricas e da produção na tecelagem. Ali se caracterizava a especificidade de cada
função, contribuindo para o desenvolvimento de cada uma daquelas atividades. O
mesmo deveria ocorrer com a medicina militar. Se em um primeiro momento criticava-
se a “inação” do brasileiro, então o médico também não estaria livre de críticas, já que

vemos médicos que acham que a medicina militar deve ser


encyclopedica, que cada tenente ou coronel medico deve ser um
Chernoviz, mixtura indigesta de polypharmacia e cirurgia
preantiseptica.
Isso é um erro, é quase um crime.
O pequeno clínico, o “praticien” de França que faz de
tudo um pouco, é acceitavel no interor, é admissível na tropa mas só
tem razão de existir desde que por traz delle, capazes de resolverem os
problemas complexos que o embaraçam, estejam os especialistas
feitos na longa observação, no longo estudo seriado do ramo que
professam. 1006

1003
“Reassegurando”, Boletim da Sociedade Médico-Cirúrgica Militar, Rio de Janeiro, Ano V, n.6,
p.111, dez. 1919.
1004
“Pela especialização”, Boletim da Sociedade Médico-Cirúrgica Militar, Rio de Janeiro, Ano V, n.7,
p.169-171, jan.1920.
1005
Ibidem, p.169.
1006
Ibidem, p.170.

335
A especialização era necessária na medida em que forneceria um
profissional de grande nível técnico que prestaria seus serviços “em prol do interesse
geral”, ou seja, do soldado sorteado que é incorporado às fileiras do exército. O ingresso
destes especialistas se daria por meio de concurso entre militares. Após escolhidos,
chefiariam as clínicas hospitalares e teriam o apoio dos médicos de tropa que fariam
estágio de um ou dois anos, o que possibilitaria a aquisição de conhecimentos dos quais
1007
careciam em um ou outro ramo. Com isso, os profissionais responsáveis pela
direção de um ou outro serviço seriam aqueles que conheceriam o cotidiano, não
prevalecendo o quadro que existia até então em que as especialidades não eram
consideradas no momento em que se destinava um médico para determinada área que
não a sua.
Na comemoração de seu sexto aniversário, o editorial do Boletim reafirmava
a importância da medicina militar, do Corpo de Saúde e, principalmente, das mudanças
provocadas pela “experiência da Grande Guerra”. Atentava-se para a saúde do soldado
e, da mesma forma, do trabalho a ser feito:

Apesar, porém, do que já se tem feito em prol da saúde


do nosso solado, forçoso é confessar que muito, senão quase tudo, está
ainda por fazer, tal a complexidade de tão importante problema, do
qual depende efficiencia, antes do mais, a efficiencia da tropa.
Não é possível que, diante do adiantamento que têm tido
os conhecimentos médicos, refundidos quase por completo as
sciencias medicas militares, refundidas quase por completo com os
ensinamentos e experiência da Grande Guerra, sobre tudo ao que diz
respeito ás conquistas no domínio da hygiene fiquemos estacionários e
presos aos velhos moldes, sob pena de vermos as nossas attribuições
serem invadidas pelos que têm o dever de zelar pela saúde das
collectividades, das quaes o Exercito não é mais do que uma parte. 1008

A 1ª Guerra Mundial é citada de forma recorrente em vários anos do


Boletim. No entanto, não localizamos qualquer tipo de artigo tratando da Missão Médica
Militar Brasileira responsável pelo auxílio ao Exército da França naquele combate.
Entendemos que a revista voltava-se para aspectos técnicos em seus artigos e reuniões
da Sociedade, mas não conseguimos identificar um padrão ou uma resposta para a
ausência acerca da participação do Serviço de Saúde do Exército brasileiro no teatro de

1007
Ibidem, cf.p.170-171.
1008
“O Nosso Anniversario”, Boletim da Sociedade Médico-Cirúrgica Militar, Rio de Janeiro, Ano VI,
n.1, p.1, jul. 1920.

336
operações. No entanto, não conseguimos localizar no Boletim qualquer artigo produzido
pelos militares que foram convocados para a referida Missão.
Enquanto notamos esta ausência, o mesmo não podemos dizer da Missão
Francesa nas páginas do Boletim. O editorial da edição de número três, publicada em
setembro de 1920, foi intitulado A remodelação do Corpo de Saúde do Exército1009 e
apresentava, de forma resumida, as transformações pelas quais o exército estava
passando em função da presença dos oficiais franceses e seus possíveis reflexos no
Corpo de Saúde. Na opinião deste, o exército passava por uma transformação tão
profunda que parecia que ele efetivamente nunca existira como máquina militar e que só
a partir de então começara a existir. No entanto, se toda a organização militar estava
sendo reestruturada pela Missão Francesa, o serviço que permanecia com sua
“organisação primitiva” era o Serviço de Saúde.1010
Para reverter o quadro eram necessários “todos os recursos para que, a partir
da instrucção e especialisação adequadas, todo o pessoal seja treinado constantemente
nas particularidades do serviço em campanha”. 1011 Novamente retoma-se o tema que
fora assunto de outro editorial: a especialização. Os médicos militares não poderiam ser
especialistas de todas as áreas, buscando a especialização através de curso de
aperfeiçoamento em suas áreas de formação. Por fim, destaca que os instrumentos de
seleção e aperfeiçoamento a partir destes cursos já eram uma realidade nos exércitos
estrangeiros, sendo, então, algo inadiável para o exército brasileiro.
A questão de uma Missão Médica para o Exército não era debatida apenas
nas publicações militares ou destinadas a estes. Esta seria o tema do editorial de Brazil-
Médico em sua edição de novembro de 1920 e que geraria uma discussão entre este
periódico e o Boletim que se daria por edições consecutivas. 1012 O texto em questão
iniciava tratando das notícias publicadas diariamente pela imprensa do Rio de Janeiro
acerca de uma missão médica militar que viria anexada à Missão Francesa. No entanto,

1009
“A remodelação do Corpo de Saúde do Exército”, Boletim da Sociedade Médico-Cirúrgica Militar,
Rio de Janeiro, Ano VI, n.3, p.103-105, jul. 1920.
1010
Ibidem, p.103.
1011
Ibidem.
1012
“Editoriaes”, Brazil-Médico, Ano XXXIV, n.46, p. 758, 13 de novembro de 1920.
“O periódico Brazil-Médico surgiu em 15 de janeiro de 1887. Era uma revista publicada semanalmente e
tinha um vínculo com a Faculdade de Medicina do Rio de Janeiro. O doutor Azevedro Sodré, médico e
professor, é considerado o criador e diretor dessa revista...”. MENDES, Maria Isabel B. de Souza;
NÓBREGA, Terezinha P. da. “O Brazil-Médico e as contribuições do pensamento médico-higienista
para as bases científicas da educação física brasileira. História, Ciências, Saúde – Manguinhos, Rio de
Janeiro, v.15, n.1, p.209-219, jan-mar. 2008.

337
já indicava que “não podemos acreditar esteja realmente o governo rezolvido a
promovel-a”.1013
A explicação dada pelo Brazil-Médico é que a mesma excelência que se via
no exército francês não poderia ser dita do seu serviço de saúde. Neste trecho, critica-se
claramente esta força auxiliar:

Peza-nos ter de deizel-o, e não o fazemos senão forçados


pelas circumstancias, que a verdade é que desde a primeira hora da
guerra e durante todo o seu curso os serviços de saúde do exercito
francez se revelaram La organizados, inefficientes, deixando
immensamente a desejar. Mesmo ao fim da guerra, depois de
incessantes modificações, não resistia esse serviço ao mais leve
parallelo com os do exercito inglez ou do americanos, para não falar
no allemão, cuja efficiencia foi certamente o principal factor do
reduzidíssimo numero de perdas humanas desse exercito em
comparação co as dos alliados.1014

Enquanto o exército alemão aproveitava todas as suas capacidades médicas


e cirúrgicas desde o início, os franceses desperdiçaram seus médicos e especialistas nas
trincheiras, como soldados comuns. Ao mesmo tempo, no caso deste último,

milhares de feridos se sacrificavam nos hospites de sangue, entregues


aos officiaes médicos de postos superiores, especializados na
burocracia – pela má organização dos serviços em tempo de paz. 1015

Depois o quadro mudaria um pouco, pois os cargos técnicos foram


destinados aos médicos de competência reconhecida – sendo civil ou militar. Contudo, a
estrutura administrativa do Serviço de Saúde continuava nas mãos dos médicos do
exército, ainda que com competições e atritos constantes.
Portanto, não seria este tipo de organização que o exército brasileiro
necessitava para o seu Serviço de Saúde. Diante dos fatos expostos pelo Brazil-Médico,
o serviço de saúde do exército francês não poderia “ser de forma alguma aceito como
paradygma”. Desta forma, se sugere que os médicos brasileiros que haviam estado no
front durante a 1ª Guerra deveriam organizar seus próprios serviços de saúde. Isto
porque estiveram na Europa no decorrer da contenda e observaram diversas

1013
“Editoriaes”, Brazil-Médico, Ano XXXIV, n.46, p. 758, 13 de novembro de 1920.
1014
Ibidem, p.758.
1015
Ibidem.

338
organizações.1016Por fim, se a missão médica anexa fosse uma missão de instrução
médico-cirúrgica, técnica e não de organização, esta seria bem recebida, desde que fosse
composta por aqueles médicos e cirurgiões que se fizeram notáveis na guerra.
A resposta ao Brazil-Médico se daria no editorial imediatamente da edição
de número quatro, de outubro de 1920, que recebera o mesmo título daquele artigo (A
missão médica para o Exército) e com subtítulo “Resposta a um artigo do Brazil-
Médico”.1017 O texto é escrito para “Mr. Joseph Prudhomme” que, como o próprio
editorial explica, é “o tipo característico em França, creado por Monnier, do individuo
dogmático e balofo”.1018 O personagem é acusado de francofobia e, em função disso,
1019
fariam ali “deutsche Zitate”, trechos de autores alemães (Schiller e Heine)1020
entremeados com a “língua insípida da Gallia”. 1021
O que nos importa, no editorial do Boletim (sob o título de Revista da
Sociedade Médico-Cirúrgica Militar desde a edição de agosto daquele ano) é o fato de
que sua redação afirma que o Mr. Prudhomme havia dissertado acerca de um tema que
não conhecia e muito menos entendia. E, sem seguida, explica o motivo da contratação
da missão e o questionamento ao personagem para o qual se escreve:

Admittida pelo nosso Governo a utilidade de contractar


missões instructoras no estrangeiro, o ramo que menos as dispensaria
é o Corpo de Saúde, não para aprender medicina, ´Mr. Prudhomme,
porque tal seria uma affronta á nossa Faculdade na qual pontificou o
Director de vossa Revista e os médicos militares brasileiros
prefeririam, num gesto de nacionalismo, resgatar com esforço próprio,
por qualquer meio decente, o tempo que tivessem malbaratado
naquella frequência que berrar na Europa a incompetência de seus
mestres.

1016
“Editoriaes”, Brazil-Médico, Ano XXXIV, n.46, p. 758, 13 de novembro de 1920.
1017
“A Missão Médica para o Exército”, Revista Médico-Cirúrgica Militar, Rio de Janeiro, Ano VI, n.4,
p.167-169, out. 1920. Há um fato interessante quanto à cronologia destas publicações. O artigo ao qual se
refere o Boletim foi lançado em data posterior à sua publicação. Como vimos anteriormente, o editorial de
Brazil-Médico data de novembro de 1920 e, ao analisarmos o índice contendo todos os artigos publicados
no ano anterior e naquele ano, só encontramos uma referência ao artigo sobre a Missão Médica para o
Exército em 1920. A edição do Boletim, no entanto, é de outubro daquele ano. No entanto, sabemos que
houve vários erros de impressão relativos à numeração desta revista ao longo de todo o seu período,
atribuindo numeração e meses que não correspondiam ao intervalo ao qual deveria encontrar-se. Assim,
entendemos que este deve ter sido o caso em questão.
1018
Ibidem, p.169.
1019
“Citações alemãs”.
1020
Friedrich Schiller (1759-1805): poeta, filósofo e historiador alemão. Fonte:
http://pt.wikipedia.org/wiki/Friedrich_Schiller, acessado em 24/07/2013.
Heinrich Heine (1797-1856): poeta romântico alemão. Fonte:
http://pt.wikipedia.org/wiki/Heinrich_Heine, acessado em 24/07/2013.
1021
“A Missão Médica para o Exército”, Revista Médico-Cirúrgica Militar, Rio de Janeiro, Ano VI, n.4,
p.167-169, out. 1920, p.167.

339
Não há tal coisa porém, Mr. Joseph, os mestres foram
magníficos e dos discípulos que se dedicaram de vida e interesses á
Medicina Militar bom numero há, damos palavra ao vosso desdém
pela farda, que, na modéstia da caserna, guardamos cabedal scientifico
valioso.
Demais, uma perguntinha indiscreta ás vossas palmas a
“uma missão de instrução medico-cirurgica puramente technica”. Por
acaso uma missão que venha ensinar táctica sanitária não é puramente
technica? E puramente technica “médico-cirúrgica militar?” E é
exactamente disso que nós precisamos porque faltou, graças da Deus,
o grande livro, a guerra onde todas as nações da Europa foram
aprender a alterar, modificar e substituir processos que julgavam
excellentes. E inclusive, inclusive a Allemanha, Mr. Prudhomme! 1022

Outro ponto de questionamento se volta para a proposta de Brazil-Médico


ao aconselhar que os médicos brasileiros que haviam estado na França auxiliassem no
processo de organização. No entanto, redação do Boletim questiona: “que poderiam
fazer aqui (...) se lá e só lá na França estiveram”. 1023
Sobre a sugestão acerca do serviço sanitário americano, quando se compara
o serviço de saúde francês àquele da Inglaterra e Estados Unidos, o Boletim questiona
“Serviço sanitário americano?! Laissez – moi rire!” e o classifica como nem bom nem
ruim. Assim, ao defender os franceses, afirma:

Collega, se a França não tivesse serviço sanitário não


teria resistido um só anno de guerra. É que não dormistes nunca uma
só noite numa trincheira ou no fundo duma grotta...1024

Caracterizar aquele que escreve como nunca tendo passado uma noite na
trincheira significa que se trata de um civil, um paisano. Por este motivo, o fato da
revista ser “civil” também é fonte de ataque quanto ao desconhecimento acerca daquilo
que se propõe a criticar:

Não lanceis um tão duro anathema e tão leviano sobre os


médicos militares franceses ainda mais partido do alto de uma revista
medica e civil que em ser “civil” deve sempre primar.1025

Ao concluírem a crítica aos “colegas da redação Brazil-médico e Snr.


Redactor de tão infeliz artigo”, ressaltavam a importância da publicação no cenário
1022
“A Missão Médica para o Exército”, Revista Médico-Cirúrgica Militar, Rio de Janeiro, Ano VI, n.4,
p.167-169, out. 1920, p.167-168.
1023
Ibidem, p.168.
1024
Ibidem.
1025
Ibidem.

340
científico nacional e lamentavam o fato de terem “emitido conceito tão doloroso e
ofensivo quanto esse certificado de ignorantes passado a toda uma classe e demais
nossos colegas estrangeiros”. Por fim, propõem uma reflexão acerca de realidade
contrária, ou seja, se artigo daquele tipo fosse publicado na França ou na Alemanha
provocaria indignação da classe médica brasileira e concluem o editorial com a
afirmação de “quem quer ser respeitado...”.1026
A réplica a este editorial do Boletim viria na edição de janeiro de 1921 do
Brazil Médico. No editorial daquele ano, a redação do periódico civil afirma, a respeito
da decisão de opinar acerca da Missão Médica francesa e o que esta significaria para o
exército brasileiro, que

Fizemol-o com a consciência de cumprir um dever, tanto


mais constrangidos quanto obrigados a emittir conceitos de critica
sobre o corpo de saúde do exercito de um paiz extrangeiro a que
estamos ligados por legítimos interesses e preciosas relações pessoaes
de amizade.
Não discutimos as vantagens e inconvenientes de uma
missão extrangeira, mostramos apenas, com a necessária franqueza,
que seria absurdo irmos buscal-a precisamente n’um corpo de saúde
que notoriamente não dera provas de optima organização. Fizemos ver
mais que si a missão se destinava apenas a ensinar a especialização
medico-militar, na sua parte medica propriamente dita, seria Ella inútil
ou perniciosa pois julgávamos que os nossos médicos militares nada
teriam a aprender com os seus colegas franceses.1027

A redação do Brazil Médico se defendia argumentando que protegia os


interesses de seus colegas médicos militares do Corpo de Saúde. Além disso, admitem
que podem ter cometido um erro e “que a vinda da missão franceza satisfaça
plenamente ás necessidades do Corpo de Saúde do Exército”. Contudo, ressaltava que
isto não significa que não pudessem opinar quanto à missão e esclarecia que tal atitude
foi um “movimento de sympathia e solidariedade de classe”. 1028
Em razão disso, o editorial do Brazil Médico criticava o conteúdo e a forma
do artigo publicado pelo Boletim, como destacamos no trecho a seguir:

Não agradou o nosso artigo á redacção da Revista


Medico-Cirurgica Militar. Fomos logo d’isso informados assim como
da publicação de uma resposta pelas columnas d’esse jornal.

1026
Ibidem, p.169.
1027
“Editoriaes”, Brazil-Médico, Ano XXXV, n.1, p. 9-10, 1 de janeiro de 1921. Grifo nosso.
1028
Ibidem, p.9.

341
Previamos fizesse essa redacção uma defeza completa da organização
franceza, um paralelo documentado com as demais organizações.
Ao emvez d’isso, publicou a Revista em sua primeira
columna, um artigo inqualificável, cheio de pesadas aggressões
pessoaes, em estylo de pasquim amarello. Ainda que assignado ou
com pseudonymo, não seria esse artigo, pelo seu gênero, digno da
ultima columna de uma Revista scientifica, nem mesmo como matéria
paga. Veio entretanto na primeira columna e, o que é de pasmar,
assignado pela redacção, isto é, subscripto pelos Drs. MONIZ DE
ARAGÃO, ARTHUR LOVO, RIBEIRO DO COUTO, ALENCASTRO
GUIMARÃES, MARIO SATURNINO, MURILLO DE CAMPOS, CARLOS
FERNANDES e PAULINO BARCELLOS, pois a Revista não tem redactor-
chefe nem secretario. 1029

Em seguida, questionava-se se estes médicos haviam realmente lido e


assinado o artigo publicado no Boletim. Para a redação de Brazil Médico,

houve (...) abuso de confiança permittindo-se um qualquer trinca-


espinhas irrequieto, desmoralizar columnas de uma revista scientifica
com a sua producção biliosa, salpicada de phrasesinhas francezas,
cheirando a cabarets de Montmartre.1030

Responsabilizando-se pelo que escrevera − em uma clara provocação ao


periódico militar − o Brazil Médico explica que seus artigos editoriais têm dois
responsáveis e que seu responsável direto era o “redator-secretário”. No entanto,
ressalta que os artigos “têm sempre caracter impessoal; respeitando as tradições de trinta
e cinco annos de publicidade”.1031
Assim, o editorial de Brazil Médico finaliza da seguinte forma:

Não nos podem attingir os desaforos e faltas de respeito


de qualquer anonymo. No caso, porém, está envolvida a
responsabilidade dos collegas acima citados, que constituem a
Commisão de Redacção da Revista Medico-Cirurgica Militar e só por
isso, não os acreditando conscientemente responsáveis, é que nos
resignamos a escrever estas linhas.

A tréplica estaria no último ano do Boletim, em sua edição de dezembro de


1920, em que reafirma sua posição tomada no editorial de outubro:

A Redacção da Revista Médico-Ciruúrgica Militar


declara ao Brasil Médico que leu, releu, aprovou e assume integral

1029
Ibidem.
1030
Ibidem.
1031
Ibidem, p.10.

342
responsabilidade pelo editorial do seu numero de Outubro do corrente
ano.
Declara mais esta Redacção que nenhum dos seus
redactores é capaz de “abusos de confiança” (Não nos confundamos!)
e entre os seus membros impera essa honorabilidade e esse respeito
mutuo que reppellem violenta e altivamente essa linguagem de
menino “nervoso” de que se serviu esse jornal medico. 1032

Assim, a redação do Boletim desafiava que o periódico civil publicasse seu


artigo e acusava os redatores de possuírem “espírito de jacobinos” ao serem contra a
vinda da Missão Francesa. Além disso, acusava o Brazil Médico de apresentar
argumentos que “mantinham-se em pé como saccos vasios” e destacava que a França
“fez a guerra e não morreu devorada pelo typho, pela cholera, apodrecida pelas
gangrenas”.1033
Se para a Redação do Boletim, o articulista do Brazil Médico apenas “gritou
que o serviço sanitário francez não vale nada... e os médicos inda menos”, convidava-o
a apresentar fatos em documentos que demonstrassem “a fallencia do serviço e pessoal
sanitários francezes em comparação com qualquer outro”. Tal ação se daria na tribuna
do salão do Hospital Central do Exército ou no Clube Militar através de uma
conferência pública e em linguagem técnica. Caso a mesma ocorresse,

Desistiremos de intentar qualquer defesa para a qual nos


sobravam documentos, provas, litteratura, planos de estados-maiores,
testemunhas oculares desde que a conferencia prove a vossa accusação
que teimamos em chamar de leviana. Se não levantardes a luva que
sois?1034

Era o final da discussão e o último ano da revista sob o nome Boletim


Médico-Cirúrgico Militar (ou Revista Médico Cirurgica-Militar a partir de setembro de
1920). Encerrava-se a sua primeira fase e era dado início à Revista de Medicina e
Higiene Militar.

1032
“A Missão Médica para o Exército”, Revista Sociedade Médico-Cirúrgica Militar, Rio de Janeiro,
Ano VI, n.6, p.269-270, dez. 1920.
1033
Ibidem, p.269-270.
1034
Ibidem, p.270.

343
4.3. Revista de Medicina e Higiene Militar (1921-1931)

A Revista de Medicina e Higiene Militar constituiria a segunda fase do


Boletim Médico-Cirúrgico Militar, incorporando duas revistas: A Medicina Militar (a
partir de julho de 1923) e a Revista de Química e Farmácia Militar, que era uma
publicação do Laboratório Químico Farmacêutico Militar. Com isto, passou a ser a
única publicação representante do Serviço de Saúde do Exército, ainda que não fosse de
caráter oficial da instituição por um longo período de sua existência.
Enquanto na Medicina Militar teve importância a figura de Ismael da Rocha
como seu fundador e idealizador, a Revista de Medicina e Higiene Militar (RMHM)
teria Arthur Lobo como seu maior “sustentáculo”, uma vez que fora também o
responsável pelo Boletim, uma já que na ocasião de sua criação era o presidente da
Sociedade Médico-Cirúrgica Militar. O oficial médico além de diretor era o redator
principal da revista.
A RMHM apresentava ainda seus membros divididos na “Colaboração
Científica” e na “Redação”.1035 O primeiro grupo totalizava vinte e oito colaboradores
dentre médicos militares e professores de medicina. A “Redação” contava com cinco
componentes, sendo o seu redator principal o oficial médico Murillo Campos. Dentre
aqueles que constituíam o quadro de colaboradores, há dois nomes que merecem

1035
No primeiro grupo atuavam: os oficiais General médico Ivo Soares, Contra-Almirante médico F.
Freitas Filho, Coronel médico Alvaro Tourinho; os professores Miguel Couto, Juliano Moreira, Afranio
Peixoto, Abreu Fialho, Eduardo Rabello, Cezario de Andrade, Carlos Fernandes; e os doutores Antonio
Faustino, Ferreira do Amaral, Guedes de Mello, Ribeiro do Couto, Souza Ferreira, Petrarca de Mesquita,
Getulio dos Santos, Paranhos Fontenelle, Porto Carrero, Carlos Eugenio, Alarico Damasio, Rocha
Marinho, Alencastro Guimarães, Mario Bittencourt, Dario de Aguiar e Ismar Mutel. Seu corpo editorial
era composto pelos médicos civis e militares Bueno do Prado, Arthur Moses, Arthur Lobo, Murillo de
Campos (redator principal) e capitão médico Mario Saturnino. Revista de Medicina e Higiene Militar,
Rio de Janeiro, Ano XIV, n.1, jan. 1925.
Chama nossa atenção a participação de Arthur Moses. Médico formado pela Faculdade de Medicina do
Rio de Janeiro, fora assistente no Instituto Oswaldo Cruz, presidente da Academia Brasileira de Ciências
em períodos diversos (1933-1935, 1941-1943, 1947-1949, 1951-1965), além de ter figurado, na década de
1920 no corpo editorial de uma das principais revistas de divulgação científica alemã, a Revista Médica
De Hamburgo. Para mais detalhes acerca deste último ponto, ver: SÁ, Magali Romero; SILVA, André
Felipe Cândido da. “Por entre as páginas do imperialismo germânico na América Latina: a Revista
Médica de Hamburgo e a Revista Médica Germano-Ibero-Americana (1920-1933)”. In: SIMPÓSIO
NACIONAL DE HISTÓRIA, 24, 2007, São Leopoldo, RS. Anais do XXIV Simpósio Nacional de
História – História e multidisciplinaridade: territórios e deslocamentos. São Leopoldo: Unisinos, 2007.
CD-ROM. SÁ, Magali Romero et al. “Medicina, ciência e poder: as relações entre França, Alemanha e
Brasil no período de 1919 a 1942”. História, Ciências, Saúde-Manguinhos, Rio de Janeiro, v. 16, n.
1, mar. 2009. Disponível em http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0104-
59702009000100015&lng=pt&nrm=iso. WULF, Stefan. “The Revista Médica project: medical journals
as instruments of German foreign cultural policy towards Latin America, 1920-1938”. História, Ciências,
Saúde-Manguinhos, Rio de Janeiro, v. 20, n. 1, mar. 2013. Disponível em:
http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0104-59702013000100010&lng=pt&nrm=iso.

344
destaque: Alarico Damasio e Carlos Fernandes. Estes se encontravam entre os médicos
que formariam a Missão Médica Militar Brasileira à França, no final da 1ª Guerra
Mundial. Além de pertencerem ao quadro fixo da revista, cada um deles contribuiu com
um artigo. Damásio escreveria “O médico Militar Através dos Tempos”, publicado nas
edições de número 10 e 11 do ano de 1922 tratando da história da medicina militar e da
mudança da compreensão quanto à importância do papel do médico nas Forças
Armadas. Carlos Rocha Fernandes escreveria acerca das especializações médicas do
Corpo de Saúde do Exército no ano de 1923 no sexto número daquele período. Este
artigo, intitulado “Na Encruzilhada”, geraria reação por parte de um de seus leitores.
Contudo, nos deteremos nesta discussão em etapa posterior do presente capítulo.
Além de Damásio e Carlos, teríamos a publicação de trabalhos de outro
médico que esteve naquela missão. Em 1921, Souza Ferreira publicaria seu “Evolução e
Progressos da Cirurgia durante a Guerra de 1914-1918”, nas edições de números 6 e 7.
Este artigo seria uma iniciativa da Sociedade Médico-Cirúrgica Militar ao convidar os
médicos militares que haviam regressado do teatro de guerra francês, tendo servido na
Missão Militar sob o comando do General Aché. Afora este trabalho, apresentou um
resumo sobre o Congresso de Medicina e Farmácia Militares nas edições de números 2
e 3, em 1922.
A estruturação da RMHM era basicamente a mesma vista no Boletim. A
cada edição, se dividia nas seguintes seções: editorial ou artigo introdutório, artigos de
conteúdos voltados para a temática da revista, Pelas Associações Médicas, Analyses e
Actos Oficiaes. Não nos deteremos em explicações pormenorizadas acerca de cada uma
destas partes, na medida em que já fizemos no item correspondente ao Boletim. No
entanto, o conteúdo que identificamos na RMHM não apresenta o mesmo caráter/rigor
técnico como encontramos na sua antecessora, sendo o seu título o que limitava a sua
natureza e que definia “qualidade dos trabalhos” a serem publicados. 1036
Dentre os nossos temas norteadores,1037 no intervalo correspondente a esta
fase da revista (1921-1931), temos cento e doze artigos. Destes, dezesseis tratavam de
temática relativa à higiene, dividindo-se nos seguintes assuntos: dois sobre educação
física; dois para profilaxia; cinco para vacinação. Cinquenta e um artigos contribuíram
para os estudos de higiene militar, classificados nestes subitens: educação física, com

1036
“Editorial”, Revista de Medicina e Higiene Militar, Rio de Janeiro, Ano VIII (II da 2ª série), n.1, p.1-
2, jan. 1922.
1037
Ver Anexo 4, p.455.

345
dois artigos; um artigo sobre alimentação, tratando das rações militares no Exército;
habitação somaria dois artigos, sendo um deles tratando de sanatórios para militares
tuberculosos; um para vestuário, voltado para o estudo dos chapéus em campanha; dois
sobre profilaxia; três para vacinação; e quarenta textos destinados a outros temas de
higiene militar, como a higiene para o soldado, cartilhas higiênicas destinadas aos
mesmos, modelos de fichas antropométricas, etc. A Missão Militar
Francesa/Modernização foi abordada por três artigos. Os Serviços de Saúde somariam
trinta artigos, nos quais vinte e cinco destinados ao Serviço de Saúde do Exército
brasileiro, quatro de Serviços de Saúde de exércitos estrangeiros (neste total, o Cuerpo
de Sanidad do exército argentino teria dois artigos, o Japão teria um e os EUA também
com um) e um a respeito do Serviço de Saúde do Exército francês. Como a revista
destinava-se à discussão sobre medicina e higiene militar, consideramos pertinente
identificarmos, além dos nossos temas norteadores, publicações voltadas para a
medicina e/ou saúde militar. Desta forma, encontramos doze que tratam desta questão.
O editorial inaugural de Revista de Medicina e Higiene Militar, intitulado
Explicação Necessária, expõe a forma como a publicação foi concebida e, também, a
opinião de seus colaboradores, editores, etc, acerca da sua importância. Da mesma
forma como fizemos com os periódicos militares anteriores, consideramos de enorme
importância que seu conteúdo seja exposto aqui na sua forma original e integral, ou seja,
aquela publicada pela Revista em suas primeiras páginas. Neste seu primeiro editorial,
verificamos os reflexos da 1ª G.M. nos exércitos e, principalmente, nos seus Serviços de
Saúde, conforme seu texto abaixo:

EXPLICAÇÃO NECESSARIA

Os ensinamentos da recente guerra mundial


demonstraram a necessidade dos problemas sanitários das corporações
armadas merecerem a attenção não só dos médicos militares, como
também dos médicos civis, principalmente no tocante a certas
especializações. A collaboração de uns e outros no seu estudo e
solução constitue, desde o tempo de paz, a melhor garantia de
efficiencia dos serviços sanitários por occasião de campanha. E nem
poderia deixar de assim acontecer se a classe medica civil é o grande
manancial que deve preencher os claros profissionaes e téchnicos
creados e exigidos pela guerra.
Entre nós, há muito que os médicos em geral se
interessam vivamente por todas as questões de saneamento e de
educação physica, que dizem de perto com o problema da defeza
nacional. Raro mesmo é o profissional que, no culto diário da sua

346
especialidade, não tenha procurado ligal-a a certas noções oriundas da
grande guerra e que poderiam ter applicação em nosso meio.
O propósito de favorecer e systematisar estas iniciativas
determinou a fundação desta Revista. Verdade é que já havia a
“Revista Médico-Cirúrgica Militar”, mas esta, como órgão da
Sociedade Médico-Cirúrgica Militar, não poderia soffrer a
transformação necessária. Mediante um accordo com a diretoria dessa
Sociedade ficou entretanto resolvido que esta Revista, que surge em
seguimento daquella, continue a publicação de todos os seus actos
sociaes.
Por isso confiantes na boa vontade e apoio dos colegas,
cultores dos assumptos de hygiene e de medicina militar, fazemos
todo o empenho para que este emprehendimento corresponda ao
elevado objectivo em mira.1038

Enquanto o Boletim se caracterizava por um conteúdo mais técnico, voltado


para as discussões que se davam na Sociedade Médico-Cirurgica Militar, percebemos
que a Revista de Medicina e Higiene Militar surge baseada na necessidade de se discutir
as transformações pelas quais passara a medicina militar em função dos acontecimentos
da 1ª Guerra Mundial, além de ser editada no período em que a Missão Militar Francesa
já atuava no exército brasileiro. Se aquele se caracterizava como um periódico voltado
para discussões do meio militar e limitando-se à publicação produzida no seu interior, a
Revista se colocaria também para a produção de médicos civis. Desta forma, sua
constituição/criação representou um esforço para que a discussão em torno da medicina
e higiene militar não ficasse restrita aos “intelectuais da caserna”, mas em que houvesse
o predomínio da medicina militar e não dos médicos.1039
Este aspecto é claramente defendido no editorial da comemoração do
primeiro aniversário da revista, dando início à sua segunda fase. Identificando que o
periódico estava limitado às produções da natureza do seu título, ou seja, higiene e
medicina militar, este mesmo texto afirma que

De soldados ou de paizanos, Ella os acolhe ou os recusa,


conforme possam, ou não, interessar ao seu programma, que é servir
ás idéas, e não aos ideadores, á Medicina Militar, e não aos médicos.
[...]

1038
“Explicação Necessaria”, Revista de Medicina e Higiene Militar, Rio de Janeiro, Ano I, n.1, p.302,
jan.1921.
1039
Esta estrutura de contribuições de médicos civis e militares sofreria alteração a partir de 1925, quando
a revista passaria a ser o único jornal médico militar do território nacional e estaria voltada para as
conferências semanais que ocorriam no Hospital Central do Exército.

347
Não lhe falte nunca essa collaboração vivificante e
decisiva de todos os technicos, assim civis, como officiaes dos Corpos
de Saude Militares.1040

Ainda que não fosse uma publicação feita exclusivamente por profissionais
da caserna, da mesma forma como vimos na Medicina Militar, a RMHM também
pretendia aproximar “os elementos dos Corpos de Saúde” que se encontravam “esparsos
pelo territorio da Republica”. Além disto, buscava, através de seus artigos,

oriental-os segundo as correntes evolutivas de idéas


preponderantes no nosso meio profissional, offerecer-lhes o
intercambio dessas mesmas idéas, levar-lhes e tomar-lhes
informações sobre tudo quanto interesse á nossa Medicina
Militar, estimulal-os uns com os outros e, deste modo, alargar-
lhes os horizontes de trabalho e de collaboração (...). 1041

Este aspecto foi constantemente reafirmado em seus editoriais


1042
posteriores. Ao tratar da incorporação da revista A Medicina Militar, que já estava
no seu décimo segundo ano de publicação, a redação da RMHM, enfatizava a entrada
em uma nova fase e afirmava que “Não há alteração no seu título, nem na sua orientação
scientifica, nem nos seus fins de propaganda e defesa do Corpo de Saude do Exercito”. 1043 Da
mesma forma, em seu primeiro aniversário após a reunião de todos estes periódicos,
configurando a nova fase da RMHM, a revista afirma que o seu programa de trabalho
estava conservado e que a revista procurava “dedicar-se aos interesses intellectuaes e
profissionaes do Corpo de Saude do Exercito”. Contribuíam, desta forma, “muitos de
nossos cientistas”, tanto do meio civil quanto militar, com artigos a respeito dos
problemas “em todos os exércitos modernos”. 1044
A tentativa de entender os progressos empreendidos pela 1ª G.M é vista na
Revista, na medida em que conta com parte do efetivo de médicos militares que esteve

1040
“Editorial”, Revista de Medicina e Higiene Militar, Rio de Janeiro, Ano VIII (II da 2ª série), n.1, p.1-
2, jan. 1922, p.2.
1041
Ibidem, p.2.
1042
“Hemos sustentado sempre o ideal esboçado nos nossos primeiros numeros, isto é: diffusão de
conhecimentos technicos no Corpo de Saúde do Exercito, aproximação e confraternisação de seus
membros, finalmente defesa de medidas que favoreçam aquelle mesmo Corpo”. “Nosso anniversario”,
Revista de Medicina e Higiene Militar, Rio de Janeiro, Ano XV, n.1, p.1-2, jan. 1926.
1043
“Revista de Medicina e Hygiene Militar. Incorporação da ‘Medicina Militar’”, Revista de Medicina e
Higiene Militar, Rio de Janeiro, Ano XII da 2ª série, n.7, p.159-160, jul. 1923, p.159.
1044
“Revista de Medicina e Hygiene Militar”, Revista de Medicina e Higiene Militar, Rio de Janeiro,
Ano XIII (IV da 2ª série), n.1, p.1, jan. 1924.

348
no front ao lado do Serviço de Saúde do Exército francês. Como já nos referimos
anteriormente, o artigo de Souza Ferreira, sob o título “Evolução e progressos da
cirurgia durante a guerra de 1914-1918”, era parte integrante de uma série de
conferências que seriam realizadas pela Sociedade Médico-Cirúrgica e que tinham
como objetivo “elucidar questões e problemas relevantes para o crescente
aperfeiçoamento do Corpo Sanitário do Exército”.1045 A escolha deste tema, segundo o
autor, se deu em função de sua “simpatia pelas ciências cirúrgicas” e por ter
testemunhado sua transformação. A respeito da experiência no teatro de guerra, escreve
o autor:

Estive em França, de Outubro de 1916 a Junho de 1917,


em viagem de estudos, visitando também formações sanitárias de
frente e hospitaes de retaguarda e do interior, e tendo opportunidade
de fazer um estagio de trez meses na 3ª Divisão de feridos do Val de
Grâce, serviço do professor Jacob. Em Janeiro de 1918 para lá parti
como membro da sub-commissão medica da Missão Militar
Brazileira, disposto a aproveitar o excepcional ensejo que se me
apresentava para adquirir novos ensinamentos e inteirar-me de evoluir
continuo da cirurgia de guerra, tão cara aos meus pendores. 1046

A vivência do oficial médico em território francês se deu ao servir em duas


formações sanitárias do 10º exército, comandado pelo General Magin. Esteve no
Groupe de Brancadiers Divisionnaires (G.B.D.), da 162ª Divisão de Infantaria e, na
ocasião, sob as ordens do General Messimy. Fez parte também “de uma equipe
cirúrgica, (...), formação de frente, de choque, destinada á cirurgia de feridos graves,
intransportáveis” sendo esta dirigida pelo cirurgião e professor da Faculdade de
Bordeaux, Robert Picqué.
O que destacamos deste artigo de Souza Ferreira é a atenção dada ao
tratamento de feridas e à evolução das ciências cirúrgicas, bem como à importância da
presença de bacteriologistas, que, através de exames recorrentes no laboratório existente
nas ambulâncias mantinham o controle do progresso dos ferimentos dos militares
atingidos.1047 Segundo Ferreira,

1045
FERREIRA, Souza. “Evolução e Progressos da Cirurgia Durante a Guerra de 1914-1918”, Revista de
Medicina e Higiene Militar, Rio de Janeiro, Ano I, n.6, p. 239-250, jun. 1921.
1046
Ibidem, p.240.
1047
FERREIRA, Souza. “Evolução e Progressos da Cirurgia Durante a Guerra de 1914-1918”, Revista de
Medicina e Higiene Militar, Rio de Janeiro, Ano I, n.7, p.283-295, jun. 1921.

349
Em 1918 as formações sanitárias offereciam um luxo de
garantias scientificas que, sem favor, se podiam considerar modelares,
particularmente na utilização da radiographia e no aproveitamento dos
recursos de laboratório. A equipe cirúrgica, formada pela pratica da
guerra, contava a titulo de elementos primordiaes um radiologista e
um bacteriologista, cujos trabalhos deviam confundir-se com os do
cirurgião.
Com os exames repetidos das secreções dos ferimentos
facilitou o bacteriologista a acção do cirurgião, que intervinha
tranquilo e certo do êxito, fechando uma ferida, transformando uma
fractura exposta, complicada, numa fractura simples pela sutura das
partes molles. Pesquizando a flora microbiana de uma ferida que vae
ser suturada primitivamente ou que acaba de sel-o, é de vantagem
enorme para o cirurgião a collaboração activa do laboratório,
advertindo-o da existência do streptococcus, que contra-indica a
intervenção, ou, quando feita esta, impõe a necessidade de abril-a e
desinfectal-a.
Foi graças aos trabalhos pertinazes dos bacteriologistas
que se conseguiram incalculáveis progressos no tratamento da
gangrena gazoza, o tenebroso espantalho da evolução da ferida de
guerra.1048

A partir de técnicas de cirurgia e desinfecção da ferida, Ferreira descreve


como as intervenções cirúrgicas e o pós-operatório seguiam progredindo em função de
simples observação da recuperação do ferido e de sua lesão. No entanto, não nos cabe
pormenorizar tais procedimentos ou estaríamos nos distanciando demasiadamente do
nosso objeto de análise.
Este mesmo tema se encontrava em outra contribuição de Ferreira para a
RMHM. Baseado na ideia de difusão de progressos na área médica, Souza Ferreira
publicaria seu artigo O Congresso Medicina e de Pharmácia Militares em Bruxellas na
edição de número 2 de 1922 e sua conclusão na edição seguinte. 1049 O autor foi o chefe
da Delegação Brasileira naquele Congresso. De acordo com o oficial médico, naquele
encontro, “questões de summa relevância para o progresso do Serviço de Saude, [foram]
tratadas com grande competência, principalmente por eminentes membros do Corpo de
Saude dos Exercitos das Nações Alliadas”. 1050 Assim, o tema escolhido para ser
trabalhado nestes artigos publicados na RHMM seria aquele que, dentre as teses
defendidas, seria a de número quatro e enunciada “Os ensinamentos da guerra no
tratamento das fracturas dos membros”. A tese foi baseada nos relatórios apresentados

1048
Ibidem, p.295.
1049
FERREIRA, Souza. “O Congresso de Medicina e de Pharmacia Militares reunido em Bruxellas”,
Revista de Higiene e Medicina Militar, Rio de Janeiro, Ano VIII (II da 2ª série), n.2, p.47-57, fev. 1922;
Idem, “O Congresso de Medicina e de Pharmacia Militares reunido em Bruxellas (Conclusão)”, Revista
de Higiene e Medicina Militar, Rio de Janeiro, Ano VIII (II da 2ª série), n.3, p.71-84, mar. 1922.
1050
Ibidem, fev. 1922, p.47.

350
pelos serviços de saúde belgas, franceses e ingleses. No entanto, não nos deteremos nos
pormenores de tal artigo, na medida em que não trata especificamente de nossos temas
norteadores.
Uma das principais causas para o surgimento deste periódico se encontrava
nos debates em torno das mudanças provocadas pelo desenvolvimento da medicina
militar em função da 1ª Guerra Mundial, como vimos anteriormente. Da mesma forma,
um dos maiores eventos em que se discutiria tal quadro seria o Primeiro Congresso
Internacional de Medicina e de Pharmacia Militares, ocorrido em Bruxelas, na Bélgica,
entre os dias 15 e 20 de julho de 1921. 1051 O Brasil enviaria como seus representantes os
majores médicos João Affonso de Souza Ferreira, João Florentino Meira e Alarico
Damasio, além do primeiro tenente farmacêutico Manoel Vieira da Fonseca Junior. 1052
Na sessão de 20 de julho de 1921, se decidiu pela criação de um Comitê permanente
encarregado de dar continuidade do Congresso e que teria como seu presidente o Dr.
Wibin, Inspetor Geral do Serviço Saúde do Exército Belga. Para compor o Comitê,
seriam escolhidos representantes, todos médicos militares, de oito países: Bélgica, com
um presidente, o doutor Wibin, e um secretário, o doutor Venchen; Brasil, através da
nomeação do primeiro tenente farmacêutico Manoel Vieira da Fonseca; Espanha, com o
doutor Vau Bumberghen; Estados Unidos da América seria representado pelo doutor
Bainbridge; a França teria como seu representante o doutor Uzac; Inglaterra, com
Stirling; Itália com o doutor Cacciá; e, finalmente, a Suíça, com o doutor Thomann. 1053
Durante o Congresso, como vimos no texto de D’Ovidio, se adotou uma
organização geral do serviço de saúde nos exércitos e as relações dos serviços de saúde
militar com a Cruz Vermelha. Além disso, se determinaria também o estatuto que daria
origem ao Comitê Permanente e as disposições voltadas para este fato, totalizando seis.
A primeira e a segunda delas afirmavam que o Congresso havia obtido “um
conjunto de resultados cheios de esperança para o futuro” e diziam respeito ao serviço
militar e o papel do Serviço de Saúde Militar das diversas nações. Este seria o
responsável pelo desenvolvimento dos jovens que “representavam a elite” e que a este

1051
D'OVIDIO, (Major de Saúde) Rogelio. Primer Congreso Internacional de Medicina y Farmacia
Militar, reunido en Bruxelas en 1921, Revista de la Sanidad Militar, Buenos Aires, Ano XXI, p.9-23,
jan-jun 1922, cf.p.9.
1052
A nomeação de seus membros se deu em janeiro de 1921, logo em seguida ao convite feito pelo
governo belga em 26 de dezembro de 1920. Fonte: Arquivo Histórico do Itamaraty (AHI), Ministérios e
Repartições Federais, Ministério da Guerra, Correspondência, Recebidos, 229-3-15, N.5, 25 de janeiro de
1921.
1053
AHI, Congressos e Conferências Internacionais (CCI), Congresso Internacional de Medicina e
Farmácia Militares (CIMFM), Volume I (G a P), 273-2-25, p.1-2; D'OVIDIO, op.cit., cf.p.20-21.

351
serviço eram destinados. De acordo com este ponto, ressaltava-se a importância do
Serviço de Saúde Militar na “saúde da raça”, do ponto de vista eugênico, se encontrava
seu papel em um processo global. 1054
A terceira afirmava que este papel mundial existia na medicina militar, que
possuía a força necessária para centralizar e organizar, oficialmente, em todos os países
as proposições das medidas que poderiam ser aplicadas e monitoradas de forma eficaz.
É de acordo com este pensamento que se dava a criação de um Congresso de
Medicina e Farmácia Militares periódico, sobre o qual tratava a terceira disposição.
Através deste encontro, seria possível a realização deste objetivo, ou seja, o de
beneficiar “toda a humanidade” com os progressos conquistados por uma ou outra
nação.
A quarta e quinta disposições diziam respeito aos futuros encontros.
Enquanto aquela afirmava que seria desejável a fundação de uma associação
internacional de medicina e farmácia militares, a última nomeava o comitê permanente
que fora eleito no Congresso em Bruxelas e sobre o qual já nos referimos
anteriormente.1055
A sexta e última disposição definiria os membros que seriam eleitos para o
comitê permanente e que teriam “por missão centralizar todos os resultados obtidos”.
Assim, o comitê ficaria encarregado da preparação do próximo congresso. 1056
Estas disposições definiam o papel desejado para a saúde militar a partir
daquele momento e, da mesma forma, sua responsabilidade quanto à formação dos
futuros quadros dos exércitos de todo o mundo. Como foi destacado, os progressos não
poderiam ser esquecidos ou deixados de lado, bem como os resultados obtidos pela
experiência no front. Desta forma, algo que se encontrava relacionado com o processo
de modernização dos serviços de saúde era a necessidade de especialização dos médicos
militares.
Como tema do editorial de dezembro de 1919 do Boletim, o assunto seria
novamente debatido por Murillo de Campos em 1922.1057 O oficial médico atenta para o
fato de que a 1ª Guerra Mundial, chamada por ele de “A Grande Guerra”, havia
demonstrado a necessidade de se sistematizar todos os recursos da nação, mesmo em

1054
AHI, CCI, CIMFM, Volume I (G), 273-2-25, p.1.
1055
Ibidem.
1056
D'OVIDIO, op.cit., p.20.
1057
CAMPOS, (Capitão Médico) Murillo de; MORAES, (Capitão Médico) Saturnino de. “Algumas
considerações sobre o serviço medico no Exercito”, Revista de Medicina e Higiene Militar, Rio de
Janeiro, Ano VIII (II da 2ª série), n.12, p.325-338, dez. 1922.

352
tempos de paz. No entanto, nos primeiros meses de campanha os serviços de saúde dos
exércitos, mesmo daqueles mais organizados, não tinham aparelhagem adequada “para
enfrentar a missão complexa e delicada” do combate. Por essa razão, Campos sugeria
que se pensasse o que seria dos Corpos de Saúde do exército brasileiro diante de
acontecimentos semelhantes. Isto porque inexistia “condições favoráveis ao
desenvolvimento das especialidades, como condição, que é, para o surto das
notabilidades profissionais”. 1058
Um dos pontos defendidos por Campos diz respeito justamente à
especialização dos médicos militares e, da mesma forma, a prática de longa data
resultando em sumidades. Este deveria ser um aspecto determinante ao decidir pela
mobilização de médicos civis para uma guerra, já que estes, sendo experts em suas
áreas, não se sentiriam confortáveis ao receberem ordens de superiores hierárquicos,
mas tecnicamente inferiores. Teria sido este o quadro que se deu na Europa no decorrer
da 1ª G.M.
Além disto, teríamos também a formação de um numeroso corpo de reservas
e que já teria sido iniciada a partir dos decretos de número 15.179, de 15 de dezembro
de 1921, e 15.185, de 21 de dezembro de 1921.1059 Enquanto este último decreto
regulava de forma mais geral a admissão ao Corpo de Oficiais de todas as armas do
Exército, o primeiro aprovava o regulamento para a admissão nos quadros do serviço de
saúde e de veterinária dos oficiais classificados como de 2ª classe da reserva. Estes
seriam recrutados, de acordo com o seu art. 1º, entre demissionários do Exército ativo,
com idade inferior a quarenta (40) anos e inclusos conforme o posto em que ocupavam
quando estavam em atividade; e cidadãos que tivessem até trinta e cinco (35) anos,
sendo estes últimos admitidos como segundos tenentes. Para que estes fossem
admitidos, deveriam possuir diploma em escolas que fossem oficialmente reconhecidas
nos campos da medicina, de farmácia, veterinária e odontologia. Finalmente, para serem
incorporados, deveriam cursar estágio de um mês como aspirante a oficial de acordo
com sua especialidade no último ano do curso de sua especialidade ou após os exames
do penúltimo e também passariam por um período de instrução militar, compreendendo
dois momentos: o de instrução geral do soldado e de instrução técnica especial militar.

1058
Ibidem, p.326-327.
1059
Ibidem, cf.p.328.

353
Além disso,1060 Contudo, Campos ressalta que o decreto nº 15.179 preocupava-se
apenas com o quantitativo do Serviço de Saúde, mas não com o critério das
especializações. 1061
Este decreto foi o tema do editorial da edição de fevereiro de 1922. 1062 De
acordo com o texto da RMHM, este documento beneficiava os profissionais oriundos do
meio civil e não os médicos militares que já se encontravam em serviço ou que seriam
incorporados. Isto porque o Art.7º discriminava as funções desempenhadas no meio
civil – como professores catedráticos, inspetores e subinspetores sanitários – e
relacionava com os altos quadros hierárquicos do exército e a patente a que teria direito
o respectivo profissional de saúde paisano que buscasse o início de sua vida na caserna.
A opinião da revista seria lembrada por Campos que enfatizaria o papel desempenhado
pelo médico militar no exército dos Estados Unidos. Enquanto os oficiais médicos
norte-americanos desempenhavam um importante papel nas comissões de grande
importância em matéria de higiene pública e em que “a especialidade médico-militar
atingiu um grão de comprehensão verdadeiramente moderal”, no Brasil os médicos
militares sequer eram lembrados ou aproveitados. Eles não “aparecem, não
existem...”.1063
Se isto se dava no exército nacional, então uma de suas causas era o papel
em geral desenvolvido pelos médicos militares do Serviço de Saúde do exército. Os
facultativos se viam em seu cotidiano em funções burocráticas e não especificamente
aquelas que levariam ao aperfeiçoamento de suas habilidades enquanto um profissional
de saúde. Assim, era necessário que este tipo de situação sofresse alterações,
modificações, no processo de modernização do exército do Brasil. A saída para isto
seria dada com a criação do curso de aplicação que teria início em 1923 na Escola de
Aplicação do Serviço de Saúde do Exército, que fora criada em 21/12/1921 pelo
Decreto nº 15.230, com a chegada da Missão Militar Francesa – ainda que a Escola de
Saúde do Exército tivesse sua origem em 1910 sob o nome de Escola de Aplicação
Médico-militar, mas não pudesse funcionar em razão da inexistência de instalações.
Segundo Campos,

1060
Decreto nº 15.179, de 15 de dezembro de 1921. Disponível em:
www2.camara.leg.br/legin/fed/decret/1920-1929/decreto-15179-15-dezembro-1921-517725-
republicacao-92783-pe.html. Consultado em: 15/07/2013.
1061
CAMPOS, Dezembro de 1922, cf.p.328.
1062
“Reservas Sanitárias do Exército”, Revista de Medicina e Higiene Militar, Rio de Janeiro, Ano VIII
(II da 2ª série), n.2, p.37-38, fev. 1922.
1063
Ibidem, p.330.

354
a adopção, regularização e estimulo das especialidades, e entre ellas a
do medico de tropa, definida com precisão e critério, constitue uma
das condições básicas para a modernização do serviço medico
militar(...).1064

O curso de aplicação que aconteceria no ano seguinte seria o responsável


por tal dinâmica. De acordo com essa perspectiva de modernização do serviço de saúde
e necessidade de especialização, o Corpo de Saúde deveria compreender dois quadros:
médicos de tropa e especialistas de hospitais e laboratórios médicos militares, sendo os
primeiros “mais higienistas” e os outros “mais clínicos”. 1065 Campos os dividia desta
forma porque

Os primeiros cuidavam sob o ponto de vista sanitário, da grande


machina militar, creando-lhe um ambiente favorável; apartando-lhe as
cousas delecterias; limpando-lhe, escolhendo e recompondo as peças.
Os segundos, reparando-lhe as peças, que se damnificaram. Os
primeiros se movimentam com a tropa. Os segundos se dispõem
apenas em relação com a tropa. A acção dos primeiros se
circumscreve nos effectivos da sua unidade. A dos segundos pode
abranger todo o Exercito.
(...)
Os dois sub-quadros, no exercício da profissão, que é
uma só, que tem os mesmos princípios, os mesmos riscos, (...), devem,
pois, conhecer-se, entender e combinar. Elles são bem, em verdade, as
duas modalidades da mesma acção: a da Medicina no Exército. 1066

E a discussão quanto à especialização seria entendida como uma


“encruzilhada” por Carlos Rocha Fernandes. 1067 Este ex-oficial médico, que servira na
Missão Médica Militar Brasileira na 1ª G.M., ressalta em seu artigo o custo resultante
das ações dos exércitos das grandes nações europeias e o estado de seus corpos de
médicos militares. Tal experiência poderia servir de lição para o Serviço de Saúde do
exército brasileiro, como sugere o autor.
É em função disto que cita a opinião de um oficial médico francês que
esteve no front. De acordo com este último, a hierarquia militar fora substituída pela do
conhecimento. Isto porque o decreto de fevereiro de 1916 conferia a professores de

1064
CAMPOS, dez. 1922, p.331.
1065
Ibidem, cf.p.333.
1066
Ibidem, p.333-334.
1067
FERNANDES, Carlos Rocha. “Na Encruzilhada. As especializações médicas e o Corpo de Saúde do
Exército”, Revista de Medicina e Higiene Militar, Rio de Janeiro, Ano IX da 2ª série, n.6, p.131-135,
jun. 1923.

355
faculdades e cirurgiões três ou quatro galões, 1068 o que representava o reconhecimento
de seus serviços no meio civil e facilitava sua empreitada. Para Fernandes, a
encruzilhada estava justamente ligada a isto: que rumo o serviço de saúde do exército
brasileiro deveria seguir? O do rodízio de oficiais por todo o território nacional ou
aquele do investimento, a partir de seleção, em “especialistas da medicina interna, da
cirurgia, da bacteriologia, da radiologia, da technica militar de campanha”?1069
Ao diferenciar estes dois caminhos, o rodízio é visto como uma “mala vasia
de livros”, “mofo intelectual”, “o absurdo do nivelamento intelectual” quando a
atividade do médico militar era desempenhada em guarnições isoladas. Tal quadro se
configurava porque havia a carência de movimento clínico, entendido aqui como
responsável pelo “grande livro da natureza” do qual dispunha o médico ao tratar do
enfermo.1070
Além disso, o rodízio criava a figura do mero burocrata. O médico militar
que não desempenhava sua profissão, que não praticava a medicina e se habituava
apenas ao cotidiano de suas salas ou, segundo o autor, “funcção nada medica de
verificador de contas e saldos, de passador de recibos”. Por essa razão, Fernandes
defendia que o exército brasileiro deveria selecionar o caminho da especialização, para
que não ocorresse como no início da guerra, em que havia um grande número de
médicos militares “meros portadores de galões só aptos para rubricar papeis”. 1071
A “encruzilhada” de Fernandes gerou uma réplica por um de seus leitores.
Este afirmou que servia em uma guarnição afastada da capital e preferiu não se
identificar, assinando com o pseudonymo “X.Y.Z.”. 1072 A primeira crítica dizia respeito
à vida pessoal de Carlos Fernandes que, de acordo com “X.Y.Z.”, abandonara o
convívio com seus pares na ala cirúrgica do H.C.E. para lecionar no Colégio Militar do
estado do Ceará, ironizada como uma “vira-volta na especialidade!!”. 1073
Enquanto Fernandes criticava o rodízio em função do pouco ou nenhum
movimento clínico e a falta de instalações adequadas que proporcionariam a prática e
desenvolvimento de especialidades, X.Y.Z. concordava com este último quadro para a

1068
Os galões eram tiras aplicadas em uniformes e que serviam como distintivo de patentes militares.
1069
FERNANDES, Carlos Rocha. “Na Encruzilhada. As especializações médicas e o Corpo de Saúde do
Exército”, Revista de Medicina e Higiene Militar, Rio de Janeiro, Ano IX da 2ª série, n. 6, p.131-135,
jun. 1923, p.131-132.
1070
Ibidem, p.132.
1071
Ibidem, p.134.
1072
“Na Encruzilhada. As Especialidades Medicas e o Corpo de Saude do Exercito”, Revista de Medicina
e Higiene Militar, Rio de Janeiro, Ano IX da 2ª série, n. 9, p.230-232, set. 1923.
1073
Ibidem, p.230.

356
formação de especialistas, mas discordava quanto ao primeiro. Os soldados de pequenas
guarnições também mereciam atendimento clínico e afirmava que

Não é só nos grandes hospitaes onde se observam casos


clínicos; nas enfermarias das pequenas guarnições também apparecem
muitas coisas dignas de estudo e que exigem dos médicos, ahi
destacados, uma somma de conhecimentos bastante sólidos, para
resolverem, acertadamente, como médicos e como cirurgiões, os casos
que se lhes apresentam.
A falta dos laboratórios nessas guarnições ainda mais
difficil torna a sua funcção clínica, pois têm de recorrer á miude aos
seus livros e, veja lá o collega, “a leitura diária do grande livro da
natureza aberto á cabeceira de cada enfermo”, exige delles, médicos, o
maior senso clinico, pois que o laboratório ali não existe para dirimir
as duvidas e as difficuldades, ao passo que nos grandes centros
suppre, não raro, com o resultado dos seus exames, a deficiência do
citado senso clinico. 1074

Contudo, de acordo com X.Y.Z., para prestígio da medicina militar e


vantagem da tropa, se fazia necessário e indispensável a formação de um núcleo de
especialistas, “afim de dirigirem os diversos serviços , na paz e principalmente na guerra, com
a força moral que dá o preparo scientifico especializado” – ainda que estas “simpatias” por
um ou outro ramo da medicina apareçam em várias ocasiões.1075
Outro ponto destacado como positivo para o envio de oficiais para
guarnições afastadas está no fato de que aqueles recém-integrados, logo de nível
hierárquico mais baixo como o caso de segundos e primeiros tenentes, já que habituaria
os jovens médicos “a contarem unicamente com o seu preparo e o seu esforço individual
na pratica da clínica diária”. Além disso, possibilitaria também que estes encontrassem
respostas para diversos problemas higiênicos, bem como administrativos.
Finalmente, entra em uma discussão cara ao meio militar e ressalta que se a
maior parte dos oficiais que é enviada para guarnições afastadas, estes permanecem ali
porque “lhes faltam o pistolão e o empenho político”. Fernandes não responderia a esta
carta. 1076
Diante da diversidade de artigos voltados para a especialização,
principalmente nos anos 1920 da RMHM, podemos perceber que a modernização do
Serviço de Saúde do exército brasileiro se daria por este caminho. Isto porque, como no
artigo anteriormente trabalhado, vimos que a divisão por particularidades da ciência

1074
Ibidem, p.231.
1075
Ibidem, p.231-232.
1076
Ibidem, p.232.

357
médica era necessária, na medida em que seria ela a responsável pela “morte” do
médico burocrata, do oficial que deixava a sua prática para habitar seu ambiente de
papéis e afins. Para confirmarmos tal assertiva, destacamos o artigo Façamos nosso Val-
de-Grâce1077 pelo seguinte motivo: ele relaciona a 1ª Guerra Mundial, a especialização e
o caráter modernizador que esta representa.
A Escola Val-de-Grâce, criada em 1793, era o centro de ensino e formação
de médicos, cirurgiões e farmacêuticos militares para o exército francês. Com a guerra e
as transformações provocadas por esta no cenário médico e científico internacional, este
centro de formação militar francês passou por uma reforma em 10 de fevereiro de 1920:
seu número de cadeiras foi aumentado, entrada de médicos militares estrangeiros para a
Escola e a chamada de professores civis para fazerem parte do concurso de seleção – o
que demonstrava a abertura da instituição militar para os elementos civis. Não apenas a
Escola, enquanto centro de formação, se abria para os civis, mas suas instalações, como
o Museu do Val-de-Grace (que fora fundado em 1916) e a Biblioteca da Escola, que
antes eram exclusivas para militares e membros daquela instituição de ensino militar.
No entanto, o fator visto como mais importante pela RMHM na reforma pela qual
passara a Val-de-Grâce foi a especialização.1078
No ano de 1925, o diretor da Val-de-Grâce, professor Dopter, a publicar as
tarefas para aquele ano, introduziu dois novos métodos: a ampliação das clínicas, que
agora seriam semanais e teriam professores civis e militares lecionando; o outro foi a
organização de um tratado médico cirúrgico que seria lançado em dois anos. Além
disso, estabeleceu uma série de cursos que eram “destinados a ventilar todas as
modernas questões da medicina e de cirurgia, interessando apenas ao medico ou ao
Corpo de Saude”. Dentre os responsáveis por lecionarem estariam figuras de renome da
França, sendo sua frequência pública.
Para Americano do Brasil, o Hospital Central do Exército, seria o futuro
Val-de-Grâce, já que seria este estabelecimento aquele a preencher o papel de Escola de
Aplicação e de centro científico de aperfeiçoamento, “onde os palpitantes problemas da
actualidade médica seriam debatidos”. No entanto, para que fosse possível, era
necessário modificar seus estatutos, além da criação de alguns serviços. Após isto, o
HCE estaria apto a formar o elemento: o especialista ou os especialistas.

1077
BRASIL, (Capitão médico) Americano do. “Façamos nosso Val-de-Grâce”, Revista de Medicina e
Higiene Militar, Rio de Janeiro, Ano XIV, n.2, p.43-47, fev. 1925.
1078
Ibidem, cf.p.43-46.

358
Um trecho importante do artigo de Brasil está na necessidade de que no país
houvesse “a demonstração, para o publico leigo, de que o medico militar não é tão
somente especialista em moléstias de soldados e que estas não são differentes das
demais”. Criticava-se, assim, a noção de que o médico militar encontrava-se limitado
apenas aos conhecimentos necessários à caserna. A forma encontrada para mudar tal
quadro seria a abertura do HCE para um serviço de consulta para o público, fazendo
com que este pudesse entrar em contato com os médicos militares. No entanto, como
lembra o autor, Val-de-Grâce, sua biblioteca e o museu, além dos cursos e clínicas,
foram alterados. Para que o mesmo ocorresse no HCE, muitas modificações deveriam
ocorrer. A primeira delas seria a necessária reforma que já estava ocorrendo, através das
palestras que se davam no interior do hospital e que, como fora expresso no primeiro
editorial daquele ano e que veremos a seguir, constituiriam o conteúdo da RMHM.
Assim, praticava-se no HCE “o que os francezes praticam no Val-de-Grâce, depois da
reforma de 1920”.1079
A Revista de Medicina e Higiene Militar seria, a partir de 1925, a única
publicação voltada para a medicina militar existente em território nacional, como seu
editorial da publicação de janeiro daquele ano afirma:

Único jornal medico no meio militar brasileiro, Ella cuida


da defesa da classe; espalha entre os seus membros, por meio de
artigos originaes, traducções, transcripções e analyses, conhecimentos
technicos da especialidade: leva aos centros medico-militares dos
outros paizes, com as suas publicações, a noção do esforço despendido
pelo nosso grupo de saúde militar, o que não deixa de ser uma grande
propaganda em favor do nosso paiz; emfim offerece aos colegas, tanto
médicos como pharmaceuticos, dentistas ou veterinários, as suas
columnas para que tornem conhecidos os seus trabalhos, as suas idéas,
as suas descobertas e as suas criticas.1080

Além de se tornar o único jornal de medicina militar, anunciava também que


havia sido escolhida para “órgão de publicidade dos trabalhos do Hospital Central do
Exército”. Desta forma, passaria a publicar o que estaria relacionado àquele
estabelecimento, através das conferências semanais que ali se dava. Estes encontros,
então, representariam a necessidade de “tornar conhecidos do mundo científico” os
trabalhos e pesquisas realizados pelo Corpo de Saúde do exército brasileiro.

1079
Ibidem, p.47.
1080
“Mais um anniversario”, Revista de Medicina e Higiene Militar, Rio de Janeiro, Ano XIV, n.1, p.1,
jan. 1925.

359
A mudança vista no HCE seria fruto da política implementada pelo seu
novo diretor, que estimulava a produção de trabalhos técnicos de seus clínicos. Este
panorama era visto como algo positivo, na medida em que a produção científica poderia
ser mais um critério para a promoção de médicos. Nesta perspectiva, via-se a
sistematização do trabalho técnico e profissional como algo que transformaria cada
hospital em um “centro de especialisações medico-militares”, sendo uma “verdadeira
escola de serviço se saúde”. 1081
Vimos até aqui como a RMHM se dedicava a um dos pontos de seu título: a
medicina militar. Agora, voltamos nossa análise para o outro assunto que compunha seu
título e constitui um de nossos temas norteadores: a higiene militar. Este tema, como já
afirmamos no início deste item, apresentaria cinquenta e um artigos. No entanto, não
trataremos de todos eles aqui, de forma a verificamos aqueles que, de certa forma,
englobam nossas questões já trabalhadas até aqui no que tange à medicina militar e ao
conteúdo das outras revistas militares de período anterior.
Nos anos de 1923 e 1924, a RMHM publicou um artigo do Capitão Médico
Henrique Chaves, intitulado “Hygiene para o soldado”, dividido por cinco edições
daquele período. Em agosto de 1923, na edição de número oito da revista, a primeira
parte do artigo era publicada e com seu conteúdo dedicado à higiene individual do
soldado e sua importância, ou seja, a higiene individual como um meio de destruir os
parasitas. Apresentavam a higiene dos japoneses no conflito com a Rússia como um
exemplo a ser seguido, já que sua higiene pessoal fora fundamental para o quase
inexistente número de complicações pós-operatórias. Desta forma, se ressaltava as
partes do corpo a serem lavadas e cuidadas, bem como o trato do cabelo, que deveria ser
curto para não acumular parasitas.1082
A preocupação com o corpo do soldado também se dava ao se apresentar os
exercícios físicos e vestuário. Os primeiros são compreendidos, ao serem realizados
pelos soldados, a partir do cumprimento de regras higiênicas. O objetivo a ser alcançado
através de atividades como ginástica, marchas, equitação, esgrima e natação era tornar
os soldados “robustos, ágeis, fortes” e treinando “para as grandes lutas da vida”. 1083 A

1081
Ibidem, p.2.
1082
CHAVES, Henrique. “Hygiene Para o Soldado. Principios de hygiene e primeiros soccorros aos
feridos e doentes, subordinados aos títulos do R.I.S.G.”, Revista de Medicina e Higiene Militar, Rio de
Janeiro, Ano IX da 2ª série, n.8, p.195-199, ago. 1923.
1083
CHAVES, Henrique. “Hygiene Para o Soldado. Principios de hygiene e primeiros soccorros aos
feridos e doentes, subordinados aos títulos do R.I.S.G.”, Revista de Medicina e Higiene Militar, Rio de
Janeiro, Ano IX da 2ª série, n. 9, p.233-235, set. 1923, p.233.

360
higiene dos vestuários e a importância do uso das roupas brancas levavam ás
observações quanto aos cuidados higiênicos. Sendo assim,

O vestuário do soldado deve obedecer necessariamente a


regras e determinações hygienicas. Não deve embaraçar os
movimentos, nem comprimir parte alguma do corpo, protejendo-o
convenientemente contra as temperaturas elevadas e os rigores
excessivos do frio.1084

Conforme discutimos no primeiro capítulo de nossa tese, o cuidado com a


roupa estava diretamente relacionado com a saúde do indivíduo. O mesmo se dava com
a atenção aos alimentos, sendo a alimentação do militar “orientada e pautada por
tabelas” que sofriam alterações quando necessário. 1085 Outra fonte de preocupação era a
higiene dos quartéis. Nesta habitação, era dever do soldado contribuir para a higiene da
mesma, sendo ela de caráter individual e coletiva. O artigo, que seria o último da
série, 1086 ressaltava que não era suficiente um quartel higienicamente construído se seu
contingente não contribuísse para a manutenção e conservação da higiene. Além disso,
orientava sobre a melhor forma de estocar os gêneros alimentares, de manter os
dormitórios limpos e arejados, a necessidade da limpeza das latrinas e mictórios, etc.
As marchas e as instalações decorrentes ao longo desta atividade também
foram fonte de análise. Da mesma forma como se dava nas habitações fixas, ou seja, nos
quartéis, as barracas deveriam apresentar seu interior asseado e ventilado. Outro detalhe
quanto às regras e cuidados higiênicos a serem seguidos diz respeito à escolha do local
para montar o acampamento, bem como a atenção para a aquisição de produtos locais
para alimentação. De acordo com Henrique Chaves,

O principal cuidado será certamente a pesquiza por quem de direito,


no respeitante á constituição medica e epidemiológica do logar, sendo
taxativa a interdicção quanto á compras aos habitantes do paiz, de
productos de consumo geral, antes do parecer medico sobre o seu
valor.1087

1084
Ibidem, p.235.
1085
Idem. “Hygiene Para o Soldado. Principios de hygiene e primeiros soccorros aos feridos e doentes,
subordinados aos títulos do R.I.S.G.”, Revista de Medicina e Higiene Militar, Rio de Janeiro, Ano IX da
2ª série, n. 11, p.301-304, nov. 1923.
1086
Idem. “Hygiene Para o Soldado. Principios de hygiene e primeiros soccorros aos feridos e doentes,
subordinados aos títulos do R.I.S.G.”, Revista de Medicina e Higiene Militar, Rio de Janeiro, Ano XIII,
n.2, p.56-59, fev. 1923.
1087
Ibidem, p.59.

361
O cuidado com a escolha do ambiente mais adequado também dizia respeito
ao combate às moscas, pulgas, percevejos e demais insetos “vehiculadores de
moléstias”. Para seu combate, era necessário que o local fosse bem arejado e que se
desse o uso de inseticidas, “cumprindo o soldado as medidas higiênicas aplicáveis ao
caso”.1088
Os demais artigos voltados para a higiene militar que foram computados em
nosso recorte tratam, em sua maioria, dos mesmos assuntos abordados por aqueles que
analisamos nas demais publicações. Notas higiênicas, progressos no campo cirúrgico, a
tuberculose no exército, higiene mental e doenças venéreas são fruto de estudos nas
páginas de RMHM. Não encontrávamos apenas questões relativas ao exército, mas
questões voltadas para a Marinha, como no artigo Higiene dos Submersíveis.
Por fim, ainda que tenha sido uma revista publicada durante todo o período
e m que o exército passava por uma reorganização, em função da atuação da Missão
Militar Francesa (MMF), não identificamos artigos que tratassem especificamente do
tema. A exceção encontra-se em artigo biográfico publicado em 1921 com o título A
Missão Médica para o Exército,1089 na edição de número três daquele ano. Neste, fazia-
se um resumo da vida dos oficiais médicos Louis Marland e Jean Buissoun, mas sem se
referir a qualquer aspecto do Serviço de Saúde do Exército brasileiro. Contudo, se não
discuti-se acerca da MMF, os oficiais médicos que compunham a revista se voltavam
para o caráter técnico da medicina militar e para a importância da especialização dos
médicos militares brasileiros.

1088
Ibidem.
As doenças transmissíveis e sua profilaxia seriam o tema da última parte da série de artigos de Henrique
Chaves. Contudo, não apresenta qualquer discussão ou opinião que não tenhamos discutido até agora e,
por isso, não nos deteremos na análise deste último.
Fonte: Idem. “Hygiene Para o Soldado. Principios de hygiene e primeiros soccorros aos feridos e doentes,
subordinados aos títulos do R.I.S.G.”, Revista de Medicina e Higiene Militar, Rio de Janeiro, Ano XIII,
n.5, p.156-160, mai. 1924.
1089
“A missão médica para o Exército”, Revista de Medicina e Higiene Militar, Rio de Janeiro, Ano I,
n.3, p. 131-132, mar. 1921.

362
Conclusão

As guerras são responsáveis por grandes transformações na organização e


estrutura militar, que não se mostram restritas àqueles que estiveram presentes
diretamente na contenda. Grandes conflitos se mostram importantes objetos de estudos
para compreender como as estratégias militares podem apresentar êxitos – e este é
sempre o lado do vencedor – que técnicas foram superadas, devendo ser repensadas ou
até mesmo eliminadas no processo de formação de oficiais. A presença de novos
equipamentos nos teatros de operações também provocava mudanças nesse cenário,
desafiando as forças inimigas com maior poder de fogo e maior número de baixas
resultante. Com isso, as diversas armas existentes no exército – artilharia, infantaria,
cavalaria, etc. – buscam elaborar todo um arcabouço teórico que corresponda àquela
realidade dos campos de batalha. No entanto, estas mudanças não seriam vividas
somente naquelas armas, mas da mesma forma em seus serviços de saúde.
Esta força considerada auxiliar muitas vezes se mostrou fundamental no
resultado final de um período de confrontos entre duas ou mais potências. Um dos
exemplos mais marcantes foi a Guerra Franco-Prussiana, ocorrida entre os anos de 1870
e 1871. Para um dos dois exércitos – o prussiano –, era a primeira vez na história das
guerras modernas que se dava uma inversão entre o número de mortes provocadas por
doenças ou complicações em ferimentos e aqueles provocados pelo confronto direto
com o inimigo. Seus soldados haviam sido vacinados contra a varíola, uma das doenças
mais mortais à época. O exército prussiano destacava-se e com ele um modelo de
organização e de política de saúde com suas tropas que até a potência derrotada buscaria
seguir. Era o início de um período que marcaria as futuras mudanças vividas pelos
serviços de saúde dos exércitos europeus ou não: a higiene militar.
Sendo um ramo de estudos que se dedicava à manutenção da saúde da tropa,
a higiene militar se faria presente na estrutura dos serviços de saúde. As medidas
sanitárias a serem tomadas na escolha do melhor terreno para a montagem de
acampamentos, o cuidado com a higiene individual do soldado, o vestuário adequado
para as condições do ambiente, a alimentação, os exercícios físicos, etc. Em
determinado momento, seria importante inclusive como estratégias para sobrevivência
em territórios que deveriam ser ocupados – como foi o caso dos Estados Unidos nas

363
Filipinas, mas não apresentando o mesmo êxito entre britânicos e franceses nas colônias
africanas no final do XVIII e meados do XIX.
A Guerra do Paraguai seria um marco para os exércitos da Argentina e do
Brasil, pois foi durante o conflito que as diversas deficiências em seus corpos de saúde
se fizeram sentir.
O Brasil entrara na contenda com um Serviço de Saúde estruturado, mas
ainda com algumas deficiências. Uma delas dizia respeito justamente ao contingente de
médicos e cirurgiões militares que deveriam compor as suas fileiras. Antes mesmo do
conflito, o cirurgiã-mor Manoel Feliciano havia alertado a respeito e lançado um projeto
de criação de uma Escola Prática de Medicina Militar, ainda em 1860. Este, no entanto,
não foi colocado em prática pelo governo imperial.
A falta de quantitativo médico seria apenas um dos problemas existentes no
serviço de saúde do exército brasileiro no decorrer da guerra. Havia a dificuldade de
chegada de recursos em tempo hábil aos teatros de operações, o que gerava conflitos
entre médicos e a burocracia imperial. A configuração deste tipo de problema implicava
na qualidade da alimentação do soldado. Esta se dando de forma deficitária, o resultado
era um grande número de militares em péssimas condições físicas e ainda sujeitos às
doenças típicas dos cenários de combate. Somemos a isso, o fato de que além do corpo
enfraquecido pela alimentação inadequada, uma parte considerável da tropa também
sofreria com os males da aclimatação em função da origem dos soldados, que
dificultava a adaptação ao clima paraguaio. No entanto, destes dois problemas sem
dúvida o primeiro configuraria como o mais sério.
O exército brasileiro sofreria ainda com diversas doenças: beribéri, febres
militares ou intermitentes, disenterias, cólera e varíola. Estas últimas foram vistas em
formas epidêmicas e assolaram as fileiras. Além das faltas de condições higiênicas e da
alimentação precária, a acomodação inadequada dos doentes e os transportes em
número insuficiente também contribuiriam de forma considerável para este quadro.
Quanto ao primeiro ponto, um grande número de doentes e feridos dormia ao relento,
sem barracas nos acampamentos, o que fragilizava ainda mais suas condições físicas –
já prejudicadas pela conta da alimentação inadequada e insuficiente. Em função das
dimensões limitadas dos transportes destinados à locomoção de doentes e feridos, estes
eram muitas vezes colocados muito próximos uns aos outros. Desta forma, se
configurava um quadro favorável á propagação de doenças infectocontagiosas.

364
O Exército brasileiro sairia da Guerra do Paraguai com uma imagem oficial
de um exército vencedor, o que significava o melhor aparelhado, estruturado e
organizado. Mas não foi este o quadro vivido pelo seu corpo de saúde e seus membros
no decorrer da Guerra do Paraguai.
Diferentemente do Brasil, a Argentina não possuía um corpo de saúde
estruturado, tendo apenas um Corpo Médico Militar com quinze cirurgiões que se
encontravam a serviço do exército naquele momento, ainda que o Registro Nacional
N.712, de 1814, regulamentasse este corpo e organizasse um Cuerpo de Sanidad. Este,
no entanto, não se daria ainda no formato sobre o qual analisamos sua estrutura ao longo
do presente trabalho. Em função da falta desta, o exército argentino conviveria com a
desorganização da estrutura de socorro de doentes e feridos, ainda que seus hospitais
estivessem divididos da mesma forma que os do serviço de saúde do exército brasileiro,
ou seja, hospital de sangue, hospital de campanha (ou de campo) e os hospitais-
ambulâncias.
A falta de higiene era outro ponto em comum entre os serviços de saúde dos
exércitos da Argentina e do Brasil. As epidemias também se fariam presentes nas tropas
portenhas, configurando um quadro preocupante nos seus já pequenos contingentes.
Encontrando-se em estado precário, a deficiência no saneamento nos acampamentos dos
campos de batalha dificultava as necessárias medidas higiênicas. No entanto, ainda que
este problema estivesse claro, notava-se a forte presença das concepções miasmáticas
dentre os serviços de saúde tanto argentino quanto brasileiro na Guerra do Paraguai.
Como homens de seu tempo, os médicos militares destes dois países viam nos ares os
responsáveis pela propagação de doenças nos diversos tipos de instalações de hospitais.
A Guerra do Paraguai se encerrou no momento em que se iniciava a Franco-
Prussiana, que mudaria a compreensão da importância dos serviços de saúde dos
exércitos nacionais. Com a inversão das taxas de mortalidade, a organização e a higiene
do exército prussiano, um novo perfil de higiene e medicina militar se faria presente.
Era a configuração de um modelo que, como destacamos ao longo de nosso trabalho,
seria estudado por exércitos europeus e dos demais países, servindo de exemplo,
inclusive, para outro serviço de saúde que seria elogiado e considerado avançado por
um longo período o do exército japonês. Este seguiria os preceitos prussianos e
encontraria na higiene de suas vestimentas uma das medidas preventivas responsáveis
pelo baixo número de complicações pós-operatórias, principalmente durante a Guerra
Russo-Japonesa (1904-1905).

365
Com a criação do Cuerpo de Sanidad em 1888, o governo argentino
providenciou as comissões de saúde lideradas por Alberto Costa que deveriam seguir
para o continente europeu e adquirir os equipamentos mais modernos para a instalação
no Hospital Militar que se encontrava em construção e para suprir as demandas de seu
recém-criado Corpo Médico Militar. O caso brasileiro não seria diferente, levando
Ismael da Rocha à Alemanha, em 1890, para estudar as mais recentes descobertas dos
estudos realizados por Koch. Na ocasião, Ismael da Rocha deveria também se
aprofundar nas questões relativas aos serviços de saúde dos principais exércitos do
continente europeu. Seu período de estudos na Alemanha e o contato com Emile Roux
do Instituto Pasteur podem ser vistos como de grande importância para a forma como se
deu a criação do Laboratório de Microscopia e Bacteriologia do Exército.
As missões militares e os estágios feitos pelos oficiais dos exércitos latino-
americanos não se encontram desligados desta lógica. Os exércitos da Argentina e do
Chile reformariam seus exércitos configurando alterações no quadro hegemônico
desempenhado pelo Brasil na América do Sul até aquele momento e implicando em
uma necessidade de reestruturação daquele que fora o vencedor do maior conflito na
região até aquele momento. A constante busca para adequar-se a um determinado
modelo de exército avançado levava os seus membros a um constante processo de
modernização.
Os serviços de saúde vivenciavam o mesmo processo e pudemos verificar
isto ao trabalharmos com os periódicos médicos militares e com a bibliografia
produzida por importantes oficiais médicos na estrutura de seus exércitos.
O que encontramos nas revistas de medicina militar demonstra, em todos os
periódicos analisados, uma preocupação com um modelo de medicina que seguia as
principais escolas médicas, mas buscava adaptar estes princípios aos seus exércitos. Ao
nos debruçarmos sobre os números resultantes dos temas abordados pelos três
periódicos médicos argentinos, verificamos que aqueles que mais se destacam são os de
discussões em torno do serviço de saúde e da higiene militar. Aqueles de mesmo tipo
que eram publicados no Brasil apresentaram o mesmo quadro. O conteúdo dos artigos
apresenta uma constante busca pela adequação a um padrão de serviço de saúde europeu
e que, no nossa abordagem, teve início com as viagens ao exterior, com a Comisión de
Sanidad e que permaneceu durante todo o período em que nos detivemos aqui. No
entanto, pudemos verificar que, ao mesmo tempo em que se buscava uma
homogeneidade doutrinária pautada nos ensinamentos alemães advindos com a Missão

366
Militar Alemã, os artigos dos periódicos apresentavam uma grande diversidade de
pensamentos oriundos de diferente escolas médicas.
No caso da produção destes médicos militares ainda aconteceu um
fenômeno que não se deu na Argentina. Parte da oficialidade que serviu ao lado dos
franceses no decorrer da 1ª Guerra Mundial se encontraria como colaboradores na
estrutura da Revista de Medicina e Higiene Militar, escrevendo sobre as suas
experiências no front. A higiene militar foi o tema predominante no intervalo
compreendido entre 1921 e 1931, voltado para questões pertinentes ao serviço de saúde.
Entendemos que os periódicos de medicina e higiene militar destes dois
países configuram o espaço de construção/difusão de saberes de grupos de oficiais
médicos, que se intitulam cientistas. A partir de seus estudos e da publicação dos
resultados de suas reflexões, buscam nas técnicas mais modernas do cenário científico
nacional as respostas para as dificuldades de seus serviços de saúde nacionais.
Rouquié afirma que, através da oferta de serviços de reorganização do
aparelho defensivo, França e Alemanha conseguiam aumentar a sua influência
diplomática e comercial, expandindo também a sua indústria de armamentos. Este
mesmo pensamento se aplica à medicina e higiene militar, voltadas para a modernização
do aparelho sanitário disponível no Serviço de Saúde do Exército brasileiro e no Cuerpo
de Sanidad argentino, fosse através dos instrumentos mais modernos disponíveis no
mercado ou através das pesquisas mais recentes realizadas pelos cientistas europeus. No
entanto, esta busca pelos padrões europeus tornara-se um eterno devir.
O que notamos nas produções científicas dos médicos militares é um
permanente descontentamento com o cenário científico nacional e com o estado de seus
serviços de Saúde. Fosse no Boletim da Sociedade Médico-Cirúrgica ou no Boletín de
Sanidad Militar, o que pode ser visto é um constante distanciamento do que o Serviço
de Saúde ou o Cuerpo de Sanidad desejavam vir a ser do que realmente era possível. O
desenvolvimento de técnicas cirúrgicas, exercícios específicos, manobras de
treinamento com o corpo médico, o recrutamento considerado deficitário e ineficiente,
etc..., de todos estes aspectos correspondiam a uma realidade que não era aquela dos
exércitos da América do Sul. Constatava-se que os serviços de saúde dos exércitos
europeus se encontravam sempre à frente.
Acreditávamos no início de nossa pesquisa que encontraríamos um cenário
de disputas entre correntes defensoras de uma ou outra escola médica, uma favorecendo
os franceses e outra os alemães. O resultado foi bem diferente e nos surpreendeu.

367
Diversos exércitos eram estudados e pretendia-se aprender com a organização e
estruturação dos mesmos para que as inovações que se davam nestes pudessem ser
aplicadas em seus exércitos nacionais. Encontramos referências a serviços de saúde da
Bélgica, Portugal, Itália, Japão, Suíça, Estados Unidos, Alemanha, França. Este cenário
nos fez concluir que no processo de modernização e escolha de um modelo, não haveria
um modelo apenas, mas um conjunto de detalhes que configurariam o que os oficiais
médicos do Brasil e Argentina classificavam como um padrão dos “serviços de saúde
dos exércitos mais avançados”. Porém, ainda que voltados para os estudos de outros
modelos que não somente o francês e o alemão, era o que dizia respeito a um destes que
prevalecia no final, fosse em função da melhor organização no campo de batalha, no
instrumental a ser adquirido, no cuidado com a higiene da tropa ou no modelo de
serviço militar a ser adotado.
O que chamamos aqui de modernização está voltado para todo um processo
que teve seu início com os estudos acerca dos serviços de saúde europeus, com as
análises dos desempenhos destes mesmos serviços no decorrer das principais guerras
que se davam no contexto específico do continente europeu. A higiene militar
acompanhou este processo na medida em que os médicos militares se voltavam para os
estudos de seus temas e que eram desenvolvidos principalmente pelas escolas médicas
da Alemanha e da França, além de suas escolas médicas militares, a Kaiser Wilhelm
Akademie e a Val-de-Grâce, respectivamente.
Uma das formas de avaliarmos tal histórico é a necessidade de criação de
escolas de medicina baseados nos modelos deste tipo daquelas nações europeias. Antes
mesmo da existência de um Cuerpo de Sanidad o governo argentino tentou criar sua
escola de medicina e farmácia militar em 1884, mas não se demonstrou viável, já que
não tinha sequer o seu corpo de saúde. A sua instituição de ensino médico militar, como
nos moldes desta idealizada por Damianovich em 1884, só se deu em 1898 a partir da
criação da Escuela de Aplicación de Sanidad Militar que apresentou dentre os seus
cursos a higiene militar.
A Escola do Serviço de Saúde do Exército brasileiro teria na medicina e na
ciência francesa o seu modelo. Criada no ano de 1910 como Escola de Aplicação
Médico-Militar, teria sua mudança estrutural com a chegada da Missão Militar
Francesa, em 1921. Seus professores seriam os médicos da Missão e seus conferencistas
ficariam a cargo do Ministério da Guerra. No entanto, seu modus operandi não agradava
ao seu diretor de estudos, o médico militar francês Louis Marland. Um dos principais

368
motivos era a falta de especialistas nos quadros do exército, tais como cirurgiões e
bacteriologistas.
Enquanto no processo de organização dos serviços de saúde prevaleceu a
diversidade de observações e modelos a serem observados, o conhecimento médico
geral, não apenas militar, divulgado nos periódicos tanto do Brasil quanto da Argentina
era predominantemente alemão ou francês. Claro que encontramos inúmeras
publicações de outros países, mas nenhum deles quantificado de forma a se aproximar
dos números alcançados por aqueles.
Ao fazermos um balanço de nossa pesquisa, acreditamos que vários
caminhos poderão ser seguidos a partir de agora. Um dos aspectos que considero de
extrema relevância e que abre um novo e inédito campo de pesquisa na historiografia é
o processo de institucionalização no Brasil a partir da perspectiva militar. Consideramos
que, para entendermos o processo partindo deste ponto de vista, deveríamos ter como
marco inicial o ano em que é dada a ordem ao oficial Ismael da Rocha para que viajasse
à Europa. Como vimos, esta viagem implicou na criação de uma comissão que seria
responsável pela organização e fundação de um laboratório de microscopia e
bacteriologia no meio militar. Sendo assim, entendemos que é a partir da criação de tal
laboratório que as redes sociais entre cientistas civis e militares se consolidarão; já que,
em período anterior à fundação deste laboratório, o hospital militar também era palco de
interação entre médicos  e estudiosos do tema  dos meios civil e militar. Além disso,
temos também a colaboração deste oficial médico no processo de formação do Instituto
Oswaldo Cruz ao lado de Oswaldo Cruz e seus fundadores, o que demonstra de fato esta
relação entre os cientistas do meio militar e civis. É necessário desenvolver mais
pesquisas para aprofundar esta questão.
Outro panorama de pesquisa que se apresentou ao longo de nossos estudos
foi a relação do serviço militar obrigatório com o desenvolvimento da higiene militar e a
necessidade de modernização dos serviços de saúde dos exércitos da Argentina e do
Brasil. A partir das primeiras décadas do XX, temos um forte discurso eugênico voltado
para a formação dos futuros cidadãos, cujo processo se daria a partir do período na
caserna em sua formação enquanto militar. Enquanto no Brasil tivemos a formação da
Liga da Defesa Nacional por Olavo Bilac em 1916, defendendo este aspecto do serviço
militar no papel de formador de cidadãos exemplares e saudáveis, o que temos na
Argentina é um movimento semelhante.

369
Em nossas pesquisas encontramos o material produzido pela Asociación
Argentina de Biotipología, Eugenesia y Medicina Social, criada em 1921 e ligada à
Escola de Biotipologia fundada pelo italiano Nicola Pende. Um fato interessante é o
meio encontrado por esta associação de divulgar suas ideias: o programa de rádio
“Clamor”, que passou a ser transmitido a partir de 1931. Em “Clamor”, o objetivo ali
era divulgar as ideias eugênicas, como afirma o seu programa de abertura. A relação
com o meio militar se faz necessária porque a todo instante se apresentam formas de
melhoria da raça e o serviço militar é um dos pontos desta proposta.
Finalmente, a instituição de fichas tipológicas no exército do Brasil e da
Argentina está diretamente relacionadas com esta proposta de melhoramento de raça.
Além disso, começava-se a traçar um perfil do tipo desejado para entrar nas fileiras dos
exércitos e demais forças destes dois países. Este é outro tema que também possibilitaria
uma fecunda linha de pesquisa.

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1090
Em função de uma referência ao regulamento de hospitais militares na página 117, concluímos que a
obra foi escrita em 1856. Isso porque o referido documento é de 1832 e, ao tratar sobre este, Gitahy
afirma que fora confeccionado há 24 anos.

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Farda Branca, Através do Periódico Medicina Militar (1910-1923). Rio de
Janeiro, RJ, 2011, 259f. Dissertação (Mestrado em História das Ciências e da
Saúde). Programa de Pós-Graduação em História das Ciências e da Saúde / Casa de
Oswaldo Cruz / Fundação Oswaldo Cruz.
 LUNA, Cristina Monteiro de Andrada. O Desenvolvimento do Exército e as
relações militares entre Brasil e Alemanha (1889-1920). 2011. 250f. Tese
(Doutorado em História) – Programa de Pós-Graduação em História Social
(PPGHIS), Instituto de História (IH), Universidade Federal do Rio de Janeiro
(UFRJ), Rio de Janeiro. 08/2011.
 MONTEIRO, Vitor José da Rocha. Do “Exército de Sombras” ao “Soldado-
Cidadão”: Saúde, Recrutamento Militar e Identidade Nacional na Revista
“Nação Armada” (1939-1947). Rio de Janeiro, RJ, 2010, 166f. Dissertação
(Mestrado em História das Ciências e da Saúde). Programa de Pós-Graduação em
História das Ciências e da Saúde / Casa de Oswaldo Cruz / Fundação Oswaldo Cruz.
 SILVA, Carlos Leonardo Bahiense da. Doutores e canhões: o corpo de saúde do
Exército Brasileiro na Guerra do Paraguai (1864-1870). Rio de Janeiro:
PPGHCS/COC/FIOCRUZ, 2012.

Periódicos:
Periódicos Argentinos
 Revista Internacional de Sanidad, Suíça, Ano I, Vol. I, n. 1, jul. 1920, p.1.

1. Boletín de Sanidad Militar


− A Modo de Introducción, Boletín de Sanidad Militar, Buenos Aires, Ano
XII, n.1, p.5-6, jul. 1913.
− Crónica, Boletín de Sanidad Militar, Berlim, Ano I, n.1, p.78-86, jan. 1891.
− Intereses del Boletin, Boletín de Sanidad Militar, Berlim, Ano I, n.1, p.87-
89, jan. 1891.
− La profilaxia de la fiebre tifoidea en el ejército francés, Boletín de Sanidad
Militar, Buenos Aires, Ano VII, n.1, p.46-51, jun. 1908.

384
− Lo de Koch. El tratamiento de Koch en el Hospital Militar núm. 1 de Berlín,
Boletín de Sanidad Militar, Berlim, Ano I, n.4, p.322-324, abr. 1891.
− Materiales, Boletín de Sanidad Militar, Berlim, Ano I, n.1, p.2, jan. 1891.
− Propósitos – La Redaccion, Boletín de Sanidad Militar, Berlim, Ano I, n.1,
p.1, jan. 1891.
− Reaparición, Boletín de Sanidad Militar, Buenos Aires, Ano VII, n.1, p.5,
jun., 1908.
− Roberto Koch, 1843-1910, Boletín de Sanidad Militar, Berlim, Ano IX, n.6,
p.469-474, jun. 1910.
− Suplemento. La linfa de Koch en Buenos Aires. Tratamiento de la
Tuberculosis. El suceso de Berlín”, Boletín de Sanidad Militar, Berlim, Ano
I, n.1, p.90-92, jan. 1891.
− Tratamiento de la Tuberculosis. El suceso de Berlín, Boletín de Sanidad
Militar, Berlim, Ano I, n.1, p.3-46, jan. 1891.
− STRAUB, Pablo F. El Nuevo Reglamento del Servicio de Sanidad en
Campaña, Boletín de Sanidad Militar, Buenos Aires, Ano VII, n.5, p.326-
340, out. 1908.
− VEYGA, (Inspetor Geral de Saúde) Francisco de. El Estado Sanitario Del
Ejército Durante el Año 1907, Boletín de Sanidad Militar, Buenos Aires,
Ano VII, n.1, p.9-30, jun. 1908.

2. Anales de Sanidad Militar


− El Médico Del Ejército. Su misión del punto de vista de La Higiene Militar,
Anales de Sanidad Militar, Buenos Aires, Ano I, n.2, p.81-92, mar. 1899.
− El teniente general Luís María Campos. Ministro de Guerra, Anales de
Sanidad Militar, Buenos Aires, Ano I, n.11, p. 901-902, nov. 1899.
− Nuestro Cuerpo de Sanidad Militar. Disciplina, Unión y Compañeirismo,
Anales de Sanidad Militar, Buenos Aires, Ano I, n.2, p.1-4, fev. 1899.
− Redacción. El médico soldado. Nuestros ideales, Anales de Sanidad Militar,
Buenos Aires, Ano II, n.3, p. 253-260, mar. 1900.
− Redacción. En el quinto año, Anales de Sanidad Militar, Buenos Aires, Ano
V, n.1, p.1-4, jan. 1903.
− Redacción. En El Segundo Año de Vida, Anales de Sanidad Militar, Buenos
Aires, Ano II, n.1, p.1-5, jan. 1900.

385
− Redacción. La Escuela de Sanidad Militar, Anales de Sanidad Militar,
Buenos Aires, Ano IV, n.6, p.513-515, jun. 1902.
− Redacción. La misión en Rusia del Cirujano de División Dr. Nicomedes
Antelo, Anales de Sanidad Militar, Buenos Aires, Ano IV, n.5, p.425-427,
mai. 1902.
− Redacción. La sanidad militar – Bosquejo de su evolución, Anales de
Sanidad Militar, Buenos Aires, Ano I, n.4, p. 179-188, abr. 1899.
− Redacción. La sanidad militar – Su autonomía, Anales de Sanidad Militar,
Buenos Aires, Ano I, n.6, p. 383-391, jun. 1899.
− Redacción. La sanidad militar argentina. Envio de cirujanos militares a
Europa. Una buena idea que necesita complementarse, Anales de Sanidad
Militar, Buenos Aires, Ano III, n.8, p.717-727, ago. 1901.
− Redacción. Notas de actualidad, Anales de Sanidad Militar, Buenos Aires,
Ano IV, n.12, p.1097-1110, dez. 1902.

3. Revista de La Sanidad Militar


− Creación del Instituto de Higiene del Ejército, Revista de la Sanidad Militar,
Buenos Aires, Ano XXX, n.3, p.243-253, mai-jun 1931.
− BROLLO, (Tenente Coronel) Basilio; BERRI, Carlos P. Preparación militar
de los oficiales de sanidad, Revista de la Sanidad Militar, Buenos Aires,
Ano XXI, p. 263-270, jul-dez 1922.
− D'OVIDIO, (Major de Saúde) Rogelio. Primer Congreso Internacional de
Medicina y Farmacia Militar, reunido en Bruxelas en 1921, Revista de la
Sanidad Militar, Buenos Aires, Ano XXI, p.9-23, jan-jun 1922.
− LEVENE, Alberto (Cirurgião de exército e diretor geral de saúde). El
Instituto de Higiene del Ejercito, Revista de la Sanidad Militar, Buenos
Aires, Ano XXX, n.1, p. 5-9, jan-fev. 1931.
− TREJO, Clemente. Las nuevas orientaciones en la sanidad militar argentina,
Revista de la Sanidad Militar, Buenos Aires, Ano XXI, p.271-282 jul-dez
1922.
− ZARATE, Pedro N. Hay que estimular la preparación científica y ilustración
de los médicos de la Sanidad, Revista de la Sanidad Militar, Buenos Aires,
Ano XXVIII, n.5, p.419-422, set-out 1929.

386
4. Revista de La Sanidad Militar Argentina
− Nonagésimo aniversario, Revista de La Sanidad Militar Argentina, Buenos
Aires, Ano LXXX, n.1, p.3-4, jan-jun. 1981.

Periódicos Brasileiros
1. Boletim da Sociedade Médico-Cirúrgica Militar (Revista Médico-Cirúrgica
Militar)
− “A Missão Médica para o Exército”, Revista Médico-Cirúrgica Militar, Rio
de Janeiro, Ano VI, n.4, p.167-169, out. 1920.
− “A Missão Médica para o Exército”, Revista Sociedade Médico-Cirúrgica
Militar, Rio de Janeiro, Ano VI, n.6, p.269-270, dezembro 1920.
− “A remodelação do Corpo de Saúde do Exército”, Boletim da Sociedade
Médico-Cirúrgica Militar, Rio de Janeiro, Ano VI, n.3, p.103-105, jul. 1920.
− “Discurso proferido na sessão inaugural da Sociedade Médico-Cirúrgica
Militar pelo Dr. João Muniz de Aragão”, Boletim da Sociedade Médico-
Cirúrgica Militar, Ano I, n.1, p.29-39, dez. 1915.
− “Estatuto da Sociedade Médico-Cirúrgica Militar”, Boletim da Sociedade
Médico-Cirúrgica Militar, Rio de Janeiro, Ano I, ns.2 e 3, p.50-53, jan-fev.
1916.
− “Nossa razão de ser”, Boletim da Sociedade Médico-Cirúrgica Militar, Rio
de Janeiro, Ano I, n.1, p.1-2, dez. 1915.
− “O Nosso Anniversario”, Boletim da Sociedade Médico-Cirúrgica Militar,
Rio de Janeiro, Ano VI, n.1, p.1, jul. 1920.
− “Orientação Actual do Serviço de Saúde do Exército”, Boletim da Sociedade
Médico-Cirúrgica Militar, Rio de Janeiro, Ano IV, n.7-8, p.3-12, jan-fev.
1919.
− “Pela especialização”, Boletim da Sociedade Médico-Cirúrgica Militar, Rio
de Janeiro, Ano V, n.7, p.169-171, jan. 1920.
− “Promoções no Corpo de Saúde do Exército”, Boletim da Sociedade Médico-
Cirúrgica Militar, Rio de Janeiro, Ano IV, n.1-6, p.11-12, jul-dez. 1918.
− “Reassegurando”, Boletim da Sociedade Médico-Cirúrgica Militar, Rio de
Janeiro, Ano V, n.6, p.111, dez. 1919.
− “Sociedade Médico-Cirúrgica Militar”, Boletim da Sociedade Médico-
Cirúrgica Militar, Rio de Janeiro, Ano I, n.1, p.21-28, dez. 1915.

387
− “Sociedade Médico-Cirúrgica Militar”, Boletim da Sociedade Médico-
Cirúrgica Militar, Rio de Janeiro, Ano II, ns.1 e 2 , p.37-57, jul-ago. 1916.
− “Sociedade Médico-Cirúrgica Militar”, Boletim da Sociedade Médico-
Cirúrgica Militar, Rio de Janeiro, Ano III, n.1-2, p.89-103, jul-ago.1917.
− ARAGÃO, João Muniz de. “Uma medida necessária ao Corpo de Saúde”,
Boletim da Sociedade Medico-Cirurgica Militar, Rio de Janeiro, Ano III, n.11-
12, p.49-51, mai-jun. 1918.

2. Brazil Médico
− “Editoriaes”, Brazil-Médico, Rio de Janeiro, Ano XXXIV, n.46, p. 758, 13
de novembro de 1920.

3. Medicina Militar (Revista de Medicina Militar)


− Medicina Militar, Rio de Janeiro, Ano I, nº1, p.9-10, jun. 1910.
− Medicina Militar, Rio de Janeiro, Ano I, nº2, p.79-80, jul. 1910.
− Medicina Militar, Rio de Janeiro, Ano VII, n.1, p.1-2, jul. 1916.
− “1910-1922”, Medicina Militar, Rio de Janeiro, Ano XIII, n.1, p.1-2, jul.
1922.
− “Ao Redor da Guerra”, Medicina Militar, Rio de Janeiro, Ano VI, n.10,
p.276-281, mar. 1916.
− “Cursos de Ampliación de Estudios Médicos del Verein für Arztliche
Fortbildung de Berlim”, Medicina Militar, Rio de Janeiro, Ano XIII, n.2,
p.68-72, ago. 1922 .
− “O Brazil em Roma”, Medicina Militar, Rio de Janeiro, Ano III, nº1, p.3-4,
jul. 1912.
− “Os dez mandamentos da hygiene”, Medicina Militar, Rio de Janeiro, Ano I,
nº6, p.427-428, nov., 1910.
− “Os serviços de saúde no Exército francez”, Medicina Militar, Rio de
Janeiro, Ano VI, n.9, p.246-254, fev. 1916.
− AMARAL, (Diretor do Serviço de Saúde do Exército) Antonio Ferreira do.
“O Corpo de Saúde do Exército em 1919”, Medicina Militar, Rio de Janeiro,
Ano XI, n.2, p.50-58, ago. 1920.
− ________. “Relatório do Director de Saúde da Guerra”, Medicina Militar,
Rio de Janeiro, Ano XI, n.3, p.75-85, set. 1920.

388
− ________. “Relatório do General Director de Saúde da Guerra”, Medicina
Militar, Rio de Janeiro, Ano XI, n.4, p.100-110, outubro 1920.
− BONNETTE. “Notícias da Alemanha”, Medicina Militar, Rio de Janeiro,
Ano VIII, n.10, p.293-297, abr. 1918.
− CADAVAL, Ribas. “Considerações geraes sobre a utilidade palpitante da
publicação de um tratado de Hygiene Militar para uso do Exercito Brasileiro
e de um Vade Mecum do soldado patrício”, Medicina Militar, Rio de
Janeiro, Ano II, n.2, p.99-111, ago. 1911.
− CARVALHO, Leovigildo H. “Reorganização do Serviço de Saúde do
Exército”, Medicina Militar, Rio de Janeiro, Ano I, n.1, p. 11-13, mar. 1910.
− CERQUEIRA, (Major Médico) Alves. “Guia para instrucção e exercício das
tropas em tempo de paz”, Medicina Militar, Rio de Janeiro, Ano XI, n.10,
p.274-278, abr. 1921.
− COSTA, (capitão médico) Reynaldo Ramos da. “Medidas higiênicas que
deve tomar o soldado para evitar as moléstias”, Medicina Militar, Rio de
Janeiro, Ano XI, n.5, p.132-144, nov. 1920.
− ______. “Medidas higiênicas que deve tomar o soldado para evitar as
moléstias (continuação)”, Medicina Militar, Rio de Janeiro, Ano XI, n.7,
p.194-198, jan. 1921.
− FERREIRA, Affonso, “Analyses”, A Medicina Militar, Rio de Janeiro, Ano
I, nº6, p.411-417, dez. 1910.
− GUIMARÃES, (Major) Moreira. “Notas sobre o serviço sanitário do
exército japonês”, Medicina Militar, Rio de Janeiro, Ano I, nº3, p.166-169,
ago. 1910.
− LOBO, Arthur. “Higiene Militar”, Medicina Militar, Rio de Janeiro, Ano I,
nº12, p.730-740, jun. 1911.
− MELLO, Nelson Bandeira de. “O papel da Revista de Medicina Militar no
aperfeiçoamento técnico do Serviço de Saúde do Exército”, Revista de
Medicina Militar, Rio de Janeiro, Ano XXX, n.4, p.23-28 (457-462), out-
dez. de 1941.
− MORAES, Jorge de. “A Higiene Militar Brasileira. Passo do Soldado
Nacional. I”, Medicina Militar, Rio de Janeiro, Ano I, nº5, p.271-279, out.
1910.

389
− ROCHA, Ismael da. “Centenário de Pasteur”, Medicina Militar, Ano XIII,
n.6, p.171-176, dezembro 1922.
− ______. “Evolução da Medicina Militar. O homem feito soldado”, Medicina
Militar, Rio de Janeiro, Ano VIII, p.151, dezembro 1917.
− SILVA, Arthur Lobo da. “Hygiene Militar”, Medicina Militar, Rio de
Janeiro, Ano III, n.3, p. 108-119, set. 1912.

4. Militia
− “O Serviço de Saúde da F.P. – 60º Aniversário”, Militia, São Paulo, 1952, 30
(V)/Setembro-Outubro, p.86-107.
− PIMENTEL, (Major) Olímpio de O. “Missão Francesa de Instrução Militar”,
Militia, São Paulo, 1957, 67 (XI)/ Janeiro-Fevereiro, p.12-17.

− Revista de Medicina e Higiene Militar


− Revista de Medicina e Higiene Militar, Rio de Janeiro, Ano XIV, n.1, jan.
1925.
− “Editorial”, Revista de Medicina e Higiene Militar, Rio de Janeiro, Ano
VIII (II da 2ª série), n.1, p.1-2, jan. 1922.
− “Explicação Necessaria”, Revista de Medicina e Higiene Militar, Rio de
Janeiro, Ano I, n.1, p.302, jan. 1921.
− “Mais um anniversario”, Revista de Medicina e Higiene Militar, Rio de
Janeiro, Ano XIV, n.1, p.1-2, jan. 1925.
− “Nosso anniversario”, Revista de Medicina e Higiene Militar, Rio de
Janeiro, Ano XV, n.1, p.1, jan. 1926.
− “Reservas Sanitárias do Exército”, Revista de Medicina e Higiene Militar,
Rio de Janeiro, Ano VIII (II da 2ª série), n.2, p.37-38, fev. 1922.
− “Revista de Medicina e Hygiene Militar. Incorporação da ‘Medicina
Militar’”, Revista de Medicina e Higiene Militar, Rio de Janeiro, Ano XII
da 2ª série, n.7, p.159-160, jul.1923.
− BRASIL, (Capitão médico) Americano do. “Façamos nosso Val-de-Grâce”,
Revista de Medicina e Higiene Militar, Rio de Janeiro, Ano XIV, n.2, p.43-
47, fev. 1925.
− CAMPOS, (Capitão Médico) Murillo de; MORAES, (Capitão Médico)
Saturnino de. “Algumas considerações sobre o serviço medico no Exercito”,

390
Revista de Medicina e Higiene Militar, Rio de Janeiro, Ano VIII (II da 2ª
série), n.12, p.325-338, dez.1922.
− CHAVES, Henrique. “Hygiene Para o Soldado. Principios de hygiene e
primeiros soccorros aos feridos e doentes, subordinados aos títulos do
R.I.S.G.”, Revista de Medicina e Higiene Militar, Rio de Janeiro, Ano IX da
2ª série, n.8, p.195-199, ago.1923.
− ________. “Hygiene Para o Soldado. Principios de hygiene e primeiros
soccorros aos feridos e doentes, subordinados aos títulos do R.I.S.G.”,
Revista de Medicina e Higiene Militar, Rio de Janeiro, Ano IX da 2ª série,
n. 9, p.233-235, set. 1923.
− ________. “Hygiene Para o Soldado. Principios de hygiene e primeiros
soccorros aos feridos e doentes, subordinados aos títulos do R.I.S.G.”,
Revista de Medicina e Higiene Militar, Rio de Janeiro, Ano IX da 2ª série,
n. 11, p.301-304, nov. 1923.
− ________. “Hygiene Para o Soldado. Principios de hygiene e primeiros
soccorros aos feridos e doentes, subordinados aos títulos do R.I.S.G.”,
Revista de Medicina e Higiene Militar, Rio de Janeiro, Ano XIII, n.2, p.56-
59, fev. 1924.
− ________. “Hygiene Para o Soldado. Principios de hygiene e primeiros
soccorros aos feridos e doentes, subordinados aos títulos do R.I.S.G.”,
Revista de Medicina e Higiene Militar, Rio de Janeiro, Ano XIII, n.5,
p.156-160, mai. 1924.
− FERNANDES, Carlos Rocha. “Na Encruzilhada. As especializações
médicas e o Corpo de Saúde do Exército”, Revista de Medicina e Higiene
Militar, Rio de Janeiro, Ano IX da 2ª série, n.6, p.131-135, jun. 1923.
− FERREIRA, Souza. “Evolução e Progressos da Cirurgia Durante a Guerra de
1914-1918”, Revista de Medicina e Higiene Militar, Rio de Janeiro, Ano I,
n.6, p. 239-250, jun. 1921.
− __________. “Evolução e Progressos da Cirurgia Durante a Guerra de 1914-
1918”, Revista de Medicina e Higiene Militar, Rio de Janeiro, Ano I, n.7,
p.283-295, jun. 1921.
− __________. “O Congresso de Medicina e de Pharmacia Militares reunido
em Bruxellas”, Revista de Higiene e Medicina Militar, Rio de Janeiro, Ano
VIII (II da 2ª série), n.2, p.47-57, fev. 1922.

391
− __________. “O Congresso de Medicina e de Pharmacia Militares reunido
em Bruxellas (Conclusão)”, Revista de Higiene e Medicina Militar, Rio de
Janeiro, Ano VIII (II da 2ª série), n.3, p.71-84, mar. 1922.

5. Outros
− Revista Verde Oliva, Ano XL, N. 214, Jan/Fev/Mar 2012.
− AMARAL, Antônio Barreto. “A Missão Francesa de Instrução da Força
Pública de São Paulo”. Separata de: Revista do Arquivo Municipal, São
Paulo 1966, CLXXII.
− BARROSO, Geraldo. “Inconsciente Busca da Auto Destruição”, Boletim
Informativo da Academia Brasileira de Medicina Militar, Rio de Janeiro,
Volume VI, Número 10, Outubro/1968, p.427-436.
− SÁ, Magali Romero et al . “Medicina, ciência e poder: as relações entre
França, Alemanha e Brasil no período de 1919 a 1942”. História, Ciências,
Saúde-Manguinhos, Rio de Janeiro, v. 16, n. 1, mar. 2009. Disponível
em http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0104-
59702009000100015&lng=pt&nrm=iso.
− SOUSA, Luís de Castro. “João Moniz Barreto de Aragão. Médico Militar e
Pioneiro da Veterinária Brasileira”. Separata de: Revista do Instituto
Histórico e Geográfico Brasileiro, Rio de Janeiro, 1976, 305,
Outubro/Dezembro 1974.
− WULF, Stefan. “The Revista Médica project: medical journals as
instruments of German foreign cultural policy towards Latin America, 1920-
1938”. História, Ciências, Saúde-Manguinhos, Rio de Janeiro, v. 20, n.
1, mar. 2013. Disponível em:
http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0104-
59702013000100010&lng=pt&nrm=iso

Fontes
1. Argentina
− “Anexos”. Memoria de Guerra y Marina, 1886. Buenos Aires: Imprenta de
Sud América, Tomo I, 1886.

392
− Memoria de Guerra y Marina, 1888. Buenos Aires: Imprenta Sud America,
Tomo II, 1888.
− Memoria de Guerra y Marina, 1889. Buenos Aires, 1889.
− Memoria de Guerra, 1899-1900. Buenos Aires: Imprenta Tribuna, 1900.
− Memoria de Guerra, 1902-1903. Buenos Aires: Arsenal Principal de
Guerra, 1903.
− Memoria de Guerra, 1907-1908. Buenos Aires: Arsenal Principal de
Guerra, 1908.
− Memoria de Guerra, 1917-1918. Buenos Aires: Talleres Gráficos del Estado
Mayor del Ejército, 1918
− Pedro Mallo para o Chefe do Estado Maior Geral de Marinha, Contra
Almirante Bartolomé L. Cordeiro. Buenos Aires, 2 de julho de 1892.
Archivo General de la Nación (AGN), Fondo General Lorenzo Vintter
(FGLV), Signatura Topográfica (ST) 1160.

2. Brasil
− Arquivo do Museu da Polícia Militar do Estado de São Paulo, Trabalho da
Missão Militar Francesa Instrutora da Força Pública – 1910, 06-04-262/03,
“Missão Militar Francesa”
− Breviário da Evolução do Serviço de Saúde do Exército – Principais atos e
fatos marcantes do seu desenvolvimento. Ministério do Exército. DEP-
DFA. Academia Militar das Agulhas Negras.
− Ministério da Guerra. Relatório apresentado ao presidente da República dos
Estados Unidos do Brazil pelo General de Divisão Antonio Nicoláo Falcão
da Frota. Rio de Janeiro: Imprensa Nacional, Junho/1891.
− Ministério da Guerra. Relatório apresentado ao presidente da República dos
Estados Unidos do Brazil pelo General-de-Divisão Bernardo Vasques. Rio
de Janeiro: Imprensa Nacional, Maio/1895.
− Ministério da Guerra. Relatório apresentado ao presidente da República dos
Estados Unidos do Brazil pelo General de Brigada Francisco de Paula
Argollo. Rio de Janeiro: Imprensa Nacional, Maio/1897.
− Ministério da Guerra. Relatório apresentado ao presidente da República dos
Estados Unidos do Brazil. Rio de Janeiro: Imprensa Nacional, Maio/1899.

393
− Ministério da Guerra. Relatório apresentado ao presidente da República dos
Estados Unidos do Brazil pelo Marechal Hermes Rodrigues da Fonseca. Rio
de Janeiro: Imprensa Nacional, Junho/1908.

3. Outros
− Nazi Conspiracy and Aggression. Volume VIII. USGPO, Washington,
1946/pp.672-678 (http://www.ess.uwe.ac.uk/genocide/keitel4.htm). Acesso
em outubro de 2008.

394
Anexos

395
Anexo 1

396
Decretos e Regulamentos do Serviço de Saúde do
Exército Brasileiro

397
Decreto nº 601, de 19 de Abril de 1849

Aprova o Plano para a organisação do Corpo de Saude do Exercito.

Tendo Ouvido a Secção de Guerra e Marinha do Conselho d'Estado, Hei por


bem Aprovar o Plano para a organisação do Corpo de Saude do Exercito, o qual com
este baixa, assignado por Manoel Felizardo de Sousa e Mello, do Meu Conselho,
Ministro e Secretario d'Estado dos Negocios da Marinha, e encarregado interinamente
dos da Guerra, que assim o tenha entendido, e expeça os despachos necessarios.

Palacio do Rio de Janeiro em dezenove de Abril de mil oitocentos quarenta e nove,


vigesimo oitavo daIndependencia e do Imperio.

Com a Rubrica de Sua Magestade o Imperador.

Manoel Felizardo de Sousa e Mello

PLANO PARA A ORGANISAÇÃO DO CORPO DE SAUDE DO EXERCITO, A


QUE SE REFERE O DECRETO DESTA DATA

Art. 1º O Corpo de Saude do Exercito será composto dos individuos abaixo


designados, os quaes gozarão das graduações Militares que vão declaradas, a saber:

§ 1º Hum Cirurgião mór do Exercito, Coronel.

§ 2º Dous Cirurgiões mores de Divisão do Exercito, Tenentes Coroneis.

§ 3º Seis Cirurgiões mores de Brigada, Majores.

§ 4º Trinta e dous primeiros Cirurgiões, dos quaes 16 poderão ser graduados


Capitães, e os outros terão a graduação de Tenentes.

§ 5º Sessenta e quatro segundos Cirurgiões, dos quaes 32 poderão ser graduados


Tenentes, e os outros terão a graduação de Alferes.

Art. 2º O Cirurgião mór do Exercito será o Chefe do Corpo de Saude do Exercito,


e sua nomeação depende somente da capacidade para o bom desempenho do serviço: o
Governo designará suas attribuições e nos seus impedimentos será substituido pelo
Facultativo que o Governo designar.

Art. 3º Os Facultativos de Saude terão direito ao accesso dos Postos superiores


quando se fizerem dignos por sua maior antiguidade militar a par de bom
comportamento, conhecimentos professionaes, e perfeito desempenho das Commissões
de que forem encarregados.

Art. 4º Os Facultativos serão subordinados ao Cirurgião mór do Exercito, e ás


Autoridades superiores do Corpo de Saude; servirão de Commissão nos Corpos do

398
Exercito, em os quaes serão admittidos ou delles retirados, conforme julgar o Governo
conveniente; e em quanto se acharem empregados em qualquer Corpo ficarão sujeitos á
disciplina delle, e subordinados ás respectivas Autoridades, na fórma estabelecida pelas
Leis, usos, e ordens em vigor.

Art. 5º Em serviço de campanha os Corpos do Exercito terão os Facultativos de


Saude que lhes pertencerem segundo sua organisação, porêm fóra deste caso o Governo
conservará nos mesmos Corpos aquelles Facultativos que forem indispensaveis,
segundo a força, ou circunstancias peculiares de cada Corpo. Os que se acharem
desempregados perceberão somente o respectivo soldo.

Art. 6º Os Empregados do Corpo de Saude do Exercito terão hum mesmo


uniforme, que o Governo designar, com os distinctivos correspondentes a seus Postos.

Art. 7º Os actuaes Cirurgiões mores dos Corpos passarão a denominar-se


primeiros Cirurgiões, e os Cirurgiões Ajudantes, segundos Cirurgiões.

Palacio do Rio de Janeiro em 19 de Abril de 1849.

Manoel Felizardo de Sousa e Mello

Este texto não substitui o original publicado no Coleção de Leis do Império do Brasil de
1849

Publicação:

Coleção de Leis do Império do Brasil - 1849, Página 74 Vol. pt II (Publicação Original)

399
Decreto nº 763, de 22 de Fevereiro de 1851

Aprova o Regulamento para o Corpo de Saude do Exercito.

Hei por bem, para execução do Plano da organisação do Corpo de Saude do Exercito,
segundo o Decreto numero seiscentos e hum de dezanove de Abril de mil oitocentos
quarenta e nove, Aprovar o Regulamento para o mesmo Corpo, que com este baixa,
assignado por Manoel Felizardo de Sousa e Mello, do Meu Conselho, Ministro e
secretario d'Estado dos Negocios da Guerra, que assim o tenha entendido, e faça
executar com os despachos necessarios.

Palacio do Rio de Janeiro em vinte e dous de Fevereiro de mil oitocentos cincoenta e


hum, trigesimo da Independencia e do Imperio.

Com a Rubrica de Sua Magestade o Imperador.

Manoel Felizardo de Sousa e Mello.

REGULAMENTO PARA O CORPO DE SAUDE DO EXERCITO

Do Cirurgião-mór do Exercito

Art. 1º O Cirurgião-mór do Exercito, como Chefe do Corpo de Saude, inspeccionará, e


fiscalisará por si ou por seus Delegados, todo o serviço da Repartição nos Hospitaes,
Corpos, Depositos, ou Praças; propondo ao Governo, por intermedio do Commandante
das Armas, aquellas medidas que parecerem necessarias ao regular andamento do
mesmo serviço.

Art. 2º No fim de cada anno, á vista das informações trimestres dadas pelos seus
Delegados, remetterá ao Governo, a Estatistica circumstanciada do numero e estado dos
enfermos, da qualidade das molestias, com declaração dos medicamentos que mais
aproveitárão; bem como o relatorio circumstanciado do estado da Repartição, indicando
os melhoramentos de que for susceptivel: e de seis em seis mezes huma informação de
conducta do Officiaes de Saude, em que se note tudo quanto possa esclarecer o Governo
n'este ramo de Serviço publico.

Art. 3º Manterá a ordem e disciplina entre os seus subordinados, obrigando cada hum ao
exacto cumprimento de seus deveres, podendo advertir, reprehender, e mesmo prender

400
até 15 dias no Quartel, ou qualquer Estabelecimento de saude, obrigando, quando
pareça conveniente, os delinquentes ao serviço ordinario. Quando a falta seja digna de
maior pena, dará parte á Autoridade competente para se proceder na fórma da Lei.

Art. 4º Na direcção do serviço do Corpo proporá ao Governo, ou fará propor aos


Presidentes de Provincia, por seus Delegados, quando lhe for competentemente
ordenado, os Cirurgiões e mais Empregados de saude para os respectivos
Estabelecimentos e Corpos, dando-lhes as instrucções e regulamentos hygienicos que
convenientes julgar.

Art. 5º Sempre que houver oportunidade fará com que os Facultativos do Exercito se
apliquem nos Hospitaes e Enfermarias militares á pratica e uso de apareIhos e operações
cirurgicas, mais frequentes em campanha como a extracção de balas, a união de
diversos ferimentos, amputações, trepanações, reducção de fracturas e luxações, e
outras.

Art. 6º O Cirurgião-mór do Exercito terá para o seu expediente hum Secretario que será
tirado da classe dos 2ºs Cirurgiões.

Art. 7º Fará parte da Junta de Saude com mais dois Officiaes Superiores do Corpo de
Saude, nomeados pelo Commandante das Armas da Côrte.

Art. 8º Informará ao Governo sobre os Cirurgiões que tenhão de servir de seus


Delegados, bem como sobre as habilitações dos candidatos aos lugares da Repartição.

Art. 9º Regulará a fórma dos concursos para preenchimento das vagas de Segundos
Cirurgiões, e marcará as materias sobre que devão versar, dando do resultado conta ao
Governo para se resolver.

Art. 10. Será substituido pelo Cirurgião do Corpo que o Governo designar.

Dos Cirurgiões-móres de Divisão e de Brigada

Art. 11. Os Cirurgiões-móres de Divisão serão de preferencia empregados nas


Provincias em que operarem ou estacionarem grandes Forças militares, como Delegados
do Cirurgião-mór do Exercito, ou como Directores de Hospitaes, podendo accumular as
funcções d'estes cargos.

Art. 12. Executarão, quando empregados segundo as disposições do Artigo antecedente


d'este Regulamento, todas as ordens do Cirurgião-mór do Exercito, relativas ao serviço
do Corpo, quando não opostas ás do Presidente da Provincia, ou da Autoridade militar
sob cujas ordens servirem.

Art. 13. Para o regular andamento do serviço solicitarão da primeira Autoridade militar
da Provincia os meios de que carecerem, dando conta ao Chefe do Corpo de Saude.

Art. 14. Fiscalisando, inspeccionando, ou dirigindo o serviço da Repartição terão as


attribuições do Cirurgião-mór do Exercito, mas sob a autoridade d'este, não podendo
com tudo em caso de punição impor mais de oito dias de prisão.

401
Art. 15. Na qualidade de Delegados do Cirurgião-mór do Exercito terão para o
expediente, hum Assistente da classe dos segundos Cirurgiões, de sua escolha, e
aprovação do Presidente da Provincia.

Art. 16. Na falta do Chefe do Corpo formarão parte da Junta de Saude, de que serão
membros mais dois Facultativos nomeados pela Autoridade que as convocar.

Art. 17. Os Cirurgiões-móres de Brigada serão empregados nas Forças em operações ou


estacionadas, e substituirão os Cirurgiões-móres de Divisão. Quando não concorrer
algum outro Official de Saude de superior graduação, serão encarregados da Direcção
de todo o serviço de saude das Forças em que servirem, correspondendo-se n'este caso
directamente com o Cirurgião-mór do Exercito, cujas ordens e instrucções cumprirão,
quando não opostas ás das Autoridades sob que servirem.

Dos 1ºs e 2ºs Cirurgiões

Art. 18. Os 1ºs Cirurgiões, graduados Capitães, poderão ser empregados nos Hospitaes,
Corpos, Enfermarias, e outros Estabelecimentos d'esta natureza, e substituindo os
Cirurgiões-móres de Brigada, ou como parecer mais conveniente. Os 1ºs Cirurgiões,
graduados Tenentes, e os 2ºs Cirurgiões de todas as graduações nos Hospitaes,
Fortalezas, Corpos, e Depositos do Exercito, e em quaesquer Commissões de saude por
proposta do Cirurgião-mór do Exercito em virtude de ordem superior.

Disposições Geraes

Art. 19. Os 2ºs Cirurgiões, graduados Alferes, só poderão ter a graduação de Tenentes
depois de dois annos de serviço effectivo: a mesma condição he exigida para os 1ºs
Cirurgiões graduados Tenentes passarem á graduação de Capitão. Para o accesso á
Cirurgiões-móres de Brigada e de Divisão são precisos tres annos de effectivo serviço
nos postos anteriores.

Art. 20. O tempo de serviço marcado no Artigo antecedente será reduzido á metade para
os Officiaes do Corpo de Saude que se acharem em operações activas de guerra, ou
praticarem em combate acções de bravura, e por actos de intelligencia que se possão
reputar serviços relevantes, sendo devidamente justificados e comprovados pela ordem
do dia do Commandante em Chefe das Forças em operações, se os factos se passarem á
sua vista, ou pelo juizo de hum Conselho de inquirição por elle aprovado, se taes factos
forem praticados fóra de sua presença.

Art. 21. Os Officiaes de Saude serão subordinados, e se substituirão huns aos outros na
ordem de suas graduações, e no caso de igualdade terá preferencia o mais antigo, salvo
o caso previsto no Artigo 10º.

Art. 22. Todos os empregos do Corpo de Saude serão providos por nomeação do
Governo, sobre informação do Cirurgião-mór do Exercito; mas poderão ser
provisoriamente preenchidos pelos Presidentes, ou Commandantes das Armas.

402
Art. 23. O serviço ordinario e extraordinario será feito por escala do Ciruigião-mór do
Exercito na Côrte e pelos seus Delegados nas Provincias, em virtude de detalhe dos
Presidentes e Commandantes das Armas da Côrte. Estas Autoridades podem designar os
Officiaes de Saude que mais aptos julgarem para as Commissões de que forem
incumbidos.

Art. 24. Os vencimentos dos Officiaes de Saude ficão regulados pelos que competem,
segundo a Legislação em vigor, aos Officiaes do Imperial Corpo de Engenheiros,
classificados os exercicios como abaixo se declara; e o Cirurgião-mór do Exercito terá
as vantagens que competem ao Commandante do referido Corpo, percebendo porêm
todos a gratificação addicional nos termos do Artigo 4º da Lei numero 341 de 6 de
Março de 1845.

Art. 25. São considerados em commissão activa os Delegados do Cirurgião-mór do


Exercito, o Secretario, Assistentes destes; e bem assim todos os Officiaes do Corpo em
serviço activo, ou por destacamento em Corpos ou Forças do Exercito, e qualquer outro
sem residencia fixa. Em commissão de residencia os que se acharem no serviço de
Hospitaes, Fortalezas, ou exercicio que não exija continua mobilidade. Serão
considerados em tempo de guerra nas Provincias em que ella tiver lugar, em commissão
de Praça os Officiaes de Saude que se acharem empregados em Hospitaes, Depositos,
ou Corpos estacionados; e em commissão de Campanha os que fizerem parte das Forças
em operações activas.

Art. 26. Os candidatos ás vagas de Officiaes de Saude do Exercito só poderão ser


admittidos na qualidade de 2ºs Cirurgiões por concurso, e quando tenhão aprovações
plenas, bom comportamento, e o gráo de Doutor obtido na fórma dos Artigos 26, 28 e
29 da Lei de 3 de Outubro de 1832, alêm de três annos de pratica.

Art. 27. O Cirurgião-mór do Exercito, e seus Delegados deverão cumprir as ordens que
lhes forem dadas pela primeira Autoridade civil ou militar nas Provincias e Côrte.

Art. 28. Os instrumentos cirurgicos fornecidos para o serviço do Exercito serão


marcados com as iniciaes C. S. E., e os Officiaes que os receberem responsaveis por seu
valor no caso de extravio ou deterioramento.

Art. 29. Haverá na Secretaria do Corpo hum livro-mestre, alêm dos que o Cirurgião-mór
do Exercito, e seus Delegados precisarem para a correspondencia Official e mais
expediente, lançando-se naquelle os assentamentos de praça, accessos, gráos, serviços
ordinarios, extraordinarios, e scientificos dos Officiaes do Corpo de Saude, e mais
circumstancias que se costumão registrar nos livros-mestres dos Officiaes do Exercito.

Art. 30. Os Cirurgiões do Exercito que por occasião de se organisar o Corpo de Saude
não forem nelle contemplados por qualquer motivo, e se não acharem comprehendidos
nas disposições do Alvará de 16 de Dezembro de 1790, serão reformados com o soldo
correspondente aos annos que tiverem servido.

Art. 31. O Cirurgião-mór do Exercito e seus Delegados terão ordenanças para o serviço
respectivo.

Art. 32. O uniforme para os Officiaes do Corpo de Saude do Exercito será o do figurino
que com este baixa.

403
Palacio do Rio de Janeiro em 22 de Fevereiro de 1851. - Manoel Felizardo de Sousa e
Mello.

Este texto não substitui o original publicado no Coleção de Leis do Império do Brasil de
1851

Publicação:

Coleção de Leis do Império do Brasil - 1851, Página 27 Vol. 1 pt II (Publicação


Original)

404
Decreto nº 1.900, de 7 de Março de 1857

Aprova o novo Regulamento do Corpo de Saude do Exercito.

Hei por bem, em virtude da autorisação concedida pelo § 8º do Art. 5º da Lei Nº 862
de 30 de Julho de 1856, aprovar o Regulamento que com este baixa, assignado pelo
Marquez de Caxias do Meu Conselho, Presidente do Conselho de Ministros, Ministro e
Secretario d'Estado dos Negocios da Guerra, que assim o tenha entendido e faça
executar com os despachos necessarios. Palacio do Rio de Janeiro em 7 de Março de
1857, trigésimo sexto da Independencia e do Imperio.

Com a Rubrica de Sua Magestade o Imperador.

Marquez de Caxias.

REGULAMENTO PARA O CORPO DE SAUDE DO EXERCITO

TÍTULO I

Organisacão do Corpo de Saude, sua disciplina, e serviço geral

CAPÍTULO I

Da organisação

Art. 1º O serviço de Saude do Exercito será feito por Doutores em Medicina,


Pharmaceuticos aprovados, e Enfermeiros convenientemente habilitados, constituindo
hum Corpo cujo quadro será o seguinte:

Hum Cirurgião-mór do Exercito com patente de Coronel, Chefe do Corpo.


Quatro Cirurgiões-móres de Divisão com patentes de Tenente Coronel.
Oito Cirurgiões-móres de Brigada com patente de Major.
Trinta e dous primeiros Cirurgiões com patente de Capitão.
Sessenta e quatro segundos Cirurgiões com patente de Tenente.
Oito Pharmaceuticos com patente de Alferes.
Huma Companhia de Enfermeiros, composta de hum primeiro Sargento, quatro
segundos Sargentos, oito Cabos de Esquadra, e cento o cincoenta Soldados, dos quaes
405
cem serão Enfermeiros-móres e Enfermeiros, e cincoenta Ajudantes de Enfermeiro.

Art. 2º Os Officiaes do Corpo de Saude do Exercito gozarão de todas as honras,


privilegios, liberdades, isenções e franquezas que pelas Leis do Imperio competirem aos
Officiaes combatentes de postos iguaes.

Perceberão o soldo correspondente a seus postos; e nas diversas circumstancias de


seu serviço especial, as vantagens que vão designadas na Tabella junta ao presente
Regulamento. No pleno gozo das mencionadas regalias, os mesmos Officiaes ficarão
submettidos a todas as regras, preceitos e condições da disciplina militar que se
contiverem nas Leis, disposições, ordens, e Regulamentos geraes do Exercito.

Art. 3º Os Officiaes do Corpo de Saude do Exercito serão nomeados por Decreto do


Governo, sob informação do Cirurgião-mór do Exercito.

Art. 4º Quando em qualquer Provincia houver falta absoluta de Cirurgião militar para
o serviço de saude da força que nella se achar, o respectivo Presidente poderá engajar
Cirurgiões civis para esse serviço, com as vantagens de segundo Cirurgião, até que o
Governo resolva definitivamente, conforme a circunstancia de haver ou não no quadro
do Corpo de Saude Officiaes disponiveis para o mencionado serviço.

Art. 5º Niguem poderá ser admittido no Quadro dos Facultativos do Corpo de Saude
do Exercito senão no posto de segundos Cirurgiões-Tenentes, sob as condições
seguintes: 1ª, ser Doutor em Medicina pelas Faculdades do lmperio, ou por ellas
legalmente habilitados; 2ª, ser Cidadão Brasileiro, e estar no gozo de seus direitos civis
e politicos; 3ª, ser bem morigerado; 4ª, ter a conveniente robutez e saude para o serviço
da profissão, na paz e na guerra.

Art. 6º Poderá, porém, ser admittido no posto de primeiro Cirurgião o Medico que,
estando nas condições exigidas de habilitação scientifica, e idoneidade individual, tiver
mais de doze annos de clinica, e houver servido pelo menos dous annos em algum
Corpo de Exercito em campanha, no qual desempenhasse satisfactoriamente os deveres
de sua profissão.

Art. 7º Para admissão dos Pharmaceuticos são necessarias as mesmas condições de


idoneidade do Art. 5º, em relação á arte e á individualidade do pretendente.

Art. 8º A promoção dos Cirurgiões do Exercito se fará segundo os principios


estabelecidos na Lei Nº 585 de 6 do Setembro do 1850, e no Regulamento para sua
execução, aprovado por Decreto nº 772 de 31 de Março de 1851, na parte que for
aplicavel á especialidade do profissão. As condições constitutivas do merecimento serão
as mesmas indicadas naquelle Regulamento, substituindo-se o - valor - pela - coragem
no desempenho das funcções no campo de batalha - accrescentando-se áquellas
condições a de - humanidade no tratamento dos enfermos.

Art. 9º Os Pharmaceuticos Alferes poderão ser promovidos ao posto de Tenente


depois de 10 annos de exercicio de sua arte como Pharmaceutico militar, e ao de
Capitão depois de 10 annos de Tenente.

Art. 10. O Quadro dos Officiaes e praças do Corpo de Saude do Exercito poderá ser

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augmentado, se assim o reclamarem circunstancias extraordinarias, devidamente
apreciadas pelo Governo.

Art. 11. A Secretaria do Corpo de Saude do Exercito terá dous Amanuenses para a
escripturação do respectivo expediente, accumulando hum delles as funcções de
Porteiro, e o outro as de Archivista e conservador da Bibliotheca do Corpo.

Art. 12. Na Secretaria haverá hum Livro-mestre para registro dos assentamentos dos
Officiaes do Corpo, e mais os que forem necessarios, para regularidade e clareza da
administração. Os ultimos serão estatuidos pelo Ajudante-General do Exercito, ex-
offìcio, ou sob proposição do Cirurgião-mór Chefe do Corpo.

Art. 13. Os instrumentos cirurgicos destinados ao Corpo de Saude do Exercito serão


marcados com as iniciaes do titulo deste. Os Cirurgiões militares que os receberem
serão por estes responsaveis, no caso de extravio ou deterioração por motivo de
negligencia em sua guarda e conservação.

CAPÍTULO II

Da disciplina

Art. 14. O Cirurgião-mór do Exercito exercerá toda a autoridade disciplinar sobre os


Officiaes do Corpo, e essa autoridade ou dimanará do Ajudante-General do Exercito, ou
será privativa da jurisdicção peculiar que conferirem ao mesmo Cirurgião-mór as ordens
geraes da administração militar.

Art. 15. Os principios de precedencia, prioridade e subordinação entre os Officiaes


do Corpo de Saude, em acto de serviço meramente disciplinar e administrativo, serão os
mesmos que dirigem taes relações entre os Officiaos combatentes do Exercito; e as
dirigirão tambem entre estes e aquelles em promiscuidade, salvo o caso de maior
autoridade proveniente do exercicio de funcções especiaes do emprego que a conferir.

Art. 16. Os Officiaes combatentes, nos limites de sua autoridade disciplinar e


administrativa, não contrariarão de nenhuma fôrma a acção dos Facultativos em tudo o
que puder influir sobre a saude dos Soldados. Se, porém, por qualquer motivo
occorrerem particularidades a esse respeito, manifestamente contrarias aos principios
comesinhos da hygiene e tratamento dos enfermos, a Autoridade disciplinar e
administrativa, se conhecer que o Facultativo autorisa-as ou permitte-as dará logo parte
dellas ao superior competente, para este providenciar convenientemente.

Art. 17. Os Chefes de serviço militar de saude não imporão a seus subalternos,
empregados nesse ramo de serviço, systemas ou doutrinas medicas, nem dirigirão
tratamento de hum ou outro doente em particular, quando este estiver incluido na
generalidade dos que se acharem confiados aos cuidados dos ditos subalternos; cumpre-
lhe sómente auxiliar a estes com suas luzes e experiencia.

Art. 18. Se occorrer porêm a intervenção ou a imposição prevenidas nos dous

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Artigos antecedentes, e o Official de saude em quem ella recahir entender que essa
conjunctura fica compromettida a vida ou a saude dos enfermos, representará ao
competente Chefe superior para este resolver a final, ou fazer chegar o facto ao
conhecimento do Governo, se o julgar necessario.

CAPÍTULO III

Dos deveres dos Officiaes do Corpo de Saude em geral

Art. 19. Os Officiaes do Corpo de Saude, além dos deveres inherentes ao tratamento
dos militares enfermos, terão tambem a seu cargo a attenção e cuidados que
demandarem os preceitos da hygiene militar.

Art. 20. Quando se manisfestar qualquer epidemia em alguma Praça ou districto


militar, ou houver razões bem fundadas para acreditar-se no seu aparecimento, o
Delegado do Cirurgião-mór do Exercito na localidade reunirá sob sua presidencia os
Cirurgiões militares que estiverem debaixo de sua jurisdicção, para concordarem nas
medidas hygienicas reclamadas pelas circunstancias; e depois de assentadas estas por
maioria de votos, serão levadas ao conhecimento da superior Autoridade local
competente, a fim de serem postas em pratica sob a fiscalisação, vigilancia e
responsabilidade do mesmo Delegado.

Art. 21. Os Cirurgiões do Exercito serão obrigados a visitar diariamente os Militares


que se estiverem tratando nos Hospitaes civis, e a trata-los tambem, se assim for
convencionado pelas competentes Autoridades superiores do lugar. Darão parte ao
Cirurgião-mór do Exercito na Côrte, e aos seus Delegados nas Provincias, das
irregularidades e inconveniências que encontrarem no que disser respeito ao tratamento
dos enfermos, e á Autoridade militar administrativa, do que for relativo aos preceitos
meramente disciplinares, para em qualquer dos casos providenciar-se como for
conveniente.

Art. 22. Serão tambem obrigados os Cirurgiões militares, em sua visita diaria aos
Corpos, a revistar as prisões e outros compartimentos do quartel destinados á utilidade
commum das praças, a fim de conhecerem se são observados os preceitos hygienicos.
Do resultado de sua revista darão logo parte verbal, e depois por escripto, ao
Commandante do Corpo, acompanhada das observações que julgarem convenientes; e
da-la-hão sómente por escripto ao Cirurgião-mór do Exercito na Côrte, e aos seus
Delegados nas Provincias, quando encontrarem algum inconveniente, para cuja remoção
forem necessarias providencias das Autoridades administrativas superiores. O
Cirurgião-mór do Exercito organisará e fará distribuir pelos Officiaes do Corpo de
Saude, depois de vistas pelo Ajudante General do Exercito, as intrucções necessarias
para effeictuar-se a revista indicada.

Art. 23. Os Cirurgiões militares tratarão em suas molestias, fóra do Hospital, os


Officiaes do Exercito, suas mulheres e filhos que com elles morarem nos quarteis e
acampamentos; e assim tambem aquelles que, tendo direito a casas no quartel, morarem
fóra delle por não have-las ahi para sua residencia e de sua familia legitima. Tratarão do

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mesmo modo e sob as mesmas condições, os Empregados da Administração, suas
familias e de todas as mais pessoas a quem o Estado prestar tratamento gratuito.

Art. 24. Os Cirurgiões militares serão obrigados a receitar sempre segundo os


formularios legalmente admittidos na Repartição de saude do Exercito; porêm nos casos
excepcionaes, em que se apresentarem indicações especiaes, poderão prescrever
formulas ou combinações suas, dando immediatamente conta dellas, e do resultado de
sua aplicação, ao Cirurgião-mór do Exercito, pelos tramites legaes, a fim de que, no
caso de proficuidade, possão ser adoptadas nos mais Estabelecimentos militares de
saude.

Art. 25. Para a instrucção theorica dos Cirurgiões militares, instituir-se-ha huma
Bibliotheca que será collocada no lugar mais conveniente junto á Secretaria do Corpo
de Saude, a qual se comporá de publicações que tenhão relação immediata com os
principios da Medicina, Cirurgia e Hygiene militar, e com a administração especial do
serviço sanitario dos Exercitos.

Art. 26. Na arte e nas Provincias onde houver tres ou mais Cirurgiões do Exercito,
todos os que se acharem presentes reunir-se-hão pelo menos huma vez por mez, a fim
de conferenciarem, e resolverem sobre as medidas relativas ao serviço militar de saude
em geral; sobre os progressos da Cirurgia, Medicina e seus accessorios, feitos em outros
paizes, e que possão ter aplicação ao Brasil, particularmente á sanidade dos individuos
que se dedicão ao serviço das Armas. Na Côrte estas reuniões serão convocadas,
presididas e dirigidas pelo Cirurgião-mór do Exercito, e nas Provincias pelos seus
Delegados. Suas decisões serão tomadas por maioria de votos; e de suas sessões se
lavrarão actas que serão escriptas pelo Secretario do Corpo de Saude na Corte, e pelo
Membro da reunião menos graduado, e mais moderno nas Provincias, onde os
Delegados não tiverem Assistentes, pois que a estes competirá este trabalho. As actas
das reuniões das Provincias serão remettidas ao Cirurgião-mór do Exercito, e archivadas
na Secretaria do Corpo de Saude, ficando copia dellas na Provincia donde partirem. Se a
decisão concordada pelos Facultativos militares reclamar alguma providencia
importante, o Cirurgião-mór do Exercito a solicitará do Governo Imperial, por
intermédio do Ajudante-General.

TÍTULO II

Do serviço individual

CAPÍTULO IV

Do Cirurgião-mór do Exercito

Art. 27. O Cirurgião-mór do Exercito, como Chefe do Corpo de Saude, será o


primeiro responsavel pela disciplina deste Corpo, e pela boa direcção e andamento do
serviço da Repartição militar de saude.

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Art. 28. Para substituir o Cirurgião-mór do Exercito em sua falta ou impedimentos, o
Governo nomeará previamente hum dos Cirurgiões do Corpo de Saude de patente
superior, ouvindo o parecer daquelle Cirurgião-mór a respeito da escolha.

Art. 29. A residencia do Cirurgião-mór do Exercito será na capital do Imperio.


Corresponder-se-ha com o Ajudante-General do Exercito sobre tudo que disser respeito
á administração, disciplina e conveniencias da Repartição militar de saude; e por
intermedio desta Autoridade fará chegar ao conhecimento do Governo toda e qualquer
correspondencia que interessar debaixo de algum ponto de vista, ainda scientifico, o
regimen sanitario do Exercito.

Art. 30. Em cada Provincia haverá hum Delegado do Cirurgião-mór do Exercito.


Para esse emprego o mesmo Cirurgião-mór proporá á aprovação do Governo os
Cirurgiões do Corpo de Saude que tiverem a conveniente aptidão para o exercicio das
respectivas funcções.

Art. 31. Ao Cirurgião-mór do Exercito na Côrte, e aos seus Delegados nas


Provincias, competirá a direcção, inspecção e fiscalisação de todo o serviço militar de
saude nos Hospitaes e enfermarias de Corpos e Estabelecimentos militares. Competir-
lhes-ha tambem o detalhe dos Officiaes para o serviço de saude no districto de sua
immediata jurisdicção, assim como a nomeação dos que lhes forem requisitados pelas
Autoridades militares e civis, que mais aptidão tiverem para o bom desempenho da
Commissão de que houverem de ser encarregados.

Art. 32. Os Officiaes do Corpo de Saude do Exercito receberão as ordens


concernentes ao serviço na Côrte, directamente do Cirurgião-mór do Exercito, e nas
Províncias, por intermedio dos Delegados deste, segundo os tramites estabelecidos pelas
ordens geraes do Exercito.

Art. 33. Por esses mesmos tramites o Cirurgião-mór do Exercito informará o


Governo sobre todas as pretenções dos Cirurgiões militares, e daquelles que
pretenderem ser admittidos no Corpo de Saude.

Art. 34. Até o mez de Março de cada anno o Cirurgião-mór do Exercito remettera á
Secretaria d'Estado dos Negocios da Guerra, por intermedio do Ajudante-General, hum
mapa estatistico dos doentes tratados em todos os Hospitaes e enfermarias militares no
anno anterior, contendo todas as considerações de interesse medico geral, taes como a
constituição medica, as molestias que se observárão mais frequentemente; os fiados
particulares que apresentarão grande interesse para a sciencia; a designação das
molestias que terminárão de modo fatal; e finalmente os detalhes das operações da alta
cirargia que tiverem sido praticadas.

Art. 35. Nos mezes de Janeiro, Abril, Julho e Outubro de cada anno remetterá o
Cirurgião-mór do Exercito ao Ajudante-General hum mapa estatistico semelhante ao do
Artigo antecedente, porêm sómente dos doentes tratados no hospital e enfermarias
militares da Côrte durante o trimestre findo.

Este mapa será acompanhado de huma relação nominal dos doentes a que se referir,
tendo cada hum as observações que lhe forem relativas.

410
Art. 36. Remetterá tambem nos mezes de janeiro e Julho de cada anno ao Ajudante-
General do Exercito informações de conducta e serviços dos Officiaes do Corpo de
Saude, conforme o modelo que lhe for dado, referindo-se ao semestre findo.

Art. 37. O Cirurgião-mór do Exercito, como guarda da disciplina entre os Officiaes


do Corpo de Saude, e como vigilante do zelo e humanidade com que elles desempenhão
os seus deveres no serviço de sua profissão, manterá aquella disciplina segundo os
princípios estabelecidos nos Regulamentos geraes do Exercito, e promoverá o melhor
desempenho do serviço profissional por meio de instrucções que expedirá, depois de dar
dellas conhecimento ao Ajudante-General do Exercito. Essas instrucções serão dirigidas
aos seus Delegados nas Provincias pelos tramites estabelecidos.

Art. 38. O Cirurgião-mór do Exercito no exercido de suas attribuições disciplinares


poderá prender qualquer Official do Corpo durante oito dias, no maximo, em algum
Quartel ou Hospital; e reprehende-lo verbalmente, por officio ou em ordem do Corpo.
Poderá tambem licenciar até quatro dias qualquer dos ditos Officiaes.

Art. 39. O Cirurgião-mór do Exercito terá hum Official do Corpo de Saude para
Secretario e outro para Assistente, assim como huma ordenança para conducção de sua
correspondencia official.

CAPÍTULO V

Dos Cirurgiões-móres de Divisão

Art. 40. Dos Cirurgiões-móres de Divisão dous serão destinados para o serviço do 1º
Cirurgião e 1º Medico do Hospital Militar da guarnição da Côrte, e os outros dous para
serem Delegados do Cirurgião-mór do Exercito nos Provincias onde houver grande
accumulação de força militar, e Chefes do serviço de saude nos Corpos de Exercito de
operações, ou de observações.

Art. 41. Em qualquer das posições acima mencionadas os Cirurgiões-móres de


Divisão cumprirão restrictamente os deveres que lhe forem impostos no presente
Regulamento; e aquelles que dimanarem das instrucções que forem expedidas pelo
Cirurgião-mór do Exercito e pelas Autoridades administrativas superiores debaixo de
cujas ordens servirem.

CAPÍTULO VI

Dos Cirurgiões-móres de Brigada

Art. 42. Dous Cirurgiões-móres de Brigada serão empregados no Hospital Militar da

411
guarnição da Côrte como 2º Medico e 2º Cirurgião, e os outros serão convenientemente
distribuidos pelas Provincias onde as necessidades da força armada e a administração do
respectivo serviço de saude o exigirem. Nessas Provincias exercerão as funcções de
Delegados do Cirurgião-mór do Exercito, caso não haja ahi algum Cirurgião-mór de
Divisão,

Art. 43. Os Cirurgiões-móres do Brigada serão tambem empregados como Chefes do


serviço de saude de forças de operações correspondentes ao seu posto, e nas Brigadas
dos Corpos de Exercito sob as ordens do Chefe da Repartição militar de saude destes.

Art. 44. As obrigações dos Cirurgiões-móres de Brigada são as que vão definidas no
presente Regulamento para os Delegados do Cirurgião-mór do Exercito em geral, e
aquellas que forem inherentes ás suas diversas posições e dimanarem do mesmo
Regulamento e das instrucções e ordens que forem expedidas pelo referido Cirurgião-
mór do Exercito, e pelas Autoridades administrativas superiores competentes.

CAPÍTULO VII

Das Juntas Militares de Saude

Art. 45. Na Côrte e nas Provincias, onde estiverem servindo tres ou mais Cirurgiões
do Exercito, estabelecer-se-hão Juntas Militares de Saude.

Art. 46. A Junta militar de saude da Côrte se comporá do Cirurgião-mór do Exercito


como Presidente, e do 1º Medico e 1º Cirurgião do Hospital Militar da guarnição como
Vogaes.

Art. 47. Esta Junta celebrará suas sessões na Secretaria do Corpo de Saude do
Exercito, huma vez por semana, e sempre que as necessidades do serviço reclamarem.

Art. 48. A Junta militar de saude da Côrte terá por fim:

1º A apreciação dos factos medicos, as dos principios da sciencia e a de suas


aplicações praticas.
2º A organisação do Regulamento indicativo das molestias que isentão do serviço
militar, e do formulario pelo qual devem ser feitas todas as prescripções de remedios
nos Hospitaes e enfermarias militares.
3º Examinar o formulario no principio de cada anno, a fim de ver se convêm ser
corrigido ou augmentado de formulas novas, propondo ao Governo a impressão de nova
edição se for necessario.
4º Examinar as obras, monographias e memorias que forem compostas pelos
Officiaes do Corpo, emittindo em Relatorio ao Governo o seu juizo sobre o merito
dellas, e se convêm que sejão impressas ou archivadas na Bibliotheca do Corpo. De verá
tambem propor ao mesmo Governo, sempre que o requerer o Cirurgião autor das obras,
monographias ou memorias, que sojão averbadas nos assentamentos delle no respectivo
Livro-mestre, notas concisas e claras do objecto a que taes composições se referirem, e
de sua utilidade para a sciencia em geral, e para a especialidade da profissão em

412
particular.
5º Tratar de todas as questões geraes de hygiene relativas á conservação da saude dos
Militares, tanto em tempo de paz como de guerra
6º Propôr ao Governo, nos casos de epedemia, ou de probabilidade de aparecimento
della, todos os meios convenientes para suspender seu progesso, ou evitar sua invasão,
formulando instrucções para esse fim, que deverão ser executadas pelos Officiaes do
Corpo, nas quaes serão autorisados a desviar-se dos preceitos impostos, sob sua
responsabilidade, se a molestia que constituir a epidemia apresentar symptomas
insolitos, ou for modificada em sua natureza e gravidade pelas localidades, de modo
imprevisto nas ditas instrucções.
7º Propor ao Governo o material necessario para uso dos doentes, e preparação dos
medicamentos e alimentos, assim como a qualidade e quantidade destes que devem
formar as dietas.
8º Inspeccionar os Officiaes e praças de pret do Exercito que para esse fim forem
indicados pelo Ajudante-General.
9º Inspeccionar trimensalmente as Boticas pertencentes aos Estabelecimentos
militares de saude, inutilisando os medicamentos que encontrar deteriorados.

Art. 49. As Juntas militares de saude das Provincias serão presididas pelos
Delegados do Cirurgião-mór do Exercito, e compostas destes e de mais dous Membros,
que serão os Cirurgiões militares mais graduados, ou mais antigos na mesma graduação
que nella se acharem.

Art. 50. As Juntas militares de saude das Provincias terão por attribuições as que vão
designadas no § 8º do Artigo antecedente, com referencia aos Commandantes das
Armas, e aos Assistentes do Ajudante-General das mesmas Provincias.

Art. 51. As actas das sessões das Juntas militares de saude serão lavradas na Côrte
pelo Secretario do Corpo de Saude, e nas Provincias pelos Assistentes dos Delegados do
Cirurgião-mór do Exercito que os tiverem, ou pelo Membro menos graduado ou mais
moderno da Junta.

Art. 52. Do resultado da inspecção dos Officiaes e praças de pret, as Juntas


remetterão hum extracto circumstanciado á Autoridade que mandou inspecciona-los; e
das mais resoluções darão conta á Autoridade superior competente, pelos tramites
estabelecidos, a fim de se darem as providencias que o objecto reclamar.

Art. 53. As Juntas militares de saude da Côrte e das Provincias terão tambem a seu
cargo a fiscalisação e o exame da moralidade das contas relativas ás despezas feitas nos
Hospitaes e enfermarias militares do districto de sua inspecção, dando sobre essas
contas o seu parecer por escripto, sem o qual ellas não serão pagas nas Repartições
fiscaes competentes.

CAPÍTULO VIII

Dos Delegados do Cirurgião-mór do Exercito

413
Art. 54. Os Officiaes do Corpo de Saude do Exercito que na fórma do Art. 30 Cap. 4º
Tit. 2º forem nas Provincias Delegados do Cirurgião-mór do Exercito, exercerão as
attribuições que lhes são conferidas no presente Regulamento, e executarão as ordens
que lhes forem transmittidas pelo dito Cirurgião-mór na parto relativa ao serviço de
saude; e pelas competentes Autoridades militares administrativas superiores no que
disser respeito á administração e á disciplina propriamente militares.

Art. 55. Os Delegados do Cirurgião-mór do Exercito corresponder-se-hão com os


Commandantes das Armas, e Assistentes do Ajudante-General das Provincias sobre
tudo o que for relativo ás exigencias do serviço militar; e, por intermedio destes, com os
Presidentes das Provincias a respeito de objectos que dependerem de resolução ou
providencia delles como primeira Autoridade, e essa resolução ou providencia disser
respeito a qualquer medida a tomar por bem do serviço de saude em geral.

Art. 56. Aos Delegados do Cirurgião-mór do Exercito competirá mais, no territorio


de sua jurisdicção:

1º Nomear os Officiaes de saude que lhes forem requisitados pelas Autoridades civis
e militares, para qualquer serviço especial da profissão conforme o Art. 31.
2º Inspeccionar, fiscalisar e verificar o serviço militar de saude, como está indicado
no dito Art. 31.
3º Inspeccionar huma vez por mez os Hospitaes, enfermarias militares, quarteis e
suas depedencias.
4º Examinar o tratamento que empregão os Cirurgiões militares nos doentes
confiados a seus cuidados, o zelo que elles tomão pelos mesmos doentes; a exactidão de
suas visitas; os meios que empregão para prevenirem o aparecimento, a communicação
e o progresso das molestias; e finalmente inspeccionar com muita attenção a
escripturação e a moralidade das contas dos Hospitaes e enfermarias; dando parte á
Autoridade superior competente das irregularidades que encontrarem, e exigirem
providencias que não estiverem em suas attribuições.
5º Remetter ao Cirurgião-mór do Exercito pelos tramites estabelecidos, depois que
inspeccionarem os Hospitaes, enfermarias militares e quarteis, hum Relatorio
circumstanciado de sua inspecção, contendo observações sobre tudo quanto disser
respeito ao serviço de saude do Exercito e hygiene militar.
6º Remetter no principio de cada ando ao Cirurgião-mór do Exercito, pelos canaes
competentes, hum mapa estatistico-elementar, semelhante em tudo ao de que se trata no
Art. 34, para com os dados delle se organisar este.
7º Remetter semestralmente e do mesmo modo ao dito Cirurgião-mór, informação da
conducta e serviços dos Cirurgiões militares que servirem sob suas ordens, e
mensalmente huma parte das alterações que se derem a respeito delles, e que na fórma
das ordens geraes devem ser averbadas no respectivo Livro-mestre.

Art. 57. Os Delegados do Cirurgião-mór do Exercito que forem Cirurgiões-móres de


Divisão ou de Brigada terão para Assistente hum Cirurgião militar, que tambem servirá
de Secretario da Delegacia, e tanto elles como os outros Delegados terão hum
Amanuense para a necessaria escripturação, e huma ordenança para entrega do
expediente.

Art. 58. Cada Delegado do Cirurgião-mór do Exercito terá hum livro para registro
das ordens que receber e outro para o dos officios que dirigir.

414
CAPÍTULO IX

Do Secretario e Assistentes

Art. 59. O Secretario do Corpo de Saude do Exercito terá a seu cargo o expediente,
registros e assentamentos do Corpo; o arranjo do respectivo Archivo, a classificação dos
livros da Bibliotheca, e todos os mais objectos concernentes ao bom andamento do
serviço da Secretaria, e á expedição das ordens necessarias para a fiel execução do
presente Regulamento.

Art. 60. O Assistente do Cirurgião-mór do Exercito será encarregado da transmissão


das ordens deste, verbalmente e por escripto, sob sua assignatura, aos Cirurgiões
militares na Côrte e aos Delegados do mesmo Cirurgião-mór nas Provincias, sobre o
que disser respeito a objecto do serviço. Acompanhará o Cirurgião-mór do Exercito
naquelles actos de serviço em que este julgar necessaria sua presença, e executará todas
as ordens que elle lhe der tendentes ao cumprimento dos deveres especiaes de Chefe de
Repartição militar de saude

Art. 61. Os Assistentes dos Delegados do Cirurgião-mór do Exercito terão a seu


cargo os deveres impostos ao Secretario do Corpo de Saude, e ao Assistente do
Cirurgião-mór do Exercito tanto quanto comportarem as obrigações de que são
incumbidos os mesmos Delegados.

Art. 62. Os Secretarios e Assistentes serão nomeados pelo Governo sob proposta do
Cirurgião-mór do Exercito na Corte e de seus Delegados nas Provincias, feita pelos
tramites estabelecidos.

CAPÍTULO X

Dos 1ºs e 2ºs Cirurgiões

Art. 63. Os 1ºs e 2ºs Cirurgiões serão destinados ao serviço dos Corpos em marcha,
nos quarteis, e ao dos Hospitaes e enfermarias militaros na Côrte e nas Provincias;
sendo naquella por escala do Cirurgião-mór do Exercito, e nesta pela dos respectivos
Delegados; tendo-se sempre em vista a capacidade e aptidão dos ditos Cirurgiões para o
serviço que se houver de attribuir-lhes.

Art. 64. Os 1ºs e 2ºs Cirurgiões tambem poderão ser Delegados do Cirurgião-mór do
Exercito nas Provincias, quando estiverem nas circumstancias do Art. 30.

Art. 65. Os 1ºs e 2ºs Cirurgiões quando em serviço nos Corpos, farão aos
Commandantes todas as observações convenientes á hygiene em relação ao estado das

415
respectivas praças e dos diversos compartimentos do quartel, na fórma estabelecida no
Art. 22.

Art. 66. As grandes revistas, paradas e exercicios de fogo assistirão hum ou mais
Cirurgiões militares acompanhados de huma caixa de ambulancia, a fim de acudirem a
qualquer sinistro.

Art. 67. Os Cirurgiões militares que servirem nos Corpos trarão sempre no estojo de
sua canana, duas lancetas, hum bistori-ponteagudo e outro de botão, hum tenaculo,
huma tesoura, huma pinça de dissecar, hum estilete, huma tenta canula, seis agulhas
curvas e linha encerada.

Art. 68. Todos os dias ás 7 horas da manhã, do 1º de Abril a 30 de Setembro, e ás 6


horas, do 1º de Outubro a 31 de Março, o Cirurgião militar a quem for destinado o
serviço de hum Corpo, revistará os Soldados que em virtude de ordem do respectivo
Commandante lhe forem apresentados como doentes, e depois dos exames necessarios
passará baixa para o Hospital aos que estiverem no caso de precisar tratamento.

Art. 69. Se fallecer repentinamente alguma praça de hum Corpo, o Cirurgião militar
que estiver de serviço nesse Corpo, e o 2º e 3º Medicos do Hospital farão autopsia
cadaverica 24 horas depois do fallecimento, e hum Relatorio assaz detalhado e preciso
sobre as alterações que encontrárão; emittindo seu juizo a respeito das causas da morte.
Este Relatorio será feito segundo a formula dos Relatorios judiciados; assignado pelos
tres Medicos que fizerão a autopsia, e remettido a Cirurgião-mór do Exercito pelo mais
graduado ou mais antigo delles.

Art. 70. De quinze em quinze dias hum Oficial do Corpo de Saude revistará todas as
praças do Corpo que lhe for designado, a fim de separar as que estiverem acommettidas
de molestias contagiosas.

Art. 71. Se houver maior numero de syphiliticos do que ordinariamente, em qualquer


Corpo ou Companhia, as revistas geraes serão repetidas diariamente até que desapareça
a molestia reinante.

Art. 72. Para as revistas mencionadas no Artigo antecedente, os Cirurgiões militares


se entenderão com os Commandantes dos Corpos, a fim de que elles marquem o dia e a
hora em que devem ser feitas, e para que esteja presente a ellas o respectivo Major ou
Fiscal.

Art. 73. As praças acommettidas de molestias contagiosas serão immediatamente


separadas das outras, a fim de serem convenientemente tratadas; e suas roupas serão
logo desinfectadas.

Art. 74. Logo que voltarem praças aos Corpos depois de ausencia prolongada, o
Cirurgião de serviço as revistará a fim de verificar o seu estado de saude, ou de
molestia. Em quanto não forem submettidas a tal revista, essas praças não se deitarão
nos leitos communs ás outras.

Art. 75. O Cirurgião de serviço terá cuidado de examinar e investigar se as praças do


Corpo, e as que para elle entrarem, estão ou não vaccinados, e tratarão immediatamente

416
de vaccinar as que não o tiverem sido.

Art. 76. Sempre que houver de ser aplicado castigo corporal a alguma praça, o
Cirurgião militar de serviço no Corpo será chamado para assistir a elle; e então
examinará se o estado physico ou pathologico do individuo admitte o castigo que tem de
se lhe infligir, sem ficar compromettida gravemente sua saude no presente ou no futuro.
Se o castigo for incompativel com o estado physico ou pathologico do individuo, o
Cirurgião do serviço emittirá esse juizo por escripto motivando-o.

Art. 77. O Cirurgião militar que emittir hum juizo manifestamente falso em relação a
castigos corporaes, será por elles responsabilisado conforme o disposto no Art. 2º dos
de guerra do Regulamento Militar de 1763; ou esse juizo tenda a subtrahir o criminoso a
hum castigo compativel com seu estado, ou a que se lhe aplique esse castigo de modo
que sua vida perigue no presente ou no futuro.

Art. 78. O Cirurgião de serviço, na visita que passar ao Corpo, revistará tambem o
quartel e suas dependencias para verificar o estado de limpeza, e examinar o modo por
que se preparão os alimentos, e a qualidade e quantidade destes; e a respeito das faltas
que encontrar procederá na fórma do Art. 22, escrevendo em hum livro, que existirá na
Secretaria do dito Corpo, as observações que houver feito, e as providencias que
indicar.

Art. 79. Se a falta for de grande importancia, procederá o Cirurgião de serviço na


fórma indicada no citado Art. 22; e o fará do mesmo modo se as irregularidades que
encontrar forem repetidas mais de duas vezes.

Art. 80. Convindo que os Soldados não se banhem no mar nem nos rios
individualmente, mas sim por grupos, serão neste caso acompanhados do Cirurgião de
serviço, munido dos meios necessarios para soccorrer os asphyxiados por submersão.

Art. 81. No livro a que se refere o Art. 78 o Cirurgião de serviço registrará tambem
as ordens e instrucções que receber a respeito do serviço de saude, ficando responsavel
pela regularidade e boa escripturação deste livro na parte que lhe tocar.

Art. 82. Todas as mais particularidades que for necessario estabelecer para bem da
regularidade e bom andamento do serviço diario da escala dos 1os e 2os Cirurgiões do
Exercito, serão prevenidas nas instrucções do Cirurgião-mór do Exercito, a que se refere
o Art. 37.

Art. 83. Os Officiaes do Corpo de Saude do Exercito usarão dos uniformes


constantes do plano descriptivo que vai junto ao presente Regulamento, com o figurino
a que o mesmo plano se refere.

TÍTULO III

Dos Hospitaes

417
CAPÍTULO XI

Do serviço medico dos Hospitaes em estado de paz

Art. 84. Em estado de paz haverá Hospitaes e enfermarias permanentes, e caixas de


ambulancia.

Art. 85. Os Hospitaes serão estabelecidos, hum na Côrte, e outros nos lugares onde
estacionarem forças consideraveis; e as enfermarias, naquelles em que a força
estacionada for pequena.

Art. 86. As caixas de ambulancia serão destinadas: 1º, para os destacamentos que
forem para lugares onde não houver enfermarias militares: 2º, para acompanharem os
Corpos em marcha; 3º, para servirem nos casos previstos no presente Regulamento (Art.
66), e nos mais que as necessidades do serviço fizerem aparecer.

Art. 87. Os Hospitaes, enfermarias militares e ambulancias serão destinados ao


tratamento dos Militares enfermos, e a dos individuos que lhes forem assemelhados no
Exercito.

Art. 88. O pessoal do serviço dos Hospitaes comprehenderá os Officiaes de


administração, Capellães, Praticantes do Medicina e de Pharmacia, Enfermeiros
militares, Cozinheiros e Serventes.

Art. 89. Em cada Hospital Militar haverá huma pharmacia, e hum deposito de drogas
de preparações pharmaceuticas officinaes, e mais objectos de curativo para o
provimento dos mesmos Hospitaes, das enfermarias militares, e das ambulancias
estabelecidas nas Provincias mais proximas.

Art. 90. As dietas serão designadas por huma Tabella confeccionada pela Junta de
Saude e aprovada pelo Governo.

Art. 91. A natureza e a quantidade dos moveis, utensilios, e roupa para cada Hospital
serão determinadas pelo Governo, proporcionalmente ao numero de doentes que se
tratarem; e as dos medicamentos, pelo Chefe da Repartição militar de saude, e pelos
seus Delegados nas Provincias, na razão da importancia do Estabelecimento, das
molestias reinantes e das localidades; seguindo-se o que se acha disposto no § 7º do Art.
48.

Art. 92. Estabelecer-se-hão em lugares convenientes Depositos de convalescentes


para onde serão remettidos os Militares que, sahindo curados dos Hospitaes, não
puderem todavia entrar em serviço activo, e necessitarem de algum repouso, e cuidados
hygienicos.

Art. 93. Os Commandantes dos Corpos visitarão e mandarão visitar os seus doentes
nos Hospitaes e depositos de convalescentes; e no caso de encontrarem faltas
importantes darão parte á Autoridade militar competente.

Art. 94. O Official superior de dia á guarnição visitará os Hospitaes com attenção e
418
cuidado; e em hum livro que para isso se estabelecerá na Portaria, mencionará a hora da
visita e as novidades e faltas que encontrar, datando e assignando a declaração que fizer,
embora nenhuma novidade encontre. Na sua parte diaria ao Chefe militar da guarnição
fará a mesma declaração que tiver lançado no livro.

Art. 95. Estas visitas serão feitas a qualquer hora, o poderão ser repetidas no mesmo
dia: nellas o Official visitante observará o asseio e limpeza das enfermarias, dos
compartimentos do Hospital, e do leito e vestuario dos enfermos; a qualidade dos
generos das dietas, e mais objectos do tratamento; ouvindo e indagando dos doentes as
observações e reclamações que elles quizerem fazer.

Art. 96. A declaração no livro da Portaria e a parte que o Official visitante der de
todas aquellas particularidades, servirão de base para as requisições das providencias
convenientes a respeito dos objetos de que ellas tratarem.

CAPÍTULO XII

Dos Hospitares Militares

Art. 97. Haverá no Hospital Militar da guarnição da Côrte hum 1º Medico e hum 1º
Cirurgião, Cirurgiões-móres de Divisão; hum 2º Medico e hum 2º Cirurgião,
Cirurgiões-móres de Brigada; e os 3ºs Medicos e 3ºs Cirurgiões tirados da classe do 1ºs
e 2ºs Cirurgiões do Corpo de Saude do Exercito na proporção de dous Medicos para 150
doentes de Medicina no maximo, e dous Cirurgiões para 200 doentes de Cirurgia no
mesmo caso.

Art. 98. Esta proporção será guardada nos casos ordinarios: nos extraordinarios
porêm será chamado para o serviço do Hospital o numero de Facultativos que a
urgencia das circunstancia reclamar.

Art. 99. Os Medicos e Cirurgiões civis com graduação militar, empregados no


Hospital Militar da guarnição da Côrte querendo continuar no serviço de saude do
Exercito, serão admitidos no quadro do respectivo Corpo, nas vagas que houver dos
postos correspondentes a suas graduações; ficando comprehendidos em todas as
disposições do Art. 2º.

Art. 100. Os Medicos e Cirurgiões civis empregados no Hospital da Côrte que não
tiverem graduação militar só poderão continuar na Commissão em que se achão,
entrando para o quadro do Corpo de Saude do Exercito, na forma dos Arts. 5º e 6º.

Art. 101. O 1º Medico e o 1º Cirurgião dividirão os doentes entre si e seus


subalternos, de modo que os 1os se encarreguem do tratamento dos doentes
acommettidos de molestias denominadas medicas, e os 2º das que pertencerem á
patalogia cirurgica.

Art. 102. O 1º Medico e o 1º Cirurgião examinarão todo o serviço dos seus


subalternos; verificarão se os medicamentos são bem preparados, se ha promptidão em

419
sua aplicação, se os generos de que se compoem as dietas são de boa qualidade, se estas
são bem preparadas, se ha asseio nas camas, limpeza e ventilação nas enfermarias, e em
todas as mais partes do edificio, que devem achar-se em constante estado de
salubridade.

Art. 103. Quando tiverem de por em pratica alguma medida a respeito dos cuidados
hygienicos ou do tratamento curativo dos doentes, que depender da acção do Director
do Hospital, dirigir-se-hão a este por escripto, para que mande immediatamente
executa-la.

Art. 104. O 1º Medico e o 1º Cirurgião remetterão trimensalmente ao Cirurgião-mór


do Exercito hum mapa pathologico, em tudo semelhante ao que este deve remetter ao
Ajudante-General no mesmo periodo, o qual será tambem acompanhado da exigida
relação nominal.

Art. 105. Remetterão semestralmente ao mesmo Cirurgião-mór informação de


conducta dos alumnos pensionistas, competindo os de pharmacia ao 1º Medico, e os de
cirurgia e medicina ao 1º Cirurgião. Essas informações versarão sobre a instrucção dos
mesmos alumnos, sua aptidão para o serviço profissional, conducta civil, humanidade e
zelo no tratamento dos enfermos.

Art. 106. O 1º Medico será o Fiscal de todo o serviço medico de pharmacia e do


deposito de medicamentos.

Art. 107. O 1º Cirurgião será o Fiscal de todo o serviço de sua especialidade, e da


preparação dos aparelhos de curativo para todos os casos della.

Art. 108. de oito em oito dias o 1º Cirurgião inspeccionará o Arsenal cirurgico do


Hospital, a fim de verificar o estado dos instrumentos e aparelhos; e quando alguns
estiverem inutisados pelo uso, fará lavrar termo de consumo, que assignará com o 2º e
3º Cirurgiões; e depois requisitará outros instrumentos ou aparelhos para substituir os
inutilisados.

Art. 109. O arsenal cirurgico estará a cargo do 2º Cirurgião o qual terá hum
Enfermeiro á sua disposição para limpar sob suas vistas, os instrumentos, sempre que
isso for necessario.

Art. 110. Quando o 1º Cirurgião tiver de praticar alguma operação da alta cirurgia,
cuja indicação não for clara e positiva, reunirá em conferencia todos os outros
Facultivos do Hospital, e solicitará a assistencia do Cirurgião-mór do Exercito, o qual
nunca negará o concurso de suas luzes e experiencia.

Art. 111. Os Facultivos do Hospital reunir-se-hão tambem em conferencia sempre


que se apresentarem á sua observação molestias do dominio da medicina propriamente
dita, ou do da pathologia externa, revestidas de caracter grave que ponha em perigo
eminente a vida do enfermo.

Art. 112. Reunir-se-hão igualmente todas as vezes que para o Hospital entrarem
doentes em numero consideravel, e com symptomas que fação receiar o
desenvolvimento de alguma molestia epidemica ou contagiosa em toda a guarnição ou

420
em algum dos seus Corpos.

Art. 113. No caso do Art. antecedente a conferencia será requisitada pelo Clinico
encarregado da enfermaria que receber os doentes que se presumir acharem-se
acommettidos da molestia suspeita ou contagiosa.

Art. 114. Em todos os casos mencionados nos Arts. antecedentes o 1º Medico e o 1º


Cirurgião mandarão os 3ºs recolher as observações ou historias completas do sfactos
clinicos, devendo ser particular a historia ou observações de todas as operações
importantes e das molestias esporadicas, e geral, a das molestias epidemicas.

Art. 115. Todas as observações serão registradas em livro proprio, que deve ter o
Hospital, e depois classificadas segundo as molestias e archivadas.

Art. 116. O 1º Medico e o 1º Cirurgião em seus impedimentos serão substituidos


pelos respectivos 2ºs no exercicio de suas funções. Os doentes porem serão divididos
entre estes e os 3ºs.

Art. 117. O 2º e 3ºs Cirurgiões visitirão os doentes das enfermarias que lhes destinar
o 1º Cirurgião; farão os curativos complicados, e mandarão fazer os outros pelos
pensionistas, segundo seu adiantamento, mas sob sua direcção e instrucções.

Art. 118. Quando tiverem de praticar alguma operação grave seguirão o disposto no
Art. 110, ouvindo sempre a opinião do 1 Cirurgião, e praticando a operação em sua
presença quando não houver impedimento da parte deste para comparecer.

Art. 119. O 2º e 3ºs Medicos visitarão os doentes de que forem encarregados pelo 1º
Medico, e consultarão a este em todos os casos em que a molestia não for clara e
simples.

Art. 120. As visitas diarias dos doentes serão ordinariamente ás 8 horas do manhã do
1º de Abril a 30 de Setembro, e ás 7 do 1º de Outubro a 31 de Março. Além disto, os
doentes graves e os de epidemia constituida por molestia grave serão segunda vez
diariamente visitados ás 6 horas da tarde.

Art. 121. O Medico ou Cirurgião que não comparecer para a visita hum quarto de
hora depois das horas acima designadas, commetterá uma falta, embora compareça
depois, e perderá por isso a gratificação correspondente ao dia, alêm de soffrer a pena
em que incorrer pela dita falta.

Art. 122. Os Facultivos escreverão na papeleta de cada doente as suas prescripções


em portuguez e por extenso; o para maior clareza farão sempre menção da formula e do
nome do autor. Quando porêm no uso dos remedios, principalmente internos, julgarem
conveniente desviar-se das regras prescriptas no formulario, escreverão igualmente por
extenso o numero de vezes, e o modo como devem aquelles ser aplicados.

Art. 123. Hum alumno pensionista de pharmacia ou de cirurgia de medicina


acompanhará sempre os Medicos e Cirurgiões em suas visitas; e em quanto estes
escreverem nas papeletas, repetindo em voz alta o que forem escrevendo, aquelles
escreverão em hum caderno a mesma formula, precedida da indicação do numero do
leito.
421
Art. 124. Terminada a visita, o alumno lerá o que tiver escripto no caderno, para o
Medico verificar pela papeleta se está conforme com o que elle escreveo. Se estiver
exacto o receituario do caderno, o Medico o assignará, a fim de remetter-se para a
pharmacia.

Art. 125. Nas respectivas visitas os Facultativos escreverão, o numero das dietas,
declarando ao mesmo tempo em voz alta o que escrevêrão, a fim de que os Enfermeiros
que os acompanharem as escrevão tambem em hum caderno, para se fazerem por estes
os mapas das mesmas dietas, os quaes serão igualmente assignados pelos respectivos
Medicos.

Art. 126. As prescripções pharmaceuticas e dieteticas escriptas nas papeletas pelos


Medicos serão fielmente executadas pelos seus subalternos; e ninguem, qualquer que
seja sua autoridade, poderá altera-las senão nos casos previstos no Artigo seguinte.

Art. 127. Quando entrar algum doente fóra das horas da visita; quando sobrevier
algum accidente ou peiorar o estado dos que já existião no Hospital, o Cirurgião de dia
prestará todos os soccorros que julgar conveniente.

Art. 128. Na occasião da visita os Medicos darão alta ás praças que já estiverem
boas, notando na papeleta o dia em que essa alta for dada. Nos casos de terminação fatal
escreverão tambem a hora e o dia em que o passamento tiver lugar, assignando as
papeletas tanto em hum como em outro caso para depois serem archivadas.

Art. 129. Se o doente que tiver de sahir do Hospital necessitar de alguns dias do
convalescença, o Medico respectivo notará na papeleta o numero de dias que precisar
para o seu restabelecimento; e a Autoridade competente o enviará para o deposito de
convalescentes. Se porém for julgada necessaria huma convalescença penivel que exija
repouso prolongado e mudança de clima, o Medico assistente convocará huma
conferencia; e se o vota desta for de accordo, se participará á primeira Autoridade
militar competente.

Art. 130. Depois de bem examinados os doentes entrados para o Hospital, e formado
o diagnostico da molestia pelo respectivo Medico ou Cirurgião, este o escreverá na
papeleta, e irá notando nella os accidentes que sobrevierem e as particularidades mais
notaveis que a molestia apresentar durante a sua marcha. Se porêm a molestia for grave,
o Medico ou Cirurgião escreverá o diagnostico em hum livro particular que para isso
haverá em cada enfermaria, precedendo esse diagnostico de hum numero indicativo que
será escripto na papeleta.

Art. 131. Se a molestia não for clara e simples; se for de natureza insidiosa e os seus
symptomas obscuros, o Medico poderá esperar que a sua marcha e terminação o
esclareção, para então formar e escrever na papeleta o seu diagnostico.

Art. 132. Se o Medico ou Cirurgião julgar que alguma praça de sua enfermaria soffre
molestia incuravel, depois de esgotados todos os meios aconselhados pela sciencia,
ouvirá em conferencia a opinião de seus collegas, e empregará ainda os meios por elles
lembrados. Se porêm no fim de hum tempo razoavel não conseguir a cura, officiará ao
Chefe da Repartição militar de saude narrando-lhe o facto com todas as circunstancias,

422
para elle o levar ao conhecimento das Autoridades competentes.

Art. 133. Os Medicos e Cirurgiões farão autopsia nos cadaveres de seus doentes
depois de passadas as 24 horas marcadas no Art. 69, sempre que o diagnostico tiver sido
duvidoso, e quando a molestia tiver apresentado symptomas extraordinarias. Quando
ella constituir huma epidemia, a autopsia se fará todas as vezes que o 1º Medico e o 1º
Cirurgião o julgarem indispensavel.

Art. 134. As autopsias serão feitas pelos respectivos Facultativos, ajudados pelos
alumnos pensionistas de cirurgia e medicina. As dos cadaveres de doentes que tiverem
pertencido ao 1º Medico e 1º Cirurgião serão feitas pelos terceiros,auxiliados pelos
alumnos pensionistas de cirurgia e medicina, na presença daquelles, e segundo suas
instrucções.

Art. 135. Haverá nos Hospitaes hum Official de saude de dia que estará uniformado
para receber os doentes á sua entrada, destinar-lhes a enfermaria, e administrar-lhe os
medicamentos indicados pelo seu estado.

Art. 136. O Medico de dia, nos intervallos das visitas, prestará os soccorros a todos
os doentes do Hospital a quem sobrevierem accidentes, e observará aquelles que lhe
forem recommendados pelos Facultativos assistentes, aos quaes dará parte no dia
seguinte de tudo o que tiver occorrido.

Art. 137. O Medico de dia assistirá á distribuição das dietas, conferindo-as com os
mapas parciaes de cada enfermaria; verificará se os remedios são administrados
conforme as prescripções, e dará aos Enfermeiros os necessarios esclarecimentos a tal
respeito todas as vezes que estes tiverem duvidas.

Art. 138. Quando fallecer algum doente nos Hospitaes, o Medico de dia verificará o
facto da morte, e fará transportar o cadaver para a sala mortuaria.

Art. 139. O serviço de dia se fará por escala entre os 3ºs Medicos, os 3ºs Cirurgiões e
os 2ºs Cirurgiões do Corpo de Saude disponiveis na guarnição, em harmonia com o
disposto no Art. 63. Esse serviço começará no principio da visita, e terminará na outro
dia depois della. O Facultativo de dia será inseparavel do Hospital.

CAPÍTULO XIII

Dos Capellães

Art. 140. Em cada Hospital haverá hum Capellão para o exercicio da todas as
funcções de seu ministerio. Este serviço será feito por escala, e por periodos successivos
de hum mez, correndo por todos os Capellães militares da guarnição.

Art. 141. O Capellão de serviço será inseparavel do Hospital durante aquelle periodo,
e vigiará sobre todos os objectos da Capella e do serviço mortuario; tendo ás suas
ordens hum Enfermeiro do Hospital para guarda dos ditos objectos e para exercer as

423
funcções de Sacristão.

Art. 142. O Capellão de serviço fará visitas diarias ás enfermarias, confessará e


administrará os soccorros espirituaes a todos os doentes de moléstias graves, e
confessará tambem não só os que o pedirem expontaneamente, mediante permissão do
Facultativo de dia, mas ainda os que forem indicados pelo mesmo Facultativo;
administrando-lhes os Sacramentos, e assistindo aos moribundos.

Art. 143. Nos Domingos e dias santos o Capellão celebrará missa á hora em que os
empregados do Hospital a possão ouvir, sem faltarem ás suas obrigações; e á tarde fará
predicas, cujo principal objecto será a charidade.

Art. 144. O Capellão fará a encommendação dos mortos, acompanhando-os até á


porta principal do edificio.

Art. 145. Será prohibido ao Capellão intrometter-se nos detalhes do serviço do


Hospital; acolher reclamações da parte dos doentes relativas ao dito serviço; e receber
em deposito valores por qualquer titulo, ou para qualquer destino que seja.

Art. 146. O Capellão não poderá ausentar-se do Hospital sem permissão do Director,
propondo-lhe outro para o substituir durante sua ausencia. Ausentando-se porém sem tal
permissão perderá os seus vencimentos correspondentes aos dias da falta, e soffrerá a
pena em que por esta incorrer.

CAPÍTULO XIV

Dos Alumnos Pensionistas

Art. 147. Nos Hospitaes Militares da Côrte e da Bahia haverá 9 alumnos pensionistas
ordinarios, sendo 6 para o serviço de medicina e cirurgia, e 3 para o de pharmacia; e
mais 6 extranumerarios, sendo 4 para o primeiro serviço e 2 para o segundo.

Art. 148. Para qualquer alumno ser admittido como pensionista será preciso mostrar
que foi aprovado nos tres primeiros annos do curso medico, ou no primeiro anno do
curso de pharmacia das Faculdades de Medicina; e exhibir attestados de bons costumes
passados pelos respectivos Lentes. Não será porêm admittido depois de aprovado no 4º
anno do curso medico, ou no 2º do pharmaceutico.

Art. 149. Os alumnos pensionistas de cirurgia e medicina serão distribuidos pelas


enfermarias pelo 1º Cirurgião; farão os curativos que lhes forem determinados pelos
Facultativos dellas; e serão encarregados de fazer quartos aos operados e doentes
graves; notando circumstanciadamente em hum caderno todos os phenomenos que
observarem; e assignando as observações que fizerem.

Art. 150. Os alumnos pensionistas de cirurgia e medicina de dia ajudarão os


Facultativos, tambem de dia, a fazer os curativos dos doentes que entrarem depois das
visitas; e só poderão estar fóra do Hospital precisamente as horas que durarem suas

424
lições.

Art. 151. Os alumnos pensionistas de pharmacia serão detalhados para fazer dia na
botica do Hospital.

Art. 152. Os alumnos pensionistas extranumerarios não farão dia, mas serão
obrigados a comparecer ás horas das visitas, e fazer os curativos que lhes forem
ordenados.

Art. 153. Os alumnos pensionistas extranumerarios entrarão nas vagas que deixarem
os ordinarios, segundo sua intelligencia, aptidão e capacidade.

Art. 154. Os alumnos pensionistas ordinarios residirão no Hospital, e terão huma


gratificação igual ao soldo de Alferes-alumno do Exercito, cama, luz e ração de comida;
sendo tratados no mesmo Hospital nas enfermarias dos Officiaes, quando adoecerem, se
não preferirem ser tratados em sua casa.

Art. 155. Quando os alumnos pensionistas forem tratados nos Hospitaes perderão a
gratificação e mais vantagens que perceberem.

Art. 156. Em compensação do auxilio que se presta aos alumnos pensionistas para
concluirem seus estudos, elles serão obrigados a servir no Corpo de Saude do Exercito
por tanto tempo quanto forem pensionistas ordinarios, todas as vezes que o Quadro do
mesmo Corpo não estiver completo.

Art. 157. Se passado porêm hum anno depois que os alumnos e pensionisias tiverem
concluido o seu curso medico ou pharmaceutico, não forem providos no Quadro do
Corpo de Saude por falta de vagas, ficarão isentos da obrigação que contrahírão quando
pedírão e aceitárão o lugar de alumnos pensionistas.

Art. 158. Os alumnos pensionistas que entrarem para o Quadro do Corpo de Saude
contarão para a sua reforma o tempo que servirem nos Hospitaes como pensionistas.

Art. 159. Os alumnos pensionistas de cirurgia e medicina não poderão sahir do


Hospital senão com licença do 1º Cirurgião, e os de pharmacia do Pharmaceutico; e na
falta destes, de seus substitutos. Esta licença será necessaria mesmo para elles irem ás
aulas; e neste caso só poderão demorar-se fóra durante o tempo das respectivas lições.

Art. 160. Logo que os alumnos pensionistas adoecerem, o participarão ao respectivo


Chefe; e se a parte de doente for falsa, perderão a gratificação e mais vencimentos pela
primeira vez, e se reincidirem, serão despedidos, e seus nomes publicados em ordem do
dia do Exercito com declaração do motivo por que o forão.

Art. 161. Perderão igualmente o lugar os alumnos pensionistas os que sahirem


reprovados duas vezes no mesmo anno do curso medico ou pharmaceutico das
Faculdades de Medicina.

Art. 162. Os alumnos pensionistas que não cumprirem exactamente os seus deveres
serão admoestados e reprehendidos, ou presos em seu quarto até 15 dias, pelos seus
respectivos Chefes; devendo porém fazer o serviço, e ir ás aulas.

425
Art. 163. Os alumnos pensionistas são obrigados a ter á sua custa hum estojo de
cirurgia com os instrumentos communs necessarios para os curativos simples.

CAPÍTULO XV

Dos Enfermeiros

Art. 164. Os Enfermeiros formarão huma Companhia sob as ordens de hum


Cirurgião reformado, o qual terá outro por seu immediato. Sua força, em casos
ordinarios, será a mencionada no Art. 1º, e suas praças serão escolhidas entre as dos
Corpos do Exercito que souberem ler e escrever, e tiverem intelligencia e aptidão para o
serviço a que são destinadas.

Art. 165. Os Enfermeiros serão classificados em Enfermeiros-móres, Enfermeiros, e


Ajudantes de Enfermeiro, e serão repartidos em destacamentos para o serviço dos
diversos Hospitaes e enfermarias militares.

Art. 166. Os Enfermeiros-móres terão a graduação de 2º Sargento, e os Enfermeiros


a de Cabo de Esquadra. Os Enfermeiros e os Ajudantes terão accesso de categoria e de
graduação correspondente, quando se constituirem merecedores disso pelo seu zelo,
actividade e charidade no desempenho de seus deveres.

Art. 167. Os Enfermeiros-móres e Enfermeiros serão propostos pelo Cirurgião-mór


do Exercito e aprovados pelo Ajudante-General. Os Officiaes inferiores da
administração da Companhia serão propostos pelo Cirurgião commandante e aprovados
pelo Cirurgião-mór do Exercito.

Art. 168. Para poder ser Enfermeiro-mór he necessario saber, alêm de ler e escrever,
as quatro operações de arithmetica, os detalhes do serviço de Enfermeiro, a
nomenclatura do material dos Hospitaes ambulantes, e as manobras das caixas de
ambulancia.

Art. 169. A Companhia de Enfermeiros será aquartelada em lugar conveniente; e os


Enfermeiros, em quanto estiverem no respectivo quartel, serão pagos de seus
vencimentos pelo pret da Companhia, e quando em destacamento, pela folha do
Hospital onde se acharem.

Art. 170. Os Enfermeiros-móres, Enfermeiros e Ajudantes perceberão, alêm dos


vencimentos de Soldado de Infantaria do Exercito, a gratificação que lhes vai marcada
na tabella junta. Os Officiaes inferiores e Cabos da administração da Companhia
perceberão os mesmos vencimentos que tem os de iguaes postos nos Corpos de
Infantaria.

Art. 171. A Companhia de Enfermeiros terá hum livro-mestre para registro dos
assentamentos de seus Officiaes e praças, com as particularidades costumadas nos
livros-mestres dos Corpos do Exercito.

426
Art. 172. A Companhia de Enfermeiros será organisada na Côrte, e ahi terá o seu
quartel permanente, donde dará os destacamentos necessarios para os Hospitaes e
enfermarias militares.

Art. 173. Só depois de organisada a Companhia, e bem exercitados os Enfermeiros


nas funcções que devem preencher, tanto nos Hospitaes permanentes como nos
ambulantes ou de sangue, terão lugar os primeiros destacamentos, os quaes se farão de
modo que fique sempre huma reserva no quartel para as substituições e as necessidades
de huma guerra imprevista.

Art. 174. Os Enfermeiros e seus Ajudantes serão encarregados dos detalhes do


serviço dos Hospitaes, segundo as distribuições feitas pelo primeiro Medico do Hospital
militar da Côrte e pelo Official de saude mais graduado dos outros Hospitaes.

Art. 175. Os Enfermeiros e seus Ajudantes ficarão immediatamente sujeitos aos


Enfermeiros-móres; e tanto estes como aquelles, ao primeiro Medico do Hospital da
Côrte, e nos outros, ao Official de saude mais graduado.

Art. 176. Haverá em cada Hospital hum Enfermeiro-mór para cada divisão de cem
doentes, e tantos Enfermeiros e Ajudantes quantos forem precisos, segundo as
necessidades do serviço.

Art. 177. O Enfermeiro-mór encarregado de cada divisão de doentes terá o


commando immediato de todos os Enfermeiros e seus Ajudantes pertencentes á mesma
divisão, e os obrigará ao exacto cumprimento dos seus deveres, relativos não só ao
tratamento dos doentes, aplicação dos remedios e distribuição das dietas, mas tambem á
policia e limpeza das enfermarias.

Art. 178. Os Enfermeiros-móres serão responsaveis pelas faltas que commetterem


seus subordinados, se não derem logo parte aos Officiaes de saude respectivos e ao
Director do Hospital para providenciarem a tal respeito, segundo as faltas se derem no
serviço medico ou no de administração.

Art. 179. Os Enfermeiros-móres terão hum livro para nelle serem lançados todos os
objectos que derem aos Enfermeiros, os quaes passarão recibo no mesmo livro daquillo
que receberem.

Art. 180. Os Enfermeiros-móres serão responsaveis pelas roupas, utensilios e mais


objectos que faltarem nas suas enfermarias, se a falta for proveniente de descuido ou de
dilapidação por elle feita.

Art. 181. Os Enfermeiros-móres assistirão: 1º ás visitas nas enfermarias em que


houverem molestias graves; 2º, na cozinha, á distribuição das dietas, tendo toda a
vigilancia para que não falte ou não se troque alguma ração.

Art. 182. Os Enfermeiros-móres se combinarão para nomear por escala duas turmas,
composta cada huma de hum Enfermeiro, hum Ajudante e hum servente, a fim de
velarem nas enfermarias, administrarem aos doentes os remedios e caldos que forem
determinados pelos Facultativos, e prestarem aos mesmos doentes todos os serviços de

427
que precisarem.

Art. 183. O tempo da vigilia começará ao toque de silencio, e terminará ás 6 horas da


manhã; este tempo será repartido pelas duas turbas acima mencionadas.

Art. 184. Os Enfermeiros-móres verificarão todos os dias, depois da visita, pelas


papeletas, o numero dos doentes entrados, sahidos, mortos, e que ficárão existindo.

Art. 185. Os Enfermeiros-móres formarão cada hum para a sua divisão hum mapa
geral de rações segundo os parciaes de que trata o Art. 125.

Art. 186. Cada Enfermeiro-mór terá hum livro de registro em que lançará os nomes
de seus subordinados, as faltas, multas, suspensões, e tudo o que occorrer a respeito
delles.

Art. 187. Depois de fechado o Hospital os Enfermeiros-móres farão chamada de


todos os seus subordinados para verificarem se estão na casa, e na parte que derem no
dia seguinte á Autoridade competente das occurrencias nocturnas, declararão o nome
dos que não estiverão presentes á chamada.

Art. 188. Os Enfermeiros-móres nunca sahirão do Hospital sem licença do respectivo


Director.

Art. 189. Os Enfermeiros e seus Ajudantes receberão dos Enfermeiros-móres toda a


roupa e utensilios necessarios para o serviço de cada enfermaria, passando recibo na
fórma do Art. 179, e entregando do mesmo modo a roupa suja e inutilisada. Serão
responsaveis por todos os objectos recebidos.

Art. 190. Os Enfermeiros e seus Ajudantes executarão fielmente as ordens e


instrucções que lhes forem dadas pelos Facultativos e Enfermeiros-móres a respeito do
tratamento dos doentes e da limpeza e policia das enfermarias, devendo participar-lhes
todos os acontecimentos que tiverem lugar nas mesmas.

Art. 191. Os Enfermeiros e seus Ajudantes serão responsaveis por todas as faltas
dependentes delles que se encontrarem nas suas enfermarias.

Art. 192. Os Enfermeiros formarão os mapas das dietas das suas enfermarias,
segundo o disposto no Art. 125, e depois de assignados pelos Facultativos os
apresentarão ao respectivo Enfermeiro-mór.

Art. 193. Os Enfermeiros e seus Ajudantes não poderão sahir para fóra do Hospital
sem licença do respectivo Director, precedendo informações do Enfermeiro-mór, o qual
providenciará para que não haja falta durante a ausencia do licenciado, embora esta seja
de pouca duração.

Art. 194. Todo o Enfermeiro ou Ajudante que desprezar alguma parte do seu serviço,
e que der aos doentes outros alimentos que não sejão os prescriptos nas papeletas,
perderá, se for solteiro, a gratificação de hum até tres dias conforme as consequencias
da sua falta, e se for casado, terá por castigo de hum até tres dias de prisão.

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Art. 195. Quando os Enfermeiros e Ajudantes perderem a gratificação, será esta
distribuida pelos que tiverem contribuido mais para o bom desempenho do serviço.

Art. 196. O Enfermeiro que commetter alguma falta grave poderá ser detido na
enfermaria dos presos até o tempo de 30 dias com perda da gratificação, ou o dobro sem
essa perda, conforme o disposto no Art. 194; podendo-se, segundo a gravidade da falta,
ajuntar a esta detenção a reducção da sua ração a pão e agua. Essa reducção porêm não
terá lugar seguidamente, mas só em dias alternados, e naquelles em que ella se fizer será
dupla a porção de pão.

Art. 197. Os Enfermeiros que tiverem soffrido tres vezes as penas dos Artigos
antecedentes, e não se corrigirem, serão remettidos para qualquer dos Corpos do
Exercito e excluidos da Companhia. Se a falta porêm for tal que não deva ser punida
com nehumas das penas mencionadas, por merecer maior punição, serão remettidos á
Autoridade competente com os documentos e todas as provas do crime.

Art. 198. Para cada divisão de cem doentes haverá hum Cozinheiro e hum Ajudante
que serão admittidos por contracto, ou escolhidos entre as praças dos Corpos. Em cada
cozinha haverá dous serventes.

Art. 199. O Cozinheiro receberá diariamente na presença do Enfermeiro-mór


respectivo, por conta, peso e medida todos os artigos para as rações dos Empregados e
dietas dos doentes.

Art. 200. Os Cozinheiros devem preparar os alimentos, segundo as instrucões que


lhes transmittir o 1º Medico, ou o Official de saude mais graduado.

Art. 201. Os Cozinheiros serão responsaveis por todos os utensilios de sua cozinha,
os quaes, depois de servirem, deverão ser bem limpos, e guardados em boa e devida
ordem.

Art. 202. Quando os utensilios estiverem deteriorados, os Cozinheiros pedirão em


tempo ao Enfermero-mór o concerto ou troca delles para que haja sempre os
necessarios.

Art. 203. Alêm dos serventes da cozinha haverá mais os que forem precisos para o
serviço das pharmacias e enfermarias.

CAPÍTULO XVI

Das pharmacias e depositos de medicamentos

Art. 204. Haverá em cada Hospital militar huma pharmacia e hum deposito de
medicamentos para satisfazer as precisões das enfermarias e caixas de ambulancia das
Provincias mais proixmas dos ditos Hospitaes.

Art. 205. Dous Pharmaceuticos serão encarregados de cada pharmacia e do deposito

429
de medicamentos que lhe for annexo.

Art. 206. As pharmacias e depositos de medicamentos da Côrte estarão sob a


immediata inspecção e fiscalisação do 1º Medico; e as das Provincias, sob a do Official
de saude mais graduado do lugar.

Art. 207. O Pharmaceutico mais antigo em posto, ou mais velho em idade será
responsavel pela guarda e boa conservação dos medicamentos, e de todos os utensilios
da pharmacia.

Art. 208. Competirá ao Pharmaceutico mais antigo ou mais velho a direcção de todo
o serviço da pharmacia de que estiver encarregado. Os Pharmaceuticos serão
incumbidos de todas as preparações determinadas pelos Facultativos; do arranjo das
caixas de ambulancia na parte que lhes disser respeito; e de satisfazer as requisições que
lhes forem competentemente dirigidas para o provimento das demais pharmacias e
depositos de medicamentos, devendo ter sempre promptos os compostos officinaes, pelo
menos os de mais commum aplicação nos Hospitaes.

Art. 209. Deverão fazer a requisição dos medicamentos e utensilios da pharmacia por
intermedio do 1º Medico na Côrte, e dos Delegados do Cirurgião-mór do Exercito nas
Provincias.

Art. 210. Pedirão por vales todos os objectos que forem diariamente necessarios para
o aviamento dos receituarios.

Art. 211. Os Pharmaceuticos terão residencia nas pharmacias, donde só poderão


sahir com licença do Director do Hospital.

Art. 212. Os Pharmaceuticos nunca poderão, por deliberação propria, substituir por
outro hum medicamento prescripto pelos Facultativos, nem diminuir sua quantidade.
Quando esta lhes parecer exagerada, ou quando não houver o medicamento prescripto, o
participarão ao Facultativo que o tiver receitado para que resolva como for mais
conveniente.

Art. 213. Os Pharmaceuticos não poderão deitar fóra os medicamentos deteriorados


sem que seja determinado pela Junta de Saude na Côrte, e nas Provincias pelos
Facultativos do respectivo Hospital reunidos.

Art. 214. He expressamente prohibido aos Pharmaceuticos militares terem pharmacia


sua ou por sua conta.

CAPÍTULO XVII

Das Enfermarias Militares

Art. 215. As enfermarias militares serão estabelecidas nos pontos distantes dos
Hospitaes onde tiver de permanecer algum Corpo, ou grande destacamento.

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Art. 216. Serão encarregados das enfermarias os Medicos que acompanharem o
Corpo ou destacamento, e na falta delles o Medico civil que a Autoridade competente
contractar, segundo o disposto no Art. 4º.

Art. 217. Com o Corpo ou destamento deverão marchar os necessarios Enfermeiros e


caixas de ambulancia; indo estas providas não só de medicamentos, mas tambem da
roupa e utensilios que forem precisos.

Art. 218. Na falta de Enfermeiros serão empregadas como taes as praças do Corpo
designadas pelos Medicos, as quaes perceberão por isso a gratificação correspondente.

Art. 219. A administração das enfermarias militares ficará a cargo do Conselho


economico do Corpo, no qual os Facultativos terão assento e voto deliberativo em todas
as questões relativas ás mesmas enfermarias.

Art. 220. Os Officiaes de saude militares ou civis, encarregados das enfermarias dos
Corpos e destacamentos serão obrigados a seguir, tanto quanto comportarem as
circumstancias do lugar, a tabella das dietas e as formulas pharmaceuticas adoptadas
nos Hospitaes militares, provendo as caixas de ambulancia com medicamentos das
pharmacias particulares quando seus pedidos feitos em tempo não tiverem sido
satisfeitos, ou quando motivos ponderosos a isso os obrigarem.

TÍTULO V

Serviços dos Hospitaes em campanha

CAPÍTULO XVIII

Dos Hospitaes ambulantes, ou ambulancias; dos Hospitaes temporarios, e dos


depositos de convalescentes

Art. 221. O serviço medico dos Hospitaes em campanha se refere aos Hospitaes de
sangue ou ambulancias, aos Hospitaes temporarios ou sedentarios, e aos depositos de
convalescentes.

Art. 222. As ambulancias serão Hospitaes organisados de modo que possão seguir os
Exercitos em todos os seus movimentos. Dividir-se-hão em reserva de ambulancia, e
ambulancia activa. Esta será subdividida em occasião de combate em deposito de
ambulancia e em ambulancia volante.

Art. 223. Quando alguma acção geral for prevista, o Cirurgião em Chefe solicitará do
General Commandante do Exercito a presença dos Cirurgiões que não forem
absolutamente necessarios nos Hospitaes mais proximos, para distribui-los com o
material conveniente segundo as circumstancias o exigirem, deixando sempre huma

431
reserva no Quartel General para as urgencias imprevistas.

Art. 224. O deposito de ambulancia deverá ser collocado em hum lugar proximo do
campo de batalha, e tanto quanto for possivel, protegido e provido d'agua; tendo por
signal huma bandeira vermelha, sobre o ponto mais culminante, a fim de servir de guia.
Todos os homens feridos nas fileiras serão levados para esse ponto a fim de poderem ser
curados, e depois transportados com a maior promptidão possivel para os Hospitaes
sedentarios mais visinhos.

Art. 225. A ambulancia volante servirá para levar os primeiros soccorros a todos os
lugares onde forem necessarios. Deverá ser principalmente dirigida aos pontos em que a
acção for mais renhida.

Art. 226. Os Hospitaes temporarios serão em numero proporcional á força e á


posição do Exercito, e destinados a receberem immediatamente os doentes
transportados das ambulancias activas.

Art. 227. Os Hospitaes temporarios tambem serão estabelecidos todas as vezes que
houverem grandes reuniões de tropas em hum lugar, por outra qualquer causa eventual e
passageira, como acampamentos de instrução e de observação, e o desenvolvimento de
alguma epidemia que torne necessario não só o arredamento da tropa do fóco de
infecção, mas tambem que se previna a insufficiencia dos Hospitaes permanentes para
tratamento de doentes em numero superior ao de sua lotação.

Art. 228. Os Hospitaes temporarios serão situados em lugares salubres, e que


offereção todas as condições que a sciencia aconselha; excepto nos casos em que as
vicissitudes da guerra, reconhecidas pelo General em Chefe do Exercito obrigarem ao
sacrificio de colloca-los em certos e determinados lugares.

Art. 229. Os depositos de convalescentes terão por fim receber os Militares que
sahirem dos Hospitaes sedentarios em circunstancias de não poderem suportar ainda as
fadigas da guerra.

Art. 230. A reserva de Officiaes de saude, de Enfermeiros e do material respectivo,


será variavel, segundo as condições de afastamento de Exercito ou da columna
expedicionaria; a facilidade de communicações e de recursos de todos os generos que
apresentar o Paiz onde se fizer a guerra e sobretudo o numero provavel de doentes e
feridos.

Art. 231. Cada columna do Exercito em operações de guerra terá hum Hospital
ambulante com o pessoal seguinte: hum Cirurgião-mór de Divisão ou de Brigada, e 1º e
2os Cirurgiões, na razão de hum 1º e dous 2os por cada força de mil praças.

Art. 232. Cada Divisão supradita terá dous Pharmaceuticos, e os Officiaes de


administração, Enfermeiros e Ajudantes que forem necessarios.

Art. 233. O material será determinado pelo Governo sobre parecer do Cirurgião-mór
do Exercito Chefe do Corpo de Saude, ouvindo a respectiva Junta.

Art. 234. O Cirurgião-mór do Exercito verificará por si, ou por intermedio dos seus

432
Delegados, se as caixas de ambulancia estão providas de todos os objectos e em
quantidade sufficiente para as necessidades previstas.

Art. 235. O Official de saude quando Chefe da Repartição de Saude do Exercito em


operação de guerra dirigirá todo o serviço medico, inspeccionará todos os objectos que
interessarem á conservação ou o restabelecimento da saude dos Soldados.

Art. 236. Será da competencia do mesmo Chefe tudo o que tiver relação com a
salubridade dos Hospitaes, abarracamentos quarteis e corpos de guarda que elle visitará
muitas vezes a fim de apresentar seus relatorios e observações ao General
Commandante em Chefe do Exercito.

Art. 237. Todas as vezes que as necessidades da guerra o permittirem deverá o


Cirurgião-mór Chefe da Repartição de Saude do Exercito em operações procurar
conhecer com exactidão a natureza das aguas e a situação dos campos.

Art. 238. O Cirurgião-mór em Chefe dirigirá o serviço medico, distribuindo, segundo


as precisões o exigirem, os Officiaes de saude, o material instrumentos de cirurgia e
objectos do curativo que tiver á sua disposição.

Art. 239. Depois de cada combate o Cirurgião-mór Chefe da Repartição de Saude


reunirá oportunamente, sob sua presidencia, todos os Facultivos que assistirão ao
mesmo combate, e com o parecer delles organisará hum Relatorio por todos assignado,
no qual se declarará o posto, Corpo e nome dos combatentes feridos e contusos
classificando-se os ferimentos e contusões segundo sua natureza e importancia, em
graves e leves, por maioria de votos dos Facultivos presentes.

Art. 240. Para o mesmo fim, em relação aos Facultativos feridos e contusos, se
reunirá huma Junta composta dos tres mais graduados que estiverem presentes,
inclusive o Chefe da Repartição, e por elle presidida sendo excluidos dessa Junta
aquelles de quem houver de tratar-se. As decisões serão adoptadas pela fórma
mencionada no Art. antecedente.

Art. 241. O Cirurgião-mór Chefe da Repartição de Saude do Corpo do Exercito de


operações remetterá os dous Relatorios dos Artigos antecedentes ao General em Chefe
do mesmo Corpo de Exercito, e no seu Officio de remessa fará sobre taes Relatorios as
observações que julgar convenientes; e informará a respeito do modo como se portárão
os Cirurgiões no combate em relação á coragem, actividade, zelo, intelligencia e
humanidade no tratamento dos feridos.

Art. 242. Os outros Officiaes de saude cumprirão exactamente os deveres que pelo
presente Regulamento lhes são impostos, e todos os mais que emanarem da situação dos
Corpos em que servirem.

TÍTULO VI

Do regimen administrativo dos Hospitaes e enfermarias Militares

433
CAPÍTULO XIX

Das Autoridades administrativas e seus deveres

Art. 243. Cada Hospital militar terá hum Director, que será Official do Exercito de
graduação conveniente á disciplina e administração do mesmo Hospital em relação á
jerarchia dos Officias de saude nelle empregados.

Art. 244. As enfermarias militares ficarão sob a administração geral do


Commandante do Corpo ou do destacamento a que pertencerem.

Art. 245. Os Hospitaes terão os empregados de administração e de serviço interior,


marcados no Regulamento que baixou com o Decreto nº 397 de 25 de Novembro de
1844, e as enfermarias aquelles dos ditos empregados que forem compativeis com sua
natureza e importancia.

Art. 246. As obrigações dos Directores de Hospitaes e dos mais Empregados da


administração destes, bem como a respectiva escripturação e contabilidade serão
dirigidas pelos principios estabelecidos no mesmo Regulamento, em harmonia com as
disposições no actual.

Art. 247. A Junta Militar de saude da Côrte proporá ao Governo pelos tramites
competentes as alterações do citado Regulamento que forem reclamadas pela
necessidade de mais proficua administração do serviço dos Hospitaes.

Art. 248. A mesma Junta organisará o Regulamento especial para o serviço das
enfermarias militares, de accordo com os principios geraes da administração dos
Hospitaes, e o remetterá ao Ajudante-General do Exercito para submette-lo á aprovação
do Governo com as observações que julgar convenientes a respeito da parte meramente
disciplinar.

Palacio do Rio de Janeiro, em 7 de Março de 1857. -

Marquez de Caxias.

Este texto não substitui o original publicado no Coleção de Leis do Império do Brasil de
1857

Publicação:

Coleção de Leis do Império do Brasil - 1857, Página 64 Vol. 1 pt II (Publicação


Original)

434
Decreto nº 2.715, de 26 de Dezembro de 1860

Altera o regulamento aprovado pelo Decreto n.º 1.900 de 7 de março de 1857.

Usando da autorisação que Me confere o art. 9º da Lei nº 1.101 de 20 de Setembro


de 1860, Hei por bem Aprovar o Regulamento alterando o que acompanhou o Decreto
nº 1.900 de 7 de Março de 1857 para o Corpo de Saude do Exercito, que com este baixa,
assignado por Sebastião do Rego Barros, do Meu Conselho, Ministro e Secretario de
Estado dos Negocios da Guerra, que o tenha assim entendido e expeça os despachos
necessarios. Palacio do Rio de Janeiro, em vinte seis de Dezembro de mil oitocentos e
sessenta, trigesimo nono da independencia e do Imperio.

Com a Rubrica de Sua Magestade o Imperador.

Sebastião do Rego Barros.

Regulamento alterando, nos termos do art. 9º da Lei nº 1.101 de 20 de Setembro de


1860, o que foi aprovado pelo Decreto nº 1.900 de 7 de Março de 1857 para o Corpo de
Saude do Exercito

Art. 1º O quadro do Corpo de Saude do Exercito se comporá de hum Cirurgião-Mór do


exercito, com patente de Coronel, chefe do Corpo; quatro Cirurgiões-Móres de divisão,
com patente de Tenente-Coronel; oito Cirurgiões-Móres de brigada, com patente de
Major; quarenta e dous 1os Cirurgiões com patente de Capitão; noventa e quatro
2os Cirurgiões, com patente de Tenente; vinte Pharmaceuticos, com patente de Alferes;
huma companhia de Enfermeiros composta de hum 1º Sargento, quatro 2os Sargentos,
oito cabos de esquadra, e cento e cincoenta soldados, dos quaes cem serão enfermeiros
móres e enfermeiros, e cincoenta ajudantes de enfermeiro.

Art. 2º O pessoal administrativo e para o serviço Medico dos Hospitaes Militares se


comporá de hum Director, hum 1º Medico, hum 1º Cirurgião, tres 2osCirurgiões, hum
Almoxarife, hum Escrivão, dous Amanuenses, hum porteiro exercendo tambem as
funcções de fiel de fardamento, hum ajudante do porteiro exercendo tambem as
funcções de fiel de roupas e utensilios, hum comprador dispenseiro, hum cozinheiro,
hum ajudante do cozinheiro, hum enfermeiro-mór para 200 enfermos, e os enfermeiros
e serventes que forem necessarios.

Art. 3º O Director do Hospital, a quem são immediatamente subordinados todos os


empregados do estabelecimento será de patente ou antiguidade sempre superior á do
Cirurgião Militar mais graduado que estiver servindo no estabelecimento.

Art. 4º O 1º Medico e o 1º Cirurgião serão escolhidos d'entre os Officiaes Superiores do


Corpo de Saude para o Hospital Militar da Côrte, e d'entre os 1os Cirurgiões para os
Hospitaes das provincias.

Art. 5º Os 1os Medicos e Cirurgiões dos Hospitaes accumularáõ as funcções que até
agora erão desempenhadas pelos 2os Medicos e Cirurgiões, e serão substituidos em seus
impedimentos pelos 2os Cirurgiões, conforme a maior graduação ou antiguidade.

435
Art. 6º Os facultativos empregados nos Hospitaes, na qualidade de 2os Cirurgiões, serão
tirados indistinctamente das classes de 1os e 2os Cirurgiões do Exercito.

Art. 7º He reduzido a quatro, para cada hum dos Hospitaes Militares da Côrte e da
Provincia da Bahia, o numero dos alumnos pensionistas de Medicina e Cirurgia, e a
dous o dos de Pharmacia. Ficão abolidas as classes de alumnos extranumerarios de
Medicina, Cirurgia e de Pharmacia.

Art. 8º Sómente ao Cirurgião-Mór do Exercito compete ter hum assistente para o


serviço do corpo, ficando abolida a classe dos assistentes dos delegados do mesmo
Cirurgião-Mór nas provincias.

Art. 9º O assistente do Cirurgião-Mór do Exercito, para desempenho dos deveres que


lhe são commettidos pelo art. 60 do Regulamento nº 1.900 de 7 de Março de 1857, será
obrigado a comparecer diariamente na Secretaria do Corpo de Saude, auxiliando o
Secretario na expedição das ordens e em quaesquer outros trabalhos, excepto quando,
nos termos do artigo citado, houver de acompanhar o chefe do corpo.

Art. 10. Ficão abolidas as juntas Militares de Saude nas Provincias. As inspecções de
saude serão praticadas pelos Cirurgiões Militares que possão existir nas mesmas
Provincias, e na falta delles os Presidentes das Provincias nomearão Medicos civis que
se prestem a substitui-los nesse serviço.

Art. 11. Ficão revogados os arts. 6º, 99 e 100 do Regulamento nº 1.900 de 7 de Março
do 1857.

Art. 12. Cada delegado do Cirurgião-Mór do Exercito terá a seu cargo os livros que
forem necessarios para a precisa clareza na respectiva escripturação.

Art. 13. As funcções dos assistentes dos delegados do Cirurgião-Mór do Exercito


passaráõ a ser exercidas pelos proprios delegados.

Art. 14. Os 1os Medicos e 1os Cirurgiões dos Hospitaes coutinuaráõ a perceber as
vantagens estabelecidas na tabella em vigor; os 2os Cirurgiões porém ficaráõ com as
decretadas para os: 3os Medicos e Cirurgiões dos hospitaes, lugares ora abolidos.

Os Empregados que pelo actual Regulamento passarem a accumular funcções que pelas
antigas disposições erão distribuidas a mais de hum individuo não terão por isso
retribuição superior ás de que já estiverem no gozo.

Art. 15. Ficão em pleno vigor todas as disposições do Regulamento nº 1.900 de 7 de


Março de 1857, que não forem expressamente revogadas pelo presente.

Palacio do Rio de Janeiro em 26 de Dezembro de 1860. - Sebastião do Rego Barros.

Este texto não substitui o original publicado no Coleção de Leis do Império do Brasil de
1860

436
Publicação:

Coleção de Leis do Império do Brasil - 1860, Página 1184 Vol. 1 pt II (Publicação


Original)

437
Anexo 2

438
Decretos e Regulamentos do Cuerpo de Sanidad do
Exército Argentino

439
Registro Nacional – 18141091
N.712 – CREACIÓN DE UN CUERPO MÉDICO MILITAR

El Supremo director del Estado, con el designio de estimular á los profesores de la


Facultad Médica en el ejercicio de sus importantes tareas, y el de ordenar el mejor
servicio de los Ejércitos de la Patria, ha mandado observar, previo el dictamen del
Consejo de Estado, y conformándose, el siguiente Reglamento:
Art.1º Los Profesores de Medicina y Cirugía destinados al servicio de los
Ejércitos, formarán el Cuerpo de Medicina Militar. Siendo Militar el Instituto Médico
de esta Capital, sus profesores y alumnos, se considerarán del Cuerpo de Medicina
Militar.
Art.2º En el Cuerpo de Medicina Militar se distinguirán las clases de Director,
Vice-Director, Catedrático, Consultores y Profesores de Regimiento. El Jefe del
Instituto Médico, será el Director nato del Cuerpo de Medicina Militar, considerándole
como primer Médico y Cirujano Mayor del Ejército.
Art.3º Al Director corresponde: expedir las órdenes convenientes al mejor servicio
y disciplina del Cuerpo; Comunicar las que á los mismos objetos se le confiere por los
Jefes superiores; celar sobre sus cumplimientos, corregir los abusos y dar parte, en caso
necesario á la superioridad, para que se castiguen las faltas y las infracciones de las
reglas establecidas, ó que se establezcan para el buen orden y adelantamiento de este
importante ramo del ejército.
Art.4º Mantendrá la comunicación de los respectivos Ministerios y de los Jefes de
Cuerpos Militares, sobre puntos relativos á su profesión y empleo en el servicio del
Estado.
Art.5º Hará las propuestas de los profesores militares, que se pidan por todos los
ramos. Así mismo propondrá para os ascensos que se ofreciesen, teniendo presente la
antigüedad del servicio y las campañas de los pretendientes, en igualdad de suficiencia,
habilidad en la facultad y buena conducta.
Art.6º Es la obligación del Director inspeccionar los estados de medicinas que se
pidan para los ejércitos ó cualquier otro establecimiento militar, cuidar que los
medicamentos que se remitan estén bien dispuestos, así por lo respectivo á sus

1091
Retirado de: Archivo General Del Ejército Argentino (AGEA) – Dirección de Sanidad, Caja I,
documentos 2 a 4; MALLO, Pedro. Tratado de Higiene Militar. Buenos Aires: Imprenta Europea, 1883,
2 volumes, Vol.II, p. 312-314.

440
calidades, como á la cantidad; celar que las máquinas, vendajes y demás útiles que se
envíen, sean de recibo: al efecto, todos los estados de estos artículos deberán llevar a su
visto bueno.
Art.7º Los profesores ó individuos del Cuerpo de Medicina Militar, deberán elevar
sus representaciones al Gobierno por el conducto del Director del cuerpo.
Art.8º En ausencia ó enfermedad del Director del Cuerpo, ejercerá sus funciones
el Vice-Director del Instituto Médico Militar, y por falta de ambos, el Catedrático
consultor más antiguo del mismo Instituto.
Art.9º En cada ejército habrá un ayudante consultor, que desempeñará las
funciones de Médico primero y Cirujano Mayor de aquel Ejército, y será obedecido por
los profesores de su dotación conforme á ordenanza. El ayudante consultor tendrá
obligación además, de consultar al Instituto Médico, si as circunstancias lo permitieren,
las enfermedades epidémicas que se hayan manifestado en el ejército, y los casos
extraños y de singular complicación, para que instruido el Instituto por el conducto de
su Director, puede aclarar las dudas que ofreciesen.
Art.10º Para Ayudante Consultor se nombrará uno de los profesores de
Regimiento de mas mérito y experiencia, el cual, concluida esta comisión volverá á su
clase. En caso de no haber nombrado en el ejército un ayudante consultor, desempeñará
sus funciones el Profesor de Regimiento mas antiguo.
Art.11º Cuando se empleen en servicio del ejército profesores que no sean del
Cuerpo de Medicina Militar, gozarán durante el tiempo de sus servicios de los mismos
fueros y prerrogativas que los profesores militares.
Art.12º El Uniforme de este cuerpo será: casaca derecha de paño azul, vico
encarnado; botas y sombrero armado con escarapela nacional.
Art.13º El uniforme del Director se distinguirá por tres ojales de oro en la bota,
dos en el collarín, y dos sobre la cartera de la casaca. Os catedráticos consultores no
llevarán ojales en la cartera y solo uno en el collarín. Los primeros profesores de
Regimiento llevarán solamente tres ojales en la bota y dos los segundos.
Art.14º El Director será considerado como Mayor. los Catedráticos Consultores,
como Capitanes. El Ayudante consultor de un ejército, durante el ejercicio de sus
funciones, será considerado así mismo como Capitán. Los primeros de Regimientos
como Tenientes de Compañía y los segundos como Alférez. Los alumnos serán
considerados como Cadetes.

441
Art.15º Los profesores del Cuerpo de Medicina podrán optar por servicios
extraordinarios á premios de escudo ó pensiones militares y gozarán el Monte-Pio
militar desde que entran á la clase de primeros de Regimiento.

Herrera.

442
Decreto de Organización del Cuerpo Médico del Ejército 1092

Agosto 5 de 1826
El Gobierno ha acordado y decreta:
Art.1º Todos los cirujanos, ayudantes ó practicantes que sirvan en el ejército y
marina, ó en cualquier otro destino dotado á expensas del erario público, deberán tener
de su propiedad los instrumentos correspondientes al desempeño de sus respectivas
clases.
Art.2º En el caso de no tenerlos de su propiedad, el Estado les adelantará, á cuenta
de sus sueldos, la cantidad suficiente para adquirirlos.
Art.3º En las revistas mensuales tendrán la obligación de presentar cada uno sus
respectivos instrumentos al comisario de la revista, y en el caso de hallarse inútiles
algunos instrumentos, se les obligará á su recomposición.
Art.4º Siempre que en campaña perdiese alguno sus instrumentos, de resultas de
acciones de guerra con el enemigo, tendrá una indemnización igual al valor de los
instrumentos perdidos y presentados en la última revista, cuyo avalúo deberá
primeramente constar por certificación del Cirujano Mayor, y en defecto de este, por el
Cirujano más antiguo y de mayor graduación.
Art.5º Esta indemnización no será acordada sino á los que dentro del término de
un mes, contado desde el día de la pérdida, hicieren la reclamación con certificado del
jefe á cuyas órdenes estaba, el cual deberá ser visado por el comisario de revista y el
jefe del Estado Mayor.
Art.6º En el caso en que los Cirujanos se provean del repuesto de instrumentos
que existe en el ejército, será cargado á sus sueldos el valor de ellos.
Art.7º El Ministerio de Guerra y Marina queda encargado de la ejecución de este
decreto que se comunicará á quienes corresponda é insertará en el R.O.

DORREGO.
J.R. Balcarce.

1092
Retirado de: MALLO, Pedro. Tratado de Higiene Militar. Buenos Aires: Imprenta Europea, 1883, 2
volumes, Vol.II, p. 311.

443
Anexo 3

444
Tabelas dos temas norteadores para periódicos
argentinos de medicina e higiene militar

445
Boletín de Sanidad Militar

446
Anales de Sanidad Militar

447
448
Revista de La Sanidad Militar

449
450
Anexo 4

451
Tabelas dos temas norteadores para periódicos
brasileiros de medicina e higiene militar

452
Revista de Medicina e Higiene Militar
(Continuação da Revista Boletim da Sociedade Médico-Cirúrgica Militar)

Norteadores Subtema 1921 1922 1923 1924 1925 1926 1927 1929 1930 1931
Educação Física 1
Estudo dos elementos (solo, água e ar)
Alimentação
Clima
Higiene Habitação
Vestuário
Profilaxia 2
Vacinação 1 1 1
Outros 1 2 1 3
Educação Física 1 2 1 1
Estudo dos elementos (solo, água e ar)
Alimentação 1 1
Clima
Higiene Militar Habitação 2
Vestuário 1
Profilaxia 1 1
Vacinação 2 1
Outros 2 2 8 7 4 9 2 3 2
Missões Militares / Modernização 2 1
Brasil 1 5 1 9 1 2 2 2 3
Alemanha
Serviço de Saúde do Exército
França 1
Estrangeiro 1 2 1
Saúde Militar 2
Saúde / Medicina Militar Medicina Militar 2 1 1 1 1 1
Congressos de Medicina/Higiene Militar 1 2
Total 15 12 15 19 11 7 13 6 6 7
Boletim da Sociedade Médico-Cirúrgica

454
Revista de Medicina e Higiene Militar

455

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