Gram Port Royal Influências e Contribuições
Gram Port Royal Influências e Contribuições
Gram Port Royal Influências e Contribuições
Abstract: This essay aims to discuss and analyze some logical and philosophical principles
present in the Port-Royal Grammar (2001), which M. Pêcheux (1995), certainly, resorted to discuss
his theory of discourse (AD). Our gaze, then, part of philosophical assumptions, in some extent,
toward some significant issues to the enterprise pecheutiano: the sense and the subject (both
articulated to discourse).
Lançar olhares para a maneira como foi construída uma dada teoria e tentar
(re)interpretá-la enquanto tal pode parecer uma tarefa um tanto perspicaz àqueles que
se propõem a isso. No entanto, o esforçar-se por estar mais próximo de circunstância(s)
em que um pesquisador/estudioso vem/veio a conceber certo objeto (seu) de estudo
— procurando neste algumas de suas especificidades teóricas que o balizam — é que
nos faz, sem dúvida, enxergá-lo, por vezes, diferentemente da maneira como se ousa
por aí enunciá-lo.
É nesse sentido, então, que, o presente estudo se orienta. Ele se coloca em um
constante movimento de investigação diante daquilo que, também, fez triscar as teses
do estudioso de Análise de Discurso (AD), M. Pêcheux: A gramática de Port-Royal
(2001). Sendo assim, temos como foco (re)visitar alguns desses lugares teóricos que esse
estudioso da linguagem, durante seu projeto de fundação da ambiciosa teoria do
discurso dos anos 60 da segunda metade do século XX, (re)ssignificou. Com efeito,
para que compreendamos (um pouco) como Pêcheux construiu o que se nomeia de AD,
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Mestrando em Linguística pela Universidade Federal de Uberlândia – UFU. E-mail: [email protected]
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Afirmamos ser “em certa medida” nossas discussões de cunho filosófico, pois alguns dos conceitos da filosofia que
estamos sempre aduzido são frutos de enunciações que recortamos das aulas do Prof. Dr. João Bosco Cabral dos
Santos (UFU), quando, no primeiro semestre letivo de 2009, ministrou para nós, alunos do mestrado, a disciplina
Tópicos em estudos discursivos I — Introdução à Fundamentação Filosófica da Análise de discurso francesa.
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Resumidamente, temos a dizer que a teoria gerativa de Chomsky representou, nos anos 1940/50, uma tentativa de
formalizar fatos da lingua(gem), sob um crivo matemático desejoso por explicitar propriedades formais das línguas.
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É sempre útil lembrar que, no CLG, Saussure não emprega o nome “estrutura” ao descrever seu objeto de estudo, a
língua. Para ele, a língua é “sistema de signos”; em nosso caso, estamos tomando ambos os termos (“estrutura” e
“sistema”) como equivalentes, apenas enquanto forma de nos referir à pesquisa linguística estruturalista, que foi
bastante enfatizada no início do século XX.
quando esteve a compor sua obra Linguística Cartesiana (1972), também, assim como
mostraremos o mesmo movimento em Pêcheux (1995), fez uma incursão até as teorias
de a Gramática de Port-Royal, para explicar os conceitos de Estrutura superficial (ES) e de
Estrutura profunda (EP); conceitos esses que foram (re)interpretados para a proposta
chomskyana que visava a investigar a relação linguagem e pensamento.
Analisando brevemente o prefácio elaborado por M. Foucault (1994), já na
primeira edição do texto da Gramática de Port-Royal ou Gramática Geral e Razoada (de
Arnauld e Lancelot), especialmente nas páginas 732-752, encontramos algumas
afirmações foucaultianas que versam sobre um modo-outro que os autores de tal
gramática assumiram para tratar dos fatos da lingua(gem). Pelas observações de
Foucault (1994) feitas nesse prefácio, fica patente o quanto os autores de a Gramática de
Port-Royal inovavam com relação a outros trabalhos (da época) de lingua(gem),
sobretudo no que tange as formas de conceber questões referentes às línguas e seu
ensino — algo, pois, diferente das gramáticas particulares que havia até então, já que
estas se restringiam em formular regras a partir de comparações sistemáticas entre
línguas, como, por exemplo, entre o francês, o grego, o latim, etc. Em a Gramática de
Port-Royal, se fala, por exemplo, em mudanças nos segmentos de ensino: “a gramática
geral, ao contrário das outras gramáticas, é mais que um julgamento da linguagem,
fato que não a reduz à análise sistemática de um objeto específico no caso de
linguagens em geral” (FOULCAULT, 1994, p. 739, tradução nossa).
Assim sendo, a abordagem que essa gramática vinha fixar (no século XVII),
enquanto proposta de ensino, abarcava questões de lingua(gem) acerca de usos que
falantes fazem de uma língua — seria, conforme os autores expõem logo abaixo do
título da obra (na própria capa): uma obra “contendo os fundamentos da arte de falar,
explicados de modo claro e natural; razões daquilo que é comum a todas as línguas e
das principais diferenças ali encontradas, etc.”. Outra razão que Foucault (idem, cf, p.
742) nos dá quanto aos feitos de a Gramática de Port-Royal terem significado uma
transformação para o ensino de línguas está no fato de tal gramática ser um texto cuja
preocupação de seus autores esteve a todo o momento para o modo como as palavras
significam (há uma configuração singular que elas assumem numa dada materialidade
linguística, não se tratando, pois, de uma coisa sendo significada por uma dada
palavra).
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Elemento filosófico, em Pêcheux, trazido para fundar a noção de sentido. Quanto a tal elemento, limitamo-lo a ideia de
ser aquilo que é fundante (o que é necessário/ o que é próprio) à subjetivação durante os processos de produção de
sentidos.
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Sobre tais proposições (explicativas e determinativas), julgamos necessário destacar que Arnauld & Lancelot
consideram o uso do pronome relativo (em enunciados) como sendo um meio de o sujeito de/da linguagem expandir ou
restringir significados. Por permitir isso ao sujeito (sujeito que em a Gramática de Port-Royal está para o “ser que
pensa”), o pronome relativo indiciou para Arnauld & Lancelot uma brecha para dizerem que há sujeito nas palavras.
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A noção de substância, em filosofia, está, de modo geral, para aquilo que é próprio do sentido e que subsiste por si
mesmo, sendo, pois, algo que está historicamente constituído. Pêcheux traz esse conceito para a AD, enquanto
substrato semântico para compreender a própria noção de sentido.
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Ressaltamos que as noções de meta, de propósito e de adequação histórica, empregadas por Pêcheux (1995), são
resultantes de incursões realizadas por tal estudioso de lingua(gem) nos domínios teóricos da filosofia.
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Estamos grafando “extendida” e não “estendida”, pois tal forma remete às extensões pecheutianas realizadas a partir
de a Gramática de Port-Royal.
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A respeito disso, reconhecemos que há nomeações singulares e nomeações não singulares, cada qual
representando para nós um nome próprio ou um nome comum, respectivamente.
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Em filosofia, a noção de essência, de maneira geral, é tratada como sendo o elemento que impulsiona o ser na
busca do conhecimento; há uma necessidade própria a todo sujeito de se inscrever em um dado dizer e não em outro.
Essência, então, está para aquilo que toca o sujeito, interpelando-o.
sobre o uso do termo “incidente”, utilizado por Arnauld e Lancelot, que “deve ser
reservado rigorosamente para o caso da explicação” (idem). Sobre a explicação,
Pêcheux comenta, assim, que:
(...) a lógica (e a “teoria do conhecimento” que lhe corresponde) é o
fundamento primeiro, e a “arte de falar” não tem outra finalidade
senão a de se conformar às regras que a constituem, enquanto regras
imanentes à própria ordem das essências. Nessa perspectiva, o bom
uso da palavra é o de reconduzir o sujeito às verdades do mundo das
essências, a “arte de falar” é constitutivamente uma pedagogia: a
explicação torna-se assim aquilo pelo que se reabsorve o desencontro
entre o meu pensamento e os seres aos quais meu discurso se refere
(...) (PÊCHEUX, 1995, p. 45)
Ante essas constatações pecheutianas surge um motivo a mais para, quem sabe,
começarmos a pensar no que o sujeito, que em nada foi observado em abordagens
linguísticas de cunho estrutural, pode agora representar, a priori, para a Linguística e, a
posteriori, para as ciências de um modo geral. Sobre isso, é sempre bom lembrar que as
mudanças que daí decorrem não significavam, contudo, que Pêcheux tenha rechaçado
o estruturalismo de Saussure — diferentemente, o seu projeto de AD, com esse olhar
para o sujeito, nós dá entender que este e, também o sentido (ambos deixados de fora
da pesquisa estruturalista) retornam às questões que tangem o estudo da lingua(gem);
Nesse sentido, com efeito, ratifica-se novamente a ideia defendida por Pêcheux
(ideia essa que contou com os escritos de a Gramática de Port-Royal): a de que há sujeito
operando sentidos nas materialidades linguísticas. Em se tratando dessa nova
constatação que foi trazida para a pesquisa linguística, destacamos que foram, com
certeza, os escritos de Arnauld & Lancelot (idem), do século XVII, quem convocaram
M. Pêcheux a olhar melhor para tal questão. Acerca disso, não há porque não se
empolgar dizendo que Pêcheux foi genial!
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A essa altura, depois de muito termos enfatizado em nosso estudo o elemento filosófico da determinação,
acreditamos ser possível tratá-la enquanto uma restrição que determina toda a produção de sentidos, a subjetividade.
Disso tudo, diante de nossas manobras (ainda que incipientes) orientadas sob
propósitos lógico-filosófico e linguísticos, à procura de argumentos que nos dessem
provas de certa incursão pecheutiana em direção às descrições/problematizações de a
Gramática de Port-Royal, enfatizamos, exclusivamente, que foi o modo com que Pêcheux
leu os autores Arnauld & Lancelot quem lhe permitiu compreender melhor algo que,
sem dúvida, constitui a lingua(gem): o sujeito.
REFERÊNCIAS
ARNAULD, A. & LANCELOT, C “Do pronome chamado relativo”. In: Gramática de
Port Royal. São Paulo: Martins Fontes. 2 ed. 2001. p. 60-69.
ARNAULD, A. & LANCELOT, C “Dos casos e das preposições na medida em que é
necessário falar delas para se entender alguns casos”. In: Gramática de Port Royal. São
Paulo: Martins Fontes. 2 ed. 2001. p. 42-49.
ARNAULD, A. & LANCELOT, C “Dos gêneros”. In: Gramática de Port Royal. São
Paulo: Martins Fontes. 2 ed. 2001. p. 39.
ARNAULD, A. & LANCELOT, C “Dos números singular e plural”. In: Gramática de
Port Royal. São Paulo: Martins Fontes. 2 ed. 2001. p. 37-38.
ARNAULD, A. & LANCELOT, C “Dos números singular e plural”. In: Gramática de
Port Royal. São Paulo: Martins Fontes. 2 ed. 2001. p. 37-38.
ARNAULD, A. & LANCELOT, C “Dos pronomes”. In: Gramática de Port Royal. São
Paulo: Martins Fontes. 2 ed. 2001. p. 54-60.
ARNAULD, A. & LANCELOT, C. “Dos nomes próprios e apelativos ou gerais”. In:
Gramática de Port Royal. São Paulo: Martins Fontes. 2. ed. 2001. p. 36.
CHOMSKY, N. Linguística Cartesiana. Petrópolis: Vozes, 1972.
FOUCAULT, Michel. “Dits et Écrits”. In: ARNAULD, A. & LANCELOT, Gramática de
Port Royal. Paris: Gallimard, 1994, v. I, p. 732-752.
MUSSALIM, Fernanda. Análise do Discurso: da objetividade científica ao terreno
fluído da interpretação. In: FERNANDES, Cleudemar Alves; SANTOS, João Bosco
Cabral dos. (org.) Análise do Discurso Unidade e Dispersão, Uberlândia: EntreMeios,
2004.
PÊCHEUX, M. “A forma-sujeito do discurso”. In: Semântica e Discurso – uma crítica à
afirmação do óbvio. Campinas: Ed. da UNICAMP. 2 ed. 1995. p. 41-63.
SAUSSURE, Ferdinand de. Curso de linguística geral. 27. ed. São Paulo: Cultrix, 2006.