BENJAMIN, Walter. Sobre o Conceito de História (Trad. Gagnebin)

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BENJAMIN, Walter. Sobre o conceito de história.

Tradução de Jeanne Marie Gagnebin e


Marcos Lutz Müller. In: LÖWY, Michael. Walter Benjamin: aviso de incêndio: uma leitura
das teses “Sobre o conceito de história”. São Paulo: Boitempo, 2005.

SOBRE O CONCEITO DE HISTÓRIA

Walter Benjamin

TESE I
Como se sabe, deve ter havido um autômato, construído de tal maneira que, a cada jogada de
um enxadrista, ele respondia com uma contrajogada que lhe assegurava a vitória da partida.
Diante do tabuleiro, que repousava sobre uma ampla mesa, sentava-se um boneco em trajes
turcos, com um narguilé à boca. Um sistema de espelhos despertava a ilusão de que essa mesa
de todos os lados era transparente. Na verdade, um anão corcunda, mestre no jogo de xadrez,
estava sentado dentro dela e conduzia, por fios, a mão do boneco. Pode-se imaginar na filosofia
uma contrapartida dessa aparelhagem. O boneco chamado "materialismo histórico" deve ganhar
sempre. Ele pode medir-se, sem mais, com qualquer adversário, desde que tome a seu serviço
a teologia, que, hoje, sabidamente, é pequena e feia e que, de toda maneira, não deve se deixar
ver. [p.41]

TESE II
“Pertence às mais notáveis particularidades do espírito humano, [...] ao lado de tanto egoísmo
no indivíduo, a ausência geral de inveja de cada presente em face do seu futuro”, diz Lotze.
Essa reflexão leva a reconhecer que a imagem da felicidade que cultivamos está inteiramente
tingida pelo tempo a que, uma vez por todas, nos remeteu o decurso de nossa existência.
Felicidade que poderia despertar inveja em nós existe tão-somente no ar que respiramos, com
os homens com quem teríamos podido conversar; com as mulheres que poderiam ter-se dado a
nós. Em outras palavras, na representação da felicidade vibra conjuntamente, inalienável, a
[representação] da redenção. Com a representação do passado, que a História toma por sua
causa, passa-se o mesmo. O passado leva consigo um índice secreto pelo qual ele é remetido à
redenção. Não nos afaga, pois, levemente um sopro de ar que envolveu os que nos precederam?
Não ressoa nas vozes a que damos ouvido um eco das que estão, agora, caladas? E as mulheres
que cortejamos não tem irmãs que jamais conheceram? Se assim é, um encontro secreto está
então marcado entre as gerações passadas e a nossa. Então fomos esperados sobre a terra. Então
nos foi dada, assim como a cada geração que nos procedeu, uma fraca força messiânica, à qual
o passado tem pretensão. Essa pretensão não pode ser descartada sem custo. O materialista
histórico sabe disso. [p. 48]
TESE III
O cronista que narra profusamente os acontecimentos, sem distinguir grandes e pequenos, leva
com isso a verdade de que nada do que alguma vez aconteceu pode ser dado por perdido para
a história. Certamente, só à humanidade redimida cabe o passado em sua inteireza. Isso quer
dizer: só à humanidade redimida seu passado tornou-se citável em cada um dos seus instantes.
Cada um dos instantes vividos por ela torna-se uma citation à l'ordre du jour - dia que é
justamente, o do juízo Final. [p. 54]

TESE IV
“Buscai, primeiro, o de quê comer e vestir, e
o reino de Deus vos advirá por si.”
Hegel, 1807.

A luta de classes, que um historiador escolado em Marx tem sempre diante dos olhos, é uma
luta pelas coisas brutas e materiais, sem as quais não há coisas finas e espirituais. Apesar disso,
estas últimas estão presentes na luta de classes de outra maneira que a da representação de uma
presa que toca ao vencedor. Elas estão vivas nessa luta como confiança, como coragem, como
humor, como astúcia, como tenacidade, e elas retroagem ao fundo longínquo do tempo. Elas
porão incessantemente em questão cada vitória que couber aos dominantes. Como flores que
voltam suas corolas para o sol, assim o que foi aspira, por um secreto heliotropismo, a voltar-
se para o sol que está a se levantar no céu da história. Essa mudança, a mais imperceptível de
todas, o materialista histórico tem que saber discernir.1 [p. 58]

TESE V
A verdadeira imagem do passado passa célere e furtiva. É somente como imagem que lampeja
justamente no instante de sua recognoscibilidade, para nunca mais ser vista, que o passado tem
de ser capturado. “A verdade não nos escapará” - essa frase de Gottfried Keller indica, na
imagem que o Historicismo faz da história, exatamente o ponto em que ela é batida em brecha
pelo materialismo histórico. Pois é uma imagem irrestituível do passado que ameaça
desaparecer com cada presente que não se reconhece como nela visado.2 [p. 62]

1
A citação de Hegel encontra-se em uma carta de 30 de agosto de 1807 ao major Knebel.
2
Há um período no final que figura somente em algumas variantes das teses (cf. GS1, 3, p. 1247-1248) – “A boa
nova, que traz ofegante o historiador do passado, sai de uma boca que, talvez, no momento em que se abre, já fala
no vazio”. Além disso, a versão francesa redigida por Benjamin se distingue por uma referência a Dante: “A
verdade imóvel, que só espera o pesquisador, não corresponde de maneira alguma ao conceito de verdade em
matéria de história. Ela se apoia muito mais no verso de Dante que diz: Trata-se de uma imagem única,
insubstituível, do passado, que se esvaiu com cada presente que não soube se reconhecer visado por ela” (GS I, 2,
p. 1261).
TESE VI
Articular o passado historicamente não significa conhecê-lo “tal como ele propriamente foi”:
Significa apoderar-se de uma lembrança tal como ela lampeja num instante de perigo. Importa
ao materialismo histórico capturar uma imagem do passado como ela inesperadamente se
coloca para o sujeito histórico no instante do perigo. O perigo ameaça tanto o conteúdo dado
da tradição quanto os seus destinatários. Para ambos o perigo é único e o mesmo: deixar-se
transformar em instrumento da classe dominante. Em cada época é preciso tentar arrancar a
transmissão da tradição ao conformismo que está na iminência de subjugá-la. Pois o Messias
não vem somente como redentor; ele vem como vencedor do Anticristo. O dom de atear ao
passado a centelha da esperança pertence somente àquele historiador que está perpassado pela
convicção de que também os mortos não estarão seguros diante do inimigo, se ele for vitorioso.
E esse inimigo não tem cessado de vencer. [p. 65]

TESE VII
“Considerai a escuridão e o frio intenso
Neste vale, onde ressoam lamentos.”
Brecht, A opera dos três vinténs.

Ao historiador que quiser reviver uma época, Fustel de Coulanges recomenda banir de sua
cabeça tudo o que saiba do curso ulterior da história. Não se poderia caracterizar melhor o
procedimento com qual o materialismo histórico rompeu. É um procedimento de identificação
afetiva. Sua origem é a indolência do coração, a acedia, que hesita em apoderar-se da imagem
histórica autêntica que lampeja fugaz. Para os teólogos da Idade Média ela contava como o
fundamento originário da tristeza. Flaubert, que bem a conhecera, escreve: “Peu de gens
devineront combien il a fallu être triste pour ressusciter Carthage.”3 A natureza dessa tristeza
torna-se mais nítida quando se levanta a questão de saber com quem, afinal, propriamente o
historiador do Historicismo se identifica afetivamente? A resposta é, inegavelmente: com o
vencedor. Ora, os dominantes de turno são os herdeiros de todos os que, algum dia, venceram.
A identificação afetiva com o vencedor ocorre, portanto, sempre, em proveito dos vencedores
de turno. Isso diz o suficiente para o materialismo histórico. Todo aquele que, até hoje, obteve
a vitória, marcha junto no cortejo de triunfo que conduz os dominantes de hoje [a marcharem]
por cima dos que, hoje, jazem por terra. A presa, como sempre de costume, é conduzida no
cortejo triunfante. Chamam-na bens culturais. Eles terão de contar; no materialismo histórico,
com um observador distanciado, pois o que ele, com seu olhar; abarca como bens culturais
atesta, sem exceção, uma proveniência que ele não pode considerar sem horror. Sua existência
não se deve somente ao esforço dos grandes gênios, seus criadores, mas, também, à corveia
sem nome de seus contemporâneos. Nunca há um documento da cultura que não seja, ao mesmo
tempo, um documento da barbárie. E, assim como ele não está livre da barbárie, também não
está o processo de sua transmissão, transmissão na qual ele passou de um vencedor a outro. Por

3
“Poucas pessoas serão capazes de imaginar como foi preciso estar triste para ressuscitar Cartago.”
isso, o materialista histórico, na medida do possível se afasta dessa transmissão. Ele considera
como sua tarefa escovar a história a contrapelo. [p. 70]

TESE VIII

A tradição dos oprimidos nos ensina que o “estado de exceção” no qual vivemos é a regra.
Precisamos chegar a um conceito de história que de conta disso. Então surgirá diante de nós
nossa tarefa, a de instaurar o real estado de exceção; e graças a isso, nossa posição na luta contra
o fascismo tornar-se-á melhor. A chance deste consiste, não por último, em que seus adversários
o afrontem em nome do progresso como se este fosse uma norma histórica. - O espanto em
constatar que os acontecimentos que vivemos “ainda” sejam possíveis no século XX não é
nenhum espanto filosófico. Ele não está no início de um conhecimento, a menos que seja o de
mostrar que a representação da história donde provém aquele espanto é insustentável. [p. 83]

TESE IX

“Minha asa está pronta para o vôo


De bom grado voltaria atrás
Pois permanecesse eu também tempo vivo
Teria pouca sorte.”
Gerhard Scholem, Salut de l'ange
[Saudação do Anjo].

Existe um quadro de Klee intitulado “Angelus Novus”. Nele está representado um anjo, que
parece estar a ponto de afastar-se de algo em que crava o seu olhar. Seus olhos estão arregalados,
sua boca está aberta e suas asas estão estiradas. O anjo da história tem de parecer assim. Ele
tem seu rosto voltado para o passado. Onde uma cadeia de eventos aparece diante de nós, ele
enxerga uma única catástrofe, que sem cessar amontoa escombros sobre escombros e os
arremessa a seus pés. Ele bem que gostaria de demorar-se, de despertar os mortos e juntar os
destroços. Mas do paraíso sopra uma tempestade que se emaranhou em suas asas e é tão forte
que o anjo não pode mais fechá-las. Essa tempestade o impele irresistivelmente para o futuro,
para o qual dá as costas, enquanto o amontoado de escombros diante dele cresce até o céu. O
que nós chamamos de progresso é essa tempestade. [p. 87]

TESE X

Os objetos que a regra monacal propunha aos monges para a meditação tinham a tarefa de torná-
los avessos ao mundo e à sua agitação. O curso de pensamento que aqui perseguimos emergiu
de uma determinação semelhante. Num instante em que os políticos, em quem os adversários
do fascismo tinham colocado as suas esperanças, jazem por terra e reforçam sua derrota com a
traição à própria causa, esse curso de pensamento se propõe a desvencilhar os filhos políticos
deste século dos liames com que os políticos os tinham enredado. Partimos da consideração de
que a crença obstinada desses políticos no progresso, sua confiança em sua “base de massa” e,
finalmente, sua submissão servil a um aparelho incontrolável, foram três aspectos de uma única
e mesma coisa. Essa consideração procura dar uma idéia do quanto custa a nosso pensamento
habitual elaborar uma concepção da história que evite toda e qualquer cumplicidade com aquela
a que esses interesses políticos continuam se apegar. [p. 96]

TESE XI

O conformismo que, desde o início, sentiu-se em casa na socialdemocracia, adere não só a sua
tática política, mas também às suas idéias econômicas. Ele é uma das causas do colapso ulterior.
Não há nada que tenha corrompido tanto o operariado alemão quanto a crença de que ele nadava
com a correnteza. O desenvolvimento técnico parecia-lhe o declive da correnteza em cujo
sentido acreditava nadar. Daí era um só passo até a ilusão de que o trabalho fabril, que se
inserisse no sulco do progresso técnico, representaria um feito político. A velha moral
protestante do obrar celebrava, em forma secularizada, a sua ressurreição entre os operários
alemães. O programa de Gotha em si já traz as marcas dessa confusão. Ele define o trabalho
como “a fonte de toda riqueza e de toda cultura”. Pressentindo funestas conseqüências, Marx
replicou que o homem que não possui outra propriedade a não ser sua força de trabalho “tem
que ser escravo dos outros homens que (...) se fizeram proprietários.” Malgrado essa
advertência, a confusão continua a difundir-se e, pouco depois, Joseph Dietzgen proclama:
“Trabalho chama-se o salvador dos tempos recentes... No (...) aperfeiçoamento (...) do trabalho
consiste a riqueza, que pode, agora, consumar o que nenhum redentor até hoje consumou.” Esse
conceito marxista vulgar do que é o trabalho não se detém muito na questão de como os
trabalhadores tiram proveito do seu produto enquanto dele não podem dispor. Esse conceito só
quer se aperceber dos progressos da dominação da natureza, mas não dos retrocessos da
sociedade. Ele já mostra os traços tecnocráticos que serão encontrados, mais tarde, no fascismo.
A esses pertence um conceito de natureza que, de maneira prenunciadora de sinistros, se destaca
do conceito de natureza das utopias socialistas do Pré-Março [de 1848]. O trabalho, como será
compreendido a partir de então, se resume na exploração da natureza, que é, assim, com
satisfação ingênua, contraposta à exploração do proletariado. Comparadas com essa concepção
positivista, as fabulações de um Fourier, que deram tanta margem para escarnecê-lo, revelam o
seu surpreendente bom senso. Segundo Fourier, o trabalho social bem organizado deveria ter
por conseqüência que quatro luas iluminassem a noite terrestre, que o gelo se retirasse dos
pólos, que a água do mar não fosse mais salgada e que os animais de rapina se pusessem a
serviço do homem. Tudo isso ilustra um trabalho que, longe de explorar a natureza, é capaz de
dar à luz as criações que dormitam como possíveis em seu seio. A esse conceito corrompido de
trabalho pertence, como seu complemento, a natureza que, segundo a expressão de Dietzgen,
“está aí grátis”. [p. 100]
TESE XII

“Precisamos da história, mas precisamos dela


de outra maneira que o mimado caminhante
ocioso no jardim do saber.”
Nietzsche, Segunda consideração
intempestiva: da utilidade e
desvantagem da história para a vida.

O sujeito do conhecimento histórico é a própria classe oprimida, a classe combatente. Em Marx


ela se apresenta como a última classe escravizada, a classe vingadora que, em nome de gerações
de derrotados, leva a termo a obra de libertação. Essa consciência que, por pouco tempo, se fez
valer ainda uma vez no “Spartacus”, desde sempre escandalizou a socialdemocracia. No
decurso de três decênios, a socialdemocracia quase conseguiu apagar o nome de um Blanqui,
cujo som de bronze abalara o século anterior. Ela teve comprazer em atribuir à classe
trabalhadora o papel de redentora das gerações futuras. Com isso ela lhe cortou o tendão da
melhor força. Nessa escola a classe trabalhadora desaprendeu tanto o ódio quanto a vontade de
sacrifício. Pois ambos se nutrem da visão dos ancestrais escravizados, e não do ideal dos
descendentes libertados. [p.108]

TESE XIII

“Nossa causa, com certeza, torna-se a cada


dia mais clara e o povo mais inteligente.”
Joseph Dierzgen,
La philosophic social-démocrate
[A filosofia soclaldemocrata].

A teoria socialdemocrata, e, mais ainda, a sua práxis estavam determinadas por um conceito de
progresso que não se orientava pela realidade, mas que tinha uma pretensão dogmática. O
progresso, tal como ele se desenhava na cabeça dos socialdemocratas, era, primeiro, um
progresso da própria humanidade (e não somente das suas habilidades e conhecimentos). Ele
era, em segundo lugar, um progresso interminável (correspondente a uma perfectibilidade
infinita da humanidade). Em terceiro lugar, ele era tido como um progresso essencialmente
irresistível (como percorrendo, por moto próprio, uma trajetória reta ou em espiral). Cada um
desses predicados é controverso, e cada um deles oferecia flanco à crítica. Mas essa, se ela for
implacável, tem de remontar muito além de todos esses predicados e dirigir-se àquilo que lhes
é comum. A representação de um progresso do gênero humano na história e inseparável da
representação do avanço dessa história percorrendo um tempo homogêneo e vazio. A crítica à
representação desse avanço tem de ser a base crítica da representação do progresso em geral.
[p. 116]
TESE XIV

“Origem é o fim.”
Karl Kraus, Paroles en vers, I
[Palavras em versos].

A história é objeto de uma construção, cujo lugar não é formado pelo tempo homogêneo e vazio,
mas por aquele saturado pelo tempo-de-agora [Jetztzeit]. Assim, a antiga Roma era, para
Robespierre, um passado carregado de tempo-de-agora, passado que ele fazia explodir do
contínuo da história. A Revolução Francesa compreendia-se como uma Roma retornada. Ela
citava a antiga Roma exatamente como a moda cita um traje do passado. A moda tem faro para
o atual, onde quer que este se mova no emaranhado de outrora. Ela é o salto do tigre em direção
ao passado. Só que ele ocorre numa arena em que a classe dominante comanda. O mesmo salto
sob o céu livre da história é o salto dialético, que Marx compreendeu como sendo a revolução.
[p. 119]

TESE XV

A consciência de fazer explodir o contínuo da história é própria das classes revolucionárias no


instante de sua ação. A Grande Revolução introduziu um novo calendário. O dia com o qual
começa o novo calendário funciona como um condensador de tempo histórico. E, no fundo, e
o mesmo dia que retorna sempre na figura dos dias de festa, que são dias da rememoração. Os
calendários, portanto, não contam o tempo como relógios. Eles são monumentos de uma
consciência da história da qual, há cem anos, parece não haver na Europa os mínimos vestígios.
Ainda na Revolução de Julho ocorreu um incidente em que essa consciência se fez valer.
Chegado o anoitecer do primeiro dia de luta, ocorreu que em vários pontos de Paris, ao mesmo
tempo e sem prévio acerto, dispararam-se tiros contra os relógios das torres. Uma testemunha
ocular, que, talvez, devesse à rima a sua intuição divinatória, escreveu então:

Qui le croirait! On dit qu'irrités contre l'heure


De nouveaux Josués, au pied de chaque tour,
Tiraient sur les cadrans pour arrêter le jour.4
[p. 123]

TESE XVI

O materialista histórico não pode renunciar ao conceito de um presente que não é transição,
mas no qual o tempo estanca e ficou imóvel [Stillstand]. Pois esse conceito define exatamente

4
Em francês no texto: “Quem poderia imaginar! Dizem que irritados contra a hora/ Novos Josués, ao pé de cada
torre,/ Atiraram nos relógios para parar o dia.”
o presente em que ele escreve história para si mesmo. O Historicismo arma a imagem “eterna”
do passado, o materialista histórico, uma experiência com o passado que se firma aí única. Ele
deixa aos outros se desgastarem com a prostituta “era uma vez” no prostíbulo do Historicismo.
Ele permanece senhor de suas forças: viril o bastante para fazer explodir o contínuo da história.
[p. 128]

TESE XVII

O Historicismo culmina de direito na história universal. Dela se destaca, pelo seu método, a
historiografia materialista, de maneira talvez mais clara do que qualquer outra. A primeira não
tem armação teórica. Seu procedimento é aditivo: ela mobiliza a massa dos fatos para preencher
o tempo homogêneo e vazio. A historiografia materialista subjaz, por sua vez, um principia
construtivo. Ao pensar pertencendo sob movimento dos pensamentos, mas também a sua
imobilização [Stillstellung]. Onde o pensamento se detém repentinamente numa constelação
saturada de tensões, ele confere a mesma um choque através do qual ele se cristaliza como
mônada. O materialismo histórico se acerca de um objeto histórico única e exclusivamente
quando este se apresenta a ele como uma mônada. Nessa estrutura ele reconhece o signo de
uma imobilização messiânica do acontecer, em outras palavras, de uma chance revolucionária
na luta a favor do passado oprimido. Ele a arrebata para fazer explodir uma época do decurso
homogêneo da história; do mesmo modo como ele faz explodir uma vida determinada de uma
época, assim também ele faz explodir uma obra determinada da obra de uma vida. Este
procedimento consegue conservar e suprimir na obra a obra de uma vida, na obra de uma vida,
a época, e na época, todo o decurso da história. O fruto nutritivo do que foi compreendido
historicamente tem em seu interior o tempo como semente preciosa, mas desprovida de gosto.
[p. 130]

TESE XVII A

Marx secularizou a representação do tempo messiânico na representação da sociedade sem


classes. E estava bem assim. O infortúnio começou quando a socialdemocracia alçou essa
representação a um ideal. O ideal foi definido, na doutrina neokantiana, como uma tarefa
infinita. E essa doutrina era a filosofia elementar do partido socialdemocrata - de Schmidt e
Stadler a Natorp e Vorlander. Uma vez definida a sociedade sem classes como tarefa infinita;
o tempo homogêneo e vazio transformava-se, por assim dizer, em uma antessala, em que se
podia esperar com mais ou menos serenidade a chegada de uma situação revolucionária. Na
realidade, não há um só instante que não carregue consigo a sua chance revolucionária - ela
precisa apenas ser definida como uma chance específica, ou seja, como chance de uma solução
inteiramente nova em face de uma tarefa inteiramente nova. Para o pensador revolucionário, a
chance revolucionária própria de cada instante histórico se confirma a partir da situação política.
Mas ela se lhe confirma não menos pelo poder-chave desse instante sobre um compartimento
inteiramente determinado, até então fechado, do passado. A entrada nesse compartimento
coincide estritamente com a ação política; e é por essa entrada que a ação política, por mais
aniquiladora que seja, pode ser reconhecida como messiânica. (A sociedade sem classes não é
a meta final do progresso na história, mas, sim, sua interrupção, tantas vezes malograda,
finalmente efetuada.) [p. 134]

TESE XVIII

“Os míseros cinquenta mil anos do homo sapiens”: diz um biólogo recente, “representam, em
relação à história da vida orgânica sobre a terra, algo como dois segundos ao fim de um dia de
vinte e quatro horas. Inscrita nessa escala, a história inteira da humanidade civilizada perfaz um
quinto do último segundo da última hora.” O tempo-de-agora que, enquanto modelo do tempo
messiânico, resume a história de toda a humanidade numa prodigiosa abreviação, coincide,
exatamente, com a figura que a história da humanidade ocupa no universo. [p. 138]

APÊNDICE A

O Historicismo contenta-se em estabelecer um nexo causal entre os diversos momentos da


história. Mas nenhum fato, por ser causa, já é, só por isso, um fato histórico. Ele se tornou tal
postumamente, graças a eventos que dele podem estar separados por milhares de anos. O
historiador que parte disso cessa de passar a sequência dos acontecimentos pelos seus dedos
como as contas de um rosário. Ele apreende a constelação em que sua própria época entrou com
uma determinada época anterior. Ele fundamenta, assim, um conceito de presente como tempo-
de-agora, no qual estão incrustados estilhaços do tempo messiânico. [p. 140]

APÊNDICE B

O tempo, ao qual os adivinhos perguntavam o que ele ocultava em seu seio, não era, certamente,
experimentado nem como homogêneo, nem como vazio. Quem mantém isso diante dos olhos
talvez chegue a um conceito de como o tempo passado foi experienciado na rememoração: ou
seja, precisamente assim. Como se sabe, era vedado aos judeus perscrutar o futuro. A Torá e a
oração, em contrapartida, os iniciavam na rememoração. Essa lhes desencantava o futuro, ao
qual sucumbiram os que buscavam informações junto aos adivinhos. Mas nem por isso tornou-
se para os judeus um tempo homogêneo e vazio. Pois nele cada segundo era a porta estreita pela
qual podia entrar o Messias. [p. 142]

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