Dissertacao O Sublime e A Arte em Kant
Dissertacao O Sublime e A Arte em Kant
Dissertacao O Sublime e A Arte em Kant
Dissertação de Mestrado
Rio de Janeiro
Abril de 2009
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Alexandra de Almeida
Alexandra de Almeida
Ficha Catalográfica
Almeida, Alexandra de
CDD: 100
a Gustavo Amarante Bomfim, em memória,
a minha eterna gratidão.
Agradecimentos
À família, sempre.
Aos amigo queridos, todos, do Design, da Filosofia, da vida; todos tão bem-
vindos e necessários.
Palavras-chave
Sublime, arte, comoção, estética, Kant, Lyotard.
Abstract
To what extent would art, in our days, bring us closer to the experience of
emotion as an experience of limits? It is upon this first important question that this
dissertation is built. Proposed herein is a philosophical reflection on Kant’s
sublime as an aesthetic category whose shift from nature’s to art’s sphere would
allow us to consider the possibility of getting access to a spectator seemingly
increasingly dominated by apathy, a characteristic aspect of the mass culture he is
inserted into. An interrogation directed towards art’s production in present times,
in particular in the visual arts, from the perspective of Kant’s sublime.
Keywords
Sublime, art, emotion, aesthetic, Kant, Lyotard.
Sumário
1. Introdução 9
5. Conclusão 86
6. Referências bibliográficas 89
Apêndice 93
Introdução
1
Introdução
1
As referências às citações de Kant da Crítica da faculdade do juízo, serão dadas por meio da
abreviação do título da obra, CFJ, seguida da referência à página da segunda edição, marcada
pela inicial B, da Akademie, conforme reproduzidas na lateral da tradução adotada para este
trabalho: KANT, Immanuel Crítica da Faculdade do Juízo. 2 ed. Tradução de Valerio Rohden
e António Marques. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2005. Neste caso, CFJ, B 115.
As referências às citações de Kant da Crítica da razão pura, serão dadas por meio da
abreviação do título da obra, CRP, seguida da referência à página da primeira ou segunda
edição, marcadas, respectivamente, pelas iniciais A ou B da Akademie, conforme reproduzidas
na lateral da tradução adotada para este trabalho: KANT, Immanuel Crítica da Razão Pura. 5
Introdução 10
ed. Tradução de Manuela Pinto dos Santos e Alexandre Fradique Morujão. Lisboa: Fundação
Calouste Gulbenkian, 2001.
2
MARQUES, António. “A Terceira Crítica como Culminação da Filosofia Transcendental
Kantiana”. O que nos faz pensar, Cadernos do Departamento de Filosofia da PUC-Rio, Rio de
Janeiro, n. 9, out. 1995. p. 23.
3
LYOTARD, Jean-François. O inumano: considerações sobre o tempo. 2 ed. Lisboa: Editorial
Estampa, 1997. p. 97.
Introdução 11
4
CFJ, B 43.
5
Ibidem.
6
Veja imagens no apêndice.
7
ROSENFIELD, Denis L. (Org.). Ética e Estética. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2001. p. 195.
Introdução 12
8
BOMFIM, Gustavo A. Não confunda Angelina Jolie com Lara Croft. Anais do 6º Congresso
Brasileiro de Pesquisa e Desenvolvimento em Design. São Paulo, 2004. p. 5.
Introdução 13
***
9
KONDER, Leandro. A questão da ideologia. São Paulo: Companhia das Letras, 2002. p. 220.
Introdução 14
2
Na tessitura kantiana: noções e contextos que precedem
o sublime
1
DELEUZE, Gilles; GUATTARI, Félix. O que é a filosofia? Rio de Janeiro: Editora 34, 1992. p.
9-10.
2
CRP. A XII.
Na tessitura kantiana: noções e contextos que precedem o sublime 16
3
CRP. A XIV.
4
CRP. A XII.
Na tessitura kantiana: noções e contextos que precedem o sublime 17
work on the critique of taste, and I have discovered a new sort of a priori
principles, different from those heretofore observed.5
[...] que nenhuma passagem é possível do primeiro para o segundo (por isso
mediante o uso teórico da razão), como se se tratasse de outros tantos mundos
diferentes, em que o primeiro não pode ter qualquer influência no segundo,
contudo este último deve ter uma influência sobre aquele, isto é, o conceito de
liberdade deve tornar efetivo no mundo dos sentidos o fim colocado pelas suas leis
e a natureza em conseqüência tem que ser pensada de tal modo que a conformidade
a leis da sua forma concorde pelo menos com a possibilidade dos fins que nela
atuam segundo leis da liberdade.6
Mas por isso tem que existir um fundamento da unidade do supra-sensível, que
esteja na base da natureza, com aquilo que o conceito de liberdade contém de modo
prático e ainda que o conceito desse fundamento não consiga, nem do ponto de
vista teórico, nem do ponto de vista prático, um conhecimento deste e por
conseguinte não possua qualquer domínio específico, mesmo assim torna possível
5
KANT, Immanuel. Critique of the power of judgment. New York: Cambridge University, 2000.
p. xiii-xiv.
6
CFJ. B XIX-XX.
Na tessitura kantiana: noções e contextos que precedem o sublime 18
Uma passagem, diz Kant, e parece ser esta uma boa palavra. O termo, em
suas acepções mais comuns, já nos acena com o que, dele, poderá advir: um ponto
ou veio de ligação, mudança, transição, comunicação, deslocamento.
Gérard Lebrun comenta que, em referência à terceira Crítica, do sensível ao
supra-sensível, não há passagem possível pelo uso teórico da razão, sendo apenas
concebível que se efetue uma “transgressão”8. Ou seja, já que é de todo
impossível um avanço contínuo, de um domínio a outro, numa mesma ordem de
princípios, evita-se, na transgressão, que se execute uma aproximação abrupta ou
um salto cego por sobre domínios tão distintos — do teórico ao prático, do
conhecimento à moral, da natureza à liberdade. Convém acentuar que, aqui, o
sentido do termo “transgressão” faz referência a um “passar além” não como
infração ou violação de limites, mas como um atravessamento, passar de uma
coisa a outra, uma transição de uma maneira de pensar segundo a natureza, para
uma maneira de pensar segundo a liberdade. Para Lebrun, a Crítica da faculdade
do juízo é o percurso dessa transição.
A esse respeito, dentro do sistema kantiano, Lyotard sublinha a ação
unificadora do campo filosófico provida pela terceira Crítica. O autor sabe que,
rigorosamente, isto se cumpre na reflexão sobre a finalidade teleológica, apesar
disso, pondera a favor da estética e justifica que se tal unificação é viável, não é
porque o texto de Kant exibe, fundamentalmente, a idéia reguladora de uma
finalidade objetiva da natureza, mas “[...] porque torna manifesto, a título da
estética, a maneira reflexiva de pensar que está em obra no texto crítico inteiro9.
Em suas Críticas anteriores, Kant já havia, sistemática e minuciosamente,
estabelecido os limites da reflexão racional nos planos teórico e prático-moral. A
Crítica da razão pura trata de investigar os limites da razão pura teórica e a
7
CFJ. B XX.
8
LEBRUN, Gérard. Sobre Kant. 2 ed. São Paulo: Iluminuras, 2001. p. 69.
9
LYOTARD, Jean-François. Lições sobre a analítica do sublime. Campinas, SP: Papirus, 1993.
p. 15.
Na tessitura kantiana: noções e contextos que precedem o sublime 19
10
CFJ. B XX.
11
MARQUES, António. “A Terceira Crítica como Culminação da Filosofia Transcendental
Kantiana”. O que nos faz pensar, Cadernos do Departamento de Filosofia da PUC-Rio, Rio de
Janeiro, n. 9, out. 1995. p. 7.
Na tessitura kantiana: noções e contextos que precedem o sublime 20
Mas visto que à razão também interessa que as idéias (pelas quais ela produz um
interesse imediato no sentimento moral) tenham por sua vez realidade objetiva, isto
é, que a natureza pelo menos mostre um vestígio ou avise-nos que ela contém em si
algum fundamento para admitir uma concordância legal de seus produtos com a
nossa complacência independente de todo interesse [...], assim a razão tem que
tomar um interesse por toda manifestação da natureza acerca de uma semelhante
concordância [...].13
12
Ibidem.
13
CFJ. B 169.
Na tessitura kantiana: noções e contextos que precedem o sublime 21
14
MARQUES, António. Op. cit. p. 9.
Na tessitura kantiana: noções e contextos que precedem o sublime 22
15
KANT, Immanuel. Duas introduções à Crítica do Juízo. São Paulo: Iluminuras, 1995. p. 59.
16
MARQUES, António. Op. cit. p. 9.
17
Em referência à tradução da Crítica da faculdade do juízo por Valerio Rodhen e António
Marques.
18
ROHDEN, Valério. “O sentido do termo ‘Gemüt’ em Kant”. Revista Analytica, v. 1, n. 1, 1993.
p. 61.
19
Valerio Rodhen explica que o prefixo Ge é signo de integração e unificação. “[...] tanto nos
verbos o ge característico do tempo perfeito é um sinal de uma conclusão perfeita da ação,
como que o gênero predominante neutro dos substantivos indica uma função de universalidade,
ainda não diferenciada, e portanto com uma função integradora”, e exemplifica, Gebirge é
cordilheira, Gestirn é constelação, Gewissen é todo saber sobre o bem e o mal. Neste caso,
Ibidem. p. 66.
Na tessitura kantiana: noções e contextos que precedem o sublime 23
20
CFJ, B 129.
21
ROHDEN, Valério. Op. cit. p. 70-71.
Na tessitura kantiana: noções e contextos que precedem o sublime 24
22
MARQUES, António. Op. cit. p. 9.
Na tessitura kantiana: noções e contextos que precedem o sublime 25
Sem ainda decidir nada sobre a possibilidade dessa vinculação, não se pode deixar
de reconhecer já aqui uma certa adequação do Juízo ao sentimento de prazer, para
servir de fundamento-de-determinação a este ou encontrá-lo nele, nesta medida:
que, se na divisão da faculdade-de-conhecimento por conceitos entendimento e
razão referem suas representações a objetos, para obter conceitos deles, o Juízo se
refere exclusivamente ao sujeito e por si só não produz nenhum conceito de
objetos. Do mesmo modo, se na divisão dos poderes da mente em geral, tanto
faculdade-de-conhecimento quanto faculdade-de-desejar contêm uma referência
objetiva das representações, assim, em contrapartida, o sentimento de prazer e
desprazer é somente a receptividade de uma determinação do sujeito, de tal modo
que, se o Juízo deve, em alguma parte, determinar algo por si só, isso não poderia
ser nada outro do que o sentimento de prazer e, inversamente, se este deve ter em
alguma parte um princípio a priori, este só será encontrável no Juízo.23
23
KANT, Immanuel. Op. cit. p. 43.
24
CAYGILL, Howard. Dicionário Kant. Rio de Janeiro: Zahar, 2000. p. 205.
25
CFJ, B XXVI.
Na tessitura kantiana: noções e contextos que precedem o sublime 26
Ora, este princípio não pode ser senão este: como as leis universais têm o seu
fundamento no nosso entendimento, que as prescreve à natureza [...] têm as leis
empíricas particulares, a respeito daquilo que nelas é deixado indeterminado por
aquelas leis, que ser consideradas segundo uma tal unidade, como se igualmente
um entendimento [...] as tivesse dado em favor da nossa faculdade de
conhecimento, para tornar possível um sistema da experiência segundo leis da
natureza particulares. Não como se deste modo tivéssemos que admitir
efetivamente um tal entendimento (pois é somente à faculdade de juízo reflexiva
que esta idéia serve de princípio, mas para refletir, não para determinar); pelo
contrário, desse modo, esta faculdade dá uma lei somente a si mesma e não à
natureza.27
26
CFJ, B XXXII.
27
CFJ, B XXVII.
Na tessitura kantiana: noções e contextos que precedem o sublime 27
28
MARQUES, António. Op. cit. p. 13.
A noção de sublime em Kant
3
A noção de sublime em Kant
1
CFJ, B 115.
A noção de sublime em Kant 30
2
CRP. B XVIII.
A noção de sublime em Kant 31
3
Ao longo da terceira Crítica, são também utilizadas as expressões sublime-matemático e
sublime-dinâmico.
4
CFJ, B 80.
A noção de sublime em Kant 32
matemático lida com toda ordem de objetos que pareçam vultuosos ou ilimitados;
ultrapassam-nos por sua extensão. O sublime-dinâmico lida com o possante, o
titânico; ultrapassa-nos por seu poder. Veja, ainda que, uma vez mais, nos pareça
óbvio, é importante ressaltar que não se trata de dois “tipos” de sublime da
natureza, um dinâmico e outro matemático — cada um referido a domínios de
objetos veramente distintos —, mas de duas disposições (diferentes), às quais se
recorre no momento do juízo de um tal objeto (da natureza) reputado sublime.
Sobre este movimento do ânimo, Kant declara,
5
CFJ, B 80.
6
LYOTARD, Jean-François. Lições sobre a analítica do sublime. Campinas, SP: Papirus, 1993.
p. 94.
A noção de sublime em Kant 33
7
CFJ, B 102.
8
CFJ, B 115.
9
Kant faz uso deste exemplo na divisão referente ao dinâmico-sublime. CFJ, B 104.
10
CRP. B 198.
A noção de sublime em Kant 34
11
CRP. B 201.
A noção de sublime em Kant 35
12
LYOTARD, Jean-François. Op. cit. p. 110.
A noção de sublime em Kant 36
sentidos não é ele próprio fenômeno”13, neste caso, a própria causa. E acrescenta,
causalidade inteligível do ponto de vista de sua ação, e também sensível, quanto
aos efeitos que essa ação produz.
Na seqüência da Analítica, Kant refere-se às categorias de qualidade e
quantidade quando examina o sublime-matemático e, inversamente, às de relação
e modalidade quando discorre sobre o sublime-dinâmico. Kant não explicita as
razões que o levam a este procedimento, mas podemos entendê-lo a partir dos
processos de síntese, matemática e dinâmica, acima mencionados. Segundo
Lyotard, esta divisão pretende levar em conta as concordâncias e diferenças entre
belo e sublime e isto serviria para distribuí-las no quadrângulo categorial14.
Qualidade e quantidade atenderiam ao que Lyotard chama de “lado concordância”
entre o sublime e o belo, relação e modalidade responderiam à diferença.
Independentemente desta divisão, na seqüência da Analítica, e com respeito ao
juízo do sublime, o autor parece privilegiar a categoria da relação.
Sobre o lado concordância, é possível afirmar que belo e sublime aprazem
por si próprios, de modo desinteressado e na simples apresentação. São ambos
juízos de reflexão, quero dizer, nem juízo lógico-determinante, que se prenda a
conceitos, nem juízo dos sentidos, que se prenda a sensações. A esse tipo de juízo,
os reflexivos, vincula-se uma complacência diferente daquela originada em
conceitos (determinados, como na complacência do bom) ou experimentada pelos
sentidos (como na do agradável). Nesta categoria, a complacência se liga à
apresentação imaginativa, isto é, à atuação da faculdade da imaginação, que se
encontra em conformidade, ora com o entendimento, no juízo do belo, ora com a
razão, no juízo do sublime15. Adiante, veremos que a questão da “apresentação” é
um dado importante na consideração do juízo do sublime, inclusive no que diz
respeito às leituras mais contemporâneas sobre o tema.
De igual maneira, belo e sublime são juízos singulares e, contudo, erguem
pretensão a uma universalidade na possibilidade da partilha, com qualquer outro
13
Ibidem. p. 127.
14
Ibidem. p. 59.
15
CFJ, B 74.
A noção de sublime em Kant 37
16
CFJ, B 76.
17
CFJ, B 76.
A noção de sublime em Kant 38
18
LYOTARD, Jean-François. Op. cit. p. 61.
19
CFJ, B 97.
20
CFJ, B 76.
A noção de sublime em Kant 39
21
CFJ, B 75-76.
22
CFJ, B 43.
A noção de sublime em Kant 40
põe como seu fundamento [...]”23. Já por essa definição, presente ainda na
Analítica do Belo, a comoção ou a experiência do sublime sugere uma espécie de
excesso ou espalhamento, de ausência de contenção ou limites: algo (uma força)
que é contido para, imediatamente, potencializar-se e irromper.
Sobre este recuo e precipitação no pensamento, Lyotard comenta,
[...] quando um anjo do Senhor trespassou-lhe o coração com uma candente flecha
de ouro, enchendo-a de dor e, ao mesmo tempo, de incomensurável bem-
aventurança. Vemos Santa Teresa sendo arrebatada para o céu numa nuvem, em
direção a caudais de luz que jorram do alto na forma de raios dourados. Vemos o
anjo que se aproxima docemente dela, e a santa desfalecida em êxtase.26
.
23
CFJ, B 43.
24
LYOTARD, Jean-François. Op. cit. p. 69.
25
Veja imagens no apêndice.
26
GOMBRICH, Ernst. A história da arte. 16 ed. Rio de Janeiro: LTC, 1995. p. 438.
A noção de sublime em Kant 41
27
CFJ, B 61.
A noção de sublime em Kant 42
[...] não denota nada conforme a fins na própria natureza, mas somente o uso
possível de suas intuições, para suscitar em nós próprios o sentimento de
conformidade a fins totalmente independente da natureza. Do belo da natureza
temos que procurar um fundamento fora de nós; do sublime, porém, simplesmente
em nós [...].28
28
CFJ, B 78.
A noção de sublime em Kant 43
[...] à apresentação de uma sublimidade que pode ser encontrada no ânimo; pois o
verdadeiro sublime não pode estar contido em nenhuma forma sensível, mas
concerne somente à idéias de razão, que, embora não possibilitem nenhuma
representação adequada a elas, são avivadas e evocadas ao ânimo precisamente por
essa inadequação, que se deixa apresentar sensivelmente.29
29
CFJ, B 77.
30
CFJ, B 98-99.
31
DELEUZE, Gilles. A filosofia crítica de Kant. Lisboa, Portugal: Edições 70, 2000. p. 57-58.
A noção de sublime em Kant 45
32
Ibidem. p. 58.
33
MARQUES, António. “A Terceira Crítica como Culminação da Filosofia Transcendental
Kantiana”. O que nos faz pensar, Cadernos do Departamento de Filosofia da PUC-Rio, Rio de
Janeiro, n. 9, out. 1995. p. 24.
34
Ibidem. p. 24-25
35
CFJ, B 80.
36
CFJ, B 93.
A noção de sublime em Kant 46
37
LYOTARD, Jean-François. Op. cit. p. 101.
38
CFJ, B 87.
39
CFJ, B 87.
A noção de sublime em Kant 47
40
CFJ, B 87.
A noção de sublime em Kant 48
de sua grandeza”41 é preciso estar, em relação à cena ou objeto, nem muito perto,
nem longe demais. Se longe demais, as partes efetivamente apreendidas são tão
indistintas que a sua representação, segundo Kant, não produz nenhum efeito
sobre o sentimento do sujeito. Se muito perto, o tempo necessário para se
perscrutar o objeto causa a perda das primeiras apreensões, antes que se recolha as
últimas. Aqui, a compreensão jamais é completa.
Todavia, Kant não parece sujeitar a estes casos o juízo estético do sublime.
Mas toma-os como exemplo da ação operativa da imaginação segundo os
movimentos de apreensão e compreensão. E mesmo fazendo uso do termo
“comoção”, não creio que, aqui, se trate da comoção sublime. Nem toda comoção
se “eleva” a esse status. Não podemos esquecer que, pirâmide ou igreja, ambos os
exemplos são, segundo Kant, produtos da arte, isto é, objetos construídos,
edificados pelo homem segundo um fim, uma intenção que orienta e determina a
sua forma final e a sua grandeza. Para Kant, esta categoria de objetos não favorece
o sentimento sublime. E nem mesmo a natureza, como vimos, pura e
simplesmente, em todo o seu domínio de objetos. Conforme veremos, favorece ao
sublime a natureza bruta, conquanto não ofereça, ao sujeito, um perigo efetivo.
Em seu duplo movimento de apreender-compreender uma grandeza natural
que ao sujeito se apresente, a faculdade da imaginação realiza um esforço muito
grande. Trata-se mesmo de uma violência da própria faculdade cometida contra si
mesma (quando não consegue compreender o que apreende), a qual é tanto mais
perceptível quanto maior a grandeza que, espera-se (e é este o esforço da
imaginação), seja compreendida em uma única intuição. Esse máximo esforço já
é, por si, uma referência à impossibilidade de um padrão de medida sensível que
mensure semelhante objeto.
As leis que regem uma tal avaliação não operam no plano do sensível,
senão, em plano oposto (mesmo que complementar), num plano supra-sensível. O
excessivo para a faculdade da imaginação, o abismo no qual ela teme perder-se (e
até o qual é impelida no limite de suas forças) é, para as idéias de razão,
absolutamente, conforme a leis (da razão), um reconhecimento, segundo Kant, de
41
CFJ, B 88.
A noção de sublime em Kant 49
42
CFJ, B 98.
43
LYOTARD, Jean-François. Op. cit. p. 70.
44
Ibidem.
45
Ibidem.
A noção de sublime em Kant 50
46
CFJ, B 102.
47
CFJ, B 103.
A noção de sublime em Kant 51
espécie totalmente diversa [de uma força física], a qual nos encoraja a medir-nos
com a aparente onipotência da natureza.48
48
CFJ, B 104.
49
CFJ, B 105.
50
CFJ, B 111.
51
CFJ, B 110.
A noção de sublime em Kant 52
52
CFJ, B 262.
53
CFJ, B 157.
A noção de sublime em Kant 53
nos uma outra forma de inserção nos domínios do sensível e do inteligível, aqui,
tão mutuamente implicados. Ao franquear-nos um novo acesso à materialidade,
revela-nos, com isso, um outro inteligível.
54
CFJ, B 109.
55
CFJ, B 111.
A noção de sublime em Kant 54
No juízo estético do belo, a cultura exigível é menos vasta, pois parece mais
“simples” pensar a possibilidade de universalização deste juízo. O belo se
estrutura no acordo entre imaginação e entendimento, uma faculdade superior
primária, que opera por meio de conceitos e, por isso mesmo, é menos livre que a
razão. No juízo do sublime, a imaginação está em tensão com a razão, que avessa
a limites, não se acha “constrangida” por conceitos, como no caso do
entendimento. Com isso, a pretensão à validade universal deste juízo, é
56
CFJ, B 391.
57
CFJ, B 111-112.
58
CFJ, B 112.
A noção de sublime em Kant 55
[...] somente sob uma pressuposição subjetiva [...], ou seja, a do sentimento moral
no homem, e com isso também atribuímos necessidade a este juízo estético.
Nesta modalidade dos juízos estéticos, a saber, da necessidade a eles atribuída,
situa-se um momento crucial da crítica da faculdade do juízo. Pois aquela torna
precisamente conhecido neles um princípio a priori e eleva-os da psicologia
empírica, onde do contrário ficariam sepultados sob os sentimentos do deleite e da
dor [...] para colocar esses juízos, e mediante eles a faculdade do juízo, na classe
daqueles que possuem como fundamento princípios a priori e como tais porém
fazê-los passar para a filosofia transcendental.59
59
CFJ, B 112-113.
60
CFJ, B 97.
A noção de sublime em Kant 56
***
61
CFJ, B 61.
A noção de sublime em Kant 57
A conformidade a fins pode, pois, ser sem fim, na medida em que não pomos as
causas desta forma em uma vontade, e contudo, somente podemos tornar
compreensível a nós a explicação de sua possibilidade enquanto a deduzimos de
uma vontade. Ora, não temos sempre a necessidade de descortinar pela razão
(segundo a sua possibilidade) aquilo que observamos. Logo, podemos pelo menos
observar uma conformidade a fins segundo a forma — mesmo que não lhe
ponhamos como fundamento um fim — como matéria do nexus finalis — e notá-la
em objetos, embora de nenhum outro modo senão por reflexão.62
62
CFJ, B 33-34.
A noção de sublime em Kant 58
63
CFJ, B 61.
64
CFJ, B 174.
65
Nesta seqüência, Kant diferencia a arte estética da arte mecânica. Da primeira, diz ser a arte que
tem por intenção imediata o sentimento de prazer; da segunda, diz tratar-se daquela que
simplesmente executa as ações requeridas para tornar efetivo o conhecimento de um objeto.
CFJ, B 177-178.
66
CFJ, B 179.
67
CFJ, B 179.
A noção de sublime em Kant 59
68
CFJ, B 179.
69
CFJ, B 181.
70
CFJ, B 181.
71
CFJ, B 184-185.
72
CFJ, B 184.
A noção de sublime em Kant 60
73
CFJ, B 185.
74
CFJ, B 176.
75
CFJ, B 186.
76
CFJ, B 188.
A noção de sublime em Kant 61
ordenada, uma poesia por mais delicada e elegante que seja, podem ser devedoras
de tal qualidade. Segundo o filósofo, falta-lhes espírito.
No sentido estético, para Kant, espírito é
[...] o princípio vivificante no ânimo. Aquilo, porém, pelo qual este princípio
vivifica a alma, o material que ele utiliza para isso, é o que, conformemente a fins,
põe em movimento as forças do ânimo, isto é, em um jogo tal que se mantém por si
mesmo e ainda fortalece as forças para ele.
Ora, eu afirmo que este princípio não é nada mais que a faculdade de apresentação
de idéias estéticas; por uma idéia estética entendo, porém, aquela representação da
faculdade da imaginação que dá muito a pensar, sem que, contudo qualquer
pensamento determinado, isto é, conceito, possa ser-lhe adequado,
conseqüentemente, nenhuma linguagem alcança inteiramente nem pode tornar
compreensível.77
77
CFJ, B 188.
A noção de sublime em Kant 62
[...] o gênio consiste na feliz disposição, que nenhuma ciência pode ensinar e
nenhum estudo pode executar, de encontrar idéias para um conceito dado e, por
outro lado, de encontrar para elas a expressão pela qual a disposição subjetiva do
ânimo daí resultante, enquanto acompanhamento de um conceito, pode ser
comunicada a outros.80
E conclui:
4
A questão da comoção na arte
1
LYOTARD, Jean-François. “Barnett Newman – O instante”. Gávea, Revista de História da
Arte e Arquitetura, Departamento de História da PUC-Rio, n. 4, jan. 1987. p. 89.
A questão da comoção na arte 64
Philosophical Enquiry into the Original of Our Ideas of the Sublime and the
Beautiful, Kant publica Observações sobre o sentimento do belo e do sublime.
Diferente de Burke, Kant não chega a desenvolver uma extensa análise sobre as
implicações físicas e psicológicas do belo e do sublime no sujeito. O filósofo
ocupa-se do estudo das diferenças entre um e outro sentimento em relação aos
sexos masculino e feminino e entre culturas e nações. A propósito de investigar as
implicações sociais contidas nas ações humanas, Kant lança mão das categorias
estéticas do belo e do sublime para tematizar formas de sociabilidade. Por meio de
um contraste com o belo, Kant oferece uma caracterização parcial do sublime:
ambos aprazem, diz ele, mas enquanto o belo encanta, o sublime comove2.
Como vimos no capítulo anterior, embora ligue, explicitamente, o
sentimento da comoção à sublimidade, são raros os momentos em que, na terceira
Crítica, Kant discorre a seu respeito. Nos §§ 13 e 14 da Analítica do belo, o
filósofo dedica um pouco mais de atenção à reflexão sobre o tema mas, ainda
assim, de modo quase indireto, já que o mote são os juízos de gosto puro e o
anúncio que de “O juízo de gosto puro é independente de atrativo e comoção”3.
Outras referências, já então na Analítica do sublime, se apresentam de modo
esparso.
Sempre me inquieta pensar sobre o tema arte. A primeira questão que,
invariavelmente, me sobrevem é: a que, exatamente, eu estou me referindo?
Sabemos que o termo arte pode designar manifestações bastante diversas em
função do tempo e do espaço em que se inserem. Talvez nos seja possível pensá-la
como um tipo de produção superlativa diante da qual nos admiremos pelo modo
como foi realizada, ou pelo fato dela existir. Adicionalmente, lidamos com o fato
inegável da existência das instituições que legitimam e consagram objetos como
artísticos — museus, galerias, críticos, curadores, historiadores da arte, dentre
outras. Fato inegável, porém, a meu ver, insuficiente como condição final
2
KANT, Immanuel. Observações sobre o sentimento do belo e do sublime. Campinas, SP:
Papirus, 1993. p. 21. Observo que o tradutor desta versão faz uso do termo “estimula” ao
referir-se ao belo — “o belo estimula”. O termo “encanta” é usado por Caygill em seu
dicionário.
3
CFJ. B 38.
A questão da comoção na arte 65
4
Veja imagem no apêndice.
5
STANGOS, Nikos (Org.). Conceitos da arte moderna. Rio de Janeiro: Zahar, 2000. p. 8.
A questão da comoção na arte 67
6
Norbert Lynton informa que nunca houve um movimento ou grupo que se anunciasse, ou a seus
propósitos, como “expressionista”. O termo “Expressionismo” é, meramente, um rótulo que lhe
foi aplicado.
7
STANGOS, Nikos (Org.). Op. cit. p. 8.
8
Ibidem. p. 9.
A questão da comoção na arte 68
9
Veja imagem no apêndice.
10
Veja imagens no apêndice.
11
LYOTARD, Jean-François. Op. cit. p. 89.
A questão da comoção na arte 69
12
LYOTARD, Jean-François. O inumano: considerações sobre o tempo. 2 ed. Lisboa, Portugal:
Editorial Estampa, 1997. p. 99.
13
LYOTARD, Jean-François. O pós-moderno explicado às crianças. 5 ed. Lisboa, Portugal:
Publicações Dom Quixote, 1997. p.22.
14
O texto foi originalmente publicado na revista Merkur em 1984. Para minha referência, o texto
consta de O inumano, coletânea de palestras proferidas pelo filósofo e reunidas em torno do
tema tempo. Neste caso, LYOTARD, Jean-François. O inumano: considerações sobre o tempo.
2 ed. Lisboa, Portugal: Editorial Estampa, 1997. p. 98.
A questão da comoção na arte 70
[...] apresentar algo que não é apresentável, de acordo com a ‘construção legítima’.
Começam a subverter os pretensos ‘dados visuais’, de modo a tornar visível o fato
[...] [de que] o campo visual esconde e exige invisíveis, que não depende apenas do
olhar, mas do espírito.16
15
A reflexão de Lyotard sobre a arte alcança o ano de 1998 quando, então, o filósofo vem a
falecer. De todo modo, o seu pensamento não perde atualidade, nos sendo possível estendê-lo às
produções artísticas dos últimos 10 anos — 1998 à 2008.
16
LYOTARD, Jean-François. O inumano: considerações sobre o tempo. 2 ed. Lisboa, Portugal:
Editorial Estampa, 1997. p. 128.
17
Ibidem. p. 128-129.
18
Ibidem. p. 129.
19
Ibidem.
A questão da comoção na arte 72
20
Lyotard não esclarece porque elege o ano de 1912 como o berço desta corrente. Historicamente,
do ponto de vista de um trabalho que se realize de modo sistemático e intencional, Wassily
Kandinsky apresenta, já em 1910, a sua primeira aquarela “abstrata”, ou seja, não figurativa.
Segundo Gombrich, suas iniciativas teriam inaugurado, efetivamente, o que passou a ser
conhecido como “arte abstrata”.
21
LYOTARD, Jean-François. Op. cit. p. 129.
22
CHIPP, Herschel B. Teorias da arte moderna. São Paulo: Martins Fontes, 1993. p. 559.
A questão da comoção na arte 73
23
LYOTARD, Jean-François. O pós-moderno explicado às crianças. 5 ed. Lisboa, Portugal:
Publicações Dom Quixote, 1997. p. 24.
24
Ibidem.
25
Ibidem.
A questão da comoção na arte 74
É uma preocupação totalmente errônea supor que, se a gente se priva de tudo o que
ela pode recomendar aos sentidos, ela então não comporte senão uma aprovação
fria e sem vida e nenhuma força motriz e comoção. Trata-se exatamente do
contrário; pois lá onde agora os sentidos nada mais vêem diante de si e a
inconfundível e inextinguível idéia da moralidade contudo permanece, seria antes
preciso moderar o elã de uma faculdade da imaginação ilimitada para não o deixar
26
LYOTARD, Jean-François. “Barnett Newman – O instante”. Gávea, Revista de História da
Arte e Arquitetura, Departamento de História da PUC-Rio, n. 4, jan. 1987. p. 89.
27
RANCIÈRE, Jacques. A partilha do sensível: estética e política. Tradução de Mônica Costa
Netto. São Paulo: EXO Experimental org; Editora 34, 2005. p. 12.
A questão da comoção na arte 75
elevar-se até o entusiasmo, como, por medo de debilidade dessas idéias, procurar
ajuda para elas em imagens e em um aparato infantil.28
28
CFJ, B 125.
29
CFJ, B 124.
30
CFJ, B 124.
A questão da comoção na arte 76
Nisto residiria uma abertura para pesquisas em direção à arte não figurativa e à
arte minimalista.
Dissemos que em Kant, o sentimento sublime expõe o conflito operante
entre duas faculdades humanas. Exibe a tensão existente entre uma faculdade que,
livremente, concebe e articula idéias — a razão — e outra, que busca apreender e
sintetizar aquilo que lhe é dado — a imaginação. Um sentimento conflituoso, já
que assinala um aparente descompasso entre modos de operação distintos entre
faculdades; uma quase contradição entre as exigências da razão e os limites
sensíveis da imaginação. Nesta dinâmica, toda a fragilidade da imaginação se
revela, todavia, de modo fundamental. Atada às exigências do tempo e do espaço,
no sublime, a imaginação falha, se desampara, pois, diante de uma certa grandeza,
não consegue apreendê-la em uma única intuição. Essa incapacidade, afirma Kant,
surge-nos como dolorosamente insuficiente. O resgate, a transformação da
dolorosa insuficiência em prazer, se dá, como sabemos, pela razão, faculdade
humana que excede os limites do mensurável e que despreza as exigências de uma
clara apreensão, conseguindo, assim, lidar com o inapreensível, e com tudo o mais
que não admite captura sensível: a totalidade, o informe, o ilimitado. Em termos
kantianos, uma vez mais, o sublime é “[...] um objeto (da natureza), cuja
representação determina o ânimo a imaginar a inacessibilidade da natureza
como apresentação de idéias [grifo do autor]”31.
O desprazer ou a dor no sublime provém da sensação de impotência do
sujeito, da dor de que a imaginação não esteja à altura de apresentar o que lhe é
dado como idéia. O prazer origina-se do poder da razão, que, já se sabe, supera
qualquer exigência de apreensão.
Em nosso contexto, a questão do tempo não faz parte da problemática
kantiana. Para Lyotard, em Kant, o que está em causa é, principalmente, a alusão a
uma apresentação negativa ou, em outros termos, uma não apresentação. Como
vimos, face a uma certa grandeza (seja ela extensa ou potente), ao ser convocada a
apresentar a síntese de um todo, em uma única intuição, a imaginação malogra;
31
CFJ, B 115.
A questão da comoção na arte 77
32
CFJ, B124-125.
33
CFJ, B124-125.
34
LYOTARD, Jean-François. O pós-moderno explicado às crianças. 5 ed. Lisboa, Portugal:
Publicações Dom Quixote, 1997. p.22.
35
Veja imagem no apêndice.
A questão da comoção na arte 78
36
LYOTARD, Jean-François. Op. cit. p. 26.
37
CFJ, B 80.
A questão da comoção na arte 79
[...] verdadeiro sublime não pode estar contido em nenhuma forma sensível, mas
concerne somente à idéias de razão, que, embora não possibilitem nenhuma
representação adequada a elas, são avivadas e evocadas ao ânimo precisamente por
essa inadequação, que se deixa apresentar sensivelmente.40
38
LYOTARD, Jean-François. Op. cit. p. 24.
39
Ibidem. p. 26
40
CFJ, B 77.
41
LYOTARD, Jean-François. Op. cit. p. 24-25.
42
Ibidem. p. 26.
A questão da comoção na arte 80
43
LYOTARD, Jean-François. O inumano: considerações sobre o tempo. 2 ed. Lisboa: Editorial
Estampa, 1997. p. 97.
A questão da comoção na arte 81
44
Ibidem. p. 104.
45
Ibidem.
46
LYOTARD, Jean-François. O pós-moderno explicado às crianças. 5 ed. Tradução de Tereza
Coelho. Lisboa, Portugal: Publicações Dom Quixote, 1997. p. 16-17.
47
Ibidem. p. 21.
48
LYOTARD, Jean-François. Op. cit. p. 106.
49
MARQUES, António. Op. cit. p. 23.
A questão da comoção na arte 82
Nesta medida, o autor lança mão da tese burkiana sobre o sublime para
aproximar ocorrência e obra de arte.
Em dezembro de 1948, o artista plástico Barnett Newman escreve um ensaio
intitulado The Sublime is Now. A esse respeito, Lyotard indaga, “Como entender
que o sublime, digamos provisoriamente o objeto do sublime, exista aqui e agora?
Não será necessário, quando se fala deste sentimento, fazer alusão a algo que não
pode ser mostrado ou, como dizia Kant apresentado?”51
Como dissemos, com a estética do sublime, a aposta das artes durante os
séculos XIX e XX era dar testemunho ao indeterminado52. O indeterminado, o
inexprimível, o inapresentável não residiria num “além” da esfera sensível, num
outro mundo ou tempo, mas nesta irrupção, nisto, que ocorra. A tarefa da arte é
produzir uma ocorrência, melhor, ocorrer, ela própria, apresentar o inapresentável
na própria apresentação (sem o reconhecimento da forma, sem matéria para
consolo). A obra se define como esta irrupção, este now53, o instante que vence o
risco e a ameaça, sempre presentes, de que nada aconteça.
A questão do tempo é central para este enunciado. Não o tempo duração,
sabemos, na esteira do qual se constróem os significados, mas a temporalidade do
instante, do agora, que não sucede a nada e nem deixa sucessores. Acontece.
Marques questiona se, em relação a Kant, esta já não seria uma característica da
experiência estética em geral, onde o conceito de uma conformidade a fins sem
fim já por si seria uma referência a este instante, a um agora “[...] que tem no seu
próprio acontecer o seu telos”54.
Antes de tudo a obra mostra que existe algo — a própria obra — e essa
existência pura e simples é o que deve ser observado. Não se trata de uma questão
de sentido ou de um significado que incida sobre a obra, sobre o que ocorre. Antes
50
LYOTARD, Jean-François. Op. cit. p. 98-99.
51
Ibidem. p. 95.
52
Ibidem. p. 106.
53
Em referência à obra de Barnett Newman. LYOTARD, Jean-François. Op. cit. p. 96.
A questão da comoção na arte 83
de se perguntar o que isso significa, é necessário, por assim dizer, que ocorra. Que
ocorra é a questão enquanto acontecimento, ela antecede sempre a questão sobre o
que ocorre. O acontecimento ocorre como uma interrogação: Ocorrerá, existirá,
será possível? — Há sempre o risco da obra não ocorrer.
Nesta interrogação subjaz uma outra questão, a pergunta pela possibilidade
da existência da própria obra, aquela obra, em particular. Ocorrerá? O que precede
a pergunta sobre aquilo que vemos — em traços, em cores, nos materiais — é,
antes, a experiência de algo que está, ao invés do nada.
A compreensão contemporânea da arte, a partir de uma estética do sublime,
inclui elementos mutuamente implicados e que são, a ela, decisivos.
O sublime propõe um modo de relação com a materialidade diferente
daquele experimentado no belo, onde existem elos de familiaridade em relação ao
objeto. No sublime impera a estranheza que, no objeto de arte contemporâneo
(bem como já ocorria no moderno), se expressa plasticamente e interdita o acesso
à forma como objeto reconhecível. A noção kantiana de apresentação negativa,
ou, em outros termos, o inapresentável, está no cerne desta questão. O resultado
desta dinâmica no plano das artes se explica no invento de novas linguagens, no
inusitado dos materiais, na pesquisa por novas técnicas, em suma, no permanente
recurso ao experimento. A arte (moderna e) contemporânea teria especial
inclinação à experimentação.
O prazer, se existir, será sempre o resultado da superação desta interdição à
forma — à dor da interdição — e a possibilidade de um juízo que não se confine a
avaliações conceituais ou intelectuais. Nesta medida, comoção e arte estão
vivamente próximas, porém, não existem garantias para este enlace. A meu ver,
considerando o deslocamento lyotardiano que, referido ao sublime, faz prevalecer
o objeto em relação ao sujeito, o martírio da forma não seria condição suficiente à
experiência sublime, ou seja, à experiência da comoção.
O elemento ameaçador contido no sublime, este incontrolável que irrompe,
é parte evidente numa estética (contemporânea) que não se faz por nenhuma regra
a priori. Ao contrário, o objeto de arte contemporâneo dá, a si próprio, as regras.
54
MARQUES, António. Op. cit. p. 24.
A questão da comoção na arte 84
55
LYOTARD, Jean-François. Op. cit. p. 98.
A questão da comoção na arte 85
5
Conclusão
1
CFJ, B 76.
Conclusão 87
2
CFJ, B 109.
3
ROSENFIELD, Denis L. (Org.). Ética e Estética. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2001. p. 195.
Conclusão 88
6
Referências bibliográficas
Apêndice
Barnett Newman
Vir Heroicus Sublimis
1951
James Turrell
Afrum I
1967
Mark Rothko
Sem título (Preto e Cinza)
1969
Página 11.
Yves Klein
Sem título. Azul monocromático
1959
Página 11.
Apêndice 95
Página 40.
Página 40.
Apêndice 96
Edvard Munch
O grito
1895
Litogravura.
35,5 x 25,4 cm.
Página 66.
Marcel Duchamp
Fonte
1917
Página 68.
Apêndice 97
Jean-Auguiste-Dominique ingres
A banhista de Valpinçon
1808
Pablo Picasso
Les demoiselles d’Avignon
1907
Kasimir Malevich
Composição suprematista: Branco sobre branco
1918
Página 77.
Livros Grátis
( http://www.livrosgratis.com.br )