Mr79 Ana Lila Lejarraga
Mr79 Ana Lila Lejarraga
Mr79 Ana Lila Lejarraga
sujeito apaixonado, o que acarreta que pouco se teorize sobre a experiência amorosa
saudável, enriquecedora do sentimento do si-mesmo. No mesmo sentido, a questão da
capacidade de amar é pouco explorada teoricamente desde a metapsicologia freudiana, já
que essa capacidade pressupõe uma conquista, índice de saúde psíquica, mas alheia à
dinâmica da paixão amorosa descrita acima.
Entendemos que o pensamento de Winnicott, com sua original visão da ilusão e da
transicionalidade, constitui uma inovadora perspectiva para abordar a dimensão do amor
como ilusório e transicional e, por isso mesmo, saudável, enriquecedor e criativo.
A concepção de Winnicott do impulso criativo remete à noção da criatividade
primária, experiência pela qual o bebê tem a ilusão de que existe uma realidade externa
correspondente a sua própria capacidade de criar. Essa ilusão é propiciada pela mãe
quando, no estágio da dependência absoluta, oferece o seio real ao bebê no momento em
que ele o alucina, ocorrendo sobreposição entre o que é “objetivamente percebido” e o que
é “subjetivamente concebido” (Winnicott, 1953/1975, p. 26). Estabelece-se, assim, um
momento de ilusão no bebê, já que a realidade coincide com sua fantasia, enriquecendo-a.
A experiência da ilusão e da onipotência é proporcionada pelos cuidados de uma mãe
devotada, permitindo ao bebê afirmar seu impulso interno criativo e acreditar na realidade
externa, condições para a posterior renúncia gradual a essa onipotência infantil.
A partir dessa experiência inicial desenvolvem-se os objetos e fenômenos
transicionais, marcados pelo paradoxo, que se continuam no brincar, na arte e na cultura.
Esses objetos e fenômenos transicionais inauguram as experiências da área intermediária,
do “entre”, mistura do impulso criativo interno e do “achado” externo. A terceira área ou
espaço potencial é uma área de experimentação, em que o indivíduo pode descansar da
árdua tarefa de manter as realidades interna e externa separadas, vivendo o paradoxo de não
estar totalmente no mundo subjetivo nem no objetivo, mas “entre” ambos. Winnicott
considera que o espaço potencial é a área em que podemos repousar e desfrutar, já que é o
espaço em que nos permitimos ser espontâneos, experienciando o viver criativo. A
confiança é a base para poder experienciar a área intermediária; o brincar criativo, o uso de
símbolos, os vínculos amorosos e toda a vida cultural. A experiência da transicionalidade se
prolonga ao longo da vida, como um espaço de não integração, de “recreio”, imprescindível
para a expressão do gesto espontâneo e da criatividade.
3
BIBLIOGRAFIA
FREUD, S. (1914). Introducción del narcisismo, vol. VII. Obras Completas. Buenos Aires:
Amorrortu, 1988.
________. (1921). Psicología de las masas y análisis del yo, vol. XVIII, Obras Completas.
Buenos Aires: Amorrortu, 1988.
WINNICOTT, D. W. (1953). Objetos transicionais e fenômenos transicionais. In:
________. O brincar e a realidade. Rio de Janeiro: Imago, 1975.
________. (1956). A preocupação materna primária. In: ________. Da pediatria à
psicanálise. Obras escolhidas. Rio de Janeiro: Imago, 2000.
________. (1963). O desenvolvimento da capacidade de se preocupar. In: ________. O
ambiente e os processos de maturação. Porto Alegre: Artes Médicas, 1990.
________. (1970). Vivendo de modo criativo. In: ________. Tudo começa em casa. São
Paulo: Martins Fontes, 1999.
________. (1975). O brincar e a realidade. Rio de Janeiro: Imago.
________. (1990). O ambiente e os processos de maturação. Porto Alegre: Artes Médicas.
________. (1999). Tudo começa em casa. São Paulo: Martins Fontes.
________. (2000). Da pediatria à psicanálise. Obras escolhidas. Rio de Janeiro: Imago.