Envelhecer Oriental e Ocidental

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ENVELHECIMENTO: VISO DE FILSOFOS DA ANTIGIDADE ORIENTAL E OCIDENTAL1

ENVEJECIMIENTO: VISIN DE FILSOFOS DE LA ANTIGEDAD ORIENTAL Y OCCIDENTAL

AGING: PHILOSOPHERS VISION OF ORIENTAL AND OCCIDENTAL ANTIQUITY

SILVANA SIDNEY COSTA SANTOS 2

Este trabalho bibliogrfico objetivou abordar o envelhecimento, partindo de reflexes filosficas da histria universal. Na
civilizao Oriental, Lao-Ts correlacionou a velhice santidade e Confcio defendeu a piedade filial. Na civilizao Ociden-
tal, Scrates afirmou que a velhice no apresentava peso aos prudentes; Plato direcionou a velhice paz e a libertao e
Aristteles afirmou serem os idosos no confiveis. Ccero aconselhou encontrar o prazer na velhice e Sneca defendeu a
velhice enquanto processo natural. Estas reflexes filosficas apontam para a elaborao necessria, difcil, pertinente e
individual do prprio processo de envelhecimento dos profissionais que trabalham com os idosos.

PALAVRAS-CHAVES: Envelhecimento, viso, filosofia, Oriente, Ocidente.

Este trabajo bibliogrfico objetiv abordar el envejecimiento, partiendo de reflexiones filosficas de la historia universal. En
la civilizacin Oriental, Lao-Ts correlacionaba la vejez con la santidad e Confucio defenda la piedad filial. En la civilizacin
Occidental, Scrates afirmaba que no representaba la vejez peso para los prudentes; Platn, direcion la vejez para la paz y
liberacin y Aristteles afirmaba que los ancianos no son confiables. Cicern aconsejaba encontrar el placer en la vejez e
Sneca defenda la vejez mientras proceso natural. Estas reflexiones filosficas apuntan a la elaboracin necesaria, difcil,
pertinente y individual del propio proceso de envejecimiento de los profesionales que trabajan con los ancianos.

PALABRAS CLAVES: Envejecimiento, visin, philosophy, Oriente, Occidente.

This bibliographical work objectived to approach the aging, leaving of the universal history philosophical reflections. In the
Oriental civilization, Lao-Ts correlated the age with the sanctity and Confcio defended the filial pity. In the Occidental
civilization, Socrates affirmed that the age didnt to present any weight for the careful; Plato directioned the age to the peace
and liberation and Aristotle affirmed that the elderly are not reliable. Cicero advised to find the pleasure in the age and Seneca
defended the age as while the natural process. These philosophical reflections point for the necessary, difficult, pertinent and
individual elaboration of the own aging of what work with the elderly.

KEY WORDS: aging, vision, philosophers, Orient, Occident.

1Trabalho final da disciplina Filosofia da Cincia e da Sade. Doutorado em Enfermagem /UFSC/1999.


2 Professora da Faculdade de Enfermagem N. S. das Graas/FENSG. Universidade de Pernambuco/ UPE. Especialista em Gerontologia Social/
SBGG. Mestre em Enfermagem/UFPB. Aluna do Doutorado em Enfermagem /UFSC.
Rua Durval Melquades de Sousa, 690/203. Centro. Florianpolis SC. CEP: 88015-070.
Fone (0xx48) 2230483. E-mail: [email protected]

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INTRODUO Outro destaque da civilizao oriental foi o filsofo
Confcio (551-479 a.C.), profundo conhecedor da alma
A preocupao com a velhice e com um possvel re- humana, que externou conceitos de moral e de sabedoria.
juvenescimento existe desde tempo muito remoto, e a for- A filosofia de Confcio, que no deve ser considerada reli-
ma de perceber o envelhecimento no foi nica para todos gio, visa a uma organizao nacionalista da sociedade,
os povos. A partir da viso de alguns expoentes da histria baseando-se no princpio da simpatia universal, que deve
universal, pode-se fazer uma breve retrospectiva filosfica ser alcanada por meio da educao, e estender-se do ser
sobre o processo de envelhecimento, considerando a po- humano famlia e da famlia ao Estado, considerando este
ca em que cada um viveu e as influncias que cada qual ltimo a grande famlia.
recebeu de sua prpria civilizao O Confucionismo tem como base a famlia, em cujos
Ao realizar esta reviso, no pretendo esgotar a domnios todos devem obedincia ao ser humano masculi-
temtica, mas apenas torn-la pertinente para subsidiar re- no mais velho. A autoridade do patriarca mantm-se eleva-
flexes acerca do nosso prprio envelhecimento, permitin- da com a idade e at mesmo a mulher, to subordinada, na
do-nos entender o ser humano idoso e cuidar dele com mais velhice, passa a ter poderes mais elevados do que os jovens
competncia o que configura, pois, o objetivo deste estudo. masculinos, exercendo influncia preponderante na edu-
cao dos netos. Confcio acreditava que a autoridade da
velhice justificada pela aquisio da sabedoria, pregando
ENVELHECIMENTO NA CIVILIZAO ORIENTAL que aos 60 anos o ser humano compreende, sem necessi-
dade de refletir, tudo o que ouve; ao completar 70 anos,
Na civilizao oriental, merece destaque a condio pode seguir os desejos do seu corao sem transgredir re-
privilegiada do idoso verificada na China, desde a Antigi- gra nenhuma, e que a sua maior ambio era que os idosos
dade at os dias atuais. Dois personagens foram fundamen- pudessem viver em paz e, principalmente, que os mais jo-
tais para que essa percepo surgisse e perdurasse at os vens amassem esses seres.
nossos dias: Lao-Ts e Confcio. Inicialmente, descrevo o Para Confcio (1999), no h nada no mundo to
filsofo e historiador Lao-Ts ou Lao-Tzy (604-531a. C.), grande como o ser humano; e, no ser humano, nada maior
nome cuja traduo mais apropriada ancio, fundador que a piedade filial. Segundo sua doutrina, os deveres dos
do Taosmo, sistema filosfico que considera Tao o todo e filhos para com os pais compreendem: procurar torn-los
nico. Pouco se sabe acerca da sua histria de vida, porm seres humanos felizes, de todas as maneiras e em todos os
sua historicidade est presente atravs do seu livro Da Ra- momentos; sempre cuidar deles com carinho e ateno;
zo Suprema e da Virtude, o Tao-te King (Lao-tzy,1999). demonstrar saudade e d deles, por ocasio de sua morte;
Lao-Tzy indicou, atravs de sua obra, o ponto de e, aps a sua morte, oferecer-lhes sacrifcios com muita
partida para o conhecimento intuitivo e suas opinies so- formalidade.
bre o sentido da vida. Para ele, a vida nada mais do que O amor dos filhos aos pais envelhecidos, a assegu-
o ser humano que atua espontaneamente como centro rar-lhes maior proteo e segurana na ltima idade do
do mundo (Lao-tzy,1999, p.23). Esse filsofo percebeu a seu processo de viver, compreende uma das mais sublimes
velhice como um momento supremo, de alcance espiritual aes do ser humano para consigo mesmo e para com a
mximo, comentando que aos 60 anos de idade o ser hu- sua espcie, ou seja, para com a sua gerao e para as
mano atinge o momento de libertar-se de seu corpo atravs geraes futuras, sustentando a perpetuao do amor in-
do xtase de se tornar um santo. tenso e especial entre pais e filhos.
Embora se reconhea a velhice apenas no outro ser
humano e no em quem a est vivenciando, o dono do cor-
po que envelhece, integrado na dimenso temporal da exis- ENVELHECIMENTO NA CIVILIZAO OCIDENTAL
tncia, reconhece-se a cada momento de forma renovada e
galgando novos limites, muitas vezes priorizando a dimen- No Ocidente, no ano 2.500 a.C., quando a beleza e o
so espiritual. vigor fsicos eram cantados e exaltados, o primeiro texto

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referindo-se velhice foi elaborado no Egito, por Ptah-Hotep rivalidade entre si. Somente a lngua e a adorao dos mes-
filsofo e poeta que afirmou sobre a velhice: mos deuses conscientizavam esses gregos de que realmen-
te constituam um mesmo povo, que nos legou filsofos
Quo penoso o fim do ancio! Vai dia a dia enfra- famosos como Scrates, Plato e Aristteles (Piettre,1985)
quecendo: a viso baixa, seus ouvidos se tornam sur- Na Grcia, o advento da filosofia, marca o declnio
dos, o nariz se obstrui e nada mais pode cheirar, a do pensamento mtico e o comeo de um saber racional,
boca se torna silenciosa e j no fala. Suas faculdades acarretando uma transformao geral das perspectivas
intelectuais se reduzem e torna-se impossvel recor- cosmolgicas e consagrando o surgimento de uma forma
dar o que foi ontem. Doem-lhe todos os ossos. A ocu- de pensamento e de sistema de explicao sem analogia no
pao a que outrora se entregara com prazer, s a mito (Vernant,1992). Os gregos foram amantes do corpo
realiza agora com dificuldade e desaparece o sentido jovem e saudvel, preocupados em cultu-lo e preserv-lo,
do gosto. A velhice a pior desgraa que pode aconte- sendo a velhice, de modo geral, tratada com desdm, mui-
cer a um homem (Beauvoir, 1990, p.114). to desconsiderada e at motivo de pavor, principalmente
pela perda dos prazeres proporcionados pelos sentidos.
Ptah-Hotep mostra a face cruel do processo de en- Beauvoir (1990, p.123) descreveu algumas percep-
velhecimento, comentando a velhice de modo pouco favo- es de personagens importantes da Grcia antiga, entre
rvel, desolado e at depressivo. Ao meu ver, essa a viso eles Minermo, sacerdote em Colofos, 630 a.C., o qual can-
mais presente acerca dessa fase do processo de viver hu- tava os prazeres da juventude e do amor e detestava a velhi-
mano, pontilhado por preconceitos, por discriminao e ce. Dizia ele: Que vida? Qual o prazer sem Afrodite de
pelo isolamento, embora esses traos negativos venham ouro? J para Anacreonte, que cantou o amor e os praze-
sendo trabalhados e aos poucos venham sendo transfor- res do corpo: envelhecer perder tudo que constitui a
mados em uma funo mais positiva. No obstante, a per- doura da vida. Titon afirmava: Prefiro morrer a enve-
sistirem sem soluo problemas de sade materna e infantil, lhecer. Entretanto, havia aqueles que tinham outras opini-
de adultos jovens e principalmente do trabalhador, o au- es sobre a velhice, como Homero, que associava a velhice
mento acelerado e brusco da populao idosa em um pas sabedoria; mas em outro momento ope-se velhice, ao
em desenvolvimento como o Brasil, assume a condio de dizer que os deuses odeiam a velhice. J para Slon, os
srio problema de sade pblica. prazeres contavam menos que o ganho em sabedoria: Ao
Por outro lado, penso que, com o avano tecnolgico avanar em anos, nunca deixo de aprender.
e com a transio demogrfica3, decorrente da reduo da Fica claro que mais seres humanos insatisfeitos do
mortalidade geral e infantil, da diminuio das taxas de que os seus contrrios aceitam a velhice e procuram adap-
fecundidade e do prprio aumento da expectativa de vida, o tar-se aos limites impostos pelo processo de vida. No
simples crescimento do nmero de idosos no suficiente diferente da atualidade, quando so poucos os idosos que
para eles conquistarem espaos que lhes permitam uma ve- se sentem felizes pelos anos vividos e procuram aproveit-
lhice mais tranqila, mais saudvel e, principalmente, mais los da melhor maneira possvel, engajando-se nos progra-
adaptvel s limitaes que possam surgir nessa fase de vida. mas oferecidos pela universidade aberta terceira idade,
A civilizao da Grcia antiga, floresceu no Mediter- nas aulas de ginsticas a eles direcionadas, aos clubes ou
rneo nos anos 4.000 a 1.000 a.C. num pas montanhoso, associaes voltados ao lazer e ao entretenimento e que
rido, com uma orla bastante acidentada e com numerosas despertam o interesse no aprendizado de novas situaes,
ilhas, que lhe favoreceu o comrcio e as atividades marti- como tocar um instrumento, usar o computador e outras.
mas em geral. As cidades, dentre as quais se destacaram necessrio estimular nos seres humanos idosos a vonta-
Atenas e Esparta, possuam hbitos e costumes prprios e de de viver intensamente e com melhor qualidade possvel
vida econmica independente cultivando por sua vez certa a sua fase de vida.

3 Mudana na pirmide populacional a partir de alteraes de faixas etrias na populao geral, verificada principalmente quando o pas passa
a envelhecer.

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Mas nos dilogos de Scrates, citado por Plato conversa, quando Scrates perguntou a Cfalo, como
(1985), que se encontra o verdadeiro interesse pelos pro- ele, j velho, sentia-se ao atingir a fase que os poetas
blemas do idoso. Scrates (469 399 a.C.) foi, talvez, o chamavam de o limiar da velhice. Cfalo respondeu
mais enigmtico de toda a histria da filosofia. Era um ser que muito bem, pois a triste cantilena, evocada por
humano considerado feio, destitudo daqueles atributos ti- muitos, responsabilizando a velhice por todos os ma-
dos como belos pelos gregos de ento, mas interiormente les, para ele era decorrente da prpria vida e no da
era especialmente maravilhoso. Embora nunca tenha es- idade avanada.
crito nada seus pensamentos chegaram at ns por inter-
mdio de Plato, seu discpulo e seguidor. Esta passagem, mostra que as queixas no devem
Um fato crucial na vida de Scrates foi que ele, ao ser atribudas velhice e sim ao carter do ser humano,
contrrio dos outros filsofos, no queria ensinar aos ou- pois aquele que naturalmente tranqilo e bem humorado,
tros, mas dialogar, discutir com eles, ati-los. Na sua opi- no sentir o peso dos anos, e aquele que no apresenta
nio, tal como a sua me parteira, ele deveria ajudar os seres estas caractersticas, no s a velhice, mas a prpria juven-
humanos a parir suas prprias opinies, considerando que tude lhe um fardo bastante pesado. Portanto, um proces-
o conhecimento tem de vir de dentro e no pode ser obtido so de envelhecimento tranqilo e saudvel depende de uma
espremendo-se os outros, pois s o conhecimento que vem juventude tranqila e saudvel.
de dentro capaz de revelar o verdadeiro discernimento. Ao A morte de Scrates, condenado a beber cicuta, mar-
escrever a Repblica, Plato (1985), mostra-nos passagens cou a vida de Plato (427-347 a.C.) e direcionou sua ativida-
onde Scrates faz referncias ao envelhecimento, como a idia de filosfica, levando-o a escrever, reproduzindo os dilogos
de que para os seres humanos prudentes e bem preparados, e os momentos vividos com o mestre. Plato afirmava que a
a velhice no constitui peso algum. velhice faz surgir nos seres humanos um imenso sentimento
Quanto mais cedo o ser humano comear a prepa- de paz e de libertao. J aos 80 anos, quando escreveu Leis,
rar-se para o processo de envelhecimento, procurando vi- enfatizou as obrigaes dos filhos para com os pais idosos,
ver de forma saudvel, longe de uso e abuso de drogas, salientando que nada mais digno que um pai e um av, que
desenvolvendo atividades fsicas regulares, alimentando-se uma me e uma av todos idosos. Essa preocupao de Plato
adequadamente, ingerindo grande quantidade de gua, re- com as obrigaes dos filhos para com os pais idosos lem-
alizando suas atividades laborais satisfatoriamente, conquis- bra a piedade filial descrita por Confcio.
tando o apreo e a amizade dos outros, usufruindo o lazer Descendente de famlia rica, Aristteles (384-322
e o entretenimento e tendo sempre em vista a criao de a.C.) teve oportunidade de estudar, tornando-se professor
projetos futuros que sejam voltados coletividade, mais muito cedo. Foi discpulo de Plato, mas no ocupou o seu
sua vida ter um sentido concreto, transformando sua ve- lugar na academia aps a sua morte. tido como um dos
lhice na continuidade natural da sua vida. filsofos mais inacessveis, ou pelo menos o mais difcil de
Torna-se oportuno transcrever aqui dilogo travado abarcar com um s olhar (Crescenzo,1988), talvez pelo
entre Scrates e Cfalo, sobre a velhice, descrito por fato de ele no ter sido somente um filsofo, mas um cien-
Beauvoir (1990, p. 135): tista que cultuava a lgica (para ele relao de causa e efei-
to), foi um grande sistematizador, fundou vrias cincias,
Cfalo convidou Scrates para visit-lo, desculpando- acreditava na filosofia enquanto atividade oratria, defen-
se por no ir procur-lo, pelo fato de estar velho e ser dia que o grau mximo da realidade est em perceber e
difcil sair de casa. Queria conversar com o amigo, sentir utilizando os sentidos.
pois para Cfalo, quanto mais amortecidos ficam os Em relao ao envelhecimento, Aristteles achava
prazeres do corpo, mais crescem o deleite e o prazer que uma boa velhice era aquela em que o ser humano no
da conversao. Scrates aceitou o convite, respon- apresentasse enfermidades. Cabe aqui relembrar que o en-
dendo que lhe agrada muito conversar com pessoas velhecimento processo contnuo durante toda a vida e
de mais idade, que j tinham percorrido um caminho que provoca no organismo modificaes biolgicas, psico-
que ele teria que percorrer. Assim, deu-se o incio da lgicas e sociais. As modificaes biolgicas so as

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morfolgicas, reveladas por aparecimento de rugas, cabe- vertigens, o acidente vascular cerebral, a perda ponderal, a
los brancos e outras; as fisiolgicas, relacionadas s altera- catarata e a hipoacusia (Leme,1997).
es das funes orgnicas; as bioqumicas, que esto A partir de suas observaes, Hipcrates determi-
diretamente ligadas s transformaes das reaes qumi- nou normas assistenciais, sobretudo na higiene corporal;
cas que se processam no organismo. As modificaes psi- recomendou atividade fsica e mental, assinalando precei-
colgicas ocorrem quando, ao envelhecer o ser humano tos dietticos, baseados em geral na sobriedade; completa-
precisa adaptar-se a cada situao nova do seu cotidiano. va dizendo que os velhos suportam melhor a abstinncia,
J as modificaes sociais so verificadas quando as rela- o pouco sustento lhes basta (Leme,1997, p.17). Quando
es sociais tornam-se alteradas em funo da diminuio acompanhava clinicamente os idosos, ele sugeria modera-
da produtividade e, principalmente, do poder fsico e eco- es em todas as atividades, mas manter as ocupaes ha-
nmico, sendo a alterao social mais evidente em pases bituais. Percebo que, os conselhos de Hipcrates
de economia capitalista. permanecem atuais e bem adequados aos seres humanos
Portanto, de forma natural, doenas e outros des- idosos, para que estes vivam um envelhecimento tranqilo
confortos fsicos, psquicos ou sociais podero acometer e saudvel, fazendo parte das orientaes corriqueiras dos
os seres humanos que envelhecem, em conseqncia das gerontlogos e dos geriatras.
modificaes descritas, porm tais idosos aprendem a se No primeiro sculo antes da Era Crist, Marco Tlio
cuidar, aprendem a viver com tais doenas e desconfortos, Ccero (103-43 a.C.), o grande filsofo romano, poltico,
no permitindo que a velhice adquira vulto de tormento. jurista e orador, demonstrou-se uma figura exponencial nos
A percepo de Aristteles acerca da velhice era bem estudos sobre a velhice. Aos 63 anos de idade, senador da
diferente da de Plato. Na verdade, sua viso de ser idoso repblica, escreveu o livro De Senectute ou Cato, o ve-
era deprimente: ele os considerava reticentes, hesitantes, lho. Nele resumiu sua viso de envelhecimento como pro-
lentos, de mau carter; dizia ainda que os idosos s imagi- cesso fisiolgico, relatando os problemas do idoso como
nam o mal, so cheios de desconfiana e que essas carac- reduo da memria e da capacidade funcional, alteraes
tersticas so conseqncias da experincia de vida que os dos rgos dos sentidos, reduo da capacidade de traba-
humilhou, sendo carentes de generosidade, vivendo mais lho. Salientou que, com o envelhecimento, os prazeres cor-
de recordaes do que de esperanas e desprezando a opi- porais vo sendo substitudos pelos intelectuais, enfatizando
nio alheia. Na tica, onde se concentram seus escritos mais a necessidade de prestigiar os idosos e de fazer-lhes um
famosos, Aristteles ensina que o ser humano progride so- preparo psicolgico para a morte. Pude entender que Ccero
mente at os 50 anos. Essa concepo distorcida de velhice retomou, em seus escritos, algumas passagens descritas na
fazia-o ver os idosos como pessoas diminudas, indignas Repblica, de Plato.
de confiana e por isso precisavam ser afastadas do poder, Ccero foi um otimista diante do fator fisiolgico da
no devendo exercer cargos de importncia poltica velhice. Aconselhava o cuidado corporal e mental, a escolha
(Crescenzo, 1988). de prazeres adequados, de atividades que trouxessem be-
Para Hipcrates (460-370 a.C.), que no foi filso- nefcios individuais e coletivos, desde que estivessem ao al-
fo, mas mdico famoso da antigidade grega, a velhice co- cance das foras dos idosos. Para esse filsofo, a arte de
mea depois dos 50 anos e apresenta-se como desequilbrio envelhecer est em descobrir o prazer que todas as idades
dos humores. Destacou no idoso caractersticas distintas proporcionam, pois todas tm as suas virtudes. Convm sali-
das expresses clnicas verificadas nos jovens, apontando entar que essa aprendizagem da arte de envelhecer no deve
que a temperatura do idoso no costuma ser alta, os pro- ser ligada ao individual, pois a superao dos obstculos a
cessos de enfermidade tendem cronicidade, os hbitos uma velhice feliz vai buscar no social suas razes de ser.
intestinais modificam-se, o prognstico das doenas dife- Em De Senectute, Ccero (1999) descreve a conver-
rente e difcil. Algumas observaes importantes quanto sa entre o velho Cato e os jovens Cipio e Gaio Llio. Esses
sade dos idosos foram inicialmente verificadas por rapazes interpelam Cato sobre os agravos e as vantagens
Hipcrates, destacando-se: os distrbios respiratrios, a da velhice. Cato, senador e ser humano muito respeitado
disria, as doenas renais de modo geral, as artralgias, as por seus pares, com mais de 80 anos, fala do envelheci-

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mento de forma clara, concreta, procurando criticar os pre- sade, geralmente ligados s universidades, comeam a aten-
conceitos que pairam sobre os idosos, lembrando que, sem- der idosos doentes. J nos anos 80, esses servios proliferam
pre quando os Estados se viram arruinados pelos jovens, e inauguram a sistematizao do atendimento ao idoso, ofe-
foram os idosos que os restauraram. Na verdade, fica claro recendo tambm atividades voltadas promoo da sade.
que o maior interesse de Ccero em De Senectute defen- O fato de a Geriatria ter surgido antes da Gerontologia
der a velhice para provar que a autoridade do Senado, h tendeu a rotular de doena os problemas vivenciados pelos
muito abalada, deve ser reforada. idosos, atribuindo-lhes causas biolgicas e/ou psicolgicas
Para Ccero (1999) no se deve atribuir velhice individuais, subestimando as dimenses social e poltica
todas as lamentaes da vida; quem muito se lamenta, se- da questo da velhice homogeneizado-a por determinados
gundo ele, faz isto em todas as idades do processo de viver, esteretipos. Ao meu ver, essa questo vem, aos poucos,
pois os seres humanos inteligentes sempre tentam afastar o sendo transformada, direcionando os profissionais que
temperamento triste e a rabugice em qualquer idade. Acres- cuidam dos idosos a ter sobre eles uma viso mais integrada.
centou que so quatro as razes de detestar a velhice: afas- Agora existem pesquisas que apontam para o enve-
ta o ser humano da vida ativa; enfraquece o corpo; priva-nos lhecimento como processo fluido, cambivel e que pode
dos melhores prazeres e aproxima-nos da morte. E analisa ser acelerado, reduzido, parar por algum tempo e at mes-
cada uma dessas razes, citando exemplos de figuras e si- mo reverter-se. Esses estudos, realizados nas trs ltimas
tuaes conhecidas da poca. Tambm de Ccero a cle- dcadas, tm comprovado que o envelhecer muito mais
bre comparao de seres humanos com alguns vinhos, que dependente do prprio ser humano do que se imaginava
envelhecem sem azedar. em pocas passadas. Um dos defensores desta teoria
Eu completo lembrando que as alteraes biolgi- Deepak Chopra (1999, p.19), segundo o qual (...) Embo-
cas, psicolgicas, sociais e outras que configuram o enve- ra os sentidos lhe digam que voc habita um corpo sli-
lhecimento podem ensejar novas situaes vivenciadas pelo do no tempo e no espao, esta to- somente a camada
ser humano e que a presena desse novo muitas vezes pode mais superficial da realidade. Esta inteligncia
representar o inusitado e a expanso de capacidades ino- dedicada a observar a mudana constante que tem lu-
vadoras e prazerosas para o idoso. gar dentro de voc. (...). Envelhecer uma mscara para
Sneca (20 a.C.-65 d. C.), outro grande romano, a perda desta inteligncia. Esses estudos so pautados na
defendeu a velhice em suas cartas a Luclio, afirmando que fsica quntica, segundo a qual no h fim para a dana
a velhice boa, como tudo que natural e que no revela csmica. Penso que essa realidade trazida pela fsica
nenhuma decadncia, retomando, 100 anos depois, as idi- quntica possibilita pela primeira vez, manipular a inteli-
as de Ccero. Na opinio de Sneca (1982), para ter tran- gncia invisvel que est como pano de fundo do mundo
qilidade necessrio aceitar o processo de envelhecimento visvel e alterar o conceito de envelhecimento.
e tirar o melhor proveito dessa fase de vida, que poucos Partindo deste breve histrico e das reflexes aqui
seres humanos tm o prazer de galgar. Penso que a oportu- tecidas, considero o envelhecimento um processo univer-
nidade de continuar vivo e lutando pela vida rompe laos sal, que no afeta s o ser humano, mas a sua famlia e a
de exigncias passadas e torna o ser humano idoso um lu- sua comunidade e sociedade; lembro que o nmero de
tador satisfeito, um vencedor. idosos est crescendo rapidamente no Brasil, existindo
mais mulheres idosas e ss do que homens idosos; acres-
cento que o envelhecimento um processo normal, din-
ENVELHECIMENTO HOJE E A NECESSIDADE mico e no uma doena, mas que so notrias as
DA CAPACITAO PROFISSIONAL desigualdades e as especificidades nesse contingente
populacional, as quais se refletem na expectativa de vida,
No Brasil, o interesse na Geriatria iniciou-se em 1961 na morbidade, na mortalidade prematura, na incapaci-
com a criao da Sociedade Brasileira de Geriatria, posteri- dade e na qualidade de vida. Acredito que, sendo a per-
ormente designada Sociedade Brasileira de Geriatria e cepo um fenmeno aprendido, muito h por descobrir
Gerontologia (SBGG). Na dcada de 70 alguns servios de ainda sobre o envelhecer.

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Por tudo isso, enquanto profissionais da sade, urge tcnica, seu sustentculo e seus pressupostos para o ensino, a
que passemos a discutir pr-requisitos bsicos pesquisa e a prtica profissional.
direcionados melhoria da qualidade de vida do ser hu-
mano idoso, considerando sua multidimensionalidade e
necessidades, como alimentao e saneamento bsico REFERNCIAS BIBLIOGRFICAS
adequado, moradia segura, seguridade econmica, aces-
so aos servios de sade, direito a cidadania etc. Penso BEAUVOIR, S. de. A velhice. Traduo de Maria Helena Fran-
que, uma oportunidade para iniciar essa reflexo na co Martins. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1990.
famlia, durante a formao da criana, e posteriormen-
te, de forma sistemtica, durante o curso de formao CCERO, M. T. Saber envelhecer- Seguido de A amizade.
dos profissionais da Sade, incluindo a Enfermagem; im- Traduo de Paulo Neves. Porto Alegre: L & PM, 1999.
pe-se, por conseguinte, a incluso de contedos geri-
tricos e gerontolgicos nesses cursos, que capacitem CHOPRA, D. Corpo sem idade, mente sem fronteira. A
profissionais para cuidar do idoso, ao mesmo tempo que alternativa quntica para o envelhecimento. Rio de Janeiro:
os ensine a envelhecer mais saudvel e tranqilamente. Rocco, 1999.

CRESCENZO, L. de. Histria da filosofia grega a partir


CONSIDERAES FINAIS de Scrates. Lisboa: Presena, 1988.

Refletir acerca do envelhecimento humano a partir CONFCIO. Vida e doutrina. Os analectos. Traduo de
de opinies de personagens importantes aponta para uma Mcio Porphyrio Ferreira. So Paulo: Pensamento, 1999.
elaborao individual do prprio processo de envelheci-
mento, e essa elaborao necessria, difcil e pertinente, LEME, L. E. G. A gerontologia e o problema do envelheci-
direciona a um cuidar de um ser humano que passa por mento: viso histrica. In: Gerontologia. So Paulo:
um processo especfico e singular, mesmo que universal. Atheneu, 1997, p. 13-25.
Cuidar do idoso no tarefa simples, fcil, tcnica,
pois para cuid-lo necessrio que o outro ser humano LAO-TZY. Tao-te King. O livro do sentido da vida. Traduo
seja capaz de escut-lo, e para isto preciso ter conscin- de Margit Marticia. So Paulo: Pensamento, 1999.
cia da sua prpria concepo de velhice. Por outro lado,
na definio dos cuidados, h necessidade de considerar- PLATO. A repblica. Traduo de Elza Moreira Marcelina.
se a multidimensionalidade e a especificidade do idoso e Braslia: UnB, 1985. Livro 7.
tais cuidados precisam corresponder s reais necessida-
des identificadas no idoso. PIETTRE, B. Plato A Repblica: Livro 7. Braslia: UnB, 1985.
Para cuidar dos idosos com qualidade, considerando a
conservao da sade em bom estado, integrando os aspectos SNECA, L. A. Da tranqilidade da alma. Traduo de Giulio Davide
fsico, mental, social e sexual, inseridos em um ambiente fsi- Leoni. In: So Paulo: Nova Cultura, 1982. (Os Pensadores)
co, social e econmico favorvel, baseado em conhecimentos
variados e na criatividade, o enfermeiro necessita elaborar a SCRATES apud PLATO. A Repblica. Trado de Elza
sua prpria filosofia de vida, partindo das suas crenas e dos Moreira Marcelina. Braslia: UnB, 1985. Livro 7.
seus valores pessoais; procurando, criar um elo da sua filoso-
fia pessoal com a filosofia da Enfermagem, disciplina que tem VERNANT, J. P. As origens do pensamento grego. 7.ed. Rio
no cuidado, no respeito pelo ser humano e na competncia de Janeiro: Bertrand Brasil, 1992.

RECEBIDO: 27/7/2000
ACEITO: 17/9/2001

96 Rev. RENE. Fortaleza, v. 2, n. 1, p. 88-94, jul./dez./2001

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