1 Indivíduo Vebleniano

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INDIVDUO VEBLENIANO E NEOCLSSICO: UMA COMPARAO

Carine de Almeida Vieira


Universidade Federal de Santa Maria
[email protected]

Solange Regina Marin


Universidade Federal de Santa Maria
[email protected]

Jlio Eduardo Rohenkohl


Universidade Federal de Santa Maria
[email protected]

REA TEMTICA: HISTRIA ECONMICA E SOCIAL

RESUMO

O comportamento do indivduo na economia tradicional uma questo polmica na teoria


econmica em decorrncia da falta de realismo e da dissociao com outras reas de
conhecimento. Contudo, a literatura econmica est carregada de variveis sociolgicas,
institucionais e psicolgicas. Essas variveis exercem influncia sob o comportamento do
agente que no devem ser desprezada. Tendo em vista as concepes vebleniana e
neoclssica, este trabalho tem o objetivo de comparar as vises e comportamentos dos
indivduos. A questo que permeia a pesquisa qual a abordagem que melhor descreve o
comportamento do indivduo? Quais as diferenas entre os indivduos vebleniano e
neoclssico? O argumento defendido que o agente por meio do vis vebleniano melhor
demonstra o comportamento humano na medida em que inclui variveis socioeconmica,
culturais, influncia institucional, bem como no o dissocia de suas experincias do passado.
O vis do comportamento humano atravs do Homo economicus insuficiente para explicar o
comportamento do indivduo, devido a grande parte de simplificaes da viso neoclssica.
Para uma anlise mais prxima do comportamento real, capaz de compreender os
comportamentos e os processos econmicos contemporneos, necessrio levar em
considerao as vrias influncias, ou seja, da sociedade ou das experincias passadas. Na
viso vebleniana, o individuo resultado de suas experincias, do ambiente em que vive,
sendo que suas preferncias so mutveis ao longo do tempo. Dessa forma, para a anlise
comportamental do indivduo o vis vebleniano mais prximo do comportamento humano,
entretanto mais complexo na medida em que inclui elementos que no tem padro e que so
subjetivos com modificaes ao longo do tempo e diverso dependendo da sociedade com seus
costumes e crenas.

PALAVRAS CHAVES: indivduo vebleniano. indivduo neoclssico. comportamento.


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1. INTRODUO

O comportamento do indivduo gera um pouco de polmica, quando considerado


atravs da economia tradicional1, em decorrncia do pouco realismo e da dissociao com as
outras reas de estudo. A economia tradicional trouxe uma abordagem de um ser com o nico
desejo de maximizar seu bem-estar, egosta, sem passado, enfim, um homem sem qualquer
ligao com as pessoas do mundo real. Para isso, qualquer comportamento que sasse do
esperado pela teoria era tido como um fato isolado e desconsiderado.
Costa (2009) argumenta que aps a revoluo marginalista, a fsica e a matemtica
comearam a serem usadas como instrumento de anlise na Cincia Econmica. Esse foi o
incio do expurgo dos pressupostos psicolgicos da teoria econmica, atravs da formalizao
axiomtica da teoria de escolha atrelada ao desenvolvimento dos mtodos economtricos.
Contudo, a teoria econmica est carregada de variveis sociolgicas, institucionais e
psicolgicas. Essas variveis exercem influncia sobre o comportamento do agente que no
devem ser desprezadas. Veblen (1988; 1966; 1909) mostra como essas variveis influenciam
as escolhas dos indivduos e tambm a maneira com que eles agem.
Cavalieri (2012) ressalta que Veblen estabeleceu trs critrios que devem ter em uma
teoria evolucionista: as instituies no podem ser tomadas como dadas, permanentes e
imutveis; o comportamento do indivduo deve ser motivado alm dos motivos do hedonismo
puro; e no se pode tomar uma situao como dada de modo apriorstico. O autor defende que
justamente essa subjetividade defendida por Veblen que determinaria o ambiente
institucional e a psicologia humana de acordo com as ideais que se deseja demonstrar.
Para Cavalieri (2012), Veblen tenta demonstrar que enquanto economistas clssicos
estavam evoluindo para uma teoria evolucionista, o marginalismo se desvia dessa direo na
medida em que empacavam na teleologia, na esttica, na taxonomia e na subjetividade.
Hogdson (2007b) salienta que as recentes mudanas na economia abrem um espao sem
precedentes para o estudo da economia evolucionria e institucional, o que traz uma nova
frente de estudo na teoria econmica, com credenciais evolutivas e institucionais.
A partir dessa nova tendncia de estudo na teoria econmica, a questo que permeia a
pesquisa qual a abordagem que melhor descreve o comportamento do indivduo? Quais as
diferenas entre os indivduos vebleniado e neoclssico? O argumento defendido o de que o
agente vebleniano melhor demonstra o comportamento humano na medida em que inclui
1
Quando se menciona economia tradicional, Homo economicus e mainstream faz-se referncia economia
neoclssica, conforme o texto de Veblen (1909).
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variveis socioeconmicas, culturais, institucionais, bem como no o dissocia de suas
experincias do passado.
Tendo em vista os dois vieses, neoclssico e Vebleniano, atravs do quais os indivduos
podem ser analisados, este trabalho tem o objetivo de comparar as vises e comportamentos
dos indivduos. A escolha da abordagem do agente Homo economicus se deu em decorrncia
de ainda hoje ter supremacia na teoria econmica. J a escolha pelos escritos de Veblen se deu
em virtude de ser um dos primeiros autores a abordar o papel das instituies na Economia,
com espao ao evolucionismo em sua anlise histrica e as influncias que a sociedade tem
sobre o padro de comportamento com espao para um indivduo irracional em muitos
aspectos, ou at mesmo com outras formas de racionalidade.
Alm da introduo esse trabalho est dividido em mais quatro sees. A primeira
apresenta a viso do indivduo e seu comportamento na abordagem neoclssica. A segunda
introduz a viso de Veblen sobre o indivduo. A terceira seo faz um comparativo das duas
vises do comportamento do indivduo, com nfase para as divergncias. Por fim, algumas
consideraes.

2. O INDIVIDUO SEGUNDO A ABORDAGEM NEOCLSSICA

Na economia tradicional, o indivduo determinado principalmente por trs


caractersticas: reducionismo metodolgico, comportamento racional com informao perfeita
e equilbrio (PRADO, 1994).
Vercelli (1994) define uma teoria que faz uso do reducionismo metodolgico simplifica
a complexidade dos fenmenos estudados de uma maneira inapropriada ou distorcida, isto ,
de modo que enfraquece a possibilidade de descrio, explicao ou previso de fenmenos
complexos. Isso no necessariamente implica que uma teoria no reducionista seja complexa,
mas sim que no seja simplificada a tal ponto que perca sua ligao com a realidade.
Na Economia, o reducionismo completo s ganhou xito aps os estudos de Walras.
Entretanto, Walras no foi capaz de finalizar seu projeto, pois apesar de seus repetidos
esforos no pde ir alm da anlise dos processos de ttonnement de tal modo que somente a
parte esttica da mecnica encontrou aplicao economia (VERCELLI, 1994, p. 8). Isso
culminou no abandono da teoria de equilbrio geral pelos profissionais da poca que

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concluram que a caracterstica esttica do equilbrio era irrelevante para a explicao de uma
realidade complexa que evolvia fenmenos como a inflao, desemprego, ciclos econmicos
e dentre outros (VERCELLI, 1994)
Segundo Vercelli (1994), essa abordagem voltou a ganhar espao a partir dos trabalhos
de Hicks e Samuelson que obtiveram xito em dar fundamentos dinmicos ao equilbrio geral
condizente aos princpios da dinmica clssica. Foi constitudo um equilbrio que tem como
conceito intrinsicamente dinmico, mas que seu potencial descritivo e prospectivo depende
crucialmente de suas estabilidades, o que proporcionou o estudo sistemtico da estabilidade
do equilbrio geral (VERCELLI, 1994, p. 8),
No vis reducionista, os agentes econmicos so vistos como unidades de deciso
clarividentes, dotados de racionalidade grosso modo perfeita e j constitudas como tais em
face das escolhas (PRADO, 2006, p.305). A abordagem do homem econmico adotado
atravs desse vis est fortemente ligada ao paradigma do individualismo metodolgico.
Hoffmann & Pelaez (2011) argumentam que essa anlise restringe as investigaes do
comportamento humano como seres estritamente econmicos com comportamento racional.
O individualismo metodolgico foi definido por Udehn (2002, p. 497 apud
HOFFMANN & PELAEZ, 2011) como a principle, rule or program telling historians and
social scientists how to define collective concepts, explain social phenomena, and/or reduce
macro to micro. Sendo assim, h uma reduo ou simplificao de fenmenos complexos do
mundo real a situaes gerais. Segundo Prado (p. 312, 2006), no plano agregado trabalha-se
com propriedades inerentes aos mercados ou mesmo das propriedades da economia como
um todo.
O Individualismo metodolgico pode ser conceituado, segundo Tourinho (1993, p. 1),
como um conjunto de ideias e valores que colocam o indivduo particular no centro das
atenes e tendem a atribuir a esse indivduo a possibilidade de realizao pessoal, de forma
independente daqueles que o circundam.
Udehn (2001) distingui o individualismo metodolgico segundo diversos graus, que
varia do fraco ao forte. No individualismo metodolgico forte, o autor inclui a Teoria do
Contrato Social, a Teoria Geral de Equilbrio e o Individualismo Metodolgico Austraco. Os
dois primeiros so classificados por Udehn (2001) como individualismo natural, j que o
meio sociocultural no exerce qualquer influncia. O individualismo metodolgico austraco
como individualismo social, pois to acknowledge it's conception of the human individual as
a social being, and of society as an intersubjective reality (UDEHN, 2001, p.347). Como

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individualismo metodolgico forte, o autor inclui o individualismo metodolgico popperiano
e o de Coleman. A partir dessa classificao, na medida em que includo fatores de
explicao de carter coletivo, so concebidos com menor intensidade, ou seja, deixam de ser
individualismo metodolgico forte e passam a ser fracos (HOFFMANN & PELAEZ, 2008).
O individualismo metodolgico presente na teoria neoclssica o da Teoria de
Equilbrio Geral, Hoffmann & Pelaez (2008) argumentam que a partir da revoluo
marginalista que a Cincia Econmica passa a ter um enfoque mais individualista.

no contexto da abordagem neoclssica que a TEG apresenta um IM particular, extremamente


reducionista e atomstico, ao tomar como ponto de partida o indivduo isolado, sem relaes
sociais, que interage em um mercado com tecnologia e instituies dadas (UDEHN, 2002 apud
HOFFMANN & PELAEZ, 2008, p. 4).

Nesse sentido, o homem econmico egosta e racional e age sempre para maximizar
seu bem estar via obteno dos maiores retornos possveis. Para chegar a esse resultado, os
agentes no somente tomam a melhor deciso, como tambm empregam todas as informaes
disponveis a seu favor da melhor maneira possvel. Chafim & Krivochein (2012)
argumentam que a justificativa para a adoo do individualismo metodolgico puramente
prtico-instrumental, ou seja, no est relacionada a sua veracidade mas sim a capacidade de
formular teorias cada vez mais simples com melhores descries funcionais dos fenmenos
econmicos.
Abramovay (2004) ressalta que o princpio de que cada agente age apenas baseado no
auto interesse atinge o maior grau de elegncia na teoria de equilbrio geral, no qual o
comportamento toma uma forma completamente previsvel e o objetivo bsico de sua
concepo econmica demonstrao das implicaes lgicas de dados gostos ou
necessidades, combinados com o conhecimento perfeito e confrontados com a escassez e a
mobilidade dos recursos (SHACKLE, [1967] 1991, p. 4 apud ABRAMOVAY, 2004, p. 42).
Os agentes econmicos passam a reagir mecanicamente aos estmulos do ambiente,
sendo que essa reao e o equilbrio resultante no so provenientes de um processo evolutivo
e sequencial de aprendizagem. A interao dos indivduos no mercado atravs da compra e
venda acontece sem rudos por causa da concorrncia. Contudo, os agentes econmicos no
precisam interpretar os sinais emitidos pelos outros, pois o ambiente social dado
imediatamente aos indivduos. O mundo econmico toma uma transparncia bsica a ponto de
no haver a necessidade de interpretao por parte dos atores econmicos (ABRAMOVAY,
2004). Davis (2003) ressalta que a conscincia do agente neoclssico representada atravs
de uma nica funo de utilidade, composta por preferncias dadas e fixas. Dessa forma, o
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indivduo tem um comportamento mecnico que o exime de interpretao com preferncias
dadas e fixas, bem como um ser isolado das influncias do seu ambiente social.
Em relao s interaes sociais, estas no passam de meras relaes contratuais de
maneira que no exercem qualquer influncia sobre os agentes. Prado (2006) salienta que para
ocorrer completa abstrao dos elementos inerentes as interaes humanas, estabelece-se a
inexistncia de fatores como ignorncia, coero, assimetria de poder e os contratos incluem
todas as circunstancias possveis.
Na passagem do plano individual para o agregado, as caractersticas dos indivduos so
desconsideradas e, grosso modo, somadas. Prado (2006) defende que justamente nessa
passagem que o vis reducionista aparece e que esse caminho consiste em uma decomposio.
Para Prado (2006), os indivduos so tomados cada um por um tomo plenamente constitudo
e que as interaes, que ocorrem direta e indiretamente, so externas e no tem o poder de
influenciar ou alterar as suas determinaes.
A agregao das escolhas dos indivduos resulta em um equilbrio esttico e atemporal;
o cenrio de hoje no tem ligao com o passado. (PRADO, 1994) Ou seja, as variveis
econmicas so determinadas por condies iniciais e caractersticas decorrentes de processos
histricos so ignoradas na medida em que no exercem influncia.
O individuo econmico tambm sofre uma separao do seu meio socioinstitucional. A
ao individual se estabelece a partir da motivao egosta dos agentes (Hofmann e Pelaez,
2011). Pode-se sintetizar o homem econmico como:

Interested in satisfying given preferences, and in consuming privately bundles of goods, rather
than investing in relationships. She is basically asocial, acting more through exit than voice,
and most (if not all) of her relationships with others are through markets or contracts
(TSAKALOTOS, 2005, p. 5)

Contudo, Hodgson (2007c) ressalta que no possvel abstrair o meio socioinstitucional


das relaes; todas as verses de contrato social ou de uma teoria de equilbrio geral exigem
interao, comeam pela prpria comunicao entre os agentes.

Communication involves some form of language, and languages by their nature are systems of
rules. Furthermore, exchange involves the transfer of property rights, with rules established
through prior social interactions. Similarly, all contracts rely on social structures of enforcement.
Hence social contract theory and general equilibrium theory both presume structured relations
between individuals, rather than individuals in isolation (HODGSON, 2007c, p.6).

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Segundo o autor, a escolha individual exige a aquisio de aparato cognitivo que
envolve um processo de socializao e educao que necessitam da interao entre os agentes.
A aquisio desse aparato cognitivo envolve o processo de socializao e educao, que
implica na extensa interao entre os indivduos.
Alm de o indivduo ser auto interessado, ele tem a caracterstica de racionalidade
perfeita, ou seja, o agente capaz de colher todas as informaes de todos os meios
disponveis, calcular o uso das diversas alternativas e escolher a que lhe trouxer maiores
rendimentos. O agente tem um grau cognitivo que o permite conhecer todas as alternativas e
tambm suas consequncias atravs da coleta de todas as informaes sem importar a
complexidade do ambiente e a variedade de informaes. Como o indivduo capaz de
vincular o valor do resultado a cada ao e escolher o curso da ao que lhe fornece maior
vantagem a partir de suas preferncias, isso no s implica a alta capacidade cognitiva, mas
tambm a ausncia de incerteza (AUGUSTO, 2010).
Segundo Abramovay (2004), o consumo a expresso da racionalidade humana, pois
cada indivduo tem sua curva de preferncias e independente da maneira de como ela
formada, obedece as regras de funcionamento invariveis quanto a relao entre meios e fins.
Pressupe-se que o indivduo tem completa autonomia sobre suas escolhas e sua preferncia
irredutvel a qualquer instancia ou esfera explicativa que no seja o que ele foi feito por meio
de suas escolhas.
Possas (1997) argumenta que h principalmente dois aspectos que limitam a
racionalidade do agente: a incerteza com relao aos acontecimentos do futuro e a
complexidade cognitiva, para identificar as informaes relevantes, e computacionais para
processa-las em tempo e custo hbil. Como as decises e clculos so realizados quando as
aes ainda esto em curso, para haver a possibilidade de maximizao do resultado
necessrio que no haja incerteza em relao ao futuro.
Do contrrio, os resultados seriam incertos e isso inviabilizaria os clculos
maximizadores dos agentes. Dessa forma, no processo decisrio do homem econmico a
alternativa que resultar em nveis mais elevados de utilidade sero preferidos sobre o restante
das alternativas. Deve-se ressaltar que as preferncias dos indivduos so dadas e que no se
alteram dentro da anlise e o indivduo da anlise apresenta um comportamento padro de
escolha. Sendo assim, atravs do agente representativo possvel exceder as concluses
retiradas da anlise de uma pessoa para o coletivo. Nesse sentido, os indivduos dentro da

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economia neoclssica tm suas preferncias homogneas (AUGUSTO, 2010). Assim, na
prxima seo apresentado o indivduo pelo vis vebleniano.

3. O INDIVDUO VEBLENIANO

Cavalieri (2013) argumenta que Veblen produziu-se sob um pluralismo terico ao


rejeitar as ferramentas que as grandes escolas de economia poltica que o precediam faziam
uso. Veblen (1909) apresenta as limitaes da anlise feita pela escola marginalista. A grande
crtica apresentada pelo autor est atrelada as generalizaes de ordem teleolgica ou
dedutiva, seguindo o princpio central do clculo hedonista. ,

Under the guidance of this tenet and of the other psychological conceptions associated and
consonant with it, human conduct is conceived of and interpreted as a rational response to the
exigencies of the situation in which mankind is placed; as regards economic conduct it is such a
rational and unprejudiced response to the stimulus of anticipated pleasure and pain being,
typically and in the main, a response to the promptings of anticipated plea-sure, for the hedonists
of the nineteenth century and of the marginal utility school are in the main of an optimistic
temper (VEBLEN, 1909, p. 3)

Atravs desse instrumental metodolgico, os elementos culturais, instituies e o direito


a propriedade so tomados como parte natural das coisas, que no necessitam explicao
sobre sua evoluo ou formao. Veblen (1919) responsabiliza a prpria noo de cincia
vigente no perodo denominado pelo autor como pre-Darwinian, ou seja, anteriores as
ideias evolucionistas de Darwin. A cincia nesse perodo tinha como preocupao a
classificao das coisas em seu produto final, sem procurar o entendimento de sua evoluo
at esse ponto. Eram estabelecidas relaes de imutabilidade que determinavam um equilbrio
estvel.

Na noo de cincia defendida por Veblen (1919) e denominada como post-


Darwinian, h destaque para o processo evolutivo das coisas. Nas palavras do autor,

...that modern science is becoming substantially a theory of the process of consecutive change,
which is taken as a sequence of cumulative change, realized to be self-continuing or self-
propagating and to have no final term (VEBLEN, 1919, p. 37).

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Veblen (1919) argumenta que a cincia moderna exige o estudo de fenmenos levando
em considerao a trajetria gentica, ou seja, demanda uma anlise das fases anteriores a
formao da comunidade atual. O esquema de vida predominante na comunidade formado
pelo consenso de hbitos formados pelos indivduos. O esquema cultural um complexo de
hbitos de vida e de pensamento predominantes entre os membros da comunidade, sendo que
as pessoas sofrem influncia em variados graus.

Para Veblen (1909), o estudo da civilizao exige que se entendam as relaes causais,
ou seja, as alteraes cumulativas ao longo do tempo, convergindo para uma formulao
terica na forma de uma histria de vida. Dessa forma, se a economia uma cincia que
estuda a conduta humana necessria uma anlise da relao do homem com os meios
materiais de vida.

In so far as it is a science in the current sense of the term, any science, such as economics, which
has to do with human conduct, becomes a genetic inquiry into the human scheme of life; and
where, as in economics, the subject of inquiry is the conduct of man in his dealings with the
material means of life, the science is necessarily an inquiry into the life-history of material
civilization, on a more or less extended or restricted plan (VEBLEN, 1909, p. 6-7).

Dessa forma, o indivduo atravs do vis vebleniano contrasta em muitos aspectos com
o Homo economicus. A diferena est na essncia do comportamento do indivduo, dos
costumes, dos instintos entre outros aspectos. Nessa seo sero analisadas as caractersticas
do indivduo vebleniano.

3.1 Instintos

Os instintos para Veblen seriam propenses inatas intrnsecas a psicologia humana, que
determinariam o seu comportamento. Os instintos exigem algum grau de pensamento, no so
aes inconscientes dos indivduos, como por exemplo, a respirao ou o reflexo de tirar a
mo caso algo esteja quente a ponto de queim-la. Dessa forma, os instintos consistem em
caractersticas resultantes do processo evolutivo que foram transmitidos hereditariamente e
que devem ter sido importantes para a sobrevivncia da espcie (CAVALIERI, 2013).

Like other species, man is a creature of habits and propensities. He acts under the
guidance of propensities which have been imposed upon him by the process of selection to
which he owes his differentiation from other species. He is a social animal; and the

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selective process whereby he has acquired the spiritual make-up of a social animal has at
the same time made him substantially a peaceful animal (VEBLEN, 1898b, p. 193).

O comportamento humano impreciso e influenciado atravs de inclinaes e


propenses em certos tipos de comportamento em determinadas situaes, contudo so apenas
propenses e no o comportamento em si. Nas palavras de Veblen (1988, p. 12) ...tanto os
hbitos dos grupos primitivos conhecidos hoje, como os hbitos dos antropides; acentuam-na
as inclinaes conhecidas da natureza humana.
Monasterio (1998) ressalta duas caractersticas relevantes sobre os instintos na obra de
Veblen: a imutabilidade relativa e sua indeterminao. A primeira caracterstica se refere
permanncia dos instintos em sua essncia, praticamente desde o comeo da humanidade. A
indeterminao alude o fato da capacidade da natureza humana tem de se ajustar as exigncias
ambientais diversas. O autor argumenta que os instintos necessitam das instituies para se
realizarem, sendo que as ltimas modificam-se ao longo do tempo.
Os vrios instintos influenciam de maneira simultnea o comportamento humano, o que
tornaria invivel atribuir a cada ao a influncia de um instinto especfico (VEBLEN, 1937
apud MOSNASTERIO, 1998). No entanto, a separao da natureza humana em diversos
instintos uma construo terica que visa facilitar o entendimento. Monasterio (1998)
classifica em quatro instintos: trabalho eficaz, inclinao paternal, curiosidade v e instinto
predatrio.
Veblen (1937 apud MONASTERIO, 1998) ressalta que o instinto de trabalho eficaz
trata-se de um instinto auxiliar na medida em que coordena os meios eficientes para alcanar
objetivos ulteriores, independente dos fins. Dessa forma, esse instinto alm de determinar
seus prprios fins, tambm auxilia na determinao dos meios para a realizao dos outros
instintos. O instinto do trabalho eficaz est relacionado preferncia pela ociosidade e
averso ao trabalho braal, pois essa seria uma marca de inferioridade.

A desnecessidade de trabalhar no s algo honorfico e meritrio; muito cedo se torna um


requisito a decncia... Essa desnecessidade de trabalhar a prova convencional da riqueza, sendo
portanto a marca convencional de posio social; e essa insistncia sobre o mrito da riqueza leva
a uma insistncia sobre o cio. Segundo as leis da natureza humana, j conhecidas, essa norma se
apodera da prova convencional da riqueza e fixa-a, com o tempo, nos hbitos de pensamento dos
homens como sendo algo de essencialmente meritrio e nobre, ao passo que,....o trabalho digno se
torna intrinsicamente indigno (VEBLEN, p. 23-24, 1988).

As nicas ocupaes que eram permitidas para a classe ociosa eram cargos
governamentais, guerras, o esporte e as funes rituais como o sacerdcio. Veblen (1988)
ressalta em relao a esses tipos de ofcios, mesmo que defendido por muitos como
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indiretamente produtivas, a questo chave que est por traz que as mesmas no tm por fim
desejado o aumento da riqueza por esforo produtivo. Veblen (1988) classifica essas
profisses como de natureza predatria e no produtiva. A ligao do trabalho a inferioridade
era to forte que Veblen (1988) trs um exemplo de um rei da Frana que perdeu a vida ao se
negar a fazer o esforo de afastar a cadeira real e preferiu ficar perto da lareira e se deixar
queimar, pois no momento no havia nenhum funcionrio.
O instinto predatrio derivado do instinto do trabalho eficaz, na medida em que
necessrio para a uma sociedade ter sua subsistncia garantida para poder existir uma classe
ociosa. Para Veblen (1988) a instituio da classe ociosa surgiu durante a transio da
selvageria primitiva para a barbrie, isto , durante a transio de um modo de vida pacfico
para um modo mais agressivo e guerreiro. So necessrias duas condies para que se efetive
o surgimento dessa classe. A primeira indica que indispensvel comunidade ter um modo
de vida predatrio, ou seja, os homens que normalmente so os incumbidos de caa e
representam a classe ociosa em potencial devem estar habituados a preferir usar a estratagema
ao invs da fora fsica. A segunda condio a subsistncia da comunidade deve ser obtida
de forma relativamente fcil e que de certa maneira livre as pessoas do trabalho regular
rotineiro.

Self-interest, as an accepted guide of action, is possible only as the concomitant of a


predatory life, and a predatory life is possible only after the use of tools has developed so
far as to leave a large surplus of product over what is required for the sustenance of the
producers (VEBLEN, 1898b, p.194).

Veblen (1898b) salienta que a instituio da classe ociosa resultado da discriminao


do tipo de trabalho onde algumas so vistas como dignas e outras no, de maneira que uma
vez estabelecida essa classificao, as funes dignas so ligadas as faanhas e proezas e as
no dignas so as rotineiras onde no h nenhum elemento espetacular. Monasterio (1998)
argumenta que a partir desse momento, h uma alterao nos fundamentos da emulao. Isso
se deve a mudana no critrio de estima do indivduo, enquanto na fase da selvageria consistia
na capacidade de trabalho para o grupo, na fase seguinte se da atravs das proezas como a
caa e guerra.
Monasterio (1998) argumenta que o excedente econmico e o instinto predatrio que
propiciaram o surgimento da propriedade privada e a classe ociosa. Isso correu na medida em
que permitiu que alguns indivduos tomassem posse de alguns bens e que pudessem se isentar
do trabalho sem comprometer a sobrevivncia da comunidade.

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O instinto de inclinao paternal tem forte ligao com a questo da preservao da
espcie, embora v alm da mera preocupao de ter filhos ou no. Na verdade, esse instinto
est preocupado com o bem-estar da prole ou dos descendentes do grupo como um todo
(VEBLEN, 1914 apud PONTES, 2008). Para Monastrio (1998) a prpria manuteno do
meio ambiente seria um exemplo desse instinto, se houver preocupao com relao
subsistncia das prximas geraes.
O instinto de curiosidade v consiste na busca pelo conhecimento sem ligao com fins
pecunirios. Caso resulte em alguma forma lucrativa, isso seria uma consequncia, mas no
um objetivo em si (MONASTERIO, 1998). Embora em uma comunidade pecuniria, o
instinto de curiosidade se submete aos lucros que pode gerar, o indivduo ainda tem por
objetivo facilitar a vida da comunidade em geral.
Quando Veblen (1966, p. 21) descreve as inspiraes do homem de negcios, ele
argumenta que em comum com os outros homens, o homem de negcios inspirado pelo
ideal de prestar servio e pelo desejo de tornar a vida mais fcil para seus semelhantes.
Nesse sentido, esse instinto tem certa semelhana com o instinto de trabalho eficaz. Por mais
que essa urgncia de inspiraes de grandes negcios proporcione para muitos homens a arte
de ganhar dinheiro, as relaes dos homens entre si e com interesses na coletividade
persistem na medida em que h ainda certo senso de equidade, honestidade no trato e
integridade no trabalho.
Pontes (2008) argumenta que os instintos so uma parte muito importante na
determinao do comportamento humano, contudo o entendimento dos mesmos no
condio suficiente, mas sim necessria para o entendimento completo da conduta. Dessa
forma, h ainda alguns elementos que tem um papel extremamente relevante para a
explicao do comportamento do indivduo como os hbitos e as instituies. A prxima
seo trata desses elementos e como eles se relacionam com a conduta das pessoas, de acordo
com a viso de Veblen.

3.2 Hbitos, Instituies e Racionalidade

Monasterio (1998) argumenta que para Veblen os hbitos consistem em padres de


comportamento criados pelos homens que especificam os meios para a chegada de
determinados fins, e estes so determinados ou sofrem fortes influncias dos instintos

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humanos. Hodgson (2006) salienta que hbitos e comportamentos so diferentes, mesmo que
um comportamento repetido seja importante para estabelecer um hbito. A aquisio de um
hbito no significa que ele deve ser usado em todas as situaes, na verdade, deve haver um
estmulo ser utilizado. Nas palavras do autor, habits are submerged repertoires of potential
thought or behaviour, to be triggered by an appropriate stimulus or context (HODGSON,
2006, p. 8). Uma vez enraizado esse hbito no comportamento do indivduo, este ser um
ponto de inrcia social na sociedade.
Veblen (1988) argumenta que esses hbitos de pensamentos so herdados de processos
passados para circunstncias do passado.

A estrutura social sofre mudanas, evolui, adapta-se a uma situao modificada apenas mediante
uma mudana nos hbitos mentais de vrias classes da comunidade. A evoluo da sociedade
substancialmente um processo de adaptao mental de parte do indivduo, sob a presso de
circunstncias que j no toleram hbitos mentais formados segundo um diferente conjunto de tais
circunstncias e segundo um diferente conjunto das mesmas no passado (VEBLEN, 1988, p. 89).

Para Veblen (1988), os hbitos mentais esto ligados aos costumes e circunstncias do
passado, o progresso social consiste em uma abordagem progressiva de um contnuo ajuste
das relaes externas com as internas. Contudo, as relaes externas esto sujeitas a uma
constante mudana e isso faz com que o ajuste nunca seja exato; a proximidade do ajuste
depende da facilidade com qual o ajuste se faz. Embora os prprios ajustes dos hbitos
mentais, segundo o autor, so feitos tardiamente e com relutncia e s acontecem caso sejam
confrontados com uma situao insustentvel em relao s opinies adotadas.
Veblen (1998) defende que os hbitos tendem a ser preservados indefinidamente; a
mudana implica a busca de um novo padro de comportamento, o que incmodo e exige
esforo mental.

... uma repulso instintiva diante de qualquer desvio de modo adotado de fazer ou encarar as
coisas uma repulso comum a todos os homens a ser vencida to-somente pela presso das
circunstncias. Toda e qualquer mudana nos hbitos de vida e de pensamento incmoda
(VEBLEN, 1988, p. 91-92).

Os hbitos mentais para toda uma sociedade formam as instituies. Veblen (1909)
argumenta que o crescimento e as mutaes do tecido institucional so o resultado da conduta
de cada um dos membros do grupo, pois a partir da experincia dos indivduos, do hbito
que as instituies surgem.

13
Hodgson (2007a) argumenta que as instituies canalizam e restringem o
comportamento humano de modo que induzem as pessoas a formar novos hbitos. Contudo, o
autor defende que as pessoas no formam novos hbitos e preferncias porque as foras
sociais os obrigam. Na verdade, a prpria evoluo da sociedade que se altera e que limita as
capacidades das instituies sociais, que fazem com que os indivduos tenham novas
percepes. Sobre essas novas percepes emergem novos hbitos de pensamento e
preferncias. Dessa forma, as a result, shared habits are the constitutive material of
institutions, providing them with enhanced durability, power and normative authority
(HODGSON, 2007a, p. 332).
Veblen (1988, p.88) define as instituies como o produto de processos passados,
adaptados as circunstncias passadas, e por conseguinte, no esto em pleno acordo com as
situaes do presente. As instituies so hbitos institucionalizados, e estes sempre esto
defasados em relao situao presente. Dessa forma, a compreenso das instituies
vigentes deve ser analisada em relao aos hbitos de pensamento passados e s
circunstncias materiais nas quais estes foram formados (MONASTERIO, 1998, p. 56).
Veblen (1988) enfatiza que o ajuste de uma instituio pode ser to defasado que s
quando surgem motivos pecunirios que este ocorre. A classe ociosa que representa maior
resistncia as mudanas institucionais, mas isso no significa que o restante da sociedade no
seja resistente. Na verdade as outras classes sociais so mais vulnerveis as foras econmicas
que impulsionam mudanas. Contudo, os motivos por trs da resistncia mudana entre as
classes tm diferentes origens.

Os abjetamente pobres, e as pessoas cujas energias so absorvidas na luta para o sustento dirio,
so conservadores, pois no podem realizar o esforo de pensar no dia de amanh; de igual modo,
os muito prsperos so conservadores por que tm poucas ocasies de ficar descontentes com a
situao presente (VEBLEN, 1988, p. 93-94).

Dessa forma, Veblen (1988) defende que as foras que levam ao reajustamento das
instituies, principalmente em uma economia avanada e industrial, so quase inteiramente
de natureza econmica. Essa defasagem institucional juntamente com os instintos que so
muitas vezes contraditrios, e a racionalidade contribuem para tornar o indivduo vebleniano
complexo. O homem econmico proposto por Veblen trata-se de um ser complexo e suas
escolhas no se reduzem a uma escala de preferncias (MONASTERIO, 2005).
Monastrio (2005) argumenta que para compreender a racionalidade do indivduo
vebleniano necessrio levar em considerao dois fundamentos: a razo suficiente e a causa
eficiente. Segundo o autor, a razo suficiente aborda a maneira com que o futuro determina o
14
curso dos acontecimentos presentes, ou seja, necessria a presena de um agente inteligente
e capaz de antecipar as consequncias e suas aes correntes. J a causa eficiente est
associada s relaes de causa e efeito sem a presena da reflexo por parte do agente, sendo
um exemplo o comportamento habitual por no levar em considerao as consequncias. Os
hbitos de pensamento guardam uma relao com a relao causa eficiente na medida em que
a reflexo do indivduo esteja em algum grau envolvida nos hbitos de pensamento. Contudo,
a relao causa eficiente tambm deve ser includa para a anlise do comportamento do
agente.
A conduta humana motivada por fatores racionais e habituais. Hogdson (2007)
ressalta que a racionalidade individual depende de mecanismos institucionais e culturais. A
capacidade de raciocnio humano ligada a evoluo social e a contextos biolgicos, a
racionalidade inserida ao contexto social e opera atravs de sinais especficos, gatilhos e
restries. Segundo Hogdson (2007, p.331), these structures and circumstances are part of
our biological and social heritage. Among them are institutions that frame our cognitions,
enable some behavioral options and constrain us from others.
O comportamento do agente em Veblen (1988) influenciado pelas instituies
vigentes e pelas crenas da comunidade. Como as instituies se modificam no tempo, as
preferncias dos indivduos no so dadas ou estticas. Um exemplo de como isso
apresentado na obra do autor o consumo conspcuo, onde as pessoas, principalmente a
classe ociosa, obtm determinados bens com fim ostentatrio e influenciam outras classes
sociais do que digno ou no.

A classe ociosa est no topo da estrutura social em matria de considerao; e seu modo de vida,
mais os seus padres de valor, proporcionam a comunidade as boas normas de reputao. A
observncia desses padres, em certa medida, torna-se tambm incumbncia de todas as classes
inferiores de escala....O resultado os membros de cada camada aceitarem como ideal de decncia
o esquema de vida em voga na camada mais alta logo acima dela, ou dirigirem as suas energias a
fim de viverem segundo aquele ideal (VEBLEN, 1988, p. 41).

A existncia das instituies externas ao indivduo, impostas pela comunidade em que


vivem, torna impraticvel uma abordagem de conduta onde o agente analisado
isoladamente. Da mesma forma, as preferncias no podem ser fruto somente de um processo
endgeno, na medida em que h todas essas influncias externas aos indivduos. Hodgson
(2009) salienta que as preferncias so parcialmente moldadas pelas instituies e
circunstncias culturais.

15
4. COMPORTAMENTO DO AGENTE VEBLENIANO E NEOCLSSICO

O quadro 1 mostra algumas das principais caractersticas em que as duas abordagens


diferem em relao ao indivduo e seu comportamento.

Quadro 1. Sntese das principais caractersticas do individuo


Indivduo Vebleniano Homo economicus
Racionalidade do indivduo Comportamento com racionalidade
imperfeita, limitada e indissocivel das perfeita e maximizadora.
instituies.
As preferncias so resultado de um As preferncias so dadas e fixas.
processo com influncias de instituies.
O indivduo resultado de suas O indivduo no responde as
experincias passadas e carrega isso como presses do ambiente e no composto
determinante de seu comportamento. por experincias passadas.
O indivduo e as instituies sofrem Somente as caractersticas
influncia recproca. individuais dos indivduos so
consideradas.
Fonte: Elaborada pela autora com base em Monastrio (2005) e Veblen (1898a, 1909, 1989b, 1988).

Veblen (1898a) defende um agente com comportamento resultante de um processo


cumulativo de hbitos de pensamento que vo de acordo com os costumes da comunidade em
que faz parte. A histria da vida econmica do indivduo, na viso de Veblen, um processo
cumulativo de adaptao dos meios aos fins que se alteram ao longo do tempo na medida em
que o processo avana. Tanto o agente como seu ambiente, em qualquer ponto no tempo,
resultado do ltimo processo; os mtodos de vida hoje so guiados pelos hbitos de vida de
ontem e pelas circunstncias deixadas como resduo mecnico da vida de ontem.

They are the products of his hereditary traits and his past experience, cumulatively wrought out
under a given body of traditions conventionalities, and material circumstances; and they afford
the point of departure for the next step in the process (VEBLEN, 1898a, p. 12).

Para Veblen (1988), as escolhas do agente so guiadas por vrios fatores, como as
instituies vigentes, cultura e crenas. A prpria natureza humana dotada de diversas
propenses que muitas vezes so contraditrias e irracionais. Hogdson (2009) ainda afirma
16
que o aparato cognitivo que necessrio no processo de tomada de deciso auxiliado por
uma estrutura social existente, que composto por a combination of conscious and
unconscious processes, socialization and education (HODGSON, 2009, p. 15). A
racionalidade individual depende de mecanismos e apoio culturais e institucionais, ligados ao
contexto social e herana biolgica.
J a racionalidade do Homo economicus trata de um indivduo maximizador de
utilidade que tem cognio suficiente para analisar todas as informaes disponveis e
calcular qual a alternativa que traz maiores rendimentos, e assim consegue prever o futuro das
diversas alternativas. Esse indivduo tem desejo de obter o mximo de bens produzidos, mas
avesso ao trabalho. Para Veblen (1898b), esse axioma vai contra a evoluo e preservao da
espcie.

A consistent aversion to whatever activity goes to maintain the life of the species is
assuredly found in no other species of animal. Under the selective process through which
species are held to have emerged and gained their stability there is no chance for the
survival of a species gifted with such an aversion to the furtherance of its own life process
(VEBLEN, 1898b, p.187).

Na viso vebleniana, o indivduo no avesso ao trabalho, o prprio instinto


predatrio til para a preservao da comunidade e evoluo da sociedade, pois necessrio
que haja pessoas que pensem maneiras de facilitar o servio braal. Esse instinto
representado por pessoas que preferem a estratagema fora fsica, assim encontram formas
de facilitar seus trabalhos e evitar a fora fsica. Da mesma forma, importante para a
comunidade ter pessoas para o servio militar, na medida em que so essas que fazem a
defesa do territrio e de sua comunidade em caso de conflitos armados.
O Homo economicus um ser egosta e motivado exclusivamente por motivos
pecunirios. Esse egosmo resultado do individualismo metodolgico, onde h uma
simplificao dos fenmenos complexos do mundo real a situaes gerais, onde o indivduo
o centro da anlise. Hodgson (2007a) destaca que o homem econmico racional tem perdido
espao na teoria econmica, na medida em que as preferncias sociais envolvendo motivos
no egostas ou de cooperao so evidenciados atravs de experimentos, que evidenciaram
que o agente calculador de dor e prazer no suficiente. As pessoas no agem sempre
pensando somente em seus ganhos, como no instinto de inclinao paternal onde o indivduo
tem preocupao com o bem-estar geral da comunidade.
As preferncias do indivduo de Veblen (1988) no so movidas somente por motivos
pecunirios, tambm so influenciadas pelas instituies e pelo que a comunidade acredita
17
que certo. Hodgson (1998) argumenta que as preferncias dos indivduos no so formadas
exclusivamente por questes individuais, mas que sofrem influncias sociais do ambiente que
vivem. Como acontece no consumo conspcuo ou at mesmo na emulao, as preferncias so
influenciadas por diversos elementos e as mesmas no so estticas, so na verdade resultado
de um processo.
Para o Homo economicus as preferncias so dadas e endgenas, no sofrem
influncia de qualquer elemento e tambm no passam por alteraes ao longo do tempo.
Hodgson (2007a) argumenta que a ideia de preferncias endgenas com dependncia do
contexto em que est inserido mais prxima da abordagem evolutiva, na medida em todos
os componentes do sistema evolui, o mesmo acontece com as preferncias individuais. O
autor ressalta que os economistas mesmo que saibam que as preferncias no so fixas,
apenas as tomam para fins de uma hiptese simplificadora. Contudo, alguma maleabilidade
das preferncias pode ser necessria para explicar completamente a evoluo e a estabilidade
das instituies.
Na sociedade descrita por Veblen, a classe ociosa influencia as preferncias das
classes mais baixas e o prprio consumo serve como fim ostentatrio e status de poder
econmico. Veblen (1988) ainda ressalta que as instituies vigentes sofrem alteraes ao
longo do tempo, mesmo que, de maneira geral, estejam sempre atrasadas em relao ao
perodo vigente, as mesmas se modificam e o impulso para essa mudana geralmente dado
por motivos pecunirios.
O Homo economicus um agente sem passado na medida em que no so
consideradas suas experincias, alm de no responder a qualquer presso ou modificao do
ambiente em que est inserido. J o indivduo vebleniano responde aos estmulos que recebe
da sociedade; o ato de consumir para mostrar aos outros que pode se dar ao luxo de ter
determinado bem uma reao. A anlise do comportamento do indivduo vebleniano no
pode ser dissociada da sociedade em que est inserido, pois h uma relao de dependncia
comportamental entre suas escolhas e a sociedade. Da mesma forma, a modificao de suas
preferncias um indicativo que, na abordagem de Veblen (1988), as pessoas tm esse
passado e levam consigo como um aprendizado que vai influenciar seu comportamento
futuro.

18
5. CONSIDERAES FINAIS

O vis do comportamento humano atravs do Homo economicus insuficiente para


explicar o comportamento do indivduo, devido a grande parte de simplificaes da viso
neoclssica. Essa insuficincia se deu atravs do desligamento do mundo real com a aceitao
de um indivduo nico, racional, maximizador de utilidade, egosta, isento de instintos com
preferncias dadas, homogneas e fixas. Esse vis considera um agente que no acumula
experincias ou sofre influncia da sociedade, na medida que seu passado no tem qualquer
relao com suas escolhas do presente e nem as crenas ou culturas do ambiente em que vive.
Para uma anlise mais prxima do comportamento, capaz de compreender os
comportamentos e os processos econmicos contemporneos, necessrio levar em
considerao as vrias influncias, ou seja, da sociedade ou das experincias passadas. Na
viso vebleniana, o individuo resultado de suas experincias, do ambiente em que vive,
sendo que suas preferncias so mutveis ao longo do tempo. A anlise comportamental do
agente fica extremamente limitada se considerado um homem econmico como o apresentado
pela teoria neoclssica.
Em decorrncia disso, muitas alteraes j foram inseridas na teoria econmica,
contudo importante ressaltar que o homem vebleniano tem maiores semelhanas com o
comportamento humano. O agente na viso de Veblen tem seu comportamento baseado em
fatores psicolgicos (instintos e hbitos), enquanto o homem neoclssico renega tais fatores.
Dessa forma, para a anlise comportamental do indivduo o vis vebleniano mais prximo
do comportamento humano, entretanto mais complexo na medida em que inclui elementos
que no tem padro e que so subjetivos com modificaes ao longo do tempo e diverso
dependendo da sociedade com seus costumes e crenas.

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