GORA FILOSFICA

O fracasso do behaviorismo lingustico

[The linguistic behaviourism failure]

Gerson Francisco de Arruda Jnior

Resumo
H precisos 56 anos, Noam Chomsky publicava aquela que talvez ainda seja a
mais arrasadora crtica ao behaviorismo lingustico. Trata-se da sua resenha ao
Comportamento Verbal de F. B. Skinner, publicada no volume 35, da Language.
O presente artigo tem o objetivo de pontuar as consideraes que constituem o
cerne desta crtica, na tentativa de relembrar - quase que de modo anamintico -
o modo como ela realmente decretou o inevitvel fracasso das pretenses
behavioristas em explicar as questes bsicas que envolvem o fenmeno humano
da linguagem.
Palavras-chave: Behaviorismo; Linguagem; Chomsky; Skinner.

Abstract
56 years ago, Noam Chomsky published one that may still be the most
devastating critique of linguistic behaviorism, which was his review of Verbal
Behavior by F. B. Skinner. This article aims to point out the considerations that
form the core of his critique, trying to bring back into focus how it actually
decreed the inevitable failure of behavioristic claims to explain the basic issues
involving the human phenomenon of language.
Key-words: Behaviorism; Language; Chomsky; Skinner.

Introduo

Como sabido, nos anos 50, o estudo da lingustica tinha

como paradigma dominante a psicologia behaviorista, que se
caracterizava por fornecer uma explicao essencialmente
comportamental da atividade lingustica e de sua aquisio. Porm,
com o ento desenvolvimento das chamadas cincias cognitivas
cujo ponto de partida o de entender a mente como um objeto
fsico , vrias outras teorias lingusticas surgiram e se opuseram a
este modelo terico predominante. Dentre essas teorias, o inatismo

Doutorando em Filosofia na Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa.

Professor de Filosofia na UNICAP e na FATIN. E-mail: [email protected]
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chomskyano uma das mais influentes.
Historicamente, pode-se dizer que o programa de estudos
lingusticos de Chomsky comea com uma crtica aplicao dos
pressupostos que subjazem ao paradigma behaviorista na anlise do
fenmeno da linguagem humana. Trata-se, com efeito, de uma
crtica quela que talvez seja a mais eloquente e ousada tentativa
behaviorista de dar contas desse complexo fenmeno humano: a
obra Comportamento Verbal, de Skinner
(SKINNER, 1957)1. Tendo como base a suposio de que a
resenha chomskyana dessa obra relevante para um melhor
entendimento da sua teoria lingustica, o objetivo primeiro deste
artigo o de traar os principais pontos dessa crtica. Mas, para que
eles fiquem mais evidentes, no ser descabido apresentar uma
caracterizao geral no s de como a tese behaviorista skinneriana
encara o fenmeno humano da linguagem, como tambm da teoria
da aprendizagem lingustica por ele defendida.

1. O Behaviorismo Skinneriano e o Comportamento Verbal

O behaviorismo , em sntese, uma resposta ao mentalismo

que, desde Descartes, fortemente influenciava a investigao do
comportamento humano, em geral, e da linguagem, em particular.
Sua origem est associada ao movimento inaugurado no incio do
sculo XX, cujo principal objetivo era o de transformar a
psicologia em estudo cientfico, contrapondo-se, assim,
concepo vigente de psicologia, que era essencialmente
introspectiva e fenomenolgica2. Para empreender tal
transformao, o assim chamado behaviorismo psicolgico
assumiu o comportamento, e no a mente, como o mais adequado
objeto de estudo da psicologia. Esta mudana de objeto fez com
que os eventos psicolgicos fossem estudados a partir das
evidncias comportamentais, sem quaisquer referncias a eventos
mentais.

1
Neste artigo, as pginas citadas desta obra so da seguinte traduo portuguesa:
(SKINNER, 1978).
2
As origens, as bases e as heranas filosficas deste movimento foram
amplamente discutidas por vrios autores (Cf. ZURIFF, 1985; RICHELLE, 2003;
LOPES; ABIB, 2003; KOLBE, 1978; CARRARA, 2005; BAUM, 2007; ABIB,
1997).
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O que de fato se desejava com isso era que a psicologia
fosse concebida como um ramo puramente objetivo e experimental
das cincias naturais. Ela se tornaria, assim, a cincia do
comportamento, cuja finalidade seria a de prever e controlar o
conjunto dos comportamentos humanos, inclusive aqueles que
correspondem ao exerccio efetivo do fenmeno da linguagem.
Quer dizer, sob esta convico, o ponto de vista do behaviorismo
defende que o que ocorre quando algum realiza qualquer exerccio
da linguagem claramente uma questo relativa ao comportamento
humano. Trata-se, portanto, de uma questo que dever ser
analisada a partir dos instrumentos cientficos que caracterizam a
psicologia enquanto cincia experimental do comportamento, e no
mais a partir dos conceitos que envolviam as explicaes
mentalistas da linguagem.
Esta , precisamente, a tarefa assumida por Skinner em seu
Comportamento Verbal. Com essa obra, ele tenta especificar e
explicar o repertrio do falante e do ouvinte por meio de um
modelo cientfico suscetvel de abordagem experimental. Tendo
como pano de fundo o que considera ser o quadro apropriado do
comportamento humano como um todo, o objetivo principal de
Skinner (1978: 27) era o de fornecer uma anlise funcional
daquilo que ele chamou comportamento verbal. Seu ponto de
partida o de que as tcnicas cientficas que caracterizam o modelo
de pesquisa experimental por ele sugerido, bem como o alegado e
novo nvel de ordem e preciso advindos de seus estudos do
comportamento animal (sobretudo com ratos e pombos), seriam
capazes de fornecer uma melhor compreenso deste tipo de
comportamento. Seu pressuposto era, na verdade, a ideia de que
tais tcnicas poderiam ser estendidas, sem srias modificaes, ao
estudo e tratamento dos comportamentos humanos, inclusive o
verbal.
Para Skinner (1978, p. 17), Comportamento verbal um
modo especial de ao decorrente de um episdio verbal total
(aquele que envolve determinada relao entre um falante e um
ouvinte), em que as elocues lingusticas nele pronunciadas
produzem determinados efeitos sobre o mundo fsico, atravs da
mediao de terceiros3. Ao definir tal comportamento desta

3
Para uma detalhada exposio da definio skinneriana de comportamento
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maneira, ele se mantm coerente com as linhas essenciais de seu
behaviorismo radical. Como se sabe, esse tipo de behaviorismo
est fundamentado na ideia segundo a qual grande parte do
repertrio comportamental dos organismos humanos e no
humanos funo de variveis ambientais e, como tal, pode ser
enquadrado na contingncia de mecanismos de estmulo-resposta-
reforo. Se identificada a contingncia de reforo, diz-se do
comportamento resultante desse conjunto que ele est sob controle
de estmulos. Em outras palavras, ao defini-lo assim, Skinner
considera o comportamento verbal como um comportamento
operante e, sendo assim, o que a sua anlise funcional pretende
realmente o enquadramento do fenmeno lingustico nas
contingncias de reforo que modelam o comportamento de
falantes e ouvintes. Pretende-se, assim, analisar esse tipo de
comportamento em termos das relaes de controle existentes
nessas contingncias.
Assim caracterizados, tais comportamentos so, na verdade,
uma resposta funcionalmente definida. Quer dizer, se seguida por
um reforo adequado, a resposta tem maior probabilidade de se
repetir com a mesma funo. Quando, porm, o comportamento
seguido por uma punio, a resposta tem menor probabilidade de
ocorrer no futuro. precisamente isso que leva Skinner a admitir
que atravs dessas contingncias que se pode modificar o
comportamento dos indivduos e, por conseguinte, no s grandes
cadeias de comportamentos podem ser construdas, como tambm a
manipulao das recompensas o que permitiria prever e controlar
tais comportamentos.
Se analisada com cuidado, repararemos que o que de fato
est sendo aqui alegado a ideia segundo a qual a previso e o
controle dos comportamentos verbais seriam dados pela
observao e manipulao do ambiente fsico dos utentes da
linguagem. Supe-se, ento, que, encontrando a causa de cada
resposta, poder-se-ia exercer, partida, o seu controle e at a sua
previso. Assim descrito, o sucesso desse projeto deve ser avaliado
pelo alcance de suas previses, e pela extenso de sua capacidade
de produzir ou controlar tais comportamentos (SKINNER, 1978, p.
17, 27). Desta perspectiva, a anlise pretendida consiste na

verbal e de suas implicaes (Cf. PALMER, 2008, p. 295-307).

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identificao das variveis de controle dos comportamentos
verbais e, neste caso, nenhuma suposio feita acerca de
qualquer caracterstica exclusivamente verbal. O que no fundo se
considera o conjunto dos estmulos externos que causam tais
comportamentos, bem como as respostas dadas pelos indivduos
envolvidos no episdio verbal que os caracterizam.
Isto implica dizer que, neste tipo de anlise, estados mentais
ou mesmo neurofisiolgicos no so levados em conta. Ou seja,
dado que o que realmente importa a dimenso objetiva de tais
comportamentos, tudo o que interno ao organismo seria, deste
ponto de vista, considerado irrelevante para fins explicativos e, por
isso, nenhuma entidade mental invocada. Consideram-se, assim,
apenas os estmulos externos e a resposta proferida pelos utentes da
linguagem. Mais especificamente: um ouvinte responde aos
estmulos verbais produzidos por um falante. Sob esta tica, um
utente da linguagem falante quando se comporta verbalmente
perante outro, e torna-se um ouvinte ao comportar-se
funcionalmente diante de estmulos verbais produzidos por um
falante.
As relaes que se estabelecem entre falante e ouvinte nos
episdios verbais que compem os comportamentos verbais
podem ser, para Skinner, bem diversificadas. Para ele, estas
diferenas constituem e caracterizam os chamados operantes
verbais. Tais operantes so, com efeito, aquilo que faz com que,
numa dada comunidade verbal, certas respostas sejam
caracteristicamente seguidas por certas consequncias. A distino
entre os operantes verbais estabelecida, assim, em termos da
relao funcional com determinadas variveis, isto , em termos da
relao entre uma dada resposta e seu estmulo, o reforo e a
consequncia. Tais consequncias seriam, neste caso, fornecidas
por um mediador (ouvinte) que, para responder adequadamente aos
diferentes operantes verbais emitidos pelo falante, deve fazer
parte da mesma comunidade lingustica.
Um ponto importante a ser notado aqui o de que, enquanto
Skinner definiu o comportamento verbal focalizando a nfase na
importncia da anlise funcional para a descrio das variveis
de controle desse tipo de comportamento, na sua apresentao dos
operantes verbais ele se baseou na identificao da natureza do
controle de estmulos e a sua relao com as respostas por eles
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controladas. Deste modo, eles podem, portanto, ser compreendidos
por meio de uma anlise causal das contingncias s quais so
expostos os episdios verbais de uma dada comunidade
lingustica. Assim caracterizados, a correta compreenso de como
se do as prticas lingusticas dependente da correta compreenso
destes operantes verbais.
Em seu Comportamento Verbal, Skinner nos apresenta os
seguintes operantes verbais primrios, isto , aqueles que so
controlados por estmulos verbais antecedentes: ecico, textual,
transcrio e intraverbal. Embora sejam importantes, detalh-los
aqui fugiria aos propsitos deste artigo. Contudo, no ser
descabido pass-los em revista, ainda que resumidamente.
O primeiro deles, muito usado com crianas e em sala de
aulas, caracterizado por envolver um estmulo verbal auditivo
antecedente, cuja resposta verbal, tambm sonora, reproduz a
sonoridade do estmulo. Exemplos desse operante podem ser
observados quando, ao ouvir um determinado som, algum o
repete; ou quando algum imita os sons e as palavras de um
interlocutor.
Um operante textual quando o estmulo antecedente um
estmulo verbal impresso ou escrito, e a resposta uma resposta
vocal. Neste caso, h entre o estmulo e a resposta uma
correspondncia formal, arbitrariamente estabelecida (por exemplo,
diante da palavra impressa bola, dizer: bola). Salienta-se que,
aqui, a relao de controle que caracteriza o comportamento textual
diferente da relao de controle que caracteriza a leitura com
compreenso.
J a transcrio trata-se de um operante verbal no qual o
estmulo antecedente vocal ou escrito, e a resposta verbal
sempre escrita. Exemplos comuns de tal operante so as atividades
de cpia e ditado realizadas por estudantes. Por fim, o operante
verbal intraverbal aquele no qual uma resposta verbal (vocal ou
escrita) fica sob controle do estmulo antecedente (vocal ou
escrito), no havendo qualquer correspondncia formal entre o
estmulo e a resposta por ele produzida. o caso de respondermos
2 ao estmulo verbal 1+1, ou Lisboa para a capital de
Portugal. Uma traduo seria um excelente exemplo de um
episdio verbal contendo um operante intraverbal. Repara-se,
ainda, que uma grande parte de nosso conhecimento formal
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derivada desse tipo de operante.
Entretanto, alm destes operantes verbais primrios,
controlados por estmulos verbais antecedentes, Skinner (1978, p.
56, 108, 109) define outros dois tipos de operantes verbais, que
no esto sob controle de estmulos verbais. So eles: o mando e
o tato. O segundo deles reveste-se de especial importncia porque
nos conduz teoria da aprendizagem contida no paradigma
behaviorista skinneriano.
Um operante verbal chamado de mando quando a
resposta verbal emitida sob controle de certas condies
motivacionais. Quer isto dizer que, nele, diferente de todos os
operantes acima apresentados, a resposta no tem relao
especfica com um estmulo antecedente, mas sim com uma dada
condio motivacional do falante. Assim, este operante verbal
teria a sua anlise funcional vinculada a condies de privao ou
presena de estimulao aversiva, e o seu estabelecimento
dependeria de um reforador especfico. Com efeito, neste tipo
de operante, a resposta verbal especifica o reforador (um
obrigado, por exemplo) ou o comportamento do ouvinte (por
favor, feche a porta). Sendo assim, as vrias respostas verbais
dadas nos contextos em que uma ordem obedecida, um pedido
atendido, um conselho seguido, uma splica satisfeita, etc.
podem ser considerados exemplos de mandos. Note-se, como bem
salienta Skinner (1978, p. 56), que o repertrio verbal de mandos
opera, em geral, em benefcio do falante, uma vez que produz como
consequncia um reforador especfico.
J o tato, por sua vez, caracterizado como um operante
verbal cuja resposta verbal emitida sob controle de um estmulo
antecedente no-verbal, isto , um objeto particular ou um evento,
ou propriedade de um objeto ou evento. o que ocorre quando, por
exemplo, olhamos para uma bola e dizemos: bola. Aqui, a nossa
resposta est sob o controle de um estmulo particular, que, neste
caso, um objeto especfico: uma bola. Poderia tambm ser o caso
que diante deste mesmo objeto algum dissesse: vermelha.
Nestas circunstncias, a resposta dada estaria sob o controle de
uma propriedade do objeto, que seria a sua cor.
Em episdios verbais que contenham este tipo de
operante, o reforo das respostas deve ser feito na presena dos
estmulos que a provocaram, envolvendo, assim, o falante, o
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estmulo, e o reforador. Nos exemplos apresentados acima, tal
reforo pode ser dado por uma segunda pessoa que, (1) tendo
acesso ao mesmo estmulo do indivduo que pronunciou bola ou
vermelha, e (2) tendo condies de julgar se a resposta dada por
ele ou no adequada diante do estmulo compartilhado, poder, se
a resposta for adequada, refor-la. precisamente deste modo
que Skinner acreditava ser possvel prever e controlar o
comportamento do indivduo reforado: criando os estmulos que
sero, com grande probabilidade, seguidos por determinadas
respostas. Convm notar que o pressuposto o que os estmulos
so compartilhados, isto , pblicos, e o reforo surge exata e
imediatamente aps a resposta.
Assim caracterizado, o tato , para Skinner, o mais
importante operante verbal. Com efeito, nele que a resposta
est mais diretamente ligada ao estmulo; est, por assim dizer,
mais sob seu controle. A explicao para isso est na natureza
pblica do estmulo aqui evocado. Quer dizer, por serem pblicos
(e, portanto, compartilhveis), uma resposta que seja produzida por
esses tipos de estmulos poder ser sempre reforada por uma
segunda pessoa. Uma vez reforada, a resposta tem maior
probabilidade de se repetir. O estabelecimento do repertrio de
tatos supe, portanto, o enfraquecimento da relao de controle dos
estados de privao especficos ou de estimulao aversiva sobre a
resposta, de tal forma que se estabelece uma relao especial de
controle com a estimulao antecedente. Isto o que distingue,
tambm, a diferena entre o mando e o tato. A resposta gua,
por exemplo, tanto pode ser um mando, quando emitida por um
homem sedento, como pode tambm ser um tato, quando emitida
por algum que simplesmente v a gua. Skinner ainda sintetiza
essas caractersticas do tato enfatizando que, em geral, este
operante opera em benefcio do ouvinte, uma vez que permitiria
ao ouvinte acesso a informaes sobre o mundo ou mesmo a
informao sobre o prprio falante.

1.1 A Teoria Behaviorista do Aprendizado Lingustico

Dito isto, no difcil percebermos que as consideraes

sobre esse ltimo operante verbal nos conduzem quilo que
poderamos chamar de teoria behaviorista da aprendizagem
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lingustica. Alis, o prprio Skinner (1978, p. 107) chega a afirmar
que o tato o nico operante estudado exclusivamente pelas teorias
da linguagem e da significao.
De acordo com o quadro geral do behaviorismo radical,
pode-se dizer que a aprendizagem (seja ela do que for) fruto do
condicionamento operante. , portanto, um comportamento
observvel, descrito em termos da contingncia de reforo.
Enquadrada nestes termos, a aprendizagem da linguagem seria, por
assim dizer, fator de exposio ao meio, e decorrente de
mecanismos comportamentais (Cf. BANDINI; DE ROSE, 2007, p.
18-28). Ou seja, aprender uma lngua no seria diferente, em
essncia, da aquisio de outras habilidades e comportamentos, j
que se trata de acmulos de comportamentos verbais.
Conquanto seja verdade que Skinner no estava de todo
interessado em elaborar uma teoria da aprendizagem lingustica, as
linhas fundamentais que subjazem a sua anlise funcional do
comportamento verbal implicam que o aprendizado lingustico
se d quando os utentes da linguagem adquirem tais
comportamentos. D-se, portanto, quando suas vocalizaes
comeam a ser reforadas ao produzirem consequncias numa
dada comunidade verbal. Isto, no fundo, nada mais do que outra
maneira de dizer que o aprendizado das primeiras palavras da
linguagem por uma criana se d em termos da contingncia de
mecanismos de reforo. Desse ponto de vista, o aprendizado
lingustico comea com uma resposta que, casualmente, dada por
um certo estmulo no mundo, e depois reforada por uma
segunda pessoa. Casos tpicos desse cenrio didtico elementar so
aquelas situaes protagonizadas pelos bebs em seus primeiros
anos de vida. Um exemplo claro destas situaes comuns o de
uma criana que, diante de seus pais, olha para a sua me e diz:
mam, e, imediatamente, tanto o pai quanto a me aprovam, de
alguma maneira, este balbuciar caracterstico (ou com um sorriso,
ou com palmas, ou com beijos, etc.).
Em outras palavras, e utilizando o vocabulrio da
perspectiva sob anlise, o que de fato ocorre nesse episdio
verbal acima descrito que os pais reforam a resposta da
criana, aps constatarem a sua adequao ao estmulo dado.
suposto que ocasies similares acontecero, e nelas os pais
provocaro respostas adequadas da criana. Se forem dadas, tais
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respostas devero ser mais uma vez reforadas at a criana ser
capaz de relacionar a resposta ao estmulo. H que se notar que,
neste caso, para que tal modelo de aprendizado seja sustentado, so
necessrias vrias ocasies de reforo. De fato, o que na verdade
suporta todo este processo didtico a convico de que, aps um
determinado nmero destas ocasies, uma relao causal
estabelecida entre a resposta e o estmulo. A ideia que subjaz a este
processo a de que, para que essas respostas dadas na infncia
sejam, provavelmente, dadas na idade adulta, basta serem
adequadamente reforadas. Do contrrio, elas podem at ser
eliminadas do repertrio verbal de uma dada comunidade
lingustica.
Um ponto importante a ser destacado nesse modelo
pedaggico de ensino da linguagem o de que a aprendizagem do
comportamento de falante teria como condio necessria a
aprendizagem prvia do comportamento de ouvinte. Essa ltima,
por sua vez, seria possvel em funo da exposio do indivduo a
eventos ostensivos, dentro de sua comunidade verbal. Tais eventos
se caracterizam pela associao de um estmulo verbal a um
estmulo no-verbal, sendo o primeiro uma referncia ao segundo.
Ao apontar para um barco de papel, uma me poderia dizer a seu
filho: isto um barco; ou, colocando o mesmo estmulo no-
verbal em outra categoria, poderia dizer: isto um brinquedo.
Dada a exposio do indivduo a n exemplares deste tipo de
evento ostensivo, este ponto de vista assegura que se poderia
responder adequadamente a estmulos idnticos ou similares
queles aos quais j foi exposto. Ora, se as primeiras palavras so,
de fato, aprendidas desta forma, possvel acreditar, como Skinner,
que se pode exercer previso e controle sobre as respostas dadas
pelas crianas. Para isso, bastaria apenas encontrar a causa da
resposta. Se a criana est diante de uma bola, posso prever que
dir: bola. Para fazer com que ela, provavelmente, diga mam,
bastaria coloc-la na presena da me; e assim por diante. Em
sntese, pode-se dizer que, desta perspectiva, aprende-se a falar
com base no reforo adequadamente dado a respostas produzidas
por estmulos no mundo.
Entretanto, mesmo que se admita que o modelo proposto
pela teoria behaviorista do aprendizado lingustico fosse verdadeiro
para o aprendizado das primeiras palavras, restar-nos-ia saber se ele
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capaz de dar contas da evoluo do aprendizado lingustico. Ou
seja, restar-nos-ia saber se ele capaz de explicar satisfatoriamente
a aquisio das estruturas mais complexas que compem a nossa
linguagem. Como evidente, o que at aqui foi dito da proposta de
Skinner no capaz de explicar como isso acontece. Para lidar com
respostas verbais mais complexas, sobretudo com aquelas que
dizem respeito produo de estruturas gramaticais e sintticas,
Skinner (1965; 2003) recorre aos chamados operantes
autoclticos. Tais operantes tm a funo de elucidar ou alterar
respostas verbais primrias, por meio da descrio, qualificao,
quantificao ou mesmo do comentrio de comportamentos
verbais.
Os operantes autoclticos apresentados por Skinner so
quatro. Os descritivos so destinados a dar conta de situaes auto-
descritivas. So utilizados, na verdade, em respostas dadas a
perguntas do tipo: o que que voc disse?. Sentenas iniciadas
com expresses do tipo: eu afirmei que, possivelmente, , e
todas as atitudes proposicionais, so exemplos de sentenas
complexas construdas pela insero de um autocltico
descritivo. Os qualificados so caracterizados como aqueles
autoclticos que qualificam um tato de tal forma que a intensidade
ou a direo do comportamento do ouvinte em relao ao tato
elementar so modificadas. Entre este tipo de autocltico
encontram-se, por exemplo, a negao e alguns advrbios. O uso de
um no! enftico para persuadir algum a no tocar em
determinado objeto um claro exemplo deste tipo de autocltico.
Os autoclticos quantificadores afetam o ouvinte indicando,
quer uma propriedade do comportamento do falante, quer as
circunstncias responsveis por essa propriedade. Neste tipo de
autoclticos esto includos os artigos, adjetivos e advrbios de
tempo ou quantidade. Por exemplo, as circunstncias em que
dizemos bola so diferentes daquelas em que dizemos a bola,
e ambas so diversas daquela em que dizemos uma bola. Por
fim, temos os autoclticos relacionais. Estes so aqueles tipos de
autoclticos que so controlados por relaes entre os operantes
verbais bsicos. As preposies, as conjunes, pontuao, as
concordncias, e as desinncias modo-temporais dos verbos so,
todos, exemplos deste tipo de operante autocltico.
Exemplificando melhor esta caracterizao skinneriana,
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uma sentena do tipo a casa verde poderia ser analisada da
seguinte forma: o artigo a seria um autocltico quantificador,
cuja funo a de indicar que o comentrio refere-se a um objeto
particular (a casa); as palavras casa e verde seriam tatos
elementares, apreendidos por meio de eventos ostensivos; e o ,
a inflexo do verbo ser na terceira pessoa, seria um autocltico
relacional, cuja funo seria a de especificar uma propriedade do
objeto do qual se est falando. Importa notar, com isso, que a
identificao dos operantes autoclticos feita na dependncia da
morfologia e da gramtica.
Para Skinner, ento, o papel desempenhado pelos
autoclticos o de permitir que os comportamentos verbais
sejam organizados em estruturas maiores do que aquelas
possibilitadas pelos operantes verbais. Trata-se, com efeito, de
uma amplificao destes comportamentos verbais primrios,
pelo acrscimo de autoclticos. Isto implica dizer que s depois
de se estabelecer um episdio verbal primrio, que o falante se
v sujeito s contingncias adicionais que estabelecem o
comportamento autocltico. A insero dos operantes autoclticos
nestas estruturas primrias feita, segundo Skinner, por um
processo chamado de composio. O resultado de uma
composio , como se v, uma sentena gramatical complexa que,
neste caso, concebida como sendo um conjunto de respostas-
chave em uma dada moldura esqueleto. Em geral, este processo
se d com os substantivos (evocados por objetos no mundo) e os
verbos (evocados por aes) sendo escolhidos primeiro, e depois
so ordenados, qualificados, quantificados, relacionados etc., por
respostas autoclticas.

2. As crticas de Chomsky e o fracasso do projeto de Skinner

Do ponto de vista do behaviorismo skinneriano, portanto,

tanto o aprendizado das primeiras palavras quanto a formao de
respostas verbais complexas esto enquadrados nos mecanismos de
contingncias de reforo. Os detalhes de como isso ocorre, porm,
no nos foram desenvolvidos por Skinner, pois, afinal de contas, o
seu interesse era o de realizar uma anlise funcional do
comportamento verbal. Essa tarefa ficou ao cargo de outros
behavioristas, como Davidson e Quine, por exemplo. Todavia, o
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resultado do empreendimento de Skinner em manter o mesmo rigor
cientfico do modelo das cincias naturais na anlise do
comportamento verbal no foi assim to promissor como o
esperado, e logo vieram as crticas.
A mais notvel (e talvez a mais arrasadora) crtica dirigida anlise
proposta por Skinner no Comportamento Verbal foi empreendida
por Chomsky (1959), dois anos depois da sua publicao. Tal
crtica foi considerada por muitos psiclogos e linguistas como
uma das mais marcantes crticas ao behaviorismo radical e
cincia do comportamento. Nela, Chomsky se ope claramente s
ideias empiristas na linguagem e, por isso, ele mesmo a considerou
no como uma crtica especfica da teoria proposta por Skinner,
mas das teorias empiristas e behavioristas a respeito dos processos
mentais, de um modo geral (CHOMSKY, 1967).
Tendo ampla aceitao e sendo muito difundida, a crtica de
Chomsky proposta de Skinner, bem como outros textos que a
seguiram (CHOMSKY, 1971; 2006), no s foram utilizados como
uma introduo ao estudo do behaviorismo radical para muitos
estudantes que iniciavam pesquisas nas reas de psicologia e
lingustica, como tambm contriburam significativamente para a
crescente consolidao do movimento anti-behaviorista, que se
associava ainda incipiente e embrionria revoluo cognitiva,
na metade do sculo XX.
Abrangendo grande parte dos principais aspectos expostos
por Skinner no Comportamento Verbal, a crtica chomskyana est
basicamente estruturada em dois nveis: (1) na crtica direcionada
ao carter objetivo-observvel dos conceitos basilares do
behaviorismo radical; e (2) na alegao da incapacidade explicativa
do modelo cientfico adotado por Skinner, quando confrontado com
alguns episdios lingusticos quase que quotidianamente
experimentados pelos utentes da linguagem. O primeiro lance de
argumentos consiste, portanto, num ataque aos fundamentos dos
principais conceitos utilizados por Skinner em sua anlise. Critica-
se, na verdade, o modo como ele aplica as noes de estmulo,
resposta e reforo na anlise dos comportamentos da vida
real. J o segundo grupo de argumentos trata da apresentao de
alguns episdios verbais, para os quais a teoria de Skinner no
capaz de oferecer qualquer explicao satisfatria.
Ao salientar que a proposta de Skinner era a de usar os
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conceitos desenvolvidos pela psicologia emprica para analisar o
comportamento verbal, Chomsky considerou que, se atacasse
com sucesso esses conceitos basilares que sustentam a tese de
Skinner, infringiria srios constrangimentos a sua anlise do
comportamento verbal. Para cumprir esta tarefa, ele recorre a
vrios exemplos dados no prprio Comportamento Verbal, cuja
pretenso a de mostrar que, fora do contexto do laboratrio, as
noes de estmulo, resposta e reforo no possuem a objetividade
que Skinner lhes atribui.
Para Chomsky, a suposta falta de objetividade no uso
skinneriano dessas noes pode ser claramente demonstrada
quando, por exemplo, (1) consideramos o fato de que os estmulos,
que inicialmente foram caracterizados como sendo pblicos e
objetivos porque se encontravam no mundo e podiam ser
plenamente compartilhados , so posteriormente admitidos por
Skinner (1957, p. 120) como podendo ser privados e subjetivos,
como uma determinada sensao sentida por um indivduo; (2) ou
quando se ressalta que o reforo, concebido como algo que ocorria
imediatamente aps a resposta, diante de um estmulo, e por parte
de uma segunda pessoa, poder no s ser um auto-reforo (como
no caso de uma criana que imita sons, como o de um carro e
bombas), como tambm ser retardado por dias, semanas, ou at
mesmo anos (como no caso de um escritor cujas obras s so lidas
no final de sua vida). Segundo ele, neste sentido, nem sequer
podemos afirmar, como inicialmente afirmou Skinner (1957, p. 48),
que o reforo cessa, uma vez que ele pode ser posteriormente
produzido pelo prprio falante, sem qualquer estmulo presente.
Ao chegar no fim do percurso de sua anlise, a concluso
chomskyana a de que, ao serem utilizados para os mais variados
papis dentro da teoria skinneriana, os termos estmulo,
resposta e reforo no passam de parfrases para termos da
linguagem natural, perdendo, com isso, a sua fora explicativa que
supostamente tinham ao serem utilizados. De fato, alega-se que,
para dar conta de comportamentos complexos, Skinner passa a
utilizar tais noes sem o rigor exigido pelo modelo emprico
adotado por ele, isto , as acepes cientficas desses termos
inicialmente estabelecidas no se mantm em toda a obra. O ponto
central da crtica que, ao servir-se de resultados experimentais
como evidncia do carter cientfico de sua teoria (CHOMSKY,
126 UNIVERSIDADE CATLICA DE PERNAMBUCO
 GORA FILOSFICA
1959, p. 51), Skinner cria a iluso de que a sua teoria uma
rigorosa teoria cientfica, quando, na verdade, os termos usados na
descrio da vida real e os usados na descrio dos experimentos
de laboratrio podem ser meros homnimos, sem qualquer
similaridade de significado. Em outras palavras, Skinner acusado
de fundamentar a sua anlise do comportamento verbal nos
termos do behaviorismo radical em suposies analgicas,
formuladas em termos de uma extenso metafrica do vocabulrio
do laboratrio.
Quanto a isso, vale ressaltar que Chomsky at concorda que
tais noes so bem definidas por Skinner, mas o seu campo de
emprego est restrito aos experimentos laboratoriais. Ou seja, a sua
crtica consiste em mostrar que tais conceitos tornam-se inteis na
discusso do comportamento na vida real. Convm notar que,
nesse caso, o que d suporte a toda esta objeo a ideia de que
existem duas categorias de comportamentos, que seguem um
conjunto de leis diferentes: por um lado, tm-se os comportamentos
caractersticos do laboratrio, e, por outro lado, tm-se os
comportamentos caractersticos daquilo que ele considerou ser a a
vida real. neste tipo de comportamento que, para Chomsky, a
estrutura bsica da contingncia dos mecanismos de estmulo-
resposta-reforo perde, por completo, o seu aspecto de preciso e
objetividade. Com estas constataes, Chomsky assegurou ter
decretado o fracasso da anlise pretendida por Skinner. Ele
acreditava, com efeito, que, ao se pr em xeque a objetividade dos
conceitos evocados por este tipo de behaviorismo para analisar as
prticas lingusticas, o alvo pretendido por Skinner no poderia
mais ser alcanado, isto , nenhum controle ou previso do
comportamento verbal poderia ser feita.
Para reiterar esta sua posio, Chomsky salienta ainda que,
de acordo com a proposta de Skinner, um mesmo objeto no mundo
pode produzir estmulos diferentes. Diante de tal objeto, portanto,
diferentes respostas podem ser dadas. Na presena de uma
pequena bola vermelha, por exemplo, um falante pode
responder: bola, vermelha, ou pequena. Em todo o caso, do
ponto de vista skinneriano, qualquer uma destas respostas dada
diante desse objeto est sob controle de um dos estmulos. Sendo
assim, Chomsky argumenta que no se pode exercer nenhum
controle ou mesmo previso do comportamento verbal, porque
Ano 15 n. 1 jan./jun. 2015 - 127
 GORA FILOSFICA
s saberemos qual dos estmulos controla a resposta, depois que
esta for dada. A tentativa de querer que um falante diga bola
diante do objeto acima referido poder ser frustrada se o estmulo
que o afeta for uma propriedade do objeto, a sua cor, por exemplo.
Em resumo, o ponto relevante desta argumentao o de que em
situaes como essas no saberemos o que ser dito, antes que o
falante diga. Por isso, nenhum controle ou previso pode ser
efetuado.
E no somente isso. Por serem dependentes das relaes
estabelecidas pelas noes de estmulo, resposta e reforo, o
alcance desta objeo tambm estendido para os chamados
operantes verbais. Com efeito, Chomsky no efetua uma anlise
pormenorizada de tais operantes. Porm, as suas poucas
consideraes sobre eles tentam evidenciar que, do modo como
Skinner os define, nem sempre possvel determinar qual dos
operantes est, de fato, operando numa dada situao. Como, em
certos casos, no nos possvel identificarmos todas as variveis
envolvidas num episdio verbal, no temos condies de
explicar determinados comportamentos. Sem tal identificao, por
exemplo, pode ocorrer que, diante de um copo com gua,
julguemos a resposta gua como sendo uma resposta operada
por um mando, quando ela constitui, na verdade, uma resposta
operada por um tato.
Convm notar que, a partir da alegao desta falta de
preciso na determinao das variveis envolvidas num episdio
verbal, Chomsky empreende uma crtica prpria definio
skinneriana de comportamento verbal. Para ele, conceber o
comportamento verbal como aquele comportamento mediado por
outras pessoas, tendo essas pessoas sido condicionadas
precisamente para reforar o comportamento do falante, no , de
modo algum, uma definio satisfatria. Em seu argumento, ele d
o exemplo de uma pessoa que, ao atravessar uma rua, ouve o grito
olhe o carro! e pula, desviando-se do mesmo. Mostra-se-nos
ento que, o comportamento de pular (no caso, a resposta
mediadora) dificilmente teria sido condicionado precisamente para
reforar o comportamento do falante que, neste caso, a pessoa
que gritou: olhe o carro!.
Alm dessas consideraes, que ao nosso ver j seriam
suficientes para repensarmos os fundamentos da proposta
128 UNIVERSIDADE CATLICA DE PERNAMBUCO
 GORA FILOSFICA
skinneriana, no descabido ressaltar ainda o outro lance de
argumentos delineados por Chomsky em sua resenha ao
Comportamento Verbal. J como que limpando o terreno para a
apresentao de sua teoria sobre a linguagem humana, tais
argumentos so usados por ele tanto para criticar as posies
adotadas por Skinner quanto para dar suporte sua prpria teoria
sobre a linguagem. Trata-se, no fundo, da apresentao de algumas
situaes que envolvem episdios verbais ntidos, mas para as
quais a teoria de Skinner no nos fornece, segundo Chomsky,
qualquer explicao satisfatria.
A primeira delas diz respeito a um perodo crtico para a
aprendizagem da linguagem. Como veremos, este ponto , na
verdade, um dos pilares da teoria chomskyana da linguagem. Para
elucidar a sua objeo, Chomsky considera o tpico exemplo de
uma criana, filha de imigrantes, que aprende uma segunda lngua
nas ruas (em seus contatos com outras crianas) de maneira muito
mais rpida e fluente que seus pais, mesmo que estes estejam
extremamente motivados (e necessitados) para aprender a nova
lngua.
Uma segunda situao apresentada por Chomsky, que
tambm pode ser considerada como uma das bases de sua proposta
lingustica, se refere capacidade de compreenso de novas
sentenas. Refere-se, portanto, capacidade que um falante tem de
compreender sentenas jamais ouvidas ou lidas. o que ocorre
quando, ao lermos um texto qualquer, encontramos uma imensa
gama de sentenas que nunca ouvimos anteriormente, mas mesmo
assim conseguimos compreend-las.
Ao confrontar esses exemplos com a proposta criticada, a
concluso chomskyana a de que estes dois casos devem ser
considerados como uma reductio ad absurdum da teoria de Skinner
e de teorias similares. Salienta-se, no primeiro caso, que tais teorias
no so capazes de explicar a rapidez da aquisio da lngua pela
criana, e nem a capacidade de compreenso de sentenas novas do
leitor, no segundo caso. Nesta ltima situao, o que est criticando
especificamente , sobretudo, a incapacidade da teoria behaviorista
do aprendizado em dar conta do aspecto criativo da linguagem. Em
sntese, o ponto central do argumento o de que, se o
comportamento verbal do ouvinte fosse, de fato, fruto da sua
exposio a um nmero de situaes para responder adequada e
Ano 15 n. 1 jan./jun. 2015 - 129
 GORA FILOSFICA
eficazmente ao comportamento do falante, como ento poderia ser
possvel que ele respondesse adequadamente ao comportamento do
falante em novas situaes, nas quais no existisse qualquer espcie
de condies outrora partilhada? Note-se ainda que, quanto ao
primeiro caso, a teoria de Skinner teria que explicar no s a
rapidez e a facilidade da criana para aprender a lngua, mas
tambm a dificuldade dos pais para aprender essa mesma lngua.
A esses exemplos extrados da experincia, Chomsky ainda
acrescenta uma suposta situao, na qual considera a explicao
oferecida por Skinner da resposta emitida por uma pessoa a um
estmulo verbal. Supe-se que, numa caada, um dado ouvinte B
ouve o falante A emitir a resposta verbal leo!, e reage
(apropriadamente) olhando ao redor e preparando a sua espingarda.
Pergunta-se: como explicar o comportamento de B? Chomsky
argumenta que a resposta de Skinner, segundo a qual se B reage
apropriadamente ao estmulo leo porque a sua histria de
reforo estabeleceu o estmulo leo como um estmulo
discriminativo para o comportamento de olhar ao redor, no se
sustenta, posto que o ouvinte pode nunca ter visto um leo e,
mesmo assim, reagir apropriadamente ao estmulo leo.
Por ltimo, poder-se-ia falar tambm sobre aquela que a
ltima crtica que Chomsky apresenta em sua reviso do
Comportamento Verbal. Trata-se de uma crtica relacionada com o
comportamento autocltico e o tratamento da gramtica e da sintaxe
em termos skinnerianos. A objeo chomskyana a de que as
explicaes dadas por esse ponto de vista sobre as estruturas
frsicas so inadequadas. Sua crtica consiste, precisamente, na
alegao de que, uma vez que inserir palavras em molduras
(como sugere Skinner), mesmo que ordenadamente, no garante a
produo de sentenas vlidas, qualquer abordagem da linguagem
que falhe em considerar esse fato no pode obter grande sucesso na
explicao do comportamento lingustico. Sustenta-se que muitas
coisas esto envolvidas nas estruturas frsicas e, como se viu, a
abordagem skinneriana do processo de composio no d conta
desta complexidade.

Concluso

Assim descritas, constata-se claramente que as crticas

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chomskyanas pem srias dificuldades prpria testabilidade da
teoria de Skinner. Alis, baseados nestes pontos apresentados,
podemos at dizer que seu objetivo de mostrar o fracasso e a
limitao do projeto behaviorista de Skinner para prever e controlar
o comportamento verbal foi realmente alcanado. Mais do que isso.
O que de fato se pretendeu foi provar que tal
comportamento no pode ser explicado nem reduzido ao jogo
mecnico dos hbitos, imitaes, associaes e condicionamentos.
Quer isso dizer que, ao mostrar a inconsistncia do uso dos termos
basilares do behaviorismo radical, a crtica revelou uma limitao
de carter metodolgico, a saber: que os resultados obtidos com
animais no deveriam ser considerados como sendo livres de
restrio de espcies como acreditava Skinner, e, por isso, o seu
modelo explicativo no seria capaz de alcanar todas as
complexidades do comportamento humano, mais especificamente,
do comportamento verbal. O que se assegura com isso a ideia de
que, ao estudar o fenmeno lingustico, as teorias behavioristas da
linguagem no consideram uma das suas principais caractersticas
(levada muito a srio por Chomsky): a sua exclusividade na espcie
humana.
Por fim, pode-se destacar alguns dados curiosos
relacionados a essa crtica de Chomsky Skinner. O primeiro deles
o fato de que a crtica tornou-se to ou mais conhecida do que a
prpria obra criticada. Quanto a isso, alis, o prprio Skinner
(2002) reconheceu, no incio da dcada de 70, que j a partir dos
anos 60 a crtica chomskyana era mais popular do que o seu livro.
Dentre os variados motivos que encontramos na literatura para
justificar isso est o fato de os behavioristas terem demorado na
elaborao de uma resposta Chomsky. Para a grande maioria dos
membros da comunidade cientfica da rea na poca, este silncio
consistiu numa clara manifestao da impossibilidade de se
elaborar uma rplica aos argumentos de Chomsky. O
consentimento geral, portanto, era o de que Chomsky realmente
havia sepultado todas as pretenses behavioristas em dar uma
explicao sobre os comportamentos humanos.
At onde se sabe, esse silncio behaviorista s foi quebrado
mais de uma dcada depois, com um texto que ainda hoje uma
leitura indispensvel para o debate sobre este assunto. Trata-se do
consagrado On Chomskys review of Skinners Verbal Behavior, de
Ano 15 n. 1 jan./jun. 2015 - 131
 GORA FILOSFICA
Kenneth MacCorquodale (1970). O ncleo argumentativo desta
rplica gira em torno da acusao de que Chomsky no
compreendeu corretamente os conceitos basilares do behaviorismo
radical. Coincidentemente, este foi o mesmo argumento utilizado
pelo prprio Skinner (2002, p. 240) ao falar sobre a resenha de
Chomsky. Para Skinner, alm do estilo desagradvel e deselegante,
Chomsky havia entendido a sua posio de modo equivocado,
admitindo que ele era um behaviorista metodolgico e,
consequentemente, transformando-o num terico que tratava a
espcie humana do mesmo que tratava pombos, num laboratrio.
Depois da publicao do texto de MacCorquodale, outras
tentativas de resposta a Chomsky foram escritas (CARRARA,
2005; ZURIFF, 1985; RICHELLE, 2003; PALMER, 2006; JUSTI;
ARAJO, 2004; VIRUS-ORTEGA, 2006). Porm, apesar de
todo o esforo, estes textos no foram suficiente para impedir ou
mesmo amenizar os danos que a crtica de Chomsky trouxe para a
imagem do behaviorismo diante da comunidade cientfica.
Posto isto, convm notar que mais do que limitar-se a
constatar tal incapacidade das teorias behavioristas da linguagem
em darem conta desse complexo fenmeno humano, a crtica
chomskyana ao Comportamento Verbal de Skinner abriu espao
para uma nova cincia da linguagem e do comportamento.
Desnecessrio ser dizer que precisamente sobre esse novo
quadro cientfico que Chomsky constri a sua teoria lingustica.

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