Artigo Teatro Negro PDF
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A FALA IDENTITRIA:
TEATRO AFRO BRASILEIRO HOJE
A expresso "teatro negro" ser aqui utilizada da mesma forma que se fala de
"poesia negra", "literatura negra", isto , para designar o teatro no qual a presena
de personagens negros, afro-brasileiros, se registra de modo marcante. Entende-se
como pertencentes ao "teatro negro" ou "teatro afro-brasileiro" peas em que o
negro brasileiro aparece como elemento central, com toda a sua especfica
bagagem histrica, psicolgica e social. Seus autores utilizam essa presena em
cena para ai concentrarem a pulso dramtica indispensvel ao teatro. Para uma
melhor compreenso do assunto, consideramos necessrio inseri-lo no contexto
histrico e social que o originou.
Hoje em dia no mais possvel ignorar a existncia no Brasil da "poesia negra" e
da "prosa negra". Escritores como Solano Trindade e Lino Guedes, Oswaldo de
Camargo e Oliveira Silveira, Cuti, Paulo Colina, le Semog, Miriam Alves, Geni
Guimares, Conceio Evaristo e muitos outros, todos eles declaradamente
escritores negros, no podem mais ser silenciados e fazem parte definitivamente do
cenrio da literatura nacional. [1]
O conceito teatro negro muito pouco usado na historiografia literria estabelecida.
Mesmo nas grandes e muito bem documentas das obras bsicas sobre o teatro
brasileiro, como as de Sbato Magaldi, J. Galante de Sousa ou Dcio de Almeida
Prado ou nas conhecidas histrias da literatura brasileira (p. ex. Afrnio Coutinho,
1986), nada pude encontrar sobre o assunto. O prprio conceito teatro negro ou
afro-brasileiro parece desconhecido, a no ser pelo pequeno crculo de interessados
e quase no existem anlises ou estudos sobre esse tema. [2]
Muito contribuiu para uma nova viso do negro na dramaturgia brasileira a fundao
do Teatro Experimental do Negro (TEN), em 1944, por Abdias do Nascimento, a
partir do qua1 o talento e a capacidade dos afro-brasileiros de fazer teatro ficaram,
tambm aqui nesse campo, comprovados.
Conforme o testemunho de Abdias do Nascimento, a ideia de criar um teatro
especificamente para negros surgiu-lhe quando assistiu em Lima, no Peru, a pea
teatral O imperador Jones, de O'Neil, em que o papel-ttulo era desempenhado por
um ator argentino, pintado de preto. Tal prtica era, alis, muito corrente, inclusive
no teatro lrico brasileiro, constatando-se uma completa ausncia de afro-brasileiros
em papis de algum destaque. [10]
O Teatro Experimental do Negro, aberto primeiramente no Rio de Janeiro, funcionou
tambm intensamente em So Paulo por cerca de vinte anos. Teve como meta
principal o resgate do legado cultural africano no Brasil atravs do teatro. Segundo
as suas prprias palavras, seu fundador pretendia com isso "organizar um tipo de
ao que a um tempo tivesse significao cultural, valor artstico e funo social.
[11]
O trabalho empreendido pelo TEN, desde a sua fundao, ultrapassou de longe os
meros limites do palco. Tratava-se de uma concepo globalizante e profundamente
poltica, com o intuito especfico de contribuir de todas as formas possveis para a
denncia da segregao racial no pas e, sobretudo, para dar aos negros brasileiros,
em especial os das camadas mais baixas, oportunidades que at ento lhes eram
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Ainda oriundo daquele mesmo ncleo encabeado por Haroldo Costa, destaca-se o
Grupo Folclrico dirigido por Mercedes Batista, a nica bailarina negra do Corpo de
Baile do Teatro Municipal do Rio de Janeiro e que seguiu o modelo do "ballet tnico"
de atherine Dunham, a famosa coregrafa negra americana, tendo tido grande
aceitao e sucesso. Uma outra companhia de dana afro-brasileira, Olorum Baba
Mim, assumiu a herana coreogrfica de Mercedes Batista e artistas como Zez
Motta, Lea Garcia e Zzimo Bubul continuaram a perpetuar o legado teatral do TEN
com sua atuao altamente comprometida com a conscincia afro-brasileira. [15]
Hoje em dia, multiplicam-se em todo o pas, e mesmo no exterior, agrupamentos de
dana afro, dana afro-brasileira, de maior ou menor qualidade. A Brasiliana at
hoje continua na Europa, tendo passado por diversas direes; est completamente
desvirtuada da concepo original dos seus criadores, levando um ferico,
esvaziado e vulgar "folclore brasileiro", com predominncia da exibio
comercializada da plstica escultural de belas mulatas "tipo exportao", objetos da
fantasia sexual dos espectadores, corroborando o preconceito bastante generalizado
sobre a sensualidade da mulher mestia.
Embora somente conhecida por parte dos aficcionados, h na verdade uma larga
tradio de teatro negro em muitas cidades brasileiras. Em Porto Alegre, por
exemplo, cidade muito influenciada pela imigrao alem e italiana, segundo
informaes do poeta afro gacho Oliveira Silveira, em fins do sculo XIX, Lus da
Motta, poeta e dramaturgo, criou a sociedade Parthenon Literrio, que teve uma
grande repercusso. Ele viveu at o inicio do sculo XX, tendo sido escritor de
algum renome nos meios afro-brasileiros. H fragmentos de uma comdia da sua
autoria, publicados sob forma de folhetim no jornal O Exemplo, editado por negros
em Porto Alegre, entre 1928 e 1930. H tambm grupos teatrais no Rio Grande do
Sul com atividades mais ou menos contnuas, como a Sociedade Floresta Aurora,
fundada em 1871 ou 72 e que, com mais de cento e vinte anos, continua a existir em
Porto Alegre. Havia nesse clube de negros um centro dramtico, com o nome de
Grupo de Teatro Novo Floresta Aurora. Esse grupo, juntamente com o Grupo de
Teatro Novo Marclio Dias, tambm de afro-brasileiros, encenou a pea Orfeu da
Conceio, e Vincius de Moraes, apresentando-se no Teatro So Pedro, em Porto
Alegre, em 1970. Na dcada de 80, destacam-se o Grupo Teatro Negro Ax, ainda
de Porto Alegre, o Grupo Nosso Teatro, depois chamado Grupo Cultural Razo
Negra. Continuando no Rio Grande do Sul, acrescentem-se o Grupo Samba, de arte
negra, e o Grupo Iy Dudu, tambm de afro-brasileiros, nos finais da dcada de 8o,
que apresentava em pequenos palcos cenas criadas por seus componentes ou
colaboradores. Est atualmente com suas atividades suspensas.
Devido ao prprio carter marginalizado de tais atividades, sem apoio nem incentivo,
sem divulgao, sem nenhum registro por parte dos estudiosos do assunto, torna-se
extremamente difcil um alistamento, e ainda mais uma anlise, das inumerveis
atividades teatrais afro-brasileiras pelo Brasil afora. Em plena ditadura militar, em
1974, foi fundado na cidade paulista de So Carlos o Movimento Teatral Cultural
Negro. Na mesma poca, surgiu em Campinas o Grupo Teatro Evoluo. Na capital
paulista, citemos ainda, a ttulo de exemplo, o Grupo Teatral do Centro Arte-e-
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Cultura Negra, dirigido por Tereza Santos. Ai, o poeta afro paulista Eduardo de
Oliveira e Oliveira e a prpria Tereza Santos escreveram e encenaram a pea E
agora... falamos ns, em 1973. Trata-se de um tipo de montagem espelhando a
experincia dos negros na sua luta primeiro contra o jugo da escravido e depois
contra o preconceito e a segregao. A montagem inclua tambm uma bem
balanceada mistura de poesia e msica tanto do Brasil como da frica, inclusive
Angola. No Rio de Janeiro, destacamos a presena de um grande ator negro,
Zzimo Bubul, que dirigiu e encenou o monlogo Alma do olho, sobre o drama da
procura de espao por parte do negro numa sociedade branca e segregacionista.
Esquecido de todos, o afro-brasileiro Ubirajara Fidalgo, j falecido, escreveu Tutti,
Fala pra eles, Elisabeth e Os gazeteiros, esta encenada no Rio, por volta de 1982.
Tambm no Rio de Janeiro, Joel Rufino dos Santos, ativo intelectual afro-
descendente, escreveu em 1983 a pea Esse perverso sonho de liberdade, sobre a
inconfidncia baiana ocorrida no fim do sc. XVIII, mas que parece no ter sido
encenada. Todas essas informaes so, entretanto, precrias e dispersas e
certamente haveria muito mais a registrar, mas faltam pesquisas bsicas nesse
campo. Que sejam aqui vistas apenas como exemplos, sem termos nenhuma
inteno de ter esgotado o arrolamento.
A literatura afro-brasileira tem a mesma essncia, no importa que sua forma seja a
poesia, a fico ou o teatro. Ao proceder a anlise do contedo do chamado teatro
negro, escrito por negros e por brancos, com personagens negras em papis de
destaque, se no principais, levaremos primeiramente em conta as peas de teatro
aparecidas a partir da dcada de 40. No se trata mais de estudar a posio do
negro no teatro dos brancos, presena que, apesar de tnue, sempre existiu, como
j assinalamos anteriormente.
Ao empreendermos uma anlise dos textos impressos como "teatro negro"
brasileiro, desejamos realar exatamente aquele aspecto ao qua1 nos referimos ao
definir o que entendemos por teatro negro: o negro como vetor de tenses, para
usar a expresso de Leda Maria Martins. [16] Com o aparecimento do Teatro
Experimental do Negro, mesmo quando no eram escritas diretamente para ele
(algumas o foram, como Sortilgio, do prprio Abdias do Nascimento e Aruanda, de
Joaquim Ribeiro), j se podia listar um nmero considervel de peas em que
personagens negras tinham papel destacado e em que a trama dramtica girava em
torno de temtica afro-brasileira. Nessas peas, sobressai a inteno de afastar-se
dos esteretipos e excludncias e inverter a imagem desprestigiada do afro-
brasileiro, transmitida at ento.
Se bem que a divulgao de publicaes de textos teatrais seja relativamente
pequena no Brasil, os grandes dramaturgos tm suas obras recolhidas em volumes
individuais ou coletivos. Mas s temos conhecimento de uma nica coletnea de
peas obedecendo ao critrio da temtica afro-brasileira, isto , o livro de Abdias do
Nascimento, Dramas para negros e prlogo para brancos. Antologia de teatro negro
brasileiro, j referido, de 1961. Como o subttulo indica, o prprio organizador e
editor qualifica as peas ali contidas como pertencentes ao "teatro negro". Apenas
trs dos nove autores so afro-brasileiros: Romeu Cruso, com O castigo de Oxal,
Rosrio Fusco, com Auto da noiva, e Abdias do Nascimento, com Sortilgio. Estava
planejada a publicao de um segundo volume, que parece no ter sido
concretizada, onde deveriam constar, por exemplo, o Orfeu da Conceio, de
Vinicius de Morais, Pedro Mico, de Antnio Callado, Gimba, de Gianfrancesco
Guarnieri, O cavalo e o santo, de Augusto Boal, entre outras. Esta situao de
penria iria ser em parte remediada muitos anos mais tarde com as publicaes das
peas teatrais de Cuti (pseudnimo de Luiz Silva), em 1983, 1988 e 1991, das quais
falaremos mais adiante.
A dcada de sessenta a poca urea do "nacionalismo crtico", como propugnava
Augusto Boal com o seu Teatro de Arena. E a poca do teatro protesto, teatro
rebelde e denunciador, com Gianfrancesco Guarnieri, Oduvaldo Vianna Filho, Jorge
de Andrade, Jos Celso e o seu Teatro Oficina, alm do prprio Augusto Boal. Tal
linha continuou, apesar da censura e das perseguies, durante as dcadas
seguintes, com os representantes do que Sbato Magaldi chamou de "nova
dramaturgia" brasileira e que faziam do palco o lugar onde articulavam o "grito
autobiogrfico de insatisfao com o estado de coisas existentes no pas". [17] Mas
quanto ao teatro negro, no se trata aqui apenas de um protesto a nvel social ou
poltico e sim de algo mais visceral, mais intimamente ligado ao "estar no mundo" do
indivduo que traz em si o drama coletivo de "estar determinado pelo exterior"
(Franzt Fanon), ligando-se sobretudo a afirmao identitria do afro-descendente.
Ao lado das grandes obras do teatro contemporneo brasileiro, desde Vestido de
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Noiva a Roda viva, preciso no esquecer nem deixar de registrar esses primeiros
passos do teatro negro, como uma voz especial, especfica do afro-brasileiro.
Pretendemos, contudo, demonstrar que, apesar do indiscutvel mrito desses
pioneiros do teatro negro brasileiro, os autores brancos abordam essa temtica de
modo bastante diferente do dos autores negros, num contraste revelador.
O estigma da cor.
estratgias para alcanar a ascenso social levam muitas vezes a negao das
prprias razes e dos seus valores culturais. Exemplo disso encontramos, sobretudo,
em o Castigo de Oxal, Sortilgio, Auto da noiva, Filhos de santo.
Em O castigo de Oxal, do afro-brasileiro Romeu Cruso, o negro Raimundo, vindo
de um pequeno meio rural, chega a proprietrio, esfora-se para ascender
econmica e socialmente, renega a religio dos orixs ("um homem educado na
Bahia, que quase tirou o curso superior", p. 93) e casa-se com uma branca, ex-
prostituta. Na sua tentativa de superar as prprias origens, probe a esposa de andar
descala ("quanta vezes j lhe disse que no quero lhe ver de ps descalos. Est
aprendendo os maus costumes dessa gente boal", p. 94), de frequentar o terreiro,
para a qual se sente atrada.
Em Auto da noiva, de Rosrio Fusco, tambm afro-brasileiro, tanto a me como a
filha perderam-se com um homem branco, num impulso invencvel, atrao
poderosa e irracional, num desejo de ultrapassar os limites da prpria cor. "Mulata
sou por desgraa", lamenta-se a filha, ao que o amante branco responde: "meu amor
te clareou, branca ests" (p. 140). A tese desta pea que o homem branco, ao
violar a mulher negra, roubando-lhe a dignidade, sujando-a, suja-se tambm, com
uma ligao no aplaudida pela sociedade. O coro de lavadeiras, presente na pea,
ressalta o leitmotiv presente em todo o texto: "Alveja, negra, limpa, negro/ seu
destino fazer branco/ aquilo que o branco sujar" (p. 131).
pai-de-santo Roque, na pea Filhos de Santo (de Jos de Morais Filho, autor
branco), caracterizado como espertalho, usando seus poderes para o mal e
tentando abusar sexualmente das moas bonitas. Entretanto, estou bastante certa
que nenhum autor negro escreveria um tal texto, criaria um pai-de-santo que
desonrasse a prpria religio. Nem reduziria Ganga Zumba, um dos maiores heris
da resistncia negra dos quilombos, a um esprito que se encarna apenas para
seduzir mulheres jovens e atraentes e com elas dormir, como o fez Joaquim Ribeiro,
autor branco, em Aruanda, na mesma coletnea.
Ligado ao tema da religio, frequente nas peas de inspirao afro-brasileira a
presena de uma personagem em conflito, dividido entre o cristianismo, a religio
dos "civilizados", e o candombl ou a macumba, a "crendice dos primitivos". Temos
como exemplo de um tratamento bastante simplificado dessa problemtica no palco
a figura do Dr. Emanuel, de Sortilgio, e a do fazendeiro Raimundo, em O castigo de
Oxal. Quase sempre a personagem volta, arrependida, depois de muitos castigos e
infortnios, ao seio dos orixs. Segundo Leda Maria Martins, deu-se no final uma
metamorfose, Emanuel toma conscincia que, "mesmo ao mascarar-se de branco,
internalizando um desejo social alheio e alienante, fingira para si e para os
outros.[23] Embora seja possvel uma outra interpretao da morte sacrificial de
Emanuel, no final da pea, com sua exaltao a Exu e o retorno cultura ancestral,
como quer a ensasta mineira, (numa leitura que tambm acato), essa compreenso
provavelmente no foi atingida pelo pblico branco dos anos sessenta, em grande
parte desconhecedor dos rituais afro-brasileiros.
Tambm Cuti problematiza a questo da cor da pele na sua obra teatral, fazendo-a
constituir o cerne de uma das suas peas, a que empresta ttulo ao livro. Esse ttulo,
Dois ns na noite, revela mais uma vez a sua forte preferncia pela polissemia, to
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frequente nas demais obras do autor. Trata-se aqui de dois seres, um casal, "eu e
tu"? Que dualidade essa? O pronome na primeira pessoa plural indica, em
princpio, incluso e no excluso; dois seres, "eu e tu" j seriam uma vez "ns".
Mas, a fuso realmente possvel? Quantos "eu", quantos "tu" existem dentro de
"ns? Estaro eles interligados, intrincados um no outro? Esse "n" ser sinal
positivo de unio, ou ser mais uma aluso de que estariam amarrados a fora?
Estaro eles, pelo contrrio, sozinhos, cada qua1 na sua solido? Ser a noite um
smbolo do momento ideal do amor ou ter talvez a conotao de refletir o instante
do recolhimento, do mistrio, do "cada um por si" e "em si", apesar do pronome
plural e abrangente?
Dois ns na noite revela o drama de um casal negro onde ele, casado com uma
mulher da sua cor, vive obcecado pelas namoradas brancas que teve e das quais
guarda as fotos. No palco s aparece Judith, que fala sozinha, dirigindo-se a "ele",
um vulto deitado no sof, supostamente adormecido ou prostrado pela bebedeira. O
clima da pea de neurose crescente, Judith procurando descobrir o que as suas
rivais brancas possuem que ela no tem, pois talvez assim chegue a compreender o
que estaria afastando o marido, levando-o a embebedar-se daquela forma, para
afogar o arrependimento ou a inviabilidade de uma ligao harmoniosa. A pea
espelha o drama de um casal negro em seu confronto tanto consigo mesmo como
com temores e desejos inconfessveis. Realidade ou fantasia, fato, sonho ou
pesadelo, a mulher negra Judith receia estar perdendo o amor do marido, sente-se
ameaada pela cor da pele das suas pretensas rivais, existentes s atravs
daquelas fotos. Mas, para ela, nessas fotos que est preso (enredado em quantos
"ns"?) o seu marido, so elas que o detm e onde reside o impasse da sua
histria: "No, no precisa caminhar nos teus sonhos, no necessita percorrer a tua
biografia, passar pelos teus sucessos profissionais e decepes, ou lembrar a
infncia difcil, nem necessita percorrer as reunies do Movimento Negro, onde nos
conhecemos. No nessas paragens que podemos encontr-lo [...]. Quem quiser
topar com voc s abrir a tua gaveta, e s abrir teus guardados.[32]
Interessante observar, porm, que em nenhum momento do monlogo desta pea
de um ato, o eu enunciador que no aceita a sua prpria condio de ser negro,
mas sim um outro, inerte e que, embora presente, no participa ativamente da
encenao. Para Judith, a nica personagem atuante em cena, a cor da prpria pele
no constitui problema ou conflito. E o homem, o outro, portanto, que no fala nem
ao menos aparece de forma ntida, ele que retratado como dividido entre suas
convices enquanto afro-brasileiro e uma irresistvel atrao por mulheres de outra
pigmentao.
Sobre a personagem Judith e suas mltiplas vozes, o professor nigeriano John Rex
Gadzekpo ressalta "o paradoxal efeito dum monlogo dialogado, sntese estilstica
da representao duma realidade dualista homem-mulher, negro-branco, mas vivida
na mais asfixiante solido amargada e magoada por uma pluralidade de rivais.[33]
Em Ndoas, pea de um ato para trs atores, Cuti desenvolve um trgico tringulo
amoroso: Hebe, uma mulher branca, casada com Cndido, negro, e tem um
amante branco, Soares. Os amantes so surpreendidos pelo marido trado, que
acaba por matar o rival. O negro se apresenta como superior ao branco e
dominando a situao de forma soberana. Mesmo a longa e sdica cena do castigo
da mulher infiel e de seu companheiro encontra uma justificativa social. Soares, o
amante branco, pelo contrrio, apresentado como um tipo fraco, medroso e
indeciso. Cuti permite-se criar uma personagem feminina cuja imagem corresponde,
pelo menos parcialmente, ao que a sociedade tantas vezes atribui mulher negra:
aquela que faz os homens perderem a cabea ("voc me deixa maluco, Hebe" p.
136), fazendo-se de sedutora para reconquistar o marido e tentando salvar
oportunistamente a prpria pele. O autor tambm inverte um outro clich: a mulher
que tem aventuras extraconjugais e no o homem, como parece ser o mais comum.
Ela inclusive argumenta que ele a teria enganado e agora se estava fazendo de
coitado ("voc sempre me ps chifre e agora quer dar uma de vitima", p. 149).
O inesperado, e talvez mesmo burlesco final feliz do drama, corresponde ao tom
bsico da pea, irnico e provocador: o branco "mau" aparece depois da sua morte
como anjo e tenta convencer Cndido que para o inferno ningum vai: "s existe
mesmo o cu" (p. 148); a mulher infiel no tem culpa de nada (nem ela, nem voc,
nem eu somos culpados de nada" (p. 148) e que "o amor, no fundo, o que conta
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[...]. Vingana, violncia, dio, at mesmo a teso tudo coisa ilusria. O amor a
nica coisa que conta" (idem).
Em Terramara, o tema a crena nas divindades africanas. Seus trs autores, nesta
pea em trs atos, com oito personagens alm de nove figurantes, onde apenas
quatro elementos ao todo so brancos, fazem da religio o impulsionador da tenso
dramtica. A ao gira em torno de Marilda, mulher jovem e negra, sociloga e
atuante ao servio da igreja catlica. Ela encontra-se dividida, sofrendo presso de
um lado por parte da prpria famlia, fie s razes e religio africanas, e do outro
lado por parte dos seus superiores eclesisticos. Os poderes dos orixs acabam
trazendo Marilda de volta crena de seus antepassados e perturbam
profundamente o mundo da igreja e seus seguidores. Na pea, sobressai a figura da
suave, mas decidida Dona Joana, a me que encarna a sabedoria ancestral e a
dignidade da sua raa realada como continuadora e garantidora da sua f.
Tambm aqui transpira um certo pedagogismo, sugerindo subliminarmente que a
paz interior s poder ser alcanada atravs da auto identificao com a religio dos
antepassados.
As frequentes referncias a elementos da religio afro-brasileira, certamente muito
bem aceitas e compreendidas pelos iniciados, no perturbam a compreenso por
parte de um pblico menos envolvido no assunto. As divindades no so chamadas
diretamente pelos seus nomes nem assumem um papel dominante. Mas todo o
sistema referencial as faz reconhecveis e seus papis so bem definidos, tornando
a pea claramente decodificvel, sobretudo para os que se podem sentir
diretamente atingidos pela mensagem transmitida. A identificao por parte de um
pblico afro-brasileiro transcorre suavemente, sem apelos forados ou artificiais.
Msica ritual, instrumentos de percusso, smbolos religiosos so utilizados como
recursos cnicos, sem serem degradados como atrao folclrica. Mesmo para os
no iniciados nos segredos religiosos ali sugeridos, a ao interessante e atraente,
sem descambar no exotismo.
A restaurao da Histria.
sufocado ficou/ pelo prprio desejo/ de apenas ser" (p. 114), procurando, atravs da
memria histrica, reconstituir o drama coletivo da estigmatizao tnica, a saga de
uma raa, envolvendo-a numa nova interpretao e denunciando a hipocrisia
coletiva. Para isso, a personagem pede "licena para ir/ consultar os mortos/ e
atravs deles/ mergulhar nos vivos/ e emergir" (p. 120).
No apenas o grito de revolta e a denncia, mas a reflexo sobre o passado e a
heroizao dos antepassados ajudam o personagem a reestruturar a prpria
personalidade, a auto identificar-se, a manter a dignidade e a armar-se com uma
fora lrica revitalizante, sem, contudo, deixar de perder a ligao com a realidade,
identificando-se com as dificuldades concretas do cotidiano, com a situao social
muitas vezes degradante ou insatisfatria daquele que vive como negro e sem
recursos no pas: "eu era feito de muitos/ um grito multiplicado/ por todo este Brasil"
(p. 109).
No desfecho da pea aflora a esperana que os crimes da discriminao no ficaro
sem ser castigados. O desejo de que "renegado o sofrimento/ nenhum chicote
empunhado/ h de ficar impune" (p. 121), acrescido de uma afirmao de valor
proftico e at messinico, anunciando uma "boa nova" prenhe de interligaes com
a Histria: "A bno da fala/ vem daquele que se cala/ no para morrer, mas/
prolongar a vida.// So tantos/ e muitos os matizes da pele/ que nos trazem a
comida" (p. 123).
No nos possvel entrar em particularidades, embora lamentemos que essa rpida
exposio peque pela simplificao deixando de lado muitos aspectos importantes, e
mesmo essenciais. Nesta pea, como em muitas outras, a difcil arte do monlogo
sustentada por excelentes recursos cnicos, mltiplos e originais, que contribuem
para que a ao nunca seja montona.
Da exceo normalidade.
Em Transegun, pesa em trs atos, com muitos personagens, todos negros, sendo
apenas um branco, a encenao se desenrola tendo como eixo o ensaio de uma
pea que o grupo de teatro do Clube Palmares pretende apresentar. Durante esses
ensaios vo se evidenciando os conflitos existentes no grupo. Aqui esto retratados
negros conscientes e atuantes cuja posio sobressai por contrastar com a de
outras personagens, menos firmes na afirmao da sua afro-brasilianidade, como
o caso de Helen, que se apresenta com cabelo alisado e longo, tido como um dos
smbolos da no aceitao das suas caractersticas tnicas.
Transegun d um passo adiante na dramaturgia negra brasileira. A est presente
toda a gama de temas que constitui o espectro especfico da literatura afro-
brasileira, mas vai muito alm disso, incluindo elementos que tm a ver com a
pessoa humana, independente da origem ou da insero cultural ou tnica. De
trama bem mais complexa do que as demais peas do teatro negro envolve o inter-
relacionamento de todo o grupo, onde o amor e o cime desempenham um papel
to importante como o compromisso ideolgico de denncia da discriminao e
afirmao identitria da prpria "negrice".
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A cor da pele tambm aqui um fator que desempenha um importante papel e vai
contribuir para uma tenso entre amigos, mas nem por isso razo para perturbar o
bom entendimento entre Romildo e Zlia, um casal que vive feliz e em harmonia,
"apesar" da diferena de pigmentao. Romildo, o nico ator branco da pea,
aparece como uma figura positiva e simptica, o cara que mais me incentivou a me
assumir" (p. 34), no dizer da prpria esposa.
Igualmente a questo da ascenso social esta presente em Transegun, mas no
como um problema e sim como algo de natural. Helen proprietria de uma loja de
modas, dirige o seu prprio carro. Bendel advogado e tem sua vida profissional;
faz teatro, e teatro de protesto e conscientizao, por convico, engajamento e
sentido do coletivo. O meio social em que a histria decorre parece ser o do autor,
ambiente intelectual afro-brasileiro, pensante e atuante, envolvido em contribuir para
uma mudana de mentalidade e para a auto afirmao dos seus semelhantes. Se
um fato que a grande maioria dos afrodescendentes engrossa o contingente dos
desprivilegiados, tambm uma verdade a presena cada vez maior de negros nas
profisses liberais, na classe mdia abastada e com um maior poder aquisitivo.
Nesta pea ainda so tematizadas outras questes que afetam o indivduo como
pessoa, sem nada ter diretamente a ver com a temtica especificamente negra: o
papel da mulher, envolvendo a liberdade pessoal em escolher o prprio parceiro e
decidir-se ou no pelo aborto; ou ainda o homossexualismo e a AIDS. O ttulo da
pea de significado bastante instigante, talvez no completamente claro primeira
vista. A meu ver, trata-se de uma fuso entre "transe" e "egum". Egum o esprito
dos mortos e justamente a presena de um morto, Aldo, o grande bailarino, que
transita como principal elemento da pea dentro da pea. Sem outras aluses, a
partir desse ttulo, Cuti insere a pedra angular da auto identificao negra, a religio
dos ancestrais, nesta sua importante pea.
Solidariedade e conscincia
O que pudemos observar foi que em nenhuma das peas dos escritores da dcada
de 70 em diante posta na boca das personagens qualquer fala que rebaixe ou
diminua o afro-descendente. Em todas elas, as personagens afro-brasileiras se
apresentam mais autnticas e convincentes, deixando o estatuto de esteretipo para
adquirirem uma vida mais personalizada, mesmo que envolvidas e impregnadas
pela ideologia do branqueamento, como a Helen, de Transegun. Nas peas de Cuti,
a tenso provocada pelo drama das personagens por terem que enfrentar a
discriminao, por se verem vtimas ou estarem sofrendo pelo fato do companheiro
no conseguir definir-se enquanto negro. E o problema geralmente do outro, no o
da prpria personagem, como j dissemos.
Vemos em Cuti que a sua auto percepo difere completamente da retratada pelos
negros nas peas contidas na antologia Dramas para negros e prlogo para
brancos. A dramaturgia afro-brasileira de Cuti est fincada no conhecimento e na
vivncia consciente da realidade racial brasileira, dos problemas dali decorrentes, do
comportamento do homem e da mulher brasileiros reais e contemporneos.
Ultrapassando o simplismo maniquesta em geral encontrado nas outras peas, Cuti
reintegra a comunidade afro-brasileira no mundo "normal", no a trata como algo
fora do comum, externa aos demais acontecimentos, nem to pouco idealiza o
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* Universitt Bielefeld
[1] Sobre o assunto, cf., entre outros, Zil Bernd, Negritude e Literatura na Amrica Latina, Porto
Alegre, Mercado Aberto, 1987; idem, Introduo literatura negra, So Paulo, Editora Brasiliense,
1988. Cf. ainda: Oswaldo de Camargo, A presena do negro na literatura brasileira, So Paulo,
Secretaria do Estado da Cultura, Imprensa Oficial do Estado, 1987. Bastante conhecidas so as
pesquisas de Raymond Sayers, O negro na literatura brasileira, Rio de Janeiro, O Cruzeiro, 1965 (ed.
original em ingls 1956); Gregory Rabassa, O negro na fico brasileira. Meio sculo de histria
literria, Rio de Janeiro, Tempo Brasileiro, 1965; David Brookshaw, Raa e cor na literatura brasileira,
Porto Alegre, Mercado Aberto, 1983 e Heloisa Toller Gomes, O negro e o romantismo brasileiro. So
Paulo. Atual. 1988.
[2] Como excees que confirmam a regra, podem ser citados dois artigos importantes: o de Haroldo
Costa, O negro no teatro e na TV, Estudos Afro-asiticos, 15, (1988), p.76-83 e o de Leda Maria
Martins, "Identidade e ruptura no teatro negro", Estudos Afro-asiticos, 16, (1989), pp.112-117. Da
mesma autora, cf., sobretudo, sua tese de doutorado A cena em sombras, So Paulo, Editora
Perspectiva, 1995. Ali se podem ler agudas reflexes sobre o negro como signo dramtico,
comparando a autora o teatro negro brasileiro com o americano. Sobre o tratamento do negro na
literatura brasileira, nicos estudos anteriores temticos mais alentados de que tenho informao so
as anlises de Miriam Garcia Mendes, A personagem negra no teatro brasileiro ,So Paulo, tica
,1982 e 0 negro no teatro brasileiro, (entre 1889 e 1982), So Paulo, Hucitec: Braslia, Fundao
Cultural Palmares, 1993. Cf. ainda Tefilo de Queiroz Jnior, Preconceito de cor e a mulata na
literatura brasileira, So Paulo, tica, 1982.
[3] Flora Sussekind, 0 negro como arlequim. Teatro & discriminao, Rio de Janeiro, Achiam/Socii.
1982.
[4] Cf. Costa, "O negro no teatro e na TV", pp. 76 e ss.; Mendes, O negro e o teatro brasileiro, p. 48.
[6] Roger Bastide, Sociologie du Thetre Brsilien, Cincia e Cultura, 26, (junho, 1974), p. 556.
[7] Dias Gomes, Depoimentos V, Rio de Janeiro, Ministrio de Educao, 1981, p.
35.
[8] Bastide, Sociologie du Thetre Brsilien, pp. 553, 554.
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[18] Tenho conhecimento das seguintes encenaes: Chico Rei, de Walmir Ayala; Trs mulheres de
Xang, de Zora Seljan; Alm do rio (Medea), de Agostinho Olavo; O escravo, de Lcio Cardoso: O
filho prdigo, idem: O castigo de Oxal, Romeu Cruso; Auto da noiva, de Rosrio Fusco;
Sortilgio,de Abdias do Nascimento; Rapsdia negra, idem; Filhos de Santo,de Jos Morais Pinho;
Aruanda, de Joaquim Ribeiro; Anjo negro, de Nelson Rodrigues; O emparedado, de Tasso da
Silveira; Sinfonia da favela, de Ironides Rodrigues; Orfeu Negro, idem; Viglia de Pai Joo, de Lino
Guedes; Um caso de kel, de Fernando Campos; O cavalo e o santo, de Augusto Boal; Os irmos
negros, de Klaynr P. Velloso; Caim e Abel, de Eva Ban; Plantas rasteiras, de Jos Renato; Zuirtbi,
rei dos Palmares, de Pricles Leal; O poro, de Alfredo Mesquita; O processo do Cristo Negro, de
Ariano Suassuna; Pedro Mico, Antonio Calado; Gimba, de Gianfrancesco Guarnieri.
[19] Mendes, O negro e o teatro brasileiro, pp. 53-68.
[20] Martins, A cena em sombras, por ex. pp. 110 e ss. (redefinio reinsero de Emanuel na
cultura de origem); pp. 120 e ss. (metamorfose de Medea em Jinga).
[21] Cf. Prefcio de Neusa Santos de Souza, in Jurandir Freire Costa, Tornar-se negro.Ou as
vicissitudes da identidade do negro brasileiro em ascenso social, Rio de Janeiro, Graal, 1983, p 2.
[22] Nascimento, Dramas para negros, p. 40. As pginas a seguir so citaes
dessa obra.
[23] Martins, A cena em sombras, p. 112.
[24] Cf. a anlise de Martins, A cena em sombras, pp. 117 e ss.
[25] Mendes, O negro e o teatro brasileiro. p. 178. Mendes chama a ateno para o fato de que "as
personagens de origem africana na dramaturgia brasileira so predominantemente mulatas,
principalmente quando lhes atribudo algum atrativo sexual, ainda que seus parceiros sejam negros
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[...]. O TEN no escaparia regra. Filha, de Auto da noiva, Rosa, de Aruanda. Lindalva, de Filhos de
Santo, Rita, de O castigo de Oxal e Amlia, de O emparedado so todas mulatas belas, sensuais e
atraentes" (p. 177).
[26] Cf. Antnio Callado, A revolta da cachaa. Teatro Negro, Rio de Janeiro, Editora Nova Fronteira,
1983, onde o autor rene quatro peas nas quais a presena ressaltada:
A revolta da Cachaa, Pedro Mico, O tesouro de Chica da Silva, Uma rede para Iemanj.
Sobre a dramaturgia de Callado, cf. Mendes, O negro e o teatro brasileiro, pp. 69 e
ss.
[27] Cuti (Luiz Silva), Cadernos Negros, 8 (1985), p. 21.
[28] Cuti, Flash crioulo sobre o sangue e o sonho, Belo Horizonte, Mazza Edies,
1987, p. 26.
[29] Cuti (Luiz Silva), Suspenso, So Paulo, Edio o Autor, 1983.
[30] Miriam Alves, Cuti (Luiz Silva), Arnaldo Xavier, Terramara, So Paulo, Edio dos Autores, 1988.
[31] Cuti (Luiz Silva), Dois ns na noite. E outras peas de teatro negro-brasileiro, So Paulo, Eboh
Editora e Livraria, 1991.
[32] Cuti, Dois ns na noite, p. 17. As citaes pertencem a essa obra.
[33] John Rex Amuzu Gadzekpo, Individualidade e coletividade em Dois ns na noite de Cuti,
Obafemi Awolowo University, Ile-Ife, Nigria. Manuscrito.
[34] Cuti (Luiz Silva), Batuque de tocaia, So Paulo, Edio do Autor, 1982, p. 44.