Mulheres e Política
Mulheres e Política
Mulheres e Política
Abstract: in this paper we discuss the politics of historiographical silence regarding the par-
ticipation of women in politics, particularly in nineteenth-century abolitionist movement.
Although the inclusion of women in the historys territory took place under the domain
of History of Women, the political dimension of their historical experiences is, however,
with limited visibility. To consider the role of women in the abolitionist movement is the
possibility which we focus on the present reflection.
Apesar de sua presena em todos os setores do social, com seu trabalho, com seu esforo, seus
ideais, com seu ventre, produzindo bens e reproduzindo seres, a atuao das mulheres foi apagada
dos registros histricos: presentes, porm invisveis. Atreladas a seus corpos, a um incensado
destino biolgico a maternidade aparecem como o outro dos agentes histricos, enquanto
mes e companheiras, incapazes de um comprometimento ideolgico ou poltico, enquanto
sujeito de suas aes (SWAIN, 2005, p. 337).
Na denncia que faz poltica de ocultamento dirigida s mulheres, uma presena ausente no
discurso historiogrfico, aquela historiadora identifica as relaes de poder que atravessam a produo
do saber histrico, ao reafirmar e legitimar representaes sociais que reduzem a atuao feminina
a tarefas e papis limitados e estereotipados (SWAIN, 2005, p. 337). Nessa prtica de excluso, que
nega s mulheres a posio de sujeitos histricos, que desconsidera suas protagonizaes, suas experi-
ncias no agenciamento de suas prprias vidas, no h como ignorar a violncia simblica do gnero
operante no discurso historiogrfico, nas atividades de pesquisa e de escrita da histria. Presentes,
porm invisveis, as mulheres no aparecem nas narrativas historiogrficas, no obstante existirem
referncias a elas em diversos registros acerca das experincias do passado. Afinal, como avalia Tnia
Navarro Swain (2005, p. 337), o que a historiografia no diz, desaparece da memria social, como se
nunca houvesse existido.
Se, contemporaneamente, no h mais dvida de que as mulheres tm histria, estiveram na
histria e dela participaram e, por conta disso, no h como desconhecer a exigncia incontornvel
aos do ofcio de consider-las como objeto/sujeito das narrativas histricas, sua incluso nesse terri-
trio, porm, ainda se apresenta bastante problemtica, com algumas possibilidades e vrios limites.
Problemtica, porque resulta de uma incorporao hierarquizada, operada de modo diferenciado e
desigual, atravessada pela lgica assimtrica do gnero, j que no se confere ao feminino a mesma
importncia dada ao masculino, ainda significado como lugar de fala e de sujeito (MUNIZ, 2010, p. 76).
O reconhecimento, no campo historiogrfico, como sujeitos histricos, isto , como indivduos
com espaos e lugares de fala, compreende um movimento cujo percurso se inscreve e se entrecruza
limitar seus poderes [das mulheres], sua ascendncia; conter sua influncia; mas tambm usar o
imenso potencial que elas representam, no somente no domnio domstico; mas cada vez mais
no social, pela filantropia, e depois, pelo trabalho social. Da todo um arsenal, jurdico e edu-
cativo, e uma organizao racional da sociedade do qual a teoria das esferas (pblica/privada)
uma das formas mais elaboradas (PERROT, 2005, p. 268).
A incluso das mulheres nas narrativas sobre os movimentos abolicionistas permite descons-
truir essa lgica, desmontar uma de suas formas mais elaboradas de limitao de seus poderes, uma
vez que, na luta contra a escravido, a atuao das abolicionistas ocorre no espao da poltica e do
poder, independentemente das diversas estratgias adotadas: nos movimentos de protesto; nas aes
de liberdade impetradas; nas prticas de resistncia escravido; na promoo e atuao em saraus;
na participao em clubes e associaes literrias e assistencialistas; na publicao de artigos em jor-
nais; na escritura de livros; na criao de redes de apoio, de proteo e de influncias, dentre outras.
Maria Lcia de Barros Mott, ao fazer a crtica s narrativas histricas sobre as aes das mulheres
na campanha abolicionista, denuncia o enfoque de gnero que perpassa o significado conferido a tal
protagonizao. Segundo Mott (1988), a visibilidade da participao das mulheres se deu nos estreitos
limites da partilha desigual de gnero, ao significar aquela como expresso do feminino, do lugar dos
sentimentos, da emoo, da renncia de si em nome do outro. Para aquela historiadora:
A notcia extensa, detalhada e significativa quanto ao modo como a participao das mulheres
foi vista e dada a ler. O discurso da imprensa reafirma e resume a representao das mulheres imagem
da verdadeira mulher, ou seja, ao bello sexo, a um conjunto de sentimentos afetivos, sensveis por
excelncia e, por que no dizer, por natureza. Utilizar tal imagem estratgia discursiva que possibilita
mobilizar um nmero maior de pessoas causa abolicionista e, ainda, conferir-lhe um carter ordeiro
e pacfico, considerado como prprio das mulheres e a elas apropriado. Trata-se, assim, de participao
supostamente mantida sob controle da ordem patriarcal, haja vista a partilha de gnero como critrio
de demarcao dos espaos fsicos de localizao do pblico na Assemblia Provincial: de um lado as
Exmas. Senhoras, de outro a massa confusa de todos os cidados desde o presidente da provncia at o
pobre operrio. O bello sexo encontra-se, assim, identificado como o grupo de l, o das no-cidads,
separado do grupo de c, da massa confusa de todos os cidados, sujeitos polticos.
A imprensa uma das fontes de mais fcil acesso para rastrear a participao das mulheres nos
movimentos abolicionistas das diferentes provncias do imprio, particularmente aps 1870. Todavia,
como vimos, deve ser consultada com alguns cuidados. O tom predominante da campanha feita por
aquele veculo, particularmente os de cunho mais ou menos liberal, o de defesa da abolio sob
controle e dentro da ordem proprietria e patriarcal, isto , no mbito parlamentar, por meio de um
processo lento e gradual e com indenizao. No por acaso, as referncias s participaes das mu-
lheres em vrias atividades dos movimentos so veiculadas sem que coloquem em risco a subverso
das funes e papis sociais femininos, sexualmente diferenciados dos masculinos, ou seja, cada um
deles em seus devidos lugares. Cumpre, assim, a imprensa seu papel pedaggico de formadora de
opinio acerca da causa abolicionista e tambm de orientadora dos comportamentos sociais, ao vei-
cular representaes de gnero e, ao mesmo tempo, ensinar o pblico a interpret-las. Como ressalta
Thiago SantAnna, ao referir-se funo da imprensa abolicionista em Gois:
Como dispositivo formador de opinio pblica a imprensa atuou no sentido de politizar seg-
mentos da sociedade at ento ignorados, bem como estabelecer um tipo de abolicionismo a ser
buscado, adaptado aos interesses gerais da sociedade e as particulares dos proprietrios de terra
e de escravos. Uma proposta de extino gradual do trabalho compulsrio, sem maiores rupturas
com o status quo das elites proprietrias (SANTANNA, 2005, p. 33).
Com efeito, a referida notcia publicada nA Provncia de Minas nos oferece evidncias quanto
luta das mulheres em prol da abolio, em Ouro Preto. Trata-se de participao que vai alm da
As Exma. Sras. DD. Margarida Pinheiro, Elisa Santos, Luiza Medrado, Carlota de Lemos e o jovem
e esperanoso Amynthas de Lemos, depois de executarem lindas peas no piano, arrancaram
franca e ruidosa admirao dos espectadores!
Duas lindas melodias religiosas foram executadas no harmonium, pela Exma. Sra. D. Luiza
Medrado.
O Club abolicionista realou com disctincta gentileza os aplausos conquistados pelas intelligentes
pianistas, offerecendo-lhes com lindos bouquets os diplomas de socias honorarias (FESTIVAL...,
1884).
Em uma sociedade globalmente dominada pelo poder masculino, as mulheres exerceram, en-
tretanto, todo o poder possvel. As mulheres do sculo 19 e provavelmente em todos os tempos
no foram somente vtimas ou sujeitos passivos. Utilizando os espaos e as tarefas que lhe eram
deixados ou confiados, elas elaboravam, s vezes, contrapoderes que podiam subverter os papis
aparentes (PERROT, 2005, p. 273).
Nota
1 So trabalhos significativos dessa reviso historiogrfica, entre outros: LARA, Slvia Hunold. Campos da
violncia: escravos e senhores na capitania do Rio de Janeiro, 1750-1808. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1988;
REIS, Joo Jos. Rebelio escrava no Brasil: a histria do levante dos mals (1835). So Paulo: Brasiliense,
1986; CHALHOUB, Sidney. Vises da liberdade: uma histria das ltimas dcadas da escravido na corte.
So Paulo: Companhia das Letras, 1990; MACHADO, Maria Helena. O plano e o pnico: os movimentos
sociais na dcada da abolio. Rio de Janeiro/So Paulo: Ed. UFRJ/EDUSP, 1994; GOMES, Flvio dos Santos.
Histrias de quilombolas. Mocambos e comunidades de senzalas no Rio de Janeiro - sculo XIX. Rio de
Janeiro: Arquivo Nacional, 1995; REIS, Joo Jos; GOMES, Flvio dos Santos. (Orgs.). Liberdade por um
fio. Histria dos quilombos no Brasil. So Paulo: Cia das Letras, 1996; MATTOS, Hebe Maria. Das cores
do silncio: os significados da liberdade no sudoeste escravista Brasil, sculo XIX. Rio de Janeiro: Nova
Fronteira, 1998; MOURA, Clvis. (Org.). Os quilombos na dinmica social do Brasil. Macei: EDUFAL,
2001; SILVA, Eduardo. As camlias do Leblon e a abolio da escravatura: uma investigao de histria
cultural. So Paulo: Companhia das Letras, 2003; RIOS, Ana Lugo; MATTOS, Hebe Castro. Memrias
de cativeiro: famlia, trabalho e cidadania no ps-abolio. Rio de Janeiro: Civilizao Brasileira: 2005;
REIS, Joo Jos e SILVA, Eduardo. Negociao e conflito: a resistncia negra no Brasil escravista. So Paulo:
Companhia das Letras, 2009.
Referncias
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<http://www.siaapm.cultura.mg.gov.br>. Acesso em:
ARENDT, Hannah. A condio humana. 7. ed. Rio de Janeiro: Forense Universitria, 1995.
CHARTIER, Roger. Diferenas entre os sexos e dominao simblica. Cadernos Pagu: Fazendo a
histria das Mulheres, Campinas, n. 4, 1995.
COMMUNICADO: O dia 25 de maro de 1884 em Ouro Preto. A Provncia de Minas. Ouro Preto,
Ano V, n. 199, 27 mar. 1884.
COTA, Luiz Gustavo Santos. O sagrado direito da liberdade: escravido, liberdade e abolicionismo
em Ouro Preto e Mariana (1871 a 1888). 239 p. Dissertao (Mestrado em Histria) Universidade
Federal de Juiz de Fora, Juiz de Fora, 2007.