Relações Entre Ontologia e Epistemologia PDF

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Relaes entre ontologia e epistemologia

e a reflexo filosfica sobre o


trabalho educativo *
Newton Duarte

Resumo: O texto apresenta parte dos estudos filosficos que vm sendo


desenvolvidos em uma pesquisa voltada para a contribuio a uma teoria
do trabalho educativo. Defende-se a necessidade de articular-se a ontologia
e a epistemologia, quando se tem por objetivo desenvolver uma aborda-
gem histrico-social do processo de conhecimento e do trabalho educativo.
apresentada uma crtica ao modelo epistemolgico conhecido como
"interacionismo" (Piaget), que se caracterizaria por uma biologizao
das questes gnosiolgicas. Na busca de uma abordagem histrico-so-
cial do processo de conhecimento analisada a dialtica entre o proces-
so histrico-social de produo da cultura material e no material e o
processo pelo qual essa cultura apropriada pelos indivduos. Postula-se
que essa dialtica constitui o fundamento ontolgico dos processos
gnosiolgicos e educativos. Analisa-se ainda uma definio de trabalho
educativo compatvel com esses fundamentos filosficos.
Palavras-chave: ontologia, epistemologia, educao-filosofia.

Abstrat: The text presents part of the philosophical studies that have
developed in a research that views the contribution to a theory of the
educational work. We defend the need to articulate the ontology and the
epistemology, when we have, as objective, the development of a histori-
cal-social approach of the knowledge process and the educational work.

Este artigo apresenta parte de um estudo estamos realizando num proje-


to integrado, intitulado Elementos para uma teoria histrico-crtica do tra-
balho educativo, que conta com apoio financeiro do CNPq (uma bolsa de
produtividade em pesquisa e quatro bolsas de iniciao cientfica - 2 bol-
sas por cota e 2 PIBIC), para o perodo de agosto/96 a julho/98.
.. Docente da Universidade Estadual Paulista - UNESP. Membro do corpo
docente do Curso de Ps-Graduao em Educao Escolar, campus de
Araraquara e do Curso de Ps-Graduao em Educao, campus de Marlia.

PERSPECTIVA. Florianpolis, v.16, n. 29, p. 99 -116, jan./jun. 1998


100 Newton Duarte
A criticism is presented to the epistemological model known as
"interactionism" (Piaget), which would be characterised by a biologization
of the gnoziological subjects. ln the search of a historical-social approach
of the knowledge process, dialectics is analysed among the historical-soci-
ai process of production of the material and non-material culture and the
process that establishes that culture is appropriated by the individuais. It is
postulated that these dialectics constitutes the ontological fundamentais of
the gnosiological and educational processo It is still analysed a definition of
compatible educational work related to those philosophical principies.
key words: ontology, epistemology, Philosophy-Education.

Neste texto apresentaremos parte de um conjunto de estudos que atu-


almente desenvolvemos, com o objetivo de contribuir para uma teoria do
trabalho educativo. Esses estudos podem ser considerados interdisciplinares,
na medida em que abarcam aspectos da filosofia da educao, da psicologia
da educao e da didtica. Limitaremos a reflexo que aqui apresentare-
mos, a uma questo no campo da filosofia da educao, a das relaes entre
ontologia e epistemologia numa perspectiva histrico-social e suas implica-
es para a reflexo filosfica sobre o trabalho educativo.
Vrios so os estudos que tm procurado analisar o trabalho de
sala de aula e as concepes dos professores sobre o processo de co-
nhecimento, luz do chamado modelo epistemolgico interacionista. Como
exemplo podemos citar o trabalho de Becker (1993), fundamentado na
classificao epistemolgica piagetiana, que divide as concepes sobre
o processo de conhecimento em trs grandes grupos: o inatismo ou
apriorismo, o empirismo e o interacionismo.
Essa classificao no tem sido, porm, adotada apenas por pes-
quisadores de fundamentao piagetiana. Vrios so os pesquisadores
brasileiros que a adotam, considerando tambm como interacionista, a
concepo defendida por Vigotski e seus seguidores (Davis & Oliveira,
1990; Rocco, 1990; Oliveira, 1993; Rosa, 1994; Rego, 1994; Palangana,
1994; entre outros).
Em funo dos objetivos e dos limites deste artigo, deixaremos de
abordar aqui duas importantes questes: a primeira seria a da crtica
psicologizao da epistemologia que est implcita a essa classificao e
a segunda, a de que discordamos totalmente da classificao da concep-
o vigotskiana como interacionista, mesmo considerando-se os esfor-
os de alguns dos autores citados, por caracterizarem as diferenas en-
Relaes entre ontologia e epistemologia e a reflexo filosfica sobre o 000 101
tre o que seria o interacionismo piagetiano e o que seria o interacionismo
vigotskiano, sendo este ltimo normalmente denominado por esses pes-
quisadores como "scio-interacionismo".
Concentramos nossa reflexo no argumento de que uma concep-
o histrico-social do processo de conhecimento e do trabalho educativo
precisa fundamentar-se na anlise das especificidades ontolgicas do
mundo social perante as caractersticas ontolgicas do mundo da nature-
za. Em outras palavras, pretendemos argumentar que um modelo
epistemolgico biologizante, como o caso do modelo interacionista, no
compatvel com os fundamentos ontolgicos de uma concepo hist-
rico-social da formao dos seres humanos.
Convm esclarecer que no nosso objetivo propor uma classifi-
cao das correntes epistemolgicas diferente da acima mencionada.
Nosso intuito mais modesto, limitando-se busca de caracterizao do
ncleo de uma concepo histrico-social do processo de conhecimento,
a partir de uma concepo tambm histrico-social do processo de pro-
duo e reproduo da realidade humana, isto , do mundo da cultura.

o interacionismo e a biologizao do processo de conhecimento


No pretendemos aqui analisar exaustivamente o modelo interacionista,
mas sim evidenciar o que consideramos ser seu ncleo fundamental. Em
primeiro lugar assinalamos que tal modelo, ao nosso ver, tem sua expres-
so maior na obra de Piaget, a despeito das j mencionadas tentativas de
estend-lo para os trabalhos de autores de outras linhas tericas.
Para efeito dessa anlise epistemolgica, passaremos a empregar a
expresso interacionismo-construtivista, como traduo de um mesmo mo-
delo epistemolgico, independentemente dele ser chamado por algum autor
atravs apenas do adjetivo interacionista ou do adjetivo construtivista. En-
tendemos como legtima essa nossa atitude pelo fato de que ambos os ter-
mos tm a origem de sua utilizao na mesma fonte, a obra de Piaget. .
So abundantes os trabalhos que fazem referncia s origens, na
obra de Piaget, do modelo epistemolgico interacionista-construtivista.
Com pequenas variaes de terminologia esses trabalhos mostram que o
modelo interacionista-construtivista se apresenta por oposio a dois
outros modelos epistemolgicos: o empirismo e o aprioriosmo (ou inatismo
ou pr-formismo). Como explica Azenha (1993: 19,20 e 22):
102 Newton Duarte
"De um lado, o programa de pesquisa de Locke e seus suces-
sores, de Condillac a Skinner, conhecido como 'empirismo' (...)
A interpretao 'empirista' do conhecimento supera valoriza o
papel da experincia sensvel, particularmente da percepo,
que inscreveria direta ou indiretamente os contedos da vida
mental sobre um indivduo com extrema plasticidade. Essa
plasticidade, por sua vez, seria decorrente de uma baixssima
indeterminao mental por ocasio do nascimento. (...) Do ou-
tro lado, a segunda resposta clssica questo naufragaria no
extremo oposto, admitindo, na origem, uma forte determinao
ou dotao mental desde o nascimento. Dito de outra forma,
outros programas de pesquisa partem de um compromisso
ontolgico com o inatismo ou o pr-formismo. (.. .) A soluo da
origem e processo do conhecimento, para Piaget, est numa
terceira via, alternativa ao empirismo e ao pr-formismo. O
Construtivismo seria soluo para o estudo e desenvolvimento
da gnese do conhecimento".

De fato no discordamos que uma abordagem histrico-social do


processo de conhecimento tambm se oponha tanto s abordagens inatistas
como s empiristas. Ocorre que h algo que pode unir pr-formistas,
empiristas e interacionistas: o modelo biolgico, naturalizante, a partir do
qual assumida uma posio perante essa questo. Numa perspectiva
histrico-social, mais importante do que apenas superar os unilateralismos
na anlise da relao sujeito-objeto buscar compreender as especificidades
dessa relao quando sujeito e objeto so histricos e quando a relao
entre eles tambm histrica. No possvel compreender essas
especificidades quando se adota o modelo biolgico da interao entre
organismo e meio ambiente. Azenha (1991 :24) explicita que o
interacionismo-construtivista de Piaget apoia-se nesse modelo biolgico:

"...a concepo do funcionamento cognitivo em Piaget a apli-


cao no campo psicolgico de um princpio biolgico mais
geral da relao de qualquer ser vivo em interao com o ambi-
ente. Ser bem sucedido na perspectiva biolgica implica a pos-
sibilidade de conseguir um ponto de equilbrio entre as
necessidades biolgicas fundamentais sobrevivncia e as
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agresses ou restries colocadas pelo meio satisfao des-
sas mesmas necessidades."

A autora prossegue mostrando que nesse processo intervm dois


mecanismos: a organizao do ser vivo e a adaptao ao meio. Explica
ainda que a adaptao se realiza atravs dos processos de assimilao e
acomodao (ibidem:25). Freitag (1991 :35) sintetiza de forma semelhante
as idias de Piaget sobre essa questo e diz que:

"Os mesmos mecanismos de assimilao e acomodao de-


senvolvidos pelos moluscos dos lagos, em termos puramente
orgnicos, so desenvolvidos pelo homem no plano das estru-
turas cognitivas, destinadas a facilitar a adaptao do organis-
mo humano ao seu meio. "

Embora nossa pesquisa esteja procurando, dentre outras coisas,


aprofundar a anlise das implicaes pedaggicas da adoo do modelo
interacionista como, por exemplo, a secundarizao do ato de ensinar e da
transmisso de conhecimentos, queremos neste texto concentrar o foco
de anlise na diferena entre adotar o modelo interacionista e considerar-
se a importncias das interaes no processo de conhecimento, sejam elas
as interaes entre sujeito e objeto, ou entre os sujeitos enquanto membros
de uma cultura, ou ainda as interaes especficas ao mbito escolar, isto
, as interaes entre professor, aluno e conhecimento, as interaes dos
alunos entre si, etc. O fato de alguma corrente educacional considerar a
importncia dessas interaes no implica, ao nosso ver, que necessaria-
mente tal corrente compartilhe do modelo interacionista.
A essa altura de nossa argumentao inevitvel a pergunta: o que
caracteriza uma abordagem histrico-social do processo de conheci-
mento, que se diferenciaria do modelo epistemolgico interacionista?

Em busca dos fundamentos ontolgicos: a dialtica entre objetivao e


apropriao enquanto dinmica essencial da produo e da reproduo
da realidade humana
Ao falarmos em fundamentos ontolgicos precisamos explicitar, desde
o incio, que nossa reflexo transita no terreno de uma determinada concep-
o ontolgica, aquela que se apoia na filosofia de Marx. Nesse sentido,
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alm da obra de Marx, mencionamos dois outros trabalhos que considera-
mos importantes contribuies para essa linha de reflexo ontolgica: a obra
Ontologia do Ser Social de Gyorgy Lukcs (1976, 1981 a, 1981b) e a obra
Marxismo e Antropologia de Gyorgy Markus (1974).
Defender a necessidade de buscar-se a compreenso das
especificidades do processo de produo e reproduo da realidade hu-
mana, enquanto realidade essencialmente social e histrica, no signifi-
ca, se procuramos fundamentar-nos na filosofia de Marx, estabelecer
uma rgida oposio entre o mundo da natureza e o mundo social. O
homem antes de mais nada um ser vivo, isto , um ser cuja existncia
jamais pode transcorrer sem a ineliminvel base biolgica. De forma
alguma pretendemos argumentar que a vida humana ou o processo de
conhecimento se realizem de forma absolutamente independente dos
processos naturais. Entretanto, o reconhecimento da ineliminvel rela-
o entre natureza e sociedade, enquanto princpio ontolgico funda-
mental, deve ser acompanhado de igual reconhecimento da existncia
de um salto na passagem da evoluo da vida sobre a face da Terra,
enquanto histria da natureza orgnica, para a histria social. Esse salto
no estabelece uma ruptura total, mas configura o incio de uma esfera
ontolgica qualitativamente nova, a da realidade humana, enquanto rea-
lidade scio-histrica.
aspecto bastante conhecido da teoria de Marx, que o processo
pelo qual o ser humano foi se diferenciando dos demais seres vivos tem
seu fundamento objetivo no trabalho, enquanto atividade pela qual o ho-
mem transforma a natureza e a si prprio. Marx & Engels (1979: 39-40),
em A Ideologia Alem, afirmaram o seguinte:

"(. . .) O primeiro pressuposto de toda a existncia humana e de


toda a histria, que os homens devem estar em condies de
viver para poderem 'fazer histria '. Mas, para viver, preciso
antes de tudo comer, beber, ter habitao e algumas coisas
mais. O primeiro ato histrico , portanto, a produo dos mei-
os que permitam a satisfao dessas necessidades. (. ..) O
segundo ponto que, satisfeita essa primeira necessidade, a
ao de satisfaz-Ia e o instrumento de satisfao j adquirido
conduzem a novas necessidades - e esta produo de novas
necessidades o primeiro ato histrico."
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A interpretao dessa passagem requer, ao nosso ver, que a anali-
semos a partir da dialtica entre objetivao e apropriao enquanto
aquela que sintetiza, na obra de Marx, a dinmica essencial do trabalho
e, por decorrncia, a dinmica essencial do processo de produo e re-
produo da cultura humana. O processo de apropriao surge, antes de
mais nada, na relao entre o homem e a natureza, isto , o ser humano,
pela sua atividade transformadora, apropria-se da natureza incorporan-
do-a prtica social. Ao mesmo tempo, ocorre tambm o processo de
objetivao, pois o ser humano produz uma realidade objetiva que passa
a ser portadora de caractersticas humanas, isto , adquire caractersti-
cas scio-culturais, acumulando a atividade de geraes de seres huma-
nos. Isso gera a necessidade de outra forma do processo de apropria-
o, j agora no mais apenas como apropriao da natureza, mas como
apropriao dos produtos culturais da atividade humana, isto , apropria-
o das objetivaes do gnero humano (entendidas aqui como os pro-
dutos da atividade objetivadora).
Para assegurar sua sobrevivncia, o homem realiza o primeiro ato
histrico, o ato histrico fundamental, isto , ele "produz os meios que
permitam a satisfao dessas necessidades". Isso significa que a ativi-
dade humana, j nas suas formas bsicas, voltadas para a criao das
condies de sobrevivncia do gnero humano, no se caracteriza, como
a atividade dos animais, pelo simples consumo dos objetos que satisfa-
am suas necessidades, mas sim pela produo de meios que possibili-
tem essa satisfao, ou seja, o homem para satisfazer suas necessida-
des, cria uma realidade humana, o que significa a transformao tanto
da natureza como do prprio homem.
O homem, ao produzir os meios para a satisfao de suas necessi-
dades bsicas de existncia, ao produzir uma realidade humanizada pela
sua atividade, humaniza a si prprio, na medida em que a transformao
objetiva requer dele uma transformao subjetiva. Cria, portanto, uma
realidade humanizada tanto objetiva como subjetivamente. Ao se apro-
priar da natureza, transformando-a para satisfazer suas necessidades,
objetiva-se nessa transformao. Por sua vez, essa atividade humana
objetivada passa a ser ela tambm objeto de apropriao pelo homem,
isto , ele deve se apropriar daquilo que de humano ele criou. Tal apro-
priao gera nele necessidades humanas de novo tipo, que exigem nova
atividade, num processo sem fim.
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A diferena entre a produo animal e a produo humana se evi-
dencia claramente quando se analisa, por exemplo, a atividade de produ-
o de instrumentos. Esta produo tanto um processo de apropriao
da natureza pelo homem, como um processo de sua objetivao.l Um
instrumento no apenas algo que o homem utiliza em sua ao, mas algo
que passa a ter uma funo que no possua enquanto objeto estritamente
natural, uma funo cuja significao dada pela atividade social. O ins-
trumento , portanto, um objeto que transformado para servir a determi-
nadas finalidades no interior da prtica social. O homem cria novo signifi-
cado para o objeto. Mas essa criao no se realiza de forma arbitrria.
Em primeiro lugar porque o homem precisa conhecer a natureza do objeto
para poder adequ-lo s suas finalidades. Ou seja, para que o objeto possa
ser transformado e inserido na "lgica" da atividade humana, preciso
que o homem se aproprie de sua "lgica" natural. Em segundo lugar, a
transformao de um objeto em instrumento no pode ser arbitrria por-
que um objeto s pode ser considerado um instrumento quando possui uma
funo no interior da prtica social. Isso vlido mesmo para o caso de
certas invenes cujo uso s se toma possvel tempos aps sua criao, na
medida em que, naquele momento, ainda no existiam as condies para
que a prtica social incorporasse a inveno.
Como dissemos acima, para poder transformar um objeto natural
em um instrumento, o homem deve levar em conta, isto , conhecer as
caractersticas naturais do objeto, ao menos aquelas diretamente relaci-
onadas s funes que ter o instrumento. No importa aqui que tipo de
conhecimento seja esse, podendo ser tanto um conhecimento cientfico
das propriedades naturais do objeto, como um conhecimento meramente
emprico, resultante de generalizaes a partir da prtica. De qualquer
forma indispensvel um certo nvel de conhecimento do objeto em si
mesmo, isto , do que o objeto independente de sua insero na ativida-
de humana. claro que tal afirmao s pode ser aceita enquanto um
processo histrico, ou seja, enquanto um processo em cujo incio esse
conhecimento do objeto em si mesmo est indissociavelmente ligado
sua utilidade prtica para o homem. Ele tenta usar, por exemplo, um tipo
de madeira para determinada finalidade e o resultado negativo lhe forne-
ce uma informao sobre as caractersticas do objeto. S que essa infor-
mao aparece, de incio, em decorrncia da tentativa de insero do
objeto numa determinada ao humana, isto , da tentativa de apropria-
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o do objeto. Com o desenvolvimento social, o conhecimento foi adqui-
rindo autonomia em relao utilidade prtica dos objetos. A cincia,
por exemplo, permite, cada vez mais, conhecer a natureza na sua legali-
dade prpria, interna, legalidade essa que, em sua origem, no resulta-
do de nenhum tipo de ato consciente.
O aspecto que aqui destacamos o de que a apropriao de um
objeto natural pelo homem, que transforma esse objeto em instrumento
humano, nunca pode se realizar independentemente das condies obje-
tivas originais desse objeto, ainda que estas venha a sofrer enormes trans-
formaes qualitativas em decorrncia da atividade humana, gerando
fenmenos sem precedentes na histria natural. O objeto, portanto, no
totalmente subtrado de sua lgica natural, mas esta inserida na lgi-
ca da prtica social. O homem no cria uma realidade sua, humana, sem
apropriar-se da realidade natural. Ocorre que essa apropriao no se
realiza sem a atividade humana, tanto aquela de utilizao do objeto en-
quanto um meio para alcanar uma finalidade consciente, como tambm
e principalmente a atividade de transformao do objeto para que ele
possa servir mais adequadamente s novas funes que passar a ter,
ao ser inserido na atividade social. O objeto em seu estado natural
resultante da ao de foras fsico-qumicas e, dependendo do objeto, de
foras biolgicas. Enquanto instrumento ele passar a ser resultante tam-
bm da vontade e da atividade do homem.
O ser humano cria uma nova funo para aquele objeto (obviamen-
te que tal criao se realiza inicialmente de forma necessariamente in-
tencional, sendo, muitas vezes, at totalmente acidental) e busca, pela
sua atividade, obrigar, at onde lhe seja possvel, o objeto a assumir as
feies e caractersticas desejadas. Ou seja, existe a um processo no
qual o objeto, ao ser transformado em instrumento, passa a ser uma
objetivao (enquanto produto da atividade objetivadora), pois o homem
objetivou-se nele, transformou-o em objeto humanizado, portador de
atividade humana. Isso no quer dizer apenas que o objeto sofreu a ao
humana, pois isso em nada distinguiria o processo daquilo que dissemos
acima, isto , que o objeto em seu estado natural resulta da ao de
foras naturais. A questo fundamental que, ao sofrer a ao humana,
o objeto passa a ter novas funes, passa a ser uma sntese da atividade
social, sntese essa que dever ser apropriada por todos os seres huma-
nos que venham a incorporar aquele objeto sua atividade individual.
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Outra forma pela qual a relao entre objetivao e apropriao se
realiza na incorporo de um objeto natural atividade social humana,
a de que, nesse processo, surgem (se objetivam) novas foras e neces-
sidades humanas, em funo de novas aes geradas pelo enriqueci-
mento da atividade humana. E esse um ponto importante para se con-
ceber historicamente essa relao entre objetivao e apropriao na
atividade social. No haveria desenvolvimento histrico se o homem se
apropriasse de objetos que servissem de instrumentos para aes que
possibilitassem apenas a utilizao de um conjunto fechado de foras
humanas e a satisfao de um conjunto tambm fechado de necessida-
des humanas. O que possibilita o desenvolvimento histrico justamente
o fato de que a apropriao de um objeto, transformando-o em instru-
mento, pela objetivao da atividade humana nesse objeto e sua conse-
qente insero na atividade social, gera, na atividade e na conscincia
do homem, novas necessidades e novas foras, faculdades e capacida-
des. Essa a razo pela qual consideramos a dialtica entre objetivao
e apropriao como aquela que constitui a dinmica fundamental da
historicidade humana, isto , cada processo de apropriao e objetivao
gera a necessidades de novas apropriaes e novas objetivaes.
Na anlise que apresentamos at aqui, centramo-nos em um as-
pecto da relao entre objetivao e apropriao, isto , na gerao de
uma realidade humana cada vez mais enriquecida por novas foras,
novas capacidades e novas necessidades humanas. Seria, entretanto,
equivocado concluir dessa anlise que a relao entre objetivao e
apropriao s aparea quando o ser humano cria algo absolutamente
novo. Na questo acima analisada, da produo de instrumentos, isso
pode ser notado com facilidade. A repetio da produo de um tipo
de instrumento j existente tambm um processo tanto de objetivao
como de apropriao. E muito difcil, na histria, separar absoluta-
mente a repetio e a criao do novo, porque muitas vezes, ao se
produzir algo j existente, descobre-se novos aspectos que levaro ao
seu desenvolvimento. O mesmo pode acontecer com a descoberta de
novas formas de utilizao de algo j existente, que acabaro exigindo
sua adaptao a essas novas formas de utilizao. Isso j mostra que a
objetivao e a apropriao enquanto processos de reproduo de uma
realidade no se separam de forma absoluta da objetivao e da apro-
priao enquanto produo do novo.
Relaes entre ontologia e epistemologia e a reflexo filosfica sobre o ... 109
Essa caracterstica ontolgica ineliminvel da prtica social huma-
na, a de ter como dinmica fundamental a dialtica entre objetivao e
apropriao, constitui, ao nosso ver, o necessrio ponto de partida para a
reflexo epistemolgica numa perspectiva histrico-social. Os proces-
sos de produo e difuso do conhecimento no podem ser analisados
sob a tica de um abstrato sujeito cognoscente que interage com os
objetos de conhecimento atravs de esquemas prprios da interao bi-
olgica que um organismo estabelece com o meio ambiente. Seja na
produo de um conhecimento socialmente novo, seja na apropriao
dos conhecimentos j existentes pelos indivduos, a anlise epistemolgica
precisa caracterizar justamente os elementos que configuram a inevit-
vel historicidade da relao entre sujeito e objeto.

Aapropriao da cultura pelos indivduos enquanto processo educativo


Cada gerao tem que se apropriar das objetivaes resultantes da
atividade das geres passadas. A apropriao da significao social de
uma objetivao um processo de insero na continuidade da histria
das geraes. Marx & Engels (1979, 56 e 70), dizem que em cada uma
das fases da histria:

"(. ..) encontra-se um resultado material, uma soma de foras


de produo, uma relao historicamente criada com a natu-
reza e entre os indivduos, que cada gerao transmite
gerao seguinte; uma massa de foras produtivas, de capi-
tais e de condies que, embora sendo em parte modificada
pela nova gerao, prescreve a esta suas prprias condi-
es de vida e lhe imprime um determinado desenvolvimen-
to, um carter especial (. ..) as circunstncias fazem os ho-
mens assim como os homens fazem as circunstncias. (. ..)
A histria nada mais do que a sucesso de diferentes ge-
raes, cada uma das quais explora os materiais, os capi-
tais e as foras de produo a ela transmitidas pelas gera-
es anteriores; ou seja, de um lado prossegue em condi-
es completamente diferentes a atividade precedente, en-
quanto, de outro lado, modifica as circunstncias anteriores
atravs de uma atividade diversa."
110 Newton Duarte
A relao entre objetivao e apropriao se realiza, portanto, sem-
pre em condies determinadas pela atividade passada de outros seres
humanos. Cada indivduo no pode se objetivar sem a apropriao das
objetivaes existentes. dessa forma que ele realiza seu processo de
insero na histria. Isso no pode ser compreendido como um ato de
justaposio das circunstncias externas a uma pretensa essncia indivi-
dual pr-existente atividade social do indivduo. A apropriao das
objetivaes do gnero humano uma necessidade do prprio processo
de formao da individualidade. O indivduo precisa apropriar-se dos
resultados da histria e fazer desses resultados os "rgos da sua indivi-
dualidade" (Marx, 1987: 177).
O psiclogo russo Leontiev (1978), analisa o processo de apropria-
o da cultura pelos indivduos, explicitando as principais caractersticas
desse processo. Uma das caractersticas do processo de apropriao
seria, segundo esse autor, a de que trata-se de um processo sempre
ativo, isto , o indivduo precisa realizar uma atividade que "reproduza os
traos essenciais da atividade acumulada no objeto" (ibidem, p. 268).
Assinalamos nossa interpretao de que a atividade a ser reproduzida,
em seus traos essenciais, pelo indivduo que se apropria de um produto
da histria humana, no necessariamente a atividade de produo des-
se objeto, mas muitas vezes a de sua utilizao.
Outra caracterstica, analisado por Leontiev, do processo de apro-
priao, seria a de que atravs dele so reproduzidas no indivduo, "as
aptides e funes humanas historicamente formadas" (ibidem, p. 169).
Destacamos aqui a importncia dessa caracterstica, pois trata-se justa-
mente da mediao entre o processo histrico de formao do gnero
humano e o processo de formao de cada indivduo enquanto ser huma-
no. Enquanto que nos outros seres vivos a relao entre a espcie e cada
membro da espcie determinada pela herana gentica, no caso do ser
humano a relao entre os indivduos e a histria social mediatizada pela
apropriao das objetivaes produzidas historicamente.
Como j analisamos no item anterior, a atividade humana se objeti-
va em produtos, em objetivaes, sejam elas materiais ou no. Esse pro-
cesso cumulativo, isto , no significado de uma objetivao est acu-
mulada a experincia histrica de muitas geraes. Os instrumentos so
novamente um bom exemplo. Um instrumento , num determinado sen-
tido, um resultado imediato da atividade de quem o produziu. Nesse sentido
Relaes entre ontologia e epistemologia e areflexo filosfica sobre o ... -111
contm o trabalho objetivado da pessoa ou das pessoas que participaram
de sua produo. Mas ele tambm objetivao da atividade humana
num outro sentido, qual seja, o de que ele resultado da histria de
"geraes" de instrumentos do mesmo tipo, sendo que durante essa his-
tria, esse tipo especfico de instrumento foi sofrendo transformaes e
aperfeioamentos, por exigncia da atividade social. Portanto, uma
objetivao sempre sntese da atividade humana. Da que, ao se apro-
priar de uma objetivao, o indivduo est se relacionando com a histria
social, ainda que tal relao nunca venha a ser consciente para ele..
A terceira caracterstica, assinalada por Leontiev (1978:272), do
processo de apropriao, a de que tal processo sempre mediatizado
pelas relaes entre os seres humanos:

"As aquisies do desenvolvimento histrico das aptides hu-


manas no so simplesmente dadas aos homens nos fenme-
nos objetivos da cultura material e espiritual que as encarnam,
mas so a apenas postas. Para se apropriar destes resulta-
dos, para fazer deles as suas aptides, 'os rgos da sua indi-
vidualidade', a criana, o ser humano, deve entrar em relao
com os fenmenos do mundo circundante atravs de outros
homens, isto , num processo de comunicao com eles. As-
sim, a criana aprende a atividade adequada. Pela sua funo,
este processo , portanto, um processo de educao. "

Essa passagem de Leontiev mostra que o processo de formao do


indivduo , em sua essncia, um processo educativo, no sentido lato do
termo. O indivduo se forma, apropriando-se dos resultados da histria social
e objetivando-se no interior dessa histria, ou seja, sua formao se realiza
atravs da relao entre objetivao e apropriao. Essa relao se efetiva
sempre no interior de relaes concretas com outros indivduos, que atuam
como mediadores entre ele e o mundo humano, o mundo da atividade huma-
na objetivada. A formao do indivduo , portanto, sempre um processo
educativo, mesmo quando essa educao se realiza de forma espontnea,
isto , quando no h a relao consciente com o processo educativo que
est se efetivando no interior de uma determinada prtica social.
Cabe assinalar que, embora defendamos que a educao escolar
tem um papel decisivo na formao do indivduo e que nela o carter
112 Newton Duarte
mediatizado do processo de apropriao da cultura assume caractersti-
cas especficas, decorrentes da prpria especificidade do trabalho
educativo escolar, o processo de apropriao no se apresenta enquanto
um processo educativo apenas no mbito da educao escolar. Na rea-
lidade, a apropriao em qualquer uma das esferas da prtica social
assume sempre a caracterstica de um processo educativo.
Pelo espao deste artigo, no poderemos abordar aqui um tema de
fundamental importncia, decorrente das consideraes acima apresenta-
das. Trata-se do fato de que ao afirmarmos que o processo de ap,ropriao
sempre educativo, no estamos com isso desconsiderando que os pro-
cessos educativos, numa sociedade como a nossa, fundada sobre relaes
de dominao entre as classes sociais e os grupos sociais, podem apresen-
tar-se ao mesmo tempo como processos de humanizao e de alienao.
Analisamos esse tema mais detalhadamente em Duarte (1993: 57-97).
Para concluir esse artigo, analisaremos no prximo item, um con-
ceito de trabalho educativo que consideramos compatvel com a concep-
o acima exposta.

o que o trabalho educativo


A reflexo apresentada ao longo deste artigo, sobre a fundamenta-
o ontolgica de uma concepo histrico-social do processo de conheci-
mento e do processo de formao dos indivduos, mostra-se compatvel
com a definio de trabalho educativo formulada Saviani (1991 :21):

"O trabalho educativo o ato de produzir, direta e intencional-


mente, em cada indivduo singular, a humanidade que produ-
zida histrica e coletivamente pelo conjunto dos homens. As-
sim, o objeto da educao diz respeito, de um lado, identifi-
cao dos elementos culturais que precisam ser assimilados
pelos indivduos da espcie humana para que eles se tornem
humanos e, de outro lado e concomitantemente, descoberta
das formas mais adequadas para atingir esse objetivo. "

Analisemos mais de perto alguns aspectos desse conceito. O que o


trabalho educativo produz? Ele produz, nos indivduos singulares, a humani-
dade, isto , o trabalho educativo alcana sua finalidade quando cada indiv-
Relaes entre ontologia e epistemologia e a reflexo filosfica sobre o... -113
duo singular se apropria da humanidade produzida histrica e coletivamente,
quando o indivduo se apropria dos elementos culturais necessrios sua
formao como ser humano, necessrios sua humanizao. Portanto, a
referncia fundamental justamente o quanto o gnero humano conseguiu
se desenvolver ao longo do processo histrico de sua objetivao. Est impl-
cita a esse conceito a dialtica entre objetivao e apropriao.
. As "foras essenciais humanas", para usar uma expresso de Marx,
resultam da atividade social objetivadora dos homens. So, portanto, for-
as essenciais objetivadas. Assim, no existe uma essncia humana in-
dependente da atividade histrica dos seres humanos, da mesma forma
que a humanidade no est imediatamente dada nos indivduos singula-
res. Essa humanidade, que vem sendo produzida histrica e coletiva-
mente pelo conjunto dos homens, precisa ser novamente produzida em
cada indivduo singular. Trata-se de produzir nos indivduos algo que j
foi produzido historicamente.
Note-se que nesse conceito est formulada a necessidade de iden-
tificar os elementos culturais necessrios humanizao do indivduo.
Existe a um duplo posicionamento do trabalho educativo. O trabalho
educativo se posiciona, em primeiro lugar, em relao cultura humana,
em relao s objetivaes produzidas historicamente. Esse
posicionamento, por sua vez, requer tambm um posicionamento sobre o
processo de formao dos indivduos, sobre o que seja a humanizao
dos indivduos. A questo da historicidade se faz presente nesses dois
posicionamentos. Afinal, uma concepo historicizadora da cultura hu-
mana no se posiciona sobre aquilo que considera as conquistas mais
significativas e duradouras para a humanidade? Igualmente, uma postu-
ra historicizadora do indivduo, no estabelece como referncia maior
aquilo que historicamente j existe enquanto possibilidades de vida hu-
mana, para fazer a crtica s condies concretas da vida dos indivduos
e estabelecer diretrizes para o processo educativo desses indivduos?
Esse conceito do trabalho educativo, tendo como referncia o pro-
cesso de humanizao do gnero humano e dos indivduos, aponta na
direo da superao do conflito entre as pedagogias da essncia e as
pedagogias da existncia. Cabe ao pedagogo e filsofo polons Bogdan
Suchodolski (1984) o mrito de ter caracterizado esse conflito enquanto
O cerne das disputas histricas entre as vrias concepes de educao,
de formao dos seres humanos. Saviani (1989) incorporando a contri-
114 Newton Duarte
buio do pedagogo polons, analisou o conflito entre a pedagogia tradi-
cional e a pedagogia nova enquanto um conflito entre pedagogia da es-
sncia e pedagogia da existncia, interpretando esse conflito luz da
passagem, da burguesia, de classe revolucionria classe consolidada
no poder e defensora da ordem estabelecida. Nosso objetivo aqui no
o de entrar nos detalhes dessa anlise histrica mas sim verificar quais
as implicaes desse conceito de trabalho educativo para a construo
de uma Pedagogia que v alm das Pedagogias da Essncia e das Peda-
gogias da Existncia.
O conflito entre as Pedagogias da Essncia e as Pedagogias da
Existncia, traduzido de forma esquemtica, um conflito entre educar
guiado por um ideal abstrato de ser humano, por uma essncia humana
a-histrica e educar para a realizao dos objetivos imanentemente sur-
gidos na vida de cada pessoa, na sua existncia. Em Duarte (1993:203-
208) analisamos esse tema sob a tica do conceito de alienao enquan-
to distanciamento e conflito entre as foras essenciais humanas que vo
sendo objetivadas em nveis cada vez mais elevados e as condies con-
cretas da existncia da maioria dos indivduos humanos.
O conceito de trabalho educativo aqui adotado situa-se numa pers-
pectiva que supera a opo entre a essncia humana abstrata e a existn-
cia emprica. A essncia abstrata recusada na medida em que a huma-
nidade, as foras essenciais humanas, so concebidas enquanto cultura
humana objetiva e socialmente existente, enquanto produto da atividade
histrica dos seres humanos. Produzir nos indivduos singulares "a huma-
nidade que produzida histrica e coletivamente pelo conjunto dos ho-
mens", significa, produzir a apropriao, pelos indivduos, das foras es-
senciais humanas objetivadas historicamente. Esse conceito de trabalho
educativo tambm supera a concepo de educao guiada pela existn-
cia emprica, na medida em que sua referncia para a educao a for-
mao do indivduo enquanto membro do gnero humano. Ao adotar a
referncia da formao do indivduo enquanto membro do gnero huma-
no, esse conceito de trabalho educativo est estabelecendo como um dos
valores fundamentais da educao o do desenvolvimento do indivduo para
alm dos limites impostos pela diviso social do trabalho. E isso est expl-
cito tambm nas crticas feitas por Saviani pedagogia escolanovista, quando
esta, em nome da democracia, do respeito s diferenas individuais, acaba
por legitimar desigualdades resultantes das relaes sociais alienadas.
Relaes entre ontologia e epistemologia e areflexo filosfica sobre o... -115
Passemos agora a um ltimo aspecto desse conceito: a definio
do trabalho educativo enquanto uma produo direta e intencional.
Decorre desse aspecto a afirmao de que concomitantemente com o
posicionamento perante os elementos da cultura humana historicamente
acumulada, necessria a descoberta das formas mais adequadas
de atingir o objetivo de produo do humano no indivduo.
O trabalho educativo , portanto, uma atividade intencionalmente
dirigida por fins. Da o trabalho educativo diferenciar-se de formas es-
pontneas de educao, ocorridas em outras atividades, tambm dirigidas
por fins, mas que no so os de produzir a humanidade no indivduo.
Quando isso ocorre, nessas atividades, trata-se de um resultado indireto
e inintencional. Portanto, a produo no ato educativo direta em dois
sentidos. O primeiro e mais bvio o de que se trata de uma relao
direta entre educador e educando. O segundo, no to bvio mas tam-
bm presente, o de que a educao, a humanizao do indivduo o
resultado mais direto do trabalho educativo. Outros tipos de resultado
podem existir, mas sero indiretos.
Como j explicitamos, este artigo apresenta uma parte dos funda-
mentos filosficos dos estudos que vimos realizando, no sentido de con-
tribuir para uma teoria do trabalho educativo. Nossa meta articular
de forma coerente e consistente esses fundamentos filosficos aos
nossos demais estudos, no terreno da psicologia da educao e da di-
dtica, visando caracterizar os principais elementos que configuram o
trabalho educativo.

Nota
I. Cumpre observar que a objetivao no se reduz objetivao
stricto sensu, isto , objetivao objetual, produta de objetos, mas
tambm se realiza sob outras formas, como a produo da lingua-
gem, das relaes entre os homens, do conhecimento, etc.

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