Deus Na Natureza
Deus Na Natureza
Deus Na Natureza
DEUS NA NATUREZA
CAMILLE FLAMMARION
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NDICE
Introduo
Introduo
Destina-se esta obra a representar o estado atual dos nossos
conhecimentos precisos, sobre a Natureza e o homem.
A exposio dos ltimos resultados a que atingiu a inteligncia humana no
estudo da Criao , ao nosso ver, a verdadeira base sobre a qual se h-de
fundar doravante toda a convico filosfica e religiosa. Em nome das leis da
razo, to solidamente justificadas pelo progresso contemporneo e por fora
dos inelutveis princpios constituintes da lgica e do mtodo, pareceu-nos que
s atravs das cincias positivas deveremos prosseguir na pesquisa da
verdade.
Se temos, de fato, a ambio de chegar pessoalmente soluo do maior
dos problemas; se estamos sfregos de atingir, por ns mesmos, uma crena
na qual encontremos repouso e pbulo de vida; se nos anima, ao demais, o
legtimo desejo de transmitir ao prximo a consolao que j encontramos;
no temamos nunca afirm-lo ser na cincia experimental que devemos procu-
rar os elementos de cognio, s com ela devendo marchar.
O cepticismo e a dvida universal imperam no mago de nossa alma e
nosso olhar escrutador, que nenhuma iluso fascina, vigila na cripta dos
nossos pensamentos. No nos despraz que assim seja. No lastimemos que
Deus no nos houvesse tudo revelado ao criar-nos, dando-nos contudo o
direito de discutir. Essa prerrogativa do nosso ser tima em si mesma, como
condio maior de progresso. Mas, se o cepticismo nos atalaia vigilante,
tambm a necessidade de crena nos atrai.
Podemos duvidar, certo, sem por isso nos isentarmos do insacivel desejo
de conhecer e saber. Uma crena torna-se-nos imprescindvel. Os espritos
que se vangloriam de no a possurem so os mais ameaados de cair na
superstio ou de anular-se na indiferena.
O homem tem, por natureza, uma necessidade to imperiosa de firmar-se
numa convico , particularmente quanto existncia de um coordenador do
mundo e da destinao dos seres que, quando no encontra uma f
satisfatria, experimenta a necessidade de se demonstrar a si mesmo que esse
Deus no existe e busca, ento, repousar o esprito no atesmo e no niilismo.
Diga-se, tambm, j no ser a questo que ora nos apaixona, a de
sabermos qual a forma do Criador, o carter da mediao, a influncia da
graa, nem discutir, to-pouco, o valor de argumentos teolgicos. A verdadeira
questo saber se Deus existe, ou no.
Note-se que, em geral, a negativa patrocinada pelos experimentalistas da
cincia positiva, enquanto a afirmativa se ampara nos indivduos estranhos ao
movimento cientfico.
Qualquer observador atento pode, ao presente, apreciar no mundo
pensante duas tendncias diametralmente Opostas.
De um lado, qumicos ocupados em tratar e triturar, nos seus laboratrios,
os fatos materiais da cincia moderna, por lhes extrair a essncia e quinta-
essncia, a declararem que a presena de Deus jamais se manifesta em suas
manipulaes.
Doutro lado, telogos acocorados entre poeirentos manuscritos de bibliotecas
gticas compulsando, folheando, interrogando, traduzindo, compilando, citando
e recitando versculos dogmticos, e declarando com o anjo Rafael, que, da
pupila esquerda pupila direita do Padre-Eterno medeiam trinta mil lguas de
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trabalho.
Pensamos que o nico meio eficaz de combater o negativismo
contemporneo voltar contra ele o materialismo cientfico e utilizar as suas
prprias armas para derrot-lo.
Esse discrime compete antes Cincia que Filosofia.
A Ideologia, a Metafsica, a Teologia, mesmo a Psicologia, dele se
afastaram quanto possvel.
Ns no razoamos com palavras, mas com fatos.
As verdades significativas da Astronomia da Fsica e da Qumica, como da
Fisiologia, so, de si mesmas, as defensoras intrpidas da realidade essencial
do mundo.
Por mais difcil que primeira vista parea a refutao cientfica do
Materialismo contemporneo, nossa posio belssima, desde que nos colo-
camos no mesmo plano dos nossos adversrios.
E nesta guerra eminentemente pacfica, estamos de
antemo seguros da vitria.
Basta-nos, com efeito, de vez que o inimigo est em falsa posio,
descobrir a fraqueza dessa posio e desequilibr-lo.
O mtodo simples e infalvel, to seguro que no o escondemos:
deslocado o centro de gravidade, sabe qualquer mecnico que o individuo
colhido de surpresa cai, imediatamente, a procur-lo no solo. Eis o quadro que
se nos vai deparar. Crticos houve que pretenderam ver em nosso mtodo
laivos de sorriso e um tanto de ironia.
No podemos ser juiz em causa prpria, mas, ainda que a acusao
tivesse fundamento, no nos caberia culpa alguma e sim, e s, aos
acontecimentos, nos quais o grotesco teria momentaneamente empanado o
srio, graas aos adversrios tantas vezes arrastados s consequncias mais
curiosas.
Referindo-nos forma, devemos pedir ao leitor acredite, que, se por acaso
tratarmos mais asperamente um que outro adversrio, no a ns que a falta
deve ser imputada, visto no utilizarmos esses recursos extremos seno nos
casos (muito frequentes talvez para eles) em que os adversrios se obstinam
em no se deixarem vencer. Somos, ento, bem a nosso pesar, levados a feri-
los com uma ttica mais rude, forando-os a convir, pelos argumentos
irresistveis do mais forte, que so eles de fato os mais fracos nesta guerra de
princpios.
De resto, no h necessidade de acrescentar que so sempre esses
princpios que atacamos, e nunca a personalidade dos que os advogam.
Assim, considerando-se a ndole mesma da questo, exclusas ficam as
pessoas do campo de batalha.
Alm disso, em conscincia, no acreditamos pratiquem os adversrios o
materialismo absoluto o dos seus interesses e das paixes egostas e,
portanto, no temos outra inteno que discutir as suas teorias.
Dividiremos nossa argumentao geral em cinco partes, no intuito de
demonstrar em cada uma a proposio diametralmente contrria sustentada
pelos eminentes advogados do atesmo.
Assim, na primeira, lidaremos por estabelecer, preliminarmente, pelo
movimento dos astros e depois pela observao do mundo inorgnico terrestre,
que a Fora no atributo da Matria, mas, ao contrrio, a sua soberana, a
sua causa diretora.
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PRIMEIRA PARTE
A Fora e a Matria
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POSIO DO PROBLEMA
SUMRIO Papel da Cincia na sociedade moderna. Sua
potncia e grandeza. Seus limites e tendncias a ultrapass-los. As
cincias no podem dar nenhuma definio de Deus. Processo geral
do atesmo contemporneo. Objees existncia divina, inferidas da
imutabilidade das leis e da ntima Unio entre a fora e a matria.
Iluso dos que afirmam OU negam. Erros de raciocnio. A questo
geral resume-se em estabelecer as relaes recprocas da fora e da
substncia.
bolo, sem cogitar de quem o fz, o pssaro belisca a cereja, sem imaginar
como a mesma se formou. Que sabemos de Deus? E que significa, em suma,
essa ntima intuio que temos de um Ser supremo? Ainda mesmo que, a
exemplo dos turcos, eu lhe desse cem nomes, ficaria infinitamente abaixo da
verdade, tantos so os seus inumerveis atributos... Como o Ente supremo, a
que chamamos Deus, manifesta-se no s no homem como no mbito de uma
Natureza rica e potente quanto nos grandes acontecimentos mundiais, a idia
que dele se faz , evidentemente, exgua.
A idia que os antepassados formavam de Deus, em todas as pocas,
sempre esteve de acordo com o grau de cincia sucessivamente adquirido pela
Humanidade. Tal como o saber humano, essa idia varivel e deve,
necessriamente, progredir, pois, seja como for, cada uma das noes que
constituem o patrimnio da inteligncia deve seguir a par com o progresso
geral, sob pena de ficar distanciada.
No conjunto de um sistema em movimento, toda a pea que se obstinasse
em estacionar, recuaria realmente. Em nossos dias, j no admissvel dizer-
se, dogmticamente, que tal ou tal noo perfeita e deve guardar o ataque da
infalibilidade: ou se faz, ou se no faz parte da marcha progressiva do esprito.
No primeiro caso, importa acompanh-lo integralmente e, no segundo, h que
confessar-se em atraso. Eis o que precisa ficar bem claro.
Digamo-lo francamente: em cincia experimental, Deus no pode ser
admitido a priori e muito menos a destinao, ou finalidade, que presumimos
apreender nas obras da Natureza.
As doutrinas apriorsticas caducaram, j se no admitem.
Confessemo-nos com os materialistas e perguntemos se os que tomaram
Deus e no a Natureza como ponto de partida explicaram, algum dia, as
propriedades da matria ou as leis que governam o mundo. Puderam eles
dizer-nos da mobilidade ou imobilidade do Sol? se a Terra era plana ou
esfrica? quais os desgnios de Deus, etc.? Absolutamente. Mesmo porque,
seria impossvel. Partir de Deus para investigao e exame da Criao
processo baldo de nexo e de sentido. Esse precrio mtodo para estudar a
Natureza e inferir consequncias filosficas, no pressuposto de poder, com
uma simples teoria, construir o Universo e fixar as verdades naturais,
desacreditou-se, felizmente, h muito tempo.
Mas, pelo fato de havermos substitudo a hiptese precedente pelos
resultados do exame a posteriori, segue-se que devamos fechar os olhos e
negar a inteligncia, a sabedoria, a harmonia reveladas pela prpria
observao? Haver motivo para repudiar toda e qualquer concluso filosfica
e ficar a meio caminho, temerosos de atingir o fim? E deveremos, por isso,
rendermo-nos aos cpticos contemporneos que, sem embargo de evidncia,
rejeitam toda luz e toda concluso?
Pensamos que no. Muito ao contrrio, pelo mtodo que preconizam,
constatamos as suas recusas e inconsequncias.
Antes de qualquer controvrsia, importa determinar as posies recprocas,
por evitar mal-entendidos, esperando ns que as declaraes precedentes
bastem para esclarecer categoricamente a nossa atitude.
Combateremos francamente o materialismo, no com as armas da f
religiosa, no com os argumentos da fraseologia escolstica, no com as au-
toridades tradicionais, mas pelos raciocnios que a contemplao cientfica do
Universo inspira e fecunda.
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pondera Bchner e de procurar fora dele uma razo que governa, uma
potncia absoluta, uma alma mumdial, um Deus pessoal, etc. Mas, que o
que vos fala disso? Nunca, em parte alguma diz o mesmo literato nos
mais longnquos espaos revelados pelo telescpio, pde observar-Se um fato
que fizesse exceo e pudesse justificar a necessidade de uma fora absoluta,
operando fora das coisas.
A fora no impelida por um Deus, no uma essncia das coisas
isoladas do princpio material adverte Moleschott.
Ningum ter viso to limitada afirma ele alhures para enxergar nas
aes da Natureza foras outras no ligadas a um substrato material. Uma
fora, que planasse livremente acima da matria, seria uma concepo
absolutamente balda de sentido.
Positivamente, ainda hoje existem cavaleiros errantes, guisa dos que
outrora manobravam em torno dos castelos do Reno, e de bom grado arre-
metem moinhos de vento. Ldimos heris de Cervantes, visto que, no fim de
contas, qual o filsofo que hoje propugna um Deus ou foras quaisquer fora da
Natureza?
Vemos em Deus a essncia virtual que sustenta o mundo em cada uma de
suas partes microscpicas, da resultando ser o mundo como que por ele
banhado, embebido em todas as suas partes e que Deus est presente na
composio mesma de cada corpo.
Dessarte, a primeira trincheira cavada pelos adversrios para bloquear o
Espiritualismo foi por eles mesmos entulhada; e a segunda, nem sequer
objetiva a cidadela, e os nossos soldados alemes no fazem mais que bater o
campo.
Um terceiro erro, capital e imperdovel em cientistas de certa idade,
imaginarem-se com direito de afirmar sem provas, a embalarem-se com a doce
iluso de serem os outros obrigados a acreditar sob palavra. Coisas que a
verdadeira Cincia profundamente silencia, afirmam-nas eles, categricos.
Afirmam, como se houvessem assistido aos concelhos da Criao, ou como se
fssem os prprios autores dela.
Eis alguns espcimes de raciocnios, cuja infalibilidade to ciosamente
proclamada.
Que os espritos um tanto afeitos prtica cientfica se dem ao trabalho
de analisar as seguintes afirmaes:
Moleschott diz que a fora no um deus que impele, no um ser
separado da substncia material das coisas (quer dizer separado ou distinto?).
a propriedade inseparvel da matria, a ela inerente de toda a eternidade.
Uma fora, no ligada matria, seria um absurdo. O azto, o carbono, o
oxignio, o enxofre e o fsforo tm propriedades que lhes so inerentes de
toda a eternidade... Logo, a matria governa o homem.
Cada uma destas afirmativas, ou negativas, uma petio de princpios, a
depender do sentido que dermos aos termos discutveis, utilizados; mas, em
suma, o que elas resumem que a fora vale como propriedade da matria.
Ora, essa , precisamente, a questo. Os campees da Cincia, que
pretendem represent-la e falar com e por ela, no se dignam de seguir o
mtodo cientfico, que o de nada afirmar sem provas. Nas dobras do seu
estandarte, com letras douradas, estereotiparam uma legenda fulgurante, a
saber: toda a proposio no demonstrada experimentalmente s merece
repdio e, no entanto, logo de incio, esquecem a legenda. So pregadores
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explicaes obscuras:
O esprito, diz o Dr. Hermann Scheffler (2), outra coisa no seno
uma fora da matria, imediatamente resultante da atividade nervosa...
Mas... de onde provm essa atividade nervosa?
Do ter (?) em movimento nos nervos. De sorte que, os atos do esprito
so o produto imediato do movimento nervoso, determinado pelo ter, ou do
movimento deste nos nervos ao qual importa ajuntar uma variao
mecnica, fsica ou qumica, da substncia impondervel dos nervos e de
outros elementos orgnicos...
Eis a, suponho, bem esclarecida a questo. Virchow diz que a vida
no mais que modalidade particular da mecnica; e Bchner afirma que o
homem no passa de produto material; que no pode ser o que os moralistas
pintam; que no tem faculdade alguma privilegiada.
Que h em todos os nervos uma corrente eltrica predica Dubois-
Reymond e que o
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O CU
SUMRIO As harmonias do mundo sideral Leis de Kpler.
Atrao universal. Coordenao dos mundos e dos seus movimentos.
A fora rege a matria. Carter inteligente das leis astronmicas;
condies da estabilidade do Universo. Potncia, ordem, sabedoria.
Negao ateista, inquinaes curiosas ao organizador, objeces
singulares ao mecnico. Ser verdade que no existe no parque da
Natureza sinal qualquer de Inteligncia? Resposta aos julgadores de
Deus.
A sntese destas leis integra o grande axioma que Newton foi o primeiro a
formular na sua obra imortal sobre os Princpios.
Neste livro, ensina-nos ele como bem adverte Herschel que todos os
movimentos celestes so consequncias da lei, isto : que duas molculas
materiais se atraem na razo direta do volume de suas massas e na inversa do
quadrado das distncias.
percorrem centenas de mil lguas por dia, sem parar, seguindo estritamente a
rota certa e prviamente traada por essas mesmas foras.
Se nos fora dado libertar-nos um momento das aparncias, sob cujo
imprio nos acreditamos em repouso no centro do Universo, e se pudramos
abranger num olhar de conjunto os movimentos que animam todas as esferas,
haveramos de ficar surpreendidos com a imponncia desses movimentos. Aos
nossos olhos maravilhados, enormssimos globos turbilhonariam rpidos sobre
si mesmos, projetados no vcuo a toda a velocidade, quais gigantescas balas
que uma fora de projeo inimaginvel houvesse enviado ao Infinito.
Admiramo-nos desses comboios ferrovirios que devoram distncias como
drages flamantes e, no entanto, os globos celestes, mais volumosos que a
nossa Terra, deslocam-se com uma rapidez que ultrapassa a das locomotivas,
quanto a destas ultrapassa a das tartarugas. A terra que habitamos, por
exemplo, percorre o espao com a velocidade de seiscentos e cinquenta mil
lguas por dia. Rodeando esseS mundos, veramos satlites em circulao e a
distncias diferentes, mas adstritos e submissos s mesmas leis. E todas
essas repblicas flutuantes inclinam os plos alternativamente para o calor e
para a luz, a gravitarem sobre o prprio eixo, apresentando, cada manh, os
diferentes pontos de sua superfcie ao beijo do astro-rei. Tiram, assim, da com-
binao mesma dos seus movimentos, a renovao da beleza e da juventude;
renovam a fecundidade no ciclo das primaveras, dos estios, dos outonos e dos
invernos; coroam de frondes as montanhas onde o vento suspira; refletem no
espelho dos lagos a magia de suas paisagens; envolvem-se, s vezes, na
lanugem atmosfrica, fazendo dela um manto protetor, ou transformando-a em
cadinho retumbante de raios e granizos; desdobram por superfcies imensas a
fora das ondas ocenicas, que, tambm por si, se alteiam sob a atrao dos
astros, qual seio ofegante; iluminam crepsculos com os matizes policrmicos
dos ocasos comburentes, e fremem nos seus plos s palpitaes eltricas
despedidas dos leques de boreais auroras; geram, embalam e nutrem a
multido de seres que as povoam; e renovam o filo da vida desde as plantas
fsseis, do passado, at o homem que pensa e sonda o futuro. Todos estes
mundos, todas estas moradas do espao, departamentos da vida, nos
apareceriam quais naves bussoladas, conduzindo atravs do oceano, celeste
tripulantes que no tm a temer escolhos nem impercias de comando, nem
falta de combustvel, nem fome, nem tempestades.
Estrelas, sis, mundos errantes, cometas flgidos, sistemas estranhos,
astros misteriosos, todos proclamariam harmonia, seriam todos os acusadores
de quantos decretam no passar a fora de cego atributo da matria. E
quando, acompanhando as relaes numricas que ligam todos esses mundos
ao Sol qual corao palpitante de um mesmo ser houvermos
personificado o sistema planetrio do prprio Sol foco colossal que a todos
absorve na sua esplendente e poderosa personalidade ento, no
tardaremos a ver nesse Sol, com o seu sistema, em trnsito pelos espaos infi-
nitos, o atestado de que todas as estrelas so outros tantos sis, cercados,
como o nosso, de uma famlia que deles recebe luz e vida, e veremos que
todas as estrelas so guiadas por movimentos diversos e que, muito longe de
ficarem fixas na imensidade, caminham com velocidades terrificantes, ainda
mais cleres que as retro mencionadas.
S ento, o Universo inteiro brilhar aos nossos olhos sob o verdadeiro
prisma, e as foras que o regem proclamaro, com a eloquncia maravi-
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nos seus clculos. Tudo pois, no Universo, marcha por efeito de uma
organizao admirvel de simplicidade, visto que os movimentos, aparente-
mente mais complicados, resultam da combinao de impulsos primitivos com
uma fora nica agindo sobre cada molcula material; fora nica, com a qual,
e consequentemente, haja de ocupar-se, por assim dizer, o Criador. Mas,
tambm, que desenvolvimento de poder no requer a produo incessante
dessas foras, cuja existncia no essencialmente inerente matria! Oh!
como deve ser vigilante a mo eterna que sabe, a cada momento, renovar tais
foras, at nos mais impalpveis tomos dos inumerveis astros destinados a
povoar as regies de infinita imensidade. No ser o caso de dizer com o rei-
profeta, inclinando-Se perante tanta grandeza: Coeli enarrant gloriam Dei?
A partir de Newton e Kpler, sabemos que o Universo um dinamismo
imenso, cujos elementos em sua totalidade no cessam de agir e reagir na
infinidade do tempo e do espao, com atividade indefectvel. Esta a grande
verdade que a Astronomia, a Fsica e a Qumica nos revelam nas imponentes
maravilhas da Criao.
Tal o sublime espetculo do mundo, tais as leis constitutivas da sua
harmonia. Ora, qual a perfdia de linguagem, ou de raciocnio, que os materia-
listas utilizam para traduzir pr domo sua esses fatos e conclurem pela
ausncia de todo e qualquer pensamento divino?
Eis aqui os argumentos inscritos em letras berrantes num catecismo
materialista que, por seu colorido de Cincia, se tem imposto a muita gente: (7)
da Serpente.
Os astrnomos ficaram assaz surpresos, por isso que uma tal apario
parecia contrria harmonia dos cus. As estrelas variveis ainda no eram
conhecidas. Como, pois, nascera aquela? Fortuitamente? Engendrada ao
acaso? Estas as interrogaes de Kpler, quando sobreveio um pequeno
acidente...
Ontem disse-o ele , no curso das minhas elucubraes, fui chamado
para o jantar. Minha mulher trousse mesa uma salada. Pensas, disse-lhe
eu, que, se desde os primrdios da Criao flutuassem no ar, sem ordem nem
direo, pratos de estanho, folhas de alface, gros de sal, azeite e vinagre e
pedaos de ovo cozido o acaso os juntaria hoje para fazer uma salada? - No
to boa como esta, seguramente respondeu-me a bela esposa.
Ningum ousou considerar a nova estrela como produto do acaso, e hoje
sabemos que o acaso no tem guarida no mecanismo dos astros. Kpler viveu
adorando a harmonia do mundo, e s como extravagncia admitia dvidas a
respeito. Os fundadores da Astronomia Coprnico, Galileu, Tieha-Brah,
Newton, todos se acordam no mesmo culto de Kpler (9)
No so, portanto, os astrnomos que increpam o cu de falta de
harmonia.
mundos esplendorosos! sis do Infinito, e vs, terras habitadas que
gravitais em torno desses focos brilhantes, cessai o vosso movimento
harmonioso, sustai vosso curso. A vida vos irradia da fronte, a inteligncia mora
em vossas tendas, e os vossos campos, recebem, dos multifrios sis que os
iluminam, a seiva fecunda das existncias. Sois levados, no infinito, pela
mesma soberana mo que sustenta o nosso globo, merc da suprema lei que
inclina o gnio adorao da grande causa. Daqui, seguimos os vossos
movimentos, mau grado s inominveis distncias que nos separam e
observamos que esses movimentos so regulados, qual os nossos, pelas trs
regras que a genialidade de Kpler viugou formular. Do fundo abismal dos
cus, vs nos ensinais que uma ordem soberana e universal rege os mundos.
Vs nos contais a glria de Deus em termos que deixam a perder de vista os
com que a proclamava o rei-profeta, escreveis no cu o nome desse ente
desconhecido, que nenhuma criatura pode sequer pressentir. Astros de
movimentao
fora que vos avassala. Que significa essa obedincia servil? Ento, filhos da
matria, no ser ela a soberana do espao? Dar-se- que haja leis
inteligentes? Foras diretoras? Nunca, jamais. Laborais num erro insigne,
estrelas do Infinito! sois vtimas do mais ridculo ilusionismo...
Escutai, pois: no fundo dos vastos desertos siderais, dormita obscuro um
pequenino globo desconhecido. No tendes acaso percebido, uma que outra
vez, entre as mirades de estrelas que branqueiam a Via-Lctea, uma
estrelinha de nfima grandeza?
Pois bem, essa estrelinha, como vs, tambm um sol e em torno dele
rolam algumas miniaturas de mundos to pequeninos que rolariam quais gros
de areia, na superfcie de um de vs. Ora, sobre um dos mais microscpicos
planos desses microscpicos mundculos, h uma raa de racionalistas e, no
seio da raa, um ncleo de filsofos que acabam de declarar positivamente,
magnificncias! que o vosso Deus no existe.
Soberbos pigmeus, levantaram-se na ponta dos ps, pensando ver-vos
assim de mais perto. Eles vos acenaram para que vos detvsseis e proclama-
ram, em seguida, que os ouvsseis e que toda a Natureza estava com eles. Alto
e bom som, proclamam-se os intrpretes nicos dessa Natureza imensa. A
lhes darmos crdito, pertence-lhes, doravante, o cetro da razo e o futuro do
pensamento humano est em suas mos. Firmemente convencidos esto eles,
no s da verdade, mas, sobretudo, da utilidade de sua descoberta e da
benfica influncia resultante para o progresso desta pequena humanidade. Ao
demais, fizeram constar que todos quantos lhes no compartilhassem a
opinio, estavam em contradita com a cincia natural, e que a melhor
qualificao cabvel a esses dissidentes retardatrios de ignorantes
obcecados. No vos exponhais, portanto, a serdes to desfavoravelmente
julgadas por esses senhores, portentosas estrelas!
Procedei de maneira a distinguir o nosso imperceptvel sol, o nosso tomo
terrestre, a nossa vermnea racionalidade e, aderindo a esta declarao capital,
paralisai o mecanismo do Universo e com ele a dimenso e harmonia; substitui
o movimento pelo repouso, a luz pela treva, a vida pela morte e, depois,
quando toda a capacidade intelectual for aniquilada, todo o idealismo banido da
Natureza, suprimida toda a lei, atrofiada toda a fora, o Universo se pulverizar,
vs vos dispersereis em p no bojo da noite Infinita, e se o tomo terrestre
ainda subsistir, os senhores filsofos, ltimos viventes, estaro satisfeitos. No
mais se poder dizer que haja inteligncia na Natureza.
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A TERRA
SUMRIO Lei das combinaes qumicas. Propores
definidas. Do infinitamente pequeno e dos tomos. Circulao
molecular sob a ao das foras fsico-quimicas. A Geometria e a
lgebra no reino Inorgnico. A esttica das cincias. O nmero tudo
rege. Harmonia dos sons. Harmonia das cores. Importncia da lei;
menor importncia da Matria, sua inrcia. O primeiro surto da fora
orgnica no reino vegetal.
culiar?
Por ns, confessamo-lo sem reservas: na manifestao dessas tendncias
instintivas saudamos o ser virtual, a fora intrnseca do vegetal, que constrange
a matria a obedecer-lhe.
Parece-nos que sois consequentes atribuindo matria essa afinidade
eletiva (como se a matria discernisse!), quando ns a inferimos no ser vegetal,
que, aflorado nas condies mais dspares, sabe adivinhar por toda a parte os
elementos necessrios existncia da sua espcie.
pretensos sbios! que acreditais fabricar cincia arrastando a
inteligncia em campo raso de dispautrios, deixai que vos acuse e lastime no
terdes sabido ver, nem sentir, os cenrios da Natureza. O aspecto admirvel de
uns tantos stios, nos quais a graa e a beleza se conjugam sob todos os
prismas; a movimentao da vida, na viridncia constante de prados e
florestas; a irisao da luz-clara, marchetada de flocos de ouro; o perfil
silencioso das rvores; o espelho translcido dos lagos que refletem o Sol; o
calor primaveril que aquece a atmosfera; o sendal das selvas e o perfume das
flores: todas as maravilhas, ternuras, carcias da Natureza ficaram estranhas
vossa inrcia. As contemplaes desta natureza terrestre oferecem, contudo,
grandes encantos e acarretam, por vezes, revelaes inesperadas.
Lembro-me e confesso, ainda que possais rir da minha sensibilidade
lembro-me, repito, de haver passado horas deliciosas, admirando
solitariamente umas quantas paisagens. No h categorizar aqui as
impresses de que falo, pois quem tenha olhos de ver, as encontrar por toda
parte. O Sol, no posto ainda, mas nublado, iluminava as alturas, colorindo de
matizes delicadssimos e esquisitos as nuvens mais altas, cmulus louros a
vogarem lentos, acima dos crrus argenteados. Um vento suave e insensvel
superfcie do solo balouava aqueles grupos polcromos, nos quais os tons de
ferica paleta, do ureo ao rseo, harmonizavam-se no contraste, quais
acordes de um coro celestial. A meus ps fremia a onda translcida do lago
imenso, a sumir-se no horizonte longnquo. Profundo silncio amortalhava a
cena. beira dgua, no longe, alguns capes de rvores e de arbustos
refletiam-se no espelho mbil, com propores gigantescas. A massa eqrea
refletia simultneamente a terra e o cu, opondo s luzes de cima as sombras
de baixo. Quadro digno dos grandes paisagistas, que costumamos admirar nas
telas de um Claudio Lorrain e de um Poussin, mas cuja simplicidade inimitvel
transcende a todo poder imaginativo! s vezes, o silncio ambiente era
quebrado pelo cincerro dos rebanhos distantes, tangidos ao pastoreio, quando
no pelas copias de alados cantores. Diante desse conjunto de tanta beleza,
velada embora; de tanta vivacidade, apesar de aparentemente morto; de tal
eloquncia em meio do silncio, havia um esplendor tamanho e to imperioso,
que eu me senti penetrado da vida universal, difusa no mesmo ar que respirava
por todos os poros. Ela dizia-me que as rvores vivem, que as plantas respiram
e Sonham! Dizia-me que no ar e na luz, em que a supomos inanimada, ela se
eleva e se engrandece para a fase indecisa das primeiras manifestaes do
ser. Eu bem via, com os olhos do qumico, a sucessividade rpida e incessante
dos tomos constituintes do corpo, desde a erva tenra at a nuvem. Sabia que
um dinamismo grandioso e incoercvel lhe pe em circulao turbilhonar as
molculas simples, alternativamente combinadas na sucesso dos corpos.
Contudo, no mago desse movimento, pressentia a fora que o acarreta,
no fundo dessas aparncias admirava a lei diretriz das coisas criadas.
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Dominado pelo poder mesmo dessas leis, que irradiam a beleza no espao
com a mesma facilidade com que o lavrador semeia em campo frtil; pro-
fundamente emocionado nessa comunho passageira do meu eu com a vida
inconsciente da Natureza, senti-me como que transportado a uma espcie de
xtase, enquanto as imagens areas daquele cu magnfico se me refletiam
nalma, qual se o fizessem na face espelhante de um lago tranqilo.
nesses instantes de contemplao, fugazes e indescritveis, que a idia
esttica de Deus me surge mais luminosa e maiormente me avassala. So
revelaes estas, que no posso exprimir e nem a mim prprio definir, quando
me ocorrem. Sinto-me subjugado pela necessidade de reconhecer uma causa
para essa beleza, uma causa que no posso nomear, e que, nada obstante,
me surge com as caractersticas da prpria beleza, da bondade, da ternura, do
amor e assim tambm com as do poder, da magnitude e da dominao. No
mais, ento, pela inteligncia, mas pelo corao que me compenetro da
existncia de Deus. Deverei confessar que me sinto s vezes surpreso e
acabrunhado por uma emoo profunda? No, por isso que, na opinio dos
contraditores, todo sinal de emoo s tem origem na centralidade varivel do
corao anatmico, ou na secreo da glndula lacrimal, mais ou menos
sensvel por temperamento e que, portanto, todas as maravilhas aqui expen-
didas no passam de cego resultado, baldo de senso, das combinaes
materiais engendradas pela qumica e pela fsica orgnicas!
O Deus eterno, onisciente, onipotente, infinitamente sbio, passou-me
ante os olhos exclamava Linneu, aps seus admirveis trabalhos de
Botnica. No o vi face a face, mas o seu reflexo me saturou o esprito de
pasmo e admirao. AcomPanhei-lhe o trao em todas as coisas criadas, e, em
todas as suas obras, das menores s maiores, e mesmo nas mais
imperceptveis, quanta fora, quanta sabedoria, quanta perfeio indefinvel!
Observei como os seres animados se superpem e se encadeiam no reino
vegetal, os vegetais por sua vez, nos minerais que jazem nas entranhas do glo-
bo, ao mesmo tempo que este globo gravita, num plano invarivel, ao redor do
sol que lhe deu a vida. Enfim, vi o Sol e todos os astros, todo o sistema sideral
imenso, incalculvel na sua infinitude, moverem-Se no espao, suspensos no
vcuo por um motor primrio, incompreensvel, o Ser dos seres, o Guia, o
Conservador do Universo, Mestre e Operrio de toda a obra universal...
Todas as coisas criadas do testemunho do poder e sabedoria divinos, ao
mesmo tempo que se fazem tesouro e pbulo de nossa felicidade. A utilidade
que elas tm, testificam a bondade de quem as fz; a sua beleza demonstra
sabedoria, enquanto que por sua harmonia, conservao, proporcionalidade e
inesgotvel fecundidade, proclamam a grandeza do poder divino!
a isso que quereis chamar Providncia? efetivamente o seu nome, e
no h outro que o seu conselho, para explicar o mundo. , pois, justo
acreditar que h um Deus imenso, eterno, incriado, sem o qual nada existe e
que tenha. feito e coordenado esta obra universal.
Esse Deus escapa-se-nos vista e, no obstante, no-la repleta da sua luz.
S em pensamento podemos aprend-lo e neste profundo santurio que se
oculta a sua majestade.
Nossos adversrios no compreendem estes arroubos dalma. Ao demais,
para sentir a poesia das coisas, preciso, antes de tudo, possuir a poesia
dentro de si mesmo, preciso que a alma entre em vibrao. O esprito que se
degrada funo de produto qumico no suscetvel de emoes que tais.
42
matria nos seres vivos. pelo sistema nervoso que o animal se distingue do
mineral e do vegetal. A partir do estado rudimentar, onde se apresenta com os
zofitos, at o seu mais completo desenvolvimento na espcie humana, o
sistema nervoso o ndice da animalidade e preside aos fenmenos imateriais.
Por ele que percebemos toda e qualquer sensao; ele que possibilita
nossos movimentos voluntrios, por ele, ainda, que manifestamos o
pensamento. Eliminai os nervos e tereis de fato destrudo a sensao. Cortai o
fio telegrfico e j no transmitireis o despacho.
Se o nervo tico paralisar, ainda que intacto o globo ocular, o animal fica
cego; as imagens prosseguiro, formando-se na cmara visual, mas
insensveis. O ouvido pode estar perfeitamente so, fsicamente constitudo
para recolher as vibraes sonoras e, no entanto, no haver sons percept-
veis, desde que l no exista o nervo acstico para os captar e transmitir ao
crebro e tambm que haja um crebro vivo para os receber.
, pois, de crebro e nervos que se utiliza a fora que percebe e julga.
No reino vegetal, particularmente em certas espcies como sejam a
sensitiva, a dioneia, o desmdio, ns reconhecemos uma energia latente, cor-
respondente ao nosso sistema nervoso.
Indiscutvel , todavia, que a fora fsico-qumica, a fora vegetal, a fora
animal, a inteligncia, no so uma s fora-matria. Expliquem-nos, ento,
como uma molcula sucessivamente animada por foras to distintas.
Como admitir que o tomo de ferro, que agora se integra num homem, num
animal ou numa planta, constitusse momentos antes a ferrugem de uma velha
esttua, por exemplo? Se ele ao mesmo tempo matria e fora, e se a fora
nica, como explicar produza fenmenos to distintos?
Acima da matria existe um princpio imaterial, absolutamente distinto. Um
esprito anima a matria, qual o disse Verglio.
Diante da organizao regular dos seres terrestres, no nos cabe mais que
repetir a resposta, j de um sculo, dada ao Sistema da Natureza. A matria
passiva e incapaz de coordenar-se por si mesma num todo regular. Contudo,
ela dotada de umas tantas propriedades que a fazem suscetvel de
obedincia s leis. Ora, como pode a matria cega ter desgnios e tender para
uma finalidade? Como, ininteligente, teria engendrado seres inteligentes?
Como se governaria por leis sbias, se no conhece o que seja sabedoria?
Como reinar uma ordem majestosa entre as suas partes, se ela no conhece a
ordem?
Como, enfim, essa utilidade sensvel e perceptvel em todas as suas
operaes, se ela, de fato, no tem alvo?
A esto uns tantos problemas a que os materialistas hodiernos vo tentar
responder em detalhe nas suas discusses (14).
SEGUNDA PARTE
A Vida
47
1
CIRCULAO DA MATRIA
SUMRIO Viagens Incessantes dos tomos atravs dos
organismos; fraternidade universal dos seres vivos; solidariedade
Indissolvel entre as plantas, os animais e o homem. Vida aparente e
vida Invisvel. O ar, a respirao, a alimentao, a desassimilao. O
corpo, transformao perptua. O equilbrio das funes vitais prova
uma fora diretora. A decomposio cadavrica prova que a vida uma
fora e que essa tora no uma quimera. Homnculos. Fatos e
atitudes da Qumica orgnica. Essa qumica no cria seres nem rgos.
A Matria circula, a Fora governa.
traados vida vegetal. Muitas vezes, vimos o rei dos abutres o condor
planar acima de vossa cabea, em altitudes excedentes aos picos nevados dos
Pireneus, e mesmo dos indianos. O possante carnvoro alado era,
naturalmente, atrado pelos sedosos vigonhos, que s manadas procuram
aquelas pastagens coalhadas de neve.
Esta vida que vemos difundida, em todas as camadas atmosfricas, no
mais que plida imagem da vida mais compacta, que o microscpio nos revela,
Os ventos arrebatam, superfcie das guas em evaporao, turbilhes de
animlculos invisveis, imveis e com todas as aparncias de morte; seres que
flutuam no ar, at que as orvalhadas os devolvam ao solo nutriz, que lhes
dissolve o invlucro e, graas provvelmente ao oxignio sempre contido na
gua, comunica-lhes aos rgos uma nova irritabilidade. Nuvens de
microrganismos cruzam as regies areas do Atlntico e carreiam a vida de um
a outro continente.
Com o autor de Cosmos, podemos acrescentar que, independentemente
dessas existncias, a atmosfera tambm contm inumerveis germes de vida
futura, vulos de insetos e de plantas, que, sustentados por coroas de plos ou
de plumas, garram para as longas peregrinaes do Outono. O plen
fecundante que as flores masculinas semeiam nas espcies de sexo
extremado, tambm, ele prprio, levado pelos ventos e por insetos alados~
atravs de continentes e mares, s plantas femininas que vivem em solido.
Onde quer que o observador da Natureza mergulhe os olhos, a encontrar
vidas, ou um germe pronto a receb-la.
As formas orgnicas penetram no seio da Terra a grandes profundidades,
por toda a parte as guas se espalham e infiltram, seja em interstcios
formados pela Natureza, ou feitos pela mo do homem.
Ningum poderia dizer com segurana qual o ambiente em que a vida se
difundiu com maior profuso. De fato, ela repleta os oceanos, das zonas
tropicais aos gelos polares; o ar povoa-se de germes invisveis e o solo
sulcado por mirades de espcies, quer animais, quer vegetais.
Estes incessantemente procuram dispor, mediante combinaes
harmoniosas, da matria bruta do solo, como que tendo a funo de preparar e
misturar, por virtude de sua energia vital, as substncias que, aps inumerveis
modificaes, ho-de ser elevadas ao estado de fibras nervosas.
Abrangendo no mesmo olhar a camada vegetal que reveste o solo, depara-
se-nos em plenitude a vida animal, nutrida e conservada pelas plantas.
Por intermdio do ar que se operam essas transformaes incessantes,
universais, e no por outro meio que no esse, os elementos podem transitar
de um corpo a outro. Proposio esta, to exata, que os fisiologistas h muito
repetem que todo ser vivo produto do ar organizado. Como se opera essa
organizao? A partir de Lavoisier, sabemos que a respirao do homem e dos
animais ato anlogo s combustes mediante as quais nos aquecemos e
aclaramos. Insistamos um tanto neste ponto. A respirao estabelece uma
solidariedade universal entre os homens, animais e plantas. Ela resultante da
unio do oxignio com o carbono e o hidrognio dos alimentos, tanto quanto a
combusto resulta da unio desse mesmo oxignio com o hidrognio e o
carbono da vela, da madeira, ou combustvel qualquer. A respirao verifica-se
sob a influncia da vida, enquanto a combusto, propriamente dita, se opera
sob a influncia de um calor intenso. Um e outro ato tm por fim produzir calor.
o calor desprendido da nossa respirao que entretm no corpo a
51
mentar.
Notvel, a rapidez com que se opera esse intercmbio de matria.
A durao mdia da vida dos que sucumbem de inanio atinge a duas
semanas. Mas, desde que um vertebrado, seja qual for, morra de inanio, o
seu corpo ter perdido quatro dez avos do peso normal.
Nos indivduos alimentados convenientemente, a permuta se opera mais
rpida que nos esgotados pela abstinncia. Moleschott e fisiologistas outros
acreditaram poder concluir de certos fatos que o corpo renova a maior parte de
sua substncia num perodo de 20 a 30 dias.
Impondo-se um regime regular, diversos observadores verificaram uma
perda, em mdia, de um vinte avos do seu peso, em 24 horas.
O alimento ingerido e o oxignio aspirado contrabalanam essa perda. O
sangue, com efeito, no provm apenas das substncias alimentares, mas,
simultneamente, da alimentao e da respirao. uma verdade que mais
avulta no concernente aos tecidos orgnicos.
Perdendo o corpo diariamente um doze avos e no Estio um quatorze avos
do seu peso, todo o corpo estaria renovado dentro de 12 ou 14 dias. Pelos
resultados obtidos com o ltimo observador, seriam precisos vinte e dois dias.
Liebig deduziu dessa rapidez de permutas uma outra considerao. Pode-
se, sem maior dvida, atribuir a um homem idoso 24 libras de sangue. O
oxignio por ns absorvido em 4 ou 5 dias basta para transformar pela
combusto todo o carbono e hidrognio dessas 24 libras de sangue em cido
carbnico e gua. Mas, o sangue corresponde mais ou menos a um quinze
avos do peso do corpo: se, pois, 5 dias bastam para substituir o sangue, com a
troca dos elementos, pode inferir-se que o corpo inteiro se renova em 25 dias.
Moleschott e Malerf verificaram que corpsculos de carneiro, profusamente
injetados na circulao de rs, desapareciam completamente ao fim de 17 dias.
Ora, como a permuta nas rs se opera mais lenta que nos animais de sangue
quente, somos levados a crer que os glbulos vermelhos do sangue humano
se renovam totalmente em menos de 17 dias.
O autor de Circulao da Vida declara, portanto, que a concordncia dos
resultados obtidos, partindo de trs pontos de vista diferentes, uma garantia
positiva de veridicidade da hiptese dos 30 dias necessrios renovao
completa do organismo. Os sete anos que a crena popular fixava a essa
operao, seriam um exagero colossal. Por surpreendente que possa parecer,
primeira vista, essa rapidez diz concorda com a experincia em todos
os pontos. Para Stahl, as andorinhas perdem num dia a gordura aprovisionada
durante a noite. O desenvolvimento das clulas opera-se, no sangue, em 7 ou
8 horas, a expensas das matrias fornecidas pelo quilo. De resto, quem ignora
bastarem poucos dias para que um homem emagrea ao ponto de tornar-se
irreconhecvel?
A rapidez da permuta das matrias, demonstrada em todas as
experincias, o que h de mais prprio para diminuir nossa admirao.
Essas experincias nos ensinam que um adulto, pesando 128 libras,
elimina em 24 horas cerca de 3 libras de saliva, duas e meia de blis, no mni-
mo, e mais de 28 de suco gstrico; de sorte que um fumante, com o mau veso
de escarrar seguidamente, pode, durante o dia, expelir 85 partes do seu peso.
No perodo de 24 horas, corre em nosso corpo perto de um quarto do seu
peso, de suco gstrico a circular do sangue para o estmago, e vice-versa.
A celeridade das permutas difere de indivduo para indivduo.
56
(19) Eis como se exprime Moleschott, sem uma palavra que venha coroar
a aridez dessa descrio. Pedimos licena para compar-la ao fecho de
captulo anlogo, de outro fisiologista alemo Schleiden e perguntar
para que lado pendem as aspiraes da alma. Nossa percepo da vida e
da morte, diz este, torna-se, na velhice, outra. que no a da mocidade. Os
elementos acumulam-se no corpo, progressivamente; os rgos flcidos,
flexveis, enrijam-se, ossificam-se, recusam-se a trabalhar; a Terra atrai o
corpo sempre maiormente, at que a alma fatigada desse
constrangimento lhe abandona o invlucro j insustentvel. Abandona o
corpo de barro, nascido do p, combusto lenta, a que chamamos
putrefao. S a alma, imortal e incorruptvel, deixa a servitude das leis
materiais e volve-se ao Regulador da liberdade espiritual.
(20) Buffon, que nunca foi mecnico, enganou-se neste ponto, pois hoje
sabemos que a Mecnica, tanto como a Qumica, representa um grande
papel na construo do corpo. esse erro, porm, no impede que as
palavras do grande naturalista exprimam a verdade no condizente
preponderncia da Fora.
mais alta. (Voltando-Se para a fornalha) Quanto brilho! veja... Dora em diante,
lcito esperar que, se de cem matrias, e por mistura pois tudo depende da
mistura conseguimos com facilidade compor a massa humana, aprision-la
num alambique, coob-la a preceito, a obra se completar em silncio. (Vol-
tando-se de novo para a fornalha) o que est sucedendo: a mesma clareia-se
e mais convicto me deixa, a cada instante. Tentamos, judiciosamente,
experimentar o que se chamava mistrios da Natureza e o que ela
produzia outrora, organizando, fazemo-lo hoje cristalizando.
Mefistfeles: A experincia vem com a idade e a quem quer que tenha
vivido bastante, nada ocorre de novo, na Terra. Por mim, confesso que nas
minhas viagens encontrei, bastas vezes, muita gente cristalizada...
Wagner: (que no tirara o olho da sua lente) A coisa est
crescendo, brilhando, fervendo... Um instante mais, e a obra estar
consumada. No h ideal grandioso que primeira vista no parea insensato;
contudo, doravante, queremos sobrancear o acaso e dessarte, futuramente, um
pensador no deixar de fabricar um crebro pensante...
(Contemplando a redoma embevecido) O cristal retine, vibra; comove-o uma
fora encantadora, ele como que se perturba e se aclara, O sucesso no tarda.
J estou a ver a forma elegante de um homemzinho gesticulando... Que mais
desejar? Que pode o mundo querer de melhor? Eis o mistrio a desnudar-se!
Ateno! Esse timbre se articula, vozeia, fala!
Homnculo: (de dentro da redoma, para Wagner)
Bom dia, papai! ento sempre era verdade, hein? Toma-me,
aconchega-me ao teu seio com ternura, mas, olha, no me apertes muito, se-
no... quebras o vidro. Isso a propriedade das coisas: ao que natural, s o
Universo pode bastar; mas o artificial, ao contrrio, reclama o limitado.
(Voltando-se para Mefistfeles) Tu aqui? Velhaco... Mas, ainda bem que o
momento azado e graas dou porque boa estrela te trouxe a ns. J que
estou no mundo, quero agir e meter desde logo mos obra. Hbil s tu para
me desbravar o caminho.
Wagner: Uma palavra ainda... At aqui, muitas vezes me vi indeciso,
quando moos e velhos me vm cumular de problemas. Ningum, por
exemplo, ainda compreendeu como a alma. e o corpo, to intimamente
conjugados e ajustados entre si, a ponto de os julgarmos para sempre
inseparveis, vivem em luta sem trguas e chegam a envenenar a prpria
existncia... e depois...
Mefistfeles: Alto l! Eu antes quisera saber a razo por que o homem
e a mulher no se entendem. Esta uma questo que te h-de custar a
resolver. Isso o que vale tentar e opetiz deseja faz-lo...
Voltai, porm, a pgina do libreto. Vamos ao 1 ato, Fausto, a velha e
nova Cincia quem fala:
Como tudo se movimenta para o trabalho universal! Como operam e
cooperam as atividades todas, umas pelas outras! Como sobem e descem as
foras, a permutar de mo em mo seus vasos de ouro, a toc-los com as suas
asas que exalam, nesse vaivm, do cu Terra, uma com bno de universal
66
harmonia!
Estupendo espetculo! Mas... tortura! nada mais que espetculo! Onde
apreender-te, Natureza! fontes de toda a vida! que abranjeis e nutris cus e
terras, onde estais? Para vs se voltam os seios desnutridos, correis aos
borbotes, inundais o mundo, enquanto em vo me consumo.
Sim. Em vo vos consumis, tentando reivindicar para o homem a obra do
Criador. em vo que escreveis: onipotncia criadora a afinidade da vida...
Com todo o vasto conhecimento da matria e das suas propriedades, no
conseguistes engendrar sequer um cogumelo.
Creio, porm, que de o fazer decimais e vos desculpais. O que no
podemos, pode a Natureza, visto que ela ainda mais hbil que ns. (Bela
modstia, na verdade.) Mas, ento, que fazeis da inteligncia, uma vez que,
por outro lado, presumis no haver Esprito na Natureza? Mas vamos adiante.
Demais acrescentais argutamente , se ainda no produzimos seres vivos
por processos qumicos, temos, todavia, produzido matrias como, por exem-
plo, o cido caracterstico da urina, e o leo essencial da mostarda (ter
alilsulfocinico), o que muito nos lisonjeia. Detenhamo-nos, pois, um instante,
nas decisivas manipulaes destes ilustres qumicos.
A partir dos fins do ltimo sculo, como adverte Alfredo Maury (23), tem-se
reconhecido que as matrias que se desenvolvem nos vegetais e nos animais,
recolhidas dos seus restos, encerram quase exclusivamente carbono, oxignio,
hidrognio e azoto. Da se concluiu serem estes quatro corpos os princpios
bsicos elementares de todas as substncias orgnicas, e que se encontram
muitas vezes combinados com alguns outros corpos simples e diversos sais
minerais.
Este primeiro resultado nos ensinou que, se vegetao e vida so foras
parte, insusceptveis de se confundirem com o simples movimento, com a
afinidade e a coeso, elas de si nada criam e apenas apropriam o material do
reino mineral que as rodeia. De fato, os quatro elementos orgnicos existem
inteiramente formados na atmosfera. O ar um composto de oxignio e azoto,
associados
a cor vermelha, que o sangue adquire quando agitado num vaso em contacto
com o ar. O carbono existente no sangue sofre, com esse contacto, os mesmos
efeitos da combusto operada em toda parte, transformando-se em cido
carbnico. Pode-se razoavelmente comparar o estmago a uma retorta na qual
as substncias, postas em contacto, se decompem, se combinam, etc.,
segundo as leis gerais de afinidade qumica. Um txico, entrado no estmago,
pode ser neutralizado pelos mesmos processos exteriormente utilizados. A
substncia morbifica porventura l fixada, neutraliza-se, destri-se, mediante
remdios qumicos, como se este processo se operasse num frasco qualquer,
que no no interior de um organismo. A digesto ato de pura qumica. Longe
poderamos prosseguir no assunto. A observao diz Miahle nos ensina
que todas as funes orgnicas se operam mediante processos qumicos, e
que um ser vivo pode comparar-se a um laboratrio de qumica, em que se
processam os atos da vida em seu conjunto. Menos evidentes no so os
processos mecnicos determinados pelos organismos vivos. A circulao do
sangue se realiza pelo mais perfeito mecanismo imaginvel. O aparelho
produtor assemelha-se, perfeitamente, aos aparelhados por mos humanas. O
corao tem vlvulas e mbolos, tal como as mquinas a vapor, e cujo
funcionamento produz rudos distintos. Entrando nos pulmes, o ar fricciona as
paredes dos brnquios e engendra o sopro respiratrio. Inspirao e expirao
so resultantes de foras puramente fsicas. O fluxo ascensional do sangue,
das extremidades inferiores do corpo para o corao, contrrio s leis de
gravidade, no pode verificar-se seno por um aparelho puramente mecnico.
tambm por um processo mecnico que o tubo intestinal, graas a um
movimento peristltico, expele os excrementos de alto a baixo, e ainda por
processo mecnico se verificam os movimentos musculares de homens e
animais.
A estrutura do olho radica nas mesmas leis da cmara-escura, e as
ondulaes do som transmitem-se aos ouvidos como a qualquer outra
cavidade. A Fisiologia tem, pois, absoluta razo concluem Bchner e
Schaller propondo-se provar, hoje, que no mais existe essencial diferena
entre o mundo orgnico e o inorgnico.
No h diferena entre o orgnico e o inorgnico! Mas, convenhamos em
que no pode haver no mundo uma proposio mais falsa.
As reaes operadas nos corpos vivos longe esto de se identificar s que
se operam com os mesmos lquidos numa retorta.
As foras organizadoras, como as denomina. Bichat, esquivam-se ao
clculo, atuam de feio irregular e varivel. Ao invs, as foras fsico-qumicas
obedecem a leis regulares e constantes.
O autor de um parte recente, intitulado A Cincia dos Ateus, evidencia
muito bem esta verdade com os seguintes exemplos: Injetai nas veias do
animal os elementos constitutivos do sangue, exceto o que lhe produz a
sntese, que no se encontra vossa disposio, e em vez de prolongar a vida
do animal t-lo-eis simplesmente matado. Tambm o sangue que fique algum
tempo fora da veia, se for novamente injetado pelo orifcio que o extravasou,
pode ocasionar os mais srios distrbios. Introduzi no estmago do cadver
substncias alimentares e vereis que ao contacto dos tecidos elas se
putrefaro, elas que, no animal vivo, se transformariam em sangue para lhe
manter a vida. Pergunta-se, ento, aos qumicos, como atuam no organismo o
pio, a quinina, a noz-vmica, o enxofre, o iodeto de potssio, etc. Qual a ao
71
2
A ORIGEM DOS SERES
SUMRIO A criao segundo -o Materialismo antigo e o
contemporneo. Histria cientfica das geraes espontneas. De
como a hiptese da gerao espontnea no afeta a personalidade de
Deus. Erro e perigo dos que se permitem intermitir Deus em suas
controvrsias. De como a apario sucessiva das espcies pode
resultar de foras naturais, sem que o atesmo algo possa ganhar com
esta hiptese. A Bblia atia? Origem e transformao dos seres.
Reinos vegetal, animal, humano. Ancianidade do homem. Que
todos os fatos da Geologia, da Zoologia ou da Arqueologia no inquietam
a Teologia natural.
sal nele contido, que deve ser um amlgama de suor, de vez que todo o
suor salgado. Retiradas as guas, ficou ao solo uma borra graxenta e
fecunda, na qual, incidindo os raios solares, formou-se uma como ampola
que, devido ao frio, deixou de produzir os germes latentes. Ela houve de
receber, contudo, uma nova coao, que, retificando-a mediante uma
mistura mais perfeita, engendrou a germinao. Mas, o Sol, ainda dessa
vez, lhe recusou o crescimento e foi-lhe preciso uma terceira digesto.
Uma vez aquecida forte e bastantemente, de feio a vencer o frio
ambiente, a ampola rebentou e pariu um homem que retm no fgado
sede da alma vegetativa e regio de incidncia da primeira coco a
faculdade do crescimento. No corao, sede da atividade e local da se-
gunda coco, a inteligncia e o raciocnio.
Assim terminou prossegue Cyrano o seu discurso, mas, depois
de uma confidncia sobre segredos mais ntimos, dos quais retenho uma
parte e de outra no me lembro, disse-me ele que ainda trs semanas
antes, num monte de terra emprenhado pelo Sol, tinha ele mesmo
nascido. Veja este tumor E mostrou-me sobre um montculo algo de
intumescido e semelhante a uma pupila. um nascituro, ou, por melhor
dizer, uma matriz que engendra, h nove meses, um conterrneo, e eu
aqui estou para lhe servir de parteira.
Nisso, calou-se, ao notar que o terreno em torno estremecia, o que o
fz julgar que era chegada a hora do parto.
expremermos uma camisa suja (sic) no orifcio de um vaso que contenha gros
de trigo, este se transformar em ratos adultos ao fim de 21 dias, mais ou
menos. Perfurai um buraco num tijolo, metei nele mangerico pilado e
justaponde ao tijolo outro tijolo, de maneira a vedar completamente o buraco,
exponde ao Sol os dois tijolos, e, no fim de alguns dias, o cheiro do
mangerico, operando como fermento, transformar a erva em legtimos
escorpies. O mesmo alquimista pretendia que a gua da fonte mais pura,
lanada em vaso impregnado do odor de um fermento, corrompe-se e en-
gendra vermes.
Dem-me farinha e tutano de carneiro dizia Needham em o seu Novas
Descobertas Microscpicas e eu vos pagarei com enguias.
Voltaire, a sorrir, respondia-lhe que tambm esperava ver um dia a
fabricao, de homens por esse mesmo processo. Sachs ensina que os escor-
pies so produto da decomposio da lagosta.
Na matria dos corpos mortos e decompostos, dizia o prprio Buffon, as
molculas orgnicas, sempre ativas, trabalham para revolver a matria pu-
trecida e formam uma chusma de corpsculos organizados, dos quais alguns,
como as minhocas, os cogumelos, etc., so assaz volumosos. Todos estes
corpos s vivem por gerao espontnea. Presentemente, o Dr. Cohn, de
Breslau, pretende que a morte da mosca comum, no Outono, ocasionada
pela formao de cogumelos no corpo do inseto. H em tudo isso, sem dvida,
como em tantas outras coisas, que traar um limite a essas faculdades dos
elementos organizados; e ns nos disporamos melhormente a crer na
formao dos cogumelos microscpicos sobre o rgo atrofiado da mosca,
tanto quanto do fcus num pulmo enfermo, ou de mofo num tronco de
madeira, do que acreditar com as boas velhas fiandeiras do cnhamo em nos-
sa infncia, quando nos diziam que a crina arrancada cauda de cavalo
80
Esta velha pendncia das geraes equvocas foi h pouco resumida por
Milne-Edwards sob aspecto assaz interessante. Depois de mostrar que
(33) Ela diz: O pastor vai ento em seus grandes rebanhos. quatro touros
viris imolar prestamente; e outras tantas vitelas, soberbas, que a relva,
mansamente, no campo esmaltado, pastavam. E to logo no cu reponta
a luz da aurora, ao inditoso Orfeu oferta o seu tributo e volta,
esperanoso, floresta profunda. Prodgio! o sangue, ento, com o seu
calor, fecunda Nos flancos animais, um numeroso enxame! Alados
turbilhes a jorrar das entranhas, Como nuvens se espalham a zumbir
pelos ares, E no tronco vizinho em cachos se penduram.
ver-se nos campos poas dgua, formadas pela chva, logo se coalharem de
insetos, de alguns crustceos.
Outras vezes vemos, tambm, na vizinhana de stios pantanosos,
povoar-se o solo de pequenos rpteis. Na maioria destes casos difcil, pri-
meira vista, explicar por via de gerao normal o surgimento desses novos
seres. To grandes se afiguraram essas dificuldades aos naturalistas de
antanho, que houveram de recorrer a uma hiptese particular para explicar a
origem desses animais. Assim, julgaram indispensvel admitir que a Natureza
no segue o mesmo processo, quando se trata de animais superiores, quais os
que emprega na constituio de espcies inferiores, como os insetos,
morcegos, ratos e mesmo alguns peixes. Entre os filsofos antigos o papel da
gerao espontnea era considerado importantssimo. Os naturalistas e fi-
lsofos da Idade Mdia seguiram de olhos fechados os seus predecessores, e
da resultou que, durante catorze sculos, uma tal opinio imperou inconteste
nas escolas. Admitia-se, como coisa bem comprovada, que os animais
nasciam de duas formas: ora, maneira dos corpos brutos, ora por
transmisso da fora vital, que sabemos existente nos animais que se
engendram sucessivamente, devendo aos progenitores a existncia, a forma, o
tipo. Mas, na poca da Renascena, houve uma grande reviravolta nos
espritos. No sculo 17 constituiu-se em Florena uma sociedade de fsicos, de
naturalistas e mdicos, com o fim de solucionar algumas questes por meios
experimentais. Essa agremiao denominou-se del cimente, isto da
experincia. Um de seus membros, Redi, quis submeter a investigaes
positivas a teoria assaz generalizada da gerao espontnea. Quis saber se os
seres novos eram engendrados sem progenitura de corpos vivos, ou se eram
produto de organizao espontnea da matria morta; verificar, em suma, se a
hiptese dos antigos tinha visos de verdade. Tentou, ento, a produo desses
corpos vermiformes vulgarmente chamados minhoca, que, de modo algum,
pertencem classe dos vermes e so larvas de insetos. Sabe-se que, nas
matrias animais em putrefao, essas larvas logo se revelam temperatura
mais elevada, e isso foi o que observou o naturalista florentino. Notou que
algumas moscas eram atradas de longe pelo cheiro da carne corrompida, ade-
javam-lhe em torno, nela pousavam amide e, contudo, no pareciam
alimentar-se com essa matria. Conjeturou, ento, que os vermes havidos
como espontnea e exclusivamente formados pela matria.. poderiam ser a
prole das ditas moscas. E notou, ainda mais, que esses presumidos vermes,
desenvolvendo, transformavam-se em moscas. So pois, na verdade, filhotes
de mosca. Essa verdade no podia satisfazer ao esprito do naturalista.
Colocou, ento, a carnia em vasos diferentes, uns abertos e outros cobertos
de papel crivado de orifcios impenetrveis s moscas, mas arejveis. Assim
viu que as moscas acorriam procurando insinuar o ventre nos orifcios do papel
e que, neste caso, no se produziu um s corpo vermiforme. Noutra ex-
perincia, utilizou um pano com alguns buraquinhos acessveis operao das
moscas e viu desenvolver-se uma certa quantidade de vulos na carne
apodrecida.
A presena de seres vivos no interior de um corpo ou de uma fruta, tanto
quanto nas regies profundas do cadver animal, era igualmente atribuida
84
ambas, a idia de Deus, e eis que, nem um nem outro admite essa acusao e
protestam contra a iluso dos nossos adversrios. Nisto, pois, como em tudo o
mais, so eles logrados por uma falsa miragem. Consignemos, assim, como
novos dados, este duplo e valioso fato. Em primeiro lugar, os materialistas no
tm o direito de se apoiarem na gerao espontnea para concluir pela no
existncia de Deus: 1 porque essa gerao no est provada, e 2
porque, se o estivera, no acarretaria uma tal consequncia. Em segundo
lugar,
(37) Gnese.
adquirida durante uma srie quase infinita de graus genealgicos. Por outro
lado, est provado que a variabilidade, uma vez comeando a manifestar-se,
no cessa totalmente de operar, visto como novas variedades ainda se
verificam, de tempos a tempos, entre as nossas espcies domsticas mais
antigas.
No , porm, o homem que produz a variabilidade. Ele apenas expe, e
muitas vezes sem desgnios, os seres orgnicos a novas condies de vida.
Ento, a Natureza, agindo sobre o organismo, produz variaes. Podemos
escolher, ento, essas variedades e as acumular na direo que nos prouver.
Assim, adaptamos animais ou plantas, s nossas convenincias, e at aos
nossos caprichos. Tal resultado pode ser obtido sistemticamente, e mesmo
sem objetivo preconcebido, qualquer, bastando que, sem propsito de alterar a
raa, se conservem de preferncia os indivduos que, num dado tempo, lhe so
os mais teis. Certo que se podem transformar os caracteres de uma espcie
escolhendo-se de cada gerao sucessiva as diferenas individuais; e este
processo seletivo foi o agente principal de produo das raas domsticas,
mais distintas e mais teis, Os princpios que atuaram com tanta eficcia, no
estado de domesticidade, podem, igualmente, operar no estado de natureza. A
conservao das raas e dos indivduos favorecidos na luta perptuamente
renovada com o meio ambiente, fator poderosssimo, e sempre ativo, de
seleo natural.
A concorrncia vital uma consequncia necessria da multiplicao, em
razo geomtrica mais ou menos elevada, de todos os seres organizados. A
rapidez dessa progresso est provada no s pelo clculo, como pela pronta
multiplicao de muitos animais e plantas durante uma srie de estaes
particulares, ou quando se aclimatavam em novas regies. O nmero dos
indivduos que nascem excede sempre o dos que podem viver.
Um gro na balana pode determinar a variedade que deve crescer e a
que haja de diminuir. Como os individuos da mesma espcie so os que mais
concorrem entre si, em todos os sentidos, a luta torna-se para eles, em regra,
mais severa. Ela o quase tanto entre as variedades da mesma espcie, e
grave, ainda, entre as espcies do mesmo gnero. Mas a luta tambm pode
existir, muitas vezes, entre seres muito afastados na escala da Natureza. A
mais leve vantagem adquirida por um indivduo, em qualquer idade ou estao,
sobre o seu concorrente; ou uma melhor adaptao ao meio fsico ambiente; o
mais insignificante aperfeioamento, enfim, far pender a concha da balana.
Vantagens aparentemente medocres podem acarretar essa variao
crescente. Entre animais de sexos distintos, diz o naturalista, haver guerra, as
mais das vezes entre machos, para posse da fmea. Os indivduos mais
vigorosos e os que lutaram com melhor xito contra as condies fsicas
ambientes, ho-de deixar uma progenitura mais numerosa. Mas, o seu xito
tambm depender, muitas vezes, dos meios de defesa de que disponham, ou
de sua mesma beleza e, ainda neste caso, a mnima vantagem lhes granjear
a vitria.
Uma vez admitida a variabilidade, bem como a existncia de um poderoso
agente sempre pronto a funcionar, chegaremos a concluir facilmente que,
variaes algo teis ao indivduo em suas relaes vitais, possam ser
conservadas, transmitidas e acumuladas? Se o homem pode, com pacincia,
escolher as variaes que lhe sejam mais teis, porque deixaria a Natureza de
escolher as variaes proveitosas aos seus produtos sujeitos a condies
98
TERCEIRA PARTE
A Alma
108
1
O CREBRO
SUMRIO Erro dos psiclogos e metafsicos que desdenham os
trabalhos da Fisiologia. Fisiologia antomo-cerebral. Relaes do
crebro com o pensamento. Tais relaes no provam seja o
pensamento um atributo da substncia cerebral. Discusso e provas
contrrias. O Esprito governa o corpo. Errnea a comparao do
pensamento a uma secreo ou combinao qumica. Algumas
definies ingnuas dos materialistas. Absurdidade de sua hiptese e
respectivas conseqncias.
contam como comparece ela perante Deus e recebe, no outro mundo, o prmio
ou castigo temporrio ou eterno de seus atos neste mundo; que evidenciam o
processo de comunicao com o Criador; que a estimam completamente
independente do organismo e regendo a matria mediante idias inatas, que
traz consigo ao encarnar, e que pode dominar essa matria como coisa
estranha, perseguindo o corpo com o recusar-lhe em jejuns, maceraes e
abstinncias, a satisfao das prprias necessidades; que expem
minuciosamente a histria da alma, puro esprito baixado Terra como a um
vale de provaes; numa palavra, enfim, todos quantos, em qualquer
religio, em qualquer escola, em qualquer pas gastam a sua eloquncia e o
seu tempo a propor solues que nada resolvem e smbolos que nada
significam (44); esses, repito, devem ser convidados a meditar as
observaes de ano em ano carreadas pelo progresso das cincias positivas.
E, como essas observaes constituem precisamente a base das concluses
materialistas, temos o duplo dever de as expor preliminarmente, a fim de julgar
depois se as concluses foram legitimamente concludas.
Em regra, os homens que encaram com desdm e displicncia quaisquer
questes, so os que pretendem opinar com maior segurana, e isto sim-
plesmente porque, no as tendo profundado, so
desenho menos regular que o dos outros animais. Deste ponto de vista, o que
sobretudo distingue o crebro humano do simiesco, que, entre as
circunvolues que se dirigem do lobo occipital para o temporal, duas h, no
homem, que no se encontram no macaco, sendo este um dos maiores
contrastes que separam os dois crebros (47).
Nas espcies animais e na humana, a superioridade da inteligncia parece
tanto mais elevada, quanto mais sinuosas sejam as anfratuosidades do
crebro, mais profundos os sulcos e mais numerosas as impresses e
ramificaes, a assimetria e irregularidade. As estrias, muito visveis no crebro
do adulto, no se evidenciam no da criana. O crebro de Beethoven
apresentava anfratuosidades duplamente mais profundas que os crebros
comuns (48).
Podero alguns anatomistas responder que grandes animais muito
broncos, tais como o asno, o carneiro, o boi, apresentam maior nmero de
circunvolues que animais de maior inteligncia quais o co, o castor, o gato.
Mas, preciso no esquecer os matemticos e considerar que os volumes so,
entre eles, como os cubos dos dimetros; ao passo que as superfcies so
como os quadrados entre si. O volume do corpo que aumenta, cresce mais
rapidamente que a sua superfcie. Baseemo-nos num exemplo: uma esfera,
com 2 metros de dimetro, mede 12m, 566 de superfcie e 4m,188 de volume;
uma esfera de 3 metros, de dimetro mede 28m, 275 de superfcie e 14m, 113
de volume (4 teros de NR3 sobe mais rapidamente que 4 NR2).
O volume do crebro do tigre est para o seu corpo na mesma razo que o
do gato; mas a superfcie
(47) Tiedemann Das Hirn des Negers mit dem des Europaers und
Ouran-Outang verglichen.
(48) Wagner Procs-verbal de dissetion.
O peso do crebro dos cretinos desce, por vezes, a uma libra (453
gramas).
O de Cuvier pesava mais de 4 libras.
O tamanho, a forma, o arranjo da composio do crebro, so tambm
invocados pelos anatomistas como correlatos inteligncia (50). A Anatomia
sexo tem um crebro mais leve do que o nosso! Talvez convenha acrescentar
que as medidas no foram tomadas pelas mulheres (53).
Acrescentaremos, tambm, que a estatra e o peso mdio da mulher,
sendo inferiores aos do homem, conviria levar em conta essa diferena, van-
tajosa para ela, mulher. Mas, nada obstante, as senhoras se nos avantajam
tanto, pelos dotes de corao, que lhes no custar ceder-nos a fria su-
perioridade do entendimento.
Outra distino se patenteia, igualmente, no tamanho do lobo frontal: a
circunferncia do crnio
Uma pessoa que nos infunde simpatia, muda-nos o curso das idias.
Quando um pobre habitante dos vales paludosos escala os Alpes, fica
deslumbrado com as suas novas impresses. A msica convida ao sonho; a
baunilha, os ovos, o vinho quente, exaltam os desejos; um cu luminoso nos
alegra, um cu sombrio nos entristece. Desde o momento em que somos
engendrados, entramos num oceano de matria em circulao. O que somos,
devemo-lo em parte aos nossos avs, nossa alimentao, ao nosso pas,
nossa educao, ao ar, ao tempo, ao som, luz, ao nosso regime, s nossas
vestes (56).
Tais os fatos positivos, constatados pelas cincias fisiolgicas e invocados
pela escola materialista, ao declarar que as faculdades intelectuais so produto
da substncia cerebral.
Fizemos este esboo no s no intuito de levantar o combatido adversrio,
como para fornecer cabedal de reflexo a muitos espiritualistas ingnuos, que
acreditam resolvidos todos os problemas.
No captulo seguinte, infligiremos os senhores materialistas, desafiando-os
a responderem a trs questes solidrias que arrasam de alto a baixo o seu
palanque. Mas, enquanto o no fazemos, interessa-nos inquiet-los a pretexto
da solidez de suas pretensiosas explicaes.
Notemos, antes do mais, que nenhuma lei exclusivh existe, acerca da
correspondncia do crebro com o pensamento. No est rigorosamente
demonstrado: 1 que o peso do crebro aumenta
por dar a cada rgo a sua funo, de acordo com a respectiva situao,
estrutura, composio, forma, peso, tamanho. Vemos, nessa variedade de
efeitos, um argumento a prol da independncia da alma, de vez que a hiptese
desses fisiologistas no pode, de maneira alguma, conciliar uma tal
complexidade dinmica do crebro com a simplicidade necessria e
reconhecida, do ser intelectual. Falaremos, daqui a pouco, especialmente da
simplicidade do ser pensante, pois que nos resta algo dizer ainda, sobre as
relaes de crebro e alma.
As comparaes de crnios encontrados em antigos cemitrios de Paris,
desde quando o prefeito de Napoleo 3 promoveu a remodelao da cidade,
e, em particular, a diferena entre crnios das valas comuns e dos tmulos
particulares, estabeleceram novamente que os. indivduos votados s cincias
e artes possuem uma capacidade cerebral maior que a dos simples operrios.
As mesmas escavaes revelaram que a capacidade craniana dos parisienses
aumentara, de Filipe-Augusto para c. A capacidade craniana do negro livre
maior que a do escravo. Eis um fato significativo que poderia (em dada
circunstncia) ser invocado a favor da liberdade.
Tendo provas de que as impresses exteriores influem no pensamento,
temo-las por igual de que o pensamento domina os prprios sentidos. Quantas
criaturas no vemos por a, cujo crebro e cujo corpo padecem enfermidade
lenta e rebelde, arrostando uma existncia de misrias e dores e conservando,
sem embargo, fortaleza de nimo, e guardando a flor da virtude, sobranceiras
torrente de lodo que as arrasta, e vencendo pela grandeza do carter os elos
da adversidade?
Negareis, tambm, que haja dores morais que residem, lacerantes, nas
profundezas insondveis da alma? dores ntimas, no causadas por
acidentes fsicos, nem por enfermidade exterior, nem por alterao do crebro,
mas, to s, por uma causa incorprea, qual a perda de um pai, a morte de um
filho, a infidelidade de um ente amado, a ingratido de um protegido, a traio
de um amigo; ou ainda pelo quadro de um infortnio, pela derrota de uma
causa justa, pelo contgio de idias malss; por multido de causas, enfim, que
nada tm de comum com o mundo da matria e no se medem geomtrica e
quimicamente, mas constituem o domnio do mundo intelectual?
No vemos assim, mesmo sob o seu aspecto fsico, a influncia do esprito
sobre o corpo? As paixes refletem-se no semblante. Se empalidecemos de
medo, que este sentimento, manifestando-se por um movimento do crebro,
retrai os vasos capilares da face. Se a clera ou a vergonha purpureiam-nos o
rosto, que os movimentos engendrados dilatam os ditos vasos, conforme o
indivduo. Mas aqui, ainda o esprito que desempenha o principal papel.
Se alguma vez corastes impresso subitnea de um olhar feminino (no h
desdouro em confess-lo), no sentistes que a indiscreta impresso se
transmitia ao crebro por intermdio dos olhos e da descia ao corao para
remontar ao rosto?
Procurai analisar essa sucesso, e mesmo que no coreis tomado de
qualquer sbito temor, aplicai a mesma anlise e concluireis que, sem o que-
rerdes, as impresses vos passam cleres pela mente, antes que se traduzam
exteriormente.
O mesmo se verifica com os sentimentos; no peito e no na cabea que
uma inexprimvel sensao de plenitude ou de vcuo se manifesta, quando, em
certas horas de melancolia, o pensamento se nos desprende e voa para o ser
120
amado.
Mas, como essa sensao no se produz seno depois de pensarmos,
evidente que, ainda aqui, o esprito representa o papel primacial. Sob outros
aspectos, um sbito terror se comunica ao corao e acelera ou retarda o
pulso, podendo mesmo paralis-lo numa sncope. A tristeza e a alegria pro-
duzem lgrimas. O trabalho mental fatiga o crebro, o sangue se empobrece, a
fome se faz sentir. Todas estas, e grande nmero de observaes outras,
induzem-nos a crer que o pensamento, ser imaterial, tem sede no crebro, o
qual lhe serve tanto para receber os despachos do mundo exterior como para
levar-lhe suas ordens.
E de resto, ns j sabemos que o crebro e a medula mais no so que
poderosos feixes de fibras nervosas, nervos que partem desse veio, irradiando
em todos os sentidos para a superfcie do corpo, e nos quais existe uma
corrente anloga corrente eltrica. Os nervos so fios telegrficos que
transmitem conscincia as impresses do interior, enquanto os msculos
executam as ordens do crebro. Ora, Dubois-Reymond mostrou que toda
atividade nervosa manifestada nos msculos, a ttulo de movimento, e no
crebro a titulo de sensao, seguida de uma alterao da corrente neuro-
eltrica. Mas dizer, com o mesmo Dubois, que a conscincia no passa de
produto da transmisso desses movimentos, cometer uma ingenuidade,
como se pretendssemos que a correspondncia telegrfica diriamente
trocada entre os gabinetes de Londres e Paris tivessem por causa a passagem
de uma nuvem tempestuosa, ou de uma bobina de induo para o
manipulador, e que o receptor de si mesmo recambiasse a resposta dos
despachos inteligentes (58).
Proclamar que no h no homem mais que um produto da matria,
assimil-lo a um composto qumico e deduzir que o pensamento uma pro-
duo qumica de certas combinaes materiais, um erro monstruoso.
Todos sabemos que o pensamento no ingrediente de oficina.
Esprito e matria so entidades to estranhas uma outra, que, todas as
lnguas, de todos os tempos, sempre as conceituaram diametralmente opostas.
As leis e foras espirituais existem independentemente das corporais. A
fora de vontade bem distinta da fora muscular. A ambio difere da fome, o
desejo distingue-se da sede. Onde encontrareis as leis morais que regem a
conscincia? Que o crnio caucsico seja oval, o mongol redondo e o negro
alongado, em que que o sentir humano se associa s fibras granulares ou
cilndricas? Que tm de comum as noes de justo e injusto com o cido
carbnico? Em que um tringulo, um crculo,
justo dizer que Cronwell tinha 2,231, Byron 2,238 e Cuvier 1,829 gramas de
inteligncia, por serem tais os pesos de seu crebro? Na verdade, quando se
procura sondar o assunto a fundo, fica-se admirado de ver que homens de
pensamento tenham chegado a confundir num s objeto o mundo espiritual e o
material.
Tambm perguntamos se esses experimentalistas (59) aprofundaram bem
o sentido de suas palavras ao anunciarem proposies tais como as basilares
de suas doutrinas:
Todas as faculdades que denominamos atributos da alma no passam
de funes da substncia cerebral. Os pensamentos esto para o crebro,
mais ou menos como a blis para o fgado e a urina para os rins (60).
A secreo do fgado, dos rins diz outro escritor que no ousa atingir
inteiramente a mesma comparao verifica-se nossa revelia e produz uma
matria palpvel, ao passo que a atividade cerebral no se pode verificar sem
a conscincia integral e esta no segrega substncia, mas foras (61).
Que vem a ser segregar foras? Ficaramos gratos a quem n-lo
explicasse. Porque no segregar horas ou quilmetros? Mas, ouamos ainda:
O que denominamos quantidade consciencial, determinado pelos
elementos constitutivos do sangue. Uma prova de que a produo de foras
mentais
2
A PERSONALIDADE HUMANA
SUMRIO A hiptese da alma como propriedade do crebro
insustentvel diante dos fatos que atestam a personalidade humana.
Contradio da unidade da alma com a multiplicidade dos movimentos
cerebrais. ContradIo da Identidade permanente da alma com a
mutabilidade incessante das partes constitutivas do crebro. Silncio
dos materialistas sobre esse duplo fato. Inanidade da sua teoria.
Audcia de suas explicaes, ante a certeza moral de nossa identidade.
De como a unidade e a identidade da alma demonstram a inanidade da
hiptese materialista.
como vimos, que a alma uma fora excretada pelo crebro (?), sem se darem
ao trabalho de elucidar qual a parte ou o elemento do encfalo que possui essa
maravilhosa faculdade. uma resultante do conjunto de movimentos operados
sob diversas influncias, no rgo cerebral. Tal, a opinio da escola
materialista, e mesmo da pantesta. Esta nova hiptese to simplria quanto
as precedentes, e s apresenta uma ligeira falha que , nem mais nem menos,
o ser incompreensvel. Alis, no se do eles ao trabalho de a explicar. Em
1827, quando se opunha a simplicidade da alma multiplicidade dos ele-
mentos cerebrais, nessa poca em que a qumica do pensamento no gozava
a prerrogativa de ser manipulada nas retortas de alm-Reno, Broussais
respondia lealmente: o eu um fato inexplicvel, no pretendo explic-lo (70).
Todavia, s definies supra assinaladas, juntou ele mais esta: O eu um
fenmeno de inervao. Ainda hoje, ningum conseguiu provar, nem explicar,
como pode a conscincia resultar de certas combinaes operadas num
maquinismo automtico. Assim, a unidade da nossa fora pensante no s
protesta energicamente, como destri, de um golpe, a hiptese da secreo
cerebral. Oporemos, agora, mesma hiptese um segundo fato, paralelo a
este e de tanto valor que basta, por si s, para arrasar o colossal exrcito de
argumentos j embotados na defesa da referida teoria.
que chegam ao- mesmo campo, armam tendas e seguem adiante para serem
logo substituidos por outros; ousareis, repito, avanar que um tal sistema
pode explicar a identidade, a permanncia do pensamento?
No, no o ousais: nem mesmo o ensaiam, pois muito tenho revolvido em
vossos anais e vejo que prestes vos esquivais ao escolho, deixando quase de
o nomear.
Um dos vossos (73) responde de passagem que a observao feita com os
trepanados demonstrou que certos anos ou fases da existncia se lhes apa-
gava da memria devido perda de quaisquer partes do crebro. Acrescenta
mais, que a velhice acarreta a perda quase total da memria. Sem dvida, diz,
as substncias cerebrais mudam, mas o modo de sua composio deve ser
permanente e determinante do modo da conscincia individual. Depois,
133
o leitor a essa cripta ainda assaz obscura, da cincia abstrata, pois tememos,
como ningum, as emanaes soporficas que a cripta exala.
Temos, por essencial, permanecer no plano ativo e luminoso da
observao experimental. Notamos mesmo to certo estamos da vitria e de
sobrancear com prazer todas as dificuldades que a autoridade da
conscincia pode, sob um certo prisma, ser posta em dvida e que importa no
aceitar sem controle o testemunho puro e simples do senso ntimo. Como o
princpio pensante sofre a cada instante uma chusma de influncias derivadas
do mundo exterior e no lhe seja possvel descobri-la e remont-la, poder-se-
ia, talvez, pretender que a convico de sua identidade seja uma iluso devida
a uma ignorncia invencvel do respectivo jogo dos elementos componentes. A
essa objeo, responderemos com Magy (75) no encadeamento das
proposies seguintes:
Na alma humana, como em toda a Natureza, encontramos em coexistncia
a fora e a extenso. Os fatos de molde a revelar uma atividade prpria, no ser
pensante, so visveis a cada passo, na marcha de nossos estudos.
Com efeito, a primeira condio do aprendizado , para o nosso esprito,
um esforo espontneo para neutralizar as causas tendentes a nos manter na
inrcia e na ignorncia, tais como os imperativos da vida social, as
necessidades do corpo, as paixes, a falta de aptides, as dificuldades prprias
do estudo.
Esse esforo preliminar no cessa com o incio do estudo, mas, ao
contrrio, mantm-se e avulta no perodo das aquisies.
Preciso se faz uma ateno firme e persistente, para nos penetrarmos dos
conhecimentos a que aspiramos. Essa ateno to indispensvel ao colegial
como ao maior dos gnios. Newton no
136
teria encontrado a atrao universal seno por sua constante tenso espiritual.
Arquimedes, absorvido na investigao de um problema, no d pela tomada
de Siracusa e sucumbe trespassado pelo gldio invasor, como vtima diga-
se do dinamismo da sua alma. Descartes lobriga em todas as coisas um
motivo de meditao. E no sabemos, todos ns, que a Cincia s se adquire a
preo de esforos perseverantes e depois de maturada contenso espiritual
sobre o objeto do estudo?
Mais ainda: essa mesma energia, indispensvel ao esprito para adquirir o
saber, torna-se-lhe necessria para conserv-lo. O melhor meio de reter na
memria a Cincia est no concentrar-se demoradamente em cada idia ou
fato, em dar conta minudente dos processos de pesquisa utilizados pelos
inventores, em lhes apreender o mtodo e fixar, de qualquer modo, o estudo no
crebro. Estes fatos atestam que o ser pensante, no adquirir conhecimentos,
os assimila mediante um trabalho que lhe prprio, comportando-se com fora
individual. Agora, o modo fundamental de ao da causa inteligente prova,
peremptoriamente, que essa fora individual e no um conjunto de foras
distintas.
Todas as operaes da inteligncia humana so anlises sintticas, ou
snteses analticas, isto : consistem essencialmente na decomposio de um
dado todo, ou na coordenao de elementos distintos, em que cada qual
intervm com a sua cota e toma o seu lugar lgico. Qualquer que seja a
cincia focalizada, nela se afirma a lei do esprito humano, sem a qual no
haveria qualquer relao entre os diversos objetos do nosso conhecimento,
nem a prpria Cincia existiria. Desnecessrio exemplificar, no pressuposto de
estarem os leitores assaz habituados com os processos intelectuais ntimos,
para que bem os compreendam simplesmente enunciados na sua profundeza e
universalidade.
Pois bem: se julgarmos a alma pela sua ao intelectual, reconheceremos,
sem hesitao, que a fora pensante no pode ser um agregado de foras
elementares. De fato, como poderia a alma centralizar todas as observaes
que se lhe impem, grupar silogismos secundrios em torno do principal,
associar julgamentos segundo as regras da Lgica, perceber a relao dos
termos convenientemente enunciados, coordenar numa mesma intuio os
fenmenos estudados, formular hipteses, comparar resultados? Como
poderia, em suma, abstrair e generalizar, seno como fora absolutamente
simples, indivisvel e dotada da faculdade de tudo avocar a si, como juiz nico,
em conscincia nica?
Os partidrios da secreo cerebral repetiro, ainda uma vez, que essa
alma pessoal no passa de uma resultante de todas as foras elaboradas pelos
rgos do crebro e Sintonizadas num dinamismo bem regulado, assim
estabelecendo a unidade e harmonia do trabalho intelectual.c
Mas, este singular acordo de todas essas pequeninas almas, para
formarem uma grande alma, hiptese mais complicada, e, por consequncia,
mais afastada que a nossa, da verdade natural. Ao invs de estabelecer a
unidade da alma, ela a destri. Localizando as faculdades nos diversos rgos
do crebro, Gall declarava que todas elas so dotadas da faculdade de
percepo, de ateno, de memria, de recordao, de julgamento e de ima-
ginao! Que bela repblica! Quando uma que tal faculdade sobrepujar as
137
vosso raciocnio!
E como tereis bem procedido se, antes de escrever, procursseis
conhecer um pouco os assuntos que abordais!
Os observadores filsofos que nos ouvem, sabem que certos fatos da vida
psquica so absolutamente inexplicveis pela hiptese materialista, e que,
uma vez rigorosamente comprovados podem, s por si, desmantelar o bailu.
Sem que se torne preciso aqui insistir sobre este aspecto da questo,
convm notar que impossvel admitir a alma como produto qumico, ou
dinmico, quando sabemos que ela manifesta, em dadas circunstncias uma
personalidade distinta, uma natureza incorprea e faculdades independentes.
Portanto, voltando s concluses precedentes temos: contradio da
unidade psquica com a multiplicidade dos movimentos cerebrais, contradio
entre a identidade constante da alma e a mutabilidade incessante dos
elementos constitutivos do crebro, contradio entre o carter dinmico da
alma e as pretensas secrees orgnicas. Contradies contradies e sempre
contradies!
Se os adversrios acham que elas no bastam, o exame dos fatos de
volio lhes vai facultar um novo discernimento.
140
3
A VONTADE DO HOMEM
SUMRIO Exame e contestao desta assertiva: a Matria
governa o homem. Se verdade que a vontade e o individuo no
passam de Iluso. Se conscincia e julgamento dependem da
alimentao. Exemplos histricos da fora de vontade e carter de
grandes homens. Coragem, perseverana e virtude. As faculdades
Intelectuais e morais nada tm com a Qumica. Divagaes curiosas,
feitas margem do Reno. Influncia dos legumes no progresso
espiritual da Humanidade. Liberdade moral. Aspiraes e afeces
Independentes da Matria. Esprito e corpo.
somente uma composio material, mas, tambm, uma fora mental, capaz de
tirar de si mesmo resolues contrrias s tendncias da matria. Vamos, com
efeito, acompanhar a argumentao materialista que, aqui como alhures, peca
sempre pela base e no se mantm seno por uma espcie de equilbrio
instvel, que um piparote de criana pode desmantelar. O adversrio de Liebig
pretende demonstrar que a matria governa o homem, estabelecendo que a
alimentao atua sobre o organismo. Como tema de Fisiologia, estes fatos so
interessantes e instrutivos, e a ns nos praz o ensejo de os resumir aqui; mas,
como tema de Filosofia, eles se nos afiguram o que possa haver de mais
incompleto. Consideremo-lo prviamente: O quadro deste captulo vai oferecer-
nos, por sua prpria natureza, um duplo aspecto. No verso, desenhado pela
Fisiologia contempornea, notaremos a ao fsica dos alimentos no
organismo, e no reverso veremos que a mesma est longe de constituir o
homem integral, e que o ser humano reside numa potncia superior s
transformaes da blis e do quilo, potncia que governa a matria e longe est
de se lhe escravizar.
Invoca-se, em primeiro lugar, a diferena do regime alimentar, vegetariano ou
carnvoro. Legumes e hortalias contm pouca gua, poucas gorduras e
quarenta vezes menos albumina que a carne. Analisando os sais contidos
nestas substncias opostas, concluram que o regime carnvoro aumenta os
fosfatos no sangue, e o vegetariano, pelo contrrio, desenvolve os carbonatos.
De resto, as substncias albuminosas das partes verdes da planta no so a
albumina, nem a fibrina. Preciso , pois, que elas sofram essa primeira
141
para ousar assim negar o poder da vontade, o valor de sua energia, a in-
dependncia de sua resoluo, os milagres mesmos de sua persistncia e
substitu-lo por uma sombra difusa e vaga, dependente dum sol teatral. Na ver-
dade, no vemos a vantagem desta substituio. desconhecer a grandeza do
homem o afirmar que os seus atos no passam de resultado necessrio e
fatalstico dos seus pendores fsicos, tendncias orgncas e propenses
materiais. degradar-lhe a dignidade abaixo do nvel da mediania intelectual e
colocar-se em contradio com os exemplos mais brilhantes que constelam a
fronte da Humanidade por coro-la de glria imperecvel Abordemos, em todas
as suas fases, os anais da Humanidade; consultemos, sobretudo, as pginas
do nosso sculo, j to engrandecido de invenes fecundas e entrevistas
Possibilidades logo nos convenceremos de que o gnio no simplesmente
resultante de condies materiais e muito menos de uma enfermidade nervosa,
seno que se afirma por uma fora superior a todas as contingncias e que
muitas vezes o tem dominado guiado e vencido. Longe de encarar o homem
como um ser inerte, cujas obras no passassem de efeitos instintivos, de h-
bitos, necessidades apetites e predisposies orgnicas, ns proclamamos,
com a autoridade dos fatos, que a inteligncia governa a matria, e que o valor
do homem consiste, precisamente, nessa elevao, nessa soberania da
inteligncia.
Para ilustrar o asserto e invalidar, exemplificando, a audaciosa afirmativa
destes campees da matria, lancemos um olhar ao panorama intelectual da
Humanidade, e a todos quantos sentem pulsar-lhe no peito um corao
patritico, apresentemos-lhes bem como aos jovens indecisos, que, mal
transpondo os prticos da vida prtica, pudessem deixar-se embair pela
mentira materialista, acarretando para si a prpria runa apresentemos-lhes,
sim, o quadro to grato aos nossos sentimentos, to til s nossas vistas e to
imponente s nossas aspiraes, desses homens enrgicos sados das mais
nfimas camadas sociais, para elevarem-se, pelo prprio esforo, conquista
do mundo e s culminncias do pensamento soberano.
Num belo livro, cujo ttulo extico no bastante claro nem cativante, mas,
que deveria andar em mos de toda a mocidade francesa (Self-Help, ou
Carter), um homem honrado, que Samuel Smiles, reuniu exemplos desses
vultos valorosos que venceram todos os percalos na vida e foram, por assim
dizer, a refutao viva desta singular teoria, que tende a rebaixar o homem, em
vez de o elevar. por exemplos tais, que a alma se eleva para a verdade do
seu ideal. Julgamos de nosso dever homenagear aqui esse panteo de
benemritos exemplares, cujo panegrico deveria ser espalhado aos quatro
ventos.
Os fatos a seguir, de ordem geral ou particular, e as consideraes que
eles sugerem, oferecemo-los aos que repetem com Moleschott, Bchner e seu
rancho, que o homem segue os seus pendores e a reflexo nada vale face
das inclinaes e tendncias, sejam naturais ou adquiridas.
Sbios, literatos, artistas, todos quantos se votam ao apostolado das mais
transcendentes verdades e todos quantos se enobreceram pelas virtudes do
corao, jamais sairam privativamente de uma classe ou de uma carreira da
hierarquia social. Ao contrrio, saram indiferentemente da oficina, como da
lavoura, da cabana, como do palcio. E os mais humildes atingiram, por
vezes, os postos mais culminantes, vencendo dificuldades aparentemente
insuperveis, que lhes atravancavam o caminho. Em muitos casos, parece que
146
uma regio cada vez mais fria e que, quanto mais avana, mais precisa agitar-
se. A grande enfermidade da alma o frio e para combater esse mal temvel
preciso, no s manter ativo o esprito pelo trabalho, mas tambm pelo
contacto dos semelhantes e dos negcios temporais.
Estas palavras, justificou-as o seu autor com o exemplo pessoal.
Em plena atividade, ei-lo que perde a vista e, depois, a sade, mas no
perde nunca o amor verdade. Ainda quando combaldo a ponto de ser
carregado ao colo como qualquer criana, a sua indmita coragem no o
abandona Completamente cego e Invlido, nem por isso encerra a sua carreira
literria, justificando-a com estas nobres palavras bem dignas de serem
contrapostas hiptese materialista. Se como me praz acredttar, o interesse
da Cincia se inclui em o nmero dos grandes interesses nacionais, eu dei ao
meu pas o que lhe da o Soldado mutilado no campo de batalha.
Seja qual for o destino dos meus trabalhos, tambm espero que este
exemplo no ficar perdido. Quereria eu que ele servisse para combater essa
debilidade moral, que a molstia da nova gerao; que pudesse reconduzir
ao caminho reto da vida alguma dessas almas enervadas que se lamentam de
lhes faltar a f, sem saberem onde busc-la, e que, procurando por toda a
parte, em parte alguma encontram objeto de Culto e devotamento.
Porque dizer, com tanto amargor, que no h ar para todos os Pulmes,
emprego para todas as inteligncias? No temos a o estudo srio e calmo?
No haver nele um refgio uma esperana, uma carreira ao alcance de todos
ns? Com ele, atravessemos os dias aziagos sem lhes sentir o peso. Com ele
construmos o destino, usamos nobremente a vida. Eis o que fao e voltaria a
fazer ainda, se houvesse de recomear a marcha, a fim de reencontrar-me
justo onde me encontro. Cego e padecente, Posso dar um testemunho que,
penso, no ser Suspeito: o de haver no mundo algo melhor e mas valioso
que os gozos materiais que a fortuna e at a sade: o devotamento
Cincia.
Preferimos sentimentos que tais qumica da inteligncia. Estendemo-nos
confiadamente nestes exemplos porque, acima de tudo, do testemunho do
verdadeiro carter do homem Superior e da absurdidade dos materialistas que
ousam reduzir esse carter a simples funo da matria, a uma disposio
natural do crebro. No queremos concluir o protesto sem falar em Bernardo
Palissy, homem cuja vida vale por um protesto formal hiptese dos nossos
adversrios.
Lembremos, em primeiro lugar, que Palissy nasceu em 1510, sendo seu
pai um pobre vidraceiro da Capela Biron. No pde, assim, receber a menor
instruo, no teve, qual confessava ele prprio, outro livro alm do cu e da
terra, que a toda gente dado ler e entender. Aos vinte e oito anos,
pauprrimo, instalou-se numa choupana, em Saintes, como agrimensor e pintor
de vidros. Casado e pai de filhos cuja subsistncia se lhe tornava impossvel,
concebeu a idia fixa de fabricar loua vidrada e imitar Luca della Rbia. Na
impossibilidade de viajar pela Itlia, para aprender a tcnica, houve de
resignar-se a investigar, tateante, no ambiente acanhado em que se
encontrava.
Depois de muito conjeturar sobre as matrias que entravam na
composio do esmalte, fz demoradas experincias e acabou reunindo as
substncias que lhe pareceram adequadas. Comprou potes de barro comum,
quebrou-os e recobriu os fragmentos com as massas que preparava, subme-
149
Sente-as como de outra espcie e de uma ordem mais elevada. Mas isto no
tudo. O homem no sensvel somente aos jogos da imaginao, s
suavidades dos costumes sociais, mas sim especulativo por natureza. No
contempla o mundo e tudo que o rodeia, passiva e admirativamente, como se
fssem fenmenos seriados e apenas dignos de interesse pelas relaes que
mantm com ele. Ao revs, considera-os como sistematizados, dispostos e
coordenados com desgnio. A harmonia das partes, a sagacidade das
163
pela mesma razo que o ferro mais barato que a madeira, quando se trate de
fabricar trilhos. Ervilha, feijo e lentilha do energias para o trabalho, pagam
por si mesmos o seu custo; ao passo que um regime longo de batata acarreta
debilidade e decadncia. O homem que, durante quinze dias, s comesse
batatas, ficaria impossibilitado de as arrancar por si mesmo (92).
O prolator deve ter assinado contrato com algum hortelo (ou talvez
hoteleiro), exclusivamente devotado a estes onipotentes legumes. Que lhes
faa bom proveito...
Sob este novo panegrico das ditas substncias alimentares, o
materialismo desliza suavemente e insinua-se sem rumor. Compararam-no
certa feita (mas ns temos c as nossas dvidas) quela coisa de que nos fala
D. Basilio: um leve rudo resvalando pelo solo, qual andorinha que, prenuncian-
do tempestades, pipila e passa, espalhando em seu curso a semente
envenenada...
Seja, porm, qual for o efeito dos mirficos farinceos, no ser neles que
hajamos de procurar as manifestaes do esprito humano.
Quando, finalmente, concluem que a influncia incontestvel e
incontestada do regime alimentar, sobre o fsico e o moral, basta para justificar,
em absoluto, a suserania da matria, caem nos excessos do sistematismo, a
negarem tudo que se no enquadra no seu sistema, e a torcerem os fatos para
os ajeitar aos seus estreitos moldes. Bastaria, contudo, ponderassem um tanto
mais, para no sustentarem semelhantes erros.
Quaisquer que sejam o carter, o propsito e a persistncia de nimo
daqueles de quem aqui temos falado, seus exemplos valem como protesto de
afirmaes to insensatas.
Eis aqui o grande missionrio das ndias, Francisco Xavier. Sigamo-lo no
barco que o transportou s ndias portuguesas, por ordem de D. Joo 3, a
descer o Tejo, envolvido na sua estamenha remendada e com a s bagagem
do seu brevirio, ele, o generoso gentilhomem, o sbio de 22 anos, o j
consagrado professor de Filosofia na Universidade de Paris, que tudo
abandonava para acompanhar um amigo. Durante o dia, trabalha com os mari-
nheiros e aos marinheiros se devota; noite, dorme no convs e tem por
travesseiro um rolo de cordoalha.
Em Goa se encontra no meio de uma populao miservel, sem outra
preocupao que a de libert-la do miasma moral e material. Mais tarde, em
prosseguimento de abnegada misso, ei-lo a descer as costas de Comorim e
fundando uma igreja no Cabo. Depois, encontramo-lo em Malaca e no Japo, a
defrontar novas raas e novos climas. Sabemos que toda a sua vida foi um
rosrio de sofrimentos fsicos e de conquistas espirituais. Fome, sede, torturas
inauditas, barraram a senda do peregrino da F.
Tudo vencia, porm, e Caminhava avante como que impelido por uma
vontade incoercvel Seja qual for a morte, o Suplcio que me reservem dizia
, estou disposto a sofr-lo mil vezes pela salvao de uma s alma. A febre
e a morte detiveram-no nas fronteiras da China. Em face de exemplos Como
este, que se poderia concluir das teorias do feijo, das ervilhas e lentilhas? Em
que, Como e quando, o regime alimentar teria governado a alma do apstolo?
Teria ele encontrado nessas regies desconhecidas aquela balana metdica
que se oferece ao cidado e que o capitalista preguioso pode encomendar ao
seu Vatel? Que relao pode haver entre Brillat-Savarin e Grimod de la
Reynire com um Incio de Loiola e um Vicente de Paula? Os grandes
166
QUARTA PARTE
Destino dos seres e das coisas
170
1
PLANO DA NATUREZA CONSTRUO DOS SERES
VIVOS
SUMRIO O erro e o ridculo dos que tudo ligam ao homem.
Erro semelhante dos que negam a existncia de um plano natural. As
leis organizadoras da vida revelam uma causa inteligente. Construo
maravilhosa dos rgos e dos sentidos. A vista e o ouvido. Hiptese
da formao dos seres vivos sob o influxo de uma fora instintiva
universal. Hiptese da transformao das espcies. Todas as hi-
pteses so impotentes para destruir a sabedoria do plano divino.
rios pelas grandes cidades e encalhar os navios nas regies polares, para
assim fornecer aos Groelandeses a lenha com que se aqueam. Sente-se quo
ridculo fora presumir que a Natureza houvesse, de todos os tempos,
trabalhado para ajustar-se s nossas invenes artsticas e arbitrrias, mas, se
evidentemente os narizes no foram feitos para os culos, foram-no para o
olfato e isso desde que h homens.
Assim, tambm, no tendo sido as mos engendradas para gudio dos
luveiros, destinam-se, evidentemente a todos os usos que o metacarpo, as
falanges digitais e os movimentos musculares do punho nos facultam.
Telogos h que aplicam a causalidade finalista por justificar a existncia
de animais nocivos, qual o fazem com as enfermidades e misrias humanas,
tudo carregando em conta do pecado original.
No parecer de Meyer e Stilling, rpteis e insetos daninhos e venenosos so
frutos da maldio que inquina a Terra cm os terrcolas. As formas no raro
monstruosas de tais seres devem representar a figura do pecado e da
perfeio.
O autor das Cartas a Sofia, Sr. Aim Martin, nos sugere a crena de que
prevendo o Eterno que o homem no poderia habitar a zona trrida, nela
formou as mais altas montanhas, para a lhe proporcionar um clima agradvel.
Mais adiante, acrescenta que, se a chuva escasseia nas regies arenosas,
porque a se tornaria intil.
Na baixa Normandia usual despejar-se o clice do conhaque no caf, e eu
muitas vezes tive ocasio de conjeturar que, se ao bom Deus aprouve fsse a
aguardente mais leve que o caf, no seria seno para que ele pudesse arder
tona e desse, assim, mais um aroma excelente fuso colonial. H ainda um
infinito nmero de fatos no menos importantes, que nos fazem amar as
causas finais. Talvez devamos advertir que nem todos se podem atribuir a
Deus, e alguns antes parecem negcio do diabo, como, por exemplo, o de que
nos falava um epicurista amigo, isto a condensao nas vidraas, da
evaporao noturna, a formar uma discreta cortina de certas carruagens
fechadas.
Segundo Bernardin de Saint-Pierre, os vulces, localizados sempre perto
dos mares, destinam-se a consumir as matrias corrompidas que carreiam e
que poderiam infeccionar a atmosfera.
As tempestades tm a virtude de refrescar a mesma atmosfera, etc.
Pensava ele, tambm, que as pulgas nasceram pretas para que as
pudssemos distinguir na brancura de nossa pele e ento puni-las. A
plumagem retinta dos corvos, na opinio do Sr. Martin, para que perdizes e
lebres, de que se alimentam no Inverno, possam perceb-los, de longe, sobre a
neve. O eloquente autor do Gnio do Cristianismo diz que, vendo-se qual
pequena flama azulada, fugir a serpente ondulante, fcil-mente nos
convencemos de que foi ela quem seduziu a primeira mulher, O autor das
Cartas pr-citadas tambm afirma que os insetos venenosos so feitos para
que o homem desconfie deles.
claro que o Ideal religioso e a doutrina da Providncia nem sempre foram
bem servidos por seus proslitos. Quando se escoram tais sentimentos com
motivos assim pueris, e frvolos, corre-se o risco de comprometer a causa
172
porque no existe Criador. Isto posto, podeis perguntar qual a cifra que
agradaria ao talentoso crtico e sabereis que o prprio Sr. B... no o sabe ao
certo, e o que s deseja, para o momento, que a luz caminhe mais depressa.
Mas, a despeito de tudo, no nos devemos formalizar por esta inocente
fantasia, antes, pelo contrrio, compartilhar do mesmo nobre desejo. Assim,
confessamos que veramos com prazer quaisquer progressos de rapidez na
luz, mesmo aqui por baixo.
A esto, dir-se-, objees meramente ridculas. Entretanto, as mais
srias dificuldades desaparecem por si mesmas, quando o homem deixa de
apresentar-se como ponto de referncia. E isso o que se lhe impe, de vez
que , ele prprio, parte integrante de um plano geral, extensivo a outroS
mundos, na imensidade da Criao. Se o Cid, se ndrmaco advertimos
com E. Bersot (104) ressuscitassem para se verem representados por Corneille
e Racine tendo em vista o belo papel que lhes atribuiram, o relevo em
relao a outras personagens, a predileo do poeta neles concentrada
diriam, seguramente, que Corneille e Racine tiveram em mira erguer um
monumento sua glria, e mais que so eles finalidade da obra, a sua mola
real, e que os demais comparsas apenas vm cena por causa deles... A
verdade que o objetivo do autor realizar o belo, cuja perspectiva o inflama;
traduzir na linguagem dos homens o ideal invisvel. As personagens no
passam de instrumentos. No temos a uma justa imagem da Criao? Tem
graa, ento, ver como algum dos
globo visual, dando-lhe consistncia e forma. Sua parte anterior apresenta uma
abertura. arredondada, na qual se embute a crnea transparente. A essa
membrana esto ligados os msculos destinados a movimentar o globo. Por
baixo dessa primeira membrana fica a coride, de cor negra retinta, que faz do
olho uma verdadeira cmara-escura, absorvendo os raios que pudessem irritar
a retina; em sua parte anterior, ela forma um como repartimento diafragmtico,
chamado ris, disco circular com um orifcio central e colorido de diversos
matizes, cuja suave atrao , s vezes, maravilhosamente poderosa.
O orifcio central a chamada pupila (ou menina dos olhos) e ns
sabemos que ela nada tem de objetivo, como se afigura, e sim, apenas, uma
abertura que se dilata, mais ou menos, conforme a quantidade de luz que os
olhos recebem, pois que a ris goza da propriedade curiosa de se contrair ou
dilatar para tornar-se, assim, um graduador indispensvel. por essa abertura
varivel da ris que os raios luminosos penetram na cmara-escura que lhe fica
por trs. Uma lente biconvexa l est suspensa, para receber esses raios
o cristalino.
Toda a parte posterior, a partir dessa lente at o fundo do olho, est cheia
de massa gelatinosa, difana, semelhante clara de ovo e conhecida por
humor vtreo.
Finalmente, atrs desse humor e defronte da pupila, localiza-se a mais
delicada e importante das membranas, a placa sensvel, que recebe a imagem
e, comunicando-se com o crebro, lhe d a percepo: a retina, uma florao
do nervo tico, proveniente do crebro. V-se, pois, sem metfora, que o
crebro que se vem colocar janela para ver o mundo exterior.
O prolongamento da retina forra toda a zona posterior e interna dos olhos.
O cristalino, lente pela qual passam todos os raios luminosos, a fim de
chegar retina, pode, com extraordinria facilidade, modificar a cada instante a
sua flexo, de maneira a adaptar-se distncia e levar constantemente retina
uma imagem ntida. Mas, como concebermos possa esse cristal orgnico
dilatar-se e retrair-se assim, sua vontade? Sem concebermos esta
possibilidade, fora preciso uma estrutura ainda mais admirvel que o prprio
efeito. preciso saber que esse globo lenticular no nenhum slido
constituindo uma pea inteiria, mas, antes, uma associao de finissimas
lminas transparentes, justapostas e to delgadas que preciso fora reunir um
milhar para perfazer a espessura de uma unha, e que, na realidade, o cristalino
contm assim uma como bagatela de cinco milhes. Considere-se, a mais, que
essas lminas por sua vez se compem de pequenos fragmentos soldados
entre si, e que o jogo desses fragmentos que produz a extraordinria
mobilidade interna dessa lente difana.
A esto as criaes maravilhosas, das quais se repleta a Natureza, e que
passam comumente despercebidas!
Mediante essa estrutura engenhosa quo inimitvel da vista, os objetos
exteriores passam do campo fsico ao mental, tornam-se acessveis ao esprito
e deixam-se tatear, como se deles no nos separasse qualquer distncia. um
mecanismo que se molda a todas as contingncias. De si mesmo e a nosso
nuto, ele se adapta s variaes de luz, como as de espao, e faz o que
nenhum outro instrumento capaz de fazer, isto , sabe distinguir os corpos
celestes a distncias enormes, tanto quanto os seres microscpicos que se lhe
acercam de centmetros.
Brewster tem razo quando o denomina sentinela que guarda a
182
confiar no velho adgio vor populi, vor Dei. A razo me diz e assegura
podermos demonstrar inmeros graus de transio entre o globo mais perfeito
e complicado e o mais simples e imperfeito. Cada um desses graus de
perfeio aproveita tilmente a quem o desfruta. Se, de resto, o olho varia
algumas vezes, por pouco que seja, e se as variaes se herdam, o que se
pode demonstrar por fatos; se, enfim, as variaes ou modificaes do rgo
jamais puderam ter alguma utilidade para um animal colocado em condies
mutveis de existncia; desde logo ressalta o pressuposto de que um olho
perfeito e complicado pode ter sido formado por seleo natural e esta
rigorosamente considerada como verdadeira. Como pode um nervo tornar-se
sensvel luz? um problema que nos importa to pouco quanto o da origem
da vida em si mesma.
184
Devo apenas dizer que vrios fatos me levam a crer que os nervos
sensveis ao contacto podem tornar-se sensveis luz, bem como s vibraes
menos sutis, produtoras do som.
Darwin no tem razo de julgar que a origem do rgo visual importa to
pouco quanto a da prpria vida, e ns gostaramos de saber se, para ele, essa
origem elementar oferece alguma semelhana com a sensibilidade do iodo
luz, verificada na chapa fotogrfica. Mas, visto que ele se cala, vamos admitir
provisoriamente a possibilidade do fato, e ouamos o desenvolvimento da
teoria do progresso.
Entre os vertebrados vivos no encontramos grande variedade de olhos;
nos articulados, porm, podemos acompanhar toda uma srie, partindo do
simples nervo tico, recoberto de camada pigmentar e formando, s vezes,
uma espcie de pupila, embora sempre desprovido de lente ou qualquer
mecanismo tico. Depois desse olho rudimentar, capaz apenas de s
diferenar a luz da obscuridade, deparam-se-nos duas sries paralelas de
rgos visuais, cada vez mais perfeitos, entre as quais, Muller diz haver
diferenas fundamentais: a dos olhos chamados simples, providos de lente e
crnea, e a dos complexos que excluem os raios convergentes de todo o
campo visual, exceto o pincel luminoso, que chega retina seguindo uma linha
perpendicular ao seu plano.
O grande advogado da seleo natural pensa que, admitindo
originariamente, nos primeiros organismos a existncia de um nervo sensvel
luz, pder-se- admitir que a Natureza, em virtude dessa lei organizadora do
progresso chega, insensivelmente aos aparelhos ticos, sejam cnicos, sejam
lenticulares, perfeitos
Os seres favorecidos com esse nervo maravilhoso dele se utilizaram e o
aperfeioaram em benefcio prprio. Se refletirmos, diz ele na variedade de
graus que apresenta a estrutura ocular dos nossos crustceos e nos
lembrarmos do nmero de espcies extintas, no vejo dificuldade alguma, e,
sobretudo, uma dificuldade maior que a relativa a outro rgo em admitir que a
seleo natural haja transformado um aparelho simples, apenas constitudo de
um nervo tico Pigmentado e revestido de membrana transparente, num
Instrumento to perfeito qual o podem Possuir quaisquer representantes da
grande famlia dos articulados.
Parece muito natural comparar o rgo Visual a um telescpio. Ora,
sabemos ns que este instrumento tem sido sucessivamente aperfeioado gra-
as a esforos perseverantes de inteligncias humanas, de ordem superior, e
assim inferimos a formao do olho mediante anlogo processo. Ser uma
induo muito presunosa? pergunta ele com alguma razo. Que direito
temos de afirmar que O Criador opera com o concurso das mesmas faculdades
intelectuais do homem? Nada obstante a advertncia, Darwn prossegue
apllcando obra divina as idias afloradas em seu crebro Eis como expe ele
a formao lenta, nas espcies vivas, do instrumento tico que nos faz ver.
uma hiptese sem maldade preconcebida. Precisamos figurar, diz, um nervo
sensvel luz, colocado atrs de espessa camada de tecidos transparentes,
contendo espaos cheios de fluidos; depois, au poremos que cada parte dessa
camada transparente muda? contnua e lentamente, de densidade, de maneira
a separar-se em camadas parciais, diferentes em densidade e espessura,
colocadas a distncias variveis entre si e cujas duplas superfcies mudam
lenta-mente de forma. Alm disso, preciso admitir exista um poder inteligente
185
(111) Que nos diria hoje o eminente astrnomo diante dos progressos da
aviao, com o mais leve e com o mais pesado que o ar? Nota do
Tradutor
lontras, focas e muitos outros que vivem tanto ngua como em terra, ou no ar,
mas, tambm aos de vida area exclusiva. Sabemos que o mar produz dois
generos de animais: os que nadam, viajam, passeiam, caam, e os que
rastejam no fundo, dai no se afastam, ou raramente o fazem, sem qualquer
propenso natatria. Como duvidar que, do gnero dos peixes volteis tenham
provindo as nossas aves e que dos rastejantes descendam os nossos animais
terrestres, sem pendor nem habilidade para alar-se? Para nos convencermos
de que uns e outros passaram do elemento eqreo ao terrestre, basta
analisar-lhes a forma, as disposies e tendncias recprocas, confrontando-as
de conjunto.
Para comear pelos volteis, atentai, se vos prouver, no s na forma de
todas as espcies de ave, mas tambm na diversidade da plumagem e das
inclinaes peculiares. No encontrareis uma s que no pudsseis encontrar
no mar.
Observai, ainda, que a transio do ambiente eqreo para o areo
muito mais natural do que comumente se presume.
O ar que envolve o globo est impregnado de muitas partculas dgua.
Esta, dir-se ia, um ar carregado de partculas mais grosseiras, mais hmidas
e mais pesadas que o fluido superior, que denominamos ar, posto que uma e
outro no sejam mais que a mesma coisa, para as necessidades tericas de
Telliamed. fcil, portanto, conceber que animais habituados ao ambiente
eqreo tenham podido conservar a vida respirando um ar dessa qualidade. O
ar inferior no seno gua difundida. hmido porque provm da gua, e
quente porque no to frio como poderia ser, transformando-se em gua.
Mais abaixo, acrescenta:
H no mar peixes de formas semelhantes a de quase todos os animais
terrestres, mesmo pssaros. Tambm l existem plantas, flores e alguns
frutos: a urtiga, a rosa, o cravo, o melo, a uva, l encontram seus congneres.
Acrescentemos a isso as disposies favorveis que se podem encontrar
em dadas regies, facilitando a passagem do meio aqutico para o areo; a
necessidade mesmo dessa passagem em dadas circunstncias, como, por
exemplo, o isolamento em lagos cuja seca progressiva obrigasse a viver em
terra; ou ainda por qualquer acidente dos que se no podem considerar como
extraordinrios, dar-se-ia que os peixes voadores, caando ou sendo caados,
no mar fssem, pelo temor ou pelo desejo de presa, arremessados a maior
distncia das praias, entre canios e pedregais, na impossibilidade de
regressar ao habitat, tirassem do prprio esforo para o conseguirem uma
faculdade maior de voo. Neste caso, no mais banhadas pela gua as bar-
batanas fenderam-se, ressecaram e caram. Enquanto encontraram, em o novo
meio, algum alimento que os nutrisse, as cnulas das barabatanas separaram-
se, prolongaram-se e revestiram-se de plumas, ou, por melhor dizer, as
membranas, antes coladas entre si, metamorfosearam-se.
O plo formado dessas pelculas arqueadas alongou-se por si mesmo; a
pele revestiu-se insensvelmente de uma penugem da mesma cor original, e
essa penugem cresceu tambm. As pequenas barbatanas ventrais, que, como
as natatrias, lhes auxiliavam a cortar as guas, transmutaram-se em ps e
lhes serviram para percorrer o solo. Ainda outras pequenas alteraes lhes
sobrevieram na conformao. O bico e o pescoo de uns alongaram-se e os
outros retrairam-se. A mesma coisa se deu com o corpo. Contudo, a
conformidade primria subsiste no todo, e sempre fcil reconhec-la.
192
todos os seres derivam dum tipo primordial, merc de uma srie de trans-
formaes sucessivas, constituindo a unidade orgnica.
Olho e ouvido no passam de nervo sensorial desenvolvido pelo exerccio;
fronte e crnio foram modelados pelo crebro, e este mais no que um
desdobramento da medula espinal.
Mas objetaremos com Paulo Janet como pode o hbito operar
semelhante metamorfose e mudar a vrtebra superior da coluna em cavidade
capaz de conter o encfalo? Eis, para tanto, o que importaria presumir: que um
animal, apenas provido de uma medula espinal, fora de exercit-la,
conseguiu produzir essa expanso de matria nervosa a que chamamos
crebro; que, medida que essa parte superior se alargasse, iria recalcando
primeiramente as paredes moles que a revestem, at obrig-las a tomar sua
prpria conformao de caixa craniana... Mas, quantas hipteses nesta
hiptese!
Em primeiro lugar, teramos de imaginar animais com medula espinal sem
crebro, pois de outro modo tanto podemos considerar a medula um pro-
longamento do crebro, como este mesmo crebro um prolongamento da
medula. Isso, alis, parece indiciar-se quando encontramos algo de anlogo ao
crebro, em animais desprovidos de medula, quais os moluscos e os
aneldeos. Ora, se o crebro preexiste nos vertebrados, preexiste o crnio, e
no , portanto originrio do hbito. Acrescentai que dificilmente se podem
admitir exerccio e hbito sem crebro, como produtos que so da vontade,
pois no h como negar seja o crebro o rgo da Vontade. Tende em conta,
finalmente, que ainda restaria admitir que a matria ssea tivesse antes sido
cartilaginosa, a fim de prestar-se s dilataes sucessivamente requeridas pelo
progresso do sistema nervoso, o que implicaria notvel acomodao nessa
primitiva maleabilidade ssea, sem o que, impossvel se tornaria qualquer
desenvolvimento do sistema nervoso.
rgos e funes se tm manifestado de paralelo, segundo o plano geral.
A causalidade parece-nos to evidente que, a bem dizer, nossos adversrios
mereceriam que a Natureza os privasse, algum tempo, de uns tantos msculos
(digamos o esfncter), forando-os assim a confessar que os mais
Insignificantes rgos tm uma finalidade a preencher.
No queremos retomar neste captulo a questo primria da origem da
vida em nosso globo, bem como do seu entretenimento e progresso sob o
guante de leis providenciais.
Examinmos essa questo sob todos os seus aspectos num captulo
Sobre a Origem dos seres, e chegmos concluso inatacvel (ver pgina
138) de que a vida terrestre Constituda por uma fora, nica e central para
cada ser, condicionando a matria segundo um tipo do qual o individuo deve
ser a expresso fsica. Vimos que a lei de progresso nos seres organizados da
planta ao homem, atesta a inteligncia divina e evidencia a presena Constante
de Deus na Natureza, jamais induzindo negao de uma potncia criadora.
Em nosso caso particular (Plano da Natureza construo de seres
vivos), temos uma afirmao ainda mais direta da ao inteligente na
maravilhosa organizao dos corpos animados, atento a que essa ao
igualmente necessria nos casos em que as espcies se houvessem
sucessivamente transformado em ascenso zoolgica (hiptese que est longe
de ser admitida), e naqueles em que o primeiro casal de cada espcie fsse o
produto de uma fora particular, que no nos dado apreciar. Temos, assim, o
194
2
PLANO DA NATUREZA INSTINTO E INTELIGNCIA
SUMRIO Leis que presidem conservao das espcies.
Faculdades Instintivas especiais. No se explica o Instinto pela
suposio de hbitos hereditrios. Distino fundamental entre os
fatos instintivos e racionais. Desgnio nas obras da Natureza. - Ordem
geral e harmonias universais. Qual a distino geral do mundo?
Magnitude do problema. Insuficincia da razo humana.
Um fato ainda mais notvel veio baila recentemente. Nos arredores de uma
granja de Weddendorg, perto de Magdebourg as cegonhas, aps srio debate,
julgaram uma companheira adltera. Mataram-na a bicadas e lanaram-na fora
do ninho (113).
Agassiz, mais que ningum, exalta as faculdades intelectuais dos animais.
Depois de mostrar as dificuldades que ainda no permitem estabelecer uma
comparao cientfica entre instintos e faculdades humanas e animais, emite
ele as seguintes idias: O desenvolvimento das paixes to extenso no
animal, quanto no homem, e eu me encontraria sriamente embaraado para
lhes apreender diferenas especficas, naturais, ainda que as haja, e grandes,
no graduamento das manifestaes e na forma de expresso. Ao demais, a
gradao das faculdades morais entre os animais e o homem to
imperceptvel, que, recusar aos primeiros um certo sentimento de
responsabilidade e conscincia, fora, certo, exagerar a diferena. Alm disso,
h neles limitadas s suas respectivas capacidades,
que escola essa esposa, antes de ser me, aprendeu a construir o ninho que
lhe haja de receber os ovos?
Ela tem apenas um ano e ainda no chocou:
quem lhe ensinou a fazer esse ninho, precisamente assim e no de outro
modo? Quem lhe teria falado de temperatura necessria incubao e ecloso
do ovo fecundado? Quem lhe diria que chocando, aquecendo por 15 dias
aqueles ovos, facultaria a sua gerao? Posio de constrangimento, apesar
do alvio que experimenta, tornar-se-ia insuportvel sua vivacidade, se um
determinismo instintivo no a amparasse. E quando os ovos vingaram, quem
lhe disse que precisava sair do ninho e que, vivos e precisando subsistir os
pequeninos seres, importava granjear-lhes alimentao adequada? Quem a
forou a passar mais quinze noites de asa aberta sobre o ninho, na mais
fatigante das posies para uma ave que deve dormir sobre as patas? A estas,
poderamos juntar mil outras advertncias. Ho-de responder-nos que a
primeira espcie aprendeu tudo isso pelo hbito, e que as tendncias se
transmitem por hereditariedade; mas recair no mistrio das geraes, no
mais que recuar o problema primeira espcie, ou melhor ainda, se o quise-
rem aos primeiros tipos, supostos geradores de todas as variedades. Ora,
admitindo-se mesmo, contra toda a probabilidade, que a construo dos ni-
nhos, a incubao e os primeiros cuidados com a prole sejam mostras de
inteligncia, no do instinto, e que as espcies tenham, sucessivamente,
aprendido a proceder dessa maneira o que, di-gamo-lo ainda uma vez, nos
parece inadmissvel como resolver as questes atinentes formao do ser
dentro do ovo? Quem construiu o ovo, bero de uma gerao futura? Quem
criou e colocou o germe no centro desse ovo? Mediante um poder misterioso,
um ser da mesma natureza dos pais vai mover-se neste fluido, o ovo incipiente
vai sofrer a mais maravilhosa das metamorfoses, vai viver! Completada a
transformao, surge uma ave! Assaz dbil para expor-se fora, no se
exterioriza e, enquanto aguarda, ei-la cercada pela clara do ovo, que
precisamente o alimento que lhe convm at o nascimento.
Assim, pouco a pouco, se forma inteiramente, asas e patas se desligam, a
cabea sobreleva o peito, s lhe resta deixar a priso e para isso o bico se
reveste de um esmalte, que cai logo depois do nascimento. Com o bico assim
aparelhado, ele se pe a quebrar a casca do ovo, at que consegue pr de fora
a cabea. Utiliza, ento, as asas e acaba por libertar-se inteiramente.
Pois bem: que os adversrios, em tudo isto se esfalfem por formular as
mais vastas e interminveis teorias, que acumulem hipteses sobre hipteses,
que recusem chamar instinto aos atos do nascituro, como da ave que o
engendrou; que embrulhem o assunto com explicaes tortuosas, confusas, e
nem por isso deixamos de a ter um fato natural, eloquente na sua simplicidade
e que eles, os adversrios, no podero derrocar. Aquele que criou o rouxinol e
quis nos alegrasse ele com o seu canto vespertino, criou o mundo e houve por
bem dar-lhe as leis da prpria conservao. No h idia mais simples e
majestosa, nem que mais satisfaa a nossa necessidade de conhecimento.
Negar as leis conservadoras da vida negar toda a Natureza. A ns nos
parece, que, para ir a tais extremos, preciso ser estlido ou vtima de aber-
rao espiritual. A verdadeira Cincia est muito longe de tais negaes! Seria,
na verdade, uma desgraa se o fruto da sabedoria redundasse em ani-
quilamento das leis que regem o Universo e constituem a sua unidade viva.
Porque, pois, em face de fatos to irresistveis, quanto os do instinto
203
fantasmas que um raio de luz das cincias basta para diluir concluram no
haver diretriz nem finalidade na Criao. Porque o homem se enganou na
soluo de um problema, decidiram eles que no h problema nem soluo.
Confundindo inexplicavelmente a verdade com a noo do que nos dado
saber; confundindo, igualmente, a grandeza real de uma obra com a idia que
fazemos dela, tal como os telogos da Idade Mdia a confundirem a idia
religiosa, em si mesma, com a forma catlica particularista, proclamam eles
que a falsidade das nossas noes individuais acarretam a runa do prprio
objeto dessas noes. Na verdade, para espritos habituados aos rigores do
raciocnio; para homens sbios, que parece procurarem com absoluto
desinteresse a verdade to longamente dissimulada, dir-se- que no provam,
dessarte, excelncia nem superioridade de vistas. Antes, pelo contrrio,
evidenciam diretamente a estreiteza da esfera que habitam, dispostos a
recusar-lhe qualquer ampliao, obstinados em lhe vedar toda e qualquer luz,
como se temessem que essa luz viesse espalhar reveladoras claridades no
horizonte e recuar, para muito alm dos seus recursos, os limites do Universo.
Nossos opugnadores pretendem fazer cincia quando declaram que a
organizao dos seres no justifica o ascendente de um desgnio na Natureza.
Em lugar de cincia, o que eles fazem puro sistematismo, arbitrrio, nisto
como em tudo o mais.
De fato: em que consista o mtodo cientfico? Que ser uma teoria em
Astronomia, em Fsica, em Qumica? Observamos os fatos, e quando possu-
mos um conjunto de observaes suficientes, procuramos relig-los
mtuamente entre si, mediante uma lei. Vemos essa lei? Nunca, jamais.
Adivinhamo-la pela discusso dos fatos e talvez a denominao que lhe damos
no seja a que melhor convenha.
Esta teoria, pela qual nosso esprito insacivel sente a necessidade de
explicar todas as coisas, no , antes de tudo, seno uma hiptese cujo valor
consiste, principalmente, na satisfao que nos proporciona a explicao
natural dos fatos estudados.
Por muito tempo ela no passa de hiptese, inconsistente e frgil, que o
mais leve sopro pode derrubar, para s elevar-se verdadeira teoria quando
suficientemente examinada, experimentada e sancionada pelo estudo. De outra
forma, resvala para o campo das erronias imaginrias.
Vejamos, por exemplo, os movimentos dos corpos celestes.
Notamos que eles descrevem elipses de que o Sol se constitui um dos focos;
notamos que as superfcies percorridas so proporcionais aos tempos, e
notamos que estes tempos de revoluo, multiplicados por si mesmos, esto
entre si como os grandes eixos multiplicados trs vezes por si mesmos. Para
explicar os movimentos da mecnica celeste, emite-se a hiptese de que os
corpos se atraem na razo direta das massas e inversa do quadrado das
distncias. Enunciar esta hiptese, vale simplesmente por dizer que as coisas
se passam como se os astros se atrassem. Depois, explicando essa hiptese,
perfeitamente, todos os fatos observados e dando cnta de todas as
circunstncias do problema, torna-se ela uma teoria.
Enfim, achando-se esta lei universalmente demonstrada, tanto pelo balano
das estrelas gmeas, na profundeza dos cus, como pela queda de uma ma
na superfcie da Terra, afirma-se que a lei chamada gravitao representa, de
fato, a fora reguladora dos mundos.
Idntico o processo que empregamos, ao declarar que os organismos
205
vivos so construdos como se a causa, fsse ela qual fsse, que as condicio-
nou, teria tido em vista uma destinao dos rgos em relao vida peculiar
de cada ser, tanto quanto existncia global de todos os seres em conjunto.
As verdadeiras causas finais so, portanto, um resultado da observao
cientfica, O mtodo o mesmo, e, como bem o disse Flourens, preciso partir
no das causas finais para os fatos, mas destes para aquelas. Induzir do
conhecido para o desconhecido, eis o nico mtodo positivo. Ora, o resultado
deste mtodo, seja ele qual for, merece ser proclamado como cientfico. Pode
suceder que a revelao de um plano e de uma finalidade na Natureza no
agrade a Fulano ou Beltrano, mas isso pouco importa. Fulano e Beltrano esto
no mais falso dos erros, quando nos acusam de no proceder de acordo com a
Cincia experimental, e incidem na mais fatal das iluses quando imaginam
proceder de acordo com essa cincia. Trocam, assim, os papis pr domo sua,
como si vulgarmente acontecer.
A verdade, porm, despreza-lhes as tendncias e fica inalteravelmente
idntica, sem se preocupar com os prismas atravs dos quais a encaram olhos
interessados em v-la abaixo da sua posio real.
Esquisitice inexplicvel em homens judiciosos, pretenderem que, admitindo
a existncia de Deus, sejamos obrigados a admitir o arbtrio na Natureza, como
se a vontade suprema no fsse necessria e infinitamente sbia, e, por
consequncia, universalmente regular. Os que s vem em todos os
movimentos da Natureza os meios de atingir um fim diz Moleschott
chegam mui logicamente noo de uma personalidade, que, num tal pro-
psito, confere matria as suas propriedades. Esta personalidade tambm
designar o fim.
Se assim , se uma personalidade designa os fins escolhe os meios, a
lei de necessidade desaparece da Natureza. Cada fenmeno se torna partilha
de um jogo do acaso e de um arbtrio sem finalidade.
J. B. Biot afigura-se-nos mais bem inspirado quando assim conclui o
exame da Natureza: (115) Por mim, quanto mais considero a harmonia, a
imensidade do Universo e as maravilhas da Criao, tanto mais admiro esse
concerto maravilhoso, e menos apto me julgo para explic-lo. Ousarei dizer,
mesmo por hav-lo experimentado, que essas explicaes imperfeitas, esses
vagos ou falsos relatrios, que alguns modernos escritores querem inculcar
como harmonias sublimes, nunca nos pareceram mais temerrios e fteis do
que quando defrontamos a Natureza. Quando se h tido a ventura de conhecer
e sentir as verdadeiras belezas que ela ostenta, somos tentados a conceituar,
como profanadores e mpios, quantos a desfiguram com indignos disfarces.
Assim que, todos os seres organizados
D:H::N:O
os da oficina.
D:N::H:B
seres.
Mas, quando prosseguimos investigando, at perceber as foras ntimas
que sustentam cada ser criado, at descobrirmos as leis universais que regem
simultaneamente o edifcio total e cada uma das partes desse imenso edifcio,
ento, distinguiremos as linhas de um plano geral, perceberemos, aqui e ali, os
elos de solidariedade que entrosam num s desgnio os corpos mais distantes,
reconheceremos a unidade do pensamento que presidiu ou melhor que
preside eternamente o condicionado universal e governa, na rota do infinito, o
carro imensurvel da Criao. Enfim, acostumando-nos a essas contemplaes
essenciais, tambm chegaremos a concluir que esta noo da divindade ainda
muito humana para que seja verdadeira, e que essa fora que sustenta o
mundo, essa potncia que lhe d vida, essa sabedoria que o dirige, essa
vontade que o impele eternamente para uma perfeio inacessvel, essa
unidade de pensamento que se revela sob as formas transitrias da matria
no so uma fora, um poder, uma sabedoria, uma vontade humana, mas
atributos inerentes a um ser inominvel, incompreensvel, incognoscvel, de
cuja natureza nada podemos razoar, e cujo conhecimento para ns
cientificamente inabordvel.
Este resultado final das investigaes positivas explica porque e como,
nesta discusso, se afigura que estendemos a mo esquerda a Berlim e a di-
reita a Roma. A quem no-lo objete, responderemos que se no trata aqui seno
de um fato geogrfico, resultante do nosso pendor para visualizar sempre o
Oriente. Sem dvida, esta atitude nos granjeia o qualificativo de hertico,
conferido pelos doutores que se repoltreiam em sua ctedra secular, mesmo
porque, seus olhos modorrentos vm de h muito preferindo a suavidade das
meias tintas crepusculares aos flamneos raios aurorescentes.
A lealdade, porm, obriga-nos a proclamar que o exagero dogmtico to
falso como o cepticismo, e que a trilha do pensador oscila equidistante desses
extremos. Sim, oscila... Os que se presumem mais firmes nesse terreno, so
os que mais prximo esto da queda. Para o homem que estuda, nada h
definitivo neste mundo. Quanto mais progride a Cincia, mais o homem
percebe a sua ignorncia.
Todavia, parar morrer. Caminhar, mesmo contramarchando s vezes,
realizar o fim mais nobre da existncia.
Em Filosofia, como em Mecnica, o equilbrio no passa, jamais, de um
equilbrio instvel.
Na sua tendncia para tudo referir sua pessoa como centro exclusivo, o
homem restringe os fatos e as idias. Vimos que a sua teoria da causalidade
disso um exemplo e dos mais famosos. Quando se pretende que os frangos
foram feitos para o espeto, no deixa de haver um tanto de personismo na
afirmao. Pode dizer-se, verdade de vez que o homem onvoro e que
sua constituio orgnica exige alimentao mista que os animais e plantas
de que se nutre destinam-se, efetivamente, a lhe prover a existncia e que,
sem eles, a espcie humana logo se extinguiria. Descer, porm, a mincias
particulares e afirmar que as perdizes fssem criadas para combinar com os
temperos da culinria de Vatel; dizer que os bovinos foram principalmente
destinados ao caldo gordo, ao bife com batatas, etc.; que os quartos do car-
neiro e assados de vitela correspondem finalidade originria das espcies
ovina e bovina; que os feijes para nada prestariam se no fssem temperados
e que as ameixas s foram douradas pelo Sol para serem saboreadas frescas
209
QUINTA PARTE
Deus
213
1
DEUS
SUMRIO Deus na Natureza, fora viva e pessoal, causa dos
movimentos atmicos, lei dos fenmenos, ordenador da harmonia,
virtude e sustentculo do mundo. O homem criando Deus sua
imagem. Erro antropomrfico. O filsofo grego Zenfanes h. 2400
anos. A natureza de Deus incognoscvel. Nenhum sistema humano
poder defini-la. Diferentes modalidades da idia de Deus, segundo os
homens. ltimas perspectivas doutrinrias. Concluso geral.
Epilogo.
Deus pelo homem. Todos eles vivem nas alturas do Nirvana eterno, rodeados
de Espritos, tronos, apstolos, mrtires, pontfices, confessores, dominaes,
potncias, magos do culto precursor, videntes da filosofia sakhya, que foram
purificados, etc.; tudo isso eternamente esquemado e graduado, segundo os
mritos de uma vida efmera.
A histria da idia de Deus mostra-nos que ela sempre foi relativa ao gru
intelectual dos povos e de seus legisladores, correspondendo aos movimentos
civilizadores, poesia dos climas, s raas, florescncia de diferentes povos;
enfim, aos progressos espirituais da Humanidade. Descendo pelo curso dos
tempos, assistimos sucessivamente aos desfalecimentoS e tergiversaes
dessa idia imperecvel, que, s vezes fulgurante e outras vezes eclipsada,
pode, todavia, ser identificada sempre, nos fastos da Humanidade. Notamos,
ento, que esta idia relativa difere do absoluto nico, sem o qual impossvel,
hoje, conceber-Se a personalidade divina.
Esse absoluto importa afirm-lo nestas ltimas pginas absoluto
mesmo e ns no o conhecemos. Ele no o Varouna dos rias, o Elim dos
Egpcios, o Tien dos Chineses, o Ahoura-Mazda dos Persas, o Brama ou Buda
dos Indianos, o Jeov dos Hebreus, o Zus dos Gregos, o Jpiter dos Latinos,
nem o que os pintores da Idade Mdio entronizaram na cspide dos cus.
Nosso Deus um Deus ainda desconhecido, qual o era para os Vedas e
para os sbios do Arepago de Atenas. A noo de alguns eminentes pais da
Igreja crist e de alguns esclarecidos telogos modernos, aproxima-se, mais
que outras quaisquer, desse Deus desconhecido. Mas, como compreend-lo,
quando nenhum Esprito criado, nem mesmo os anjos (se que existem)
poderiam faz-lo?
No cabe aqui entreter-nos com as moradas imaginadas para a pessoa de
Deus. No abordaremos o potico cu dos gregos, povoado de figuras ideais,
onde os deuses sempre jovens e belos se divertem, combatem e gozam com o
tomar parte nos destinos humanos. No falaremos do sombrio e iracundo
Jeov dos Judeus, que pune at terceira ou quarta gerao. Nada diremos,
to-pouco, do cu dos Orientais, que reserva aos crentes numerosas huris,
num ambiente de beleza e delcias eternas.
Omitiremos o cu dos Groelandeses, no qual a maior ventura consiste
numa grande quantidade de peixes e de leo de baleia, bem como o cu do In-
diano caador, que se paga com abundncia de caa, e o do Germano que, no
Walhalla, faz do crnio do inimigo a sua taa de hidromel.
Se o simples bom senso humano no pode, jamais, fazer uma idia pura e
218
diverge das suas opinies. No sabem distinguir o formal do essencial. Se, por
exemplo, escrevermos esta profisso de f: cremos de todo o corao na
existncia de Deus, mas, no conhecemos o Ser misterioso, assim
denominado e julgamos impossvel que o homem consiga compreend-lo
estamos certo de que os zelotes da religio e da moral vo de pronto gritar
blasfmia, iniquidade! e interditar s suas ovelhas a leitura deste livro.
No nos detivesse aqui um escrpulo todo pessoal e poderamos, assim,
de antemo citar o ttulo dos jornais e o nome dos escritores que nos vo
increpar de blasfemo. Espritos assim tacanhos, encontramo-los em todas as
confisses e. em todos os dogmas; nos catlicos e protestantes da Irlanda ou
da Alemanha, como nos judeus ou nos muulmanos do Cairo e de
Constantinopla. Toda bandeira tem os seus imprudentes.
Todavia, a investigao imparcial da verdade exclui de seus domnios os
exageros do fanatismo, tanto quanto os do cepticismo. Ela prossegue na sua
tarefa laboriosa e fecunda, e expe sincera-mente o ensinamento recolhido das
suas descobertas sucessivas.
Dos progressos gerais da Cincia resulta, dizamos, que a idia comum,
acerca de Deus, est atrasada e tornou-se at mesquinha e inaceitvel, face
desses enormes progressos.
A medida que se amplia o conhecimento da Natureza, faz-se necessrio
desenvolver a concepo do seu Autor. So noes paralelas, que participam,
necessariamente, dos mesmos movimentos. Assim como nada existe de
absoluto em os nossos conhecimentos da criao, assim, tambm, nada
absoluto podemos idealizar sobre o Criador. E a Cincia, longe de destruir a
velha idia da existncia de Deus, desenvolve-a e torna-a gradualmente menos
indigna da majestade que lhe apangio.
Assim, no mais um ser humano, no mais uma personagem real que a
inteligncia atilada lobriga na cimeira da criao. Nossos mais altos conceitos
de hierarquia, de soberania, de cetros e tronos, perderam toda a capacidade de
comparao; os mais nobres sentimentos de santidade, grandeza, poder,
bondade, justia, abatem-se estreis perante o ser desconhecido. Quando
pronunciamos a palavra infinito, queremos referir um atributo cujo carter
ignoramos totalmente. A soma integral dos nossos pensamentos menos que
zero no cmputo do absoluto. Comparados realidade desse absoluto, esto
dele mais infinitamente distantes, do que estariam dos nossos os de um msero
peixe nas profundezas ocenicas. nessa altura que as revelaes da Cincia
nos convidam a crer.
Dilatando-se a esfera de nossa contemplao e espalhando uma luz mais
222
vamos fazer da nossa razo se doravante nos foram a admitir uma tal
reviravolta de idias e perverso de linguagem? Como admitir uma fora
ininteligente dando o que no tem, nem pode ter, isto inteligncia? Como
poderiam tais foras, ininteligentes e cegas, arrastando-se umas por outras,
entrosando-se num mecanismo incompreensvel, chegar a produzir, ao termo
de elaboraes espontneas, o pensamento, tal como a flor que desabrocha e
se balana na ponta do hastil?
Pois qu! Ser possvel que o vosso critrio filosfico possa tomar a srio a
hiptese ridiculamente metafsica da pr-existncia de uma ordem universal,
sem que houvesse um pensamento para conceb-la, uma inteligncia para
compreend-la, um olhar para contempl-la e uma alma para am-la? Pois
qu! Ser essa Natureza, assim cega, inconsciente, escravizada, sem olhos de
ver nem corao de amar, que vai, num silncio eterno, tecendo a malha divina
de tudo o que existe? Temo-la ento, a cega Natureza originando sem o
querer, nem saber, uma harmonia, at que finalmente, da base ao cimo do
cosmos, como filho da cega fatalidade, surja o homem para ouvir a harmonia
que no fz, e tomar conhecimento dessa ordem que no procede dele, porque
lhe precede!
No mnimo, h no Universo a razo espiritual dos que se elevaram
descoberta das leis que o regem e estas, por sua vez, existem, realmente. Se
assim no fora, todo o edifcio da razo humana ruiria pela base. Os processos
de induo, que nos levam da anlise sntese, devem ter, com efeito,
objetivos reais de aplicao, sem o que s podemos raciocinar no vcuo.
Generalizar uma lei parcialmente observada, acreditar simplesmente que o Sol
se levantar amanh porque se levantou ontem; ou que o trigo semeado neste
outono germinar antes do inverno e ser colhido no prximo vero; traduzir os
fatos naturais em frmulas matemticas, supor que a Natureza subordina-se
a uma ordem racional, e que o relgio marcar a hora acorde com a construo
do relojoeiro.
O prprio processo de induo cientfica um silogismo transportado dos
domnios humanos aos da Natureza, reduz-se a este tipo fundamental; o
mundo regido por uma ordem racional; ora, a sucesso ou generalizao de
uns tantos fatos observados torna a entrar na ordem racional e, portanto, essa
sucesso ou generalizao existe.
Se o homem s vezes se engana nas aplicaes deste processo, que ele
no se limita s aplicaes imediatas, ou no tem uma base suficiente de
observaes diretas. Todas as cincias e sinteses indutivas do homem
repousam na convico de que a Natureza est subordinada a um plano
racional
A organizao maravilhosa do mundo no vos obriga a confessar a
existncia do Ser supremo? Por nossa parte, muita vez temos perguntado,
como se pode recusar to obstinadamente essa existncia. Quais as
vantagens do atesmo?
Em que pode ele preterir o tesmo? Que pode a Humanidade lucrar com o
renegar, doravante, a crena em Deus? Qual o melhor homem: o que cr, ou
o que no cr? Ser, ento, um ato de fraqueza o sermos lgicos com a nossa
conscincia?
Falta grave, o senso comum? possvel que esses Espritos fortes,
galgando o cu por uma escada de paradoxos, acreditem estar bem alto...
Enganam-se, porm, redondamente, com essa iluso comparvel quela
229
antiga prova manica, que era percorrer o iniciado uma escada de cento e
cinquenta degraus descendentes, de sorte que, ao fim do percurso, no
momento de atirar-se ao vcuo, apenas tocava o solo. No, senhores, vossa
escalada no mais terrvel do que essa e apenas pode acarretar maus
resultados para os homens de vistas curtas, incapazes de perceber o vosso
erro e at considerando-vos as fnix da Cincia. Fsse agradvel a vossa
iluso, consoladoras as vossas doutrinas; capazes, as vossas idias, de
estimular a emulao da Humanidade pensante para elevar-se a um ideal
supremo, e talvez se pudesse perdoar-vos a teraputica. Mas, com franqueza:
em que vos parece funesta, inteligncia humana, a crena em Deus?
Onde e como verificastes que o conhecimento da verdade pode enfermar o
crebro? Despojando a Humanidade do seu tesouro mais precioso, banindo do
Universo a vida, rechaando da Natureza o Esprito, no admitindo mais que a
matria cega e foras zanagas, privais a famlia humana de ter paternidade e o
mundo de ter um princpio e uma finalidade. Gnio e virtude, reflexos de um
esplendor maior, eclipsam-se convosco, e o mundo moral, tanto quanto o
fsico, no sero mais que um caos imenso, digno da noite primitiva de
Epcuro.
Mas, ainda bem que o atesmo absoluto s pode ser uma loucura nominal e
o Esprito mais negativista no pode, realmente, atribuir matria seno o que
pertence ao Esprito, criando assim um deus-matria, sua imagem e
semelhana. Assim, temos visto que, desde o pantesmo mstico ao mais
rigoroso atesmo, os erros humanos a respeito da personalidade divina no
puderam, seno, velar, ou desnaturar a revelao do Universo, sem aniquil-la.
Nosso Deus da Natureza permanece inatacvel, no seio mesmo da Natureza,
fora intrnseca e universal governando cada tomo, formando organismos e
mundos, princpio e fim das criaes que passam, luz incriada a brilhar no
mundo invisvel e para a qual, oscilantes, se dirigem as almas, como a agulha
imantada, que no mais repousa enquanto no se encontra identificada com o
plano do plo magntico.
***
***
marinha do horizonte, como que satisfeito com aquela homenagem que nem
um ser ousara recusar-lhe... E assim, contente da jornada, mergulhou
orgulhoso no hemisfrio de outros povos.
Fz-se, ento, grande silncio em toda a Natureza. Nuvens de ouro e
prpura evolaram-se s paragens reais e ocultaram os ltimos timbres
avermelhados. A sombra descia do alto. As ondas adormeceram, porque o
vento abrandara. Os pequeninos seres alados adormeceram tambm, e Vs-
per, nncia da noite, comeou a luciluzir no ter.
misterioso Incgnito! exclamei grande, imenso Ser, que somos
ns, pois? Supremo autor da harmonia, quem s tu, se to grandiosa a tua
obra? Pobres mitos humanos os que supem conhecer-te Deus! tomos,
nada mais que tomos, como somos nfimos! E como tu s grande! Quem,
pois, ousou nomear-te pela primeira vez?
Que orgulhoso insensato pretendeu definir-te, Deus! meu Deus, todo
poder e ternura, imensidade sublime e inconcebvel!
E, como qualificar os que vos tm negado, que em vs no crem, que
vivem fora do vosso pensamento e jamais sentiram vossa presena Pai da
Natureza!
Amo-te! amo-te! Causa suprema e desconhecida, Ser que palavra alguma
pode traduzir, eu vos amo, divino Princpio! mas... sou to pequenino, que no
sei se me ouvireis, se me entendereis..
Como estes pensamentos se precipitavam fora de mim, para fundirem-se
na afirmao grandiosa de toda a Natureza, as nuvens se esgararam no
poente e a radiao urea das regies iluminadas inundou a montanha.
Sim! tu me ouves, Criador! tu que ds a beleza e o perfume florinha
silvestre! A voz do oceano no abafa a minha voz e meu pensamento a ti se
eleva, Deus! com a prece coletiva.
Do todo do Cabo, minha vista se estendia ao Sul como ao Ocidente, na
plancie como sobre o mar. Voltando-me, lobriguei as cidades humanas, meio
adormecidas nas plagas. No Havre, as ruas comerciais se iluminavam, e alm,
na margem oposta, Trouville acendia o seu parque de diverses.
E enquanto a Natureza se mostrava reconhecida ao seu Autor com o
saudar a misso de um dos seus astros fiis; enquanto todos os seres lhe
enviavam suas preces e o rugido dos mares misturava-se ao vento, em ao
de graas ao termo de um belo dia; enquanto a obra criada, unnime e
recolhida, se oferecera ao Criador, a criatura imortal e responsvel ser
privilegiado da Criao, expoente do pensamento o Homem, vivia mar-
gem, indiferente a tantos esplendores, sem olhos de ver nem ouvidos de ouvir,
parecendo ignorar essa harmonia universal, em cujo seio deveria encontrar a
sua felicidade e a sua glria.
Fim