Etnomusicologia Na Pan-Amazônica PDF
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Lliam Barros
Cristhian Tefilo da Silva
Resumo
Este artigo tem como objetivo pontuar algumas questes relativas ao campo interdisciplinar da etnomusicologia
na regio pan-amaznica, a qual abrange todos os pases sul americanos que compartilham o bioma da floresta
amaznica. A institucionalizao da pesquisa etnomusicolgica relativamente recente na regio, todavia,
diversas pesquisas de carter etnomusicolgico j vinham sendo feitas, associadas a estudos nas reas do
folclore, musicologia, etnologia, antropologia e outras reas afins. A partir das questes apreendidas no cenrio
mais amplo, este artigo pretende contextualizar algumas experincias e aes etnomusicolgicas realizadas na
Universidade Federal do Par e o potencial da etnomusicologia colaborativa como perspectiva descolonizadora
da disciplina.
Ethnomusicology in Pan-Amazonia:
Interfaces with decoloniality and the collaborative research
Abstract: This paper aims to point out some issues related to the ethnomusicology interdisciplinary area on the
pan-Amazonian region - which encompasses all South American countries that share the Amazon Forest biome.
The institutionalization of ethnomusicological research is recent in the region; however, some researches with
ethnomusicological orientation have been developed in other areas, such as folklore, musicology, ethnology and
anthropology. This work intends to contextualize some experiences and ethnomusicological actions that took
place at the Federal University of Par, as well as the potential of collaborative ethnomusicology as a
decolonizing perspective on the discipline.
1
Para recorrer s primeiras problematizaes sobre a subdisciplinarizao da etnomusicologia a partir do
cnone etnomusicolgico ocidental, ver: PORTER (1995), WITZELEBEN (1997) e COTTRELL (2011), dentre
outros.
1
perifrica para a produo e reproduo da disciplina. Supomos que esse lugar decorre do
ponto de vista hegemnico da geopoltica do conhecimento, que estipula a interdependncia
entre reas produtoras e consumidoras de teorias em mbito mundial e converte as disciplinas
cientficas em loci de sistemas mundiais de poder (RIBEIRO & ESCOBAR, 2012). Nesse
sentido, para desconstruir essa representao deveremos nos apoiar na compreenso do
sistema mundo moderno colonial como um quadro histrico e relacional de reflexes que
escapam ideologia nacional sob a qual foi forjado o imaginrio continental e
subcontinental, tanto na Europa quanto nas Amricas, nos ltimos duzentos anos
(MIGNOLO, 2005, p. 73). Da ser necessrio abordar a etnomusicologia na Pan-Amaznia
como regio, i.e., ela prpria como uma representao em disputa por agentes de diferentes
campos (BOURDIEU, 1989), em vez de nos determos nas mltiplas amaznias reificadas
pelos discursos e polticas nacionais, o que nos induziria a replicar certo nacionalismo
metodolgico para sua anlise.
Desse modo, partiremos dos contextos etnomusicolgicos no Par e Amazonas como
expresses locais do contexto pan-amaznico sul-americano. A escala continental dessa
regio impe circunstncias particulares para a hegemonizao do sistema-mundo moderno-
colonial (brevemente referida como globalizao) e a consequente naturalizao da regio
e suas populaes e expresses culturais sob a lgica do capitalismo transnacional global
(processo que pode ser chamado de hierarquizao da alteridade segundo Briones 2005).
Esses dois processos, de hegemonizao e hierarquizao, se entrecruzam, de modo geral, em
praticamente todas as instituies, processos e prticas sociais na regio. De tal forma que
podemos partir do pressuposto de que as instituies, processos e prticas cientficas ou
acadmicas, para tratar de modo mais especfico nosso caso, constituiriam pontos de partida
possveis para refletir sobre incorporaes locais e regionais da etnomusicologia aos sistemas
de poder globais.
Entretanto, no sendo possvel abordar, como seria recomendvel, a histria da
etnomusicologia pan-amaznica nos diversos pases que a compem, partimos, precisamente,
para uma descrio do caminho trilhado pela etnomusicologia no contexto amaznico
brasileiro na qualidade de processo subdisciplinar passvel de ser comparado, oportunamente,
com outras histrias e projetos locais na regio. A partir dessa delimitao, esperamos narrar
por que a etnomusicologia pan-amaznica se constitui intrinsecamente como um saber
colaborativo e decolonial, por oposio aos processos hegemonizadores e hierarquizadores
acima mencionados. O reconhecimento dessa caracterstica que consideramos distintiva da
etnomusicologia amaznica se deve ao encontro inesperado de interesses entre a autora e o
autor deste artigo, que se dedicam a campos teoricamente prximos, porm
institucionalmente distantes no Brasil, como so a etnomusicologia, no caso da primeira, e os
estudos latino-americanos, no caso do segundo. Deste encontro resultou o reconhecimento
dos estudos etnomusicolgicos na Pan-Amaznia como um campo social compartilhado e,
como qualquer outro campo (BOURDIEU, 1983), passvel de um investimento reflexivo
sobre suas relaes de fora, hierarquias e seu lugar reduzido nas polticas multiculturalistas
contemporneas.
Apresentada esta problematizao inicial, o que segue um exerccio de contraste
entre os efeitos da hegemonizao e hierarquizao da etnomusicologia em escala regional e
as resistncias locais encontradas nas pesquisas etnomusicolgicas feitas em dois contextos
pan-amaznicos. Esperamos que o artigo contribua para uma compreenso das prticas
metodolgicas e estratgias tericas da etnomusicologia para escapar e superar a condio de
subdisciplina reprodutora do padro de poder mundial.
2
De modo semelhante a outras reas do conhecimento cientfico, a musicologia como
cincia surge de divises epistmicas, como aquela proposta por Guido Adler em 1885 entre
a musicologia histrica e a musicologia sistemtica2. A musicologia sistemtica pode ser
entendida como uma proposta de estudos emprico-indutivos da msica a partir da
comparao como mtodo unvoco para a interpretao terica da msica em termos
universalistas ou positivistas. Desse projeto norteador, a etnomusicologia se desenvolve
como disciplina que transita entre diferentes reas da Antropologia, Folclore e Lingustica,
dentre outras, sobretudo em decorrncia da ateno suscitada pelo eurocolonialismo diante
das expresses e tradies existentes para alm da Europa ocidental. Filsofos, historiadores
e socilogos da cincia se mostraram atentos a reconhecer o contexto sociocultural alemo do
final do sculo XIX como particularmente receptivo, de um lado, dupla tradio do
pensamento cientfico europeu que se divide entre a hermenutica das cincias do esprito e
o positivismo das cincias nomotticas e, de outro lado, experincia colonial
intercontinental europeia nas Amricas, frica e sia. A musicologia no se mostrou imune
ao zeitgeist desse perodo e tambm pendeu para um desenvolvimento equilibrado entre
motivaes afetivas e estticas para o estudo da msica como fenmeno historicamente
universal e culturalmente diverso, o que veio a constituir-se no eixo ideolgico do
evolucionismo e racismo europeu do fin de sicle.
Com a elaborao de conceitos como heterofonia (STUMPF, 1901; ADLER, 1908
e HORNBOSTEL, 1909, 1913 e 1928 apud BLUM, 1991), a criao de um sistema de
catalogao e classificao de instrumentos e a ampliao do campo comparativo da
musicologia a partir das pesquisas etnogrficas conduzidas, sobretudo por folcloristas e
viajantes naturalistas impulsionados pela inveno e disseminao industrial do fongrafo
desde 1877, a etnomusicologia tornou-se uma disciplina intersticial no comeo do sculo XX.
Isto significa dizer que a etnomusicologia se organizou a partir de um conjunto de interesses,
paradigmas e mtodos compartilhados e institucionalizados de pesquisa prprios de
diferentes disciplinas humansticas como a antropologia, a lingustica e a arqueologia, e a
relao destas com projetos de construo nacional e expanso colonial e imperial europeus
ou das novas naes. Sua situao interdisciplinar, por um lado, e geopoltica, por outro,
contribuiu para a constituio nitidamente eurocntrica da etnomusicologia valendo-se da
oposio entre a msica ocidental e moderna e a msica primitiva dos povos no-europeus
colonizados para articular uma narrativa hegemnica compatvel com a ideia de modernidade
centrada no hemisfrio ocidental e gramatical com o padro de poder mundial a ela
subjacente3.
Segundo essa narrativa, conforme esclarece Dussel:
2
Charles Seeger publicou uma crtica dessa oposio, alegando sua artificialidade e baixa rentabilidade para os
estudos etnomusicolgicos (1936). Entretanto, isso no significa dizer que ela no teve efeitos estruturantes no
campo da musicologia, sobretudo para a orientao temtica e terica de seus praticantes. Mais recentemente,
Anthony Seeger (2006) apresentou um trabalho sobre ramificaes e interrupes na constituio da
etnomusicologia por parte de etnomusiclogo fora da academia.
3
Uma rpida pesquisa sobre a categoria primitive nos sumrios do Journal of the American Musicological
Society (JAMS) suscitou 290 registros em 211 nmeros desde 1936, ano de publicao do primeiro nmero da
revista.
3
exatamente a confuso entre a universalidade abstrata com a mundialidade
concreta hegemonizada pela Europa como centro (2005, s/p).
Dito de outro modo, constata-se que o estatuto atual das hierarquias de conhecimento,
como observam Ribeiro & Escobar (2012, p. 30), apoia-se em hierarquias de poder social e
poltico secularmente estabelecidas. Nesse sentido, as muitas formas de classificao e
rtulos, teorias, conceitos e abordagens empregadas no interior da etnomusicologia ensejam
dilemas e desafios que precisam ser superados para que os sujeitos (pesquisadores/as e
pesquisandos/as) sejam pensados e representados nos termos de suas prprias culturas ao
invs de serem enquadrados pela moldura cannica. Essas reflexes servem para provocar a
crtica reproduo estereotpica do cnone etnomusicolgico eurocntrico em regies
perifricas.
Esses dados no devem ser tomados como representativos do estado atual da
musicologia ou da etnomusicologia no pas e na regio, mas servem para apontar o vigor dos
processos hegemnicos e hierarquizadores na rea. Para traar um quadro mais completo da
situao subdisciplinar da etnomusicologia, faz-se necessrio relacionar as iniciativas e
referncias que visam explicitamente resistir a essa forma de representao da disciplina
deflagrando a perspectiva decolonial no mbito da etnomusicologia. Em larga medida,
notvel o recurso pesquisa colaborativa com vistas a promover mudanas de perspectiva,
4
A International Musicological Society (IMS) foi fundada em 1927 em Basel, Sua.
5
Ver, nesse sentido, o documento Strategic Plan 2010-2015, em especial a seo dedicada
internacionalizao da etnomusicologia.
6
O primeiro nmero da Acta Musicologica foi publicado em 1928/29, somando mais de 87 nmeros.
7
It would become necessary to challenge Christianity as the template for Western music history
4
valorizao de outras tradies musicais e engajamento intercultural entre os sujeitos das
pesquisas.
Rafael Bastos, em seu livro A Festa da Jaguatirica (2013), discorre sobre o paradoxo
da etnomusicologia, caracterizada pela sua dupla posio entre a antropologia e a msica, o
comportamento e o som. Neste nterim, o autor pondera sobre a perspectiva avanada do uso
do conceito Tonproducte por Guido Adler traduzido por Menezes Bastos como produo
tonal como um aspecto relevante a ser considerado no documento escrito por Adler h mais
de cem anos (BASTOS, 2013, p.36).
Um trabalho pioneiro de pesquisa colaborativa com povos indgenas no Brasil foi o de
Anthony Seeger, desenvolvido junto aos Ksdj, ao longo de trs dcadas, do qual resultou o
livro Por que cantam os Ksdj?, publicado pela editora Cosac/Naiffy em 2015 e lanado
durante o VII ENABET com a presena de representantes indgenas e do prprio pesquisador
(SEEGER, 2015). O livro est acompanhado por um DVD cujo contedo agrega captaes de
Seeger durante sua pesquisa de campo e novas gravaes desenvolvidas pelos ndios, tendo
sido submetido aprovao da comunidade ao final do processo de edio.
Samuel Arajo, Francisca Marques e Vincenzo Cambria desenvolvem projetos
etnogrficos de longo termo e de carter colaborativo h mais de uma dcada no Complexo
das Favelas da Mar, abordando temas como violncia, poder e msica, o que resultou na
criao de um grupo de pesquisa denominado Musicultura, que congrega membros da
comunidade da Mar e pesquisadores da Universidade Federal do Rio de Janeiro (ARAJO;
CAMBRIA, 2013, p. 31). Em recente artigo, Cambria et al. (2016) apresentam alguns
fundamentos da pesquisa colaborativa a partir de reflexes sobre as experincias: do Grupo
Musicultura, realizadas em colaborao com o Laboratrio de Etnomusicologia da UFRJ; de
pesquisa sobre o Terno de Reis de Januria, em colaborao com o Centro de Folclore e
Cultura Popular; do Grupo de Estudos em Etnomusicologia GEETNO, da Universidade do
Estado do Paran (UNESPAR), em colaborao com mestres e mestras de tradies de matriz
africana. Os autores pontuam, como elementos importantes que alinhavam o trabalho
colaborativo em etnomusicologia: a produo do conhecimento em msica com os grupos em
colaborao; o compartilhamento autoral; a insero poltica e retorno social das pesquisas; a
abertura epistemolgica; o fortalecimento das populaes envolvidas.
Por ocasio dos festejos dos 500 anos do incio da colonizao europeia no Brasil foi
realizado o Encontro Internacional de Etnomusicologia: Msicas Africanas e Indgenas em
500 anos de Brasil, organizado pela etnomusicloga Rosngela de Tugny, na Universidade
Federal de Minas Gerais, no ano de 2000. Estiveram presentes neste encontro, alm de
pesquisadores importantes no estudo dessas culturas musicais, representantes dos povos
Bassari (Senegal), Maxakali, Kamayur, Congados, Kaxinaw, Krenak, Patax, dentre
outros. A dinmica do encontro envolveu as tradicionais mesas redondas, mas, alm de tudo,
conferncias privilegiadas pelos povos tradicionais, performances rituais-sonoras-sacras,
oficinas e dilogos interculturais, tradues lingusticas e culturais. A etnomusicologia estava
no incio de um processo de organizao institucional no Brasil, e a Associao Brasileira de
Etnomusicologia s seria criada em 2001, no congresso da International Council for
Tradicional Music, no Rio de Janeiro. O encontro de Belo Horizonte foi um ponto de partida
crucial que demarcou o vis participativo e decolonial que acompanharia muitas pesquisas
em etnomusicologia no Brasil.
Luhning (2006) em seu artigo referente a esse encontro, aborda diversos pontos
relevantes para se pensar uma etnomusicologia brasileira, entre eles:
5
identidades culturais, reconhecimento este necessrio para a convivncia
respeitosa e digna em uma sociedade pluricultural e pluritnica;
[. . . ]
4) criar de fato uma forma mais participativa de etnomusicologia, j que no
Brasil, diferentemente da Europa, existe a chance nica de juntar os prprios
praticantes com os interessados, estudiosos, educadores que procuram
caminhos e formas de mais visibilidade para essas manifestaes, criando a
partir da uma prtica de compromisso social com as possveis aplicaes de
posturas etnomusicolgicas;
[. . . ]
9) pensar de forma sria, comprometida e responsvel uma nova integrao
de todos esses conhecimentos descritos acima em processos de educao,
cidadania e definio de identidades culturais locais, regionais e tambm
pessoais, abrindo mais espao para uma discusso aberta e contribuindo
para uma retomada de definies novas, voltadas para as questes de
responsabilidade e envolvimento sociais. (LUHNING, 2006, p. 51)
8
Laila Rosa coordenadora do Grupo de Pesquisa Feminria Musical: grupo de pesquisa e experimentos
sonoros, da Universidade Federal da Bahia.
6
Desde sua fundao, em 2001, a Associao Brasileira de Etnomusicologia tem
pensado os mltiplos caminhos da disciplina no Brasil e suas perspectivas de avano
institucional. O VII ENABET, realizado em 2015 na Universidade Federal de Santa Catarina,
teve como mote o protagonismo dos povos originrios e tradicionais latino-americanos na
conduo de seus processos afirmativos e de fortalecimento cultural. Para esse evento foram
convidados artistas indgenas e pesquisadores de diversos pases da Amrica Latina.
O aspecto colaborativo pode ir alm da presena dos representantes culturais das
tradies musicais brasileiras/amaznicas em eventos, incentivando seu protagonismo em
processos dialgicos investigativos e de escrita etnogrfica intercultural ainda que deixando-
se entrever (e oportunizando-se minimizar) os paradoxos de assimetria intrnsecos ao labor
etnogrfico (SILVA, 2008):
7
a antroploga Berta Ribeiro como importante pesquisadora e difusora, inaugurando a
antropologia da arte no Brasil. Berta Ribeiro (1989) considerava a arte indgena como arte da
vida, tanto em razo de estar presente em todos os aspectos da vida das sociedades indgenas
quanto pela sua capacidade de resistir ao desmoronamento tnico. A autora trata a arte
indgena como elemento da cultura, pois neste sentido, a arte, tal como a lngua, as crenas,
as narrativas mticas e outros elementos da cultura vem a ser um mecanismo ideolgico que
refora a etnicidade e, em consequncia, a resistncia dissoluo da etnia (1989, p.33).
Lux Vidal (1992) referenda os aspectos cognitivos e simblicos vinculados s artes
amerndias concernentes tcnica, ao suporte, ao processo de inovao e mudana, criao
e transmisso do conhecimento artstico, ao vnculo com a estrutura social e corporalidade.
Nesse cenrio, deve-se destacar o crescimento das pesquisas sobre msica indgena nas terras
baixas da Amrica do Sul. H maior nmero de etnografias da msica nos programas de ps-
graduao em antropologia social, a exemplo das teses e demais publicaes de Rafael
Menezes Bastos, Deise Lucy Montardo, Accio Piedade, Maria Ignez Cruz Mello, Rosngela
Tugny, Vernica Ald e outros. O estabelecimento dos principais programas de ps-
graduao em msica no pas e a institucionalizao da disciplina etnomusicologia tambm
oportunizou estudos sobre essas msicas. Observa-se a centralidade da msica nas sociedades
amerndias, funcionando esta como uma poderosa prtica integradora de diversas linguagens
grafismo, ornamentos corporais, narrativas, dana, cenografia, figurino que incorpora e
gera sociabilidades nas sociedades originrias da regio.
O crescimento desses trabalhos sobre msica, aliado queles sobre cultura material,
artes verbais e grficas, tem possibilitado uma viso das diversas epistemes sobre arte que se
vislumbram em cada sociedade indgena. Alm disso, no mbito das pesquisas
etnomusicolgicas que, atualmente, tm sido desenvolvidas nas universidades federais do
Par e do Amazonas, notadamente com os povos do Rio Negro (BARROS, 2013;
MONTARDO, 2011), Oiapoque (BARROS; CHADA; ALMEIDA, 2015) e Temb (CHADA
et al., 2014), tem sido focalizada uma relao de colaborao, reciprocidade, trocas e
parcerias, no sentido de fortalecimento e valorizao destes saberes por parte da academia.
Tal vertente, denominada etnomusicologia colaborativa9, aparenta ser um caminho
pertinente aos rumos que a rea est tomando na regio, denotando a pluralidade de
experincias acadmicas que surgem e se desenvolvem fora dos circuitos hegemnicos de
produo da disciplina e que seriam vitais para uma fertilizao cruzada crucial para a
expanso e pluriversalizao da etnomusicologia. Destacam-se, a partir dessa vertente, as
possveis contribuies terico-metodolgicas que as diversas epistemes musicais e sonoras
dos povos originrios e tradicionais amaznicos possam oferecer para a etnomusicologia,
gerando paradigmas e demandas prprios. O que se busca a valorizao desses saberes,
retirando-os da condio de cultura-objeto e sim considerando-os sujeitos culturais e
histricos que podem transformar a realidade (SOUSA SANTOS, 2013).
Entretanto, essa fertilizao cruzada proveniente de experincias colaborativas de
pesquisa encontra-se obstaculizada em vrios nveis. O primeiro deles seria o nvel
profundo do desconhecimento da antiguidade e compartilhamento de tradies que
sustentam verticalmente, por assim dizer, as musicalidades e expresses artsticas amerndias
contemporneas. Presentemente, e apesar do crescimento de estudos sobre msica amerndia,
9
A investigacin accin participativa ou pesquisa-ao foi elaborada por Orlando Fals Borda e Carlos
Rodrigues Brando, antroplogos colombiano e brasileiro, respectivamente, no comeo dos anos 1960 e se
consolidou como uma forma coletiva de se produzir conhecimento e de se coletivizar esse conhecimento (ver
Fals Borda e Rodrigues Brando, 1987). Recentemente, vem sendo apropriada e reelaborada nos EUA e Canad
sob o termo de antropologia e etnografia colaborativa. Nota-se, curiosamente, a re-importao dessa
metodologia na Amrica Latina em termos colaborativos em detrimento do sentido politicamente engajado
dos anos 60 e 70.
8
o ainda reduzido nmero de pesquisas tem levado a etnomusicologia a situar seus objetos
em indivduos e grupos tnicos locais, acabando por bloquear aproximaes entre diferentes
povos e reas, dificultando encontros e dilogos interculturais e trocas de conhecimentos e
informaes provenientes das memrias longas dos povos indgenas.
Os estudos arqueolgicos das populaes pr-cabralinas e pr-colombinas tem
oferecido um panorama da cultura desses povos associada hierarquizao e complexidade
destas sociedades (cacicados tapajnicos e marajoaras), s cerimnias xamnicas e funerrias
e a uma percepo abrangente das sonoridades atinentes aos suportes rituais, como a presena
de vasos com idiofones ou outro suporte sonoro nas bordas e no corpo do objeto. As
pesquisas na rea de arqueomusicologia nos demais pases da Amrica Latina esto
desenvolvidas, com paradigmas prprios, especialmente em relao s culturas andinas pr-
colombianas, a exemplo dos trabalhos de Jos Perez de Arce, no Chile.
Por outro lado, a fragmentao das pesquisas etnomusicolgicas em carter local e
circunscrito etnicamente propicia um segundo nvel comparativo de desconhecimento que
precisa ser superado pelo mapeamento horizontal das prticas musicais na regio. Uma vez
que no se conhecem as prticas musicais e seus agentes culturais (mestres, pajs, guardies)
no h como acess-los para compreender suas demandas e estabelecer polticas pblicas que
sigam ao encontro dessas demandas. Atualmente, o projeto Prticas Musicais do Par,
coordenado pela professora Sonia Chada, que engloba, tambm, o subprojeto Cartografia
Musical do Par, tem realizado investigaes nas instituies e pesquisa nas disciplinas
Introduo Etnomusicologia, Tpicos em Etnomusicologia e Sociologia da Msica,
no mbito da graduao e ps-graduao nos cursos regulares da UFPA e no PARFOR. Tal
projeto tem angariado a visibilidade de prticas musicais presentes nos municpios de atuao
da universidade, o que j representa um avano. Nesse aspecto, observa-se a grave lacuna de
estudos sobre msica afro-amaznica, especialmente as voltadas para as tradies religiosas
de matriz africana, apesar de haver diversos estudos sobre os demais domnios das prticas
culturais de herana africana na regio. Tradies musicais prprias de minorias oriundas de
imigrantes judeus, libaneses, japoneses tambm no tm sido documentadas, com exceo do
projeto de dissertao de mestrado de Ednesio Canto (2015), intitulado Cultura Nikkei:
Identidade, herana cultural e tradio no fazer musical atravs do koto na comunidade
Nikkei de Belm que realizou uma etnografia da tradio musical Koto em Belm do Par.
Estudos na rea de gnero e sexualidade tambm tem recebido pouca ateno,
exceo da dissertao de mestrado de Gilda Maia sobre a cantora Helena Nobre, defendida
em 2011, e a atual pesquisa da etnomusicloga Jorgete lago sobre as mestras da cultura
tradicional em Belm do Par (LAGO, 2015). Nesse caldeiro cultural observa-se, ainda, a
forte presena de prticas musicais associadas tradio erudita europeia, representadas pelas
instituies de ensino como conservatrios e escolas de msica especializadas, bem como
pelos equipamentos culturais prprios dessas tradies, como os teatros e as casas de
espetculos. Nesse cenrio, as tradies musicais ligadas s igrejas evanglicas e catlicas
assumem um carter sui generis, que vo desde a tradio de bandas sinfnicas, orquestras de
igrejas e canto coral s ladainhas em latim e festas de santo que se espalham pela Amaznia.
Estudos realizados sobre tecnomelody (COSTA, CHADA, 2013) e Guitarradas (PAZ e
AMARAL, 2015) permitem observar os diversos trnsitos musicais no cenrio urbano de
Belm. O poeta e historiador Joo de Jesus Paes Loureiro pondera sobre o carter particular
do imaginrio amaznico que permeia o cotidiano urbano e rural da regio:
9
expresso que designa o mundo rural, embora inclua vila e povoados o
lugar das tenses prprias dessa sociedade onde os grupos humanos esto
dispersos ao longo de extenso espaos e onde se acham mergulhados numa
ideia vaga de infinitude, propiciadora de livre expanso do imaginrio.
Sobrevive nela uma conscincia individual pela qual o homem se realiza
como cocriador de um mundo em que o imaginal estetizante e poetizador se
revela como uma forma de celebrao total da vida (LOUREIRO, 2015, p.
79).
10
contexto regional mais amplo, buscando reconhecer, conectar e reforar laos com a
produo etnomusicolgica pan-amaznica em busca da superao de sua condio
subdisciplinar contempornea. com vistas identificao e divulgao dessa produo e
dos possveis pontos de interconexo que apresentamos a prxima seo.
11
problemticas especficas para Amrica Latina apontando questes como migrao e
disporas, raa e identidade, msica e globalizao, entre outros. Essas pesquisas se
diferenciam da vertente hegemonizada por serem pesquisas etnomusicolgicas latino-
americanas e no, simplesmente, pesquisas etnomusicolgicas na Amrica Latina.
Essa distino pode ser observada no artigo La cuenca amaznica: msicas populares
urbanas, de Afonso Dvila Riveiro (1988), que apresenta uma anlise sobre a regio
fronteiria Brasil, Peru e Colmbia a partir de uma perspectiva do processo histrico de
desenvolvimento regional na poca da borracha (caucho). Carlos Mansilla Vasquez tambm
tem se destacado por suas pesquisas na rea de arqueomusicologia das prticas musicais pr-
hispnicas no Peru, bem como o etnomusiclogo peruano Julio Mendivil (2002), radicado na
Alemanha, cuja tese de doutorado tambm se insere nessa rea. Tais estudos esto voltados
para a regio andina peruana.
Sobre a parte amaznica, h um ensaio de Dimas Arrieta Espinoza que realiza uma
reflexo de cantos dos povos Aguaruna e Shipiba a partir da anlise literria e lingustica,
visualizando a arte verbal destes povos. Beatriz Rossels faz um panorama dos estudos de
folclore na Bolvia e na Argentina, focalizando as prticas musicais indgenas. No Equador, o
etnomusiclogo Juan Mullo (2009) informa que tem havido o desenvolvimento de pesquisas
sobre msica andina e na rea amaznica, orientada por estudos de msica urbana,
migraes, pensamento andino, resistncia indgena e esttica das msicas populares e
tradicionais:
12
estejam norteando as pesquisas na rea a partir de um estudo comparado das produes
etnomusicolgicas nos pases limtrofes que compem a Pan-Amaznia, cuja breve reviso
bibliogrfica ofertada acima permite ver a variabilidade de focos e perspectivas bem como as
vertentes em comum. Tal busca oportunizar, ao mesmo tempo, situar as pesquisas e aes
ora realizadas nas instituies amaznicas j mencionadas a partir de uma perspectiva
transnacional, contribuindo assim, para o desenvolvimento da rea da etnomusicologia em
perspectiva decolonial e regional.
13
A primeira informao relevante a ser trazida e repensada concerne noo de que o
processo de institucionalizao da etnomusicologia nas Instituies de Ensino Superior do
Par pertence histria recente, com sua insero no Projeto Poltico Pedaggico do Curso
de Licenciatura Plena em Msica em 2008. Todavia, a trajetria de pesquisa na rea bem
anterior a esse processo, tendo o musiclogo, historiador, jornalista e antroplogo Vicente
Salles como uma referncia de alta importncia para a regio, sobretudo a partir de sua obra
de 1980, A msica e o tempo no Gro-Par".
O relativo desconhecimento sobre a obra de Vicente Salles contrasta com a ampla
visibilidade de autores do sul do pas e do exterior, mas que realizaram ou realizam pesquisas
na regio.
Outro aspecto importante que evidencia as dinmicas prprias da geopoltica do
conhecimento decorre do fato de que ao longo das dcadas dos anos 2000 foram realizadas
diversas dissertaes de mestrado e teses de doutorado na rea de etnomusicologia em razo
do processo de qualificao docente das universidades do Estado do Par e Federal do Par,
em programas interinstitucionais com a USP e a UFBA (BARROS, 2011). Essa produo
acadmica impulsionou novas pesquisas na rea e resultou em publicaes relevantes para a
pesquisa em msica no Par. As trilhas metodolgicas pelas quais caminharam as pesquisas
aqui apresentadas sobre a msica no Par trouxeram tona fontes primrias e secundrias
que devem servir continuidade desses estudos, ainda iniciais; ou seja, a existncia e
disponibilidade de msicos nativos em mostrar e falar de suas msicas e a referncia a obras
raras sobre a cultura musical paraense favorecem esses e outros pesquisadores no estudo para
o aprofundamento e a ampliao da escrita sobre a histria da msica paraense (VIEIRA e
IAZETTA, 2004, p. iv).
Por mais que se constitua num impulso inquestionvel da etnomusicologia paraense
importante notar que a colaborao interinstitucional favoreceu um olhar particularizante e
localizado para a etnomusicologia no estado. Das 14 dissertaes e teses produzidas no
PPGARTES, no mbito do Laboratrio de Etnomusicologia (Perodo entre 2009 e 2013),
importante observar que uma dedicou-se msica amerndia, 12 s expresses musicais no-
indgenas e uma a casos fora do estado.
Esses dados tornam ainda mais relevantes e promissoras as pesquisas
etnomusicolgicas conduzidas no Programa de Ps-Graduao em Antropologia Social da
UFAM e orientadas pela etnomusicloga Dra. Deise Lucy de Oliveira Montardo,
envolvendo, tambm, processos de formao de estudantes indgenas que desenvolvem, por
sua vez, pesquisas sobre suas prticas artsticas. Um exemplo a dissertao de May Anyely
Costa, antroploga ticuna, que faz um estudo etnogrfico da festa de iniciao feminina
Ticuna na aldeia Umaria I, em Tabatinga-AM (COSTA, 2015). Essas experincias de
formao e pesquisa com estudantes indgenas podem propiciar novos temas, metodologias e
crticas etnomusicologia diante da disciplinarizao ideolgica mais ampla e sua estrutura
de alteridade subjacente. O etnomusiclogo Hugo Ribeiro, ao descrever sua metodologia de
pesquisa entre guitarristas de rock em Aracaju, aponta o conceito de endoetnografia a partir
da perspectiva dos roqueiros (sendo ele prprio guitarrista de banda de rock e professor desse
instrumento) ao examinar msica produzida por eles mesmos (RIBEIRO, 2010). Esta questo
nos remete novamente aos horizontes da etnomusicologia colaborativa, a qual abordamos a
seguir a ttulo de concluso. Ainda sobre experincias de ensino intercultural na Universidade
Federal do Amazonas, o artigo de Joo Paulo Lima Barreto e Gilton Mendes dos Santos (s/d)
discute a contribuio das formas de pensar e produzir conhecimento indgenas na pesquisa
antropolgica num movimento em direo ao autoreferenciamento enquanto estratgia
etnogrfica, tambm ponderada por Jos Jorge de Carvalho em seu artigo O olhar
etnogrfico e a voz subalterna (2001). Ainda no estado do Amazonas, na Universidade do
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Estado do Amazonas (UEA), o etnomusiclogo Bernardo Thiago Mesquita tambm vem
desenvolvendo estudos sobre prticas musicais amaznicas no mbito do Curso de Msica.
Cabe observar, ainda, um vis experimental que o GPMIA vem adotando nos ltimos
dois anos denominado Experimentao Potica, cujos objetivos esto relacionados com as
sinapses e encontros interartes e subjetividades a partir de pesquisas diversas, sejam elas
etnogrficas ou no, coletivas ou individuais. Notadamente a partir dos projetos 21
experimentao potica, de carter etnogrfico e histrico, resultou numa obra que dialoga
com as reas da prosa, fotografia e msica; Eco do Sentido, obra que agrega poesia, criao
musical, fotografia e performance; e Ouvir e Ver o Marco da Lgua, de carter etnogrfico
com fim ltimo de mapeamento cultural do bairro do Marco, em Belm do Par, com
resultados poticos a partir de narrativa imagtico-sonora do espao urbano e com
intervenes artsticas por meio de varais fotogrficos nas ruas e canteiros da principal
avenida do bairro. Tal vertente de investigao busca, tambm, refletir sobre o lugar
epistemolgico do etnomusiclogo amaznico, muitas vezes ele mesmo artista e pesquisador.
15
entre 2011 e 2012 houve o atendimento s demandas dos Karipuna na Reserva
Indgena do Oiapoque quanto realizao de oficinas de msica por meio do PROINT Arte
em toda Parte: temas transversais como colaboradores sociais. Em 2012 foi realizado o
Ciclo de Estudos Etnomusicolgicos seminrios apresentados por membros do GPMIA e
GEMAM, com temas relacionados s pesquisas desenvolvidas nestes grupos, bem como os
Seminrios Internos do GPMIA, organizados pelo GPMIA e MPEG sobre pesquisas no Alto
Rio Negro;
em 2013 houve a realizao do Frum de Pesquisa em Artes pelo Programa de Ps-
Graduao em Artes com a participao de trs lderes indgenas desana do Alto Rio Negro
para compor a mesa redonda sobre prticas musicais do Alto Rio Negro, juntamente com
pesquisadores da rea;
por meio de uma experincia do Departamento de Antropologia da UFPA, a convite
do Observatrio da Educao Indgena foi ofertada a disciplina Tpicos em
Etnomusicologia no Curso de Especializao em Populaes Indgenas da Amaznia com
o objetivo de refletir sobre a aplicao da lei 11.645/2008. O curso foi voltado para
professores da educao bsica, entre eles, professores indgenas;
em 2014, foi realizado o projeto Encontro de Saberes na Escola de Msica da
UFPA e no programa de Ps-Graduao em Artes da UFPA nas disciplinas Sociologia da
Msica e Seminrios Avanados III Encontro de Saberes, respectivamente, a partir de
uma parceria com a Universidade de Braslia por meio do Instituto Nacional de Cincia e
Tecnologia de Incluso no Ensino Superior e na Pesquisa10, tambm conhecido como INCTI
de Incluso. Esse projeto oportunizou a participao dos mestres Beto, amo do Boi-Bumb
Estrela Dalva, da mestra Iracema Oliveira, Guardi do Cordo de Pssaro Tucano, do mestre
de carimb Lucas Bragana e do mestre indgena Tixnair Temb como ministrantes das
referidas disciplinas, implementando sua maneira de conceber msica e sua metodologia de
ensino de msica. Essa inovao metodolgica permitiu novas formas de viver/sentir e fazer
msica bem como oportunizou a reflexo sobre diversas questes relacionadas
etnomusicologia.
Finalmente, deve-se destacar o projeto Cartografia Musical do Par conhecer e
valorizar a diversidade musical. O projeto vinculado aos Grupos de Pesquisa Msica e
Identidade na Amaznia GPMIA e Estudos Musicais do Par GEMPA, este projeto
coordenado pela professora Sonia Chada. O desenvolvimento do projeto se d, inicialmente,
por meio da busca de inventrios j realizados pelas instituies do estado; por meio de
projetos de pesquisa associados ao desenvolvimento das disciplinas Introduo
Etnomusicologia e Sociologia da Msica, pelas quais Chada e Barros so responsveis; de
sub-projetos realizados no mbito dos referidos grupos de pesquisa; pelos trabalhos de
concluso de curso realizados no mbito dos cursos regulares de msica da UFPA e dentro do
Programa PARFOR e das dissertaes de mestrado.
Consideraes finais
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populaes. Estudos na rea de arqueomusicologia sobre a prtica musical tapajnica
demonstram a relevncia da msica para aquela sociedade, seja relacionada com as prticas
xamnicas ou a manuteno da estabilidade social. A msica tambm pode estar associada
resistncia e luta, como o caso dos povos indgenas do Alto Rio Negro.
H necessidade de observar a formao dos professores que iro atuar nas aldeias
indgenas e grupos quilombolas e oportunizar a formao de lideranas indgenas e
quilombolas como Licenciados em Msica ou atribuio de outra licena para que os mesmos
sejam professores nas suas escolas; bem como a preparao dos professores de msica por
meio das licenciaturas e do PARFOR para atuar nas comunidades tradicionais especficas.
Assim, deve-se observar a importncia do PARFOR no contexto de discusso sobre o ensino
de msica nas escolas nos interiores da Amaznia. Em 2013 houve uma jornada de TCCs do
Curso de Licenciatura em Msica do PARFOR Capanema (PA) na qual diversos temas
ligados etnomusicologia e educao musical, em dilogo, oportunizaram a explorao das
questes polticas e ideolgicas que perpassam a gesto escolar nos interiores, incluindo a
organizao curricular e a prtica musical nestas escolas.
Por fim, deve-se pensar nas questes de especificidade e legitimidade das msicas
indgenas e quilombolas e observar os diferentes contextos sonoros das aldeias indgenas,
considerando os processos de atualizao de repertrios e dilogos interculturais que
oportunizam o surgimento de repertrios musicais novos e/ou interpretaes de repertrios
veiculados em diversas mdias (algumas vezes as populaes que consomem e praticam
estilos musicais difundidos na mdia no so vistas como legtimas pela populao leiga) e
observar as especificidades das prticas musicais indgenas e quilombolas na elaborao dos
Projetos Pedaggicos de Cursos.
Diante do exposto anteriormente, eixos temticos como etnomusicologia e estudos
decoloniais, arqueomusicologia, questes de gnero, cibercultura e movimentos sociais na
Amaznia constituem roteiro/quadro de temas e projetos a serem desenvolvidos com vistas a
articular os horizontes decoloniais acima tratados e promover a urgente reorientao da
etnomusicologia pan-amaznica de modo a propiciar encontros interculturais,
reconhecimento de tradies e epistemes e protagonismo cultural. Enfim, espera-se que as
discusses, revises, informaes e propostas aqui apresentadas contribuam para instigar
encontros, entrelaamentos e perspectivas que restituam etnomusicologia sua condio
interdisciplinar, com status autnomo no campo musicolgico. Afinal, no h por que fazer
dos saberes, sentidos e prticas musicais amaznidas um campo subordinado do
conhecimento cientfico ocidental. A colaborao com os sujeitos locais tem ensinado que a
arte amerndia, bem como a de outros povos, comunidades e grupos no necessariamente
importante pelo fato de poder ser etnicizada, mas sim porque fundamentalmente cultura.
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