Artigo Maria Regina Maluf

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Ensinar a Ler: Progressos da Psicologia no Sculo


XXI

Article in Boletim Academia Paulista de Psicologia December 2015

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Maria Regina Maluf


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Boletim Academia Paulista de Psicologia
ISSN: 1415-711X
[email protected]
Academia Paulista de Psicologia
Brasil

Maluf, Maria Regina


Ensinar a Ler: Progressos da Psicologia no Sculo XXI
Boletim Academia Paulista de Psicologia, vol. 35, nm. 89, julio-diciembre, 2015, pp. 309-
324
Academia Paulista de Psicologia
So Paulo, Brasil

Disponvel em: http://www.redalyc.org/articulo.oa?id=94643848005

Como citar este artigo


Nmero completo
Sistema de Informao Cientfica
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Bol. Acad. Paulista de Psicologia, So Paulo, Brasil - V. 35, no 89, p. 309-324

Ensinar a Ler: Progressos da Psicologia no Sculo XXI


The Teaching of Reading: Developments in Psychology in the XXI Century
La Enseanza de la Lectura: Evolucin de la Psicologa en el Siglo XXI
Maria Regina Maluf1
Pontifcia Universidade Catlica de So Paulo - PUCSP

Este artigo baseia-se parcialmente na conferncia feita no XXXIV Congresso


Interamericano de Psicologia, que teve lugar em Braslia, julho de 2013.

Resumo: A Cincia da Leitura, que incorpora contribuies da Psicologia Cognitiva e


das Neurocincias, constituiu-se nos ltimos 40 anos e vem despertando crescente
interesse em todas as instncias responsveis pelo ensino da leitura. Embora os sistemas
alfabticos de escrita remontem a trs mil anos A. C., grande parte da humanidade
ainda no domina a linguagem escrita e isso ocorre em associao com situaes de
pobreza. Decodificao, ortografia, fluncia e compreenso so grandes desafios a
serem vencidos na conquista da leitura precisa e fluente, em um processo diretamente
relacionado aos mtodos de ensino utilizados. Debates em torno dessas questes
ocuparam grande parte do sculo XX e ainda ocupam a cena educacional brasileira.
Qual o melhor modo de ensinar a ler com sucesso? Expe-se aqui a tese de que a
Cincia da Leitura logrou avanos que vm permitindo compreender como funciona o
crebro humano na aprendizagem da leitura em sistemas alfabtico-ortogrficos, as
peculiaridades dos diferentes idiomas e os elementos que deveriam compor as bases de
um programa efetivo de ensino da leitura.

Palavras-chave: cincia da leitura; sistema alfabtico; psicologia cognitiva; alfabetizao.

Abstract: The Science of Reading, which incorporates contributions from Cognitive


Psychology and Neuroscience, has been formed in the past 40 years and can tell us
much about how to teach reading. The earliest writings date back to five thousand
years and alphabetic systems of writing to three thousand years B.C. However, much
of humanity has not yet mastered the written word and this is associated with living in
poverty. Decoding, spelling, fluency and comprehension are the major challenges faced
by learners with difficulties. What do these skills have to do with teaching methods, the
nature of the writing system, or with something inherent to the child? Debates about
these issues occupied much of the twentieth century and are still present these days.
What is the best way to teach reading successfully? Although there is no conclusive
answer, there is abundant evidence and a huge amount of data to answer this question.
Such evidence shows us what helps and what does not, and why. The Science of
Reading can tell us much about the nature of reading in alphabetic systems, the
peculiarities of different languages and the elements that should make up the foundation
of an effective program of teaching the written language. It enables us to understand

1
Maria Regina Maluf doutora em Psicologia pela Universit Catholique de Louvain, com ps-
doutorado na University of California (UCLA) e no Institut National de la Recherche Pdagogique,
INRP-CRESAS, Paris. Professora titular da Pontificia Universidade Catlica de So Paulo, miembro
do Conselho director da International Association of Applied Psychology, membro da Academia
Paulista de Psicologa. Endereo para correspondencia: Rua Dr. Renato Paes de Barros, 227 apto.
12. CEP: 04530-000 So Paulo. Tel. 11-99986.3915. Email: [email protected] 309
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how the human brain works when exposed to reading and how the structure of the
alphabetic code, used to spell the different languages, affects the process of teaching
to read and write.

Keywords: the science of reading, cognitive psychology; literacy.

Resumen: La Ciencia de la Lectura, que incorpora las aportaciones de la Psicologa


Cognitiva y de las Neurociencias, se desarroll en los ltimos 40 aos y tiene mucho
que decirnos acerca de cmo ensear a leer. Los primeros sistema de escritura han
sido inventados hace cinco mil aos y los sistemas de escritura alfabtica surgieron
despus, hace ms o menos tres mil aos. Sin embargo, gran parte de la humanidad
todava no ha accedido a la palabra escrita y eso ocurre en correlacin con la situacin
de pobreza. Decodificacin, ortografa, fluidez y comprensin son los principales
desafos que enfrentan los estudiantes con dificultades en la adquisicin del lenguaje
escrito. Se puede preguntar: estas habilidades tienen algo que ver con los mtodos de
enseanza, con la naturaleza del sistema de escritura, o con algo inherente al nio?
Los debates sobre estos temas ocuparon buena parte del siglo XX y todava estn
presentes en nuestros medios de comunicacin.Cul es la mejor manera de ensear
a leer con xito? Aunque no hay todava una respuesta definitiva, se tiene ahora mismo
evidencia abundante y gran cantidad de datos para responder a estas preguntas. La
Ciencia de la Lectura nos permite entender cmo funciona el cerebro humano cuando
se expone a la lectura y la forma como la estructura del cdigo alfabtico, utilizado
para el registro en diferentes idiomas, afecta el proceso de enseanza de la lectura y
de la escritura.

Palabras clave: ciencia de la lectura, psicologa cognitiva, alfabetizacin.

Introduo
Como podemos ensinar com sucesso a ler e a escrever? A resposta a essa
questo envolve um dos mais acirrados e politizados debates na rea da educao
(Chall, 1967; Adams, 1999). Ler o primeiro passo no percurso escolar das
crianas. Aprender na escola a ler e a escrever de vital importncia para todas
as crianas no mundo de hoje, mas ainda mais importante para as crianas de
meios socialmente vulnerveis, para as quais a instituio escolar muitas vezes
a nica referncia no seu processo de aprendizagem (sobre a importncia da
escolarizao inicial veja-se, por exemplo, o n.1da srie Child development in
developing countries, de Grantham-McGregor e colaboradores, 2007).
Para ter sucesso na escola as crianas precisam receber ensino apropriado
s suas caractersticas e necessidades. Dispomos hoje de abundantes evidncias
de que muitas crianas, sobretudo aquelas provenientes de famlias em risco
social, enfrentam dificuldades na escola e no recebem ensino de qualidade,
adequado s suas necessidades. Os progressos da Psicologia vm permitindo
conhecer os diferentes estilos de aprendizagem das crianas, o papel dos fatores
biolgicos e o papel do contexto social, de maneira muito mais precisa do que se

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conhecia. Compreender e utilizar as implicaes pedaggicas desse conhecimento


baseado em evidncias hoje um dos maiores desafios enfrentados por
educadores, professores e responsveis por polticas pblicas, que tm em suas
mos o poder de decidir sobre programas e prticas de ensino que atingem as
escolas diretamente e em larga escala.
O carter predominantemente ideolgico e politizado das discusses a
respeito do ensino da linguagem escrita muitas vezes dificultou ou impediu a
tomada de decises baseadas em evidncias de pesquisas (Adams, 1999; Brasil,
Comisso de Educao e Cultura da Cmara dos Deputados, 2003). Apesar dessa
dificuldade o avano dos conhecimentos nos ltimos 40 anos a respeito dos
processos de aprendizagem da leitura e suas bases neuronais, gerou fatos novos
que permitiram a emergncia da Cincia da Leitura, que incorpora contribuies
da Psicologia Cognitiva e das Neurocincias.
Trata-se de entender como lemos, como aprendemos a ler, e,
consequentemente, de oferecer subsdios para a utilizao dos mtodos mais
eficazes para o ensino bem sucedido da linguagem escrita.

A natureza de nosso sistema de escrita


Em portugus assim como em ingls, francs, espanhol utilizamos um
dos sistemas de escrita alfabtica disponveis na atualidade: o latino. O alfabeto
latino originou-se do alfabeto grego, que por sua vez uma forma modificada do
alfabeto fencio, ao qual os gregos acrescentaram as vogais (Coulmas, 1989).
Um alfabeto um conjunto padro de letras, isto , de smbolos escritos,
que so utilizados para representar os sons da fala. Nosso alfabeto latino
constitudo por 26 letras, sendo cinco vogais e 21 consoantes, discriminadas em
uma sequncia constante, e serve tambm para fins prticos de designao de
objetos em ordem alfabtica: A B C D E F G H I J K L M N O P Q R S T U V W X Y
Z. Lembremos que em portugus so tambm utilizados outros sinais, conhecidos
como diacrticos, que modificam os sons das letras aumentando a chance de
representao satisfatria da fala, mas no se constituem em letras novas (e.g. ~
^ ). Aprender as letras do alfabeto o primeiro passo a ser dado pelos aprendizes
do sistema alfabtico-ortogrfico de escrita (Adams, 1999).
A Psicologia Cognitiva da Leitura prope-se a desvelar o caminho a ser
percorrido pelo aprendiz desde os primeiros passos at a leitura fluente e precisa.
percorrendo diferentes etapas ou fases da leitura que chegamos a ser leitores
hbeis, capazes de usufruir da leitura como prtica voltada para os mais diversos
fins, tanto individuais quanto sociais.
Para aceder prtica da leitura no suficiente conviver com leitores em
uma cultura letrada. Ao contrrio, e diferentemente do que ocorre com o
desenvolvimento da linguagem oral, a aprendizagem do sistema alfabtico-
ortogrfico de escrita exige mediadores que possam desvelar para o aprendiz o
significado e o modo de uso desse sistema de representao grfica da fala que

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a escrita alfabtica. Enquanto que a fala um produto da evoluo biolgica, a


inveno da escrita s veio a ocorrer nos ltimos milnios e vista, nos dias de
hoje, como sendo uma das maiores invenes encontradas na histria da
humanidade. Ela tornou possvel escrever a histria humana utilizando smbolos
grficos que permanecem e podem ser interpretados por diferentes pessoas em
diferentes tempos e lugares (sobre a histria da escrita e dos sistemas alfabticos
de escrita veja-se, por exemplo, Adams, 1999 e Robinson, 1995).
A maior parte dos historiadores admite que a inveno da escrita tem cerca
de 5 mil anos e suas origens parecem encontrar-se na Mesopotmia. Os primeiros
smbolos escritos so os pictogramas, isto , desenhos que representam objetos
concretos. Esses smbolos pictogrficos evoluram na direo de escritas
alfabticas, ou seja, de escritas que passaram a utilizar somente sinais para
representar os sons da fala. Enfatizamos somente sinais, porque os sistemas
de escrita de alguma forma inserem a representao do som por meio de sinais.
Robinson (1995) relata como se deu o deciframento da Pedra Rosetta, encontrada
no Egito em 1799 por soldados franceses, e que talvez a inscrio mais famosa
do mundo: ela continha trs inscries, aparentemente da mesma mensagem.
Seu deciframento s ocorreu em 1823, aps numerosas tentativas, e avanou
definitivamente quando Jean-Franois Champollion aceitou a premissa de que a
escrita hieroglfica, que usava sinais com valor semntico, utilizava tambm alguns
sinais com valor sonoro. At ento se acreditava que as escritas eram semnticas
ou fonolgicas, no se aceitando que pudessem ser mistas. Assim, muitos
estudiosos admitem hoje que um momento essencial da evoluo da escrita foi a
descoberta do princpio rebus, ou seja, o surgimento da ideia de que um smbolo
pictogrfico poderia ser usado por seu valor fontico. O princpio rebus ainda
utilizado quando, por exemplo, produzimos o desenho de um sol ao lado do
desenho de um dado para significar a palavra soldado. Assim, a inveno humana
que possibilitou grafar os sons da fala (fonemas) utilizando sinais (grafemas),
deve ser vista como estando na origem dos sistemas alfabticos de escrita e
parece ter ocorrido h cerca de 3800 anos.
Aprender a ler e escrever um tipo de aprendizagem que no deriva da
simples exposio a materiais escritos. Para que cada indivduo possa construir
sua prpria leitura, utilizando para isso o alfabeto, necessrio que ele passe por
um processo de alfabetizao, que o levar a descobrir e compreender o princpio
alfabtico utilizado para produzir as escritas que ele ser capaz de ler.
Assim, o primeiro passo do aprendiz do sistema de escrita alfabtica consiste
em conhecer as letras. Mas, preciso aprender que as letras representam sons,
ou seja, aprender as correspondncias entre grafemas e fonemas, necessrias
para compreender o princpio alfabtico. A compreenso do princpio alfabtico
de escrita, que exige o entendimento de que grafemas representam fonemas, o
passo essencial para que a criana possa progredir em sua aprendizagem. A
criana precisa entender que as palavras que falamos so constitudas por

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unidades de sons, que so os fonemas. Quando lemos, convertemos sequncias


de letras em sons. o processamento cognitivo que converte essas sequncias
de letras em sons e permite chegar compreenso. A leitura fluente e
compreensiva tem em sua base o domnio do cdigo alfabtico. Dessa base
depende a rapidez e eficincia no processo de transformao de letras em sons
(decodificao e reconhecimento de palavras) e de sons em letras (codificao e
produo de palavras escritas).
Em portugus brasileiro, como em outras escritas alfabticas, a combinao
de vogais e consoantes permite a escrita no nvel do fonema, uma vez que essa
escrita utiliza grafemas (compostos por uma ou por duas letras, e. g. /x/ pode ser
representa-do por x ou ch) para a representao de sons individuais, os fonemas.
Assim, o uso do sistema alfabtico implica na adoo de uma ortografia que dita
regras de combinao de letras para representar os sons da lngua falada. Da a
importncia da ortografia e de seu ensino.
Contudo, necessrio lembrar que no existem ortografias perfeitamente
fonmicas, isto , que mantenham uma consistncia biunvoca de correspondncia
entre as letras e os fonemas, de modo a permitir prever com toda exatido a
pronncia a partir da grafia ou a grafia a partir da pronncia (Morais, 2013). O
que ocorre que algumas lnguas esto mais prximas dessa correspondncia
ideal (e.g. finlands, espanhol) enquanto que outras esto muito mais distantes
(e.g. ingls, francs). O portugus pode ser considerado como ocupando uma
posio entre o francs e o espanhol (Ziegler & Goswami, 2005). Assim, uma
mesma letra pode corresponder a fonemas diferentes, dependendo da lngua
que ela est representando: por exemplo, a letra j em portugus e em espanhol
representa sons diferentes; a mesma letra pode representar sons diferentes se
usada em contextos diversos, como ocorre com o n em nada e em anda. E letras
diferentes podem corresponder ao mesmo fonema: s de sinto, c de cinto, de ao
e ss de passe. Um fonema pode ser realizado por meio de muitas letras; /ch/ em
ch; /o/ em eaux (em francs). Aprende-se a ler e a escrever em uma determinada
lngua, o que per-mite utilizar as regras de combinao entre fonemas e grafemas
prprias dessa lngua. Lemle (1991) deu excelente contribuio aos professores
alfabetizadores brasileiros com seu livro Guia Terico do Alfabetizador, que fornece
em termos prticos e muito bem fundamentados, subsdios da maior importncia
e utilidade para o ensino bem sucedido da linguagem escrita brasileira.
Morais, Leite e Kolinsky (2013) explicam que em portugus aprendemos a
ler em um sistema alfabtico, aquele em que a linguagem representada ao nvel
da sua estrutura fonmica. E consideram trs condies sequenciais nesse
processo de aprender a ler. A primeira compreender o princpio alfabtico, ou
princpio de correspondncia entre fonemas e grafemas. A segunda consiste em
adquirir, progressivamente, o conhecimento do cdigo ortogrfico da lngua, isto
, o conjunto de regras de correspondncia entre grafemas e fonemas que foi
historicamente constitudo para a lngua em questo, e dominar os procedimentos

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para codificar e decodificar as palavras. Finalmente a terceira condio consiste


em formar um lxico mental ortogrfico, que o conjunto das representaes
mentais estruturadas da ortografia das palavras que conhecemos e que
armazenamos no nosso crebro.
Essa terceira condio est presente na leitura feita por um leitor hbil,
pois as representaes estruturadas da ortografia das palavras j esto alojadas
na sua memria de longo prazo e so acessadas automaticamente, o que permite
o reconhecimento de palavras e a compreenso leitora. Essa , para a Cincia
da Leitura, a forma como os leitores hbeis geralmente leem. Trata-se, portanto,
de uma progresso na aprendizagem que comea com a compreenso e uso do
sistema alfabtico e vai permitir a evoluo na direo da leitura fluente, precisa,
compreensiva e consequentemente prazerosa.
Esse processo pelo qual se aprende a reconhecer palavras explicado por
Ehri (2013), quando descreve as quatro fases de leitura que, segundo ela, surgem
durante a aprendizagem: pr-alfabtica, alfabtica parcial, alfabtica completa e
alfabtica conso-lidada. Na fase alfabtica consolidada, a viso da palavra no
momento da leitura que ativa sua pronncia e seu significado na memria. Esse
processamento possvel porque a palavra j foi lida anteriormente e sua grafia
j foi armazenada na memria de longo prazo. Assim a leitura pode ocorrer com
rapidez e preciso, pois a palavra lida imedia-tamente por reconhecimento
automatizado, como uma unidade inteira.
Mesmo com os limites e dificuldades das relaes entre a fonologia e a
ortografia, a inveno da escrita alfabtica foi revolucionria na histria, por ter
permitido uma forma de representao com enormes vantagens de clareza e
facilidade, quando comparada s escritas precedentes (Morais, 2013). Utilizando
um nmero relativamente pequeno de smbolos, a escrita alfabtica permitiu
representar tudo o que falado. Assim a inveno da escrita alfabtica exerceu
um papel democrtico na histria, facilitando o acesso a muitas mais pessoas.
Nas palavras de Diringer (1968), a escrita alfabtica permitiu uma escrita popular,
por oposio s escritas teocrticas precedentes.

Um sculo de debates sobre os mtodos de alfabetizao


Fornecer as condies necessrias para que todas as crianas possam
aprender a ler com preciso e fluncia tem que ser o primeiro objetivo de sistemas
educacionais comprometidos com a justia social e a construo da cidadania.
um dever do Brasil, signatrio da Declarao Universal dos Direitos Humanos,
que em seu artigo 26 reza: a educao um direito de todas as pessoas e tem
por objetivo o pleno desenvolvimento da personalidade humana e o fortalecimento
do respeito aos direitos humanos e s liberdades fundamentais. Ensinar a ler
uma tarefa prioritria da escola.
O debate acerca de como ensinar a ler e escrever tornou-se mais forte e
frequente a partir da primeira metade do sculo XX, com a democratizao do

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acesso s escolas, a gratuidade do ensino e a aceitao da ideia de escola para


todos.
Uma das contribuies reconhecidas como tendo sido fundamental para o
avano das discusses acerca dos melhores mtodos de ensino da linguagem
escrita encontra-se no livro de Jeanne Chall, Learning to Read: The Great Debate
(1967). Partindo da constatao de que, aps milhares de estudos at ento
realizados, continuava sendo impossvel afirmar com algum grau de confiana
que um mtodo se mostrava melhor do que outro para ensinar a ler e a escrever,
Chall empreendeu, nos Estados Unidos, uma vasta e cuidadosa pesquisa sobre
mtodos de alfabetizao nas escolas, cobrindo o perodo de 1962 a 1965. Como
antecedentes, Chall (1967, p. 3) refere as controvrsias que emergiram em 1955,
nos Estados Unidos com fortes reflexos na Inglaterra, quando foi publicado o livro
de Rudolf Fleschs, Why Johnny cant Read (Porque Johnny no consegue ler),
que provocou tempestades de reaes acaloradas, tanto de aceitao quanto de
rejeio. Flesch desafiava as prticas dominantes, que pretendiam iniciar as
crianas na leitura por meio de mtodos que valorizavam a viso (Sight Methods).
Em contraposio ele propunha o retorno abordagem fnica por meio do ensino
das correspondncias entre letras e sons. Alguns anos depois, em 1958 e em
1961, duas outras publicaes se tornaram best-sellers: o livro escrito por Sibyl
Terman e Charles Walcutts, Reading: Chaos and Cure (Leitura: Caos e Cura) e
o de Walcutt, Tomorrows Illiterate (Os Analfabetos de Amanh). Neles era feita a
mesma crtica aos mtodos que enfatizavam a memorizao das caractersticas
visuais das palavras, mostrando que tais mtodos estavam equivocados. A
controvrsia continuou nos Estados Unidos e tambm na Inglaterra, com
publicaes semelhantes. Cresceu ento a exigncia de pesquisas que
fornecessem evidncias mais consistentes e completas.
Nesse contexto o projeto de pesquisa de Chall, que se dispunha a analisar
criticamente as diferentes abordagens utilizadas na iniciao leitura nas escolas
dos Estados Unidos foi bem recebido e aceito para financiamento. Para execuo
desse projeto foram visitadas escolas, analisados os materiais, acompanhado o
trabalho de muitos professores e feitas comparaes experimentais. Os resultados
trouxeram contribuies que mostraram claras vantagens dos procedimentos de
instruo fnica sobre os mtodos globais que ressaltavam as caractersticas
visuais das palavras. Esses foram achados pioneiros obtidos na dcada de 60,
que tm uma grande importncia histrica e tambm um grande interesse
pedaggico atual, visto que, em muitos aspectos, as vantagens da instruo fnica
foram reforadas pelos resultados mais recentes da Psicologia Cognitiva da Leitura
(Adams, 1999).
Alm das evidncias produzidas por pesquisas realizadas, sobretudo em
ingls, sobre aprendizagem inicial da escrita (e.g. Snowling & Hulme, 2010),
investigaes feitas em outras lnguas vm gerando resultados que reforam teses

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da Psicologia Cognitiva da Leitura e tm implicaes prticas que sustentam as


vantagens da instruo fnica sobre outras prticas de ensino (e.g. Cardoso-
Martins, 2013; Defior & Herrera-Torres, 2003; Gombert, 1990; Maluf, 2003; Maluf
& Guimares, 2008; Marin & Legros, 2008; Romdhane, Gombert & Belajouza,
2003). Por outro lado, novos recursos metodolgicos, como por exemplo, o uso
de imagens cerebrais (Dehaene, 2009; 2012; Ferrand & Ayora, 2009), esto
trazendo importantes contribuies e delineando as bases conceituais da Cincia
da Leitura.
Em pases de economia avanada grandes esforos costumam ser feitos
para reunir pesquisadores e professores e definir programas de governo para as
escolas, na busca da melhor resposta sobre como ensinar a ler e a escrever.
Dentre as vrias aes que poderiam ser lembradas registramos, por exemplo,
nos Estados Unidos o NICHD, National Institute of Child Health and Human
Development (2000), que tornou pblico o relatrio conhecido como National
Reading Panel, cuja sntese dos principais resultados pode ser vista em Ehri,
Nunes, Stahl e Willows (2001) e que teve continuidade atravs do National Early
Literacy Panel (NELP, 2008). Na Frana o ONL, Observatoire National de la
Lecture encarrega-se de reunir resultados de pesquisas que inspiram as
orientaes governamentais para as escolas (e.g. ONL, 1998; ONL, 2003). Em
1998 o relatrio Apprendre Lire desencadeou debates e aes em todo o pas
que resultaram em novas tendncias de aplicao de prticas fnicas no ensino
inicial. Na Inglaterra o relatrio National Literacy Strategy: Review of Research
and other Related Evidence (Beard, 1999; Beard, 2000) foi a raiz de grandes
mudanas nas prticas de ensino adotadas nas escolas. Em Portugal foi
desenvolvido e avaliado o Plano Nacional de Leitura (Costa, Pegado, vila &
Coelho, 2011; Morais, Araujo, Leite, Carvalho, Fernandes & Querido, 2010), que
possui clara orientao cognitiva e baseado em teses coerentes com as que
vm sendo sustentadas pela Cincia da Leitura.
No Brasil ainda esto em vigor os PCNs, Parmetros Curriculares Nacionais
(Brasil, 1997 e 1998), elaborados sob a coordenao do Ministrio de Educao
e Cultura. Esses documentos endossam uma concepo de aquisio da
linguagem escrita que essencialmente compatvel com as ideias dos mtodos
globais (whole language), que valorizam a viso em detrimento das
correspondncias entre letras e sons. Essa concepo encontra sustentao
terica nas teses de Ben Goodman (1965; 1968) e de Frank Smith (1971; 1973) e
mais conhecida entre ns como construtivismo. Est fortemente associada s
concepes de Emilia Ferreiro (Ferreiro & Teberosky, 1979), que defende a
hiptese da psicognese da lngua escrita fazendo uso da noo piagetiana de
estgio de desenvolvimento, porm aplicando-a aprendizagem do sistema de
escrita. As hipteses tericas sobre uma psicognese da lngua escrita foram
amplamente aceitas no Brasil, tanto em polticas pblicas quanto em escolas da

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rede privada, desde a dcada de 80. O mesmo ocorreu em outros pases da


Amrica Latina, como por exemplo, Argentina e Venezuela. No ocorreu o mesmo
em pases com grande tradio de pesquisa, onde so fortes as exigncias de
evidncias e comprovaes empricas de resultados. As avaliaes em larga escala
a respeito da aprendizagem da linguagem escrita nas escolas brasileiras so
dramticas, quer se trate das feitas pelo Governo Federal, como o SAEB (Sistema
de Avaliao da Educao Bsica) ou das feitas por governos estaduais, como
por exemplo o SAERJ (Rio de Janeiro), SARESP (So Paulo) e SIMAVE (Minas
Gerais).
No Brasil, assim como na maioria dos pases da Amrica Latina, o debate
acerca dos melhores mtodos para ensinar a ler ainda no ocorreu sobre bases
amplamente fundamentadas em evidncias de pesquisas. Consequentemente,
ainda predominam preferncias independentes dos resultados obtidos na aplicao
dos mtodos de ensino da linguagem escrita preferidos no discurso. Um exemplo
desse fenmeno pode ser visto em um artigo publicado no Brasil em 2009 (Castedo
& Torres, 2011). Nele encontra-se a proposta declarada de traar um panorama
das teorias de alfabetizao na Amrica Latina nas dcadas de 1980 a 2010. Ao
longo do texto as autoras comparam trs enfoques (linguagem integral, psicologia
cognitiva, psicognese segundo Emilia Ferreiro) que, em seu entender, do conta
das prticas de ensino mais utilizadas. Na ausncia de avaliaes de resultados
em grande escala, as autoras atribuem o maior mrito ao terceiro enfoque, a
psicognese segundo Emilia Ferreiro, designando-a como sendo contra a reduo
da lngua escrita a um cdigo de correspondncias e enfatizando que Ferreiro
no se refere apenas produo de marcas grficas por parte das crianas mas
tambm interpretao dessas marcas grficas. A fragilidade e a confuso
conceitual presentes nesse tipo de escrito falam por si ss, mormente quando
nos deparamos com os atrasos e insuficincias dos resultados do ensino inicial
da linguagem escrita, funda-mentados nesse enfoque, e j sobejamente percebidos
nas avaliaes e censos dos pases que ainda adotam prticas excludentes da
instruo fnica, como ainda ocorre no Brasil e em outros pases da Amrica
Latina.
Recentemente o Governo Brasileiro apresentou ao Pas, para amplo debate,
a verso inicial do que dever vir a ser a Base Nacional Comum Curricular (BNCC).
O documento apresentado em cinco grandes ncleos que pretendem envolver
todas as reas do conhecimento a serem trabalhadas no ensino fundamental
(Brasil, 2015). Espera-se que o documento favorea os programas e polticas
nacionais e locais voltadas para a alfabetizao, vista hoje como drama nacional.
Nos pases de economia avanada e com melhores resultados na iniciao
leitura, a predominncia do paradigma de ensino inicial da linguagem escrita
baseado nas teses da linguagem total foi diminuindo nos anos 90. E restringiu-se
ainda mais na primeira dcada do sculo XXI. As avaliaes da aprendizagem

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feitas por rgos internacionais (e.g. PISA, Program for International Student
Assessment) que permitem comparaes, e as avaliaes nacionais, feitas por
pases que implantaram programas com nfase na instruo fnica, apontaram
melhores resultados associados aos procedimentos fnicos, em diferentes formas
concretas (anlises que referem alguns aspectos dessa mudana de enfoque
podem ser encontradas em Tobias & Duffy, 2009, organizadores da obra
Constructivist Instruction: Success or Failure?). De acordo com as evidncias
relatadas por Tunmer (2013), as crianas que dispem de pouco capital cultural
letrado so as que mais se beneficiam da instruo fnica. Estas so crianas
que possuem experincias reduzidas de literacia na famlia, poucas oportunidades
de aprendizagem implcita, e as que mais dependem da escola para aprender.
O movimento de mudana de mtodos baseados na linguagem total para
procedimentos que enfatizam a instruo fnica no parece ter se estendido aos
pases da Am-rica Latina, ao menos de forma predominante. Nesses pases o
enfoque psicogentico de Emilia Ferreiro inspirou polticas pblicas e dominou
em muitas escolas na dcada de 80, e continua a exercer ainda grande influncia.
O modo como os adeptos do modelo psicogentico (ou construtivista) se
referem linguagem escrita como expresso da cultura e da criatividade individual
exerceu e continua a exercer grande fascnio. Contudo suas teses trazem
resultados decepcionantes quando sustentam programas de alfabetizao. Dito
em outras palavras, dificilmente encontram comprovao quando submetidas
prova emprica, sobretudo no ensino de crianas socialmente vulnerveis, que
no encontram na famlia suportes e ajudas de pais e familiares leitores hbeis.
O que de fato se vem verificando que as crianas submetidas a
procedimentos de ensino que valorizam a descoberta ou construo da linguagem
escrita em detrimento do ensino explcito da natureza do cdigo alfabtico de
escrita obtm desempenho claramente inferior ao apresentado pelas crianas
que recebem ensino explcito das relaes entre fonemas e grafemas (sobre essa
questo veja-se, por exemplo, Adams, 1999; Dehaene, 2012; McCardle & Chhabra,
2004; Brasil, 2003).

Evidncias convergentes nas pesquisas sobre linguagem escrita


Numerosas pesquisas, realizadas em diferentes lnguas, esto produzindo
evidncias que mostram as relaes entre a cognio humana e a capacidade de
leitura, os possveis efeitos da aprendizagem da leitura sobre outras capacidades
cognitivas e as especificidades do processo de aprender a ler e a escrever em
sistemas alfabticos (e. g. Morais e Kolinski, 2010). Desse ponto de vista, aprender
a ler e a escrever um processo que contm ao menos dois componentes
essenciais: o domnio do cdigo alfabtico (letras e combinaes de letras para
produzir os sons da fala) e a compreenso (habilidade que dependente da
aquisio da linguagem oral receptiva e expressiva). Assim, para aprender a ler e

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a compreender o que se l, preciso adquirir conscincia explcita da estrutura


da linguagem oral, em outras palavras, adquirir habilidades metalingusticas. So
elas que facilitaro a aquisio e uso do princpio alfabtico, entendido como
conhecimento do fato de que as formas grficas, a saber, as letras, representam
segmentos fonmicos da fala, de tal modo que letras representam sons e a
combinao de letras forma palavras, as quais so unidades significativas da
fala.
Os procedimentos de ensino da linguagem escrita devem permitir aos
aprendizes o desenvolvimento da metalinguagem, isto , da capacidade de tomar
conscincia e refletir sobre a fala (Gombert, 1990), uma vez que as habilidades
metalingusticas esto fortemente associadas aprendizagem da leitura em
sistemas alfabticos e seu desenvolvimento pode ser incentivado desde os
primeiros anos de vida sob a forma de atividades ldicas envolvendo a linguagem
(NELP, 2008).
Pesquisas de interveno experimental vm mostrando o poder preditivo
das habilidades metalingusticas no que diz respeito aprendizagem inicial da
leitura, sobretudo das habilidades metafonolgicas, como: identificao e produo
de rima e aliterao, segmentao de frases em palavras, segmentao de
palavras em slabas e de palavras em fonemas. Santos e Maluf (2010) realizaram
uma pesquisa desse tipo, da qual participaram 90 crianas de 5 a 6 anos que
frequentavam classes de alfabetizao. Foi utilizado um delineamento em trs
fases, pr-teste, interveno e ps-teste, com grupos experimentais e controle.
Os resultados mostraram o papel facilitador das habilidades metafonolgicas no
incio da aquisio da linguagem escrita e diferentes condies nas quais elas
podem ser desenvolvidas.
Enquanto que a conscincia fonolgica diz respeito conscincia de
unidades maiores, tais como slabas, rimas e aliteraes, ou segmentao de
sentena em palavras, a conscincia fonmica permite isolar unidades menores,
e habitualmente emerge quando a criana comea sua aprendizagem da leitura.
Os alunos devem ento aprender a distinguir o primeiro fonema das palavras que
ouvem (/g/ em gato), reconhecer fonemas idnticos (e.g. /a/ em pipa e em rosa),
deletar fonemas (igreja sem o som inicial /i/ fica...?). Crianas que desenvolvem a
conscincia fonmica no incio da aprendizagem da linguagem escrita obtm muito
maior progresso do que as que no recebem esse tipo de instruo (Ehri, Nunes,
Stahl & Willows, 2001; Sargiani, 2013; Siccherino, 2013).
Alm de seu papel preventivo, as pesquisas de interveno, que geralmente
vm sendo feitas em escolas e no em laboratrio, tm enorme importncia para
remediar dificuldades enfrentadas por crianas com defasagem idade/srie, que
apesar de frequentarem a escola no apresentam desempenho suficiente.
Carvalho (2010) investigou os efeitos de um programa de interveno composto
por atividades e jogos visando desenvolver habilidades de conscincia fonolgica,

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sobre a aprendizagem da leitura e da escrita em alunos de 3 e 4 anos do Ensino


Fundamental com graves atrasos nessa aprendizagem. A pesquisa foi desenvolvida
em trs fases: pr-teste, interveno e ps-teste. Seus resultados confirmaram
que o programa de atividades instrutivas em conscincia fonolgica foi eficaz
para desenvolver conscincia fonolgica e favorecer a aquisio da leitura e da
escrita nesses alunos, evidenciando a importncia do ensino explcito e sistemtico
das correspondncias entre grafemas e fonemas no incio da aprendizagem
escolar. Carvalho (2012) realizou interveno semelhante com crianas de 5
ano do Ensino Fundamental com graves atrasos na aprendizagem da leitura e da
escrita. A pesquisa foi feita em uma escola pblica, com 19 crianas de 9 a 12
anos, distribudas em grupo de interveno e grupo controle. O programa de
interveno foi composto por atividades de ensino das habilidades bsicas
segundo o preconizado pela instruo fnica e aplicado em 28 sesses. No final
da interveno o ps-teste mostrou significativos progressos na aprendizagem
das crianas do grupo de interveno quando comparadas s do grupo controle,
tanto na leitura quanto na escrita de palavras. Foi sustentada a hiptese de eficcia
da estratgia pedaggica utilizada, baseada na fonologia, para melhorar a
habilidade de leitura e escrita em crianas com grandes atrasos na aprendizagem
e que estavam sendo consideradas pela escola como incapazes de aprender.
Yacalos (2012) verificou os efeitos de um treino em inferncias sobre a habilidade
de compreenso de textos em uma turma de 38 alunos de 4 ano do Ensino
Fundamental, divididos em grupo de interveno e de controle. As crianas do
grupo de interveno foram ensinadas a procurar pistas que as levassem a fazer
inferncias e a justificar as bases geradoras destas inferncias, relacionando
informaes textuais com seu conhecimento de mundo e com outras informaes
presentes no texto. As crianas que passaram pelo procedimento de interveno
melhoraram significativamente seu desempenho no ps-teste, mostrando assim
que as prticas utilizadas so apropriadas e eficazes para desenvolver a
compreen-so de texto em sala de aula.

Consideraes finais
Vamos concluir lembrando que alfabetizar com sucesso um desafio global,
aceito por indivduos, grupos e governos comprometidos com o direito universal
educao. A Cincia da Leitura mostra que nosso crebro se adapta
aprendizagem da leitura, mas no est naturalmente programado para ela
(Dehaene, 2012). prioritria e urgente a criao e manuteno de escolas de
qualidade para todas as crianas. Alfabetizar com sucesso, nos pases da Amrica
Latina, uma questo crucial frente s condies de extrema pobreza de grande
parte da populao e precariedade de sistemas nacionais de educao que
ainda no receberam ateno prioritria e no dispem de uma rede de aes
baseadas em evidncias. O Brasil tem ainda uma taxa de cerca de 10% de

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analfabetismo na populao de 15 anos ou mais, o que representa 14,2 milhes


de pes-soas analfabetas. No entanto mais de 97% das crianas brasileiras esto
matriculadas nas escolas, o que justifica a expectativa de que todas aprendero
a ler e podero tornar-se leitores e escritores hbeis.
Resultados de estudos como, por exemplo, os aqui referidos, apontam
consistentemente para a eficcia maior de programas que incluem instruo
sistemtica sobre correspondncias letras-sons, mais especificamente, grafemas-
fonemas. Sabe-se, com consistncia e coerncia, que crianas que passam por
esses programas mostram maiores e mais rpidos progressos no reconhecimento
e escrita de palavras quando comparadas s que passam por outras formas de
ensino. E que essa diferena ainda maior quando se trata de crianas de meios
socioeconmicos desfavorveis e de portadoras de alguma dificuldade especfica.
O domnio da linguagem escrita exige esforo por parte do aprendiz e exige tambm
prticas de ensino eficazes, indispensveis para a gerao de leitores hbeis.

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