Estudo de Caso SAN em Mocambique

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Centro de Referncia em

Segurana Alimentar e Nutricional

UFRRJ

Segurana Alimentar e Nutricional em Moambique:


um longo caminho por trilhar

Jeremias Vunjanhe
Vicente Adriano

Textos para Discusso 6


Fevereiro - 2015

Apoio
CERESAN - O Centro de Referncia em Segurana Alimentar e Nutricional um
ncleo de estudos, pesquisa e capacitao voltado para congregar pesquisadores,
tcnicos, estudantes e outros profissionais interessados nas questes relacionadas
com a segurana alimentar e nutricional no Brasil e no mundo. O CERESAN possui
sedes na UFRRJ/CPDA e na UFF/MNS, tendo como coordenadores: Renato S. Maluf
(UFRRJ) e Luciene Burlandy (MNS/UFF).
(www.ufrrj.br/cpda/ceresan).

OXFAM - A Oxfam uma confederao internacional de 17 de organizaes que


atuam em mais de 90 pases. Ao longo dos seus 50 anos de histria no Brasil, a
Oxfam contribuiu para o fortalecimento do terceiro setor no pas, tem apoiado
organizaes de base comunitria em reas rurais, e defendido os direitos humanos
e a justia econmica.

2
CPDA/UFRRJ APOIO

Segurana Alimentar e Nutricional em Moambique:


um longo caminho por trilhar

Jeremias Vunjanhe1
Vicente Adriano2

Jeremias Filipe Vunjanhe jornalista graduado pela Escola de Comunicao e Artes da Universidade
1

Eduardo Mondlane e mestrando em Filosofia pela Faculdade de Filosofia da mesma Universidade, num
curso ministrado em parceria com a Faculdades de Letras da Universidade do Porto. Chegou a
frequentar na mesma universidade os cursos de Cincias Politicas e de Direito. Desde 2010 participa
da articulao internacional de atingidos pela Vale. Desde 2008 tambm membro fundador do
Captulo moambicano da Unio Latina de Economia Poltica da Informao, da Comunicao e da
Cultura.
2
Vicente Adriano Vicente militante orgnico da Aco Acadmica para o Desenvolvimento das
Comunidades Rurais (ADECRU) desde 2007 ano da sua constituio. formado em Relaes
Internacionais e Diplomacia, pelo Instituto Superior de Relaes Internacionais de Moambique,
mestrando em Desenvolvimento Rural pela Faculdade de Agronomia e Engenharia Florestal da
Universidade Eduardo Mondlane. ps-graduado em Leadership for Change, pela Southern Africa
Trust (RSA). No seu percurso de engajamento com os movimentos sociais, desempenha a funo de
Coordenador do Departamento de Advocacia, Comunicao e Cooperao na Unio Nacional de
Camponeses, o maior movimento campesino de Moambique e do continente africano.
3
Abstract

A trajectria da edificao de um sistema nacional de segurana alimentar e


nutricional em Moambique, assegurando a realizao do Direito Humano a
Alimentao Adequada (DHAA) tem sido moldada ao longo dos anos pelos contextos
e vicissitudes sociopolticos e econmicos do pas. Inicialmente vista como uma
questo emergencial e humanitria, a democratizao do pas tem sido
acompanhada pela construo de uma abordagem mais estrutural e multissectorial
da Segurana Alimentar e Nutricional (SAN). Porm, a adopo de polticas e
instituies de coordenao da SAN no tem necessariamente, sido acompanhada
pela introduo de instrumentos legais que institucionalizem o DHAA. O estudo
revela que tais limitaes nas transformaes legais tm condicionado a efectividade
de um Sistema de Segurana Alimentar e Nutricional (SISAN), ao mesmo tempo que
propicia a captura da agenda da SAN por actores transnacionais como a Nova Aliana
do G8 e Prosavana.

Palavras-chave: Segurana Alimentar, Direito Humano a Alimentao Adequada,


Desenvolvimento, Moambique.

4
LISTA DE SIGLAS E ABREVIATURAS

ADECRU Aco Acadmica para o Desenvolvimento das Comunidades Rurais


CAADAP - Programa Compreensivo para o Desenvolvimento da Agricultura em frica
CMA Cimeira Mundial da Alimentao
EdR Estratgia de Desenvolvimento Rural
ERV Estratgia de Revoluo verde
ESAN Estratgia de Segurana Alimentar e Nutricional
GdM Governo de Moambique
IDS Inqurito Demogrfico e Sade
MINAG Ministrio da Educao
MISAU Ministrio da Sade
PAA Programa de Aquisio de Alimentos
PAP Programa de Produo de Alimentos
PARP Plano de Aco para a Reduo da Pobreza Absoluta
PARP - Plano de Aco para a Reduo da Pobreza Absoluta
PEDSA Plano Estratgico para o Desenvolvimento do Sector Agrrio
PES Plano Econmico e Social
PIDESC Pacto Internacional dos Direitos Econmicos, Sociais e Culturais
PMA Programa Mundial de Alimentao
PNISA Plano Nacional de Investimento para o Sector Agrrio
PRONAE Programa Nacional de Alimentao Escolar
OSC Organizaes da Sociedade Civil
SAN Segurana Alimentar e Nutricional
ROSA Rede de Organizaes para a Soberania Alimentar
SETSAN Secretariado para a Segurana Alimentar e Nutricional
SISAN Sistema Nacional de Segurana Alimentar e Nutricional
UNAC Unio Nacional de Camponeses

5
NDICE

I. INTRODUO ................................................................................................... 7
II. SEGURANA ALIMENTAR E NUTRICIONAL EM MOAMBIQUE: A TRAJECTRIA
PERCORRIDA ........................................................................................................... 9
2.1 Agricultura e segurana alimentar nas polticas ps independncia ............ 12
2.2 O Ajustamento estrutural: a questo agrria e a SAN ............................. 17
2.3 Da abordagem assistencialista e humanitarista (disponibilidade fsica de
alimentos) para abordagem estruturalista de segurana alimentar .................. 23
III. A EDIFICAO DE UM SISTEMA NACIONAL DE SEGURANA ALIMENTAR E
NUTRICIONAL........................................................................................................ 28
3.1 O Papel do SETSAN na Coordenao da SAN............................................ 28
3.2 Contexto e Cenrio Actual de Segurana Alimentar e Nutricional em
Moambique ................................................................................................ 31
3.3 Principais Polticas Voltadas para SAN em Moambique: evoluo, foco e
desafios ....................................................................................................... 35
3.4 A Estratgia de Segurana Alimentar e Nutricional (ESAN II): conquistas e
limitaes .................................................................................................... 51
3.5 Outras Intervenes Relevantes no mbito da SAN em Moambique: actores e
iniciativas .................................................................................................... 60
3.5.1 Outros actores governamentais na SAN .............................................. 60
3.5.2 Entidades intergoveranamentais e agncias de desenvolvimento na SAN
....................................................................................................................... 62
3.5.3 Organizaes da Sociedade Civil e Movimentos Sociais na SAN ............ 64
IV. RISCOS OMISSOS DE PROGRAMAS TRANSNACIONAIS PARA A SAN: NOVA
ALIANA DO G8 E O PROSAVANA ......................................................................... 67
4.1 Nova Aliana do G8 para Segurana alimentar e nutricional: o regresso das
companhias majestticas e a mercantilizao da terra .................................... 68
4.1.1 Impactos da Nova Aliana em Moambique .......................................... 73
4.2 Prosavana: a expanso do agronegcio brasileiro para Moambique vs a
resistncia do Campo ................................................................................... 77
V. CONCLUSES .................................................................................................... 85
VI. BIBLIOGRAFIA ................................................................................................. 88

6
I. INTRODUO

O Estado moambicano nasce com a proclamao da independncia nacional


em 1975 apos 10 anos da insurreio e desencadeamento da luta armada de
libertao e 500 anos de resistncia e engajamento profundo de todas as foras vivas
da sociedade vtimas das injustias do colonialismo. O socialismo corou a primeira
repblica que sonhara com a edificao de um Estado de igualdade, justia social e
econmica, convertendo a ptria at ento colonizada no tmulo do capitalismo e da
explorao. A agricultura foi assumida na Constituio da Repblica como a base de
desenvolvimento e a indstria seu factor dinamizador, e assim persiste 39 anos aps
a independncia nacional.
A segurana alimentar e nutricional desde ento, foi vista sob diferentes
primas e prioridades pelo Estado moambicano. Com o objecto de analisar a
trajectria de Moambique na edificao de um sistema nacional de segurana
alimentar e nutricional, que se traduza na realizao do DHAA alicerado na
soberania alimentar, foi desenvolvido o presente estudo. Pretende-se com o mesmo,
olhar para as nuances que tm caracterizado a construo da pauta da SAN, os
actores envolvidos, as sinergias entre as diferentes polticas e instituies envolvidas
na SAN, os alicerces legais, bem como os riscos que podem representar programas
transnacionais alegadamente voltados para SAN.
assim que o presente estudo apresente trs seces distintas. A primeira
aborda a trajectria percorrida pelo pas na construo de uma pauta estruturante da
SAN desde a proclamao da independncia at a construo das primeiras
estratgias voltadas para SAN. Esta seco analisa os principais traos caractersticos
da SAN nas polticas pblicas, sobretudo as voltadas para agricultura e busca
dimensionar o impacto destas intervenes.
Na segunda seco, aborda-se a edificao do Sistema Nacional de Segurana
Alimentar e Nutricional (SISAN). Aqui o SISAN entendido como a conjugao da
organizao institucional das instncias que velam pela segurana alimentar e
nutricional, o conjunto de polticas e programas deste sector e, os instrumentos
legais que asseguram a realizao do direito humano a alimentao adequada,
edificados com base na participao de todos os seguimentos da sociedade. Mais do

7
que mapear os actores, as polticas e os processos, busca-se dimensionar os
impactos quantitativos e qualitativos dessas intervenes, olhando igualmente para
as principais limitaes e desafios.
Por ltimo, discutem-se os riscos omissos de programas transnacionais como
o Prosavana e a Nova Aliana do G8 para SAN. O enfoque vai para os mecanismos de
legitimao destas iniciativas, o seu impacto nas polticas domsticas e soberanas da
SAN e nos diferentes nveis e sectores de interveno.
Em termos metodolgicos, o estudo baseia-se em reviso de literatura, anlise
qualitativa e quantitativa das polticas e documentos pblicos. Ao mesmo tempo que
suportado por trabalhos de campo e entrevistas semi-estruturadas.

8
II. SEGURANA ALIMENTAR E NUTRICIONAL EM
MOAMBIQUE: A TRAJECTRIA PERCORRIDA

mais fcil para um campons produzir alimentos para o


consumo, do que, trabalhar para um latifundirio e da renda
obtida adquirir alimentos para o consumo, Jos Negro
(1956-2005)3

Quando no dia 25 de Junho de 1975, o presidente Samora Moiss Machel


proclamou, em acto solene, a independncia nacional, no estdio nacional da
Machava, nos arredores da Cidade de Maputo, nascia a Repblica de Moambique,
onde pouco mais de 10 milhes de moambicanos se viam livres do sistema opressor
colonial. Camponeses e operrios, outrora escravos e indgenas 4 aos olhos do
sistema colonial, que lutaram no s nos 10 anos da guerra pela independncia
(1964-1974), assim como nos sculos precedentes contra a penetrao estrangeira,
adquiriam o estatuto de cidadania. Libertar o homem e a terra foi o maior objectivo
e ideal da luta pela libertao que de sonho distante converteu-se em uma conquista
real ao alcance de cada alma moambicana outrora brutalmente reprimida e
escravizada.
A independncia nacional de per si representou o alcance do objectivo mais
amplo e grandioso definido no primeiro e segundo congressos da FRELIMO,
realizados em 23 e 28 de Setembro de 1962 em Dar-es-Salam e 20 a 25 de Julho de
1968 nas assim denominadas zonas libertadas de Machedje, Provncia de Niassa,
respectivamente 5. Entretanto, as vises quanto a organizao poltica da nova

3
Jos Negro citado por Isabel Casimiro, em uma apresentao subordinada ao tema situao das
mulheres no acesso terra e meios de produo: o caso de Moambique, feita durante a III
Conferncia Internacional Camponesa sobre Terra realizada em 01 e 02 de Outubro na Cidade de
Maputo, organizada pela Unio Nacional de Camponeses (UNAC).
4
Moambique enquanto uma provincial ultra-marina do imprio colonial portugus, semelhanas
das outras colnias e do regime do apartheid, a organizao da sociedade era com base na
estratificao de classes. Entre os nacionais haviam os indgenas e os escravos por um lado, e por
outro os assimilados, este ltimos tida como elite local que se integrava e servia o sistema colonial (na
sua maioria famlias mestias, afro-rabes, hindus e alguns negros instrudos).
5
A Frente de Libertao de Moambique (FRELIMO) nasce como um movimento popular no contexto
das lutas pela independncia em frica, constituda em 25 de Junho de 1962, em Accra, como
resultado da unio de trs movimentos independentistas UDENAMO, MANU e UNAMI. Os seus
estatutos foram elaborados trs meses depois em Dar-es-Salam, durante o seu primeiro congresso
9
repblica, orientao econmica e construo social, de forma alguma eram
homogneas, num contexto em que o mundo estava dividido em dois blocos
antagnicos em disputa, o socialista e o capitalista.
Em 1977 as diferentes ideias e propostas convergiram no terceiro congresso
da FRELIMO, do qual emana o Programa de 1977 considerado a primeira poltica
econmica do pas. A mesma procurou responder aos desafios de edificao e
expanso de um sistema educativo inclusivo, acesso a rede sanitria bsica
particularmente no meio rural, a produo de alimentos para fazer face a escassez de
produtos bsicos, infra-estruturas bsicas, substituio de importaes pelas
exportaes de modo a estabilizar-se a balana comercial do pas, entre outros. A
ideia central era de potenciar-se um desenvolvimento endgeno.
Em termos gerais o terceiro congresso da FRELIMO defendeu e adoptou a
orientao marxista-leninista enquanto grande linha de fora norteadora dos
destinos do pas. O programa de 1977 contm as directrizes do caminho a ser
percorrido. No mbito da agricultura e segurana alimentar, entre outras
deliberaes, destacam-se:
O aproveitamento pleno do potencial das zonas agroecolgicas do Vale do
Zambeze, Limpopo, Lrio e planaltos com alto potencial agroecolgico,
atravs do fomento das machambas estatais (empresas agrcolas do estado)
e das cooperativas, (Programa de 77);
Criao de um sector estatal dominante e determinante, assente em
empresas e cooperativas de produo fundada na base de propriedade
colectiva da terra, (Mosca, 2011, pag 35);
Produo de alto rendimento com tecnologia intensiva em capital e unidades
produtivas de grande dimenso, (idem);
O enfoque na produo de alimentos para o combate a fome e culturas
tradicionais de rendimento (casta de caju, sisal, algodo, cana-de-acar e
ch) voltadas para exportao;

que conferiram legitimidade ao movimento como governo do povo, pelo povo e para o povo. Porm
esta unidade, de forma alguma, representava vises comuns sobre as formas de organizao
sociopoltica e econmica da futura repblica.

10
Socializao do meio rural por via da instituio das aldeias comunais, uma
forma ortodoxa do socialismo que foi implementada de forma abruta e radical
em Moambique como forma de proletarizao do campesinato.

A grande diferena destes primeiros anos ps independncia com o perodo


colonial reside na priorizao da produo das culturas alimentares, associada a
colectivizao da propriedade fundiria. O nmero 1 do artigo 39 da Constituio de
1975, refere que a agricultura a base de desenvolvimento nacional, e no artigo 40
consagra que a Repblica de Moambique toma a indstria como factor
impulsionador do desenvolvimento. Ao mesmo tempo a constituio reconhece a
importncia do sector familiar ao referir no seu artigo 42, que o Estado incentiva e
apoia a produo do sector familiar e encoraja os camponeses, bem como os
trabalhadores individuais, a organizarem-se em formas mais avanadas de produo
(Repblica de Moambique, 1975).
A forma abruta e compulsiva com que foram implementadas as reformas do
sector da agricultura traduziu-se num choque e ataque extremamente ostensivos
para o campesinato. A ideia da socializao do meio rural por via das aldeias
comunais tornou-se num dos instrumentos brutais deste processo. As novas
tecnologias e o sistema nacional de extenso rural tambm ignoraram em grande
medida as caractersticas nicas dos sistemas produtivos camponeses e seus
saberes, incluindo o carcter pluriactivo 6 das famlias camponesas.
As divergncias e contradies internas dentro da FRELIMO dos tempos de
movimento pela libertao confrontadas e associadas com o contexto poltico
regional e internacional propiciaram a ecloso de uma sangrenta guerra em 1977 que
se alastrou por 16 anos7. Em consequncia, mais de 1 milho de pessoas foram

6
Tericos que discutem as abordagens do desenvolvimento rural e o campesinato como Abromovay,
Chayanoy e Marx consideram a Pluriactividade como elemento fundamental para a diversificao da
renda familiar, e descrevem-na, assim, como uma unidade produtiva multidimensional, em que se
empreendem actividades agrcolas e no-agrcolas dentro e fora dos agregados familiares, e pelas
quais diferentes tipos de remunerao so recebidos (FLLER, 1990, p.367 apud KAGEYAMA 1998).
7
A Guerra dos 16 anos tem uma multiplicidade de conotaes mediante diferentes interesses, por
exemplo, a elite no poder e alguns pensadores ao servio da mesma, includo nos contedos de ensino
apelidam-na de Guerra de desestabilizao alegando a teoria conspiratria promovida pelo regime do
apartheid da vizinha frica do Sul, bem como do regime de Ian Smith da Rodsia do Sul, actual
Zimbabwe. Ao passo que a RENAMO considera-a guerra pela democracia, aludindo ao facto da
conquista desta luta ter resultado na criao de um sistema multipartidrio em Moambique, aps a
11
mortas e mais de 5 milhes foram deslocadas, vivendo numa situao de refugiados
nacionais e nos pases vizinhos.
Em termos econmicos, na agricultura foram destrudos cerca de 2/3 dos
sistemas de irrigao e estima-se igualmente que a produo alimentar tenha
decrescido em 2/3. Em 1990 existia menos de 1/5 do gado registado antes do incio
da guerra, as taxas de crescimento do PIB e do PNB tornaram-se negativas, houve
acumulao do dfice oramental, o stock total de dvida externa atingiu 500% do
PIB em 1985, (Brck, 1998)8. O grande desafio na colecta de dados sobre segurana
alimentar e nutricional deste perodo, deriva evidentemente de estar-se numa
situao de guerra, tornando tais dados irrelevantes em benefcio de outras
prioridades.
Pese embora, o pas esteve mergulhado numa guerra sangrenta, polticas e
programas voltados para o desenvolvimento da agricultura no deixaram de ser
adoptados pelo governo do dia. sobre estas polticas e programas que ser dada
ateno na seco subsequente. Porm, vale lembrar que a questo da segurana
alimentar e nutricional nesta fase vista de forma transversal, ou seja, no existia de
facto uma poltica especfica voltada para o efeito. A sua priorizao era por via de
sua integrao nas polticas de assistncia social, nas intervenes sectoriais
(ministrio da sade, eduo, agricultura, entre outros).

2.1 Agricultura e segurana alimentar nas polticas ps independncia

A opo pela adopo de uma economia centralmente planificada no perodo


aps a independncia acarretou transformaes profundas nos modos e sistemas de
produo, particularmente para o campesinato. A crena de que a edificao de uma
revoluo socialista, num pas com mais de 80% de populao camponesa, exigia
uma proletarizao do meio rural converteu-se na palavra de ordem. Teoricamente,
pretendia-se a socializao do meio rural atravs de um processo radicalizado, onde

assinatura dos Acordos de Roma em 04 de Outubro de 1992, nascendo assim a segunda repblica.
Para o presente propsito ser designada de guerra dos 16 anos ou guerra civil.
8
Paper disponvel em http://analisesocial.ics.ul.pt/documentos/1221844645N4pCJ4py0Bk40IF4.pdf,
acedido em 31 de Outubro de 2014.
12
a estatizao do sector privado constitua um dos eixos de desenvolvimento (Mosca,
2008).
A nacionalizao das empresas agrcolas coloniais deu lugar as novas
empresas estatais, que cedo mostraram-se ineficientes em muitos dos seus
segmentos de actuao, quer pela expulso dos ex-gestores coloniais aps a
independncia (na maioria colonos portugueses), quer pela mudana drstica na
afectao dos factores de produo e das relaes de trocas comerciais. A
cooperativizao da agricultura emergiu como a estratgia massificadora da
proletarizao do compesinato. A estas duas abordagens associa-se a controversa
concentrao das comunidades em aldeias comunais numa poltica conhecida como
a socializao/urbanizao do meio rural.
Se por um lado as aldeias comunais representavam novas formas de
reproduo econmica e social, incluindo a facilidade do estado de providenciar
servios bsicos como a sade, educao e infra-estruturas, por outro, estas eram
tidas como campos de formao poltica e ideolgica segundo as doutrinas do partido
nico (FRELIMO). Os rebeldes e opositores do sistema, tidos como no doutrinveis
eram levados para campos de reeducao, em regies do interior, como a Provncia
de Niassa9.
A diferena central desta fase com o perodo colonial reside na priorizao da
produo alimentar (food crops), ao passo que o regime colonial tinha como
prioridade culturas voltadas para exportao (cash crops). No entanto alguns
aspectos chamam particular ateno quando se analisa a viso holstica do governo
do dia sobre a agricultura:
H uma clara ausncia de polticas, ou intervenes especficas de vulto
voltadas para a segurana nutricional, a nfase foi mais dada a segurana
alimentar;
A primeira prioridade era de assegurar a auto-suficincia alimentar,
priorizando a produo das principais culturas alimentares, ou seja,
produzir comida para o povo moambicano;

9
Para os campos de reeducao foram levados presos polticos, candongueiros (contrabandistas),
dissidentes, rebeldes, sendo que muitos dos mais notrios e tidos como inimigos do regime foram
barbaramente assassinados. Esta uma temtica pouco abordada, at porque acredita-se que muitos
dos mentores da execuo fazem parte da actual elite no poder.
13
Produo de culturas tradicionais de alto valor comercial, tendo em conta
as oportunidades para o desenvolvimento de uma indstria
transformadora nacional, por exemplo, as conhecidas empresas
algodoeiras que surgiram particularmente nas regies centro e norte de
Moambique;
Aumentar o volume de exportaes de bens manufacturados,
particularmente para os pases socialistas com vista a gerar divisas e
incrementar investimentos nacionais. Assim, a agricultura vista como a
base de desenvolvimento e a indstria o factor dinamizador.

Mais do que olhar-se para a segurana alimentar na perspectiva de


disponibilidade fsica de alimentos (food security) independentemente da sua
origem, modos de produo, ou adequao a cultura local, o governo socialista teve
o mrito de introduzir ideias embrionrias da Soberania Alimentar. Para o presente
estudo, entenda-se Soberania Alimentar como o direito dos povos de definirem suas
prprias polticas e estratgias sustentveis de produo, distribuio e consumo de
alimentos que garantam o direito a alimentao para toda a populao, com base na
pequena e mdia produo, respeitando suas prprias culturas e a diversidade dos
modos camponeses, pesqueiros e indgena de produo agropecuria, de
comercializao e gesto dos espaos rurais, no qual a mulher desempenha um papel
fundamental, (Leo e Maluf, 2012, pag. 48)
Embora possa parecer problemtica a perspectiva aqui apresentada de uma
construo da soberania alimentar no governo socialista no , isto pelo facto de um
dos princpios bsicos da soberania alimentar ser precisamente o direito dos
pases/povos soberanamente decidir o que produzir e consumir. No entanto, vale
aqui apresentar uma ressalva em relao ao facto do governo socialista ter negado o
reconhecimento dos modos de produo camponeses e o carcter pluractivo das
famlias camponesas.
Contudo, nos 10 anos do governo socialista persistiu a viso de segurana
alimentar na perspectiva de disponibilidade fsica de alimentos, da justificar-se uma
quase total ausncia da componente nutricional. Para alm da produo nacional,
desempenhou um papel crucial a ajuda alimentar, sobretudo entre 1982-1983 devido

14
a prolongada seca que assolou o pas, com maior incidncia na regio sul de
Moambique. Destaca-se o apoio dos pases socialistas e da Linha da Frente,
posteriormente designada por SADCC10, e mais tarde intervieram pases ocidentais
como o Reino Unido, Pases Baixos e Itlia, agncias especializadas das Naes
Unidas e outras organizaes internacionais.
As cheias de 1977 nos Vales do Limpopo e Zambeze, bem como a seca iniciada
em 1981 e que se prolongou at 1984 foram as maiores catstrofes humanitrias que
assolaram o pas at a data. O primeiro evento levou a constituio em 1980 do
Conselho Coordenador de Preveno e Combate s Calamidades Naturais (CCPCCN),
na altura chefiado pelo Primeiro-Ministro, fazendo igualmente parte diversos
ministros. Mais tarde foi constitudo o Departamento de Preveno e Combate s
Calamidades Naturais (DPCCN), tido com o brao operacional e tutelado pelo Ministro
da Cooperao, embora tivesse um director nacional para o efeito11.
O perodo ps independncia no que concerne a agricultura e segurana
alimentar pode ser distinguido em duas fases distintas: (i) 1975-1985 edificao de
uma economia centralmente planifica cujas prioridades na agricultura passavam pela
garantia da auto-suficincia alimentar (food crops); (i) 1985-1995 fase do programa
de ajustamento estrutural caracterizada pela secundarizao da agricultura e retorno
da lgica da economia colonial voltada para produo de commodities para
exportao (cash crops).

10
Pases da Linha da Frente foi uma iniciativa dos presidentes Agostinho Neto - Angola, Samra
Marchel - Moambique, Seretse Khana - Botswana, Julius Nierere - Tanznia e Kenneth Kaunda -
Zmbia, criada , em Abril de 1977 com objectivo de lutar pela independncia de todos pases da frica
Austral, como a Nambia, frica do Sul, Zimbabwu. Em 1980 em Lusaka, esta iniciativa converteu-se
na Conferncia para a Cooperao de Desenvolvimento da frica Austral (SADCC) com objectivo de
integrao e e independncia econmica, que posteriormente em 1992 em Windhoek transformou-se
na actual Comunidade para o Desenvolvimento da frica Austral (SADC).
11
Atigo de Borge Coelhos, disponvel em http://www.ces.uc.pt/emancipa/research/pt/ft/clima.html,
acedido em 04 de Outubro de 2014.
15
Food crops Cash crops

1975-1985 1985-1995

Segurana alimentar vista como disponibilidade fsica de alimentos & ausncia de


estratgias especficas direccionadas para segurana alimentar

Mosca (2008), considera o perodo socialista como uma fase de estratgia


no escrita 12 para agricultura. Este um facto, no entanto, esta uma das
caractersticas dominantes da economia centralmente planifica, visto que mesmo as
estratgias sectoriais devem passar por uma ampla discusso no partido da
vanguarda, o que limita os rgos ministeriais em adoptar estratgias operacionais.
Assim, para alm do Programa de 1977 (abordado na seco precedente), os nicos
instrumentos de orientao da agricultura e da segurana alimentar eram os
programas quinquenais do governo e os oramentos anuais do estado e os
respectivos planos.
Da anlise feita sobre a alocao oramental das despesas para agricultura
constata-se a marginalizao da agricultura camponesa, facto j referenciado na
seco precedente. Mackintosh e Wuyts (1988), citado por Mosca (2005), referem
que o investimento no sector agrrio entre 1978 e 1983 foi assim distribudo: 90%
para o sector estatal, 2% para as cooperativas e virtualmente nada para a agricultura
familiar e de pequena escala. Para concretizar a concepo dos grandes projectos
(para acelerar o crescimento) e o desenvolvimento baseado em grandes empresas
estatais, os investimentos estiveram muito concentrados, por exemplo, s o vale do

12
A epxtresso estratgia no escrita sobre a agricultura para caracteriazar o facto das vrias
inetervenes do socialismo no converterem-se em documentos de estratgias especficas
recorrente na obra de Mosca (2008), o fundamente deste facto reside na total ausncia de uma
estratgia redigida pelo governo neste perodo. Mais detalhes leia Mosaca, J (2008), Agricultura de
Moambique Ps-Independncia: da Experincia Socialista Recuperao do Modelo Colonial, artigo
publicado na Revista Internacional em Lngua Portuguesa, III Srie, N 21, Lisboa. Disponvel em
http://www.saber.ac.mz/bitstream/10857/2018/1/Agricultura%20de%20Mo%C3%A7ambique%20P
%C3%B3s-Independ%C3%AAncia.pdf.
16
Limpopo concentrou, em 1977, cerca de 50% dos investimentos realizados na
agricultura, (idem).
Quando Moambique entra em bancarrota arrastado pela guerra dos 16 anos
na mesma altura em que se assistia o fracasso do projecto socialista e as mudanas
internacionais no bloco do leste, o Pais foi forado a aderir s instituies de Bretton
Woods, encerrando-se deste modo uma das importantes etapas da construo do
estado moambicana de orientao marxista leninista e de partido nico. Os ventos
de mudana arrastaram o sector da agricultura e o Pas para um novo e conturbado
turbilho de transformaes, que do resto, teve tambm um efeito domin nos
demais sectores de economia. sobre esta nova vaga de transformaes que
dar-se- ateno na seco que segue.

2.2 O Ajustamento estrutural: a questo agrria e a SAN

O projecto socialista em Moambique foi implementado de forma abruta num


contexto das tenses violentas da guerra fria, preconizando a transformao de
formas seculares de reproduo social e econmica num curto espao de tempo, sem
necessariamente atravessar as diferentes etapas da revoluo socialista. bvio que
cada revoluo apresenta caractersticas sui generis, se olhramos os aspectos
distintivos entre a revoluo socialista na URRS, a trajectria da China, a revoluo
comunista na Correia do Norte, ou a revoluo Cubana.
A peculiaridade de Moambique, talvez, tenha sido o facto da independncia
nacional ter sido alcanada pela prolongada via armada, que no entanto, no foi
capaz de evitar, dois anos depois, uma escalada de conflito sem igual que perdurou
por 16 anos. O projecto socialista, em termos operacionais, o projecto socialista
ganhou fora em 1977 no III Congresso da FRELIMO, podendo dizer-se que foi
implementando na sua totalidade em plena conflito armado.
Quando em 1984/85 o Pas aproxima-se s instituies de Bretton Woods,
concretizando sua adeso em 1987 estava na lista dos estados falhados com mais de
5 milhes de refugiados, estratgia de socializao do meio rural fora desmantelada
pela guerra, mais da metade da populao estava abaixo da linha de sobrevivncia,
a dvida externa atingia 500% do PIB, e a ajuda alimentar era responsvel pela
17
disponibilizao de mais de 70% dos gros do pas. No plano militar, o conflito
caminhava para mais de 1 milho de mortos, a RENAMO como nunca tornou-se num
movimento de guerrilha de mbito nacional. Era praticamente impossvel deslocar de
uma provncia para outra por via rodoviria devido a guerra ao mau estado das vias
de acesso (autnticas crateras provocadas por minas anti-tanques cobriam as vias de
acesso).
Uma interveno recente do ex-governador do Banco de Moambique entre
1981-1986, Prakash Ratilal, durante uma conferncia realizada em Maputo e
transmitida pelo canal de televiso STV, caracteriza em detalhe a crise em que o pas
estava mergulhado:
Lembro-me que houve uma altura em que devido a cortes nas despesas
pblicas e a incapacidade do pas importar bens bsicos, tivemos que
tomar decises difceis como por exemplo, o que era prioritrio entre
importar leite para os bebs e medicamentos para os hospitais.

Em um artigo intitulado O Moambique de Armando Guebuza tem que aceitar


o Moambique de Afonso Dhlakama, o co-autor do presente artigo, Jeremias
Vunjanhe, relata o cenrio devastado pela guerra do qual nasceu semelhana de
milhares de moambicanos na poca 13:

Nasci Jeremias Filipe Vunjanhe ou literalmente Chidarika (em Ndau


significando transeunte, passageiro, aquele que atravessa ou mesmo
ponte) de pai e me camponeses e catlicos, entre oito irmos gerados
por uma me que foi 11 vezes me, 10 das quais debaixo de uma frondosa
e protectora rvore ou numa palhota decente sob risco e ameaa
iminentes de morte certa por causa da violncia das armas e da misria do
ltimo conflito armado.

J o disse e reafirm-lo-ei repetidas vezes tanto quanto for possvel por


que me orgulhosa e heroicamente parte: Nasci vivo e livre, porm numa
sociedade estrangulada, violentada, violada e mutilada pela fome, misria
e pela guerra. Fui, por isso, alimentado de papa de manga verde
cozida quando minha me no podia dar-me o seu precioso leite porque

13
Artigo disponvel em
http://adecru.wordpress.com/2013/06/27/o-mocambique-de-armando-guebuza-tem-que-aceitar-o-
mocambique-de-afonso-dhlakama/#more-172, acedido em 03 de Outubro de 2014.
18
no o tinha em suficincia devido a fome aguda de 84/5. Tambm fui
obrigado a viver indignamente nos primeiros anos de vida, sem direito a
sade, educao, gua potvel, habitao e alimentao adequada. Foi
duro e talvez tenha contrado sequelas irreversveis, mas resisti e escapei
de ser apenas mais um nmero na grandssima estatstica africana de
crianas que morrem antes, durante e ps parto, frequentemente com sua
prpria me.

A adeso de Moambique s instituies de Bretton Woods foi assumida pelo


Governo num contexto e circunstncias dramticas e trgicas de devastao pela
guerra e salpicado com o sangue de milhes e milhes de moambicanos incluindo o
do primeiro presidente Samora Machel que morreu num acidente areo em Outubro
de 1986. . Embora ficara claro h bastante tempo que por via militar no seria
possvel derrotar a RENAMO, a ala dura do partido nico (FRELIMO) mostrou-se
intransigente a abertura de uma via negociada com RENAMO. Samora Moiss
Machel, ento presidente da Repblica Popular de Moambique, acreditava na
destruio da RENAMO e multiplicavam-se os ataque as bases que supostamente
abrigavam Afonso Dlakama, lder da RENAMO.
Para os propositos do presente estudo no interessam as dimenses
poltico-militares do contexto, embora reconhea-se a sua relevncia. sobre as
transformaes nas polticas agrrias, com enfoque na questo de segurana
alimentar e nutricional que sero focalizadas as discusses.
Com a adeso s instities de Bretton Woods, Moambique iniciou o seu
Programa de Ajustamento Estrutural (PAE) designado por Programa de Reabilitao
Econmica (PRE) em 1987, que foi posteriormente rebaptizado por Programa de
Reabilitao Econmica e Social com objectivo de reduzir-se os impactos sociais
resultantes das medidas implementadas pelo PRE (Oppenheimer, 2001). O PAE
procurou recuperar a economia colonial esquecendo elementos essenciais que a
tornavam operativa: no lugar de um Estado intervencionista e regulador, o PAE
introduz a liberalizao desregulada com uma burocracia desestruturada, esvaziada
de capacidade tcnica e com elevados nveis de corrupo; o empresariado com
alguma tradio, protegido pela burocracia, com esprito empreendedor e produtivo,

19
substitudo por uma emergente elite que maioritariamente procura rendas fceis e
no produtivas, (Mosca, 2005).
No mbito de organizao poltica foi adoptada a Constituio de 1990,
preconizando o pluralismo democrtico e a liberdade de expresso. No seu artigo 31
refere que, os partidos expressam o pluralismo poltico, concorrem para formao e
manifestao da vontade popular e so instrumentos fundamentais para a
participao democrtica dos cidados na governao do pas, (Repblica de
Moambique, 1990). A mesma refora e destaca a agricultura como a base do
desenvolvimento do pas e a indstria o factor dinamizador, semelhana do
preconizado na constituio de 1975.
Embora a constituio preconizasse a agricultura como a base de
desenvolvimento, o ajustamento estrutural no plano operacional trouxe mudanas
profundas comparadas com o perodo precedente, das quais podem destacar-se:

Privatizao compulsiva das empresas estatais com objectivo de


reduzir as despesas pblicas a que o estado incorria com as mesmas, e
flexibilizar a liberalizao do mercado. A esta medida associou-se a
retirada de barreiras tarifrias e no tarifrias para gerar-se
competitividade. Tais medidas conduziram a falncias destas empresas
nas mos dos novos patres (a nova elite empresarial na sua maioria
associada ao clientelismo ao nvel do partido FRELIMO), com impactos
severos na esfera social traduzidos principalmente em elevadas taxas de
desemprego. Os sectores de indstria de caju, algodo, leo de palma e
cereais foram os mais afectados. Contrariamente estes, o sector da
cana-de-acar, como avana Smart e Halon (2014: pag 39-40), foi o que
teve maior sucesso dadas as concesses nas negociaes com o Fundo
Monetrio Internacional (FMI) para a introduo de barreiras tarifrias, no
caso uma taxa de importao introduzida nos anos 90 que acresce 90% ao
preo do acar.
Priorizao de cash crops e outsourcing de servios de
extenso. Contrariamente ao governo socialista que privilegiou a
produo de alimentos, sem descurar as culturas tradicionais de

20
rendimento, as polticas de ajustamento estrutural semelhana do
perodo colonial priorizaram cash crops tendo em conta as vantagens
competitivas de Moambique em relao aos outros pases do interland
(ou seja, pases sem ligao directa com o mar e que recorriam aos
corredores logsticos de Moambique para importao e exportao de
bens). Na mesma altura, foi ensaiado o outsourcing de servios de
extenso com objectivo de reduzir as despesas pblicas, as quais deviam
privilegiar servios prioritrios (eduo e sade).
Segurana alimentar e nutricional vista na perspectiva
emergencialista e humanitarista. Embora reconhea-se que no
perodo precedente as polticas do PAE, a segurana alimentar tenha sido
vista como a disponibilidade fsica de alimentos, independentemente dos
modos de produo, um aspecto diferenciador na fase do ajustamento
estrutural foi o de entender-se a segurana alimentar e nutricional como
uma questo emergencial, pelo que, a ajuda humanitria era vista como a
bia de salvao cabendo ao estado o papel de coordenao e mobilizao
da assistncia alimentar, fundamentalmente internacional. No entanto,
ficou mais uma vez clara a condicionalidade da minimizao do papel do
estado no caso da ajuda alimentar dos EUA atravs da sua agncia de
desenvolvimento USAID, que exigia que a CARE Internacional uma
organizao humanitria americana coordenasse a assistncia alimentar
dos EUA sem o envolvimento das autoridades governamentais
moambicanas14.
Secundarizao da agricultura. Apesar dos aspectos acima levantados,
Mosca ( 2011. Pag 235) reala o facto da agricultura durante o PAE ter sido
vista de forma secundarizada, ou seja, vincou a ideia de que a priorizao
da agricultura decorre automaticamente da aplicao do programa. O
esquema terico o seguinte: se os PAE estimulam as exportaes e estas
so principalmente produtos agrcolas, o sector agrrio beneficiado; a
reduo do proteccionismo e a liberalizao dos preos e dos mercados

14
Mais elementos leia Borge Coelhos, disponvel em
http://www.ces.uc.pt/emancipa/research/pt/ft/clima.html, acedido em 05 de Outubro de 2014.
21
incentivam a produo. Afirma-se que so os pequenos produtores com
tecnologias intensivas no factor trabalho os mais beneficiados,
considerando que sofrem menos o efeito dos preos dos insumos
importados devido desvalorizao 15. Este pensamento rebatido por
Mosca (2011), precisamente pelo facto do campons no estar integrado
na estrutura das exportaes e to pouco no uso de tecnologias similares
s empresas monopolistas, ou seja, a demanda externa no tem impacto
directo na actividade do campons que se encontra dissociado desta
demanda.

Para o sector da agricultura durante a implementao das polticas das IBW


poucos so os registos de adopo de polticas escritas voltadas para o
desenvolvimento da agricultura, ao que Mosaca (2011) apelidou de poltica de no
se ter poltica 16 . No entanto, no mbito da segurana alimentar e nutricional
notou-se um papel mais activo e efectivo do Conselho Coordenador de Preveno e
Combate s Calamidades Naturais (CCPCCN) e do seu brao executivo: o
Departamento de Preveno e Combate s Calamidades Naturais (DPCCN), que
passou a planificar, coordenar e implementar as aces voltadas para a segurana
alimentar. No entanto, prevaleceu a viso emergencial e humanitria da segurana
alimentar.
Nascem neste perodo projectos e programas de agncias internacionais de
desenvolvimento, organizaes internacionais humanitrias, incluindo organizaes
especializadas das Naes Unidas que para alm de programas especficos,
prestavam assessoria tcnica ao Governo, com particular destaque a FAO. Em 1990
foi criado pelo governo o Programa de Subsdio de Alimentos (PSA), um programa de
proteco social bsica de dimenso nacional, cujo objectivo era de assistir a
populao mais vulnervel do pas, que de alguma forma, se enquadra na chamada
dimenso social do PRE(S), (Brito at all, 2009).

15
Refere-se ao efeito da elevao dos preos dos insumos agrcolas importados devido a
desvalorizao da moeda nacional face a principal divisa, o dlar.
16
As intervenes voltadas para agricultura neste perodo resumiam-se em memorandos internos, ou
decises emanadas de espaos consultivos e deliberativos ministeriais, sem necessariamente traduzir
as diferentes iniciativas em documentos escritos de poltica. Da a expresso poltica de no ter-se
poltica.
22
Vale lembrar algumas iniciativas de polticas ao nvel do ministrio da
agricultura que no entanto no foram operacionalizadas , muitas das quais por serem
contraditrias s propostas preconizadas pelo PRE, destacando-se as seguintes :

Em 1988/89 foi elaborado o Programa de Distritos Prioritrios que


preconizava o dimensionamento das potencialidades agroecolgicas dos
distritos com maior potencial, de modo a criar-se plos de
desenvolvimento a partir da combinao de investimentos nacionais e
estrangeiros.
Ainda em 1989 foram elaboradas as Linhas Gerais de Desenvolvimento
Agrrio, que recuperava ideias plasmadas no Programa de 77 emanado do
III Congresso da FRELIMO. O enfoque estava na priorizao da produo
alimentar pelo campesinato, com incentivos e assistncia pblica.
Estratgia de Alternativa de Desenvolvimento Agrrio (1990) foi outro
documento elaborado, que igualmente mantinha o enfoque na produo
de alimentos tendo em conta as principais regies agroecolgicas do pas,
no entanto, propunha novas formas de descentralizao da planificao da
produo.

2.3 Da abordagem assistencialista e humanitarista (disponibilidade fsica


de alimentos) para abordagem estruturalista de segurana alimentar

Durante as duas primeiras dcadas aps a independncia nacional


(1975-1995), como constatou-se nas seces precedentes, a segurana alimentar e
nutricional foi vista na perspectiva assistencialista e humanitria,
independentemente do sistema poltico ou governo vigente. Pese embora mudanas
na planificao da produo, nos modos de produo, actores prioritrios, destinos
da produo, a segurana alimentar no foi vista de forma sistmica, no havendo
assim, esforos consistentes e estruturais.
Em 1995 verifica-se uma mudana do paradigma vigente, com a adopo da
resoluo n 11/95 de 31 de Outubro, que aprova a Poltica Agrria e as respectivas
Estratgias de Implementao. Este documento lana os alicerces para uma viso

23
mais estruturada e holstica da questo da segurana alimentar e nutricional. A
relevncia da sua aprovao justificada no seu prembulo ao referir que a
resoluo visa, assegurar progressivamente a auto-suficincia alimentar,
considerando a agricultura como a base de desenvolvimento econmico e social do
pas. A curto prazo, este instrumento tinha em vista atingir a auto-suficincia, e
reserva alimentar em produtos bsico, o fornecimento de matrias-primas indstria
nacional e contribuir para a melhoria da balana de pagamentos, (Boletim da
repblica 2006).
O documento reconhece a relevncia dos factores exgenos na influncia da
produo agrria, que em grande medida condicionam o desenvolvimento deste
sector, destacando, as insuficientes vias de comunicao, deficientes redes de
comercializao, transporte, infra-estruturas e servios de apoio a produo. Por
outro lado, tambm reconhece e dimensiona as potencialidades agroecolgicas do
pas, destacando a existncia de cerca de 36 milhes de hectares de terra arvel (na
poca cultivados apenas 5 milhes), 3.3 milhes de hectares potencialmente
irrigveis dos quais apenas 50.000 ha eram aproveitados, 46,4 milhes de hectares
de florestas17. Mais adiante o documento refere-se a importncia da conservao dos
solos e da biodiversidade atravs de aplicao de normas e tcnicas de maneio e
conservao, utilizao adequada de agroqumicos, disseminao de tecnologias
apropriadas no contexto de agroecologia e ecoturismo, o envolvimento das
comunidades locais e das autoridades nestes esforos, (idem)
No seu ponto 10, a resoluo n 11/95 de 31 de Outubro, aponta como
objectivos da poltica agrria os seguintes:

i) A segurana alimentar;
ii) O desenvolvimento econmico sustentvel;
iii) A reduo de taxas de desemprego, e
iv) A reduo dos nveis de pobreza absoluta.

17
Disponvel em
http://www.portaldogoverno.gov.mz/docs_gov/fold_politicas/agroFlor/pol_estrt_agraria.pdf,
acedido em 10 de Novembro de 2014.
24
Mais do que fazer figurar a segurana alimentar como um dos seus objectos
centrais, a resoluo n 11/95 foi alm ao olhar para os aportes que
direccionariam/orientam esta prioridade. assim, que o mesmo documento destaca
os seguintes aspectos que corporizam a viso geral de segurana alimentar:

So apresentadas as culturas alimentares como sendo as prioritrias,


destacando-se: milho, arroz, acar, feijo, amendoim, mapira, mandioca,
meixoeira e citrinos. Quanto as culturas de rendimento, o documento priorioza
as culturas tradicionais18 como o algodo, copra, ch e a castanha de caju.
Reconhece a existncia de dois sectores que desenvolvem a actividade
agrria, o familiar e o empresarial. Para o sector familiar apresentado o
dimensionamento da rea cultivada, cerca de 90% do total da rea cultiva no
pas, por pouco mais de 2.5 milhes de famlias, o que exige maior
engajamento do governo no provimento de recursos matrias, humanos e
financeiros para o seu desenvolvimento. Por outro lado, no seu ponto 4, o
documento reconhece e valoriza os sistemas produtivos camponeses,
incluindo a dimenso scio-antropologica e cultural, que durante os primeiros
20 anos ps independncia foram discriminados e banidos.
Reconhece o desajustamento das polticas pblicas de desenvolvimento e a
necessidade de adoptar reformas, incluindo a reorganizao do Ministrio da
Agricultura e Desenvolvimento Rural para que se adequasse ao contexto. Por
outro lado, d primazia a complementaridade entre as polticas,
particularmente entre a educao, sade e a agricultura.
O reconhecimento do papel da mulher na actividade agrria e, em especial, no
desenvolvimento rural integrado. Como o centro da famlia, destaca-se o
papel da mulher na garantia da educao, incluindo na segurana alimentar e
nutricional.

No seu ponto 14, a resoluo n 11/95, aborda a ideia central em relao ao


alcance da segurana alimentar, pelo que, transcreve-se na ntegra o texto:

18
A ideia central em volta das culturas tradicionais, est o facto de serem culturas seculares e que j
existe um saber tradicional amplo em relao ao seu cultivo, que o que reduz sobremaneira os custos
de servios de extenso, incluindo a fcil adaptao as novas tecnologias.
25
Os princpios da poltica agrria visam contribuir para uma situao de
segurana alimentar, visto na perspectiva nacional, tomando como ponto
de partida as necessidades do agregado familiar: (i) no primeiro caso se
visualiza uma combinao entre o aumento da produo nacional de
alimentos e a capacidade importadora do pas, atravs da produo de
produtos exportveis; (ii) no segundo caso, o agregado familiar tambm
atinge a segurana alimentar na base de uma produo diversificada e
produtiva.

Esta viso dualista, em outras palavras, refere-se por um lado ao aumento da


produo nacional de alimentos pelas famlias camponeses de modo a responder as
suas demandas diversificadas, por outro lado, refere-se a capacidade do pas de
produzir bens agrcolas exportveis com vista a obter divisas para importao de
bens imprescindveis de elevado dfice nacional como o arroz, o leite, lacticnios,
entre outros. No entanto prevalece a omisso em relao aces voltadas para a
segurana nutricional.
As contribuies da resoluo n 11/95 para a segurana alimentar,
traduzem-se no facto de ter trazido uma abordagem transformista, em que a
resposta a insegurana alimentar passa a ser vista numa perspectiva estruturante e
no emergencialista e humanitarista. As concepes do documento revelam
intenes e aspiraes para a mudana, olhando para as condies que levariam, a
edificao de um Sistema Nacional de Segurana Alimentar e Nutricional.

Para o presente estudo, entenda-se Sistema de Segurana Alimentar e Nutricional (SISAN)


como uma construo que refere-se, a conjugao da organizao institucional das instncias que
velam pela segurana alimentar e nutricional, o conjunto de polticas e programas deste sector e, os
instrumentos legais que asseguram a realizao do direito humano a alimentao adequada,
edificados com base na participao de todos os seguimentos da sociedade.

Da anlise feita ao documento de resoluo e olhando para as aces prticas


subsequentes do governo do dia, constata-se que a edificao de um SISAN no pas
passa por trs estgios fundamentais:

26
Adopo de polticas/programas especficas voltadas para segurana
alimentar e nutricional de mbito nacional ao local;
Institucionalizao da questo da segurana alimentar e nutricional, ou seja,
criao de instituies especficas para coordenao das intervenes
voltadas para segurana alimentar;
Adopo de instrumentos legais que consolidem a viso estruturante da
segurana alimentar e nutricional, assegurando a realizao do Direito
Humano a Alimentao Adequada (DHAA).

Em termos esquemticos, esta viso pode ser vista no fluxograma abaixo. A


efectivao desta viso, as conquistas, os desafios e limitaes sero abordados na
seco subsequente que aborda a edificao de um sistema nacional de segurana
alimentar e nutricional. Vale lembrar, que trata-se de uma miragem, ou seja, os
passos dados tendem em vista a configurao do cenrio abaixo apresentado.

Participao da Sociedade
Civil

Polticas e Instrumentos legais


programas de SAN do DHAA

Adopo de Arranjo Adopo de


polticas institucional leis voltadas
voltadas para para a coord. para realizao
SAN da SAN do DHAA

Institucionalizao
da SAN

Participao da Sociedade
Civil

27
III. A EDIFICAO DE UM SISTEMA NACIONAL DE SEGURANA
ALIMENTAR E NUTRICIONAL

Nesta seco sero abordadas as diferentes componentes integrantes do


sistema nacional de segurana alimentar, entendido como uma construo terica,
tendo como base o funcionamento das instituies que coordenam as aces da SAN,
as principais polticas da SAN e aces complementares de outras entidades. Para o
efeito, o foco inicial estar centrado no Secretariado Tcnico para a Segurana
Alimentar e Nutricional, enquanto entidade coordenadora da SAN. Posteriormente
olhar-se- para as polticas pblicas voltadas para SAN, assim como as
complementares, incluindo intervenes de outros actores.

3.1 O Papel do SETSAN na Coordenao da SAN

O decreto n 24/2010, de 12 de Julho, publicado no Boletim da Repblica


nmero 28, I Srie, o Conselho de Ministro criou o Secretariado Tcnico de
Segurana Alimentar e Nutricional (SETSAN). O SETSAN nasce como uma resposta
institucional para a operacionalizao da Estratgia de Segurana Alimentar e
Nutricional ESAN II, aprovada atravs do decreto n 56/2007, de 16 de Outubro. O
SETSAN surge assim, como uma pessoa colectiva, dotada de personalidade jurdica e
autonomia administrativa, tutelado pelo Ministro que superintende a rea da
agricultura, atravs da qual o Governo garante e coordena a promoo da Segurana
Alimentar e Nutricional.
No entanto, esta entidade j existia no Ministrio da Agricultura e
Desenvolvimento Rural como unidade responsvel pelas aces de segurana
alimentar, desde os anos 90. Outrossim, a mesma no assumia o papel de
coordenao da SAN na sua dimenso nacional, limitando-se em intervenes
especficas incumbidas pelo ministrio de tutela. S em 2010 que de facto esta
entidade assume o papel de coordenao nacional da SAN.
As atribuies do SETSAN so definidas pelo decreto n 24/2010, que passam
por: i) A coordenao interministerial e institucional para a implementao da
Estratgia e Plano de Aco de Segurana Alimentar (ESAN) e; ii) A promoo,
28
avaliao e monitoria de programas e aces no mbito da SAN e do DHAA,
respeitando o papel especfico das instituies, entidades e comunidades envolvidas.
Segundo o seu estatuto orgnico, o SETSAN composto por: i) Secretrio
Executivo; i) Conselho Consultivo; c) Comit Tcnico e; d) Conselho de Direco. O
Secretario Executivo nomeado pelo Ministro da Agricultura. O Conselho Consultivo
o rgo convocado e dirigido pelo Secretrio Executivo, atravs do qual o SETSAN
planifica e coordena as actividades desenvolvidas pelos rgos centrais e locais. Este
composto por Secretrio Executivo, Directores dos Servios Centrais, Chefes de
Departamento Central e Secretrios Executivos Provinciais e Distritais do SETSAN,
sendo que este rgo rene-se uma vez por ano e sempre que as circunstncias o
exigir.
O Comit Tcnico um rgo de assessoria do SETSAN, convocado e dirigido
pelo Secretrio Executivo. Este tem por mandato a funo de apreciao e validao
tcnica de projectos sobre matrias ligadas a legislao, polticas, planos,
informao, educao, formao e oramentao na implementao da agenda
multi-sectorial de SAN e DHAA, a serem submetidos ao Conselho Consultivo. O
mesmo composto pelo Secretrio Executivo e Directores dos Servios Centrais ao
nvel do SETSAN, integrando igualmente representantes dos ministrios da
agricultura, Pescas, Sade; Indstria e Comrcio; Obras Pblicas e Habitao;
Educao; Mulher e Aco Social; Cultura; Justia; Planificao e Desenvolvimento;
Transportes e Comunicaes; Administrao Estatal e Coordenao para a Aco
Ambiental. A estes associam-se ainda representante do Conselho Nacional de
Combate ao HIV e SIDA; Sociedade Civil; Instituies de Ensino e de Pesquisa e
Sector Privado. No entanto, os mecanismos de participao da sociedade civil no
so conhecidos e to pouco os mandatos e o nmero de mandatrios, ficando assim
ao critrio do SETSAN. Este comit rene-se de seis em seis meses, podendo
igualmente reunir-se extraordinariamente.
O Conselho de Direco um rgo de consulta, convocado e dirigido pelo
Secretrio Executivo que tem por mandato apreciar e emitir pareceres sobre os
planos de actividade, oramento anual e relatrio de contas; apreciar a proposta do
Regulamento Interno; pronunciar-se sobre as propostas a serem submetidas
deciso do Ministro de tutela; pronunciar-se sobre o plano de desenvolvimento de

29
recursos humanos do SETSAN e; avaliar o grau da implementao das actividades do
SETSAN. Este rgo composto pelo Secretrio Executivo, Directores de Servios
Centrais e Chefes de Departamento Central, podendo igualmente participar tcnicos
de reconhecida competncia quando convidados pelo Secretrio Executivo
consoante a natureza das matrias a tratar.
O SETSAN como entidade de coordenao das intervenes da SAN apresenta
debilidades estruturais, resultante das falhas na sua concepo e institucionalizao.
Para uma questo central como a SAN, o SETSAN v-se sem a fora poltica
necessria para a coordenao multissectorial. O seu domiclio no Ministrio da
Agricultura (MINAG), assumindo um papel de um departamento, ou seja, muito
abaixo de uma direco nacional, coloca-o numa posio de subordinao e sem
fora de mobilizao e coordenao de outras entidades ministeriais e no s.
Deste resulta o facto do SETSAN aps a sua constituio ter enfrentado
dificuldades srias para adopo do seu estatuto orgnico, quando o decreto de sua
institucionalizao preconizava apenas seis meses. A sua insero ao nvel provincial
ainda muito incipiente, e ao nvel distrital pior ainda. O quadro de recursos
humanos ao nvel do SETSAN est a quem do desejvel, sem falar das dificuldades na
alocao oramental para o seu funcionamento. Uma mudana domiciliar
necessria para que o SETSAN ganhe a relevncia e fora necessria no mbito da
coordenao da SAN, podendo situar-se ao nvel do Gabinete do Primeiro Ministro ao
nvel da Presidncia da Repblica. Isso, por si s no resolve o problema, porm
confere um estatuto especial ao SETSAN na coordenao da SAN, abrindo um
potencial enorme para que a SAN seja uma prioridade nacional.
O Plano Multissectorial para a Reduo da Desnutrio Crnica (2010-2015)
reconhece as limitaes do SETSAN ao referir que apesar da sua existncia como
rgo multissectorial de coordenao das aces e polticas de SAN no Pas,
originalmente concebido para ser um rgo de alta visibilidade e relevncia, o
SETSAN no tem autonomia para fazer face aos desafios de coordenao
multissectorial de SAN, implementar, avaliar e monitorizar o PASAN. O documento
refere ainda que o SETSAN tem passado por muitos desafios, tais como a falta de
oramento para assegurar a melhor coordenao das aces em nutrio e a falta de
recursos humanos capacitados para coordenarem as actividades relacionadas com a

30
segurana alimentar e nutricional. A maior parte dos sectores do governo, a todos os
nveis, no reconhece autoridade e importncia da integrao das actividades e
multissectorialidade para incluso da nutrio como assunto chave para os sectores.
Para estes, o papel do SETSAN em coordenar esta multissectorialidade ainda fraco,
bem como a integrao e ligao entre segurana alimentar, sade e nutrio a nvel
provincial, distrital e comunitrio. 19

3.2 Contexto e Cenrio Actual de Segurana Alimentar e Nutricional em


Moambique

Estimativas de 2014 indicam que Moambique conta com cerca 25.8 milhes
de habitantes, com um PIB de 25.32 bilhes de USD, sendo que em 2013 o
crescimento econmico foi de 7.1% e uma inflao mdia anual de 6.6%. Para o ano
de 2014 o Plano Econmico e Social (PES) prev um crescimento do PIB na ordem de
8% e uma inflao mdia anual de 5.6%, (GdM, 2013). O crescimento anual na
ltima dcada esteve acima de 7%, prevendo-se a manuteno deste cenrio, em
grande medida motivado pelo investimento em recursos naturais, particularmente no
carvo mineral, hidrocarboneto e agronegcio. Por outro lado, estar igualmente
assente em avultados investimentos pblicos em infra-estruturas pblicas, no
crescimento do sector imobilirio como um todo e no desempenho da agricultura.
O ramo de agricultura em 2013 continuou sendo o que tem maior peso na
economia, tendo contribudo com 22,6%, (Banco de Moambique, 2014), seguido
por transportes e comunicao 12,92%, comrcio e Servio de reparao 11,35% e
Industria Transformadora 10,86%. A entrada lquida de capitais sob a forma de
investimento directo estrangeiro totalizou USD 5.935 milhes de Dlares, um
crescimento em 15,8% quando comparado com
O oramento de estado de 2014 foi de 249.093.761,44 bilhes de meticais,
dos quais as receitas do estado cobrem 155.573.918,39 bilhes, e o dfice na ordem

19
Disponvel em http://fsg.afre.msu.edu/mozambique/caadp/pamrdc_portugues_finalsmall.pdf,
pgina 32.
31
de 93.519.843,05 foi coberto pela ajuda externa20. A dependncia externa tem vindo
a reduzir nos ltimos anos como resultado do alargamento da capacidade de
arrecadao de receitas do estado.
Em relao a segurana nutricional, dados do Inqurito Demogrfico e Sade
(IDS) de 2011, cujos resultados foram divulgados em 2013 e representam a
informao mais actualizada, visto que os dados anteriores referem-se a Terceira
Avaliao da Pobreza de 2010, revelam que, 43% das crianas menores de 5 anos
tm altura baixa para a sua idade, e so classificadas como sendo crianas que
sofrem de subnutrio crnica moderada; 20% sofrem de subnutrio crnica grave,
isto , esto trs desvios padres debaixo da mdia. 6% apresentam baixo peso para
a altura o que significa que sofrem de subnutrio aguda e 2% sofrem de subnutrio
aguda grave. A subnutrio geral (P/I) afecta 15% das crianas e subnutrio geral
grave afecta 4% delas. 21 (INE, 2013)
Segundo a mesma fonte, a percentagem de crianas que sofre de subnutrio
crnica elevada nas crianas residentes nas reas rurais (46%) do que nas que
residem nas reas urbanas (35%). As provncias da Regio Norte de Moambique so
as que registaram taxas de prevalncia de retardo de crescimento mais elevadas,
sendo as provncias de Nampula e Cabo Delgado as que se evidenciam com 55% e
52%, respectivamente. Em contrapartida, as provncias da Regio Sul com excepo
da Provncia de Inhambane, apresentam as propores menos elevadas, onde se
destacam Maputo Provncia e Maputo Cidade, ambas com 23%.
O estudo revela ainda que, a prevalncia de subnutrio crnica varia na razo
directa da idade at aos 3 anos de idade, alcanando o mximo entre 24-35 meses.
A partir dos 36 meses regista uma ligeira descida contudo, sem alcanar os nveis dos
primeiros anos de vida. Assim, ela tem os seus valores mnimos nas crianas menores
de 6 meses (28%) e cresce at atingir o pico nas crianas dos 24 a 35 meses (49%).
A prevalncia da desnutrio diminui com o aumento do espaamento entre os
nascimentos, com o nvel de educao e do rendimento do agregado familiar. A
20
Veja os detalhes em
http://www.parlamento.mz/noticias/565-ar-aprova-em-definitivo-orcamento-rectificativo-do-estado-
para-2014. Acedido em 16 de Novembro de 2014.
21
Vale lembrar que dados da Organizao Mundial de Sade (OMS) mostram que dados de
desnutrio maiores que 40% revelam um problema grave de sade pblica. Para o caso de
Moambique a situao tornar-se grave, pois deiaxando a mdia nacional de 43%, as provncias mais
populosas de Nampula e Cabo Delgado revelam dados acima de 50%.
32
prevalncia ligeiramente mais elevada nas crianas do sexo masculino (45%) que
do sexo feminino (41%).
O estado nutricional da me est estreitamente correlacionado com o estado
nutricional da criana. A percentagem de crianas que sofrem de subnutrio crnica
diminui com o aumento do ndice de massa corporal da me, reduzindo de 53% nas
crianas de mes magras para 33% nas mes gordas ou obesas. A desnutrio
aguda mais frequente nas crianas at 17 meses variando nesta faixa etria de 10
a 9%. A prevalncia da subnutrio aguda mais elevada nas crianas cujas mes
so magras (11%) e crianas vivendo na rea rural (7%). As provncias da Zambzia
(9%), Sofala (7%), Manica (7%), Nampula (7%), Cabo Delgado e Tete todas com
6% so as que apresentam taxas mais elevadas de subnutrio aguda, enquanto as
taxas mais baixas registam-se nas provncias de Gaza (1%), Maputo Provncia e
Maputo Cidade ambas com 2%. (idem.)
No total, 15% de crianas apresentam baixo peso para sua idade. As crianas
de 9-11 meses so as que registam prevalncia mais elevada de baixo peso para a
idade (18%). A percentagem de baixo peso para a idade nas crianas de mes
magras quase o dobro e qudruplo das crianas de mes com peso normal e
gordas, respectivamente; e mais elevada nas provncias do norte e do centro
variando de 11% em Sofala a 21% em Cabo Delgado e Zambzia. Maputo Cidade
(5%) e Gaza (6%) so as que registam a prevalncia mais baixa.
Em relao ao uso de sal iodado, os dados revelam que a percentagem de
agregados familiares que usam sal iodado maior na rea urbana (54%) do que na
rural (41%). Entre as provncias, destacam-se as de Manica e Gaza com 81% e 76%
de agregados familiares que usam sal iodado, respectivamente e as percentagens
mais baixas encontram-se em Cabo Delgado (7%) e Zambzia (18%).
O Plano Econmico e Social (PES) de 2014 revela que os nveis de mortalidade
so um pouco mais elevados nas reas rurais do que nas urbanas e nas crianas
cujas mes tm baixo nvel de escolarizao. Assim, a mortalidade infantil de 69 em
cada mil nascidos vivos nas reas urbanas contra 72 por mil nascidos vivos da rea
rural. Por nveis de escolaridade da me, a mortalidade infantil de 56 por mil
nascidos vivos nas mulheres com nvel secundrio ou mais, contra 70 por mil
nascidos vivos entre os filhos de mes no escolarizadas. (GdM, 2013)

33
Por localizao geogrfica, Inhambane e Nampula apresentam os nveis de
mortalidade mais baixos comparativamente s restantes provncias. Os nveis
extremos da mortalidade infantil situam-se entre 39 por mil nascidos vivos em
Inhambane e 95 por mil nascidos vivos na Provncia da Zambzia. Outras provncias
com taxas de mortalidade infantil elevadas so Tete (86 por mil nascidos vivos), Cabo
Delgado (82 por mil nascidos vivos) e Sofala (73 por mil nascidos vivos). (idem)
Para fazer face a este cenrio de segurana alimentar e nutricional dois
instrumentos essenciais esto em curso que coordenam os esforos no mbito da
segurana alimentar e nutricional e a busca da plena realizao do direito humano a
alimentao adequada. Refere-se a Estratgia de Segurana Alimentar e Nutricional
(ESAN II) (2008-2015) e o Plano de Aco Multissectorial para a Reduo da
Desnutrio Crnica em Moambique (2011-2015). A ESAN II d seguimento aos
esforos da ESAN I e o segundo documento procura reverter a tendncia estacionria
da reduo dos nveis de desnutrio crnica.
Outrossim, um conjunto de polticas e programas complementares foram
adoptados pelo governo para dar mais consistncia a estes desafios destacando-se o
Plano Estratgico Nacional de Reposta ao HIV e SIDA (PEN III, 2010-2014),
Estratgia Nacional de Segurana Social Bsica (ENSSB, 2010-2014), Programa
Nacional de Fortificao de Alimentos (PNFA, 2011-2015) e o Programa Nacional de
Alimentao Escolar (PRONAE, 2013-2014/20). A estas iniciativas associam-se um
conjunto de projectos e programas intergovernamentais, de agncias de
desenvolvimento internacional, de organismos das naes unidas, particularmente a
FAO e o PMA, iniciativas das organizaes da sociedade civil.
Pela relevncia para os propsitos deste estudo ser focaliza a anlise na
ESAN II e o Plano de Aco Multissectorial para a Reduo da Desnutrio Crnica em
Moambique, ambos documentos com horizonte temporal at 2015 e como
instrumentos centrais de coordenao da poltica da SAN em Moambique.
Pretende-se com isso fazer uma discusso dos impactos destes instrumentos, tendo
em conta as metas neles preconizadas e seu grau de efectivao.

34
3.3 Principais Polticas Voltadas para SAN em Moambique: evoluo,
foco e desafios

a) Estratgia de Segurana Alimentar e Nutricional (ESAN I)

Aps a adopo da resoluo n 11/95 de 31 de Outubro, que aprova a Poltica


Agrria e as respectivas Estratgias de Implementao, na qual a segurana
alimentar e nutricional figura como um dos objectivos centrais, seguiu-se um avano
significativo na elaborao e implementao das primeiras polticas especficas e
sectoriais voltadas para a segurana alimentar e nutricional, por um lado. Houve
igualmente um avano na criao de instituies de coordenao e implementao
das estratgias de Segurana Alimentar e Nutricional (SAN). Uma participao activa
da sociedade civil moambicana foi notria, assim como de organismos
internacionais de assistncia na edificao de um sistema nacional de segurana
alimentar.
Um dos principais marcos dessa transformao deu-se em 1998 com a adopo
da resoluo 16/98, que aprova a Estratgia de Segurana Alimentar e Nutricional
(ESAN I), pelo Conselho de Ministros de Moambique. Alguma literatura refere a
adopo deste instrumento como corolrio da participao de Moambique na
Cimeira Mundial da Alimentao (CMA), realizada em 1996, na cidade de Roma, cuja
declarao final e o plano de aco, assumem como compromisso II Implementar
polticas que tenham como objectivo erradicar a pobreza e a desigualdade e melhorar
o acesso fsico e econmico de todos, a todo momento, a alimentos suficientes e,
nutricionalmente adequados e seguros, assim como sua utilizao eficaz 22 .
Outrossim, no deixa de ser verdade que os compromissos assumidos por
Moambique, semelhana de outros estados na CMA, complementam os esforos
j definidos na resoluo n 11/95 de 31 de Outubro, cujo primeiro objectivo era de
garantir a segurana alimentar.
A implementao da ESAN I foi at o ano de 2007, altura em que foi adoptada a
Estratgia de Segurana Alimentar e Nutricional II (ESAN II) 2008-2015. Em uma
avaliao conduzida pelo Secretariado Tcnico de Segurana Alimentar e Nutricional

22
Extraido do Plano de Aco da Cimeira Mundial da Alimentao, disponvel em
http://www.fao.org/docrep/003/w3613p/w3613p00.htm acedido em 11 de Novembro de 2014.
35
(SETSAN), no mbito da concepo da ESAN II revela como principais conquistas da
ESAN I as seguintes, as quais podem ser congregadas em dois mbitos abordados
nas seces precedentes:

i) Adopo de polticas/programas especficas voltadas para segurana


alimentar e nutricional de mbito nacional ao local
Criao de uma filosofia de SAN a nvel nacional;
Descentralizao da agenda de SAN;
Insero da SAN em outras polticas e estratgias sectoriais;
Insero da SAN no PARPA II, de forma mais visvel e transversal;
Criao de uma massa crtica em torno da SAN;
Balano do estado de Insegurana Alimentar e Nutricional (InSAN) corrente
ou crnica no pas;

ii) Institucionalizao da questo da segurana alimentar e nutricional,


ou seja, criao de instituies especficas para coordenao das
intervenes voltadas para segurana alimentar;
Institucionalizao do SETSAN ao nvel central e provincial;
Tratamento multissectorial da SAN, tendo em conta os pilares:
disponibilidade; acesso; e uso e utilizao dos alimentos;
Reconhecimento do SETSAN ao nvel nacional, regional e internacional.

Embora reconheam-se as transformaes positivas nas esferas acima


apresentadas, persistiam deficincias e desafios, particularmente no que diz respeito
a ruralizao da segurana alimentar (ou seja, vista como uma questo rural e no
urbana) com traos de um problema emergencial associado s calamidades naturais;
a coordenao institucional de nvel central ao local associada a alocao de recursos
financeiros e humanos. No entanto, a ESAN I pouco, ou nada fez na componente de
adopo de instrumentos legais que consolidassem a viso estrutural da segurana
alimentar e nutricional, assegurando a realizao do Direito Humano a Alimentao
Adequada (DHAA), o que a difere dos esforos da ESAN II, que ser aborda com mais
detalhes nas seces subsequentes.

36
Paralelamente a implementao da ESAN I e II, um conjunto de polticas e
estratgias governamentais foram adoptadas incorporando a questo da segurana
alimentar e nutricional, muitas das quais vindas dos sectores da agricultura, sade e
proteco social. Importa referenciar a seguir algumas destas polticas/programas e
os respectivos enfoques.

b) Programa Nacional de Desenvolvimento Agrrio (ProAgri I


1998-2005 ) (ProAgri II 2007-2010)

O Programa Nacional de Desenvolvimento Agrrio (ProAgri) decorreu em duas


fases, sendo a primeira de 1998 a 2003 que foi posteriormente alargada at 2005 e
a segunda fase de 2007 a 2010. O objectivo do ProAgri I tinha como objectivos
realizar a reforma institucional e modernizao do ento Ministrio da Agricultura e
Desenvolvimento Rural (MADER), aumento da produo agrcola a partir da melhoria
de prestao de servios pblicos; melhoria e sustentabilidade da gesto dos
recursos naturais, (MINAG, 2005). O ProAgri I tinha como objectivo o de contribuir
para a reduo da pobreza e melhoria da segurana alimentar, por via do apoio aos
pequenos agricultores no desenvolvimento das suas actividades relacionadas com a
agricultura e recursos naturais; estimular o aumento da produo agrcola e o uso de
recursos naturais e desenvolvimento de agro-indstrias para os mercados interno e
de exportao e; garantir uma gesto sustentvel e conservao dos recursos
naturais e ter em considerao os interesses da comunidade, do sector pblico e do
sector privado23.
Em uma avaliao sobre o ProAgri I conduzida pelo Grupo Moambicano da
Dvida (GMD), considera-se o avano na organizao institucional do MIDER,
incluindo o apetrechamento institucional com recursos materiais e humanos como
uma das conquistas, no entanto, ao nvel prtico da produo agrcola pouco foi feito,
ou seja, os recursos no chegaram ao campons comum. Igualmente, a avaliao
destaca uma excessiva abordagem verticalizada quer do governo central para o local,
quer dos doadores do ProAgri para com o MEDER, (GMD, 2004). No geral, o ProAgri

23
Disponvel em omrmz.org/index.php/biblioteca/category/57-proagri?...964, acedido em 11 de
Novembro de 2014.
37
I e II no lograram alcanar os resultados propostos, apesar da avalanche de
recursos alocados, que serviram na sua maioria para pagar salrios elevadssimos,
viaturas de luxo para o governo central, ajudas de custos, equipamentos de
escritrio, sem necessariamente apoiar a actividade produtiva.

c) Plano de Aco para a Reduo da Pobreza Absoluta (PARPA I


2001-2005) e (PARPA II 2006-2009)

Os PARPAs enquadram-se nos chamados PRSPs em ingls (Poverty Reduction


Strategy Paper), que em Moambique vo na sua terceira fase. O primeiro Plano
entrou em vigor em 2001, dando seguimento as Linhas de Aco para a Erradicao
da Pobreza Absoluta (1999) e demais documentos internos deste mbito, at a altura
sem um grande envolvimento externo na sua planificao e prossecuo. O PARPA
um instrumento flexvel, ajustado e actualizado anualmente atravs do Cenrio Fiscal
de Mdio Prazo, do Plano Econmico e Social e do Oramento do Estado, que so
instrumentos de operacionalizao do Programa Quinquenal do Governo. A sua
operacionalizao prtica por via do Plano Econmico e Social e do Oramento do
Estado anuais.
O PARPA I teve como objectivo a reduo substancial dos nveis de pobreza
absoluta em Moambique atravs de medidas para melhorar as capacidades e as
oportunidades para todos os moambicanos e, em particular para os pobres.
Especificamente pretendia-se a reduo da incidncia da pobreza absoluta do nvel
de 70% em 1997 para menos de 60% em 2005, e menos de 50% at finais da
primeira dcada de 2000, (PARPA, 2001) 24. Igualmente, o PARPA I ressalta o papel
do Secretariado Tcnico de Segurana Alimentar e Nutrio (SETSAN), como
entidade responsvel pela coordenao multisectorial a nvel nacional e provincial
das actividades focalizadas na reduo da vulnerabilidade insegurana alimentar
crnica.

24
Segundo o PARPA, o conceito de pobreza foi definido como incapacidade dos indivduos de
assegurar para si e os seus dependentes um conjunto de condies bsicas mnimas para a sua
subsistncia e bem-estar, segundo as normas da sociedade. Assim, este conceito utiliza o consumo
(ou seja, consumo total do agregado familiar dividido pelo nmero de membros) como a medida
bsica do bem-estar individual.
38
Por seu turno, o PARPA II 2006-2009 tinha em vista diminuir a incidncia da
pobreza de 54% em 2003 (valor alcanado pelo PARPA I) para 45% em 2009, ou
seja, dar seguimento s conquistas do PARPA I. Adicionalmente, para alm das
prioridades do PARPA I, o PARPA II pautou como objectivos adicionais de melhorar a
monitoria do desenvolvimento econmico, exercer um papel mais activo de
regulao da actividade privada e dos mecanismos de concorrncia, e a dar mais
espao para parcerias com o sector privado na criao de um ambiente propcio para
os negcios. Na prtica vincou a ideia de que Moambique devia manter taxas de
crescimento econmico sustentveis acima dos 7%, atraindo maior investimento de
modo a alargar-se a criao de emprego e a base tributria, reduzindo assim, os
nveis de dependncia externa do oramento do Estado para menos de 50%.
Contrariamente ao PARPA I, no seu captulo VII o PARPA II introduz assuntos
transversais que so abordados com alguma profundidade, que para alm da
segurana alimentar e nutricional vista numa perspectiva holstica e no reducionista,
constam o gnero, HIV/SIDA, ambiente, cincia e tecnologia, desenvolvimento rural,
calamidades, desminagem. No mbito da segurana alimentar apontado como
objectivo assegurar as condies para a produo duma alimentao nutritiva e
saudvel ou obter os meios para a conseguir (ter acesso a uma alimentao
adequada). Com efeito, o documento advoga a promoo de actividades orientadas
a fortalecer o acesso da populao a recursos e meios para garantir a sua
subsistncia, proteger os que no se podem auto-sustentar, atravs do
estabelecimento e manuteno de redes de segurana e outros mecanismos de
assistncia, (PARPA II, 2006)25.
O documento introduz o Direito Humano a Alimentao Adequada (DHA) e
capta as prioridades de interveno plasmadas na Estratgia de Segurana Alimentar
e Nutricional (ESAN I), que passavam por: reduzir at 30% a percentagem de
populao Moambicana que sofre de fome e desnutrio crnica (insegurana
alimentar e nutricional transitria e estrutural) at 2009; reduzir os elevados nveis
de desnutrio aguda; estruturar uma interveno multissectorial e interinstitucional
abrangente nas trs dimenses da SAN e dirigida aos grupos alvo vulnerveis para

25
Documento disponvel em
http://www.open.ac.uk/technology/mozambique/sites/www.open.ac.uk.technology.mozambique/fil
es/pics/d61761.pdf. Acedido em 12 de Novembro de 2014.
39
atingir e manter a Segurana Alimentar e Nutricional no Pais e; estabelecer a SAN
como um elemento central para a reduo da pobreza absoluta em Moambique.
O documento enfatiza a relao muito estreita entre a reduo da pobreza, a
segurana alimentar e nutricional, o desenvolvimento rural e o crescimento
econmico sustentvel, assumindo que o alvio pobreza essencial para se atingir
a segurana alimentar, uma vez que a fome tanto causa assim como resultado da
pobreza e a erradicao da pobreza verifica-se quando se elimina a fome. Estas
intervenes so feitas tendo em conta os compromissos internacionais, como os
Objectivos de Desenvolvimento do Milnio (ODM) que so incorporados nos
diferentes pilares do PARPA II.

d) Plano de Aco para Reduo da Pobreza (PARP) 2011-2014


O Plano de Aco para a Reduo da Pobreza (PARP) 2011-2014, representa a
terceira fase dos chamados (Poverty Reduction Strategy Paper) que assume a
pobreza absoluta como erradicada, da a designao de PARP ao invs de PARPA. A
sua meta reduzir o ndice de incidncia da pobreza dos actuais 54.7% em 2010 para
42% em 2014. No entanto, o PARP depara-se com a velha dicotomia de crescimento
versus desenvolvimento, ou seja, embora nos ltimos 10 anos o crescimento
econmico do pas estivesse acima dos 7%, a reduo da pobreza no tem sido
proporcional ao crescimento econmico, ou seja, a riqueza gerada pelo pas no
distribuda equitativamente pelos cerca de 25 milhes de moambicanos.
assim que o PARP apresente como objectivos operacionais o aumento da
produo e produtividade agrria e pesqueira, assumido como o factor determinante
para a reduo da incidncia da pobreza; incentivar a promoo de emprego
decente, com enfoque na facilitao e desenvolvimento das micro, pequenas e
medias empresas; assegurar o acesso aos servios de sade e educao de
qualidade, bem como a programas de proteco social as mais vulnerveis, (PARP,
2011) 26 . Contrariamente ao PARPA II, o PARP obedece uma metodologia de
planificao baseada em objectivo e resultados e no em sectores de actividades.
Esta abordagem embora parea inovadora na alocao, gesto e coordenao dos

26
Disponvel em
http://www.open.ac.uk/technology/mozambique/sites/www.open.ac.uk.technology.mozambique/fil
es/pics/d130879.pdf, acedido em 12 de Novembro de 2014.
40
recursos, ela perde a multidimensionalidade da pobreza ao reduzir as intervenes
em programas governamentais.
Em relao a segurana alimentar e nutricional est tratada de forma
transversal inserida no objectivo I, referente ao aumento da produo e
produtividade agrria e pesqueira. Assume-se igualmente, que a mesma esteja
inserida nos cerca de 80 programas governamentais que corporizam o PARP.
O PARP na prtica apresenta um conjunto de intenes, sem necessariamente
dimensionar quantitativamente as intervenes e transformaes por alcanar,
convertendo-se num instrumento extremamente economicista. O facto de a partir de
2010 verificar-se uma estagnao na reduo da pobreza, assume-se que as
abordagens anteriores no respondiam ao actual contexto. Na verdade, os factores
da estagnaoe em alguns casosdo aumento da pobreza tm a ver com problemas
estruturais e do modelo de crescimento econmico adoptado.

e) Agenda 2025
A Agenda 2025 um documento que reflecte o sonho que os moambicanos tm
para com o seu pas at ao ano 2025, ou seja, com que Moambique sonha e que
passos dar para converter este sonho em realidade. O desafio foi lanado pelo ento
presidente de Moambique, Joaquim Chissano, em 1998 durante a celebrao do
dia da independncia. Foi assim que foi constitudo o Comit de Conselheiros, que em
2001 assumiu o compromisso de iniciar uma ampla mobilizao da sociedade
moambicana para a elaborao do referido documento a que se designou Agenda
2025. O processo de sua elaborao levou trs anos, assumindo-se at ento, como
o documento pblico de maior participao da sociedade moambicana.
O documento final reflecte um conjunto de aspiraes dos moambicanos, pelo
que, para os propsitos do presente artigo apenas interessa focalizar os aspectos
relevantes no que tange a segurana alimentar e nutricional. Tratando-se de um
documento com amplitude nos diferentes sectores, a questo da segurana
alimentar abordada no pilar de desenvolvimento rural. Aqui destaca-se o
desenvolvimento da agricultura como o factor chave da transformao estrutural da

41
economia, sendo a prioridade fundamental a segurana alimentar significando o
acesso a alimentos em quantidade e qualidade ao longo de todo ano, (GdM, 2003)27.

f) Estratgia de Desenvolvimento Rural (2007)


A Estratgia de Desenvolvimento Rural (EDR) foi adoptada em 2007 pelo
Conselho de Ministros, olha para o desenvolvimento rural na sua
multidimensionalidade, no restringindo a sua viso s questes agrria. Assim,
define o desenvolvimento rural como a transformao da composio e da estrutura
social, econmica, poltica, social e ambiental das reas rurais, (GdM, 2007, pag 3).
O grande objectivo dos proponentes da EdR semelhana da Agenda
2025, que at 2025 o ndice de Desenvolvimento Humano (IDH) nas
reas rurais de Moambique seja trs vezes superior ao de 2005,
convertendo assim Moambique num pas de IDH mdio, como resultado
da transformao do padro de acumulao da economia nacional.
O documento aponta como seus objectivos estratgicos at ao ano 2025, os
seguintes: i) competitividade, produtividade e acumulao de riqueza; ii) gesto
produtiva e sustentvel dos recursos naturais e do meio ambiente; iii) diversificao
e eficincia do capital social, de infra-estruturas e institucional; iv) expanso do
capital humano, inovao e tecnologia e; v) boa governao e planeamento para o
mercado, (idem.)28. No mbito da segurana alimentar e nutricional, o documento no
seu objectivo II, estabelece uma ligao com as prioridades definidas no PARP II,
assumindo a segurana alimentar e nutricional como uma questo transversal, no
entanto, ressalta a necessidade de melhorar os mecanismos de coordenao de
modo que ela passe a fazer parte dos documentos de planificao provincial e
distrital, ou seja, os Planos Estratgicos Provinciais (PEP), Planos Estratgicos
Distritais e Oramento do Distrito (PESOD), o que confere maior consistncia nas
intervenes de mbito local.

27
Disponvel em
http://www.mpd.gov.mz/index.php/documentos/instrumentos-de-gestao/agenda-2025/83-agenda-
2025/file, acedido em 12 de Novembro de 2014.
28
Disponvel em
http://www.portaldogoverno.gov.mz/docs_gov/estrategia/adminEst/estrategia_desenvolvimento_ru
ral.pdf.
42
g) Estratgia de Revoluo Verde
A Estratgia de Revoluo Verde (ERV) surge no mbito da crise global de
alimentos de2007/2008, como uma resposta dos pases africanos ao choque global
da subida de cerais, aproveitando-se das experincias do Mxico e da ndia. Mais do
que um instrumento tcnico, a estratgia surge como uma resposta poltica e
conjuntural, convertendo-se num refro nacional desde o governo central ao local.
No Frum Econmico Mundial realizada em Junho de 2007 em Cape Town, lderes do
continente comprometeram-se a avanar com a Revoluo Verde. Foi na mesma
ocasio que Kofi Annan, ex-Secretrio Geral das NaesUnidas lanou a Alliance for
Green Revolution in Africa (AGRA).
Oficialmente foi assumido como objectivo da Revoluo Verde induzir o
aumento da produo e produtividade dos pequenos produtores para uma maior
oferta de alimentos de uma forma competitiva e sustentvel, por via de aumento de
rea cultivada, aumento de rendimento agrcola por hectare como elemento chave,
(iii) aumento dos efectivos e da produo pecurios, (iv) melhor aproveitamento dos
recursos hdricos, (GdM, 2007)29. Em termos de culturas, o documento define como
prioridades a produo de cererais (milho, arroz, mapira e trigo), leguminosas
(feijes, amendoim e soja), razes e tubrculos (mandioca e batata) e hortcolas nas
zonas verdes dos centros urbanos. Por outro lado, prioriza o desenvolvimento de
pequenas e mdias empresas de criao de gado bovino, assimo como a criao quer
empresarial, quer familiar de galincios.
Cedo mostrou-se que mais do que voltada para segurana alimentar e
nutrcional, a revoluo verde em Moambique associou-se a onda do agronegcio,
incluindo a promoo de biocombustveis, partcularmente a jatropha. Em uma
entrevista ao jornal Verdade, Diamantino Nhampossa, ento coordenador da Unio
Nacional de Camponeses (UNAC), lanou criticas a aposta na agricultura comercial
em detrimento dos camponeses, que em muitas polticas aparcem como prioridade,
porm, na alocao dos recursos produtivos so excludos o que faz perpetuar os

29
Veja http://www.minag.gov.mz/images/stories/pdf_files/erv.pdf. Acedido em 05 de Novembro de
2014.
43
baixos nveis de produtividade 30 . Joao Mosca, conceituado economista
moambicano associa-se aos crticos da revoluo verde, fundamentado que esta
busca aumentos rpidos de produo atravs da intensificao tcnica dos sistemas
de produo (sementes melhoradas, fertilizantes, pesticidas, regadios e
mecanizao), que no entanto o pas no est preparado quer tecnicamente, ou
financeiramente para sustentar tais transformaes 31.

h) Plano de Aco para a Produo de Alimentos (PAPA) 2008 - 2011


O PAPA est associado a Estratgia da Revoluo Verde (ERV) e dimensiona
as transformaes desejadas nas culturas priorizadas na ERV, ou seja, planifica os
nveis de aumento da produo e produtividade nas culturas alimentares. Nasce
como um esforo complementar revoluo verde. Assim, por cada cultura o
documento define as metas por alcanar, as estratgias de interveno, distritos
prioritrios tendo em conta as potencialidades agroecolgicas, recursos matriais e
financeiros. A planificao e dimensionamento das transformaes so feitas tendo
em conta a cadeia de valor de cada cultura, alis, esta metodologia tem sido similar
nas subsequentes polticas do sector agrrio, como o caso do Plano para o
investimento do sector Agrrio (PNISA).
O documento define o milho, arroz, trigo, mandioca, batata-reno, girasol,
soja, frango e pesca de pequena escala como reas de interveno, olhando para as
cadeias de valor desde a produo, processamento e comercializao 32. Numa
anlise comparativa entre as metas definidas e as realizaes no final do programa,
as culturas de milho e mandioca que tiveram um desempenho satisfatrio, fazendo
com que o pas tenha alcanado auto-suficincia na sua produo.

30

http://www.verdade.co.mz/opiniao/35-themadefundo/11291-sera-a-revolucao-verde-um-pato-que-
nao-voa, acedido em 12 de Novembro de 2014.
31
Veja http://se7emilhoes.blogspot.com/2010/11/crescimento-do-pais-nao-e-o-fim-da.html,
acedido em 12 de Novembro de 2014.
32
Mais detalhes consulte
http://fsg.afre.msu.edu/mozambique/caadp/MINAG_PAPA_FoodCommoditiesStrategicPlan2008.pdf,
acedido em 05 de Novembro.
44
i) Plano Estratgico para o Desenvolvimento do Sector Agrrio
(PEDSA) 2011-2020
Aps a adopo da resoluo n 11/95 de 31 de Outubro, que institui a Poltica
Agrria e as Estratgias de Implementao, um conjunto de programas e estratgias
sectoriais foram adoptadas, em grande medida, inspiradas por este documento.
Volvidos 15 anos, embora houvesse um aumento da rea produzida de cerca de 5
milhes hectares na dcada 90, para aproximadamente 9 milhes em 2010, os nveis
de produtividade no evoluram de forma significativa. Apenas as culturas de milho e
da mandioca tiveram um desempenho positivo, possibilitando o alcance da
auto-suficincia nacional destas culturas. As tentativas de introduo da cultura de
trigo, o aumento da produo do arroz, das oleaginosas no lograram alcanar os
sucessos esperados.
dentro deste quadro que nasce o Plano Estratgico para o Desenvolvimento
do Sector Agrrio (PEDSA), como um instrumento de harmonizao do conjunto de
estratgias do sector agrrio at ento existentes, por um lado, e por outro como um
documento que define novas directrizes que devem orientar as intervenes
estratgicas no sector agrrio. Assim, o documento sintetiza as estratgias de
interveno contidas na Estratgia da Revoluo Verde, nas Prioridades do Sector
Agrcola, na Estratgia de Investigao, no Programa Nacional de Extenso, na
Estratgia de Reflorestamento, no Plano Nacional de Florestas, na Estratgia de
Irrigao, no Plano de Aco para a Produo de Alimentos, Estratgia e Plano de
Aco de Segurana Alimentar e Nutricional, e no Plano Estratgico da Pecuria,
entre outras, (MINAG, 2011). Outrossim, o PEDSA estabelece uma ligao directa
com as prioridades continentais do desenvolvimento agrrio traduzidas no Programa
Compreensivo para o Desenvolvimento da Agricultura em frica (CAADP), com os
Objectivos de Desenvolvimento do Milnio (ODM), e ao nvel regional com a Poltica
Regional da Agricultura, sigla em ingls (RAP), Regional Policy on Agriculture.
A representao esquemtica abaixo apresenta a lgica de concepo do
PEDSA enquanto documento orientador da poltica agrria nacional. Partindo de um
cenrio base de existncia de um conjunto de polticas e estratgias (A, B, C, D, E),
o PEDSA harmoniza tais polticas, conjugando-as com novas abordagens, tendo em
conta as prioridades continentais (CAADP e RAP) e internacionais (ODM).

45
Harmonizao de
Polticas

A B
B A C
PED
E SA PEDSA

C G D
D
F E

Novas Directrizes

A viso do PEDSA assenta na Viso 2025 para Moambique, que de um


sector agrrio, prspero, competitivo e sustentvel, capaz de oferecer respostas
sustentveis aos desafios da segurana alimentar e nutricional e atingir mercados
agrrios a nvel global. Para operacionalizar esta viso, o documento define como
objectivo geral: Contribuir para a segurana alimentar e a renda dos produtores
agrrios de maneira competitiva e sustentvel garantindo a equidade social e de
gnero. (MINAG, 2011).
Contrariamente a vrios documentos de polticas, o PEDSA define pilares de
interveno sobre os quais incidem as transformaes desejveis. assim, que so
avanados cinco pilares, os quais esto em consonncia com os pilares do CAADP:
PILAR I: PRODUTIVIDADE AGRRIA Aumento da produtividade,
produo e competitividade na agricultura contribuindo para uma dieta
adequada;
PILAR II: ACESSO AO MERCADO Servios e infra-estruturas para
maior acesso ao mercado e quadro orientador conducente ao investimento
agrrio;
46
PILAR III: RECURSOS NATURAIS Uso sustentvel e aproveitamento
integral dos recursos terra, gua, florestas e fauna;
PILAR IV: INSTITUIES Instituies agrrias fortes.
Embora muitos o considerem de um documento excessivamente agrarista e
focado nas cadeias de valor, cujas falhas so estruturais e tem origem no tempo
colonial, o PEDSA tem o mrito de na sua gnese focar as orientaes em sistemas
agrrios, dando uma certa primazia ao campesinato, que representa mais de 70% da
populao moambicana, e que dos 81% da populao economicamente activa que
est na agricultura mais de 90% est no sector familiar. No entanto, como ver-se-
nas seces subsequentes, o seu documento operacionalizador, neste caso o Plano
Nacional para o Investimento do Sector Agrrio (PNISA), perde o foco na abordagem
dos sistemas agrrios camponeses e no s, convertendo-se num plano voltado para
o fortalecimento do agronegcio.
Em termos prticos, o PEDSA preconiza um crescimento mdio da agricultura
em pelo menos 7% ao ano, fundamentando este crescimento no aumento da
produtividade (ton/ha) combinada com o aumento da rea cultivada, perspectivando
duplicar os rendimentos em culturas prioritrias e aumentar em 25% a rea cultivada
de produtos alimentares bsicos at 2020, garantindo a sustentabilidade dos
recursos naturais, (MINAG, 2011). No mbito da segurana alimentar e nutricional, o
PEDSA reconhece o papel essencial da agricultura para o seu alcance, pois esta a
fonte principal de alimentos para a maioria da populao moambicana que vive no
meio rural.
A viso do PEDSA da segurana alimentar e nutricional assenta no seguinte
pensamento citado na ntegra:
a segurana alimentar e nutricional alcanada quando os pilares de
disponibilidade, acesso fsico e econmico, uso e utilizao, estabilidade e
adequao dos alimentos so funcionais. Advoga uma abordagem
holstica de produo e uso correcto dos alimentos e que permitir
melhorar a nutrio de toda a populao. Alm de aumentar a
disponibilidade de alimentos bsicos e contribuir para rendimentos
familiares maiores, a pesquisa pode buscar mais culturas de alto valor
nutritivo, por exemplo batata-doce de polpa alaranjada e alimentos
silvestres. Ao nvel local, extenso agrria pode promover educao
nutricional, em concertao com programas de ps-colheita. Tambm a
47
qualidade dos alimentos depende das tcnicas e prticas do maneio dos
alimentos nas machambas, nos armazns e nos celeiros. Assim,
segurana alimentar e nutricional entra nas fases de pesquisa agrria,
produo, colheita, ps-colheita, at o consumo. (MINAG, 2011, pag 29)

neste mbito que o PEDSA define como seu objectivo estratgico geral,
contribuir para a segurana alimentar e nutricional e a renda dos produtores
agrrios de maneira competitiva e sustentvel garantindo a equidade social e de
gnero. O documento apregoa assim, que o acesso seguro a quantidades
suficientes de alimentos nutritivos um direito humano fundamental. Disso resulta
como desafio essencial do PEDSA, a produo e diversificao de alimentos,
especialmente alimentos bsicos, para melhorar a situao de segurana alimentar e
nutricional da populao, reduzindo-se assim os nveis de mal nutrio crnica.
Assim, o PEDSA defende que o objectivo de contribuir para a segurana alimentar e
nutricional e a renda dos camponeses de maneira competitiva e sustentvel dever
guiar as directrizes e programas de todos os actores de desenvolvimento do sector
agrrio.

j) Plano Nacional de Investimento do Sector Agrrio (PNISA)


2013-2017
O Plano Nacional de Investimento do Sector Agrrio (PNISA) foi adoptado com
objectivo de operacionalizar as directrizes plasmadas no PDSA, ou seja, representa a
harmonizao das prioridades de investimento dos diferentes segmentos do sector
agrrio. No entanto, a sua concepo acontece num perodo em que Moambique
tem sido palco de grandes investimentos voltados para o agronegcio, o sector
mineiro e hidrocarbonetos, o que condicionou as prioridades deste documento. Mais
do que harmonizar as prioridades de investimentos segundo as directrizes do PEDSA,
o PNISA foi capturado por este turbilho de interesses corporativos nacionais e
globais, particularmente pela Nova Aliana do G8 para a Segurana Alimentar e
Nutricional, que ser abordada com detalhe mais na ltima seco quando forem
discutidos os riscos omissos de programas transnacionais para a SAN.
Em termos tericos, o PNISA reafirma a mesma viso do PEDSA de um sector
agrrio prspero, competitivo equitativo e sustentvel, definindo como objectivos
48
especficos: i) acelerar a produo de produtos alimentares bsicos; ii) garantir renda
para os produtores; iii) garantir acesso e posse segura dos recursos naturais
necessrios; iv) prover servios especializados orientados ao desenvolvimento da
cadeia de valor e; v) impulsionar o desenvolvimento das zonas de maior potencial
agrrio e comercial, (MINAG, 2013). O plano contrariamente a viso holstica dos
sistemas produtivos, foca a sua abordagem na priorizao de culturas especficas
semelhana do PAPA, dividindo-as em culturas alimentares (milho, arroz, trigo,
feijes, mandioca, tomate, batata-reno, batata-doce e tomate) e culturas de
rendimento (caju, o algodo, tabaco, gergelim tradicionais + soja33).
Em relao as metas de segurana alimentar e nutricional, semelhana do
PEDSA e da ESAN II, o PNISA preconiza atingir um crescimento mdio da agricultura
de pelo menos 7% ao ano, nos prximos 10 anos; reduo da desnutrio crnica em
menores de 5 anos de 44% em 2008 para 30% em 2015 e 20% em 2020 e; reduzir
para metade a proporo das pessoas que sofrem de fome at 2015. Estando a um
ano da meta de reduo da desnutrio crnica em menores de 5 anos de 44% em
2008 para 30% em 2015, avaliaes de mdio termo revelam que o cenrio actual
mostra avanos, porm no so significativos.
Quando analisada a alocao dos recursos financeiros do PINSA para as
culturas alimentares em relao s culturas de rendimento, verifica-se uma
desproporcionalidade colossal tendo em conta o critrio de peso na dieta alimentar
das famlias moambicanas. Das tabelas oramentais abaixo apresentadas, por
exemplo, se retirado o oramento destinado a cultura de arroz que de 6,330,520
mil milhes, verifica-se que as culturas alimentares ficam com pouco mais de 1/3 do
oramento destinado as culturas de rendimento. Outrossim, o grosso valor destinado
a cultura de arroz vai para reabilitao ou abertura de sistemas de irrigao, que por
seu torno ao nvel nacional dados indicam que as reas de irrigao reparadas ou
construdas pelo governo mais de 70% so entregues a investidores em detrimento

33 A soja introduzida como a nova cultura de rendimento motivada pelo aumento da sua demanda nos mercados globais, partcularmente o asitico e
europeu. A Nova Aliana preconiza-a como uma das culturas centrais, assim com o Prosavana. Em Moambique esta cultura foi expirimentada nos anos 80
no distrito de Guru, promovida pela Empresa Estatal Complexo Agro-Pecurio de Lioma (CAPEL). Actualmente esto em cultivo variedades da Seed
Co/Zimbabwe, como a Santa, Storm e Solitaire e a Santa Rosa a variedade mais antiga, originria do Brasil. No mbito da Nova Aliana e do Prosavana
novas variedades esto sendo testadas e desenvolvidas pelo Instituto de Investigao Agrria de Moambique (IIAM) e a Internacional de Agricultura
Tropical (IITA), tendo sido identificas oito variedades adaptadas s regies Centro e Norte do pas. As variedades identificadas pelo IIAM so a Ocepara-4,
427/5/7, H7 e TGX 1740 2F e as identificadas pelo IITA so TGX1904-2F, TGX1908-8F, TGX1937-1F e TGX1485-1D.

49
dos camponeses34. A cultura de milho que a principal na dieta dos moambicanos,
por exemplo, alocada menos recursos comparando com a cultura de soja.

Tabela 1: Oramento do PNISA para as culturas alimentares:


Perodo de Implementao
(10^3 MZM)
Subprogramas Ano 1 Ano 2 Ano 3 Ano 4 Ano 5 Total
Produo de Milho 5,971 6,668 7,525 8,501 9,616 38,281
Produo de Arroz 759,323 1,061,782 1,254,204 1,486,638 1,768,573 6,330,520
Produo de Trigo 132,718 135,557 138,472 141,460 144,526 692,733
Produo de Feijo
Vulgar 65,933 82,419 82,419 82,419 82,419 395,609
Produo de Batata
Reno 240,000 300,000 315,000 330,750 347,288 1,533,038
Produo de Tomate 90,015 94,516 132,322 185,251 259,350 761,454
Oramento (MT) 1,293,963 1,680,943 1,929,940 2,235,017 2,611,772 9,751,634
Fonte: PNISA, (MINAG, 2013)

Tabela 2: Oramento do PNISA para as culturas de Rendimento


Perodo de Implementao
(10^3 MZM)
Subprogramas Ano 1 Ano 2 Ano 3 Ano 4 Ano 5 Total
Apoio a Produo de
Caju 719,551 723,384 705,309 750,540 751,060 3,649,843
Revitalizao da cadeia
de Valor de Algodo 67,837 129,704 441,480 555,906 723,411 1,918,339
Apoio a Produo de
Tabaco 4,417 8,317 4,417 4,417 4,417 25,985
Apoio a Cadeia de Valor
de Soja 20,572 21,602 22,683 23,816 26,257 114,929
Apoio a Cadeia de Valor
da Girassol 19,638 20,620 21,651 22,734 23,871 108,514
Apoio a Cadeia de valor 35,000 35,000 35,000 - - 105,000

34
A reabilitao do Regadio Chimunda em Inhambane, um exemplo prtico desta elevada alocao
de terra aso investidores em detrimento dos camponeses. Aps a concluso das obras em 2015, o
governo tenciona atribuir cerca de 80% da terra a investidores, na sua maioria estrangeiros, e apenas
20% aos camponeses. O mesmo sucedeu-se com os regadios de Baixo Limpopo e de Mopeia.
50
do Acar
Apoio a Produo de
Combustveis 525 900 1,170 1,800 2,250 6,645
Total 867,540 958,217 1,251,111 1,379,013 1,551,695 5,929,255
Fonte: PNISA, (MINAG, 2013)

No global, o PNISA apresenta um oramento de investimento na ordem de


119,114.5 Bilhes de Meticais, o que corresponde a 4,254.1 Milhes de Dlares
Americanos. No entanto, at a data do seu lanamento, Abril de 2013, apenas
estavam assegurados 21% destes recursos, o que representa um dfice oramental
de 94,191.3 Bilhes de Meticais (equivalente a 3,363.9 Milhes de Dlares
Americanos (79 % das necessidades totais), (MINAG, 2013). Segundo dados no
oficiais avanados por quadros seniores do MINAG em eventos como a II Conferncia
Triangular dos Povos (Moambique, Brasil e Japo), realizada em Julho de 2014,
esto assegurados perto de 60% destes recursos com o incremento de recursos
vindos do Banco Africano de Desenvolvimento (BAD), recursos do G8 por via da Nova
Aliana, incluindo recursos do Prosavana so contabilizados como contribuies 35.

3.4 A Estratgia de Segurana Alimentar e Nutricional (ESAN II):


conquistas e limitaes

A ESAN II surge aps avaliao da ESAN I, instituda por via do decreto 16/98,
j abordada nas seces precedentes. Na sua essncia, esta difere da primeira por
introduzir de forma clara o Direito Humano a Alimentao Adequada como a
prioridade central ao mesmo tempo que refora os mecanismos de coordenao
institucional e poltica da SAN, por via da instituio do Secretariado Tcnico de
Segurana Alimentar e Nutricional (SETSAN).

35 A informao da cobertura de 60% do oramento do PNISA foi avanado por Mohamed Val,
Director Nacional de Servios Agrrios, durante a II Conferncia Triangular dos Povos, realizada na
Cidade de Maputo em 24 de Julho de 2014. No entanto, esta informao no pode ser dada como
certa, pois at ao momento no foi referenciada em documento algum do MINGA o nvel actual de
cobertura oramental do PNISA.
51
A ESAN define Segurana Alimentar como o direito de todas as pessoas, a todo o
momento, ao acesso fsico, econmico, e sustentvel a uma alimentao adequada,
em quantidade, qualidade, e aceitvel no contexto cultural, para satisfazer as
necessidades e preferncias alimentares, para uma vida saudvel e activa.

A ESAN II assenta nos seguintes pilares da SAN: a produo e disponibilidade


suficiente de alimento para o consumo; o acesso fsico e econmico aos alimentos; o
uso e utilizao adequadas dos alimentos; adequao para que os alimentos sejam
social, ambiental e culturalmente aceitveis incluindo a absoro dos nutrientes pelo
organismo e; e a estabilidade do consumo alimentar a todo o tempo, (SETSAN,
2007). Ao mesmo tempo que este documento estabelece um relao simbitica com
as demais polticas governamentais e instrumentos de planificao e coordenao da
poltica pblica e oramentria do estado, com destaque para a Agenda 2025, o
Programa Quinquenal do Governo (PQG), os Planos Econmicos e Sociais e
Oramento do Estado, o Plano de Aco para a Reduo da Pobreza Absoluta (PARPA
II) e PARP, e polticas sectoriais com destaque para sade, agricultura e aco social.
Ao nvel internacional, inspira-se e fundamenta-se na Declarao sobre Agricultura e
Segurana Alimentar em frica; Resoluo da Cimeira de Abuja sobre a Segurana
Alimentar 2006; Resoluo da Cimeira Mundial da Alimentao (CMA), Objectivos de
Desenvolvimento do Milnio (ODMs) e posteriormente a Estratgia da CPLP para
Segurana Alimentar e Nutricional.
Em termos de objectivos, a ESAN II define como seu objectivo central garantir
que todos os cidados tenham, a todo o momento, acesso fsico e econmico aos
alimentos necessrios, de modo a que tenham uma vida activa e saudvel, realizando
o seu direito humano alimentao adequada, (SETSAN, 2007). Especificamente so
definidos como objectivos:

a) Garantir a auto-suficincia alimentar do pas;


b) Contribuir na melhoria do poder de compra dos AFs;
c) Reduzir a incidncia de desnutrio (aguda e crnica) atravs do
melhoramento das condies de sade, gua saneamento do meio e
educao alimentar e nutricional;

52
d) Garantir de forma progressiva a realizao do direito humano alimentao
adequada para todos os cidados;
e) Aumentar a capacidade dos AFs em responder as variaes sazonais quanto a
produo, o acesso fsico e econmico alimentos adequados e;
f) Criar e desenvolver uma estrutura adequada para uma interveno
multissectorial e interinstitucional abrangente e inclusiva.

Faltando um ano para o trmino da ESAN II, as conquistas e insucessos da SAN


podem ser analisadas tendo em conta duas perspectivas. A primeira de ordem
qualitativa, olhando para as transformaes nas polticas voltadas para SAN e a
coordenao institucional da SAN, tendo em conta os actores estatais e no estatais.
A segunda perspectiva, com base numa anlise quantitativa tendo em conta os
indicadores preconizados na ESAN II, particularmente os relacionados com os nveis
de produo e produtividade, bem como os avanos na componente nutricional.

i) Conquistas e desafios da ESAN II na perspectiva de


transformao qualitativa
As grandes transformaes que a ESAN II logrou alcanar at ento, vistas numa
perspectividade qualitativa, podem destacar-se:
A incluso dos pilares e prioridades da SAN de forma estruturada e clara nos
Planos Econmicos e Sociais Anuais a partir de 2011, o que tem acontecido
igualmente ao nvel dos Planos Econmicos e Sociais e Oramento do Distrito
(PESOD) embora na perspectiva emergencial particularmente nos distritos
vulnerveis as calamidades naturais. Outrossim, a incluso sistemtica da SAN
e do DHAA nos Planos Estratgicos Distritais (PEDDs) at 2013 foi efectivada
em 12 distritos, de 128 existentes no pas. Por outro lado, polticas e
programas sectoriais, particularmente do sector da agricultura incluem de
forma sistemtica a componente da SAN, tendo em conta os pilares definidos
na ESAN II, cujo exemplo o PEDSA.
Nota-se um grande envolvimento das Organizaes da Sociedade Civil (OSC)
na defesa da agenda da SAN, particularmente por movimentos sociais,
organizaes de camponeses, no entanto, o engajamento com o SETSAN

53
continua limitado restringindo-se em ocasies em que h eventos especficos.
A luta pela ratificao do Pacto Internacional dos Direitos Econmicos, Sociais
e Culturais (PIDESC) perdeu alguma fora, em virtude das considerveis
fragilidades e reduzida capacidade actual de mobilizao da Rede de
Organizaes pela Soberania Alimentar (ROSA), criada em 2013 e que
congrega cerca de 23 OSC.
A institucionalizao da SAN assumiu cada vez mais um papel preponderante
comparativamente aos anos precedentes, resultante dos trabalhos do
SESTAN enquanto entidade coordenadora, ao mesmo tempo que este
melhorou sua articulao com o Departamento de Nutrio do Ministrio de
Sade, com Instituto de Investigao Agrria de Moambique (IIAM). No
entanto, como ser abordado em diante o SESTSAN continua sem fora
suficiente de aco e mobilizar entidades ministeriais ao mais alto nvel,
derivado fundamentalmente da sua posio hierrquica inferior ao situar-se
como um departamento dentro do MINAG, o que mais do que uma posio de
coordenao, em muitas ocasies parece em posio de subordinao.
A iniciativa de descentralizao da agenda de SAN no foi alm do mbito da
planificao, ou seja, no basta descentralizar instrumentos de planificao da
SAN, sem descentralizar a coordenao da SAN. Ao nvel provincial o SETSAN
faz-se presente por pontos focais ao nvel das Direces provinciais da
Agricultura (DPAs), o que humanamente impossvel coordenar uma agenda
to importante, da que estes pontos focais encontram-se numa posio
margina, diante dos centros provinciais de tomada de deciso.
O envolvimento da comunidade na agenda da SAN, mais do que institucional
feito de forma circunstancial por via de seu envolvimento em projectos de
nutrio, fundamentalmente. Os espaos de tomada de deciso e participao
como os Conselhos Consultivos esto partidarizados e controlados pelo
partido no poder, cujos membros assumem um estatuto especial, e a cultura
de participao social praticamente quase que inexistente.

Embora a ESAN II tenha conseguido contribuir para transformaes


importantes no mbito da (i) Adopo de Polticas voltadas ou que incluam os pilares

54
da SAN e, (II) a institucionalizao da agenda SAN por via da melhoria da
coordenao institucional por via do SETSAN, houve um grande vazio e at
negligencia na adopo de leis que assegurem a realizao do direito humano a
alimentao adequada, o que limita a edificao de um Sistema Nacional de
Segurana Alimentar e Nutricional (SISAN). A introduo do DHAA na Constituio da
Repblica, por via de emenda constitucional no teve lugar; a lei de segurana
alimentar e nutricional no passou de um projecto de lei e que a nica iniciativa
existente foi capturada pela USAID, por via do projecto de lei da agricultura e
segurana alimentar e nutricional. A mesma iniciativa actualmente objecto de
contestao por parte das OSC. Para colorir este cenrio negro na componente legal,
Moambique ainda no ratificou o PIDESC, por vises divergentes no partido
FRELIMO vindas da poca do governo socialista em relao a este instrumento.
Na prtica o que mina a edificao de um SISAN em Moambique a falta de
vontade e compromisso poltico e o no avano na componente legislativa que
assegurem a realizao do DHAA. Pelo que, a ideia esquemtica avanada na
primeira seco deste artigo sobre a trajectria da edificao do SISAN apresenta
uma ruptura. Abaixo, reproduz-se o trajecto da edificao do SISAN com as
limitaes legais acima abordadas

No adopo da lei de
SAN e ratificao do
Participao da Sociedade PIDSC
Civil

Adopo de Arranjo Adopo de Polticas e Instrumentos legais


polticas institucional leis voltadas programas de SA do DHA
voltadas para para a coord. para realizao
SA da SA do DHA

Institucionalizao
da SA

Participao da Sociedade
Civil
No introduo do
DHAA na Constituio
da Republica

55
ii) Conquistas e desafios da ESAN II e do Plano de Aco
Multissectorial para a Reduo da Desnutrio Crnica em
Moambique na perspectiva de transformao quantitativa
Com vista a conferir-se uma resposta acelerada para a preveno e reduo
da desnutrio crnica, o Conselho de Ministro de Moambique, em sua 34 sesso
ordinria, de 28 de Setembro de 2010, aprovou o Plano Multissectorial para a
Reduo da Desnutrio Crnica (PMRDC). Este plano aprovado numa altura em
que quase metade da populao moambicana sofre das consequncias da
desnutrio crnica, ao mesmo tempo que os dados da avaliao do PARPA II
revelam que a situao da desnutrio crnica no tem melhorado significativamente
nos ltimos anos.
O mrito deste instrumento reside no facto de olhar para a desnutrio crnica
como uma questo multidimensional e no associada apenas segurana alimentar.
O documento deminsiona as causas da desnutrio crnica que passam pela
insegurana alimentar, a falta de servios de sade e de higiene, bem como de
saneamento ambiental e os cuidados maternos e infantis adequados, assumindo
uma paridade hierrquica na relevncia destas causas. A realizao do DHA
assumida como uma das questes centrais no plano, ao mesmo tempo que
reconhece o valor da intersectoridade nas intervenes com vista a sua efectivao.
Figura como objectivo geral do PMRDC acelerar a reduo da desnutrio
crnica em menores de 5 anos de 44% em 2008 at 30% em 2015 e 20% em 2020,
contribuindo para a reduo da morbimortalidade infantil e assegurando o
desenvolvimento de uma sociedade saudvel e activa, (MISAU, 2010, pag. 36) 36.
Para alcanar este objectivo, o documento focaliza suas estratgias de interveno
nos seguintes grupos-alvo: raparigas na sua adolescncia (10-19 anos), mulheres
em idade frtil, antes e durante a gravidez e lactao e as crianas nos primeiros dois
anos de vida. Tendo em conta estes grupos-alvos, o plano define como principais
metas, que se transcreve na ntegra as seguintes:
Grupo de adolescentes: reduzir as taxas de anemia em adolescentes
dentro e fora da escola de 40% (estimado) em 2010 para 20% em 2015 e
10% em 2020.

36
Disponvel em http://fsg.afre.msu.edu/mozambique/caadp/pamrdc_portugues_finalsmall.pdf .
56
Mulheres grvidas e lactantes: (i) reduzir as taxas de anemia na gravidez
de 53% em 2002 para 30% em 2015 e 15% em 2020; (ii) aumentar em 30
pontos percentuais o nmero de mulheres que ganham 5kg durante a
gravidez em 2015 e; (iii) acelerar a reduo da desnutrio crnica em
menores de 5 anos de 44% em 2008 at 30% em 2015 e 20% em 2020.
Mulheres em Idade Reprodutiva: reduzir as taxas de anemia em
mulheres em idade reprodutiva de 56% em 2010 para 30% em 2015 e 15%
em 2020.
Crianas menores de 5 anos (incidncia nas crianas menores de 2
Anos): (i) reduzir o baixo peso ao nascer de 15% em 2008 (MICS)37 para
10% em 2015 e 5% em 2020; (ii) reduzir a taxa de prevalncia da Desnutrio
Crnica em crianas menores de dois anos dos 37.4% em 2008 (MICS) para
27% em 2015 e 17% em 2020; (iii) aumentar as taxas de Aleitamento
Materno Exclusivo em menores de seis meses de 37% em 2008 (MICS) para
60% em 2015 e 70% em 2020; (iv) aumentar a taxa de crianas dos 9-11
meses que receberam pelo menos trs refeies de alimentos
complementares adequados durante o dia, de 37% em 2008(MICS) para 52%
em 2015 e 67% em 2020 e; (v) reduzir a taxa de anemia em crianas de 74%
em 2002 para 30% em 2015 e 15% em 2020.

As metas traadas no mbito do Plano Multissectorial para a Reduo da


Desnutrio Crnica esto conjugadas com as da ESAN II, pese embora que, em
alguns indicadores, a ESAN II ambiciosa ao no conjugar realisticamente a relao
disproporcional entre a inteno e os recursos existentes, quer financeiros assim
como humanos. A tabela abaixo apresenta algumas das metas estabelcidas na ESAN
II e no PMRDC impossveis de serem alcanadas em 2015, ano em que ambos
instrumentos chegam ao fim.

37
MICS refere-se aos dados de base do Inqurito de Indicadores Mltiplos divulgados em 2008, que
serve como referncia base para dimensionar as transformaes desejveis no mbito da reduo da
desnutrio crnica.
57
Tabela 3: Avaliao preliminar de alguns indicadores da ESAN II e
PMRDC
Estratgia/Plano Indicador de Resultado Situao Actual Notas e
at 2015 Observaes
ESAN II Reduo do nmero de Com base nos resultados da campanha
meses sem reservas agrcola 2013/2014, o defce das
alimentares de 5 meses reservas alimentares variam de regies,
em 2005 a 0 meses em sendo que a regio norte a que
2015 apresenta o melhor cenrio com
autosuficincia garantida,
comparativamente a regio sul do pas
que ainda apresenta um dfice entre 3-5
meses.
ESAN II Crescimento da produo Estimativas do Plano Econmico e Social
nacional de alimentos em (PES)38 para o ano de 2014 revelam um
10% ao ano at 2015. crescimento da agricultura de apenas
7.1% no global, sendo as culturas de
rendimento com o melhor desempenho
11,5%,, contrariamente as culturas
alimentares que apresentam um
crescimento mdio abaixo de 10%
segundo preconizado na ESAN II.
ESAN II Lei e regulamento para o Neste mbito foram discutidos o
DHAA decreto-lei quadro do direito humano
aprovado pela AR at 2009 alimentao adequada, assim como o
projecto de lei da agricultura e
segurana alimentar em discusso, que
prev-se a sua aprovao em 201539.
ESAN II SAN e DHAA inseridos na Em 2012 iniciaram as consultas com

38
PES 2014 disponvel em
http://www.portaldogoverno.gov.mz/docs_gov/programa/PES_%202014.pdf.
39
Aceda-se aqui os projectos
http://www.ifsn.info/index.php/publications/ifsn-ii-publications/year-3/mozambique/114-law-table-o
f-human-right-to-adequate-food/file e
http://www.speed-program.com/wp-content/uploads/2014/02/2014-SPEED-Report-003-Economic-a
nalysis-of-food-law-PT.pdf.
58
Constituio da Repblica vista a reviso da actual Constituio da
de Repblica de 2014. num mbito desta
Moambique (CRM) at movimentao que se prev a
2015 introduo da emenda constitucional
para adopo do DHAA.
ESAN II Reforo da Institucional Embora o SESTAN tenha se intalado a
Do SETSAN a nvel central, nvel provincial por via dos pontos focais
Provincial e distrital at junto das Direces Provinviais da
2015 Agricultura (DPA), a sua funcionalidade
tem se mostrado no ser efectiva,
limitando-se em intervenes
circunstanciais e no necessariamente
de coordenao da SAN. Ao nvel do
distrito, esta realidade ainda est
muito distante.
ESAN/PMRDC Reduo da taxa de Dados do Inqurito Demogrfico e Um dos
prevalncia da Desnutrio Sade (IDS) 40 revelam que em 2010 problemas
crnica (baixa cerca de 43% das crianas menores de centrais para o
altura para a idade) de 5 anos tm altura baixa para a sua insucesso em
41% em 2003 para 30% idade. Esta situao revela que a meta atingir-se as
em 2010 e 20% em 2015 da ESAN II de reduzir de 41% em 2003 metas
para 30% em 2010, mais do que reduzir preconizadas
aumentou para 43%. Isso revela que reside no facto de
praticamente impossvel alcanar a no ter-se em
meta de 20% em 2015. considerao a
fragilidade do
governo na
mobilizao de
recursos e sua
alocao para os
planos
elaborados.
Muitos dos quais

40
IDS disponvel em http://dhsprogram.com/pubs/pdf/FR266/FR266.pdf.
59
a alocao de
recursos no
atinge 70% do
planificado.
ESAN II/PMRDC Reduo da taxa de Dados do IDS41 revelam que em relao Com uma
prevalncia de desnutrio a reduo da desnutrio crnica actual valiao
actual (baixo peso para a (baixo peso para idade), em 2010 houve intermdia
idade) de 24% em 2003 uma reduo de para, 15%. Ou seja a positiva em 2010,
para 18% em 2010 e 13% meta foi alcanada com 3 pontos tudo leva a crer
em 2015 percentuais abaixo. que a meta de
13% em 2015
seja alcanada.

3.5 Outras Intervenes Relevantes no mbito da SAN em Moambique:


actores e iniciativas

Para alm das intervenes estratgicas j abordadas no mbito da SAN,


estas so completadas por um conjunto de iniciativas sectoriais ao nvel dos
diferentes ministrios e instituies pblicas, aces de organismos
intergovernamentais como a FAO e o PMA, inciativas de natureza bilateral e
multilateral entre o governo de Moambique e outros governos, aces de agncias
de desenvolvimento internacional e organizaes da sociedade civil e movimentos
sociais, entre outras iniciativas. De uma forma panormica, sero abordadas
algumas destas iniciativas e actores relevantes.

3.5.1 Outros actores governamentais na SAN

Ao nvel do Ministrio da Educao e Cultura (MINEC) foi concebido o


Programa Nacional de Alimentao Escolar (PRONAE), aprovado pelo Conselho de
Ministros na sua 14 Sesso Ordinria, de 14 de Maio de 2013. A concepo deste
instrumento contou com a cooperao tcnica do governo brasileiro pela sua larga

41
Idem.
60
experincia na adopo e implementao de programas desta natureza, voltados
para contribuir para a segurana alimentar e nutricional, por via de interveno
escolar. O objectivo deste programa de reduzir, de uma forma sustentvel, o
impacto negativo que os problemas da insegurana alimentar e da desnutrio
provocam no sector da Educao, nomeadamente o fraco ingresso ao ensino, o
abandono escolar, o absentismo e o insucesso escolar, (MINEC, 2013).
O PRONAE assenta nos seguintes pilares, ou actividades centrais: i)
Fornecimento de uma Alimentao Diversificada e Balanceada nas Escolas; ii)
Desparasitao; iii) Educao Alimentar e Nutricional; iv) Produo Agrria nas
Escolas e; v) Aquisio Local de Gneros Alimentcios. Na sua concepo e
mecanismos de implemntao, o PRONAE adoptada uma postura multisectorial,
incluindo o envolvimento da Sociedade Civil. At ento, destaca-se para alm das
intidades governamentais a participao da Unio Nacional de Camponeses (UNAC).
O Ministrio da Saude (MISAU) adoptou o Programa de Reabilitao
Nutricional (PRN), cujo objectivo de fazer o suplemento nutricional das crianas
identificadas com desnutrio aguda. Para o tratamento da desnutrio aguda grave,
quase todos os distritos do pas utilizam o Plumpy Nut como 26 suplemento
teraputico. Para o tratamento da desnutrio aguda moderada, o MISAU, com o
apoio do PMA e UNICEF, fornece o CSB como suplemento alimentar. O programa de
suplemento alimentar s cobre as provncias de Tete, Manica, Sofala, Gaza,
Inhambane e Maputo.42
Ainda no MISAU, no mbito da preveno das deficincias de micronutrientes,
foram adotados programas de suplemento com micronutrientes e o programa de
desparasitao cujos grupos-alvo so as mulheres grvidas, as lactantes e as
crianas menores de 5 anos de idade. O programa de desparasitao inclui ainda
crianas e adolescentes que so desparasitados nas escolas. Como forma de
aumentar as coberturas destas intervenes e de outras de Sobrevivncia Infantil, o
MISAU iniciou, em 2008, as Semanas Nacionais de Sade da Criana (SNSC) que, em
2010, passaram a incluir tambm a componente materna.43

42
Mais detalhes consulte
http://fsg.afre.msu.edu/mozambique/caadp/pamrdc_portugues_finalsmall.pdf. Acedido em 20 de
Novembro de 2014.
43
Idem.
61
O Ministrio da Mulher e Aco Social (MIMAS) adoptou o Programa Subsdio
de Alimentos (PSA) que distribui alimentos para pessoas vulnerveis em todas as
provncias. Os grupos-alvo deste programa so os idosos com reconhecida
incapacidade permanente para o trabalho, pessoas portadoras de deficincia,
doentes crnicos e mulheres grvidas em situao de desnutrio. particularmente
em relao ao apoio s mulheres grvidas em situao de desnutrio que a aco
social tem contribuido para reduzir a desnutrio crnica. Segundo dados do PMRDC
(2010), a cobertura da interveno, em 2009, do PSA beneficiou 143.455 agregados
familiares, totalizando 287.454 pessoas. Associado a este programa, o MIMAS dipe
do Programa de Apoio Social Directo (PASD) que consite em transferncias
monetrias aos agregados familiares mais vulnerveis e pessoas que se encontram
em estado de pobreza absoluta. O nmero de beneficirios do PASD passou de 7.173
em 2005 para 24.242 em 2009. 44 Estes programas foram concebidos nos anos 90
para fazer face aos impactos negativos do Programas de Ajustamento Estrutural, e
foram se adequando aos contextos ao alongo das ltimas dcadas.
Ao nvel do Ministrio da Indstria e Comrcio (MIC), existe o Programa
Nacional de Iodizao do Sal para a reduo da carncia de iodo. Este programa
resultado de uma cooperao entre o Ministrio da Sade, o Ministrio da Indstria e
Comrcio (MIC), as Associaes de Produtores de Sal, a sociedade civil, o UNICEF e
a Population Services International (PSI)45.

3.5.2 Entidades intergoveranamentais e agncias de desenvolvimento na


SAN

As entidades intergovernamentais que mais actuam no mbito de segurana


alimentar e nutricional so o PMA (Programa Mundial de Alimentao) e a FAO.
Ambos organismos iniciaram a actuar no Pas sobretudo na dcada 90, com
programas de emergncia e ajuda humanitria, no mbito da reconstruo social e
econmica ps conflito. A FAO tem vindo a intervir igualmente, desde esta altura, na
assistncia tcnica do governo no mbito de definio de polticas da agricultura e
voltadas para a segurana alimentar e nutricional.
44
Idem.
45
Idem.
62
Em relao aos programas especficos de maior vulto, em 2008, o PMA lanou
o programa Purchase for Progress (Compras para o Progresso P4P), uma iniciativa
que promove o acesso aos mercados para camponeses em 20 pases, incluindo
Moambique, para vender seus excedentes. O PMA adquire alimentos locais que
posteriormente so alocados a grupos vulnerveis, incluindo para a alimentao
escolar46. A compra precedida pelo fortalecimento de capacidades produtivas, de
planificao, comercializao dos camponeses, tendo em conta os gargalos
especficos que influenciam negativamente para o desenvolvimento dos territrios.
Esta abordagem substitui a anterior, que estava basicamente voltada para
assistncia humanitria com vista a assegurar o food security (disponibilidade fsica
de alimentos), independentemente da origem dos alimentos, os modos de produo
e os hbitos alimentares dos beneficirios.
No mbito nutricional, o PMA tem um programa de apoio nutricional a
mulheres grvidas e lactantes sofrendo de desnutrio moderada que apoia
aproximadamente 8000 mulheres por ano. O PMA, igualmente, auxilia o Governo na
prestao de assistncia alimentar para Crianas rfs e Vulnerveis (COV) nas
provncias de Tete, Manica, Sofala, Inhambane, Gaza e Maputo, tendo distribuido
alimentos a 36.375 beneficirios, no primeiro trimestre de 2010. No mbito do
programa de Cuidados Domicilirios (CD) o PMA, em parceria com ONGs locais,
presta assistncia alimentar e nutricional s pessoas com doenas crnicas
decorrentes do HIV/SIDA. (INE, 2013)
Por sua vez, a FAO implementa um projecto especial de hortas escolares,
chamado Celeiros da Vida ou Junior Farmer Field and Life Schools (JFFLS). Este
projecto destaca-se por um currculo que dura 11 meses e transmite conhecimento
sobre boas prticas agrcolas, sade, higiene e nutrio. O JFFLS implementado
pela FAO em colaborao com o MINAG, MEC, MMAS e JAM e cobre todos os distritos
de Manica e metade dos distritos de Sofala. (idem)
No mbito de interveno multissectorial, a FAO, PMA, Ministrio das Relaes
Exteriores do Brasil (Coordenao Geral de Aces Internacionais de Combate
Fome), Ministrio do Desenvolvimento Social e Combate Fome (MDS) do Brasil e o
Departamento do Reino Unido para o Desenvolvimento Internacional (DFID)

46
Mais detalhes veja http://paa-africa.org/pt/about/programme-partners/.
63
estabeleceram uma parceria que se traduziu no Programa de Aquisio de Alimentos
(PAA-frica). Iniciada em 2013 com um programa piloto, esta iniciativa visa
promover a segurana alimentar e nutricional e gerao de renda para camponeses
e comunidades vulnerveis, inspirando-se na experincia brasileira bem-sucedida do
Programa de Aquisio de Alimentos (PAA) 47 . Actualmente a iniciativa abrange
Etipia, Malawi, Moambique, Nger e Senegal.
Estima-se que o projecto-piloto tenha beneficiado em 2013 cerca de 600
famlias, 72000 alunos e 174 escolas. O programa centrou-se em dois distritos da
provncia de Tete, Angnia e Cahora Bassa, sendo o primeiro um dos celeiros do pas
com elevado potencial produtivo e o segundo beneficirio dos produtos adquiridos
em Angnia. Na sua segunda fase prev-se uma expanso progressiva do programa
em funo dos resultados.
Contrariamente a experincia brasileira, o PAA em Moambique conta com
uma fraca participao do governo moambicano, limitando-se apenas a presena de
tcnicos do Ministrio da Agricultura no grupo consultivo do programa. Outrossim, as
organizaes da sociedade civil, particularmente a UNAC, tm estado engajadas
desde o incio do programa e tm mobilizado outros actores sociais, na esperana de
converter o PAA de um projecto para uma poltica pblica, com alocao de recursos
governamentais e forte participao dos actores sociais.
Para alm da FAO e do PMA, desde a dcada 90 vrias agncias humanitrias
e de desenvolvimento tm actuado no pas no mbito da SAN. A CARE Internacional
foi uma das pioneiras no mbito da ajuda alimentar americana, seguiram a Agncia
Japonesa de Cooperao Internacional (JICA), Viso Mundial, DANIDA, Ajuda
Popular da Noruega, Helpage Internacional, Save de Children, entre outras.

3.5.3 Organizaes da Sociedade Civil e Movimentos Sociais na SAN

As organizaes da sociedade civil e movimentos sociais comearam, desde a


dcada 90, com uma srie de intervenes no mbito da segurana alimentar e
nutricional, particularmente focadas em projectos especficos. Um passo qualitativo
deu-se em 2003 com a criao da Rede de Organizaes da Sociedade civil para a

47
Consulte http://paa-africa.org/pt/about/paa-africa/.
64
Soberania Alimentar Rosa, como uma plataforma que coordena os esforos da
sociedade civil no mbito da SAN.
A ROSA uma coligao de organizaes ao servio de aces de advocacia
na rea de Segurana Alimentar e Nutricional (SAN). Criada em 2003 pela ABIODES,
UNAC e ActionAid, surge como uma rede para preencher o vazio de comunicao que
existia entre as vrias organizaes da sociedade civil que actuam na rea de
segurana alimentar no pas, tornado-a uma plataforma sria para aces de
advocacia sobres polticas agrrias em Moambique. Tem participado activamente
nos processos de planificao, coordenao e monitoria de programas de soberania
e segurana alimentar, atravs do dilogo, colaborao e troca de experincias entre
os membros e com as demais organizaes da sociedade civil nacionais e
internacionais, sector privado e Governo, no mbito da Campanha Moambique Livre
Da Fome que vem liderando desde 2006. (ROSA, 2013)
Neste momento, esta rede constituda por 40 membros representados em
todo o pas atravs de Pontos Focais provinciais e coordenados por um colgio de 11
Organizaes (ABIODES Associao para Desenvolvimento Sustentvel, CMA
Comunidade Moambicana de Ajuda, MuGeDe Mulher, Gnero e Desenvolvimento,
ActionAid Moambique, ATAP Associao dos Tcnicos Agro-Pecurios, KEPA
Agncia de Cooperao Finlandesa, KULIMA Organismo para o Desenvolvimento
Socio-Econmico Integrado, LDH Liga dos Direitos Humanos, NEPA, ORAM
Organizao Rural de Ajuda Mtua e a UNAC Unio Nacional dos Camponeses),
(idem). A ROSA defende o princpio da Soberania Alimentar como aquele que se
baseia numa agricultura e comrcio sustentveis que no comprometam o acesso a
outras necessidades essenciais e o sistema alimentar futuro. Para a ROSA
fundamental o uso e a gesto da terra, territrios, gua, sementes, animais e
biodiversidade ao servio das comunidades locais.
Para alm de programas e projectos especficos de cada um dos seus afiliados,
as aces da ROSA no mbito da SAN em Moambique contriburam sobretudo, na
influncia da ESAN II, nos projectos de lei voltados para a realizao do DHAA, na
constituio do SETSAN e engajamento das OSC com esta entidade. A ROSA
atravessa neste momento uma crise de governao, particularmente por vises
opostas entre as OSC quanto a organizao orgnica desta instituio. Um grupo

65
defende a institucionalizao legal da ROSA, ao passo que outro defende que esta
permanea como uma coalizo de organizaes. Independentemente do destino que
este organismo vier a ter, uma coisa certa, a indefinio dos destinos da ROSA tem
gerado uma fragilidade no engajamento da ROSA no mbito da SAN, havendo
potenciais riscos do seu desaparecimento.
Outrossim, um conjunto de organizaes de base tem implementado, em
quase todo territrio nacional, um conjunto de incitativas voltadas para a segurana
alimentar e nutricional. No mbito produtivo, destacam-se as associaes e
cooperativas membros da UNAC. No mbito nutricional destacam-se organizaes de
base, muitas das quais apoiadas por agncias internacionais de desenvolvimento.
Para alm dos desafios estruturais e iniciativas j abordados no mbito da SAN
ao nvel domstico, emerge um conjunto de ameaas externas para a efectivao das
metas plasmadas nos vrios instrumentos. Camuflados em iniciativas de segurana
alimentar e nutricional para Moambique, estas iniciativas capturam agendas
nacionais e regionais como fontes para sua legitimidade. Refere-se aos programa
ProSavana e a Nova Aliana do G8 para Segurana Alimentar e Nutricional. sobre os
riscos omissos destes programas transnacionais que estar focada anlise da ltima
seco do presente estudo.

66
IV. RISCOS OMISSOS DE PROGRAMAS TRANSNACIONAIS
PARA A SAN: NOVA ALIANA DO G8 E O PROSAVANA

Com a crise global de alimentos de 2007/8 houve um reposicionamento dos


actores globais que controlam a cadeia mundial de alimentos. Este reposicionamento
vai desde grandes corporaes, as maiores economias do planeta, as suas
respectivas agncias de cooperao, que conjugam esforos na busca de novas
fronteiras agrcolas. Este cenrio coloca o continente Africano, como o novo palco de
corrida pela ocupao de terras.
Segundo o relatrio do Banco Mundial de 2010, mais de 70% das aquisies
de terra agrcola no mundo tem ocorrido na frica Subsariana, com destaque para
Moambique, Etipia e Sudo. Dados do relatrio do Banco de Moambique de 2013
revelam que durante este perodo a entrada lquida de capitais sob forma de
Investimento Directo Estrangeiro (IDE) totalizou USD 5.935 milhes de Dlares, um
crescimento em 15,8% quando comparado com igual perodo de 2012, colocando o
pas como o terceiro maior destino do IDE em frica48.
A onda de investimento, particularmente da indstria extractiva mineira e de
hidrocarbonetos e agronegcio, resulta em cada vez maior presso sobre terra,
provoca conflitos de terra, empurrando as comunidades locais para terras marginais
e improdutivas, ao mesmo tempo que perdem os meios seculares de vivncia. Isso
faz com que surja um nvel cada vez maior de resistncia das comunidades,
movimentos dos campos e OSC a esta poltica excludente e insustentvel de
investimentos.
Com o aumento da resistncia e presso das foras sociais, as portas e
estratgias de entrada do IDE tm encontrado novas alternativas de legitimao, que
incluem por exemplo, a integrao dos grandes investimentos em agronegcio em
polticas e programas agrrios nacionais. Captura-se deste modo a agenda de
segurana alimentar e nutricional como forma de legitimar tais iniciativas. Tratam-se
dos casos da Nova Aliana do G8 para a Segurana Alimentar e Nutricional e o
Programa ProSavana, que sero abordadas nas duas ltimas seces do presente
estudo.

48
Relatrio disponvel em http://www.bancomoc.mz/Files/CDI/RelatorioAnual2013.pdf.
67
4.1 Nova Aliana do G8 para Segurana alimentar e nutricional: o
regresso das companhias majestticas e a mercantilizao da terra

Quando se deu a ocupao efectiva de Moambique no incio do sculo XX


pelo regime colonial portugus, no mbito da partilha de frica proclamada na
conferncia de Berlim (1884/5), companhias imperialistas majestticas passaram a
controlar as principais regies geoestratgicas de Moambique. As companhias de
Moambique e do Niassa tornaram-se nas grandes corporaes com controlo
territorial, dos recursos naturais, do homem e da terra, convertendo os territrios em
regies satlites ao servio da metrpole colonial.
Com o advento da independncia nacional, a classe burguesa viu-se
desprovida dos seus meios de reproduo social, e obrigada a regressar as
respectivas coroas coloniais. Algumas das empresas satlites tentaram adaptar-se ao
governo do dia, mas sem sucessos e anos mais tardem tiveram que fechar as portas.
Os que perderam as ligaes sociais, econmicas, culturais e identitrias
com a metrpole, naturalizaram-se moambicanos.
Mais de 100 anos depois reeditam-se os factos que outrora marcaram a
Conferncia de Berlim. Numa aco concertada, as maiores economias do Mundo
concatenaram o lanamento da Nova Aliana para a Segurana Alimentar de frica,
que de segurana alimentar s tem o nome. Trata-se de uma iniciativa econmica,
que mais do que ajudar a frica, suporta as grandes economias a reposicionaram as
suas corporaes no controla da terra, gua, e toda cadeia alimentar do pases
abrangidos.
Esta iniciativa, resulta de um acordo assinado por cerca de 40 estados e
instituies financeiras e organizaes multilaterais internacionais em 2009 na
cimeira do G8 de LAquila, Itlia, depois de ter sido apresentada pela primeira vez
pelo Governo dos Estados Unidos da Amrica, sob a liderana do Presidente Barack
Obama. Com esta iniciativa, o G8 argumenta que pretende cooperar com os
Governos africanos para libertar 50 milhes de africanos da pobreza, 3.1 milhes dos
quais em Moambique entre 2012 e 2022. Com o referido acordo foi ainda
estabelecido um suposto Programa Mundial para Agricultura e Segurana Alimentar

68
do Banco Mundial estimado em US$ 20 mil milhes. Seis pases africanos, dos 20
previstos, j aderiram a Nova Aliana: Burquina Faso, Costa do Marfim, Etipia,
Ghana, Moambique e Tanznia.
Na prtica, a Nova Aliana mais do que ajudar os pases africanos, cria um
ambiente favorvel para a entrada das grandes corporaes por via de simplificao
dos procedimentos de aquisio de terra; transformao do regulamentos de
sementes e fertilizantes favor das grandes corporaes, incluindo a reduo e
retiradas de proibies ambientais; confere as grandes corporaes a
responsabilidade de produo alimentar para mundo, sem necessariamente
responder as urgentes demandas nacionais dos pases abrangidos. Por outro lado, as
Nova Aliana no se limita ao agronegcio, ela preconiza uma aliana entre o capital
extractivo, capital financeiro, a cadeia logstica (estradas, ferrovias e portos) e
agronegcio.
Ao nvel do continente africano e europeu esta iniciativa foco de crticas e
resistncias pelas organizaes da sociedade civil e movimentos do campo. Em
Moambique a Aco Acadmica para o Desenvolvimento das Comunidades Rurais
(ADECRU) tem lanado duras crticas a este programa. Em Abril de 2013, em
posicionamento a ADECRU denunciou o lanamento desta iniciativa e cita-se na
ntegra alguns trechos do documento49:

O Grupo dos oito Pases com economias consideradas mais


desenvolvidas do mundo, conhecido por G8, em conivncia
com o Governo de Moambique, gigantes corporaes
transnacionais e instituies financeiras multilaterais
procedem, nos prximos dias 10 e 11 de Abril de 2013 na
capital moambicana, Maputo, o lanamento oficial da ltima
e violenta fase de ajustamento estrutural do sculo XXI,
mascarada e expressa na chamada Nova Aliana para a
Segurana Alimentar e Nutricional em frica.

49
Aceda na ntegra o comunicado da ADECRU aqui
https://adecru.wordpress.com/2013/04/08/posicao-da-adecru-sobre-a-nova-alianca-para-a-seguran
ca-alimentar-e-nutricional-em-mocambique-2/.
69
Em Moambique a operacionalizao da Nova Aliana ser
liderada pelo Banco Mundial, Programa Mundial de
Alimentao, Agncia Japonesa de Cooperao Internacional
(JICA), Agncia Norte-americana para o Desenvolvimento
Internacional (USAID) e grandes corporaes transnacionais
do agronegcio tais como: Cargill, Itochu, Syngenta,
Monsato, Yara, African Cashew Initiative, Competitive African
Cotton Initiative, Corvuns International, AGCO, Nippon
Biodiesel Fuel co.ldt, Vodafone, SAMBMiller, etc.

Atravs da Nova Aliana para a Segurana Alimentar e


Nutricional em frica, os oitos pases mais imperialistas do
mundo declaram, desta forma, a captura e subjugao final
do continente e dos povos africanos com a nova e efectiva
frente de ataque contra a soberania alimentar dos povos do
continente, diversidade cultural e biodiversidade,
transformando a frica numa plataforma mercantil aberta
para sementes geneticamente modificadas e grandes
corporaes transnacionais do agronegcio e proprietrias da
cadeia da indstria alimentar global.

A estratgia de entrada da Nova Aliana em frica


assenta-se na captura do Programa de Desenvolvimento
Abrangente da Agricultura de frica (CAADP), com o objectivo
de dar alguma legitimidade a aco do G8. Em Moambique,
essa interveno sustentada pelo argumento de alinhar o
apoio financeiro e tcnico agrcola dos pases membros do G8
com as prioridades do Plano de Investimento do CAADP do
Pas, referido como Plano Nacional de Investimento do Sector
Agrrio (PNISA).

70
Mais adiante a organizao apresenta os argumentos pelos quais a Nova Aliana
deve ser rejeitada pelos africanos, e cita-se:

A poltica traada para salvar frica representa uma imposio imperialista,


elaborada nos grandes centros e alianas decisrias neoliberais e
neocolonialistas;
As bases, os fundamentos e as estratgias da Nova Aliana nos remetem ao
passado colonial esclavagista no qual Moambique e frica permaneceram
durante mais de 500 anos de dominao e opresso, constituindo, por isso um
grande entrave para a realizao de direitos humanos, justia social e
ambiental;
A Nova Aliana uma das formas mais abusivas e agressivas de explorao e
do retorno em Moambique das companhias mercantilistas, camufladas em
pressupostos filantrpicos de libertar a frica da fome e da misria, ignorando
os fracassos de diversas incitativas do gnero implementadas no passado
pelas mesmas agncias multilaterais e potncias imperialistas;
Fomenta e flexibiliza a reforma do quadro legal sobre a terra, introduzindo o
arrendamento da terra e posteriormente a sua privatizao sob o pretexto de
melhorar a transparncia e eficincia na administrao e poltica de terras,
legitimando deste modo a usurpao de terras, patrimnios seculares e meios
de vivncias das comunidades e dos povos;
Acelera a emisso de Direitos de Uso e Aproveitamento de Terras (DUATs)
atravs da eliminao das consultas comunitrias para promover o
investimento de agronegcios;
Fora a alterao de polticas nacionais de fertilizantes e sementes para
possibilitar a entrada de Organismos Geneticamente Modificados (OGMs) e
certificao das mesmas pelas multinacionais como a Monsato;
O G8 atravs das suas corporaes pretende assegurar o controlo das
principais regies geoestratgicas e agroecologgicas de Moambique,
detentoras de mais de 70% das potencialidades das riquezas naturais e do
subsolo do pas, situadas nos Corredores de Desenvolvimento da Beira,
Nacala e Vale do Zambeze;

71
A prioridade da Nova Aliana o atendimento a empresas privadas nacionais
e internacionais, grandes produtores de commodities e bancos com foco nos
Corredores de Desenvolvimento para torn-los em regies de fluxo de capitais
e exportao de produtos primrios para os mercados globais, aprofundando
desta forma os graves problemas relativos a usurpao de terra, deslocao
involuntria e reassentamentos de milhes de pessoas, degradao ambiental
e conflitos scio-ambientais;
A Nova Aliana ir contribuir fatalmente para um maior empobrecimento da
populao e das comunidades rurais, por exigir a utilizao extensiva e
intensiva de terra, gua, energia e mecanizao alienada.

A nvel internacional, um conjunto de relatrios e estudos denunciam o


potencial impacto da Nova Aliana para os pases abrangidos, ao mesmo tempo que
se questionam os fundamentos das propostas do G8. A Oxfam em relatrio publicado
em 2013 expe os riscos que a Nova Aliana representa para os camponeses,
particularmente pela elevada priorizao do sector privado, em detrimento dos
camponeses que so os principais produtores de alimentos em frica 50.
Por seu turno, a FIAN e TNI em um relatrio intitulado G8 New Alliance for
Food Security and Nutrition in Africa: a critical analysis from a human rights
perspective, condenam a total excluso na elaborao do documento quadro da
Nova Aliana dos camponeses, comunidades pastorais, comunidades tradicionais,
populao indgena, entre outros grupos, que mais sofrem de insegurana alimentar
e nutricional. Defendem que na concepo do documento, os grupos marginalizados
no so o centro, mas sim as corporaes nacionais e internacionais; os estados
aparecem como os providenciadores de servios ao sector privado; no se aponta
mecanismos de boa governao e responsabilizao; e to pouco o documento
apresenta um diagnstico em relao aos potenciais impactos negativos desta
iniciativa51.

50
Relatrio da Oxfam disponvel em
http://www.oxfam.org/sites/www.oxfam.org/files/bn-new-alliance-new-direction-agriculture-250913
-pt_0.pdf.
51
Relatrio da FIAN e TNI disponvel em
http://www.fian.org/fileadmin/media/publications/2014_G8NewAlliance_screen.pdf.
72
4.1.1 Impactos da Nova Aliana em Moambique

A Nova Aliana ao traduzir-se em Plano Nacional de Investimento do Sector


Agrrio (PNISA) integra-se automaticamente em todas polticas do sector agrrio
convertendo-se num documento central e operacionalizador da poltica agrria. O
rastreio dos seus impactos ao nvel nacional, passa necessariamente por uma anlise
do desdobramento das aces do PNISA, tendo em conta os pilares que emanaram
da Nova Aliana. Desta anlise, os impactos da Nova Aliana vislumbram-se nos
seguintes aspectos: (i) Transformao dos mecanismos legais de aquisio da terra,
traduzidos na flexibilizao da atribuio do Direito de Uso e Aproveitamento de
Terra (DUAT); (ii) Reforma da legislao nacional de sementes e fertilizantes,
conhecida como harmonizao das leis de sementes e fertilizantes na SADC; (iii) O
avano do agronegcio (empresas nacionais e estrangeiras) sobre os territrios das
comunidades e os respectivos impactos.

a) Transformao dos mecanismos legais de aquisio da terra,


traduzidos na flexibilizao da atribuio do Direito de Uso e
Aproveitamento de Terra (DUAT)
No mbito da simplificao dos procedimentos de aquisio do DUAT,
segundo o relatrio de progresso de 2014 da Nova Aliana apresentado pela (Agncia
Americana de Desenvolvimento Internacional) USAID, entidade responsvel pelo
avano da Nova Aliana em Moambique, assim como a JICA, deu a conhecer que o
Ministrio da Agricultura de Moambique (MINAG), emitiu um memorando interno
decretando a flexibilidade na atribuio do DUAT ao nvel nacional, prevendo a
reduo do tempo entre 1 a 7 anos, para apenas entre 3 a 12 meses52. Devido a
sensibilidade da questo fundiria, evitando eventuais oposies e convulses sociais
de grande vulto resultantes de tentativas de alterao da lei de terra, o MINAG optou
por uma medida administrativa face ao contexto, a qual passa despercebida.
Por outro lado, dado que a lei de terra aprovada em 1997 com forte
participao das OSC e Movimentos Sociais, lei n. 19/97, de 1 de Outubro, Lei de

52
Consulte
http://www.speed-program.com/wp-content/uploads/2014/03/2014-SPEED-Report-008-New-Allianc
e-Progress-Report-EN.pdf.
73
Terras, no seu artigo 3 refere que a Terra propriedade do Estado e no pode ser
vendida ou, por qualquer outra forma, alienada, hipotecada ou penhorada, ao
mesmo tempo que consagra direitos conseutidinrios sobre a posse e o uso da terra
pelas comunidades, dando garantias a estas comunidades, a Nova Aliana induziu e
influenciou para que o MINAG promova programas voltados para o estabelecimento
de parcerias entre comunidades e empresas. O Pro-Parcerias um projecto baseado
na Direco Nacional de Desenvolvimento Rural tem em vista estabelecer parcerias
entre comunidades e empresas, em que as comunidades entra no negcio com o
recurso terra. Para tornar esta aco de captura do patrimnio das comunidades, por
sinal a maior conquista da independncia nacional, est em curso ao nvel do MINAG
um draft que regulariza e legitime tais parcerias, tendo a terra como um colateral.

b) Reforma da legislao nacional de sementes e fertilizantes,


conhecida como harmonizao das leis de sementes e fertilizantes
na SADC
No mbito da Nova Aliana para a Segurana Alimentar e Nutricional do G8,
Moambique comprometeu-se a reestruturar o seu sistema de sementes para
permitir a produo e distribuio de sementes melhoradas, com particular nfase
em sementes hbridas, altamente dependentes de irrigao em grande escala e do
uso de fertilizantes sintticos e pesticidas. Tal facto, ignora, desencoraja e exclui os
sistemas de produo de sementes de camponeses que servem mais de 70% dos
produtores, responsveis pela produo de mais 90% de alimentos, com um
contributo de cerca de 25 % do Produto Interno Bruto (PIB) e emprega 81% da
populao economicamente activa, sendo 60% mulheres.
Ademais o processo de reviso da legislao de sementes, a revogao do
Decreto n 41/94, de 20 de Setembro, os Diplomas Ministerias ns 95/91 de 7 de
Agosto, 6/98, de 11 de Fevereiro, 67/2001, de 2 de Maio, 171/2001 de 28 de
Novembro e 184/2001 de 19 de Dezembro que o Regulamento de Produo,
Comrcio, Controlo de Qualidade e Certificao de Sementes, foram conduzidos sem
o mnimo de transparncia e consulta das organizaes da sociedade civil,
organizaes de camponeses e movimentos socias. O processo foi dirigido
unicamente pelo Governo de Moambique em parceria com a USAID e JICA, que

74
igualmente como abordou-se anteriormente, esto a proceder a reviso da legislao
sobre terra, com objectivo de flexibilizar a concesso de terra investidores,
incluindo a criao de um mercado de terras revogando e aniquilando os direitos
costumeiros das comunidades sobre a terra.
O Decreto n. 12/2013, de 10 de Abril (Reguloamento de Sementes) corporiza
a introduo destas mudanas nos mecanismos de produo, comercializao e
utilizao de sementes pelo sector comercial e pela agricultura camponesa. Esta
reviso da legislao de semente foi acompanhada pela adopo pelo Conselho de
Ministros de Moambique do Regulamento sobre Gesto de Fertilizantes, Decreto n.
11/2013, de 10 de Abril.
Um dos impactos da alterao desta legislao fomentada pela Nova Aliana
foi a retirada do subsdio estatal s sementes para os camponeses que consistia na
disponibilizao de semntes gratuitamente e, em alguns casos a preos bonificados.
Associado a este facto, atravs do artigo 47, do Decreto n. 12/2013, (Regulamento
de Sementes) autoriza empresas a operarem em Moambique o direito de
importao e produo de sementes Geneticamente Modicadas (GMO) segundo o
estipulado em legislao especfica. Em termos prticos, bastando a adopo de
legislao especfica enquadrada na Nova Aliana, que est a ser discutida ao nvel do
Ministrio de Cincia e Tecnologia (MCT), Moambique tornar-se- num dos estados
africanos utilizadores dos OGMs aniquilando os sistemas seculares de produo e
troca de sementes entre camponeses, assim como dar-se- incio a um ciclo de
dependncia e alienao dos camponeses pelas grandes corporaes globais do
agronegcio.
Com esta alterao da legislao sero destruidos os sistemas informais e
seculares de sementes tradicionais e baseadas na comunidade, que tm grande
importncia na produo de culturas para a soberania alimentar, como por exemplo,
os cereais tradicionais e legumes, assim como para as culturas de distribuio ou
propagao vegetativa como a batata-doce e mandioca.

c) O avano do agronegcio (empresas nacionais e estrangeiras)


sobre os territrios das comunidades

75
Das 18 empresas que assinaram "Cartas de Intenes" detalhando suas
intenes de investimento em Moambique sob a Nova Aliana para a Segurana
Alimentar e Nutricional, sete tm registo nacional e conesses de terra de mais de
20.000, por 50 anos passveis de renovao, cujas principais culturas so a soja,
algodo e milho, todas voltadas para a exportao. Com a entrada das restantes 11
empresas multinacionais h um potencial de usurpao de mais de 300.000 hectares
de terra s nos prximos 5 anos, tendo em conta os dados colhidos das intenes de
projectos de investimentos manifestadas por estas empresas, ocupando as principais
regies agroecolgicas dos Corredores da Beira, Nacala e no Vale do Rio Zambeze. A
concretizaram-se estas projeces espera-se que sejam atingidas negativamente
128.000 famlias, sendo relegadas para terras marginais e improdutivas, levando a
uma reduo de mais 60% na produo de cereais nestas famlias. Os clculos
estatsticos destes dados tm uma margem de erro de 5% para mais ou para menos.
Das empresas que submeteram propostas de financiamento da Nova Aliana,
A Rei do Agro recebeu da USAID 750, 000 USD com vista ao desenvolvimento de seus
sistemas de irrigao e incremento da sua produo de soja que exportada para o
mercado europeu e asatico. Rei do Agro uma empresa de capitais
norte-americanos, pertencente a Aslan Group, que se dedica produo de Soja, no
Distrito de Guru, na Provncia de Zambzia que obteve uma concesso de 10.000
hectares, rea concedida pelo Conselho de Ministros, fazendo parte da ofensiva da
Nova Aliana sobre os territrios dos povos.
A empresa Mozambique Agricultural Corporation (Mozaco), criada em 2012
numa joint venture entre o Rio Forte (parte do grupo Esprito Santo de Portugal) e o
grupo moambicano de origem portuguesa Joo Ferreira dos Santos (JFS), que faz
parte da Nova Aliana, usurpou cerca de 2.000 hectares de terra no Distrito de
Malema, Provncia de Nampula, no chamado Corredor de Nacala. Na comunidade de
Rucha, aldeia de Natuto, onde se instalou a Mozaco mais de 500 famlias perderam
suas machambas e casas para dar lugar a este investimento. As mesmas reivendicam
junto das autoridades locais, tendo submetido vrias queixas e uma petio com o
conhecimento da Governadora de Nampula.

76
Com a materializao da inteno da expanso da empresa para 11.000
hectares mais de 4.500 famlias sero atingidas, perdendo as suas terras e
machambas. Vale lembrar que a Rio Forte possui e administra na Amrica do Sul uma
rea total correspondente a cerca de 168,5 milhares de hectares no Brasil e no
Paraguai, dos quais cerca de 17,5 milhares esto dedicados actividade agrcola e
81,8 milhares a pastagens, contando com cerca de 58 mil cabeas de gado. No Brasil,
a produo concentra-se na soja, arroz, citrinos, cana-de-acar e eucalipto e, no
Paraguai, na soja, algodo, trigo, milho e girassol, segundo informaes do site da
empresa53.

4.2 Prosavana: a expanso do agronegcio brasileiro para Moambique vs


a resistncia do Campo

O Programa Prosavana uma iniciativa tripartida entre os Governos de


Moambique, Brasil e Japo, com alegada finalidade de desenvolver a agricultura ao
longo do Corredor de Nacala, abrangendo as provncias de Nampula, Niassa e
Zambzia. Pretende-se o aproveitamento do potencial agrcola de 19 distritos, com,
suposto, objectivo de melhorar a competitividade do sector rural da regio, tanto em
matria de segurana alimentar a partir da organizao e do aumento da
produtividade no mbito da agricultura familiar, como na gerao de excedentes
exportveis a partir do apoio tcnico agricultura orientada para o agronegcio
(Prosava-TEC, 2011)54.
Este Programa inspirado no Programa de Desenvolvimento do Cerrado
Brasileiro (Prodecer), inicialmente apresentado como sua rplica. Segundo
Schlesinger (2008), o Prodecer desenvolveu-se em trs etapas: (i) a primeira
(Prodecer I) foi iniciada em 1980, por meio de projectos de colonizao e empresa de
capital misto nos municpios de Coromandel, Ira de Minas e Paracatu, no estado de
Minas Gerais, em uma rea de 70 mil hectares; (ii) a segunda fase subdividida em
duas etapas, a piloto e a de expanso, sendo implantada em Minas Gerais, Gois,

53
Informao disponvel em http://www.rioforte.pt/portfolio/foco-sectorial/agropecuaria/.
54
As OSC e movimentos do campo em Moambique olham para este objectivo como sendo falacioso,
alegando que o mesmo visa apenas buscar legitimidade ao colocar a questo da segurana alimentar
como prioridade.
77
Mato Grosso, Mato Grosso do Sul e Bahia a partir de 1985, superando os 200 mil
hectares, e (iii) o Prodecer III, iniciado em 1993, foi desenvolvido nos estados do
Maranho e Tocantins, respondendo pela ocupao de 40 mil hectares em cada um
dos projectos.
Quando, no dia 11 de Agosto de 2011, o jornal Folha de So Paulo deu grande
destaque a notcia sobre deciso do Governo de Moambique de oferecer terra soja
brasileira numa rea de 6 milhes de hectares para que agricultores brasileiros
plantem soja, algodo e milho no norte do Pas55, estava apenas a publicitar aquele
que considerado um dos maiores negcios de terra do sculo XXI sem precedentes,
protagonizado por Governos brasileiro e japons no continente africano, sem o
mnimo de transparncia e, sobretudo, com impactos extremamente prejudiciais
para milhes e milhes de comunidades e famlias moambicanas de camponeses e
camponesas. O negcio fora celebrado h mais de dois anos entre as autoridades de
Maputo e os Governos do Brasil e do Japo.
Na sequncia desta notcia, o Ministro moambicano da agricultura, Jos
Pacheco, foi citado como tendo dito que "Os agricultores brasileiros tm experincia
acumulada que muito bem-vinda. Queremos repetir em Moambique o que eles
fizeram no cerrado 30 anos atrs. A grande condio para os agricultores ter
disposio de investir em terras diversos, concluiu o governante antes de o
presidente da Associao Mato-Grossense dos Produtores de Algodo, Carlos Ernesto
Augustin, revelar de uma forma to objectiva e directa a verdadeira razo que move
a agenda do Brasil em frica "Moambique um Mato Grosso no meio da frica, com
terra de graa, sem tanto impedimento ambiental e frete muito mais barato para a
China"56, antes de apontar para a fraqueza da legislao ambiental moambicana
como sendo um dos principais atractivos "Hoje, alm de a terra ser carssima em
Mato Grosso, impossvel obter licena de desmate e limpeza de rea."

55
Noticia disponvel em http://www1.folha.uol.com.br/fsp/mercado/me1408201102.htm.Acesso em
8 de Abril de 2014
56
http://www1.folha.uol.com.br/fsp/mercado/me1408201102.htm
78
Fonte: Apresentao PPT feita pelo MINAG, durante a Conferncia Triangular dos Povos, realizada
em Maputo, no dia 08 de Agosto de 201357.

Oficialmente, lanado em Abril de 2011, dois anos aps a assinatura, em


Setembro de 2009, de um Memorando de Entendimento entre os Governos de
Moambique, Brasil e Japo, o Prosavana est a ser implementado ao longo do
chamado Corredor de Desenvolvimento de Nacala, Norte de Moambique, e
comporta trs componentes principais de projectos nomeadamente:

1) Melhoria da capacidade de investigao e transferncia de tecnologias no


perodo entre Abril de 2011 e Marco de 2016;
2) Plano Director do Corredor de Nacala inicialmente previsto para o perodo entre
Marco de 2012 e Outubro de 2013;
3) Extenso Agrria e Modelos entre Maio de 2013 e Maio de 2019.

Embora o acordo base entre os trs Governos sobre o ProSavana tenha sido
assinado em Setembro de 2009, seguido por um simpsio internacional e workshop
tripartido do ProSavana-JBM nos dias 17 e 18 de Maro de 20108, na Universidade
das Naes Unidos em Tquio no Japo, em Moambique este programa foi
concebido e construdo debaixo de muito secretismo, longe do conhecimento,

57
Detalhes adicionais sobre a conferncia triangular dos povos acesse:
http://www.unac.org.mz/index.php/7-blog/56-povos-de-mocambique-brasil-e-japao-discutem-em-
maputo-formas-de-resistencia-detencao-e-reflexao-do-prosavana acessado em 20 de Novembro de
2014.
79
consulta e debate pblico at ao dia 14 de Agosto de 2011, quando a Folha de So
Paulo deu lho uma projeco internacional ao publicar a notcia intitulada
Moambique oferece terra soja brasileira.
A referida publicao gerou de imediato uma onda de indignao e
contestao nacional a vrios nveis, particularmente em sectores da sociedade
moambicana entre movimentos e organizaes sociais, ambientais e sobretudo de
camponeses que prevalece at hoje. A Unio Nacional de Camponeses (UNAC), o
maior e mais antigo movimento campesino de Moambique que luta pela defesa e
realizao dos direitos sociais, culturais e econmicos dos camponeses, confrontado
com insuficientes e contraditrias informaes, denunciou e condenou, em um
posicionamento pblico, datado de Outubro de 2012, a forma como este programa
foi elaborado e tem sido implementado no Pas, caracterizado por total falta de
transparncia e excluso das organizaes da sociedade civil em todo processo, em
particular as organizaes de camponeses 58.
O posicionamento da UNAC baseou-se na evidente contradio entre sistemas
de produo camponeses quando comparados com os propostos pelo agronegcio,
que representam uma proposta ostensiva e imperialista com vista a captura dos
territrios e modos de vivncia das comunidades do Corredor de Nacala. As famlias
camponesas moambicanas assumem um carcter pluriactivo. Entenda-se
pluriactividade como uma unidade produtiva multidimensional, em que se
empreendem actividades agrcolas e no-agrcolas dentro e fora dos agregados
familiares, e pelas quais diferentes tipos de remunerao so recebidos (FLLER,
1990, p.367 apud KAGEYAMA 1998).
Segundo MAZOYER (1998), a pluriactividade cria condies para o aumento
da capacidade produtiva, gerando novos empregos e aumento da renda das famlias,
propiciando uma melhoria na qualidade de vida dos agricultores familiares. Assim,
dependendo das condies contextuais, recursos naturais, factores humanos, as
comunidades desenvolvem diferentes actividades que complementam a actividade
agrcola, tais como a caa, artesanato, tecelagem, produo artesanal de bebidas
alcolicas, a recoleco, entre outras.

58
Pronunciamento da UNAC disponvel em
http://www.unac.org.mz/index.php/7-blog/39-pronunciamento-da-unac-sobre-o-programa-prosava
na. Acedido em 19 de Novembro de 2014.
80
As denncias e contestaes ao ProSavana prevalecem e ganharam uma
repercusso nacional e internacional em Maio de 2013 quando cerca de 23
movimentos e organizaes de camponeses e camponesas de Moambique, famlias
das comunidades rurais do Corredor de Nacala, organizaes religiosas, ambientais e
da sociedade civil exigiram, em Carta Aberta para Deter e Reflectir de Forma Urgente
o Programa ProSavana dirigida aos Presidentes de Moambique, Brasil e
Primeiro-Ministro do Japo, que fossem tomadas todas as medidas necessrias para
suspenso imediata de todas as aces e projectos em curso nas savanas tropicais do
Corredor do Desenvolvimento de Nacala no mbito da implementao do Programa
ProSavana59.
Dada a resistncia dos trs governos em instaurar mecanismos de dilogo
democrtico, inclusivo e transparente, os movimentos sociais e OSC, em Abril de
2014 endureceram as suas posies e resistncia, lanando a Campanha No ao
Prosavana60. A campanha tem como objectivo construir uma agenda pblica de luta
para deter e paralisar todas as aces e projectos em curso sobre o programa
Prosavana. Por via da mesma, as organizaes e movimentos denunciam o
permanente secretismo, omisso, manipulao e deturpao deliberada e
contraditria de documentos, a multiplicao de intimidaes e manipulao dos
lderes das organizaes camponesas, representantes dos movimentos sociais e
organizaes da sociedade civil e activistas, protagonizadas pelos proponentes e
executores do Prosavana61.
Paralelamente as OSC e movimentos sociais de Moambique, Brasil e Japo
lanaram um espao de dilogo e de presso junto dos governos designado por
Conferncia dos Povos (Moambique, Brasil e Japo), como uma estratgia mais
ampla de advocacia e mobilizao. A primeira aconteceu em 06 Agosto de 2013 e a
segunda em 24 de Julho de 2014, juntando comunidades do Corredor de Nacala,

59
Carta Aberta para Deter e Reflectir de Forma Urgente o Programa ProSavana veja aqui:
http://farmlandgrab.org/post/view/22136-carta-aberta-para-deter-e-reflectir-de-forma-urgente-o-pr
ograma-prosavana.
60 60
Pgina oficial da Campanha Nao ao Prosavana
https://www.facebook.com/naoprosavana?fref=nf.
61
Veja
https://adecru.wordpress.com/2014/06/02/lancada-campanha-nao-ao-prosavana-em-mocambique/
.
81
congregaes religiosas, OSC, movimentos sociais, representantes dos trs
governos, acadmicos e pessoas interessadas.
Uma breve anlise esquemtica do posicionamento dos actores e das
questes de fundo em volta do Prosavana, pode ser representada pelo fluxograma
abaixo. O mesmo espelha as diferentes etapas da resistncia dos povos por um lado,
e por outro a resposta dos trs governos face a esta resistncia.

Posicionamento dos movimentos sociais Posicionamento dos trs Governos


e OSC

2014 Campanha No ao 2014 Silncio na opinio


Prosavana pblica, avanos no terreno
Corredor Nacala

2013 - Deteno e reflexo 2013 Reduo de dilogo, OSC


do Prosavana (carta aberta) so agentes externos
(conspirao)

2012 Acesso a informao 2012 - Prosavana como rplica


do Prodecer (Cerrado Brasileiro)

Enquanto as posies dos governos e das OSC e movimentos sociais


permanecem distantes, a prtica revela-nos que a nica componente do Prosavana
que efectivamente no avana o Prosavana PD (Plano Director). Planificado para
ser divulgado inicialmente em Maro de 2013, a sua divulgao tem vindo a ser
alterada a mais de um ano. Contrariamente, as componentes de Melhoria da
capacidade de investigao e transferncia de tecnologias PI (Prosavana
Investigao) e Extenso Agrria e Modelos (PEM) tm vindo a avanar a sua
implementao, negligenciando as demandas das comunidades do Corredor de
Nacala, mobilizadas atravs dos movimentos do campo e OSC.
Recentemente, uma denncia feita pela Aco Acadmica para o
Desenvolvimento das Comunidades Rurais (ADECRU), revela que a Matharia
Empreendimento, uma empresa financiamento pelo Prosavana atravs do Fundo da
Iniciativa de Desenvolvimento do ProSAVANA (ProSAVANA Development Initiative

82
Fund PDIF), usurpou terras de mais de 200 famlias camponesas no distrito de
Ribau, Posto Administrativo de Iapala, comunidade de Matharya para dar lugar a
produo de soja. O PDIF inicialmente contou com um pacote de 750.000 $US que
vem do Fundo Contraparte (Mikaeri Shikin), que agrega fundos provenientes da
assistncia japonesa Alimentar (KR), enquadrada na Ajuda Oficial ao
Desenvolvimento (ODA). A denncia afiana ainda que a populao atingida pela
empresa est, actualmente, a pedir terras ao proprietrio da Mathatria
Empreendimento para a produo de alimentos, isto porque para alm da terra
usurpada, j no h terras para eles produzirem nas reas adjacentes. Estes factos
revelam os temores do surgimento de comunidades sem terra avanado pela UNAC
em 2012 e reafirmado na carta aberta e demais documentos de posio dos
diferentes actores sociais.
A presena do Brasil no continente africano e em Moambique tem registado
uma dinmica robusta significativamente histrica desde o Governo Lula. Desde
ento a chamada cooperao tcnica e ajuda ao desenvolvimento permanece
vistosa enquanto instrumento da diplomacia brasileira dinamizada e coordenada por
entidades como: Agencia Brasileira de Cooperao (ABC), FIOCRUZ, EMBRAPA,
Servio Nacional de Aprendizagem Industrial. Alguns ministrios entre os quais: MDS
e MDA que agem em articulao com a Embaixada do Brasil em Moambique e
parceria com outros organismos e agncias internacionais, FAO, JICA-Japo,
USAID-EUA e entidades nacionais (Instituto de Investigao Agrria - IIAM,
penetrando e influenciando deste modo nos disputados espaos polticos e arranjos
institucionais e tcnicos sobretudos em sectores como sade e em grande medida
educao.
Em esferas relacionadas com a temtica da segurana alimentar o Brasil
destaca-se na construo de laboratrios e de uma fabricao de medicamentos
antirretrovirais atravs da FIOCRUS, financiado pela Fundao Vale em
80%;programas de formao, capacitao e treinamento em sade e ensino tcnico.
A EMBRAPA tem impulsionado a agenda do Prosavana atravs de suas equipas
tcnicas que promovem pesquisas na cadeia de valor da soja e outras culturas no
chamado Corredor de Nacala. Por seu turno, o Servio Nacional de Aprendizagem

83
Industrial (SENAI) tem sido referenciado como estando envolvido no treinamento e
formao dos trabalhadores da mineradora brasileira Vale em Tete.
A Fundao Getlio Vargas tambm esta presente no Pas tendo participado
activamente nos esforos de promoo das aces do ProSavana, particularmente na
mobilizao e atraco de investimentos privados por meio do chamado Fundo
Nacala, lanado em 2011 e estimado em US$ 2 bilhes. No quadro da implementao
do Programa mais Alimentos em cinco pases africanos incluindo Moambique tem
sido noticiado que o Governo brasileiro ter aberto uma linha de crdito de US$ 59
milhes para aquisio de maquinaria e equipamento agrcola no Brasil.
A experincia moambicana de programas transnacionais camuflados com
objectivos de contribuir para a SAN, mais do que melhorar, coloca as comunidades
em situao de insegurana alimentar, resultante da perda de terra seu principal
meio de vivncia. Paralelamente, os modelos de investimentos e desenvolvimento no
geral, revelam uma total excluso dos actores locais, perpetuando os ndices de
incidncia da pobreza em Moambique. Trata-se de um modelo de desenvolvimento
gerador de desigualdade, representado uma emergncia nacional que conclama a
conjugao de esforos colectivos na busca e prossecuo de modelos alternativos.

84
V. CONCLUSES

A construo de uma pauta de Segurana Alimentar e Nutricional (SAN) e a


realizao do Direito Humano a Alimentao Adequada (DHAA) em Moambique vem
sendo construda desde o perodo aps a independncia aos nossos dias. De uma
viso marcadamente emergencialista e humanitarista no governo socialista, que se
prolongou com o Programa de Reajustamento Estrutural/ e Social (PRES), em 1995
atravs da Poltica Agrria e Estratgias de Implementao, aprovada atravs da
resoluo n 11/95 de 31 de Outubro, transitou-se para uma abordagem
estruturalista da SAN. Esta mudana traduziu-se nos anos subsequentes em polticas
e programas multissectoriais voltados para SAN por um lado, e por outro na
instituio de entidades da sua coordenao com destaque para o SETSAN.
A edificao de um Sistema de Segurana Alimentar e Nutricional (SISAN)
continua um longo caminho por ser trilhado. Mudanas substanciais so necessrias,
particularmente, na adopo de instrumentos legais que corporizem a realizao do
DHAA, como a lei de segurana alimentar e nutricional, assim como o
reconhecimento do DHAA na Constituio da Repblica por via de uma emenda
constitucional. As transformaes globais influenciam sobremaneira a agenda da
SAN, como pode constatar-se com a entrada no pas de programas transnacionais
como o Prosavana e a Nova Aliana do G8, apresentados como resposta a
insegurana alimentar e nutricional e combate a pobreza. Neste longo percurso que
o pas vem percorrendo, merecem realce algumas conquistas, limitaes e desafios
abaixo arrolados:

Durante o governo socialista de 1975 a 1984/5 a SAN foi assumida como


uma questo emergencial e funcionou a poltica de no ter-se poltica, e
to pouco aces estruturas e coordenadas voltadas para sua efectivao.
No plano da agricultura, os sistemas produtivos camponeses foram
marginalizados, dando-se primazia as empresas estatais e cooperativas,
aliceradas no mbito da estratgia mais ampla de socializao do meio
rural, com objectivo da proletarizao do campesinato.

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O PRE embora tenha contribudo para a des-socializao do meio rural deu
primazia as foras do mercado, focando na produo de culturas de
rendimento voltadas para exportao. A SAN para alm de uma questo
emergencial foi vista igualmente na perspectiva humanitria, cabendo as
agncias internacionais contribuir para a disponibilidade fsica dos
alimentos food security.
A priorizao da SAN na resoluo 11/95 de 31 de Outubro, que adopta a
Poltica Agrria e as Estratgias de Implementao deu incio a uma
abordagem estruturalista. A aprovao da Estratgia de Segurana
Alimentar e Nutricional I e II coroou esta abordagem estrutural e
multissectorial, assegurando a insero da SAN nas polticas de reduo
da pobreza, agricultura, proteco social, sade, educao e outros
sectores relevantes.
O DHAA embora referenciado e inserido em vrios documentos de
polticas pblicas carece de uma base legal que sirva de aporte para sua
efectivao. Tal facto tem provocado deficincias na edificao de um
Sistema de Segurana Alimentar e Nutricional.
Embora se verifiquem melhorias na produo alimentar nos ltimos anos,
dados de 2010 revelam que os ndices de desnutrio crnica estagnaram
e m algumas provncias pioraram, estando acima de 50% em Nampula e
Cabo Delgado, e a nvel nacional 42%, acima do recomendado pela OMS.
A adopo da Estratgia Multissectorial de Reduo da Desnutrio
Crnica foi um passo importante para coordenao de aces voltadas
para segurana nutricional. Outrossim, a alocao oramental deficitria e
fraca coordenao das intervenes podem vir a minar os esforos para
alcanar as metas.
O fraco poder poltico do SETSAN como entidade de coordenao da SAN
limita a prioridade dada essa questo pelas demais entidades
governamentais. A localizao do SETSAN no MINAG como um
departamento condiciona a sua autoridade e capacidade de mobilizao e
coordenao multissectorial. A isso a associa-se as limitaes financeiras,
tcnicas e matrias que este enfrenta na execuo do seu mandato.

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Por ltimo, os esforos nacionais de garantir a segurana alimentar e
nutricional e a realizao do DHAA podem ser defraudados por alegados
programas transnacionais como o Prosavana e a Nova Aliana do G8 para
a SAN. As estratgias destes programas focadas na commoditizao da
agricultura e total excluso dos sistemas produtivos camponeses, atentam
contra os esforos nacionais, mostrando-se ser contraproducente.

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