Serra Do Mel

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CARACTERSTICAS E LIMITES DE UMA EXPERINCIA DE

DESENVOLVIMENTO RURAL: O CASO DE SERRA DO MEL RN

Antonio Csar Ortega1


Antonio Csar Ortega (UFU) e Emanoel Mrcio Nunes

RESUMO

A partir de uma leitura de que o fortalecimento das formas de produo locais poder
contribuir para o resgate social e a gerao de ocupaes e renda no meio rural busca-se avaliar a
importncia da agricultura familiar nesse processo e a necessidade do incentivo ao coletiva e
integrao de atividades no espao local. Assim, realizamos um estudo da evoluo do
desenvolvimento local do municpio de Serra do Mel, no Rio Grande do Norte, visando identificar os
fatores determinantes e os limites dessa estratgia de reproduo enquanto contribuio para o
desenvolvimento rural.

INTRODUO

A modernizao a qual foi submetida a agropecuria brasileira se deu de forma parcial


deixando de fora amplos segmentos dos agricultores, principalmente os familiares. Para estes,
entretanto, a no incluso no padro fordista de produo conseqncia das inovaes da
Revoluo Verde, garantiu a permanncia de um forte vnculo entre a produo e os
mercado locais. Porm, como mostra GRAZIANO DA SILVA (2000), este vnculo j no mais se
sustenta no contexto atual, onde muitos destes espaos, mesmo continuando fora dos circuitos
de produo, so cada vez mais penetrados pelos processos de valorizao e materializados
em uma abertura comercial que homogeneiza espaos heterogneos. Neste contexto, o desafio
da agricultura familiar, com uma capacidade cada vez mais estreita de insero no mercado,
se reinventar para conseguir se inserir.
Mas, se impactos do processo de globalizao, presentes em maior ou menor grau nas
diferentes regies e municpios brasileiros, tm acirrado o processo de excluso e
desagregao da produo familiar, este desafio da reinveno tem tido algumas respostas: as
cooperativas e associaes de agricultores familiares; a negociao com o poder pblico local
e com instituies bancrias visando a obteno de recursos que viabilizem o financiamento
dos investimentos e; a agregao de valor via integrao que, de outra forma, estariam
excludos do mercado.
Assim, a questo central, para ns, se esta capacidade de resposta, onde ela muitas
vezes nem se esboa, pode emergir, se expandir - tanto no sentido de envolver mais agentes
quanto de apontar novos caminhos - e, direcionar uma trajetria de desenvolvimento da

1
Doutor pela Universidade de Crdoba (Espanha) e Professor Adjunto do Programa de Ps-Graduao do
Instituto de Economia da Universidade Federal de Uberlndia IE/UFU. E-mail : [email protected]
prpria economia local, onde o rural uma pea essencial, a partir da integrao de atividades
sem a separao entre a agricultura e a indstria.
Afirmativamente, a hiptese que estamos defendendo de que o desenvolvimento
rural pode e deve ser pensado no somente como alternativa de superao das dificuldades
econmicas e sociais dos produtores familiares, mas, sobretudo, como eixo fundamental e
estratgico para um desenvolvimento mais amplo, dinamizado a partir da contribuio de
aes localizadas desenvolvidas pelo segmento da agricultura familiar.
Entretanto, cabe perscrutar at que ponto a experincia do desenvolvimento local de
Serra do Mel tem cumprido o papel histrico de constituir-se numa estratgia de
desenvolvimento rural de resgate da agricultura familiar, marginalizada pela poltica de
modernizao conservadora da agricultura brasileira das ltimas dcadas, e eleva-la
condio de um setor estratgico para o desenvolvimento em geral. Nos termos da referida
questo, cabe avaliar se esta experincia, na forma como foi implementada e no seu alcance,
contribui de fato para servir de referncia nas discusses em torno de um projeto de
desenvolvimento rural.

1. Caractersticas Gerais do Desenvolvimento Rural de Serra do Mel


O Projeto Serra do Mel foi concebido no ano de 1972 numa poca em que era
expressivo o poder de influncia do Estado. O incio da dcada de 1970 representava um
perodo em que o Estado brasileiro estimulava a ampliao e expanso da fronteira agrcola
em todo o pas. No caso especfico de Serra do Mel, a colonizao se deu com a finalidade
principal de absorver fora de trabalho excedente liberada por ocasio da incorporao de
novas tecnologias poupadoras de mo-de-obra nas salinas do Rio Grande do Norte onde, no
momento, milhares de famlias tornaram-se desempregadas.
Aps o projeto ter sido criado, com inspirao no modelo moshavi de Israel, e
planejado para a formao de vilas rurais (cada uma leva o nome de um estado da federao
brasileira, conforme FIGURA 01), a colonizao teve incio em 1974, com a implantao de
cinco vilas (Paran, Santa Catarina, Rio Grande do Sul, Guanabara e So Paulo) no eixo sul e
de um centro administrativo na rea central do projeto. Essas vilas foram formadas por
colonos vindos de diversas reas do prprio estado, predominando os municpios
circunvizinhos. O processo de seleo dos colonos aconteceu inicialmente alocando os
trabalhadores trazidos para a construo da infra-estrutura local (demarcao, construo de
casas, desmatamento, implantao do cajueiral, etc.). Os demais foram assentados em seus
lotes, a partir do atendimento de critrios que passavam pelo mbito poltico por intermdio

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de agentes com capacidade de deciso, envolvidos no projeto de colonizao e que atendiam
oligarquias locais e aliados do governador.

FIGURA 01: Mapa do municpio de Serra do Mel e distribuio espacial das agrovilas.

No ano de 1975 toma posse um novo governador. Este no demonstrou interesse no


projeto e procurou a todo custo transform-lo numa empresa privada e os colonos em
assalariados agrcolas. No obteve xito. Houve ainda uma tentativa de venda da rea a um
grupo israelense. Novamente fracassou. Sem conseguir transformar em empresa privada nem
repassar aos israelenses o governador desprezou totalmente o projeto.
Uma parte dos colonos que enfrentava privaes alimentares promoveu em 1979, o
arrombamento de um armazm da Companhia de Desenvolvimento Agropecurio do estado

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CIDA2, levando alimentos. Um segundo conflito ocorreu quando outras vilas formaram-se
pela iniciativa dos prprios trabalhadores.
Em 1980, ocorreram as ocupaes das vilas Esprito Santo, Minas Gerais e Rio de
Janeiro, promovidas por filhos de antigos colonos, com lotes improdutivos e trabalhadores
rurais da regio, com o apoio do Sindicato dos Trabalhadores de Mossor.
Em 1981 novas vilas se formaram a partir de uma interveno direta do Governo do
Estado. Com a construo da Barragem Armando Ribeiro Gonalves, no municpio de Assu-
RN, o governo deslocou para Serra do Mel uma parte da populao atingida e expulsa pelas
guas do reservatrio. Formaram-se as vilas: Bahia, Rio Grande do Norte e Pernambuco.
Entre 1983 e 1984 outras vilas so formadas na rea norte do projeto (Acre, Maranho, Par e
Amazonas) e no centro.
Em 1984 surgiu um movimento desencadeado por um grupo de engenheiros
agrnomos recm formados na Escola Superior de Agricultura de Mossor - ESAM, que
props ao Governo do Estado que destinasse uma rea de produo e formasse uma agrovila
para eles, com a finalidade desta servir de unidade demonstrativa para o projeto. Apesar de o
Governo no ter aceitado a proposta de imediato, a vila Amazonas foi ocupada pelos tcnicos
que, a partir da convivncia com os outros colonos, tentaram desenvolver e propagar
tecnologias de efeito demonstrativo. Apesar da proposta no ter tido xito, apenas um grupo
reduzido de agrnomos continuou nas atividades tcnicas e de organizao locais.
Em sntese, o processo de colonizao de Serra do Mel se deu de duas formas: de um
lado uma colonizao oficial, constituindo 17 vilas, e uma ocupao realizada por
trabalhadores com apoio do movimento sindical e da Igreja, que ocasionou a colonizao de
cinco vilas. A ltima vila, a Tocantins, foi formada na dcada de 1990, a partir da
incorporao de uma rea de assentamento de reforma agrria ao municpio.
No que diz respeito s questes organizacionais e econmicas, o desenvolvimento
rural do Projeto Serra do Mel apresenta dois perodos distintos: de 1972, data de sua criao
at 1983 e de 1984 at 2000. O primeiro perodo, de criao e formao, extremamente difcil,
caracterizado pela situao de submisso ao poder centralizado do Estado e a uma viso de
desenvolvimento do espao rural exclusivamente agrcola, alm das intempries climticas
como a seca. E o segundo, o qual passaremos a nos referir daqui por diante, representa o
incio de um processo de organizao poltica, social e produtiva e a aplicao da lgica do
desenvolvimento local que gerou importantes transformaes.

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Encarregada da comercializao da produo, a CIDA concentrava as aes do Projeto e obrigava todos os
colonos a entregar a safra, quase sempre pagando preos bem abaixo dos praticados no mercado, combinando
ainda o ressarcimento da diferena para perodo posterior.

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2. O Processo de Organizao Social e Produtiva

O incio do processo de organizao dos agricultores de Serra do Mel possuidor de


particularidades relacionadas com a presena centralizada do Estado. A relao entre
agricultores e estado caracterizava-se pela limitao das aes desses ltimos, o que inibia o
surgimento de comportamentos estimuladores da participao e, dessa forma, limitava a
possibilidade dos agricultores assumirem responsabilidades no Projeto, tanto no mbito do
seu desenvolvimento quanto na conduo da nova vida em comunidade.
A criao da estrutura de organizao iniciou a partir de 1983 mediante ao
coordenada por um tcnico recm chegado da Sua destinado a trabalhar para o governo do
Estado, com vistas emancipao do Projeto Serra do Mel a municpio. A partir da realidade
encontrada, o tcnico suo percebeu a necessidade de buscar, atravs de estudos tcnicos e da
gesto participativa, vias de desenvolvimento capazes de viabilizar as atividades locais. Neste
sentido, d-se incio criao de associaes. Como resultado, em 1985 cada uma das 22
agrovilas existentes passam a ser dotada de associaes, cuja atribuio era a de receber os
recursos e repassar para os agricultores, promovendo assim o incio de um processo de
descentralizao, tanto das atividades econmicas como de poder.
Atualmente a estrutura de organizao do municpio de Serra do Mel, conforme
demonstra a TABELA 01, composta de 24 associaes, sendo 22 com fundao no ano de
1985 e 02 fundadas no perodo de 1996 a 2002. Conta ainda com um 01 grupo especfico de
produtores que desenvolvem a atividade de produo de mel de abelha (apicultores), alm de
02 cooperativas.

TABELA 01: Serra do Mel: estrutura e formas de organizao:


Data de Evoluo do n. de scios
DISCRIMINAO Quantidade Em atividade
Fundao 1996 2000
GRUPO DE PRODUTORES 01 1998 01 - 42
ASSOCIAO 24 1985/02 24 939 636
COOPERATIVA 02 1989/91 01 1.090 727
FONTE: Questionrio de pesquisa de campo e COOPERCAJU 2002.
Das duas cooperativas existentes uma delas, a COOPERMEL, foi criada no ano de
1975 e oficializada em 1989, passando a desenvolver uma gesto vertical e centralizada, alm
de vinculada ao estado. A concepo de sua criao e desenvolvimento passou a inibir a
participao dos agricultores familiares. Os representantes da COOPERMEL inspirados no
modelo da grande empresa capitalista de capital intensivo e de carter fordista, predominante
na poca, priorizaram a construo de uma estrutura centralizada e mo-de-obra assalariada
com vistas ao beneficiamento da produo de castanha e o pednculo do caju, adquirindo

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mquinas de porte industrial para o corte mecnico na extrao da amndoa da castanha e o
esmagamento na fabricao de suco a partir do pednculo.
A gesto vertical e a produo centralizada da COOPERMEL e a interveno do
estado na sua conduo passou a inibir gradualmente a participao dos produtores gerando
um estado de desconfiana e promovendo uma desarticulao entre sua diretoria e os
agricultores familiares. A situao era de descrena em toda a estrutura organizativa, o que
fez muitos agricultores se desvincularem tanto das cooperativas, como tambm das
associaes.
Em 1985 os agricultores familiares acreditaram em uma reverso da situao e, com a
ajuda de algumas instituies, dentre elas a Igreja, a Federao dos Trabalhadores na
Agricultura do Estado FETARN e o Sindicato dos Trabalhadores de Mossor destituram a
diretoria da COOPERMEL e assumiram o poder. A situao da Cooperativa apresentou-se
catica no momento e, no ano de 1986, os agricultores resolveram colocar um gerente com
conhecimentos tcnicos na esperana de solucionar os problemas e salvar a Cooperativa, mas
este no conseguiu reverter a situao afastando-se da funo e com ele os trabalhadores.
Mesmo depois da experincia frustrada com a COOPERMEL, a crena na organizao
atravs do cooperativismo no foi totalmente abalada, pois esta forma se configurava na mais
adequada de organizar-se e organizar a produo. Assim, no ano de 1991 um grupo de
agricultores familiares com a ajuda da FETARN e outras instituies, criou e fundou em
Mossor-RN, a Cooperativa dos Beneficiadores de Castanha de Caju COOPERCAJU.
Mesmo impedida pela prefeitura de funcionar em Serra do Mel3, a COOPERCAJU passou a
atuar priorizando a construo de uma estrutura descentralizada em unidades familiares para
beneficiar a produo de castanha, distribudas por algumas associaes nas agrovilas e
procurou adquirir e ajustar mquinas de porte artesanal para o corte mecnico na extrao da
amndoa da castanha. A gesto manteve a lgica vertical, mas a ao da diretoria no mais
inibia a participao dos agricultores, o que gerou uma migrao da anterior para a nova. A
TABELA 02 demonstra que houve uma evoluo positiva do nmero de cooperados para a
COOPERCAJU e uma queda no quadro da COOPERMEL.

TABELA 02: Cooperativas existentes e nmero de scios participantes:


Data de Evoluo do n. de scios
NOME DA COOPERATIVA
Fundao 1996 2000
COOPERMEL 05/1989 1000 600
COOPERCAJU 07/1991 90 127
FONTE: Questionrio de pesquisa de campo e COOPERCAJU 2002.

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A COOPERCAJU foi aberta e passou a funcionar inicialmente na cidade de Mossor, pois o prefeito de Serra
do Mel era vinculado a COOPERMEL e contrrio s iniciativas dos agricultores familiares.

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As aes da COOPERCAJU passam a se basear numa gesto estimuladora da
participao atravs de tomadas de deciso em assemblias, como tambm desenvolver uma
integrao local, procurando homogeneizar o espao rural, sem a separao entre agricultura e
indstria das fases tecnologicamente diferentes: produo, agroindstria e comercializao.
Entretanto, a trajetria da COOPERCAJU em seu pouco tempo de operao no se resume
apenas ao melhor dos mundos. As dificuldades enfrentadas pelos agricultores no perodo mais
crtico de interveno estatal e a frustrao com a COOPERMEL, dentre outros fatos
marcantes, foram ingredientes favorveis construo de um quadro de desconfiana que
dificultava, como veremos a seguir, o andamento de um processo pleno de participao
atingindo, de certa maneira, a gesto da COOPERCAJU e do planejamento realizado para
reestruturar e retomar o desenvolvimento de Serra do Mel.

3. O Programa de Reestruturao e a Agricultura Familiar


Os produtores de Serra do Mel sobreviviam, no incio dos anos 1980, em condies
difceis, praticando o cultivo de culturas destinadas principalmente ao autoconsumo como
mandioca, feijo e milho. Algum excedente de produo gerado era submetido ao controle da
CIDA, caso estes produtores decidissem pela sua comercializao. Nesse perodo, a produo
de caju, principal cultura implantada em perodo recente, ainda se configurava desprezvel e a
forma de se pensar o desenvolvimento das atividades rurais (VEIGA, 2000) era exclusivamente
agrcola, no havendo uma preocupao com a diversificao ou verticalizao da produo.
A partir de 1986, um esforo importante foi despendido no sentido de incentivar o
desenvolvimento local e difundir esta ideologia trazida pelo tcnico europeu, junto s
instituies, aos agentes locais e s famlias dos produtores. elaborado, ento, no ano de
1987 o primeiro planejamento, o Plano de Desenvolvimento Comunitrio Integrado PDCI,
com uma populao j possuidora de um nvel de organizao e participao considervel. E,
conforme CHARITY (1995), com base no desenvolvimento local, iniciava a busca da auto-
sustentao do Projeto, juntando a isso a aspirao pela emancipao deste condio de
municpio, o que acabou acontecendo no ano de 1988.
As preocupaes no sentido de alavancar a reestruturao de Serra do Mel, atravs da
perspectiva do desenvolvimento local deu-se a partir da elaborao e implementao do Plano
Integrado de Desenvolvimento Sustentvel de Serra do Mel PIDSSM, a partir do ano de
1994, promovendo transformaes estruturais no municpio. A idia inicial desse novo plano
era a unio de foras em torno do que VEIGA (2000; p. 138) e ABRAMOVAY (2000)
denominam de idia guia, na busca pelo desenvolvimento sustentvel. Para isso, inicialmente

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foi fundamental articular a cooperao principalmente entre trs instituies: a Prefeitura
Municipal, a EMATER e a AACC, esta ltima sendo a coordenadora do processo.
Estudos de viabilidade para o aproveitamento do caju foram sugeridos inicialmente
pelo tcnico suo e realizados pelo Instituto Biodinmico de Desenvolvimento Rural de
Botucatu e por uma instituio holandesa, a AGRO ECO Holanda. Os resultados desses
estudos apontaram para o caminho da construo daquilo que GRAZIANO DA SILVA (1997)
classifica de um espao rural multifuncional, com maior descentralizao e diversificao das
atividades locais e otimizao no aproveitamento dos recursos.
Apesar do planejamento elaborado com a participao dos agricultores, e estes
envolvidos diretamente no processo atravs das suas respectivas associaes, havia um
problema srio a ser resolvido: o crdito. At 1987 os agricultores no possuam o ttulo de
posse de seus lotes e, sem a capacidade de oferecer garantias, no podiam retirar recursos nos
bancos. Em 1988, com o Projeto na condio de municpio e os agricultores possuindo os
ttulos, realizado o primeiro custeio com vencimento dos contratos em um ano. Quando
chega o momento de saldar as dvidas com os bancos, os agricultores so orientados para o
no pagamento, pois tcnicos do Estado apontavam para a possibilidade de perdo por parte
dos bancos. O perdo no aconteceu e, entre os anos de 1988 e 1995, os agricultores de Serra
do Mel no tiveram acesso s fontes oficiais de financiamento, pois se encontravam
inadimplentes. Para financiar a produo nesse perodo, os agricultores passaram a se
submeter ao capital comercial e a financiamento informal como a agiotagem. Os comerciantes
maiores de Mossor, principalmente, com sua rede de prepostos locais faziam o vnculo entre
os agricultores e o mercado. Mantinha-se assim um vnculo, onde a estrutura competitiva
inexistia e, conforme ABRAMOVAY (1998), a integrao dos agricultores ao mercado se dava
parcialmente, realizando-se em condies tais que, existia a influncia individual de certos
agentes econmicos sobre a formao dos preos. Outra sada dos agricultores na obteno de
recursos acontecia em funo da venda de itens como leite e animais (porcos, galinhas, etc.).
o que ilustra o depoimento de um antigo agricultor, que reproduzimos abaixo:
[...] era um tempo muito ruim. O comprador de castanha vinha aqui e comprava toda a
produo nossa muitas vezes antecipada, na folha, a um preo que no valia a pena. Mas o
que eu digo aos meus amigos, o que a gente podia fazer? No tinha proteo de ningum, s
de Deus. Precisava do dinheiro para tocar o cajueiro e alimentar a famlia e no tinha outro
canto pra buscar. O jeito era tomar emprestado a agiota com juro alto, vender a castanha do
preo que o comprador queria e se virar com a venda de alguma criao. Isso quem tinha
criao pra vender. Era difcil. (J.B.S. Serra do Mel, agricultor familiar, 57 anos).
O acesso por parte dos agricultores a fontes oficiais de financiamento, como os
bancos, passou a ser uma realidade somente no ano de 1996 e submetido a algumas restries
e condies, depois do longo perodo de inadimplncia. Os recursos para as atividades rurais

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em Serra do Mel foram sendo liberados ainda sob ao cautelosa dos agentes financeiros,
principalmente do Banco do Brasil. Os bancos passaram a aumentar de forma considervel as
quantias e demonstrar maior confiana junto aos agricultores apenas nos anos de 1997 e 1998
liberando, no perodo de 1996 a 2000, um total de R$ 12.924.324,77 (Doze milhes,
novecentos e vinte quatro mil, trezentos e vinte quatro reais e setenta e sete centavos), a
maioria do Banco do Nordeste4, conforme dados da TABELA 03.
TABELA 03 Valores liberados em emprstimos realizados no mercado financeiro no perodo de 1991 a 2000
(em reais) e as principais fontes de financiamento.
ANO BANCO DO BRASIL BANCO DO NORDESTE TOTAL
1996 25.000,00 1.026.608,77 1.051.608,77
1997 1.100.000,00 2.484.536,41 3.584.536,41
1998 - 5.596.851,59 5.596.851,59
1999 1.268.170,00 530.216,18 1.798.386,18
2000 363.870,00 529.071,82 892.941,82

TOTAIS 2.757.040,00 10.167.284,77 12.924.324,77


FONTE: Banco do Nordeste, Banco do Brasil e COOPERCAJU 2002.
O aumento da quantidade de dinheiro nas mos dos agricultores, registrado entre
1997 e 1999, auge do Programa de Restruturao, resultou de maior confiana dos bancos no
cumprimento dos contratos e da necessidade de investimento em estrutura, dado a capacidade
de expanso e de retorno econmico detectados na cultura do caju e a intensidade no
momento do processo de beneficiamento e comercializao de castanha orgnica destinada
exportao. A reduo em 1999 e 2000 ocorreu por ocasio de uma mudana na poltica
nacional de crdito rural e representou uma crise de financiamento que prejudicou bastante os
agricultores e o andamento das atividades rurais. Segundo afirmaes das carteiras agrcolas
do Banco do Brasil e do Banco do Nordeste de Mossor-RN, numa reformulao do
Programa de Fortalecimento da Agricultura Familiar - PRONAF em nvel nacional, os
agricultores familiares classificados nas categorias A, B, C e D se submeteram a um ajuste.
Em 1999 os agricultores adquiriram recursos via PRONAF D com teto de 5.000,00 reais por
contrato e em 2000 fizeram pelo PRONAF C que tinha teto de apenas 1.500,00 reais.
Uma das particularidades do Programa de Reestruturao diz respeito ao processo de
distribuio na aplicao dos recursos alcanando, em certo nvel, a integrao das fases da
produo, beneficiamento e da comercializao. Conforme demonstra a TABELA 04, esse foi

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A presena do Banco do Nordeste no perodo de elaborao do Plano Intgrado de Desenvolvimento Sustentvel
de Serra do Mel - PIDSSM, criou uma situao de euforia por parte de vrios produtores, os quais esperavam
que os recursos fossem liberados de forma imediata e em quantias desejadas. A ansiedade era tanta que muitos
no tiveram pacincia de esperar a finalizao do Plano pois, para alguns agricultores o carter imediatista no
acesso ao dinheiro era o que mais importava no momento e no a conversa fiada necessria no processo de

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um perodo decisivo na formao de uma estrutura que exigiu maior destino e finalidade dos
investimentos em bens de capital (mquinas de corte, estufas a gs, mesas de classificao,
etc.), objetivando maior agregao de valor e o aumento da renda dos produtores.
TABELA 04 - Crdito rural: valores contratados e liberados por finalidade (1991-2000)
PRODUO AGROINDSTRIA COMERCIALIZAO TOTAL
ANO
Investimento Custeio Investimento Custeio Investimento Custeio

1996 839.675,58 25.000,00 295.355,34 - - - 1.051.608,77

1997 1.878.157,44 1.100.000,00 410.796,10 304.005,02 - 30.000,00 3.614.536,41

1998 4.025.275,93 69.783,61 724.596.39 563.574,97 214.695,23 107.347,61 4.872.255,20

1999 364.922,55 1.541.885,78 - 152.485,65 - - 1.950.871,83

2000 277.070,20 672.079,81 - 52.213,96 - - 892.941,82

Totais 7.385.101,70 3.408.749,20 706.151,44 1.072.279,60 214.695,23 137.347,61 12.924.324,78

FONTE: Banco do Nordeste, Banco do Brasil e COOPERCAJU 2002. Elaborao prpria.


A dinmica gerada a partir do programa de reestruturao levou a uma situao onde
se tornava evidente a concentrao e o predomnio dos investimentos em um nico produto: o
caju. Apesar da liderana dessa cultura, admitia-se, entretanto, que ela por si s, era
insuficiente para garantir a condio de desenvolvimento sustentvel do municpio. Mesmo
assim, a cajucultura (tratos culturais, colheita, armazenamento, beneficiamento,
comercializao, etc.) absorveu, no perodo entre 1991 e 2000, de acordo com a TABELA 05,
95,06% de todos os recursos destinados ao desenvolvimento das atividades rurais do
municpio, demonstrando um poder determinante no desenvolvimento rural de Serra do Mel.
TABELA 05 - Culturas que mais demandaram financiamento no perodo (1991-2000)
CULTURA VALOR (mil reais) %
Caju 12.285.863,14 95,06
Feijo 365.728,22 2,83
Bovinocultura de leite 187.300,64 1,44
Bovinocultura de corte 85.658,22 0,67
TOTAL 12.924.324,78 100,00
FONTE: Banco do Nordeste, Banco do Brasil e COOPERCAJU 2002. Elaborao prpria.
As outras culturas que somaram apenas 4,94% dos recursos do financiamento oficial
no perodo de 1991 a 2000 demonstram a condio de pouca importncia econmica, quando
vistas com a possibilidade de insero e contribuio no desempenho de uma estratgia de
desenvolvimento com sustentabilidade. De acordo com a TABELA 06, alm de pouca
elasticidade e pequena capacidade para agregar valor, os produtos de Serra do Mel, com a
exceo do caju, variaram pouco as quantidades produzidas entre 1991 e 2000. So bens

elaborao do PIDSSM.

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produzidos pelos agricultores sem a preocupao comercial em sistemas de cultivos simples
no perodo das chuvas, se destinando principalmente para o autoconsumo das famlias (no
caso de alimentos) e poupana (animais).
Tabela 06: Evoluo dos principais produtos agropecurios de Serra do Mel.
1995 2000
PRODUTOS Unidade
Quantidade
Unidade
Quantidade
Produzida Produzida
Feijo Kg 38.000 Kg 22.000
Mandioca T 300 T 1.600
Leite L 100.095 L 291.600
Bezerros Cab. 1.000 Cab. 1.800
Sunos Cab. 200 Cab. 1.116
Mel de abelha Kg 2.500 Kg 25.000
Ovos de galinha caipira Dz. 6.870 Dz. 7.000
FONTE: PIDSSM (1995), COOPERCAJU e IDEMA (2001). Elaborao prpria.
Entretanto, mesmo possuindo a liderana absoluta a cultura do caju, segundo os
elaboradores do planejamento, se configurava insuficiente para assegurar a sustentabilidade
do municpio. Mesmo assim a maior parte da estrutura rural existente no municpio exceto a
estrutura de produo , como demonstra as informaes da TABELA 07, foi constituda a
partir do financiamento gerado pela dinmica em torno dessa cultura. E, como podemos
constatar, na integrao, estratgia de agregao de valor (beneficiamento da castanha), que
se evidencia a preocupao com a reestruturao de Serra do Mel. Como mostra a TABELA 07,
isto se afirma quando percebemos que a maioria das unidades de beneficiamento artesanal,
adquirida entre 1990 e 1998, e vinculadas a COOPERCAJU, e que aparece em funcionamento
no desenvolvimento das atividades rurais de Serra do Mel, surgiu no perodo de maior fluxo
de recursos oriundos do crdito oficial.
A insero e expanso dos financiamentos bancrios foram, a nosso ver, os mais
importantes fatores na acelerao e viabilizao das mudanas locais (produtiva, tecnolgica,
capacitao, etc), pois significou inicialmente o rompimento dos laos de dependncia ao
capital comercial e, posteriormente, a base para as aes necessrias ao cumprimento das
metas para a reestruturao do municpio constantes no Plano, o que fez resultar na
alavancagem e sustentao do desenvolvimento rural.
TABELA 07: Estrutura de patrimnio rural existente:
Ativos em Parados / Perodo de
PRODUO Quantidade
Produo Inativos Construo/Aquisio
Lotes agrcolas 1.196 1.196 - 1974 a 1984
Colmias 1.000 996 04 1998 a 2000
AGROINDSTRIA
Unidades beneficiamento castanha 400 100 300 1990 a 1998
Casas de farinha 14 - 14 1990 a 1996
COMERCIALIZAO
Cooperativas 02 01 01 1975 a 1991
FONTE: Questionrio de campo e COOPERCAJU 2002.

11
Uma das constataes que chama a ateno a existncia das 14 casas de farinha
dispersas por algumas vilas e que se encontram desativadas. Essa estrutura foi formada com
recursos oriundos do Programa de Apoio ao Pequeno Produtor PAPP, numa parceria entre o
governo do estado e o Banco Mundial, no atendendo a um rigor especfico nos estudos
prvios de viabilidade econmica e de mercado. So produzidas em mdia no municpio, 300
toneladas da raiz/ano de mandioca, quantidade suficiente para funcionamento de pouco mais
de uma casa de farinha. Essa estrutura no despertou interesse de torn-la vivel em curto
prazo, tornando-se desprezada pelo Programa de Restruturao.
Foi com a criao da COOPERCAJU que se intensificou a reestruturao. E esta,
como visto, estava prevista para viabilizar a integrao a partir do beneficiamento artesanal da
castanha de caju, utilizando um equipamento de corte de porte familiar para a extrao da
amndoa. Entretanto, no existia equipamento como o desejado que se adaptasse realidade
de Serra do Mel, apenas as mquinas de porte industrial da COOPERMEL que no
interessavam para a lgica de desenvolvimento pretendida. A EMBRAPA Agroindstria
Tropical, de Fortaleza, foi procurada e passou a trabalhar na adaptao de um pacote que
atendesse a capacidade de produo de cada famlia. A estratgia do planejamento, como
veremos no tpico a seguir, era, desde o ano de 1994, integrar agregando valor produo
(beneficiando e comercializao), capitalizar e dotar a Cooperativa de uma estrutura a partir
das necessidades da cultura do caju e, com isso, facilitar e tornar efetivo o acesso a recursos
para o financiamento dos investimentos com a captao junto aos bancos.

4. O Plano Integrado de Desenvolvimento Rural Sustentvel


Durante as discusses do planejamento que se estenderam pelos anos de 1994 e 1995,
o Programa das Naes Unidas para o Desenvolvimento PNUD, o Banco do Nordeste e a
Associao Brasileira de Cooperao ABC, juntamente com a AACC acompanharam
tecnicamente a elaborao do Plano Integrado de Desenvolvimento Sustentvel de Serra do
Mel PIDSSM, cuja metodologia propiciou na sua formulao a participao e capacitao
dos produtores envolvidos e suas associaes.
Uma das principais concluses do Plano com relao situao econmica presente
do municpio quela poca foi de que, apesar da liderana da cultura do cajueiro era sensato
aceitar sua condio de insuficincia para engendrar sozinho um processo de desenvolvimento
sustentado, capaz de garantir um fluxo regular de renda para todas as famlias de agricultores.
Na concepo do PIDSSM, em nvel de relacionamento interno da unidade familiar de
produo, a varivel tecnolgica encontrava-se estritamente associada com a disponibilidade
de recursos fsicos e financeiros, com o processo de capacitao, de produo e de trabalho,

12
com a diviso interna do trabalho entre os membros da famlia ou a mo-de-obra
eventualmente contratada, etc. E, em nvel das relaes externas, com o grau de
mercantilizao da produo e a articulao com os sistemas de comercializao e
financiamento. Neste sentido, a idia do Plano de um desenvolvimento endgeno e com o
mnimo de subordinao5, onde as mudanas tecnolgicas introduzidas na produo acelerem
o processo que GRAZIANO DA SILVA (1982) classifica de diferenciao no sentido ascendente
e que seja capaz de fazer com que as rendas oriundas do excedente da atividade rural do
municpio no sejam transferidas intersetorialmente para outros setores fora do mbito local e
que os bons resultados da atividade sejam convertidos em investimentos na estrutura de
produo e em rendas cada vez maiores e mais remuneradoras do trabalho das famlias.
Percebendo a importncia da insero da agroindstria como processo contnuo da
produo, o PIDSSM apontava para a diversificao das atividades num cenrio onde
estivessem devidamente integradas na cadeia produtiva. Constatadas as deficincias e os
principais problemas do municpio em levantamentos efetuados pela equipe do planejamento,
passou-se a trabalhar no apontamento de solues a partir da identificao das maiores
potencialidades. Como j afirmado anteriormente, a fundamentao do Plano foi direcionada
para o desenvolvimento local, num projeto de desenvolvimento construdo desde sua base
privilegiando a cooperao entre agentes e instituies, mantendo relacionamento e
interdependncia do contexto regional, nacional e internacional. Entre os agricultores, mesmo
enfrentando dificuldades, a concepo do Plano fez com que estes passassem a ver uns aos
outros como parceiros e no como ameaa. De acordo com a TABELA 08, o PIDSSM, nos
ltimos seis anos, proporcionou a participao de diversas instituies pblicas e privadas que
passaram a contribuir no processo de desenvolvimento rural/local de Serra do Mel, juntando-
se s mais antigas (AACC, EMATER, SIPARN E FETARN).
A partir do enfoque no desenvolvimento local o PIDSSM, por sua vez, foi orientado
para a necessidade de construo do que vem sendo definido como capital social6, mediante a
a formao de uma rede de participao FRANCO (2000) entre Estado e Sociedade Civil.

5
A caracterstica da agricultura familiar para vrios autores, dentre eles GRAZIANO DA SILVA (2000) e
ABRAMOVAY (1998, p. 193), de dependncia e subordinao ao capital. E , certamente, a atividade econmica
no capitalismo contemporneo mais fortemente submetida a constrangimentos coletivos. A concepo do
PIDSSM, neste caso, apresenta-se ousada quando busca em suas diretrizes, a combinao nas relaes internas e
externas de forma tal que promovessem o mnimo de submisso e dependncia da agricultura familiar de Serra
do Mel.
6
Nossa viso de capital social aqui tomada de PUTNAM (1993), sintetizada por MOYANO (2000), e que destaca
que a articulao da sociedade civil no depende da ( diferente a) ao de governos, e afirma que o capital
social path dependent, quer dizer, resultado de inrcias histricas e culturais; isso explicaria, na opinio de
Putnam, que ocorra uma grande diversidade de sociedades com diferentes graus de intervencionismo estatal. ...
v as relaes estado-sociedade como um jogo de soma diferente de zero, deduzindo que o Estado pode
promover um entorno adequado para que seja possvel o florescimento de uma sociedade civil dinmica.

13
O Plano ento constitudo atendendo a lgica descendente de Programas e Projetos.
A preocupao com a criao de postos de ocupao para a fora de trabalho rural local foi
priorizada e ancorada na integrao dos trs principais eixos: a agropecuria, a agroindstria e
a criao de ocupaes no-agrcolas, alm do acesso a mercados.
TABELA 08 : Principais empresas e instituies parceiras e de relacionamento.
Nvel de Perodo de Contratos?
Empresa / Instituio Ramo de Atividade
Atuao Relacionamento (S ou N)
AACC Assistncia tcnica Local 12 anos S
BANCO NORDESTE/PNUD Crdito/capacitao Regional 06 anos S
BANCO DO BRASIL Crdito Nacional 06 anos S
BANCO MUNDIAL/PAPP Crdito Internacional 04 anos S
EMATER Assistncia tcnica Regional 12 anos N
EMPARN Pesquisa Regional 04 anos N
EMBRAPA Pesquisa Nacional 03 anos N
SEBRAE Assessoria empresarial Regional 06 anos N
FETARN Sindical Regional 07 anos N
VISO MUNDIAL Comrcio exterior Internacional 02 anos N
SIPARN Comrcio Exterior Internacional 12 anos N
FONTE: Questionrio de pesquisa de campo 2002.

Para o desenvolvimento da agropecuria o Plano direcionava as aes para as


vertentes agrcola, pecuria e silvcola, consorciadas de forma a garantir um padro
tecnolgico sustentvel economicamente e ambientalmente. Em relao ao padro
tecnolgico, alm do consorciamento das atividades, que previa a interveno da pesquisa
agropecuria, pretendia-se utilizar tcnicas que ajustassem as combinaes para a reverso do
sistema de cultivo tradicional para o orgnico. Este padro tecnolgico encontrava-se dentro
das perspectivas dos estudos realizados pelo IBD de Botucatu, que recomendava a produo
de castanha orgnica, principalmente, tendo em vista a possibilidade de atingir o mercado
externo. A SIPARN, agente exportador, sempre se responsabilizou pela operacionalizao,
em Natal, das exportaes. Em 1996, numa das aes mais importantes do eixo agropecurio
contido no Plano, a EMBRAPA Agroindstria Tropical de Fortaleza e a Empresa de Pesquisa
Agropecuria do Rio Grande do Norte EMPARN, passaram a desenvolver no municpio
com financiamento do Banco do Nordeste a tecnologia de substituio de clones de cajueiro,
buscando alcanar maior produtividade a partir da insero de uma variedade mais resistente e
produtiva: o cajueiro ano precoce.
Para o desenvolvimento da agroindstria, o beneficiamento da castanha do caju foi o

14
ponto principal. Tentou-se implementar, a partir de uma ao conjunta com a EMATER, um
processo caseiro de produo de derivados do pseudofruto (rapadura, doce, mel, licor, etc) em
algumas vilas (a Vila Piau, principalmente). O SEBRAE se inseriu logo aps contribuindo
com o apoio em marketing (embalagem, rtulo, identificao do produtor, etc.) para a entrada
dos produtos no mercado. Diante de dificuldades de regulao, muitas delas geradas pelo
oportunismo WILLIAMSON (1985) exacerbado de algumas instituies e da falta de
cooperao, no houve registro de sucesso considervel.
Em Serra do Mel a situao demonstrou, alm da inexistncia de contratos um
pequeno grau de aperfeioamento das instituies envolvidas e deficincia de regulao.
O quadro previsto para a diversificao via agroindstria teve pouca expresso na
criao e desenvolvimento de outras atividades no-agrcolas e, como veremos a seguir,
limitou-se apenas no beneficiamento da castanha do caju atravs do corte artesanal em
unidades de porte familiar vinculadas a COOPERCAJU.

5. O Desenvolvimento e Aperfeioamento de Tecnologia para o


Beneficiamento Artesanal da Castanha de Caju
A tecnologia um dos elementos que afetam diretamente o funcionamento das
economias de caractersticas familiares, sendo muitas vezes responsvel por transformaes
estruturais profundas tanto em nvel interno da unidade produtiva como em nvel de suas
relaes com a sociedade capitalista.
Assim, para GRAZIANO DA SILVA (1999, p. 137), a poltica tecnolgica para o
ambiente tpico da unidade familiar emerge como um elemento-chave no contexto da
transformao dinmica de uma produo mais artesanal, no sentido de destruir, manter e
elevar esse segmento a um patamar mais alto de integrao com a economia global. Ou seja, a
poltica tecnolgica apresenta-se como de alta relevncia no direcionamento dos processos de
integrao, diferenciao e de decomposio da unidade familiar de produo em sentido
ascendente ou descendente, isto , nas direes defendidas pelos clssicos, de um processo de
submisso e integrao, KAUTSKY (1980) ou proletarizao e capitalizao, LNIN (1985).
Segundo a EMBRAPA Agroindstria Tropical7, o setor agroindustrial ressente-se de
tecnologia para o aproveitamento integral do caju, de maneira a obter produtos de alto padro
de qualidade que possam ser competitivos nos mercados nacional e internacional. Para a
EMBRAPA, com relao ao caju, os processos de extrao da amndoa so os mais viveis.

7
Para obteno de informaes mais detalhadas ver : (EMBRAPA Agroindstria Tropical. Centro Nacional de
Pesquisa em Agroindstria Tropical CNPAT. Relatrio de Atividades 1996-1997. Fortaleza, 1999. 156p).

15
O eixo da agroindstria contido no PIDSSM fazia parte de um conjunto de atividades
integradas, diferentes da lgica de KAUTSKY (1980) que separa agricultura e indstria, a
serem desenvolvidas no mbito produtivo e trazia, na sua concepo, um determinado grau de
complexidade para sua implantao. Dessa forma, os recursos necessrios ao financiamento
dos investimentos do plano produtivo foram negociados diretamente com a sede do Banco do
Nordeste em Fortaleza, por no se enquadrar nos parmetros convencionais de projetos
agrcolas. A apresentao de uma proposta que unia as trs fases (a produo, a agroindstria
e a comercializao), alm da inverso do sistema de cultivo tradicional para o orgnico,
tornava o Plano um caso particular nas rotinas das agncias locais de crdito,
impossibilitando-as de realizar a operao. O valor total do Plano foi estimado em
12.000.000,00 (Doze milhes de reais).
Diante da dificuldade com relao tecnologia de processamento do pseudofruto
apontada pela EMBRAPA no PIDSSM, o processo de reestruturao da COOPERCAJU foi
direcionado a partir do beneficiamento artesanal da castanha de caju. Surge ento a
necessidade de simplificar e ajustar a tecnologia para o corte artesanal e inserir de maneira
eficiente e descentralizada de forma que as prprias famlias operem at mesmo em suas
casas. Numa parceria entre os produtores, a AACC e a EMATER, foram realizadas discusses
que resultaram no desenvolvimento de uma mini-indstria familiar de beneficiamento de
castanha, com caractersticas rsticas. A partir disso, fazia-se necessrio uma srie de
adaptaes para ajustar s dimenses pretendidas.
Tendo em vista a necessidade de ajuste, a EMBRAPA conseguiu desenvolver um
equipamento de corte artesanal que inclua, alm do equipamento de corte da castanha, uma
estufa pequena que funciona com queima de gs em substituio as de alvenaria que queima
lenha, baldes para cozimento em vez de autoclaves, layout apropriado para a instalao, etc.
Com a insero e utilizao da estrutura de corte artesanal e de porte familiar,
constata-se um aumento expressivo na rentabilidade, pois alm do valor agregado com a
transformao, eleva o aproveitamento da produo, principalmente a destinada ao mercado
externo, a parcela possuidora de um preo superior. A injeo de crdito oficial a partir de
1996 e a castanha de caju sendo beneficiada com os equipamentos artesanais fez a produo
atingir os nveis dos nmeros constantes da TABELA 9.
Segundo afirmaes de um tcnico da COOPERCAJU, a amndoa beneficiada
representa, em mdia, 20% do total de frutos processados, ou seja, so necessrios 5 kg de
frutos para gerar 1 kg de amndoa. E no processo de seleo para a exportao, que se
submete a um maior rigor, o ndice de aproveitamento de amndoas inteiras chega a superar

16
80% de toda a castanha beneficiada, e o restante de 15 a 20% em formas quebradias,
totalmente absorvido pelo mercado interno.

TABELA 9: Desempenho da produo de castanha beneficiada nos ltimos 05 anos8.


1996 1997 1998 1999 2000
PRODUTOS Unidade
Quantidade Quantidade Quantidade Quantidade Quantidade
Castanha de caju Kg 45.960 48.400 37.500 30.000 50.300
FONTE: Questionrio de pesquisa de campo e COOPERCAJU 2002.

No processo de beneficiamento da castanha para exportao usando equipamentos de


porte industrial, segundo afirmaes de tcnicos da COOPERMEL, aproveita-se em torno de
50% de amndoas inteiras e os 50% restantes (quebradias e esmagadas), passam a configurar
qualidade inferior equivalente de corte artesanal.
Como os produtores participaram juntamente com os tcnicos da EMBRAPA e da
AACC na adaptao do equipamento de corte artesanal, a tecnologia desenvolvida
apresentou-se simples proporcionou fcil aprendizado. Nas palavras de um tcnico que
acompanhou as inovaes nas etapas do processo de beneficiamento da castanha:
[...] o processo de absoro e adaptao s tcnicas de beneficiamento da castanha de caju a
partir dos equipamentos de porte familiar se deu de forma tranqila e sem a ocorrncia de
maiores problemas. O fato dos equipamentos serem simples e ajustados com a participao
direta dos prprios produtores, isso facilitou a aprendizagem e as tcnicas foram rapidamente
absorvidas. Muitas vezes os prprios agricultores ensinavam os tcnicos no aperfeioamento
dos processos demonstrando muita segurana naquilo que diziam (F.C.S. engenheiro
agrnomo, 45 anos, Serra do Mel).

Alguns problemas surgiram com o processo de beneficiamento artesanal da castanha


de caju e so decorrentes do processo de ajuste da tecnologia. Um deles a dificuldade em
atingir um nvel cada vez mais padronizado das amndoas, no momento em que as unidades
de beneficiamento se encontram dispersas em diversas vilas do municpio, o que exige uma
ao mais determinada da Cooperativa na uniformizao e no controle da qualidade. Outro
diz respeito emisso do gs oriundo da queima da castanha, o LCC, que ainda
desperdiado no processo e, de certa forma, poluente.
Mas o problema de maior magnitude que se apresentou no decorrer dos esforos de
agroindustrializao da castanha do caju, bem como na implementao do PIDSSM que
estendia as aes s trs fases da cadeia produtiva, foi a deficincia gerencial dos dirigentes
da COOPERCAJU. No possuindo pessoas qualificadas para a integrao de atividades e

8
Segundo informaes de tcnico da COOPERCAJU, apenas 10% (45 a 50 toneladas) de toda a castanha de caju
produzida pelos seus cooperados, em torno de 560 toneladas/ano, so beneficiadas pelas famlias atravs das
unidades de beneficiamento e apenas 1/3 destes 10% so destinadoa ao mercado internacional. Isso demonstra
que ainda expressivo o potencial local a partir da castanha de caju e h uma capacidade significativa de
expanso do processo de beneficiamento e exportao.

17
gesto de negcios com caracterstica empresarial, a diretoria da Cooperativa passou a
cometer uma srie de equvocos que chegou a comprometer sua estratgia inicial de
estruturao.
No aceitando a condio de liderana do beneficiamento da castanha como principal
atividade econmica do municpio e instrumento de capitalizao da cooperativa, o gerente,
contrariando os apontamentos da EMBRAPA em relao s dificuldades de tecnologias para
o pseudofruto do caju, decidiu criar e desenvolver um produto novo a partir deste. Ignorando
diversas advertncias de pessoas experientes, contrariando a lgica do PIDSSM e desviando
recursos destinados estruturao da cooperativa, criou-se a rapadura de caju. A rapadura foi
fabricada e encaminhada ao mercado consumidor, sem passar por um teste fundamental: o
teste da prateleira. Principalmente para suas caractersticas de produto natural, sem aditivos e
conservante qumicos. Todo o produto foi comercializado, porm no resistiu ao tempo de
espera recomendado pelo mercado e apodreceu. Os compradores devolveram o produto,
levando a cooperativa a um prejuzo significativo. Outros problemas surgiram como
conseqncia e no teve outro resultado seno a inadimplncia da COOPERCAJU frente ao
Banco do Nordeste causada pelos erros de estratgia de mercado e gesto.
A capitalizao adquirida ao longo dos ltimos anos com a comercializao da
castanha beneficiada, requisito para obter o acesso contnuo s linhas de financiamento no
Banco do Nordeste, foi comprometida. Com uma dvida crescente, sem capital de giro e com
a crise de gesto instalada, a COOPERCAJU precisou rever suas estratgias para continuar
funcionando.
A crise de gesto afetou uma das conquistas mais importantes: a garantia de
comercializao para o exterior. Quando da elaborao do PIDSSM foram realizados contatos
com compradores de pases da Europa e Estados Unidos. Estes firmaram interesse de
aquisio da produo, principalmente a castanha com Selo Orgnico. O no cumprimento na
plenitude dos compromissos desperdiou este importante mercado potencial, que passou a
necessitar de maior esforo posterior para reconquist-lo. O Certificado de Produo Orgnica
est suspenso e a ltima inspeo do Instituto Biodinmico foi em 04/11/1998.
Como a idia do PIDSSM era o plano de produo rural engendrar um processo
endgeno de desenvolvimento local a partir de uma estrutura de funcionamento integrada, a
efetivao incompleta deste eixo comprometeu as outras atividades previstas em outros
setores, entre elas a criao de atividades no-agrcolas. A diversificao tambm no ocorreu
como o previsto e a castanha de caju beneficiada passou a ser o nico produto

18
agroindustrializado localmente, liderando as atividades econmicas, mesmo com a reduo do
nmero de unidades de beneficiamento de 400 para apenas 100 unidades de produo.
Numa avaliao feita pela AACC, esta instituio aponta que o trabalho desenvolvido
em Serra do Mel entre 1990 e 2000, apresenta uma falha importante: a questo da tica. Tanto
as instituies que atuaram durante a execuo do PIDSSM, quanto a maior parte dos
produtores e da parte da prpria AACC, constata-se um certo oportunismo.
Neste sentido, os problemas identificados no desenvolvimento rural de Serra do Mel
se apresentam tpicos do surgimento de uma economia local com as caractersticas de
economias regionais com aes localizadas e integradas ao esquema global de acumulao
capitalista. So embries, decorrentes de um novo padro de produo, o ps-fordismo,
representados pela possibilidade de flexibilizao das relaes de produo que, como
veremos a seguir, no decorrer do tempo, vem exercitando sua entrada ao esquema global de
acumulao capitalista a partir da experincia exercida pela prtica da comercializao da
castanha de caju para os mercados nacional e internacional.

7. A Dinmica Gerada pela Comercializao da Castanha de Caju


No Rio Grande do Norte, o municpio de Serra do Mel se configura como maior
produtor de castanha de caju, sendo possuidor de uma rea explorada de 23.000 ha de cajueiro
que produz um total estimado entre 6.000 e 8.000 toneladas/ano. Desse total, apenas cerca de
580 toneladas/ano de castanha in natura so produzidas por agricultores familiares ligados a
COOPERCAJU e representam o seu universo de atuao. E dessa parcela, a Cooperativa
consegue beneficiar/agroindustrializar em torno de 10%, onde desta percentagem, 1/3
destinada para a exportao e 2/3 para o mercado interno.
As aes de reestruturao de Serra do Mel desenvolvidas em torno do eixo da
agroindstria, no plano produtivo do PIDSSM a partir de 1994, orientaram para as unidades
artesanais de beneficiamento da castanha de caju com vistas a atingir o mercado externo. As
relaes comerciais passam a ser realizadas diretamente pelos produtores, atravs de uma
central de comercializao, sem intermedirios, sem passar pelas Cooperativas presentes hoje
em Serra do Mel, mesmo a maioria das unidades estando ligadas elas. Dessa forma, impera a
lgica do desenvolvimento local recomendada pelo Banco Mundial (MOYANO, 1999), em que
o desenvolvimento das atividades acontece sem, contudo, passar pelas formas tradicionais de
organizao, seja de uma associao, seja de uma cooperativa, nem qualquer participao de
entidade de classe, interveno ou regulao estatal.
O volume exportado chegou, no perodo de 1998 a 2000, em torno de 1/3 da
movimentao total da COOPERCAJU, conforme TABELA 10 e, dentre os produtos que Serra

19
do Mel produz e registra como comercializados, a liderana se mantm absoluta por parte da
castanha de caju beneficiada e destinada exportao.
TABELA 10: Principais produtos de Serra do Mel comercializados e mercados de destino
MERCADOS DE DESTINO
PRODUTOS Quantidade Perodo Interno Externo
Unidade
Total/ano de Oferta
Local Regional Nacional
Castanha de caju 50.300 Kg Set/jun 2.500 7.500 20.000 16.896
Feijo 22.000 Kg Jun/ago 2.200 19.800 - -
Mandioca 1.600 Ton. Set/dez 80 1.520 - -
Leite de vaca 291.600 L Dirio 102.060 189.540 - -
Mel de abelha 25.000 Kg Jun/ago 2.500 22.500 - -
Ovos de galinha 7.000 Dz. Semanal 1.750 5.520 - -
FONTE: Questionrio de pesquisa de campo 2002.

De toda a produo no municpio, apenas a castanha de caju vendida para o mercado


internacional. Os outros produtos, por serem caractersticos do autoconsumo das famlias, no
agregar valor e, por isso, no dar respostas favorveis aos investimentos, proporcionam pouco
valor adicionado ao produto total e, quando comercializado o excedente, as relaes so
dominadas pelos intermedirios.
O interesse por esses outros produtos era demonstrado em sua maior parte pelas
instituies de classe, como a Federao dos Trabalhadores na Agricultura do Estado e o
Sindicato dos Trabalhadores de Mossor, que atuavam no municpio e viam nessas culturas a
garantia da segurana alimentar das famlias (GRAZIANO DA SILVA, 1999).
A partir de 1994, defende-se com mais nfase o que CARNEIRO (1996) define de
multifuncionalidade da agricultura e uma maior pluriatividade dentro de um contexto de
desenvolvimento em que as atividades no-agrcolas (beneficiamento da castanha e outras)
necessitavam da agricultura para garantir aos agricultores familiares envolvidos na
agroindstria, os elementos para a manuteno do seu ambiente de reproduo.
O principal destino da castanha de caju de Serra do Mel no mercado internacional, de
acordo com o exposto na TABELA 11, a Sua. As relaes de intermediao entre os
produtores e o mercado internacional so realizadas por uma organizao da Sua que
desenvolve trabalhos em pases pobres, a OS3. Os tcnicos desta organizao sempre
realizaram visitas peridicas, duas vezes por ano, para verificar in loco, se todo o processo de
produo atendia s exigncias do mercado orgnico e se era isento da explorao do trabalho
infantil, de sistemas de escravido ou explorao de mulheres.

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TABELA 11: Exportao de amndoas de castanha de caju e mercados de destino.
QUANTIDADE UNIDADES DE MERCADO
ANO BENEFICIAMENTO DESTINO
NO - ORGNICA ORGNICA
1991 3.000 Kg - - Sua
1992 4.500 Kg - 12 Sua
1993 4.500 Kg - 26 Sua
1994 7.000 Kg - 30 Sua
1995 15.000 Kg 4.700 Kg 70 Sua
1996 5.400 Kg 10.500 Kg 85 Sua
1997 3.600 Kg 14.800 Kg 85 Alemanha
1998 10.500 Kg - - EUA
1999 - - - -
2000 20.300Kg - 53 Sua
Fonte: Coopercaju 2000. Questionrio de pesquisa de campo 2002.

Atendendo s diretrizes do PIDSSM que previam, a partir de 1994, o destino dos


investimentos para a inverso do sistema de cultivo tradicional para o orgnico para atingir o
mercado externo, em 1995 Serra do Mel exporta a primeira remessa de castanha orgnica para
a Sua. Em 1996 e 1997, com o aumento das liberaes de recursos do Banco do Brasil e
Banco do Nordeste, intensificado o processo de inverso do sistema de cultivo tradicional
para o orgnico a ponto de gerar um sentido inverso tambm nas exportaes. Pelos nmeros
da TABELA 11 percebemos que cai bruscamente s quantidades exportadas de castanha no
orgnica e se eleva em proporo maior s quantidades orgnicas. A partir dessa constatao
de se considerar ainda a elevao do nmero de unidades de beneficiamento de 12 unidades
em 1992 para 70 unidades em 1995 e para 85 unidades em 1997 , e de famlias participantes,
alm da entrada de mercados compradores potenciais interessados: a Alemanha e EUA.
Com a crise instalada na COOPERCAJU a partir da crise operacional citada
anteriormente, que se juntou a conseqncias como o fechamento do acesso ao crdito do
Banco do Brasil em 1998, dentre outras coisas, os compromissos de entrega de castanha
orgnica, principalmente, foram descumpridos trazendo prejuzos, alm de desperdiar canais
abertos com os mais importantes mercados compradores potenciais.
Em 1999 no houve exportao de castanha de caju, retomando com muito esforo em
2000 com apenas 53 unidades de beneficiamento funcionando e atravs da ajuda, no mais
ampla e dedicada como no incio, dos compradores da Sua.
Grande parcela da castanha de caju beneficiada produzida em Serra do Mel, em torno
de 63,97%, ainda comercializada via intermedirios no mercado interno juntamente com a
parte in natura e de maneira informal, no havendo regularizao ou certificao do produto.

21
Segundo avaliao de um tcnico da COOPERCAJU ainda mais fcil exportar que
comercializar para o mercado interno. O grande problema do mercado interno representado
pela burocracia do aparato institucional. Para o mercado externo, porm, necessita-se mandar
previamente uma amostra do produto que ser submetido a uma anlise rigorosa seguindo os
padres de classificao exigidos. Uma vez conseguido isso, recebe-se o Certificado de
Origem e o produto enviado ao exterior.
Uma vantagem estratgica do relacionamento com o mercado externo a exigncia
deste em relao s condies de produo; exige-se o ISO 14.000 para produtos produzidos
sem agresso ao meio ambiente. Outra a garantia do recebimento, determinada pelo rigor na
forma de relacionamento de compra e venda. Tanto os compradores europeus como os
americanos adiantam 50% do valor total da mercadoria e o restante depositado em conta
imediatamente aps o ato da entrega pelos produtores. Isso determina um grau elevado de
responsabilidade pelo lado dos produtores a ponto que, se no cumprirem o compromisso,
desperdiam o mercado e sero eliminados de qualquer relacionamento futuro.
No mercado interno, alm de lutar contra a burocracia das instituies e vencer os
concorrentes como a Mossor Agroindustrial S A (MAISA) e a USIBRS oligoplio
formado por empresas de grande porte no estado , para os produtores da COOPERCAJU e
de Serra do Mel, h fragilidade ao estabelecer uma relao de confiana com os compradores
no Brasil, sendo grandes as possibilidades de calote.
Em relao aos aspectos econmicos e sociais como o surgimento de postos de
trabalho, a variao da renda e a melhoria dos nveis de condio de vida, constata-se que
com a integrao partir do beneficiamento da castanha de caju e a insero direta dos
agricultores de forma organizada em mercados competitivos, os postos de trabalho se
ampliaram e os rendimentos foram aumentados. disso que trataremos a seguir.

8. Serra do Mel: o antes e o depois a partir dos indicadores scio-


econmicos.
Os principais produtos geradores de ocupaes atualmente so, de acordo com a
TABELA 12, a castanha de caju que se manteve sempre na liderana e o mel de abelha surgido
recentemente entre 1998 e 2000. A liderana absoluta da castanha de caju se afirma e na fase
da agroindstria so 500 postos de trabalho com remunerao que varia de 4 a mais de 8
salrios mnimos. Na fase da comercializao so 30 postos que exigem uma maior
especializao e nvel de instruo mais elevado, inclusive profissionais graduados de nvel
superior com rendimentos onde alguns superam 10 salrios. A fase da produo responsvel
pela maioria absoluta, 5.980 pessoas obtendo renda a partir da cajucultura pouco superior a 1

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salrio mnimo. O mel de abelha outro produto que inicia um processo ainda tmido de
diversificao com 42 postos na fase da produo.
TABELA 12: Ocupaes geradas ao longo da cadeia e principais produtos.
Nmero de Ocupaes Geradas
CULTURAS / PRODUTOS
PRODUO AGROINDSTRIA COMERCIALIZAO
Cajucultura 5.980 500 30
Mel de abelha 42 - -
Fonte: COOPERCAJU, 2002. Elaborao prpria
Verifica-se tambm que a qualidade de vida das pessoas inseridas no processo mudou
para melhor. Existem vilas onde a aquisio de bens de consumo durvel (automvel novo ou
seminovo, geladeira, fogo a gs, televisor, forno microondas, videocassete, etc) bastante
emblemtica, fruto da capitalizao dos agricultores. Em torno de 40% das famlias possuem
carro e 100% tm geladeira, fogo a gs e televisor.
Com base em dados do Programa das Naes Unidas para o Desenvolvimento
PNUD, o Rio Grande do Norte, entre 1991 e 2000, avanou pouco em termos do ndice de
Desenvolvimento Humano - Mdio (IDH-M), passando de 0,618 para 0,702, o maior do
Nordeste, com uma elevao de 0,084. Dividido entre poucos ricos e muitos pobres o Estado,
ainda com srio subdesenvolvimento econmico, poltico, social e tico, deve encontrar
sadas que mudem sua cara. A anlise geral que se faz, segundo o PNUD, que onde imperou
a lgica de concentrao dos investimentos o IDH permanece baixo, e onde isto no ocorreu,
a sociedade reagiu e conseguiu mudar a realidade.
Para as Naes Unidas, o municpio de Serra do Mel se enquadra na segunda
observao pelo fato de se encontrar numa situao catica nos anos 1980, onde o municpio
era caracterizado pela alta indigncia, e emergir buscando superar seus problemas atravs da
aplicao correta de polticas pblicas que delineou, a partir do desenvolvimento local, uma
lgica diferente de desenvolvimento rural.
A TABELA 13 demonstra que entre 1991 e 2000, o municpio avanou em todos os
indicadores que medem a qualidade de vida da populao, e um deles chama a ateno: a
renda per capita. Esta, mesmo ainda pequena, dobrou no perodo de R$ 53,63 para R$
103,35, revelando um crescimento significativo do produto e elevando o indicador de nvel de
renda local de 0,437 para 0,623.
No que diz respeito ao IDH-M, o municpio conseguiu elevar de 0,509 em 1991,
considerado de baixo desenvolvimento pelo PNUD, para 0,619 em 2000, ndice que, segundo
este rgo, caminha para uma posio de mdio desenvolvimento.

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TABELA 13: Evoluo do IDH ndice de Desenvolvimento Humano no perodo 1991-20009.
Esperana de Taxa de Renda per ndice de
ndice de renda ndice de Desenvolvimento
Municpio Ano vida ao nascer alfabetizao de capita educao
(IDHM-R) Humano Municipal (IDH-M)
(em anos) adultos (%) (em R$ ) (IDHM-E)
1991 55,75 57,43 53,63 0,577 0,437 0,509
Serra do Mel
2000 62,83 68,53 103,35 0,704 0,623 0,619
Estado IDH-M 1991 IDH-M 2000 Variao no IDH-M Ranking 1991 Ranking 2000
Rio G. do Norte 0,618 0,702 0,084 19 18
Fonte: PNUD / IPEA / Fundao Joo Pinheiro (anos 1991 e 2000). Elaborao prpria.

Na vila Piau, a mais rica e desenvolvida, onde existe o maior nmero de


beneficiadoras artesanais de castanha e onde se iniciou a experincia do processamento,
onde se constata a maior concentrao de famlias possuidoras de carros e de bens de
consumo durveis. notvel ainda perceber a perspectiva dos pais em relao aos filhos, que
se revela em sonhos de que estes ltimos possam ter um futuro cada vez mais promissor e
com maior qualidade a partir de uma vida intensa de estudos na construo de uma profisso e
de maior dignidade.
importante destacar que todos os processos envolvidos na construo do
desenvolvimento rural de Serra do Mel foram pensados, elaborados no PIDSSM e
implementados de forma participativa, resultando em uma mudana significativa nos aspectos
econmico, social e cultural para as famlias envolvidas, alm da mudana de mentalidade
quando da necessidade de preservao do meio ambiente. Quanto ao aspecto poltico, o poder
pblico municipal teve uma ao sempre questionada no perodo, e ainda se mantm tentando
influenciar, mas o processo de organizao da comunidade via Cooperativismo, mesmo com
suas limitaes buscou, atravs da participao, empreender iniciativas prprias em direo de
um desenvolvimento rural especfico (NAVARRO, 1996).
Mudanas como essas dizem respeito responsabilidade e apreenso das tcnicas de
produo adequadas aos padres de qualidade exigidos para um produto de exportao, o que
proporcionou a produtores de Serra do Mel a possibilidade de deixar certa condio de
pobreza, para se integrar lgica global via insero no mercado de bens e servios. Foi
necessrio, para isso, a busca do desenvolvimento local, na concepo e implementao de um
planejamento construdo de forma participativa, recursos financeiros de fontes de
financiamento oficiais, articulao entre agentes e instituies, treinamento e anos de
persistncia e dedicao, mesmo cometendo muitos erros, para integrar as fases da cadeia
produtiva do caju. Tudo isso sem a lgica da separao entre a agricultura e a indstria, o que
resultou numa homogeneizao do espao e no estgio atual de desenvolvimento rural.

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Dados obtidos atravs do site: http://www.undp.org.br/ . Acesso em: 20/11/2002.

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