Biografia de Espinosa Por Colerus
Biografia de Espinosa Por Colerus
Biografia de Espinosa Por Colerus
POR COLERUS
Spinoza, o filsofo cujo nome fez tanto alarde no mundo, era judeu de origem. Seus pais, pouco tempo
depois de seu nascimento, chamaram-no BaruchNT2. Mas tendo logo abandonado o judasmo, trocou
seu nome e assinou seus escritos e suas cartas com o nome de BenoitNT3. Nasceu em Amsterd a 24 de
novembro, no ano de 1632NT4. O que se diz comumente, e que inclusive se escreveu, que ele era pobre
e de baixa estirpe, no verdade; seus pais, judeus portugueses, honrados e abastados, eram
comerciantes em Amsterd, onde moravam no Burgwal, em uma casa assaz bela prxima da velha
sinagogaNT5 portuguesa. Seus hbitos, alis corteses e decentes, seus parentes e parentes por afinidade,
pessoas despreocupadas, e os bens deixados por seu pai e me, do f que tanto sua linhagem como sua
educao estavam acima do comum. Samuel Carceris, judeu portugus, casou com a mais jovem de
suas duas irms. A primognita se chamava Rebecca, e a caula Miriam de Spinoza; cujo filho, Daniel
Carceris, sobrinho de Benoit de Spinoza, se apresentou como um de seus herdeiros depois de sua
morte, o que aparece por um ato passado ante o notrio Libertus Loef, a 30 de maro de 1677, na
forma de procurao outorgada a Henri Van der Spyck, em cuja casa habitava Spinoza quando faleceu.
Spinoza revelou desde sua infncia e ainda melhor depois, em sua juventude, que a natureza
no lhe havia sido ingrata. Reconhece-se facilmente que ele possua a imaginao viva e um esprito
extremamente gil e penetrante.
Como tinha muito desejo de aprender bem a lngua latina, contrataram-lhe de inicio um
mestreNT6 alemo. Para se aperfeioar em seguida nessa lngua, se valeu do famoso Franois Van den
Eden, que ensinava ento em Amsterd, e exercia ao mesmo tempo a profisso de mdico. Este
homem ensinava com muito sucesso e reputao; de forma que os mais ricos comerciantes da cidade
lhe confiavam a instruo de seus filhos, antes que reconhecessem que ele transmitia a seus discpulos
outra coisa que o latim. Porque se descobriu enfim que ele plantava no esprito desses jovens as
Depois de ter bem aprendido a lngua latina, Spinoza se prope ao estudo da Teologia, e a ela
se dedicou durante alguns anos. Entretanto, ainda que fosse dotado de grande esprito e muito
discernimento, um e outro se fortaleciam ainda mais a cada dia; de forma que, encontrando mais
disposio investigao das produes e das causas naturaisNT13, abandonou a Teologia para fixar-se
inteiramente na Fsica. Refletiu muito tempo sobre a opo que faria por um mestre cujos escritos lhe
pudessem servir de guia em seu projeto. Mas enfim, as obras de Descartes caem em suas mos, as quais
leu com avidez; e em seguida, freqentemente declarou que tirou de l, o conhecimento que tinha em
FilosofiaNT14. Ele estava encantado com a mxima de Descartes, que estabelecia que no se deve jamais
nada receber como verdadeiro que no tenha sido anteriormente provado por boas e slidas razes.
Donde tirou esta conseqncia, que a doutrina e os princpios ridculos dos rabinos judeus no podem
ser admitidos por um homem de bom senso; pois, esses princpios so estabelecidos unicamente sobre
a autoridade dos rabinos mesmos, sem que seus ensinamentos venham de Deus, como eles os
pretendem como verdade, mas sem fundamento e sem a menor aparncia de razo.
Ele teve desde ento forte reserva com os doutores judeus, de quem evitou contatos tanto
quanto lhe foi possvel; viam-no raramente em suas sinagogas, onde no se apresentava mais do que
por acaso; isto os irritou extremamente contra ele, porque no duvidaram que este no tardaria em
abandon-los e se fazer cristo. Entretanto, para dizer a verdade, ele jamais abraou o cristianismo, nem
recebeu o santo batismo; e ainda que tenha mantido freqentes conversaes depois de sua desero
do judasmo com alguns sbios Menonitas, assim como tambm com as pessoas mais esclarecidas de
outras seitas crists, ele no entanto jamais se declarou por nenhuma, e nem jamais as professou.
O Senhor Franois Halma, na Vie de SpinozaNT15, que traduziu para o flamengo, informa,
pginas 6,7 e 8, que os judeus lhe ofereceram uma penso pouco depois de sua desero para que se
empenhasse em permanecer entre eles, sem interromper o se fazer ver de tempos em tempos em suas
sinagogas. Isto tambm o que Spinoza freqentemente afirmou ao senhor Van der Spyck, seu
hospedeiro, assim como a outros, acrescentando que os rabinos haviam fixado a penso que lhe
destinavam em milNT16 florins; porm ele afirmava veementemente em seguida, que mesmo se eles lhe
tivessem oferecido dez vezes mais, no teria aceitado suas ofertas nem freqentado suas assemblias
por um simples motivo: porque no era hipcrita, e no procurava mais do que a verdade. M. Bayle
relata, alm disso, que ele chegou um dia a ser atacado por um judeu sada do teatro e recebeu um
golpe de faca no rosto; e embora a ferida no fosse perigosa, Spinoza viu que o propsito do judeu foi
Os judeus o excomungam
Assim que ele se separou dos judeus e de sua comunho, estes o perseguiram juridicamente
segundo suas leis eclesisticas e o excomungaram. Ele afirmou vrias vezes ter sido assim que a coisa
ocorreu, e declarou que depois ele rompeu toda ligao e todo comrcio com eles. Isto tambm
aquilo ao qual M. Bayle assente, tanto quanto o doutor MususNT17. Os judeus de Amsterd, os quais
conheceram muito bem Spinoza, igualmente me confirmaram a verdade desse fatoNT18, acrescentando
que foi o velho Chacham Abuabh, rabino ainda de grande reputao entre eles, quem pronunciou
publicamente a sentena de excomunho. Eu solicitei inutilmente aos filhos deste velho rabino, para
me comunicarem esta: eles se escusaram dizendo que no a haviam encontrado entre os papis de seu
pai, embora tenha sido fcil notar que no tinham desejo de se desapossar nem de a comunicar a
ningumNT19.
Ocorreu-me aqui, em Haia, de perguntar um dia a um sbio judeu qual era a frmula da qual se
servem para interditar ou excomungar a um apstata. Eu tive por resposta que a podemos ler nos
escritos de Maimnides, no Tratado Hilcoth Thalmud Thorah, captulo 7, v. 2, e que foi concebida em
poucas palavras. Entretanto, opinio comum dos intrpretes da Escritura que tinha trs tipos de
excomunho entre os antigos judeus; embora esta opinio no seja seguida pelo sbio Jean Seldenus,
que no estabelece mais do que dois em seu Trait (latino) du Sanhedrin des anciens Hbreux, livro 1NT20,
captulo 7, pgina 64. Eles nomeavam Niddui a primeira espcie de excomunho, que dividiam em dois
ramos: primeiramente, separava-se o culpado e lhe fechavam a entrada na sinagoga por uma semana,
depois de terem-lhe feito previamente uma severa reprimenda e terem-lhe fortemente exortado a se
arrepender e a pr-se em estado de obter o perdo de sua falta. Caso no ficassem satisfeitos, davam-
lhe ainda trinta dias ou um ms para recuperar-se.
A lei e os antigos doutores judeus testemunham expressamente que no suficiente ser sbio;
mas que deve-se exercitar-se em alguma arte mecnica ou profisso, para poder socorrer-se em todos
os acontecimentos e ganhar o que subsistir. Isto o que diz positivamente RabanNT30 Gamaliel no
quase inacreditvel o quanto ele foi moderado nessa ocasio e bem parcimonioso. Isto no
porque tenha sido reduzido a uma to grande pobreza, que no pudesse fazer mais despesas do que
tivesse desejado; muita gente lhe oferecia sua bolsa e toda espcie de assistncia; mas ele era muito
comedido naturalmente, fcil de contentar, e no desejava ter a reputao de vivido, nem mesmo uma
s vez, s expensas de outrem. O que adiantei de sua sobriedade e de sua economia pode-se justificar
por diferentes pequenas contas, que foram encontradas entre os papis que deixou. Descobriu-se que
ele viveu um dia inteiro com uma sopa ao leite preparada com manteiga, que lhe custou trs soldosNT34
e uma vasilha de cerveja de um soldo e meio; um outro dia, no comeu mais do que farinha de cereal
preparada com passas e manteiga, e este prato lhe custou quatro soldos e meio. Nessas mesmas contas
no se faz meno a mais do que duas meia-pintasNT35 de vinho, quando muito por ms; e ainda que o
convidassem freqentemente a comer, ele preferia no entanto viver do que tinha em sua casa, por
pouco que isto fosse, do que encontrar-se a uma boa mesa s expensas de outrem.
Foi assim que passou o que lhe restava da vida, na casa de seu ltimo hospedeiro durante um
pouco mais de cincoNT36 anos e meio. Ele tinha um grande cuidado em ajustar suas contas todos os
trimestres, o que ele fazia afim de no despender nem mais nem menos, do que tinha a despender a
Em relao a sua pessoa, de seu aspecto e as feies de seu rosto, h ainda algumas pessoas em
Haia que o viram e o conheceram particularmente. Ele era de meia estatura; tinha as feies do rosto
bem proporcionais, a pele um pouco negra, os cabelos encrespados e negros, e as sobrancelhas longas e
da mesma cor, de forma que pela sua fisionomia reconhecia-se facilmente ser descendente de judeus
portugueses. Quanto a sua maneira de vestir-se, cuidava muito pouco, e no melhor do que o mais
simples burgus. Um conselheiro de Estado dos mais considerveis, que foi v-lo, encontrou-o vestido
com um roupo muito usado, o que deu ocasio ao conselheiro para fazer-lhe algumas censuras e de
oferecer-lhe um outro; Spinoza lhe respondeu que um homem no vale mais por ter um roupo mais
belo. contra o bom senso, acrescentou, colocar um invlucro precioso em coisas de nenhum ou pouco valorNT38.
De resto, se sua maneira de viver era bem regrada, sua conversao no era menos suave e
agradvel. Sabia admiravelmente bem ser o mestre de suas paixes. No foi jamais visto nem muito
triste nem muito alegre. Ele sabia se dominar na clera e nas contrariedades que lhe sobrevinham, e no
os deixava transparecer; a menor demonstrao de seu pesar por algum gesto ou por algumas palavras,
ele no hesitava em se retirar no mesmo instante, para nada fazer que fosse contra a convenincia. Ele
era muito afvel e de um trato fcil, falava freqentemente com sua hospedeira, particularmente nos
perodos de seus partos, e aos da casa quando lhes sobrevinha alguma aflio ou doena; ele no
deixava ento de consol-los e de exort-los a sofrer com pacincia dos males, que eram como uma
parte que Deus lhes havia designado. Prevenia as crianas de assistir freqentemente na igreja ao
servio divino, e lhes ensinava o quanto elas deviam ser obedientes e submissas a seus pais. Quando as
pessoas da casa retornavam do sermo, perguntava-lhes sempre que proveito tinham alcanado e o que
haviam retido para seu aperfeioamento Ele tinha uma grande estima pelo meu predecessor, o doutor
Cordes, que era um homem sbio, bom naturalmente e de uma vida exemplar; o que dava ocasio a
Spinoza nem bem publicou algumas de suas obras, e j se fez um grande nome no mundo entre
as pessoas mais distintas, que o viam como um bom gnio e um grande filsofo. M. Stoupe, tenente-
coronel de um regimento suo a servio do rei de Frana, comandava em Utrecht em 1673. Ele tinha
sido antes ministro da SavoieNT41 em Londres, nos distrbiosNT42 da Inglaterra dos tempos de
Cromwell; foi logo brigadeiro, e quando desempenhava este cargo foi morto na batalha de Steemkerke.
Quando estava em Utrecht escreveu um livro que intitulou La Religion des Hollandais, no qual ele reprova
entre outras coisas aos telogos reformistasNT43, que tinham visto imprimir sob seus olhos em 1670 o
livro que porta o ttulo Tractatus theologico-politicus, do qual Spinoza se declara o autor na Carta dcima
nonaNT44, sem entretanto ter tomado o cuidado de refut-lo ou contest-loNT45. Isto o que M. Stoupe
manifestou. Porm o clebre BrauniusNT46, professor da universidade de Groningue, demonstrou o
contrrio em um livro que imprimiu para refutar aquele de Stoupe; e com efeito, o tanto de escritos
publicados contra esse tratado abominvel mostram evidentemente que M. Stoupe estava enganado.
Nessa mesma poca ele escreveu vrias cartas a Spinoza, das quais recebeu tambm algumas respostas,
e lhe pediu enfim, que fosse a Utrecht em um certo tempo por ele marcadoNT47. M. Stoupe o chamou
porque o prncipe de Cond, que tomara ento posse do governo de Utrecht, desejava muito conversar
com Spinoza; e com esse objetivo em vista lhe assegurava que sua alteza estava muito disposto a apoi-
lo junto ao rei, e que o prncipe esperava poder obter facilmente uma penso para Spinoza, desde que
este resolvesse dedicar algumas de suas obras a sua majestade. Ele recebeu este despacho acompanhado
de um passaporte, e partiu pouco depois de t-la recebido. O senhor HalmaNT48, na La Vie de nosso
A respeito de suas obras, h algumas que lhe so atribudas e das quais no seguro de que seja
o autor; algumas esto perdidas, ou ao menos no se encontram mais; outras esto impressas e expostas
aos olhos de todo o mundo.
M. Bayle afirmou que Spinoza comps em espanhol uma apologia de sua sada da sinagoga, e
que todavia este escrito no foi jamais impresso. Ele acrescenta que Spinoza inseriu muitas coisas nele
que depois encontramos no livro que ele publica com o ttulo de Tractatus theologico-politicus, mas no me
foi possvel obter nenhuma notcia dessa apologia, ainda que em minhas buscas eu tenha perguntado a
pessoas que viveram familiarmente com ele e que ainda esto plenas de vida.
Em 1664 fez imprimir Principes de Philosophie de M. Descartes, demonstrados geometricamente,
primeira e segunda parte: Renati Descartes Principiorum philosophi pars prima et secunda more geometrico
demonstrat que foram logo seguidos por suas Meditaes metafsicas, Cogitata metaphysica; e se tivesse parado
por a mesmo, este infeliz homem teria ainda ao presente a reputao que mereceu de filsofo sbio e
esclarecido.
No ano de 1665 aparece um pequeno livro em 12NT53 que tinha por ttulo Lucii Antistii
Constantis De jure Ecclesiasticorum, Alethopoli apud Cajum Velarium Pennatum: Du Droit des Ecclsiastiques, por
Lucius Antistius Constans, impresso em Althopole, na casa de Caus Valrius Pennatus. O autor se esfora
em provar nessa obra que o direito espiritual e poltico, cujo clero se atribui e o qual lhe atribudo
pelos outros, no lhe pertence de nenhum modo; que as pessoas da igreja abusam dele de uma maneira
profana, e que toda sua autoridade depende inteiramente da autoridade dos magistrados ou soberanos
que ocupam o lugar de Deus, nas cidades e nas repblicas, onde o clero se encontra estabelecido; que
Aquele que se aplicou em publicar as uvres posthumes de Spinoza inclui entre os escritos deste
autor que no foram publicados um Trait de lirisNT70 ou do arco-ris. Eu conheo aqui, em Haia, vrias
pessoas distintas que viram e leram esta obra, mas que aconselharam a Spinoza de no a deixar vir a
pblico; o que talvez lhe tenha inspirado lstima e o tenha feito resolver lanar este escrito ao fogo seis
meses antes de sua morte, como as pessoas que se alojaram na casa onde viveu me informaram. Ele
tambm havia comeado uma traduo do Velho Testamento para flamengo, sobre a qual manteve
freqentes conversaes com pessoas sbias em idiomas, e informando-se sobre as explicaes que os
cristos davam a diversas passagens. J havia muito tempo que ele tinha acabado os cinco livros de
Moiss, quando, poucos dias antes de sua morte, lanou toda esta obra ao fogo em seu quarto.
Suas obras nem bem foram publicadas e Deus, ao mesmo tempo, suscitou para sua glria e pela
defesa da religio crist, diversos campees que as combateram com todo o sucesso que era de se
esperar. O doutor Thoph. Spitzelius, em seu livro que tem por ttulo Infelix litterator, nomeia dois, a
saber: Franois Kuyper de Roterd, cujo livro, impresso em Roterd em 1676, intitulado Arcana atheismi
revelata, etc., les Mystres profonds de lathisme dcouverts; o segundo Rgnier de Mansveld, professor de
Utrecht, que, no ano de 1674, imprimiu nesta mesma cidade um escrito sobre o mesmo assunto.
No ano seguinte, a saber, em 1675, saiu da prensa de Isaac Nranus, com o ttulo Enervatio,
Tractatus theologico-politici, uma refutao ao Tratado de Spinoza composta por Jean Bredenbourg, cujo
pai foi ancio da igreja luterana de Roterd. O senhor George Mathias Koenig, em sua Bibliotque
Se fez tantos relatos diferentes e to pouco verdadeiros no tocante a morte de Spinoza, que
surpreendente ver as pessoas esclarecidas dedicarem-se tenazmente em informar o pblico sobre
rumores, sem primeiro estarem eles mesmos melhor instrudos sobre o que palavreiam. Encontra-se
um exemplo das falsidades que eles afirmam sobre este assunto na Menagiana, impresso em Amsterd
em 1695, cujo autor se expressa assim: Eu ouvi dizer que Spinoza morreu pelo medo que tinha de ser encerrado na
Bastilha. Foi Frana atrado por duas pessoas de qualidade que queriam v-lo. M. de Pomponne o preveniu; e como
um ministro muito zeloso pela religio, no julgou conveniente tolerar Spinoza em Frana, pois ele era bem capaz de
causar desordem, e para impedi-lo resolveu encerr-lo na Bastilha. Spinoza, que foi avisado, se salvou vestindo um hbito
de franciscano, mas eu no garanto sobre esta ltima circunstncia. O que certo que muitas pessoas que o viram me
asseguraram que ele era pequeno, amarelado, que tinha qualquer coisa de negro em sua fisionomia, e que portava em sua
face um ar de reprovao.
Tudo isso no mais que um emaranhado de fbulas e falsidades, por que certo que Spinoza
nunca esteve em sua vida na Frana; e ainda que pessoas de distino tenham tentado atra-lo at l,
como ele afirmou a seus hospedeiros, ele entretanto, ao mesmo tempo assegurou veementemente que
no esperava ter jamais to pouco juzo para fazer uma tal loucura. Se julgar facilmente, ademais, pelo
que eu vou dizer aqui mais adiante, que no de nenhuma maneira verdade que ele morreu de medo.
Para este efeito eu relatarei as circunstncias de sua morte sem parcialidade, e no afirmarei nada sem
prova; o qual eu estou em condies de executar tanto mais facilmente porquanto foi aqui em Haia que
ele est morto e enterrado.
Spinoza era de uma constituio muito dbil, doentio, magro, e atacado de tuberculose desde
mais de 20 anos; a qual o obrigava a viver de regime, e a ser extremamente sbrio em seu beber e em
seu comer. Entretanto, nem seu hospedeiro, nem aqueles da casa acreditavam que seu fim estivesse to
prximo, mesmo pouco tempo antes que a morte o surpreendesse, e nem tinham dela o menor
pensamento; porque a 22 de fevereiroNT74, que foi neste caso o sbado anterior ao carnaval, seu
NT1 Para nossa traduo, utilizamos o texto de mile Saisset, La Vie de Benoit de Spinoza, da edio Charpentier, 1842
(Premire Srie, p. 1-50).
Segundo Luis Machado de Abreu, esta biografia de Colerus foi traduzida para o Portugus em 1934, como Vida de Bento de
Espinosa, por J. Lcio de Azevedo, e editada pela Imprensa da Universidade, Coimbra, conforme citao em Spinoza y
Espaa: Actas del Congreso Internacional sobre Relaciones entre Spinoza y Espaa, Universidad de Castilla-La Mancha,
Coleccin Estudios, Coordinador Atilano Domnguez, 1994, p.119.
Acerca do texto, Saisset escreve em sua Bibliographie Gnrale des Oeuvres de Spinoza (op. cit. p. CCVII) que Colerus
escreveu inicialmente a obra Vie de Spinoza em holands, publicando-a em Amsterd no ano de 1706, com o subttulo: Cum
sermone eclesiastico a se habito de ressurrectione Jesu non allegorice cum Spinoza interpretanda. Pouco tempo depois, esta
aparece em francs sob o ttulo La Vie de B. de Spinoza, tire des crits de ce fameux philosophe et du tmoignage de
plusiers personnes dignes de foi, qui lont connu particulirement, par Jean Colerus, ministre de lglise luthrienne de La
Haye. A La Haye, chez T. Johnson, marchand libraire, dans le Poote. M. DCC. VI. Na edio das Obras Completas de
Spinoza da Acervo Cultural (1977), na Advertencia (Volume V, p. 8) est escrito que a primeira edio da obra de Colerus
foi publicada em holands no ano de 1705, aparecendo logo depois as edies francesa e inglesa no ano seguinte, em 1706,
em Haia e Londres, respectivamente. Atilano Domnguez, em sua obra Biografas de Spinoza (Alianza Editorial, 1995),
traduz para o espanhol utilizando a verso original (1705), holandesa, ressaltando que esta no foi reeditada at 1880, 1899 e
1910. Em sua traduo, podemos ler o seguinte subttulo: Breve, porm fidedigna biografia de Benedictus de Spinoza,
redigida a partir de documentos autnticos e de testemunhos orais de pessoas que ainda vivem, por J.C., pregador alemo da
comunidade luterana de Haia (op. cit. p. 97).
NT2 Na traduo de Atilano est Baruch Spinoza (Ibidem).
NT3 Conforme a verso de Saisset. Em conformidade com este, utilizaremos em nossa traduo sempre o termo Benoit
para o prenome de Spinoza. O texto francs da Pliade (Roland Caillois, Madeleine Francs et Robert Misrahi, 1954), utiliza
Benoit. Na verso inglesa (1880) de Frederick Pollock est Benedict. Mario Cals, em sua traduo espanhola (1977), utiliza
Benito. Atilano Domnguez (1995) em sua traduo para o espanhol utiliza Baruch.