Revista-5 (1959)

Fazer download em pdf ou txt
Fazer download em pdf ou txt
Você está na página 1de 212

ÓRGÃO D O

INSTITUTO CULTURAL DO CARIRI

ANO V V N”. V

Tipofjrafúi d’ «A ACAO
G RA TO
19;>9
BANCO DE CRÉDITO COMERCIAL S/A

MATRIZ: FORTALEZA
| FILIAIS:
CRATEUS
CR ATO
1GUATI
JUÀZEIRO DO NORTE
SENADOR POMPEl
SOBRAL
E X P E D IE N T E IN IN T E R R U P T O DE 7,00 AS 10,00 HS
ÓRGÃO DO
INSTITUTO CULTURAL D O CARIRI

ANO V N' . V

Tipografia d’ «A A Ç Ã O »
CRATO
1959
DIRETORIA A T U A L D O INSTITUTO CUL­
TURAL D O CARIRI.
E L E IT A E M O U T U B R O D E 1959

José Alves de Figueiredo Filho, P r e s id e n te


Pe. Antônio Gomes de Araújo, V ic e -P r e s id e n te
João Lindemberg de Aquino, S e c r e tá r io G era l
José de Paula Bantim, S e c r e tá r io
Antônio Correia Coelho

Com issão Organizadora de


«ITA YTER A » (IM PR E N SA )

J. de Figueiredo Filho,
P e. Antônio Gomes de A raújo
João Lindemberg de Aquino

Com issão de Sin d icân cia

Celso Gomes de M atos


José de Figueiredo Brito
D r. Josio de Alencar Araripe

Com issão de L etras de Ciências, L etras e Artes

Advogado Duarte Junior, Snras. D ‘. Edméia A rraes


de Alencar e D\ Sara Q üixadá Donizetti
CAPA: Gravura do brilhante artista cratense
Sérvulo Esroeraldc.
Representantes Fósseis da
Fauna Paleontológica,
em nosso Museu
J. de Figueiredo Filho
O M U S E U D E C R A T O foi criado pela inicia­
tiva do Instituto Cultural do Carirí. Inaugurado solene­
mente, em Dezembro de 1958, está, no entanto, em fase
de crescimento. É bem modesto, mas tende a crescer, se
Deus quiser. Achamos até o nome pomposo demais. Po­
dería ser apenas M U S E U D O IN S T IT U T O . Ao lhe
lançarmos o nome de batismo, tivemos confiança absolu­
ta no futuro. Temos contado com a cooperação, não só
de Crato, como de muita gente de fóra. Possuímos pe­
ça de valor a exemplo da bem trabalhada faca, perten­
cente ao Cel. Nelson da Franca Alencar, que lhe foi
presenteada pelo antigo intendente Cel. José Belem de
Figueiredo e doada ao Museu pelo casal snr. Aderson
da Franca Alencar— Dona Zumira da Franca Alencar.
Temos a bengala que pertenceu ao Cel. Francisco José
de Brito, figura de prol na luta de Franco Rabelo con­
tra a rebelião de Juazeiro do Pe. Cicero, no ano de 1914.
Pertencem-nos também, ofertada pelos filhos, bengalo-pu-
nhal do M ajor João Evangelista Gonçalves, homem po­
pular, das principais famílias de Crato e que ocupou
posição de destaque na sociedade e na política de nos­
sa terra. Em nosso acervo há muita coisa de D. Quin­
tino Rodrigues de Oliveiva e Silva, do Cel. Antonio Luiz
Junior, da heroina Barbara de Alencar, fotografias anti­
gas, documentos preciosos arranjados por muitos, nota-
damente pelo deputado Antonio de Alencar Araripe, Pe.
Antônio Gomes de Araújo, Cel. Raimundo T eles Pi­
nheiro, Rafael Dias, Pe. Rubens Lossio, D. Francisco,
4 ITAYTERA

A giberto Freire, de B ag é P e. Fred erico e outros.


O M useu de C rato não pode especializar-se em
determinado setor. É m iscelânea de peças e por ora,
ainda não estão devidamente separadas na sede do Ins­
tituto Cultural do C arirí, á rua Lima V e rd e , 2.
A representação de nossa fauna paleontológica
também é bem a c e n t u a d a no M u s e u . T em os pei­
xes fósseis diversos, procedentes dos .inesgotáveis m a­
nanciais de Rom ualdo, San tana do C arirí e de outros
locais. H á pouco tempo, recebem os ótima dádiva, de
R ussas, neste E stad o, por parte do D r. D altro H olan­
da, diretor e criador do H ospital daquela cidade, médico de
nom eada e figura política de maior projeção na importante
zona do B aix o Jaguaribe. T ra ta -se de ossos diversos,
ante-diluvianos. sobresaindo-se femur e tubo caudal
de G L I P T O D O N T E . S ã o peças rarríssim as e cobiça­
das pelo M useu N acional, que chegou até propor com ­
pra, em carta dirigida ao D r. D altro H olanda, em R u s­
sas. P reciso contar porque esses ossos, testemunha mi­
lenar de fauna gigantesca que desapareceu tragada por
cataclism as, chegaram até ao M useu de C rato e hoje o
enriquecem, constituindo preciosidade rara de nosso pa­
trimônio.
N o corrente ano, passei três meses naquela prós­
pera cidade juguaribana, usufruindo a hospitalidade do
casal D altro H olanda e Ione Pequeno H olanda, ao qual.
eu e minha esposa somos ligados por laços de próximo
parentesco e profunda amizade. Alí estava como em ni-
nha própria casa e sob os cuidados médicos dedicados
de meu hospedeiro. Pude assim amenizar a doença pro­
longada que me m altratava, desde o fim do ano passa- *
•' do e entrar em período de convalescença.
O nosso passatempo predileto era a conversa em
vastíssima varanda, cercada de jardim e fruteiras, com
vista agradável em frente para o cruzamento de ruas
bem espaçadas. A palestra versava sôbre assuntos di­
versos, desde os banais, aos de cunho científico. Em
certo dia. veio á baila a paleontologia. D altro falou sô-
ITAYTERA 5

bre ossos paleontológicos que possuia, captados no mu­


nicípio vizinho de Limoeiro do Norte. Foram amigos que
lhe presentearam. Tratava-se de femur gigantesco de
cliptodonte e tubo caudal provavelmente do mesmo es-
pecime. Mostrou-me suas fotografias, tiradas por comis­
são de estudiosos do Rio Grande do Sul, que passara
naquelas paragens, em trabalhos de pesquisas, Foi lá
dentro e da secretária trouxe-me carta do Museu N a­
cional, classificando o representante paleontológico da­
queles ossos descomunais e na qual propunha até com­
prar aquelas peças, vindas da fauna dos tempos da for­
mação do mundo, cujas eras de espaço inderterminado,
correspondem, conforme estudos dos maiores cientistas
atuais, aos dias bíblicos do G E N E S IS .
T rata-se de restos, como tudo indica, de H O -

Fósseis presenteados ao Museu pelo


Dr. Daltro Holanda
P L O F O R U S E U P H R A C T U S , classificado por Lund,
o devassador incansável da Lagoa Santa, em Minas e
o maior estudioso da Paleontologia Brasileira. É tatú
Gigante, desaparecido há milhares ou milhões de anos.
Deixaram êles ossada que se espalha por tõda a Ame­
rica do Sul
Aqueles fósseis foram encontrados em caldeirão
6 ITAYTERA

meio entupido, do município limoeirense. Agricultor das


vizinhanças limpou-o veio a descobrir, no fundo do
mesmo, a ossada de bicho descomunal.
Como teria ficado enterrado o animal gigantes­
co, testemunha de eras tão afastadas da civilização?
Daltro conjeturou:
— Já haveria o problema da falta d agua naque­
les tempos, antes do aparecimento do homem sôbre a fa­
ce da terra? O bicho,não foi àquele caldeirão em bus­
ca de agua para mitigar a sede? As convulsões geoló­
gicas foram tamanhas que ninguém pode reconstituir a
história que se passou muito além da história, quando
o chamado rei da natureza ainda nem sonhava de apos-
sar-se da terra, para dominá-la.
No decorrer da conversa, disse-lhe:
— Ah, se arranjasse isso para o Museu de Crato!
Não me deu resposta. Fêz que não me ouvia!
Prosseguimos a conversação. Falei-lhe que a La­
goa de Santana, em Assaré podería ter a mesma rique­
za em fósseis da Lagôa Santa, pois, em época de sêcas
periódicas, quando seu leito ficava estorricado, ao abri­
rem cacimbas, os moradores encontravam ossos de pro­
porções assombrosas. Em Arneiroz e mesmo no muci-
pio assareense, havia vértebras tão grandes, que eram
utilizadas à guisa de cadeiras, em casa de trabalhado­
res do campo. Disse-me êle que em Frade também se
encontravam carcaças de animais ciclopicos. já desapa­
recidos, em épocas longinquas.
O tempo passou. Proseguimos nos bate-papos
diários, pouco tocando em espcimens de animais fossili­
zados. A resposta, porém, do meu pedido quase invo­
luntário, partido dêsse subconsciente traidor de quem se
dedica a qualquer coleção, veio não em palavras, mas
em f a t o . Um dia, seu M a n o e l , e n c a r r e g a d o
do sítio, chegou-me com pesado caixão de ossos.
Depositou seu conteúdo em minha presença. Admirei
tudo aquilo, especialmente os dois mais bem conservados
Continua na página 8
DA BIBLIOTECA D O CO N G RESSO , DE
WASHINGTON, A O INSTITUTO
CULTURAL DO CARIRI
A BIBLIO TEC A DO CONGRESSO de Was­
hington, U .S .A ., a celebre T H E L I B R A R Y O F
CON GRESS, a m aior e a m ais bem organizada do
mundo, dirigiu-se ao I. C. C., com a carta que tra n s­
crevemos, mesmo no original. Agradece a remessa
de «ITAYTERA», solicita os números atrasados e
deseja receber os números futuros, tudo sob regi­
me de perm uta.
T H E LIBR A R Y O F C O N G R ESS
Washington 25, D. C.
Exchange, and gift division
Gentlemen:
On May, 21. 1959, the Library of Congress was pleseed
to receive a copy of Ano IV , n° 4 (1958) of the review
Itaytera, as a gift from Dr. José de Figueiredo Filho, Pre-
sident of the Instituto Cultural do Cariri. W e are very
much interested in this publication, and should like to re­
ceive copies of all other issues published to date. W e
should also appreciate your plaicing the Library of Con­
gress on your mailing list to receive one copy each of all
future issues as published, on the basis of exchange. The-
re is enclosed a circular describing our exchange prograxn.
Under sepaiate cover we are sending you the following
publications:
Regras de catalogação descritiva
A provisional bibliography of United
States books translated into
Portuguese
The Hispanic activities of the Library
of Gongress.
Sincerely yours,
(a) Nathan R. Einhorn
Assistant Chief
Exchange and Gift Division
8 ITAYTERA

e mandei depois recolhê-los ao mesmo caixão. Dali, por


ordem de Daltro foram cuidadosamente embalados e re­
metidos para Crato com meu endereço. O que não rea­
lizou o prestígio do Museu Nacional, fêz com única fra­
se, velha e alicerçada amizade, argamassada em família.
Hoje aquêla preciosidade fóssil, de milênio, ao qual muita
gente nem ao menos dá o devido valor, pertence ao
Museu de Crato, criação do Instituto Cultural do Carirí.
O precioso presente veio-nos sem promessa, enquanto
outros daqui mesmo, com o umbigo enterrado nestas
plagas, prometem-nos demais, para nos faltar sempre.
São assim os contrastes da vida.
Com estas considerações em tôrno do Museu,
setor importante das atividades do Instituto, lançamos
o quinto número de «IT A Y T E R A ».

- POEiMA DO RISO E DA DOR -


]osè Ncwton A lves de Sousa

Chorar é vencer o homem vil.


Quem não chora não se reconhece miserável. Chorar não é
verter lágrimas apenas: é sepultar o monstro da oíensa.
Bendito seja Deus pelas flores da Alegria desabrochadas
na alma dos que choram, na resignação plena de sofrer para
sorrir.
Louvado seja Deus pelo heroísmo que fortalece os
padecentes.
Exaltado seja Deus, pela grandeza dos pequeninos.
Oh! Senhor, como chora o que ri no crime horrendo e
como ri o que chora em contrição!
Bendito seja Deus pelo riso dos que choram.
Bendito seja Deus pelo chôro dos que amam.
O MAGNÍFICO r e it o r DA UNIVERSI-
DADE DO CEARÁ
VIOLEN TADOR DO TEM PO
ASCEN DEN TES E COLATERAIS

(P.ctdve. Antânía Qawiei de Ataiiço.


Ex-pro[essor do Seminário Menor c Maior
do Crato, Prol. do Colégio Diocesano de
Crato, Vice-presidente do Instituto Cultu­
ral do Cariri. sócio correspondente da A ca­
demia Cearense de Letras c do Instituto do
Ceará, Inspetor do Ensino Normal.

LANDIM

Quem com beneditina deligência consultar o arquivo


paroquial do Icó, freguesia a cuja jurisdição pertenceu o Cariri
até 1748, identificará na região, a presença do capitão José Paes
Landim, alagoano da então vila das A l a g o a s , fixado, já em
1731, no Engenho Santa Teresa, núcleo originário e sócio-eco-
nômico da família Landim na zona e ora integrado no município
de Missào-Velha (l).
Fundador do r e f e r i d o Engenho, ou sítio de Santa
Teresa, e filho do alferes Simão Rodrigues de Sousa e de sua
mulher, Úrsula Paes Landim, alagoanos da citada vila, aquele
capitão da militança rural foi casado com Geralda Rabêlo Duarte,
baiana de Itapicuru, filha legítima do português, de Vizeu, capi­
tão Domingos Duarte e de sua mulher Ângela Paes Rabêlo, do
mesmo Itap.curu (2).

CRUZ NEVES
Contemporâneo do dito capitão José Paes Landim nes­
te Cariri e casado com Joana Fagundes da Silveira, baiana de
Pambu, filha do português Manuel de Barros e Sousa e sua mu­
lher Joana Fagundes da Silveira. — O Sargento-mor Manuel da
Cruz Neves, houve, com a mesma Joana Fagundes da Silveira,
entre outros, os seguintes filhos: Antônio (tenente), Marcelino,

1) Liv. de reg. de Cas. e Bat, Icó, 1729 — 83, fls. 7 e...


2) Liv de reg. de Cas., Missâo-Velha, 1765 — 70, fls 30
10 ITAYTERA

Eufrásia c Isabel da Cruz Neves, todos, baianos, de Pambu, ca­


sados sob êstes céus (3).
ISA B E L da C R U Z N E V E S casou-se com o capitão
Domingos Paes Landim, caririense, sitiante no aludido Engenho
de Santa Teresa e filho do mencionado capitão José Paes Lan­
dim e Geralda Rabelo Duarte (4).

JESUS
Coevo do capitão José Paes Landim e do sargento-
mor Manuel da Cruz Neves e, como êle, imigrante nêste vale,
Tom ás V arela de Lima, português, casado com Mariana Rufina
Calado, pernambucana, do C abo—casou seu filho, capitão M a­
nuel Antônio de Jesus, igualmente, do Cabo, com Luísa Paes
Landim, filha do citado casal, capitão Domingos Paes Landim—
Isabel da Cruz Neves (5).
O capitão Manuel A n t ô n i o de Jesus e Luísa Paes
Landim residiam no dito Engenho de Santa Teresa.

MARTINS
Precisamente em 15 de setembro de 1761, já estava
morando na Ribeira do Rio dos Porcos, em terras que vieram
a integrar-se nos territórios dos municípios de M ilagres, Mauriti,
Brejo Santo, Jati e Porteiras —o capitão Bartolomeu Martins de
M orais, português, do Porto, casado com a baiana, da cidade
de Salvador, Ana M aria F e r r e i r a (6). Seus latifúndios se
transmitiram aos filhos, sete ao todo, todos casados. Seu neto
materno, coronel Pedro Martins de Oliveira Rocha, chefe polí­
tico, em Milagres, da facção contrária à do juiz local, Manuel
de Jesus da Conceição Cunha, ao tempo em que João Brigido
fundara e dirigia o semanário «O Araripe», nesta cidade («O
Araripe», 1855—65, C rato—C eará)—afigurou-se o maior senhor
de fazendas entre os seus pares na área dos atuais municípios

3) Liv. de reg. de Cas., 1773-1810, tis. 8 e Llv. de reg. de Bat., 1748-64,


fls. 83, paróquia cit.; Liv. de reg. as., 1765-79, par. do Icó; Liv. de
reg de Cas., 1765-70, ils. 51, par M. Velha,- Liv. de reg. de Car-,
1773-!8;0, fls, 18, par. cit.
4) Liv. de reg. de Cas., 1795-1833, fls. 188, par. de M. Velha
5) Liv. de reg. de Cas, 1790-1800, fls. 89 verso, paróquia de Missao-
Velha.
6) Liv. de reg. de Bat., 1748 64, fls 36, paróquia de Missão Velha,-
idem, 1783-1827, fls. 2, paróquia citada.
1TAYTERA 11

citados. Por milhares contaram-se as cabeças.de gado vacum de


seus campos. Com alguns destes, confinaram, do lado de Per­
nambuco, as fazendas «Mamaluco» e de «Amargoso», de pro­
priedade de meu bisavô materno, Amaro Florenfino de Araújo
Lima, amigo e compadre daquele Martins milionário de gados e
terras, e, de anos, pois faleceu aos cento e vinte de idade no
sobrado de sua fazenda «Poço», e está sepultado na capela do
sítio «Nazaré», a dois passos da cidade de Milagres. Êste M ar­
tins alternava a residência nas suas fazendas de «Poço» e de
«Cacimbas,» a qual, por transmissão hereditária, passou a sua
neta paterna, a viúva M aiia Pia Martins Xavier, que a vende­
ría, no momento, se quisesse, por vinte milhões. Foi o mesmo
Martins, tio-avô do coronel Joaquim Cardoso dos Santos, Quinco
Cardoso, que chegou a possuir para mais de treis mil cabeças
de gado em Brejo Santo, nas últimas décadas do século passa­
do, êle, bisneto do citado capitão Bartolomeu Martins de Morais,
e pai do primeiro juiz togado daquele município: Antônio Car­
doso dos Santos.

VASCO
Colono neste Vale, imigrado de Portugal, português,
êle próprio sitiante na terra a d o t i v a , Pedro Francisco Vasco
casou-se com Francisca Rodrigues Lima, filha do capitão Bar­
tolomeu Martins de Morais e sua referida mulher. (7)
*
* *
De Pedro Francisco V asco e Francisca Rodrigues
Lima, citados, nasceu Rita Maria de Lima, também conhecida
por Rita Martins, que convolou núpcias com o capitão Manuel
Antônio de Jesus Júnior, filho dos mencionados capitão Manuel
Antônio de Jesus e Luísa Paes Landim (8).
Filha do capitão Manuel Antônio de Jesus Júnior com
sua referida mulher.—Maria Martins de Jesus matrimoniou-se,
com o irmão, de pai e mãe, de seu pai. M ajor João Antônio
de Jesus (9).

7) Liv. de «Notas*, n' dez, XSlt—12, fis. 92, 1" Cart., de Antônio Macha­
do, CRATO--Ce.
8) Liv. de reg. de Oas., 1826 — 27, fie. 26, paróquia de M. V<lha.
9) Informação prestada ao autor pela veneranda senhora Rita Martins
de Josus, domiciliada na cidade de Ba baiha, e neta paterna do
mencionado casal, capiião Manuel Antônio de Jesus Júnior — Rita
Martins.
NOTA: Um filho dêste ú'timo casal, Pe Manuel Antônio Martins de
Jesus, foi deputado provincial
12 I T Ay T E R A

Isaias Antônio de Jesus, filho daquele M ajor e da


mesma Maria M artins de J e s u s , foi casado com M aria das
Dores de Jesus (10). De Isaias e M aria das Dores, nasceu An­
tônio Martins de Jesus, que se casou com Antônia Leite da
Cruz (11), dos quais procedem A N TÔN IO M A R T IN S EILH O ,
Reitor da Universidade do Ceará, e seus ilustres irmãos (12)
O citado Capitão Bartolomeu M artins de Morais,
falecido em 25 de maio de mil setecentos e noventa e quatro
com sessenta e cinco anos de idade, e sepultado no cemitério
de M issão V elha (13), casou sua filha, Joana Martins de M o­
rais, com o alagoano, Tenente Gonçalo de Oliveira Rocha (14),
um dos destacados colonos do rincão brejosantense e já , em
1748, presente naquele pedaço do Cariri (15), e, ai, fale.ido em
20 de agosto de 1799 aos 99 de idade (16). O casal senhoreou
a fazenda «Nascença», limítrofe do sítio «B R EJO », junto de cujas
terras molhadas surgiu a cidade de B rejo Santo.
Dentre os filhos de Joana M artins com o Tenente
Gonçalo, numerou-se Joana Martins do Espírito Santo, casada,
em segundas núpcias, com o Capitão Romão Pereira Filgueiras,
irmão do ex-Capitão-mor do Crato, José Pereira Filgueiras, ex-
Governador das Armas do Ceará, «Napoleão das Matas» herói
da Expedição de Caxias e fator decisivo nos acontecimentos
políticos do Ceará, de 1817 a 1824 (17). Romão c Joana radi­
caram-se no sítio «Roncador», em terras de Barbalha, sítio, que
se transmitiu a descendentes seus.
Dêste consórcio, v i e r a m sete filhos, dentre êles, o
Tenente-coronel João Quesado Filgueiras, que foi deputado pro­
vincial; e Francisca Quesado M artins Filgueiras, casada com
Joaquim Manuel S a m p a i o (18), filho de Manuel Correia de
Sampaio (19), que procede de Antônio Correia de Sampaio

10) Informação da citada senhora Hita Martins de Je«us.


11) Liv. de reg. de Cas., n° !0, fls. 29, paróquia de Barbalha.
12) Liv. de reg. de Bat., n° quatorze, fls. cento e trinta e sete, verso,
paróquia cit.
13) Liv de reg. de Obf., 1780 — 1806, f's 36, paróquia de Missão-Velha.
14) Liv. de reg. de Cas., 17u0, fls. 264, paróquia citada.
15) Liv. de reg. de Bat., 1748 — 64, fls. 4, paróquia citada.
16) Liv. de reg de Ob, cit. fls 67
17) Liv. de «Notas», n° 2, 1775 — 8», fls. 14 e seg., Cartório cdado. Item,
n° 27, 1845, fls. 8, cartório citado, Liv de rpg. de batisado, 1817 —
23, fls. 12, paróquia citada.
18) Livro de «Notas», n° 27, fls. cit,, ano c!t. Cartório cit., Liv. de reg.
de bat., 1817 — 23, paróquia de Barbalha.
19) Liv. de reg. de bat., 1812—17, fls. 85, paróquia de M. Velha.
ITA YTEf tA 13

(20), cujo pai, Alferes Gonçalo Coelho de Sampaio (21), imigrado


baiano, fci dono do sítio «Juazeiro», em Missão-Nova, de M is-
são-Velha, sítio que já s e n h o r e a v a pelos idos de 1748, e é
ancestral de Leão Sampaio, deputado federal e de Cid Sampaio
Feijó, governador de Pernambuco, bem como de Pio Sampaio,
deputado à Assembléia Legislativa do Ceará.
De Francisca Quesado Martins Filgueiras e seu dito
marido Joaquim Manuel Sampaio, nasceram, sem contar outros:
a) Romão Filgueiras Sampaio (22), ex intendente e chefe político
de Jardim, e Salgueiro (Pernambuco), Adão daquelas paragens
(sobreviveram-lhe 24 filhos), é ascendente dos Filgueiras Sampaio,
do citado Jardim e sertão pernambucano, destacando-se, neste,
o coronel Francisco Romão—Chico Romão—prestigioso chefe
político de Serrita; b) Antônio Filgueiras Sampaio, Toinho da
Onça, do qual descendem: Antônio Sampaio Filgueiras, médico
já falecido; padre Alzir Sampaio, vigário de Lavras da Manga-
beira; Romão Filgueiras Sampaio, autor de excelentes compên­
dios para o ensino de primeiro grau: José Denizard de Macedo,
professor da E s c o l a Preparatória de Cadetes de Fortaleza e
brilhante intelectual: Nertan de Macedo vigoroso jornalista, mi­
litante na imprensa carioca; brigadeiro José Macedo; Otacílio
Macedo, clínico e jornalista.

A citada Joana Martins do Espírito Santo casara-se


a primeira vez com Joaquim Inácio dos Santos, caririense, filho
do português fixado em terras de Barbalha na segunda metade
do século dezoito—Manuel Inácio dos Santos, mais conhecido
por Manuel Cardoso Viana, tronco dos Cardosos dêste V ale, e
que foi casado cora Leocádia Maria de Castro, irmã, de pai e
mãe, do citado Capitão-Mor do C r a t o, pois foram filhos do
Tenente José Quesado Filgueiras Lima e sua mulher Maria
Pereira de Castro, êle, português, baiana, ela, imigrados na mes­
ma Barbalha no início da segunda metade do citado século.
Dêste primeiro leito, Joana Martins do Espírito Santo
teve quatro filhos (23), um de nome Antônio Cardoso des Santos,
Antonino, que esposou Maria Xavier Bezerra, filha do grande
proprietário rural caririense, Coronel Francisco Xavier de Sousa,
tronco da família Xavier desta zona e de Salgueiro em Per­
nambuco, e contado como o segundo fundador da cidade de

2t) Liv. de reg deBat., 1748 — 64, lis. 9, paróquia citada.


21) L’v. de reg. de <~as. 1765 — 70, fls. 4 e 28, paróquia citada.
22) Liv. ae reg de Bat., 18*0 — 48, fls. 77, paróquia de Barbalha.
23) Liv. de «Notas-, n» 27, fls. cit, ano cit., cartório citado.
14 I T AY T R R A

A urora. E ra de A racati (24)


D e Antonino e sua referida mulher descendem: C oro­
nel Raimundo C ardoso dos Santos (25), ex-intendente e chefe
político de Porteiras, deposto em 1915 pelos Lucenas, de B rejo
Santo, associados ao célebre José Inácio do Barro, mas reposto
pelo presidente do Estado, Benjamim B arroso: A ristarco Cardoso,
cx-prefeito da dita comuna: o já citado juiz Antônio C ardoso
dos Santos: F ran cisco X av ier Saraiva, ex-deputado estadual: o
mencionado Joaquim C a r d o s o dos San tos, Q uinco Cardoso:
Antônio X av ier Saraiva, medico: José C ardoso de A lencar b a­
charel e talentoso advogado, e seus irm ãos, M ozart e O dálio,
aquele, médico, e êste, bacharel.
* *
*
O utro filho do Capitão Bartolomeu M artins de M orais
e Ana M aria F e rre ira —Capitão João M artins de M orais, casou-
se com Antônia M aria do E s p í r i t o Santo, filha do T enente
G regório do Espírito Santo e Isabel Furtado Leite (dos Furtado
Leite do «Coité», M auriti) (26).
De João M artins de M orais e Antonia M aria do
E . Santo descendem: Pe. Raimundo Augusto de A raújo Lima,
pro-V igário G eral desta D i o c e s e : d o u t o r Aurino
Augusto de A raújo Lima, juiz duma das V a ra s da capital cea­
rense: doutor Antônio Augusto de A raú jo Lima, odontólogo na
mesma capital: Olívio Augusto A raújo Lima, ergenheiro a g rô n o ­
mo, sediado na metrópole do estado dos Tim biras.
É um exemplo.
O T enente Antônio da Cruz N eves, irmão, como já
se disse, da citada Isabel da Cruz N eves, casado em primeiras
núpcias com M aria V ieira de Jesus (27), consorciou-se em se­
gundas com F ran cisca M aria de Jesus, filha do referido Antônio
C orreia de Sam paio (28).
Casou sua filha, do primeiro matrimônio, Ana M aria
de Jesus, com o baiano, Com andante Joaquim José de Santana,
imigrado em M issão V elh a (29), ascendente, com a dita Ana,
dos irmãos C ícero, M anuel, Antônio e Juvêncio Santana, o qual

24) Liv. de «Notas», n° 25, U2, íts. 181 e seg. cart. cit. — Liv. de reg.
bat., 1840 — 48 fls. 23, paróquia de Batbalha.
2*)
26) Liv. de reg. de bat., 1748 — 64, fl.«. 36, paróquia de Missão Velha —
Liv. de reg. de cas. fls. 24, par. citada.
27) Liv. de reg. de cas , 1765 — 70, fl«. 55. par. de M. V«lha.
28) Liv. de reg de cas., 1773 — 181*', íls. 18, par. citada.
29l Livro de reg. de Cas., 1795 — 1803, paróquia citada.
1 T A V T K ft A 15

ocupou, como representante do padre C í c e r o Romão Batista,


por duas vezes, as funções de Secretário de Estado dos
Negócios do Interior e Justiça do Ceará, foi Conselheiro daquele
sacerdote em sucessão ao talentoso aventureiro Floro Bartolomeu
da Costa.

A esta altura, suspendo êste registro, suficiente para


demonstrar que se vincula a pioneiros conspicuos da formação
do Cariri e entrelaça-se a famílias históricas do V ale, aquele
que violentou o tempo, antecipando Criação e funcionamento da
Universidade do Ceará, que o compensou atribuindo-lhe o cargo
de reitor, pôsto em que o mantem, mesmo quando os anísios
rochas cerram os punhos ameaçadores da inveja e do despeito
contra o Magnífico, o 5o neto do Capitão Bartolomeu Martins
de Morais, o Latifundiário ímpar, do seu tempo, na Ribeira do
Rio dos Porcos; e do Capitão José Paes Landim, fundador do
Engenho de Santa Teresa; e quarto neto do capitão Manuel
Antônio de Jesus, o cão fiel à boca do cofre da Confraria de
São José, da paróquia de Missão Velha, associação de que foi
tesoureiro por longos anos.

Conexos
Os Capitães José Landim, Manuel Antônio de Jesus
e Bartolomeu Martins de Morais, citados, assinaram, respecti­
vamente as atas das eleições dos Procuradores da Obra da
Matriz da Povoação de São José dos Cariris Novos, realizadas,
sucessivamente, em dois de maio de 1768 e em p r i m e i r o de
janeiro de 1792 (30).
Aquela povoação foi o núcleo inicial da atual cidade
de Missão Velha e sede da primeira freguesia criada e inau­
gurada no Cariri, primeiro sob a invocação de Nossa Senhora
da Luz, substituída, depois, pela de São José.
No curso da construção da Matriz reuniam-se, na
sede da paróquia, convocados pelo Vigário, os principais da
freguesia, para a realização de e l e i ç ã o dos procuradores de
recursos econômicos, que o faziam nas zonas de sua influência.
Ato contínuo, depois desta escolha, a assembléia designava, den­
tre os presentes, um administrador e um tesoureiro. Exerceram,
esta última função, o capitão João Correia Arnaud e, como já

3ü) Livro Mas Ele çOes dos Procuradores da Cbra da Matr z de Sâo José
dos Cariris fsovts, tis. de 1 a 6.
ÍTAYTERA

foi escrito, o capitão Manuel Antônio de Jesus.


« *
* v
Falecimento do Capitão Bartolomeu
Martins de Morais
Transcrevo o registro do óbito do Capitão Bartolomeu
Martins de M orais, cit, «Aos vinte e cinco de maio de mil sete­
centos e noventa e quatro faleceu Bartolomeu Martins de Morais
de idade de sessenta e cinco casado que era com Ana M aria
Ferreira sem sacramentos por morrer apressadamente, sepultado
envolto em habito branco nesta Matriz, encomendado pelo Re­
verendo Cura André da Silva Brandão, de que mandou fazer
este assento e assinou.

A N D RÉ DA SIL V A BRA N D Ã O
Pároco» (31)

Falecimento do Tenente Gonçalo de


Oliveira Rocha
Por igual, transcrevo o registro do óbito do Tenente
Gonçalo de Oliveira Rocha, marido, em segundas núpcias, de
Joana Martins de Morais, citada, filha do referido Capitão Bar­
tolomeu Martins de Morais: «Aos vinte dias do mês de Agosto
de mil setecentos e noventa e nove faleceu da vida presente, na
idade de noventa e seis anos Gonçalo de Oliveira Rocha, casado
que era com Joana Martins, recebeu o Sacramento da Peniten­
cia, foi amortalhado em habito branco, encomendado pelo R e­
verendo Pároco André da Silva Brandão e sepultado das grades
para cima nesta Matriz, de que fiz este assento, em que assinei.
O Cura A N D R É DA SIL V A BRA N DÃO » (32).

Falecimento do Capitão Manuel


Antônio de Jesus
Cópia do original, como dos dois antecedentes, do
registro do óbito do referido Capitão Manuel Antônio de Jesus:
«Aos vinte e quatro dias do mês de fevereiro de mil oitocentos
e vinte e oito faleceu da vida presente o Capitão Manuel An-

31) Liv. de Óbito, fU. 36, paróquia de Missão Velha, 1788— 18C6.
32) Liv. de reg, de Óbito, citado, fis. 67, Paróquia cit.. anos citados
I T AY T £ R A 17

tônio de Jesus com a idade de setenta e sete anos casado com


Luiza Paes Landim com todos os Sacramentos envolto em hábito
branco sepultado nesta Matriz de São José dos Cariris Novos
de grades acima encomendado solenemente pelo Reverendo
Vigário desta Freguesia João Fernandes Vieira e para constar
mandei lavrar este assento em que me assino.
Padre Joaquim José da Costa Caldas
Vigário Interino» (33).
Falecim ento do Comandante Superior Coronel
Francisco Xavier de Sousa
Cópia, do original, do óbito supra: «Aos dezenove
dias (19) do mês de julho de mil oitocentos e quarenta e sete
(1847) faleceu da vida presente o Comandante Superior Fran­
cisco Xavier de Sousa, branco, casado com D. Maria Xavier
de Sousa, idade cincoenta anos e foi sepultado nesta Matriz aos
vinte dias do mesmo mês de grades acima encomendado sole­
nemente pelo Reverendo Vigário José Maria Freire de Brito, e
para constar mandei fazer este assento em que assinei» (34).
Nota: o vigário não assinou
OS FURTADO LEITE DE COITÉ (Mauriti)
Já em 1776 residia no sítio Coité (atual município de
Mauriti) o Tenente-coronel Luiz Furtado Leite e Almeida, por­
tuguês ilhéu, tronco nêste Cariri da ilustre e tradicional Família
Furtado Leite. Era de sua propriedade, o mesmo sítio. Casou-se
uma só vez. Foi sua esposa, D. Beatriz de Sousa da Silveira,
baiana de S. Antônio de Pambu, irmã, de pai e mãe, de Joana
Fagundes da Silveira, esposa do citado Sargento-mor Manuel da
Cruz Neves, filhas, ambas, dos citados Manuel de Barros e
Sousa e Joana Fagundes da Silveira. (35)
Os descendentes da aludida Beatriz são colaterais do
Magnífico Reitor A N T Ô N I O M A R T IN S FILH O , como é
evidente.
Crato, 1959.

33) Livro de registro de óbtto, fls. 63, paróquia de Missão—Velha


1822- 1851.
34) Liv. cit., fls. 273.
35) I.iv. de reg. de Cas., fls. 1 e 14. paróquia de Missão — Velha.
1765 — 70. Liv, de reg. de batismo, fls, 32 e 129, paróquia de Ca
brobó, Pernambuco, 1764 — 69, — As demais fontes sõo as registra­
das neste trabalho a propósito dos irmãos Antônio, Marcelino, Eo-
fiásia e Isabel da Cruz Neves,
18 ITAYTERA

NORDESTE, PÁO E ÀGUA


Com o titulo supra, enfeixou o jornalista J. C. de Alen­
car Araripe, diretor do «O PO V O », de Fortaleza, as reporta­
gens que fêz no ano passado, expondo, com o realismo de se­
nhor compieto do assunto, dos problemas cruciantes -das secas
nordestinas. Aquelas reportagens tiveram a maior repercussão
possivel. Foram focalizadas no Senado e transcritas na impren­
sa carioca. Com esse trabalho, o denodado jornalista caririense
recebeu o segundo prêmio de reportagens do Concurso E S S O ,
não só imensa honra para êle como para tôda a imprensa cea­
rense. N O R D E ST E , PÂO E AGUA reune aquelas reportagens,
em bonito e bem impresso volume, editado pela IM P R EN SA
* U N IV E R SIT Á R IA DO CEARÁ.

LATROCÍNIO EM CACHOEIRA PAULISTA


O Dr. Francisco Esmeraldo de Melo, cratense da gema,
é promotor concursado da Comarca de Cachoeira Paulista, em
S. Paulo. No ano transato, comprovando o seu mérito incontes­
tável à frente da promotoria daquela cidade paulista, publicou
a brilhante acusação que fez do cruel matador do Padre José
Francisco Von Atzingen, com o fim unico de roubar-lhe min­
guados recursos de obras pias. O Tribunal de S. Paulo deu-lhe
ganho de causa à justiça já assegurado em juizo. No mesmo
opúsculo onde inseriu suas C O N T R A -R A Z Õ E S EM A PELA ­
ÇÃO, publicou os ótimos estudos: «IN M EMOR1AN de João
Evangelista de Melo, e outras reminiscências», «A PEN D IC E:
Crônicas Genealógicas de autoria do Pe. Antônio Gomes de
Araújo» e «Aresto da Terceira Câmara Criminal do Egrégio
Tribunal de Justiça».

ESBOÇO HISTÓRICO DE CRATO


O Cel, Raimundo Teles Pinheiro, dos mais brilhantes
filhos da terra cratense e dos maiores entusiastas de seu pro­
gresso, no corrente ano lançou a segunda edição de seu apre­
ciado «ESBO Ç O H ISTÓ RIC O DO CRATO», através da IM ­
PR EN SA U N IV E R SIT Á R IA DO C EA RÁ . É prefaciado pelo
Magnífico Reitor Antônio Martins Filho. Ê obra de cunho his­
tórico para consultas e obedece ao critério de efemérides, para
melhor facilidade de consulta. O opúsculo, cheio de clichês, foi
recebido com os aplausos unânimes da imprensa cearense.
CLQVIS IEVILMUI
E s c re v e D uarte Jú n ior
Duas Faculdades de Direito, apenas, contava o Brasil
dos idos da Monarquia ao nascimento da República.
Erguidas sob as arcadas dos M osteiros de Olinda e S.
Paulo foi a primeira transferida para Recife, — Praça Adolfo
Cisne — permanecendo a segunda no mesmo loca! de origem, no
Largo de S. Francisco, guardando, em novo edifício, as tradi­
ções da cultura bandeirante.
Professores barbilôngos, de bengalão e fraque, mestres
categorisados nos quadros do direito clássico, latinistas e retó­
ricos, plasmavam .os novos bacharéis e davam existência aos
futuros catedráticos. Transfusionavam nas veias dos alunos o
sangue da ciência tomado dos Melo Freire, Ferreira Borges,
Lobão, Correia Teles, Pereira e Souza, Borges Carneiro, Coêlho
da Rocha, Dunburg, Laurent, Demolombe, W indscheid, Becaria,
Bentham, Carrara, Liszt e uma multidão de outros tratadistas
estrangeiros.
Entre os que sairam da Escola paulista, figuram nomes
como Teixeira de Freitas, Lafaiéte, José de Alencar, Silva Jar­
dim, Rangel Pestana, Julio de Castilhos, Assis Brasil, Afonso
Pena, Bocaiuva, Afonso Celso, Pedro Lessa, R U I B A R B O SA ,
e entre os que estudaram e lecionaram na Escola do Leão do
Norte, contam-se figuras do estalão de Trigo de Loureiro, Vieira
de Araújo, Pereira do Rêgo, Gervásio Froravante, Henrique
Milet, Faelante da Câmara, M a r t i n s Júnior, Tobias Barreto,
Joaquim Nabúco, Epitacio Pessoa, R IO BR A N C O , C L Ó V IS
B E V IL A Q U A .
Não havia, como agora, U n i v e r s i d a d e s , cursos de
ciências econômicas, de agronomia, quimica industrial, farmácia,
higiêne sanitária, investigações ciêntificas, e outras escolas técni­
cas de gráu superior, e, porisso, o bacharelato era a carreira
seguida pelos filhos de fazendeiros, uzineiros, seringalistas e
mineiros.
O diploma de bacharel, os titulos nobiliarquicos, as
patentes honoríficas, constitui o alvo a que estavam subordinadas
as aspirações contemporâneas dos ciclos dos currais, da cana
de açúcar, da borracha, da mineração.
De estâncias as mais longínquas, brotavam barões e
coronéis da guarda nacional e dessa aristocracia rural as safras
\

20 I T AY T E R A

de bachareis-futuros advogados, magistrados, professores, legis­


ladores, diplomatas, literatos e filósofos.
Vale lembrar, a titulo de curiosidade, que foi o Barão
de Vila Bela quem fez de Joaquim Nabuco deputado por Per­
nambuco, do mesmo modo como das mãos de outros barões sairam
inúmeros representantes das províncias no Parlamento Nacional.
O têmpora! O Mores! Hoje são êles proprios, barões e
coronéis, já sem as comendas e os galões simbólicos, que se
refestelam nas poltronas do «Tiradentes» e do «Monroe» para
gáudio desta democracia sem letras e sem moral que estamos
vivendo. As Asserabléas Estaduais, já não há prédio que com­
porte o número de deputados e de funcinários criados pelo mo­
derno sistema de inventários politicos. V eja-se a diferença do
parlamento Inglês com 360 cadeiras para 36.000.000.00 de eleito­
res concientes!
Diferente, porem, foi a luminosa trajetória de Clovis
Bevilaqua, que sem vocação para artista político, consagrou-se
ao apostolado do direito no plano mais elevado em que êle
gravita como ciência das leis.
O sábio se faz no silêncio do gabinete, não é fabricado
como é o político, por eleitores analfabetos.
Filho da cidade cearense de Viçosa, ao norte da Serra
Grande fez em Fortaleza o curso de humanidades, ingressando,
depois, na Faculdade de Direito de Recife, onde se formou e
onde foi professor dos mais insignes, estreando sucessivamente
nas cadeiras de Filosofia e legislação comparada, com o brilho
com que ali pontificou o genial Tobias Barreto, em assuntos
de sociologia, e na Faculdade de S. Paulo, como criminalista, o
fenomenal Bernardino Ribeiro, falecido, infelizmente, no começo
da docência.
O seu convívio inicial, através da leitura de romances e
poesias, com Herculano, José de Alencar, Alvares de Azevedo,
Gonçalves Dias, Byron, Dumas, Balzac, Gautier, Lesage e outros,
não reputamos disperdicio de tempo, mas uma iniciação, um
adestramento, do seu grande espirito para o trato posterior dos
filósofos—Littré, Heckel, Spencer, Shimidt — de cuja companhia
saiu armado cavaleiro para o estudo do Direito. Litera'o, filósofo
e sociólogo ao mesmo tempo, entrou familiarmente na intimidade
dos juristas.
Não tendo nascido, singularmente, como Machado de
Assis, para o romance e para_o verso, apesar de dono de pre­
cioso cabedal de conhecimentos predestinado que foi, por decreto
da Providência, para a construtura do direito, pode-se dizer que,
naquelas parágens, teria sido um astro desorbitado de sua rota.
Assim é que a contribuição de sua capacidade criadora prestada
JTAY TERA 21

à imprensa e à literatura, é superada pela sua portentosa pro­


dução juridica. Trabalhos de real mérito as obras de história, de
literatura, de filosofia, de ficção, elaboradas, três em colaboração
com Martins Júnior êste revolucionário tropical de «Estilhaços»,
duas com sua esposa, uma com o General Taumaturgo de Aze-

Clovis Bevilaqua e esposa D\ Amélia


vedo, e várias isoladamente, todavia sua atividade jornalística,
romântica, filosófica, não o teria cultninanciado.
Um só dos seus livros—Teoria Geral do Direito Civil—
basta para faze-lo rivalizar com T E IX E IR A DE FREITA S con­
siderado o jurista máximo das Américas.
22 ITAYTERA

Livro algum, escrito em português, sõbre igual matéria,


se ombrêa com o magistral tratado a que nos referimos. O s que
sob a mesma rubrica escreveram Borges Carneiro, Ribas, C ar­
los de Carvalho, Lis T eixeira, T rig o de Loureiro, Am oldo de
M edeiros e V icente Ráu, não resistem a um confronto desapai­
xonado com o do mestre insigne.
N ão fosse o receio de descam bar para o ditirambo, e
não hesitavamos em dizer do «Direito Civil» de Clovis o que
D U P 1N disse do «Tratado das O brigações» de P O T H IÈ R : «O
mais belo livro de direito que (àquele tempo), saiu das mãos dos
homens, Evangelho humano com algo do Evangelho Cristão».
Inúmeros outros trabalhos aureolain a sua reputação de
jurisconsulto: «Soluções Práticas de Direito» Pareceres sõbre
questões as mais complexas, escritos com mão professa, denun­
ciam o seu domínio absoluto nas diversas províncias dos conhe­
cimentos jurídicos, bem como os que elaborou nas funções de
Consultor Jurídico das Relações Exteriores. «Direito da Familia»,
«Direito das Obrigações», «Direito das Sucessões», pela substân­
cia, erudição, unidade de doutrina, dinamismo jurídico, são
superiores, no que lhe diz respeito, ao « D IG E S T O P O R T U ­
G U Ê S » de Correia T eles, e a tudo quanto entre nós se fez
sõbre as matérias ali corporificadas.
O bras de eleição, fizeram escola em nossa literatura
jurídica consolidando-se a sua doutrina, com as nuanças pró­
prias do tempo, na codificação civil vigorante.
«Direito Internacional Privado», matéria que se pode
dizer não existia antes de 1648, (antes da Guerra dos Trinta
A nos), porque o estrangeiro era considerado indigno de qual­
quer favor nas relações com o elemento nacional, matéria deli­
cadíssima por envolver interêsses de povos sujeitos à legislação
extranha, revela, na opinião dos mestres a sua i n s u p e r á v e l
acuidade, o fulgor do seu espirito e completa o ciclo cultural
do grande civilista.
Não conhecemos os seus trabalhos— Filosofia Positiva,
«Economia Política,» «Unidade do Direito Processual», «Legislação
Comparada», «Criminologia e Direito», «Esboços e Fragmentos»
«Épocas e Individualidades» «Literatura e Direito», «Hospitalidade
no Passado», e outras há muito exgotadas, mas não temos dú­
vida sõbre o valor de todas elas, porque de sua pena não bro­
tavam «negrillos». N ão são as suas criações como as de muitos
dos nossos escritores— «frutos de cobre com casca de ouro» na
expressão de T obias Barreto. Não obstante a vastidão multi­
plicidade e variedade de sua obra, não foi um fabricante, como
se disse de Coêlho Neto, mas um escritor o maior que o Brasil
tem tido em assuntos de direito.
I T AY T E R A 23

Revela atentar, ainda, para a circunstância de haver


produzido a maioria de suas obras em idade inferior a quarenta
anos, desmentindo as maximas de que a vida começa aos qua­
renta e de que o direito é ciência de velhos.
Venerandos doutores existem que embranquecem a fronte
no trato da ciência de U LPIA N O , sem lhe descobrir os segredos".
Acresce, ademais, que durante o curso acadêmico, como
êle proprio confessa, passou desatento às belesas do direito, no
qual não descobria o influxo das idéas que lhe daria a expli­
cação do mundo.
Com efeito o platonismo do ensino, refletindo o maras­
mo do meio ambiente, fazia das Escolas uma especie de semi­
nários mitológicos, onde não chegava o ruído e tumulto da
vida real.
A economia política não figurava como ramo da so­
ciologia, confinada- pelos marcos do individualismo filosófico e a
sociologia não passava de sociolatria, assemelhando-se «a astro-
latria dos Apolônio e Magos da Caldéa». O «Direito das Gen­
tes» era uma espécie de romance de aventuras e o Patriotismo
uma mistica, um ufanismo alheiafório das especulações politicas
e econômicas.
A mocidade acadêmica enquanto se apaixonava por no­
velas de cavalaria, enrêdos de óperas, desapercebia-se dos assun­
tos jurídicos e dos problemas nacionais.
Inciênte das graves questões externas, preocupava-se
mais com rixas literárias, torneios poéticos do tipo dos que se
travaram entre Tobias e Castro Alves, do que com as pelejas
sõbre limites do Paiz entre Rio Branco e os advogados das na­
ções contiguadas — Zeballos e outros — com a «guerra fria»
das «M ISSÕES», do «AMAPÁ» das «GUIAN AS» do «ACRE».
E somente quando a refrega passava para o terreno das armas,
em que ao lado de Joaquim Nabúco, Caetano da Silva, Aguiar
de Andrade, RIO BRA N CO , surgiam os Plácido de Castro e
os bravos Paroáras do Ceará, só então se apercebia do sentido
político, militar, geográfico, economico, da indiscriminação de
nossas fronteiras. Só então se apercebia de que acima dos ro­
mânticos e dos liricos, pairava a ciência de Rio Branco — Hér­
cules da diplomacia no Novo Mundo — ao qual devemos a vi­
toria do Brasil nas arbitragens — C L E V EL A N D e W A L T E R
H A U SE R (Presidentes das E E .U U . e da Confederação Helvé-
tica) bem como dos Tratados de Petrópolis, Assunção e outros.
Não pensavam os moços do que seria dessa área de
cerca de quinhentos mil quilômetros quadrados, incorporados
definitivamente à Amazônia, se permanecessemos regidos por li­
nhas imaginárias construídas sôbre as bases de u t p o ssid etis.
24 ITAYTERA

Não pensavam na possibilidade das guerras de conquista e qual


podería ser a nossa sorte sob o regime do Meridiano de Tor-
desilhas, ou mesmo dos Tratados de Utreech e Santo Ildefonso,
inoperantes na bacia do «Mar Dulce», frente à ganância das
potências imperialistas, do seu apetite pelas riquesas da maravi­
lhosa «Hiléa Brasileira» como a denominou Humboldt, ou da
atual «Hiléa Amazônica» compreendida no famoso «Instituto In­
ternacional», de sua cobiça não só pela goma elástica, pelo pe­
tróleo como principalmente pelos minérios comerciáveis e estra­
tégicos que ali abundam. O Brasil é a mais cobiçada das pre­
sas, já clamava Rui Barbosa, em 1921 na celebre «Oração aos
Moços».
A mocidade não lia os naturalistas, geólogos, geógrafos,
botânicos, exploradores, não sabia da existência de tais matérias
primas e muito menos que elas podessem fazer nascer a idéa
do «Canal Cassiquiare» para ligação do Orenoco, na Venezuela,
ao Rio Negro, no Amazonas, como via fluvial de expansão eco­
nômica da zôna de influência dos Estados Unidos na América
do Sul. Não imaginava, muito menos, que essas riquezas atraí­
ram as pomposas missões protestantes àquelas imensas florestas,
acompanhadas de poderosas frotas de lanchas motorizadas, au­
tomóveis e aviões, a pretexto de converter católicos em sectários
de Rogers Wiliam... acionados, certamente, pelos dólares de
W all-Street.
Aliás, naquêles tempos, não vivíamos sob a ameaça de
dominio econômico pelas nações imperialistas e não havia o
perigo de catequése m anu-m ilitari pelos Soviéticos, ameaça esta
muito mais grave porque se os primeiros nos tomam os anei»,
os segundos nos tomariam os an eis e os dedos. Os Rockfellers
os Morgans, os Mellons, nos escravizam comercialmente e os
Krutchev nos escravisariam pessoal e territorialmente, verdadei­
ro lobo que é o comunismo, em traje de cordeiro.
Naquêles bons tempos não havia C EX IM , C A C EX,
SU M O C , mas também não se plantava borracha em Ceilão,
não havia borracha sintética e não havia cultura de café na
África.
Não havia questões sociais, lutas de classe. Industriais
e operários se entendiam sem o recurso de leis especialisadas.
Não havia legislação trabalhista, essa nova ciência de ordena­
mento da conduta do capital e do trabalho, tendo a data 2 de
Maio de 1939 o Dec.-Lei que instituiu entre nós a justiça do
trabalho. Não se falava em acidêntes do trabalho, salário míni­
mo, co-participação em lucros de empresas, descanço, férias e
outras medidas assistenciais, retardamente decorrente da ausên­
cia do problema dos sem-trabalho, problema de escassez de ter-
ltAYTERA 25

ras agrícolas, problema de super-produção.


Nesses saudosos tempos o estudante, na expressão de
John Gunter, sustinha com uma mão um emprego público e com
a outra escrevia poemas ou brincava de escultura. Êra de Júlio
Verne, em que se fazia viagens à lua sem o sacrifício das
«Damkas» e dos Sputniks.
C L O V IS estudou ainda perfumado pelos canteiros de
Academus.
Recebendo o seu «canudo» não pensou nas ciências em
que SO R O K IN se fez soberano, nas ciências sociais e econô­
micas, entregando-se ao estudo do direito, em cujos quadros
clássicos não se podiam acomodar normas de economia dirigi­
da, ou de sentido coletivista.
A sua obra de civilista liberal, entretanto não envelhe­
ceu, como aconteceu com o nosso direito comercial, e não en­
velhecerá construída que foi sôbre o cimento do elemento his­
tórico e, ao mesmo tempo, modelada em traços dinâmicos, mais
vivos do que os figurinos americanos e europeus da época.
A sua grande cultura jurídica, equilíbrio e senso de
proporção, comunicaram ao edifício que levantou o segredo da
longevidade.
Pouco importa que das esquinas da iconoclácia espíri­
tos demolidores lhe atirem pedras,—jurista perempto, retrógra­
do—-e outros baldões que o não atingem, por não ter cabida e
pela fonte infecta de onde escorrem.
Já dizia o imortal Vieira que se os olhos vêem com
ódio, o cisne é negro.
Vivendo e agindo em um estado burguês não podia
perfilhar a doutrina de Marx: «a cada um segundo o seu tra­
balho, sob a direção do Estado, único proprietário, único co­
merciante».
Foi por reconhecer a superioridade de Clóvis sobre os
demais civilistas de então, que o emérito Epitácio Pessoa, M i­
nistro do Governo Campos Sales, o escolheu para elaboração
do Projeto de Código Civil do Brasil, tarefa que aceitou e que
realizou dentro do espaço de sete mêses. E enquanto se desen-
cumbia em período de tempo tão angustioso, as comissões do
Senado e da Câmara, levaram uma eternidade em emendas e
retoques superficiais, retoques que o não melhoraram, a não ser
quanto à matéria de redação do punho do grande Rui. No
mais o que se fez, repetindo com Matos Peixoto a expressão
de Pontes de Miranda, «foi uma espécie de pilhagem bárbara
em cidade indefesa».
E mesmo em matéria de redação, muitas vezes eram as
emendas desnecessárias, ou prejudiciais, porisso que é difícil re-
26 ITAYTERA

digir melhor do que Bevilaqua. A sua palavra viva, elegante, é


moéda cantante de direito escrito.
A sua propriedade de linguagem, instrumento de clare-
sa do raciocínio, torna a interpretação da lei accessivel a todas
as bitólas mentais.
A polemica que sustentou com Rui, Andrade Filgueira,
Coêlho Rodrigues e outros, e a sua posterior defesa escrita, do­
cumentaram não só o valor imenso de sua obra, como o con­
sagraram jurisconsulto de renome mundial. Alem de fazer parte
das mais altas sociedades de cultura jurídica de outros paises,
figura entre os 14 maiores jurisconsultos do mundo, na Asso­
ciação de Direito Internacional da Alemanha.
Felizmente o Código manteve, em substância, a mesma
estrutura do Projeto Bevilaqua. Resistiram as bases «as pilas-
tras sôbre que repousa o entablamento do edifício».
Os seis volumes de C O M E N T Á R IO S que publicou lo­
go após a promulgação do Código, interpretação dos textos, são
o breviário de juizes e advogados, pela sua casuística, sintese,
claresa, e autoridade, servindo, ademais, de modelo aos inter­
pretes da lei substantiva.
Sem haver passado pelo crivo do debate das duas casas
do congresso, mas apenas pela revisão de um grupo de pena-
listas— Nelson Hungria, Vieira Braga, Narcélio de Queiroz, Ro­
berto Lira—o Projeto de Código Penal do Professor Alcântara
Machado, que é outro trabalho que exalta a nossa cultura, so­
freu radical remodelação, o que vem confirmar a supremacia de
Clóvis na sua especialidade.
Contando o Brasil com jurisperitos da envergadura de
Bevilaqua, Rui, Epitácio, Coêlho Rodrigues, Carlos Maximiliano,
Inglês de Souza, João Luiz Alves, não tinha o seu Código Ci­
vil, do mesmo modo como possuindo petróleo, borracha, minéri­
os e matérias primas em abundancia, importa gasolina, borra­
cha, minérios, tecidos e máquinas de todos os tipos.
Em plena República, ao contrário do que ocorria com
a maioria das nações do continente, permanecíamos regidos por
leis dispares e sob o guante do direito colonial, aliás já aboli­
do cm Portugal, congelados que ficaram os esboços e Projetos
Teixeira de Freitas, Nabuco, Felicio dos Santos e Coêlho Ro­
drigues, mantendo-se vigorantes as O R D E N A Ç Õ ES F IL IP I­
N A S. Para dar uma idéa do que era o Brasil em matéria de
legislação, vale a pena lembrar certos dispositivos do Livro V
de tais O R D E N A Ç Õ E S, que funcionava simultâneamente como
direito penal substantivo e adjetivo, posteriormente revogado
pelo Código Criminal do Império. Em um dos seus incisos «re­
pugnante â dignidade humana», na expressão de Lafaiéte, con-
1TAYTERA 27

cedia ao marido o direito de castigar a mulher. O marido en­


contrando sua mulher em adultério pode matar a ela e ao se­
dutor, salvo se o marido for pêão e o adúltero fidalgo, Desem­
bargador ou pessoa de maior qualidade. O homem que saisse
de casa vestido de mulher ou a mulher vestida de homem, se­
riam seviciados publicamente. A mulher adúltera e o marido com­
placente eram ornados de grinalda de cornos e passíveis da
pena de degredo. Impunha-se a pena de morte ao Cristão que
se conjuntasse com judia, havendo, ainda, naquela lei, a pena
capital cruel que consistia na eliminação da vida por processos
lentos e dolorosos.
E acham os núncios das inovações que o Projeto Be­
viláqua, vale dizer, o Código Civil, é anacrônico, porque ao la­
do do casamento civil não gravita o divórcio a vínculo, mas
apenas o divórcio a tálamo. E o divórcio, dizem, é um corolá­
rio do consórcio, não se podendo conceber a existência de con­
trato, sem a co-existência de distrato, constituindo, alem do
mais, entre os códigos modernos, uma exceção desabonadora de
nossa cultura.
Argumentos especiosos, sem fomento de razão. O fato
de vigorar o divórcio nos paises protestantes da Europa, Ame­
rica do Norte e em algumas Repúblicas sul-americanas, não é
argumento convincente.
Encarado, ainda que sob o ponto de vista puramente
social, com abstração do seu carater acatólico, ante-evangélico,
a experiência tem demonstrado haver êle agravado os problemas
conjugais, elevando a cifra do adultério, da filiação ilegítima,
dos abortos e infanticidios, diminuição da natalidade e, aumen­
to da prostituição. A opinião de Roboredo, Acollas, Forel, e
outros, de que o casamento deve existir enquanto existir o con­
senso, a vontade dos cônjuges, porque sem essa vontade se
transforma em uma espécie de estupro legal, é teoria dissolven­
te, utópica, sem apõio na realidade do fenômeno social.
Não se apercebem tais escritores divorcistas dos perigos
que resultariam da adoção de preceitos de aplicação geral
para atender a casos singulares e excepcionais.
Deve-se à pratica do divorcio, escreve o maior dos
nossos atuais civilistas — Arnoldo Medeiros — o fato de perder
a familia a sua antiga solidez e coesão, ao contrário do que se
verifica em relação a outros grupos sociais. Nada tem contri­
buído mais, prossegue, para esse resultado, do que a dissolução
do vinculo conjugal.
Infelizmente em nossas leis trabalhistas o Brasil deu um
grande passo na senda das uniões ilegítimas: A companheira do
trabalhador é equiparada à esposa nos casos de acidente do
28 ITAYTERA

trabalho e em outros de assistência social, já havendo decisões


judiciais atribuindo à amásia direito à indenizações em detrimen­
to dos pais do acidentado. Ainda há poucos dias o Tribunal
de Recursos, sem prova de casamento, decidiu em favor da
«companheira» de um soldado atribuindo-lhe direito à percepção
de montepio militar. Na França, nação católica, a Corte de Pa­
ris, entre outras maravilhas forenses, dividiu com a esposa e
duas amantes de um acidentado a indenisação respectiva, atri­
buindo menor cota à mulher legitima sob o pretexto de que
tendo sido repudiada não deveria ter sofrido tanto quanto as
concubinas com a morte da vítima, imoralidade que não foi
mantida pela Corte de Cassação.
À apologia do amor livre devia ficar apenas na litera­
tura indecente de romancistas como Margueritte, George Sand
e teatrólogos como Leroux, Pierre Nolff e outros e nunca em
obras de direito.
Clóvis preferiu passar por tradicionalista a conquistar
a titulo de modernista de fancaria, contrapondo-se ao divorcio,
em harmonia com os seus princípios de amor e respeito a esta­
bilidade do lar brasileiro.
O divorcio não deixa de servir como cabeça de ponte para
o regime de destruição da familia, predominante na Rússia atual.
Com efeito, seria preferível o Livro V das Ordenações,
com todo o seu terrorismo, em matéria de direito de familia, ao
Código das Leis de Casamento da «União Soviética». Ali o ca­
samento está reduzido a um mero estado de fato, valendo tanto
o casamento feito mediante registro em cartório, aliás sem qual­
quer solenidade, quanto a simples união marital, nua de qual­
quer regulamentação. A união simples, produz os mesmos efei­
tos de união sob registro. São equiparados aos filhos do casal,
os adulterinos e incestuosos. Pode a mulher casada fazer decla­
ração de paternidade de filho seu com outro indivíduo, obrigan­
do a êste, salvo prova em contrário, às despesas com o trata­
mento da parturiente e com o sustento do «filho». Apesar da
influência contrária da religião ortodoxa, pode-se dizer que atrás
da cortina de ferro já se instituiu o amor livre. Uma cidade russa
— Soroloff—chegou a decretar a socialisação da mulher. Entre
outros dispautérios dizia o Decreto que as desigualdades sociais
permitiam que a burguesia se apoderasse dos mais belos tipos
humanos em prejuízo do aperfeiçoamento da raça, e, porisso a
mulher passaria de propriedade do homem à propriedade do
Estado, estabelecendo que o proletário podia fazer uso, guatui-
tamente, da mulher nacionalisada, enquanto que o cidadão não
proletário ficaria sujeito ao pagamento mensal de 250 francos
para poder gosar de igual uso. Tal monstruosidade não foi ra-
ÍT AYTEtt A 29

tificada pelas autoridades superiores, mas revela o gráu de per­


versão de costumes da patria de Lenine.
Clóvis preconisou o casamento com a magnitude que se
impõe à sua finalidade social, prescrevendo normas rígidas no
que concerne à proteção dos filhos, regime de bens e direitos
e deveres decorrentes da sociedade conjugal. Impediu o casa­
mento entre tios e sobrinhos, por amor da raça, criou a anula-
bilidade por «erro essencial», aboliu a incapacidade da mulher
em várias hipóteses, resguardou os seus bens contra dívidas an­
teriores ao casamento, ampliou o sistema de reconhecimento e
adoção de filhos e de investigação de paternidade, extinguiu os
arcáicos contratos de esponsais e tornou pessoal a prestação de
alimentos.
No que concerne ao direito de propriedade, matéria de
maior relevância, não se prendeu ao absolutismo do direito roma­
no, em que a propriedade era prolongamento da pessoa, distan­
ciando-se, porem das leis comunistas para as quais tal direito é
uma espécie de fruto proibido. Sujeitando a propriedade aos
desdobramentos impostos pela solidariedade humana e utilidade
pública, não lhe destruiu as peculiaridades individualistas.
Um Código Civil de nações politicamente organisadas,
não é um «Folheto» de Prudhon, ou «Portaria» de Lenine, em
que se faça retroceder a sociedade aos tempos primitivos quan­
do as tribus ou as nações eram os proprietários do sólo, ou em
que se faça passar, como na Rússia, da civilisação do homem
para a civilisação da máquina.
A propriedade não é roubo mas, sim, a sua supressão,
a nacionalisação das terras e das indústrias como fez o bolche-
vista Lenine.
Sem romper com a tradição C L Ó V IS não se cristalisou
em formas absoletas.
Em matéria de posse ultrapassou S A V IG N Y e discipli­
nou IL H E R IN G , racionalisando a sua aquisição e perda, a sua
proteção, bem como os tipos de usucapião ordinário e extraor­
dinário. Em assuntes sucessórios estreitou o circulo dos colate­
rais, a bem do Estado, impediu os testamentos conjuntivos e
disposições captatórias, moveu o direito de acréscimo, criou dis­
tinções sôbre herança jacente e adotou outras medidas de alcan­
ce social. No direito das obrigações não propôs modificações
revolucionárias, mas estabeleceu normas e métodos consentâneos
com os progressos da civilisação.
E basta. Não nos podíamos abalançar a um exame cir­
cunstanciado da obra de C L Ó V IS, porque semelhante tarefa de­
mandaria a elaboração de alentados cadernos, empresa somente
realizável por civilistas como Arnoldo Medeiros, Vicente Ráu,
30 ITAYTERA

Girão, Dolor, Soriano Neto.


A s homenagens que o Brasil hoje lhe faz, no seu pri­
meiro centenário, não correspondera à majestade de sua obra.
O nome de C LÓ V 1S dá lustre à raça a que pertence e deve
figurar na galeria em que se entronizam Santos Dumoiit, T orres
Homem, Carlos Gomes, José Bonifácio, Rio Branco, Rui, T e i­
xeira de Freitas, Caxias, Moura Brasil, M auá, Frontin, Oswal-
do Cruz.
Crato, 4 - 10-59

T R A N S F E R ID O PA RA O RIO O CEL. R A I­
M U N D O T E L E S PIN H EIR O . Seguiu de Fortaleza
para o Rio, acompanhado da Exma. Esposa D. Valde-
lice. o nosso consócio e grande amigo — Cel. Raimun­
do Teles Pinheiro. Viajou pelo Aratimbó, no dia 25 e
serve no Estado Maior do Exercito. Na Capital Cea­
rense exercia o comando do C .P.O .R ., cargo que desem­
penhou com o brilhantismo de sempre. O Cel. Teles,
intelectual de valôr. era o representante do Instituto,
em Fortaleza. Agora contamos com sua valiosa coope­
ração, mesmo na Capital da República.
V E R B A EST A D U A L . Graças à boa vontade
do atual secretário da Fazenda, Renato Braga, dos prin­
cipais intelectuais do Ceará e sócio correspondente do
I.C.C., recebemos, com certa facilidade a subvenção es­
tadual do ano passado, na importância de dez mil cru­
zeiros, arranjada pelos deputados Decio Teles Cartaxo
e Cincinato Furtado Leite.
V E R E A D O R E S A M IG O S DO IN S T IT U T O .
No ano passado, o vereador José Pinheiro Esmeraldo,
atual vice-prefeito apresentou o projeto de auxilio ao
Instituto de vinte mil cruzeiros. Em Setembro, do cor­
rente ano, coube ao consócio José de Paula Bantim, a-
presentar o projeto de subvenção a IT A Y T E R A, na
importância de vinte mil cruzeiros.
O último projeto não passou por já existir sub­
venção de igual importância no Orçamento.
UM CAPÍTULO oo» —
OEVASSAMENTO DO CARIRI
7 -.. 2 .. % z4d.ni&nto-

As veredas fòram os verdadeiros caminhos que trouxe­


ram a civilização ao vale do Cariri. George Gardner, em suas
«Viagens no Brasil», deu testemunho dêsse fato histórico quan­
do, ao se referir à estrada do Icó ao Crato, descreveu-a como
sendo «áspera, com altos e baixos no seu leito pedregoso, im­
prestável, por isso, ao trânsito de carros, fazendo-se todo o
tráfego para o interior ou nas costas de cavalo ou, por mais
estranho que pareça,em lombo de bois».
Essa paisagem que tanto impressionou êsse célebre na­
turalista inglês, ainda perdurou por mais de um século, de vez
que, na realidade, sòmente há poucas dezenas de anos começá­
mos a ter as primeiras rodovias tipo carroçáveis. Na região
caririense são recentes as vias de comunicações chamadas «cen­
trais», e, por não se estenderem, ainda, por toda a extensão
territorial do vale, o problema de transportes continua sendo um
tabú econômico, em virtude da constante estagnação dos nossos
produtos, nas épocas de safras.
No segundo quartel do século passado, M arcos Anto-
nio de Macedo sentiu a gravidade da falta de comunicabilida-
de entre as principais vilas do Cariri, fato que demandava em
incalculáveis prejuízos comerciais para esta região, e então or­
ganizou uma emprêsa intitulada «Marcos Antonio de Macedo £>
Companhia», com a finalidade de abrir uma estrada do Crato
até Icó. A lei n° 233, de 14 de janeiro de 1841, sancionada
pelo presidente José Martiniano de Alencar, aprovava o impor­
tante plano, e concedia à dita companhia o privilégio de vinte
anos, para explorar essa via de comunicação, de acôrdo com
uma tabela inclusa na mencionada lei.
A companhia empreendedora da estrada C rato—Icó
obrigava-se a formar um capital de dez contos de réis, dividi­
dos em cento e oitenta ações de cinquenta mil réis e quarenta
cupões ou meias ações de vinte e cinco mil réis, podendo o
mencionado capital ser aumentado conforme as exigências da
32 1TAYTKRA

emprêsa. A tabela a que se referia a lei n„ 233, rezava o se­


guinte:
«Art. 1 . —Por cada um carro carregado p u x a d o
por bois, do Crato a Icó, ou vice-versa Rs. 3$ooo
§ 1 —Idem descarregado $6 oo
§ 2 —Por uma carroça puxada por bois 3$ooo
§ 3—Idem descarregada $48o
§ 4 —Idem carregada e puxada por cavalos l$92o
§ 5 - Idem descarregada $3oo
Art. 2__Por cada animal com carga $0 6 0
§ 1—Idem com malas vazias $o3o
§ 2—Idem à dextra $ol5
§ 3—Por uma rez de boiada ou matolotagem $ol5
§ 4 — Por um cavaleiro $0 6 0
Art. 3.—A estrada será dividida em três pontos de ar­
recadação, e os transportes serão pagos na razão corresponden­
te a cada terço, servindo sempre de base os prêços estabeleci­
dos na presente tabela.
Art. 4 .—Ficam isentos da taxa acima referida:
§ 1 —Os cavaleiros que acompanharem os seus transportes.
§ 2 —Os estafetas ou qualquer bagagem do governo.
§ 3 —As pessoas que viajarem a pé.
§ 4 —Os gados miúdos de qualquer gênero que sejam.»
A lei n° 311, de 24 de julho de 1844, sancionada pelo
presidente José Maria da Silva Bittancourt, autorizava o gover­
no provincial a mandar assinar cem ações para a coadjuvação
da companhia responsável pela abertura da estrada entre a vila
do Crato e a cidade do Icó, devendo pagar a metade dessa
quantia quando os trabalhos principiassem, e a outra metade
quando a obra estivesse ao mei \ sendo cláusula obrigatória que
a emprêsa concluísse a referida estrada dentro de três anos
completos, sob pena de pagar a multa de um conto de réis,
na qual não incorrería o tesouro provincial.
Apesar de todos os papelórios idos e voltados, e das
leis sancionadas por José Martiniano de Alencar e José Maria
da Silva Bittancourt, Crato e Icó continuavam ligados pela mes­
ma tortuosa vereda palmilhada por George Gardner. Comprova
o fato, a lei n° 519, de 4 de dezembro de 1850, sancionada pe­
lo presidente Inácio Francisco Silveira da Mota, onde vem cons­
tando a autorização da despêsa de dez contos de réis, com a
fatura de uma estrada da cidade do Icó para a vila do Crato,
que deveria ser em linha reta, ou no sentido mais reto possível,
com a largura de trinta e dois a quarenta palmos, e aplainada
de modo que pudessem transitar carros... de bois, naturalmente.
ITAYTERA 3Ô

Rareadas as notícias vinculadas às leis provinciais do


Ceará, somos propensos a crer que, depois de tantas tentativas
fracassadas, a estrada Crato—Icó chegou a ser uma realidade,
pois nela é que vamos encontrar os gemedores carros de bois,
rangendo e rangindo, na expressão de Da Costa e Silva, a con­
duzirem as mercadorias que iriam abastecer o nosso comércio.
M as se, no século passado, somente essa simples rodagem para
carros à tração animal, bastava ao intercâmbio mercantil entre
as principais vilas do Cariri, bem logo se fizeram necessárias
estradas e mais estradas, para nelas veicularem as riquezas do
vale que se tiansformou num celeiro da terra alencarina. A E s­
trada de Ferro de Baturité começou, então, a ser instalada por
esta região, como a redentora do comércio importador e expor­
tador da zona sul cearense, tendo essa via de comunicações e
transportes contribuído, durante longos anos, para o soerguimen-
to econômico de todos os municípios em que os seus trilhos se
estenderam, como medida de salvação regional. Embora esteja,
nos dias presentes, inteiramente superada, a Rêde de V iação
Cearense deve se orgulhar de ter prestado o seu tributo ao ser­
tão cearense, no momento das suas mais angustiosas reivindica­
ções.
Á medida que fôram se alastrando, sertão a dentro, os
automóveis, caminhões, jeeps e outros meios modernos de con­
dução, rodovias ou carroçáveis tiveram que surgir, ora por ini­
ciativa privada, ora sob o patrocínio dos departamentos gover­
namentais. O jeep, por exemplo, além de ter transformado a
peisagem social da gente sertaneja, modificando e imprimindo
novos costumes, tem tido real importância em nossa vida eco­
nômica. Graças a êste veículo, o Cariri está hoje todo entrela­
çado por estreitas vias de comunicações, por onde circulam to­
das as riquezas arrancadas ao sólo fértil e dadivoso, pelas la­
boriosas abelhas que estão a construir a grandeza dêste pedaço
de chão que honra o Ceará.
Apesar das tortuosas estradas que ziguezagueiam por
todos os recantos dêste vale, ligando sítios e fazendas às prin­
cipais cidades desta região, ainda muito tem de se fazer no se­
tor rodoviário. Precisa o Caiiri de modernas estradas tipo
centrais, em número inumerável, na forte expressão de Rui Bar­
bosa, para que os nossos produtos sejam escoados nas épocas
oportunas, e possa, desta maneira, recrudescer mais ainda o in­
tercâmbio comercial entre todas as unidades municipais, que se
estendem por toda a extensão territorial da zona sul do Estado
do Ceará.
34 1 í AY T E R A

H ISTO RIA DAS SEC A S - A COLEÇÃO


IN ST IT U T O DO CEARÁ, de Fortaleza, continua a
prestar grande serviço à nossa terra, com a Série «HIS­
T O R IA DO CEARÁ.» Agora mesmo, pela Editora A.
Batista Fontenele, lançou «H ISTORIA DAS SECA S»
(2o volume), de autoria de Thomaz Pompeu Sobrinho,
das mais sólidas culturas do Ceará atual e pertencente
a uma geração de inteligências privilegiadas da gleba
cearense.
A SPIR A N TES D E 1959. Recebemos o benfei-
to opúsculo, editado pela Imprensa Universitária do
Ceará, sob o titulo «A SPIRA N TES DE 1959.» São
os discursos pronunciados no C.P.O .R., por ocasião da
recepção de espadas da turma do corrente ano. O Pa­
trono foi o grande jurisconsulto cearense, que fêz seu
centenário de nascimento neste ano, em festas em todo
o Brasil. O paraninfo foi nosso conterrâneo Cel. Rai­
mundo Teles Pinheiro, então comandante da corpora­
ção e ora no Rio. Tanto a oração de Paraninfo, como
a do Major Mario Miquelino Cunha, e do aspirante
Antonio Oton Pires estão bons e cheios de ensinamen­
tos cívicos.
C O N FERÊN CIA DO ESC R IT O R G U ST A V O
BA RRO SO . O Instituto Cultural do Cariri teve outra
noite de triunfo, com a magnífica conferência pronun­
ciada pelo escritor cearense, de nomeada internacional—
Gustavo Barroso. Está o autor de «Terra do Sol» em
plena pujança intelectual e, pela sua simplicidade de
expressão e conceitos emitidos, soube prender o auditó­
rio da Radio Educadora do Cariri, na noite de primei­
ro de Setembro, do corrente ano. cerca de uma hora.
O ilustre membro da Academia Brasileira de Letras,
convidado do I.C.C. foi saudado pelo consócio Cel,
Raimundo Teles Pinheiro em sessão realizada no auditó­
rio daquela possante emissora, gentilmente cedida pelo
diretor Pedro Gonçalves de Norões. Foi presidida pelo
Exmo. Snr. D. Francisco de Assis Pires. A memorável
sessão foi irradiada.
ITAYTERA 35

BOLETIM DO ROTARY CLUBE


Estam os recebendo regularm ente o BO LE-
T IM DO ROTARY CLUBE DE CRATO. Traz o mo­
vimento de suas diversas reuniões e comprova os
benefícios que faz em prol da coletividade cra-
tense. O atual presidente do Clube de Crato é o
veterano sócio do I. C. C. - Snr. Orestes Costa.

A BANDEIRA DO CEARÁ
Ofertado ao nosso presidente pelo intelec­
tual Mario Linhares que passou alguns meses em
Fortaleza, vindo do Rio onde reside, recebemos «A
BANDEIRA DO CEARA», de nosso sócio corres­
pondente Manuel Albano Amora. É um trabalho
contando a história da Bandeira do Ceará, escrito
com aprumo e inteligência. Foi editado em opús­
culo pela Im prensa Universitária do Ceará.

FOLHAS SEM DATA


O Prof. José Newton Alves de Sousa, pre-
faciador do livro, ofertou-nos da jovem poetisa
bahiana NORMA MORAIS - «FOLHAS SEM DA­
TA». Trata-se de uma inata artista do verso, que
nos deixa embevecido com a leitura, do começo ao
fim . E a poetisa da simplicidade e escreve com a
alm a ainda de criança. Vejamos am ostra:

«PASSOS NO CORREDOR
Um sapato fez barulho
no corredor longo
e acordou o silêncio.
Uns passos fizeram reviver uma esperança,
alim entar uma ilusão,
renascer o amor,
povoar uma lembrança.»
36 ITAYTERA

B O L ET IM BIB L IO G R Á FIC O DE MOS-


SORÓ. Mossoró é dos centros culturais mais adianta­
dos do Nordeste Brasileiro. Poucas cidades editam mais
livros do que ela. A Prefeitura mantem Diretoria de
Divulgação, Ensino e Cultura. Só a COLEÇÃO M O S-
SO R O E N SE editou mais de 50 livros, tendo a Munici­
palidade, como principal incentivadora do movimento in­
telectual que abrange, desde os assuntos científicos aos
literários e estudos de folclore. Alí há entidade, com
programa quase idêntico ao nosso, onde p o n t i f i c a m
VIN G M -Un Rosado e outros, é o Instituto Oeste Po­
tiguar.
«JANGADA». JANGADA éonome bem sim­
bólico da bem feita revista porto-alégrense, orgão oficial
do «CLUBE Nordestino.» agremiação para defesa e con-
graçamento da gente do Nordeste, no Rio Grande do
Sul. É dirigida por J. Batista Rego. Aquêle Clube, dig­
no de ser imitado noutras capitais sulinas, é também o
elo de aproximação e de amizade entre gaúchos e nor­
tistas, dentro de verdadeiro espirito de brasilidade.
O LANÇAMENTO DO QUARTO NÚME­
RO DE «ITAYTERA». O quarto número de «ITA Y-
TERA » foi lançado solenemente em jantar promovido
pelo R O T A R Y CLUB D E CRA TO , no dia 14 de No­
vembro de 1958. no C RA TO PALACE H OTEL. A
revista foi apresentada em ligeiras palavras pelo nosso
presidente J. de Figueiredo Filho e o Instituto recebeu
a homenagem por mais aquela vitória do esforço e da
inteligência, em alocução fluente de Moacir Mota, dos
principais intelectuais da Região. O Presidente do Ro-
tary — Dr. Jefferson de Albuquerque e Sousa fechou
a reunião litero-social com palavras de incentivo aos
promotores de IT A Y T E R A que tanto acolhida tem ti­
do no Nordeste e noutros pontos do Brasil.
MAXIXES i MflLflBflRES
(EPISÓDIO INÉDITO DA HISTÓRIA
POLÍTICA DO CRATO)
Escreveu: José de Figueiredo BR ITO
I
Dr. Antônio Pinto Nogueira Acióli
No ano de 1889, quando caiu a Monarquia, já era am­
pla a agitação partidária no Ceará a qual se tornou mais intensa
ao vigorar o novo regime que, sendo republicano, conferiu aos
publícolas francas liberdades para o desenvolvimento de sua
pregação democrática. Precisavam os novos governantes de cres­
centes facilidades para procederem à reforma da vida pública e
consolidar o sistema liberal no Pais, e seria fomentando as
competições partidárias e propiciando aos dirigentes políticos
extensa liberdade de pensamento, palavra e ação, para esclare­
cimento do povo, que alcançariam essas facilidades.
O s partidos políticos mais atuantes no campo nacional,
provindos do Império, eram o Conservador e o Liberal—aquele
alcunhado ca ra n g u ejo e êste ch im au g o. No Ceará seus repre­
sentantes se subdividiam e operavam em «grupos», uns digladi-
ando-se sob a bandeira conservadora e outros sob o pendão li­
beral, O s «grupos» conservadores eram os m iúdos e graúdos
e, os liberais, eram os p au las e pom peus. cada qual chefiado
por políticos influentes. Com o evoluir da República êsses «gru­
pos» foram-se aglutinando, reconciliando-se dissidentes liberais e
coalizando-se conservadores e liberais, amálgama de que origi­
nou-se o Partido Republicano, chefiado pelo dr. Antônio Pinto
Nogueira Acióli, que, assim alicerçado, passou a escrever longa
e «personalíssima» página na história política do Ceará.
O dr. Nogueira Acióli elegeu-se senador a 20 de maio
de 1889 e, logo após, Io Vice-Presidente do Congresso Esta­
dual, assumindo, a 12 de julho de 1892, a presidência do Esta­
do, mediante a renúncia do sr. Benjamin Borroso. A 27 de
agosto do mesmo ano passou o govêrno ao tenente-coronel Be^
zerril Fontenele, sendo sua gestão de apenas 46 dias, enquanto
que êste oficial administrou até 12 de julho de 1896, data em
que voltou ao govêrno o dr. Nogueira Acióli, eleito pelo voto
58 1TAYTERA

popular nas eleições de 1 1 de abril daquele ano para o quadri-


ênio 1896— 1900. Começou em 1896, portanto, a famosa traje­
tória política aciolina de dezesseis anos...
Nesse tempo encontrava-se na presidência da República
o dr. Campos Sales que então instituiu, a bem da estabilidade
de seu govêrno, a célebre «política dos governadores», calcada
em vasta permuta de favores. Os presidentrs estaduais lhe pres­
tavam inteira solidariedade e, em troca, dispunham de todos os
cargos federais nos Estados e de completo apôio moral do po­
der central.
Os poderes estaduai3 de tal modo ligados ao poder fe­
deral, visando a uma política de integral apôio mútuo ou de um
por todos e todos por um, não tardaram a se tornar prepoten­
tes e a administrar pela fôrça. Os presidentes nordestinos, em
pouco tempo, se transformaram em poderosos chefes de oligar­
quias palacianas, incentivaram no interior o nepotismo político e
criaram nos municípios filia is olig árq u iras fortemente prote­
gidas. Tamanha era sua fôrça feudal que os partidos que che­
fiavam perderam as denominações origi ais, akunhando-se com
os seus sobrenomes mais conhecidos, como aconteceu no ^ eará,
onde o Partido Republicano passou a ser popularmente chama­
do «Partido Aciolino».
O dr. Nogueira Acióli, assim conduzindo sua política,
conseguiu consolidar, logo nos primeiros anos, a chamada «oli­
garquia aciolina», que lhe ensejou comandar os partidos e go­
vernar autocràticamente durante mais de três lustros. Em 1900,
terminado o seu mandato executivo, elegeu-se novamente sena­
dor e elegeu seu candidato à presidência do Estado, dr. Pedro
Augusto Borges, que governou ao compasso de sua batuta até
1904. Nas eleições de 12 de julho de 1904 o dr. Nogueira Aci­
óli elegeu-se, pela segunda vez, presidente do Estado, reelegeu-
se em 1908 e governou até 1912, quando foi deposto, findando
aí sua carreira política,
II
Cel, José Belém de Figueiredo
Existia em cada comuna, como jã ficou entendido, uma
oligarquia-mirim, caudatária da «oligarquia aciolina» ou emba-
sando a estrutura desta. Em Crato havia a «oligarquia belenis-
ta», mais forte do que as demais do interior e chefiada pelo
coronel José Belém de Figueiredo. Cindida em 1903 e deposto
seu chefe era 1904, pela ala dissidente, sucedeu-lhe a «oligar­
quia pequenista», menos prepotente, chefiada pelo coronel An­
tônio Luiz Alves Pequeno e derrubada pelo voto em 1928. A-
quela teve uma duração ininterrupta de catorze anos (1890—
ITAYTEUA 59

1904) e esta de 22 anos (1904— 1912 e 1914 — 1928), interrom­


pida, como se vê, por espaço de dois anos (1912 a 1914), em
virtude do «golpe de fôrça» dado em 1912 pelo coronel Fran­
cisco José de Brito, que tomou violentamente a Intendência, cu­
jo golpe foi aprovado pelo então ditador Franco Rabelo e teve
efeitos até 1914, quando também foi deposto o referido ditador,
pelos romeiros do padre Cícero.
* *
*
O coronel José Belém de Figueiredo, nascido a 31 de
janeiro de 1853 na fazenda «Exú», município de Milagres, Esta­
do do Ceará, e casado com d. Maria de Oliveira Rocha, filha
do capitão Luiz Inácio de Oliveira Rocha, da fazenda «Santa
Catarina», daquele município, viveu da agricultura até a idade
de 23 anos, quando foi morar na cidade de Milagres a fim de
explorar o comércio. Em 1885, já com 32 anos de vida, mu­
dou-se para o Crato onde associou-se ao seu irmão, coronel
Antônio Belém de Figueiredo, sob razão social de Belém & Ir­
mão, estabelecendo-se à rua Formosa n° 55, hoje Santos Du-
mont (local ocupado atualmente pelo sr. Cícero Alves de Souza)
e passando-se depois para o prédio n° 94, da rua Grande ou
do Comércio, hoje João Pessoa, onde se encontra o «Armazém
Recife», do sr. Elias Martins de morais. Neste último ponto a
firma negociou até 1899, quando foi dissolvida, retirando-se o
coronel José Belém e continuando com o negócio, até 1920, o
coronel Antônio Belém.
A despeito de sua rudimentar instrução, porém mercê
de regular inteligência e um pouco de visão do futuro, o coro­
nel Jo^é Belém tratou, logo ao chegar, de fazer relações de
amizade com os cratenses mais destacados, principalmente com
os chefes políticos situacionistas, coronéis José Antônio de F i­
gueiredo (não era seu pareDte), Ildebrando Sisnando Batista,
Raimundo Gomes de Matos, Pedro José Gonçalves e outros
simpatizantes da campanha republicana. Tais amizades foram o
ponto de partida de sua tumultuosa carreira política.
Nessa época já se desenrolava com violência a luta pe­
la derrubada da Monarquia e era avassaladora a confusão rei­
nante no País. O coronel José Antônio de Figueiredo, membro
mais influente do situacionismo cratense e adepto recatado do
movimento renovador, sentia-se apreensivo face à dúvida que
nutria sôbre o desfecho do aludido movimento e, então, achou
de bom alvitre e oportuno caiocar como delegado de polícia da
cidade um cidadão enérgico e hábil, que se fosse projetando
na política e se credenciando como principal responsável pelas
atividades anti-monarquistas locais. Viu, pois, na pessoa de seu
particular amigo, coronel José Belém de Figueiredo, o homem
40 iTAYTfcftA

fadado a esse cometimento e o convidou, com êxito, a aceitar o


cargo, indicando-o ao presidente e obtendo sua imediata nomeação.
O coronel Belém se manteve nessa função policial de 1888 a
1892, atravessando 3 em embaraços o momento histórico da pro­
clamação da República e coseguindo, no último quartel da ges­
tão, sua inclusão na Guarda Nacional, como capitão.
Em 1892, ao se aproximarem as eleições para o Con­
gresso Estadual, era ainda muito instável o regime republicano
tantos eram os golpes e contra-golpes que se davam no plano
federal. Diante disto, o coronel José Antônio se deixou vencer
novamente pelo receio, prevendo uma reação dos remanescentes
monarquistas, e, em consequência, a irrealização do pleito e a
restauração do Império. O coronel Belém, que se vinha condu­
zindo fiel e sensatamente como delegado de polícia, mais uma
vez tranquilizou seu amigo José Antônio, aceitando, a convite
dêste, a nomeação de intendente municipal do Crato (prefeito)
sob a condição de, meses depois, renunciar ao cargo em favor
do seu citado amigo c voltar à delegacia de polícia. Sabia o
coronel José Antônio que, se o pleito decorresse em paz, ficaria
a República definitivamente firmada e podería retomar, sem
mais receios, o fio de sua política e da administração municipal.
O coronel Belém havia organizado no decurso de sua
gestão policial, provàveimente depois de nomeado capitão, uma
Guarda Local numerosa, bem vestida e bem armada, bastante
superior a atual Guarda Municipal, e, para comandá-la, madara
buscar em Milagres seu velho amigo Jesuino Antônio de M a­
ria, conferindo-lhe o pôsto de alferes e de comandante da mes­
ma Guarda e nomeando, para exercer a função de delegado, o
sr. Domiciano Ferreira Lima, cidadão sensato que, em 1903,
talvês por descordar de certos desmandos da polícia, rompeu
com o coronel Belém e, sentindo-se desgarantido, foi embora
para o Piauí, donde só regressou em 1904. Seu substituto foi
o sr. Pedro Custódio, que melhor harmonizou-se com o alferes
Jesuino,
A 24 de novembro de 1892 (seis meses depois de no­
meado intendente), foi o sr. Belém, ora capitão, elevado à cate­
goria de coronel comandante superior da Guarda Nacional da
Comarca do Crato, posição de grande importância na época e
muito favorável ao desenvolvimento de sua política. Intendente,
coronel de uma Guarda federal com credenciais superiores na
comarca e Já desfrutando de especial confiança da parte do
chefe supremo da política estadual—dr. Nogueira Acióli—estava
suficientemente aparelhado para preparar seu futuro político.
Inteligente, tanto soube antever seu largo roteiro quanto calcu­
lar a reação de seus chefes locais que, oportuna mente, haveriam
1TAYTERA 41

de perceber sua fôrça organizada e sua ascensão política, não


se conformando em passar de comandantes a comandados ou à
chefia de um seu comandado. E não perdeu tempo. Sem alar­
des e para melhor assegurar sua resistência e vitória contra
seus chefes, promoveu o alferes Jesuino ao pôsto de capitão
da Guarda Local e deu-lhe farto armamento.
Apezar do sigilo que cercou essas medidas, o coronel
José Antônio percebeu a trama e agiu incontinente, cobrando
de seu preposto a convencionada renúncia mas o coronel Belém,
já decidido a permanecer na intendência e convicto de que ali
fôra colocado como isca num momento de perigo, respondeu-lhe
categoricamente: «não pedi para ser intendente e, como aqui já
estou, aqui fico». O coronel José Antônio sentiu-se amargurado,
mas, sendo prudente, conformou-se com a rebeldia de seu pro­
tegido e concorreu para que os demais chefes aciolinos do
Crato também se resignassem. Apelaram os chefes derrotados
para a marcha dos acontecimentos, visando a retomada pacífica
do poder, porém êsses lhes foram cada dia mais ingratos, Se
em 1896 a influência política do Coronel Belém já era de tal
sorte decisiva, em 1900 já parecia invencível.
Assim vitorioso no seu arriscado golpe político e re-
ceiando a eventualidade de uma «revanche». tratou o coronel
Belém de acercar-se de maiores garantias, submetendo ao seu
controle pessoal os pontos-chaves da política municipal —
Justiça, Câmara, Polícia e Fisco. O clero, reconhecendo a evi­
dência de sua nascente porém elevada fôrça, não hisitou em
amoldar-se às suas diretrizes, não lhe movendo qualquer reação.
E assim ficou plantada, em sólidas bases, sua oligarquia.
O capitão Jesuino, seu fiel e melhor servo, passou, como co­
mandante da Guarda, a exercer o papel mais saliente no concêr-
to da autocracia-mirim, atemorizando o povo com a sua arbitrária
polícia e o reduzindo a um passivo rebanho do poderoso chefe
cratense. Suas diligências no período 1892 — 1896, entretanto,
não foram além de encenações de prepotência sem resultados
trágicos, com o objetivo de despertar e obrigar o povo a reco­
nhecer e aceitar o novo comando supremo das fôrças políticas
municipais.
Ao se ferirem as eleições de 1896, executadas à bico
de pena como era a praxe na época (supra-sumo da fraude), o
coronel Belém poude dar, dessarte, ao candidato à presidência
do Estado, dr. Nogueira Acióli, a maior parte da votação mu­
nicipal, fazendo jús a sua continuação na intendência e gran-
jeando maior apôio estadual a< s seus desígnios autocratas. Foi
nesse quadriênio (1896— 1900) que sua projeção política, incen­
tivada pelo presidente Acióli, transpôs as fronteiras do Crato,
42 1TAYTERA

extendeu-se sôbrc todo o Cariri e o situou como árbitro supremo


da política regional.
Em 1899, como já ficou dito, o coronel Belém deixou
o comércio e dedicou-se, ao lado da sustentação de sua vigo­
rosa política, à agricultura e à criação de gado, possuidor que
já era dos bons sítios «Matinha», «Sossego» e «Pimenta», locali­
zados nos subúrbios de Crato, e da grande fazenda «Serra
Verde», pertencente naquele tempo a êste município e hoje ao
de Caririaçú e que fôra constituída pela reunião das posses de
terra denominadas «Guedes», «Trapalhada», «São Bento», «São
Domingos», «Cruz», «Serra dos Cavalos», «Bom Jesus», «Currais
Velhos» e «Serra Branca», representando uma frente de mais de
duas léguas. Nesta fazenda construiu êle, antes de 1900 e sem
auxílio estadual, o maior açude particular do interior cearense
que ainda hoje está seguro e irrigando muitas tarefas de terra.
O ano de 1900 encontrou o coronel Belém nessa privi­
legiada situação político-financeira, razã por que poude contri­
buir, nas eleições do mesmo ano, com maior votação do que
antes para a eleição dos candidatos republicanos à governação
estadual e à senatória, — drs. Pedro Augusto Borges e No­
gueira Acióli, respectivamente — e eleger-se 3o Vice-Presidente
do Estado, ficando asseguradas por mais quatro anos (1900—
1904), sua tutela sôbre a intendência do Crato e sua ascendên­
cia sôbre a política do Cariri. Passou a «oligarquia belenista»,
dessa maneira, a representar o ramo mais forte da frondosa
árvore oligárquica aciolina.
O dr. Nogueira Acióli, então comendador, triunfando
totalmente nas eleições de 1900, viu-se mais seguro no seu pôs-
to circunstancial de chefe ecumênico da política cearense e ado­
tou, como um infalível, a «política dos fatos consumados» ou
da fôrça acima da Lei, imitação grosseira da «política dos go­
vernadores». Fundamentava-se essa «política» no fato consumado
da superioridade de fôrça demonstrada por um chefe sertanejo
em luta armada contra outro, sendo reconhecido e apoiado
pelo seu govêrno aquele que levasse a melhor no embate, o
que vencesse e se apoderasse da intendência. Esse reconheci­
m en to era adotado também para os pleitos eleitorais, sendo o
bicho-papão dos contendores municipais que, ao terminarem a
apuração dos votos, transmitiam o resultado ao chefe Acióli e
ficavam na expectativa de seu pronunciamento. Às vezes era
reconhecido e autorizado a assumir a intendência o candidato
derrotado. Se o vencedor no pleito, entretanto, não se confor­
masse e o derrubasse pelas armas, o dr. Acióli reconhecia,
então, êste, por haver demonstrado maior fôrça. Aliás, nos mu­
nicípios onde se dava cisão do Partido Aciolino, os chefes dis-
ITAYTERA 43

sidentes continuavam sob a chefia aciolina, brigando e servindo


a um só patrão.
Diante dessa orientação realista da política aciolina, ca­
da chefe político do interior transformou-se num caudilho, num
chefe de numerosos capangas mantidos como agregados de suas
fazendas e, disfarçadamente, como funcionários municipais. Suas
residências, citadina e rural, eram verdadeiros arsenais nos
quais existiam quartos contendo grande quantidade de armas
(rifles, combla ns, manouliches, clavinotes, etc), devidamente mu­
niciadas, havendo ao lado muitos cunhetes recheados de balas
e em cada arma uma cartucheira completamente carregada. Ao
toque do búzio (grande chifre de boi), a cabroeira chegava e ia
pegando as armas já preparadas para a ação. Ao lado disto
tinham os caudilhos, como gestores municipais permanentes, na
séde da comuna, uma numerosa e bem armada Guarda Cívica,
constituída de cabras valentes e perversos e representando a
e lite de seu bando. Por isso, os intendentes mantinham a seus
pés os demais poderes locais. As decisões judiciárias afinavam
com a sua vontade; os edis assinavam de cruz as atas da C â­
mara; o clero ou os ajudava ou não os combatia e o fisco so­
brecarregava os adversários e pouco arrecadava dos situa­
cionistas.
U coronel Belém, ao conquistar a condição de chefe do
caudilhismo regional não teve, como no início de sua política,
habilidade suficiente para conduzir firme a grandeza alcançada,
que parece haver ultrapassado o limite de sua capacidade de
direção. Nessa altura de seu prestígio cabia-lhe, a bem da se­
gurança e longevidade de seu poder, promover a cessação dos
atos de arbitrariedades de sua polícia, pois, sua imensa força
material e influência política eram bastantes para manter o po­
vo cratense submisso ao seu partido. Entretanto não compreen­
dendo, talvês, o momento psicológico para se tornar popular,
não conteve os excessos de seus soldados e estes, aos poucos,
foram aprofundando seu govêrno na prepotência e gerando a
conspiração coletiva. A revolta surda do povo teve curso pro­
gressivo durante os anos de 1901, 1902 e 1903, extremando-se
na derradeira quadra dêste último ano e convertendo-se em re­
belião nos meados de 1904.
« *
*
Iniciava-se o segundo semestre de 1903 quando o coro­
nel Belém percebeu que os alicerces de sua obra estavam arrui­
nados, tantos eram os protestos dos oprimidos e o alastramento
das censuras populares aos crimes da polícia que, vez por ou­
tra, fazia prisões injustas surrava pessoas de certa representa­
ção social e até praticava homicídios como fez com o rapazinho
44 ITAYTERA

Sinobilino, que foi injustificàvelmente assassiDado no atual sítio


Buenos Aires e conduzido, atravessado numa cangalha, pela rua
central do Crato.
Convencido do enfraquecimento de seu poder e recei-
ando a inexorabilidade da «política dos fatos consumados», re­
solveu o coronel Belém impressionar o povo e seus chefes for-
talezenses com uma extraordinária demonstração de prestigio,
realizando um suntuoso banquete político no Crato. Tal banque­
te teve lugar a 6 de setembro de 1903, em sua residência à
Praça da Sé n° 64, oficialmente oferecido ao prestigioso chefe
de Milagres, coronel Domingos Furtado, e, oficiosamerte. aos
demais chefes políticos da área de sua supervisão - coronéis
Antônio de Santana, de Missão Velha: Roque de Alencar, de
Santana do Cariri; Joaquim Alves da Rocha, de Jardim: Antô­
nio Mendes, de Assaré; Basílio Gomes da Silva, de Brejo San­
to: Marcolino Alves, de Quixará, e padre Lacerda de Saboeiro.
Todos êstes chefes, cada qual capacitado a mobilizar centenas
de homens, compareceram ao banquete, se confraternizaram e
ostentaram incondicional solidariedade ao coronel Belém.
O àgape decorreu animadíssimo, crivado de discursos
elogiosos ao senador Nogueira Acióli, ao presidente Pedro Bor­
ges, ao coronel Belém, ao coronel Domingos Furtado e aos de­
mais chefes presentes, destacando-se entre os oradores, pelo seu
entusiasmo e maior fluência, o dr. Manuel Peixoto de Alencar,
genro do coronel Belém e Juiz de Direito da comarca.
Encerrado o banquete, vários telegramas foram expedi­
dos para Fortaleza, transmitindo aos chefes aciolinos estaduais
e à imprensa os resultados da festa política. Eis alguns dêsses
despachos:
—«Realisado banquete político offerecido coronel Do­
mingos, temos satisfação enviar communicação im-
menso júbilo, congratulando-nos com VExcia. auspi­
cioso acontecimento confraternisação partido zona Ca-
riry —José Belém, Domingos Furtado, Antonio Sant’-
Anna, Padre Lacerda, Rocha, Basilio Silva, Mendes,
Roque, Marcolino».
—«Partido regosijo immenso confraternisação chefes
cariryense 9. Reina delirio. Seudações. Viva a Repu­
blica!—Peixoto de Alencar, Juiz de Direito».
Quase todos os chefes telegrafaram, ainda, em seu no­
me individual.
Á noite houve profusa queima de fogos de artifício. Um
dos fogos «representava uma tela do valle do Cariry salpicada
de estrellas, figurando os diversos municípios daquela importan­
te região, tendo ao lado um retrato do senador Accioly; outro,
uma tela tendo ao centro ura retrato do chefe republicano ro­
deado de afabescos». Seguiu-se animado baile.
À «Republica», de Fortaleza, datada de 9-9-903, assim
noticiou o acontecimento:
«Realisou-se ante-hontero, na cidade do Crato, o ban­
quete offerecido ao nosso amigo coronel Domingos Fur­
tado, chefe de Milagres, pelo nosso amigo coronel José
Belem. chefe daquelle município e 3o Vice-Presidente do
Estado. A essa festa, da mais alta significação política,
compareceram os prestigiosos chefes locais dos diver­
sos municípios do Catiry, affirmando assim a mais es­
treita s lidariedade com os alevantados intuitos do gran­
de e forte partido que no Ceará obedece à patriótica
orientação do nosso egregio chefe senador Accioly»'
Apezar dêsse aparato de confraternização entre podero­
sos chefes da zona, numa ostentação de sólido reforço ao po­
der do coronel Belém, não arrefeceram os cratenses na sua rea­
ção ao despotismo belenista, especialmente porque, depois do
banquete, a Guarda Local recrudesceu sua ação terrorista. Os
oprimidos, em consequência, amiudaram seus protestos junto ao
presidente Pedro Borges, ao senador Acióli e à imprensa oposi­
cionista de Fortaleza que, ante os telegramas, desancava sem
rebuços as autoridades estaduais e cratenses. A imprensa do
Rio, particularmente os jornais «O Paiz» e o «Correio da M a­
nhã», secundavam sob manchetes as publicações de Fortaleza,
obrigando o senador aciolino, Joaquim Catunda, a pronunciar
no Senado, sem êxito, longo discurso em defesa das autoridades
cearenses.
De setembro a outubro a tensão política cratense au­
mentou e o capitão Jesuino, sempre à frente de sua Guarda, re­
dobrou a vigilância e não perdeu de vista os elementos mais
audaciosos ou os que começavam a falar abertamente de seus
desmandos e a censurar seu chefe pela impunidade dos mesmos.
Iam as couzas nesse pé quando um grupo de oposicio­
nistas, figuras da melhor sociedade local, deliberou realizar
uma serenata, divertimento muito em uso naquele tempo porém
já quase em desuso no Crato devido a insegurança reinante.
Foi o mesmo que lançar fôgo ao estopim. Transcorria
o dia 7 de novembro de 1903 quando, por volta das 22 horas
dessa data, se reuniram à Praça São Vicente, hoje Siqueira
Campos, os cidadãos Horácio Jácome Pequeno (pai do atual
prefeito do Crato, sr. José Horácio Pequeno), Augusto Alves
da Silva Bacurau, João Evangelista Gonçalves, Pedro Augusto
Pequeno, João Ranulfo Pequeno, Pedro Moreira da Costa, Júlio
Fsmeraldo da Silva, José Tavares Chato, José Montoril, José
46 ITAYTFRA

Bezerra de Norôes, Clodoaldo de Norões Linhares, Pio Carva­


lho, Meton Maia, José de Souza Melo Alfredo Gonçalves,
João Moreira da Costa, Júlio de Norões, Júlio Brizeno e Joaquim
Muritiba. Organizada a função, desceram todos os dezenove pela
rua do Fôgo, hoje Senador Pompeu, cantando Horácio ao som do
violão de Joaquim Muritiba. Ao chegarem no cruzamento da
mesma rua com a Travessa da Califórnia, hoje Bárbara de Alencar,
estacionaram defronte da loja do sr. Francisco da Cruz Neves
(esquina de Tavares & Filho, atualmente) e quando aí estavam
no melhor de sua alegria chegou o capitão Jesuino, acompanha­
do de uns quinze soldados, e perguntou em tom enérgico: «Que
é isso? Passeata ou serenata?» Horácio e Augusto responderam:
«É serenata!» O Capitão Jesuino retrucou, mais enérgico ainda:
«Serenata, não; é passeata!» e, ato contínuo, tomou o violão de
Joaquim Muritiba e quebro-o na cabeça dêste. Um dos cabeças
da seresta, provàvelmente Horácio Jácome, atirou em Jesuino,
iniciando-se então violenta luta entre soldados e seresteiros.
Nos primeiros instantes do atrito correram quase todos
porém Horácio Jácome e Augusto Bacurau continuaram resistin­
do, resultando sair o primeiro com mortal punhalada sôbre os
rins e o segundo com duas punhaladas, cinco balaços, uma per­
na quebrada e profundo golpe na cabeça produzido por coice
de «granadeiro» ou de rifle. O capitão Jesuino e o alferes João
Alves sairam levemente feridos.
Ao fim da refrega os dois serenatistas feridos desceram,
ainda perseguidos, no rumo da Praça 3 de Maio (atual Juarez T á-
vora) e roiearam o quarteirão, indo Augusto bater à porta do
coronel Francisco Zábulon de Almeida Pires (rua João Pessoa,
56) e Horácio à do major Franklin Benjamin de Carvalho
(onde está o Banco de Crédito Comercial), belenista de desta­
que porém h nrado e humanitário, o qual acolheu e protegeu
Horácio, indo em seguida, com seu filho Júlio, buscar Augusto,
que ainda não tinha sido atendido e estava exposto à sanha da
soldadesca furiosa, que o procurava nas imediações. Vários ou­
tros seresteiros já estavam homiziados ali Horácio, ao desatar
o cinto e deitar-se no sofá, não resistiu à hemorragia, falecen­
do incontinente.
Minutos depois de acolhidos os feridos chegaram os
policiais, já rearmados, e tentaram entrar à força para acabar
de matar Augusto, mas, o major Franklin conseguiu contê-los
e demovê-los. Ainda nessa noite foi Augusto Bacurau entregue
aos cuidados médicos do dr. Manuel do Nascimento Fernandes
Távora, que clinicava nos altos do prédio onde funciona a
«Singer», e que o salvou com muita dificuldade.
O alferes João Alves ficou sendo largamente apontado
ITAYTÊUA 47

como o traiçoeiro apunhalador de Horácio Jácome, o que o acu­


sado não contestou até os dias fatídicos da queda de seu chefe,
ocorrido em junho do ano seguinte, como se verá adiante, de­
pois da qual, indo à Fortaleza e voltando como soldado regu­
lar, passou a dizer que o matador de Horácio havia sido o ca­
bra Raimundo Anastácio que, na hora da briga, passara no lo­
cal com uma brida na mão, laçara com esta o sr. Horácio e o
apunhalara. Entretanto, o jornal «Unitário», de 31-5-1904, publi­
cou o seguinte: «Engajou-se, logo no Crato, como soldado de
polícia, vindo também no trem de hontem, o alfares João Alves
que pertencia à guarda local d’alli e o mesmo que apunhalou
Horácio Pequeno...»
Seguiu-se a êsse conflito maior animosidade contra o co­
ronel Belém, agravada com a imediata cisão do Partido Aciolf-
no no Crato pois que as famílias das vítimas, incentivadas pela
já extensa revolta latente do povo, conseguiram que o abasta­
do comerciante local, coronel Antônio Luiz Alves Pequeno, a-
político, primo de Horácio Jácome e parente do senador Acióli,
rompesse todos os seus laços de amizade com o coronel Belém
e assumisse a chefia de uma oposição de grande porte contra
o mesmo. Telegramas foram trocados entre o coronel Antônio
Luiz e o senador Acióli, insistindo êste pela reconciliação mas
o resultado foi a manutenção da cisão e ficar Acióli como che­
fe das duas correntes em luta.
Contando agora com um chefe por todos os títulos res­
peitável e decidido a qualquer forma de luta, os oposicionistas
passaram a agir com mais energia e desassombro, conquistan­
do novos adeptos, particularmente os neutros e indecisos, e en­
grossando consideravelmente suas fileiras. Quebrada a barreira
do receio e do medo, as adesões foram chegando sucessiva e
ostensivamente de maneira que, meses depois, o movimento re-
belionário passou a inquietar sèriamente o poderoso chefe situ­
acionista, especialmente quando, em consequência disto, suas
hostes começaram a enfraquecer ante desserções de amigos,
como a do coronel Nelson da Franca Alencar, cunhado de
Horácio Jácome e chefe de importante família, o qual, em prin­
cípios de 1904, aderiu ao coronel Antônio Luiz. Essa adesão
foi tão desastrosa para o coronel Belém quão preciosa para o
coronel Antônio Luiz porquanto o coronel Nelson, além de ocu­
par a posição estratégica do Lameiro, quase nos subúrbios de
Crato, era rico e estava apto a mobilizar ali mesmo dezenas de
homens.
A fôrça local do coronel Belém ficou, assim, circunscri­
ta a sua própria família, aos órgãos oficiais e a um grupo de
amigos menos expressivos, valendo-lhe todavia como principais
48 ITAYTERA

esteios a Guarda Local e a solidariedade dos chefes políticos


da zona que estiveram no banquete.
Nessa altura das hostilidades e em consequência de
uma passeata em que moças e rapazes da oposição conduziam
na lapela um pequeno maxixe, os partidários do coronel Belém
apelidaram os partidários do coronel Antônio Luiz de M A X I­
X E S e êstes, em represália, alcunharam aqueles de MALABA-
R E » . Com êstes cognomes ambas as correntes passaram para
a história.
Sob o terror policial de um lado e a reação aberta do
outro alcançou o Crato o ano de 1904. Os m alab ares não re­
cuavam e os m axixes ardiam na obstinação de derrubar a qual­
quer preço o poder belenista, para desforra de tudo que se ti­
nha passado, e, assim exaltados e irreconciliáveis, seguiram o
seu roteiro lógico: a preparação para a luta armada. Nesse afan
passaram os primeiros meses do ano, comprando armas e mu­
nições, aliciando cangaceiros e se aprestando para a decisão vio­
lenta do litígio. Os jornais de Crato e Fortaleza, por seu turno,
acirravam a animosidade.
Enquanto isso o senador Acióli, oráculo do presidente
e juiz supremo da questão, nada decidia e apoiava equitativa-
mente os dois grupos antagonistas, dando a cada qual idêntica
esperança no seu disputado veridíeto. Amigo tradicional do co­
ronel Belém e parente do coronel Antônio Luiz, ambos igual­
mente fortes, achou melhor embromar e esperar o momento
oportuno para enquadrá-los na «política dos fatos consumados»...
Nas eleições de abril cada grupo elegeu sua câmara de
vereadores e a expôz à aprovação do senador e do presidente,
ficando indefinidamente na expectativa de sua decisão. A que
fosse aprovada passaria a representar a legalidade no Crato e
a ser apoiada, inclusive o grupo que a elegera, por ambos os
chefes estaduais. Depois de muitos dias e muita embromação o
presidente declarou nulas as duas.
Após êsse ato de anulação das câmaras e uma vêz balda­
das as intervenções diplomáticas dos citados chefes para o apazi­
guamento das hostilidades, o presidente mandou para o Crato o
capitão de p Iícia João Fonteles, amigo do coronel Belém, a fim
de agir como delegado especial e ma' ter a ordem. Sabedor do
fato, o coronel Antônio Luiz telegrafou ao senador Acióli exi­
gindo a demissão de Fonteles e pedindo fosse o mesmo substi­
tuído pelo seu amigo major João Arrais, no que foi atendido.
Igualmente avisado da substituição, o coronel Belém telegrafou
então ao presidente exigindo a demissão do major João Aarrais.
Dadas as dificuldades de comunicações e enquanto se processa­
va essa troca de telegramas os dois delegados nomeados e de-
ITAYTEkA 49

mitidos, sera nada saberem, varavam os sertões com destino ao


Cariri e o resultado foi que, ao chegarem a Crato, encontraram
ordem para regressar e voltaram juntos para Fortaleza, depois
de se banquetearem com seus respectivos chefes cratenses.
Durante os dias da penosa e longa viagem dos dois
oficiais, os jornais adversários cratenses se chacoteavam, publi­
cando quadrinhas irreverentes. Quando foi anunciada a vinda
do major João Arrais, o jornal m axixe, «Sul do Ceará», estam­
pou:
«Da razão vem o direito,
Do direito vem o bem.
Responde, Sipaúba:
— Arrais vem ou não vem?»
«Sipaúba» era o Juiz de Direito.
Quando chegou a demissão do major João Arrais, o
jornal m a la b a r, «Cidade do Crato», vingou-se com a seguinte
resposta:
«Nem tudo que brilha é ouro,
Nem tudo que tomba cai.
Responde, Antônio Pedelho:
— Arrais vai ou não vai?»
«Antônio Fedelho» era o coronel Antônio Luiz.
Depois do regresso dos oficiais e dada a impassividade
e indecisão dos chefes estaduais, diante da gravidade da ques­
tão cratense, os aprestamentos bélicos evoluiram e a situação se
agravou sèriamente. Nos últimos dias de maio começou o govêr-
no a ser advertido com telegramas como êstes:
De Barbalha—«os dois partidos Accioly no Crato
estão dispostos medirem as forças. São grandes os
preparativos e inevitável o desastre. Coronel Manuel
Ribeiro se poz ao lado de Antônio Luiz».
De C rato—«Juiz de Direito aliciando cangaceiros por
parte do Cel Belem. Estamos preparados defender
nossas vidas. Comunique Saldanha. Alarme geral.
Amigos dispostos».
Nesse ínterim o coronel Belém foi à Fortaleza sugerir
condições para a solução da dissidência mas voltou sem decifrar
o enigma da irresolução de seus chefes. Só lhe restava mesmo
uma alternativa: aceitar o desafio de seus adversários e medir
com a deles a sua fôrça.
O coronel Basílio Gomes da Silva, de Brejo Santo, sen­
tindo a gravidade da situação, prevendo o fracasso de seu com­
padre e amigo Belém e desejando salvá-lo, veio a Crato e
deu-lhe o seguinte conselho: «Compadre Belém, política não é
50 ITAYTBRA

bem de raiz. Entregue a intendência ao nosso amigo Nelson


(Coronel Nelson da Franca Alencar), que é parente de Antônio
Luiz, tudo acabará e você continuará de cima». O coronel Be­
lém, descordando formalmente da sugestãn, respondeu-lhe, inci­
sivo: «Seria muito bom! Trabalhar o feio para o bonito comer...»
Ao entrar o mês de junho cada parte cuidou de aumen­
tar o seu bando de capangas, extendendo ao Estado de Per­
nambuco o aliciamento de cabras valentes e treinados em brigas,
que eram frequentes na região do Pajeú entre os Pereiras e os
Carvalhos. De Flores recebeu o coronel Belém, enviados pelo
coronel Antônio Pereira da Silva, uns cem cangaceiros, perfa­
zendo com os que já tinha cêrca de trezentos homens armados
e bem municiados. De Vila Bela, atual Serra Talhada, recebeu
o coronel Antônio Luiz, por intermédio de seu primo Monse­
nhor Afonso Pequeno, Vigário daquela Paróquia, e enviados
pelo coronel Antônio Pereira de Carvalho (Antônio Quelé),
igual número de capangas, somando com os que já mantinha
nos seus muros e no sítio Lameiro, um contingente idêntico ao
do coronel Belém. O Monsenhor Afonso Pequeno guiou pesso­
almente, até Crato, o numeroso grupo de homens armados.
Antes da chegada dêsses bandos pernambucanos e num
último esforço para evitar o conflito, intervieram o coronel Ro-
mão Rufino, de Salgueiro; o coronel Antônio Santana, de Mis­
são Velha e padre Quintino Rodrigues de Oliveira e Silva, vi­
gário do Crato, conseguindo que o coronel Belém aceitasse a
proposta do coronel Antônio Luiz para a cessação das hostili­
dades a qual consistia no restabelecimento da liberdade de im­
prensa e do povo. Concertado o acôrdo cada chefe desarmou
seus homens, voltando a cidade à calma, mas, poucos dias
após, o capitão Jesuino reiniciou suas violências, quebrando o
compromisso de seu chefe. Os telegramas que seguem transcri­
tos expressam bem êsses últimos acontecimentos:
Crato, 28—-5 —«Movimento aqui intervieram Vigário
Quintino, coronéis Romão Rufino, de Salgueiro, Sant'
Anna, de Missão Velha, como responsáveis parte Be-
lem que sujeitou-se proposta Antonio Luiz em favor
liberdade povo, imprensa, etc. Qualquer infracção
convicções estipuladas povo pegará armas. Cangacei­
ros evacuaram cidade. Família cratense contínua re­
tirada. Reina calma»
Crato, 27—6 —«Belem rompeu o contrato, prendendo,
espancando, ferindo cidadãos. A Guarda Local inva­
dindo lares; ameaça de incêndio, extermínio. O Cra­
to está dezerto, as familias retiradas para Barbalha,
Joaseiro, Missão Velha, Quixará, Sant’ Anna, São
11 AY í E R A 5i

Pedro, Arraiais, etc. Devido a isto o povo está todo


armado. Uma vez desprezado pelo governo, está
prompto a reagir contra os desmandos gente Belem,
que tem cangaceiros em armas. Povo disposto. Está
iminente a lucta»
Na manhã do dia 27 de junho de 1904, data da expe­
dição do último telegrama em tela, já os dois contendores toma­
vam posição de combate. Havia chegado a hora extrema do
conflito, o momento da decisão sangrenta do litígio, prévia e
matreiramente calculada pelo senador Acióli.
As forças do coronel Belém se concentraram na Praça
da Sé, em frente a sua residência, e se entrincheiraram nas
casas visinhas. As forças do coronel Antônio Luiz se dividiram
em dois cercos, um cingindo a Praça da Sé e outro cercando
a cidade e tomando tôdas as entradas desta, a fim de rechaçar
os auxílios que viessem em favor do coronel Belém, especial-
mente os do coronel Domingos Furtado e do coronel Santana,
que já se aproximavam de Barbalha.
Fechado o cêrco e tomadas outras medidas, iniciou-se
a batalha, atacando Augusto Bacurau os fundos da casa do
coronel Belém e outro comandante de grupo a frente do quartel
da Guarda Local. Durante o dia 27 houve apenas três tiroteios.
No dia 28 os tiroteios foram mais numerosos, contra tôdas as
trincheiras do coronel Belém, não se registando nem avanços
e nem recuos e mantendo-se as fõrças equilibradas. À meia-noite
do mesmo dia os m axixes atacaram com mais energia, travan­
do-se cerrado tiroteio durante mais de meia hora e terminando
nas mesmas condições. Às quatro horas da manhã do dia 29
reiniciou-se com violência o ataque dos m axixes, cessando ao
amanhecer e repetindo-se à miúde até às catorze horas quando
o coronel Antônio Belém de Figueiredo, irmão do chefe entrin­
cheirado, içou um pano branco numa varinha, atravessou a
Praça e penetrou nas fileiras inimigas, sendo prêso e levado à
presença do coronel Antônio Luiz. Diante do ocorrido e tendo
a bandeira branca saido de dentro da casa do coronel Belém,
atacantes e atacados suspenderam o fôgo e ficaram aguardan­
do o resultado.
A paz foi negociada entre aquele emissário e o chefe
da oposição, sob a exclusiva condição de garantia de vida para
os vencidos, e, às dezesseis horas, o coronel Belém capitulou,
sendo levado com sua família e autoridades, escoltados por
Augusto Bacurau e outros, para a casa do coronel Antônio Lui2 .
Depois de assinado o respectivo contrato de rendição incondi­
cional, foram os prisioneiros recolhidos à Casa da Câmara,
cumprindo o coronel Antônio Luiz seu compromisso de garan-
1TAYTERA

tia da integridade física dos vencidos. O capitão Jesuino apro­


veitou o ensejo dos entendimentos e, antes da prisão de seu
chefe, fugiu para Milages.
Afirmam uns porém negam outros que, durante os três
dias de fôgo, não houve mortes, verificando-se apenas alguns
ferimentos leves de lado a lado. Após a capitulação os cêrcos
foram desfeitos e os cangaceiros m a la b a res fugiram livremente
para os matos.
O auxílio do coronel Domingos Furtado, para o coro­
nel Belém, chegou à noitinha, alcançando seus homens a fron­
teira Sul da Praça da Sé e daí voltando às pressas ao consta­
tarem que haviam chegado tarde demais. Se tivessem chegado
ao meio-dia a batalha teria sido mais longa e mais renhida,
porque teriam se deparado com o cêrco de fora, ficando então
abertas duas frentes de combate. Por outro lado, os sitiados
teriam resistido muito mais e talvês até vencido a batalha. O
que motivou a vitória fácil dos m axixes foi o desalento dos m a-
b ares que, cercados há três dias e sem ouvirem o ataque à
retaguarda de seus inimigos, conforme esperavam, suspeitaram
de traição de seus amigos e se entregaram. Seus mantimentos
e munições escasseavam e seus homens eram inferiores em nú­
mero, sendo preferível a capitulação ao morticinio inútil.
O presidente Pedro Borges, ao receber os telegramas
de comunicação sôbre o desfecho da luta, respondeu ao coro­
nel Antônio Luiz que acabava de embarcar, com destino à
Crato, o capitão João Fonteles (amigo de Belém) acompanha­
do de numeroso contingente militar sem, todavia, adiantar o
objetivo de sua missão. O chefe m axixe, desconfiando de que a
missão de Fonteles era reconduzir o coronel Belém à intendên-
cia, telegrafou ao presidente manifestando seu desagrado pela
medida e salientando que receberia bem o major João Arrais.
Vários telegramas foram inútilmente trocados e, ao chegar Fon­
teles em Iguatú, o coronel Antônio Luiz voltou à carga dizendo
francamente ao presidente que receberia Fonteles à bala. O
presidente, receiando que em consequência de um choque dêsse
caráter fosse o Cariri e até o Estado conflagrados, ordenou a
Fonteles que deixasse a tropa em Quixarà (cem soldados) e se
dirigisse sòsinho ao Crato, comunicando ao coronel Antônio
Luiz a contra-ordem dada e recebendo dêste resposta anuente.
Fonteles veio à Crato sòsinho, examinou a situação e voltou
logo à Quixará, dali regressando com a tropa à Fortaleza. De­
ve-se o recúo do presidente tanto à franqueza do coronel An­
tônio Luiz quanto aos conselhos que lhe deram, por telegramas,
os padres Cicero Romão Batista, Moreira Maia, Alencar Peixo­
to e Pedro Esmeraldo.
ITA YTEftA Õò

Após o retorno de Fonteles, serenados os ânimos e


obtido do chefe Acióli o reconhecimento do «fato consumado»
do poder do coronel Antônio Luiz, o coronel Belém foi libertado
com tôda sua gente, indo para Milagres, onde ficou morando
e vindo sempre à Crato administrar seus bens. Sua prisão durou
apenas três dias na Casa da Câmara e cêrca de quinze dias
em seu sítio «Matinha», onde ficou sob ordens e vigiado por
capangas que, vez por outra, detonavam a esmo suas arm as. . .
Ainda por meses esteve Crato sôbressaltada devido às
constantes notícias de que o coronel Belém, de parceria Com o co­
ronel Domingos Furtado, estava organizando um batalhão de can­
gaceiros para atacar o Crato e retomar o poder. Tais notícias
forçaram o coronel Antônio Luiz a manter-se prevenido durante
muito tempo e a prender o coronel Belém duas vezes, para
esclarecimentos, uma em seu sítio «Matinha» e outra em sua
fazenda «Serra Verde», donde veio escoltado por capangas co­
mandados por Augusto Bacurau. Efetivamente, Belém e Furta­
do reuniram, certa vez, uns oitocentos homens e quando esta­
vam de partida para o Crato, foram seguramente informados de
que o coronel Antônio Luiz, prèviamente avisado de seu plano
de ataque, já havia armado mais de mil homens para a defesa da
cidade, o que os obrigou a desistirem definitivamente da proje­
tada marcha sõbre o Crato.
XXX
Apeado violentamente do poder e sacrificado financeira­
mente, devido às enormes despesas da campanha, o coronel Be­
lém passou a enfrentar, dai em diante, uma nova luta—a corri­
da de seus credores sobre suas propriedades. Devia 54.000$000
a Boris, Frères 6 Cia, de Fortaleza, e quase outro tanto a di­
versos e, meses depois, a citada firma francesa arrestou todos
os seus bens e os pequenos credores protestaram contra a uni­
versalidade do embargo, estabelecendo-se o barulho no fôro e na
imprensa. A nova batalha culminou com um acordo em que
Boris libprou os sítios «Matinha», «Sossêgo» e «Pimenta» e ficou
com a fazenda «Serra Verde» para cobertura de seu crédito a
qual ainda hoje lhe pertence. Os três sítios acima mencionados
foram vendidos ao coronel Francisco Zábulon de Almeida Pi­
res, pela quanfia de 25.000$000, que serviu para a satisfação
das outras dívidas.
O coronel Belém, mesmo prejudicado com a venda for­
çada de seus bens, pagou integralmente todos os seus débitos
e, com o dinheiro que sobrou, foi com a família para o Ama­
zonas, onde já residia seu filho mais velho e onde perdeu o
resto de seu recurso na grande crise que em 1908 assolou
aquele Estado. Em 1910, pobre e bastante doente de uma per-
54 1TAYTRRA

na, veio para Fortaleza e ali ficou até 1925 quando faleceu, no
dia 15 de maio daquele ano, após uma prostração de trinta
dias. Viveu 73 anos.
Assim terminou, trágica e melancòlicamente, a poderosa
«oligarquia belenista», gerada pela «oligarquia aciolina» que, em
1912, teve igual sorte. E caiu nos momentos exatos de seu apo­
geu, quando seu chefe comandava a política regional e era 3o
Vice-Presidente do Estado.
O coronel José Belém e seu irmão Antônio Belém dei­
xaram filhos e netos ilustrados (médicos, professores, juristas,
etc), que exercem suas profissões no Ceará e noutros Estados
da federação.
ili
Cel. Antônio Luiz Alves Pequeno
O coronel Antônio Luiz Alves Pequeno (filho de varão
honrado de igual nome, natural do Icó e projetado marcante­
mente na política cratense) nasceu em Crato a 16 de Dezembro
de 1863 onde instruiu-se bem e dedicou-se ao comércio de teci­
dos, substituindo seu pai na direção de sua tradicional loja
instalada à rua Grande n° 80 (hoje João Pessoa), baixos do
sobradão que ostenta o nome «Edifício Antônio Luiz» gravado
pelo seu atual inquilino, José Eurico Ribeiro da Silva, em
homenagem ao seu fundador. Era casado com d Marieta Tei­
xeira Mendes Pequeno, filha do coronel Alfredo Teixeira Men­
des, também imigrado do Icó.
Revelando-se, desde moço, infenso a política, o coronel
Antônio Luiz atingiu a maturidade como simples eleitor e com­
pletamente afastado das rusgas maquiavélicas sendo, por isso
mesmo, acatado e respeitado por todos os cratenses, sem dis­
tinção de côr partidária e social. Em 1903, porém, contando já
quarenta anos de idade, viu-se forçado pelas circunstâncias a
alterar seu m odus vivendi e reviver o passado heróico de seu
genitor, assumindo subitâneamente, como já vimos, a chefia de
uma rebelião popular contra a prepotência de um chefe político
poderoso. Vencedor no embate e. empunhando o bastão do man­
do, tratou de estabilizar sua vitóua, destruindo tôdas as raizes
da autocracia vencida, organizando sua oligarquia, acabando
seu negócio, passando a viver dos resultados da política e
modificando, assim, a orientação de sua vida.
Tomando as rédeas do governo municipal, a 29 de junho
de 1904, o coronel Antônio Luiz se viu na contingência de man­
ter a cidade, durante mêses, sob a rigorosa vigilância de capan­
gas, dadas as ameaças dos vencidos de retomarem o poder pela
fôrça. Disto resultaram arbitrariedades e atentados, inicialmente,
que deixaram o povo desconfiado de que o pequenUm o não
1TAYTf cKA 5õ

passava de uma segunda edição do belen ism o, Sabendo êle


que só se pode curar uma moléstia combatendo-se-lhe a causa,
consentiu que seus vigilantes exercessem pressão sôbre a família
Belém e seus correligionários, visando ao seu afastamento do
Crato e ao consequente desaparecimento do perigo doméstico
iminente.
Assim foi que se desenrolaram, de julho de 1904 a prin­
cípios de 1905, conforme se lê no L ib ello A ccusatorio publi­
cado no «Jornal do Ceará» de 1 1 — 1—905, muitos fatos delituo­
sos praticados por êsses encarregados da guarda do novo
poder, desde os espancamentos às humilhações mais brandas.
Foram êsses «guardas» que obrigaram o promotor Fran­
cisco de Assis Moreira e o tabelião João Viana Rodrigues Mon­
teiro a passearem, montados era cavalo em osso, pelas ruas
centrais da cidade e foram os mesmos que ajudaram o sr. Na-
zário Landim a surrar com vareta de espingarda, até ficar quase
morto, o coronel Aristides Menezes, resultando sérios embaraços
para os filhos dêste que, por tentarem vingança contra Nazário,
foram presos e processados, passando mais de um ano na ca­
deia do Crato sem o devido julgamento. Aliás, abrindo um pa­
rêntese, um dos filhos do coronel Aristides (Paulo Maia de
Menezes) foi assassinado em 1914 pelo mesmo Nazário, aconte­
cendo que na madrugada do dia 29 de julho de 1928 um dos
filhos sobreviventes (Pedro Aires de Menezes) matou Nazário a
tiros de revólver na calçada do quiosque do sr. Anfrisio Maia,
em frente à Estação ferroviária do Crato e onde existe hoje
uma piscina.
Entretanto essa situação de terror, à imitação dos tem­
pos belenistas, durcu pouco tempo, terminando ao cessarem as
ameaças de ataque ao Crato e ao se retirar para o Amazonas
o coronel José Belém de Figueiredo, Daí em diante a cidade
voltou à legalidade e à tranquilidade.
Conduzindo sua política, de 1905 em diante, num melhor
sentido democrático, o coronel Antônio Luiz granjeou logo a
confiança e o acatamento do povo, firmou sua oligarquia e se
tornou, como era o coronel Belém, o principal baluarte eleitoral
do Cariri e protegido do senador Acióli. Caiu com êste em
1912. mas, tomando parte na sedição vitoriosa de Juazeiro do
Norte, voltou ao poder em 1914, graças a deposição do coronel
Franco Rabelo. Ficou na intendência cratense até 1924 quando
se realizaram eleições mais amplas, inclusive para prefeito, ele­
gendo-se nessa ocasião deputado estadual e elegendo prefeito o
coronel José Alves de Figueiredo que, aliás, foi o primeiro pre­
feito eleito do Crato, depois dç proclamada a República.
Nas eleições de 1928, o coronel Antônio Luiz não con-
ó6 1T A Y T E R A

seguiu reeleger-se e nem elegeu mais seu prefeito, perdendo to­


talmente o pleito e aí findando, definitivamente, sua trajectória
política. O prefeito eleito nessa ocasião foi o dr. Joaquim Fer­
nandes Teles que, por sua vez, caiu em 1930 ante a vitória da
revolução tenentista, sendo substituído, mediante nomeação, pelo
dr. Antônio de Alencar Araripe.
O coronel Antônio Luiz Alves Pequeno faleceu a 13
de agosto de 1942, com 79 anos de idade, deixando pequena
fortuna e apenas dois filhos: Heraldo Alves Pequeno que mor­
reu a 8 de outubro de 1949, antes de formar-se e já casado,
deixando viuva e filhos: d. Maria Nilda Alves Pequeno Barre­
to que ainda reside em Crato e é casada com o sr. Plínio Me-
na Barreto. Quase todos os parentes do coronel Antonio Luiz,
representando família numerosa, ainda moram em Crato e ocu­
pam lugar de destaque na sociedade. Seu mais ilustre parente
foi o dr. Irineu Pinheiro, falecido há poucos anos, o qual, sen­
do escritor de mérito, deixou várias obras publicadas versando
sôbre a história do Cariri.

NOTAS
M ajor Franklin Benjam in de Carvalho
Não podia eu encerrar êste trabalho sem que dissesse
algo sôbre êste cratense de tão altos sentimentos de bondade,
revelados naquela trágica noite de 7 de novembro de 1903,
recebendo e protegendo com extraordinária coragem e decisão
os seus próprios inimigos contra a sanha dos sicário3 do capitão
Jesuino. O major Franklin Benjamin de Carvalho nasceu a 11
de setembro de 1847, era casado com d. Maria Dulcinéa de
Carvalho e faleceu a 3 de fevereiro de 1923, deixando dois
filhos: Francisco e Júlio dos quais só existe Francisco. O major
Franklin foi um dos melhores amigos que teve o coronel Belém
e que ajudou a defender sua residência nos dias do cêrco fatal
dos m a x ;xes, ultrapassando a tragédia sem deixar inimigos e
gozando depois a amizade e o respeito do coronel Antônio Luiz
e de sua familia.
Informações
O s dados que me nortearam a redação dêste resumo
histórico foram colhidos, para o capítulo «1», do livro «Pequena
História do Ceará», de Raimundo Girâo; e, para os capítulos
«II» e «III», de alguns recortes de jornais da época da luta,
existentes no Instituto Cultural do Cariri e oferecidos a êste
sodalicio pelo escritor Hugo Catunda. Ajudaram-me ainda com
Informes preciosos os srs. José Alves de F i g u e i r e d o , padre
l T A f TiíRA 57

Antônio Gomes de Araújo, Antônio Belém Sobrinho, José Sam­


paio Cardoso, Mário Teixeira Mendes, Luiz Gonzaga de Melo,
José Gonçalves Sobrinho, Francisco Carvalho e Pedro Maia,
alguns destes conteporâneos da luta. Agradeço a todos as infor­
mações dadas, particularmente ao sr. Francisco C arvalho, escri­
vão de polícia lotado na Delegacia de Polícia do Crato, filho
do major Franklin e pai do major-aviador José Hélio Macedo
de Carvalho (servindo atualmente na base do Galeão) e do
inspetor-fiscal de avaliações de Fortaleza, José Kleber Macedo
de Carvalho.
ADVERTÊNCIA
Ao escrever estas linhas, preocupei-me apenas com a nar­
rativa fria e honesta dos fatos, deixando a cargo dos sociólogos
ou dos que melhor conhecem o assunto a ampliação da história
e a análise da conduta de seus personagens em face da época
e do meio.
Limitei-me, portanto, a gravar nestas páginas, integral e
iraparcialmente, tôdas as informações que obtive e, dada a ido­
neidade das fontes informadoras, julgo não haver consignado nas
mesmas nenhuma balela ou informe improcedente. Eis a minha
convicção.

O I.C .C . COM EM ORA O CEN TEN ÁRIO DE


CLO V IS BEVILAQUA
O Instituto Cultural do Cariri formou, em con­
sonância com o Ceará e com o Brasil, comemorando o
centenário de nascimento do maior jurisconsulto nacio­
nal — Clovis Bevilaqua. Não só se fez representar
nas grandes festividades de Fortaleza, através de seu
consócio F r a n c i s c o S. N a s c i m e n t o como pro­
moveu sessão no dia 4 de Outubro. A reunião foi sim­
ples, mas teve nota original, com a presença do sobrinho
de Clovis Bevilaqua, ora residindo em Crato — Snr.
Humberto Bevilaqua. Aberta a sessão pelo Presidente
J. de Figueiredo Filho, foi ele convidado para presidir
os trabalhos. Duarte Junior pronunciou magnífica ora­
ção que publicaremos nesta revista. O Dr. Raimundo
de Oliveiras Borges disse ainda bonitas palavras alusi*
vas à data. Em nome da familia, o Snr. Humberto Be­
vilaqua agradeceu aquela manifestação do Instituto à
memória de seu tio.
ENSINO SUPl RIOR, EM CRATO
Acompanhado do Prof. José Newton Alves de
Sousa, nosso conterrâneo, ora no magistério da Baía,
esteve, em Crato, no dia 19 de Julho, o Magnífico
Reitor Antônio Martins Filho. Promoveu em nosso,
meio reunião na Radio Educadora do Cariri, com D.
Vicente Matos, Pe. Rubens Lossio e outros para a ins­
talação, no mais breve tempo possível, da Faculdade
dc Filosofia. À reunião correu normalmente e está defi­
nitivamente acentado que referida escola de ensino su­
perior funcionará ainda no corrente ano e terá como
diretor o Prof. José Newton Alves de Sousa que, pelo
seu tirocinio no magistério, é a melhor garantia da Fa­
culdade de Filosofia,
Ao mesmo tempo, a sociedade que manterá a
Faculdade de Odontologia de Crato está em plena ati­
vidade. Já encaminhou os papéis ao Ministério da Edu­
cação e espera que funcionará dentro em breve. Crato
assim marcará outro passo avançado no terreno do pio-
neirismo do ensino, de toda a região.

HISTORIA D O FANATSIM O RELI3IOSO


NO CEARÁ
É a contribuição do sociólogo e grande pesqui­
sador Abelardo Montenegro ao estudo do fanatismo re­
ligioso cearense. O tema é complexo. O escritor, que
é o maior polígrafo de nossa terra, viu o fenômeno de
seu ângulo. Se. em muita coisa não concordamos com
ele, temos dc admitir que tem talento e sabe bem de­
fender seus pontos de vista. A plaquêta, como sempre,
foi trabalho da E D IT O R A A. B A T IS T A F O N T E -
N E L E — Fortaleza.
PRESIDENTE m m -
- —s EPITÁ C IO
Félix Lim a Jú n ior

Depois de ter jantado, poucos dias antes de voltarmos


para Recife, o velho André, no meio da conversa, na calçada,
disse-nos:
—Quando eu jantei, pela primeira vez, no Catete, com
o Epitácio...
—Com quem?—indaguei, curioso, julgando ter ouvido
raal.
— Com o Epitácio. Epitácio Pessoa, meu velho amigo,
Presidente da República.
Como eu o fitasse, espantado, começou a contar:
—O Doutor não sabia, então, que o Epitácio era meu
amigo? Pois fique sabendo. Dêsde menino. Quando êle foi M i­
nistro, no Rio, mandou-me chamar e queria que eu fôsse exer­
cer, na capital da República, um cargo importante, de confian­
ça. Não aceitei. Preferi ficar por aqui mesmo, na minha casa,
com minha roupinha velha, meus chinelos ou com os pés no
chão, em liberdade, do que ir morar no Rio de Janeiro, num
palacete, para andar encasacado, de gravata, falando com tudo
quanto é deputado e senador. Não! Só sei viver modestamente...
Soltou uma fumaça do cigarro c continuou:
—Quando o Epitácio esteve na Conferência da Paz, na
Europa, em 1919, toda semana mc passava um telegrama, insis­
tindo para eu ir conhecer o Velho Mundo e passar uns dias
com êle. Mas eu já expüquei ao senhor: não gosto de gringo...
Depois que em Assunção, no Paraguai, matei uns daqueles pa­
tifes da lingua engrolada, tomei raiva de toda espécie de gente que
fale e eu não possa entender, Por isso não fui à Europa e por
conta do governo... o sr. sabe!
Certo dia o Epitácio me telegrafou, lá das «estranjas»,
dizendo que tinha sido eleito Presidente da República e vinha
para o Brasil no «Idaho», da marinha de guerrâ dos Estados
Unidos, o maior couraçado do mundo. E que pararia em Cabe­
delo para me ver, indo depois até a capital. Ah, meu senhor,
não tive mais sossego. Tirei a farda do baú, pu-la ao sol para
largar o cheiro de naftalina, escovei-a, passei azeite na pala do
60 ITAYTERA

boné, engraxei as botinas reunas do tempo de Canudos e dois


dias antes da chegada do «Idaho» toquei para a capital. Encon­
trei a Paraíba num festão danado: ruas enfeitadas: bandas de
musica, só do interior contei quarenta, afóra os esquenta-mu-
lher, ou «bandas cabaçais» como chamam no Cariri: as reparti­
ções públicas embadeiradas; as escolas formadas: a Polícia com
uniforme de gala: o comércio fechado. Só dia de juizo! Nas ruas
andava gente como formiga em tempo de correição ou caran-
gueijo, no mangue, quando há trovoada forte.
Passei dois dias hospedado no hotel Globo, de um ami­
go meu, o Marinheiro, e na manhã do dia seguinte, quando o
couraçado chegou em Cabedelo e ancorou longe, em alto mar,
dirigi-me para lá. Em lanchas, barcos, botes, seguiram autori­
dades e os figurões: o governador, o capitão dos Portos, um
general vindo do Recife, onde comandava a Região militar, o
Arcebispo, o Prefeito, os comandantes do 22° Batalhão de Ca­
çadores e da Polícia. Ninguém me ligou importância. Eu, no
meu canto, calado, dizia para os meus botões:—deixa estar, cam­
bada ordinária, quando o homem der com os olhos em cima de
mim, vocês vão ver!...
Tomei um bote, aproximei-me do navio onde distingui o
Epitácio rodeado pela oficialidade. Ai êle me viu, deixou todo
mundo, chamou o Comandante, de lado, e disse não sei o que.
Foi um corre-corre danado! Baixaram uma escada especial, no
portaló. Quando eu pus o pé na escada—parece até sonho!—
deram uma salva de sete tiros de canhão. Eles pensaram que
eu era general...
Depois é que verifiquei o que tinha acontecido: uns cai­
xeiros viajantes, do Rio, que também estavam hospedados no
hotel do Marinheiro, foram a um sirgueiro, na rua das Trin­
cheiras, compraram seis estrelas de metal dourado e colocaram
na minha gola, três de cada lado, sem eu notar, isso quando
minha blusa estava numa cadeira, no quintal, ao sol e ao ven­
to, para largar o resto do cheiro da naftalina.
Quando eu subi o portaló, a guarda, formada, apresen­
tou armas e a banda do navio tocou o hino do Brasil. Fiquei
tão comovido que chorei... O Epitácio me abraçou, apresentou-
me ao Comandante, aos oficiais, ao Presidente do Estado. Ba­
teram uma porção de chapas, tiraram fotografias para o cinena,
uma presepada danada! Depois o Epitácio me disse:—Velhinho—
o sr. sabe, êle só me chamava velhinho—vou mandar lhe mos­
trar o navio.
E em inglês, para o comandante, disse uma porção de
coisas que não entendi. Lembro-me bem dc «my old friend»,
«Soldier», «Paraguai war» e outras palavras. Aquêle, sim, era
IT a YTER a m

homem de verdade. Não digo isso porque êle fôsse meu amigo.
Mas o Brasil até hoje só teve dois homens: Dom Pedro II e
Epitácio.
O cigarro estava apagado entre seus dedos. Tirou a
caixa de fósforo, riscou um, acendeu, e continuou:
— Um oficial todo cheio de alamares, ajudante de or­
dens do Comandante, foi me mostrar o navio. Falava um por­
tuguês de negro da Costa ou de cigano recém-chegado, mas eu
entendia ou fazia que entendia, por educação. O navio tinha ca­
da canhão que metia mêdo. Diante dêles os da guerra do Pa­
raguai pareciam brinquedos de menino amarelo... Deram 21 ti­
ros quando o Epitácio desembarcou e outros 21 quando êle vol­
tou para a bordo. O sr. acredite se quizer: mas em Campina
Grande, Cajazeiras, Crato e até em Natal, no Rio Grande do
Norte, não ficou um copo inteiro ou vidraça que não rebentas­
se com o estrondo...
Antes de eu desembarcar na lancha do Comandante
do couraçado, o Epitácio me chamou e disse:
—Velhinho, agora você vai comigo para o Rio, nêste
navio.
Foi uma entaladela dos diabos, «seu» doutor! Fiquei en­
gasgado, mas recobrei o ânimo e disse a êle:
—Você não está vendo, Epitácio, que eu não vou an­
dar num navio dêsses, onde só tem gringos! Há mais de 30
anos que não viajo pormar, posso enjoar, um carcamano dêsses
tira uma pilhéria ou faz um ar de riso para mim e ai não tem
conversa: enterro cinco polegadas da minha «pernambucana» no
bucho dêle e de quem vier apoiá-lo! O melhor é eu ir mesmo
por terra...
Disse e desembarquei. Deram outra salva de sete tiros.
Ficou todo mundo espantado, olhando para mim. Não demorei
na capital. Vim aqui para a praia, preparei a matalotagem, limpei
bem meu cavalo—o sr. sabe, eu tenho dois animais bons: Auto­
móvel e Almofadinha— e dias depois viajei para o Rio, pelo
sertão.
—A cavalo, da Paraíba para o Rio?—indaguei, incré­
dulo.
—Sim senhor, a cavalo. Puxei pelo «quartáo», dormi
pouco, descansei somente o necessário e quinze dias depois es­
tava em frente ao Catête. Apeei-me, amarrei o cavalo numa ár­
vore e entrei no Palácio. Um oficial quiz me deter. Dei-lhe um
empurrão e disse com voz grossa:
—V á avisar o Epitácio que o velhinho está aqui! Ele
ficou espantado mas foi. Dai a pouco o Presidente desceu as
escadas, abraçou-me, perguntou pela Paraíba velha. Conversámos
62 ITAYlÊRA

mais dc duas horas. Só embaixadores e ministros, esperando


por ele, eu vi mais de dez. O meu amigo dizia, porém, aos ofi­
ciais de gabinete, que só recebería aquela gente depois que con­
versasse com o velhinho...
Ele queria que eu me hospedasse no Catête. Recusei.
De la sai a cavalo, para um hotel na praia do Botafogo. Toda
a gente me olhava, espantada. Eu nem, nem... No outro dia, de
manhã, resolvi visitar o Corcovado, a cavalo. Subi o Castelo,
atravessei os arcos, quasi derrubo um bonde, alcancei o morro
de Santa Teresa, cheguei ao Silvestre. Àpeei-me, o cavalo bebeu
água e uma hora depois estávamos lá em cima, no Corcovado,
para espanto dos passageiros do trensinho...
Comi uns sanduiches, tomei uma Brahma gelada, desci
antes de meio dia, chegando ao hotel exatamente na hora do
almoço.
E finalizando sua história:
— Conheci Epitácio dêsde menino, desde rapazinho.
Aquele, sim, era homem como poucos. T ão logo Deodoro fez o
disparate de proclamar esta República em que vivemos, Epitácio,
recém-formado, foi imediatamente nomeado Secretário do Governo
da Paraíba! Naquele tempo já se reconhecia o valor do meuamigo!
Não tenho intenção de ofender a pessoa alguma, mas
V . Senhoria póde ficar certo que, no Brasil, só tivemos dois
grandes homens públicos: Dom Pedro II e Epitácio Pessoa!
Assim falou o Barão de Munchausen das praias pa­
raibanas...
(Captulo do romance tCAROLINA*)

UNIÃO DA FAMÍLIA BRITO


Em reunião do dia 30 de Agosto de 1959, foi
constituída a sociedade denominada UNIÃO DA FA ­
MÍLIA BR IT O . Trata-se de familia tradicional do Ca-
riri, com raizes na agricultura e ora disseminada em
muitos recantos do pais. Tem por finalidade: «congre­
gar todos os seus membros no sentido de defenderem
os interesses recíprocos e comuns prestando completa
assistência quer material ou moral a todos os seus as­
sociados, em qualquer parte em que se encontrem.»
Foi aclamada a sua diretoria provisória em reu­
nião em que compareceram 103 membros da numerosa
familia, sendo presidente Dr. Antônio Macario de Bri­
te: V ice— Pedro Alves de Brito e Secretário —Raimun­
do Osvaldo de Brito.
fintõnio Bezerra tieMenezes
HISTORIÓGRAFO - ALGUNS ASPECTOS
DA SUA VIDA E DA SUA OBRA
Dt\ 'Pinfairo 'iflcmitiro
Coronel M édico do C orpo de Saúde do Exército,
Ex-cirurgião do Hospital Central d o Exército e do
Hospital Pronto Socorro do R io de Janeiro. Ex-
Diretor do Hospital G eral de Fortaleza. Cliefe do
Serviço d e Saúde da 10'. R egião Militar. Da S ocie­
dade de M edicina do Rio Grande do Norte. Do Ins­
tituto Cultural do Cariri, da C asa de Juvenal G a­
leno. Do Instituto de G enealogia do Nordeste.

Apraz-me fixar, aqui, alguns pontos culminantes da vi­


da dêsse cearense inolvidável—Antônio Bezerra de Menezes.
Pouco, mui pouco mesmo, irei acrescentar ao acervo, re­
almente vultoso, do quanto já foi dito, alhures, no tocante à sua
capacidade intelectual, assim em Revistas como em artigos de
Jornal, dentro e fora do Estado.
Na segunda metade do século findo esse paciente pes­
quisador aportou ao Cariri, predisposto a esquadrinhar e desco­
brir os fragmentos de verdade esquecidos e silenciados na po­
eira dos arquivos
Catologou-os, depois, num livro, infelizmente, não publi­
cado: «Notas de Viagem ao Sul do Ceará». Seria a complemen-
tação das «Notas de Viagem ao Norte do Ceará», estroutro
trabalho de sua lavra que veio a lume. em maio de 1889, gra­
ças ao gesto patriótico de Caio Prado, ilustre presidente do
Ceará, naquela época remota do Império. Em chegando ao Cra-
to hospedara-se no Sítio Currais, residência do seu parente e
amigo Coronel José Pinheiro Bezerra de Menezes, genitor da
grande família Pinheiro e conhecido em todo Sul Cearense pela
alcunha de ' apitão Z éca dos Currais.
Naquele velho solar, a quatro quilômetros da Cidade,
assentara, então, sua tenda de trabalho. Dali partira, em excur­
sões cientificas, através dos vários Sítios e Fazendas da zona
meridional do Estado. . . . .
64 ITAYTERA

Assim palmilhou nossoã vales nemorosos, e galgou nos­


sas serras ubertosas.
Transpoz, em pleno rigor do inverno, o caudaloso Ca-
rais, o Riacho dos Porcos e o Salgado. Visitou as fontes cris­
talinas que jorram aos borbotões ao sopé do Araripe.
Conheceu a natureza do solo.
À flora e a fauna da terra encantadora dos verdes ca­
naviais.
Observou-lhe os fósseis, as jasidas de gesso e de chis-
tos betuminosos, fontes inexgotáveis de riquezas futuras.
Em «Algumas Origens do Ceará» explica o porque do
nome de Barbalha, a fundação de Brejo Santo, os primordios
de Jardim e Missão Velha. Não omitiu nem esqueceu passagens
interessantes tanto de Cidades outras que floresceram ao ponto
de se constituírem orgulho e ornamento do fertilissimo vale,
como de vilarejos medíocres, de povoados que permaneceram,
na sua pobreza, desconhecidos e não evoluídos, mas que so­
brevivem á sombra gasalhosa daquelas suas co-irmãs melhor do
que êles favorecidas pelas brisas caprichosas do destino.
Do exposto vê-se que Antônio Bezerra de Menezes foi
um preocupado confesso dos assuntos ligados á história regional.
Assim se me afigura não só oportuno e explicado senão
justificado o que escrevi sobre essa personalidade inconfundível
na Galeria dos intelectuais. Isso posto transcrevo, na integra, li­
nhas abaixo, e sem mais preâmbulos, a conferência por mim
pronunciada na Casa de Juvenal Galeno, em 11 de agosto de
1954.
Aquele Sodalicio, em essa noite histórica, que já lá se
vai longinquando, houve por bem cultuar, mais uma vês, a me­
mória do eminente Varão, venerável e venerando pelo bem que
espalhou em vida. Fazia então 34 anos que nos deixara, para
todo o sempre, engolfado na paz inviolável do sepulcro, àquele
grande historiógrafo e insigne homem de letras.
xxx
Conferência pronunciada pelo Dr. Pinheiro Monteiro,
na casa «Juvenal Galeno», sobre Antônio Bezerra de Menezes.
Nos albores da nacionalidade, as composições poéticas
constituiam o assunto predileto no circulo dos intelectuais. Os
escritores desse tempo quase que só se dedicavam ás musas,
num anseio incontido e numa sublime aspiração de se tornarem
grandes poetas.
Deste predomínio da metrificação surgiram bardos de
universal renome, ao lado de outros que, à mingua de ca­
pacidade necessária á elaboração de obra de arte, desaparece­
ram do palco literário, submergindo-se nas águas turvas da in-
i t a YT e h a ài

significância e da própria mediocridade.


T rês primitivos poetas, Domingos de M agalhães, Araújo
Porto Alegre e Gonçalves Dias, ensaiaram os primeiros passos
da escola romântica, que pelo meiado do século passado, logrou
o mesmo bom êxito emprestado à poesia nas letras nacionais.
Pouco depois veio a época que viu Alencar, Machado de Assis,
Joaquim Manuel de Macedo, os expoentes do mundo literário
do Rio, anos mais tarde enaltecida pelos escritos fortemente re­
alistas de Eduardo Prado e Júlio Ribeiro, em São Paulo.
Alencar, com sua cerebração genial, criou o indianismo.
M achado de Assis, excessivamente modesto e misantropo, não
foi um gênio criador, pôsto que esta falha lhe não haja impe­
dido de impor-se não só á nossa afeição e estima, senão à ve­
neração de todos.
Ambos os imortais foram os vexilários do romantismo
brasileiro. A partir dos romances não mais sentimos em nada a
influência dantes tão acentuada do classicismo português. A fa­
se áurea das musas e do romantismo seguiu-se a preferência
pela crítica, pelo conto e pelos assuntos históricos. Fôra isto
uma como que alternativa ou metamorfose para se chegar aos
estudos biográficos. Estes são inegàvelmente o tema do momen-
to. São os que empolgam e dominam a literatura agora vigen­
te. Baseada nesta primazia, Henriqueta Galeno, Diretora desta
C asa, edificada para o mundo das idéias e cujo fim proemial é
fazer conhecidos todos os matizes das celebrações do pensamen­
to humano, houve por bem organizar conferências sobre cearen­
ses ilustres, que, embora desaparecidos do número dos vivos
são merecedores tanto de uma apoteóse perpétua, como de nosso
tributo de respeito e admiração. Bem haja sua iniciativa. De um
lado recebe aplausos de quantos nos reunimos neste translúcido
ambiente de fidalguia e intelectualidade, de outro conta com o
apoio decidido de uma elite cultural de homens patriotas e de
boa vontade que lhe não pode negar a colaboração legal e cons­
tante. Cabendo-me a mim, neste torneio oratório, o estudo
da figura inconfundível, por todos os titulos, de ANTONIO
B E Z E R R A D E M E N E Z E S , traçar-vos-ei as principais caracte-
resticas componentes desse grande e formoso espírito. Ressaltarei
os extraordinários serviços que prestou à terra do berço. Ponho
em relevo algo do que escrevera, autenticando-se snlenemente
uma das mais lídimas expressões da nossa cultura histórica. E n ­
tregue à minha inópia esta tarefa do mesmo passo louvável, ju s­
ta e altamente consoladora, desenvolvê-la-ei na altura dos meus
esforços e dentro dos exíguos conhecimentos literários que me
é dado possuir. Por conseguinte, faço-o sem nenhum constran-
gimento, na cer.eza de que o recordando, vou receber Uçâo de
66 ITAYTERA

moral e de sabedoria: homenageando-o, buscarei idéais de abne­


gação e altruísmo refletidos do espelho de sua vida. Na impos­
sibilidade manifesta de esmiuçar todos os aspectos que o sin-
gularizam não vol-o descreverei detalhe por detalhe, mas su-
cintamente como homem de ação católica, como poeta e natu­
ralista, abolicionista, historiógrafo, escritor e jornalista.

Do casal D. Maria Teresa de Albuquerque Lima Be­


zerra e Dr. Manuel Soares Bezerra de Menezes, jurista, parla­
mentar, orador fluente, capaz dos mais altos remígios de
eloquência, nasceu ANTÔNIO B E Z E R R A , nos sertões de Qui-
xeramobim, a 21 de Fevereiro de 1841, e faleceu, nesta capital,
a 11 de Agosto de 1921. Teve destacada projeção em vários
setores da atividade humana. Demonstrou, a par de grandes
conhecimentos, um amor devotado à ciência e ao trabalho. Ana­
lista. investigador precoce, auxiliado por uma memória miraculosa
que conservou sempre pronta, fiel e segura, soube impor-se
tanto pelos lampejos irradiados de sua inteligência, como pelos
lauréis conquistados nas lides da graduação intelectual. Educado
pelos beneditinos do Rio de Janeiro, ao seu ver, os maiores
educadores do mundo, conservou o sentimento religioso que
exornava os corações dos pais.
Seu amor à religião levou-o a fundar 25 conferências
Vicentinas existentes, ainda, e espalhando a mancheias bene­
fícios, qual e qual mais valioso, como para mostrar a veracidade
da sentença do imortal Francoia Veuillot: «Deus não tira o dom
da fé a quem a guarda defendida pela virtude, nem a recusa a
quem lhe implora de joelhos! Para complemento dos estudos
biológicos, leu os livros de Darwin, Haeckel, o positivismo de
Conte, os trabalhos de Littré e de Buchccr, sem contudo se levar
por essas falsas doutrinas que explicam filosoficamente a for­
mação do universo. Se elas motivaram uma revolução científica,
em dias convulsionados das últimas décadas do século passado,
não lhe abalaram os fundamentos da sua rigida ortodoxia ecle­
siástica. Assim como David não vacilou em apedrejar os inimi­
gos afrontadores das hostes de Israel, também ele, batalhador
indefeso em prol da idealidade fundamental do catolicismo,
repeliu a ideia de que o homem é um macaco aperfeiçoado, e
sim o centro da criação do universo que tende a acreditar num
ente Supremo—D E U S—a quem deve subordinar.se. No parti­
cular lhe não aprouve o desinteresse, a quietude, o indiferentismo.
Enfrentar pela imprensa a coorte de heréticos sem temer
o entre-choque de idéias e opiniões. Não lhe intimidam a critica
agressiva, as represáliaí e as subtilezas sofisticas. Escrevendo
1fA Y T L U A tíi

sobre o século X X , diz Antônio Bezerra: «Ao transpor 09 hum-


brais do novo século, eu, com a fronte descoberta, olhos crava­
dos no azul do infinito, envio daqui a minha saudação ao C riador
dos mundos, ao Deus das misericórdias, que ainda uma vez se
apiedou dos nossos irmãos, livrando-os da forçada expatriação
que lhes impusera o governo do Brasil. Ao doce e meigo Jesus,
cujos ensinamentos de paz e felicidade, embora mal compreen­
didos, trouxera por onde passaram o bem-estar e o consolo à
humanidade.» Pelas leituras dos escritos religiosos onde divaga,
numa como que beatitude espiritual, pela antiga Canaã, pelos
costumes dos felisteus ocupantes primitivos das paragens lendá­
rias do Mediterrâneo, pela descrição sobre a tirania de Herodes,
derramando ao mais fútil pretexto o sangue desse povo generoso,
sente-se que a literatura católica além das demais lhe era fami-
liaríssima. E através de conhecimentos tão profundos que ad­
quirira zelosamente como se fosse um clérigo, tornou-se Antônio
Bezerra um soldado subsidiário dos mais eficientes nas lides
afanosas do laicato católico. Espirito caritativo, ao mesmo tempo
que distribuía esmolas às ocultas, reunia na própria casa crian­
ças da redondeza, para lhes transmitir ensinamentos do Evan­
gelho, para ele fonte perene e torrencial abundante de in ex­
primíveis consolações. Bem razão assistia a V itor Hugo quando
afirmou: «Os velhos e as crianças são os que mais se aproximam
de Deus, porque se estes do céu vêm, aqueles para lá se vão.»
Longos anos já são transcorridos após o desaparecimento
de Antônio Bezerra, mas o velho casarão que em vida tanto
amara, crismando-o de «meu doce ninho, rainha querida estância
de paz» continua a manter as tradições do glorioso fundador.
Ê a sede do Circulo São José. É onde se reunem os operários
católicos do bairro, para distribuírem os frutos do legítimo po­
mar que plantou dentro do borrifo genésico do ritual cristão.
For tudo isso posso afirmar que Antônio Bezerra foi,
em síntese, um verdadeiro ho^em da ação católica.
Na juventude, fase que é prefácio ou promessa da vida,
existem dentro de cada um de nós. como se fora parte integrante
da entidade psicológica, pendores naturais para a rima Por isso
são nossas primeiras produções literárias, preferencialraente, de
natureza poética. O inverso sói acontecer na vida prática em
que já lá se vai a miragem inaccessivel dos sonhos ardentes
que embalsamam os dias descuidados e felizes da adolescência
e da mocidade.
Neste período risonho da existência se revelam os vates
de imaginação primorosa, burilando estrofes onde iremos encon­
trar o que chamaremos a fidalguia do talento e da inteligência.
M oços foram e são entre nós os melhores amantes das
68 ITAYTERA

musas, impecáveis na textura dos alenxandrinos.


Houve-os, simbolistas, líricos, naturalistas, amigos do
Parnaso, que souberam deliciar-nos pelo alto pensamento espi­
ritual, pela beleza casta, pelo panteismo com que cantaram a
Fortaleza e o Maranguape, a Ibiapaba e a Uruburetama, nosso
turvo céu de inverno, as chuvas, a cabocla cearense, a liberdade,
as flores, a praia e o mar, os carnaúbais infindáveis do Ja-
guaribe, sem esquecer o «cajueiro pequenino» fantasiado na lira
do imortal autor. Pois bem, na lista destes poetas que tanto
amaram a terra da luz, podemos, sem favor, arrolar o nome de
Antônio Bezerra, cujo entusiasmo pelos carmes não desaparecera
na idade em que se lhe plasmou no cérebro a formação concreta
das tendências espirituais. «SO N H O S D E M OÇO», publicado
em 1872, é a estréia; é o primeiro degrau da sua carreira lite­
rária. Pela doçura da emposição ritimada, pelo fervor sentimen­
tal, pela saudade do céu tristonho do norte, pela sedução musi­
cal das estrofes, nota-se que o autor, embora, com criação
individual e sensibilidade própria, se filiara á escola lírica, seguin­
do de perto as pegadas do meigo cantor das «P R IM A V E R A S»—
Casimiro de Abreu. Além desse livro, deixou numerosas poesias,
algumas desconhecidas do público, à falta de publicidade, guar­
dadas, porém, no arquivo da família, como verdadeira relíquia.
Digna de menção é, entre outras aquela em que des­
creve o elogio da caridade. É uma das suas melhores compo­
sições, já pela forma, já pela agudeza espiritual. Nela saúda em
nome dos cearenses o Dr. Moura Brasil, quando da visita de
tão ilustre conterrâneo á terra do berço, em 1875. Manifesta-se
nessas estrofes um como que fio de Ariadina unindo duas
almas irmãs no ideal. Como ambos se aqueceram ao calor da
mesma luz tropical e respiraram o mesmo ar balsámico impre­
gnado das brisas cearenses, há, entre os dois varões a Plutarco,
Liames invisíveis da inteligência e do coração. Ao inspirado
intérprete não seduz tão só a ciência do mestre. A caridade
fora antes a chama vivente que irradiava do cérebro do vate
esses lampejos primorosos de imaginação e de sonho:
«Filho da plaga cearense,
Orgulho dos teus avós.
O s louro3 que t’ engrinaldam
Refletem por sobre nós.
Nós festejamos o gênio
Que das letras no procênio
Arranca admiração,
E com sorriso no lábio
O mundo chama-te sábio
8 a caridade cristão»
ItA y t e r a 67

Sem desdouro para a medicina, como coroamento do


exercício profissional, evoca Antônio Bezerra a clareira de uma
bondade apostólica, sem a qual o levita da piedade, balsamadôr
dos gemidos plangentes do infeliz, não preenche a finalidade
nos ditames imcompreensíveis do coração humano:
«E eu que não rendo preitos
Aos homens sem coração
E que do orgulho da lira
N ão desço á bajulação,»
«Ergui-me ao ver que semeias
Lenitivos ás mãos cheias,
N as dores da multidão.
E venho em nome do povo
Trazer-te um protesto novo
Um voto de gratidão».
Se em moço cantou a caridade, se cantou o amor à luz
crespuscular da nostalgia e da saudade, também estremeceu afe-
tuosamente o Brasil, cantando-o com a santidade da admiração
pelos princípios de autonomia e liberdade. E se a alguém apraz
auscultar o sussurro desse coração patriota, ouça então estes
versos que se lhe afloram aos lábios por ocasião dos festejos
da tomada de Humaitá:
«Mais um loiro nos combates!
M ais uma página de glória!
Enriquece nossa história
Nossa grandeza prediz
«Conheça a Europa assombrada
Que o Brasil, terra de bravos,
N ão sofre insulto de escravos
Não curva a fronte a cerviz
Em a «Vitoria», dedicada aos moços da «Perseverança
e Porvir», celebra, em oito magníficas estrofres, os inebriantes
clarões da aurora da liberdade, na campanha emcncipadora. Ê
uma poesia profunda em que a inspiração poética não se des-
doira em ombrear com a ciência:
«Criaste num dia imprensa
Q ue o mundo da luz encheu,
M ais tarde a telegrafia
Q ue os continentes prendeu;
Em luta com a barbaria,
Repeliste a tirania
Ao sol da livre instrução
As artes, letras, ciência
Surgiram sob a influência
Do teu grande coração».
70 ITAYTERA

Merecem lembrados outros versos de sua lavra, com


que, pela primeira vês, falou em público, a 28 de Janeiro de
1865. Havia pouco deixado os bancos acadêmicos
Vivia a vida simples, na voluntária penumbra da modés­
tia, lavrando a linda seara das letras, mas sem vaidade, sem a
preocupação absorvente de notoriedade e de renome; a vida ti­
picamente provinciana, bem diversa da que levara na capital Ban­
deirante, longe do bulício tumultúario e intenso que nos trazem
o progresso e a civilização. O Paraguai preludia suas investidas
contra o Brasil. Nosso exército apodera-se de Paisandú. A altiva
e legendária Coimbra, sob o comando do bravo coronel Porto
Carcero, resiste com denodo e heroísmo às tropas inimigas.
Tem , todavia, de se render por falta de munição. Entrementes
recebe o Ceará, entre surpreso e esperançado, a notícia de de­
claração de guerra do Brasil. N esta mesma manhã, fiava de
luz, lhe bate á porta o professor José de Barcelos, cheio de dúvi­
das e apreensões. Convida o poeta a falar por ocasião dos fes­
tejos a realizar-se á tarde do mesmo dia. E - quando o cortejo
cívico depois de percorrer várias ruas engalanadas da nossa
capital, paira na praça General Tiburcio, da janela do palácio
presidencial, um moço, em pleno esplendor de seus 24 anos,
com a voz rouca, com gestos desordenados, de espesso bigode,
aos exageros teatrais, freme entre os aplausos estrepitosos da
multidão.
1
«Mostremos ao mundo inteiro,
Que o cearense é brasileiro, ..
Que sabe morrer também!
Não lhe intimida a metralha
E nos campos de batalha
N ão cede o passo a ninguém.
II
E Coimbra gloriosa
Cede por força orgulhosa
Do Paraguai ao ardil.
Ou há de ser retomada
Ou hão de rolar no nada
As gerações do Brasil».
Senhores, em matéria de arte poética, foi o autor dessas
poesias um virtuoso intelectual.
Sente-se-lhe o prazer de louvar os iniciantes da métrica
Ao Bruno Barbosa ovaciona, menos pela harmonia, pela inspi­
ração, pela facilidade de rima, pela modelação das estrofes do
que para animar o adolescente autor das «U T O P IA S », impe­
lindo-o a burilar lindos versos. Sugere-lhe temas. Encoraja-o,
1T A Y T E R A 71

enriquecendo-o de sugestões preciosas. Exalta também Álvaro


Martins, quando esse inteligente versificador canta panteística-
raante os «P E SC A D O R E S DA TAIBA».
Eis ai, senhores, em conclusão, uma das mais belas
figuras de vate que já militou em terras cearenses, o sibarista
intelectual do Barro Vermelho, que morreu sentindo não poder
sintonizar, na radiosa mentalidade artística, o gorgeio da juriti
nos bosques, saltando de galho em galho, o valor épico dos
nossos soldados, a canção plangente dos vaqueiros, as olimpía­
das sertanejas, a cristalinidade das águas cantantes saindo aos
borbotões do sopé das serras, o mar de pedras de Viçosa, o
boqueirão de Lavras, as lagoas de Iguatú, os monólitos de
Quixadá, dentre outras maravilhas da nossa natureza, como se
tudo isro fora um desdobramento plástico da sua alma de artista,
requintada no sentimento do beio, na candidez e na ternura.
* ¥
*
Falar-vos-ei, agora, do professor e naturalista. Lecionan­
do no Liceu e outros Estabelecimentos educacionais desta capital,
deixou-nos traços marcantes, que assinalam sua passagem pelo
magistério. Foi professor de erudição, de proficiência c mestria.
Num dizer correto e polido, desenvolve assuntos palpitantes,
como a fecundação das plantas, o desabrochar das flores, a
geração dos frutos, a função clorofiliana, atraindo os alunos no
círculo encantado de suas lições.
Em alguns trabalhos, sem prejuízo da espinha dorsal
da obra que é narrativa exata de acontecimentos históricos, faz
grandes divagações científicas, ressaltando, num sério e vivo
confronto, o contraste entre a flora do litoral e a do hinterland.
Durante os três anos consecutivos que ocupou o cargo de dire­
tor do museu da Metrópole Amazonense, teve oportunidade de
estudar a flora e a fauna da imensa planície equatorial, repre­
sentadas alí em miniatura. Todos sabem que a gigantesca
H Y LEIA , tão querida de Humbolt, que o Império das Náiades,
na expressão consagrada de Martins, oferece campo admirável
às.investigações científicas, atenta a multiplicidade de plantas, a
variedade de espécies floristicas, algumas ignoradas até hoje na
esfera das pesquisas naturalistas. A despeito da vida laboriosa
na Melburne brasileira, embrenha-se não de raro pelos paúis e
igarapés insalubres, menos para admirar a majestade dos rios,
que o cenário soberbo e inédito da floresta milenària, onde
cipós e lianas se entrelaçam com espessos troncos de árvores
nodosas, numa simbiosa indescritível, constituindo um só bloco
compacto, oferecendo ao homem o exemplo do mais puro e
fraternal afeto, a lição mais edificante de cooperativismo e soli­
dariedade. A semelhança de Meterlink descrevendo a vida das
72 ITAYTERA

abelhas, também ele, inspirado no "Segredo das Flores», belís­


simo quadro de Sachching, cérebre pintor da Inglaterra, a
veneranda pátria de Huxley, em páginas memoráveis, descreve
as flores na evolação do seu perfume na sua seiva misteriosa,
no sono, umedecida pela manhã ao orvalho que não provém,
como em geral se pensa, das camadas superiores do éter, mas
da função respiradora do próprio vegetal.
Narra-nos o amor volutuoso das flores, seu dia de
núpcias, os deliquios de gozo das estames e pistilos na maciez
setinosa do leito conjugal. Não posso e não devo olvidar seus
estudos sobre a sensitiva, cujo instinto de conservação requin­
tada fâ-la retrair, medrosa e humilde, mal presente à insólita
aproximação dos nédios animais do campo. Lembremos também
os escritos sobre a «valisnésia spiralis», interessante planta de
além-mar que medra debaixo das águas, nos rios da França
meridional.
As borboletas, os insetos, os araquinideos, a república
das formigas, foram igualraente objefo de atenções especiais por
parte de Antônio Bezerra. Faça-se de passagem referência ali-
geirada ao que escreveu em relação a centopéia carniceira, a
carangueijeira, a jactiranabóia, afirmando a opinião de notáveis
entomologistas para quem nenhum desses insetos é venenoso, e
sim de toxidez quase nula ou mesmo inofensiva.
Eis ai, senhores, o naturalista intuitivo que, voltand -se
para tudo, foi um diletante no campo vastíssimo da História
Natural. E se não logrou grandes lauréis no domínio desta
ciência, se não fora um desses da estirpe gloriosa de Correia
de Lacerda, Freire Alemão, Capanema Saldanha da Gama,
Pizarro, Caminhoâ, Barbosa Rodrigues, Garcia Redondo, teve,
todavia, o nome vinculado à Ciência Naturalista como um dos
pioneiros desses estudos no Ceará.
» *
*
Decorriam serenos os últimos meses do ano de 1880, o
Ceará convalescia, ainda, das consequências esmagadoras de
uma das maiores crises metereológicas que vira na sua longa
trajetória aproximadamente de 3 séculos. Entretanto, fortalece,
em boa hora, a fibra de seus filhos, para escrever, em circuns­
tância venturosa, o drama épico mais empolgante nos faustos
da nacionalidade. Antes deste vizinho norteste pernanbucano,
vexilário de duas grandes vitórias sociais, a de Guararapes era
1649 e a de autonomia e liberdade, já no crepúsculo do Brasil
colônia, em 1817, antes das outros irmãs na consttlaçáo brasi­
leira, a província cearense escuta a linguagem piedosa do sofri­
mento: compreende o verbo inflamado das revindicações que
ecoa pelas lindes distantes da pátria; sente, sem tibieza, a ne-
ITAYTERA 75

cessidade de extinguir o regime das senzalas, de dissipar, vez


por todas, dos seus domínios, a mancha espessa da escravidão.
Para melhor se compreender a campanha da remissão dos cati­
vos, é m i s t e r r e s s u m a r as p á g i n a s d a h i s t ó r i a , e,
mostrar, ràpidamente, como decorreu o maior ato em prol da
dignidade humana, neste novo país do novo mundo. Tivemos
três tentativas libertadoras, três tentativas distintas na forma,
mais impregnada da essência do mesmo idealismo: a de 1850,
que acaba com o tráfico africano, a de 1851 conhecida por
libertação dos nasciturnos, e a que se seguiu, recebendo o nome
de abolicionismo. Esta empolga de tal forma o Ceará, já então
cognominada Terra da Luz, ao ponto de em cada folha esparsa
da carnaúba, em cada grão de areia da praia, ferver e palpitar
o ânimo varonil de um povo predestinado. Exatamente por esta
última Antônio Bezerra penetra os umbrais destoutra parte de
sua vida —o Abolicionista. Um pugilo de sonhadores, sócios da
«Perseverança e Porvir» funda a «Libertadora Cearense» que de
mãos dadas com outra sociedade que comunga os mesmos ideais,
isto é, o «Centro Abolicionista» que também se debatia pelos
mesmas princípios humanitários, fizeram a caldeira da escravidão
explodir. Leiamos o que relata Antônio Bezerra, á página 43 do
seu iivro «O Ceará e os cearenses». «A idéia partiu de um
coração adamantinamente generoso, do consócio Antônio Cruz
que era—com seus companheiros dessa jornada do Grêmio Co­
mercial «Perseverança e Porvir», cuja sede era a cidade de
Fortaleza.» À primeira sociedade pertenceram entre outros João
Cordeiro, Correia Amaral, Frederico Borges, Antônio Bezerra,
Antônio Martins, Francisco José do Nascimento—o Dragão do
Mar, Juvenal Galeno, Rodolfo Teófilo, Marrocos Teles, Justi-
niano de Serpa, pregoeiros do apostolado libertário a que não
faltou o apoio do elemento feminino, representado brilhantemente
por Elvira Pinho e Maria Tomásia. Foram estes denodados
batalhadores que, sem derrame de sangue, reuniram-se cautelo­
samente como se fossem adeptos de um culto perseguido, se
agremiam com denodo, quais crentes dentro de um templo, para
acertarem a maneira de abrir no Ceará o caminho da liberdade.
No seu livro, já citado, o «Ceará e os Cearenses», Antônio
Bezerra relata-nos as circunstâncias em que se dera a primeira
sessão da nascente sociedade, sob a presidência do grande João
Cordeiro, omitindo, por modéstia, detalhes interessantes da me­
morial reunião ou sejam iniciativas parti ias dele proprlo. Antônio
Furtado, um dos seus maiores biógrafos, e que na \cademia
Cearense de Letras, o escolheu para patrono de sua cadeira,
num belo ensaio de critica histórica, citando Antônio Bezerra no
que se refere à solenidade inaugural da supracitada sociedade,
74 FTAYTERÀ

no-lo afirma: «Neste passo do ilustre escritor, revela-se, de modo


incontrastável, o diamante sem jaça da sua modéstia, a sua
abnegação, o seu desprezo da vanglória. Porque, segundo o
testemunho presencial e mais que fidedigno de Isaac Amaral, os
periodos ditados por Jo io Cordeiro e adotados pela «Libettadora»
como seu regimento, foram uma «fórmula» proposta por Antônio
Bezerra, e jurada por todos os adeptos da causa.
E Antônio Bezerra, continua Antônio Furcado, «numa
abnegada, integral renúncia de si e da sua glória, ultra modes­
tamente ‘omite essa circunstância fundamental—tão cardial que
é por aquela forma que se estabelece e discrime? entre os da
«Libertadora» (que propugnavam a abolição por todos os meios)
e os do «Centro Abolicionista» (como o Barão de Studart, e
outros que a queriam de modo mais suasório).
Sobre o entusiasmo então reinante em torno da eman­
cipação, escreveu a eloquência de Joaquim Nabuco:» o que está
passando no Ceará maravilhoso. Parece incrível que esta pr -
víncia faça parte do Império. Pacatuba é mais que um far 1
para todo o país. É o começo de uma Pátria Livre. «No tocan­
te a sociedade «Libertadora», dizia Julio César:» É a torrente
torva, precipitando-se caudalosamente, despenhandose em
catadupas».
Mas não se julgue, senhores, que a atuação de Antô­
nio Bezerra se limitou ao âmbito estreito dessas agremiações.
V ai muito além. Pelas colunas da «Quinzena», do «Estrela»,
fundado por ele em colaboração com dois outros jornalistas
Marrocos Teles e Antônio Martins, pelas colunas do «Liberta­
dor» escreve uma série de artigos vazando todo o entusiasmo
pela causa, através desses orgãos de publicidade que em todos
os tempos são, no dizer de Castelar, os melhores livros das
multidões».
Ainda colaborou no «Ceará», diário de inexcedível pro­
jeção em toda a província, de propriedade sua, de Antônio Au­
gusto, Ferreira do Vale e do Barão de Stuiart, doutos e de
renomada competência que, a par do magistério e investigado­
res da nossa história, se revelaram todos de invulgar capacida­
de nos misteres da imprensa.
Mas, não é só. Não houve como lhe tolher os passos
Sem embargo, arremetesse a campeão da boa causa. Não enca­
ra sacrifícios. Incita-lhe inabalável convicção. Mesmo ameaça­
do de morte, conforme lhe prevenira o Dr. Bilhar, chefe de policia
de então, caminha resoluto para a apoteose, para o triunfo, para a
glorificação da idéia. Foi, no dizer preciso de Antônio Sales «a
vibração corporizada». Desconhecendo os desalentos e a aflição que
foram, segundo a linguagem bíblica, os maiores tormentos dos
Í T A YT f c f t A 75

profetas hebreu3 indiferente á fúria da tempestade que lhe ru­


moreja em torno, demanda cidades distantes: põe-se em contac­
to com a laboriosa população do interior, mobilizando-a ao to­
que de clarim para a empresa memorável contra o regime das
senzalas e o comércio da carne humana. Desta que não doutra
maneira agiria um espírito de sua têmpera, uma vês que pela
idéia a nossa própria terra se convulciona, desde as fraldas do
Araripe até as águas esmeraldinas do mar, imenso e raivoso,
que o jangadeiro afronta Pois beml Foi de feitio polimorfo,
cheio de diversidade de função sem prejuízo da unidade do fim
que Antônio Bezerra pertenceu a essa extraordinária família a-
boliciorista que, sem destroços sangrentos próprios da insensa­
tez e da violência, escrevera o «Vinte e cinco de Março de
1884», a maior pagina de glória do Ceará, em todos os tempos.
*
* *
Se muito já me tenho detido, aludindo a estas cinco fa­
cetas do cristal da sua inteligência, justo é que, agora, já no
término desta despreten. iosa palestra, vos chame a atenção pa­
ra o traço primarcial na personalidade literária de Antônio Be­
zerra que é, sem dúvida, o amôr á história, em cujo trato vi­
veu incessantemente desde a mocidade.
Funcionário do Tesouro, exerceu entre outros cargos o
de Diretor do Instituto Histórico Cearense, onde, ao lado do
Barão de Studart, de Eusébio de Sousa, de Tomás Pompeu,
abriu mais um caminho á atividade sobrada do seu espirito.
Chegou, na matéria, a ser mestre dos mestres. T a l culminância,
porém, não atingiu simplesmente com estudos de gabinete. Fora
mister recorrer a outras fontes informativas. Perlustra todo o
interior. Visita cidade por cidade. V ai de recanto a recanto, in-
querindo, registrando, com paciência beneditina, os episódios
mais interessantes da nossa história, de alguns dos quais igno-
rariamos a existência, se ele no lo não houvesse relevado a nós
próprios, Cearensista como ninguém, conhecendo palmo a palmo
o Ceará, nada desconhecia da sua história desde a expedição
de Pero Coelho até a esquadra de Jerõnimo de Albuquerque,
em 1613: desde as duas dos holandeses aportadas em Mucuri-
pe, respectivamente, em 1637 e 1649, até os episódios dramáti­
cos da revolução de 1817; desde os combates renhidos dos Pa-
cajús da zona Jaguaribana até as campanhas imperialistas de
Pinto Madeira, até as cenas históricas da Confederação do E-
quador. Copioso e infatigável, publicou inúmeros trabalhos de
natureza histórica. Dentre estes se destacam «Maranguape»,
«Descrição da cidade de Fortaleza», «^úvidas Históricas», «Al­
gumas Origens do Ceará», «As praias e o Moc ripe » «Cristovâo
Soares Reymão, julgado à vista dos documentos de seu tempo»,
76 ITAYTERA

obra3 de Incontestável valia que atestam duplamente grande


competência e operosidade do autor. «Notas de viagem ao Nor­
te do Ceará», consubstancioso in-folio de 402 páginas, escritos
nos altos sertões cearenses, na mesma compação que empolgara
René, quando ia a caminho de Louziane, fala por si a seme­
lhança do Moisés de Miguel Ângulo.
Ê, sem favor, um livro de requintado quilate.
Através dele se avalia a profundeza científica de um
autêntico homem de letras. Disse Leonardo Mota «é obra de
poligrafo. Se não tem o fascínio dos estilistas, reflete uma devo­
ção á terra que o viu nascer».
Analisando este livro, primeiramente, como trabalho
histórico, dir-vos-ei que o esforçado autor não olvidou uma só
questão, siquer, das que interessam de perto à história cearense.
Catalogou, em relevo impressionante, tudo quanto diz respeito á
catequese, á colonização, á escravidão e liberdade dos selvícolas,
á escravidão dos africanos, aos problemas de administração civil
e política do Ceará de outrora sua cultura e comércio primitivos,
os costumes dos índios, sua justificada revolta contra os viola­
dores das suas tabas, sejam jesuítas, sejam os emissários dos
capitães-mores e governadores.
Evidentemente, senhores, quem lê «Notas de Viagem ao
Norte do Ceará» sente que é a consubstanciação sugestiva dos
fatos que nos transportam aos albores do nosso movimento
humano. Ê o mais perfeito e cabal translado da vida ingênua e
selvagem dos nossos avoengos. No que tange ao estilo, nota-se
não ser eivado de fraseados retorcidos, nem preocupações ver-
balísticas. Espírito combativo, pugna pela regeneração dos nos­
sos costumes, ora se insurgindo contra os desmandos da violên­
cia, os abusos do poder, ás cegueiras dos despotismos, os vícios
então reinantes na capitania, ora reprimindo o erro dos senhores
feudais, ora repelindo a injustiça, a inépcia, a iniquidade e o
arbítrio, oriundos de uma politicagem bastarda que, com a ju s­
tiça do trabuco, amordaçava as vozes da opinião.
Depreende-se também que Antônio Bezerra, sobre fazer
a história cearense da época colonial e dos longos dias do
Império, quis patriòticamente chamar a atenção dos nossos diri­
gentes para o melhor aproveitamento das nossas riquezas. Por
isso nos pinta os campos agrestes que percorreu ele próprio com
a alegria salutar do beduino; nossos taboleiros adustos, onde
a despeito da secura e esteliridade o mandacaru e o xique-xique
germinam, abrolham, crescem e verdejam; a grandeza da gruta
de U bajara com «todos os esplendores», com «os deslumbres de
sua arquitetura de cristal», com «a transparência e delicadeza
de arabescoí calcáreos», e, por fim, nossos brotões profundos,
HAYTEÜ A m

habitat bárbaro de perigosos ofídios, cuja escuridão tremenda


far lembrar a do inferno abandonado dos antigos deuses
extintos.
Em Antônio Bezerra não há por que se negue ter sido
um modelo de atividade literária que escreveu sobre história,
política, poesia, biologia, problemas sociais, revelando-se assim
nos conceitos, como na lógica dos argumentos, espírito enciclo­
pédico, conhecedor de todos esses assuntos. Merece ser classi­
ficado entre os melhores periodistas cearenses. Vem em abono
desta rainha afirmativa a coleção de artigos publicados na «Pa-
tria», jornal de Manaus de que fora redator. Ê uma defesa
espontânea, dos conterrâneos aportados naquelas longinquas
paragens, em que se houve maravilhosamente com altivez e
galhardia. Tangido por suavíssimos arroubos de comiseração e
piedade, vasa em linguagem sincera e comovida, a emoção de
suas entranhas, insurgindo-se contra a maneira impiedosa de
exploração dos cearenses nos seringais do Alto Amazonas.
*
* *
Suponho achar-me desobrigado, senhores, da honrosa
missão que Henriqueta Galeno me conf ou. Tanto quanto me
permitiu a natural penúria, focalizei os caracteres fundamentais
dum dos maiores filhos da Terra da Luz.
Amor intenso e devotado ao trabalho, probidade e renún­
cia, enfibratura e honradez, bondade apostólica, inteligência
arguta e impregnada de são e puro espiritualismo, eis, em resumo,
o perfil moral de Antônio Bezerra, homem raro e exemplar,
desses capazes de figurar na galeria representativa dos heróis
de Emerson, porque, na moldagem da espécie, é limpidez e
transparência da exatidão humana. Elevando o espirito à recor­
dação dos serviços que nos preste u, veremos que ninguém
como ele estremecera tanto a terra que o viu nascer. Amou-a
até o mais íntimo da sensibilidade, na esteira luminosa das suas
tradições. Amou a na vitali <ade do seu futuro Amou-a na con­
templação de sua natureza. Também amou-a tanto nos seus
erros quanto na sua opulência fértil e dadivosa, nos seus cana­
viais farfalhantes, nos seus arrozais dos brejos e mandiocais
do Araripe.
Amou-a, finalmente, na originalidade dos seus costumes,
na encantadora poesia dos seus hinos, na harmonia deliciosa
das suas canções populares. Evocando o teu nome nesta hora
serena e de recolhimento, Antôni Bezerra, visei únicamente a
mostrar te como exemplo de moralidade e de fé á mocidade
estudiosa de minha terra. Oxalá que ela, ante tuas lições, adote
como divisa um batalhar contínuo em prol de um Brasil sobe­
rano, altivo, dignificado e consciente, dum Brasil mais feliz e
?8 i T A T f E ítÂ

mais rico, de horizontes mais amplos e mais luminosos. O xalá


que o engrandeças na realização imaginada de teus sonhos
ardentes, de tuas esperanças e ilusões, até mesmo de tuas uto­
pias. Praza aos céus que mantenhas um cultivo acariciado do
nosso patrimônio intelectual. Sim, ó mocidade de minha terra!
S ê justa e forte para que tenhas a consciência de ti mesma, da
tua riqueza, dos teus previlégios, das formidáveis energias de
que dispões, da tua gtandeza, da tua bravura e heroísmo, e das
maravilhas fulgurantes da tua inteligência. S ê na vida como este
hoje evocamos nesta casa para que o C eará e o Brasil se firmem
cada vês mais na grandeza dos seus destinos.

« IT A Y T E R A s
«Tenho em mãos Itaytera, n. I V — ano IV»
Magnífica.
Incontestavelmente, Itayíera cresce com a mes­
ma pujança do seu nascimento. Àcho muito, é folego
demais para um pugilo de idealistas...
Não sei se neste meu julgamento vai elogio
ou injuria á comissão organizadora e propulsora da revista.
Se injúria houver, tanto melhor: eu é que me­
reço compaixão pela carência de contacto com o poten­
cial de cultura do meio em que viví, apenas, para não
perder o batismo de «caririense.»
O nome do José de Figueiredo, por si só, basta
para garantir a prosperidade de Itaytera, como contra­
forte dessa robusta cadeia de intelectuais que» no Ceará
e no Brasil, entesoura o filão genético ■desse < rato len­
dário e precocemente metropolitano.
Sente-se nas páginas de Itaytera, a trepidação
do mel quente, a alegria dos canaviais em holocausto à
riqueza nativa nessa tendência ardorosa de cratizar o
Carirí, tão fecundo e tão bravo» com harmoniosos' sa­
télites dessa civilização vertente dos mananciais do vale
encantado.»
{T rech o de trabalho do Dr, Leite M aranhão, publica­
do no «O P O V O » de Fortaleza).
Eli
BOTIOffl
Celso Gomes de Matos

Esta crônica que escrevo hoje para Itaytera consagro-a


a dois dos vultos mais conhecidos do Crato— Pedro Peixoto e
Zuza da Botica. Não é intuito meu traçar-lhes, nestas poucas
linhas, a biografia. Quero apenas render-lhes uma merecida ho­
menagem. O primeiro pôs têrmo vida no dia 7 de Novembro
de 1944.
O seu ato, que a todos nós encheu de vivo estarreci-
mento, foi um dos muitos atos de desespêro para os quais teem
sido muitos os estudos dos neurologistas.
Que levou Pedro Peixoto a acabar com a vida? Não se
sabe. Contrariedade, moléstia incurável, embaraços comerciais?
Não se sabe. Sabe-se apenas que levou para o túmulo um gran­
de segredo.
No entanto, Pedro Peixoto parecia não ter desgostos
na vida. Era bom, justiceiro e honesto. Carater sem jaça. Espi­
rito forte de homem à antiga, os quais, fossem quais fossem os
embaraços, queriam ter a palavra de rei. E foi justamente esta
apreciável faceta do seu carater indomável que me fez vir, de
publico, tributar-lhe esta homenagem.
Por exemplo: tão decidido elè era na vida que se disses­
se: não beberei mais agua, morrería de sêde. E até, digamos,
podería servir de cobaia voluntária da morte, marcando, com
exatidão cientifica, o tempo que um homem forte, como ele, po«
deria sobreviver sem beber agua. Vestia-se de pano grosso. Era
esquisitão. Calçava alpercatas. E vivia recluso, metido consigo
mesmo, no seu sitio Lameiro, como um crustáceo em sua concha.
Velho, era-lhe a vida um pesado fardo. Como suporta-lo?
Preferiu morrer. Morrer como os grandes vultos da
humanidade, ingerindo, como Sócrates, tóxico letal. E foi espeta­
cular na morte.
Foi original. Tão original foi este seu fim de vida que
merece o registro que ora faço. Primeiro, honesto, pagou divi­
das, entregou animais alheios que os tinha sob sua guarda. De­
pois... marcou o dia e quase a hora de sua morte, convidando
Maciel e outros para o seu bota-fora final.
Disse: vou morrer amanhã. E tendo-se envenenado à
so ITAYTFRA

noitinha, amanheceu, de fato, morto, como dizia e queria. A


noite, passou-a em agonia, entre a vida e a morte.
Não demonstrou entretanto nenhum arrependimento.
Peio contrário. Ainda arrogante, sendo interpelado pelo dr. M a-
cário de Brito, que o assistia acerca do veneno propinado, res­
pondeu gracejando:
—V ocê não é médico?
Adivinhe...
E assim, sem fraqueza e como piloto do seu próprio
destino, se finou o primeiro desta crônica: Pedro Peixoto.
O segundo: Zuza da Botica.
N a vida já prolongada do meu velho amigo Zuza, não
houve tragédias a lamentar. Foi também um forte, mas noutro
setor. Na comedia da vida do homem em sociedade são muitos
os papéis. O s heróis teem côres variadas e características pró­
prias. Êste, por exemplo, vivia em sociedade para o mundo das
letras.
Fundou jornais. Redatoriou o «Correio do Cariri» (1904)
restaurou em 1924 «O Ara ripe». Escreveu em revistas e colabo­
rou nos jornais de Fortaleza. Foi sócio fundador do Clube «Ro­
meiros do Porvir». Cultivava também a poesia, inspirando-se
quase sempre nas grandezas do V aie do Cariri. Como sonetista
primoroso, escreveu «O Rio Grangeiro». O Poema «Itaytera» é
de sua lavra.
Nasceu no dia 28 de Abril de 1878, sendo filho de Pe­
dro Alves de Lima e Dona Ana Alves de Figueiredo. Consor-
ciou-se em 25 de janeiro de 1902, com Dona Emilia Viana de
Figueiredo de cujo matrimônio nasceram vários filhos de entre
os quais o nosso companheiro José Aives de Figueiredo Filho.
Dos filhos do Crato, do meu conhecimento, foi ele um dos que
mais lutaram para vencer na vida. Filho de pais pobres. Sem
amparo. Empregado do seu tio—José Aníonio de Figueiredo,
poucas horas lhe sobravam para o estudo, como um dos mais
vontadosos autodidatas. Para fazer este trabalho, visitei-o faz
pouco tempo nesta cidade.
Sabendo-o acamado, sempre gostei de visitar doentes e
encarcerados, como manda o código da verdadeira religião cris­
tã. E preferenciaimente aqueles que já foram grandes e hoje são
pequeninos. Na hora presente, em que um sorriso, mesmo me­
cânico, e sem o calor dalma, ê uma chave de triunfo na vida,
não poderei vencer, porque os meus sempre foram os pobres.
Sabia que o sol do velho Zuza, outrora radioso, caia para o
ocaso e, por isto, fui conforta-lo. Bati palmas às portas da con­
fortável vivenda e recebeu-me o Dr. Jefferson, que era o dono
da casa, o qual levou-me ao apartamento do enfermo. E ali se
tTAYT&RA Si

achava o velho Zuza.


Era ele, o poeta. Já quase sem fala, não rae falou. Ape­
nas me viu, e notei que me conhecera, por sorrir-me docemente.
Estava demudado. Não era mais o Zuza do meu tempo,
que eu conhecera forte, cheio de vida e das «gaitas». O Zuza
senhor de engenho. Dono de uma farmácia.
Não era também o José Alves de Figueiredo, o jorna­
lista que acudia pela autonomásia de Zuza da Botica. A pala­
vra Botica não era tomada no sentido de considera-lo homem
da plebe. Absolutamente. Vinha-lhe da profissão que abraçara,
passando de empregado para dono absoluto da farmácia do tio.
Não era, outrossim, o autor do suave poema «Itaytera» Não! O
que eu via ali era um Zuza que, visto noutra parte, o não re­
conhecería jamais. Aquele tinha amigos. Ao empossar-se na Pre­
feitura Municipal do Crato— 1925— 1926— fez-se romaria em
busca de sua casa. Era o homem do dia. Todos queriam dar-
lhe o abraço e o beijo de Judas.
E este?
Nada tinha. E ali estava agora, sob o teto de uma boa
filha, apenas contando os dias, espirando o alivio da morte. Em
tais situações, os dedos das mãos são muitos para com eles se
contarem os amigos verdadeiros. Amigos da taça são muitos.
Dos infortúnios, poucos.
São duras estas lições da vida. Agora vamos ver o
poeta. É dele este soneto, «O Trem», notável pelo sabor filosó­
fico:
«Do correr do fantástico bailado
Bufa o centauro no seu leito de aço
Grossa espiral de fumo para o espaço
Soprando qual sinistro monstro irado
E avança!, avança! audaz, desesperado
Galga da Serra o túmido espinhaço
Mergulha após dos vales no regaço
V ence a floresta, vence o descampado.
No entanto, ás vezes, do vagão olhando
supomos que rios, píncaros e ramos
V ão ao contrário, rápidos voando...
Embalados também não raro andando
Não vão pensar que o tempo vai marchando
Quando ele é que se fica e nós é que nos vamos...
Foi jornalista. M as na imprensa o seu lado mais forte
foi a polêmica.
Senhor de uma argumentação lógica e segura, investia
82 1 T a YTÈKA

contra o adversário, arrancando-lhe, ás vezes, couro e cabelo


Nunca o vi ceder. Recuar, jamais. Viesse como viesse, e donde’
viesse, o seu antoganista. Tendo erros naturais, como todo ser
humano, nunca receiou que estes saissem a lume
Foi destemeroso numa polêmica contra «O Rebate» de
Juazeiro do Norte, quando Distrito, a querer, com o prestigio do
Pe. Cicero, e do Dr. Floro, separar-se do Município do Crato.
Pois bem, era o Zuza que eu visitava. E sai dali mono-
logando.
Meu Deus! Antes não nascer do que morrer assim, só,
isolado, num apartamento onde uma cousa só espera: o caixão
mortuário.
No entanto, ninguém conhece os planos de Deus, cuja
vontade se manifesta sob várias formas. Quando o Senhor, a-
parecendo a Moisés, quiz libertar o povo israelita do jugo fa­
raônico, mandou ao mundo dez pragas, inclusive a das trevas.
Dizem que foi imenso o clamor... Muitas vezes, para
salvação dos seus filhos, manda-lhes Deus os sofrimentos fisicos
e morais.
E quem sabe se o velho Zuza não é um destes eleitos,
cuja purificação tem por vaso os sofrimentos?

CRATO
(Ao grande historiador Padre Antonio Gomes)
Crato — antigo Miranda *— fecundado
Pelo Itaytera lindo e sinuoso,
No sopé do Araripe situado,
Em terreno feraz e dadivoso.
Miranda por Frei Caries foi fundado,
Sendo o chão de Filgueiras poderoso.
Foi Alencar, ali, aprisionado
Qual revolucionário valoroso!
Oh! gleba de civismo e liberdade,
Onde há um povo nobre, de verdade,
E um heráldico e gran canavial!
Assim — por teu progresso e boniteza —
Do Nordeste és a mais bela princesa,
Do Carirí futura capital!
Ubajara, 1957 PEDRO FERREIRA
snüBflcne a snMPflio
Por ocasião das festividades de encerra­
mento da Semana de Sampaio, o tenente-
coronel RAIMUNDO TELES PINHEIRO,
comandanfe do CPOR de Fortaleza, pro­
nunciou, no Cemitério de São João B atis­
ta, no dia 24 do corrente ante o túmulo
do bravo genersl cearense, a saudação abai­
xo, como preito de gratidão ao patrono da
infantaria:
«GENERAL ANTÔNIO DE SAMPAIO!
Patrono insígne da Infantaria Brasileira!
A solenidade patriótica, a festa cívica que ora assistes,
é um preito de admiração e de reconhecimento das Forças Ar­
madas da Guarnição de Fortaleza a ti, herói-mártir, símbolo de
bravura indômita de dignidade, de audácia e de patriotismo in-
conteste.
Neste local e neste momento de vibração e de entusias­
mo, de emoção e orgulho, com o coração pulsando no mesmo
descompassado e violento ritmo do coração da Pátria reconhe­
cida, homenageamos mais uma vez á encarnação de tôdas as
virtudes morais e cívicas do militar autêntico que, durante lon­
gos 36 anos, da planície, como simples soldado, aos píncaros
altanados do generalato, percorreu nêste comprido estádio, tôda
enorme e esplendente gama do dever, da abnegação e do he­
roísmo — viagem imensa de peregrinação por tôdos os qua-
drantes da Pátria, e além fronteiras, pelos inóspitos e desconhe­
cidos chãos do Uruguai, da Argentina e do Paraguai.
Apesar de nascido pobre longe dos centros populacio­
nais de importância, nos distantes sertões combustos de Tambo-
ril, desprovido da rica plenitude das letras que enriquecem o
intelecto, mercê do teu caráter inquebrantável, da tua personali­
dade vertical, do teu elevado padrão de galhardia, varonilidade
e energia, do teu desprendimento e fé cívica, alcançaste a grande
ventura de servir muito e servir bem, a ponto de, enroupado na
púrpura do teu próprio sangue, iluminares exuberantemente tôdos
os «degráus infinitos da escadaria da História».
84 ITAYTERA

Rememoremos um pouco dessa tua incomensurável e


imarressível glória
Praça de julho de 1830, recebias galhardamente o batis­
mo de fôgo, já portando as divisas de furriel, nas ruas da ve­
tusta Icó, enfrentando as hostes rebeldes de Pinto Madeira, no
mês de abril de 1832. Após curto período de vida i .tensa no
morejar diário da caserna, seguias em 1835 para o Pará assola­
do e infelicitado pela «Cabanada» e cooperavas para a sua paci­
ficação. A seguir, durante três conturbados anos, lutaste renhi-
damente contra os «balaios» maranhenses, comandando pessoal­
mente 46 combates e galganda o posto de capitão
Quase a seguir e com a mesma galhardia e impavidez,
combateste sucessivamente os «farrapos» no Rio Grande do Sul
e os «praieiros» em Pernambuco. Assim, lutaste valorosamente
no Nordeste, no Norte e extremo Sul do território pátrio. Ago­
ra, já no posto de major, no ano de 1852, participaste da ex­
pedição da Colônia do Sacramento, além fronteiras, e te bates­
te com denodo na batalha de Monte Cazeros, último reduto
e túmulo da felonia do sanguinário ditador Rosas; da mesma
forma e com o mesmo imutável padrão te conduziste na expe­
dição a Montividéu, de 1854 a 1855.
Já no posto de coronel, com pequeno interregno no co­
mando do Corpo Policial da Côrte, de 1859 a 64, no qual te
houveste com absoluta correção elogiada pelo Imperador, foste
de novo chamado a servir à Pátria no exterior. E, transpondo
mais uma vez a fronteira sul, conquistaste os bordados de
brigadeiro após a rendição de Paissandu em janeiro de 1865,
comandando a Primeira Brigada de Infantaria, uma das tropas
que mais se distinguiu no ataque.
Daí te deslocaste para Montividéu e, por determinação
de 11 de março dêsse mesmo ano de 1865, foste encarregado
de dirigir e fiscalizar a instrução de todos os corpos de Infan­
taria, missão que pouco durou, de vez que, à testa da 3.“ Divisão,
no mês de abril seguinte, te deslocaste para a barra do arroio
São Francisco, nas proximidades de Paissandu. Eram os pró-
domos da dilatada e cruenta luta que sustentaríamos contra a
tirania do famanaz López.
No comando desta mesma Divisão, a futura «encouraça-
da», prosseguindo no deslocamento, embarcaste, às 13 horas de
15 de abril de 1866 na margem esquerda do rio Paraná, e
desembarcaste em território paraguaio no dia seguinte, para
escreveres a partir daí e até o dia 24 de maio, com o teu san­
gue estuante, as páginas mais brilhantes da tua longa, comba­
tiva e prestante vida. Era exatamente o teu 56.° natalício.
Faz boje precisamentç 93 anos. Lembras-te?
1TAYTEKA

Podes recordar o hiante e pavoroso quadro de Tuiuti?


«Heróico, inabalável, abnegado, cumpriste a missão recebida com
fidelidade, bravura, habilidade e estóicismo, e deste ao grande
OSÓ RIO a potente e inamovível peça a que êle amarrou tôdas
as combinações da sua manobra salvadora». Propiciaste, com
M ALLET, MENA BA R R E T O , GU RJÃ O, V IT O R IN O M ON ­
T E IR O , MACHADO B ÍT E N C O U R T , SO U SA N E T O e seus
anônimos comandados, a transmutação de uma derrota certa,
numa vitória retumbante.
E por fim, com três graves e gloriosos ferimentos, fôste
evacuado. E 43 dias após pereceste a bordo do «Eponina» no
dia 6 de julho. E tiveste teus despojos mortais inumados a 8
em Buenos Aires, com soleníssimàs exéquias. E depois devida­
mente restituidos à Pátria a que tanto amaste, em 1896; reco­
lhidos à Sé desta Fortaleza de Nossa Senhora da Assunção em
25 de novembro de 1871, e, por último, depositados nêsse jazigo
perpétuo aos 25 de outubro de 1873. E repousam, no sono
eterno, no teu querido e jamais esquecido calcinado chão do
Ceará, como indiscutível fanal para as gerações atual e futuras,
a relembrar o teu patriotismo sem restrições, o teu magnífico
exemplo de invulgar e autêntico chefe.
Mas, na realidade, não morreste, porque os gigantes da
tua estirpe não morrem nunca. O teu nome, sõbre ser um exem­
plo, «continua inspirando respeito, admiração, dignidade, nobreza,
sacrifício, abnegação e renúncia».
Guarda bem ANTÔNIO DE SAM PA IO! Tu revives e
reviverás sempre: «Na ambicionada condecoração «Sangue do
Brasil» cujos motivos heráldicos foram inspirados nos teus três
gloriosos ferimentos: revives erecto no bronze das estatuas, no
colorido de placas de ruas e praças das cidades do teu amado
Brasil e nas Sociedades de graduados do Exército a que tanto
dignificaste; revives no Regimento da Infantaria que te ostenta
ufano o glorioso nome e, sobretudo, patrocinando a indômita
Infantaria Brasileira, tua própria encarnação.» Revives, finalmente
no coração de tõdos os brasileiros!
Camaradas da Guarnição de Fortaleza.
Almas genuflexas, corações em continência, cantemos
86 ítaytéka

entusiasticamente com o poeta conterrâneo Álvaro Martins.


«Um dia, na charneca atroz de Tuiuti
O legendário herói que impávido sorri,
Depois de ter lutado então como um gigante,
Sôbre o campo fatal, ardente e fumegante.
Sente faltar-lhe o braço, escurecer-lhe o olhar
Diz-lhe a voz do destino:—Basta de lutar!
E o grande herói—crivado o peito de feridas,
O rosto e as mãos em sangue e fumo enegrecidas,
Surdo à voz da metralha, ao eco do canhão,
Tendo a morte já no próprio coração,
Sonâmbulo fatal—deste sonho afagado —
Marcha ainda através do campo ensanguentado...
Foi assim que morreu o General Sampaio.
O seu nome que tem mais brilho que o raio,
Caiu, tombou, rolou do campo da vitória
Sôbre o feito imortal do Brasil e da história».

EU QUISERA CANTAR
É o título do livro de versos do poeta potiguar—
Vicente Lopes de Sousa. É poeta na expressão do
têrmo. Tinha sentimento. Parece que ficou da época do
romantismo para o século atual. Morreu cedo. Sofreu e
faz a gente sofrer ao sentir sua dôr.
Nasceu êle em Alexandria, no Rio Grande do
Norte e passou algum tempo no Rio, onde se sentiu
preso de intensa nostalgia. Seu livro póstumo foi prefa­
ciado por nosso conterrâneo, residente na Capital da
República e também poeta — Jayme Sinando. Copiamos
alguns versos de Vicente Lopes de Sousa:
«Janeiro... uma tristeza em minha vida...
Mês das férias... meu tempo de estudante!
Janeiro a capelinha alva da ermida...
E uma saudade louca, indefenida.
Meu pai a cachimbar, morosamente,
E as cadeiras de couro na calçada.
Janeiro.., uma chuvinha, água corrente,
Alegria na aldeia, em minha gente...
Atoleiro na estrada...»
TURISMO —
— N O C A R IR I
Q,, c£im lem & ztq, d e AquU tO .

Evidentemente que reina sobre o turismo na região do


Cariri, a mais crassa ignorância, o que é, realmente, de se la­
mentar. Hoje em dia precisamos lançar mão de todos os recur­
sos de que dispusermos, para vencermos na longa caminhada
pelo nosso desenvolvimento social e economico. A meta do tu­
rismo jamais poderia ou deveria ser desprezada, tantos e tão
confortadores são os resultados que ela nos poderia ensejar,
Hoje em dia o Cariri inteiro se empenha numa luta das
mais renhidas, em prol de sua valorização, luta que já consubs­
tanciou em realizações variadas e multiformes, traduzindo o es­
forço dos filhos da zona, para que tenhamos um lugar de des­
taque no mapa da Pátria
Se há os que lutam pela eletrificação da zona — como
meio de obter, por seu intermédio, e de modo mais prático, o
desenvolvimento regional, há os que se esforçam, como o dinâ­
mico Deputado Alencar Araripe, e o nosso Bispo Auxiliar, Dom
Vicente Matos, pelo aproveitamento dos Vales sêcos e baixios
do Cariri, por meio de barragens submersas, açudagem em alta
escala, irrigação e policultura, garantindo um regime de safras
perenes, e abastecimento regular do mercado consumidor.
Há os que se esforçam no setor cultural—e aí seria uma
injustiça esquecer o nome de J. de Figueiredo Filho, ansiando
melhor repercussão do nivel intelectual do Cariri. Em todos os
setores temos líderes, alguns de extrema dedicação, amantissimos
filhos do Cariri. Mas no setor do desenvolvimento turístico da
•zona, o que vemos? Um vácuo enorme, que ninguém ainda se
apercebeu, que não se cuidou, tão pouco, de preencher, por não
se haver olhado os detalhes e as magníficas oportunidades que
oferecemos, no sentido da incrementação turística da região.
O turismo é um dos fatores de progresso de cidades e
de zonas inteiras, atraindo dinheiro, visitantes e propaganda.
Aumenta o intercâmbio, dinamiza o comércio, enriquece uma
terra, torna-a conhecida...
O r ariri, ao nosso ver, apresenta ponderáveis possibili­
dades de exploração turística, se os recursos de que dispomos
88 ITAYTERA

forem devidamente aproveitados nesse sentido. Se não, vejamos.


Dispomos, em primeiro lugar, da Serra do Araripe, de
clima maravilhoso, saudavel, temperado o ano todo. Manancial
imenso de belezas, os seus contrafortes se apresentam cheios
de matas exuberantes, os seus sopés cheios de fontes perenes,
o seu cenário de beleza luxuriante. No entanto, o que se fêz
até hoje para se aproveitar tudo isso? Nada. Há, e certo, o
problema da agua no alta da Serra, mas a distancia das fontes
é tão pouca, pois basta descer as suas encostas e a teremos em
abundância. Hoje, a engenharia moderna desconhece problemas
para levar agua ao alto de uma Serra como a nossa, quer por
meio de poços artesianos, quer por impulsão, usando métodos
avançados. Na Serra, temos locais magníficos para Hotéis de
primeira classe, hotéis de veraneio, como no Alto da Ladeira
das Guaribas, para quem vai rumo a Santana do Cariri.
Outro local maravilhoso: trecho da fonte Caldas, no Mu-
nucipio de Barbalha, também temos as proximidades do Aero­
porto do Crato, temos o Belmonte, temos muitos trechos no
Municipio de Jardim e outros ainda em Barbalha. Poderiamos
ter Hotéis bonitos, vistosos, confortáveis, estilo funcional, para
receber os nossos visitantes e oferecer-lhe temporadas com o me­
lhor clima do sul do pais.
Turismo compreende, antes de tudo, bons Hotéis.
Na Serra do Araripe temos uma variedade imensa de
atrações. As centenas de aviamentos de mandioca poderíam ser
também atração de turismo, nas épocas das grandes farinhadas,
com festas típicas em noites enluaradas...
Temos as plantações de abacaxi, particularizando a de
Raimundo Marinheiro, com 2 milhões de pés. A Festa do Aba­
caxi poderia ser levada a efeito, como se faz no sul com frutas
de muito menor importância economica, como as Festas do
Pêssego e do Figo, e como se faz com as maçãs e uvas...
Já com referência a festas de produtos agrícolas, o ca­
fé produz também de modo excelente no Alto da Serra, de a-
cordo com experiencias da Secretaria da Agricultura, e futura­
mente poderiamos ter a nossa Festa do Café. No Vale, teria*
mos a Festa Regional da cana, envolvendo dezenas de atrações...
Poderiamos ter na Serra do Araripe as zonas de caça­
das, onde, durante certas épocas, fossem colocados animais para
reprodução, com proibição de caça, afim de se garantir fartura pa­
ra a época dedicada ás atividades da caça. Com a construção
de açudes — Umari, Quixabinha, Latão, e outros, poderiamos
incentivar o esporte de regatas, e as pescarias, que teem tsntos
aficcionados. Se fosse consfruido o Açude Miranda, leriamos
uro bom loca) para um Clube em que esses esportes seriam,
1TAYTERA

naturalmente, os preferidos, bem proximo do centro do Crato.


No Vale, dissemos, inumeráveis são as nossas possibili­
dades. Crato, Juazeiro, Barbalha, Missão Velha e outras cidades,
poderíam formar um clendário turístico de comum acordo entre
todas elas, um calendário do ano caririense, programando-se as
grandes festas populares da zona como as das Padroeiras de
Crato e Juazeiro, de Barbalha e Missão Velha, inicialmente.
Nessas festas, se procuraria imprimir um sentido mais
eminentemente regionalista, com a apresentação de pastoris,
dansas típicas, tardes de vaquejadas, desafios com cantadores
que afiuiriam de todo o sertão e barracas com pratos regionais.
A zona, a exemplo da Festa Regional da Cana, poderia ter a
Festa Regional do Vaqueiro — na oportunidade da Exposição
Agro Pecuaria do Crato, com atrações durante toda a semana.
Já era tempo, também, de pensarmos na construção do nosso
Jóquei Clube para as corridas de cavalos, aproveitando-se a ideia
do Dr. Hermano Telles.
Poderiamos dar um sentido turístico aos acontecimentos
religiosos da região, aproveitando-se as romarias para o Horto
do serrote do Catolé, onde o povo pode descortinar um dos
mais belos panoramas do Vale. Ali teriamos também de ter um
bom Hotel. Na Espanha e em alguns paises, as romarias são,
tradicionalmente, atração turística. Claro que fica subtendido que
se precisaria ampliar, melhorar, modernizar, ajeitar, enfim, a
Ladeira do Horto hoje em estado imprestável... Poderiamos a-
crescentar também no nosso Calendário Turístico, impresso ele-
gancemente, com fotografias, e distribuído á larga em todo o
pais, a época das moagens e atrações de verão nos balneários
da região.
Temos possibilidades de bons balneários no Cariri, co­
mo as nascentes do Batateira e do Grangeiro, em Crato, e algu­
mas em Barbalha. Por ora, o que temos simplesmente são as
fontes... Um roteiro de festas sociais nos Clubes da Região, ex­
posições diversas, até de cães como fazem os Kennel Clubes,
aparelhamento e acondicionamento eficiente dos Museus de Cra­
to e Juazeiro, para a visita do publico que viesse á região, acon­
tecimentos culturais, congressos, Seminários, campeonatos de to­
dos os esportes, os Jogos da Primavera do Cariri, as Festas de
Debutantes e eleições das Misses da zona, as festas carnava­
lescas, Reveillon, Pastoris, Reisados, Bumba meu Boi, dansas
de fita, e outras atrações, festas típicas para a época natalina e
dos Reis Magos, tudo podia ser incluído...
Para tanto, precisaríamos de contar, pelo menos, com
bons estádios, bons cinemas, bons hotéis, praças deesporte,
banlenários e piscinas e teatro.
90 ITAYTERA

Teríamos também a época teatral, incentivando o T ea­


tro do Estudante e o Teatro de Arena.
Há ainda muita cousa que se pode colocar no calendá­
rio turístico do ano caririense, a ponto de torna-lo cheio de a-
trações, repleto de acontecimentos, capazes de, por meio de efi­
ciente, estudada e controlada propaganda pelos orgâos da im­
prensa, atrair para a nossa região milhares de visitantes em po­
tencial, valorizando o interior, gente, geralmente, cheia de di­
nheiro e de boa vontade.
Isso melhoraria muito a região, tanto pelo prestígio que
lhe daria, como pela propaganda expontânea que lhe daria, co­
mo pelos vínculos de amizade que poderiamos criar com brasi­
leiros de todos os quadrantes.
Num pais como o nosso, onde o turismo é incipiente, e
a mentalidade governamental nesse sentido atinge as raias do
primarismo, sabemos bem as dificuldades de levar adiante um
plano de tal monta. Notadamente numa região pobre como o
Nordeste, num Estado paupérrimo como o Ceará, tal plano as­
sombra á tacanha mentalidade regional pelo seu arrojo e pela
sua audácia. Tudo está por fazer ainda, e nossas cidades nem
ainda dispõem de redes de agua, esgotos e energia eletrica, as
condições mais essenciais para se projetarem...
Tudo está por fazer ainda. Esta nossa exposição, mais
do que as ideais nela esboçadas e mal alinhavadas, está cheia
de «poderiamos», «se», e «precisariamos», e outros condicionais,
atados á pobreza crônica de realizações no setor da incremen-
tação do turismo.
Mas cremos que nada se perde por sugerir, e mesmo
por repisar o assunto, a ponto de introduzirmos aos poucos, na
mentalidade do nosso povo, dos nossos governantes e lideres, a
perfeita consciência do valor e da significação de um plano tu­
rístico regional. Isso talvez demore anos. Talvez que depois de
uma boa vintena de anos é que venhamos a iniciar, de fato, o
que já deveriamos estar fazendo hoje...
O ponto de partida para o equacionamento da questão,
ao nosso ver, tão vital, seria a criação da CO M ISSÃ O ARI-
R IE N SE DE T U R IS M O , integrada por uma dúzia de pessoas
reaímente entendidas no assunto e conhecedôras profundas da
região. Não poderia —■ e nem deveria — essa comissão ser in­
tegrada por «medalhões», cousa tão comum em nosso meio. Os
«medalhões» nada constroem, são parasitas e apenas fazem fra­
cassar as iniciativas...
Essa comissão, custeada pelas Prefeituras da região,
de acordo com as suas possibilidades, poderia se reunir uma
vez por mês, pelo menos, e trocar idéias, acertar planos, apre­
1ÍAYTERA 5>í

sentar sugestões, concatenar um plano de ação e iniciar o


traçado de um plano completo de tudo o que poderiamos apre­
sentar nesse setor.
Essa comissão traçaria os planos, primeiramente, das
providencias a adotar, pelas autoridades, providencias preliminares
e indispensáveis ao inicio do incremento turístico do sul do
Ceará. Podería levar um ou dois anos, esse trabalho dessa
comissão, presidida por um elemento entendedor da matéria
«turismo», trazido, de preferencia, do sul do pais ou indicado
pela Combratur (Comissão Brasileira de Turismo). A partir daí,
somente depois de planificada a extruturação global da obra a
ser levada a efeito, é que poderiamos, realmente, conduzir a re­
gião no encaminhamento da consecussão desse objetivo.
No Crato teríamos como elementos indicados para essa co­
missão pessoas como J. de Figueiredo Filho, Hermógenes Martins,
Quixadá Felicio, Antonio Correia Coelho, e outros, em Juazeiro,
Dr. Hildegardo Belem, Odiláo Figueiredo, em Barbalha o vene­
rando Dr. Alencar, o sr. Antonio Costa Sampaio, em Iguatú o
jornalista Júlio Braga, em Campos Sales o sr. Pedro Macário,
em Mauriti o dr. Elias Leite, em Milagres o sr, Antenor Lins,
e assim por diante. Isso, na nossa modesta opinião. Claro que
o critério da escolha seria rigoroso, não se desprezando, contu­
do, o conhecedor profundo da região, quer no setor geográfico
ou histórico, quer no social ou economico.
Primeira Meta, portanto: Comissão Caririense de Turis­
mo, orgão semi-oficial, integrado por pessoas conhecedôras da
região.
Segunda Meta: Planificação de obras em todos os Mu­
nicípios a ponto de tornar a região de aparelhamento capaz de
torna la, realmente, uma região digna de ser visitada, não es­
quecendo, na execução dessas obras, os setores de ajardinamen-
to e arborização de nossas cidades, melhoria e arborização de
nossas estradas, principalmente intensificação dos trabalhos de
asfaltagem de nossas rodovias.
Por falar nisso, podería ser cobrado um pedágio nas
rodovias asfaltadas, tanto para a sua conservação e melhoria,
como se destinando uma parte para o incremento do turismo
na zona.
Eis aí, mal alinhavadas, como já dissemos, uma série
de sugestões, abrindo os olhos dos leitores de IT A Y T E R A , que
sei bem, formam o público ledor mais selecionado do Cariri e
do Ceará, para as sendas infinitamente desconhecidas do turis­
mo, na região e no Estado. Não quizemos pretender—longe de
nós tal pretensão —fazer um trabalho de fôlego, impressionante,
completo, cheio de informações. Isso ficará a cargo dos estúdio-
92 ÍTAYTERA

sos, que muitos nós os temos. Apenas descerrámos a ponta do


veu, para a antevisão do panorama ainda encoberto pela cortina
de nossa pouca mentalidade. No panorama do futuro turistico
do Cariri há muita cousa digna de ser aproveitada e usada como
motivação para desenvolvimento das atividades culturais, sociais
e artísticas da região. Para os que se preocupam, como nós,
pelo futuro do Cariri, ainda atado a uma monocultura que lhe
mina o organismo econômico, e ainda atrelado ao carro de idéias
retógradas, em alguns sentidos, e a convenções passadistas, aí
está o plano.
Para os que amam o Cariri sem o bairrismo exagerado
e sem o doentino porque-me-ufano que tanto nos tem prejudicado,
todas as idéias de melhoria para a região, por mais arrojadas
que pareçam, são boas, dignas de estudo, dignas de registro.
No futuro, dentro de 50 ou mesmo 100 anos, algum leitor po­
derá, estar lendo as então amarelecidas páginas desta revista, e
julgará, na sua época e no seu tempo, a justeza ou não destas
linhas, a sua sinceridade, os seus reais propósitos. Poderá fazer
uma análise do que se terá feito, desde a época deste artiguête,
e a época em que ele vive.
Temos certeza de que então algo poderá haver sido
acrescido. Haverá uma melhor compreensão—uma melhor ideia,
uma visão mais larga.
Muitas dessas cousas poderão ter sido concretizadas—
felizmente concretizadas—para beneficio da região. Muitas esta­
rão comuns e talvez já tradicionais. E esse leitor do futuro—
esse leitor desconhecido ainda—para a nossa geração, na sua
compreensão, há de dizer: nos meiados do século, a geração
daquela época não se descuidou do problema. Ventilou-o na
imprensa, fixou idéias, debuxou em rápidas pinceladas, o quadro
do que seria o Cariri futuro. Ela, a geração, merece, portanto,
(dirá o leitor do futuro) a nossa gratidão, o nosso reconheci­
mento mais profundo.
Que sirva este trabalho presente como modesto subsidio
para o grande trabalho e o grande serviço do futuro..Êste é o
seu objetivo, simples e despretensioso.
E se, entre os presentes leitores de hoje, encontrar al­
guma ressonância as nossas idéias, ao menos entre poucos,
somente por isso nós nos sentiremos plenamente recompensados.

r
ita y tera 93

G IN Á SIO ESTADUAL DE CRATO


O Vice-Governador W ilson Gonçalves não prometeu a
instalação de Ginásio Estadual, em sua terra, para faltar. Não
descansou enquanto não o encaminhou a realização, contando
com o decidido apoio do Governador Parsifal Barroso. Já foi
aprovado pela camara de Deputados c, em Março de 1960,
funcionará, se Deus quiser. Todos os passos preliminares estão
sendo dados nêsse sentido.
Foi grande vitória da classe estudantil e idéia vencedora
de seus lideres, entre os quais o vereador José Kleber Callou e
o bancario José de Figueiredo de Brito Filho, agora trabalhando
no Banco do Brasil, na Capital Paulista.

SO B A SU P E R V ISÃ O DO I. C. C., FO I G RA N D E O M O ­
V IM E N T O IN T E L E C T U A L DE C R A TO , DO
ANO PA SSA D O PARA CÃ.
O movimento de publicações de livros tem sido relati-
vamente grandioso, do ano passado para cá e tudo sob inspi­
ração direta ou indireta do Instituto Cultural do Cariri. Tivemos
o lançamento do quarto número de «Itaytera,» em reunião do
Rotary Clube. Dias depois, aparecia «Ana Mulata», primeiro vo­
lume da CO LEÇÃO «ITA YTERA » escrito pelo veterano das
letras e da imprensa cratense—José Alves de Figueiredo, edição
da IM PR EN SA U N IV E R SIT Á R IA , em cooperação com o
I. C. C. Quase simultaneamente, o Serviço de Informação Agrí­
cola, do Ministério da Agricultura, lançava EN G EN H O S DE
RA PA D U RA DO CARIRI, de J. de Figueiredo Filho. O livro
foi pouco difundido no Ceará, visto ter sido a edição adquirida
pelo S. I. A. Agora temos a quinta edição da revista oficial de
nossa agremiação, com duas separatas, uma de Duarte Junior e
outra de José de Figueiredo Brito. Em preparo, temos a H IS­
T O R IA DO PA D RE CÍC ERO , a ser editada, no Rio, de autoria
de nosso antigo Secretario Geral e socio efetivo-Capitão Otacilio
Anselmo e Silva. O segundo volume da COLEÇÃO «IT A Y T E -
RA» será o esperado livro póstumo de Irineu Pinheiro— «E F E ­
M É R ID ES DO CARIRI», já entregue á Imprensa Universitária
do Ceara.
94 ITAYTÉRA

IMPRENSA FALADA E ESCRITA N O


CARIRI, EM 1959
A imprensa que já teve periodo aúreo, no Cariri, nota-
tadamente, em Crato, entrou agora em periodo de revitalização.
Dois elementos novos foram-lhe incorporados—o JORN AL F A ­
LADO e os suplementos editados em Fortaleza, dedicados a esta
região.
O semanário veterano é o orgão da Diocese, «A Ação»,
sob orientação direta de Monsenhor Pedro Rocha de Oliveira.
Circula aos Domingos e é a sentinela avançada não só da Igreja,
como da terra caririense. Tanto a RADIO A RA RIPE, como a
caçula de nossas emissoras—A RADIO ED U CA DO RA DO
CARIRI mantem jornais falados, vibrantes, minuciosos e que
gritam diariamente, para todos os recantos, as necessidades da
coletividade, chamando a atenção dos poderes públicos para
que venham a solucioná-las. A Radio Iracema de Juazeiro, da
corrente de igual nome no Ceará, também não fica atras. Nunca
ensarilhou armas em defesa da terra e também do Vale Cari­
riense.
Em Fortaleza, no matutino «O ESTA DO », temos o
tabloide «O ESTA DO », do Cariri. Sae ás quintas-feiras e inte­
grou-se de corpo e alma á vida do sul cearense. É o primeiro
suplemento que surgiu numa cidade para defesa exclusiva doutra
zona, relativamente afastada. Nasceu de entendimentos entre J.
de Figueiredo Filho, Dr. Josio de Alencar Araripe e o então
diretor do «O ESTA D O »—escritor Francisco Martins. Veio
depois o suplemento da «TRIBUNA DO CEARÁ», dedicado ao
Cariri que não tem o formato de tabloide e são quatro páginas
do tamanho do jornal grande. Também tem sabido cumprir bem
o dever, Como revista temos «ITA YTÉRA », sempre procurando
elevar, lá fora, o nome de Crato e agora editada na Tipografia
de «A AÇÃO».

D. Vicente, eleito Vigário Capitular e Econômo


tia Diocese do Crato
O Conselho Diocesano, reunido no dia 26, no Palacio
Episcopal, elegeu para Vigário Capitular e Economo da Diocese
de Crato, D. Vicente de Araújo Matos, em consequência da
renuncia de D.5Francisco. Estiveram presentes a reunião os reve­
rendos—Mons.?Antonio Feitosa, Padre Raimundo Augusto. (Hoje
Monsenhor), Padre Antonio Gomes de Araújo, Pe. Rubens
Lóssio e Padrc^ Antonio Teodósio Nunes.
SflHflflH EM TERRA SECfl
JOAQUIM PIMENTA
Não sou engenheiro, agrônomo, nem técnico industrial
para discutir o objetivo e alcance dêsse novo e ruidoso plano
de governo, com o nome de Operação N ordeste; tenho, porém,
um diploma que me autoriza a falar do problema da sêca, ou
de quanto o experimentei, e senti e sofri, menino e adolescente,
no sertão distante onde nasci e de lá saí, para não mais voltar,
aos 18 anos de idade: uma polegada de cicatriz, ainda bem
visível, no punho esquerdo, de um golpe de machadinha, com
que eu mesmo me feri, quando cortava rama para o gado, no
alto de um muquém.
Inhamuns, dos municípios do interior do Ceará, era, co­
mo continua a ser, uma das regiões mais atingidas pelo flagelo
das sêcas. De parte a de 1877, que quase despovoou o sertão
cearense, da qual ainda se recordavam, com horror, os que su­
portaram ou testemunharam as suas terríveis consequências, em
um ou outro ano, em pequenos períodos, ou não chovia ou a
chuva fôra tão pouca, que o gado ficava sem pastagens e sem
água. Alguns fazendeiros abastados removiam-no, então, para as
terras férteis do Piauí, enquanto outros, menos favorecidos, se
valiam d s próprios recursos da região: o chique-chique, o man­
dacaru, a corôa de frade, depois de queimados os espinhos, o
muquém, o juazeiro, êste só servindo pela manhã, antes de
aquecer a rama ao sol, tornando-se mortífera; alguns feixes de
capim sêco, arrancado em touceiras, pelos serrotes, trabalho que
reclamava cautela com cascavéis que ali costumavam ter os seus
ninhos.
Embora o nosso gado não desse para uma fazenda, era
em quantidade suficiente para que eu e um irmão saíssemos de
madrugada, com um saco de farinha e rapadura, a cortar rama
ou queimar, pelos taboleiros, chique-chique e mandacaru, só
voltando ao anoitecer, moídos de fadiga.
O que nas sêcas fazia, como ainda hoje faz, maior nú­
mero de vítimas, não era tanto a falta de alimentação, era a
falta d’água. Como os demais rios do sertão cearense, corria o
Trici com tal impetuosidade que, transbordando à tarde, desciam
as águas, na manhã seguinte, já apertadas entre as margens; e
dias após, apenas restavam, nas depressões do leito, alguns
poços que não tardavam em evaporar-se sob um sol de braza.
Abriam-se cacimbas, que se iam aprofundando, até que a fonte
96 ÍTAYTERÀ

estancava. Começava o gado a mugir de sêde, aglomerado, ir­


requieto, trocando chifradas, até que uma rez, cambaleante, tro­
peçava, resvalando e caindo, para morrer, no fundo da cacim­
ba. Cá em cima continuavam as outras a rondar, num lamento
lúgubre, já advinhando, por instinto, o destino da que tombara
lá em baixo,
Não há pena que possa descrever, nem tela que possa
fixar tôda a tragédia daquele quadro de desolação e desespero.
Parecia que sõbre a terra soprava um hálito de maldição; que
a natureza como que estremecia e se comprimia e se estorcia
num surdo rumor de pelejas ocultas travando-se, nas suas entra­
nhas, entre a vida e a morte...
O s dias amanheciam muito claros, com uns farrapos de
nuvens, desgarrados, errantes, longínquos, cada vez mais diáfa­
nos, até que se desmanchavam e desapareciam no abismo de
luz do firmamento.
Foram-se as manhãs festivas dos currais, das lagoas,
dos taboleiros. Só as cigarras, ébrias naquele deslumbramento
de alvoradas, ainda cantavam como que procurando reanimar
as folhas sêcas nos galhos mortos. De momento a momento, o
rugir da ventania, em redemoinhos, torcendo e sacudindo árvo­
res esqueléticas, levantando colunas de poeira, arremessando
troncos e gravetos, para logo amainar, varreando o chão e ex­
tinguindo-se num sussurro de ramarias sêcas.
Pelas várzeas, pelas encostas, pelas margens do rio,
vagueavam, de olhar baço, a pele ressequida, animais descarna­
dos que a fome e a sêde alucinavam. Aqui, ali, ossadas bran-
quejando ao sol, ou corpos, em decomposição, empestando o ar
de exalações pútridas. Dos serrotes ou adejando alto, bandos
de urubus espreitando a carniça, à espera de que não a levassem
tôda para a panela. Porque a fome era tanta que a carne de
animais mortos—bois, carneiros, cabras—era avidamente disputa­
da pelas famílias pobres que, à falta de recursos, não podiam
fugir ao flagelo.
Não podendo mais apelar para a terra, o homem apelava para
o céu. Enchia-se de povo a igreja. Do altar, duas velas melan­
cólicas alumiavam fracamente o recinto. Ouvia-se um murmúrio
cavo de rezas. Depois, aqueles corpos ajoelhados, recurvos,
num bater de peitos, lento, compassado, em lúgubre cadência
com um m ea cu lpa uníssono e doloroso. Saía a procissão, o
andor à frente e atrás dêste o Padre, cantando a M ag n ificat.
Um cheiro de incenso impregnava o ambiente, lembrando en­
terro. Além, no horizonte, fitas vermelhas iam marcando os
minutos da tarde que morria. Cessava a música sacra, Novo
rumor de vozes em prece, para logo se erguer em coro, entoando
ÍT A Y T E IiÀ 97

o Bendito das Almas.


Triste descia a noite sôbre as coisas e sôbre os estô­
magos vazios. No dia seguinte, o mesmo abismo de luz no
firmamento. Os mesmos farrapos de nuvens ainda mais distantes,
mais transparentes, mais diáfanos.
O sertanejo contemplava-os e via que se desfiava, como
na sua alma se desfaziam as últimas esperanças.
Então, mirando bem aquele céu que se arqueava numa
abóboda de fogo, mudo, inexorável aos seus rogos, exclamava,
entre irônico e cético:
—Êste ano só quem escapa é padre e jumento!
O padre, por que a êste seria êle capaz de dar o pró­
prio sangue: e o jumemo, por que, quando nada mais achasse
que roer, arranjar-se-ia nos monturos, comendo mulambo.
Deixei a vila, hoje, cidade de Tauá, em 1909, exata­
mente há meio século: mas, menino e adolescente, eu sabia, como
todo o povo de Inhamuns, ou de todos os sertões nordestinos,
sem precisar da lição de engenheiros, de agrônomos, de técnicos
industriais, como resolver o problema das sêcas. A lição estava
estampada nas cinquenta léguas, a cavalo, atravessando rio»
e terras ressequidas do município de Inhamuns, para atingir a
serra do Araripe e descer sôbre o vale do Cariri, todo êle cor­
tado de levadas de água cristalina, correndo tranquila e perma­
nente, sob aquele imenso tapete de verdura que do alto da
montanha eu avistara, e logo me ocorreu (eu era sacristão e li­
do no Velho Testamento) compará-lo a Canaan, «a terra pro­
metida» que Moisés não conseguiu alcançar. E a minha imagi­
nação conduziu-me a Inhamuns e a um pequeno povoado, Ar-
neiroz, onde o Jaguaribe se apertava num boqueirão que bem
poderia tornar-se em açude, para que se realizasse aquêle mila­
gre da natureza e do homem, que seria a água prêsa e a terra
irrigada, transformando meu sertão num paraíso...

SEXTA EXPOSIÇÃO AGRO PECUÁRIA


Entre os dias 25 e 28 de Outubro, realizou-se no Parque
Permanente, construído pela Secretaria da Agricultura, a Sexta
Expoisção Regional Agro-pecuaria. O ato inaugural, tanto do
parque que consta de sete pavilhões, como da Exposição, se deu
às 10 horas do dia 25, por mãos de nosso conterrâneo Vice-
Governador Wilson Gonçalves que falou naquela ocasião. Ainda
usaram da palavra o presidente da Associação Rural de Crato
Snr. Pedro Felicio Cavalcante e o Cel. Brito Passos, Secretario
da Agricultura do Estado e principais responsáveis pelo grande
exito do certame que muito tem feito para a melhoria dos mé­
todos de agricultura e de criação, nesta região.
98 ITAYTERA

ORDEN a -SE j e s u í t a c r a t e n s e , nos


ESTAD O S UNIDOS
No dia 21 de Junho, ordenou-se Sacerdote em W O O -
D ST O C K , em Maryland, na Igreja dos Jesuítas, o jovem Fran­
cisco Ney de Alencar Arraes, em ceremônia oficiada pelo Exmo.
Arcebispo de Baltimore—D. Francisco P. Keough. Nasceu em Crato,
filho do Snr. Virgílio Arraes e Exma consorte D. Marcionilia de
Alencar Arraes. Fez seus primeiros estudos no Colégio de S.
Inês da Prof. D. Maria de Lourdes Esmeraldo e depois ingressou
na Escola Apostólica de Baturité.
Francisco Ney ingressou na Ordem a 10 de Março de
1945, cursou Filosofia no Colégio Cristo Rei, em S. Leopoldo.
Praticou o magistério em Recife e licenciou-se em Filosofia pela
Universidade Católica de Pernambuco, em 1956. Foi sempre alu­
no que se distinguiu em todos os cursos.

HOMENS E ID ÉIA S À LUZ DA F É


é livro do Ministro Geraldo Bezerra de Menezes. Está
na segunda edição aumentada. É bem escrito, denotando beleza
de estilo e espirito de combatividade em defesa da Fé. É 'digno
de ser lido, nestes tempos de falta de afirmação religiosa.
O Autor que fez carreira na Justiça do Trabalho, é
grande vulto das letras e da magistratura do Brasil atual. É flu­
minense e neto do cratense Dr. Leandro Bezerra de Menezes o
grande defensor de D. Vital, na célebre questão dos Bispos, que
tanto abalou a monarquia. Como seu avô é intemerato defensor
dos postulados da Igreja, com a coragem do mesmo, em seu
sangue.

A RENÚNCIA DE DOM FRANCISCO DE


ASSIS P IR E S
No dia 24 de Outubro, do ano em curso, Crato surpre­
endeu-se com noticia que muito o contristou. Foi veiculada pela
Radio do Vaticano e irradiada, mais tarde, em carater oficial
pela Radio Educadora do Carirí, desta cidade. D. Francisco de
Assis Pires, que passara 28 anos, à frente da Diocese renunciara
o cargo, por motivo de saúde e doença. Durante esse período
soube conquistar o coração de todos os seus diocesanos. Seu
apostolado foi fecundo em todos os pontos de vista e acima de
tudo, porque baseado no Amor, pregado pelos Evangelhos. Crato e
a Diocese o estimam e sentiram-se pesarosos com a noticia. D.
Francisco foi nomeado pela Santa S é—Arcebispo Titular de
Antioquia e Pisidia.
CENTRO DE MELHORAMENTO
- I E B A R U LH A -
A n tô n io C. C o e lh o

Se existe uma instituição que se tornara impres­


cindível aos destinos de uma comunidade, que reanimou
o espírito de um povo e que transformou a fisionomia
de uma cidade, trata-se, evidentemente, do Centro de
Melhoramento de Barbalha, cujo programa de ação,
altamente benéfico e filantrópico, tem sido imitado por
outras terras.
Barbalha, ao longo de sua história, sofreu vio-

Ginásio Santo Antônio—Barbalha


lentos impactos de ordem político-econômica, que tolheram,
por muito tempo, suas vastas possibilidades de desen­
volvimento. Terra rica, de vida própria, podería colocar-se
hoje numa posição bem mais de destaque no conceito
das municipalidades cearenses, não tivesse sido atingida,
tão de cheio, por vicissitudes oriundas de injustiças go-
100 ITAYTÊRA

vernamentais, muito ao sabor de competições regionais.


1944!—Talvez no climax de sua estagnação,
quando o seu grande povo via-se cercado por fortes
concorrentes em todos os ramos do progresso, os bar-
balhenses ainda não se deixaram dominar, tentando uma
nova e vital reação, mais decisiva e enérgica, porém leal
e honesta, consoante seu temperamento e seus costumes.
E , no dia 15 de agosto, uma plêiade de cidadãos trans­
formados em líderes, com o apoio geral de seus conter­
râneos, fundava a patriótica sociedade, sob a égide da
célebre sentença «A U N IÃ O F A Z À FÔ RÇA ». Ainda
hoje me recordo das palavras entusiásticas e fluentes
proferidas, na ocasião, pelo orador oficial Marchei Calou,
as quais constituiram uma verdadeira profissão de fé e
confiança na capacidade de um povo, cuja linhagem e
tradição honram sua história.
O Centro de Melhoramento de Barbalha, na sua
primeira etapa, polarizou suas atividades na solução do
problema da instrução, talvez por compreender e sentir
melhor o alcance da memorável expressão de Miguel
Couto: «No Brasil só existe um problema nacional: edu­
cação do povo».
Campanhas, movimentos, memoriais, comissões e
delegações foram os meios adotados, inicialmente, para
a consecução dos elementos básicos indispensáveis ao
bom desenvolvimento dêste importante setor do progresso.
Todos os esforços foram plenamente compensados, tendo,
de certo, contribuído para isto, êsse tradicional consenso
e afeição dos barbalhenses pelas letras, pela instrução.
Creio que pouca gente, mesmo dêste Cariri, sabe
o que são realmente, hoje, o Ginásio Santo Antônio e
o Ginásio N. S. de Fátima, de Barbalha. O primeiro,
destinado ao sexo masculino, funciona em suntuoso
edifício, construído com todos os requisitos na pedago­
gia moderna. Seus vastos salões de aulas e de dormi­
tório, confortáveis instalações sanitárias e outras impor­
tantes dependências colocam-no entre os melhores exis­
tentes em todo o Nordeste. A direção do Estabelecimento
I;T A Y T E 1 U 101

está confiada à competência dos Padres Salvatorianos.


Só isto seria a melhor recomendação. Mas, acresce que
a primorosa Ordem Religiosa, ao que observo, sente-se
estimulada com os elementos de ordem material e moral
que se lhe oferecem, para maior rendimento e proveito
de sua magnífica obra educativa, no meio barbalhense.
O segundo, para o sexo feminino, funciona ainda em
instalações provisórias, porém com bastante eficiência e
bons resultados para o ensino. É dirigido pelas Madres
Beneditinas, as mais exímias educadoras universais, creio.
Para êste Ginásio, acha-se em construção já bem adi­
antada, um majestoso edifício, de linhas pedagógicas
ultra-modernas.
O Ginásio Santo Antônio já diplomará, nêste
ano, a sua 5a turma de concludentes do curso ginasial.
O Ginásio N. S. de Fátima, a 5a turma do ginasial e
a 4a do normal. ínfere-se dai o grau de desenvolvimento
do ensino médio na boa e próspera cidade que integra
o triângulo caririense.
Outro notável melhoramento em que o Centro
tem grande parcela de realização, é a Estância Termo-
Mineral do Caldas, idealizada e empreendida pelo ines­
quecível barbalhense Francisco Cordeiro. Confortáveis
instalações balneárias e um bom hotel são as obras já
executadas. A Estância foi criada por Lei n° 3.894, de
12 de novembro de 1957, estando, portanto, oficializada.
Logo que seja servida de uma boa rodagem, aliás já
iniciada, completar-se-ão as bases para sua expansão,
pois os seus difíceis meios de acesso impossibilitam a
muita gente visitar e conhecer um pitoresco recanto
serrano, que tem o privilégio tradicional e incontestável
de distribuir saúde a quantos queiram ali estacionar.
Através destas linhas, percebe-se quão elevado
é o plano em que se fixam as atividades do Centro de
Melhoramento de Barbalha. Mas, o fator preponderan­
te de uma orientação assim, tão eficiente e ajustada ao
impulsionamento do progresso do Município, decorre,
indubitàvelmente, da atuação marcante de homens da
102 iTAlTÍEftA

estirpe de Antônio Costa Sampaio e Joaquim Cruz


Sampaio, cujo devotamento e interesse pelo soerguimen-
to da terra natal, são notórios e comprovados.
E , por falar em personagens do cenário barba-
lhense, abro aqui um parêntese e permito-me dizer que
os meus diletos conterrâneos não manifestam inteligên­
cia e boa compreensão, tôda vez que há oportunidade
de unirem-se, afastando mesmo as ideologias político-
partidárias, para transferir o pôsto de Prefeito Municipal
à pessoa de Costa Sampaio, cujo espirito público-pro-
gressista e capacidade realizadora reunem-se a outros
excelentes atributos que ornam a sua personalidade.
Desejo que isto não constitua elogio. Ocorre-me apenas
a intenção de permanecer nas fileiras daquêles que sen­
tem a premente necessidade da mobilização dos valores
humanos, para os postos de comando, numa melhor
tentativa de combater a crise de moral que ora atra­
vessamos,
O Centro de Melhoramento, nêste ano do seu
15° aniversário de existência, apresenta brilhante fôlha
de bons serviços prestados à causa do progresso de
Barbalha. Isto constitui, evidentemente, seu maior estí*
mulo para novos empreendimentos e iniciativas, à base
daquele vasto e altruístico programa consubstanciado
no art. 3°, letras a a k, de seus Estatutos, sobretudo
agora, ao ensejo dessa alvorada de progresso que des­
ponta para todo o Cariri, com excelentes perspectivas
para as realidades da terra barbalhense.
— «A FÊNIX
REFRATÁRIA»—
Arnaldo Vasconcelos
A simples leitura da nota prévia, que abre «A Fênix
Refratária», de Domingos Carvalho da Silva, suscita-nos a já
revelha e discutidíssima questão do «interesse» em Arte. Quais
razões, por certo fortes e indispensáveis, teriam levado o poeta
paulista a apresentar tão inoportunamente como que uma profis­
são de fé poética na escola modernista de 45, para êle movi­
mento mais consciente que o anterior? Principalmente porque o
modernismo brasileiro não se teria preocupado, de início, em
estabelecer uma forma definitiva, que o conduzisse à realização
do ideal poético da época. E o renovamento de 45 pretendia,
antes de mais nada, a isso.
Ora, apresentando-se Carvalho da Silva como teórico
de sua escola, preconizando inovação que êle o primeiro em seria
adotar, ficamos na dúvida se sua obra poética não é dirigida
no sentido da execução dessas novas tendências. Nêsse caso, a
premeditação não teria arrefecido a emoção, desnaturalizando-a
em indubitável prejuízo da linguagem artística, desvalorizada me­
lódica e ritmicamente? Emoção é ritmo, e ritmo é poesia, sobre­
tudo modernista, onde é êle empregado como reforço de sono­
ridade para melhor substituir a rima.
Entretanto, ao terminarmos a leitura do poema, chega­
mos à conclusão menos condenatória: a falha existe, nunca po­
rém na proporção que julgávamos inicialmente. Procurando re­
alizar trabalho melhor do que os anteriormente publicados, Car­
valho da Silva tenta novas incursões no domínio da poética,
talvez em busca de inovações que lhe dêem característica pró­
pria, o amadurecimento artístico. Tendo em vista, e bem repeti­
das vêzes, a técnica e recursos da moderna poesia, com os quais
maneja hàbilmente, explorando-os e tirando o máximo dêsses
elementos, Carvalho da Silva procurou enriquecer a forma, va­
lorizar o ritmo e multiplicar os elementos expressionais.
«A Fênix Refratária», constituída em dezessete cantos,
é como que um passeio da Musa do poeta paulista por diversas
escolas literárias. V ale ressaltar, de comêço, o canto quinto,
composto à moda dos trovadores portuguêses da Escola Pro-
104 ITAYTERA

vençal, que cultivaram a forma poética popular, expontânea e


sentimental, essencialmente lírica. Uma característica importante:
com êsses cantares têve origem a literatura nacional portuguêsa,
já que ela era a expressão artística dessa gente apaixonada que,
mais que tudo, sabe amar. Ã mulher é concedido o privilégio
de seus temas, sendo o motivo de sua ausência frequentemente
repetido: O cenário é a natureza, face original da Escola: o mar,
os ribeiros, os aveleiros, os pinheiros... E a modo de Dom Di-
niz, canta Carvalho da Silva:
«Minha pastôra anda sôbre o mar
a cantar
Anda sôbre o mar minha pastôra,
ai, senhora!
«Anda sôbre o mar e eu sem ninguém,
ó meu bem.
Muge a ventania sôbre o mar, raivosa,
ai, fremosa!»
Mas, êste modo de sentir do inicio do poema, em que
o amor está sempre em primeiro plano, apesar de ser êle mais
platônico do que físico, vai sendo substituído por sentimentos
mais reais, presentes, digamos assim, quando reclama o poeta,
no canto décimo quinto:
«Hoje eu te amo com uma fúria louca
e, em vez de fremosa, te chamo muito boa»!
É o ultra-romaníismo, onde ainda se conserva bem vi­
vo o predomínio do sentimento sôbre a razão. Quem manda
é o coração. Tema e forma enquadram-se, também, mais ou
menos, nos caracteres dessa corrente literária. É a idéia acima
dos rigores gramaticais, estilísticos ou obediência a moldes. Nada
de mitologia, o maravilhoso cristão é o ideal.
Examinemos, agora, o canto décimo sexto, espécie de
evocação da bem-amada. Já aqui o lirismo de Carvalho da Sil­
va é satânico. Tudo, maior liberdade poética, investidas contra
princípios cristãos, uso de estrangeirismos, conquanto que sua
linguagem possa tocar a mulher de seus sonhos. A idéia, ainda
agora, nos faz lembrar a meta trovadoresca: o amor, de qual­
quer jeito, a qualquer custo:
«Valha-me a Sanctissima Virgo
Valham-me as que não são santíssimas.
Valham-me principalmente as que não são virgens.
Valham-me todos os poetas nêste transe para que
a bem amada possa escutar-me.
interpretar-me
ouvir-me
traduzir-me-
ITAYTE&A 105

Valha-me Rilke
— Ist er eins Hiersiger?
Keats responde; Happy is England
— Happy birthday,
happy birthday, Hilda! —
Por fim, vejamos o canto décimo segundo, que nos me­
rece especial atenção. Carvalho da Silva é, agora, realista puro,
lembrando o Junqueiro filosófico, moralista. Já não interessa
mais a amada, que, apesar de todas suas sutilezas e obstinações,
ministrou-lhe, entanto, a grande lição de vida, resumida em:
«Não hás de ver-me phtysico: bem sei
que não te verei hectica.
Do nosso amor saudável tirarei
Minha doutrina esthetka.
«O vago amor platônico — êsse absintho
Contrário à Natureza.
Será crestado pelo sol do Instincto,
Ardente de pureza.»
À razão sobrepuja-se a sensibilidade. A finalidade é o
homem.
Narcisista, comprova-o sobejamente a estrofe primeira do
canto décimo, como outra qualquer que lhe tomássemos ao acaso:
«Lidia, o sol que cresce ao meio dia
Desaparece à tarde.
Á noite êle não arde
E nno nos alumia.
Mas nos teus olhos, Lidia.
Há sempre a côr do dia.»
Aliás, o narcisismo é característica inerente aos cantares
de Carvalho da Silva—a amada, sempre amada e só”— confir­
mando assim, portanto, predição inicial de nossas considerações
sôbre «A Fênix Refratária.»
Ressalta-se, em tempo, que em nenhuma dessas tentati­
vas Carvalho da Silva realizou-se plenamente. O filosófico do
canto décimo segundo, aproxima-se ainda, pela forma, do Gon-
gorismo. Satânico, domina-o sempre o ideial da poética trova-
doresca.
«A Fênix Refratária» pode considerar-se uma experiên­
cia feliz, mesmo pela grande penetração poética de seu autor.
E Carvalho da Silva é, antes de tudo, um poeta em busca da
renovação que lhe outorgue o título de verdadeiro artista: a
criação de realidades novas.
1TAYTERA

SINFONIA INTERIOR
Recebemos o livreto de poemas «SINFONIA INTERIOR»
Mais outro livro de verso desse poeta inato — José Newton
Alves de Souza. Canta as belezas eternas de Deus. É a alma
da criatura que se aproxima do Criador em estrofes maviosas,
em estilo modernista. O livro é prefaciado pelo culto sacerdote
— Pe. Antonio Feitosa que sabe bem definir o Autor. Preci­
samos mostrar o poeta, embora em pequeno trecho:
A MÚSICA EVANGÉLICA
Se a mensagem do Bem inda não ouviste,
ao folhear o Livro,
despoja-te do chumbo escravizante:
Sentir-te-as harmonico e sutil,
leve, completo, iluminado...
... e ouvirás a Musica do Ceu.

A MORTE É O SILENCIO
A morte,
Ê mistério,
É o silêncio,
É o fim!
É uma interrogação,
É o terminar de uma jornada!
É lágrima,
É luto,
É em breve ser esquecido...
É o passado,
É ao desprezo ser legado...
É o deixar de sofrer!...
É o segredo do túmulo,
Ê a eternidade,
Ê o nada!
João D antas (Monteiro)
Campina Grande, M/IV/1959
G tacílio A nselm o e Silva
C A P ÍT U L O I
O m eio
O Cariri, cuja área territorial abrange vinte Municípios
da região meridional do Ceará, (1) é um contraste surpreendente
na paisagem comburida do Nordeste. Pela sua configuração
fisiográfica, fertilidade do solo e amenidade do clima, é a^.antí'
tese da vasta zona que o circunda, verdadeiro oásis cujas terras
verdejantes têm sido, no decorrer dos tempos, refúgio e asilo
dos fugitivos das sêcas periódicas.

Redovia so b re a chapada do Araripe, ligando Crato à


cidade pernambucana de Ataripina
FOTO 0 0 AUTOR
A sua dessemelhança com as terras áridas do sertão
provém da Serra do Araripe, singular montanha de formação
arenítica, de cuja base brotam fontes perenes que irrigam os
108 ITAYTERA

sítios adjacentes e que outrora banhavam os vales.


Constituindo um arco de círculo orientado de leste a
oeste, num comprimento aproximado de 180 quliômetros por 33
na sua maior largura, (2) e tendo uma altitude que varia entre
900 a 1.000 metros, a cordilheira araripeana caracteriza-se pela
planura de sua chapada e o contorno escarpado de suas encos­
tas, submetidas à ação lenta mas continuada das erosões, pelo
que já foi denominada de «serra em decomposição.» (3).
Dêsse trabalho demolidor exercido pelas precipitações
pluviais, resultou o desnudamento das vertentes e sua transfor­
mação em taludes quase a prumo, surgindo, aqui e acolá, ravinas
gigantescas, como as que são vistas nos arredores do Crato,
Nova Olinda, Santana do Cariri e Jardim, por onde rolam ca­
madas de areia que aterram as baixadas.
Com o advento da colonização do Cariri, ocorrida no
alvorecer do século X V III, outro agente geológico abateu-se
sôbre a famosa cordilheira. Com efeito, incidindo no mesmo
processo aplicado na cultura dos campos pelo aborígene, méto­
do, aliás, secularmente usado pelos portugueses na Península,
(4) os colonizadores ceifaram grandes faixas da floresta virgem
que revestia o altiplano, submetendo-as à voragem das queimadas.
A devastação porém não se limitou às brocas; esgotada
a mata das encostas e abatido o arvoredo que guarnecia as
margens dos regatos, o colono buscou na chapada madeira para
as construções e lenha para as «casas-de-farinha» e engenhos-
de-rapadura.
Assim, exposta à voracidade do fogo e à crueldade do
lenhador, a Serra do Araripe perdeu o seu esplendor primitivo,
não só com relação à flora, mas à sua variegada fauna.
Como sói acontecer nêste País de irresponsabilidades,
somente muito tarde surgiram providências governamentais para
preservar o restante d a . antiga riqueza vegetal da serra dadivosa,
através do Decreto-lei n° 9.226, de 2 de maio de 1946. Atual­
mente, 34. 790 hectares da área total da chapada estão defendi­
dos e conservados sob o regime estabelecido no Código Flo­
restal, aprovado pelo Decreto n° 23.793, de 23 de janeiro de
1934, enquanto o resto do planalto ficou dividido para pastagem
e agricultura. (5) Parco, entretanto, há sido o resultado de tais
medidas. Daí esta revelação desabonadora, que se traduz num
protesto, do técnico e escritor José G U IM A RÃ ES D U Q U E,
inserida na sua obra «Solo e Água no Polígono das Sêcas» (3a
edição, Fortaleza, Ceará, 1953):
«A chapada superior da serra tem sido muito devastada
pelos particulares, apesar da legislação que criou a Reserva
Florestal do Araripe e da fiscalização dos agrônomos do Serviço
1TAYTÊRA Í09

Florestal do Ministério da Agricultura.


Nesta como noutras questões agrícolas o agrônomo não
tem tido o devido apoio do Govêrno nas providências adminis­
trativas e muito menos o acatamento das autoridades municipais
para amparar os seus atos em benefício da coletividade». (6)
Provavelmente, nenhum relatório oficial descreveu a de­
vastação do Araripe com mais exatidão do que êste singelo verso
de José Alves de Figueiredo:
«O fogo, a foice e o machado,
Andando sempre à porfia,
Num esforço conjugado,
Vararam-lhe a mataria:
Na floresta rarefeita
A magia está desfeita
E de um passado opulento,
Restam-lhe poucos visgueiros,
Ramalhudos piquizeiros,
Dando fruto suculento». (7)
Na verdade, o emprobrecimento do Cariri começou com
o machado devastador do colono, porquanto a diminuição das
fontes d’água que banhavam o vale e faziam correr o Rio Sal­
gado às proximidades do Icó, foi uma consequência da destruição
das matas que recobriam o Araripe. Segundo o testemunho de
Antônio Bezerra («Algumas Origens do Ceará», Fortaleza, Ceará,
1918), o Riacho dos Porcos era perene até o ano de 1824.
A outros fatores, tais como as invernias excessivas e o
método rudimentar da lavoura ainda hoje em vigor, juntou-se a
vertiginosa densidade demográfica e a fatal desproporção dos
recursos naturais da gleba em relação ao crescimento da popu­
lação, fenômeno peculiar às regiões subdesenvolvidas. A propósito
desta última causa determinante do pauperismo, tema que ora
preocupa os estudiosos e alguns homens de govêrno, acentui-se
que só no trintenário 1920— 1950, a população do Cariri teve
um aumento de 200%, apresentando uma densidade de 34 habi­
tantes por quilômetro quadrado. (Cfr. «Flagrantes Brasileiros»,
n° 11, IB G E —Conselho Nacional de Estatística, junho de 1958).
Por tudo isso, o Cariri já não oferece ao retirante as
condições salvadoras dos velhos tempos. E não é de hoje que se
incorporou às áreas de fome endêmica do Brasil de que nos fala
o Professor Josué de Castro, estando, consequentemente, sujeito
às mesmas calamidades periódicas que atormentam as populações
110 ITAYTERA

do Nordeste, razão por que afirmava Irineu Pinheiro: «Guer


queiram ou não, o Cariri é puro sertão. Apenas um trato mais
feliz de nosso hinterland». (8)

Habitação típica do trabalhador rural do Cariri


FOTO DO AUTOR
Todavia, a Serra do Araripe é ainda razoável fonte de
riquezas naturais que mantém o vale do Cariri na posição de
zona privilegiada no Poligono das Sêcas, sem contudo chegar
a ser a Canaan louvada por alguns ufanistas.
À exceção da exuberância prodigiosa de suas terras, o
Cariri apresenta as mesmas características das outras regiões nor­
destinas, onde a civilização nasceu e evoluiu através de cruentas
e continuas lutas, ora em defesa da propriedade, ora pelo do­
mínio político. Portanto, a sua paisagem social é idêntica à do
•São Francisco, do Pajeú ou dos Inhamuns, com os quais, segun­
do observa o douto Professor Joaquim Pimenta, forma «uma só
comunidade, cimentada em um passado de sofrimentos heróicos,
de tradições comuns, de interesses e idéias que se confundem
na unidade etno-cultural de um dos povos mais característicos
entre os que a antropo-geografia pôde fixar por fatores telúricos
que se tornaram decisivos na sua formação e evolver histó­
rico». (9)
I T.A' YTER A 1U

Assim se explica a proliferação em terras caririenses


dos tipos comuns àqueles rincões sertanejos, como o vaqueiro e
o coronel, o beato e o cangaceiro, com todo o seu acervo de
hábitos e costumes, crenças e tradições, hoje integrados defini­
tivamente na literatura nacional> pela contribuição de escritores
da estatura mental de Antônio X A V IER DE OLIVEIRA , Eu-
clides da Cunha, Gustavo Barroso, Leonardo Mota, Luís da
CÂMARA CASCUDO e tantos outros.
xxx
Com mínima contribuição do negro, mas real, a formação
étnica, econômica e social do Cariri è oriunda de pernambuca­
nos, baianos, sergipanos e pequena cota de reinóis e indígenas.
(Cfr. P. Antônio Gomes de Araújo, «Raízes Sergipanas...», in
«Itaytera», n° III, Crato, 1957).
A criação de gado foi a primeira atividade básica do
colonizador, em cujo decurso (1712) adveio a indústria minera-
dora, logo frustrada, mas que teve o mérito de acelerar o po­
voamento da região, tão logo se extinguiram as esperanças em
Morro Dourado.
Num documento datado de 1738, firmado pelo Capitão-
Mor Francisco Pinto da Cruz e aludido pelo historiador Irineu
Pinheiro no seu livro «O Cariri» (Fortaleza, Ceará, 1950—pág.
54), há notícia de um engenho de cana naquelas paragens, pre­
cisamente no Riacho dos Porcos, Contudo, somente a partir de
1750 principiou a transição da vida econômica do vale para a
agricultura, destacando-se a indústria da cana de açúcar, cujo
desenvolvimento propiciou a ascenção político-social de velhos
fazendeiros.
Surgiu então a curiosa figura do senhor de engenho,
versão sertaneja do antigo barão do feudalismo europeu, em
cujas mãos repousava a autoridade, a lei e a ordem, pois àquele
rincão, insulado pelas distâncias, não se estendia a ação do
Govêrno.
As relações comerciais—como ainda hoje—eram mantidas
com Pernambuco, para cujos estabelecimentos de ensino os gran­
des proprietários encaminhavam os filhos, geralmente reservados
à carreira eclesiástica, porquanto ter um filho padre significava
adquirir prestígio para a família e alcançar passaporte para o
Céu.
Dêsse duplo intercâmbio nasceu a influência cultural e
política do Leão do Norte sôbre a gente caririense, refletindo-se
decisivamente nos acontecimentos memoráveis de 1817, 1822 e
1824, dos quais, no Ceará, a iniciativa coube ao Cariri.
De sua acidentada crônica, eivada de conflitos políticos
e econômicos, destaca-se o movimento pela criação da Província
112 ÍTAYTERA

do Carirl, tentada repetidamente em 1828, 1845 e 1846 e 1855, em


defesa da qual JOÃO BRÍGIDO dos Santos fundara em Crato«0
Araripe», cujo primeiro número circulou no dia 7 de julho do
último ano da campanha. E como os ideais não morrem, ainda
recentemente o Cariri voltou a agitar-se pela sua emancipação
politica, não mais com a justificativa do isolamento da região,
mas por motivo do seu secular abandono pelos Poderes Públicos.
Aliás, a fundação de um Estado na zona sul do Ceará, está
preconizada num magnífico estudo sobre a divisão territorial do
País, de autoria do atual General João de SEGADAS VIANA,
publicado no n° 3 da Revista Brasileira de Geografia, de julho
de 1940. x x x
Por sua situação geográfica, Crato é o centro de gravi-
tação do Cariri, estendendo sua influência comercial ao interior
do Piauí, Pernambuco, Paraiba e Rio Grande do Norte.
Como as primitivas localidades sertanejas, essa histórica
cidade despontou sob o influxo da Cruz alçada pelo missionário
e ao troar do bacamarte empunhado pelo conquistador da ter­
ra, a confundir-se com o sibilar das flechas inimigas do aborí­
gene.
Frei CARLOS Maria de FERRARA (10) foi o seu
fundador, estabelecendo um aldeamento para os sobriviventes
dos Cariris, da tribo dos Cariús, e erguendo uma capela sob a
invocação de Nossa Senhora da Penha de França. (11)
Levando-se em consideração o seu afastamento do lito­
ral e a escassez de comunicações com a sede do Govêrno Pro­
vincial, Crato teve marcante desenvolvimento, tornando-se, logo
após a ação civilizadora de Frei Carlos, o ponto nuclear do
vale, para ser depois, em ordem cronológica, o 6o Município
inaugurado na antiga Província do Ceará, com a denominação
de Vila Real do Crato, no dia 21 de junho de 1764. (12)
O atestado de sua ascendência econômica, política e
social sõbre as demais localidades da região, está na sua per­
manente indicação para capital da sonhada Província do Cariri,
em tôdas as tentativas levadas a efeito no século passado, bem
assim no projeto do Deputado Wilson Roriz, de 21 de maio de
1957, e no já referido trabalho do General Segadas Viana.
Vários aspectos da antiga Vila Real do Crato estão
fixados no livro do naturalista inglês George Gardner—«Viagens
no Brasil»—que lá esteve em 1838, seis anos antes do nascimento
do Padre Cícero,
ITAYTERA 113

NOTAS

(1) —Os Municípios ora existentes no Cariri são os se


guintes: Abaiara, Araripe, Barbalha, Barro, Brejo Santo, Caririaçu
(ex-São Pedro do Crato), Crato, Farias Brito (antigo Quixará),
Grangeiro, Jardim, Jati (ex-Macapá), Juàzeiro do Norte, Mauriti,
Milagres, Missão Velha, Nova Olinda, Penaforte, Porteiras,
Potengi (antigo Xiquexique) e Santana do Cariri.
Nestes últimos anos, houve radical transformação terri­
torial na maioria dos Municípios tradicionais da região, com a
criação de sete novas unidades, todas elas sem expressão geo­
gráfica, econômica, política ou social que justificasse sua elevação
ao nível municipal. Relativamente a êste surto de falso desen­
volvimento, o Estado do Ceará conquistou o primeiro lugar em
todo o País, criando em apenas dois anos (julho de 1955 a
julho de 1957) 42 novos Municípios, enquanto, em igual período,
o Paraná criou somente 12 e a Bahia 1. (Cfr. Revista Brasileira
de Estatística, n° 73/74, de janeiro/junho de 1958—pág. 37).
Na realidade, êste processo de conceder autonomia ad­
ministrativa a povoados insignificantes, sem método, estudo e
planejamento, tem sua origem nos 10%da arrecadação geral do
imposto de renda que a União distribui anualmente aos Muni­
cípios, e na cota do Fundo Rodoviário Nacional, cujo montante,
com raríssimas exceções, tem proporcionado o enrequecimento
execrável dos prefeitos matutos.
(2) —A maior extensão em largura da Serra do Ararip
está situada entre Crato e o Município pernambucano do Exu,
medida pelo Tenente-Coronel José Vitoriano Maciel, conforme
assegura o Dr. Antônio M A RCOS de MACEDO, referido por
Irineu Pinheiro (ob. cit., pág. 16).
(3) —A expressão é do Dr. Guilherme CAPANEM A
depois Barão de Capanema, que estivera no Cariri era 1859,
como chefe de secção de uma comissão do Instituto Histórico e
Geográfico Brasileiro, presidida pelo Dr. F. Freire Alemão, da
qual faziam parte os Drs. Manuel Ferreira Lage, J. R. Gabâglia,
Antônio G O N Ç A LVES DIAS, ajudantes e técnicos.
(4) —Quem o afirma é o historiador e sociólogo portuguê
Henrique de Barros, na sua obra «Ensaio Sôbre a História da
Colonização Metropolitana», citado pelo escritor João Dornas
Filho, «Aspectos da Economia Colonial», Biblioteca do Exército—
Editora, vol. 246, Rio, 1958—pág. 252.
(5) —Dados colhidos em «Floresta Nacional Araripe—
Apodi», de autoria do Eng.—Agr. Antônio Alves de Q U EIRO Z ,
114 ITAYTERA

in «Itaytera», n° 2, Crato, 1956—págs. 234/244.


(6) —Esta observação encerra fatos incontestáveis, dos
quais o autor dá o seu testemunho pessoal. No verão de 1958,
durante repetidas noites, grandes incêndios foram ateados crimi­
nosamente nas quebradas vizinhas do Crato, sem que houvesse
quaisquer providências para coibir êste abuso inveterado, não
obstante reiteradas denúncias do jornalista José de F IG U E IR E ­
DO FILH O nos jornais de Fortaleza. A sabotagem às medidas
oficiais é permanente, inclusive sob a forma de destruição e
roubo do arame farpado que protege a zona florestal da chapada.
(7) —Do poemeto «Serra do Araripe», in «Cidade do
Crato», de José de FIG U EIR ED O FILHO e Irineu Pinheiro,
Departamento de Imprensa Nacional, Rio, 1955—págs. 91/96.
(8) —Em outubro de 1958, num inquérito realizado em
Crato, o autor fixou as condições em que vive o resignado tra­
balhador rural daquele Município, sem dúvida, o mais próspero
da região. Habita uma cabana miserável, com tecto de palmeira
ou telha e parede de taipa, tendo por piso o chão batido e nu,
com ausência total de higiene e conforto, O salário varia entre
15 e 30 cruzeiros por dia, com direito à seguinte ração alimentar;
café simples pela manhã; almoço de arroz e feijão (separados
ou em «baião-de-dois»), temperados com gordura, tripa ou touci­
nho, com sobremesa de rapadura. Ao meio-dia, 1/4 de rapadura
por merenda. Jantando, invariavelmente, feijão com farinha, uma
ou duas vezes por semana o trabalhador consome 200 gramas
de carne com pirão. Em alguns sitios, o trabalhador fixado
ganha menor salário, às vezes 8 cruzeiros, tendo porém direito
a mel e frutas, enquanto nos roçados o trabalho é pago por
tarefa, seja rendeiro ou meeiro o trabalhador, que não tem qual­
quer assistência do patrão, havendo abundância de gêneros. De
resto, ao trabalhador rural do Cariri, que desconhece qualquer
forma de assistência social, legislação trabalhista e salário mínimo,
falta até mesmo o prazer da vida no lar, porque vive esmagado
pela penúria da prole numerosa, desnutrida, doente e nua. Ainda
em meados de 1953, o autor constatou êste fato espantoso: algu­
mas famílias residentes na Serra do Latão, entre Santana do
Cariri e Nova Olinda, não comiam carne há sete meses.
(9) —Trecho de carta ao autor, publicado no n° 3 da
revista «Itaytera», Crato, 1957—pág. 249.
(10) —Frei Carlos nasceu em 1706, na cidade de Ferrara,
ao norte da Itália, e chegou ao Brasil no ano de 1736. Por
escassez documental, ainda é desconhecida a época exata do seu
aparecimento no Crato. A data mais recuada relativa à sua pre­
sença na antiga Missão do Miranda e à igreja que êle fundara,
1TAYTERA 115

é 30 de julho de 1741. (Cfr. Pe. Antônio Gomes de Araújo,


A Cidade de Frei Carlos, «A Província», n° 2, Crato, 1954,
pág. 38). De acordo com o citado autor, Frei Carlos deixou a
Missão em 1749, substituído por Frei Gil Francisco de Palermo.
De 1750 a 1752, foi Superior dos Capuchinhos do Nordeste,
com sede no Recife. Em 1753, no Rio de Janeiro, assumiu a
Prefeitura Capuchinha, cargo em que foi colhido pela morte, no
dia 10 de fevereiro de 1774, contando 68 anos de idade.
(11) —A imagem da Padroeira foi trazida do Recife, em
1745, Pereira da Costa, anais, vol. v. p. 128 e 129.
(12) —Presidiu o ato inaugural o Ouvidor Vitorino Soa­
res Barbosa, sendo eleito para a função do poder executivo
Municipal, o Capitão Francisco Gomes de Melo, bisavô da ge-
nitora do Pradre Cicero!
EM TEM PO : — N a página 12, onde se lê «na antiga Província do
C e a rá » leia-se «na antiga Capitania do Ceará...»

FUNDADA A ASSOCIAÇAO DOS SER V ID O RES


PÚBLICOS
Acaba de ser fundada, em Crato, a Associação Bene­
ficente de Servidores Públicos, que tem por finalidade:
congregar sob o lema «União e Solidariedade», todos
os servidores públicos federais, estaduais e autárquicos,
da região do Cariri. Foi aclamada a diretoria provisória,
sendo seu presidente Antonio Feitosa, vice — Antonio
Corrêa Coelho, I o. Secretário — Raimundo Gonçalves
de Oliveira e segundo —- João Gualberto de Meneses.

IL U S T R E CRATEN SE M ORREU NO RIO :


FENELON BOMILCAR
No ultimo dia 12 de outubro, faleceu no Rio de
Janeiro, o ilustre cratense, Dr. Fenelon Bomilcar da
Cunha, na avançada idade de 74 anos. O extinto era
descendente de uma das mais tradicionais famílias con­
terrâneas, e fôra, durante largos anos, professor de
Português no Colégio Militar da capital da Republica.
116 ITAYTERA

CARTA V IN D A DO MÉXICO ELOGIA


«ITAYTERA»
Transcrevemos abaixo o texto de uma carta procedente do
México, firmada pelo professor Djacir Meneses sôbre a revista
Itaytera, editada no Crato, e dirigida aos srs. Cel. Teles Pinheiro»
Otacilio Anselmo e Figueiredo Filho:
«Que o Ano Novo traga à Revista e à sua excelente
liderança intelectual renovada fôrça para continuar o fecundo
programa que vem executando com inteligência e bravura. Sim,
bravura também, porque avalio, nesta distância, o que vem a
ser a publicação de «Itaytera», com a seleção de seus trabalhos
históricos e literários.
Meu Pai não se descuida de mandar-ma. As raizes do
sangue são vigorosas: e assim eu, que me considero um jagun­
ço da Praça do Ferreira, tenho, dentro de minha saudade an­
cestral, todas as evocações do velho Cariri, como se lá tivesse
nascido e vivido. Sabem porque êsse milagre? Por causa do meu
Pai, que de lá saiu criança, mas nunca esqueceu o torrão mais
digno de respeito histórico deste nordeste que a gente traz no
sangue. E quanto mais cresce a distância dali, mais revive o
laço sentimental dentro do coração.
É o que se passa comigo. E as páginas da Revista
têem o condão de aquecer todas as evocações de uma região
que me vem ao espírito através da palavra de um velho lutador,
que de lá saiu muito cedo, mas que, dotado de uma fibra de
aço, abre ante meus olhos de filho o mais luminoso exemplo de
energia moral que, reconhecido, posso orgulhosamente contemplar.
Com tais fontes de vitalidada espiritual,—como não lançar os
olhos para o rincão onde mergulham as raízes dos entes que
mais quero?
Recebam, pois, o mais caloroso agradecimento do ca-
ririense nascido, por mera circunstância, na orla do litoral, mas
que, pelo coração, sempre viveu na sua, digo, na nossa inolvi-
dável terra.
Cordialmente,
a) DJACIR M EN EZES
. MANUEL MONTEIRO
R A IM U N D O M O N T E A R R A E S

Em mensagem telegráfica, procedente de Fortaleza, recebi


a dolorosa comunicação de que se finara, ali, o Dr. Manuel
Rodrigues Monteiro, poeta, prosador, crítico, jornalista e ensaísta
de subida expressão.
Em um outro país, em que o culto do talento, envês de
resultar de combinações mais ou menos interesseiras, estivesse
na razão direta dos merecimentos de cada um, e merecesse,
assim, maior apreço, podería eu anunciar, com o simples nome
designativo da pessoa, a dolorosa ocorrência, sem a êle nada
mais acrescentar. A enunciação, despida de qualquer frase com­
plementar do nome aureolado, bastaria para revelar a êsse pre-
claro cenáculo de letras, o alcance da infausta notícia.
Manuel Monteiro, com quem vivi, durante anos em plena
fraternidade espiritual, era, na verdade, um monumento de cul­
tura, extraviado pela falta de ambiente, nas longínquas regiões
do país. Filho da cidade cearense do Crato, no sul do Estado,
e nascido de pais detentores de opulentos recursos econômicos,
separando-se, por vocação para a vida espiritual, dessa vultosa
herança, desde jovem inscreveu-se entre os legionários das letras
nacionais, pertencendo à falange dos poetas e escritores cearen­
ses de maior aprumo, pela eleição de seus temas e pelo escor-
reito da frase.
Apesar de haver, durante um amplo ciclo de sua mocidade,
difundido em vários setores dos nossos meios culturais, as cam-
biantes do seu luminoso espírito, cerrou perpetuamente os olhos
para a realidade objetiva, já quase ignorado dos seus contem­
porâneos, e, seguro de que, sôbre os seus grandes dotes de
brilhante intectual, pesaria, irremediavelmente, o desinteresse das
futuras gerações.
O seu destino marcará, pois, se não surge alguma voz
em reação para repor a justiça, bem, possivelmente, mais uma
vez, na cadeia do julgamento histórico dos nossos valores, o
fato tão frequente aliás em nosso ambiente literário, de uma
valiosa existência cheia de lances fulgurantes, ao transpor os
pórticos da vida objetiva, não encontrar um refúgio, ainda que
da menor grandeza, nos recônditos da alma coletiva, ou mesmo
a dos que, por dever de ofício, volvam o pensamento para os
que já mergulharam na amplidão da eternidade.
No entanto, Senhores, Manuel Monteiro, ao evolar-se
118 ITAYTERA

para o alto, bem merecia ser evocado, tão coloridos foram os


traços com que assinalou o seu percurso por numerosos campos
das atividades mentais do país.
Creio não avançar uma vã afirmação ao proclamar que,
Manuel Monteiro, sorrateiramente subtraído à convivência dos
seus conterrâneos da capital do Ceará, era um luminar das
letras, um gigante tolhido em seus grandes surtos por fatos que
não vêm a pêlo enunciar.
Ingressando nos primeiros estudos em sua própria cidade
natal, a deficiência de estabelecimentos adequados compeliu-o a
demandar o sul do país em busca de melhores oportunidades,
para prosecução de seus estudos, já de nível secundário. Muito
jovem ingressou no seminário de Mariana e Diamantina, em
Minas, objetivando a carreira eclesiástica, na conformidade dos
desejos paternos, já que procedia de uma ascendência toda ela
vinculada à vida religiosa do país, não sendo raros entre os
seus, a presença de apóstolos devotados ao serviço de Deus,
como fôra, por exemplo, o seu tio-avô, o venerável sacerdote
Monsenhor Monteiro, de tão grata memória no círculo clerical
de todo o Ceará.
Já se anteolhavam bem próximos os pontos culminantes
do alvo previsado quando, então diácono, com alguns outros
colegas, entre os quais Antônio Torres, Efigênio e Joaquim Sa­
les, que tanto se destacaram, nos meios jornalísticos e literários,
resolveu orientar a sua bússola para outras direções, demandan­
do a capital da República, visando, já agora, outras atividades
de caráter profano.
Embora essa mudança de rumos, a sua formação, rigo­
rosamente católica, fê-lo, mal chegado ao Rio, convergir para a
roda íntima do grande cientista e jornalista católico Felício dos
Santos, onde, conduzido pelo nobre doutrinário da imprensa re­
ligiosa, ingressou no círculo do jornalismo metropolitano, como
co-redator da «União», repórter de «O País», co-redator de «À
Notícia» e «Jornal do Comércio», impondo-se como cronista de
invulgar merecimento. Foi, depois de haver ingressado nesses
domínios das atividades mentais, em que se impôs, inclusive co­
mo ironista de acentuado pendor, que passou a cursar a Aca­
demia de Medicina, formando-se em farmácia e levando o cur­
so médico até quase o seu final.
As suas inclinações meio mundanas, o seu gôsto pelas
palestras alegres, de que era um diletante altamente credencia­
do pelo seu aticismo e bom humor, mais uma vez levaram a
mudar a direção de seus pendores profissionais, É assim que
se matriculou na Faculdade de Direito, bacharelando-se, por
fim, nesta altura já altamente credenciado nas rodas, não só do
__________________ .-ftTAYTfERA _____________ 119

jornalismo, mas dos círculi& Jiterários da capital da República,


como um «causeur» de aprimorado e elegante modo de ex-
primir-se, o seu nome circulava por todos os lugares onde se
tornavam conhecidas as suas virtualidades de palestrador exímio
e quase inimitável. Todos o queriam escutar.
O seu senso crítico e a sua faculdade de esvurmar, com
maliciosa suavidade, certos aspectos vulneráveis dos interlocutores,
o tornaram, de vez, tão temido quanto querido e acatado.
Na imprensa, em colaborações assinadas, aqui ou no
seu Estado natal, pouco a pouco grangeou Manuel Monteiro
sólida reputação de colunista ágil e erudito. Sem ser agressivo,
por sistema, pois nunca o dominou a paixão política, não sendo
portanto, assim, um panfletário, era, não obstante, temível nas
suas investidas contra aqueles que, como seus opositores literá­
rios, incorriam na mordacidade de sua crítica.
Vi-o, certa vez, brandindo a pena, quase fulminar, men­
talmente, em artigos que publicou no antigo jornal «O Diário
do Estado», de Fortaleza, e no «Correio do Ceará», o nosso
mestre Sílvio Júlio, bem como o advogado Adauto Fernandes.
Foi uma catadupa de frases impetuosas que deixou jorrar
sôbre a personalidade dos dois contendores, que se interpuzeram
na sua órbita de ação, convidando-os ao combate.
Enquanto permaneceu no Rio de Janeiro, durante de­
cênios, após ter lido a grande e renomada biblioteca do Conde
Ulisses Viana, deletrou a maioria das obras literárias, sobretudo
de crítica, existente na nossa Biblioteca Nacional.
Latinista de profundidade, amava as obras clássicas e
voltara-se para as atividades greco-romanas. Tão familiares se
tornaram para êle os temas ligados às duas civilizações, que até
parecia ser um dos seus contemporâneos. Era, na verdade, M a­
nuel Monteiro, um grande conhecedor do espírito literário da­
queles povos, como também um vasto sabedor de tôda literatura
moderna francesa, ou melhor, de toda a literatura neo-latina.
No sentido de filosofia moderna, parece que o estou
ouvindo dissertar sôbre os filósofos de maior autoridade no
helenismo e no latinismo. Há 40 anos, Benedito Crocce, antes
de ser conhecido de qualquer outro brasileiro, já lhe era familiar.
De formação religiosa, acompanhou, apaixonadamente, o
neo-tomismo na sua vasta expansão e renovação, por todos os
âmbitos da vida mundial.
Era um mestre de leituras amplíssimas e variadas. Gran­
de assimilador, lia anotando à margem, ou em cadernos apro­
priados as obras de seus autores prediletos. A sua vasta bibli­
oteca, de Fortaleza, deve estar repleta de observações dêsse
tipo, dignas de serem reunidas e, em seguida, publicadas.
120 ITAYTER^A

Não já, só como homenagem ao erudito morto, de vida


tão pouco conhecida, senão como um serviço às letras nacionais,
ampliando para maior círculo de leitores, as magistrais observa­
ções de seu espirito crítico, urge que seja divulgado, em livros
póstumos, o valioso material existente naquele amplo repositório
de proveitosas lições.
Mas, Sr. Presidente, não venho aqui fazer uma confe­
rência, senão esboçar, em rápidos traços, o perfil de um grande
companheiro dos labores a que nos dedicamos. Mais tarde, se
possível for, voltarei ao assunto.
Por hoje, para não me alongar, dada a premência do
nosso tempo, limito-me, com o que ficou dito, a solicitar de V .
Excia., e dos nossos ilustres pares, que se dignem de consignar
em ata, o pesar que assalta todos nós, pelo desaparecimento
de Manuel Monteiro, e, em continuação desta pequena homena­
gem, que seja comunicado à sua Exma. Viuva que é, também,
uma literata de significação valiosa no meio cearense e da Àla
Feminina da Casa de Juvenal Galeno, os nossos profundos sen­
timentos pelo desaparecimento do eminente e ilustre confrade.
Discurso proferido na Federação das Academias de Le­
tras do Brasil, no Rio de Janeiro, a 25 de outubro de 1958,
estando presentes as seguintes personalidades: Dr. Paulo Bentes
Acre), Dr. Petrarca Maranhão (Amazonas), Comandante Toríbio
Lopes, Cel Ismaelino de Castro (Pará), Desembargador Assis,
Joaquim Luz, Antônio Oliveira (Maranhão), Desembargador
Cristiano, Dr. Martins Napoleão, Dr. Moura Rêgo (Piauí), Drs.
Monte Arraes, Mário Linhares, Carlos Oliveira Ramos, Augusto
Linhares, Almirante César Fonseca (Ceará) Dr. Deoclécio Duarte,
Dr. José Augusto, Cônego Jorge 0 ’Grady Paiva (Rio Grande
do Norte), Dr. F . Pedro C. da Cunha, Desembargador Maurício
Furtado, Dr. José Moura Junior, Dr. Apolônio Nóbrega (Paraí­
ba), Dep. Ulisses Lins, Dr. Raul Monteiro, Dr. Francisco Sousa
Brasil, Prof. E. Wanderley (Pernambuco), Comandante Carlos
Ganido, Dr. Oiticica Filho, Dr. Tancredo Morais (Alagoas), Nelson
Romero(Sergipe) Dr.Leopoldo Braga,Astério de Campos, Dr Heitor
Froes (Bahia), Desembargador Carlos Xavier. Dr. Almeida Cou-
sin, Prof. Elpidio Pimentel (Espirito Santo), Dr. Othon Costa,
Phocion Serpa, Modesto Abreu e Lemos Brito (Distrito Federal),
Edgard Rezende, Artur Nunes da Silva, Lacerda Nogueira
(Estado do Rio), Afonso Pena Junior, Cristiano Martins (Minas
Gerais), Virgílio Corne, Cesário Prado, Desembargador Amarílio
Novais (Mato Grosso), Cônego J. Trindade da Fonseca e Silva
(Goiás), Francisco Leite, Zenon Silva (Paraná), Prof. Arnaldo
San Tiago, Mauro Pereira (Santa Catarina), Desembargador
Florêncio de Abreu, Raul Bittencourt, Waldemar Vasconcelos,
General Paranhos Antunes (Rio Grande do Sul).
Rodrigues Monteiro
Manuel Rodrigues Monteiro nasceu na cidade do Crato
a 13 de Dezembro de 1880, sendo seus pais o Cel. José Ro­
drigues Monteiro e Guilhermina de Araújo Monteiro.
Cursou o Seminário de Crato, cujo Reitor era seu tio
Mons. Monteiro.
Dc Crato, veio para o Seminário de Fortaleza, seguin­
do depois para o de Mariana e Diamantina e em seguida para
o de Rio Comprido, no Estado do Rio.
Deixando o Seminário de Rio Comprido, viajou em
1904, para França, fazendo um curso no Colégio Chevalié de
Paris, onde obteve o Io. lugar. Por carta de Mons. Pedro Her­
mes, que se encontrava em Paris de volta da Itália, comunicou
este a Mons. Monteiro, o sucesso alcançado por seu jovem so­
brinho, felicitando-o calorosamente, pois, o moço, acabava de
representar de modo brilhante e notável, ás letras do seu País.
Nessa ocasião, começou o jovem brasileiro, a escrever
artigos no «PARIS—SOIR», recebendo sempre aplausos dos pa­
trícios domiciliados em Paris.
Por uma alta fantasia, quis ir assistir o carnaval em
Nice...
Viu varias vezes o Imperador Guilherme II, o celebre
Kaizer, que provocou e convulsionou o mundo, com a grande
guerra de 1914.
Apreciou, por varias vezes, ás passagens daRainha V i­
toria, pelos belos e pomposos boulevards de Paris.
Assistiu com grande entusiasmo, as experiencias’ 'do ba­
lão lançado por Santos Dumont, aclamando cheio de alegria ao
futuro Pai da Aviação.
Percorreu também muitos outros Paizes, dos quais fala­
va com admiração e saudade, fo ram estes: Hespanha, chegando
a ir as tradicionais e românticas touradas, cantadas e decantadas
por poetas e celebres escritores. Visitou a Rússia, a Bélgica,
a Holanda, a Dinamarca, a Alemanha e a Italia
Vários dos seus livros, conservam até hoje, anotações
feitas durante esta encantadora tournée.
Foi recebido no Vaticano como peregrino, por Leão
XIII.
De volta ao Brasil, em Março de 1908 matriculou-se
122 ITAYTERA

na Academia de Medicina do Rio de Janeiro, chegando a cur­


sar até ao 3o ano. Compreendendo que não tinha vocação para
a carreira, ingressou na Academia de Engenharia. Abandonou-a
depois de um ano, indo para a Academia de Direito e Farma-
cia e chegando a se formar em ambas as profissões.
Foi correspondente da «Agência Havas» do Rio de Ja­
neiro, atuando na imprensa carioca, no «Jornal do Brasil», Jornal
do Comercio», «A Noticia», «O País,» «A Noite.»
Trabalhou durante muito tempo, com o ilustre médico e
jornalista Dr. Felicio dos Santos, como co-redator do jornal
«A União» orgão de publicidade católica.
Escreveu também nas revistas «FON-FON» e C A R E­
TA». No Rio foram seus amigos intimos: José do Patrocínio Fi­
lho, Embaixador Gilberto Amado, Genolino Amado, Delio Gua­
raná, Dr. Mário Guaraná, Dr. Joaquim Sales, Dr. Antonio X a ­
vier de Oliveira, Dr. Zaqueu Esmeraldo, Pe. Antonio Torres,
depois escritor, jornalista e cônsul em Paris, pois trocou o sa­
cerdócio pela carreira diplomática.
Regressou Manuel Monteiro ao Ceará já formado, em
19M, ingressando na imprensa cearense como redator do «Cor­
reio do Ceará», colaborando depois na «A Razão», «O Unitá­
rio», «O Ceará», e «O Nordeste».
Ao chegar à Fortaleza, fundou também um jornalzinho
humorístico «A Balança», onde deu larga expansão, ao seu espi­
rito de fino critico e profundo observador.
Foi ainda professor do Colégio Cearense, juntamente
com os seus contemporâneos do Seminário: Pe. Climerio Cha­
ves, Pe. Quinderé, Pe. Otávio de Castro, Pe. José de Lima Fer­
reira, Pe. Leopoldo Fernandes e Conego Feitosa.
Residiu durante anos na União do Clero, sendo curioso
notar, ser o unico secular ali admitido.
Aqui no Ceará foram seus amigos intimos: Democrito
Rocha, Júlio de Matos Ibiapina, Monte Arraes, Cursino Belém
de Figueiredo, Lindolfo Barbosa Lima, Beni Carvalho, Gomes
de Matos, Cruz Filho, Sales Campos e Antonio Sales.
Além de Jornalista foi poeta.
Muitos desconhecem, o cunho original, de. que se reves­
tiu o enlace do bacharel e jornalista Manuel Monteiro, cujo
lado de encantadora poesia, tanto o divertiu,
Vindo a conhecer sua futura esposa, aos seis anos de
idade, teve oportunidade de oferecer-lhe formosas e loiras bone­
cas, como também de liberta-la dos castigos, com os quais era
punida por travessuras infantis.
1T A YTgB&A m
Advertido pela genitora da menina, para não estraga-
la com exagerados afetos, por ser amigo íntimo da família, res­
pondia no seu eterno bom humor e espirito pilherico:—O que eu
desejo simplesmente, é que a mim osa florzinha do Nordeste,
a furura Mme. Dr. Manuel Monteiro, seja tratada com mais cor-
tezia e consideração.
E assim foi por determinação de Deus. Consorciou-se
no dia 9— 11—21, no Rio de Janeiro, na Igreja de São João Ba­
tista da Lagôa, com D. Elizabeth Barbosa Lima Monteiro, de cujo
matrimônio deixou uma filha a senhora Heloísa Barbosa Monteiro.
Faleceu a 1 e 40m. da madrugada do dia 12 de outu­
bro á Rua Tereza Cristina, 514.

N A C A M A R A MUNICIPAL - V O TO DE
LOUVOR A O INSTITUTO
O Presidente do I. C. C. recebeu o seguinte e
honroso oficio da Camara Municipal de Crato:
Do Snr. Presidente da Camara Municipal de
Crato
Ao Presidente do Instituto Cultural do Cariri
Assunto: Comunica voto de louvor
Snr. Presidente
Comunico a V . S. que, por requerimento do ve­
reador Araújo Filho, foi consignado em ata do dia 27
do corrente, um voto de louvor pela decorrência do sex­
to aniversário do Instituto Cultural do Cariri, brilhante­
mente dirigido pelo ilustre conterrâneo.
Sem outro assunto para o momento, aproveito o
ensejo para comunicar a V . S. e aos demais membros
desse sodalicio, que se encontra em tranmitação por
esta casa, projeto de autoria do vereador Osvaldo Al­
ves de Sousa, que abre credito especial, destinado a
ereção de um marco no local onde tombou o herói ca-
ririense Joaquim Pinto Madeira, e que será entregue ao
Instituto Cultural do Cariri.
Atenciosas Saudações Assinam: José de Alcan-
tara Vilar, Derval Peixoto, respectivamente Presidente
e Secretario.
12* I T a YTERA

SANEAMENTO OCULAR DO CARIRI V I­


SANDO A ERRADICAÇÃO DO TRACO-
MA, A CURTO PRAZO
A significação nacional dos resultados das investi­
gações realizadas no Centro de Pesquisas Ofcal-
mologicas do Cariri Cearense
O Centro de Pesquisas Oftalmologicas do Cariri, sedia­
do no Crato, vai participar das atividades do X IV Congresso
Nacional de Higiene (Niterói, 6— 12 dezembro de 1959) com
um trabalho de oitenta páginas mimeografadas, condensando o
labor de convincente período de esforço contínuo (janeiro, 1958
—outubro, 1959) na zona urbana e rural do < rato, particular­
mente no tocante à nova e decisiva arma terapêutica do traco-
ma—a eletrocoagulação, alimentada a bateria. É uma fisionomia
nova, verdadeira fase de transição na campanha contra a secu­
lar endemia.
É compreensível a honesta incredulidade dos céticos e
ignorantes das vantagens indiscutíveis dessa investigação bem
sucedida, planejada e bem conduzida aqui. A equipe médica e
os agentes voluntários da Udas (Unidades Distribuidora de Au­
xílios Sanitários) cobriram-se de louros na meritória atividade
realizada, na cidade e no campo.
O «Movimento ocular do Crato»,—como, no futuro, será
conhecido, brindou o país com excelente pesquisa de transcen­
dentes resultados para o Nordeste.
A inovação feliz da fonte alimentadora, partindo de ba­
teria comum de jipe (6 volts, 3 elementos, 17 placas) e o «pon­
to alto» da ausência de reinfecção, sem contar a vantagem da
cura se processar numa única aplicação, indolor, de curta dura­
ção (tres minutos), constituiram a chave da completa receptivi­
dade do método no Cariri. Em breve será propagado a outras
regiões. O Exército Nacional (em convênio com o Ministério da
Saúde) está fabricando os aparelhos de eletrocoagulação neces­
sários à campanha.
Esta semana o orientador técnico do r entro de Pesqui­
sas, Prof. Herminio de Brito Conde, efetuou os «testes» positi­
vos com o primeiro da série chegado ao Crato, pr 'cedente do
Rio de Janeiro. A Recomendação aprovada no 2o Encontro
dos Bispos (Natal, maio 1959) pertinente ao incentivo do com­
bate ao tracoma vai, assim, encontrando objetiva execução da
parte da3 autoridades civis e eclesiásticas interessadas na maté­
ria, a saber, o Ministro da Saúde e a Diocese do Crato.
1 TÁ Y T E R A 125

Atividades ria SOELCfl


A Sociedade de Eletrificação do Cariri passou
do período meramente de propaganda para o campo de
ação. A 29 de outubro, às 20 horas, à Praça Siqueira
Campos, realizou-se grande cômicio transmitido pela
Rádio Iracema de Juazeiro, Rádio Educadora do Cariri,
de Crato, Aplificadora Cratense e a Voz do Cariri.
Contou com a cooperação da Sociedade de Ami­
gos do Crato e foi seu presidente o Dr. Macário de
Brito, quem abriu o comicio, dando a palavra ao pri­
meiro orador inscrito—Dr. Raimundo de Oliveira Bor­
ges. Ainda falaram o Pe. Rubens Lóssio, Cura da Sé
Catedral e o representante juazeirense — Dr. Gregório
Callou, todos êles preparando o terreno para a fala do
Dr. Augusto de Azevedo, e n g e n h e i r o da C H E S F e
representante do Diretor Comercial, daquela companhia,
no Cariri. Este saiu-se galhardamente de sua missão,
pois, deu verdadeira aula aos presentes, explicando bem
qual a v e r d a d e i r a finalidade da Soelca, no plano
de distribuição de energia de Paulo Afonso, nesta re­
gião. Daí por diante ficou lançado o plano de compro­
misso de ações, na cidade do Crato. pois em Juazeiro
do Norte começou em dias anteriores.
Não é ainda campanha de subscrições de ações, pois, a
Soelca só, dentro de alguns dias, estará legalizada. Mas
quem se interessar pelo movimento de eletrificação do
V ale, o passo mais decisivo para a nossa integração ao
progresso, basta deixar seu nome com o número de ações
que desejar que os representantes da Sociedade de Ele­
trificação, o procurarão, mais tarde para associa-lo a
maior sociedade anônima que já se fundou em terras do
Cariri. Pelo que auscultamos na rua, a população já está
compreendendo que deve ajudar a S O E L C A , passo
importante na emancipação econômica deste pedaço da
terra cearense*
126 1TAYTERA

INTELECTUAL SUIÇO VISITA A SEDE


DO INSTITUTO CULTURAL
DO CARIRI
Em Outubro, esteve em Crato, onde se demorou
oito dias, em viagem de estudo, o escritor, pintor e
musicista suiço, de Lausane — Jean Pierre Chabloz.
Acompanhado do maestro Arnaldo Salpeter, no dia 9
visitou o Museu de Crato e sede do I.C.C., demoran­
do-se em longa palestra com o nosso presidente }. de
Figueiredo Filho. Sua viagem ao Vale Caririense pren-
deu-se a pesquisas que faz, em todo o Ceará, para o
preparo de livro, a ser editado em lingua francesa, pe­
las ÈD IT IO N S G ÈN ÈRA LES S,A. de Genebra-Suiça.
O ilustre visitante de Crato conhece bem o Ceará, já
tendo residido, em Fortaleza, por vários anos. J. P.
Chabloz presenteou particularmente a J. de Figueiredo
Filho, com a magnífica edição do «PA YS D E V A U D ,
U N E T E R R E , P LU SIEU R S V ISA G E S», verdadeira
perfeição de arte grafica, dificilmente igualada em qual­
quer pais adiantado do globo, trabalho das È D IT IO N S
G ÈN ÈRA LES, de Genebra, da qual é delegado em
missão especial no Brasil. E ’ mais outra prova de que
as relaçõesfdo I.C.C., se expandem, não só no Brasil,
como no estrangeiro. O Cariri estará presente na luxu­
osa e bem elaborada obra intelectual da Suiça, espécie
de nação internacionalizada da Europa.

Tristeza—cantos da serra,
Melancolias do mar...
Micróbio que me desterra,
E me impede em minha terra
A minha mãe abraçar.
Vicente Lopes de Souza
Alexandria
— BARBALHA—
escreve A ntônio M a rch et Callou
M AD RU GA DA DE UM DOM IN G O Q U A LQ U ER
Um barbalhense, ainda sonolento, vai marinhando a
escada de caracol da tôrre direita da Matriz, torcicolosamente.
É o sacristão. São quatro horas e quinze minutos.
O sino que há pouco sonorizou indolentemente quatro
badaladas, tange agora agitado a chamada da missa das cinco
horas. O povinho do vale galga a meia colina, meio apressado.
Os habitantes do Bairro Sim p les do alto do plano inclinado
da cidade que começa na montanha e vai por ela progredindo,
vem declinando para o destino que marca o músico da tôrre.
A matriz se enche dêles de mistura com uma fração do escól
urbano, num mesmo gesto de religiosidade.
Em geral, por tôda a parte, a missa dos albores pertence
aos humildes que não possuem big indumentária ou dos ociosos
que desejam transpor o dia sem incômodos.
Domingo em Barbalha ê, realmente, o dia do Senhor.
Sucedendo-se as cenas do Monte da Paixão: às sete, missa para
o povo em geral: às oito, para os estudantes; às nove: para as
crianças, na Igreja do Rosário, quando se finalizam, até mesmo,
as aulas de catecismo, ministradas por diversas catequistas.
Nêste turno matinal e à tarde se realizam as sessões
semanais das onze associações religiosas seguintes: Pia União
das Filhas de M a r i a , C r u z a d a E u c a r i s t i c a , Senhoras
de Caridade, Mães Cristãs, Congregação Mariana, Apostolado
da Oração, Irmãos do Santíssimo, Vicentinas, Guarda de Honra
do Santíssimo Sacramento e Doutrina Cristã. Há, ainda, a Liga
Contra o Protestantismo que, somente em raras circunstâncias,
se reune em sessão acidental.
Na segunda-feira o ciclo das atividades da vida barba­
lhense se estira na cidade, no vale, na serra, nas oficinas, nos
armazéns, nos consultórios, nos quarteirões, nos sítios, nas cha­
padas, nos eirados... A despeito do caririense quedar, em geral,
negligente, intoxicação no corpo, preguiça na alma (mens sana
in corpore sano) durante a semana, Barbalha se agita laboriosa,
pequena, muito pequena como expressão territorial, engastada a
sede entre outras a pouca distância: para Missão Velha, 22
klms; para Crato, 27; para Juàzeiro do Norte, 15; próximo dos
limites de Jardim e Serrita (Pernambuco), aproveita o Município
o que pode dos seus 603 klms2
128 ITAYTERA

À agressão das batalhas agrícolas, algumas áreas resis­


tem quase incólumes. São os láteos quilômetros das fraldas,
donde irrompem as fontes e promanam as matas. Nestas encos­
tas, uma cortina de frondes tece como que a «saia» selvícola
que veste a serra. Realmente assoberbam-se ai os troncos
luxuriantes da nossa flora: a majestosa palmeira, pau darco,
jatobá, angico, arueira, baraúna, inharé, oiti, gonçalaves, caraíba,
amarelo, banha de galinha e maria preta.
Dai, dêstes contra-fortes, uma eclosão de 28 fontes
desliza seu cristal liquefeito em levadinhas hilariantes que corte­
jam as colinas e se alongam pelo vale, onde vêm suprir a incle-
mência escaldante do estio. Tais olhos d'agua se divisam em
vários misteres preciosos: umas águas são excelentemente potá­
veis (a fonte de Santa Rita, Saco, Santa Cruz, São Joaquim...).
Outras muitas se destinam ao labor agrícola e são generosamente
irrigáveis. Uma, pelo menos, se carateriza como fonte de águas
termais—a fonte do Caldas —que, desde as remotas épocas do
Pe. Mestre Ibiapina (1854), vem se destinguindo como água
miraculosa. Aos poucos se afamando, está bastante conhecida
pelos leitores da imprensa nordestina. É uma das belezas naturais
do Estado, conforme nos ensina um dos compêndios didáticos
do nosso famoso professor patrício Filgueiras Sampaio. Suas
águas são realmente anti-tóxicas, excelentes para as moléstias
do aparelho digestivo, para as peles decompostas, para os olhos
macerados pelo cansaço orgânico. Ültimamente está sendo ponto
de veraneio nos mêses quentes dos nossos Cariris-Novos, de
julho a dezembro. E, por fôrça de tão apreciável valor, foi, há
pouco, reconhecida como Estação Hidro-Mineral, por Lei Esta­
dual n° 3.894. Atualmente, o D. N. O. C. S. está construindo
uma rodagem definitiva, com a expressão das grandes rodovias
do Pais, ligando-a à séde do Município, donde dista 11 klms.,
por caminhos serranos, pitorescos, deslumbrantes.
Afóra desta área impenetrável em sua grande parte, a
vasta planície da serra em nosso pequeno território e a expan­
são do vale famoso pela sua fertilidade, perfazem tôda a razão
de ser da Galba dos barbalhenses. Ai, a sementeira das nossas
safras dadivosas em qualquer quadra do ano, os flagrantes cam-
pestres que empolgam o visitante. Depois d abril, mês azul, quan­
do vem maio e as brisas trescalantes embalsam nossos morros
pitorescos, após um passeio à tarde, a gente tem vontade de
entrar na cidade, declamando estrofes de sonetos d’água doce:
Trago ainda minhas mãos cheirando a flores,
Dos oiteiros de Barbalha esmeraldinos,
São seus fans as résteas multicôres...
O Dia, a Noite e a Estrela Matutina.
ITAYTjERA 129

Depois a colheita. Das fábricas de rapadura, o vento


nos traz o cheiro doce do mel queimado. Jovens plebéias en­
tram por nossas artérias urbanas, desfraldando os puxu-puxa ape­
tecidos. Os senhores de engenho (engenho é o nome genérico
da casa grande junto à qual funciona a fábrica de rapadura),
reúnem então, seus produtos: 257 centos de abacate, 220 de co­
cos da Bahia, 940 de laranjas, 909 de manga, 28.000 de pequis,
4.000 frutos de abacaxi, 2.773 sacos (de 60 quilos) de milho,
5.016 de arroz, 2 795 de feijão, 12,900 arrobas (15 quilos) de
algodão e 4.427 toneladas de mandioca. Pelo exposto, é peque­
na esta colheita em relação o outros municípios de tal produção,
servindo apenas um pouco mais da nossa quota de subsistência,
para ter lugar a produção de cana, que tornou Barbalha conhe­
cida como um município monocultor, em condições de figurar
entre os primeiros em fabricação de rapadura.
Digamos de passagem, nesta altura do nosso modesto
trabalho sôbre a terra, que produz mais de cem mil toneladas
de cana, que seu povo incluiu no número de suas festas anuais,
a F e sta da Rapadura, original na sua significação e na sua
aparência, que tem luger no dia 19 de dezembro de cada ano.
Dai, certamente, inspiram-se outras cidades em realizando as
famosas festas do Bangú; do Algodão, do Arroz, etc., posterio­
res à F e sta da Rapadura.
O rendimento agrícola de Barbalha impôs uma modes­
ta indústria agrícola. Apezar da falta de estimulo por parte do
Estado e da Nação, peculiar a outras regiões, porque, infeliz­
mente, não podem êles estirar a civilização agrária em todos os
âmbitos seus, não deixa de ser Barbalha um município expor­
tador de;
455.000 litros de aguardente, 635.000 de óleo de babaçú, 926
de óleo de pequi, 85 toneladas de carvão vegetal, 20.600 sacos
de farinha de mandioca (sacos de 60 quilos), 115.000 cargas de
rapadura. Estas cargas, como em tôda a região, são de cem ta~
paduras. As de Barbalha, porém, se destinguem pela sua pa-
dronagem. Cada rapadura pesa 800 gramas, idéia e realização
do Dr. Antônio Lyrio Calou, ao tempo de Prefeito Municipal
de Barbalha. Por ser de pêso regular em todos os engenhos,
por ter ainda excelente sabor, a produção de rapadura do M u­
nicípio é muito preferida pelos mercados doutros Estados, prin­
cipalmente Paraíba e R. G. do Norte. Nos mêses de colheita,
de maio a dezembro, o comércio, exportador dêste produto, é
sempre muito ativo. Nossos armazéns pontilham o centro da ci­
dade, verdadeiras estações de entrada e saída de tão saboroso
e nutritivo comestível.
Por maior evolução, porém, que tenha o centro agríco­
no ITAYTERA

la, há-de sempre plasmar o velho modelo colonial, em sua fisi­


onomia primitiva, lembrando seus ancestrais do Egito, da Me-
sopotânia, da Arábia, da Peninsula Ibérica, das Ilhas do Cabo
Verde, de Olinda, pois o agricultor jamais se libertará da terra
que lhe imbui o corpo de pó e lama e nem lhe pode disfarçar
o suor do rosto nem os calos das mãos.
O homem de Barbalha continuará assim, a refletir na
substância, no caráter, se fará sempre o contraste da natureza.
Assim, no agricultor, em face doutros profissionais, se estabe­
lecem paradoxismos. Não há profissão mais benfaseja, e, como
Cincinato, o agricultor sempre pacifista, mas sempre anônimo,
enchendo, embora, de sobejo a mesa dos bafejados pelo luxo,
doutras profissões, das indústrias, por exemplo, dos agiotas, pro­
vendo os mercados do que mais necessário é à vida de nutrição,
a primeira necessidade do homem—organismo. Sempre o último,
contudo, nos palácios governamentais, onde nem sempre impres­
siona a política com que sonharam Rui, Campos Sales, Plínio
Salgado...
Outros setores de atividades na vida rural de Barbalha:
a) em nossas matas são extraídas excelentes madeiras para
construção e teto, linhas, caibros, ripas que entram nas nossas
serrarias locais e noutras análogas das cidades da região. Estas
matas fornecem não menos de 25.000 m2 de lenha; b) a despeito
especialidade e supremacia, agraria, há espaço para uma franca
população animal: 11.040 bovinos (miniatura embora, dos ínha-
muns), 2.630 equinos, 3.350 asininos, 2.730 muares, 20.170
suinos, 2.830 ovinos e 9.980 caprinos.
Os principais senhores de engenho mantêm seu quinhão
animal. O gado que sobra das vacarias, dos currais, pasta na
densa floresta da serra Araripe e sertão de Pernambuco, refri-
gério temporário dêste pastoreio, campo livre de criação.
Contudo o barbalhense é genuinamente agricultor. Com
êsse espírito, quando emigra para outras terras, cuida logo de
desenvolver sua vocação. Nos sertões circunvizinhos, compram
fazendas mas logo lhe infundem uma expressão dos sítios daqui.
Para isso fazem açude, cercam os pequenos riachos devassados
pela criação e iniciam sementeiras de frutas, de cana. Arranjam
uma fábrica rudimentar constituída à moda antiga, engenho de
pau, com almanjarras e c3mbão e pouco tempo depois, sua
pequena moagem. Abastecem as feiras das paquenas cidades
que por serem de criadores e caçadores, não conheciam frutas,
nem gostavam de hortaliças. Assim, se deu, por exemplo, em
Parnamirim (anfig3 Leopoldina), município do alto sertão per­
nambucano, na central daquele Estado. Mais de meia dúzia de
barbalhenses se sédearam ali e impuseram na face antiga das
1 T AY T EK A m

velhas fazendas, um semblante das terras caririenses. Fizeram


reservatórios dágua que mantinham o frescor das terras abaixo
das barragens destas «fontes» preparadas pelas suas mãos e
reservaram áreas de terras para fruteiras, verduras e cana de
açúcar. Aos poucos mudaram os engenhos de força animal para
motriz e levaram para ali uma miniatura da expressão agrária
barbalhense.
Outros emigraram para mais longe. No litoral de Per­
nambuco compraram engenhos e fizeram usinas de açúcar, entre
as quais a Usina Roçadinho, uma das mais ricas em expressão
territorial, em ordem e em organização, propriedade de um bar-
balhanse, Mendo Sampaio, pai dos Drs. Alde Sampaio, Deputado
Federal três vêzes eleito, Lael Sampaio, ex-Secretário da Agri­
cultura de Pernambuco e Cid Sampaio, Governador do famoso
Leão do Norte, terra de Agamenon Magalhães, tetraneto de
Antônio Gonçalves Martins Parente Feijó Pereira, cuja esposa
descende de Francisco Magalhães Barreto e Sá, o Abraão da
família barbalhense.
Tanto no litoral como no sertão do vizinho e famoso
Estado, os barbalhenses tomaram parte na política e na história
dos municípios, aonde deixaram seus estandartes, ocupando ali
os cargos eletivos mais altos, no legislativo e no administrativo.
Outra fonte de riqueza de Barbalha irrompe do solo e
sub-solo—os minerais: xisto betuminoso, cal preta, gêsso, borra­
cha mangabeira, tijolo e telha. A cal preta do Brejinho é muito
conhecida e preferida nos nossos mercados locais. O gêsso de
Santa Rita é transportado nos vagões do nosso trem-de-ferro e
em caminhões, destinado as de Mossoró e São Paulo. O tijolo
e a telha afamaram a remota cerâmica do Buriti e, atualmente,
insinuaram uma fábrica de telha melhores da região pela exce-
lencia da argila que ali existe!
Passo a passo, êste povo construiu a sua História, suas
instituições, seu facie sócio-político e familiar. Antes de sua
independência, 17 de agosto de 1846, tomou parte na Revolução
de 1817 caindo nos braços da História Pátria. Tr ês nomes se
destinguem indelèvelmente naquela tentativa de independência
precoce, naquêle surto de liberdade. São os nomes de Senador
José Martiniano de Alencar, Tristão Gonçalves e Pinto Madeira.
Nos tempos republicanos, jamais houve uma constituinte (as de
1891, 1934 e 1946) em que um nome de barbalhense não figu­
rasse entre os seus mais conspicuos obreiros—Dr Manuel Coê-
Iho Bastos do Nascimento (1891), L E Ã O S A M P A I O
(1934 e 1946), a quem tanto devem o Brasil e o Ceará, Duarte
junior (Constituição Estadual de 1934.
Não nos detemos, por angustia de tempo, nos fastos de
132 1TAYTERA

nossas tradições de familia. De Francisco Magalhães Barreto e


Sá, com cuja tetra-neta foi casado YOYÔ Pereira, cratense do
«Paul,» descendem os GODOY de Serra Talhada, os Sá de
Salgueiro, os Araújo de Parnamirim, os Garcia, Sábarreto,
Coêlho, os Callou de Barbalha, do Cariri.
Tetranetos de YÔYÔ PEREIRA, como Agamenon Ma­
galhães, temos êste famoso advogado Duarte Júnior, político
cearense, e Dr Lirio Calou, autor da cesariana de Kerr, figura
também notável como medico e como cidadão.
Na séde do município de Barbalha, refletem o espirito idealista
do seu povo Gabinete de Leitura, a Liga Contra O Analfabe­
tismo, o Circulo de Operários, Centro de Melhoramentos, Coo­
perativa de Crédito, Cooperativa da Lavoura, Legião de Assis­
tência, Ginásio S. Antonio, Ginásio Nossa Senhora de Fatima,
Centro Estudantil, Museu, Postos de Tracoma, móvel e fixo
Cine S. José e Cine Odeon, Cetama Club, cafés e bares bem
instalados e de feição moderna.
Os estabelecimentos de ensino secundário de Barbalha
progridem aceleradamente pelo marcante estalão dos nossos
educadores. Falta-nos um edifício proprio para o «departamento
feminino» do Ginásio S. Antonio, o qual tinha o nome de Mater
Salvatoris. Para dirigi-lo o Centro de Melhoramentos foi tão
feliz como tem sido em todos os seus tentamens: Dirigindo-se
ao Priorato das Madres Beneditinas do Norte do Paiz, sediado
em Olinda, conseguiu que esta Ordem, famosa em todo o mundo,
desde os primeiros séculos do Cristianismo, fundasse uma casa
aqui em Barbalha, a primeira que se funda no nosso Estado.
Uma vez aqui, as Madres encarregaram-se de dirigir a Pia
União das Filhas de Maria e da administração do Catecismo
entre as crianças barbalhenses. Aproveitando-se da exemplar
competência das Madres Beneditinas, promoveu o Centro a
oficialisação do Ginásio que tomou a denominação de Ginásio
Nossa Senhora de Fátima por sugestão da Superiora do Con­
vento de igual nome,
O Centro de Melhoramentos que tem conseguido, em-
todos os setores, as mais assinaladas realizações, tomou, agora,
a braços a construção do Convento, Capela, Mosteiro e do
proprio Ginásio Nossa Senhora de Fátima, cuja planta repre­
senta verdadeiro capricho arquitetônico dos modernos projetos
do Ministério da Educação.
Releva, por outro lado, salientar a modificação sensível
que se opera na vida doméstica de Barbalha frente à influência
da orientação destas filhas de S. Bento.
Alem do ginasial, o Ginásio Nossa Senhora de Fatima
mantem o curso pedagógico, cujas alunas aprendem, com efici­
ít à y t e ü a m
ência, a arte da Metodologia, com real proveito para o curso
primário.
Barbalha que, juntamente com Crato e Juazeiro forma
o «triângulo caririense», posto seja a menor das três cidades,
tem evoluído bastante, notando-se alem de inúmeras construções
e reconstruções no centro da cidade, o acréscimo de dois bairros
importantes —um aristocrático, com residências em estilo colonial
e funcional e outro popular—cbra do ex-Prefeito Joaquim Duarte
Grangeiro. Nenhum outro Prefeito fez no Ceará o que fez neste
setor da administração o homem a quem me refiro e a quem
a Barbalha conciênte devota a mais fervorosa admiração. Joaquim
Duarte comprando terrenos urbânos e doando-os a chefes de
famílias pobres, auxiliou-os na construção de casas de tijolo e
telha, entregando-lhes as escrituras de transmissão no dia do
Municipio— 17 de Agosto,—o que ocorreu no ano da graça de
1958. A majestosa Avenida dos Municipios e outras realizações
do ex-Prefeito e, sobretudo a honestidade e o alheiamento da
politiquice, com que se conduziu, o destacam dos demais comu«
neiros do Ceará'
Barbalha se civiliza e progride porque tem vida própria
e dispõe de elemento humano do melhor quilate. Não é um
desses burgos que nascem e vivem na incubadora da cota federal.

Tudo passou como um sonho,


Na m ais doce ilusão!
Agora só resta a tristeza,
De m inha sorte a pobreza
E mágoas no coração!

JOÃO DANTAS (Monteiro)

NATAL, 20/11/1959
134 1TAYTERA

“ I T A Y T B B A ”
Trecho de apreciação do escriíor RAIMUNDO G IR A O :
Mas, em nossa opinião, o trabalho mais pe­
netrante e de valor decisivo para a história cearense é
o do Padre Antonío Gomes de Araújo sobre o «Padre
Pedro Ribeiro da Silva», o fundador e primeiro cape­
lão da hoje rica e próspera Cidade de Juazeiro do Nor­
te, As excogitações históricas e genealógicas do Padre
Gomes já apanharam fama e respeito, pelo seu benedi-
tinismo e o seu poder exegético. O homem cava, apro­
funda, mergulha e sai com a gema legítima. Não falseia e
veste as suas conclusões com entusiástico vigor, como o en­
tusiasmo de quem, de fato, segurou às mãos a verdade
procurada. Se, porventura, esse arroubo o levasse a qual­
quer exagêro, ninguém o censuraria por isso,certo, como
é, que êle é dominado pelas naturais e confortantes ale­
grias de quem descobre, de quem encontra a incógnita.
Neste seu estudo acerca da função de inicia-
dor do Padre Pedro Ribeiro traz-nos o Padre Gomes
informes claros, que convencem da edificante atuação
daquele velho sacerdote na criação de um núcleo huma­
no que, posteriormente, o misticismo converteu num po­
deroso aglomerado cívico, econômico, moral e sentimental.
A luz se fez, inconfundível, em tôrno dos pri-
mórdios ou origens da grande e tão discutida cidade,
em que viveu e se projetou o, igualmente, tão discuti­
do Padre Cícero Romão Batista. O Padre Ribeiro, re­
almente, «semeou em terreno fértil» e o outro, com a
sua presença messiânica, regou a árvore até que se tor­
nou frondosa e se encheu de frutos.
Enfim, podemos afirmar que, de fato, este nú­
mero de IT A Y T E R A é vistosa pedra no colar das be­
las conquistas do Instituto Cutural do Cariri. Conquis­
tas que vêm no mais esperançoso crescendo.
Ficámos de peito cheio com a sua leitura, e o
volume ficará em nossa coleção encadernada a couro, no
lugar que merece. (Raimundo Girão,)
<fo«O POVQ»
IT à YTBRà lâd

«■ ENCRUZILHA D A S DE DESTINOS»
«ENCRUZILHADA DE DESTINOS», d» Alice Pimen-
ía, é volume de 604 páginas, editado pela LIVRARIA F R E I­
TA S BASTO S, do Rio. É história movimentada do casal Dr,
joaquim Pimenta e Dona Alice Pimenta, de autoria da última.
Não concordo com muitas das idéias do livro, mas reconheço
na autora, belo estilo, sinceridade e muito amor à causa do
operariado, nos tempos de suas lutas, em Recife, braço direito
que foi, de seu marido —o cearense Joaquim Pimenta. Também
procede ela do Dr. Raul Azedo, homem bom e dedicado à
causa do proletariado de então. A obra é viva e cintilante. Re­
trata bem uma época agitada. Foi a fase do despertar do ope­
rariado nacional, para encarar frente a frente os seus proble­
mas e solucioná-los, por métodos certos ou errados. A literatu­
ra de Dona Alice é terna. Comove ve-la no meio daquela luta
tremenda, em que o conforto pessoal foi totalmente sacrificado
pelo casal até a leitores como eu, educado noutra doutrina e
arraigadamente fiel à Igreja. Temos também de confessar peca­
do grave, de cunho social. O operariado brasileiro não foi des­
pertado pelos que seguiam, naquele tempo, os mesmos postula­
dos que me norteam presentemente. Os clarins foram vibrados,
com destemor, por gente do quilate do Dr. Raul Azedo, Dr. Joa­
quim Pimenta e Dona Alice Pimenta.
O capitulo com que a autora encerra o livro é muito hu­
mano. Toca-nos bem ao coração sentimental de brasileiros do Nor­
deste. Vejamos, ao menos, as derradeiras frases de «ENCRU­
ZILHADAS DE DESTINOS», espécie de memória de dois re­
volucionários, nascidos e criados nas terras adustas do Nordeste:
«Aquela noite a de 22 de Julho e fazíamos 34 anos de
casados.
Não chamei a atenção de Pimenta para a data.
No céu um balão retardatário seguia seu destino... Pa­
recia querer lembrar-nos que a noite seria de S. João.
E Caxangá, com suas fogueiras, que eu pulava de ban­
da, sem coragem de passar por cima, como Noemi e Iracema
faziam, de pés descalços, acordou do silêncio, Na penumbra,
mamãe, vovô, papai, Oscar Benigno e Carlinho, que tantas ve­
zes vi em torno das labaredas, estavam agora ao meu lado.
Pimenta moveu-se; mas não acordou...
E Caxangã novamente, com seus balões, suas fogueiras.
E os seus mortos...»
Paremos, é muito bonito, mas o tempo vôa célere.

J. F. F.
126 ITA Y T E R A

O S A L E N C A R E S N O P A R L A M E N T O N A C IO N A L
A N T O N IO D E A LE N C A R ARAR1PE
(De 1.822 a 1.889)
1) — José Martiniano de Alencar (Pe.), Deputado ás Cortes
Portuguesas (1.821 — 1822), substituiu o deputado efetivo Jo-
José Inácio Gomes Parente. Deputado e Constituinte em 1.823
Deputado na 2a. legislatura, 1.830— 1833. Senador em 1.832,
até a morte.
2) Pe. Carlos Augusto Peixoto de Alencar (1.838— 1841,
1 .8 4 2 - 1 .8 4 5 -1 .8 4 7 ) DEPU TA DO
3) Conego José Ferreira Lima Sucupira (1.838 - 1.841). «
4) Pe. Carlos Augusto Peixoto de Alencar, 7a. legis­
latura— 1.848. «
5) Domingos José Nogueira Jaguaribe (1.857— 1.860). «
6) José Martiniano de Alencar (1.861 — 1.864). «
7) Domingos José Nogueira Jaguaribe (1.861 — 1.864). «
8) Domingos José Nogueira Jaguaribe (1.869— 1.872). «
9) José Martiniano de Alencar (1.869— 1.872). «
10) Tristão Alencar Araripe (1.869— 1.872). «
11) José Martiniano de Alencar (1.872— 1.873). «
12) Leonel Martiniano de Alencar (1.869— 1.872 —
Amazonas) «
13) Paulino Nogueira Borges da Fonseca (1.869—1.872). «
14) Tristão de Alencar Araripe (1.869— 1.872). «
15) José Martiniano de Alencar (1.878). «
16) Paulino Nogueira Borges da Fonseca (1.878).) «
17) Tristão de Alencar Araripe (1.878). «
18) Joaquim Bento de Sousa Andrade (genro do Senador
Alencar, 1.867— 1.870). «
19) Joaquim Bento de Sousa Andrade (1.878— 18.81). «
20) Meton da Franca Alencar (1.8S1 — 1.884). «
21) Tristão de AleDcar Araripe (1885— 1889). «
22) Domingos José Nogueira Jaguaribe, filho, (1.885-1 889)«
23) Domingos José Nogueira Jaguaribe (1.871 — 1.889).
SE N A D O R . «
O BSERV A Ç Ã O : O s drs. F rancisco. Antonio e Jesuino de Sousa M ar­
fins, descendentes dc M artha d e A lencar, representaram o
Piauí com o D eputados, nos períodos de 1.834/37; 1.838/41;
1.842/44; 1.853/56, e 1.857/60.
N a R epublica foram Senadores; A lencar Guimarães (P a­
raná), neto d o Senador A lencar; Almirante A lexandrino de
A lencar (A m azonas), descendente d e In acia, irmã d a he­
roina Barbara, e José A cioli, genro d o D eputado Meton
A lencar, o velho.
Relacionaremos, de outra oportunidade, os que integraram
a Camera dos Deputados no atual regime.
FORTALEZA DE 1897
PAULO ELPID IO
Vim à Fortaleza, pela primeira vez, em 1897. Lá no
Crato me diziam que, na capital do Farmacêutico Ferreira, nin­
guém se perdia, desde que soubesse jogar dama. De fato, cer-
tifiquei-me que, do fim da Rua Formosa, lado das areias, se
avistava o mar. E, ainda, de qualquer ponto que a gente esti­
vesse avistava o açude dos Boris, como chamavam os cratenses.
Os meus conterrâneos tinham razão. An fava de olhos fechados
em Fortaleza, aquele que conhecesse bem o jogo dos velhos—o
taboleiro de pedras redondas.
Demorei alguns dias. De minha cabeça não saía a zoa­
da do mar, aquelas águas se remexendo continuamente, reta­
lhadas de branco, empolgavam-me. Convidei um companheiro
e, ás duas horas da tarde, chegámos bem pertinho do M O N S­
T R O E SV E R D E A D O (a essa hora ele é realmente como ob­
servou José de Alencar), tirámos tôda roupa e, com cautela, se­
gundo as recomendações que trazíamos, tomámos um banho,
quase na areia. Nunca eu havia estado em uma cidade ilumi­
nada.
Andar ncs bondes foi para mim um ótimo divertimento, Que
gôsto, tomar um dêsses veículos na Praça do Ferreira e descer
no Benfica, por exemplo, um dos pontos finais das cinco linhas:
—Jacarecanga, Outeiro, Prainha, Benfica e Estação da Estrada
de Ferro de Baturité. De meia em meia hora, batia uma sinêta
no prédio velho da Intendência, e os burros, com peitorais de
guizos, levavam as primeiras chicotadas, escorregavam os cas­
cos ferrados no calçamento e lá iam conduzindo a deselegante
carruagem, cheia de passageiros. Como os fins das linhas não
eram distantes, daí a outra meia hora se encontravam, novaraente,
nos pontos de partida, a fim de repetirem a mesma operação.
Na Praça não faltavam meninos com taboleiros de ro-
letes, uns com casca e outros descascados. Café Java, construção
de madeira que ficava a sudéste do animado Logradouro, era o
lugar frequentado pelas pessoas de maior destaque da época.
Ainda conservo bem nítido na memória, o aspéto bíbli­
co do P E IX O T Ã O , refestelado em uma cadeira, com sua bar­
ba hirsuta, um grosso correntão na casa do colete, sustentando
um relógio de aço, quase do tamanho de um pires. Eu vi pu­
xar, consultando talvez a hora de ir ao Palácio, em sua visita
habitual ao Comendador Antonio Pinto Nogueira Accioly, que
vinte e tantos anos governou o Estado. Esses, poucos dias, fo­
238 ÍTAYTfíttA

ram para mim, tímido e deseducado jagunço, uma das maiores


satisfações de minha vida. Eu arranchei-me na casa de João
Barreto, conterrâneo e amigo de longa data, que também emi­
grou do Crato, mais ou menos na época em que eu deixei a
terra dos brejos e dos canaviais infindos.
Bom músico, entrou para a banda da Polícia e, em
pouco tempo, conseguiu ser mestre da filarmônica, com o pos­
to de Sargento. Era no mês de dezembro. Fortaleza se encon­
trava em festa — Pastorinhas, fandangos, congos e o boi com
seu b a b á u e demais complicações. Quase tudo na rua do Go­
vernador Sampaio, com poucas casas no meio do areial. O cos-
morana do Paulo Barros, lá para as bandas do M ajor Facun-
do. Gostei do B O I. Achei os Fandangos muito paulificantes,
monótonos com o seu IR IP E , IR R IP E , IR R IP E R O U infindável.
O BO I, no entanto, valem muito para mim, com suas cantigas
acompanhadas de vióla e harmônica, lembrando os sarobinhas
da Cariri, as matas das Porteiras, os sitios de meus antepassa­
dos nas serras de Cafundó, Lameiro, Bebida-Nova, etc:
«Meu boi lavradinho chega pra diente
faz uma mesura a toda essa gente
Não me pegue na folha da couve,
Não me bula nos pendões do alho,
Você diz que couve é couve,
É couve é cebola é alho...»
Esses versinhos, ouvidos em uma U R B S tão grande
para mim, trouxeram-me desejo ardente de voltar ao Crato e
não ao Quixadá, terra ainda estranha para mim, sem frutas,
sem sitios de cana, sem nascentes perenes, enfim, sem aqueles
recantos queridos de minha meninice.

S E R T A N E JA C E A R E N S E
IOSÊ ALVES DF. FIGUEIREDO
E la nasceu na terra de Iracem a
E tem no roseo lábio — Flor louçã —
T od o sabor do mel de Irapnan
E um cheiro acre d c trevo c de jurema.
N ela, a arrogância faz lembrar M oema
M as tem crendices a gentil cunhan
E basta ouvir o canto da cauan
P'ra que tom ada dc pavores trema,
O corpo livre das severas penas
Que a moda im põe ã carne delicada,
Tem o candor de um ramo d e verbenas.
Venus marmórea — lábio meu revela
Pela m ão de artista burilada
T alvez não fosse mais perfeita e bela.
ATE’ LOGO,
MEU FILHO
OUIXADÁ F EL iC iO

Estamos em dezembro. Mais uns dias, meu Filho,


e terás concluído os exames da 4a. série ginasial. Vem,
agora, o ciclo de maiores responsabilidades. É o curso
cientifico, ou a etapa que Aristides Novis nomeava co­
mo o «seminário das vocações.» Como todas as defini­
ções do mestre exemplar, de uma concisão magnífica.
Porque a naturésa das disciplinas que serão revistas,
como também a passagem déssa primeira fáse crítica,
dos 16 para os 17 anos — que nos sugére uma peque­
na ponte entre a adolescência e a mocidade — propi­
ciam melhores reflexões, ajustamentos que escapam nou­
tros dias de sênso-comum mal debuxado na silhueta de
desejos que afloram reticentes, perturbadores...
Coincidentemente, vamos dizer até-logo. Diferen­
te dos poucos até-logos que nos dissemos até hoje,
poucas horas apertadas no cinto de saudades rapidíssimas.
Nosso até logo que vem vindo é outro. V ai custar-
nos um ano a fio de separação. Será, meu Filho, tua
primeira e viva experiencia. V ais andar, pela vez pri­
meira, em cima de tuas próprias pernas, sentindo a es­
treante sensação de tua cabêça resolvendo os problemas
iniciais da formação adulta.
Cônto entregar-te aos zêlos de um educandario
do melhor estofo intelectual e moral. É uma magestosa
oficina onde os moços aprendem para as lútas do espi­
rito e os combates que se desferem no gramado das
mais higiênicas convicções.
Estimo, meu Filho, encontres depois do nosso
240 1TAYTERÁ

até-já, a atmosfera ideal para a bonançosa realização


da tua inteligência e para o florescimento do teu cara-
ter. Que te orientes pelo amôr ao estudo severo e pro­
fundo. Pelo devotamento ás causas que nobilitam o ho­
mem no conceito social. Pela firmêsa da ação sempre
justa. Seja tua inspiração de todas as horas a vontade
de servir com abundancia e sem ostentações, e a de
vencer sobre os sacrifícios com inquebrantavel e serena
indulgência. Enriquece tua vontade sabendo repudiar
com soberanas intransigências os vícios e perversões
que deformam até á degenerescencia os que se envile-
cem vencidos pela torpêsa da companhia maligna. Põe
ordem em todos os átos da tua vida — dos mais insi­
gnificantes àqueles que possam traduzir tua férvida par­
ticipação na sorte da familia humana. Exercita, a cada
sói, os privilégios da tua alma robusta: prudência no
falar, sobriedade no gésto, comedimento no agir, paz
interior pelo cumprimento sagrado de todos os teus de­
veres. Respeito ás opiniões alheias e paciência para a
escalada da planície que te conduzirá á gloria. Não te
cegue a inveja, nem te atormente o pesadelo de ferir a
honra dos semelhantes. E, acima de túdo, meu Filho,
aprofunda-te na crença em Deus Nosso Senhor. E
quando mais aproximares teu coração e teu pensamento
da cristalina verdade do Cristianismo, cultúa a memória
de tua Mãe, fazendo da lembrança Déla o guieiro in­
falível para que a vida que viveres seja uma radiosa
sonata de envolventes estribilhos de Belêsa.
V ai, meu filho. Sê feliz. E, se para tua felicida­
de Deus precisar cortar a raiz da minha vida, aqui a
tem Ele: túdo será para mim uma aleluia...

Crato, 1959,
Qual a versão certa da casa
asceu o Pe. Cícero,
em Crato?
Descendente de ilustres troncos fundadores dêste Cariri
hoje ainda vigorosos em seus prolongamentos, o Cônego Climerio
Correia de Macedo, ou Cônego Climério, ou Padre Climerio,
como é mais conhecido sob êstes ceus, é uma das figuras mais
venerandas do clero desta Diocese.
Membro do Cabido Metropolitano da Arquidiocese do Rio
de Janeiro na qual serviu por anos, ao tempo do Cardeal Arcoverde,
de há anos vive quase anacoreta no retiro de sua mansão no
sitio Limoeiro, do municipio de Juazeiro do Norte, onde nasceu,
e se fez adulto.
Sôbre sua pessoa convergem as simpatias e gratidão das
camadas pobres e miseráveis da região que dele recebem os
benefícios duma esclarecida e experimentada clínica homoepática
gratuita, êle mesmo é um pobre entre êsses pobres.
Em 1956, vim a saber que o Cônego Climério retinha
de memória rico acervo de fatos importantes da crônica do Crato
e Juazeiro de antanho. Testei-o sôbre o assunto em sua própria
mansão no dia 25 de Julho, daquele ano. E foi uma delicia,
ouvi-lo. Apesar de seus noventa anos de idade, então ainda
incompletos, manifestou uma tenacidade e vivacidade de memória,
surpreendentes sobretudo em tôrno de fatos mais recuados.
Quem nos ouvisse, de logo tne identificaria na condição de
aluno, todo atenção à exposição do mestre autorizado. A tantas,
habilmente encaminhei a frutuosa palestra para o assunto— Padre
Cicero e os milagres do Juazeiro. A traços rápidos, seguros e
substanciais, Cônego Climerio traçou-lhe a crônica, discorrendo
com precisão e desembaraço.
Foi por ocasião desse encontro, que se prolongou das 7 ás 10,30
da manhã daquele dia, que interpelei o ilustre e ilustrado Co-
nego Climerio a propósito da casa em que, na então vila do
Crato, teria nascido o Padre Cicero. Sua resposta pronta e ca­
tegórica: «Minha tia paterna, Missias Correia de Macedo, cortou
o cordão umbilical do Padre Cicero numa casa que foi substi-
342 1TAYTERA

tuida pelo palácio de d. Francisco». (Referia-se ao Palacio Epis­


copal construído por D. Francisco de Assis Pires, bispo resig-
natário desta Diocese.)
Ê corrente que, no chão em que se ergue aquele Palacio,
havia de fato uma casa, que foi cenário por exemplo da rece­
pção do Padre Cicero quando chegou do Seminário de Fortaleza
ordenado sacerdote pelos meados de 1870, bem como das festas
que envolveram a celebração de sua primeira missa. Ê certo por
igual, que a dita casa pertenceu ao major João Bi'po Xavier
Sobreira, nascido, 12.8.1841, falecido, 16.6.19 08, datas gravadas
na lápide de seu túmulo no cemitério desta cidade. Com sua
morte a dita casa passou à viuva, d. Jovita Maria da Conceição.
Seus herdeiros venderam a casa a esta diocese.
Dona Fantina Amélia de Menezes, filha do falecido
deputado estadual Aristides Ferreira de Menezes, (foi adepto
político do coronel Belem) e de sua mulher, D. Ana Leopoldi-
na Maia; tia afim do odontólogo local, Gutemberg Sobreira de
Menezes, neto do citado João Bispo Xavier Sobreira—assegura
por ter ouvido dos lábios de sua mãe, que o Padre Cicero nas­
ceu na dita casa e, nela, festejou a celebração de sua primeira
missa. Da primeira versão é também portadora d. Maria do
Carmo viuva do cel. Pedro Augusto Pequeno e sogra do jor­
nalista e escritor José de Figueiredo Filho, atual presidente do
Instituto Cultural do Cariri. A versão ouviu-a, d. Maria do
Carmo, de sua sogra Ana Rita Pequeno, nascida em 1825 e
chegada a esta terra ainda no verdor dos anos, tendo se casa­
do com João Vitorino Gomes Leitão, irmão do padre Bernardino
Gomes Leitão. Retem a mesma versão, Raimunda Francisca de
Jesus. «Bubú», nascida em 1866, mulata de estilo de classe, mãe
adotiva da Professora diplomada, Antonia Simões, com quem
vive. Ela sempre ouviu dizer que o Padre ( icero nasceu «na­
quela casa que foi do Major João Bispo» nome vulgar do re­
ferido Major João Bispo Xavier Sobreira.
Pelo visto, não é isolada a informação prestada ao Co-
nego Climério por sua tia. Confirmam-nas hoje ainda, fontes
diferentes, em significativas convergências.
Eis, pois, uma tradição cimentada à prova do tempo.
Versão de «Teresa do Pedre»
Acontece que há outra versão que aponta o Padre C i-
cero como tendo nascido à rua atualmente denominada Dr. Li-
maverde, à sombra da casa que pertenceu ao coronel Pedro
Pinheiro Bezerra de Menezes e se transmitiu a sua viuva que
a dividiu em duas, há poucos anos, numa das quais funciona
a agência local do Instituto de Aposentadoria e Pensões dos
ITA1TÉRA 143

Comerciários.
Trata-se duma conclusão a que chegou o saudoso pri­
meiro Presidente do Instituto Cultural do Cariri, Irineu Noguei­
ra Pinheiro, depois de ouvir a preta T e re sa —também conheci­
da na vizinha cidade do Juazeiro, por «Teresa do Padre», escra­
va, que foi, do Padre Cicero, que a apanhou no curso de sua
vida de sacerdote, pois não a herdou, como se vê do inventario
de seu pai, e era ela metade em anos do que êle.
No afan de ilustrar a efeméride do nascimento do Pa­
dre Cicero para o seu livro «Efemérides do Cariri» — ainda iné­
dito mas já a caminho de impressão — Irineu Pinheiro não se
advertiu quando interpelou «Teresa do Padre», de que ela já
começava a mergulhar no crepúsculo da própria memória, cuja
desintegração começara. Pois eu também conversei-a, vezes
muitas, sôbre seu falecido senhor- a quem chamava «senhorzi-
nho». E o fiz em casa do então vigário de Juazeiro, o já hoje
falecido monsenhor Joviniano Barreto, a quem «Teresa do Pa­
dre» muito estimava, no que era correspondida. Do que ela me
transmitira, temi aproveitar qualquer coisa pois a memória lhe
ondulava a qualquer passo. Exemplo: Disse-me que o Padre
Cícero fora o segundo dos tres filhos que a mãe tivera. Para tes­
tar-lhe a memória, que não me parecia exata, inquiri-a sôbre aque­
la afirmação noutra oportunidade. Resposta: «Parece que Se»
nhôrzinho foi o segundo filho de dona Quinou.» Volvidos uns
mêses reataquei o assunto: «Não tenho bem certeza».
Do confronto da versão de «Teresa do Padre» e da
que se lhe contrapõe, isto é, da «co-parceira do Padre», ressalta
que a segunda sobrepunha-se à primeira, embora não fique
derimida a questão sob o angulo da Ciência Histórica, cuja lei
é o imprevisto.
Por isto foi prematura a tentativa, felizmente não con­
sumada, que se fez para, apôr, oficialmente, uma placa em de­
terminada casa citadina em que teria nascido o Padre Cicero,
placa indicativa deste importante evento. Tentativa atribuída a
suposta inspiração do Instituto Cultural do Cariri, que não po­
dería ter dado, como não deu semelhante passo num assunto
que não recebeu ainda a sentença decisiva do tribunal da his­
tória.
144 ITAYTERA

Quando Joaquim Romão Batista Mirabeau (Mirabeau—


conforme está no registro de Batismo do Padre Cicero) faleceu,
1862, estava no dominio, posse e uso pacíficos duma das me­
lhores casas desta cidade, sita na então rua da Pedra Lavra­
da, depois mudada para Pedro Segundo, pelo preço do inven­
tário foi avaliada em 200$000 mil reis.
Veja-se como a questão se complica.
Pe. A. G. A.
N . R. As opiniões colhidas pelo correspondente do «O P O V O * ,
em Juazeiro do N orte—Sr. W alter Barbosa, entre os Srs. Bruno d e Alencar
P eix oto e O dilio de Figueiredo, vieram fortificar a versão que dá o local onde
está o Palacio Episcopal, como a casa onde veio à luz, o Padre C icero R o ­
mão Batista.
Ditos depoimentos foram publicados naquele conceituado e bem
difundido vespertino fortalezense

CONVITE AO IN STITU TO
Crato, 22 de novembro de 1959
Prezado Senhor:
O dia 6 de dezembro próximo, aniversário de Sagração
Episcopal do Exmo. Sr. Dom Francisco de Assis Pires, será o
dia da gratidão de toda a Diocese para com o seu estremeci­
do Pastor.
Às 9 horas, será celebrada Missa Solene com Assistên­
cia Pontificai, na Sé Catedral.
Temos por isto, a grata satisfação de convidar V . Excia.
e a Instituição que dirige, para estas solenidades, principalmente
para a da tarde, quando as distintas Autoridades e Delegações
poderão assistir ao desfile, ao lado do Palanque, na Praça da Sé.
Permitimo-nos, outrossim, de sugerir se telegrafasse a
S. Excia. num testemunho de apreço, que daria maior fulgor à
homenagem, com a leitura dessas mensagens, antes das aclama­
ções finais.
O sentido de nossa manifestação será prestar um prei-
to de amor e gratidão, bem como pedir eloquentemente, em no­
me de todo o povo, digne-se S. Excia. de permanecer conosco
até o fim dos seus dias.
Certo de sua simpatia e adesão, subscrevemo-nos Servo
em Jesus Cristo
Pe. Rubens Lóssio
Cura da Catedral
N .~O I.C.C. fêz-se representar naquelas justas homenagens.
«Itaytera» no Estada do Rio
Abrimos espaço hoje para apresentar trabalho
sôbre município fluminense, bem de longe, já nas íron-
terias do Espirito Santo. Como é que nós do I. C. C,.
com programa quase que estritamente regional, iremos
focalizar trecho do estado do Rio? Tudo isso é conse­
quência do poder de penetração de «ITA YTERA ».
Conquistou-nos esta revista numerosos amigos, no sul e
norte do pais. Êm bom Jesus do Itabapoana, em Bagé,
no Rio Grande do Sul, no Rio, em S. Paulo e em Porto
Alegre, no Clube Nordestino. O deputado paranaense,
de Londrina—Hugo Cabral, por ter lido «ITA YTERA »,
por duas vezes deu-nos subvenção da quota que tinha
direito, como representante de Paraná, no Palacio Ti-
radentes.
Pedro Gonçalves Dutra é farmacêutico, estabele­
cido em Bom Jesus de Itabapoana, bem perto da terra
capichaba. É fluminense, procedente dos fundadores
daquela prospera e bonita cidade. Tomou-se de amor a
Crato que não conhece pessoalmente porque apenas o
conheceu e s p i r i t u a l m e n t e , através das páginas de
«ITA YTERA ».
Agora enviou-nos colaboração sobre sua terra,
para que o cratense e o cearense possam conhece-la e
assim mais firmar seu amor pelo Brasil em geral.
M U N ICÍPIO D E BOM JE S U S DE
ITA BA PO A N A R. J.
Especialmente para «ITA Y TE R A »
Escreve-Pedro Gonçalves Dutra
A memória de minha mãe, filha de um dos cons-
trutores da grandeza de Bom Jesus e também parti­
cipante daquela obra de pioneirismo. (I)

Acha-se o município de Bom Jesus do Itabapoana loca­


lizado no extremo norte do Estado do Rio, ãs margens do rio
146 I T AYTíSRÀ

Itapapoana que, em toda sua extensão, serve de limite entre o


território fluminense e o Estado do Espírito Santo.
A evolução do núcleo de população onde se acha en­
cravada a cidade, têve início, quando aqui aportou Antonio José
da Silva Nenem, oriundo da então Província de Minas Gerais,
começando assim o desenvolvimento do antigo Arraial do Bom
Jesus do Itabapoana, em terras do município de Campos.
Só no advento da República, o Governador do Estado—
Francisco Portella criou este Município. Teve, porém, vida muito
efêmera, pois, dois anos mais tarte, foi cassada sua autonomia,
passando a fazer parte do município de ítaperuna, do qual defi­
nitivamente se emancipou, em 1939.
Muitos vultos se destacaram na luta pelo engrandeci-
mento de Bom Jesus, quando na simples condição de destrito
entre os quais: João Catarina, Francisco Teixeira de Oliveira,
Dr. Jerónimo Batista Tavares, médico que fazia da medicina
verdadeiro sacerdócio e o Farmacêutico Pedro Gonçalves da
Silva, avô do signatário desta nota. Oriundo de Campos, em
1880, adquiriu a Farmácia Normal, de Bom Jesus, pela quantia
de quatro contos de reis, incluindo moveis e utensílios. Ainda
hoje o estabelecimento funciona sob a orientação de seu genro,
meu pai-Antonio de Sousa Dutra, com a minha coadjuvação.
O primeiro dirigente da comuna foi o Prefeito Snr. José
de Oliveira Borges, ótimo administrador e cidadão de princípios
rigidos. Voltou a dirigir o município, entre 1955 e 1959. Exer­
ceu o mandato de deputado estadual na legislatura de 1947 a
1950. O atual prefeito é o Snr Gauthier Pontes de Figueiredo
que já ocupou idêntico cargo, no período de 1950 a 1954.
A atual Câmara Municipal compõe-se de 13 vereadores,
sendo 6 do P. T . B., 5 do P. S. D. e 2 do P. D. C.
Representaram, com galhardia, o Município na Assem­
bléia Legislativa: o deputado Dr. José Vieira, médico conterrâneo,
muito estimado na zona: o Dr. Emanuel Pereira das Neves,
advogado dos mais brilhantes, e agora é nosso representante o
lider petebista local—Snr. Tito Nunes da Silva.
O atual governo do Estado do Rio é ocupado pelo
ilustre filho de Bom Jesus—ROBERTO SILVEIRA que executa
grandes obras no Município, entre as quais a construção da
usina hidrelétrica, na Cachoeira do Inferno (Rio Itabapoana) e
asfaltamento das rodovias que nos ligam aos grandes centros
do pais.
Dois possantes e confortáveis unibus unem-no? diaria­
mente com Niterói, um partindo as 5,30 e o outro ás 20 horas
Há outro que nos liga á Capital Federal, saindo da cidade às
12 horas. A imprensa ê bem evoluida aqui. Possuímos dois jor.-
ÍTAVTERA 147

nais de feição moderna: «A V O Z DO POVO», orgão lider do


jornalismo no norte do Estado e o «O N O R T E FLUM INENSE»,
Há, na cidade, dois excelentes ginásios, o RIO BRAN­
CO e o ZÉLIO G IGNER, 6 médicos, 8 farmácias, vários hotéis,
ótimo e bem montado Hospital, um clube social—-o A ER EO
CLU BE, boa orquestra feminina e excelente Banda de Musica.
Em síntese, isso é BOM JE SU S DO ITA BA POA N A ,
sentinela avançada da terra fluminense, na fronteira do Espirito
Santo. Está em plena ascensão. Seu futuro será dos mais riso­
nhos, dada á sua posição geográfica, centro de zona importante
e de suas imensas possibilidades econômicas. Bom Jesus, Setem­
bro de 1959.
(1) A genitora do Snr. Pedro Gonçalves Dutra, autor
do presente trabalho, chamava-se D. Alice Gonçalves Dutra,
tendo falecido, em Bom Jesus, a 4 de Julho do corrente ano,
Filha do Cel. Pedro Gonçalves da Silva, dos fundadores da
grandeza daquela cidade fluminense, também tomou ela parte
na formação daquele importante núcluo de civilização que é hoje
honra e gloria do Estado do Rio. Era casada com o farmacêu­
tico Antonio de Sousa Dutra que ainda vive e trabalha, apesar
de avançada idade. Seu enterro foi dos mais concorridos que
já houve, em Bom Jesus., merce da estima geral que gozava
pelos dotes aprimorados de espirito e coração. Deixou os filhos—
Farmacêutico Pedro Gonçalves Dutra, Professora Maria Apa­
recida Dutra Viestel, esposa do Snr. Raymar Viestel e Profes­
sora Lúcia Gonçalves Dutra de Oliveira, esposa do Snr. Luiz
Teixeira de Oliveira. Notas colhidas na «A V O Z DO POVO»).

Atas da antiga Camara Municipal de Crato,


Copiadas no Instituto do Ceará pelo Dr. Jefferson
de Albuquerque e Sousa. (CflllliOliaÇÕO dO f llM BÉíiOí)

7 de Junho de 1822
N’esta foi eleito para louvado da divisão dos terrenos da
villa do Jardim a Joaquim Ferreira Pinheiro que será notificada.

28 de Agosto de 1822

N’esta officiaram ao capitão-mór de ordenança José Pe­


reira Filgueiras e ao coronel Leandro Bezerra Monteiro para vi­
rem presidir nesta villa e unirem-se á mesma camara para lhe
pedirem sobre o partido faccioso que se ju!ga está e se está fa­
zendo aos povos.
146 1TAVTEKA

— A DESCIDA DA
MONTANHA —
Aiacoque. Sam paio ----------
A multidão acompanhava o Mestre
Naquela tarde azul—avermelhada,
Revestida da luz do sol poente.. ,
Era o ocaso uma fogueira ardente!.. -
Feliz, aquele povo regressava

Do cimo verdejante da montanha,


Trazendo nalma novas esperanças
E a paz que pressuroso ali buscava.
Naquela tarde amena e colorida,
Jesus pregou as Bemaventuranças,
O mais belo sermão de sua vida. . .
O sermão do amor e da bondade.
Da recompensa àqueles que são seus;
Um monumento à felicidade
Erguido desde a terra até os Céus!
Foram oito sentenças de Jesus,
Tão ricas de ciência e de beleza
Que toda se curava a natureza
E os astros derramavam rosea luz!.
Já, no tôpo sombrio da montanha
Ouvintes, um a um, se dispersaram;
Agora, só o Mestre e os discípulos
Por momentos ainda ali ficaram.
Jesus olhara os doze, com firmeza,
Impondo-lhe a graça da renuncia!. ..
Fitando-os com o olhar grave e profundo
Assim sentenciou-lhes com clareza
«Vós sois o sal da terra, a luz do mundo»!. . .
O silencio reinou por uns instantes;
Faltou a voz àqueles circunstantes . ..
Havia o que falar mas não poderam
Estavam repassados de emoção!. . .
Jesus a eles explicou então:
ITAYTERÂ 149

O sal é necessário sobre a terra


Paia salva-la da corrupção
E vós sereis por toda a terra o sal
Pregando o bem e combatendo o mal.
Sereis o bom exemplo e a bondade,
O sal que afugenta e que soterra
Os germes da malícia e crueldade!. . .
Do mundo vós sereis perene luz,

Aos homens ensinando o bom caminho,


Guiando-os com destreza e com carinho!
À lei da caridade, a lei do amor.
Fareis por espalhar em todo o mundo,
Tal como o sol que doira a terra inteira
Com o seu calor intenso e tão fecundo!
Enfim, ó pioneiro da verdade,
Exultai e alegrai-vos no Senhor,
Que a vossa luz no céu há de brilhar!. . .
Mostrai a vossa fé, vosso valor!. . .
Naquela tarde, cinza, que morria,
Uma estrela no céu aparecia. . .
Jesus continuava o seu caminho
E os doze seguiam seu cessar;
Não havia fadigas, sem espinho!..

Sacerdotes! ouvistes a sentença,


Grandiosa sentença de Jesu s?!...
Ouvistes, retomados, de emoção
A vez do Cristo que morreu na Cruz?!
«Vós sois o sal da terra a luz do mundo»..
Oh! sacerdotes, servos do Senhor!
Trazeis a paz, a luz, a fé o amor.
Trazeis o sal à terra, a nós perdão!...
Por toda a parte ó Mestres dedicados,
Nós, somos, sim por vós iluminados!. . .
Nos mares ruidosos, encrespados,
Nas selvas, nas planícies, nas searas
Desde a montanha ao vale mais profundo
«Vós sois o sal da terra a luz do mundo»
150 ITAYTERÂ

KACI LDO
F. S. N.
Poucas cidades do interior cearense tiveram vida intele­
ctual tão ativa, quanto a simpática e histórica cidade do Crato.
Então, na seara do periodismo, o seu labor foi bem expressivo,
em cento e quatro anos de uma imprensa fragmentada pela
meteórica existência de uns 170 jornais, alí publicados. Nomes
dos mais ilustres glorificaram o seü jornalismo, valendo citar,
entre os mortos, João Brígido dos Santos, seu imortal fundador,
José Joaquim Teles Marrocos (o químico dos milagres de Ma­
ria de Araújo), Fenelon Bomilcar da Cunha, João Batista de Si­
queira Cavalcanti (pai do fabuloso Teófilo Siqueira), Belisário
Távora, Soriano de Albuquerque, Manoel Peixoto de Alencar,
e dentre os que estão a brilhar em diferentes campos do pensa­
mento: Elias Siqueira, Figueiredo Filho, Martins d’Alvarez, Pe­
dro Felício, Martins Filho, Fran Martins, José Newton Alves
de Sousa, e tantos outros.
Kalcido Dantas Laranjeira, que tem um lugarzinno na
história literária do Crato, pertenceu à plêiade dos jovens idea­
listas cratenses de 1920—1930, época em que pontificaram, na
poesia e na prosa, Manoel Nobre, Pedro Felício, Marfins Fi­
lho e o tarimbado jornalista José Alves de Figueiredo. A partir
do aparecimento de «O CRISOL», órgão do Grêmio Araripe
Junior, saido a lume em 1922, Kalcido se fêz presente em qua­
se todas as publicações dêsse decênio, estando o seu nome a
figurar, como redator, nos periódicos «A CLASSE», «O ALFI­
N ETE» e «A ÉPOCA», influenciado por Augusto dos Anjos,
escreveu o sonêto naturalista «O VERME» que hoje repugna
a si próprio mas que ao estampá-lo nos idos de 1925, deu tes-
temuuho de que a fase do naturalismo brasileiro penetrou, como
outras fases da nossa literatura, até os recessos da metropole
do Cariri.
No meu convívio ao lado de Florival Matos, outra fi­
gura singular das letras cratenses, tive oportunidade de conver­
sar muito sôbre Kalcido Dantas, êste apaixonado das belas
coisas do pensamento, que se viu obrigado a quebrar a sua
pena, quando encarando a realidade da vida, teve que lutar pe-
ia sua sobrevivência, nessa eterna Estrada de Tobacco, na hu­
manizada expressão de Ereskine Caldwell. Como muitos filhos
do Crato, que prestaram a sua contribuição ao periodismo da
Princêsa do Cariri, Kalcido Dantas viU-se forçado a abandonar
POSSIBILIDADES
ECONÔMICAS DO
CARIRI
Àntonio de Alencar Araripe
(Deputado Federal, pela U .D .N . do C eará)

Denomina-sê Cariri a região cearense primitivamente po­


voada por tribo indígena de igual nome, localizada nas frontei­
ras com os Estados de Pernambuco, Piauí e Paraíba, e que
compreende os seguintes municípios: Crato, Juazeiro do Norte,
Barbalha, Missão Velha, Jardim, Brejo Santo, Milagres, Mauri-
ti, Caririassú, Santanópole e Araripe.
Segundo o censo demográfico de 1950, sua população
em que se nota reduzido o coeficiente afro, é de 324.205 habi­
tantes.
Predominou a influência de caráter religioso, com os fe­
nômenos verificados em tôrno do padre Cicero Romão Batista,

as lides da imprensa indígena, não tendo tido, na sua retirada,


a mesma felicidade de alguns dos seus contemporâneos, como
Martins Filho, Martins d’Alvarez, José Sampaio de Macêdo,
Fran Martins e Pedro Felício.
No primeiro encontro que tive, nesta capital, com o jo ­
vial Kacildo Dantas Laranjeira, disse-lhe da sua presença nos
«SU BSÍD IO S PARA A H ISTÓ RIA DO JO RN ALISM O CRA -
THNSE», trabalho que estampei no terceiro número de «A
PROVÍN CIA» e fiz sentir a minha admiração por êle e por
todos aqueles que, vencendo tropeços inúmeros, contribuiram
para a formação cultural da metrópole intelectual do Cariri.
Mas Kacildo Dantas, vencido pelo saudossimo indefinivel das
nossas «Aves de Arribação», quis saber de tudo que ia pelo
Crato, terra em que deixou plantado um pedaço de sua existên­
cia. E revendo pela imaginação a cidade dos sonhos, Kacildo
fazia-me crêr que, realmente, «recordar é viver»!
Fort. Nov. 1959
352 ITAYTERÂ

de Juazeiro, no incremento demográfico ocorrido nos municípios


em aprêço.
As migrações não se têm feito para a Amazônia, como
outrora acontecia em outras zonas do Estado, e sim para o sul
e centro oeste.
Aliás, cumpre atender a que ali não tem assumido exa­
geradas proporções a sangria que experimenta a massa demo­
gráfica dos sertões nordestinos pela constante migração.
Se no Norte rareiam os que procedem das cercanias do
chapadão do Araripe, também é certo que êles não avultam en­
tre os que se transferem para outras paragens do país.
O clima nas montahas (Araripe, Caririassú, Jardim) é
suave, desce a 14 graus de maio a junho e permanece em 20
graus no estio.
Nas encostas o clima sobe a mais de 30 graus no perío­
do de maior elevação do termômetro,
O Cariri figura entre as áreas do Ceará de maior plu­
viosidade, pois a média anual das chuvas que ali caem se eleva
a 1.000 milimetros.
Apontam-se a chapada do Araripe e o rio São Francis­
co como os dois fenômenos mais impressionantes do sertão.
São os seus dois maiores acidentes geográficos, os
«expoentes máximos da natureza de tôda a região».
Arrojado Lisboa classificou o Araripe entre o que há de
«melhor entre os melhores trechos do Nordeste».
O Cariri localiza-se era suas encostas, que o envolve
em semi-círculo. Forma um vasto planalto com 180 quilômetros
de extensão, por 40 de largura média, composto de várias ca­
madas de arenito e calcáreo.
A porosidade das terras constitui uma de suas especi­
ais características. Ás águas das chuvas, que ali se precipitam,
são imediatamente absorvidas.
Vasto campo de criação, «habitat», por excelência, do
cultivo da mandioca, do abacaxi, da batata, da maniçoba. êsse
chapadão oferece possibilidades a intensivo desenvolvimento de
atividades agro-pecuárias.
O maior obstáculo ás iniciativas nesse tocante—a falta
de água, que jorra abundante em suas fraldas—tende a remo­
ver-se, com a abertura de poços artesianos, já iniciada com su­
cesso, e a construção de «barreiros».
São êstes os açudes das chapadas permeáveis e constara
de uma escavação mais ou menos profunda de forma abaciada,
impermeabilizada à fôrça de malhos, ou do ciso de gado.
O aproveitamento econômico do planalto requer:
a) s divisão em zonas de agricultura e criação;
I TAYTE f t A UsS

b) a instalação de campos de experimentação agrícolas


e pastoris;
c) o serviço permanente de reflorestamento.
É a serra do Araripe, escreve o jornalista Figueiredo
Filho, o celeiro natural de farinha de mandioca de grande par-
te do interior do Nordeste.
A criação de gados à solta está contribuindo para que
cada vez mais se reduza a capacidade dêsse celeiro, uma vez
que a falta de madeiras necessárias à construção de cercas im­
pede colocar os plantios ao abrigo da destruição.
Dai o recurso aos vaiados separando da zona agrícola
a de criação.
Na administração do governador Estácio Coimbra hou­
ve em Pernambuco feliz iniciativa a êsse respeito.
No Ceará recursos orçamentários têm-se pleiteado para
providências em igual sentido.
Quem conhece o problema, por fôrça repete conosco:
não sendo possível reservar a serra somente para a criação, ou
para a pecuária, impõe-se que essas atividades ali se exercitem
em campos delimitados.
O vulto e a importância da produção, o carater de sua
circulação interestadual, tudo indica que à União cabe executar
as medidas para que se mantenha e desenvolva o aludido celei­
ro de farinha de mandioca, produto básico da alimentação dos
sertanejos.
O Araripe goza de clima ameno e é composto de terras
devolutas, que com o uso de fertilizantes podem ser utilizadas
vantajosamente para diversas espécies de cultivos agrícolas.
Há ali, ao que tudo indica, vasto e adequado campo de
experimentação agro-pastoril.
As águas fluviais que caem na chapada infiltram-se pe­
las camadas arenosas até o calcáreo profundo, de onde deslisam
formando as tradicionais fontes ou «nascentes» do Cariri.
Surgem em número avultado nos flancos da montanha
a cêrca de mais de 700 metros, e sâo utilizadas, mesmo quando
ocorrem as longas estiagens, na irrigação de vasta sorte de terras.
Diverso é o fenomeno que se verifica no lado da serra
correspondente ao território pernambucano, segundo observa o
professor Vasconcelos Sobrinho:
«A serra, porém, é ingrata para Pernambuco, deixando
escoar suas águas para as bandas do Ceará, (onde extensas
planícies, as mais belas de todo o Nordeste, se beneficiam am­
plamente).
«Nesta várzea, presente do Araripe ao cearense, planta-
se a cana de açúcar intensamente e a produção do arroz atin-
154 ITAYTERA

ge ao nível mais alto da região».


(«As regiões Naturais de Pernambuco», pag. 63).
Para se ter uma impressão dêsse contraste, é oportuno
transcrever o que registra crônica recente do Secretário da Agri­
cultura Gomes Maranhão, inserta na imprensa de Recife:
Estamos chegando do velho Sertão, lá nos confins da
serra do Araripe. Fomos ver de perto o drama daquela gente,
os mistérios da natureza, castigando Pernambuco, do lado de
cá da chapada, e beneficiando o Ceará, da banda de lá. Por­
que esta é a verdade...
«Depois de anotarmos as queixas, os apelos dos nossos
pobres conterrâneos, subimos a chapada, lado de Exú, atraves­
sando-a para descer em Crato».
«No espaço apenas de uma hora e meia de viagem, de
automovel, o ambiente muda cem por cento».
«Basta dizer que enquanto Araripina sofre de garganta
sêca, aquela grande cidade cearense possui água encanada na
maioria das casas, em abundância, e a sua luz também provém
de energia captada ali proximo, nas cachoeiras existentes no
sopé da serra. Sucedem-se, aqui, acolá, os engenhos de açúcar,
apresentando extensos e viçosos canaviais, entrecortados de ria­
chos perenes».
A exploração da cana de açúcar, -possibilitada com a
utilização das águas das aludidas fontes, constitui a base da vida
econômica da região.
A mandioca, o arroz, o café, o feijão e o algodão en­
tram como elementos subsidiários de sua riqueza.
Em 1941, o município de Crato contava 74 engenhos
de ferro destinados ao fabrico de rapaduras, sendo 29 movidos
a vapor, 5 por água e 40 a bois.
Hoje o número de engenhos, e dos que são tangidos a
vapor, alcançam maiores cifras.
A produção de rapaduras (pêso médio, por unidade,
850 gramas) anda por cêrca de 100 mil cargas (cada carga
contém 100 rapaduras).
Em tôda a região, de certo ela excede de 300 mil cargas.
Cumpre atender a que as atividades agricolas consti­
tuem a principal preocupação de cêrca de 80% das populações
do vale do Carirí.
O engenheiro Carlos Gomes Filho traça aspectos dêsse
«Seio de Abraão», em artigo cujos tópicos seguintes são dignos
de ser rememorados, quando se procura fixar uma noção de
suas grandes possibilidades:
«As fontes naturais que brotam nas fraldas da chapada
alimentam vasta área de cultura e pastagens e abastecem a po-
ITAYTERA LÔ6

pulação de Crato de água pura e cristalina».


«Para que se tenha uma idéia das águas acumuladas
no Araripe, basta ter em conta que se considerarmos, num cál­
culo pessimista, que tal serra tenha o comprimento de 100 qui­
lômetros por 20 de largura, tomando-se ainda para a terceira
dimensão uma lâmina dágua de 1 metro, veremos que o volume
dágua armazenado na chapada e isento de evaporação é: —
10.000 x 20.000 = 2.000.000.000 m3ü Dois bilhões de metros
cúbicos dágua, ou seja um volume maior do que a Baía de
Guanabara, calculada aproximadamente, em um bilhão, setecen-
tos e cinquenta milhões de metros cúbicos.
«Assim, as águas que rebentam das fraldas e a meio
da encosta da serra tornam algumas centenas de milhares de
hectares de terras ao norte e ao nordeste da mesma, conhecida
como CARIRI, muito férteis e fecundas para tôda a cultura e
a pecuária.
«Nas encostas do chapadão tem o café seu «optimum
biológico» e nos recôncavos, em forma de anfiteatro, observam-
se culturas de cereais em larga escala, engenho de açúcar, fa­
zendas com criação de gado, etc...
«Ninguém põe em dúvida a superioridade do Cariri co­
mo solo prodigalizador de benefícios aos seus felizes moradores,
tal é a fascinação que a sua ubérrima terra exerce sôbre o ser­
tanejo das imediações, que nas quadras das sêcas ali vão pedir
subsistências recusadas pelo sertão».
A irrigação com as águas das fontes ainda se realiza
mediante as «levadas», simples condutos cavados no solo, que
absorve grande parte do líquido precioso.
Projeto de lei que apresentamos á Câmara (n°, 337-À-51)
destina-se a obter recursos para a construção de um sistema
de canais destinados a realizar a racional distribuição dessas
águas.
O geólogo Euzébio de Oliveira, em precioso estudo sô­
bre a chapada do Araripe e suas águas alude a êsse «sistema
primitivo de irrigação», correspondente a «processos que deviam
ter sido usados por Adão» e demonstra a possibilidade da
criação de fontes artificiais, tão abundantes quanto as naturais,
as quais sustentariam usinas de energia e tornariam os sertões
circunvizinhos» um centro agrícola de primeira ordem, com
imensa produção».
A forma pela qual se «molham», isto é, se irrigam arti­
ficialmente as terras, no Cariri, está bem descrita nesta passa­
gem de autorizado trabalho sôbre a região:
«Os sítios dos «Brejos», com as suas terras planas, são
lavados naturalmente pelas águas oriundas das nascentes da
156 ITAYTERA

chapada.
Os dos «pés-de-serra» precisam de ser molhados.
Na levada vinda diretamente das fontes sopedâneas do
Araripe fazem os agricultores, aqui e ali, cada qual em seu
sítio, umas pequenas aberturas chamadas sangradouros ou «la­
drões,» pelos quais se escôa determinada quantidade de água
distribuída, á enxada, em inúmeros regozinhos, pelas terras que
se desejam irrigar».
(«O Cariri», do dr. Irineu Pinheiro, pág. 57).
O aproveitamento das quedas dágua, uma das quais,
a da Batateira, mede de descarga 400 litros por segundo, para
a produção de energia, é problema que mal foi aflorado, com a
instalação de pequena turbina, que serve á iluminação de Crato.
Havendo mais de 100 fontes, que se desprendem dos
sopés do Araripe, está claro que um sistema geral de aprovei­
tamento hidráulico deve figurar entre as providências que o
progresso econômico da região reclama.
O Cariri esteve sempre excluído das providências rela­
tivas ao combate aos efeitos das sêcas.
Não foi incluído no programa rodoviário, manteve-se
fora das cogitações em matéria de açudagem, nunca se cuidou
do racional aproveitamento das fontes perenes, das terras úmi­
das, dos extensos e íertilíssimos baixios, que possui.
A serra do Araripe, com a sua manifesta capacidade
de grande centro de produção agrícola e pastoril, continua de­
safiando as atividades oficiais para atingir os objetivos a que
se presta.
Se a região em parte tem a sua produção garantida,
mesmo quando ocorrem as sêcas, logo concluíam os técnicos
da administração pública que deveria ser excluída da área onde
seriam empregados os recursos destinados ás obras e serviços
do respectivo combate.
As terras beneficiadas com a irrigação das águas das
fontes, — mesmo porque aquela se realiza, como vimos, por
processo rotineiro, — representam parcela reduzida do território
da região.
Fora do raio de ação das ditas águas, isto é, dos pés-
de-serra e brejos, o território caririense sofre os efeitos da ca­
lamidade climatérica em todo o seu rigor
Se dispõe de maior densidade de população e abastece
os sertões circunvizinhos, caber-lhe-ia a prioridade nos planos
de viação.
A qualidade excepcional de suas terras, os vastos bai­
xios que ali se contam, estendendo-se às vêzes por dezenas de
quilômetros, a elevada pluviosidade, a dedicação aos trabalhos
I TA YTERA 157

agrícolas de vultosa percentagem dos seus habitantes, tudo no­


meia o Cariri como um dos recantos do Nordeste em que o
armazenamento de água por meio da açudagem é capaz de pro­
duzir melhores resultados.
Quem visita as áreas onde estão sendo construídos os
açudes «Latão», no município de Santanópole, «Quixabinha», em
Mauriti, e a que deve ser beneficiada pelo «Atalho», estudado
em Brejo Santo, por fôrça, conclui que em nenhum outro local
da região do poligno das sêcas se pode realizar com maior van-
tagem o aproveitamento de águas represadas.
A êsse respeito, as vantagens que também oferece o va­
le dos CA RÁ S — planície de terras de aluvião que se estende
cêrca de 60 quilômetros pelos municípios de Crato, Juazeiro do
Norte e Missão V elha—são inestimáveis.
Aproveite-se-lhe o riquíssimo lençol freático, retenham
as águas dos seus maiores afluentes, dotem-no de barragens sub­
terrâneas e submersas, tornem possível, enfim, um serviço de ir­
rigação, que assegure o êxito dos habituais cultivos agrícolas,
e os CA RÁ S certamente se transformarão na mais sólida fonte
de enriquecimento das populações sul-cearenses.
É oportuno focalizar as riquezas do Cariri em ealcáreo,.
gêsso e xisto betuminoso.
As áreas de cálcareo do sul do Ceará, opina o geólo­
go F R O IS A B R E U , «têm uma fertilidade acima do normal».
As análises do ealcáreo e do gêsso mostram a sua su­
perioridade como elementos a serem aproveitados na fabricação
de cimento.
Coube-nos a iniciativa de recursos obtidos para que
técnicos do Ministério da Agricultura procedessem a estudos,
que concluíram pela possibilidade de instalação de uma fábrica
de cimento no município de Crato.
A existência de abundantes matérias-primas, o mercado
consumidor certo (Ceará, Piauí, e sertões de vários outros E s­
tados limítrofes) tudo indica que no Cariri dentro de próximos
anos se sediará uma industria dessa natureza.
Nesse tocante serão elementos decisivos a energia de
Paulo Afonso, cujas linhas se estenderá até o sul do
Ceará, e a execução de plano rodoviário regional, compreen­
dendo as ligações: Crato-Petrolina, Jardim-Jatí-Maniçobal, Cam-
pos-Santanópole-Assaré, Quixadá, Várzea-Alegre-Cedro-Icó.
Cumpre enfim, considerar que o sr. Presidente da Re­
pública, em Mensagem dirigida ao Congresso Nacional, [repro­
duzindo conceito emitido anteriormente, reconhece haver no
Nordeste, «regiões que estão a exigir maior soma de trabalhos
e cuidados», entre as quais situa o Cariri.
158 I TAYTERA

ATAS DA ANTIGA...
Continuação da pág. 147

31 de Agosto de 1822
N’esta foi aberto um officio da camara das Lavras e
para se entrar no conhecimento do mesmo mandaram convocar
os cidadãos d’esta villa, abaixo declarados (11 indivíduos que
assignaram).
1 de Setembro de 1822
...onde se achava a camara presidida pelo corregedor
da comarca e mais auctoridades e cidadãos abaixo assignados,
para effeito de se tratar com parecer de todos sobre o cumpri­
mento de um decreto de S. A. R. tendente á divisão do Brasil.
N’esta foi decidido por voto geral que se devia cumprir
o decreto de S. Alteza Real independente de mais nada e que
se procedessem logo ás eleições de parochia na fôrma do de­
creto para não retardar de modo algum o fim a que ellas se
dirigem e vermos mui depressa ao lado de S. A. R. os deputa­
dos d’esta província, para alli se tratar quanto antes os negó­
cios tendentes á prosperiedade e felicidade do Brasil, e que des­
tinava o dia 7 do corrente, precedendo-se editaes e aviso ao
reverendo porocho (Vicente José Pereira) para ficar certo na
parte que toca, etc.
Assignaram 31 indivíduos entre os quaes Tristão, padre
Vicente, Filgueiras, Amancio, Leandro Bezerra, José Victoriano,
Cardoso, etc., com o ouvidor Lago.
9 de Setembro de 1822
N’esta accordaram em officiar ao tenente commandante
do destacamento para se retirar em razão de ser suspeito à
causa, ficando o sargento commandando o destacamento, offi-
ciando-se ao dito sargento para ficar comandando o destaca­
mento.
N’esta se deu parte aos Srs. da junta do governo do
procedimento do dito tenente.
20 de Setembro de 1822
N’esta accordaram em se officiar a S. A. R. dando-lhe
parte de todo o acontecido e opposições à seus reaes decretos
de 1 a 3 de junho do corrente anno n’esta província.
N’esta accordaram em officiar ao tenente Manoel An-
tonio Diniz, perguntando-lhe a causa das atuaes patrulhas e al­
voroço da villa do Icó, onde elle se acha commandando o des­
tacamento.
0 D IR E IT O NO A N T IG O
TESTAM ENTO
Valdetário Pinheiro Mota
Juazeiro, C e.

Em trabalho anterior que, a despeito de sua modéstia,


mereceu publicação na «Revista Forense» do Rio de Janeiro
(vol. C X V II, de 1948, pag. 619 a 621), mostrámos que a Bíblia
é abundante fonte do Direito e comentámos que o Novo Testa-
mento contem sentenças e prescrições que passaram à legislação
dos povos quase com as mesmas expressões.
No jornal «O Nordeste» de Fortaleza, edições de 14 e
15 de maio de 1952, reunimos o que as Sagradas Escrituras
conservam como justificativa da legítima defesa. Não foi esque­
cida a maravilhosa passagem do Mar Vermelho a pé enxuto
pelos Israelitas seguida do sacrificio de milhares de egípcios,
donde se tira a legitimidade da ação em defesa da liberdade.
João Monteiro, em sua tão invocada obra sobre o pro­
cesso civil, disserta em torno da citação—chamamento inicial da
parte a Juizo, advertindo que ninguém pode ser acionado sem
ser citado, lembra que a primeira citação foi feita pelo Criador,
quando interpelou o Pai da Humanidade por sua desobediência,
achando-se oculto o infrator: «Adão, onde estás.» (Livro «Gêne­
sis», capítulo III, versículo 9). Foi a primeira citação que se
fez no mundo, diz o processualista. A segunda íeria partido
ainda do Padre Eterno, quando interrogou Caim que acabava de
praticar o primeiro homicídio, aliás fraticidio, na terra: «Que
fizeste». Só depois, foi proferida a terrível sentença. (Gênesis,
cap. III, vers. 10).
Séculos depois, oüvimos Nicodemus responder aos que
o mandaram prender a Cristo sem lhe conhecerem a responsa­
bilidade: «Acaso a lei nova condena um homem antes de ouvir
e inquirir o que fez?» (Evangelho de S. João, cap. V II, vers. 50).
A Justiça tem algo de divino e nem podia deixar de
ser assim, porque recebemos de Deus o poder que exercemos
na terra; esta verdade foi consagrada pelos legisladores brasi­
leiros no preâmbulo de nossa Constituição.
A atual organização judiciária mantendo a instituição
dos J uízos e dos Tribunais inspirou-se no que foi criado nos
160 ITAYTERA

primórdios da humanidade. Moisés foi juiz do seu povo e recebeu


este conselho: «Escolhe entre todo o povo homens capazes e
«tementes a Deus, nos quais haja verdade, e que aborreçam a
«a avareza; faz dêles tribunos e centuriões e chefes de cincoenta
«e de dez homens, os quais julguem o povo em todo o tempo
«e te dêem conta das coisas graves.» (Êxodo, cap. XV III, vers.
22 e 22) Vê-se também na passagem transcrita, o prenúncio dos
recursos. Ainda hoje o bom juiz deve amar a verdade e abor­
recer a ganância para continuar merecendo a proteção divina:
«Não dirás mal dos juizes.» (Êxodo, cap. XX II, vers, 28). Apon­
ta-se esta outra recomendação: «Estabelecerás juizes e magistra­
dos a todas as portas que o Senhor teu Deus te tiver dado em
«cada uma das tribos para que julguem o povo com justo juízo,
«sem se inclinarem para uma das partes. Não farás acepção de
«pessoas, nem receberás dádivas, porque as dádivas cegam os
«olhos dos sábios e transtornam as palavras dos justos.» (Deu-
teronômio, cap. X V I, vers. 18 e 19).
Confrontaremos agora passagens do Antigo Testamento
com disposições na legislação hodierna, numa linguagem aces-
siva aos leigos evitadas, para facilitar o entendimento do leitor,
as abreviaturas usuais nos textos bíblicos.
Em vários ramos da ciência jurídica, certos dispositivos
legais têm sua origem nas Letras Sagradas. Destacam-se duas
dessas divisões,
I - Direito Civil
A locação de coisas está regulada no 2o Livro do An­
tigo Testamento nestes termos; «O que pedir ao seu próximo
alguma dessas coisas (semoventes) e ela vier a estropiar-se. ou
«a morrer na ausência do dono, será obrigado a restituir. Mas,
«se o dono se achar presente, não restituirá, principalmente se
«a tinha tomado pagando o seu aluguer,» (cap. X X II, vers. 14).
Presentemente, a matéria vem disciplinada nos arts. 1.188 e se­
guintes do Código Civil enquanto outros dispositivos tratam da
indenização.
Ainda no Êxodo, está imposta a obrigação do dote em
favor da donzela seduzida agravando a penalidade civil a falta
do casamento. (Cap. XX II, vers. 16 e 17). O Código Civil Bra­
sileiro assegura à mulher agravada na sua honra o direito de
exigir dote, se o ofensor não reparar o mal pelo casamento.
(Art. 1.548).
Em esquisita linguagem própria da época, é proibida a
união com parentes próximos, como o pai, a mãe, a madrasta,
a irmã, a sobrinha, a neta, a tia, a nora, a cunhada e a filha.
(Levítico, cap. X V II, vers. 6 a 17, São restrições feitas direta-
ITAYTERA iSÍ.

mente aos homens, porque êles decidiam sobre o casamento. A


nossa legislação impede de casar os ascendentes com os des-
cendentes, os afins em linha reta, o adotante com o conjuge do
adotado, êste com o cônjuge do adotante e os irmãos- (Cod,
Civil, art. 183, ns. I a IV).
Nos artigos 68 e seguintes do Código do Processo Civil,
encontram-se normas para obtenção da justiça gratuita, mas,
alem dêsse favor, nenhum privilégio gosa a parte pobre, como
não deve influir no ânimo do julgador a situação de abastança
do outro contendedor, porque, como preconiza a Constituição
Federal, todos são iguais perante a lei, (art. 141, § I o). Nas
Sagradas Escrituras, já era recomendada a imparcialidade com
estas palavras do Levítico: «Não atendas (por simpatia) à pessoa
pobre, nem tenha respeito à cara do poderoso. Julga o teu
próximo com justiça.» (Cap. X IX , vers. 15) Lembra-se ainda
esta antiga recomendação sobre a igualdade: «Nenhuma distinção
haverá de pessoas: ouvireis o pequeno como o grande. (Deu-
teronômio, cap. I, vers. 17)
O direito de remissão de um bem penhorado visa a
manter íntegro o patrimônio de uma familia e pode ser usado
pelo executado ou por seus parentes mais próximos mencionados
no parágrafo Io do art. 986 do Cod. do Proc. Civil. Já trazia o
Levítico esta regra: «Se o teu irmão empobrecido vender a sua
pequena propriedade e o parente mais próximo quiser, pode
remir o que o outro vendeu.» (Cap. X X V , vers 25).
O Senhor, conhecendo de uma reclamação das filhas de
Salfaad, prescreveu, por intermédio de Moisés esta norma jurí­
dica: «Quando algum homem morrer sem filhos, a herança pas­
sará para a sua filha; se não tiver filha, terá por sucessores a
seus irmãos; se seu não tiver também irmãos dareis a «herança
aos irmãos de seu pai; se não tiver tampouco tios paternos, a
herança será dada aos parentes mais próximos.» (Livro dos
Números, cap. X X V II, vers. 8— 11). As filhas não estavam no
mesmo pé de igualdade. Hoje, a sucessão é nesta ordem: des­
cendentes, ascendentes, cônjuge sobrevivente e colaterais inclu­
sive irmãos. (Cod. Civil, art. 1.603).
Bem interessante é o preceito contido no tópico que se
transcreve: «Não receberás por penhor a mó inferior e a superior,
porque (o devedor) te deu por penhor a própria vida. (Deuíe-
ronômio, cap. X X IV , vers. 6). Â proteção dos bens, coisas e
utensilios indispensáveis à vida do devedor contra a cobrança
executiva é bastante antiga, como registra Mateo Goldstein no
livro «Derecho Hebreo através da la Bíblia y el Talmud», (pags.
377 e 378).» Cada familia tinha dois moinhos, onde moia coti­
dianamente, para obter a farinha de que fazia o pão; é por isso
162 ÍTAYTERA

que Moisés faz esta proibição, para evitar que ficassem privados
de um objeto de primeira necessidade, cuja falta os reduziría à
morte pela fome. Êstes moinhos eram de braços, e ainda hoje
são usados pelos árabes.» (Padre Antonio Pereira de Figueire­
do—«Bíblia Sagrada», vol. II, pag. 230).
A lei atual manda excluir da penhora as provisões de
comida, uma vaca leiteira e outros animais necessários à alimen­
tação do devedor, os veículos dos funcionários públicos, os
livros, máquinas, utensílios e instrumentos necessários ou úteis
ao exercício de qualquer profissão, o prédio rural de valor igual
ou inferior a dois mil cruzeiros e outros bens. (Cod. Processo
Civil, art. 942).
No Livro de Tobias (cap. VIII, vers. 24), encontramos
esta notícia: «E, de tudo que possuía, Raquel deu a metade a
Tobias e declarou por escrito que a outra metade que restava
passaria a Tobias depois da morte.» Temos, nêste trecho, per­
feita antevisão da doação e do testamento. De feito, o nosso
Código Civil considera doação o contrato em que uma pessoa,
por liberalidade, transfere do seu patrimônio, bens ou vantagens
para o de outra, que os aceita (art. 1.165) e explica que testa­
mento é o ato revogavel pelo qual alguém dispõe, no todo ou
em parte, do seu patrimônio para depois da morte, (art. 1.626).
Até mesmo o Direito Administrativo teve o seu advento
consignado na Bíblia, Lê-se, no versiculo 5 do capítulo X X IV
do Deuteronômio: Quando um homem tiver tomado uma mulher
há pouco tempo, não irá à guerra, nem se lhe imporá cargo
algum público, mas estará descansado sem culpa em sua sasa,
afim de passar alegre um ano com sua mulher.» Expressão cor­
relata é encontrada no art. 153, n. I, no Estatuto dos Funcio­
nários Públicos Civis da União que, por motivo de casamento,
permite ao funcionário faltar ao serviço até oito dias sem res­
trições de direitos ou vantagens.

II - Direito Penal
Afirma-se com acerto que o primeiro Código ditado à
humanidade foi o Decálogo—palavras do Senhor, com estas pro­
ibições entre outras: Não matarás, não cometerás adultério, não
furtarás e não dirás falso testemunho contra teu próximo. (Êxo­
do, cap. X X , vers. 13 a 16). No Código Penal em vigor, en­
contram-se disposições correspondentes. De fato, é crime matar
alguém (art. 121), cometer adultério (art. 240), furtar (art. 155),
fazer afirmação falsa, como testemunha (art. 342).
Há previsão da tentativa, no versículo 12 do capítulo
21 do mesmo livro Êxodo: «O que ferir um homem, querendo
ITAYTERA 163

mata-lo, seja punido de morte.» Caracteriza-se a tentativa de


homicídio com o começo da execução e a suspensão por moti­
vo alheio à vontade do agente. (Cod Penal, art. 12, n. II)
Os feiticeiros deviam ser eliminados (Êxodo, cap. XX II,
vers. 18). O mesmo Estatuto Punitivo impõe a pena de deten­
ção a quem exerce o curandeirismo, usando gestos, palavras ou
qualquer outro meio. (Art. 284, n. II). O espiritismo, a magia
e seus sortilégios já eram catalogados entre os crimes na ca­
duca Consolidação das Leis Penais, (art. 157.)
É curioso registrar que a Bíblia previu também a rela­
ção de causalidade, na prática de atos delituosos. Efetivamente:
«Se algum homem por ódio empurrar outro, ou lhe atirar com
alguma coisa à traição ou, se sendo seu inimigo, o ferir com a
mão e êle morrer, o percursor será réu de homicídio.» (Nú­
meros, cap. X X X V , vers. 20 e 21). O Código Penal Brasileiro
considera causa a ação ou omissão sem a qual o resultado
não teria ocorrido. (Art. 11) Nos versículos seguintes do mesmo
livro inspirado está disciplinado a pena que devia ser imposta
aos que assim procediam involuntariamente, patricando—dizemos
hoje, o delito culposo.
Encontram-se, igualmente, nos Livros Sagrados, disposi­
ções sobre a prova tesmunhal. Está escrito no Deuteronômio:
«Não valerá contra alguém uma só testemunha, qualquer que
for o delito ou o crime; mas, tudo será verificado sobre o de­
poimento de duas ou três testemunhas.» (Cap. X IX , vers. 15).
Perdurou, por muito tempo, o principio testie unus, íe s iís
m ullus: Uma só testemunha nenhuma. O processo penal não
fixa mais o número das testemunhas, se não para alguns atos,
mas a lei do processo civil diz que o juiz pode contentar-se com
três depoimentos. (Art. 237)
A pena de multa conversível em prisão foi introduzida
no Io Livro de Esdras, cap. VII, ver. 26. Agora, paga multa
ou vai para a cadeia quem abusa da liberdade de imprensa, viola
correspondência, desacata funcionário público ou pratica outras
infrações.
X X X X

Quase nada de novo temos e tal não é para admirar,


porque, se Deus é a fonte da sabedoria, reconhece-se a origem
da ciência nas letras de inspiração divina, que eram o Código
do povo previlegíado e atravessaram as eras.
Como lembra Goldstein, há quasi trinta e cinco séculos
a cultura humana se inspirou nêsse monumento imperecivel, que
é a Bíblia vencedora do efêmero e do passageiro e influente nas
relações jurídicas da humanidade.
É podemos dizer como o desembargador Manuel Carlos
164 1TAYTERA

de Figueiredo Ferraz, discursando em 1943, no Instituto dos


Advogados Brasileiros: Não prevemos nem desejamos, de ne­
nhum modo, a subversão do solo cultural, em cuja composição
entram subsidios essenciais provindos do Direito Romano e do
Cristianismo. A crosta sólida em que pisamos e vivemos é, to­
da ela, constituída da rocha do Calvário e das Colinas Roma­
nas, tendo, de mistura, fragamentos de mármore do Pentélico,
reflexões das revelações da beleza, qué iluminaram a Grécia antiga.

G RÊM IO L ITE R Á R IO E CÍVICO JO SÉ DE ALEN­


CAR NA H ISTÓ RIA DO DESENVOLNIMENTO
CULTURAL DO CRATO
Duas sociedades de nutureza literária podem ser
ressaltadas na formação cultural de Grato—-o C L U BE
R O M E IR O S D O P O R V IR , do começo do século e o
Grêmio Litérario e Civico José de Alencar. Ambas se­
rão focalizadas, em sua posição oroeminente, na próxi­
ma obra—H IST Ó R IA D A L IT E R A T U R A C R A T E N -
S E , ou nome mais ou menos semelhante, de autoria do
jovem cronista Francisco S. Nascimento.
A segunda foi fundada na Associação dos Em­
pregados do Comercio no Crato, a 15 de Novembro
de 1927, por iniciativa do então presidente, daquela en­
tidade—Snr. Ernesto Piancó. Foi incentivado por artigo
na «A R EG IÁ O », de seu diretor Conego Manoel Fei-
tosa, dos bons jornalistas do Crato de outrora, poeta e
bom professor, já falecido. A iniciativa contou logo com
o apoio decidido dos alunos da Escola de Comercio,
funcionando daquela associação e com grandes serviços
prestados à classe caixeiral.
Ao falar-se no Grêmio José de Alencar não se pode
esquecer essa figura que o animou, por tantos anos e
que ainda vibra só em ouvir em seu nome, o prof. Álvaro
Madeira, já velhinho mas sempre idealista, Foi seu
primeiro presidente e ainda hoje é o nu m en tutelar
que o protege e o defende. A sociedade literária que
preparou oradores, jornalistas e artistas, contou outros
Conclui na página 172
DeserBpçâo da Cidade do
grafe em1 8 8 2 pelo
Dr. Gustavo Horacio
(Com anotações pelo jo rn al Correio do Cariry)
Está situada a cidade do Crato em 7o 14', 2” de lat.
meridional, 4o, 2’ de long. oriental do meridiano do Rio de Ja­
neiro, a 423. m, 910 sobre o nivel do mar, entre os dous Mon­
tes—Barro-Vermelho o Grangeiro (hoje do Seminário). A cidade
estende-se entre os dous montes em toda a sua largura (que é
de cerca de 1 kilometro) e por mais de um kilometro de com­
primento. As ruas são traçadas de S.S.O . a N.N E.
Ruas—São 11 as ruas principaes (traçadas de S.S.O . a
N.N .E.); e vão marcadas na planta pela maneira seguinte:
a — Rua de Santo Amaro
b — « da Pedra Lavrada
c — c das Larangeiras
d — « d o Pisa
e — « Formosa
f — « Grande
g — « do Fogo
h — « d a valia
i — « da Boa-vista
j — « Nova
k — « do Matadouro (hoje Nova Olinda)
Travessas e beccos:
I — do Cafundó
II — da Caridade
III — do Candeia
IV — da Matriz
V — do Sucupira
VI — de S. Vicente
VII — do Charuteiro
VIII — do Cemiterio
IX — da Ribeira Velha
X — do Barro Vermelho
XI — da Califórnia
m ITAYTKÍtA

XII — do Pequisciro
XIII — da Taboqueira
X IV - da Nova Olinda
XV — das Olarias
XVI — da Cadeia
X V II — do Pimenta
Praças:
À — da Matriz
B — de S. Vicente
C — do Rosário
D — do Matadouro
Entre as ruas são mais bonitas e bem edificadas: a
Pedra Lavrada, Larangeiras, Formosa, Grande, Fogo e Valia:
entre as travessas: a da Ribeira Velha, do Sucupira, do Charu-
teiro e da Califórnia; entre as praças: a da Matriz, S Vicente
e Rosário.
Existem na cidade: 1147 casas de telhas e 400 de palha
e taipa: ao todo 1547; 20 sobrados; um Seminário; uma Casa
de Caridade; 1 Recolhimento; 1 hospital: 6 egrejas; 1 cadeia e
casa de camara; 1 theatro; 1 ponte; 2 pontilhões: 1 açude; 2
mercados; 3 cemitérios e 10 a 11 mil habitantes.
Prédios—Os sobrados são de um só andar e construídos
á moderna.
O Seminário foi construído em 1874 a 1875 por ordem
de D. Luiz, Io Bispo do Ceará, e funcionou até 1877 sendo
então fechado por causa da secca. Teve sempre matricula de
50 a 60 alumnos. Tem 35 portas de frente: é de construção mo­
derna e imponente.
Casa de Caridade - Construída em 1868 pelo Rvd. Dr.
lbiapina; é de boa construção e dentro de um sitio de fructeiras,
proximo ao riacho Grangeiro (perenne). É a maior do Estado;
tem 2 9 portas de frente. Já teve mais de cem pessoas, hoje são
84 as pessoas n’eíla recolhidas. Existe na cidade um recolhimen­
to de mulheres (a que chamam — Convento) de propriedade do
Padre Manoel Felix de Moura; é uma casa particular, só se
distinguindo das outras pelas numerosos cellas ou cubículos em
que está dividida. Já teve 50 e tantas pessoas, hoje terá 30 ao
muito (Está na planta n° 20).
Egrejas—A Matriz (planta n° 7) é um grande e formoso
templo; limpa, porem muito simples internamente. Tem uma só
torre, onde está um bom relogio,
S. Vicente—Egreja de tamanho regular, boa construcção,
limpa, com uma só torre, de feia apparencia externa em vista da
desproporcionalidade da torre com a frente. Tem um patrimônio,
constante de um sitio de plantação de cannas chamado «S. V i­
ITAYTERá it>7

cente» e que tem rendido sempre 200$000 réis annuaes (planta


n° 10).
S. José—Egreja que divide o Seminário em duas partes
iguaes; tem tres portas de frente; é a maior egreja da cidade'e
talvez do interior do Estado; limpa e de excellente construcção
(planta n° 1).
S. Coração de M aria—Annexa á Casa de Caridade,
pequena, porem muito limpa e ornada (planta n° 6).
N. S. dos Remedios— Pequena, limpa e sem ornamento
algum; é annexa ao Cemiterio (planta n° 17).
S. Miguel—Grande, ainda não funcciona, por estar em
construcção. São dirigidas as obras d’esta egreja pela Irmandade
das Almas (planta n° 15).
Egreja do Rosário (planta n° 12)—Esteve em começo de
obras entre os annos de 1872; sendo abandonada, cahio em
ruinas ficando apenas os alicerces que ainda vivem no lugar
marcado na planta. A irmandade que a construira (a do Rosário)
ainda possue de patrimônio uma casa â rua da Valia.
Pontes: —ponte de S. José (planta n° 5) é de madeira,
forte, foi construída em 1884 pelo revd. padre Felix de Moura.-
É a passagem obrigada das pessoas que se dirigem da cidade
ao Seminário.
A da Califórnia é um pontilhão construída em 1879 por
occasião da secca (planta n° 13); é de alvenaria e madeira.
A do Cemiterio é um pequeno passadiço de madeira
(planta n° 16) de fraca construcção.
Mercados:—O mercado publico—é um quadrilátero
(planta n° 11) com tres frentes de 11 portas cada uma, Por
estar na continuação das ruas Grande e do Fogo, pelo lado do
Sul, fica sem frente por essse lado.
Tem por isso somente tres frentes, 2 para ditas ruas e
a 3a. para a Califórnia. Este prédio foi construído com o grande
defeito de ficarem muito baixas as alpendradas internas, posto
que externamente tenha muito boa altura, á moderna.
É de propriedade da Camara Municipal.
Açougue Publico:—Com 17 portas de frente. Construído
entre as casas da rua Formosa (planta n° 4) só tem duas frentes,
a da alludida rua e a da rua das Larangeiras. Tem 32 talhos.
É de melhor construção e mais elegante que o mercado acima
descripto. O s herdeiros do tenente coronel Joaquim Gomes de
Mattos em 1890 contractaram a cessão deste mercado por 20
annos de goso de certos rendimentos, responsabilisando-se a
Municipalidade para adqueril-o a obrigar todas as carnes desti­
nadas ao consumo publico a serem ali expostas. Eis porque
chamam a este prédio— Açougue Publico.
168 ITAYTERA

Cemitérios—Cemiterio Publico. Grande, bem murado,


com gradil de ferro na frente, tendo no meio a Egreja dos
Remedios (já descripta); tres portas dão entrada —a do meio para
a Egreja e a dos lados para a direita e esquerda.
Cemiterio de variolosos (planta n°) está em completo
abandono, e os tumulos cahem continuamente.
Cemiterio de cholericos,—muito fóra da cidade para o
lado do nordeste (por isto que fica fóra do perimetro da cidade
não vai na planta), grande, bem murado mas abandonado.
Casa da Camara (planta n0)—Grande prédio quadran-
gular assobradado. No andar superior funccionam a Camara
Municipal, o Jury e outros Juizes e Tribunaes. Consta de 3
salões e duas salas menores, em uma das quaes ainda se vê a
mesa sobre a qual foi lançada a sentença que condemnou á
morte o coronel Joaquim Pinto Madeira em 1834. São os salões
desnudado de toda ornamentação. No andar inferior estão as
prisões que podem conter agglomerados uns cem reclusos, como
já aconteceu ultimamente. Foi accrescentada com uma muralha
pelo lado posterior, onde existem duas prisões para mulheres, e
um saguão que serve de corpo de guarda. Foi principiada no
tempo do Governador Sampaio e concluido o quarto e ultimo
vão em 1883.
Theatro (planta n°)—Pertencente a uma associação par­
ticular, tem commodos sufficientes para a localidade e funcciona
regularmente. É como qualquer theatro de província.
Paiol de polvora (planta n0)—Edifício particular, cons­
truído com todas as cautellas e melhoramentos precisos para o
fim a que é destinado.
Hospital—Está em começo de obras. É uma tentativa
de distincto medico Dr. Marcos Rodrigues Madeira. Será cons-
truido por subscripção publica.
Açude (planta n°). Por ocasião da secca foi feito esse
prédio com o fim de represando as aguas do riacho Grangeiro,
por meio de enchentes, molhar o brejo até Joaseiro (3 léguas),
systema irrigação combinado com outro açude (também cons­
truído com soccorros públicos) no rio Batateira e que daria
excelente resultado, mas que foi abandonado jazendo esse prédio
em ruínas no meio do riacho e com o tempo virá á anniquilar-se
completamente.
Feira—Reune-se nas 2as. feiras de todas as semanas—
Até 2.500 cargas de generos de todas as qualidades se tem
contado em uma feira do Crato. Geralmente as feiras regulam
de 3 a 4.000 pessoas, mas nas grandes de Agosto a Dezembro
reunem-se até 6 a 8 mil. Enchem-se de povo commerciando as
praças de S. Vicente, do Rosário, a rua da Califórnia desde o
1 TA Y T i£ R A loi>

encontro da das Larangeiras até o encontro da rua da Valia, a


rua Grande da Praça de S. Vicente até quasi a praça do Ro­
sário, a Formosa, dessa praça até o encontro da Califórnia. Ê
aletn disso um dia de agitação em Coda a cidade e nas estradas,
Não deve causar admiração o numero de cargas en­
tradas em uma feira; por quanto na 2a. feira, 2 de Janeiro do
corrente anno, retiraram-se da feira do Crato mais de 500 car­
gas de comboeiros de outros Estados, que não podaram carregar
em vista da elevação das taxas pelo orçamento vigente, segundo
consta de um boletim assignado pelo coronel Juvenal Pedroso,
em 3 do mesmo mez, que correu impresso em todo o Estado,
População—É de cerca de 11 mil habitantes a do perí­
metro da cidade. Pelo recenseamento de 1890 (31 de Dezembro)
a população do município foi de 21:410 habitantes, sendo no
districto da cidade de 13:449.
Districto da cidade,..........13:449
« do Lameiro , . . 4:956
Districto do Joaseiro..........2:245
« do Junco......... 760

21:410
Do districto da cidade são tirados 2:449 habitantes que
moram nos suburbios, ficando a população urbana na rasão de
11 mil pelo calculo de Malthus (7 habitantes por casa) assim o
numero de casas da cidade de 1547 a população é de 10:829,
ou 11 mil arredondando os números.
Em 1861 (Pompeu, Ens. Estatistico) a cidade do Crato
tinha 550 casas, de telha e 600 de palha (e nos arredores outro
tanto) ao todo 1150 casas, e consumia de 8 rezes diariamente,
com uma população de 8 mil habitantes; hoje consome 11 a
12 reses.
A população é composta de adventicios e naíuraes do
município, Estes foram oriundos de duas famílias que domina­
vam-se P orteiras e Corrente, mas tal tem sido o entrelaça­
mento que raro é o indivíduo natural do Crato que não pertença
a uma das duas famílias, ou ás duas ao mesmo tempo. Predo­
minam também os Alencares, depois os Limas, Macedos e t c .,
rnas hoje estão completamente lançadas na massa da população
e as famílias que se salientam pelo seu numero são: os Bezerra,
Alves Pequeno, Maia, Gomes de Mattos, Lobos, Mellos, e ou­
tras tantas as quaes fazem parte das duas primitivas Porteiras
e Corrente ou estão nellas entrelaçadas.
x x x x
N O T A S:—A rua do Matadouro permanece como mes­
mo nome, não tendo sido acceita pelo povo a denominação de
178 ITAYTERA

de Nova Olinda. Igualmeníe aconteceu com a travessa do mesmo


nome a que se tentou chamar de Nova Olinda.
Em Novembro de 1901 o Conselho Municipal de então
resolveu mudar o nome da rua do Fogo para do dr. Nogueira
Accioly e o da praça da Matriz para praça do dr. Pedro
Borges.
O antigo becco do Sucupira é hoje conhecido geralmente
por becco Escuro. A antiga travessa da Ribeira da Velha está
tomada por casas.
O numero de casas da cidade se eleva a mais de 2 mil,
sendo a maior parte de edificação a moderna, devendo-se este
melhoramento aos dois grandes edificadores, o extincto coronel
Raymundo Gomes de Mattos, de saudosa memória, e dr. Cân­
dido Alves da Nobrega.
Dos 20 sobrados existentes em 1882 restam somente 10,
tendo sido cdificados mais 5, sendo 15 o total dos que ha pre­
sentemente
O açude e um dos pontilhôes desappareceram por com­
pleto, e o outro ainda existe, porem muito estragado.
A ponte de S. José desabou com as cheias do riacho
do Grangeiro, sendo reconstruída em 1902.
O Seminário, que foi reaberto depois d’aquella data,
funccionou alguns annos com muita regularidade e grande fre­
quência de alumnos, e foi por ordem do actual Bispo fechado
novamente em 1898.
O citado Convento foi fechado com a retirada do Padre
Manoel Felix desta cidade.
A Matriz pelos annos de 1897 a 1898 recebeu alguns
melhoramentos, devidos aos esforços do Monsenhor Antonio
Alexandrino de Alencar, que era vigário da freguezia n’aquelle
tempo. Com a retirada deste digno sacerdote d'aqui, ficaram
parados os trabalhos. Apresenta, entretanto, differente aspecto
do primitivo, offerecendo grandes commodidades.
O plano da Igreja de S. Miguel não foi também termi­
nado, estando concluída somente a parte principal, mas fuucci-
ona ha annos.
A Camara Municipal está concluindo um cemiterio novo,
annexo ao cemiterio velho. Os dos cholericos e dos variolosos
continuam abandonados.
Este ultimo está em completa ruina.
A casa da Camara recebeu esse anno passado alguns
melhoramentos, pois já ameaçava desabar ura dos seus lados.
Apresenta agora alguma decencia. -
Do theatro referido não existem mais nem vestígios.
Existe um outro pequeno e sem commodos, á rua Grande sob
ITÀYTERA 171

n° 84. Algumas companhias que apparecem por aqui preferem


o salão do Club «Romeiros do Porvir» por ser mais ventilado.
O hospital não chegou a ser concluído. Existe, porem,
um outro em começo, situado no cume do Alto do Barro V er­
melho, principiado em 1898 pelo Rvd. Monsenhor Francisco Ro­
drigues Monteiro. Está concluída apenas a capella que devia
ficar no centro dos diversos compartimentos destinados aos
enfermos, de que dão idéa os alicerces.
O numero de habitantes do perímetro da cidade já é
de cerca de 14 mil.
A população de todo o município já sobe a 33 mil con­
forme o recenceamento de 1900.
O numero de reses abatida diariamente para o consumo
da cidade é de 15 a 20.

MORRE O ESCRITOR
G U STAVO BARROSO
Justamente três meses após ter estado em Crato, faleceu
na Capital da Republica, onde residia, o grande escritor Gustavo
Barroso, cearense de renome internacional. O fato lutuoso para
as letras nacionais ocorreu no dia 2 de Dezembro, no Hospital
dos Servidores, depois de vários dias de doença. Nasceu no dia
29 de Dezembro de 1888, em Fortaleza, filho do casal—Filino
Barroso e Ana Dodt Barroso, Estudou no Liceu do Ceará e
bacharelou-se pela Faculdade de Direito, deste Estado, em 1911.
Dedicou-se á carreira das letras, tendo publicado diversas obras
que tornaram o seu nome de fama até mundial. Nunca esqueceu
o Ceará que ocupa o centro de seu trabalho intelectual, nas
diversas facetas de sua aprimorada inteligência.
Por duas vezes foi presidente da Academia Brasileira de
Letras.
Entre os dias primeiro e dois de Setembro, do ano em
curso, esteve no Cariri visitando os pontos principais de Crato
e Juazeiro. Pronunciou belíssima e instrutiva conferência na RA­
DIO ED U CA D O RA DO CA RIRI, sob os auspícios do Instituto
Cultural do Cariri.
172 ITAYTERA

G RÊM IO LITER Á RIO E CÍVICO JO SÉ DE...


Conclusão da página 164

bom dirigentes: Professora Raimunda Saraiva, Tomaz


Osterne de Alencar e José Siebra de Oliveira. É seu
atual presidente o Dr. José Sampaio de Lacerda, espíri-
rito jovem, inteligente e empreendedor, que injetou san­
gue novo na agremiação, que marcha aceleradamente
para futuro risonho.

ATAS DA ANTIGA COMARCA...


Continuação
28 de Setem bro de 1822
N ’esta foi aberto um officio aos Srs. eleitores de paro-
chia em virtude do mesmo mandou o senado que viesse requerer
o que pretendiam.
N’esfa mesma se apresentaram os Srs, eleitores e fizeram
ver que iam com grande risco para a villa do Icó ao procedi­
mento da eleição dos Srs. deputados, uma vez que alli se achava
o commandante Manoel Àntonio Diniz, inimigo declarado da
causa do Brasil, pelas muitas provas que tinha dado e que o
mesmo commandante unido a uns poucos de europeus d’aqueila
villa, também inimigos da causa, era muito fativel fazer obstáculo
ao cumprimento das eleições, e até com forças de armas a pre-
tereria, e por isto requeriam que este senado oííiciasse ao do
Icó para este lançar da dita villa o mencionado commandante,
e que se assim não obrassem ou o dito commandante desobe-
desse, fizesse aviso para elles eleitores irem munidos de tropas
sufficientes que os defenda dos despotismos daquelle dito com­
mandante ou de outro da mesma natureza.
(Officiou-se ã camara e ao juiz ordinário do Icó).
Assignaram 10 eleitores—Tristão, Pedro José de Carva­
lho, Antonio Ferreira Lima, Feliz Gomes de Mello, Manoel
Francisco de Macedo, Vicente A maneio, David Ferreira do
Espirito Santo, José Francisco Gouvêa de Ferraz, Francisco
Mamedio dos Santos, Antonio Corrêa Lima; sem juntarem ao
nome a palavra - eleitor.
U n a P a rce la da Fa m ília
Menezes do Cariri
BRU N O D E M E N E Z E S
Do Instituto Cultura! do Cariri e da Ass.
Brasileira de Imprensa
(ORTOGRAFIA PRÓPRIA)

Começando no século X V II com Diogo Alvares Correia


(Caramurú) e sua esposa Catarina Alvares (Paraguassú), vamos
encontrar na décima jeração o Brigadeiro Leandro Bezerra
Monteiro, rilho de Antônio Pinheiro Lôbo e sua esposa Joana
Bezerra de Menezes que, casando-se com Rosa Josefa do Sa­
cramento, decendem dêsse casal oito filhos (XI jeração) sendo
o último o Capitão-Mór Manoel Leandro Bezerra de Menezes.
Êste casou com sua prima Ana Bezerra de Menezes, filha de
Estevão José de Menezes, de cujo consórcio naceraro nove filhos,
entre os quais—ANA B EZERR A DE M E N EZES, tratada em
familia por Y áiá Donana (XII jeração), que casou com seu primo
José Ferreira de Menezes, filho de Roque de Mendonça Barros
e Maria (Dona) Bezerra de Menezes; cinco foram seus rebentos:
(XIII jeração)— 1—José Ferreira de Menezes Júnior, 2—Manoel
Leandro de Menezes, 3—Vicente Ferreira de Menezes, 4—
Antonio Roque de Menezes e 5—Aristides Ferreira de Menezes.
— 1—José Ferreira de Menezes J r . naceu em Crato
em 6 de novembro de 1840 e faleceu na mesma cidade em 1882
(segundo informação prestada pelo então creança Padre Pedro
Arnaud, cujas famílias moravam visinhas); viveu da lavoura no
sitio de sua propriedade denominada então de «Cafundó» e por
este motivo tornará-se conhecido por Zéco do Cafundó. Inte­
grado no amanho da terra, jamais se deixou empolgar pela
política de sua cidade. Aos 19 anos casou com Petronila Soares
da Cunha, que o sobreviveu até setembro de 1915, quatro foram
seus filhos: Abel, Pedro, Ana e José. (XIII jeração).
— Abel Ferrvira de Menezes nacido em 1861, moço de
clara intelijência, dotado de atraente fisionomia e de impolsiva
vontade. Não Podendo casar-se com Cecília da Penha,—moça
que escolhera para esposa,—dada a opusição de seus páes,
abandonou a casa paterna, migrando em 1881 para o Estado
do Amazonas; constou e até assegurou-se naquela remota época,
que a noiva desaparecera do Crato, seguindo as pegadas do
amado, conforme adrede combinação epistolar, indo encontra-lo
174 ITAYTERA

no grande Estado do Norte, onde se casaram e constituiram


família mas, de táis rebentos nunca se teve noticias.
— Pedro F e rre ira de M enezes naceu em 1863 no sitio
Cafundó, casando em 1888 no povoado de Missão Nova ali
residindo até quando foi assassinado pelos seus cunhados em
1892, deixando uma filha de nome Élvira com dois anos de
idade entregue a d. Petronila sua avó, que a recebeu gravemente
enferma de incurável verminose, não obstante os esforços feito
pelo Dr. M arcos Rodrigues Madeira, único médico no Crato.
—A na, nacida em 1866, aos dois anos de idade faleceu
afogada na corrente do riaxo que irrigava as plantações do
Cafundó.
— José de Menezes naceu em Crato a 9 de setembro
de 1869 e faleceu na mesma cidade em 13 de abril de 1934.
Como ourives, possuiu a mais moderna oficina, única com lami-
nador mecânico e aparelho de douração. Casando em 8 de
dezembro de 1889 com Julia Alves de Lima, nacida em 25 de
julho de 1875 e falecida em 9 de setembro de 1945; dois foram
seus filhos: (X IV jeração—Bruno e Julita.
— B run o de M enezes, (x) radicado à mais de 30 anos
no Rio de Janeiro, naceu no Crato em 6 de outubro de 1890;
jornalista rejistrado sob n. 11 pelo Serv. de Indentificação Pro­
fissional (M T IC ) e funcionário federal; Casando em 1934 na
República Oriental do Uruguai com d. M aria da Piedade C as­
telo Branco, (sobrinha-neta de Camilo, famoso escritor portuguez)
são paes de Bruno José de Menezes (X V jeração, nacido no
Rio em 11 de agosto de 1935 e terminando este ano o curso de
oficial do Exercito, na Academia Militar das Agulhas Negras,
Rezende, E . do Rio.
— Ju lita Menezes Peixoto, naceu em 12 de outubro de
1893 e atualmente viuva de Josphet de Alencar Peixoto, não
avendo filhos do casal.
—2 —M anoel Leando de M enezes, naceu em 18 de
agosto de 1842 e faleceu em Crato; morejou desde a mocidade
no comercio de artigos de lei, no sobrado em frente o portão
de frutas na travessa da Califórnia; Casou com d. Missias No-
rões, nacida em 1849 e falecida em março de 1944, não deixan-
de próle.
—3 —V icen te F e rreira de M enezes, naceu em 1843 e
faleceu em 1879, casado com Joaquina Pedroso em 1868, paes
de (X III jeração): Hormecinda, Euclídes (Quidinha), Paulo E l-
pídio e Ester.
— 1—H orm ecinda Pedroso de M enezes, naceu em
1870 e faleceu em 1930; em 1890 casou-se com Horacio Colares
M aia, deixando cinco filhos (X IV jeração:) Pedro, Maria, Pau­
ITAYTERA 175

lo, Epifânio e Ademar.


— 2 —E uclides Garcia de Menezes (Quidinha), naceu
em 7 de novembro de 1872, falecendo no dia 28 de julho de
1947. À 8 de novembro de 1891 casou com Antônio Garcia de
Sá, nacido em de abril de 1866 e falecido em 21 de dezem­
bro de 1920; dêsse casal naceram 6 filhos: M aria, Edwije (Li-
ca), Ambrozina, Valdemar, Aldo e Moacir.
(X IV jeração) M aria G arcia, naceu em 18 de novem­
bro de 1896, casou em 1934 com Bernardo Jucá, falecido em
1954 deixando uma única filha (X V jeração) M aria da Penha,
Professora diplomada em dezembro 1954 pelo Coléjio das Filhas
de Santa Teresa de Jesús de Grato. E d w ije (Lica) naceu em 2 de
abril de 1899 e faleceu solteira em 1919. Ambrozina Garcia naceu
em 20 de outubro 1904, falecendo solteira em 30 de agosto de 1957.
V ald em ar G arcia nasceu em 24 de dezembro de 1902, residindo
ainda solteiro em Fortaleza. Aldo G arcia nasceu em 13 de dezem­
bro de 1906, residindo também solteiro em Fortaleza. M oacir
G a rcia naceu em 17 de fevereiro de 1911, solteiro e comerci­
ante na Praça de Crato,
— 3 - Paulo Elpídio de Menezes, naceu no Crato em
26 de fevereiro de 1879 e casou-se em 23 de setembro de 1900
em Maranguape com Oda Freire de Lima, nacida em Iguatu a
24 de fevereiro de 1886. Atualmente aposentado como Procura­
dor Fiscal do Estado do Ceará; Baxarel em Direito, advogou
alguns anos no Fôro de Maranguape, passando mais tarde a
residir na Capital onde ocupou o lugar para o qual fôra nome­
ado, militando esporadicamente na imprensa de Fortaleza; dois
filhos vieram coroar de felicidades o lar do ilustre casal (X IV
jeração): D jacir e Paulo F ilh o , a) D jacir de L im a M ene­
zes, Doutor em Ciências Jurídicas e Sociais; ocupa atualmente
a cátedra de Professor de Filosofia Teórica e Aplicada da U ni­
versidade do Brasil; sua bibliografia contém considerável e abun­
dante material de trancendentes em estudos didáticos; possuidor
de rara capacidade de trabalho e de admiravel intelijência, é
sem dúvida, um dos elementos umânos mais culto do País. D ja­
cir nasceu a 16 de novembro de 1907 em Maranguape e casou-
se em Fortaleza no dia 1 de setembro de 1933 com d. Stela
Pontes, dando ao mundo três filhos (X V jeração) V ladir, na­
cido em 12 de julho de 1935, V ladem lr, nascido em 2 de ou­
tubro de 1937 e D jacir F ilh o , nacido a 12 de julho de 1947.
b) Paulo Elpídio F ilh o, Baxarel em Ciências Jurídicas pela
Faculdade de Direito do Ceará, da qual é presentemente Pro­
fessor de < iencias Econômicas; naceu em Fortaleza em 21 de
fevereiro de 1909 contraindo matrimônio com d. Zuila T ei­
xeira em 21 de fevereiro de 1935; dêsse consórcio veio a luz
176 ITAYTERA

dois filhos (X V I jeração): Paulo Eloídio N eto, nacido em 13


de janeiro de 1936 e M arlene nacida em 14 de janeiro de 1941.
—4 — E s té r F e rre ira de M enezes, naceu no Crato
em 1884, casou-se com João Carvalho em 1892 falecendo em
1911; M anoel, Alice e Benjamim, foram os filhos do casal, ten­
do o primeiro e terceiro falecidos.
— 4 —A ntônio Roque de M enezes naceu no Crato em
1845 e faleceu no Juazeiro em 1918; casado em 1872 com Fran-
cisca Furtado de Figueiredo decendem do casal seis filhos,
(X III jeração): Maria Dona, José Roque, Vicente Roque, Dona-
na, Rosa e Irinéa. 1) M aria D ona nacida em 1874 e falecida
em 1903, casando em 1892 com José Gomes de M atos, deixou
quatro filhos (X IV jeração): Ercila, Demostenes, Vicente e Tir-
so, este falecido aos 12 anos. (*) 2) Jo sé R oque, naceu em
1877 e faleceu solteiro em 1904 no Alto Rio Madeira do E sta­
do do Amazonas. 3) V icente Roque de M enezes, naceu no
Crato em 12 de dezembro de 1879. Muito môço ainda domici­
liou-se em Fortaleza onde ainda reside e que, em cuja praça
até aposentar-se, exerceu as atividades comerciais com dedicação
e onradês absoluta; colabora desde muitos anos na imprensa da
capital cearense, sob as iniciais de V . R.; casou em 30 de ju ­
lho de 1910 em Fortaleza com Branca Simões, filha do comerciante
de nacionalidade Portugusa e sr. Joaquim Manoel Simões e d. M a­
ria Leopoldina de Barros Simões ambos já falecidos; do casal V i­
cente—Branca decendem três filhos (X IV jeração): João, Isa e
Rui; 1) D r. Jo ã o Sim ões de M enezes naceu em 4 de agosto
de 1911, recebeu o gráu de doutor pela Faculdade de Medici­
na da Bahia em 1932; casando com d. Maslwa Nogueira, (filha
de Dr Miguel Nogueira e d. Anita Lapa Nogueira,) tem dois
filhos ( X V jeração): Boris Nogueira de Menezes, nacido a 8 de
agosto de 1935 e T ânia Nogueira de Menezes, nacida em 14
de março de 1937. 2) Isa Sim ões de M enezes M ed ina, naceu
a 10 de agosto de 1912, casou-se em 12 de agosto de 1941
com Bernardo de Campos Medina; reside atualmente o casal
no Rio de Janeiro, tendo dois filhos (X V jeração) M aria de
Lourdes, nacida na Capital Federal em 10 de novembro de 1942,
e Antonio Ivo, nacido em Fortaleza a 10 de outubro de 1944.
D r. R ui Sim ões de M enezes, naceu a 10 de maio de 1917,
diplomou-se Enjenheiro Agrônomo em 1937, tendo conquistado
o primeiro lugar de sua turma; casou com d. Mariana Ferreira
(filha do Enjenheiro Civil José Rodrigues Ferreira e d. M aria
Richard Rodrigues), em 19 de fevereiro de 1946; atualmente
ocupa um do9 mais altos postos no Departamento Nacional de
(x ) A «U nião dos T rabalhadores d o C arirh distribuiu em 1954 sua
biog rafia escrita p e lo Dr. Jo s é B o n ifácio d e Souza, ilustre mem bro d o «Insti­
tuto d o C e a rá » .
1T A Y T E RA 177

O bras Contra Sêcas, atuando no Estado da Bahia; sua bagajem


bibliográfica sobre psicultura, é uma das maiores da America
do Sul, apaixonado que é por esta especialidade; do casal na-
ceram duas meninas: Sônia M arta, nacida em 22 de abril de
1949 e Biana, nacida em 16 de outubro de 1951, infelizmente
vítima de fatal acidente veio a falecer em 29 de setembro de
1957. 4) D o n an a R o q u e, naceu em 1882 e casou-se com João Nunes
em 1905, (ambos falecidos) (*) 5) R o sa R o q u e , naceu em 1885 e
faleceu em 1916, casada com seu parente Joaquim Pedroso, não
deixou próle. 6) Irinéa Roque, naceu em janeiro de 1888 e ca­
sou em 1910 com seu parente José Ferreira de Menezes Lonje;
se bem que estejam vivos e residindo em Juazeiro, não obtive­
mos saber o número de seus filhos.
— 5 —A ristid es F e rre ira de M en ezes, (X II jecação), na­
ceu em Crato, em 1847 e faleceu em 1919; casado com dona
Ana Leopoldina M aia em 1870, foi Tenente Coronel da Guarda
Nacional; possuindo os dois sítios de Porteiras e do Muquem,
não obstante isto, exerceu a função de advogado-licenciado; po­
lítico, acompanhou o Coronel José Belém de Figueiredo até sua
deposição em 1904; orador fluente e loquaz, fôra o primeiro
chefe da então povoação de Juazeiro do Crato; no ostracismo
viveu seus últimos anos, inteiramente isolado até da própria fa­
mília, no logradouro do Muquem. Dêsde criança Cratavam-no
de «Aris» e com tal diminutivo tratavam-no os seus parentes e
amigos; assim é que os filhos o tornaram automaticamente, co­
mo lejenda de seus nomes individuais. Doze foram os filhos de
Aristides e Ana; (X III jeração) Jo sé A írls naceu em 1872 e ca­
sando com d. M aria Lobo, naceram do casal 13 filhos (*).
F a u s t* A iris, naceu em 1874 casada em 1888 com José A lba-
no Capibaribe, passaram desde logo a residir em Fortaleza:
ambos faleceram deixando 8 filhos (*). R u b e m A iris, naceu
em 1876 e casou em primeiras núpcias com d. Vicencia Sátiro
da Cunha, falecida em 24 de junho de 1907 em segunda núpci­
as com d. M aria Aleida: da primeira esposa naceram (X IV je ­
ração): M aria Sinhá, José e Clarisse falecida em criança; da
segunda, Otacilio, Djacira, M aria Lucíola, Neusa e José.
R a im u n d o A iris, nasceu em 1877 e casou-se com d. Ruimunda
da Conceição Oliveira, ambos falecidos, páes de Filadélfia, Ana
e M aria. P au lo M aia, naceu em 1879 e foi assasinado em
Juazeiro em 9 de junho de 1914; casado com d. Aurora Sobrei­
ra de Figueiredo, já falecida, deixando 5 filhos: José, D ejacila,
Odilon, Almerinda e Arjemira. João A ires, nacido em 1882 e
casou-se em 1905 com d. M aria Fernandes, paes de José, E li-
sabeth, Vicente, Bianor, Delbite e Consuêlo. Pedro A ires,
nacido em 1884 e falecido em 2 de maio de 1930, foi casado
178 ITAtTÊRA

com d. Dionisía Luisa de Oliveira, natural de Baturité, paes de


Alboino, Enjenheiro agrômomo, Alcides e Álvaro. Julio Aires,
naceu em 19 de outubro de 1886 e casou-se com d. Maria Ce­
lestina Maia, paes de Maria, Alzemir, Aristides, Aldemora, Lalí,
Eunice, Francisco, Valdez e Jilmar. Maria Aires, naceu em 16
de março de 1887, casando com José Sátiro da Cunha, falecido
em 1911 no alto Purús no Estado do Amazonas, deixando duas
filhas: Augusta e Fausta; aquela casada com João Bispo Sobreira
(fal,) e esta, casada com José Faustino de Almeida (fal.) Ana
(Donana) Aris, naceu a 17 de julho de 1888 casou-se com seu
parente por parte materna Alfredo Moreira Maia, falecido a
28 de julho de 1957; paes de Ivone, Maria, Alfredo Moreira
Filho, Maria Altair, José e Maria do Socorro, estes últimos (3)
faleceram. Alfredo Airi*, naceu em 1 de novembro de 1889;
está estabelecido em Crato com alfaiataria, continuando ainda
solteiro. F an tin a Airis, naceu em 6 de setembro de 1891; de
prendas doméstica, também continua solteira.
______________ Rio, janeiro de 1958.
Notes. — Os asteriscos indicam que não f oi possiuel conseguir os dados
necessários á elucidação mais ou menos completa, mal grado
o esforço que empregamos para esse fim .—B.M.

P IG N EIR 1SM O DE CRATO . IN STALA DA A P R I­


M EIR A ESCOLA DE EN SIN O S U P E R IO R
DO IN T E R IO R CEA REN SE
No dia 6, data que assinalou a reinauguração
do AEROPORTO de Crato, com 1.600 metros de pista
asfaltada, contando com a presença do Governador
Parsifal, do Vice-Governador Wilson Gonçalves e do
comandante da 2“Divisão Aerea, foi solenemente instalada
a Faculdade de Filosofia de Crato. Muito trabalhamos
para que esta cidade possuísse sua faculdade de ensino
superior, mas a figura principal do movimento, graças á
qual vimos o velho idea! concretizar-se, foi o cratense que
ora faz o maior movimento de ordem cultural que se
processa em estado nortista—-o Magnífico Reitor Antonio
Martins Filho. Prometeu êle também de empenhar seu
prestigio e dinamismo, pelo breve funcionamento da Fa­
culdade de Odontologia, cujo documentário já foi enca­
minhado ao Ministério de Educação e Cultura.
Os Páus de flrara e a Coloní-
zação Halaiidêsa n» Paraná
Jósio de ALENCAR ARARIPE
O drama dos Paus de Arara constitue um dos episó­
dios rnais revoltantes dêste País. Milhares de nordestinos são
anualmente levados para o Sul, atraídos pela falsa miragem de
uma vida melhor, e jogados por aí como bichos. Norraalmente,
seguem a mesma rota os mais jovens, os mais fortes, os mais
capazes para o trabalho árduo no campo e nas fábricas. Acos­
sados pela fome e extrema miséria, vão moços, velhos e crian­
ças, deixando pelos caminhos uma esteira de mortos, qual exér­
cito derrotado ern brusca retirada, acossado por poderoso e mor­
tal inimigo. Os que atingem o destino visado sofrem ainda a
presença frequente do fantasma da fome, que os extermina im­
piedosamente, atirados nas gares das estradas de ferro, hospe­
darias imundas das grandes cidades de um mundo para êies ío-
íalmente desconhecido. Assustados e toíalmente desamparados,
num ambiente hostil, aceitam o primeiro trabalho que lhes é ofe­
recido, por mais humilhante que sêja, em troca de algumas mi­
galhas para alimentarem os estomagos vazios. São vendidos co­
mo escravos, sofrem o diabo. Salvam-se alguns, que prosperam
e vencem na dura e desigual competição. E fazem questão de di­
zer isso para todo mundo. Os parentes recebem notícias que cau­
sam inveja, que fácilmente se propalam nos sertões, e a cami­
nhada continua. Outros, a grande maioria, não se ajustam nun­
ca, e quando conseguem pagar o prêço cobrado pela sua liber­
dade aos exigentes patrões do sul, voltam novamente, mais po­
bre do que quando partiram, mas dispostos a morrer agarrados
na terxa sêca do Nordeste, e nunca mais se aventuraram no
mundo desconhecido dos sonhos de outrora.
Somente em data recente, se esboça um plano que visa
orientar a emigração de excedente populacional da área do Po­
lígono das Sêcas para o interior do Maranhão e Goiás e ou­
tros pontos da periferia da região. É um dos objetivos da Ope­
ração Nordeste, constando de rocomendação especial no relató­
rio elaborado pelo G TDN , que acentua a necessidade da aber­
tura de uma frente de imigração nordestina, com a adoção de
180 ITAYTERA

providência que variam desde os tipos de unidades produtiva


agro-pecuária remendáveis, do ponto de vista dos planos de produ­
ção, transladação e instalação dessa população, assistência técni­
ca e financeira e forma recomendável de comercialização das
diversas unidades de colonização. A medida proposta teria o du­
plo objetivo de absorver o excedente de população da região se-
miárida, e de produzir gêneros alimentícios para abastecer, par­
cialmente, aquela região.
Muito diverso tem sido o tratamento dispensado ao co­
lono estrangeiro, bastando citar, para efeito de argumentação, o
que ocorre com a colonização hoiandêsa no Estado do Paraná.
O privilégio começa desde a recepção oficial por ocasião do de­
sembarque e hospedagem principesca na aprazível Ilha das Flo­
res. As melhores terras são destinadas aos ilustres hóspedes, em
lotes demarcados e propriedades devidamente instaladas, ao gos­
to do exigente imigrante estrangeiro, sendo em tudo respeitado
os usos e costumes da terra flamenga. No navio especialmente
fretado para transportar os louros habitantes dos Países Baixos,
trazem o necessário para início imediato das atividades a que
irão se dedicar na nova pátria, desde máquinas e instrumentos
agrícolas, aos animais domésticos. Depois de instalados, nada
lhes falta: assistência técnica, crédito a longo prazo e juro mó­
dico, desvelando-se os funcionários do INIC, com a assistência
de outros setores especializados do Governo, em prestar ao co­
lono as honras de perfeitos anfitriões, não permitindo que nada
falte à segurança e bem estar do precioso imigrante. E essa gen­
te mantém no Brasil verdadeiras colônias holandêsas, onde em
nada poderemos suspeitar a presença da pátria adotiva, pois o
que se vê em vasta porção do território paranaense são holan­
deses mesmo, desde o homem, falando a lingua nativa com suas
vestimentas típicas, seu linguajar complicado, ao estilo difente das
construções, e tudo, enfim, nos faz lembrar a terra da Rainha
Guilhermina. E se existe algum brasileiro por lá, ainda é o nor­
destino, lavrando a terra a troco de magro salário, em benefí­
cios dos felizardos senhores daquelas ricas fazendas. E não se­
rá surpreza, que duzentos anos depois sejam êles realmente mais
poderosos, que outros venham se juntar ao numeroso contigente, mas
sempre conservando as mesmas características do país de origem.
Foi assim nas índias Orientais, onde foram por fim escurraça-
dos pelos patriotas da Indonésia, que durante séculos suportaram
o jugo escravizador dos louros flamengos. Aqui, por certo não
chegarão a tanto, mas elegerão seus Prefeitos, Vereadores e De­
putados e dominarão pelo poderio econômico, escravizando aque-
I T A Y T E R A 181

les que insensatemente tudo facilitaram para o êxito de sua


missão.
Os Páus de Arara são sementes sacudidas ao vento, em
terreno árido. O imigrante estrangeiro é a árvore cuidadosa­
mente transplantada, protegida e amparada até que possa pro­
duzir os primeiros frutos. Conta com apoio e ficial, tem de tudo,
até mesmo o braço forte do nordestino para seu rápido enrique­
cimento.
A desigualdade de tratamento é chocante. A Operação
Nordeste visa corrigir tão grande injustiça, propiciando também
ao nordestino condições de sobrevivência em qualquer parte da
pátria comum. Dispense-lhe igual tratamento dado ao imigrante
estrangeiro, e ainda será o melhor colono do Brasil.

B O LE TIM DA UN IVERSIDADE
A Biblioteca do Instituto Cultural do Carirí rece­
be com regularidade o BOLETIM DA UNIVERSI­
DADE DO CEARÁ, bem assim todas as obras edi­
tadas pela IMPRENSA UNIVERSITÁRIA Agrade­
cemos
SY M PO SIU M
É o nome da bem feita revista, publicada pela
UNIVERSIDADE CATÓLICA DE PERNAMBU­
CO.. É dirigida pelos padres jesuítas: Audisio Mosca
de Carvalho e nosso conterrâneo Pedro de Mello. Traz
ótima colaboração, assim atestando o grau de cultura
dos dirigentes daquela Universidade, das mais bem
organizadas do Brasil.
O HOMEM-VASSOURA
É outro livro, filho da cultura multiforme de nosso
amigo e socio correspondente — Abelardo Montenegro.
É o elogio do candidato Janio Quadros, escrito com a
boa linguagnm daquele bom escritor cearense.
182 IT A T E U A

ATAS DA ANTIGA COMARC a ...


Continuação da página 172

2 de Outubro de 1822
N'esta accordaram em officiar á junta provisória da
Parahiba, para mandar dois officiaes para commandar as milícias
d’esta villa e igualmente pedindo auxilio á mesma.
N'esta accordaram cm officiar ao capitão-mór e coronel
para aprontarem suas tropas paia auxiliarem os eleitores.
5 de Outubro de 1822
Nesta accordaram fazer um officio ao capitão-mór d’esta
villa José Pereira Filgueiras fazendo ver o estado actual da
villa do Icó contra a causa de S. A. R.
Accordaram mais em officiar aos thesoureiros dos reaes
dizimos para darem por empréstimo o dinheiro que em si tiverem
para munição da tropa, que vai para o Icó.
Accordaram que se passasse mando para que o dito
procurador entregasse a Joaquim Pinto Madeira, capitão de
ordenanças, a quantia de 214$ 160.
Accordaram mais representarem aos eleitores na occasião
da reunião delles na villa do Icó a respeito do melhoramento
e augmento da causa do Brasil n’esta comarca.
Accordaram mais que se passasse mandado para que o
procurador nomeado Francisco José Cesar entregasse ao com-
mandante do esquadrão de cavallaria Romão José Baptista a
quantia de cem mil réis, e com recibo do dito commandante lhe
ser levada em conta.
Accordaram mais requererem ao coronel commandante
da cavallaria Leandro Monteiro o preenchimento de duas com­
panhias, primeiro e segunda, do dito regimento.
6 de O utubro de 1822
Accordaram em que o sargento-mór José Victoriano
Maciel ficasse livre da pena de residir dentro da villa por
estarem certificados queelle não era inimigo da causa, e que se
officie.
21 de Outubro de 1822
......... e eleitores de porochia d'esta freguezia para ele­
gerem um membro, que ha de servir no governo temporário
installado no dia 16 do corrente mez na villa do Icó, e se pros­
seguindo ã votos foi eleito pela camara e eleitores o capitão-mór
Continua na página 184
— RAPADURAS —
AÍI RIGHT
Copyrigh dos «Diários Associados»
RIO, 11. (Meridional)—O número 13 do Documen­
tário da Vida Rural de que é responsável o José Vieira, como
diretor do Serviço de Informação Agrícola, trata da rapadura do
Cariri e foi escrito por José de Figueiredo Filho. Tudo muito
bem feito, bem arrumado, ótima impressão, etc..
A leitura da publicação, para mim, que não sou, nun­
ca fui, mas tenho muita vontade de ser agricultor, valeu pelas
profundas recordações que me trouxe da infância.
A rapadura do Cariri alimentou-me bastante na me­
ninice. Comida com farinha seca, branca como leite, representa­
va uma verdadeira delícia. A minha zona no Ceará é da Serra
Grande, do outro lado do Estado. As rapaduras de lá, eram
boas, também, mas as do Cariri, para o meu paladar superavam-
nas. Talvez fosse porque vinham de fora, de longe.
Desde os verdes anos a gente sabe que santo de ca­
sa não faz milagre. Era assim com a rapadura, será igualmen­
te assim com tudo o mais. A humanidade é uma eterna insatis­
feita. Quando se tem tudo em casa, de bom e do melhor, des­
preza-se para ir procurar além outras coisas.
Em verdade, porém, a rapadura encerada de Barba-
lha e adjacências tinha um sabor especial, que me regalava a
mim e aos frangotes de meu tempo.
Não sei se hoje a situação é a mesma. Devo diver
que fiquei até surpreendido com a notícia de que ainda se fabri­
cam rapaduras naquela zona.
Desde a sua criação, êsse Instituto de Açúcar e do
Álcool não tem feito outra coisa senão perseguir, acabar com os
engenhos, primitivos, sim, mas insubstituíveis no coração de quan­
tos em dia nasceram, cresceram e gozaram o espetáculo das
moagens, as velhas juntas de bois a rodarem, desde o raiar da
aurora até ao escurecer, em tôrno daquelas moendas, das quais
a garapa escorria sem cessar. Os tachos de cobre se enchiam
sob a labareda dos bagaços de cana e mel pouco a pouco se
apurava, indo depois para as fôrmas de madeira de rapadura,
alimento de pobre, produção barata.
Atualmente, o que resta de tudo aquilo não represen­
284 ITAYTERA

ta, segundo imagino, nada do que foi êste Brasil naquelas pris-
cas eras.
Grande êrro, do ponto de vista histórico, a campanha
contra os engenhos. Está bem que se fizesse o Instituto, povo­
ando-o, como aos outros, de funcionários entre os quais, aliás
tenho velhos amigos; mas a meu ver, tornar-se-ia necessário con­
servar esses marcos da nossa formação que eram os engenhos
sem êsse mal necessário da máquina. Desde os albores da colô­
nia, constituiram eles a nossa primeira manifestação de economia,
despertaram a cobiça dos piratas e dos invasores. Tinham, por­
tanto, uma tradição que deveria ser respeitada.
V eja nessa interessantíssima publicação, que no Carirí
subsiste apenas meia dúzia de engenhos de bois, um em Barba-
lha, quatro ou cinco no Crato, dois no Juazeiro do meu padrinho
Padre Cícero!
Maldito seja quem acabou com essa atividade tão
nossa, que havia chegado até à época das autarquias através de
sucessivas gerações, enriquecendo a literatura indígena de assun­
tos que os futuros escritores poderão versar de oitiva. (Extr.)

A TA S DA A N TIG A CO M ARCA ...


Continuação da página 182
José Pereira Filgueiras sem que recahisse votos em alguma outra
pessoa. E para constar, ô c ......... Assignados: eleitores, José
Pedro Nolasco de Carvalho—José Manoel de Quintal—José
Francisco de Gouvêa Ferraz—Tristão Gonçalves Pereira de
Alencar—Pedro José de C arvalh o-Fran cisco José de Sousa—
João Gonçalves Pereira de Alencar—Vicente Amancio de Lima—
David Ferreira do Espirito Santo.
N’esta mesma foi aberto um officio do capitâo-mór que
requeria se arrecadasse armamento e polvora para armar a tropa,
igualmente officiar a Manoel Antonio de Jesus para entregar o
dinheiro dos dizimos.
(Prestam juramento de fidelidade os europeus Cardoso
e Mariano José Rabello.
F o i depois d’este dia, que partiu Filgueiras prra libertar
os eleitores: o fogo da forquilha foi no dia 27 de Outubro (um
domingo), a prisão dos eleitores tinha sido numa quarta feira,
16 de Outubro.
R E L E iB R Ilil m HEftOl
PE CgMOBOS
In fo rm a çõ e s p re s ta d a s pelo p ro p rio Q n ó rio V ilan ova
O nório F ra n cisco da A ssunção (conhecido por O nório
V ilanov a, nasceu no dia 2 de fevereiro de 1865 (80) anos, no
lugar Urucuzinho do município de A ssarê, filho de José F r a n ­
cisco de A ssunção, falecido em 1937 contando 102 anos e A na
M aria da C onceição.
Em maio de 1878 devido a grande sêca de 1877 tran s­
portaram -se para a Baia para o lugar «Queim ada-G rande» em es-
guida para Bonfim, passando na B aia 10 (dez) anos e reg res­
sando em 1888.
Passado quatro (4) anos em 1891, voltara novamente
para Baia onde já se encontrava o seu irmão Antonio V ilanov a
(Antonio F ra n cisco da A ssunção) em 1893 casou-se com dona
T e re z a jardilina de A lencar, em Bonfim .
Em 1894 foi para Canudos onde já se encontrava o seu
irmão A ntonio V ilan ov a, estabelecido com uma lo ja de tecidos,
m ercadorias, ferragens, armazém de compra de gêneros de e x ­
portação.
Em Canudos, O nório estabeleceu uma sociedade com er­
cial com seu irm ão Antonio V ilanova.
Em 1895 veio um passeio ao C eará dem orando-se so ­
mente um mês.
N o dia 20 de novembro de 1896 houve o primeiro en­
contro entre jagun ços e tropas do governo na vila do Q uá m or­
rendo 64 (sessenta e quatro) jagu n ços e encontraram 30 sold a­
dos mortos, os praças dêste com bate eram 100 e os jagunços
aproximadam ente 200. O s soldados eram arm ados de manulicha
e os jagun ços com espingardas de pequeno calibre (de matar
passarinhos).
N o dia 18 — 1 — 1897 passado alguns dias viéram as tro­
pas do Coronel F ebrôn io que travaram luta na Se rra do Cam ­
baio, morrendo 79 jagunços e encontraram 9 soldados mortos.
T om aram os jagun ços 7 carg as de cartucho (munições) e duas
manulichas.
No dia 4 de m arço de 1897. com as tropas do G eneral
M oreira Cézar, dentro da V ila de Canudo travou-se o combate
traziam as tropas 2 canhões, instalaram os canhões no Alto da
F a v ela com uma distância de 400 braças, as duas m anulichas
186 ITA Y TE R A

tomadas das tropas do Coronel Febrônio foram utilizados pêlos


jagunços nêste fogo que atuavam de cima da Igreja, causan­
do estas duas armas grandes perda nas tropas.
O General havia dito que pêla manhã do dia 5 havia
de tomar o café com o Conselheiro e derigindo-se às 6 horas da
tarde para Canudo ao atravessar o rio recebeu o balaço no ven­
tre e o projétil era dos inanulichas.
Voltando ferido com sua ordenança para o acampamen­
to, chegando lá disse ao Coronei Tamarindo que estava balea­
do, vindo a falecer às 12 horas da noite. Ao amanhecer o C o­
ronel Tamarindo levou o corpo do General para Umburanas
distante de Canudos 6 kms. O coronel Tamarindo no dia 5 foi
encontrado morto na estrada que vae para Cumbe sem nenhum
sinal de ferimento.
Tomaram no combate os jagunços 300 animaes, 2 ca­
nhões e tòda munição no combate, pereceram 105 jagunços e
soldados voltaram poucos.
O s jagunços tiravam do bolso dos soldados o dinheiro
que tinham e o Conselheiro mandou chamá-los e fez ver aos
mesmos que aqueles que não lhe entregasse o dinheiro retirado
os amaldiçoava e foi logo atendido e encarregando Antonio V i-
lanova fez queimar o dinheiro e derramar dentro do rio os ce-
reaes, carne e tôdos os viveres tomados pelos jagunços e man­
dou depois de um mês entregar ao Delegado de Monte Santo
todos os animaes tomados.
No dia 24 de junho do mesmo ano veio a tropa do G e­
neral Artur O scar que procedia da capital baiana e as tropas
do Coronel (que não sabe o nome) as tropas do último trava­
ram logo luta na Serra do Cocorobó. O combate com esta tro­
pa durou três dias. Atirando os jagunços de cima da serra e
as tropas na estrada, sendo somente 30 jagunços sendo mais
estratégica a posição dos jagunços, morrendo somente um ja ­
gunço e não sabe quantos aos soldados.
O General Artur O scar e sua tropa foi cercado pelos
jagunços no Alto da Favela e vindo em socorro as tropas do
Coronel de que já falamos acima e se juntou com as tropas do
G eneral, depois de romper o cerco, o que foi feito novo cerco
pelos jagunços.
Passaram as tropas do Governo cercadas 18 dias, sem
alimentação comendo e bebendo somente com grande dificuldade.
Passados os 18 dias o Conselheiro fez as tropas do
cerco abrirem e ficarem fazendo somente fogo de frente o que
deu lugar as tropas do governo ficarem recebendo munições e
mantimento e as tropas legais foram fazendo vaiados cercando
ITAYTERA i&t

o lugar até completar o cerco durou 3 raêses o cerco. Osório


foi baleado no primeiro cerco dos jagunços.
O Conselheiro dizia que quando acabasse as munições
êle tnorreria o que realmente sucedeu no dia 5 de Setembro de
1897.
Á noite do dia 5, Antônio Viianova chegou á casa de
Onório e disse que o Conselheiro havia falecido e consultou-
lhe se deviam fugir, pois ainda havir oportunidade, dizendo
Onório que só ainda não havia se retirado por causa dêle que
não o deixaria só e perguntou-lhe se havia um animal pois não
podia andar devido o ferimento recebido e logo Antônio provi­
denciou o animal e montando passaram em silencio à noitinha.
Deixando em Canudos os borós, que tinham roupas, sa­
patos, documentos e dinheiro.
Logo depois da passagem foi cercado completamente fi­
cando impossível a saida de quem quer que fosse. O fogo ain­
da durou 8 dias e obrigaram os jagunços a exumar o cadaver
do Conselheiro e cortaram a cabeça do mesmo isto ouvi de
que fugiram do fogo na última hora.
O s restos de jagunços foram degolados, pelas tropas.
Onório, Antonio e a familia passaram 4 meses escondi­
dos nos matos.
Deixando a familia em Viianova (Bonfim) vieram somen­
te os dois, chegando no Ceará já em Janeiro de 1899.
Em Fevereiro mandaram buscar as famílias que chega­
ram aqui em Maio.
Onório tem bom aspecto físico não demonstrando a ida­
de que tem e tem perfeita lembrança de tudo isto,
V. F .

GEOGRAFIA ESTÉTICA DE FORTALEZA


É verdadeiro filme de Fortaleza, em que vemos
passar a bonita capital cearense, ao vivo, com seu pas­
sado, presente e nas notas mais sugestivas e pitorescas.
Escrito por Raimundo Girão, encanta-nos e faz-nos amar
cada vez mais à risonha «desposada do sol». Foi edita­
da pela Imprensa Universitária do Ceará e faz parte da
BIBLIOTECA DE CULTURA, sendo o documentário
número 1, da Série A.
188 ITAYTERA

C on tin u ação d a p ag in a 1S4

4 de Novembro de 1822
N esta accordaram em se officiar ao ouvidor da com arca
para que immediatamente se recolhesse á cab eça d’ella, ordenan­
do-lhe o faça da parte de S. A . R . e que da parte do mesmo
senhor m andasse fazer sequestro rigoroso nos bens do thesourei-
ro de ausentes M an oel do N ascim ento Silva para segu rança
do alcan ce publico do mesmo thesoureiro. Igualm ente accordaram
officiar á cam ara de S. João do Príncipe ou outra qualquer
onde se ach ar o dito ministro para no caso d’elle não querer
annuir á requisição d’esta cam ara dar-lhe voz de preso á ordem
de S . A . R ., e auxiliar ao official da diligencia, para a condu-
cção do dito ministro á cabeça da com arca e em taes casos farão
sequestro em todos os seus bens.

14 de Novembro de 1822
N 'e sta accordaram em officiar á cam ara da Fortaleza
e todas da província para se recolher o cofre nacional n'esta
cabeça de com arca, até que as cousas tornem a seu antigo
estado.
N ’esta accordaram mais em mandar um official de milí­
cias encontrar um enviado, que se diz vem do R io de Janeiro
remettido ao capitão-m ór d’esta villa, conduzindo com toda a
honra á nossa presença, para indagarm os se é verdadeiro e
enviado ou se é traição.

16 de Novembro de 1822
N 'esta accordaram em se fazer trez livros para servirem
de registro e mais clareza necessária ao governo provisorio.

19 de Novembro de 1822
........... Senad ores, nobreza, clero e povo para effeito de
se dar posse ao governo temporário conciliador da com arca do
C rato do C eará e req uerer-se e d ar-se as providencias neces­
sárias tendentes ao bem e m elhoramento da causa publica do
B rasil, e sendo ahi foi lido pelo presidente em altas vozes o
termo de installação do governo temporário d’esta com arca que
foi installado na villa do Icó pelo collegio eleitoral reunido na-
quella villa no dia 16 de Outubro de corrente anno, e logo pe­
la cam ara e povo foi eleito d’entro tres m embros, que presentes
estavam , para presidente com voto geral e capitão-m or José P e­
reira F ilgu eiras, e para secretario do mesmo governo foi eleico
por voto geral e Revm . A ntonio M anoel de Souza.
lT A V T .f i li A 189

N ’esta pela camara foi proposto, que havia necessidade


urgente de se seguir para a villa de Fortaleza para se consoli­
dar a obra da nossa regeneração política n’esta província, visto
o desorientado systema do governo provisorio da capital, decla­
rando-se contra a causa do Brasil e declarando-se inimigo de
S . A . R., e que sem embargo das requisições de todas as ca-
maras d’esta com arca e mesmo de algumas da com arca do C e­
ará, ocorrendo a necessidade da marcha em razão do resgate
de alguns benemeritos cidadãos, que por se haverem decidido
á favor da causa do Brasil se acham prisioneiros na capital, po-
Tem não esta villa desguarnecida, e que se enviem enviados pa­
ra as villas de S. João do Principe e Quixeramobim, para des­
cerem tropas de cavallaria e ordenanças para se reunirem nas
vargens ou onde fôr possível, conduzindo aquelles mesmos, ga­
dos e mantimentos necessários para sustentação. F o i deferido
por todos que era indispensável a marcha e que o governo na
primeira sessão deliberasse o dia d’ella, providenciando a tudo
mais que fosse necessário a ella.
A ssignados:— Joaquim Lopes de Lima Raym undo— p a­
dre Miguel Carlos da Silva Saldanha— João G onçalves Pereira
de Alencar.—padre José Fernandes V ieira —padre F ran cisco A n-
íonio da Cunha P ereira— padre Pedro Ribeiro e Silv a— V icen te
Amancio de Lima —David Ferreira do Espirito S an to — José F ran ­
cisco de Gouvea F e rra z — José V ictoriano M aciel—João Franklim
de Lim a—Antonio Corrêa Lima —João Lobo de M en ezes—José
Geraldo Bezerra — M anoel Leandro— F ran cisco Pereira M aia—
José Gomes C o rrêa —O cidadão A lexandre Raymundo P ereira—
José Ferreira da R o ch a — padre Joaquim Fereira Lima— F rancisco
José C esa r— Antonio M oreira da C o sta — F ran cisco Cardoso de
M ato s— Antonio Jacintho de Souza— Joaquim Fernandes Moura-

20 de N ovem bro de 1822


N ’esta accordaram em cumprimento de officio do gover­
no temporário concilliador d'esta corm aca de 20 do corrente em
servir o cofre d’esta cam ara, que n’elle nada se tem recolhido,
para recolhimento do dinheiro da fazenda nacional. Accordaram
mais em mandar fazer dous livros para n'elles se lançarem as
entradas e sahidas dos mesmos dinheiros.
N ’esta aecordaram em dar cumprimento ao accordão
d’esta cam ara de 20 de Setem bro do corrente anno, officiando á
S. A . R. participando todos os factos occorridos n’esta provín­
cia tendentes á causa do Brasil. F oi marcado o dia 27 para o
recolhimento dos ditos dinheiros.
190 ITAYTERA

27 de Novembro de 1822
N 'esta se procedeu a eleição de procurador geral, que
ha de ir para a côrte do Rio de Janeiro, a participar á S. A.
R . defensor perpetuo do Brasil, os movimentos d’esta província,
que deram motivo á installação do Exm. governo temporário e
requerer tudo quanto fôr a bem desta província e foi eleito por
voto geral o Exm°. membro do governo temporário José Joaquim
Xavier Sobreira (isto foi feito á requisição do governo temporário).
N ’esta accordaram em officiar á todas as camaras para
que representem á S. A. R. o procedimento do governo provi-
sorio d’esta provincia enviando-lhe os officios, que lhe dirigiu o
mesmo governo, que mostra a opposição aos decretos de S. A.
R., e que o conductor das participações é o procurador geral
José Joaquim Xavier Sobreira.
Assignados —David Ferreira do Espirito S a n to —José
Francisco de Gouvêa Ferraz—Vicente Amancio de Lima —João
Franklin de Lima— Francisco José de S o u z a - Felix Gomes de
M ello—João Gonçalves Pereira de A lencar—Alexandre Raymun-
dó Pereira.
N ’esta se deu uma casa segura para prisão de Diniz, e
e José Felix.
. . . D ezem bro de 1822
........... Para effeito de se communicar á S . A. R. a
opposição que tem feito o ex-presidente da junta provisória da
capital José Raymundo do Paço de Porbem Barbosa á causa
publica do Brasil, por ser elle a móla real de todos os males,
que tem desorganisado a paz e tranquilidade publica influindo
do modo possível para obstar o progresso da nossa independencia
.a fim de que elle nos não prejudique mais, tomando assento no
exercicio de conselho de estado por ser incompatível a sua con-
ducta com os sãos desejos de seus constituintes, quando deposi­
tam em suas mãos plenitude de poderes para representar tudo
que convier a seu bem, accrescendo a illegalidade de sua nome­
ação pelo publico soborno, que constituiu á pluralidade de votos,
que n’elle recahiu e igualmente accordaram, que este mesmo
termo fosse remettido ás camaras da provincia, para que ellas se
dirijam ao mesmo Senhor participando-lhe a mesma verdade.
26 de D ezem bro de 1822
N ’esta foram abertos uns officios da secretaria do estado
dos negocios do reino e outro da camara da cidade do Rio de
Janeiro.
N ’esta accordaram em mandar publicar dous decretos
de S . M. Imperial de 18 de Setembro de 1822 e outro da data
do mesmo.
ITAYTERÀ 191

E porque o officio do senado da côrte do Rio de Janei­


ro incluía em si a veriação extraordinária de 10 de Outubro do
corrente, acta da acclamação de S. M . I., e a falia dirigida pelo
presidente do dito senado ao mesmo Senhor, esta camara accor-
dou em reconhecer e acclamar o dito Senhor D. Pedro Imperador
constitucional e seu defensor perpetuo, repetindo por tres vezes—
Viva a independencia do Brasil! Viva o Senhor D. Pedro Im­
perador constitucional do Brasil e seu defensor perpetuo; em
fazer publico aos povos d’esta villa e seu termo tão faustissima
noticia, illuminando-se a mesma por tres noites successivas, com
tiros de mosqueteria e todos os mais festejos possiveis em applau-
sos da mais vantajosa fortuna d’este'feliz reino E que no dia 6 de
Janeiro se celebraria uma missa solemne na matriz com Senhor
exposto e Te-Deum Laudamos em acção de graças.

30 de Dezem bro de 1822


N esta foi aberto um officio do Exm. governo temporário
em que nos manda que avise os eleitores, para se acharem no
Io de M arço na capital para nova eleição da junta provisória.

4 de Janeiro de 1823
N ’esta accordaram em mandar que os empregados do
thesouro nacional façam pagar o destacamento estacionado n’esta
villa de todo o soldo vencido até Io de Janeiro.
(Mandou também promover uma subscripção entre o
povo para a festa da acclamação no dia 6 de Janeiro, visto não
haver dinheiro no cofre da camara.
6 de Jan eiro de 1823
N ’esta accordaram, visto não se ter obtido o donativo
competente para a festa, transmutar-se a dita festa para o dia
12 do corrente.
12 de Jan eiro de 1823
No mesmo dia, mez e anno ás 11 horas do dia reuniu-se
nos paços do conselho, o presidente e mais officiaes do conselho
comigo escrivão da camara, para effeito de irem assistir á festa
solemne que haviam designado em acção de graças pela feliz
aclamação de S. M. I. e C. defensor perpetuo do Brasil, e to­
mando as suas varas e formando-se em corpo de camara sahi-
ram em direitura á igreja matriz acompanhados dos homens
bons d’esta villa e seu termo na mesma matriz e acharam o
parocho com o clero e musica, e logo passou a ser exposto o
Santíssimo Sacramento e ao depois celebrou o mesmo parocho
m íTA TERÁ

uma missa solemne, e finda esta no ádro da mesma igreja já se


achava postada a tropa de primeira linha que se acha estacio­
nada na mesma villa, e alli pela camara foram repetidos por
tres vezes vivas á nossa santa religião, ao Sr. D. Pedro I, Im­
perador constitucional do Brasil e seu defendor perpetuo, à
Imperatriz constitucional do Brasil e a dynastia de Bragança á
independencia do Brasil, á assembléa constituinte e legislativa
do Brasil, e ao povo constitucional do Brasil, cujos vivas foram
repetidos por todo o povo e acompanhados por tres descargas
de mosqueteria; findo este acto marchou a camara para os paços
do conselho acompanhada do clero e nobreza e da mesma tropa
e na porta do mesmo conselho tornaram a se repetir os mesmos
vivas, que foram acompanhados com as mesmas descargas: e
tudo para constar etc. Assignados. Madeira, Costa, Pitta, Cor­
rêa, Almeida.
27 de Janeiro de 1825
............ Onde se achava . . . . e cidadãos para effeito de
se proceder uma sessão extraordinária á requerimento do coronel
Leandro Bezerra Monteiro, capitão Antonio Ferreira Lima e o
capitão Joaquim Pinto, para se decidirem as requisições do en­
viado da cidade de Oeiras, José de Sousa Coelho ao Exro.
governo temporário da província e sendo presente o dito envia­
do por elle foi dito que se havia dirigido a esta villa pelo bri­
gadeiro Manoel de Sousa Martins e pelo tenente coronel encar­
regado do governo das armas daquella cidade Joaquim de Sousa
Martins com officios para o presidente e mais membros de dito
governo, significando á este governo o grande ataque o oppres-
são, que esperam dos facciosos insurgentes da villa da Parnai-
ba, oppostos ã independencia do Brasil, requisitando ao mesmo
passo ao dito governo um prompto auxilio de força armada
d'esta provincia para aquella cidade, na mente de achar ao
predícto governo n’esta villa, e como não achasse por estar no
capital mui distante, fôra requisitar ao dito coronel Leandro
Bezerra o dito auxilio, e que este pedindo a presente sessão,
fôra elle enviado também chamado á ella e n’ella apresentou os
ditos officios e de novo fez as suas requisições e expoz a ne­
cessidade que havia do prompto auxilio. Logo pelo presidente
foi offerecido o ponto que exigia decisão, scilicet, se prompto
o auxilio devia este marchar ou si devia esperar ordem do go­
verno d'csta provincia (Pilgueiras, Antonio Manoel, Joaquim
Pelicio, padre Vicente, os quaes desde 23 de Janeiro de 1822
tinham assumido a administração do Ceará) para cuja decisão
passou a exigir vot09, e recebendo primeiramemte o dos officiaes
da camara foram estes unanimes em que o auxilio, logo que
estivesse prompto, marchasse independente de ordem superior,
11 A Y T E R A 193

e depois recebendo o do dito coronel Leandro Bezerra, foi este


que se esperasse por ordem do governo, e o do capitão Antonio
Ferreira, que marchasse quanto antes, e do capitão Joaquim
Pinto o mesmo, e passando a receber dos cidadãos foi o voto
do eleitor Tristão Gonçalves Pereira de Alencar, que visto não
serem abertos os officios que pelo dito enviado foram apresen­
tados, e se havendo reconhecido e aceita a sua enviação, mar­
chassem as tropas que fossem possível apromptar-se com bre­
vidade, dando-se d’isto parte immediatamente ao Exm. governo,
e o eleitor José Francisco de Gouvêa Ferraz deu o mesmo voto,
e disse o eleitor David Ferreira do Espirito Santo que deviam
seguir as tropas quanto antes, e logo pelo dito coronel foi dito,
que, visto os votos serem oppostos ao seu, (tudo isto era manha,
elle era inimigo jurado dos independentes por ciume da influ­
encia de Tristão) elle se dava por convencido e passava a
apromptar o seu regimento; e por tudo isto foi decidido geral­
mente que logo que estivesse prompto o auxilio, immediatamente
se fizesse a marcha para a cidade de Oeiras, e depois d’isto
passou o presidente a exigir do dito enviado, de que numero
de indivíduos se deveria compor o auxilio pedido, armamento e
bagagem e ã custa de quem se fariam estas despezas, ao que
respondeu o mesmo enviado que o auxilio se pedia de quatro
mil homens ou aquelles que se podessem apromptar, e que de­
veríam ser armados com armas de fogo e de córte e que todas
as despezas tanto de municiamento, como de soldo, hospital e
egoagem seriam promptamente pagas pelo cofre nacional da
cidade de Oeiras, e finalmente passaram a conferenciar o dito
juiz presidente e mais vogaes com as auctoridades e a distribui­
ção a respeito de apromptar o municiamento, e as duas classes
de que se devia compor o dito auxilio, e foi decidido que o dia
da marcha desta villa deveria ser o dia 12 de Fevereiro, e que
a classe das ordenanças deveria ser apromptada pelo capitão
Joaquim Pinto Madeira, e a de cavallaria miliciana pelo coronel
Leandro Bezerra Monteiro, entendendo-se estes dous particu­
larmente a respeito do numero, que á esta camara ficava tocando
a tarefa de apromptar cavalgaduras, gados, farinha, dinheiro
para a marcha do auxilio, valendo-se para isto de empréstimos
de alguns cidadãos benemeritos, e ficando ao cargo da mesm.
194 ITAYTÊRA

camara fazer immediata remessa ao Exm. governo temporário


dos tres officios apresentados e que faziam objecto da enviatura
dando de tudo parte ao Exm. governo etc. etc. etc.
Assiganados — Pitta— C orrêa—Costa—Lima— Almeida—
Leandro Bezerra M onteiro—Antonio Ferreira Lima, commandante
do destacamento do Crato— Joaquim Pinto M adeira— José de
Sóusa Coelho de Farias (o enviado)— Tristão Gonçalves Pereira
de A lencar— José Francisco de Gouvêa F erraz— David Ferreira
do Espirito Santo.

JAPONÊS VISITA O INSTITUTO CULTURAL


A com panhado do Sr. E rn an i Silve, visitou
a sede do I. C. C. e o M useu de Crato o jap o n ês
T etsu ya T a jir i, no dia 20 de O utubro de 1959. É fu n ­
cion ário de célebre cooperativa de C otia, em S. P au ­
lo, a m ais bem organizada do m undo. Veio ao
C rato e ao C ariri, atraído pelo livro, T E R R A E
G E N T E DO N O R D E ST E , escrito em caracteres n i-
pônicos pelo jap an ês que tam b ém nos visitou —e s ­
crito r Z em p ati Oshi Ando.

PUBLICAÇÕES DA UNIVERSIDADE DA BAHIA

A B ib lio teca do In stitu to C u ltural do C ariri


recebe regu larm en te, por via postal, as bem feitas
e oportu nas publicações da Universidade da B a h ia .
E ’ a prova do ad ian tam en to da cu ltu ra in telectu ­
al b a h ian a, das m ú ltip las atividades da Universi­
dade de Salvador e das m agníficas edições de sua
im prensa.

tÊ tr Esta Revista foi composta e impressa na TIPO­


GRAFIA D’ «A AÇÃO» à Rua Dr. João Pessoa, 114
Crato — Ceará
Ba. iaria irnaldina de
Alencar, Poetisa de Sertão
Escreveu: M eton Soares de A lencar-E xu
Um dos troncos da família Alencar de E xú—(lado pa­
terno) Era filha de José Arnaldo Pereira de Alencar, neta de
Arnaldo Pereira de Alencar, bisneta de João Pereira de Alen­
car, que éra irmão de Barbara Pereira de Alencar (heroina)
(Lado materno)
Filha de Leonarda Alves de Castro Feitosa, neta do
Cel. José Alves de Castro Feitosa, que éra irmão do primeiro
Leandro Feitosa sendo este pai do Cel. Leandro da Barra, fa­
lecido a poucos anos.
Maria Arnaldina; nasceu no dia 21 de Janeiro de 1871,
na vila de Brejo Sêco, hoje cidade de Araripe—Ce. Faleceu
no dia 15 de Dezembro de 1957, na vila de Viração, município
de Exú, Pe., com 87 anos incompletos.
Foi casada com José Soares de Oliveira, filho de Crato,
onde residiu com o esposo algum tempo.
Era poetisa e tinha grande admiração pelo Cariri, prin­
cipalmente pelo Crato. No ano de 1900, quando se mudou para
Pernambuco de lá escreveu a seguinte poesia:—
«SAUDADES D O CARIRI»
Eu tenho imensa saudade
De todo meu Cariri
Das serras, montes e vales,
Onde canta a juriti
Das belas inspirações
Que sempre senti ali
Quantas vezes delirante
Procuro e não acho aqui!
Tenho saudade do rio
De seu murmurio queixoso
Das aguas limpas e puras
Como cristal primoroso,
Fertilisando o solo
De um manto luxuoso
Vegetação encantada,
Que torna um povo ditoso.
196 ITAYTERA

Da brisa entre os coqueiros


Provocando a poesia
Murmura quanta beleza
Junto a doce harmonia
Trinada pelo canario,
Ao primeiro albor do dia,
Que saudade sinto agora
Dessas horas de alegria
Saudade da Bebida Nova
De tão lindo palmeiral
Do ar da brisa da tarde
Do banheiro do quintal
Do jardim bem cultivado
Por mão de fada mortal.
Tanta beleza parece
Um paraiso terrial!

Saudade do pé da serra
E das casinhas caiadas
Das mulheres com os cestos
Com frutas muito asseadas,
Dás aguas um pouco turvas
Serpejantes nas levadas,
Dos cambiteiros pressurosos
Que se encontram nas estradas.
Saudades da primasia
Das éspessurosas mangueiras
Do grato entusiasmo
Das altas macaubeiras,
Com cachos amarelados
Orgulhosas altaneiras
Teem encantos e não pedem
Homenagem às palmeiras
Eu tenho imensa saudade
Das belezas da cidade
Casas templos magníficos
Com tanta sublimidade,
Salões, aristocracia
Da melhor sociedade
Pessoal garboso altivo
Cada peito a liberdade.
Adeus terra favorita,
Tu me ensinaste a cantar
1TAYTERA ■197

Sin to faltar-m e expressão,


P a ra poder te exaltar
P o is ém ti se en con tra a musa
Cúm o poeta a b rin car,
B ra v a terra de Iracem a
P á tria de Z é de A lencar!
A C R O S T ÍC O
Com gosto eu d escrev í
A te rra do meu am or,
R ic a bela en cantad o ra
In fin d as g raças e prim or,
R iso s delicias e gõsòs
Im ensid ão de louvor.
Maria Ãrnaldina de Alencar
Q uan d o Dom A velar B ran d ão V ile la , B ispo de P etro ii-
na — (h o je A rceb isp o de T e re s in a ) visitava pela 2a vez a pa­
róquia de E x ú , M a ria à rn ald ina, contava estão 83 ano s de ida­
de. Send o apresentada ao senhor Bispo, no salão da ca sa paro­
quial, beijand o o anel de Su a E x ce lê n cia , im provisou o seguinte;
Sau d o o grande luseiro,
D a nossa San ta Ig re ja
Q u e com prazer o fe ste ja
E ste M unicípio inteiro,
D os B isp os foi o primeiro
Q u e tive honra em sau d ar,
E de muito ap reciar
E em tro ca d essa afeição
D ê-m e vossa S an ta B en ção
O h grande Dom A velar!
O Se n h or Bispo, adm irou-a pela inteligên cia e lucidez
de espirito em tão avan çada idade, despensand o-lhe grandes
aten çõ es. O mesmo sucedêu com o atual B ispo de P etro lin a —-
Dom A ntonio Cam peio de A rag ão , (a quem ela saudou) quando
no ano passado, aqui esteve em visita pastoral. O senhor B ispo
que muito a apreciou d espensou-lhe igualm ente favores e muita
consid eração.
P oucos dias antes de m orrer, escreveu um soneto, que
enviou para o filh o, acom panhado de um bilhete, onde dizia: —
M eu F ilh o
É este talvez o ultimo verso que escrevo, guarde-o ju n -
198 1TAYTERA

tando ao livro que lhe dei.—O soneto:—


Nada mais tenho eu a desejar
Esperanças não tenho a fruir,
V ejo o facho da vida se estinguir
Muito em breve ao sepulcro vou baixar,
Ate quando essa vida ha de durarí
Sinto-a lentamente me fugir
É ordem que não se pode eximir
Tudo passa eu também devo passar!
Em morrer, eu penso noite e dia
Não sabendo em que hora morrerei
Estou fasendo esta poesia.
Adeus filhos e netos que amei
De todos me despeço em alegria,
Oitenta e seis anos completei,
São seus netos—filhos de
Honorina; —
Professora—Maria Lili Soares de Alencar, que exerce o ma­
gistério no Rio de Janeiro
Doutor —Meton À. Soares de Alencar, bacharel em direi­
to— Professor, escritor e advogado nos auditórios
do Rio de Janeiro. José Â. Soares de Alencar, fun­
cionário dos Correiros e Telégrafos em Fortaleza
Filho de:
Ana : —
Geraldo Marrocos S. de Alencar, coletor Estadual
em Potengi—Ceará
Filhos de—
João: —
Filha adotiva
Filhos de —
Júlio : —
Rosemira Soares de Alencar
Nilda Soares de Alencar
Filhos de—
Meton:—
ITAYTERA 199

José S. Sampaio de Alencar, advogado, hoje Tabelião na cida­


de de Serrita — Pe.
Arton Sampaio Soares de Alencar, funcionário da Se­
cretaria de Segurança Publica — Recife
Natércia Soares de Alencar, esposa de Aldeei Sampaio,
funcionário de Coletoria em Pernambuco
Maria de Lourdes S. de Alencar, esposa de José Sarai­
va Deolindo, Coletor Estadual em Brejo da Madre
Deus— Pe.
Ivone Soares de Alencar, esposa de José Sampaio de
Oliveira, Tabelião Publico na cidade de E xú— Pe.
Julieta Soares de Alencar, esposa de José Coutinho de
Alencar, criador e funcionário do Posto de Endemias
rurais na cidade de Exú— Pe.
Meton Soares de Alencar Filho e Àrteraisia Sampaio
Soares Filha respectivamente alunos do ginásio e colé­
gio Santa Teresa em Crato
Havendo ainda 36 bisnetos
Maria Àrnaldina, possuía reminicencia prodigiosa, retinha
na memória todos os fatos do seu conhecimento desde
o tempo de criança. Aos 87 anos, lia e escrevia sem
oculos e nunca demonstrou sinal de caduquice.

Exu — 1958

B IO B IB L IO G RA FIA DE M Á R IO LIN H A RES


É o titulo de bem feito opúsculo, escrito pelo nosso só '
cio correspondente, em Fortaleza, M anoel Albano Amora, mem­
bro ilustre da Academia Cearense de Letras e dos principais
intelectuais do Ceará atual. Editado pela IM P R E N SA U N IV E R ­
SIT Á R IA DO C EA RÁ , que está revolucionando o Estado, con­
duzindo-o para a vanguarda do movimento publicitário nortista,
estuda a vida e a obra do grande poeta conterrâneo—Mário Li­
nhares. É trabalho oportuno e digno de ser lido, focalizando em
poucas e atraentes paginas, um dos maiores vultos das letras
cearenses, tão conhecido e apreciado hoje, em todo o Brasil. A
plaquêta é ilustrada com fotografias e desenhos.
200 ITAYTERA

Região rio Caríri


a) Antiga divisão adm inistrativa do C ariri,
isto é, até 1950:
M U N IC ÍPIO S D IS T R IT O S C O R R E SP O N D E N T E S

1— B a r b a l h a ............................ Barbalha e A rajara


2— Brejo S a n t o ......... Brejo Santo e Porteiras
3— C a r ir ia ç ú ......................., Caririaçú, Granjeiro e Miragem
Crato, Lameiro, Muriti, Santa F é
4— C r a t o ............................ . - e Dom Quintino
Farias Brito, Cariutaba e Quin-
5— Farias Britos (ex-Quixará) cuncá
6— J a r d i m .................... Jardim e Jati
Juazeiro do Norte, Marrocos e
7— Juàzeiro do Norte . Padre . . Cícero
Mauriti, Anauá, Coité, Maraguá,
.8 —M a u riti.................................. Mararupã e Umburanas
Milagres, Abaiara, Barro, Cun-
9— M i l a g r e s ............................ cas e Podemirim
Missão Velha, Jamacarú, Missão
10— Missão Velha . . Nova
. . e Quimami
Santana do Cariri, Araponga,
11— Santana do Cariri . . Brejo Grande . e Nova Ulinda.

b) Atual divisão administrativa do Cariri:

O Cariri está dividido atualmente em 18 municípios. Os sete no­


vos são: Abaiara, desmembrado de Milagres; Barro, idem de
Milagres e Aurora; Jati, idem de Jardim; Pena Forte, idem de
Jati; Nova Olinda, idem de Santana do Cariri; Grangeiro, idem
de Caririaçú e Porteiras, idem de Brejo Santo. Em 1957, foi
criado o distrito de Ponta da Serra, no Município do Crato.

c) Área: 15.486 km2—d) População estimada: 470.000


hbs.— e) principais produtos agrícolas: cana-de-açúcar, algodão,
arroz, milho, mandioca e frutas em geral— f) cidades mais im-
■§ rtantes: Crato, Juàzeiro do Norte, Barbalha e Missão Velha.
CO RRI6EN DA

M A X IX E S & M A L A B A R E S — Página 5, onde se lê:


«e esta de 22 anos...», leia-se: e esta de 16 anos (1904
- 1 9 1 2 , 1 9 M - 1 9 1 5 e 1 9 1 9 -1 9 2 8 ). O B S .~ a segunda
interrupção foi de março de 1915 a maio de 1919, com
a administração do coronel Teodorico Teles. Página 22
— 1K N O T A —onde se lê: «Francisco e Júlio...», leia-se:
Francisco, José e Júlio dos quais só existem Francisco
e José.
.
" . ■; . .• . .
[ .. • :;A ii? O — f . ?</L ■■ ?
■ . . í.tüT 3 : 'í
--------- í n d i c e -----------
Representantes Fósseis da Fáuna Paleontológica, em nosso
Museu—}, de Figueiredo Filho . . . . 3
O Magnífico Reitor da Universidade do Ceará — Padre
Antônio Gomes de Araújo . . . . . ■9
Clovis Bevilaqua — Duarte Junior . . . . 19
Um Capítulo do Devassamento do Cariri—F. S. Nascimento 31
Maxixes & Malabares — José de Figueiredo Brito . 37
Presidente Epitácio — Félix Lima Junior . . . 59
Antônio Bezerra de Menezes — Dr. Pinheiro Monteiro 63
Pedro Peixoto e Zuza da Botica — Celso Gomes de Matos 79
Saudação a Sampaio — Raimundo Teles Pinheiro . 83
Turismo no Cariri — J. Lindemberg de Aquino 87
Canaan em Terra Sêca — Joaquim Pimenta . . 95
Centro de Melhoramento de Barbalha — Antônio C. Coelho 99
«A Fênix Refratária» —Arnaldo Vasconcelos . . 103
A História do Padre Cícero — Otacílio Anselmo e Silva 107
Dr. Manuel Monteiro — Raimundo Monte Arraes . 117
Dados sôbre o Dr. Manuel Rodrigues Monteiro . . 121
Barbalha — Antônio Marchet Callou . . 127
Fortaleza de 1897 — Paulo Elpidio . . . . 1 3 7
Até Logo, Meu Filho — Quixadá Felicio . . . 1 3 9
Qual a versão certa da casa onde nasceu o Pe. Cícero, em
Crato? — Pe. A. G. A. . . ^ . . . 141
Município de Bom Jesus de Itabapoana — Pedro Gonçalves
Dutra . . . . . . . . 145
Descida da Montanha — Alacoque Sampaio . . 148
Kacildo - F , S. N................................................................... 150
Possibilidades Econômicas do Cariri — Antonio de Alencar
Araripe . . . . . . . .151
O Direito no Antigo Testamento — Valdetário Pinheiro
Meta . . . . . . . . 159
w-' -■■■■■vr--*'... .. ....... T V - r ’"'.? ------ ---- '--------- W j

'
K' :
■■■■

s
'


. i.

-
:i

$ f^ r- •••
.

•> ■ ■

■ '
v .t i
D escrip çã o da C idade do C ra ío em 1822, pelo D r. G ustavo
H o ra cio . . , . . . . . 1 6 5
U m a P a rce la da F a m ília M en ezes do C ariri — Bruno de
M en ezes . . . . . . . 1 7 3
O s P á u s de A ra ra e a C o lo n ização H o lan d esa no P aran á —
Jó sio de A le n ca r A rarip e . . - . . 1 7 9
R ap ad u ras — A ll R ig h t . . . . . 1 8 3
R elem brand o um H erói de C an u d os . . . . 1 8 5
D a . M a ria A rn ald in a de A le n ca r, P o etisa do S e r tã o — M e -
on S o a re s dá A len ca r . . . . . 1 9 5

N o tas, A ta s da A ntiga C am ara de C rato (N ão é C o m arca),


N o ticias, B ib lio g rafia, estão d issem inadas em toda a revista.

>
...

• . •

; : . . . .

' ' ' :'*/ 3- c

*.

e ■
BANCO 00 CARIRI S. A.
PRAÇA SIQUEIRA CAMPOS. N. 2

Prefira, para todas as suas operações bancárias,


esta antiga e tradicional instituição de crédito, j
BliCO c m i E m i L 08 COITO1
( SOCIEDfiOE COOPERAIii/â DE RESPONSfiBiLiDÂDE LlM ITâOS)
Rua Dr. João Pessoa S/N
C R A TO - CEA RÁ

CAPITAL . . . . . Cr$ 5.336.720*00


RESERVAS . .. . Cr$ 1.437.444,80

Operações de Crédito Ativo


k ;
Empréstimos populares avalizados. Descontos
de notas promissórias, dè letras de câmbio in­
ternas, de bilhetes de mercadotias, de conhe­
cimentos, duplicatas, etc.
Empréstimos agrícolas.—financiamentos de entre-safrá.

________ _ _

Operações^ de Credito Passivo

D E P Ó SIT O S C R ET IR A D A S L IV R E S,
é D E P Ó SIT O S P O PU L A R E S.
D E PÓ SIT O S A PRA ZO F IX O

O p e ra ç õ e s Acessórias;

Cobrança de conta alh eia.


T ran sferên cia de fundo
Ordens de p a g a m en to s, etc.

Você também pode gostar