Pós-Modernidade Na Arquitectura Portuguesa, Anos 60-Anos 80
Pós-Modernidade Na Arquitectura Portuguesa, Anos 60-Anos 80
Pós-Modernidade Na Arquitectura Portuguesa, Anos 60-Anos 80
A Periferia
Perfeita
Ps-Modernidade na Arquitectura Portuguesa, Anos 60-Anos 80
A Periferia
Perfeita
Ps-Modernidade na Arquitectura Portuguesa, Anos 60-Anos 80
Resumo
A presente Dissertao visa analisar a arquitectura portuguesa, no perodo compreendido
entre os anos 60 e os anos 80 do sculo XX, na perspectiva do conceito de psmodernidade. Embora abrangendo reas cientficas e artsticas muito diversas, este conceito
est intimamente ligado arquitectura, como verificaremos. por isso uma chave de leitura
natural e conveniente para analisar a produo arquitectnica. E surge como particularmente
operativa para caracterizar a evoluo da arquitectura portuguesa, a partir dos anos 60. De
facto, na nossa leitura, o que permite ler, avaliar e compreender a sua actual vitalidade.
Embora a investigao incida sobre um perodo passado anos 60/anos 80 trata-se de um
intervalo que nos coloca na contemporaneidade. a que acontecem alteraes do processo
de concepo e fruio da arquitectura que so a matriz da experincia contempornea.
Partimos do pressuposto que, para a cultura arquitectnica, os anos 60 so um momento
culminar da modernidade e um incio novo. Significam uma desagregao, criativa e ruidosa,
mas no necessariamente uma ruptura. Marcam, no entanto, o fim de uma racionalidade em
sentido nico e inauguram um lugar onde se sobrepem racionalidades, numa rede que
ainda agora se expande. A arquitectura moderna , nesse perodo, sucessiva e ciclicamente
contestada, reanimada e reformulada. A separao do objecto da sua carga moral, que
acontece desde ento, d lugar a uma deambulao necessariamente em perca, mas que
permite a validao de experincias perifricas, como aquela que analisamos.
Nesse sentido, avanamos para l da aferio de modernidade com que geralmente so
abordados os temas da arquitectura portuguesa. O arco temporal em questo, os casos de
estudo elencados e a chave de leitura escolhida, permitem, pelo contrrio, inventariar a sua
performance, no em relao a um absoluto mas nas suas prprias idiossincrasias. Falamos
assim de uma periferia perfeita, porque no sentido pleno de uma vivncia ps-moderna,
deixando de ser avaliada face a um centro hegemnico ou moderno, a arquitectura
portuguesa pode finalmente ser maior.
Particularmente no nosso pas, entendemos o ps-modernismo como a tentativa de instalao
de uma vanguarda num contexto de ps-modernidade, o que contra-natura mas cria as
necessrias aventuras para aprofundar uma periferia perfeita. Desde logo, porque corresponde
a um perodo, os anos 80, em que a prpria identidade de Portugal se est a refundar.
Diramos ainda que esta investigao, embora integre uma anlise historiogrfica,
essencialmente um trabalho de teoria de arquitectura, incidindo sobre uma perspectiva em
projecto. A anlise da chave de leitura, nas suas vrias dimenses, e a anlise da histria
da arquitectura portuguesa, no perodo descrito, concludo com um itinerrio de casos de
estudo que um projecto sobre a emancipao ps-moderna da arquitectura portuguesa.
Abstract
The current Dissertation aims to explore Portuguese architecture in the time span from the
1960s to the 1980s from the perspective of post-modernity. Despite covering diverse
scientific and artistic areas, this concept is closely linked to architecture, as we will try
to demonstrate. As a result, it is not only a natural and convenient reading key to study
architectonic production, but also a particularly operative concept to characterise the
evolution of Portuguese architecture after the 1960s, whose current vitality is, in our view,
best read, evaluated and understood through it.
Despite focusing on a past period the 1960s/ 1980s the research highlights a period that led
us into contemporariness. It was in this period that changes in the process of conceiving and
enjoying architecture took place. They are the matrix of the contemporary experiment.
We assume that the 1960s were the height of modernity and a new beginning for architectural
culture. They entailed a creative and boisterous process of disintegration, but not necessarily
a disruptive one. They do, however, mark the end of a one-way rationality and inaugurate a
place where rationalities overlap, in a network that is still expanding. Modern architecture
was, during that period, successively and cyclically contested, revived and reformulated.
Since then, the separation of the object from its moral significance has been replaced with a
ramble which, despite involving some loss, enables the validation of peripheral experiments,
as the one studied here.
For that reason, we go beyond the gauging of modernity generally used to study Portuguese
architecture. On the contrary, the time span is question, the case studies listed and the reading
key chosen allow for its performance to be catalogued, not in absolute terms but in its own
idiosyncrasies. We speak of a perfect periphery, because in the full sense of a post-modern
experience, no longer evaluated with reference to a modern hegemonic centre, Portuguese
architecture may finally be greater.
In the present dissertation, post-modernism is understood in Portugal as an attempt to create
a vanguard in the context of post-modernity. This constituted an abnormality but encouraged
the adventures needed for the perfect periphery to be achieved. It corresponds to a period of
time, the 1980s, when the very identity of Portugal was being reshaped.
We might add that, despite including a historiographic analysis, this research is fundamentally
on the theory of architecture and focuses on a project viewpoint. The reading key analysis in
its various dimensions and the analysis of the history of Portuguese architecture in the period
described are complemented with an itinerary of case studies, which consists in a project on
the post-modern liberation of Portuguese architecture.
ndice
Resumo
Abstract
ndice
Agradecimentos
Introduo
6
9
CAPTULO I
Demasiado tarde para ser moderno.
Arquitectura portuguesa na viragem dos anos 60
15
16
17
26
37
49
50
61
70
82
83
94
105
CAPTULO II
A emergncia do ps-modernismo.
O debate internacional
2.1 Formas e linguagens de prazer na Europa/Amrica
117
118
119
133
144
157
158
172
185
197
198
208
219
CAPTULO III
Tigres de Papel.
Ps-modernismo / Itinerrios
3.1 Ps-modernidade na arquitectura Portuguesa
3.1.1 Do duck de Venturi para o pato bravo de Manuel Vicente
231
232
233
244
255
267
268
281
293
3.3 Itinerrios
306
307
355
405
Concluso
453
459
Bibliografia
475
Agradecimentos
Agradeo:
Ao Professor Alexandre Alves Costa, o acompanhamento da Tese; a amizade; a confiana;
o tempo; o que no vem nos livros.
Ana Vaz Milheiro, a querida presena, a conversa a qualquer hora, a risada permanente.
A particular amizade para a minha Periferia Perfeita:
Antnio Belm Lima, Eduardo Souto de Moura, Gonalo Canto Moniz, Jos Antnio Bandeirinha,
Jos Ferreira, Manuel Graa Dias, Manuel Vicente, Nuno Grande, Paulo Varela Gomes,
Sergio Fernandez.
A colaborao inestimvel de:
Carla Dias e Paulo Oliveira.
O gentil dilogo e a disponibilizao de material de:
Antnio Marques Miguel, Andrea Soutinho, Alcino Soutinho, lvaro Siza, Gonalo Byrne,
Joo Luis Carrilho da Graa, Joo Pedro Conceio Silva, Jos Charters Monteiro, Luiz Cunha,
Nuno Teotnio Pereira, Nuno Portas, Pancho Guedes, Raul Hestnes Ferreira, Toms Taveira.
A presena amiga de:
Ablio Hernandez, Antnio Olaio, Alexandra Grande, Alexandra Pinho, Catarina Fortuna,
Helena Barreiros, Joo Afonso, Jorge Nunes, Luisa Lopes, Luisa Penha, Luzia Gama,
Margarida Brito Alves, Marta Pedro, Mrio Krger, Manuel Henriques, Paulo Seco, Pedro Corteso,
Rita Marnoto, Vtor Murtinho.
O apoio de:
Abel Rodrigues, Adalberto Tenreiro, Chiara Porcu, Carlotta Bruni, Carlos Machado, Jos Forjaz,
Jos Freddy Ferreira, Joaquim Moreno, Luis Vilhena, Luis Serpa, Luisa Marques, Miguel Santiago,
Michel Toussaint, Rui Leo.
A todos os meus colegas do Departamento de Arquitectura, em particular ao Nuno Correia,
Armando Rabaa, Joo Paulo Cardielos e Susana Lobo.
A todos os funcionrios do Departamento de Arquitectura, em especial D. Lurdes Figueiredo.
FCT agradeo o apoio financeiro concedido atravs da bolsa de doutoramento, em 2006
(SFRH / BD / 30919 / 2006).
Introduo
1
Entre os anos 60 e os anos 80, a arquitectura portuguesa contempornea ganha maioridade.
Com a crise da arquitectura moderna, no final dos anos 50, a produo portuguesa abre
espao; perde a necessidade de se confrontar com um modelo absoluto. O centro est
tambm, alis, em mutao e partilha. Para uma cultura perifrica como a portuguesa,
a crise de modelos centralizadores cria prosperidade. Porque abre possibilidades e
permite que modelos fracos no sentido do pensamento dbil de Gianni Vattimo
possam ganhar sentido.
Na crise aprofundada nos anos 60, e transformada em celebrao nos anos 80, a
arquitectura portuguesa prospera; experimenta opostos e diverge. A sua geo-cultura
alargada cultura americana sob a influncia de Louis Kahn e Robert Venturi; em
Moambique e em Macau ocorrem experincias que interpelam o ncleo duro da
tradio racionalista.
Liberta de uma relao, sempre em perca, com o centro que se est, alis, a pulverizar
, a arquitectura portuguesa emancipa-se. Do outro lado, acontece tambm uma maior
disponibilidade para apreender experincias particulares ou perifricas.
A Dissertao que apresentamos um estudo desse processo de emancipao. Embora
incida sobre um perodo determinado, j histrico, revela, no nosso entendimento, a
razo de ser da actual vitalidade da arquitectura portuguesa.
A historiografia e a crtica tm elaborado sobre a arquitectura portuguesa do sculo
10
apropriao portuguesa. Alm disso estar a ser feito com regularidade e sucesso, tornaria
a presente investigao inexequvel.
Podemos no entanto adiantar, em jeito panormico, que a arquitectura moderna talvez
a mais completa formulao artstica daquilo a que Jrgen Habermas chama o projecto
da modernidade. Resulta de um longo processo de inquirio e desejo cuja concluso
irrompe olimpicamente nos anos 20/30 do sculo XX. Tem uma concepo totalizante,
no sentido que o culminar de sucessivas experincias que ento encontravam um
objecto; e traduz uma lgica de engenharia social, uma cultura que herda das utopias
socialistas do sculo XIX. O que extraordinrio que a sua motivao redentora
est sustentada por um formalismo, pragmaticamente designado como International
Style, em 1932, em Nova Iorque. Quando o futuro se constata errtico, este formalismo
desaba. A arquitectura sente no seu interior, como um sismo pressentido, o fim desse
futuro, e transporta esse pressentimento para o espao pblico. A isso se chamar, na
medida mais militante e neo-vanguardista, arquitectura ps-modernista.
3
O conceito de ps-modernidade/ps-modernismo por isso a chave de leitura desta
Dissertao. esta categoria que nos permite distinguir a arquitectura exploratria,
das experincias epigonais, anacrnicas ou revivalistas que naturalmente existem. Os
casos que anotamos ao longo do trabalho e, em particular, aqueles que conformam os
itinerrios, no terceiro captulo, indiciam ps-modernidade ou so ps-modernos:
reinstalam a cultura arquitectnica poeticamente; demonstram uma inteligncia
particular sobre a circunstncia; so capazes de construir na ausncia ou face
fragilizao e relatividade de modelos.
Mesmo sendo Portugal um pas pequeno possvel encontrar mltiplas variaes do
enunciado ps-moderno. Por um lado, como j anotamos, num contexto de crescentes
dvidas o apego tradio racionalista potencia a emergncia de objectos singulares,
como demonstra a obra de Siza. Por outro lado, a crise de pathos da arquitectura
moderna possibilita tambm experincias livres e desconcertantes, em irriso do seu
legado, como acontece com Pancho Guedes, Manuel Vicente ou Luiz Cunha.
Todavia, seja de acordo com uma gnese neo-realista (no Porto), seja reflectindo
uma genealogia surrealista (em Lisboa), as arquitecturas que enumeramos fazem um
reprocessamento da cultura arquitectnica e integram metodologias que esto, nos anos
80, no centro da abordagem ps-modernista: recurso a uma cultura de complexidade
Cf. Jrgen Habermas, Modernity An Incomplete Project. Foster, Hal (Editor), Postmodern Culture,
London: Pluto Press, 1985 [The Anti-Aesthetic, Bay Press, 1983], pp.3-15
11
12
13
K. Michael Hays [Ed.]. Introduction, Architecture I Theory I since 1968. New York: Columbia Books of
Architecture, 1 Edio paperback, 2000, pp.416-426
14
Captulo I
Demasiado tarde para ser moderno.
Arquitectura portuguesa na viragem dos anos 60
1.1
Nous continuons: a reviso do moderno
16
1.1.1
O projecto orgnico de Bruno Zevi e a continuidade de Ernesto Rogers;
reflexos na arquitectura portuguesa
Como afirma Ernesto Nathan Rogers, no contexto da polmica com Reyner Banham: A Architectural
Review e a Casabella so, do ponto de vista cultural, as revistas mais comprometidas e as mais audazes e,
por consequncia, as mais expostas.; Levoluzione dellArchitettura. Risposta al custode dei frigidaires,
[Casabella, 1959]; Pere Hereu; Josep Maria Montaner; Jordi Oliveras (ed.), Textos de Arquitectura de la
Modernidad. Madrid: Nerea, 1994, 1999, p.315
17
poca. Da chave zeviana, Portas evoluir para outros pressupostos, mas a abordagem
de Zevi marca substancialmente a crtica que emerge em Portugal no final dos anos 50.
Esse o ponto de partida do grupo que toma conta da revista Arquitectura em 1957,
onde Portas pontifica. O vnculo zeviano de Portas ser sublinhado no texto que escreve
para a introduo da edio portuguesa de Storia dellarchitettura moderna, j em tom
retrospectivo, em 1970, e no posfcio que faz depois em 1977, uma sntese das vrias
etapas da arquitectura moderna em Portugal.
Os contornos da dmarche de Zevi esto documentados: no somente a avaliao
historiogrfica da diversidade do Movimento Moderno mas fundamentalmente a
proposta de uma superao orgnica do impasse racionalista. A prova est inscrita na
histria: a obra de Frank Lloyd Wright (1867-1959) reapreciada e relanada como
fundamento da arquitectura orgnica. A viabilidade contempornea dessa abordagem
reside no neo empirismo nrdico, onde pontua Alvar Aalto (1898-1976). Wright prova
da arquitectura orgnica como fim da histria, isto , projecto de emancipao do
prprio homem pela arquitectura; Aalto exemplo prtico da contemporaneidade dessa
via. Nesse contexto, Zevi acusa Sigfried Giedion (1888-1968) de, em Space, Time and
Architecture (1941), obra chave do primeiro secretrio-geral do Congrs Internationaux
dArchitecture Moderne (CIAM), reduzir Wright a uma promessa do racionalismo.
A arquitectura moderna entra em processo de reviso.
Para Zevi, a formulao de um projecto alternativo indispensvel face quilo que
entende ser a exausto do racionalismo: Em 1933 comea o declnio da parbola.
Exactamente no momento em que o campo racionalista tinha atingido o vrtice e parecia
consolidado, perde de uma s vez as fontes mais frteis, a Alemanha depois a Unio
Sovitica, depois lentamente a Frana. (...) Uma onda de reaces classicistas ps a
vanguarda numa posio defensiva; quando a guerra paralisa a actividade construtiva,
Este grupo integra alm de Nuno Portas, Carlos S. Duarte, Frederico Santana, Jos Daniel Santa Rita,
Nikias Skapinakis e Rui Mendes Paula. Em 1958, Manuel Tanha lana a revista Binrio.
Cf. Nuno Portas, A evoluo da Arquitectura Moderna em Portugal, uma Interpretao; Bruno Zevi,
Histria da Arquitectura Moderna, Lisboa: 2 vols., Arcdia, 1977
Cf. Panayotis Tournikiotis, Chapter Two, The critical resurgence of Modern Architecture, The
Historiography of Modern Architecture, Massachusetts Institute of Technology, 1999, pp.51-83
Deve-se ter em conta a formao americana de Bruno Zevi, que concluiu nos Estados Unidos a sua
educao como arquitecto durante a Segunda Guerra Mundial. Cf. Joan Ockman, Architecture Culture 19431968, A Documentary Anthology, New York: Columbia University 1993, p.16
Zevi sugere, em defesa da validao do mestre de Taliesin, que num registo meramente cronolgico
lhe deviam ser dedicados pelo menos 3 captulos: na idade dos pioneiros; no perodo funcionalista; e um
terceiro nas tendncias ps racionalistas.; Bruno Zevi, VI Il Movimento Organico in Europa, Storia
dellArchitettura, Torino: Einaudi, 1996 [1950], p.221
18
o racionalismo j estava derrotado. Nos anos 40, afirma Zevi, nada foi acrescentado
aos cinco pontos de Le Corbusier e s duas poticas do moderno, purismo e neo
plasticismo. Quer, no entanto, situar-se noutro quadro: o movimento orgnico no
actua no terreno das regras e dos cnones projectuais nem no plano dos ismos visuais.
Nesse sentido, critica a desvalorizao que Giedion faz da arquitectura dos anos 30 e 40
e sublinha o aparecimento, nesse perodo, de uma nova potica europeia nomeando
Alvar Aalto como o maior expoente da gerao ps racionalista.10 Em particular,
sublinha a libertao da sintaxe cubista e uma nova conscincia dos espaos
internos.11
Como afirma Panayotis Tournikiotis, para Zevi, a arquitectura orgnica era um
estgio subsequente e mais elevado que o racionalismo e o funcionalismo12, face
impossibilidade de evoluo da matriz do perodo herico: O Orgnico define-se
(...) como contraposio ao geometrismo, aos standards artificiais, ao caixotismo e ao
nudismo de tanta arquitectura dos anos 20-30.13
uma dimenso social que emerge como fundadora do projecto orgnico, em
substituio de uma dimenso objectual e pr-formulada que atribuda ao racionalismo.
No negando o significado da esttica e da tcnica na construo de uma linguagem
moderna da arquitectura, estas esto subordinadas dimenso social da arquitectura
orgnica14, como nota Tournikiotis15. H uma componente civilizacional, dir-seia de inspirao americana, generalizada s necessidades e afectos do homem, com
que Zevi quer instruir o movimento orgnico. Da partilhar com Wright a afirmao:
Arquitectura orgnica significa, nem mais nem menos, sociedade orgnica.16
Zevi contesta a ideia que atribui a Giedion do racionalismo como concluso do Movimento
19
20
estava em crise e sofria uma forte contestao (...) era claro mesmo na figura de Corbu.
(...) No 1 Congresso a que assisti apareceu a nova gerao dos ingleses em torno dos
Smithsons e tambm os italianos, Rogers, Albini, Gardella.22
No CIAM X (Dubrovnik, 1956), o grupo CIAM/Porto que Tvora integra com Viana de
Lima (1913-1991) e Arnaldo Arajo (1925-1984) apresenta o Plano de uma comunidade
agrcola23, projecto, como refere, insuspeito em relao ao antigo CIAM, visto que era
um aldeamento para a regio de Bragana, um trabalho extremamente referenciado,
regionalizado, nada internacionalista24. No encontro em Otterlo (1959), Aldo van
Eyck (1918-1999) referenciar o Mercado da Vila da Feira (1953-1959) de Tvora
como exemplo do momento e do lugar.25
Est documentado o modo como as participaes de Tvora e as suas leituras contriburam
para o aggiornamento do grupo de arquitectos do Porto.26 J tivemos oportunidade de
sublinhar a importncia deste acerto de culturas como matriz da vitalidade daquilo a
que se vir a chamar Escola do Porto.27 Na prtica, com as obras que projecta a partir
de 1953, Tvora tinha j encetado um processo de reviso que tem o seu momento
culminar na Casa de Ofir (1957-1958), demonstrao efectiva das lies que a edio
do Inqurito como Arquitectura Popular em Portugal, s em 1961 tornar pblicas. De
alguma forma, o Inqurito j um documento a posteriori, encerra mais do que abre;
mais um ajuste de contas da gerao modernista do que a referncia do novo grupo
onde Portas pontifica, como este deixar claro.
Como dizamos, a chave zeviana a matriz crtica do grupo da Arquitectura que ir
encontrar na obra de Tvora, Nuno Teotnio Pereira (1922) e, um pouco mais tarde,
lvaro Siza (1933), a expresso prtica das preocupaes que perseguem. A partir de
1957, conforme a influncia da arquitectura moderna brasileira vai decaindo, at ao
silncio quase absoluto que se instaura aps a inaugurao de Braslia em 196028, e
Fernando Tvora, Conversaciones en Oporto, Arquitectura revista do Colegio Oficial dos arquitectos de
Madrid, Julho/Agosto 1986, p.24
23 Cf. Bernardo Ferro; Fernando Tvora, Op. Cit., 1993, p.30
24 Fernando Tvora, Entrevista, Arquitectura 123, Op. Cit., p.153
25 AAVV, Architectures Porto, [1987, 1990], p.97
26 lvaro Siza tem referido como este contacto de Fernando Tvora formou o grupo do Porto, ao longo
dos anos 50: Tvora por ser membro do CIAM tinha uma informao directa e pessoal que transmitia
Escola, especialmente aos seus colaboradores. Ser em 55 quando temos conhecimento da obra de Aalto e da
Histria da Arquitectura do Zevi.; lvaro Siza, Entrevista, Quaderns 159, Outubro/Novembro/Dezembro,
1983, p.5
27 Cf. Jorge Figueira, Escola do Porto Um Mapa Crtico, Coimbra: eIdIarq, Edies do Departamento de
Arquitectura da FCTUC, 2002
28 Cf. Ana Vaz Milheiro, A Construo do Brasil Relaes com a cultura arquitectnica portuguesa, Porto:
22
21
22
Ernesto N. Rogers
Gli Elementi del fenomeno architettonico, 2006 [1961] (capa)
Passam pela redaco da revista Gae Aulenti, Aldo Rossi, Carlo Aymonino, Manfredo Tafuri, Giorgio
Grassi, Giancarlo de Carlo, Vittorio Gregotti, entre outros. Cf. Josep Maria Montaner, Despus Del
Movimento Moderno. Arquitectura De La Segunda Mitad Del Siglo XX, Barcelona: Editorial Gustavo Gili,
1993, pp.97-100
37 Ernesto Nathan Rogers, Gli elementi del fenomeno architettonico, Milano: Christian Marinotti Edizioni,
2006 [1961], p.23
38 Walter Gropius citado por Rogers, Idem, p.24
39 Ernesto Nathan Rogers, Ibidem.
40 Ernesto Nathan Rogers, Idem, p.46
36
23
24
modo?49
Na perspectiva de Rogers, superar o complexo da histria50 permitiria refazer o
mtodo que levaria sobrevivncia da arquitectura moderna. Se Zevi props um novo
desenvolvimento culminar a arquitectura orgnica , Rogers pretendia considerar a
herana moderna de modo a poder continuar a lio dos Mestres: No pretendemos
encerrar nenhuma conta.51 O princpio de vanguarda devia dar lugar a um processo de
continuidade. De algo que era antes de tudo, uma lio de liberdade.52 A alternativa
era a crise.53
25
1.1.2
O debate Banham-Rogers e o projecto de Nuno Portas
54 Cf. Reyner Banham, Teora y Diseo en la Primera Era de la Maquina, Buenos Aires: Ediciones Paids,
Barcelona, 1985 [1960], pp. 27-105
26
27
primeira mo.
O confronto entre a sensibilidade inglesa e italiana esclarecedora da divergncia
em curso face ao futuro da arquitectura moderna. Em 1959, Banham ataca duramente
aquilo que considera ser uma deriva revivalista da arquitectura italiana no famoso
texto Neoliberty. The Italian retreat from Modern architecture.59 No artigo, Banham
inventaria a relao da Itlia com o Movimento Moderno e sarcstico quanto s
conquistas da arquitectura neo-realista: entre as casas fascistas de Ladres de Bicicleta
(...) e as casas SGI ou mesmo INA-Casa (...) pouco foi alterado.60 Na sua perspectiva,
a arquitectura italiana no correspondeu s expectativas que se abriram no psguerra: a desconcertante viragem da arquitectura Milanesa e Turinense parece mais
desconcertante do nosso lado. (...) Sem darmos conta, idealizmos uma arquitectura
mtica que queramos ver nos nossos pases (...) Mas quando a Casabella comeou
a publicar, com manifesta aprovao editorial, edifcios que iam mais longe do que
o eclectismo historicista de Vagnetti, quando os BBPR criaram na London Furniture
Exhibition de 1958 uma seco que parecia pouco mais do que um hino burguesia
Milanesa (...) a confuso foi seguida de desiluso. (...) Uma atitude que mesmo outros
italianos como Bruno Zevi consideraram errada e mal direccionada. De facto, os
ltimos trabalhos de Gae Aulenti, Gregotti, Meneghotti, Stoppino, Gabetti (...) e as
polmicas lanadas em sua defesa por Aldo Rossi e outros pem em questo o status
do Movimento Moderno em Itlia.61
Para Banham, o destaque dado nas publicaes italianas a obras Art Nouveau, e projectos
de Gaud, Horta, Sullivan e DAronco sinal de uma deriva historicista, sublinhada
ainda pela diminuio do futurismo de SantElia, vertida na discusso sobre a sua
Reyner Banham, Neoliberty. The Italian retreat from Modern architecture, The Architectural Review
747, April 1959, pp.231-235
60 Reyner Banham, Idem, p.232
61 Reyner Banham, Idem, pp.231-232
59
28
origem Liberty.62 No h razes para voltar Art Nouveau, afirma Banham citando
Marinetti: A Art Nouveau morreu (...) com a revoluo domstica que comeou com
os foges elctricos, os aspiradores, e os telefones.63 Acusa Rossi de justificar o neoliberty com base na ideia que a vida burguesa de Milo ainda o que era em 190064
e faz uma leitura das transformaes ocorridas como um cisma que se quer negar: A
performance pode no ter cumprido a promessa mas a promessa mantm-se e real.65
Por isso conclui que mesmo de acordo com os critrios locais de Milo e Turim, o
Neoliberty uma regresso infantil.66
Rogers responde s acusaes de Banham num artigo sintomaticamente intitulado
Levoluzione dellArchitettura. Risposta al custode dei frigidaires.67 No se
colocando necessariamente na defesa da aportao neo-liberty68, Rogers reafirma que
formalismo qualquer uso de formas no assimiladas: as antigas, as contemporneas,
as cultas ou espontneas69 e que o regresso crtico, meditado, tradio histrica
til.70 Acusando Banham de meter no mesmo saco, arquitectos de diversas idades,
responsabilidades e tendncias71, Rogers sublinha a especificidade da produo italiana:
que s vezes seja uma arquitectura mais carregada de sentimento do que razo no se
deve a uma retirada dos arquitectos. Muito pelo contrrio! Trata-se de uma luta contra a
corrente.72 E defendendo a continuidade como estratgia de renovao, conclui que
a fora da expresso italiana se deve a ter entendido o Movimento Moderno como uma
revoluo contnua, isto , como desenvolvimento contnuo dos princpios de adeso
aos contedos cambiantes da vida.73
Os caminhos divergentes que aqui se anunciam so relevantes porque so as matrizes
de desenvolvimentos posteriores. Por um lado, a obra de Aldo Rossi, ou ainda a via
Reyner Banham, Ibidem.
63 Reyner Banham, Idem, p.235
64 Reyner Banham, Ibidem.
65 Reyner Banham, Ibidem.
66 Reyner Banham, Ibidem.
67 Ernesto Nathan Rogers, Levoluzione dellArchitettura. Risposta al custode dei frigidaires, 1959, Pere
Hereu; Josep Maria Montaner; Jordi Oliveras (ed.), Op. Cit., 1999, p.315
68 Cf. Nigel Whiteley; Reyner Banham, Historian of the Immediate Future, London: The MIT Press,
Cambridge, Massachusetts, 2002, pp. 20-21
69 Ernesto Nathan Rogers, Levoluzione dellArchitettura. Risposta al custode dei frigidaires, 1959, Pere
Hereu; Josep Maria Montaner; Jordi Oliveras (ed.), Op. Cit., 1999, p.316
70 Ernesto Nathan Rogers, Ibidem.
71 Ernesto Nathan Rogers, Idem, p.317
72 Ernesto Nathan Rogers, Idem, p.318
73 Ernesto Nathan Rogers, Idem, p.319
62
29
abertamente historicista que Paolo Portoghesi (1931) expe desde o final dos anos 5074;
e por outro, a expresso high tech, que tem como modelo, no modo mais visionrio, os
Archigram e, como obra fetiche, o Centro Georges Pompidou (Paris, 1971-1978), de
Renzo Piano (1937) e Richard Rogers (1933).
A polmica entre Banham e Rogers teve lugar no ano de realizao do encontro de
Otterlo75 o ltimo CIAM, o seu funeral ou o primeiro encontro Team 10, se se preferir76
, e os termos expostos no debate estaro tambm a presentes. Segundo Giancarlo
de Carlo (1919-2005), o trmita da histria chegou em Otterlo, em parte graas aos
italianos que a expuseram explicitamente77, embora houvesse diferenas no grupo
italiano: A minha atitude (...) era diferente da de Ernesto Rogers que era muito mais
historicista e tambm ecumnico.78 De facto, a apresentao que Rogers faz da Torre
Velasca (Milo, 1956-1958) reacende o debate. Peter Smithson, na linha de Banham,
acusa os italianos de formalismo e revisionismo histrico.79 Na verso do prprio
Cf. Casa Baldi I, de Paolo Portoghesi e Vittorio Gigliotti, em Roma (1959-1961).
75 O texto de Banham publicado no nmero de Abril da AR (em 1959) e a resposta de Rogers publicada
na Casabella de Junho do mesmo ano. O encontro realiza-se, meses depois, entre 7 e 15 de Setembro, no
Krller-Mller Museum, Otterlo, Holanda.
76 Para alguns autores este o primeiro encontro Team 10: Cf. Jos Bosman, Team 10 Out of CIAM; Max
Risselada; Dirk van den Heuvel (ed.), TEAM 10 1953-81 In Search of a Utopia of the Present; Rotterdam:
NAi Publishers, 2005, p. 247. A propsito afirma Aldo van Eyck: Otterlo, o chamado funeral do CIAM.
As pessoas disseram que simbolicamente enterrmos o CIAM. Mas de facto, no dissemos que o CIAM
estava morto nessa tarde; todo o mundo, todos os livros disseram que o CIAM estava morto, mas o que
dissemos foi que no iramos usar mais a sigla CIAM; mas o CIAM disse que o tnhamos enterrado e houve
um procedimento legal contra ns (...) que parou quando dissemos que no estvamos sobre os auspcios do
CIAM.; The underlying reasons, Interview with Giancarlo de Carlo, Ralph Erskine and Aldo van Eyck;
Max Risselada; Dirk van den Heuvel (ed.), 2005, p. 319. Diz ainda Giancarlo de Carlo: No dia seguinte
[ apresentao] o Team 10 reuniu sozinho para discutir de novo os projectos que se tinham apresentado
no congresso. Este foi o primeiro verdadeiro meeting do Team 10.; How can you do without history?
Interview with Giancarlo de Carlo, Idem, p.340
77 Giancarlo de Carlo, Idem, p.341
78 Giancarlo de Carlo, Ibidem.
79 Cf. Annie Pedret, CIAM59, The end of CIAM, Max Risselada; Dirk van den Heuvel (ed.), Op. Cit.,
2005, p. 62. Como constata Aldo van Eyck: Os Smithsons eram os mais conservadores em termos estticos.
74
30
(...) Atacaram a Torre Velasca. (...) Tendiam a aderir ao perodo herico (...) que ns tambm adoramos (...)
mas queramos afastar-nos da esttica rgida do Movimento Moderno para enriquec-la (...) tnhamos um
inimigo comum, que era o CIAM institucionalizado.; The underlying reasons, Interview with Giancarlo de
Carlo, Ralph Erskine and Aldo van Eyck; Max Risselada; Dirk van den Heuvel (ed.), Idem, p.318
80 Giancarlo de Carlo, Idem, p.341
81 Giancarlo de Carlo, Ibidem.
82 Ralph Erskine, At the heart of the matter us life, Two Days with Ralph Erskine, strolling from Rome do
LAquila; Max Risselada; Dirk van den Heuvel (ed.), Idem, pp.324-325
83 Ralph Erskine, Idem, p.325
84 Giancarlo de Carlo, Op. Cit., p.341
31
32
Nuno Portas
A arquitectura para hoje, 2008 [1964] (capa)
pela necessidade de trazer realismo aos conceitos dos arquitectos modernistas que
encontrramos cristalizados para a tentativa de organizar e propor um esforo
metodolgico (...) porque todo o esforo renovador iniciado se perder (...) se no
submetermos a uma crtica sistemtica cada uma das componentes trabalhadas (...) a
fim de extrairmos o mtodo preciso.93 A Arquitectura para Hoje assinala j um corte
com o debate sobre questes da forma propondo um enquadramento cientfico e uma
procura de objectividade: a problemtica da arquitectura enquanto expresso (...)
identificada com termos como academismo ou formalismo so epifenmenos (...)
logo, adiveis; interessam as respostas objectivas e a planificao que a partir de
inquritos racionaliza os recursos (...), surgem como os exorcismos que podem salvar a
conscincia uma nova arquitectura.94
Fazendo a apologia do trabalho interdisciplinar, Portas substituiu projecto por
design, como um termo mais sinttico, e afirma que consequentemente a forma da
arquitectura, no tem lugar visvel, como se a sua imposio como momento fulcral do
ensino e do trabalho fosse uma diverso em relao busca da soluo eficaz.95 Na
retaguarda mantm-se a premissa zeviana que denuncia a fugaz e equvoca vitalidade
do racionalismo social e esttico sem interpenetrao com a realidade, quebrado ou
alienado sob os totalitarismos europeus dos anos 30.96 O argumento sociolgico
acrescentado enumerao crtica: pressuposto sociais (...) no seriam aceites hoje
pelos socilogos. (...) O funcionalismo racionalista (...) para alm da banalidade formal
(...) no nos poder servir como concepo de espao nem da experincia humana.97
33
A propsito, Portas cita Manuel Tanha (1922): esta espcie de radicalismo tcnico
e funcionalstico (...) cria um plano de deslizamento para a abstraco pura cujos
meandros representam uma forma subtil e irresistvel de alienao.98
O salto que Portas d, para l de Zevi, que a crtica ao racionalismo estende-se a
qualquer viso demirgica da arquitectura: a arquitectura no pode ambicionar
solues que excedem o mbito dos seus problemas.99 O que est em questo, no
limite, toda a pulsao utpica que move a arquitectura moderna de Ledoux a Le
Cobursier: O impacto da forma sobre a vida (...) no determinista nem catrtico.100
Nesse sentido, Portas diminui drasticamente o espectro de actuao do arquitecto e as
possibilidades redentoras da arquitectura: Realizar um melhor ambiente no significa
garantir uma vida associativa melhor, mas apenas remover alguns obstculos (...) no
sentido de uma vida melhor que actuada sobretudo noutras sedes101. Quer, no entanto,
salvar o mdico de racionalidade que o racionalismo tinha aportado enfatizando, como
Rogers, a demanda metodolgica de Gropius e deixando cair o estilo: prolongando a
posio de Gropius, (...) salvar a arte pela razo, (...) em face de um extenso progresso
da investigao no campo da construo.102
O passo em frente est assinalado na referncia Obra Aberta de Umberto Eco (1932)
que Portas cita atravs de Zevi. A uma poca de instabilidade deve corresponder um
modelo que permita que esta possa fluir: uma obra aberta (...) primeiro, quanto ao
processo esttico que se quer completado na prpria experincia do seu consumo (...);
aberta, depois, quanto ao prprio processo da formao e transformao no tempo.103
Neste salto, talvez sem a conscincia aguda das consequncias, Portas passa do projecto
orgnico de Zevi para uma arquitectura incompleta104; de uma formalizao espacial
orgnica para um conceito onde a forma deixa de ser decisiva. De facto, a organicidade
no necessariamente uma obra aberta. Talvez por isso, Eco s encontra essa
problemtica (...) magistralmente na obra de Wright.105
Depois das impresses deixadas a quente no artigo de 1959, Portas tem agora a
oportunidade de esclarecer a sua posio face polmica entre Banham e Rogers.
Manuel Tanha citado por Nuno Portas, Ibidem.
Nuno Portas, Idem, p.16
100 Nuno Portas, Idem, p.32
101 Nuno Portas, Idem, p.33
102 Nuno Portas, Idem, p.44
103 Nuno Portas, Idem, p.65
104 Nuno Portas, Idem, p.65
105 Nuno Portas, Idem, p.67
98
99
34
35
36
1.1.3
O brutalismo e o aggiornamento da arquitectura portuguesa na viragem para
os anos 60
No conjunto das experincias que testam os limites do cnone moderno provado pelo
Estilo Internacional, neo brutalismo talvez a expresso com maior repercusso
internacional, fazendo-se tambm sentir na arquitectura portuguesa. Portas perante
o experiencialismo118 em voga, salvaguarda algumas hipteses, socorrendose da definio de brutalismo de Banham que considera padrinho do conceito:
o brutalismo da exibio sem compromissos dos materiais, aliou-se ao brutalismo
das formas; sendo determinante a vontade de exprimir os imperativos morais dos
pioneiros da a procura de conceitos estruturais, espaciais (...), que sejam necessrios,
em sentido metafsico, (...) exprimindo-os com total e brutal honestidade por forma a
que fiquem como imagem nica e memorvel.119 A expresso brutalista a traduo
formal de uma certa urgncia de verdade. nestes termos que Portas descreve a
Cooperativa de Lordelo (Porto, 1960-1963), de lvaro Siza, retomando, em 1965, uma
definio de brutalismo: Arquitectura onde a ideia que a organiza fica to eficaz e
nuamente expressa, que gritada ou imposta ao entendimento, ao comportamento dos
seus utilizadores-espectadores; onde a arquitectura pensada como proposta ecolgica
rudemente tcnica, exprimindo directamente os valores do grupo humano.120 Portas
situa a raiz brutalista (...) na evoluo de preocupaes do Siza e que antes apenas
[encontrava] na estruturalidade das obras de Teotnio Pereira.121
Portas procura no brutalismo um mtodo e no um estilo ou, nos termos em
que ser colocada a questo, uma tica e no uma esttica. Mas, de facto, no
brutalismo, as duas vertentes so inextricveis. A verdade exprime-se na crueza
e na vitalidade da expresso dos materiais e da estrutura, e assim nasce um estilo,
Nuno Portas, Idem, p.104
Reyner Banham citado por Nuno Portas. Embora se refira definio de Banham, Portas ressalva que esta
no explica este vasto conjunto de experincias. Ibidem.
120 Nuno Portas, Comentrio. Casa de Ch da Boa Nova, Arquitectura, 88, Maio/Junho 1965, p.97
121 Nuno Portas, Ibidem.
118
119
37
38
(1946-1952).
Em 1957, a AD publica uma seco de opinio sobre o Brutalismo, a propsito da
Hunstanton School130, que permite aos Smithsons, numa pequena nota, clarificarem as
suas convices. Brutalismo uma tentativa de ser objectivo sobre a realidade (...),
lidar com uma sociedade de produo em massa, e forjar uma potica rude das foras
poderosas e confusas que se nos deparam. At agora tem sido discutido estilisticamente
quando a sua essncia tica.131
exactamente essa questo que mais tarde Banham colocar em The New Brutalism:
Ethic or Aesthetic?132, alargando a muitos autores e obras o campo que pretende
circunscrever.133 Banham faz uma distino entre neo-brutalista o termo utilizado
originalmente por Hans Asplund, segundo refere134 que poderia ser entendido como
mais um estilo, e new brutalism, no uma esttica mas uma tica135, um programa
e uma atitude.136 Como dizamos, na Unit dHabitation de Marselha que Banham
situa a gnese do brutalismo; mais exactamente no momento em que, percebendo as
condies locais da obra, Le Corbusier faz uma reavaliao da natureza do bton brut e
Cf. Opinion. Thoughts in progress. The New Brutalism, Architectural Design, 4, Volume XXVII, April
1957, pp.111-113
131 Alison and Peter Smithson, The new brutalism, Architectural Design, 4, April 1957, p.113
132 Cf. Reyner Banham, Le brutalisme en architecture. Ethique ou esthtique?, Dunod Paris, 1970 [1966]
133 Na lista de obras que Banham localiza como brutalistas encontramos, entre outros, edifcios de Le
Corbusier, Mies van der Rohe, Alison e Peter Smithson, James Stirling, Denys Lasdun, John Voelcker, Atelier
5, Figini e Polini, Van der Broek e Bakema, Oswald Mathias Ungers, Leslie Martin, Aldo van Eyck, Paul
Rudolph, Kikutake. Cf. Reyner Banham, Idem.
134 Banham afirma que o inventor do termo brutalismo provavelmente Hans Asplund, filho de Gunnar
Asplund, que utilizou o termo numa carta enviada a Eric de Mar, publicada em 1956 na AR. Cf. Reyner
Banham, Idem, p.10
135 Reyner Banham, Ibidem.
136 H ainda o lado anedtico relatado por Banham: Tinha sido dada a Peter Smithson a alcunha de Brutus,
pelos seus colegas, por causa da sua alegada semelhana com o busto do heri romano. E ainda: antes
mesmo da primeira vista de Peter Smithson Amrica, os alunos de Giedion diziam: Brutalismo = Brutus +
Alison. Cf. Reyner Banham, Ibidem.
130
39
Reyner Banhan
Le brutalisme en architecture, 1970, capa e p.26
dispe-se a reinvent-lo, utilizando o seu carcter tosco () para criar uma superfcie
arquitectnica de uma nobreza rude.137
A primeira obra a ser assumida como new brutalism pelos seus autores , segundo
Banham138, a escola de Hunstanton dos Smithsons, uma variao do Institut of Technology
Illinois de Mies van der Rohe (Chicago, 1939-1956), com um racionalismo estrutural
que transcende o formalismo de Mies, como dir Kenneth Frampton (1930).139 O que
significa, em todo o caso, que a expresso brutalista suficientemente ampla para
incluir a sensibilidade distinta de Le Corbusier e Mies.
No ano seguinte ao lanamento do livro de Banham, em 1967, um artigo de Robin
Boyd na AR140 declara a morte do movimento, sublinhando os seus condicionalismos e
limitaes: o new brutalism foi a mais articulada de todas as tentativas de restabelecer
a integridade original e fora da arquitectura moderna (...) mas no mais do que
isso (...) comparado com a redundncia triunfante do desenvolvimento japons, o new
brutalism ingls era tmido (...). A maior parte dos edifcios (...) derivam orgulhosamente
das Maisons Jaoul ou da Unit dHabitation, ou de ambas.141 O brutalismo
neste quadro visto como uma expresso tica directamente derivada da urgncia do
Movimento Moderno: A definio tica (...) mais clara do que a esttica. No tinha
quase nada a ver com ser brutal. Era um revival e um reforo dos cdigos da moral
funcional-estrutural do incio do movimento.142 Para enfatizar o lado mais arbitrrio
deste episdio, Boyd escreve que a nica regra consistente seguida pelo Dr. Banham
40
que o New Brutalism era aquilo que os Smithsons permitissem que fosse.143 De facto,
o prprio Banham tinha declarado, no seu livro, o fim do movimento em 1964, o que
seria confirmado pelos Smithsons: entre 1953 e 1963 havia uma certeza no que se
devia fazer (...) mas depois os problemas agravaram-se.144
Para Boyd, o Economist Building (Londres, 1959-1964), demasiado elaborado e bem
executado, foi o fim do brutalismo: O edifcio era s um exerccio de craftmanship
na linha da boa tradio como bem observou Banham. (...) Era o fim da defesa que
faziam de uma arquitectura absolutamente bsica.145 De facto, o Economist foi logo
vitoriado em 1965 por Frampton enquanto edifcio mediador, didctico146, que remetia
para questes centrais na presente crise da arquitectura: Com que processo (...)
podemos criar formas para a sociedade do presente e do futuro imediato? Esta questo
implicava um conflito de valores entre o material e o imaterial, o monumental e o
flexvel, o esttico e o dinmico, o artesanal e a produo em srie.147 Para Frampton,
o Economist integra elementos do futuro porque incorpora produtos e processos
industriais mas tambm sabe lidar com o passado no classicismo da sua ordem
geomtrica simples.148
Por isso, diramos que o Economist , na sua capacidade sinttica e integradora, uma
obra de fecho, semelhana da Igreja do Sagrado Corao de Jesus (Lisboa, 19621976) de Nuno Teotnio Pereira e Nuno Portas, um edifcio onde as polaridades da
arquitectura do perodo esto presentes quase ao modo de uma sinaltica. Como diz
Portas, uma das obras contemporneas em Portugal que tem mais histria atrs
Robin Boyd, Ibidem.
144 Alison e Peter Smithson citado por Boyd, [The architects Journal, 1966, em resposta ao livro de Reyner
Banham]. Robin Boyd, Idem, p.11
145 Robin Boyd, Ibidem.
146 Kenneth Frampton, The Economist and the Haupstadt, Architectural Design, 2, February 1965, p.62
147 Kenneth Frampton, Ibidem.
148 Kenneth Frampton, Ibidem.
143
41
de cada forma, de cada signo.149 O tempo longo do projecto e da obra permitiu essa
incluso de modelos150 e a conscincia crtica de Portas contribuiu seguramente para
a profusa referencialidade do edifcio. Tal como o Economist, embora com partidos
tipolgicos diferenciados, a Igreja deseja tambm pertencer ao contexto sem deixar
de evidenciar a sua modernidade; ambos os edifcios so arquitectura urbana, criando
espaos pblicos de atravessamento e de encontro que interpelam generosamente a
cidade. No modo como integra sinais que esto no ar, numa sntese inultrapassvel,
na sua erudio e compromisso construtivo, a Igreja tambm um edifcio de fim de
ciclo.
Noutro plano, tambm a Piscina das Mars de lvaro Siza (Lea da Palmeira, 19611966), uma arquitectura resultante dos debates da poca, da incluso wrigthiana da
referncia a Taliesin West (Arizona, 1937-1938), ao despojamento cru, brutalista, do
beto aparente. Se a Igreja denota um requinte construtivo que avana at a um plano
decorativo, a Piscina mantm-se dentro da filiao abstracta do Movimento Moderno
at um exerccio de reiterao dessa genealogia. Mas ambos os edifcios so expresso
maior do debate internacional de reviso do estatuto da arquitectura moderna, integrando
os apports do projecto orgnico de Zevi, a estratgia de continuidade de Rogers, e as
premissas ticas e estticas do brutalismo.
De facto, neste momento, a arquitectura portuguesa demonstra uma capacidade de
assimilao e inveno que corre da matriz zeviana na modalidade do neo-empirismo
nrdico, com Aalto frente at expresso brutalista a que tambm autores da
Nuno Portas, Sobre o Mtodo e os significados no Atelier Nuno Teotnio Pereira (1992),
Arquitectura(s), Teoria e Desenho, Investigao e Projecto, Porto: FAUP Publicaes, 2005a, p.235
150 Portas aponta em particular a influncia de Scarpa, do brutalismo, na sua verso menos agressiva do
Economist, e da biblioteca ou da primeira igreja de Kahn. E em pano de fundo, o meu mestre da fase
escolar (Frank Lloyd Wright) e os realistas italianos (Ridolfi, Quaroni). Portas refere-se a um racionalismo
tornado impuro porque confrontado com as contradies da realidade e no ideolgico, como outros
praticavam, importando directamente as formas; reconhece ainda um certo barroquismo (...), salpicado de
maneirismos () demasiado carregados e eclcticos. Nuno Portas, Op. Cit., 2005a, pp.234-235
149
42
43
44
decorativo. O uso do telhado na Casa de Ofir, como no Pavilho de Tnis, insinuase como plano neoplstico; em Vila Viosa, o telhado a expresso literria da
domesticidade que se quer fundar.
O que se torna evidente uma necessria pesquisa caso a caso, onde o manuseamento
da forma se vai ligando s condies da obra, do stio, do programa. Aberto o dilogo
com a histria inevitavelmente abre-se a questo das prprias limitaes e a razo de ser
da arquitectura. O projecto no a formulao de uma resposta pronta, mas a avaliao
da circunstncia e um questionamento cultural. Como escreveu premonitoriamente
Portas j em 1959: Uma vez destitudo o mito do progresso, como o da reaco ao
progresso, cada situao, cada caso, comanda livremente e livremente se traduzem
em formas espaciais.157 A solidez da arquitectura portuguesa contempornea decorre
deste perodo e, desde logo, da capacidade da Arquitectura espelhar o debate e de o
trazer para a frente. Ainda no artigo de 1959, Portas chama a ateno para o Porto,
no se referindo arquitectura moderna que ento a se visitava, mas renovao
de quadros que se opera desde h anos nessa Escola.158 Em 1961, analisando j 12
anos de actividade profissional de Tvora, Portas situa-o numa gerao que procura
uma renovao do vocabulrio e das ideias em nome de uma modernidade. Qual o
contedo exacto dessa modernidade159 o que est em questo.
Tvora, segundo Portas, depois de uma fase inicial (...) centrada na procura de
autenticidade funcional a consequente depurao das formas vai evoluir no sentido da
superao (...) da inevitvel simplificao conceptual que esse estdio comportava.160
Isto , do optimismo inicial, Tvora evolui para o problema do enraizamento, do
carcter, dessa continuidade.161 De facto, o texto de Tvora que acompanha a publicao
da Casa de Ofir162 um manifesto sobre o manuseamento de referncias sem perca de
uma integridade do conjunto. Trata-se de continuidade e no de eclectismo e esta
ideia que liga Zevi, Rogers, Portas e o essencial do debate nos anos 50: um composto
e no uma mistura.163 Mais tarde, a propsito da Escola do Cedro (Vila Nova de Gaia,
Nuno Portas, A responsabilidade de uma novssima gerao no movimento moderno em Portugal, Op,
Cit., p.14
158 Nuno Portas, Ibidem.
159 Portas refere os nomes dessa gerao no Porto: Joo Andresen, Carlos Loureiro, Agostinho Ricca,
Octvio Filgueiras. Nuno Portas, Arquitecto Fernando Tvora: 12 anos de actividade profissional,
Arquitectura, 71, Julho 1961, p.11
160 Nuno Portas, Ibidem.
161 Nuno Portas, Idem, p.12
162 Fernando Tvora, Casa em Ofir, Arquitectura, 59, 1957, pp.10-13
163 Tvora escreve a com clareza o programa da terceira via: H edifcios que so compostos e edifcios
157
45
que so misturas (...) no caso presente desta habitao (...) procurmos, exactamente, que ela resultasse um
verdadeiro composto. (...) O Arquitecto (...) conhece o sentido do termos como organicismo, funcionalismo,
neo-empirismo, cubismo, etc., e, paralelamente, sente por todas as manifestaes da arquitectura espontnea
do seu Pas, um amor sem limites que j vem de muito longe. Fernando Tvora, Casa em Ofir. Op. Cit.,
p.11
164 Fernando Tvora, Escola primria em Vila Nova de Gaia (1957-1961), Arquitectura, 85, Dezembro
1964, p.175
165 Nuno Portas, Prefcio [1982] Fernando Tvora, Da organizao do espao [1962], Porto: FAUP
Publicaes, 1996, p.VIII
166 lvaro Siza Vieira, Trs obras de lvaro Siza Vieira. Porto 1960-3. Arquitectura, 96, Maro-Abril
1967, pp. 69-74
46
47
est em crise, como passar tambm a estar o local, a prpria ideia de localidade. A
autenticidade provada no Inqurito transforma-se num mito de autenticidade, isto
, numa imagem, como tudo o resto. A terceira via uma equao que deixa de fazer
sentido porque nem a primeira, nem a segunda, so j vias normativas e seguras. No
entanto, este perodo, na viragem dos anos 50 at meados dos anos 60, sob o espectro
de Zevi, da continuidade, e do brutalismo, curto mas decisivo no aggiornamento da
arquitectura portuguesa.
Portas afirma em 1970, referindo-se ao trabalho desenvolvido no LNEC (Laboratrio
Nacional de Engenharia Civil), onde tinha ingressado em 1962, que se trabalhou em
conjunto entre 60-65 conseguindo superar as influncias lingusticas italo-nrdicas
(...) para procurar ideias mais estruturais.169 No mesmo ano, na introduo traduo
portuguesa da Histria da Arquitectura Moderna de Zevi, Portas situa as suas afinidades
mas mostra alguma distncia, na defesa de um cientificismo que curiosamente vai
reencontrar, como projecto inexplorado, no Movimento Moderno. Preferindo enfatizar
a lgica de alargamento de horizonte170 de Zevi, do que sublinhar a sua clara
posio crtica, afirma que o polemismo anti-racionalismo (...) deve ser reintegrado
historicamente171 e predispe-se sintomaticamente a reavaliar duas aquisies do
Movimento Moderno: A necessidade do estudo sistemtico das necessidades humanas
e as investigaes do exintenzminimun de Gropius, uma exigncia de tecnicidade, ou
objectividade da forma em relao ao seu destino til que no chegou a concretizarse.172
Portas explica a necessidade de passar da chave zeviana para uma pesquisa mais
alicerada cientificamente: no se dispunha na altura de instrumentos analticos mais
precisos dos sinais lingusticos. No entanto, a evoluo da investigao disciplinar
nas cincias humanas e na teoria da informao e da lingustica (semiologia),
permitir, no primeiro caso, motivar maior responsabilidade social e, no segundo,
perceber a semanticidade dos sinais arquitectnicos que se procura adquirir para base
de uma linguagem.173 A esta questo voltaremos mais adiante. A demanda de reviso
do moderno est, entretanto, terminada.
169 Nuno Portas, Arquitecturas marginadas em Portugal [1970], Arquitectura(s), Histria e Crtica, Ensino
e Profisso, Porto: FAUP Publicaes, 2005b, p.44.
170 Nuno Portas, Prefcio Edio Portuguesa de Histria da Arquitectura Moderna, [1970], Op. Cit.,
2005b, p.59
171 Nuno Portas, Idem, p.64
172 Nuno Portas, Idem, p.65
173 Nuno Portas, Idem, p.70
48
1.2
But today we collect ads: a investida anglo-saxnica
49
1.2.1
Outras geografias: a demanda de Alison e Peter Smithson
Se, como vimos, o debate italiano define, no final dos anos 50, a emergente crtica
e prtica da arquitectura em Portugal, o contexto ingls, que centramos no trabalho
de Alison e Peter Smithson, cria outras coordenadas cujo reflexo interessa analisar.
O fundamental da experincia portuguesa define-se, de facto, na afinidade suleuropeia, enriquecida com sucessivos contactos do grupo volta do Atelier da
Rua da Alegria174, mais tarde, entre o final dos anos 60 e os anos 70, consolidada
nos Pequenos Congressos, organizados por Oriol Bohigas.175 O livro de Bohigas,
Contra una arquitectura adjectivada, de 1969176, ter tambm repercusso no meio
portugus principalmente na crtica veleidade de uma adjectivao progressista177
para a arquitectura, centrando, na linha de Vittorio Gregotti, a revoluo no interior
do prprio campo disciplinar.178
Da herana do CIAM que evoluir para o mais dissoluto Team 10, pouco contacto
restar, excepo da participao de Pancho Guedes (1925), noutro quadro de relaes,
como veremos.
Desde logo, a centralidade da cultura francesa, que estrutural na cultura portuguesa,
comea a ser posta em causa no ps-guerra. Como diz Peter Smithson, a prpria matriz
do CIAM est a ser revista: Era uma organizao Francesa e a documentao estava
Cf. Nuno Portas; Nuno Grande, Entre a crise e a crtica da cidade moderna; Amncio (Pancho)
Guedes; Ricardo Jacinto, Lisboscpio, Representao Oficial Portuguesa na 10 Exposio Internacional de
Arquitectura Bienal de Veneza, Lisboa: Instituto das Artes Ministrio da Cultura, Corda Seca - Edies de
Arte, SA, 2006, p.71
175 Estes congressos tiveram lugar em Madrid (14-16 Novembro 1959); Barcelona (30 Abril 2 Maio de
1960); no Pas Basco (Outubro 1960); Crdova (Outubro 1961); Costa do Sol (Primavera 1963); Terragona
(Dezembro 1963); Segvia (Dezembro 1965); Portugal (Inverno de 1967, incluindo um percurso pelas obras
de lvaro Siza); Vitoria e o ltimo teve lugar em Sitges (1972).
176 Oriol Bohigas, Contra una arquitectura adjetivada, Barcelona, Seix Barral, 1969, [trad.].
177 Cf. Oriol Bohigas, Equivocos progressistas en la arquitectura moderna [1969], Op. Cit., p.8
178 Vittorio Gregotti citado por Bohigas: No revolucionaremos nunca a sociedade por meio da arquitectura,
mas podemos revolucionar a arquitectura: e precisamente isso que devemos fazer como arquitectos. Oriol
Bohigas, Equivocos progressistas en la arquitectura moderna [1969], Idem, p.28;
174
50
51
52
O trabalho dos Smithsons reflecte uma mudana de paradigma que afectar profundamente
a cultura arquitectnica contempornea: a passagem de uma sociedade centrada na
produo industrial para uma sociedade centrada nos mass media e no consumo. Como
os pioneiros fizeram justia civilizao industrial tambm os Smithsons querem
interpelar a sociedade de consumo, emulando o mesmo voluntarismo vanguardista.
A passagem do CIAM para o Team 10 tenta ser justamente isso: a recuperao de
uma linha da frente para a arquitectura, ao encontro dos problemas emergentes, com
uma abordagem necessariamente mais tentativa, menos taxativa, mais ainda assim
Moderna.
Ora, a continuidade italiana distendida e cptica face a esses pressupostos; como
vimos, no quer recomear provando uma analogia com o perodo herico quer
continuar o que no foi cumprindo, alargando o campo de investigao, incluindo toda
a histria. O tom dos Smithsons deliberadamente provocatrio face ao discurso mais
conciliatrio e possibilista de Rogers. Sintomaticamente, a fase formativa de Peter
Smithson, segundo afirma, marcada por uma negao da histria: Quando andava
na escola de arquitectura no ia s aulas de histria porque pensava e essa ideia vinha
de observar (...) The New Architecture and The Bauhaus, de Gropius que o Movimento
Moderno era sempre branco com belas rvores e no precisava de histria.192 Embora
mais tarde, como toda a gente, reconhea: Estou obcecado com a histria.193
Mas o modelo dos Smithsons o da vanguarda moderna: reconhecimento do
zeitgeist, resposta panfletria. Talvez at com uma particular voracidade explicvel
subjectivamente, como afirma Aldo van Eyck: Os Smithsons vinham do norte de
Inglaterra e na Inglaterra s no centro de Londres que havia cultura o resto era
absolutamente brbaro (...). A vanguarda no existia; Corbu era vagamente conhecido.
(...) A Inglaterra praticamente no participou no Movimento Moderno.194 Dividindo-se
entre o trabalho prtico e terico, imagem dos mestres, o objectivo do casal Smithson ,
apesar da aura provocatria, o da mediao da nova agenda com a arquitectura, a gesto
da heroicidade com vista construo. A analogia com o perodo herico tambm
existe no plano da relao com a arte: onde antes havia o purismo e o neo plasticismo,
Peter Smithson, 2005, p.14
193 Peter Smithson, Ibidem.
194 Aldo van Eyck, Everybody has his own history, Interview with Aldo van Eyck; Max Risselada;
Dirk van den Heuvel (ed.), Op. Cit., 2005, p.328. Diz ainda Van Eyck sobre os Smithsons: Eram muito
excntricos. () Abanaram a arquitectura inglesa (...). Estavam sempre ocupados com a histria do perodo
herico (...) identificavam-se com o perodo herico e julgavam tudo a partir desse patamar (...). Sabiam o
que iam fazer. Idem, pp. 328-329
192
53
agora, para l do brutalismo, emerge a Pop Art veiculada pelo Independent Group,
de que os Smithsons fazem parte.195 Como os mestres, os Smithsons querem cruzar os
novos temas a mobilidade, a cultura pop, o consumo, a motorizao, os mass media,
a publicidade com as possibilidades reais da arquitectura. Os mesmos temas que
sero hiperbolizados e fantasiados pelos Archigram, para l de qualquer mediao; e
teorizados por Banham, numa radical proclamao tecnicista de inclinao visionria
que acolhe as experincias de Buckminster Fuller (1895-1983), Cedric Price (19342003) e dos prprios Archigram.
Embora seduzidos por este admirvel novo mundo, os Smithsons permanecem fiis
s demandas sociais dos ltimos CIAM, tentando gerir essas duas componentes: a
emergente sociedade de informao que tende a criar identidades globais e uma
presso de mobilidade no somente fsica; e a necessidade de ligao, de vizinhana,
de comunidade, na linha aberta pelo CIAM de 1951, em que j participaram. Os
Smithsons defrontam-se com foras opostas; talvez tambm por isso, os seus enunciados
no traduzem uma sntese formal evidente, ao modo vanguardista que procuram
reinventar. O conceito de Cluster , como veremos, uma tentativa de lidar com essas
foras divergentes.
Aquilo que define a demanda dos Smithsons , de facto, o trabalho sobre mundos
contraditrios coexistentes, em resposta nova dimenso planetria que se abre nesses
anos. Frampton chama a ateno para os trabalhos iniciais, que incidem sobre uma
Inglaterra rural e pobre, referindo a simultnea obsesso com a cultura popular de
consumo dos Estados Unidos (...) e uma sensibilidade fenomenolgica pela substncia
tctil de um modo de vida autntico.196 De facto, em contraponto ao sentido existencial
da premissa as found197, onde se procura naquilo que existe, como existe, uma esttica
de economia, situa-se o fenmeno publicitrio e a esttica da abundncia. But today
we collect ads, de 1956, uma apologia da vitalidade dos anncios publicitrios,
remetendo directamente para a coreografia dos mestres do Movimento Moderno:
195 Cf. AAVV, The Independent Group: Postwar Britain and the Aesthetics of Plenty, The MIT Press,
Cambridge, Massachusetts, and London, England, 1990
196 Kenneth Frampton, Memories of undervelopment, Op. Cit., p. 94. Como escreve Dirk van den Heuvel:
os Smithsons so muitas vezes relacionados com a origem da cultura dos media e do consumo. Por outro
lado, o seu trabalho tambm apreciado na perspectiva de uma qualidade existencialista. Generative
Dynamics, LArchitecture dAujourdhui, 334, Jan-Fev., 2004, p.31
197 A esttica as found segundo Jean-Louis Viouleau : a arte da vigilncia, da assemblagem, de escolher e
pr em uso, a arte de encontrar em objectos vulgares a sua capacidade de revitalizar um acto de inveno, no
sentido de se desenvolver uma arquitectura encontrada que no foi formalizada por nenhum tipo de camisas
de fora acadmicas; Team 10 and structuralism: analogies and discrepancies; Max Risselada; Dirk van
den Heuvel (ed.), Op. Cit., 2005, p.282
54
55
parecido com o novo modo de pensar europeu estaria presente e o casal Eames. No
estava preparado para o lado folk art da arquitectura americana (...) descomplicada de
dvidas e no corrompida por conceitos.203 A experincia na Amrica permite reavaliar
o clima da Europa: Os impulsos de 1913 esto fracos, e no parecem j espiritualmente
vlidos, ou as suas solues formais aplicveis arquitectura. A rejeio do cnone da
Arquitectura Moderna significa que temos que examinar a situao as found. (...) Esta
atitude est a criar o que chamamos uma esttica da mudana.204 Smithson impressionase com os objectos descartveis. As magnficas revistas, anncios e embalagens; os
frigorficos e os carros (...) onde o feeling pelos valores americanos comunicado
atravs de um imaginrio sem self consciouness. (...) H o mesmo sentimento em
Pollock. Mas a arquitectura americana ainda no teve o seu Pollock.205
Na Amrica, a democracia est inscrita na tecnologia domstica e no seu design; o
design americano a esttica da democracia. Aquilo que Gropius v nos silos e Le
Corbusier nos avies, Peter Smithson encontra na tecnologia carro-frigorfico. A
tecnologia invade o quotidiano com uma diligncia eminentemente esttica: Quando a
tecnologia carro-frigorfico (...) utilizada nas componentes dos edifcios os resultados
so incrveis. Um lavabo em Madison foi uma das minhas maiores experincias
arquitectnicas (...). impossvel expressar a impresso que tivemos de uma nova
espcie de solidez, bem-estar e poder.206
Mais disciplinar mas ainda sobre o tempo presente, o tema da Mobilidade, que ser
recorrente nas discusses do Team 10, surge tratado numa nota de 1958, onde defendem
que a rejeio das estticas Cartesianas, incapazes de suportar as condies culturais
do nosso tempo, leva inevitavelmente a uma esttica da mudana.207 A ideia de uma
resoluo plstica dos problemas de mobilidade208 significa a passagem do discurso
funcionalista para a elaborao de uma espcie de potica da estrada e do movimento.
Em simultneo, como dizamos, os Smithsons querem refazer a ideia de comunidade,
de associao humana. O edifcio como rua ou a rua como edifcio o modelo
formal, e o conceito de cluster o dispositivo urbano que tenta a conciliao mobilidade/
comunidade. Trata-se de fazer fluir a arquitectura para o urbanismo (o edifcio
Peter Smithson, Idem, p.95
204 Peter Smithson, Idem, p.93
205 Peter Smithson, Ibidem.
206 Peter Smithson, Idem, p.102
207 A & Peter Smithson, Mobility, Architectural Design, 10, October 1958, p. 385
208 A & Peter Smithson, Ibidem.
203
56
como rua) ou o urbanismo para a arquitectura (a rua como edifcio), e gerar uma
continuidade conceptual que responda s necessidades da grande e da pequena escala
(mobilidade e comunidade, respectivamente). Factor determinante para gerar o
sentimento de comunidade a legibilidade da arquitectura. Nesse sentido, escrevem
em The function of architecture in culture-in-change, o arquitecto deve criar tipos
de edifcios que se lem como casa, igreja ou loja e que combinados se lem como
comunidade especfica.209
Ao longo dos anos 60, Peter Smithson vai apontando alteraes que implicam a eroso
do enunciado da arquitectura moderna. Em 1965, The Rocket trata das contradies
da produo em srie e a forma como esta j no , em si mesmo, um fim redentor: Na
arquitectura moderna havia um discurso em favor da produo em srie mas hoje em
muitos casos, a produo em srie j no econmica (...) e mesmo o factor social est
a desaparecer.210
Em The fine and the folk, o tema mais uma vez a Amrica, neste caso, a transformao
do racionalismo em esttica do lifestyle: Neutra foi o primeiro a dar um ar glamoroso
ao preciso. As suas casas, nas fotografias, parecem to polidas e perfeitas (...) como se os
construtores usassem luvas brancas (...). Tm uma espcie de glamour desmaterializado,
quase aquele dos anncios de sopas, que especialmente, at unicamente, Americano.211
Sobre a Lever House do atelier SOM (Skidmore-Owings e Merrill), uma apropriao
americana do modelo miesiano, Smithson fala de uma cultura tecnolgica que a Europa
no alcanou. Os arquitectos americanos quase que o conseguiram: se ao menos se
deixassem de preocupar com a arquitectura.212 Em Contributions to a fragmentary
57
58
P. Smithson, Concealment and display: mediations on Braun, Architectural Design, 7, July 1966,
p.363
220 A & P. Smithson, Ibidem.
221 Peter Smithson, Just a few chairs and a house: an essay on the Eames-aesthetic; Eames Celebration,
Architectural Design, 9, September 1966, p.443
219 A &
59
Eames celebration
Architectural Design, 9, 1966, capa e p.432
60
1.2.2
O intervalo Team 10
As ideias dos Smithsons esto tambm impressas no Team 10, grupo incumbido no
CIAM IX (Aix-en-Provence,1953) de organizar o dcimo encontro (Dubrovnik, 1956)
e que far uma espcie de perestroika229 do Movimento Moderno, como afirma
Giancarlo de Carlo. Como vimos, o momento em que o CIAM cede e sucedido pelo
Team 10 o encontro de Otterlo, em 1959. As diferenas que o Team 10 introduz so
desde logo de carcter organizativo e comportamental, sendo assumido o objectivo
de desagregar a vocao burocrtica da anterior associao.230 Essa informalidade de
funcionamento ser, no entanto, um primeiro sinal de exclusividade. Como diz De
Carlo, no podamos dizer com certeza se pertencamos ou no ao Team 10.231
Se o corpo terico no se chega a constituir com unidade e clareza tambm porque
a abordagem do grupo denota uma predisposio crtica que se pode talvez adjectivar
como brutalista. H de facto uma pulso anti-programtica no Team 10 que ajuda a
explicar a recepo calorosa a Pancho Guedes, em 1962, no encontro de Royaumont.
Alm disso, Aldo van Eyck tinha dito em Dubrovnik: Nous avons le droit dtre
vagues.232
De facto, a fragmentao terica do Team 10 em si mesmo um sinal de ruptura com
a praxis do Movimento Moderno. No por isso praticvel uma leitura conclusiva
dos seus pressupostos, mas possvel agrupar sinais que os reconstituem, embora de
modo necessariamente parcial e incompleto. Se a organizao e o clima do grupo se
desenvolve em oposio prtica instituda no CIAM , no entanto, possvel detectar
Giancarlo de Carlo, How can you do without history? Interview with Giancarlo de Carlo; Max
Risselada; Dirk van den Heuvel (ed.), Op. Cit., 2005, p.343. O mesmo tipo de analogia utilizado por
Herman Hetzberger: Na arquitectura, o Team 10 e o CIAM so o equivalente do socialismo. Cf. Herman
Hertzberger: I am a product of Team 10. Interview with Herman Hetzberger; Idem. p.333
230 Cf. Giancarlo de Carlo, Op. Cit. p.340
231 Giancarlo de Carlo, Idem, p.343
232 Aldo van Eyck citado por Ben Highmore, Rescuing optimism from oblivion; Max Risselada; Dirk van
den Heuvel (ed.), Op. Cit., 2005, p. 271
229
61
233 Aldo
van Eyck, The underlying reasons, Interview with Giancarlo de Carlo, Ralph Erskine, Aldo van
Eyck; Max Risselada; Dirk van den Heuvel (ed.), Op. Cit., 2005, p.316
234 Aldo van Eyck, Idem, p. 316-317
235 Alison Smithson, Team 10 Primer. Edited by Alison Smithson for Team 10, Architectural Design.
Team 10 Primer 1953-1962, 12, December 1962, pp. 559-602
236 Refere a propsito Georges Candilis: os Smithsons tiveram um papel importante no grupo (...).
Especialmente Alison. Era ela que empurrava, que tomava notas, que expressava o nosso trabalho; a
publicao do Team 10 Primer trabalho dela, como tudo o resto. Era a verdadeira historiadora do
movimento, a mais fantica.; The differance between good and bad, Interview with Georges Candilis,
Max Risselada; Dirk van den Heuvel (ed.), Op. Cit., 2005, p.321
237 Alison Smithson, Team 10 at Royaumont 1962, Architectural Design, Team 10, 11, November 1975,
p.664
238 O Primer uma matriz onde o leitor se pode perder. Cf. Jon Bosman; Max Risselada; Dirk van den
Heuvel (ed.), Op. Cit., 2005, p.249
62
63
e Peter Smithson, Ideal City, Alison Smithson (ed.), Architectural Design, 1962, Op. Cit.,
pp.582-583
244 Alison e Peter Smithson, Uppercase, Idem, p.574
245 Alison e Peter Smithson, Ibidem.
246 Alison e Peter Smithson, Ibidem. O tema do sistema de ruas como base da estrutura da comunidade foi
explorado na ideia de Cluster City entre 1957 e 1959, no Plano de 1958 de Haupstadt Berlin e no London
Roads Study de 1959. Cf. Alison e Peter Smithson, Idem, p.576
247 Alison e Peter Smithson, CIAM 9, Aix-en-provence, 1953, Alison Smithson (ed.), Architectural
Design, 1962, Op. Cit., p.574. Alison e Peter Smithson propem seis tcnicas para tornar a comunidade mais
compreensvel. Cf. Alison e Peter Smithson, [Forum, 7, 1958], Alison Smithson (ed.), Architectural Design,
1962, Op. Cit., p. 576
248 Alison e Peter Smithson, Uppercase, Alison Smithson (ed.), Architectural Design, 1962, Op. Cit., p.
594
249 Alison e Peter Smithson, Ibidem.
243 Alison
64
Cada gerao sente uma nova insatisfao e concebe uma nova ideia de ordem Cf. Alison e Peter
Smithson, AD/Junho 1955, Alison Smithson (ed.), Architectural Design, 1962, Op. Cit., p.591
251 Alison e Peter Smithson, Idem, p.592
252 Cf. Josep Maria Montaner, La ambiguidad del concepto de realismo, Op. Cit., 1993, p.108
253 Alison e Peter Smithson, AD/Junho 1955, Op. Cit., p.592
254 Cedric Price, Reflections on the Team 10 Primer, Architectural Design, 5, May 1963, p.208
255 Cedric Price, Ibidem.
256 Cf. Max Risselada; Dirk van den Heuvel (ed.), Op. Cit., 2005
250
65
Smithson, The Aim of Team 10, Architectural Design 8, The work of Team 10, August 1964,
p.373
258 Alison Smithson, Ibidem.
259 Trata-se de uma exposio itinerante, a cujo catlogo nos temos j referido, comissariada por
Max Risselada and Dirk van den Houvel, em realizao conjunta da Faculdade de Arquitectura, Delft
Universidade de Tecnologia, o Netherlands Architecture Institute e a NAi Publishers. A exposio Team
10 A Utopia of the Present esteve patente no Netherlands Architecture Institute em Roterdo entre 24 de
Setembro de 2005 e 8 de Janeiro de 2006.
260 Cf. Peter Smithson citado por Ben Highmore, Rescuing Optimism From Oblivion; Max Risselada; Dirk
van den Heuvel (ed.), Op. Cit., 2005, p.271
257 Alison
66
Bernard Rudofsky
Architecture without architects, 1965 (capa)
Jacobs (1916-2006) The Death and Life of Great American Cities (1961)261, solicitando
noes de conforto e comunicao face s ameaas da urbanidade moderna.
O Team 10 tinha ainda na arquitectura vernacular, na arquitectura de baixo262, outra
das referncias que lhe permitiam desenvolver uma defesa do primitivismo em
paralelo com o maquinismo, como diz Highmore, os dois lados do modernismo263
que o Team 10 prolongava e tentava reelaborar.
Como j sublinhmos, os temas e reflexes do Team 10 devem ser vistos no quadro
traumtico do ps-guerra. Highmore diz que a vida quotidiana a que o Team 10 se refere
aquela que herica e inventivamente sobreviveu s brutalidades da guerra ao mesmo
tempo que sofreu danos irreparveis. (...) Para uma gerao de arquitectos que sofreram
os horrores da Segunda Guerra, a continuao da destruio no tolervel.264 A ateno
ao quotidiano, ao detalhe, e ao banal significava fugir das generalizaes ao
encontro de uma modstia arquitectnica que era uma propositada resposta tica s
condies sociais do mundo ocidental.265
Jean-Louis Violeau reflecte sobre as relaes entre o Team 10 e o estruturalismo,
considerando que a procura da apreenso do comportamento humano (...) entre a
idealizao do comportamento espontneo e o enunciar de regras colectivas partilhadas
em comum266 se deve influncia do pensamento filosfico que ento emergente.
Na descrio deste cenrio, Ben Highmore refere em particular a relevncia e a influncia do livro Family
and Kinship in East London, de Michael Young e Peter Willmott (1957); Cf. Max Risselada; Dirk van den
Heuvel (ed.), Op. Cit., 2005, p.272
262 Ben Highmore chama a ateno para a exposio do Museum of Modern Art, em New York,
Arquitectura Sem Arquitectos, comissariada por Bernard Rudofsky e patente entre 1964 e 1965. Cf. Ben
Highmore, Rescuing Optimism From Oblivion; Max Risselada; Dirk van den Heuvel (ed.), Op. Cit., 2005,
p.273
263 Ben Highmore afirma que os dois elementos se encontravam na produo do Team 10: Tentando activar
o ethos da arquitectura vernacular atravs de tecnologias modernas. Cf. Ben Highmore, Ibidem.
264 Ben Highmore, Ibidem.
265 Ben Highmore, Ibidem.
266 Jean Louis Violeau, Team 10 and structuralism: analogies and discrepancies, Max Risselada; Dirk van
261
67
Violeau refere a influncia das cincias sociais na pesquisa do Team 10, da decorrendo
os temas da identidade, sentido de pertena, vizinhana267 que sero destilados no
conceito de Cluster: uma estrutura hierarquizada mas em mudana, que d forma
ideia de comunidade, uma esttica de conexo (...) em oposio aos becos sem sada do
urbanismo ingls das news towns.268
A ideia de recusar a forma como matria de facto do arquitecto ou, pelo menos, as
suas implicaes de conformao estilstica, cnone ou sistema passa, como vimos,
pela analogia do recreio das crianas e pela empatia com a arquitectura vernacular.
Os membros do Team 10 tentam desenhar o processo, a mudana, a variabilidade, o
quotidiano, porque como diz Giovani Domiani: Superar a forma era um modo (...) de
preservar e levar para a frente a fora tica e o poder de renovao que faziam parte
originalmente do Movimento Moderno.269 Embora o Movimento Moderno original
tivesse sempre sido formalista talvez na viso de Gropius quando este enfatiza o
mtodo em detrimento do estilo que se est a pensar. E, assim, dir-se-ia que o Team 10
se tenta colocar antes do purismo e do neoplasticismo; num momento anterior, onde a
forma moderna ainda no est estabelecida e portanto a tica ainda no foi corrompida
pelo estilo. Diz Peter Smithson: O urbanismo do nosso sculo comeou com Tony
Garnier que faz um plano e desenha tudo. (...) Depois no perodo do ps-guerra, Le
Corbusier fez a mesma coisa. (...) No fim do perodo do Team 10, o urbanismo no
significava desenhar todas as casas: mas sim encontrar as formas geradoras. De certa
forma, no tnhamos praticamente que desenhar.270
Se Peter Smithson queria estar antes do desenho, sinalizando uma cumplicidade com
os mtodos de projecto da Escola de Cambridge, que anotaremos, Aldo van Eyck
quer incluir a histria toda, numa sensibilidade que se aproxima da sul-europeia,
exposta pragmaticamente: O que queramos era um funcionalismo mais rico. ramos
funcionalistas, na altura: (...) ramos (...) por um funcionalismo mais inclusivo, que
inclusse o passado e aprendesse com a experincia de milhares de anos de construo.271
68
272 Aldo
69
1.2.3
Dentro e fora do Team 10: Pancho Guedes
70
contexto onde a prtica e a crtica tinham alcanado uma validade renovada, outra
agilidade era esperada do grupo da frente. O tom de Tvora no artigo alis
semelhante ao do seu livro publicado por essa altura, Da Organizao do Espao279
(1962), igualmente pessimista, confiando, com relativa convico, no design como a
resoluo de um mundo em perca de sentido. De facto, j no o tempo do CIAM e os
anos 60 far-se-o sentir.
Pancho Guedes, que se tinha cruzado com Tvora no Porto280, em 1953, est presente
no encontro para apresentar a sua obra em Moambique, a convite dos Smithsons. A
sua participao est transcrita na AD 11 de 1975, em que Alison Smithson, a partir
dos registos existentes, faz uma montagem da histria do evento.281 Escreve Smithson:
Guedes, recm-chegado ao Team 10, comeou corajosamente a tarde com um slide
show do trabalho realizado em Loureno Marques (...) cobrindo todas as disciplinas e
pessoas mo no continente de frica. Em reas onde no tm conhecimento tcnico,
ele d-lhes (...) e segue para a discusso da manh seguinte que foi mais sobre a sua
escola Waterford.282
A partir de Royaumont, Pancho participa em vrias reunies do Team 10.283 No fazendo
parte do exclusivo ncleo duro do grupo que se pode afirmar ser constitudo pelo
casal Smithson, Aldo van Eyck, Bakema e Candilis284 Pancho ocupa uma espcie
Cf. Fernando Tvora, Da organizao do espao [1962], Porto: FAUP Publicaes, 1996
280 Pancho Guedes vai Escola Superior de Belas Artes do Porto para obter a equivalncia ao ttulo de
arquitecto obtido na frica do Sul, sem a qual no podia assinar projectos em Moambique.
281 Alison Smithson traduz a sua verso do acontecimento. Registe-se a notada supresso de qualquer
meno presena de James Stirling.
282 Alison Smithson, Exposition by Amancio Guedes, Architectural Design, 1975, Op. Cit., p.665
283 A presena de Amncio Guedes est assinalada nos encontros de Royaumont (1962); Toulouse-Le-Mirail
(1971); Berlim (1973); Spoleto (1976); Bonnieux (1977). Cf. Max Risselada; Dirk van den Heuvel (ed.), Op.
Cit., 2005
284 Cf. Josep Maria Montaner citado por Miguel Santiago, Pancho Guedes, Metamorfoses Espaciais, Lisboa:
Caleidoscpio, 2007, p.129
279
71
Cf. Jorge Figueira, A mo que embala o bero. Pancho Guedes dentro e fora do Team 10, Amncio
(Pancho) Guedes; Ricardo Jacinto, Op. Cit., 2006, pp.98-109
285
72
73
louco.293
Na prtica, j o dissemos, as condies e o clima do trabalho de Pancho so muito
distintas daquelas que movem o Team 10. Na Europa martirizada pela Guerra, o projecto
motivado por uma ideia de reconstruo, mesmo quando se constri de novo. Em
contrapartida, o trabalho de Pancho est num contra-ciclo, j que as suas obras esto
a levantar uma cidade, e a sua expresso plenamente moderna faz, ou faria, todo o
sentido.294 Podemos dizer ento que a expresso eclctica, polissmica, tumultuosa,
da sua obra, parte de uma conscincia da falncia racionalista que o seu temperamento
artstico exaspera.
Pancho conhece os Smithsons em 1960: Uma noite, um casal amigo leva-nos, de
Jaguar, casa dos Smithsons. Levo a caixa, vamos para um bar e uma grande festa.295
Em 1961, a AR296 publica a sua obra, e Pancho expe na VI Bienal de S. Paulo, no
Museu de Arte Moderna.297 Em 1962, a LArchitecture dAujourdhui (AA) publica um
nmero dedicado s Architectures visionnaires298, com a incluso de vrios projectos
de Pancho, entre obras de Gaud (1852-1926), Frank Lloyd Wright, Yona Friedman, e
outros. Neste contexto visionrio, s vezes at mais libertrio, a obra de Pancho ganha
uma verosimilhana de conjunto, integra-se bem. Pertence a esta gestualidade livre,
ardentemente anti-racionalista, que encontramos em vrios autores na passagem dos
anos 50 para os 60: uma organicidade exacerbada e literal, cruzando o campo surrealista
(de onde no se regressa), para l das experincias mais centrais da continuidade e
do brutalismo.299
A AA apresenta Pancho como obcecado pelo desejo de integrar uma arquitectura de
formas fludas que descobriu na pintura e na escultura, e sublinha a dimenso total
van Eyck, Ibidem.
294 Jorge Figueira, A mo que embala o bero. Pancho Guedes dentro e fora do Team 10, Amncio
(Pancho) Guedes; Ricardo Jacinto, 2006, p.104
295 Pancho Guedes, O Annus Mirabilis, MCMLX; Miguel Santiago, Metamorfoses Espaciais, Pancho
Guedes, Lisboa: Caleidoscpio, 2007, p.7
296 Cf. Miguel Santiago, Idem, p.181: Amncio Guedes: Architect of Loureno Marques, Architectural
Review , 770, Abril 1961
297 Nesse contexto, Pancho chamado o Niemeyer do ndico. Cf. Miguel Santiago, Idem, p.182
298 Cf. Architectures fantastiques, LArchitecture dAujourdhui,102, Juin-Juillet 1962. Trata-se de um
nmero organizado em referncia exposio Visionnary Architecture organizada no MOMA de Nova
Iorque em 1960.
299 Embora integrando ambas as expresses; Pancho no estranho ao brutalismo em Paris, em 1960
compro tudo o que h publicado de Dubuffet; Cf. Pancho Guedes in Miguel Santiago, Op.Cit., 2007, p. 7;
e a sua afeio pela obra de Gaud est documentada no relato das viagens que faz a Barcelona, desde cedo
na sua carreira; Cf. Anarquista Conservador, Entrevista de Jorge Cruz Pinto e Jos Charters Monteiro,
Arquitectura e Vida, 11, Dezembro 2000, p.31
293 Aldo
74
da sua abordagem: No considera a arquitectura como mtier mas como uma espcie de
ambiente artstico total. (...) Est convencido que fazer arquitectura faze-la ele mesmo
com um grupo de artesos africanos que ele prprio formou. (...) Criou sua volta um
clima quase mstico.300 A acompanhar os projectos, Y aura-t-il une architecture um
manifesto onde Pancho deixa escapar a sua formao moderna, recusando a ideia de
estilo: Para alguns, o Movimento Moderno cumpriu o seu programa e a arquitectura
hoje vive um tempo de subtilezas e classicismo. (...) Por certo, o cancro dos estilos
est outra vez connosco (...) mais mortal e aterrorizante do que nunca.301 Mais tarde,
Pancho acabar por fazer troa da noo de estilo ao agrupar os seus 25+2 estilos302;
no os negando mas multiplicando-os exageradamente acaba por lhes tirar qualquer
sentido como guias ou facilitadores.
Em Y aura-t-il une architecture, ao mesmo tempo que remete para a herana do
racionalismo, convoca uma condio onrica, sustentao que escapa ao mtier,
reviso do moderno, prpria arquitectura: Sabemos que a arquitectura no feita
de tcnicas, materiais, contabilidades, estatsticas, mas de sonhos, razes secretas e
obsesses sombrias. (...) Daremos rdea livre imaginao as construes sero
quimeras, miragens, pirmides, pilares de sorrisos, recreios de esprito.303 E ainda
o essencial do seu esprito iconoclasta: Devemo-nos libertar de todas as escolas, de
todos os mestres, de todos os movimentos.304
Em 1967, o imaginrio arquitectnico revisitado pela AA305, desta vez segundo as
temticas do turismo e do lazer. E, de facto, nestas arquitecturas libertrias, tecnoNota editorial: Amancio Guedes, Architectures fantastiques, Op. Cit., p. 42
301 Amancio Guedes, Y aura-t-il une architecture, Idem, p. 42
302 Cf. Vitruvius Mozambicanus: as vinte e cinco arquitecturas do excelente, bizarro e extraordinrio
Amncio Guedes, Arquitectura Portuguesa, 2, Julho/Agosto 1985
303 Amancio Guedes, Y aura-t-il une architecture, Op. Cit, p. 43
304 Amancio Guedes, Ibidem.
305 Cf. Tourisme, Loisirs, LArchitecture dAujourdhui, 131, Avril-Mai 1967
300
75
76
Nota editorial, A. Alpoim Guedes, A cidade doente o caso de Loureno Marques, Binrio 82, Op.
Cit., p. 818
314 A. Alpoim Guedes, A cidade doente o caso de Loureno Marques, Idem, p.818
315 Cf. Manual alfabetizado do vogal sem mestre; A. Alpoim Guedes, A cidade doente o caso de
Loureno Marques, Idem, pp.819-820
316 Manual alfabetizado do vogal sem mestre, Idem, p.820
317 Ibidem.
318 Cf. YesHouse, Loureno Marques, 1960-1962, e a Casa das Abbadas, Joanesburgo. A referncia
a Kahn aparece explicitamente naquilo a que Pancho chama O estilo amrico-Egpcio; Cf. Vitruvius
Mozambicanus: as vinte e cinco arquitecturas do excelente, bizarro e extraordinrio Amncio Guedes, Op.
Cit, pp.36-37
319 Amancio dAlpoim Guedes, The American Egyptian Style [1964], Pancho Guedes, Op. Cit., 2007, p.34
313
77
78
79
mundo devorado.330
Pancho expe aquilo que a arquitectura moderna tinha assimilado e transformado em
coisa sua, por via do cubismo, das conquistas da arte moderna. Devolve o primitivismo
que a vanguarda moderna tinha transformado em esttica, em expresso sua. Da
o carcter abrupto, de rompimento, que toma a sua obra: daquilo que era suposto
estar amarrado e delimitado pela tica funcionalista surgem acidentes improvveis: das
empenas nascem dentes; das vigas em curva nascem vrtebras; de dentro dos edifcios
nascem outros edifcios.331
Em 1980, a Architectural Association organiza uma exposio que podemos entender
como o ponto culminar do perodo internacional de Pancho.332 Esteve previsto um
encontro do Team 10 em Portugal na Primavera de 1981 mas Bakema, considerado
a fora motora do grupo, morreu em Fevereiro desse ano. Aldo van Eyck confirma
ter recebido cartas dos Smithsons e de Pancho Guedes nesse sentido333, embora a sua
relao com o casal ingls estivesse j deteriorada, como se depreende da seguinte
afirmao: A Alison tinha decidido, no seu modo autoritrio, o que seria o tema para um
encontro em Portugal. Tinha uma ideia sobre Portugal e a arquitectura branca do Norte
de frica, uma teoria espantosa acerca da arquitectura branca do sul do mediterrneo
Jorge Figueira, A mo que embala o bero. Pancho Guedes dentro e fora do Team 10, Amncio
(Pancho) Guedes; Ricardo Jacinto, Op. Cit., 2006, p.105
331 Jorge Figueira, Idem, p. 102
332 A exposio Amancio Guedes teve lugar na Architectural Association entre Outubro e Novembro de
1980. O catlogo inclui, alm de desenhos, fotografias, pinturas, esculturas, maquetes e um edifcio, uma
conferncia que Pancho Guedes realizou no Royal Institute of British Architects a 5 de Dezembro de 1978,
An explanation of sorts. O catlogo e a exposio foram organizados pela Architectural Association, por
Alvin Boyarsky, assistido por Micki Hawkes. Cf. Amancio Guedes, London: The Architectural Association,
1980
333 A este propsito Aldo van Eyck relembra: Acho que consigo encontrar a carta que explica porque que
no vou, embora tivesse interesse em encontrar-me outra vez com Guedes, que foi sempre muito amvel,
muito simptico.; Aldo van Eyck, Everybody has his own history, Interview with Aldo van Eyck, Max
Risselada; Dirk van den Heuvel (ed.), Op. Cit., 2005, p.328
330
80
ser transportada de frica. claro que tambm h casas brancas no Norte de frica
mas o Norte de frica basicamente da cor da areia portanto eu sabia que o tema era
simplesmente absurdo.334
Um encontro informal entre os Smithsons, Jullian de la Fuente (1931) um ex-colaborador
de Le Corbusier, e Pancho acabou por ocorrer em Novembro de 1981, em Lisboa.335
81
1.3
I love the beginings: a cincia, a fico, o fim do imprio formal moderno
82
1.3.1
As disciplinas cientficas tomam a arquitectura; a recepo portuguesa
Ao longo dos anos 60, face debilitao do racionalismo enquanto cnone, a cultura
arquitectnica tenta reencontrar a cincia e a razo, perante os progressos generalizados
no quadro daquilo que Banham chama a Segunda Era da Mquina. Diramos, no
entanto, que essa procura do zeitgeist se processa em dois modos muito distintos: pelo
lado academicamente cientfico, no plano das cincias exactas e sociais; e pelo lado
de uma deriva ficcional, inspirada na fico cientfica, numa abordagem pop das
novas tecnologias. primeira abordagem correspondem os mtodos de projecto que
a Escola de Cambrige desenvolve sob a tutoria de Leslie Martin (1908-2000)336 e o
trabalho de Christopher Alexander desenvolvido em Harvard; a segunda abordagem
tem um precedente nos Metabolistas japoneses e desenvolvida e popularizada pelos
Archigram. No primeiro caso, trabalha-se com motivaes objectivas e mtodos
positivistas; no segundo caso, a cincia tida como um campo da imaginao, na
perspectiva de uma humanizao e democratizao da tecnologia que se prev
fantasticamente avassaladora. De qualquer modo, estas abordagens traduzem meios
extremados de tentar compreender e intervir numa realidade em transformao. A
revoluo tecnolgica e comunicacional profetizada e descrita por Marshall McLuhan
(1911-1980)337, estabelece um novo campo de aco; a emergncia da semitica permite
a leitura e investigao dos signos; a imagem surge como um facto em si mesmo;
vo-se criando as condies da ps-modernidade que vai assomando. Alm disso, a
canonizao da imagem coexiste com processos opostos de inviabilizao da imagem,
como claro nas experincias de auto-construo na Amrica Latina338, que so tambm
parte integrante do ethos dos anos 60.
Cf. Cf. Mrio Krger, Leslie Martin e a Escola de Cambridge, Coimbra: eIdIarq, Edies do
Departamento de Arquitectura da FCTUC, 2005
337 Cf. Marshall McLuhan, Understanding media. The Extensions of Man, Cambridge, Massachusetts: The
MIT Press, 2001, [1964]
338 Cf. Jos Antnio Bandeirinha, O Processo SAAL e a Arquitectura do 25 de Abril de 1974, Dissertao de
Doutoramento, Coimbra: FCT-UC, Dezembro 2001, pp.53-66
336
83
O que claro a recusa de manuteno de um imprio formal, seja nas suas implicaes
estilsticas, seja no plano da sua no comprovada eficcia social. Nas propostas de
Christopher Alexander, o princpio formal trocado pela anlise do processo, no
sentido de estabelecer um mtodo de projectar. Na prtica, estar antes da forma
significa confi-la depois a um determinismo cientfico; a forma como resultado de uma
equao. O fetiche plug-in dos Archigram no significa a recusa da forma mas a recusa
da forma clssica e da matriz beaux-artiano que Banham acusa o Movimento Moderno
de manter. Em ambos casos, no entanto, estas tentativas aproximam-se de uma noarquitectura, ao negarem ou secundarizarem, no primeiro caso, a componente artstica
e intuitiva do projecto e ao sabotarem, no segundo caso, os princpios de gravidade e
imobilidade, tradicionalmente acometidos arquitectura. O que podemos verificar
que, ambas as perspectivas levam o projecto de arquitectura aos seus confins, seja pela
via de uma cientificidade que se quer impor, seja na via de uma imaginao extremada,
visionria. Opostas nas suas metodologias e objectivos, acabam por se encontrar num
terreno onde a arquitectura resiste, mais do que se reinventa. Por isso, dir-se-ia, como
veremos no prximo captulo, que aquilo que Robert Venturi e Aldo Rossi significam
no final dos anos 60 um regresso arquitectura.
crtica interna ao Movimento Moderno que os ltimos CIAM e o Team 10
protagonizaram vo-se juntando crticas exteriores que visam a denncia e a superao
do esquematismo e limitaes da cidade genericamente projectada como moderna.
Esse papel atribudo, em particular, aos influentes livros de Kevin Lynch, A Imagem
da Cidade (1960) e de Jane Jacobs, The death and Life of Great American Cities,
j referido. A abordagem pela cincia apoia-se nas evidncias sociolgicas do malestar produzido pela cidade moderna, contrapondo a vitalidade da cidade existente
cidade projectada, questo j colocada por Camillo Sitte (1843-1903) no final do sculo
XIX. A demanda central de Alexander fixar cientificamente o processo natural
de construo da cidade, para depois o poder transformar em mtodo praticvel,
fundamento e norma. Do lado visionrio, as promessas futuristas do perodo herico
so entendidas como matriz para uma nova acometida, agora sustentada em avanos
tecnolgicos que se hiperbolizam de acordo com uma sensibilidade BD que toma o
mundo americanamente.
Em Portugal, razes estruturais implicam uma distncia assinalvel face matriz
mecanicista do Movimento Moderno e sua veia panfletria. O futurismo
experimentado nas letras e nas artes plsticas mas no tem parente na arquitectura.
84
Cf. Mrio Bonito, Regionalismo e tradio, Sindicato Nacional dos Arquitectos, 1 Congresso Nacional
de Arquitectura [Actas], Lisboa: SNA, 1948, pp.42-53.
340 Cf. Nuno Portas, A responsabilidade de uma novssima gerao no movimento moderno em Portugal,
Op. Cit. pp.13-14
341 Cf. Nuno Portas, 1964
339
85
86
87
artificial como uma rvore353; e afirma que preciso reconhecer hoje que algo de
essencial falta s cidade artificiais quando comparadas com as antigas cidades.354 Apoia,
por isso, os arquitectos que alarmados vinculam corajosos protestos e concepes,
na tentativa de recriar sob uma forma moderna as mltiplas caractersticas das cidades
naturais355, mas pe em causa revivalismos que tentam fixar caractersticas fsicas
e plsticas do passado em vez de se descobrir o princpio abstracto de ordenao que
as cidades antigas possuem.356 As crticas envolvem os temas do urbanismo CIAM,
numa perspectiva decorrente da cultura do Team 10357, o princpio do zoning (ser
que um edifcio de concertos tem que estar forosamente ao lado de uma pera?358)
e o conceito de campus (porqu que se traou uma linha na cidade que isola as
cidades universitrias?359). Apoiado na matemtica moderna, Alexander prope a
semi retcula em substituio da rvore (ou seja, o planeamento moderno) j que
este tipo no obstante a beleza e ordenao do esquema mental (...) no exprime de
forma adequada a estrutura real das cidades naturais.360
Ainda em 1967, a Binrio publica Padro das ruas e a sua geometria, em que Alexander
descreve um padro que se pode impor gradualmente, sem tabula rasa, visando
estabelecer uma nova geometria da rede das ruas que permite resolver problemas de
congestionamento. Assumindo o automvel as pessoas gostam de automveis e
na perspectiva de tornar o acesso a todos os pontos igualmente possvel (...) o nico
sistema de linhas para preencher um espao que livre de interseces a um nvel nico
um sistema de linhas paralelas.361
Em 1968, um artigo de Geoffrey H. Broadbent na Arquitectura faz a sntese dos
desenvolvimentos nesta rea.362 Este captulo da Arquitectura encerra-se com a
publicao, em 1969, do texto Mtodo de arquitectura de Gonalo Sousa Byrne
(1941). Fazendo o balano das questes colocadas anteriormente, Byrne descreve
a arquitectura como um lugar menos simplista que envolve a manipulao de
Cf. Christopher Alexander, Uma cidade no uma rvore. Op. Cit., p.23
354 Christopher Alexander, Ibidem.
355 Christopher Alexander, Ibidem.
356 Christopher Alexander, Ibidem.
357 Alexander participa no j mencionado encontro de Royaumont, em 1962.
358 Christopher Alexander, Uma cidade no uma rvore. Op. Cit., p.28
359 Christopher Alexander, Idem, p.27
360 Christopher Alexander, Idem, p.28
361 Christopher Alexander, O padro das ruas e a sua geometria, Binrio, 107, Agosto 1967, p.94
362 Geoffrey H. Broadbent, Mtodo de projectar em arquitectura, Arquitectura, 103, Maio-Junho 1968,
pp.129-132.
353
88
Nuno Portas
A cidade como arquitectura, 2008 [1969] (capa)
89
Cf. Aldo Rossi, Critica al funcionalismo ingenuo; LArchitettura della Citt, [1966], Milo:
CittStudiEdizioni, 1995, pp.35-39
371 Cf. Nuno Portas, Op. Cit., 2007 [1969], p.122
372 Nuno Portas, Ibidem.
373 Nuno Portas, Idem, p.31
374 Nuno Portas, Ibidem.
375 Nuno Portas, Idem, p.34
376 Nuno Portas, Idem, p.43
377 Nuno Portas, Ibidem.
378 Nuno Portas, Ibidem.
379 Nuno Portas, Idem, p.32
370
90
381Como
91
hoje clebres. Poder-se-ia porm levar mais longe este conceito de imagem atribuindolhe um significado e papel mais profundos.384 Nesse caso, a imagem poderia traduzir
mecanismos psico-sensoriais e psico-sociolgicos na relao cidade-habitante.385
The Death and Life of Great American Cities, de Jane Jacobs, faz a apologia da cidade
olhos nos olhos, perante a desintegrao do sentido tradicional de vizinhana que
os blocos e parques da cidade moderna fomentam. Na AR escreve-se em 1963 que o
livro um must para quem acredita que as consequncias urbanas desses estranhos
parceiros Ebenezer Howard e Le Corbusier so o resultado do diabo.386 A perspectiva
a do utente da cidade (como depois ser a do consumidor), denunciando, em aspectos
comuns e concretos, as diferenas vivenciais entre a cidade existente e a cidade
planeada, dedo acusatrio que depois Tom Wolfe apontar directamente aos mestres do
Movimento Moderno.387
Noutro plano, so tambm desenvolvidos, neste perodo, modelos experimentais de
participao e de edificao, no quadro dos prementes problemas de habitao que
ocorrem em pases subdesenvolvidos. As experincias de Hassan Fatty (1900-1989)
e as pesquisas de Charles Abrams (1902-1970) que Jos Antnio Bandeirinha tratou
no mbito da sua anlise do processo SAAL (Servio Ambulatrio de Apoio Local)388
implicam um reconhecimento de uma importante alterao de paradigma: a tendncia
para considerar os destinatrios da arquitectura na sua especificidade sociolgica,
quer individual, quer em grupo, tem vindo a desenvolver-se desde o ps-guerra, como
contraposio ideia moderna de homem novo, padronizado sob o ponto de vista fsico
e social.389
Mas se a crtica ao planeamento racionalista se fundamenta na necessidade de reencontrar
uma afectividade no uso da cidade, como o caso em Lynch e Jacobs, no final dos anos
60 num plano abertamente poltico e ideolgico que Henri Lefebvre (1901-1991)
92
Cf. Henri Lefebvre, The Right to the city (1968); Writings on Cities, Part II, Oxford, UK;
Massachusetts, USA: Blackwell Publishers,1999 [Primeira traduo inglesa 1996]
391 Cf. Nuno Portas, Op. Cit., 2007 [1969], p.138
392 Cf. Jos Antnio Bandeirinha, Op. Cit, 2001, pp.45-47
393 Cf. Nuno Portas, 2007 [1969], pp.138-140
390
93
1.3.2
Os Archigram e o visionarismo sem utopia: a distante aventura espacial
Peter Cook, Algumas notas sobre o sindroma Archigram, Pere Hereu; Josep Maria Montaner; Jordi
Oliveras (ed.), Op. Cit., 1999, p.354
395 Warren Chalk, Housing as a consumer product, Archigram, New York: Princeton Architectural Press,
1999 [1972], p.17
396 O sucesso da msica pop resulta, at certo ponto, da importncia da participao da audincia. (...) Os
grupos pop esto eles prprios prximos da audincia, nas roupas e hbitos, e tambm na destreza musical.
Estando a transformar-se numa vasta indstria depende da sua capacidade de aguentar o ritmo do gosto do
consumidor. Warren Chalk, Ibidem.
394
94
das pessoas (dos consumidores): o Plug-in Capsule (...) desenhado de acordo com
os requisitos do consumidor. (...) Um produto de consumo melhor (...) e diferente da
habitao tradicional, mais ligado ao desenho de carros e de frigorficos do que em
competio directa com a tradio.397
Os Archigram so um grupo de arquitectos398 cuja actividade foi marcada pela publicao
entre 1961 e 1974399 de nove revistas que propagaram o imaginrio de um mundo
efabulado atravs de uma arquitectura-tecno-pop. Trata-se, por um lado, da herana
da tradio tecnolgica inglesa que remonta s experincias da arquitectura de vidro
de Joseph Paxton (1801-1865), e por outro, experimentao pop que o Independent
Group levou a cabo nos anos 50, e a que j fizemos referncia. A tecnologia da Segunda
Era da Mquina, para citar novamente Banham, user friendly, no reveste do drama
da industrializao que inspirou Engels e o seu manifesto de 1845 (Condition of the
Working Class in England in 1844). Na verdade, comea na cozinha, viaja com o
automvel e segue para o espao.
Em 1967, Peter Cook explica que o Archigram um telegrama arquitectnico no uma
revista no sentido tradicional mas algo que podia explodir sobre os oprimidos ateliers
londrinos400, propondo uma imagem onde conflui a cultura pop com a valorizao da
tecnologia emergente: O almoo embalado e congelado mais importante que Palladio.
mais bsico, expressa uma necessidade humana e o smbolo de uma interpretao
eficiente dessa necessidade que optimiza a tecnologia e a economia disponveis.401
Apesar da aura tecnolgica, os Archigram so no entanto um grupo que funciona
artesanalmente, como conta Banham: A casa dos Cooks foi o escritrio da organizao,
durante algum tempo e, no conjunto, os trabalhos eram feitos pelas suas prprias mos,
nos tempos fora do trabalho e na privacidade das suas prprias casas, pelo puro prazer
de os fazer.402 Quanto teoria, Banham claro: os Archigram so curtos em teoria
e prdigos em desenho e craft. Esto no negcio das imagens e foram abenoados com
o poder de criar algumas das mais sedutoras imagens do nosso tempo.403
Chalk, Ibidem.
398 Peter Cook (1936); Warren Chalk (1927-1987), Dennis Crompton (1935) David Greene (1937), Ron
Herron (1937) e Michael Webb (1937).
399 Entre 1961 e 1970 foram publicados nove nmeros da revista. Em 1974 saiu o 9. Cf. Michael Webb,
Boys at Heart, Archigram, Op. Cit., p.2
400 Peter Cook, Algumas notas sobre o sndroma Archigram, Op. Cit., p.352
401 Peter Cook, Idem, p.353
402 Peter Reyner Banham, A comment from Peter Reyner Banham, Archigram, Op. Cit., p.5
403 Peter Reyner Banham, Ibidem.
397 Warren
95
Essa capacidade de criar imagens decorre da adeso cultura dos mass media, seguindo
a humanizao da tecnologia (e o seu reverso, a tecnologizao do corpo) que a BD, o
cinema, a fico cientfica, transformam em algo verosmil, popular e partilhvel.404
Se Le Corbusier desenhava o automvel como parte integrante da planta trrea da Villa
Savoye, Cook convida o carro para dentro de casa: O automvel elctrico de 2x1,30
m pode transformar-se num servio que chegue porta de uma vivenda ou de um
edifcio de 30 pisos , mas pode mesmo converter-se numa unidade da mesma casa.405
O edifcio Archigram pode metamorfosear-se numa mquina que um animal: os
elementos insuflveis e hidrulicos e os motores elctricos de baixo custo permitem
obter edifcios animais que podem crescer.406 Cook concorda com Alexander que
uma cidade no uma rvore para refutar a tradio euclidiana modernista: uma
coincidncia que a Plug-in City, os esquemas de Friedman e o desenho helicoidal japons
estejam mais relacionados com as opes que oferecem as cpsulas polivalentes e as
tramas diagonais do que com a ideia de encarcerar [estas realizaes] em caixas chatas
e definidas?407
De modo distinto, Warren Chalk coloca os Archigram no seguimento de experincias
anteriores que visaram a utilizao da tecnologia para fins arquitectnicos: claro
que a ideia de fogos construdos a partir de componentes produzidos em srie no
novo. Conhecemos os esforos de Le Corbusier em colaborao com Prouv (...), da
Casa Dymaxion de Buckminster Fuller (...), da Casa do Futuro dos Smithsons (...), dos
Metabolistas.408
Como afirma Warren Chalk: No mundo da fico cientfica procuramos informao proftica sobre redes
geodsicas, tubos pneumticos, cpulas de plstico e bolhas, Housing as a consumer product, Op. Cit.,
p.17
405 Peter Cook, Algumas notas sobre o sndroma Archigram, Op. Cit., p.354
406 Peter Cook, Idem, p.355
407 Peter Cook, Ibidem.
408 Warren Chalk, Housing as a consumer product, Op. Cit., p.17
404
96
Os arquitectos que participaram na publicao foram Kiyonari Kikutake, Funihiko Maki, Masato Otaka,
Kurokawa, Kiyoshi Awazu. Cf. Kisho Kurokawa, Metabolism in architecture, London: Studio Vista, 1977,
p.27
410 Kisho Kurokawa, Ibidem.
411 Kisho Kurokawa, Ibidem.
412 Cf. Reyner Banham, Megaestruturasm, Futuro urbano del passado recente, Barcelona: Editorial Gustavo
Gili, 2001 [1976]
413 Cf. Arata Isozaki, Projet pour une Ville Spatiale, Japon, L Architecture dAujourdhui, 117, Novembre
1964/Janvier 1965, p. XXV
414 A.P., Architecture-Fiction ou anti-architecture?, L Architecture dAujourdhui, 117, Novembre 1964/
Janvier 1965, p. XLIII
415 A.P., Ibidem.
416 Cf. The Metabolists of Japan, Architectural Design, 10, October 1964, pp. 510-524. Neste dossier
apresentando o trabalho de (Kisho) Noriaki Kurokawa, Akui and Nozawa, Kikutake, Maki e Ohtaka,
Kawazoe, Kenzo Tange e Arata Isozaki.
409
97
98
2000+
Architectural Design, 2, 1967 (capa)
99
100
Archigram
Arquitectura, 99, 1967 (capa)
problemas.432 Entre 1967 e 1968, j com Nuno Portas menos presente, a Arquitectura
vai dando sinal da febre futurista na seco Arquitectura no Mundo: Uma casa
Pneumtica (Domus, 457); O Centro de Comunicaes de Yamanashi e o Bairro se
Tsukiji, Dois projectos de Tange; Pavilho itinerante433; Ainda Tange434; Lirismo
e formalismo de Hans Hollein, um pequeno artigo que remete j para elementos que
definiro a discusso no final dos anos 70.435
Esta curva de entusiasmo tecno-visionrio comea a esmorecer no incio da nova
dcada e a Arquitectura reflecte isso. Em O futuro da arquitectura, Dennis Sharp
coloca questes numa perspectiva culturalista, reflectindo preocupaes ecolgicas e
criticando o remanescente interesse pela mquina e pela esttica futurista: No tem
qualquer interesse para o homem (...) a insistncia em concepes baseadas nas fantasias
tecnolgicas das viagens espaciais. (...) Os planos a longo prazo so um fracasso
absoluto.436 No mesmo sentido, a Binrio publica um artigo de Geoffrey Broadbent,
A arquitectura no futuro, que pe tambm em causa as arquitecturas visionrias
apontando o irrealismo das suas propostas: olhando para os complexos mecanismos
de que dispe a tecnologia (...) espera-se que um dia os edifcios apresentem a mesma
complexidade. Mas na maior parte da superfcie da Terra as condies no so afinal
F. G. Quintana, Ibidem.
433 Arquitectura no Mundo, Arquitectura, 100, Novembro-Dezembro 1967 pp.228-230
434 Arquitectura no mundo, Arquitectura, 103, Maio-Junho 1968, p.92
435 O movimento austraco (...) tem sido objecto de numerosos ataques, sobretudo pelo seu fundamento
terico e pela ambiguidade das suas propostas. Mas o lirismo que pe nas suas formas geomtricas,
emblemticas at, traduzem uma notvel capacidade de imaginao e uma fora expressiva que atesta
os aspectos formais mais imediatos do nosso tempo.; Cf. Lirismo e formalismo de Hans Hollein,
Arquitectura, 103, Op.Cit., p. 93
436 Dennis Sharp, O futuro da arquitectura, Arquitectura, 114, Maro-Abril 1970, p.63. Sharp estabelece
um fio condutor na relao com a esttica da mquina entre o brutalismo e os futuristas dos anos 60: Ao
contrrio da fase Alloway/Paolozzi/Smithsons/Banham, os novos grupos (em especial, Archigram) no esto
interessados em procurar sentidos literrios em objectos inanimados, nem com noes de espao e o traado
dos edifcios; continua a existir porm, o interesse pela mquina esttica futurista.; Ibidem.
432
101
Arquitectura no Mundo
Arquitectura, 100, 1967 p.228
102
uma liberdade mais ampla do que a da escolha de um alvolo para cada clula.441
Defendendo, nesse sentido, a reinveno das tipologias tradicionais, num psmodernismo avant la lettre: h um grande esforo a realizar para se encontrarem os
meios de construir o correspondente espacial das ruas, das praas e, enfim, dos diversos
espaos vazios documentados pelas nossas cidades antigas.442 Luiz Cunha introduz j
aqui a mudana notria de discurso arquitectnico que ocorrer alguns anos mais tarde,
em favor de um senso comum de feio anti-vanguardista: Embora os grupos sociais
que aspiram mobilidade (...) tendam a aumentar, eles nunca deixaro de ser uma
minoria. (...) A maior parte da populao procurar criar uma certa estabilidade social
em relao com espaos definidos e caractersticos.443
Como j sinalizamos, em A Cidade como Arquitectura, Nuno Portas critica o
visionarismo tecnolgico dos Archigram ao Metabolismo, sublinhando substantivas
diferenas polticas face s propostas do Movimento Moderno: estas denotavam
uma vontade duramente experienciada de vida colectiva (e no numa imagerie de
vanguarda).444 A formulao da utopia na arquitectura moderna decorria de um projecto
de transformao da sociedade que aqui no ocorre: os visionrios so mais contra
o processo de edificao convencional (...) do que contra a tendncia dominante do
establishment, limitando-se a hiperbolizar tendncias descortinveis nas sociedades
de abundncia e a estabelecer hipteses sobre necessidades, levando naturalmente ao
domnio mtico algumas delas, nomeadamente as que conotam mudana e mobilidade.445
Portas percebe que depois da crtica ao racionalismo ter posto em causa o formalismo
da arquitectura moderna, agora o que est em questo a sua matriz tica: nem
sombra, portanto, de contestao ou tenso moral versus o homem unidimensional
ou a sociedade burocrtica de consumo dirigido446, restando apenas um importante
e contnuo experiencialismo tecnolgico formal no grupo de aco britnico ou as
desencantadas esculturas maquinistas de Hans Hollein.447
Fazendo referncia a Banham que tinha antecipado (...) processos de controle
103
104
1.3.3
Disseminao de abordagens na viragem para os anos 70
105
106
Ral Hestnes Ferreira, Projectos-Projects 1959-2002, Lisboa: Edies Asa, 2002, p.281
460 Cf. Louis Kahn, Amo los Inicios, Christian Norberg-Schulz, Op. Cit., 1990 [1981], p.113
461 Cf. Ral Hestnes Ferreira, Casa em Albarraque. Arquitectura, 92, Maro-Abril 1966, pp.73-76
462 Onde trabalhou no atelier de Bacckmann.
463 Ral Hestnes Ferreira, Entrevista, Arquitectura, 127-128, Abril-Junho 1973, p.3
464 Ral Hestnes Ferreira, Ibidem.
459
107
Luiz Cunha
Arquitectura, 124, 1972 (capa)
108
109
110
Lembro-me da grande emoo que senti, como muitos outros, quando o Cinema Batalha, o projecto de
Palcio de Cristal de Artur Andrade, e os trabalhos de Armnio Losa, Viana de Lima, Fernando Tvora e
outros. Para ns foi uma autntica revelao.; Francisco Conceio Silva, Entrevista, Arquitectura, 120,
Maro-Abril 1971, p.43
475 Francisco Conceio Silva, Ibidem.
476 Francisco Conceio Silva, Idem, p.45
477 Francisco Conceio Silva, Ibidem.
478 Conceio Silva, Hotel do Mar, Arquitectura, 80, Dezembro 1963, pp.22-27. Segundo Goulart
Medeiros, o Hotel do Mar consegue confundir o gosto burgus e consegue fazer-se aceitar (...) como
consequncia da maneira clara e directa como o arquitecto estudou a integrao do edifcio. Goulart
Medeiros, Comentrio por Goulart Medeiros, Arquitectura, 80, p 24. Cf. ainda Binrio, 66, Maro 1964,
pp.155-162
479 Sergio Fernandez, Op. Cit., 1988, p.173
480 Decorao de trs lojas em Lisboa, Arquitectura, 92, Maro-Abril 1966, pp.83-87
111
pode ser uma simples forma de afirmao de conceitos estticos abstractos.481 Carlos
Duarte aborda o gosto do momento e as leis do mercado como elementos que se
impem na reflexo arquitectnica: um gosto feito, entre outras coisas, de entusiasmos
e adeses pelo vesturio, pela msica pop, pelos ltimos modelos de automveis, pelos
posters e por mil e uma coisas (incluindo as correntes experimentais na literatura, no
cinema e nas artes plsticas) tudo matrias fteis (evidentemente) que no merecem
o favor das pessoas srias.482 E, de facto, Carlos Duarte esboa j nesse artigo um
programa de contestao ao minimalismo como estratgia moderna, que decorre de
Venturi, mas ser retomado repetidamente uma dcada mais tarde, como consagrao
da condio ps-moderna na arquitectura: Com ou sem o seu favor, o design
liberta-se aos poucos das tcnicas de rarefaco, das tutelas dos Mies, de Eames e dos
escandinavos e surge-nos agora como um espectculo, uma festa alegre, colorida, cheia
de calor e imaginao, fantasia e juventude. (less is more? less is less!). Com
grande escndalo dos ltimos puritanos, multiplica-se em descobertas e redescobertas
(do fin de sicle) e no despreza tambm as ninharias que constituem j hoje uma
tradio do folclore urbano.483
Em 1969, a Arquitectura publica o Hotel Balaia484 e ainda as Moradias da Balaia
e a Loja de Discos Valentim de Carvalho, que sero analisadas no terceiro captulo.
Toms Taveira, na linha de Conceio Silva, sai em defesa do profissionalismo e da
defesa da grande empresa face a uma profisso que assenta numa viso anrquicoindividualista.485 Assume ainda, a propsito do ptio interior das salas do Hotel, uma
ruptura face s imposies funcionalistas que estende arquitectura orgnica: se
considerarmos normas e clichs distribudos pelos corifus da arquitectura orgnica,
este espao completamente gratuito, ambguo e ocioso, por no ter nenhuma funo
especfica que o justifique.486 Carlos Duarte assinala a evidente intencionalidade
do edifcio, dizendo tratar-se de um tipo de interveno profissional que nem todos
compartilharo (...) mas bem significativo do momento cultural.487 Desde logo, porque
481 Carlos Duarte, Design, Ambiente e moda a propsito de duas obras de Conceio Silva, Arquitectura,
100, Novembro-Dezembro1967, p.262
482 Carlos Duarte, Idem, p.263
483 Segundo Carlos Duarte, Conceio Silva nestas obras abandona um design de rigor moderno (...) para
aceitar as sugestes de Kings Road e de Saint Germain.; Ibidem.
484 Hotel da Balaia. Atelier Conceio Silva Maurcio Vasconcellos, Arquitectura, 108, Maro-Abril
1969, pp.52-65
485 Tomas Taveira, Hotel da Balaia, Praia Maria Lusa, Algarve, Arquitectura, 108, Maro-Abril 1969, p.53
486 Tomas Taveira, Idem, p.55
487 Carlos Duarte, Hotel da Balaia, Comentrio de Carlos S. Duarte, Arquitectura, 108, Maro-Abril 1969,
112
p.69
488 Carlos Duarte, Ibidem.
489 Carlos Duarte, Ibidem.
490 Alguns trabalhos do atelier Conceio Silva, Arquitectura, 127-128, Abril-Junho 1973, pp.32-43. Este
dossier foi tambm publicado em separata e inclui as seguintes obras: Edifcio Castil, Torres de Alfragide,
Apartamentos da Balaia e Apartamento Porto de Abrigo em Sesimbra.
491 Procurou-se uma articulao aberta e directa com o exterior, facilitando a sua viso e utilizao e
permitindo uma animao e vibrao pouco usuais.; Edifcio comercial em Lisboa, Binrio, 171,
Dezembro 1972, p.523
492 O desenvolvimento turstico da pennsula de Tria, Tria, Binrio, 177-178, Junho/Julho 1973, p.
234
113
494
114
115
116
Captulo II
A emergncia do ps-modernismo.
O debate internacional
2.1
Formas e linguagens de prazer na Europa/Amrica
118
2.1.1
Robert Venturi e Denise Scott Brown: a introduo do feio e do vulgar
Fazia parte de um grupo de estudantes da AA que pensava na arquitectura da mesma forma que Peter e
Alison Smithson, mas no nos sentamos influenciados por eles. Denise Scott Brown, Robert Venturi and
Denise Scott Brown. Interview with Robert Maxwell, AD, Pop Architecture. A sophisticated interpretation
of popular culture? 1992, p.8
Denise Scott Brown, Ibidem.
Denise Scott Brown, Ibidem.
Stanislaus von Moos, Part I: The Challenge of the status quo. 5 Points on the architecture of VRSB,
Venturi, Rauch & Scott Brown, Buildings and Projects, New York: Rizzoli, 1987, p.62
119
Robert Venturi
Complexity and Contradiction in Architecture, 1966 (capa)
que os Venturis fariam mais tarde em Learning from Las Vegas, tinha j algumas razes
europeias. S que Venturi e Scott Brown desenvolvem uma apologia do feio e do
vulgar fora da intencionalidade tica da cultura do brutalismo. A tenso que existia
nos Smithsons entre a tradio racionalista e a apologia do quotidiano dissipa-se. H um
rompimento do vnculo ideolgico com o Movimento Moderno; a reiterada constatao
da sua apropriao pelas grandes corporaes, as leituras sociolgicas de Jane Jacobs
e Herbert Gans, e a abertura potica de Louis Kahn, com quem Venturi colaborou,
assim o determinam. O discurso venturiano livre de uma obrigao programtica
que ainda se faz sentir nos Smithsons. Embora haja semelhanas metodolgicas nas
suas dmarches: ambos pretendem despertar os olhos que no vem, em referncia
corbusiana, ao encontro de uma realidade que decorre daquilo que se procura ver.10
Stanislaus von Moos, Idem, p.63
Como diz Denise Scott Brown: A arquitectura da Bauhaus, o simbolo da esquerda europeia, foi tomado na
Amrica (...) e transformou-se na escolha arquitectnica das corporaes. (...) A ideia de total design passa do
Ford Foundation Building para a Estao de Gasolina Mobil. Citada por Jean-Louis Sarbib in Complexit
et contradiction dune architecture pluraliste, LArchitecture dAujourdhui, 197, Junho 1978, p.4
Em 1974, Gans publica uma anlise das relaes entre a alta cultura e a baixa cultura no contexto
americano, enquanto apologia da cultura popular. Cf. Herbert J. Gans, Popular Culture and High Culture. An
Analysis and Evaluation of Taste, New York: Basic Books, Inc., Publishers, 1974
A esse propsito cf. Venturi: Os modernistas de ltima hora no percebem o paralelo irnico entre o
escndalo que para eles significa o vernculo comercial e o escndalo que para os seus predecessores das
Beaux-Arts significava a relao estabelecida com o vernculo industrial como uma fonte para as belas
artes. Robert Venturi, A definition of architecture as shelter with decoration on it, and another plea for a
symbolism of the ordinary in architecture, L Architecture dAujourdhui, 197, Junho 1978, p.15
Afirma Denise Scott Brown: A nossa perspectiva da cultura popular derivava de preocupaes sociais
e estudos sociolgicos assim como dos olhos que no vem de Le Corbusier. Corbu falava da arquitectura
industrial, ns falvamos da arquitectura comercial no mesmo registo. Mas, como ele, olhmos para a cultura
Pop para refrescar os nossos olhos, para estabelecer uma nova esttica. Denise Scott Brown, Robert Venturi
and Denise Scott Brown. Interview with Robert Maxwell, Op. Cit., p.8
10 Stanislaus von Moos enquadra a perspectiva de Venturi em Complexity and Contradiction in Architecture,
num quadro mais vasto onde salienta a teoria da percepo, e numa prtica da histria de arte cujo interesse
estava essencialmente nos problemas da forma, por referncia a Adolf von Hildebrandt e depois Heinrich
Wlfflin; a teoria das formas primrias, central no pensamento de Le Corbusier, nos anos 20; e as
teorias de Giedion, com raiz nas tentativas de Wlfflin e Brinckmann de explicar a arquitectura Barroca
120
A parcimnia inicial dos Smithsons face histria, ainda na esteia dos pressupostos
de Gropius, desaparece em Venturi. Sem qualquer tipo de inrcia, a histria surge em
Complexity and Contradiction in Architecture (1966) como um livro aberto. Aquilo que
nos Smithsons ainda tentativo, difuso ou transitrio, entra aqui de rompante. Podemos
ver, em ltima anlise, o trabalho dos Smithsons como o frgil elo de ligao entre a
tradio do Movimento Moderno e as propostas venturianas. Venturi aplica a regra
do consumo histria, algo que seria impensvel anteriormente: uma disponibilidade
e uma praticabilidade de supermercado. Sem a angstia da circunstncia ou o peso
da ideologia. Todo o tempo antigo e futurante assim que Venturi l a histria,
americanamente. por isso que o salto seguinte para Las Vegas possvel: Learning
from Las Vegas (1972) acrescenta disponibilidade face histria (de Complexity) a
disponibilidade face ao presente. Operando primeiro no campo erudito (Complexity) e
depois no plano da cultura comercial (Learning), Venturi esbate as diferenas, est em
todo o lado.
A questo que quando o objecto de estudo muda da indstria para o comrcio
tambm um paradigma poltico que se altera, algo a que Venturi no parece atribuir
demasiada importncia: esquecemo-nos de como o simbolismo da arquitectura
moderna baseado nas formas industriais, seno mesmo no processo industrial, e de
como isso obsoleto. Toda a gente sabe que a Revoluo Industrial morreu. (...)
tempo dos arquitectos se conectarem com uma nova revoluo, talvez a electrnica?
O strip comercial (...) que envolve representao, simbolismo e significado (...) to
relevante para ns hoje como eram as fbricas (...) algumas geraes atrs.11
do sculo XVII e XVIII. Nesse sentido, Complexity... no uma ruptura com a tradio do Modernismo.
Pelo contrrio, surge como uma especfica obsesso de aprender com experincias histricas luz de temas
estticos relevantes. Stanislaus von Moos, Venturi, Rauch & Scott Brown, Buildings and Projects, 1987,
p.15
11 Robert Venturi, A definition of architecture as shelter with decoration on it, and another plea for a
symbolism of the ordinary in architecture, Op. Cit., p.16
121
122
123
124
relata o percurso que levou publicao de Complexity: em 1954 (...) fui para a Academia
Americana em Roma por dois anos. Quando regressei trabalhei com Louis Kahn e ensinei na Universidade da
Pensilvania como seu assistente. Mais tarde, provavelmente em 61, Holmes Perkins, o reitor da Architecture
School of Penn, convidou-me para dar um curso em teoria da arquitectura. De certa forma, esse curso foi
uma preparao para o Complexity... Denise ajudou-me no curso e as notas evoluram para o livro. Termineio em 64 e foi publicado em 66. Entre imagination sociale et archittecture [Entrevista com Robert Venturi e
Denise Scott Brown]. LArchitecture dAujourdhui, 273, Fevereiro 1991, p.98
25 Cf. Robert Venturi, Complexity and Contradiction in Architecture, Museum of Modern Art, New York
[1966], [2 Edio, 1977], 1998, p.16
26 Robert Venturi, Ibidem.
27 Alan Colquhoun, Robert Venturi, Architectural Design, 8, Volume XXXVII, August 1967, p.362
28 Alan Colquhoun, Ibidem.
29 Teria sido til se Venturi tivesse feito a distino entre os vrios tipos de ambiguidade que so inerentes
(...) e os que variam de acordo com condies histricas (...). Mas isso teria obrigado a olhar para a histria
de arquitectura, e a no tratar a histria como uma mera reserva de exemplos. (...) [Venturi ignora a distino]
entre as complexidades que so intencionais e as que decorrem por acrscimo do tempo. Alan Colquhoun,
Sign and Substance: Reflections on Complexity, Las Vegas, and Oberlin, AAVV, Oppositions Reader, Op.
Cit., 1998, p.177
30 Stanislaus von Moos, Op. Cit., 1987, p.13
24 Venturi
125
126
Falke Streamline Baby (1965). A comparao entre Versalhes e Las Vegas, as duas nicas
cidades uniformes na histria ocidental36 permite propor uma mudana de paradigma:
da proeminncia do gosto intelectual (Versalhes) para o gosto democrtico (Las
Vegas); de uma forma predeterminada para uma forma orgnica e permissiva como
reflexo de uma nova classe com poder de compra. Na introduo do livro, Wolfe faz
uma apologia de um gosto espontneo face s imposies acadmicas: Free Form!
Marvellous! No hung-up old history words for these guys. America first unconscious
avant-garde! The hell with Mondrian. () Artists of the new age, sculptors of the new
style and new money of the Yah! Lower orders.37 Nesse artigo premonitrio, Banham
escreve que Las Vegas agora uma paragem obrigatria nas viagens dos cursos de
arquitectura da Inglaterra na Amrica38, o que permite constatar um interesse transatlntico que antecede a chegada dos Venturis.
Learning from Las Vegas resulta de um desafio de Denise Scott Brown a Robert
Venturi39, de acordo com uma gnese documentada.40 A componente fundamentalmente
instrumental e pedaggica da jornada sublinhada pelos autores: acreditamos que
uma documentao cuidada e anlise da forma fsica [do strip comercial] hoje to
citado por Reyner Banham, in Towards a million-volt light and sound culture, Op. Cit., p.331
37 Tom Wolfe citado por Reyner Banham, Idem, p.335
38 Reyner Banham, Idem, p.331
39 Denise Scott Brown afirma: Concordei sempre com os modernistas e com os brutalistas que sentiam
que o arrepio de se olhar para uma coisa feia pode ser artisticamente importante. Permite sair da rotina
esttica. Refresca os olhos. (...) A frescura desse arrepio foi o que eu senti quando pela primeira vez vi Las
Vegas. (...) por isso que convidei Bob [Venturi] a visitar Las Vegas comigo. Entre imagination sociale et
archittecture [Entrevista com Robert Venturi e Denise Scott Brown]. Op. Cit., p.101
40 Passamos trs semanas na biblioteca, quatro dias em Los Angeles, e dez dias em Las Vegas. Regressamos
a Yale e gastamos dez semanas a analisar e a apresentar as nossas descobertas. Antes disso, os autores tinham
visitado Las Vegas vrias vezes e escrito A Significance for A&P Parking Lots or Learning From Las Vegas
(Architectural Forum, Maro 1968); isto foi a base do programa de investigao que esboamos no vero
de 1968. Robert Venturi, Denise Scott Brown, Steven Izenour, Learning from Las Vegas, Preface to the
first edition. Revised Edition, Cambridge, London: The MIT Press, 1998 [1972], p.xi. Cf. ainda Jean-Louis
Cohen, Saper Vedere Las Vegas, Op. Cit., pp.96-108
36 Tom Wolfe
127
Robert Venturi, Denise Scott Brown, Steven Izenour. Preface to the first edition, 1972, p.xi
42 Robert Venturi, Denise Scott Brown, Steven Izenour. Ibidem.
43 A qualidade peculiar (...) que existe no sprawl urbano comercial (...) o simbolismo. Aprendemos que se
ignoramos os signos como poluio visual estamos perdidos. Se procuramos o espao entre os edifcios
em Las Vegas estamos perdidos. (...) Como arquitectura o sprawl urbano um falhano; como espao, no
nada. S quando vemos os edifcios como smbolos no espao, e no como formas no espao, que a
paisagem ganha qualidade e significado. E a noite, quando s se v os anncios e no os edifcios, vemos
o strip em estado puro. Robert Venturi, A definition of architecture as shelter with decoration on it, and
another plea for a symbolism of the ordinary in architecture, Op.Cit., p.11
44 Denise Scott Brown, Aprendiendo del pop, Op. Cit., p.18
45 A teoria a do decorated shed, segundo o qual o arquitecto deve abjurar as qualidades arquitectnicas
do espao e estrutura e concentrar-se no contedo simblico. Alan Colquhoun, Sign and Substance:
Reflections on Complexity, Las Vegas, and Oberlin, AAVV, 1998, p.179
46 Em Learning from Las Vegas, o populismo, que era um subtexto em Complexity, transforma-se no tema
principal. (...) [Denise Scott Brown defende que] o papel do arquitecto compreender e interpretar os desejos
do cliente. Nesta perspectiva, a via para uma arquitectura significante est na concretizao dos valores
interiorizados dos utentes. Alan Colquhoun, Idem, pp.178-179
41
128
129
street est quase bem acrescentamos porque os arquitectos modernos (...) no lhe
puseram a mo. As pessoas deixadas a si mesmo esse o argumento fazem melhor
(...) do que quando se entregam aos profetas imperiais da arquitectura.52
Learning tem a matriz de uma operao pop, transforma Las Vegas em Pop Art, por
um mecanismo de deslocao do banal para um plano erudito. Venturi assume
a influncia dos artistas Pop: abriram-nos os olhos e as mentes ao mostrarem-nos
outra vez os valores da representao em pintura e levando-nos associao como um
elemento da arquitectura. Mostraram-nos tambm o valor dos elementos convencionais
e familiares ao justaporem-nos em novos contextos e diferentes escalas criando assim
novos significados.53 A ambivalncia dos objectivos tambm partilhada: estes
artistas tinham, compreendemos mais tarde, uma posio irnica na sua relao de amordio com os seus objectos vulgares que paralela nossa em relao arquitectura
comercial vulgar: permitiram que olhar para Las Vegas fosse um pouco mais fcil,
mesmo se continuava a ser difcil.54
A metodologia seguida em Complexity e, particularmente, em Learning, decorre ento
dessa disponibilidade para a apropriao de objectos populares. Venturi d exemplos de
expresses da alta cultura inspiradas em formas populares, citando Beethoven, Verdi
e Mies van der Rohe.55 Particularmente acutilante e irnica a analogia entre o projecto
do Palcio dos Sovietes (Le Corbusier, 1931) e a imagem da McDonalds: a evoluo
iconogrfica dos arcos da McDonalds complexa. Na sua verso original deriva talvez
do projecto de Le Corbusier para o Palcio dos Sovietes dos anos 20.56
A teoria do inclusivismo57 exposta em Complexity mesmo se algo contraditada pela
dicotomia decorated shed vs duck, que tende a funcionar numa lgica de excluso58
52 Lance Wright, Robert Venturi and the anti-architecture, The Architectural Review, Volume CLIII, 914,
April 1973, p.262. O artigo acusa Venturi de propor uma filosofia laissez faire (p.263) e de propor para a
raa humana uma espcie de permanente existncia num night club (p.264)
53 Robert Venturi, A definition of architecture as shelter with decoration on it, and another plea for a
symbolism of the ordinary in architecture, Op. Cit., p.12
54 Robert Venturi, Ibidem.
55 Venturi afirma a esse propsito que a arquitectura moderna procurou inspirao no vernculo industrial
para as suas formas e refere o exemplo de Mies van der Rohe: o trabalho de Mies depois de vir para
os Estados Unidos uma ainda maior adaptao do vernculo industrial do que nos casos de Gropius ou
Le Corbusier e as suas ordens quase clssicas derivando do perfil de ao I de um certo tipo de fbricas
americanas eram executadas (...) para simbolizar o processo industrial e um aordem pura. Robert Venturi,
Idem, p.15
56 Robert Venturi, Ibidem.
57 Cf. Robert Venturi, Op. Cit., [1966], [2 Edio, 1977], 1998. Inclusivismo nos termos de Venturi
significa a unidade difcil de incluso em vez da unidade fcil da excluso. p.16
58 Cf. Fred Koetter, On Robert Venturi, Denise Scott Brown and Steve Izenours Learning from Las Vegas,
130
131
Robert Venturi and Denise Scott Brown. Interview with Robert Maxwell, Op. Cit., p.12
64 Entre imagination sociale et architecture [Entrevista com Robert Venturi e Denise Scott Brown], Op.
Cit., p.103
63
132
2.1.2
Aldo Rossi: do tipo para a imagem
Do seio da crise da arquitectura moderna, Aldo Rossi faz uma significativa passagem da
cultura racionalista para a cultura ps-moderna da imagem. Partindo da convocao
explcita da arquitectura visionria do Iluminismo, Rossi vai evoluir para o visionarismo
sem ideologia da arquitectura ps-modernista. As suas premissas so muito distintas
das de Venturi embora ambos tenham motivaes pedaggicas, o que, no caso de
Rossi, serve para alimentar uma ambio cientfica. Mas encontram-se em destinos
semelhantes: na admisso do potencial iconogrfico ou monumental da arquitectura; na
metodologia da citao e da collage e na adopo de um historicismo em fruio livre.
Em qualquer dos casos, samos das propostas metodolgicas e fices cientficas
que prevalecem na segunda metade da dcada de 60 para um regresso arquitectura
como disciplina em processo de ligao com a histria dos maneirismos no caso
de Venturi; do racionalismo no caso de Rossi. Nestas abordagens residem formas de
apaziguamento prtico da arquitectura com a sua histria, que surge como algo para ser
aprendido, um conjunto de referncias manuseveis. Se a abordagem de Venturi se faz
no seio da cultura americana sob a influncia do mundo mediterrnico que Kahn tinha
revisitado, Rossi emerge do grupo que marcou a discusso nos anos 50, em Itlia, como
vimos no captulo anterior. Onde Louis Kahn diz amo os incios, Rossi poderia ter
dito amo os fins.
Aldo Rossi faz parte do grupo de arquitectos que colabora com Ernesto Rogers na
Casabella-Continuit, de que editor entre 1961 e 1964. O seu entendimento do processo
de continuidade vai evoluir no sentido de uma posio extremada e potica. Rossi est
em ruptura com o postulado orgnico de Zevi65 e avana para l do discurso culturalista
Como escreve Rafael Moneo: Sensvel s primeiras crticas formuladas contra o Movimento Moderno,
Rossi reagiu com particular intensidade aos historiadores que decretavam ainda a sua vitalidade. Entre
estes estava Zevi (...). Rossi colocou-se na oposio. No estava interessado em ligar a arquitectura com as
artes mais avanadas como procurava para a arquitectura uma base prpria. Rafael Moneo, Aldo Rossi,
Theoretical Anxiety and Design Strategies in the Work of Eight Contemporary Architects, Cambridge,
Massachussetts, London, England: The MIT Press; Barcelona, Spain: Actar, 2004, pp.102-103
65
133
Aldo Rossi: The Idea of Architecture and the Modena Cemitery, Rafael Moneo
AAVV
Oppositions Reader, 1998, p.106
de Rogers. No decorrer dos anos 60, assume a necessidade de clarificar uma teoria,
de superar a crise e encontrar uma transmissibilidade para o projecto.66 De facto,
prope-se levar a cabo uma autntica refundao disciplinar: quer passar do mtodo
que Rogers herda de Gropius como manifesto modernista para uma lgica de estilo,
fundada numa assumida tendncia. Ao contrrio de Rogers, Rossi no se coloca num
plano de reviso e de apaziguamento mas, pelo contrrio, de evocao revolucionria,
herica. Se Venturi prefigura um arquitecto anti-herico, pragmtico, com senso
comum, Rossi cria um arquitecto super-herico, poeta e cientista, embora melanclico
com o peso da racionalidade a vibrar em todos os sentidos. Venturi est centrado na
pequena histria, na experincia comum, na realidade. Rossi est interessado na
grande histria (do Iluminismo, em particular), e o seu realismo corresponde a uma
realidade postulada, a aspirao de um desejo colectivo; imaginao mais do que
observao que alimenta o realismo americano.67 Como escreve Rafael Moneo, no
artigo que primeiro deu a conhecer Rossi na Amrica, a referncia ao surrealismo,
a certas perspectivas metafsicas e a um certo Renascimento (...) afasta-o do real,
entendido como ocorrncia quotidiana.68
Como afirma Franco Stella citando Aldo Rossi, a actividade crtica surge como necessria para sair
da situao catastrfica em que se encontrava a arquitectura nos anos 60. Segundo Stella, s evases
utpicas, s arquitecturas superficialmente mimticas do antigo, s solues tecnolgicas sem histria, Rossi
contrapunha a meditao sobre as componentes civis da arquitectura porque s quando a arquitectura se
realiza como um monumento que cria um lugar. Franco Stella, La ricerca dei luoghi perduti, Salvatore
Farinato (org.), Per Aldo Rossi, Veneza: Marsilio, 1998, p.48
67 Como escreve Stanislaus von Moos, os racionalistas [da Europa] ao contrrio dos pragmatistas
americanos parecem considerar a realidade no como algo que deve ser encontrado mas como algo que
deve postulado. No se trata portanto de observao sociolgica ou antropolgica mas mais da fico de um
desejo colectivo cobrindo largos perodos de tempo que serve a Giorgio Grassi, por exemplo, como eixo do
realismo arquitectnico. Aldo Rossi (...) decide por ele prprio qual a arquitectura que suficientemente
real para ser evocada como referncia histrica nos seus projectos. (...) Nada parece ser menos relevante ()
que as imagens e smbolos que correspondem experincia quotidiana actual dos trabalhadores italianos. (...)
Por outras palavras, os arquitectos europeus definem realismo em termos de idealismo humanista. Stanislaus
von Moos, Op. Cit., 1987, p.61
68 Rafael Moneo, Aldo Rossi: The Idea of Architecture and the Modena Cemitery [1976], AAVV,
66
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135
136
137
138
139
Cf. Guido Canella, Sul gusto del giovane Aldo, Salvatore Farinato (org.), Op. Cit., 1998, pp.23-24
99 Rafael Moneo. Aldo Rossi: The Idea of Architecture and the Modena Cemitery [1976], AAVV,
Oppositions Reader, Op. Cit.,1998, p.122
100 Como escreve Daniele Vitale: se a Arquitectura da cidade era uma tentativa juvenil de montar um
sistema e um tratado, a Autobiografia a descoberta que a dimenso colectiva da arquitectura inseparvel
do carcter individual dos acontecimentos, e que a sua legtima aspirao ordem e regra se transforma
no real numa construo diversa e fragmentria. Daniele Vitale, Biografia, Posocco, Pisana; Radicchio,
Gemma; Rakowitz, Gundula (ed.), Op. Cit., 2002, p.152
98
140
a imaginao.101 Esquecer a arquitectura significa silenciar a arquitectura, tornala interior e consabida, ao ponto da anulao. Se A Arquitectura da Cidade uma
tentativa de assegurar um sistema, Autobiografia Cientfica conclui pelo fragmento,
pela disperso. A evocao petica impe-se possibilidade normativa. A memria
capta imagens e no tipos, dir-se-ia.102 Dos anos 60 para os 80 ou quando, como
diz Paolo Portoghesi, Rossi transita da arquitectura da razo para uma realidade
visionria103, entramos no territrio da ps-modernidade. Do neo-racionalismo
sobrevive essencialmente uma potica, a iconografia, as formas. disso de que Rossi
se d conta na viagem Amrica em 1976104, apontada por Moneo como um ponto de
viragem: constituiu uma ruptura na estrada para Damasco porque de certa forma lhe
tirou o zelo cientfico e levou-o a perceber que s se podia trabalhar com imagens.105
Diramos que se tratou de uma troca do tempo longo que a definio tipolgica traduz
(Europa), pelo tempo curto que a imagem representa (Amrica). A Amrica, segundo
Moneo, fez Rossi perceber que a sua arquitectura consistia, antes de tudo, nos seus
desenhos, que eram os seus desenhos o que melhor expressava os seus sentimentos
141
(...), o seu principal legado. (...) [Rossi] dizia adeus ao mecanismo idealista que tinha
avanado no seu livro do tipo para a forma urbana para o territrio (...) que tinha
guiado obras como o Gallaratese (...). O que sobrava era a iconografia.106
Ainda em 1976, Rossi apresenta na Bienal de Veneza um painel sobre a Cidade
Anloga107, metfora grfica108 que representa uma sntese da sua investigao e potica.
O texto que enquadra o trabalho tambm um comentrio situao da poltica urbana
em Itlia, e um apelo a uma abordagem mais civil109: a resposta contida no tema da
Cidade Anloga (...) a da relao entre a realidade e imaginao110; E eu creio na
capacidade da imaginao como coisa concreta.111A Cidade Anloga significa a ideia
de um projecto feito por acentuao dos smbolos da cidade existente, manipulados,
acentuados, repercutidos: Cada um pode reencontrar-se em elementos fixos e racionais,
na prpria histria, e acentuar os carcteres particulares de um lugar, de uma paisagem,
de um momento.112 O painel da Cidade Anloga integra objectos e smbolos para
demonstrar que o planeamento deve ter uma dimenso memorial, e no apenas fsica:
Atravs de uma montagem relativamente arbitrria (...) introduzimos coisas, objectos,
recordaes, tentando exprimir uma dimenso da envolvente e da memria.113 Ao ser
uma abstraco, embora partindo do concreto, na Cidade Analga, como escreve
Tafuri, no existe lugar; trata-se do desejo de um abrao ecumnico com a realidade
sonhada.114
Rossi imagina uma perpetuao progressista e civil das formas existentes, por acentuao
potica, e portanto formula uma espcie de fim da histria: j foi tudo inventado; os
problemas so sempre os mesmos. A arquitectura para Rossi uma arte combinatria115,
Rafael Moneo, Ibidem.
107 Aldo Rossi refere-se a este painel da Cidade Anloga como uma obra colectiva realizada com os amigos
Eraldo Consolascio, Bruno Reichlin e Fabio Reinhart. Cf. Aldo Rossi, La citt analoga: tavola, Lotus
13 Internacional, Dezembro 1976, pp.5-9; Cf. Guglielmo Bilancioni, Aldo Rossi: semplice ontologia,
Salvatore Farinato (org.), Op. Cit., 1998, p.43; Cf. Salvatore Bisogni, Ricordo di Aldo Rossi, Posocco,
Pisana; Radicchio, Gemma; Rakowitz, Gundula (ed.), Op. Cit., 2002, p.79
108 Manfredo Tafuri, Ceci nest pas une ville, Lotus 13 International, Op. Cit., p.12
109 Escreve Rossi: A beleza til, e a beleza urbana aquilo que aborrece mais as intervenes de negcio,
conflituosas ou burocrticas. Aldo Rossi, La citt analoga: tavola, Lotus Internacional, 13, Op. Cit., p.6
110 Aldo Rossi, Idem, p.5
111 Aldo Rossi, Idem, p.6
112 Aldo Rossi, Ibidem.
113 Aldo Rossi, Idem, p.7
114 Manfredo Tafuri, Ceci nest pas une ville, Op. Cit., p.12
115 Com a introduo do mecanismo analgico e da citao, a arquitectura de Rossi assume todo o carcter
e as prerrogativas de uma arte combinatria. Cf. Patricia Montini Zimolo, Per uneducazione al progetto,
Posocco, Pisana; Radicchio, Gemma; Rakowitz, Gundula (ed.), Op. Cit., 2002, p.105
106
142
Cf. Manfredo Tafuri, Ceci nest pas une ville, Op. Cit., p.12
117 As cenas urbanas, criadas pelo teatro na sua passagem, e aquelas definidas dos vrios pontos de
vista, uma vez ancorado na Punta della Dogana, estavam em parte j previstos num conjunto de desenhos
precedentes. (...) Mas a verificao mais importante da teoria [da Cidade Anloga] a viagem feita pelo
barco, com os seus muitos encontros, s vezes previstos, s vezes fortuitos, de qualquer modo surreais, que
provocaram inmeras e fugazes cidades anlogas. Cf. Gino Malacarne, Note sullarchitettura di Aldo
Rossi. Frammenti, Posocco, Pisana; Radicchio, Gemma; Rakowitz, Gundula (ed.), Op. Cit., 2002, p.88
118 Daniele Vitale, Lazurro del cielo, Salvatore Farinato (org.), Op. Cit., 1998, p.57
116
143
2.1.3
A guerra acabou: as linguagens de prazer
Nos anos 70, a arquitectura racional e Rossi ganham, na Europa, discpulos e crescente
influncia. Mas com Kahn, e depois Venturi, notria a capacidade da Amrica jogar
com o destino da cultura arquitectnica. O que est em causa, de qualquer modo, depois
dos avanos de Venturi e de Rossi, desbravar abordagens formais fora da tutela da
arquitectura moderna que deixa de ser uma ideologia, isto , dominante.119 O que
liga estas vrias experincias a assuno da arquitectura sem pretextos polticos
abstractos num processo de reconquista da sua gnese e repertrios formais.120 Isto
significa, como escreve Tafuri citando Roland Barthes, a adopo de linguagens de
prazer em substituio das linguagens de batalha121 dos anos 20/30.
Em 1976, Anthony Vidler prope a existncia de uma Terceira Tipologia como
campo de actuao dos novos racionalistas, onde inclui Rossi, a Tendenza e Leon
Krier: a cidade tradicional a matriz desta tipologia, j que se quer sublinhar a
continuidade da forma e da histria contra a fragmentao produzidas pelas tipologias
(...) do passado recente122, isto , do Movimento Moderno. Segundo Vidler trata-se
de uma ruptura com a tradio idealista do racionalismo: esta ontologia da cidade
de facto radical. Nega as utopias sociais e definies positivistas da arquitectura dos
Segundo Roland Barthes a expresso ideologia dominante incongruente, j que a ideologia
precisamente a ideia enquanto domina: a ideologia s pode ser dominante. Roland Barthes, O prazer do
texto, Lisboa: Edies 70, 1983 [1973], p.73
120 Alan Colquhoun escreve a propsito da exposio Rational Architecture: o trabalho dos racionalistas
(...) fortemente influenciado pelos estudos lingusticos estruturalistas em Frana e Itlia, sustenta a
ideia que os valores da arquitectura so independentes da ideologia. (...) A partir desta perspectiva, os
Racionalistas consideram o Movimento Moderno dos anos 20 e 30 uma mina de ideias que nunca foram bem
desenvolvidas, embora, ao contrrio de Benevolo e Zevi, as abordem no plano formal e no como doutrina
ortodoxa e contedo ou melhor, abordam o contedo atravs da forma, considerando que h um repertrio
limitado de formas arquitectnicas. Alan Colquhoun, Rational Architecture, AD, 6, Vol. XLV, June 1975,
p.365
121 Manfredo Tafuri, Les bijoux indiscrets, Five Architects N.Y. Naples: Officina Edizioni, 2 edio,
1981, p.29
122 Anthony Vidler, The Third Typology [Oppositions 7, Winter 1976], AAVV, Oppositions Reader, 1998,
p.14
119
144
145
146
147
Giorgio Grassi
Larchitetettura come mestiere e altri scritti, 1995 [980] (capa)
lgica local. Coloca-se num plano defensivo, de resistncia, que ser a matriz das
propostas de Kenneth Frampton nos anos 80. De facto, Frampton declara, em 1978,
o movimento Neo-Racionalista italiano, a Tendenza, como o mais importante
desenvolvimento na evoluo da arquitectura na ltima dcada enquanto expresso de
crtica do contemporneo: veio a ser seguido porque os seus princpios foram vistos
como resistindo tendncia geral de reduzir a arquitectura a um bem de consumo.140
No seio da Tendenza, enquanto Rossi assume uma cada vez maior vocao autobiogrfica,
Grassi procura na objectividade do ofcio, a criao de um discurso especfico sobre
a arquitectura e sobre a sua construo.141 Os textos de LArchitettura come mestiere e
altri scritti, uma antologia inicialmente publicada em Espanha em 1980, so propostos
por Grassi como escritos de projecto.142 A arquitectura como ofcio, o ensaio de
1974 que d o nome publicao e funciona como lema, a apresentao de Hausbau
und dergleichen, um livro de A. H. Tessenow de 1916. A propsito da obra de Tessenow
segundo uma estratgia semelhante adoptada por Rossi em relao a Loos Grassi
faz um elogio da arquitectura como ricerca paziente, segundo uma metodologia
oficinal: o trabalho artesanal feito sem pressa; a paciente reconstruo do
relevo das coisas consabidas, um proceder ordenado que reencontra a subtileza das
diferenas.143 Como escreve Sol-Morales, Grassi faz uma recherche esforada de
um fundamento objectivo para as suas decises formais144 partindo de dois caminhos:
Kenneth Frampton, Mario Botta and the School of the Ticino, Oppositions, 14, Fall 1978, The MIT
Press, p.2. No mesmo texto, Frampton refere que a Tendenza enfatiza os seguintes princpios: a relativa
autonomia da arquitectura; a importncia scio-cultural das estruturas urbanas existentes; e o recurso
frtil s formas histricas como um legado que est sempre disponvel para reinterpretaes analgicas.
Ibidem.
141 Giorgio Grassi, LArchitettura come mestiere e altri scritti (introduzione a H. Tessenow), LArchitettura
come mestiere e altri scritti, Milo: Franco Angeli, 7 ed. 1995, [edio original espanhola 1980], p.158
142 Giorgio Grassi, Avvertenza, Idem, p.7
143 Giorgio Grassi, LArchitettura come mestiere e altri scritti (introduzione a H. Tessenow), Idem, p.169
144 Ignasi de Sol-Morales, Tendenza: neoracionalismo y figuracin [1984], Op. Cit., 2003, p.239
140
148
149
Colquhoun, Ibidem.
151 Cf. Maurice Culot e Leon Krier, The Only Path for Architecture, Oppositions, 14, Fall 1978, The MIT
Press, pp.38-53
152 Maurice Culot e Leon Krier, Idem, p.40
153 Maurice Culot e Leon Krier, Ibidem.
154 Maurice Culot e Leon Krier, Idem, p.41. E ainda: a cidade no pode mais ser usada como um campo de
experimentao para os arquitectos. Idem. p.40
155 Maurice Culot e Leon Krier, Idem, p.42
156 Maurice Culot e Leon Krier, Idem, pp.42-43
150 Alan
150
na viragem da obra de James Stirling, no incio dos anos 70, como resultado da
colaborao de Leon Krier.157 Apesar da ausncia de Stirling na exposio de Londres
de 1975, Colquhoun d conta da sua entrada no clube racionalista: o uso brilhante da
iconografia do funcionalismo e as suas mais recentes tendncias neoclssicas parecem
relaciona-lo obliquamente com os Racionalistas; com o trabalho de Aymonino e
Gregotti de um lado, e Leon Krier de outro.158 De facto, ainda em 1975, a propsito da
participao de Stirling em concursos para os Museus em Dusseldorf e Cologne, notada
a justaposio de um vocabulrio de elementos neoclssicos e contemporneos159 e
o artigo que acompanha a publicao d conta das referncias a Rossi e a Krier, a
que Stirling tinha aludido.160 Uma inequvoca abordagem ps-modernista ser depois
patente no Museu de Stuttgart (1977-1983).
A designao arquitectura racional integra ainda a experincia dos Five Architects,
presentes na exposio de Milo de 1973, apesar de diferenas substantivas face
Tendenza e a oposio bvia s efabulaes pr-industrializao de Leon Krier. Os
Five Peter Eisenman, Michael Graves, John Hejduk, Charles Gwathmey e Richard
Meier so apresentados no MoMA, em 1969, por Kenneth Frampton. A posterior
publicao, em 1972, de Five Architects, d a conhecer um grupo de arquitectos com
Segundo Heinrich Klotz, depois de sair da rbita do brutalismo e do Team X, James Stirling
influenciado por Hans Hollein e Leon Krier. Klotz descreve o projecto para a Siemens, de 1969, como tendo
j um ambiente neoclssico que atribui presena de Leon Krier. Tendo comeado a trabalhar com Stirling
em 1968, Krier levou para a Inglaterra os desenvolvimentos que estavam a ter lugar na Europa, e que tinha
tido conhecimento na firma de O. M. Ungers (onde o seu irmo [Robert Krier] trabalha entre 1965 e 1966).
Heinrich Klotz, The History of Postmodern Architecture. Cambridge, Massachusetts; London, England: The
MIT Press, 1988 [1984], pp.327-331
158 Alan Colquhoun, Rational Architecture, Op. Cit., 1975, p.366
159 [Nota introdutria] Grahame Shane, Cologne in Context, AD, 11, Vol. XLVI, November 1976, p.685
160 Segundo escreve Shane, na apresentao de Stirling destes dois projectos no Rally, que ocorreu no
Art Net London em 1976, sob o mote A celebration of the art and wit of architecture, ficaram claras a
influncia das preocupaes formais e urbanas dos irmos Krier; e tambm de Aldo Rossi. Shane cita um
texto de Kenneth Frampton onde este se refere cada vez maior importncia do contexto para Stirling
[RIBAJ, 3/76] e d conta do bvio gozo face mele critica que o envolve. Idem, pp.686-687
157
151
162 Arthur
152
formal da obra de Le Corbusier, The Mathematics of the Ideal Villa, comparandoa com os modelos compositivos de Andrea Palladio.165 O projecto de Rowe, definido
por Vidler como motivado, por um lado, pelos resduos formais e ideolgicos da
vanguarda moderna e, por outro, na trajectria mais longa da tradio arquitectnica
desde o Renascimento166 est j presente nessa obra inaugural. Em Collage City,
Rowe e Koetter propem a reavaliao dos modelos urbanos clssicos e modernos,
concluindo pelo cruzamento livre de tipos diferentes e pelo uso da histria como meio
para alcanar uma realidade a-histrica.167 A reconquista do tempo168 esboada
atravs do conceito de cidade-museu, uma cidade aberta e, at um certo ponto,
crtica e receptiva (...) aos mais dspares estmulos, sem ser hostil nem para a utopia
nem para a tradio.169 No ltimo captulo, Excursus, so dados exemplos histricos
de estmulos, a-temporais e necessariamente transculturais como possveis objects
trouvs para a collage urbanstica.170
Collage City surge no quadro j aberto do uso da histria das formas urbanas mas
no se confunde com a abordagem dos neo-racionalistas europeus, recusando a
monumentalidade hipntica, ascetismo ou verismo das suas propostas, em nome de um
uso amigvel de tipos e uma lgica de incluso e de dilogo.171 Como escreve William
Ellis, Rowe usa a mistura de tipos modernos em contextos tradicionais, passando por
um complexo contextualismo espacial inspirado em modelos medievais e Barrocos,
pela imposio eclctica de grandes peas histricas, at a uma delicada simplicidade
Rowe, adoptou em 1947 a anlise histrica de Wittkower numa majestosa comparao das formas e dos
princpios do Palladianismo com as do Movimento Moderno. Vidler, Idem, 56.
165 Cf. Colin Rowe, The Mathematics of the Ideal Villa and Other Essays, Cambridge, Massachusetts and
London, England: The MIT Press. 11 ed. 1997 [1976], pp.1-27
166 Anthony Vidler, Colin Rowe, Op. Cit., 2004. p.58
167 Em termos venturianos, Rowe e Koetter sintetizam o objectivo de Collage City como um apelo
ordem e desordem, ao simples e ao complexo, coexistncia da referncia permanente e ao acontecimento
ocasional, ao privado e ao pblico, inovao e tradio, ao gesto retrospectivo e ao gesto proftico,
simultaneamente. Colin Rowe e Fred Koetter, Op. Cit., 1983, [1978], p.8. Rowe e Koetter definem ainda
as vrias estratgias que visam atingir uma condio de equilbrio vigiado para a cidade: hibridao,
assimilao, distoro, desafio, mudana, resposta, imposio, sobreposio, conciliao. Idem, p.83
168 Cf. Colin Rowe e Fred Koetter, Idem, pp.116-149
169 Colin Rowe e Fred Koetter, Idem, p.132
170 Colin Rowe e Fred Koetter, Idem, p.151
171 A crtica de Rowe s propostas de Leon Krier e Rob Krier est documentada. Em Urban Space,
sobre o trabalho de Robert Krier, Rowe escreve: vamos simplificar, abstractizar e projectar at ao nvel da
extravagncia uma verso altamente restrita, privada e no muito hospitaleira do que achamos deve ser a
boa sociedade; fazemos um aceno a Kaufmann; damos trs vivas silenciosos aos Stalinalee; vamos adorar os
manifestos de Boulle e desenvolver algumas centenas de yards de fachadas neutrais de Adolf Loos. Colin
Rowe, Urban Space, As I was Saying. Recollections and Miscellanous Essays, Cambridge, Massachusetts,
London, England: The MITPress, 1996. pp.262-263
153
172 William Ellis, Type and Context in Urbanism: Colin Rowes Contextualism, [Oppositions 18, Fall
1979], AAVV, Oppositions Reader, Op. Cit., 1998, p.250
173 Cf. Colin Rowe e Fred Koetter, Op. Cit., 1983, [1978], p.132
174 Colin Rowe e Fred Koetter, Idem, p.149
175 Citando Reyner Banham, Vidler escreve que Rowe foi o verdadeiro fundador do pensamento psmodernista no seu campo. Cf. Anthony Vidler, Colin Rowe, Op. Cit., 2004. p.54. E, de facto, Banham
escreve: entre eu e o Russell [Hitchcock] cobrimos toda o tempo de vida da histria da arquitectura moderna
e ps-moderna! (...) j que Colin Rowe, o verdadeiro fundador do pensamento ps-modernista no seu
campo, foi estudante de Russell e Charles Jencks, o mais fluente expoente dessa abordagem, foi meu.
Reyner Banham, Actual Monuments [Art in America 76, October 1988], A Critic Writes. Essays by Reyner
Banham, Berkeley and Los Angeles: University of Californian Press, 1999 [1996] p.282
176 Colin Rowe e Fred Koetter, Op. Cit., 1983, [1978], p.149
177 Segundo Sol-Morales, para Tafuri, a histria crtica da arquitectura existe somente como parte de uma
disciplina chamada histria: um trabalho intelectual desenvolvido segundo os seus prprio projectos que
nada tem a ver com os projectos arquitectnicos. Esta noo da histria crtica aparece uma e mil vezes nos
textos de Tafuri. Os seus fundamentos esto na teoria crtica da Escola de Frankfurt de que Tafuri foi devedor
ao largo de toda a sua vida (p.246). Neste sentido, Sol-Morales escreve que para Tafuri o trabalho terico
(...) no um fim em si mesmo, mas providencia pontos de apoio de uma denncia, de uma permanente
actividade de desmascaramento capaz de evaporar qualquer anncio de sntese, de valores, de inovao
ou de progresso que no passe pela luta de classes (p.247). E ainda: Tafuri, de facto, desqualifica do seu
intelectualismo toda a experincia cujo objecto seja o prazer sensvel, como se esta finalidade prpria da
arte de todos os tempos fosse a quinta-essncia de um hedonismo denunciado uma e cem vezes nos textos
tafurianos como a mais negativa das culpas (p.252). Ignasi de Sol-Morales, Ms all de la crtica radical.
Manfredo Tafuri y la arquitectura contempornea [2000]. Op. Cit., 2003
154
fluxo dos objectos gerados pelo sistema produtivo. possvel falar desses actos como
uma architecture dans le boudoir (...), uma arquitectura da crueldade como o trabalho
de Stirling e Rossi demonstraram com a sua crueldade da linguagem-como-sistemade-excluses, revelando afinidade com o rigor estrutural da literatura do Marqus
de Sade: quando o que est em questo o sexo, tudo deve falar de sexo.178 Rossi
significa a absoluta alienao da forma, ao ponto de atingir um sagrado esvaziado a
experincia do imobilizado e um regresso eterno emblemas geomtricos reduzidos
condio de fantasmas179 a arquitectura pura que Tafuri legitima no prefcio de
Progetto e Utopia (1973) , enquanto Venturi acusado de dissolver a arquitectura
num sistema desestruturado de signos efmeros.180
Na edio italiana da apresentao dos Five, Tafuri remete para os princpios de Louis
Kahn a entrada de todo este Mal, ao ter aberto o espao inefvel da narrao de uma
nostalgia181, sublinhando a profunda americanidade da sua desesperada tentativa de
recuperar a dimenso do mito.182 Tafuri considera Venturi e Kahn semelhantes por
partilharem uma mesma ideologia da auto-reflexo: Kahn criou uma escola de
msticos sem religio e Venturi uma escola de desencantados sem valores a transgredir.
Como Bataille (...) viraram o globo do olho para si mesmo.183 Segundo Tafuri, Kahn e
Venturi, invertem a arquitectura sobre si mesma: (...) pouco interessa se o material do
seu novo imaginrio constitudo de sonhos de Instituies ou de pesadelos de inundar
o transeunte de signos da mercadoria csmica. (...) So exorcistas da Santa Inquisio.
O arquitecto-inquisidor tem sempre confiana com o Mal: a ordem sem centro de Kahn
Manfredo Tafuri, LArchitecture dans le Boudoir: The language of criticism and the criticism of
language, [Oppositions 3, May 1974], AAVV, Oppositions Reader, Op. Cit., 1998, p.307
179 Manfredo Tafuri, Idem, pp.296-298
180 Manfredo Tafuri, Idem, p.309
181 Manfredo Tafuri, Les bijoux indiscrets, Op. Cit., 1981, p.7
182 Manfredo Tafuri, Ibidem.
183 Manfredo Tafuri, Idem, p.8
178
155
156
2.2
Ps-modernismo na arquitectura
157
Peter Blake
Form follows fiasco why modern architecture hasnt
worked, 1974 (capa)
Brent C. Brolin,
Failure of Modern Architecture, 1976 (capa)
2.2.1
Linhas cruzadas: o ps-modernismo de Charles Jencks
Na segunda metade dos anos 70, o processo de crtica arquitectura moderna ganha
intensidade. Sucedem-se vrias leituras que visam dar um clmax a um processo cuja
gnese remonta aos anos 50 e o ps-modernismo ser esse ponto culminar. Desde logo, a
passagem de testemunho de Kahn para Venturi representa uma alterao substantiva no
modo de relao com a arquitectura moderna. No apenas uma questo geracional: da
metafsica de Kahn para o pragmatismo realista de Venturi h um salto no tempo.188
Quando os Venturis vo para Las Vegas, trocando a temporalidade mediterrnica
pelos templos do jogo, o ps-modernismo emerge no horizonte. Na Amrica, a
literatura crtica do moderno continua a dar frutos, como o caso de Form follows
fiasco why modern architecture hasnt worked (1974) de Peter Blake189 e Failure of
Como afirma Venturi em 1991: Kahn respeitava a direco Las Vegas que eu e Denise tommos,
mas no a aceitava para si prprio. Alm disso, embora o historicismo da sua ltima fase derivasse da sua
formao Beaux-Arts com Paul Cret em Penn, acho que muito se devia a mim. Algum devia estudar o tema
dos estudantes que influenciam os mestres. Robert Venturi, Entre Imagination Sociale et Architecture
[Entrevista com Denise Scott Brown e Robert Venturi], L Architecture dAujourdhui, 273, Fv. 1991,
p.98. Segundo Vicent Scully, Kahn rompeu com as formas do International Style, mas os seus edifcios
permaneceram quietos, silenciosos, essenciais, imanentes; quando na Guild House, Venturi chamou
escultura abstracta de metal que coroa a fachada uma antena de televiso (o que no ), mas assim
aprovando valores simblicos ao mesmo tempo realistas populares e irnicos, Kahn reagiu amargamente
contra esse realismo e atacou-o em pblico. Vicent Scully, How things got to be the way they are now,
Paolo Portoghesi; Vicent Scully; Charles Jencks; Christian Norberg-Schulz, The Presence of the Past. First
International Exhibition of Architecture-Venice Biennale 80. London: Academy Editions, 1980, p.16
189 Cf. Peter Blake, Form follows fiasco why modern architecture hasnt worked. Boston; Toronto:
188
158
Malcom MacEwen
Crisis in Architecture, 1974 (capa)
An Atlantic Monthly Press, Little, Brown and Company, 1977 [1974]. Peter Blake faz uma listagem de
fantasias que atribui arquitectura moderna: da funo, planta livre, purismo, tecnologia,
arranha-cus, cidade ideal, mobilidade, zoning, habitao, forma e arquitectura. O objectivo
do livro , segundo Blake, questionar, reexaminar e massacrar algumas das nossas vacas sagradas (e realizar
autpsias h muito em falta). Idem, p.11
190 Cf. Brent C. Brolin, The Failure of Modern Architecture. New York, Cincinnati, Toronto, London,
Melbourne: Van Nostrand Reinhold Company, 1976. Brolin descreve a irrelevncia que sente na vida real
face a um conjunto de regras aprendidas na escola, a ideologia moderna como o nico conjunto de regras
arquitectnicas aceitveis. A sua proposta explicar o modo como esta ideologia teve origem para que,
ao perceber-se como foram indirectas e irrelevantes as suas inspiraes culturais, se concluir que os seus
dogmas j no so aceitveis na arquitectura do sculo XX. Idem, p.11
191 Cf. Malcom MacEwen, Crisis in Architecture. London: RIBA Publications Limited, 1974
192 Malcom MacEwen, Idem, p.11
193 Cf. Tom Wolfe, From Bauhaus to our House, London: Picador, 1993 [1981]. Cf. Jorge Figueira, A Face
Azul do Moderno, JA-Jornal Arquitectos, 203, Novembro/Dezembro 2001, pp.5-7
194 Cf. Tom Wolfe, Op. Cit., 1993 [1981]. p.37
195 A Oppositions publicada entre 1973 e 1984 pela Princeton Architectural Press em Nova Iorque, como
A Journal For Ideas and Criticism in Architecture. No editorial do primeiro nmero, os trs editores
fundadores, Peter Eisenman, Kenneth Frampton e Mario Gandelsonas escrevem que naturalmente as nossas
respectivas preocupaes como indivduos pelo discurso formal, socio-cultural e poltico far-se-o sentir. K.
Michael Hays, The Oppositions of Autonomy and History, AAVV, Oppositions Reader. Op. Cit., 1998, p.ix
159
160
Charles Jencks
The Language of Post-Modern Architecture, 1977 (capa)
161
Post-Modernism
AD, 4, 1977 (capa)
empirista tenta desenhar para os sentidos humanos e para o seu deleite (...) do ponto de vista trmico,
acstico, visual e outros; o arquitecto racionalista (e por isso que Rossi, Tafuri e outros se declaram
racionalistas) pega nas verdades auto-evidentes da forma geomtrica, isto , o cubo Platnico, a esfera, o
cone, o cilindro, e desenvolve a arquitectura a partir daqui. (...) De facto, Rossi declara estar a desenvolver
uma arquitectura que emerge da arquitectura, liberta de qualquer contribuio das cincias humanas.
Geoffrey Broadbent, Conclusions, AD, Neo-Classicism, volume 49, n 8/9, 1979, p.55
207 A tese de Jencks, publicada como Movimento Modernos em Arquitectura, em 1973, foi orientada por
Reyner Banham e era nesse contexto uma apologia da arquitectura moderna. Cf. Charles Jencks, Movimentos
Modernos em Arquitectura. Lisboa: Edies 70, 1987 [1973]. Posteriormente, Jencks pe em causa essa
defesa, afirmando a influncia de Jane Jacobs num crescente desencantamento com a arquitectura
moderna, concluindo no entanto que no a rejeita in toto, como certos crticos, mas esper[a] v-la confinada
a uma rea mais pequena. Charles Jencks, The Language of Post-Modern Architecture. London: Academy
Editions, 1977 [1 edio ] p.7
208 A AD vai particularmente funcionar como um frum de Jencks, dando-lhe espao para uma peridica
reavaliao do ps-modernismo. Mas a nfase na reviso de temas da histria da arquitectura que concorrem
com a cultura do ps-modernismo que se est a forjar tambm evidente. Cf. The Beaux Arts, Volume 48
n11/12, 1978; Roma Interrotta, volume 49, n 3/4, 1979; Neo-Classicism, volume 49, n 8/9, 1979; New
Free Style, Arts & Crafts, Art Nouveau, Secession, n 1/2, 1980; Viollet-le-Duc, n 3/4, 1980
209 Paul Goldberger, Post-Modernism: An Introduction, AD, Post-Modernism, volume 47, n 4, 1977,
p.257
210 Paul Goldberger, Ibidem.
162
verdadeira, algo que era crucial do ponto de vista ideolgico como sustentao do
modernismo.211 Goldberger escreve ainda que o que define a arquitectura como psmoderna (...) no um conjunto de imagens (embora haja algumas que pelo seu uso
frequente paream ser preferidas) mas o predomnio da imagem, a tendncia de deixar a
imagem determinar a forma mais do que o contrrio.212 Nesse nmero da AD, Geoffrey
Broadbent reflecte sobre a via reformista e emprica da abordagem de Jencks213 e enfatiza
a questo da linguagem que mencionada no ttulo, afirmando que se trata de um livro
sobre semitica da arquitectura, semiologia, ou o que o prprio Jencks e George Baird
(...) chamam o Significado em Arquitectura.214 Robert Stern sublinha com Jencks,
o carcter negativo e vago do termo, mas acrescenta que o ps-modernismo est
a comear a ganhar os aspectos paradigmticos de um estilo215, avanando com trs
caractersticas principais: contextualismo, alusionismo e ornamentalismo. Em
particular, contextualismo significa o entendimento do edifcio como fragmento de
um conjunto maior, e a recusa da fixao no objecto216 que atribuda ao Movimento
Moderno. Nesse sentido, escreve Stern: o ps-modernismo prefere geometrias
comprometidas ou incompletas a formas puras.217
The Language of The Post Modern Architecture tem sete edies at 2002, e como
o prprio Jencks escreve mais tarde, um livro layer-cake.218 histria da arquitectura
feita em cima do momento com inclinao publicista. Desde a primeira edio, Jencks
inventaria e declara, para depois aperfeioar a declarao e retomar a inventariao.
Este impulso de catalogao219 est de acordo com a tradio anglo-saxnica mas em
Paul Goldberger, Ibidem.
212 Paul Goldberger, Idem, p.260
213 Jencks no concorda com os que pensam que a nica soluo para voltar a haver um ambiente decente
uma mudana radical de todo o sistema. Geoffrey Broadbent, The Language of Post-Modern Architecture:
A Summary, AD, 4, 1977, p.262
214 Broadbent considera que o campo da semitica na arquitectura est a desenvolver-se rapidamente
porque a falta de significados legveis foi um dos grandes falhanos da arquitectura moderna: H j
mais de 20 anos, acadmicos em Itlia, Frana, Espanha, Amrica e ultimamente na Gr-Bretanha tm
desenvolvido a analogia lingustica, analisado o trabalho de filsofos da linguagem, sobre o modo como
a linguagem transporta significados, no sentido de verificar de que modo a arquitectura tambm transporta
significados. Geoffrey Broadbent, The Language of Post-Modern Architecture: A Review, Op. Cit., p. 272
215 Robert Stern, At the edge of Post-Modernism: some methods, paradigms and principles for architecture
at the end of the modern movement, AD, Post-Modernism, volume 47, n 4, 1977, p.275
216 Robert Stern, Ibidem.
217 Robert Stern, Ibidem.
218 Charles Jencks, The Language of Post-Modern Architecture. London: Academy Editions, The Sixth
Edition, 1991, p.19
219 Quem achar que isto ocioso (...) deve ler Classificaction and Its Discontents de E.H. Gombrich e U
and Non-U de Nancy Mitford. uma piada, mas serve inevitavelmente para as pessoas e os movimentos se
211
163
orientarem. Charles Jencks, Genealogy of Post-Modern Architecture, AD, Post-Modernism, volume 47,
n 4, 1977, p.269
220 Charles Jencks, Op.Cit., 1977 [1 edio ] p.7
221 Jencks declara a morte da arquitectura moderna com a demolio de vrios blocos do bairro Pruitt-Igoe
(1952-55), de Minoru Yamasaki, construdo de acordo com os mais progressivos ideais do CIAM em St.
Louis, Missouri, 15 de Julho de 1972, s 15h e 32m (ou por a). Charles Jencks, Idem, p.9
222 Cf. Charles Jencks, Idem, pp.15-37
223 Charles Jencks, Idem, p.15
224 Charles Jencks, Idem, pp.24-25
225 Charles Jencks, Idem, p.26. Jencks escreve ainda: estes arquitectos queriam deixar de ter o papel
subserviente de alfaiates da sociedade (...) e serem doutores, lderes, profetas, ou pelo menos esposas de uma
nova ordem social. Mas para que ordem construram? Ibidem.
226 H vrias analogias que a arquitectura partilha com a linguagem e se usarmos os termos livremente
podemos falar de palavras, frases, sintaxe, semntica arquitectnicas. Charles Jencks, Idem, p.39
227 Cf. AD, Post-Modern History, volume 48, n 1, 1978, p.54
164
Post-Modern History
AD , 1, 1978 (capa)
165
166
243 Cf. Charles Jencks, Adhocism+Urbanism=Contextualism, AD, Post-Modern History, Idem, p. 26;
pp.43-44
244 Charles Jencks, Idem, p.45
245 Charles Jencks, Idem, p.46
246 Charles Jencks, Metaphor and Metaphysics, AD, Post-Modern History, Idem, p.48
247 Charles Jencks, Post-Modern Space, AD, Post-Modern History, Idem, p.50.
248 Jencks alinha tambm os argumentos contrrios ao eclectismo: constantemente referido que os sistemas
eclcticos, na filosofia como na arquitectura, no produziram originalidade, nem enfrentaram os problemas
chave com tenacidade. O argumento que o eclectismo um compromisso fraco, uma mixrdia aonde
pensadores de segunda podem refugiar-se numa agitao de antinomias confusas. No sculo XIX havia
poucos argumentos sociais e semnticos, da o eclectismo ser fraco sem teoria. Em contraste (...) pareceme que o ps-modernismo tem pelo menos o potencial de criar uma mais forte variedade radical. As linhas
formais, sociais e tericos sociais esto a espera de ser tecidas em conjunto. Charles Jencks, ConclusionRadical Eclectism, AD, Post-Modern History, Idem, p.54
249 Charles Jencks, Ibidem.
250 Charles Jencks, Late Modernism and Post-Modernism, AD, The Beaux Arts, Volume 48, n11/12,
1978, p.593
251 Charles Jencks, Ibidem.
167
Post-Modern Classicism
AD, 5/6, 1980 (capa)
Em 1980, Jencks prope uma nova sntese onde assume a influncia clssica como
determinante, o que reflecte a sua participao na Bienal de Veneza desse ano. A AD
lana Post Modern Classicism e Jencks escreve sobre essa convergncia no sentido
de uma maneira que se pode chamar clssica252 referindo as obras que a assinalam: o
Museu de Stuttgart de Stirling; o projecto de Fargo-Moorehead de Graves; as Arcades
du Lac de Bofill; o At &T de Philp Johnson; a Piazza dItalia de Charles Moore; e a
maior parte do trabalho recente de Robert Stern, Arata Isozaki, Robert Venturi e Hans
Hollein.253 Concluindo assim que quase todos os mais importantes arquitectos psmodernos adoptaram partes do vocabulrio clssico.254
Em 1982, com o lanamento de dois nmeros da AD Free Style Classicism, organizado
por Jencks255, e Classicism is not a style organizado por Demetri Porphyrios d-se
uma espcie de ciso, de resto notria desde os anos 70, na evocao do classicismo
na prtica contempornea. No seu nmero, Porphyrios expe uma viso muito crtica
do ps-modernismo, descrevendo-o como pertencendo cultura do faz de conta, j
que as lies a tirar hoje do classicismo (...) no se encontram nas rugas estilsticas
do classicismo mas na sua racionalidade.256 A noo de pluralismo, cuja emergncia
situa na segunda metade dos anos 60, para Porphyrios a explicao do mal psmoderno: alimentando-se no relativismo, tolerncia e eclectismo transformou-se na
ideologia hegemnica do sculo 20.257 Neste contexto, o eclectismo moderno, ou
seja, o ps-modernismo, considerado como decorrendo de um processo semelhante
Charles Jencks, AD, Charles Jencks (Ed.), Post-Modern Classicism, n 5/6, 1980, p.5
253 Charles Jencks, Ibidem.
254 Charles Jencks, Ibidem.
255 Cf. AD, Charles Jencks (Ed.), Free-Style Classicism, volume 52, n 1/2, 1982
256 Demetri Porphyrios, Introduction, AD, Demetri Porphyrios (Ed.), Classicism is not a Style, volume
52, n5/6, 1982, p.5
257 Demetri Porphyrios, Classicism is not a Style, AD, Demetri Porphyrios (Ed.), Classicism is not a
Style, Idem, p.51
252
168
Rob Krier
Architectural Composition, 1991 (capa)
169
radicalmente eclcticas.
Em 1979, a revista Time faz capa com Philip Johnson empunhando a maqueta do AT&T
e a manchete: U.S. Architects: Doing Their Own Thing. A partir de 1980, o psmodernismo um movimento global que Jencks vai procurando reler e adaptar, em cima
do acontecimento, a que se juntam outras abordagens, como as de Paolo Portoghesi
e Heinrich Klotz. Especialmente relevante a adeso ao ps-modernismo, mais na
prtica do que assumida, de nomes centrais da arquitectura contempornea como Rossi
(na Bienal de Veneza) e de Stirling (no Museu de Stuttgart). Como escreve Jencks na
terceira edio do seu livro, em 1981: Desde que acabei a segunda edio em 1978
ocorreram importantes viragens na arquitectura. (...) Arquitectos modernos importantes
como Hans Hollein e James Stirling so agora convincentemente ps em tudo menos
no nome.263 E o ps chega tambm arquitectura comercial: grandes escritrios
de Nova Iorque e Chicago mudaram de f em favor da novo credo; por outro lado,
a Piazza dItalia, a que chama o grande monumento do ps-modernismo (...) est a
acabar.264
A quarta edio, de 1984, reflecte o artigo da AD, Post Modern Classicism que
especialmente deplorvel. Krier descreve o processo de reconstruo do ps-guerra, afirmando que a
revoluo da arquitectura moderna falhou. Mesmo se difcil que os profissionais admitam isto, h j muitos
anos que os jornalistas e os desenhadores tm empilhado queixas e nos do os mais terrveis relatos. Rob
Krier, Elements of Architecture, Architectural Design, Rob Krier Elements of Architecture, volume
53, n 9/10, 1983, pp.4-87 [p. 4]. Mas se o moderno falhou, a condio contempornea no melhor: A
arquitectura degradou-se ao ponto de ser uma mscara que se pode mudar de acordo com a sua funo numa
determinada estratgia (...). A me das artes desapareceu num bordel. Idem, p.6. Como contraponto, Rob
Krier faz um levantamento de elementos de arquitectura, a partir de trabalhos feitos com estudantes da
Universidade Tcnica de Viena, visando recuperar uma gramtica, e estabelecer um conjunto de regras
bsicas para a composio arquitectnica. Krier pretende criar guidelines para reabilitar a arquitectura.
Rob Krier, Op, Cit., 1991 [1988], p.7. A anlise inclui estudos sobre vrios tipos elementos da arquitectura
subdivididos em espaos interiores, fachadas, e formas dos edifcios e plantas do rs-do-cho. Cf.
Idem, pp.69-174
263 Charles Jencks, Towards Radical Eclecticism, Third edition, 1981, Op. Cit., The Sixth Edition, 1991,
p.108
264 Charles Jencks, Ibidem.
170
171
Roma Interrotta
AD, 3/4, 1979 (capa e p.3)
2.2.2
Teatro do Mundo: A Bienal de Veneza de 1980
A exposio Roma Interrota que teve lugar em Roma, em 1978268, e publicada pela
AD (em 1979) sob a direco editorial de Michael Graves, um documento emblemtico
e um prenncio do clima que leva a realizao da Bienal de Veneza de 1980. Tratava-se
de projectar sobre as 12 seces de Roma firmadas por Giovanni Battista Nolli, em 1748,
ignorando os desenvolvimentos da cidade at ao nosso tempo e assim introduzindo uma
bivia suspenso da modernidade. Roma Interrota permitiu um encontro de diferentes
sensibilidades em convvio directo com a histria representada na Planta de Roma de
Nolli, estimulando o uso da collage, a reencenao dos tipos, e o reequacionar da
monumentalidade clssica. Era, na prtica, uma apologia do contextualismo, isto ,
do entendimento da cidade como sucesso de fragmentos que se renova atravs da
introduo de fragmentos renovadores. A sensibilidade americana (Venturi & Rauch,
Rowe), a europeia (Rossi, os Kriers, Portoghesi) e at Stirling (que recusa depois
participar na Bienal de Veneza) tiveram aqui um endereo comum e tambm nesse
sentido que Roma Interrota prenuncia Veneza. Os projectos variam entre o confronto
Roma Interrota um projecto de Piero Sartogo, e envolveu doze arquitectos incluindo o prprio,
Dardi, Grumbach, Stirling, Portoghesi, Giurgola, Venturi & Rauch, Rowe, Graves, Rossi, Leon e Rob Krier.
Esteve inicialmente patente no Mercado de Trajano em Roma, depois na Cooper Hewitt Museum em Nova
Iorque, na Architectural Association em Londres, no Centro Georges Pompidou em Paris, e no Centro de
Cultura Contempornea em Barcelona. Em 2008 foi remontada no mbito da 11 Mostra Internazionale de
Architettura di Venezia (Bienal de Veneza).
268
172
com o existente e a sua replicao, entre uma maior ou menor monumentalidade, mas
o que ressalta a importncia do desenho, a reapropriao de sistemas compositivos
tradicionais e o dilogo com o lugar, neste caso, com as gravuras de Nolli. At na
artificialidade deste pressuposto, Roma Interrota ps-moderno: trabalha sobre os
media, sobre representaes e no sobre o real. E tambm ps-moderno quando
entende a cidade como coexistncia conflitual de modelos que reformvel mas no
substituvel por uma ordem maior ou moderna. Como sintetiza Michael Graves: A
variedade de solues individuais revela (...) a nossa tendncia corrente em aceitar
posies diversas e permitir a sua justaposio de um modo que consistente com o
palimpsesto dos principais sentidos compositivos da cidade.269
A Bienal de Veneza de 1980, comissariada por Paolo Portoghesi270, e apresentada como
a 1 Exposio Internacional de Arquitectura da Bienal de Veneza271, foi um sucesso
de pblico e meditico, tendo ganho um particular significado histrico. geralmente
entendida como a consagrao, em solo europeu, do ps-modernismo, embora a expresso
no tenha sido adoptada oficialmente e o mote usado seja A Presena do Passado.
Portoghesi argumenta a omisso do termo argumentando procurar uma clarificao
e entrar numa esfera mais vasta embora admita a existncia de uma condio ps269 Michael Graves, (Guest editor), Roman Interventions, AD, Roma Interrotta, Profile 20, volume 49, n
3/4, 1979, p.4
270 Para l de Portoghesi enquanto comissrio, a seco de arquitectura da Bienal tinha um Conselho
Consultivo constitudo por Dino Dardi, Rosario Giuffr, Guiseppe Mazzariol, Udo Kultermann e Robert
Stern. Segundo Portoghesi, esta comisso decidiu envolver ainda os crticos Vicent Scully, Christian
Norberg-Schulz, Charles Jencks e Kenneth Frampton (que depois retira a sua participao). Paolo Portoghesi,
The End of Prohibitionism, Paolo Portoghesi; Vicent Scully; Charles Jencks; Christian Norberg-Schulz,
The Presence of the Past. First International Exhibition of Architecture-Venice Biennale 80. London:
Academy Editions, 1980, p.9
271 Note-se, no entanto, que estiveram patentes vrias exposies de arquitectura na Bienal de Veneza, antes
de 1980, sob a direco de Vittorio Gregotti: A proposito del Mulino Stucky, em 1975; Werkbund 1907.
Alle origini del design; Il razionalismo e larchitettura in Italia durante il fascismo; Europa-America,
centro storico, suburbio; Ettore Sottsass, un designer italiano, em 1976; e Utopia e crisi dellantinatura.
Intenzioni architettoniche in Italia, em 1978.
173
Paolo Portoghesi, The End of Prohibitionism, Paolo Portoghesi; Vicent Scully; Charles Jencks;
Christian Norberg-Schulz, Op. Cit., 1980, p.9
273 A exposio da Bienal inclui uma seco que homenageia Philip Johnson, Ignazio Gardella e Mario
Ridolfi, como reconhecimento da sua importncia na integrao criativa da herana histrica e repdio
da ortodoxia restritiva do International Style. Paolo Portoghesi, Idem, p.12. Inicialmente estava tambm
prevista a incluso de uma exposio dedicada a Carlo Scarpa. Cf. Ibidem.
274 Paolo Portoghesi, Idem, p.9
275 Paolo Portoghesi, Ibidem.
276 Paolo Portoghesi, Ibidem.
277 Cf. Paolo Portoghesi, Idem, p.10
278 Paolo Portoghesi, Idem, p.11
272
174
Strada Novissima
Controspazio 1-6, 1980, p.29 e p.65
diferente porque pode contar com uma espcie de desencanto, com uma distanciao
psicolgica maior; isto , o passado pode ser usado sem ser envolvido em ilusrios
revivals ou em operaes filolgicas naives.279 No plano poltico, Portoghesi afirma
que entender a cultura de massas e a sua reproduo de informao e imagens
como um fenmeno puramente negativo significa continuar a ter um ponto de vista
aristocrtico e no saber agarrar o resultado libertador e a carga igualitria desta
profanao do mito.280
Por convite de Portoghesi, Rossi projecta o Teatro del Mondo e a entrada da
exposio. A sua presena, como j anotmos, crucial para a legitimao das teses do
evento.281 No conjunto da exposio participam 76 arquitectos, mas a pea central a
Strada Novissima, um dispositivo cnico criado por vinte fachadas que recria e celebra
o regresso da rua como espao cvico, o desenho como instrumento privilegiado da
175
282 Portoghesi explica a gnese da Strada Novissima como tendo decorrido da visita a um parque de
diverses, depois de uma sesso de um seminrio em Berlim, organizado por Paul Kleiheus, e aonde
participaram Carlo Aymonino e Aldo Rossi. Assim se criou a ideia de uma rua dentro da Cordoaria do
Arsenal, uma galeria de auto-retratos arquitectnicos feitos para brincar, para redescobrir o jogo muito
srio da arquitectura (...). No por acaso que a Strada Novissima foi criada pela Organizao para a
Administrao do Cinema, nos laboratrios da Cinecitt. (...) A rua construda em materiais temporrios
usando tcnicas artesanais refinadas que o mundo do cinema milagrosamente salvou. Paolo Portoghesi,
The End of Prohibitionism, Paolo Portoghesi; Vicent Scully; Charles Jencks; Christian Norberg-Schulz,
Op. Cit., 1980, p.12
283 Os arquitectos que participaram na Strada Novissima foram: Costantino Dardi; Rem Koolhaas e Elia
Zenghelis; Michael Graves; Paolo Portoghesi, Francesco Cellini e Claudio DAmato; Ricardo Bofill; Frank
O. Gehry; Charles Moore; Oswald Mathias Ungers; Robert A. M. Stern; Robert Venturi, John Rauch e Denise
Scott-Brown; Leon Krier; Franco Purini e Laura Thermes; Stanley Tigerman; Joseph-Paul Kleihues; Studio
GRAU; Hans Hollein; Thomas Gordon Smith; Massimo Scolari; Arata Isozaki; Allan Greenberg.
284 Portoghesi cita as explicaes de Frampton: vejo esta Bienal como (...) uma manifestao psmodernista; no tenho a certeza de subscrever esta posio e penso que tenho que manter a distncia.
Frampton retira o seu texto do catlogo sob o argumento que a posio crtica que adopta to oposta ao
que se tem convocado sob a categoria de ps-modernismo que seria absurdo avanar com o ensaio neste
contexto. Kenneth Frampton citado por Paolo Portoghesi, Idem, p.9
285 Segundo Jencks, o reflexo do ps-modernismo na Europa, no se verificou em edifcios como na
Amrica e no Japo, mas numa megatonelada de escritos: livros, artigos, manifestos e exposies em vez
de arquitectura. Mas afirma tambm que no se deve subestimar o poder da publicao de arquitectura e
que se est a viver uma renaissance do pensamento arquitectnico e da teoria. Charles Jencks, Towards
radical eclectism, Paolo Portoghesi; Vicent Scully; Charles Jencks; Christian Norberg-Schulz, Idem, p.33
286 Scully cita diferenas sociolgicas para explicar a dificuldade de enraizamento do programa moderno: O
smbolo da liberdade e do realizao na Amrica a casa unifamiliar (...). Aqui a populao no gosta de se
pensar como classe operria (...) no quer habitar em grandes blocos e no tem o sentido de unidade, orgulho
(...) da classe operria da Viena Social-Democrata. (...) O que os operrios americanos querem, mal ou bem,
(...) uma casa. Vicent Scully, How things got to be the way they are, Paolo Portoghesi; Vicent Scully;
Charles Jencks; Christian Norberg-Schulz, Idem, pp.15-16
176
177
178
179
pinturas de Massimo Scolari, seno numa vaga crtica ao conceito de moderno. Para
Tafuri, toda a operao ps-moderna tem mais a ver com o aspecto do mercado do
que com o aspecto terico.308
Ainda em 1980, Gregotti escreve uma carta a Leon Krier onde denuncia os temas da
Bienal e argumenta que o trabalho de crtica ao Movimento Moderno tinha j sido feito
pela sua gerao.309 Nesse texto, afirma que a leitura do catlogo no lhe tinha mudado
a impresso que tinha expresso no La Repubblica310, no dia seguinte inaugurao:
nvel terico muito fraco e snobismo esttico generalizado; no o fim da
proibio (...); a proibio acabou h meio sculo. Perante a caricatura dos debates
de h vinte anos, diz-se levado a defender o objecto que era ento o centro da crtica
o Movimento Moderno311 e assume-se abertamente contra a concepo da Bienal, em
nome de uma razo crtica mnima que ainda nos resta.312
No quadro da resistncia italiana, Zevi publica Contro il neo-accademismo
criticando a impressionante superficialidade do ps-modernismo: no ataque ao
International Style repetem-se mecanicamente os argumentos contra a monotonia,
falta de expressividade, e unidimensionalidade que os orgnicos afirmaram h
cinquenta anos e os neo-expressionistas, brutalistas e informalistas h trs dcadas.313
Zevi remete ento para a sua tese dos anos 40/50: a tendncia orgnica foi objecto de
reservas, at de escrnio, exactamente porque j reclamava uma civilizao nova a que
hoje chamamos ps-industrial.314
Depois do sucesso e da controvrsia geradas pela Bienal, o ps-modernismo impe-se
como fenmeno cultural generalizado e Portoghesi o seu guia no quadro italiano.
308 Manfredo Tafuri, La tecnica delle avanguardie, Intervista a cura di Omar Calabrese, Casabella, Il
dibattito sul Movimento Moderno, Idem, p.100
309 Neste texto, Gregotti elenca os vrias descobertas e propostas crticas da sua gerao em relao
ao Movimento Moderno: o entendimento que nunca tinha sido um bloco unitrio; a contraproposta ao
valor da novidade da necessidade de referncias durveis; a recusa de interpretaes positivistas e
dependncia de disciplinas alheias defendendo no entanto que no existia uma arquitectura pura j que
vrios aspectos da realidade eram materiais (...) indispensveis para a construo arquitectnica. Vittorio
Gregotti, An open letter to Leon Krier regarding the Venice Biennale, AD, Charles Jencks (Ed.), FreeStyle Classicism, Op. Cit,. p.24. Gregotti descreve ainda as vrias evolues na arquitectura italiana que so
decorrentes da experincia Neo realista e do Neo Histrico dos anos 50. Idem, p.24
310 Cf. I vechietti delle colonne, Vittorio Gregotti [La Repubblica, 30/7/80], Rassegna Stampa luglionovembre, Controspazio, La Presenza del Passato Numero speciale dedicato alla I Mostra Internazionale
di Architettura della Biennale di Venezia, Op. Cit., pp.218-219
311 Vittorio Gregotti, An open letter to Leon Krier regarding the Venice Biennale, Op. Cit., p.24
312 Vittorio Gregotti, Ibidem.
313 Bruno Zevi, Contro il neo-accademismo, Casabella, 474-475, Novembre-dicembre, 1981, p.52
314 Bruno Zevi, Ibidem.
180
Paolo Portoghesi
Le Post-Moderne, 1983 (capa)
181
eram ainda mais veneno para o sistema fisiolgico do crescimento urbano. Da, conclui
que a imitao dos estilos mais importante que a inovao formal; e que necessrio
reaprender a modstia, ter um conhecimento das regras, de cnones oriundos de sculos
de experincia e de erros.321 Em Itlia, comenta Portoghesi, o grupo que h vinte
anos hasteou a bandeira da nova vanguarda e do mtodo experimental agora os
mais crticos foram precursores do ps-moderno em aspectos colaterais da sua
investigao: emprego da citao histrica, contaminao novo/antigo, abordagem
semitica e lingustica.322 Respondendo s acusaes de neo-conservadorismo feitas
por Habermas no discurso de Frankfurt, com a tese do moderno como projecto
inacabado, Portoghesi afirma que para se mudar verdadeiramente (...) no so os
ltimos resultados do projecto moderno que se devem questionar, mas as suas premissas
fundamentais.323
A abordagem de Habermas tem de facto ressonncia, como veremos e, ainda em 1982,
est patente no Salon DAutomne de Paris, La Modernit: un projet inachev324, uma
exposio comissariada por Paul Chemetov e Jean-Claude Garcias, em resposta
Bienal de Veneza.
No mesmo ano, a AD revisita a Bienal de Veneza de 1980, apresentado-a como a
primeira grande exposio do ps-modernismo e enquadrando a sua reinstalao,
em Paris, na Eglise Saint-Louis de la Salpetrire.325 Jencks faz uma parbola em que
o International Style e a exposio de Stuttgart em 1927 so apresentados como a
Reforma, e o ps-modernismo e a Bienal de Veneza como a Contra-Reforma.326
Enquanto interveniente na comisso dos crticos convidados, Jencks conta a sua verso
dos acontecimentos e comenta a Strada Novissima.327 Esta provocao tem uma resposta
Paolo Portoghesi, Idem, p.8
322 Paolo Portoghesi, Ibidem.
323 Paolo Portoghesi, Ibidem.
324 Cf. La Modernit: un projet inachev, Alan Colquhoun, John Miller, Arquitecturas Bis, n 43, Marzo
1983, p.11; La Modernit: un projet inachev, Richard Meier, Op. Cit. pp.11-12
325 Presents of the past: revisiting the 1980 Venice Biennale, AD, Charles Jencks (Ed.), Free-Style
Classicism, Op. Cit., p.1
326 Nesta parbola, a Bienal de Veneza o Conclio de Trento, que abre a porta ao pluralismo: a histria
regressava, a tradio regressava e depois a retrica, a iconografia, a cor, a conveno, a escultura, e mesmo a
desagradvel decorao estavam de volta. O Conclio de Trento teve em boa conta todos os truques barrocos.
(...) A Reforma de 27 tinha sido superada pela Contra-Reforma de 1980, o racionalismo foi engolido pelo
ps-modernismo, Rossi abandonou a escatologia e desenhou um alegre teatro baloiante e houve paz e
celebrao na terra. Charles Jencks, Counter-Reformation. Reflections on the 1980 Venice Biennale, AD,
Charles Jencks (Ed.), Free-Style Classicism, Idem, p.4
327 A descrio de Jencks inclui influncias do Partido Comunista, sadas e entradas misteriosas na exposio,
e presenas que no se justificariam: Para muitos racionalistas ou quase-racionalistas como Koolhaas era
321
182
de Zevi: vale a pena olhar para o seu artigo, pela sua mensagem e pela rudeza do
seu humor, mas a simplificao macroscpica de Jencks leva-o a concluir: vamos
considerar o ps-modernismo como um fenmeno precrio e ftil, sem substncia
cultural. Deste ponto em diante, no deve ser discutido em terras civilizadas.328 No
entanto, em conversa com Portoghesi, Zevi afirma: partilho alguns dos pontos de
vista ideolgicos do ps-modernismo. Por exemplo, a batalha contra a arquitectura
que no realmente moderna mas pseudo-moderna, a arquitectura que dominou a
construo comercial e especulativa nos ltimos trinta anos.329 Embora se distancie
com firmeza: no acredito que os problemas da civilizao contempornea possam
ser resolvidos atravs de uma montagem caprichosa e mecnica de elementos retirados
da histria; demasiado abstracto, grfico e arty.330 De modo paradigmtico, Zevi
critica o carcter cenogrfico e cosmtico da abordagem ps-modernista que considera
uma abdicao da arquitectura. A propsito da Piazza dItalia, afirma que Charles
Moore quer tranquilizar os cidados inseguros com um lugar semelhante aos centros
histricos e aos bairros do sculo XIX. Numa palavra, falsifica.331 A resposta de
Portoghesi igualmente paradigmtica: Fachadas, palcos, cosmticos. Cosmticos
significam embelezamento e no seria mau, caro Zevi, se embelezssemos as nossas
cidades modernas.332
J em dilogo com Rossi, Portoghesi d-lhe razo por se colocar fora da discusso
ligeiramente frvola que pe em confronto o moderno e o ps-moderno, adiantando
que a cultura italiana tinha tido a virtude de criar uma continuidade entre o antigo
melhor no ter em conta a ideologia para poder construir a sua primeira estrutura. (...) Qualquer que seja
o motivo (...) os lderes racionalistas abandonaram a sua tica exclusiva e adoptaram uma esttica rica em
cdigos. Charles Jencks, Ibidem.
328 Bruno Zevi, Commentary, AD, Charles Jencks (Ed.), Free-Style Classicism, Idem, p.7
329 Bruno Zevi, Paolo Portoghesi and Bruno Zevi in Conversation, Is Post-Modern Architecture Serious?,
AD, Charles Jencks (Ed.), Free-Style Classicism, Idem, p. 20. Trata-se de uma traduo para ingls da
conversa que j mencionamos: Facciatisti e facciatosti, Dibatitto fra Paolo Portoghesi e Bruno Zevi, a cura
di Rita Cirio, LEspresso, 17/8/80, Controspazio, La Presenza del Passato Numero speciale dedicato alla I
Mostra Internazionale di Architettura della Biennale di Venezia, Op. Cit., pp.226-227
330 Bruno Zevi, Paolo Portoghesi and Bruno Zevi in Conversation, Is Post-Modern Architecture Serious?,
AD, Charles Jencks (Ed.), Free-Style Classicism, Op. Cit., p.20
331 Bruno Zevi, Idem, p.21
332 Paolo Portoghesi, Paolo Portoghesi and Bruno Zevi in Conversation, Is Post-Modern Architecture
Serious?, AD, Charles Jencks (Ed.), Ibidem. H ainda a anotar um dilogo sintomtico entre Zevi e
Portoghesi. Diz Zevi: possvel que um arquitecto como tu, que considerou tambm do ponto de vista
poltico o que se pode fazer na cada vez pior situao do habitat humano, se preocupe somente com estes
elementos de uma hipottica memria colectiva, de cosmticos, de cenografia? Pensas verdadeiramente que
dessa forma as pessoas vo ser felizes? Responde Portoghesi: O problema da felicidade da gente no sou eu
que o posso resolver. Paolo Portoghesi and Bruno Zevi in Conversation, Op. cit., p.21
183
e o novo.333 Rossi, por sua vez, diz que no se sente um arquitecto ps-moderno
mas pr-moderno: sempre me opus, embora num sentido positivo, ao Movimento
Moderno.334 Mas d o seu aval tese do evento: apoio os objectivos da exposio e
acredito que construi uma das minhas melhores obras em conexo com ela.335 Rossi
entende que o mote da presena do passado descreve o que temos procurado h
muitos anos e acrescenta: lembro-me dos meus artigos na Casabella Continuit e de
muitos outros (...). A presena do passado um factor decisivo em tudo o que fizemos
em oposio ao Movimento Moderno.336 Defende ainda que a importncia da Bienal
est em ter enfrentado os problemas mais debatidos na arquitectura moderna, hoje
em dia, criticando porm a distoro que o contigente californiano e os artigos de
Jencks e Scully criaram de uma imagem quase Hollywoodesca de ns, estabelecendo
uma forte divergncia entre a abordagem histrica de intelectuais como Tafuri,
Aymonino e Portoghesi e as solues de certos arquitectos americanos.337
Rossi responde aos crticos da Bienal, no plano poltico e cvico: considerando a
destruio das cidades italianas levada a cabo em nome da sociologia e democracia
e anti-fascismo, apoio completamente a ltima Bienal de Veneza e quem fez melhor
aquilo que eu tentei fazer na Trienal de Milo de 1973. Essas crticas que nos so
dirigidas so falsas e insinceras, e so feitas por pessoas que podem e de facto destrem
as cidades.338
333 Paolo Portoghesi, Aldo Rossi and Paolo Portoghesi, AD Interview by Antonio de Bonis, AD, Charles
Jencks (Ed.), Free-Style Classicism, Op. Cit., p.13
334 Rossi coloca-se acima da discusso, tautolgico: arquitectura arquitectura. (...) As pessoas amam-se
num quarto feio como num de Le Corbusier ou de Schinkel. Mas sublinha a sua posio crtica: A minha
revolta e o meu protesto contra o Movimento Moderno nasceram de assunes polticas e ideolgicas.
Por exemplo, eu penso que profecias de Le Corbusier se realizaram na Europa. Isto , os piores edifcios
especulativos fizeram o que Le Corbusier profetizava. Aldo Rossi, Aldo Rossi and Paolo Portoghesi, AD
Interview by Antonio de Bonis, AD, Charles Jencks (Ed.), Free-Style Classicism, Op. Cit., p.17
335 Aldo Rossi, Aldo Rossi and Paolo Portoghesi, AD Interview by Antonio de Bonis, AD, Charles Jencks
(Ed.), Free-Style Classicism, Op. Cit., p.13
336 Aldo Rossi, Ibidem.
337 Aldo Rossi, Ibidem.
338 fundamentalmente face ao contexto poltico italiano que Rossi se coloca. A sua assuno da Bienal
passa pela constatao que esta lhe permitiu fazer o teatro, enquanto os chefes dos partidos lhe negam a
oportunidade de construir: esta Bienal, ao chamar pessoas diferentes e remotas, provou coisas importantes
que escapam ao controlo dos partidos. Nesse quadro, afirma que o Teatro del Mondo particularmente
importante como interveno num centro histrico. Esta uma das grandes conquistas da Bienal: a
arquitectura pode fazer muito no centro histrico das cidades. Aldo Rossi, Idem, p.16
184
2.2.3
Geografias abertas: institucionalizao, crtica e fim do ps-modernismo
185
tenha encontrado uma alternativa capaz de assumir a sua prpria identidade, capaz de
tomar o seu nome.342 No entanto, percorrendo a histria recente desde Kahn e Venturi343,
Moneo declara que talvez pois, chegados conscincia desta nossa situao de after,
seja tempo de esquecer o modern movement como foroso ponto de referncia, para
regressar a uma reflexo sobre a arquitectura que permita a construo de novo, sem
medo das inevitveis ataduras que produziram o sonho de que agora despertamos.344
Em 1980, a Arquitecturas Bis noticia a Bienal de Veneza345 e em 1981 d conta da
polmica italiana publicando artigos de Gregotti e de Portoghesi.346 Em 1984, a
revista regressa ao tema, desta vez utilizando o mote de Colin Rowe, Depois de que
Arquitectura Moderna?347 e republicando alguns dos textos essenciais que marcaram o
debate nos seis anos passados.348
Em Frankfurt, Heinrich Klotz o responsvel pelo Museu Alemo da Arquitectura, cuja
exposio inaugural, que ocorreu em 1984, reflecte as temticas do ps-modernismo
embora se chame Reviso do Moderno. A nfase curatorial nos desenhos e nas maquetes,
expressa, desde logo, uma viso artstica da arquitectura que cara ao ps-modernismo
Rafael Moneo, Entrados ya en el ultimo cuarto de siglo, Arquitecturas Bis, 22, After Modern
Architecture, Mayo 1978, p.2.
343 Kahn criou as fundaes deste ataque ao Movimento Moderno que estamos agora a viver. Mas Venturi
ser, mais tarde, quem explicita o ataque ao explicar a falcia em que o Movimento Moderno caiu ao querer
que a arquitectura se produza como traduo onomatopeica da funo em forma. Rafael Moneo, Ibidem.
344 Rafael Moneo, Idem, p.5
345 Cf. Pierre-Alain Croset, Una calle a lo Potemkin. La primera exposicin internacional de arquitectura
en la Bienal de Venecia, Arquitecturas Bis 34, Mayo/Diciembre 1980, pp.31-32
346 Cf. Los juegos florales del post-modernismo (...). Vittorio Gregotti, Los vejetes de las columnas
(p.31); Paolo Portoghesi, Detrs de la fachada (p.32), Arquitecturas Bis 35, Enero/Marzo 1981
347 Cf. Colin Rowe, Despus de qu arquitectura moderna?, Arquitecturas Bis, 48, 1984, pp.7-14
348 Cf. Jrgen Habermas, Arquitectura Moderna y Post-Moderna, (pp.15-19); Toms Maldonado, El
Movimiento Moderno y la questin post (pp.20-22); Alan Colquhoun, Clasicismo e Ideologa (pp.23-24);
Robert Venturi, Diversidad, pertinencia y representacin en el historicismo o plus a change (pp.24-29);
Peter Eisenman, El fin de lo Clasico: El fin del comienzo, el fin del fin (pp.29-35); Bruno Zevi, Contra el
neoacademicismo (pp.37-39). Arquitecturas Bis 48, After Which Modern Architecture, 1984
342
186
Heinrich Klotz
The History of Postmodern Architecture, 1988 (capa)
187
188
uma regresso (...)? E, no sentido contrrio, a planta livre sempre democrtica? (...)
As formas tm contedos simblicos fixos?358
Klotz, como antes outros autores, afirma que embora o conceito de ps-modernismo
possa ser enganador, no h outro que o possa substituir, no presente359 e elogia
Jencks por ter obrigado os filsofos a sair da sua reticncia face arquitectura e
ter adoptado com sucesso o termo da crtica literria (...), onde tinha adquirido uma
conotao negativa. Porm Klotz quer recentrar o conceito e desloc-lo da associao
que adquiriu como escapismo confortvel (...), onde as cores berrantes da cultura
lollipop se juntam patina falsa dos produtos nostlgicos do historicismo.360 E sair
da avaliao meramente estilstica: O facto de um mau eclctico usar referncias
histricas no faz dele um arquitecto ps-modernista notvel. Por outro lado, se um
modernista consegue usar o repertrio moderno de um modo novo e significativo (...)
no faz sentido ignor-lo em nome de um mero ps-modernismo historicizado.361
Fundamentalmente, como escreve no Eplogo do livro, quer valorizar o conceito de
fico porque este supera (...) a ideia de arquitectura como meio de comunicao362,
questo central na anlise de Jencks; e afirmando que o uso de material histrico no
o critrio principal desta nova arquitectura pe em causa a urgncia da presena
do passado que suporta a matriz veneziana. O passado no serve para medir
a substncia inovadora363 das arquitecturas de Kroll, Gehry e Eisenman que cita.
Mais importante do que comunicar ou evocar a histria, a performance ficcional
no sentido da realizao de uma arquitectura referencial, onde o modernismo era
auto-referencial364. Concluindo, Klotz ensaia a definio das caractersticas do psmodernismo e na linha da contra-cultura dos anos 60 declara que a poesia superou o
utopianismo tecnolgico e que o ps-modernismo deve mais ao mundo da imaginao
do que ao admirvel mundo novo, favorecendo o improviso e a espontaneidade, o
disturbado e o imperfeito em vez da perfeio. Neste sentido, o edifcio pode ser
valorizado, no pela sua pertena a uma forma geomtrica universalmente vlida mas
relativizado (...) nas suas condies topolgicas, histricas, regionais e passvel de
189
ainda algumas das outras caractersticas que Klotz enumera: o regionalismo no lugar do
internacionalismo; a representao ficcional a tender para o figurativo; o edifcio como obra de arte de
construir pertencendo ao reino do ilusrio; a multiplicidade de significados em vez da crena no valor
simblico da mquina. Heinrich Klotz, Ibidem.
366 Heinrich Klotz, Idem, p.425
367 Heinrich Klotz, Idem, p.434
368 Nota editorial, Modern architecture and the critical present, Kenneth Frampton (ed.), AD, volume 52,
7/8, 1982, p.2
369 Kenneth Frampton, Modern architecture and the critical present, AD, Idem, p.4
370 Frampton apropria-se da expresso Regionalismo Crtico elaborada por Alex Tzonis e Liliane Lefaivre
no ensaio The Grid and the Pathway de 1981. Cf. Kenneth Frampton, Towards a Critical Regionalism:
Six Points for an Architecture of Resistance, Hal Foster (Editor), Postmodern Culture. London: Pluto Press,
1985 [The Anti-Aesthetic, Bay Press, 1983], p.20
190
Como Jencks, Frampton tambm classifica a arquitectura contempornea, neste caso, em cinco ismos:
Neo-productvism, Neo-rationalism, Structuralism, Populism, acrescentando Regionalism que
entende como atravessando as outras quatro categorias. Kenneth Frampton, Modern architecture and the
critical present, AD, Op. Cit.,, p.5. Cf. Kenneth Frampton, The Isms of Contemporary Architecture, Idem,
pp.60-84
372 Cf. Kenneth Frampton, Prospects for a Critical Regionalism, Perspecta, Vol. 20 [1983], pp.147-162
373 Cf. Kenneth Frampton, Regionalismo crtico: arquitectura moderna e identidad cultural, Historia
Crtica de la Arquitectura Moderna. Barcelona: Editorial Gustavo Gili, 1987, pp. 317-331.
374 Kenneth Frampton, The Isms of Contemporary Architecture, AD Op. Cit., p.77
375 Kenneth Frampton, Idem, p.81
376 Cf. Kenneth Frampton, Idem, pp.77-82
377 Kenneth Frampton, Idem, p.77
378 Kenneth Frampton. Towards a Critical Regionalism: Six Points for an Architecture of Resistance. Hal
Foster (Ed.), Op. Cit., 1985 [1983], p.19
379 Kenneth Frampton. Idem, p.20
371
191
Kenneth Frampton. Idem, p.21. Dentro de uma estratgia de resistncia, Frampton defende o domnio
do tctil sobre o visual: a importncia do tctil reside no facto de se poder ser descodificado em
termos da experincia ela prpria: no pode ser reduzido a mera informao, representao ou uma simples
evocao de um simulacro substituindo presenas ausentes. Idem, p.28
381 Charles Jencks, The Perennial Architectural Debate, AD, Abstract Representation, volume 53, n7/8
1983, p.17
382 Charles Jencks, Idem, p.18. Para Jencks, os crticos do ps-modernismo que enumera Vidler,
Eisemann, Porphyrios, Gregotti, Zevi, Leon Krier ao falarem de arquitectos como Venturi, so incapazes
de distinguir o uso de elementos kitsch do uso kitsch de elementos, Pop do pop e, presumivelmente, um
Lichtenstein de um billboard. E, nesse sentido, resume a tradio dos Realistas em que se fundamenta
o ps-modernismo: O crescimento desta tradio tem origem na investigao semitica em Itlia e na
Alemanha, no final dos anos 50, e no trabalho terico sobre a cultura popular realizado pelo Independent
Group e por Marshall Mcluhan no incio dos anos 60. Charles Jencks, Idem, p.17
383 No prefcio do catlogo da exposio Deconstructivist Architecture, Philip Johnson agradece a Alvin
Boyarsky e Architectural Association como o patrono chave da maior parte dos sete arquitectos nos seus
anos de formao. Philip Johnson, Preface, Philip Johnson; Mark Wigley, Deconstructivist Architecture,
New York: The Museum of Modern Art, 1988, p.9. Cf. Geoffrey Broadbent, Just Exactly What is Going on,
and Why? AD, Modern Pluralism. Just Exactly What is Going on?, volume 62, 1/2, 1992, pp.12-13
384 Na exposio participam sete arquitectos: Frank O. Gehry, Daniel Libeskind, Rem Koolhaas, Peter
Eisenman, Zaha M. Hadid, Coop Himmelblau e Bernard Tschumi. Cf. Philip Johnson; Mark Wigley, Op. Cit.,
1988, p.9
380
192
193
Deconstruction in Architecture
AD, 3-4, 1988 (capa)
London, England: The MIT Press, 1997 [1993]; Mark Wigley, The Translation of Architecture, the
Production of Babel, Assemblage, 8, Feb. 1989, pp.6-21
391 Cf. Charles Jencks, Deconstruction: The Pleasure of Absence, AD, Issue originally conceived by
Charles Jencks, Deconstruction in Architecture, volume 58, 3-4, Profile 72, 1988, p.17
392 Cf. Charles Jencks, Idem, p.15. Para compreender a passagem do ps-modernismo para o
desconstrutivismo veja-se ainda: Peter Eisenman, An Architectural Design Interview by Charles Jencks,
AD, Volume 58, Idem, pp. 48-61. A sntese desta situao feita por Norberg-Schulz ao descrever o psmodernismo como uma cabea de Janus com duas faces: uma a olhar para trs, procurando encontrar
os incios ou origens onde se possa encontrar uma linguagem de formas com significado; a outra olha
para a frente, para o vazio, advogando um niilismo onde as formas chegam e partem como parte de um
jogo de seduo. Christian Norberg-Schulz, The Two faces of Post-modernism. AD, volume 58, 7-8,
Contemporary Architecture, 1988, p.11
393 Charles Jencks, Post-Modernism Becomes A Tradition, Fifth Edition, 1987, Op. Cit., The Sixth Edition,
1991, p.163
194
Aaron Betsky
Violated Perfection, 1990 (capa)
Post-Modernism on Trial
AD, 9-10, 1990 (capa)
195
196
2.3
Definies e debates do ps-modernismo
197
2.3.1
Cultura pop: os anos 60 e a Pop Art na origem do ps-modernismo
198
Andreas Huyssen
After the Great Divide, 1986 (capa)
do ps-modernismo.
O conceito de Camp desenvolvido por Susan Sontag, em 1964, como algo que est
para l do bom e do mau gosto especialmente til para percebermos as alteraes
que o ps-modernismo afirmativo407 consagra. A essncia do Camp , segundo Susan
Sontag, o seu amor pelo desnatural: pelo artifcio e o exagero.408 No est em questo
se determinado objecto autntico, ou mesmo se falso, mas a afeio ao seu
evidente excesso por gigantismo conceptual ou por falta de profundidade. O Camp tem
uma genealogia do culto do superficial cujo ponto de partida moderno Oscar Wilde,
a quem Sontag dedica o texto a que nos referimos, e o seu expoente contemporneo
Andy Warhol.409 O Camp reabre as polaridades, cria novos critrios de avaliao,
emptico com aquilo que est desafectado ao bom gosto: O gosto Camp volta as
costas dicotomia bom/mau dos juzos estticos habituais. O Camp no inverte as
coisas. No defende que o bom mau, ou que o mau bom. O que faz oferecer arte
(e vida) um conjunto diferente e complementar de padres de julgamento.410 No
invertendo, pelo menos instiga uma troca de lugares existe tambm um bom gosto do
mau gosto411 , abrindo o caminho para o relativismo cultural que se segue.
O Camp uma parte vital do corao populista do ps-modernismo. o que permite
Postmodern, 1983-1998. London; New York: Verso, 1998, p.74
407 Utilizamos aqui a expresso no sentido que lhe d Andreas Huyssen: O que era novo nos anos 70 era
(...) a emergncia de uma cultura do eclectismo, um ps-modernismo abertamente afirmativo que abandonava
qualquer lgica de crtica, transgresso ou negao. Andreas Huyssen, Op. Cit.,1986, p.188
408 Susan Sontag. Camp Algumas Notas [1964]. Contra a Interpretao e Outros Ensaios. Lisboa:
Gtica, 2004, p.315
409 Se querem saber tudo sobre Andy Warhol, olhem para a superfcie: das minhas pinturas e filmes e
de mim, e aqui estou eu. No h nada por detrs. Andy Warhol. Warhol in His Own Words. Untitled
Statements (1963-1988). Kristine Stiles and Peter Selz (Ed.), Theories and Documents of Contemporary
Art. A Sourcebook of Artists Writings, Berkeley, Los Angeles, London: University of California Press, 1996,
p.340
410 Susan Sontag, Op. Cit., 2004, p.329
411 Susan Sontag, Idem, p.335
199
200
Embora Huyssen considere que houve sempre uma pletora de movimentos estratgicos no sentido de
desestabilizar a oposio alta/baixa cultura de dentro [do moderno] (...) a oposio entre modernismo e
cultura de massas manteve-se forte durante muitas dcadas. Andreas Huyssen, Op. Cit., 1986, p. vii. O psmodernismo entendido como o segundo grande desafio, depois das vanguardas, a essa grande diviso.
420 Andreas Huyssen, Idem, p.vii
421 Segundo Huyssen, Adorno era, claro, o terico da Grande Diviso (...). Desenvolveu a sua teoria
(...) no por coincidncia ao mesmo tempo que Clement Greenberg formulou perspectivas semelhantes
ao descrever a histria da pintura moderna. (...) Ambos tinham boas razes na altura para insistirem na
separao categrica da cultura de massas da alta cultura. (...) Tratava-se de salvar a dignidade e autonomia
da arte das presses totalitrias dos espectculos de massa fascistas. Andreas Huyssen. Idem, p. ix
422 Cf. Andreas Huyssen, Idem, p.x
423 Andreas Huyssen, Idem, p.187
424 O que Madison Avenue foi para Warhol, e os Comics e o Western para Leslie Fiedler, a paisagem de Las
Vegas foi Venturi e o seu grupo. Andreas Huyssen, Ibidem.
425 A Pop Art o permanente teatro desta tenso: por um lado, a cultura de massas do perodo est presente
como uma fora revolucionria que contesta a arte; por outro, a arte est presente como uma fora muito
velha que irresistivelmente regressa. (...) Duas vozes, como numa fuga uma diz: isto no Arte, a outra
diz, ao mesmo tempo: isto Arte. Roland Barthes, That old thing, art Paul Taylor (Ed.) Op. Cit.,
1989, p.21
426 Roy Lichtenstein citado por Roland Barthes. That old thing, art Paul Taylor (Ed.), Idem, p. 22
427 Roland Barthes. That old thing, art Paul Taylor (Ed.), Ibidem.
428 Roland Barthes. That old thing, art Paul Taylor (Ed.), Ibidem.
419
201
ser imagem mental, coleco de reflexes.429 A repetio , por outro lado, uma das
caractersticas comuns da cultura e, no entanto, rejeitada pela alta cultura. Ora, a
Pop Art repete espectacularmente430. Esta repetio traduz para Barthes um efeito
de abolio do pathos do tempo: para a Pop Art importante que as coisas sejam
finitas (...) mas no importante que estejam acabadas.431 Segundo Barthes, o que a
Pop Art quer des-simbolizar o objecto, dar-lhe o carcter obtuso e a tenacidade de um
facto (...). O objecto da Pop Art (e isto uma verdadeira revoluo da linguagem) no
metafrico ou metonmico; apresenta-se fora da sua fonte e das suas envolventes.432
Mas esta facticidade433 no quer dizer que a Pop Art no tenha significado: Porque
o significado astuto: afastem-no e ele regressa. A Pop Art quer destruir a arte (ou, pelo
menos, passar sem ela) mas esta regressa-lhe.434 Ao alterar a percepo das coisas, ao
alterar as medidas cria uma distncia435. A Pop Art, quer queira quer no, admitindoo ou no, critica esta Natureza [Uma nova Natureza que Barthes define como o
absoluto social, o gregrio436]. Esta distncia (...) tem valor crtico.437
Como parte de um captulo de A Sociedade de Consumo, Jean Baudrillard tinha j
colocado, em 1970, a questo se a Pop Art seria uma arte do consumo. Se a lgica do
consumo pode ser vista como manipulao de signos438, ser a Pop Art a forma de
arte contempornea [dessa] lgica de signos e do consumo, ou no passar de um efeito
de moda e, portanto, tambm puro objecto de consumo? Baudrillard escreve que os
dois no so contraditrios.439
Apesar da simplicidade, do realismo espontneo440 que os artistas Pop atribuem
sua arte, Baudrillard prefere ver diferentemente: falso: a Pop Art significa o fim da
perspectiva, o fim da evocao, o fim do testemunho, o fim do gesto criativo (...), o
Roland Barthes. That old thing, art Paul Taylor (Ed.), Ibidem.
430 Roland Barthes. That old thing, art Paul Taylor (Ed.), Idem, p.23
431 Roland Barthes. That old thing, art Paul Taylor (Ed.), Ibidem.
432 Roland Barthes. That old thing, art Paul Taylor (Ed.), Idem, pp.25-26
433 Roland Barthes. That old thing, art Paul Taylor (Ed.), Idem, p.26
434 Roland Barthes. That old thing, art Paul Taylor (Ed.), Ibidem.
435 Roland Barthes. That old thing, art Paul Taylor (Ed.), Idem, p.27
436 Roland Barthes. That old thing, art Paul Taylor (Ed.), Idem, p.30
437 Roland Barthes. That old thing, art Paul Taylor (Ed.), Ibidem.
438 Jean Baudrillard. Pop An Art of Consumption? Paul Taylor (Ed.) Idem, p.33. [Cf. Jean Baudrillard, A
sociedade de consumo. Lisboa: Edies 70, 1991 (1970), p.120 e seguintes].
439 Jean Baudrillard. Pop An Art of Consumption? Paul Taylor (Ed.), Idem, p.34
440 Jean Baudrillard. Pop An Art of Consumption? Paul Taylor (Ed.), Idem, p.35
429
202
fim da subverso do mundo e da maldio da arte.441 O que a Pop Art revela nesse
sentido uma ambio insana: abolir os anais (e as fundaes) de toda uma cultura, a da
transcendncia.442 Para Baudrillard, a pintura de iniciais, marcas, slogans que veiculam
os objectos no uma questo de jogo ou de realismo, mas do reconhecimento de
um facto bvio da sociedade de consumo: isto , que a verdade dos objectos e dos
produtos a sua marca.443 E reconhece o espectro da americanizao: Se isso
americanismo ento americanismo a lgica da cultura contempornea.444
Baudrillard nota tambm a postura especial dos artistas Pop: a sua candura
imensa, como a sua ambiguidade.445 E aquilo que podamos chamar um futuro
pathos do ps-modernismo: A Pop simultaneamente rica e vazia de humor. Em
qualquer caso, no se trata do humor agressivo e subversivo, com o telescoping dos
objectos surrealistas.446 Ou seja, onde Barthes v uma distncia crtica, mesmo se
no programada, Baudrillard descreve apenas um sorriso: No sistema descrito [da
sociedade de consumo], um certo sorriso um dos signos obrigatrios do consumo:
no significa humor ou distncia critica. (...) Em ltima anlise, neste sorriso cool no
se consegue distinguir entre o sorriso do humor e o da cumplicidade comercial.447
A recepo da Pop Art , no entanto, distinta em cada contexto, como explica
Huyssen a propsito da experincia na Alemanha: uma audincia predominantemente
jovem comeou a interpretar a Pop Art americana como protesto e crtica mais do
que afirmao de uma sociedade abundante.448 Neste tipo de recepo relacional e
instvel, estamos j no interior do ps-modernismo. Porque, como escreve Huyssen:
como que uma arte que expressa o gozo sensual do nosso quotidiano pode ser ao
mesmo tempo crtica desse quotidiano?449 Da haver quem sublinhe o lado submisso
203
Mary Anne Staniszewski, Capital Pictures. Paul Taylor (Ed.), Idem, p.159
451 Mary Anne Staniszewski, Capital Pictures. Paul Taylor (Ed.), Idem, p.160
452 O Museu da Arte Moderna [MoMA] pode servir como paradigma da institucionalizao da indstria da
cultura, ilustrar o seu desenvolvimento, as suas complexidades e contradies. Mary Anne Staniszewski,
Capital Pictures. Paul Taylor (Ed.), Idem, p.162
453 Mary Anne Staniszewski, Capital Pictures. Paul Taylor (Ed.), Idem, p.160
454 Sylvia Harrison. Pop Art and the Origins of Post-Modernism. Cambridge: Cambridge University Press,
2001, p.1
455 Sylvia Harrison, Ibidem.
456 Sylvia Harrison, Idem, p.4
457 Sylvia Harrison, Idem, p.11
458 Sylvia Harrison, Idem, p.208
459 Cf. Sylvia Harrison, Idem, pp.209 e seguintes.
450
204
Marianne DeKoven, Utopia Limited. The Sixties and the Emergence of the Postmodern. Durham and
London: Duke University Press, 2004, p.xvi. O moderno era dominante nos anos 60, e depois tornou-se
residual; o ps-moderno era emergente nos anos 60, e depois tornou-se dominante. Idem, p.18. Veja-se
ainda: A questo da utopia parece-me ser o que est no centro dos movimentos dos anos 60, a diferena e o
que liga o moderno e o ps-moderno. Idem, p.24
461 Marianne DeKoven, Idem, p.3
462 Marianne DeKoven, Ibidem.
463 Marianne DeKoven, Idem, p.9
464 Marianne DeKoven, Idem, p.15
465 Marianne DeKoven, Idem, p.58
466 Marianne DeKoven, Ibidem. Dekoven escreve que os estudos culturais, com a sua nfase na cultura
popular, so uma instituio e prtica intelectual caractersticas do ps-modernismo. Sendo Mitologias, um
dos textos paradigmticos e iniciadores dos estudos culturais, seguindo o silogismo, Mitologias um dos
textos fundadores do ps-modernismo. Ibidem.
467 Cf. Marianne DeKoven, Idem, pp.58-59. DeKoven, afirma que Barthes est a ocupar a posio do
consumidor enfeitiado para tentar perceber, desmistificar, e repudiar essa posio. Mas, ao faz-lo abre o
espao da valorizao (...) do popular caro ao ps-modernismo. Idem, p. 60
460
205
206
David Byrne
Learning to Live on the Road to Nowhere
Dick Hebdige, Hiding in the Light, 1988, p.233
207
2.3.2
Condio Ps-Moderna: O debate Habermas/Lyotard e a contribuio de Fredric
Jameson
208
209
210
Jrgen Habermas, Modern and Postmodern Architecture, K. Michael Hays (Ed.), Ibidem.
507 Jrgen Habermas, Modern and Postmodern Architecture, K. Michael Hays (Ed.), Idem, p.425
508 Jean-Franois Lyotard. Resposta pergunta: o que o ps-moderno?, Op. Cit., 1993 [1986], p.13
509 Achile Bonito Oliva o crtico italiano a que Lyotard se refere. A arte ps-modernista, com elementos
de eclectismo, disjuno, desconstruo e apropriao nostlgica, foi apelidada como transvanguarda pelo
crtico italiano Achile Bonito Oliva. Oliva centrou-se num grupo de pintores italianos entre os quais Sandro
Chia, Enzo Cucchi, Mimo Paladino e Francesco Clemente. Enquanto o grupo da arte povera em Itlia tinha
rompido com a primazia da pintura, a transvanguarda regressou superfcie da tela. Kristine Stiles and
Peter Selz (Ed.), Op. Cit., 1996, p.173. A transvanguarda descrita nestes termos por Lyotard: misturando
as vanguardas, o artista e o crtico julgam-se mais seguros suprimindo-as do que atacando-as de frente.
Porque podem fazer passar o eclectismo mais cnico por uma superao do carcter (...) das investigaes
precedentes. Se lhes quisessem voltar abertamente as costas expor-se-iam ao ridculo do neo-academismo.
506
Jean-Franois Lyotard. Resposta pergunta: o que o ps-moderno?, Op. Cit., 1993 [1986], p.16
211
a desordem que reina no gosto do amador.512 E avana com a tpica crtica da sujeio
da arte ao mercado: Este realismo do seja l o que for o do dinheiro.513
No outro sentido, Lyotard responde tambm a Habermas, chamando a ateno para a
severa reavaliao que a ps-modernidade impe ao pensamento das Luzes, ideia de
um fim unitrio, e de um sujeito.514 E numa carta datada de 1984 vai mais longe: o
meu argumento o de que o projecto moderno (da realizao da universalidade) no foi
abandonado e esquecido, mas destrudo, liquidado. (...) Auschwitz pode ser considerado
como um nome paradigmtico para o inacabamento trgico da modernidade.515
Respondendo ento s crianas sobre o que o ps-moderno, Lyotard faz uma
reviravolta engenhosa516, ou talvez uma fuga para a frente: o ps-moderno seria
o lugar aonde se desenvolvem as experincias que levam ao moderno uma obra s
pode tornar-se moderna se primeiro for ps-moderna.517
Numa carta intitulada Nota sobre os sentidos de ps, de 1985, Lyotard aborda o
tema da arquitectura. Fazendo referncia a Portoghesi e a Gregotti, critica o conceito
de ps-moderno como uma converso, isto , como uma nova direco depois da
anterior518 considerando que a ideia de uma cronologia linear perfeitamente moderna.
Pertence simultaneamente ao cristianismo, ao cartesianismo, ao jacobinismo.519 A ideia
de modernidade est ligada ao princpio de que necessrio romper com a tradio
e instaurar uma maneira de viver e pensar absolutamente nova520 quando, de facto,
suspeitamos hoje que esta ruptura mais uma forma de esquecer ou de reprimir o
passado, ou seja, de o repetir, mais do que de o ultrapassar.521 Isto , o que distinguiria
a ps-modernidade seria desde logo uma relao no traumtica ou cismtica com a
modernidade e um continuado processo analtico sobre o seu prprio sentido, como
Jean-Franois Lyotard. Resposta pergunta: o que o ps-moderno? Ibidem.
513 Jean-Franois Lyotard. Resposta pergunta: o que o ps-moderno? Ibidem.
514 Jean-Franois Lyotard. Resposta pergunta: o que o ps-moderno? Idem, p.15
515 Jean-Franois Lyotard. Apostila s Narrativas, Idem, p.32
516 A elaborao de Lyotard do ps-moderno , segundo Fredric Jameson, uma reviravolta engenhosa: a
proposio (...) que o ps-modernismo no sucede ao modernismo cannico, como o seu subproduto, mas
que precisamente o precede e o prepara, de forma que os ps-modernismos nossa volta podem ser vistos
como a promessa do regresso e a reinveno (...) de um novo modernismo. Fredric Jameson. Theories of
the Postmodern. Op. Cit., 1998, p.27. Para Perry Anderson, diferentemente, a resposta de Lyotard pergunta
sobre o que poderia ser a autntica arte ps-moderna? surgindo anexada por um uso que ele detestava (...)
foi coxa. Perry Anderson, Op. Cit., 1998, p.45
517 Jean-Franois Lyotard. Resposta pergunta: o que o ps-moderno? Op. Cit., 1993 [1986], p.24
518 Jean-Franois Lyotard. Notas sobre os Sentidos de Ps, Idem, p.94
519 Jean-Franois Lyotard. Notas sobre os Sentidos de Ps, Ibidem.
520 Jean-Franois Lyotard. Notas sobre os Sentidos de Ps, Ibidem.
521 Jean-Franois Lyotard. Notas sobre os Sentidos de Ps, Ibidem.
512
212
Fredric Jameson
Postmodernism or, The Cultural Logic of Late Capitalism, 1999 (capa)
213
214
linha da tese de Huyssen, que a sua retrica populista tem pelo menos o mrito de
chamar a ateno para uma caracterstica de todos os ps-modernistas acima referidos:
o apagar da velha fronteira (...) entre a alta cultura e a chamada cultura comercial de
massas.535 E de facto, Jameson escreve que justamente aquilo que repudiado pelos
idelogos do moderno536, como produtos ou despojos da indstria da cultura,
aquilo que atrai os ps-modernistas.537 Com uma diferena importante em relao ao
alto modernismo: estes materiais no so simplesmente citados, como um Joyce ou
um Mahler poderiam ter feito, mas so incorporados na sua prpria substncia.538
O que Jameson quer refutar a existncia de um novo tipo de sociedade, quer se
chame de consumo, ps-industrial ou meditica, que j no obedea s leis do
capitalismo clssico, como a primazia da produo industrial e a omnipresena da luta de
classes.539 A tese de Jameson que esta sociedade no a da superao do capitalismo
o que tornaria as teses de Marx obsoletas, e por isso a tradio marxista tm-lhe
resistido com veemncia540 , mas pelo contrrio, a conformao de um capitalismo
num estado mais puro.541
Explicando a viabilidade de uma periodizao do ps-modernismo como dominante
cultural542, Jameson considera que houve, de facto, uma mutao da esfera da
cultura pelo facto de posies anteriormente consideradas anti-sociais estarem agora
integradas: no s Picasso e Joyce j no so feios; mas parecem-nos at, no conjunto,
bastante realistas, e isso o resultado de uma canonizao (...) do Movimento Moderno
que pode ser localizado no final dos anos 50.543 E portanto, num tpico confronto
de geraes, o ps-modernismo seria consequncia da lgica crtica do moderno
surgir, aos olhos da nova gerao dos anos 60 (...) como um conjunto de clssicos
mortos.544
Fredric Jameson, Ibidem.
536 De Levis ao American New Criticism, passando por Adorno e pela Escola de Frankfurt. Fredric Jameson,
535
Ibidem.
215
acadmicas por toda uma nova gerao de poetas, pintores e msicos. Postmodernism and Consumer
Society, Op. Cit., 1998, p.19
545 Cf. Fredric Jameson, Op. Cit., 1999 [1991], pp.7-11
546 Fredric Jameson, Idem, p.8
547 Fredric Jameson, Idem, p.9
548 Fredric Jameson, Ibidem.
549 Fredric Jameson, Idem, p.10
550 Fredric Jameson, Idem, p.14
216
217
Vou analisar um edifcio (...) que talvez no seja caracterstico da arquitectura ps-moderna cujos
principais proponentes so Venturi, Charles Moore, Michael Graves e, mais recentemente, Frank Gehry,
mas que na minha opinio oferece algumas lies surpreendentes sobre a originalidade do espao psmodernista. Fredric Jameson, Op. Cit., 1999 [1991], p.38. Em Spatial Equivalents in the World System
Jameson analisa com detalhe a Casa de Santa Monica (1979) de Frank Gehry procura de uma viabilidade
no-historicista para o ps-modernismo. Idem, pp.108-129
562 Fredric Jameson, Idem, p.43
563 Fredric Jameson, Postmodernism and Consumer Society, Op. Cit., 1998, p.11
564 Cf. Fredric Jameson, Op. Cit., 1999, pp.25-31
565 Em referncia ao conceito de Camp de Susan Sontag, que anotmos, Jameson prope o conceito de
sublime por referncia a Edmund Burke e a Kant; ou algo como um sublime camp ou histrico. Cf.
Fredric Jameson, Idem, p.34
566 Jameson sublinha no entanto que se deve a Habermas a inverso e a redefinio dramtica do que
se mantm como afirmao do valor supremo do moderno e o repdio da teoria e da prtica do psmodernismo. Fredric Jameson, Theories of the Postmodern, Op. Cit., 1998, p.25
567 Fredric Jameson, Postmodernism and Consumer Society, Idem, p.20
561
218
2.3.3
Polticas do ps-modernismo: o afirmativo, o crtico e o negativo
219
is Post-Modernism? New York: Academy Editions, 1996 [1986] p.15. Jencks assinala ainda a existncia
de um ps-modernismo que expressa uma condio de dvida, um movimento desconstrucionista
que se prope resistir cultura da Disneylndia e que v protagonizado por Jacques Derrida, Michel
Foucault, Jean Baudrillard e Fredric Jameson. Idem, p.16. Jencks faz ainda a longa lista de antagonistas
do ps-modernismo, comeando por Clement Greenberg: desde h muito reconhecido como o terico do
Modernismo Americano, definiu o Ps-modernismo em 1979 como a anttese de tudo o que gostava. Idem,
p.27
573 Cf. Omar Calabrese, A Idade Neo-Barroca, Lisboa: Edies 70, 1987
574 Cf. Gilles Lipovetsky, A Era do Vazio. Ensaio sobre o individualismo contemporneo, Lisboa: Relgio
dgua, 1988
575 Andreas Huyssen, Op. Cit., 1986, p.183
576 Ihab Hassan, Op. Cit., 1982 [1971], p.263
577 Segundo Huyssen, esta publicao representa o momento em que a esquerda comeou a levar o psmodernismo a srio. Op. Cit., 1986, p.199 [nota]. Postmodern Culture rene ainda textos de Rosalind
Krauss, Douglas Crimp, Graig Owens, Gregory L. Ulmer, Fredric Jameson, Jean Baudrillard, Edward W.
Said.
220
livro ser reeditado em 1985 com o nome Postmodern Culture. O tom antagnico e
cptico dado pela publicao do inevitvel Modernity An Incomplete Project
(Habermas) e por Towards a Critical Regionalism (Six Points for an Architecture
of Resistance) de Frampton. Embora Foster escreva que todos os crticos,
menos Habermas, tm em comum acreditar que o projecto da modernidade agora
profundamente problemtico.578 De modo anlogo a argumentos veiculados sobre a
capacidade autocrtica da arquitectura moderna, Foster afirma que na arte, o projecto
disciplinar do modernismo, embora rico, veio a rarefazer a cultura da ter surgido
um contra-projecto que tomou a forma de uma vanguarda anrquica (...) especialmente
o dadasmo e o surrealismo.579 Nesse sentido, afirma que a revolta surrealista regressa
na arte ps-modernista, no seio de um conjunto de alteraes no s na natureza da
arte, mas tambm no objecto da crtica.580
Por reflexo da arquitectura ps-moderna, afirma Foster, o ps-modernismo
geralmente entendido como um regresso tradio.581 Define, por isso, um psmodernismo que procura desconstruir o modernismo e resistir ao status quo e um
ps-modernismo que repudia o primeiro para celebrar o segundo.582 Como outros
autores, Foster divide o ps-modernismo em dois e fica com aquele de resistncia
como contra-prtica no s cultura oficial do modernismo mas tambm falsa
normatividade do ps-modernismo reaccionrio.583
Ihab Hassan, depois de ter aplicado o termo na literatura em 1971, como j mencionmos,
desenvolve, em Toward a Concept of Postmodernism, o que se chama um tentativo
esquema heurstico584 do conceito. Fazendo a genealogia do uso da expresso na
literatura, e caracterizando o pop e o silncio, a cultura de massas e a desconstruo,
ou Superman e Godot585 como aspectos dicotmicos do ps-modernismo, Hassan
elabora dez problemas conceptuais586 que o definem e um quadro que esclarece
221
222
dos anos 20/30: o ps-modernismo dos anos 60 era caracterizado por uma imaginao temporal que
demonstrava um poderoso sentido de futuro e de novas fronteiras (...), uma imaginao reminescente de
movimentos continentais de vanguarda como o Dada e o surrealismo. Idem, p. 191. O ps-modernismo dos
anos 60 tacteou a recaptura do ethos adversarial que estava presente na arte moderna na sua primeira fase
mas o seu sucesso fez com que rapidamente fosse integrado na indstria da cultura. Idem, p.193
592 Andreas Huyssen, Idem, p.195
593 Andreas Huyssen, Idem, p.196
594 Andreas Huyssen, Idem, p.195
595 Andreas Huyssen, Idem, p.196
596 Andreas Huyssen, Idem, pp.199-201
597 Andreas Huyssen, Idem, p.204
598 Andreas Huyssen, Idem, p.216
223
Huyssen, Ibidem.
Huyssen, Idem, p.217
601 Andreas Huyssen, Ibidem.
602 Andreas Huyssen, Idem, pp. 217-218
603 Cf. Andreas Huyssen, Idem, p.219-220
604 Andreas Huyssen, Idem, p.220
605 Andreas Huyssen, Idem, p.221
606 Linda Hutcheon, Idem, p.201
607 Linda Hutcheon. A Poetics of Postmodernism, History, Theory, Fiction. New York and London:
Routledge, 1988, p.201
608 Segundo Hutcheon, a resposta da Esquerda percorreu todo o campo desde a aprovao do seu potencial
radical at condenao total da sua cumplicidade com a cultura capitalista. Idem, p.210
609 Linda Hutcheon, Ibidem.
599 Andreas
600 Andreas
224
225
226
227
228
da cultura (...) corresponde a um grau zero da arte,643 onde Charles Baudelaire e Andy
Warhol644 seriam respectivamente o profeta e o messias do Apocalipse.
Em Warhol vemos particularmente uma figura apocalptica: I like boring things;
department stores are kind of like museums; I dont know where the artificial stops
and the real starts.645 Como diz Baudrillard: Warhol foi quem levou mais longe a
abolio do sujeito da arte, do artista, ao retirar-se do acto criativo (...). No pertence a
nenhuma vanguarda ou utopia. Ajustou as suas contas com a utopia porque ao contrrio
de outros artistas (...) entrou directamente no corao da utopia, no corao de lado
nenhum.646
E ainda, pergunta Baudrillard: depois da orgia, o que vais fazer depois da orgia?647
Resposta: perptua reversibilidade.648
No ps-modernismo coexiste o infantil na abordagem afirmativa; e o fim e a morte,
no espectro negativo. Meia-idade o que o ps-modernismo no . (Perguntar durante
a orgia: o que vais fazer depois da orgia?).
Jean Baudrillard, Beyond the vanishing point of art. Paul Taylor (Ed.) Op. Cit., 1989, p.173
644 Baudrillard traa a ligao entre o conceito de Baudelaire de obra de arte como mercadoria absoluta e a
tentativa radical de Warhol de se transformar numa mquina, mais mquina que uma mquina, levando
ao limite os rituais de desaparecimento da arte. Idem, p.178
645 Kristine Stiles and Peter Selz (Ed.), Op. Cit., 1996, pp.340-346
646 Jean Baudrillard, Starting From Andy Warhol [1990]. The Conspiracy of Art. New York: Semiotext(e),
2005, p.44
647 Jean Baudrillard, Beyond the vanishing point of art. Paul Taylor (Ed.), Op. Cit., 1989, p.189.
Baudrillard refere-se orgia como o explosivo movimento de modernidade, com os seus vrios tipos de
libertao libertao poltica, libertao sexual, libertao das foras produtivas e destrutivas, libertao
da mulher, libertao das crianas, de libertao de desejos inconscientes, libertao da arte a assuno de
todos os modelos de representao, de todos os modelos de anti-representao. Idem, p.182
648 Jean Baudrillard, Beyond the vanishing point of art. Paul Taylor (Ed.), Idem, p.189
643
229
230
Captulo III
Tigres de Papel.
Ps-modernismo / Itinerrios
3.1
Ps-modernidade na arquitectura Portuguesa
232
3.1.1
Do duck de Venturi para o pato bravo de Manuel Vicente
233
ptio da Unidade Residencial Joo Barbeiro (Beja, 1978-1984) remete para o espao
infinito do ptio do Salk Institute (1959-1965) de Kahn, mas contaminado por um
grafismo e um uso da cor que o aproxima de uma lgica popular. Nestas duas obras,
em particular, o tempo longo das experincias eruditas move-se com o tempo longo
da arquitectura vernacular. Este deslizamento face arquitectura moderna notado na
discusso que se abre em Lisboa, nos anos 80. Em 1984 publicada uma Arquitectura
dedicada ao seu trabalho e em 1986, num contexto de afirmao do ps-modernismo, a
sua obra considerada uma das cinco Tendncias da Arquitectura Portuguesa.
Como j afirmmos, Hestnes mantm-se, no entanto, firmemente pr-Venturi. O tempo
longo de Kahn cronologicamente curto e rapidamente substitudo pela cultura da
imagem, que Hestnes recusa, embora, de algum modo, satisfaa. O populismo, os
jogos de linguagens e as tcticas de assdio do quotidiano que se formulam, atravs de
Venturi, so estranhas abordagem de Hestnes. J na Arquitectura de 1984, isso claro:
Embora o factor construtivo seja hoje minimizado, seno considerado suprfluo, para
uma certa viso arquitectnica mais radicada cenograficamente, em nosso entender a
essncia da arquitectura dever dispor, de forma subjacente, esse vector.
Cf. Salette Tavares, Do esmeraldo, Arquitectura, n152, Maio-Junho 1984, p.38
Arquitectura n152, Maio-Junho 1984, pp.34-69
Cf. AAVV, Tendncias da Arquitectura Portuguesa, catlogo da exposio, Lisboa, 2 ed., 1989. Embora
surja neste quadro, Hestnes distancia-se do ps-modernismo: [como o Kahn] tambm nunca recusei a
Arquitectura moderna, e sem saber da vossa posio no Porto, escrevi ao Michel Toussaint e tambm no
participei na exposio do Ps-Modernismo. Raul Hestnes Ferreira, Conversa com Raul Hestnes Ferreira,
Alexandre Alves Costa, com Adelino Gonalves e Nuno Correia. Raul Hestnes Ferreira, Projectos, 19592002. Lisboa: Edies Asa, 2002, p.280
O ps-moderno tem uma conotao de busca de imagens pelo lado mais fcil, mais publicitrio, como
o Venturi, por exemplo. Nunca gostei muito do Venturi, francamente. O Venturi procura a imagem. Ele vai
buscar temas clssicos, tambm, mas a atravs das imagens que se exprime. (...) No isso que me atrai.
O que me interessa a questo da tradio na construo. Raul Hestnes Ferreira, Idem, pp.276-277. Como
escreve Paulo Varela Gomes, Hestnes continuadamente um arquitecto dos anos 50-60 trabalhando nos
anos 70, 80, 80 e 2000. Paulo Varela Gomes, A tradio do novo, Raul Hestnes Ferreira, Idem, 2002, p.5
Raul Hestnes Ferreira, Introduo, Arquitectura, n152, Op. Cit., 1984, p.35
234
Manuel Vicente
O exerccio da cidade, 1979, pp.23 e 24
(catlogo da exposio)
Como fica patente, j em 1974, no dilogo com Hestnes a propsito da Casa de Queijas10,
Manuel Vicente, pelo contrrio, no s integra como hiperboliza o discurso venturiano:
Houve o esforo consciente de integrar este edifcio na desordem envolvente. Os fios
telefnicos e as cordas da roupa convertem-se num elemento constituinte do edifcio
(...). Comeamos com Venturi a falar da casa de Long Beach, um possvel discurso de
palavras vulgares.11 Ao longo da conversa, Manuel Vicente apropria-se expansivamente
do discurso de Venturi: em questo est o bom gosto que nos leva a estabelecer um
fosso entre ns, e o que se passa nossa volta12; a que entra o grande mrito do
Venturi, pois ele que fala dessa linguagem que (...) a linguagem mais dinmica, mais
real e mais forte, por ser a linguagem dos objectos comuns e definir um vocabulrio.13
Faz, dir-se-ia, uma traduo para portugus das propostas de Venturi entre Complexity
e Learning: perante a saneta de veludo e a lanterna de ferro forjado, vamos ficar toda
a vida a chorar, ou vamos tentar dar uma volta?14
Colocando a importncia de Venturi no plano das ideias15, Hestnes ressalva a sua
disponibilidade: h uma posio nele que me agrada, que reconhecer uma cultura
10 Manuel Vicente, Raul Hestnes Ferreira, Vicente Bravo, Conversa roda de uma casa, Arquitectura, n
129, Abril 1974, pp.36-41
11 Manuel Vicente, Idem, p.36
12 Manuel Vicente, Idem, p.37
13 Manuel Vicente interpela Hestnes num plano que se assumir como ps-modernista, fazendo a apologia de
uma dimenso pblica e abertamente comunicativa para a arquitectura: como reagirias se eu dissesse que se
tratava de uma obra de fachada? O sistema interior interessa a um nmero reduzido de pessoas, o sistema
exterior pela sua dimenso pblica interessa a mais gente. Usa ainda um argumento social a favor de
uma arquitectura exposta e pblica: ao abordar o desenho arquitectnico h que optar em privilegiar o
particularismo do pequeno mundo ou a funo pblica e social do objecto arquitectnico? Manuel Vicente,
Idem, p.39
14 Ou ainda: Se na ligao com um certo tipo de cliente um gajo consegue descobrir o twist que consegue
recuperar, por exemplo, a frmica a imitar a madeira que tanto nos repugna e recuper-la para uma
significao diferente da do cliente, tal como a arte pop recuperou a lata do tomate... Manuel Vicente, Idem,
p.40
15 Eu tenho a impresso que essa posio do Venturi, por exemplo, mais sugestiva teoricamente do que na
prtica. (...) Para j so apenas ideias, o Venturi, p, um maneirista. Hestnes Ferreira, Idem, p.37
235
Manuel Vicente
Arquitectura, 136, 1980, capa e p.37
e dizer: vamos partir dessas cultura, (...) vamos reconhecer Las Vegas (...), as autoestradas com as bombas de gasolina e os hot-dogs.16 Para l das reservas de Hestnes,
Manuel Vicente conclui a descrio da Casa de Queijas em termos inequivocamente
venturianos: esta fachada igual a outra, mas afinal no (...), essa ambiguidade, essa
contradio que quanto a mim enriquece o objecto.17
Em 1979, a exposio de Manuel Vicente, O exerccio da Cidade,18 revela o mais
venturiano dos arquitectos portugueses. Isso mesmo tornado claro, logo no prembulo
do catlogo: E todavia, no confronto com o ordinrio/corrente, na deciso de o tentar
manipular como vocabulrio de um outro discurso, no esforo de (...) transformar em
algo de que se goste, aquilo de que se no gosta, existiria, continuando a parafrasear
Denise Scott Brown, uma grande potencialidade criativa.19 Em 1980, o programa de
Macau assumido nos mesmos termos: fui para Macau muito fascinado; porque eu
dizia muitas vezes em Lisboa: adorava ter um pato bravo, trabalhar no ordinrio, no
grosseiro, no vulgar, no corrente, no banal, e ainda a, entrar e dizer, como a criatura
que eu estimo muito, Denise Scott Brown: est quase bem. E de facto, no tem nada que
saber.20 Ou ainda, indo s fontes: Uma das coisas que influenciou o meu pensamento
foi a famosa pintura da lata de sopa de Andy Warhol. H um forte esforo criativo em
fazer algo de que se gosta a partir de algo que no se gosta. Em Macau, h muitos
materiais de que no gosto (...). O processo de construir com estes materiais transformase em algo quase religioso.21
Hestnes Ferreira, Idem, p.36
17 Manuel Vicente, Idem, p.41
18 Cf. O Exerccio da Cidade (Arquitectura em Macau em 1976/79), Ar.co Outubro 1979. Trata-se de uma
exposio individual, ento uma iniciativa invulgar, com trabalho realizado em Macau, entre 1976 e 1979.
19 Manuel Vicente, Prembulo, Idem, p.5
20 Manuel Vicente, Entrevista a Manuel Vicente, por Carlos Duarte e J. Manuel Fernandes, Arquitectura
n136, Fevereiro 1980, p.43
21 Manuel Vicente,Interview [Dialogue, n030, Taiwan, 1999, pp. 70-73], Eric K C Lye, Manuel Vicente,
16
236
Manuel Vicente
...Prender todo o tempo ocupando o espao, 1989 (capa)
(catlogo da exposio)
237
238
significa29, e ser aprofundada, noutra escala, nos edifcios da TDM (Macau, iniciados
em 1964, referimo-nos principalmente ao edifcio administrativo que corresponde 3
fase, 1986) e no WTC (Macau, 1985-1988).
A interveno na Casa dos Bicos, feita com Daniel Santa-Rita, em 1983, uma
transposio directa da teoria e da prtica de Macau para um edifcio patrimonial em
Portugal o que, partida, garantia a controvrsia que de facto se gerou.30 No seguindo
a lgica verista da Carta de Veneza nem nenhuma reserva patrimonialista, a interveno
ocupa um intervalo particular que, como notado, no agrada a (quase) ningum.31 Ao
ocupar esse espao de impreciso radicalmente ps-moderna: troca o argumento da
autenticidade, segundo uma moral conservadora ou moderna, por um refinado jogo de
espelhos. A fachada dos bicos continuada pela coleco de elementos tipolgicos
afins, numa Collage Ideal do nosso quinhentos, ponto de encontro de uma certa
memria da idade do ouro, feito objecto de fruio pblica e quotidiana.32 semelhana
da escada da Biblioteca Laurenziana (Florena, iniciada em 1524) de Miguel ngelo
Gasto Cunha e Manuel Vicente, Bar Metro e Meio, Arquitectura, n130, Maio 1974, p.33
Cf. Jos Tudella, A Casa dos Bicos travestida ou pervertida?, JL Jornal de letras, artes e ideias, 3/9
Janeiro de 1984, p.23; A. Srgio Pessoa, A saga da Casa dos Bicos, JL Jornal de letras, artes e ideias,
13/19 Dezembro de 1983, p.21; Jos Manuel Fernandes, A casa dos bicos travesti, JL Jornal de letras,
artes e ideias, 19 Novembro/5 Dezembro de 1983, p.27; Manuel Lacerda e Tomz D Ea Leal, 5 Projectos
5 (...), JA Jornal Arquitectos, n 19/20, Julho/Agosto, 1983, pp.7-14; Vasco Cmara Pestana, A Casa dos
Bicos, JA Jornal Arquitectos, n 21/22/23, Out/Nov/Dez 1983, pp.11-12; Manuel Graa Dias, XVIII Eis
posies modernas, JA Jornal Arquitectos, n 21/22/23, Out/Nov/Dez 1983, pp.14-15; Joo Pacincia,
Notas margem de trs projectos, JA Jornal Arquitectos, n 21/22/23, Out/Nov/Dez 1983, pp.16-17. Cf.
ainda: XVII Exposio europeia de Arte, Cincia e Cultura na Arquitectura n151, 1983, pp.66-90
31 Como escreve Paulo Varela Gomes, o projecto s foi avante graas persistncia e ao lobbying dos
autores. Na verdade, ningum mais gostou verdadeiramente da soluo. A chamada opinio pblica aceitoua por puro medo de ser chamada provinciana e porque as questes de patrimnio ainda no se tinham
tornado o campo de batalha de receios e excomunhes que viriam a ser nos anos seguintes. A comunidade
arquitectnica teve que engolir porque ningum j tinha certezas e ningum foi capaz (ou quis) argumentar
contra o voluntarismo de Manuel Vicente. Paulo Varela Gomes, Arquitectura, os ltimos Vinte e Cinco
Anos. Paulo Pereira (dir.). Histria da Arte Portuguesa. III Volume, Lisboa: Circulo de Leitores, 1995,
p.571
32 Jos Santa-Rita, Manuel Vicente, Fachada Sul, Arquitectura, n151,1983, p.68
29
30
239
240
Vicente causa num certo grupo de estudantes de arquitectura nas Belas Artes de Lisboa
est documentada41 assim como a controvrsia que gera. J a propsito da exposio de
1979, Pedro Vieira de Almeida, reconhecendo desassombro, contesta tratar-se de um
exerccio da cidade (o ttulo/lema da exposio), por no encontrar a cidade, isto
, toda a realidade criticamente entendida de um organismo urbano preexistente.42 O
artigo demonstra o desencontro entre a expectativa sociocultural de Vieira de Almeida,
extensvel a uma gerao de arquitectos, e a abordagem ldica e formalista de Manuel
Vicente. Identificando a qualidade inegvel do desenho que diz da grande qualidade da
sua arquitectura, Vieira de Almeida critica a ausncia de explicitao de relaes de
dependncia de uma vizinhana prxima, definida em termos sociolgicos e culturais.43
Concluindo que Manuel Vicente foi procurar em Macau um contexto complacente
onde precisamente se possa desvincular da cidade, onde o efectivo exerccio da cidade
se possa, sem escndalo maior, reduzir ao mnimo.44
Em 1991, no entanto, a propsito do futuro da arquitectura portuguesa, Vieira de
Almeida antecipa a centralidade do que apelida grupo de Macau, o conjunto de
arquitectos (...) que se situam em torno do nome e personalidade de Manuel Vicente.45
Face a dois grupos que descreve o do chamado ps-modernismo portugus
Cf. Manuel Graa Dias, Pleasure, Eric K C Lye, Op. Cit., 2006, pp.22-28. Cf. ainda Paulo Varela
Gomes, 77-87, Viva a ps-dcada para a histria do ps moderno em Portugal, Contraste, n1,2 Outubro
1987, pp. 16-19
42 Pedro Vieira de Almeida, ...Coisas muito indecentes e contrrias aos preceitos dos bons arquitectos,
Arquitectura, n136, Fevereiro 1980, p.51
43 Pedro Vieira de Almeida, Ibidem.
44 No digo isto em desabono de Manuel Vicente (...). Posso discordar e certamente que discordo, mas
no fcil a discusso desta opo, e no de certeza sobre ela estabelecer um discurso simplista radical
e moralizador. (...) Manuel Vicente conhece melhor que ningum que para fazer aquela arquitectura que
pretende s um meio altamente especulativo como Macau. Mas Manuel Vicente est l e diz porqu, e essa
uma das suas desarmantes sinceridades. (...) Pe dedo na ferida (...): que arquitectura vamos afinal fazendo,
que empenhamento estamos afinal assumindo. Pedro Vieira de Almeida, Idem, p.51
45 Pedro Vieira de Almeida, Uma histria do futuro, Colquio Artes, n 89, 2 Srie/33 Ano, Junho 1991,
pp.14-15
41
241
de Almeida considera que, pelo menos em arquitectura, o declarado conflito entre psmodernismo/modernismo precrio, fictcio, j que no ps-modernismo apenas se confirmaram os mesmos
parmetros que enquadraram todo o modernismo como atitude (...), at hoje (p.15); quanto Escola do
Porto: a evidente qualidade neste momento dominante da chamada Escola do Porto corre tambm (...)
alguns riscos de entrar num processo de autocitao e esgotamento que a mdio prazo poder constituiu um
vector academizante. Pedro Vieira de Almeida, Uma histria do futuro, Colquio Artes, n 89, 2 Srie/33
Ano, Junho 1991, p.14
47 Pedro Vieira de Almeida, Idem, p.19
48 Pedro Vieira de Almeida, Ibidem.
49 Manuel Vicente, Um prefcio para um livro, ambos feitos por arquitectos, Manuel Graa Dias, Vida
Moderna, Mirandela: Joo Azevedo Editor, 1992, p.15
50 Manuel Vicente. , Entrevista, por Manuel Graa Dias, Via Latina Forum de Confrontao de Ideias,
Op. Cit., 199, p.287 Nas razes do PM no podes deixar de encontrar o Venturi (...). Tambm no podes,
num plano ambicioso e mais erudito, desligar-te da figura do Kahn (...), um homem que se prope olhar para
mais mundo que o mundo greco romano, que era para onde se permitia que o Mies van der Rohe olhasse. (...)
Kahn (...) provavelmente o primeiro homem que redime o sculo XIX, as Beaux Arts e o Mundo Islmico.
(p.282)
242
51 Helena Rezende, Manuel Graa Dias, Manuel Vicente, Objectivos, Macau Glria A Glria do Vulgar.
Macau: Edio patrocinada pelo Instituto Cultural de Macau, 1991, p.11
243
3.1.2
A linha crtica: neo-racionalismo e a profisso potica de lvaro Siza
244
Nuno Portas, Entrevista a Nuno Portas [conduzida por Jos M-Fernandes e Jos Lamas], Arquitectura,
n135, Setembro/Outubro 1979, p.62
55 Nuno Portas, Ibidem.
56 Nuno Portas, Idem, p.67
57 Nuno Portas, Ibidem. Da que Portas recomenda aos estudantes muito influenciados pelo Venturi, pelo
Krier ou pelo Rossi, os primeiros livros de Rossi para no ir mais longe, sobretudo o grande livro que A
Arquitectura da Cidade. Onde est perfeitamente clara, como mtodo analtico, que s foi pena no ter sido
suficientemente desenvolvido pelo prprio Rossi ou por outros, uma anlise da relao entre morfologia e
tipologia que extremamente instrutiva para o que se pode fazer hoje. Ibidem.
58 Nuno Portas, Idem, p.66
54
245
sua impermeabilidade, sua difcil socializao.59 Nos anos 80, o espao de Portas
diminui drasticamente, por reflexo de uma crtica antagnica a Lisboa, por excesso
de permeabilidade e, ao Porto, por dfice de permeabilidade.
Como dizamos, no Porto, o vnculo afectivo arquitectura moderna mantm-se e
singularmente patente na Casa de Sergio Fernandez (Caminha, 1971-1973), e na Casa
Marques Guedes de Alexandre Alves Costa e Camilo Corteso (Caminha, 1973-1974).
Com uma inflexo vernacular, na Casa de Sergio, e uma certa disperso formal, na
Casa Marques Guedes, a arquitectura moderna homenageada, sem revivalismo ou
pretenso neo.60 O programa SAAL permite acalentar a reinstalao dessa genealogia
numa abordagem concreta, em momento revolucionrio. Siza, em particular, tem os
instrumentos de projecto necessrios. Em S. Vtor (Porto, 1975), articula vrios nveis
de actuao: evocao da vanguarda moderna, operaes de restauro, preservao
de muros transformados em runas; na Boua (Porto, 1973-1977), a arquitectura dos
siedlungen sujeita-se a uma implantao contextualista. Confluindo na afiliao
moderna, Siza lida com vrios nveis de realismo: da herana neo-realista do Inqurito
at ao realismo novo de Venturi. Sobre esta inesperada influncia, Domingos Tavares
escreve: meteu-nos o bicho de uma novidade terica e foi para Caxinas-Vila do Conde
fazer arquitectura pop, num processo que desorientou os amigos e admiradores.61
Depois do contacto com a abordagem de Venturi, em 1969, a novidade terica faz-se
Cf. Nuno Portas, Prefcio, Pginas Brancas (Arquitectura de Docentes do curso de Arquitectura da
ESBAP), Porto, 1986, s.p.; Cf. ainda Nuno Portas, A Regra, a Modstia e cidades melhores, entrevista de
Jorge Figueira, Unidade, n3, Porto, AEFAUP, 1992, pp. 14-21
60 Cf. Jorge Figueira, A Casa do Lado, S ns e Santa Tecla, Porto: Dafne Editora, 2008. A manuteno
deste vnculo clara no conjunto de obras expostas em 1987 na Escola de Arquitectura de Clermont-Ferrand
e publicadas em 1990 em Architectures Porto. Cf. AAVV,Architectures Porto, Conu et ralise par: Opus
Incertum, Pierre Mardaga Editeur, [1987, 1990]
61 Domingos Tavares, Da Rua Formosa Firmeza, Porto: Edies do curso da ESBAP, 1985 [1980], p.55.
De Venturi trouxera-nos Siza uma notcia breve, em fins de 1969 depois de uma viagem a Barcelona onde,
dizia, andava tudo doido com o americano. Ibidem.
59
246
Cooperativa Domus, lvaro Siza, Porto, 1972/73 Lieb House, Robert Venturi, Long Beach, 1967
[Arquivo lvaro Siza] Imagem em Venturi Scott Brown & Associates
Architectural Monographs, n 21, 1992, p.35
sentir na sua obra e ser vrias vezes reafirmada62. O herosmo moderno concerta-se com
a atitude anti-herica de Venturi, numa gesto de movimentos opostos que faz de Siza
simultaneamente Gray e White, para retomarmos a terminologia americana. Um
complexo e contraditrio parntesis aberto na linha crtica onde fundamentalmente
Siza se move.
Em Caxinas (Vila do Conde, 1970), a linguagem racionalista dos edifcios realizados
convive com uma metodologia que pressupunha a manuteno de edifcios existentes
e o desenho local de novos, em collage indeterminada.63 A Cooperativa Domus (Porto,
1972-1973) remete para o decorated shed venturiano: o edifcio existente revestido
com placas de fibrocimento (o barraco), -lhe sobreposto um plano solto que define
a fachada e um outdoor do supermercado. No negando a banalidade do volume,
Siza acrescenta-lhe alguns elementos como a janela redonda que foi buscar tambm
a Venturi (Lieb House, Long Beach, 1967) e a superfcie com o lettering cujas
potencialidades grficas experimenta. De facto, convencional em vez de criativo,
At 1970, trabalhava de dentro para fora nos projectos pequenos. No me parecia que o interior fosse
esttico. Trabalhava nos subrbios em stios que dificilmente eram bonitos. Fechava-me nos limites do
projecto e seguia a ideia de Adolf Loos de trabalhar do interior para fora. Ocorreu-me que recusar o exterior
era alienante e significa fechar os olhos ao que se passava c fora. Aprendi muito ao tentar agarrar o
contexto de um projecto, especialmente em Caxinas. Pensei sempre que era inacessvel, que esse dilogo era
impossvel. Aprendi que o exterior, bonito ou no, pobre ou no, pertence ao stio e que deve ser estabelecida
uma relao com este, a todo o custo. (...) Foi o livro de Venturi que me fez pensar que um projecto deve
desenvolver as suas contradies. Os problemas no devem ser reconciliados mas resolvidos. lvaro Siza,
Interview [Extract from an interview with Alvaro Siza], LArchitecture DAujourdhui, 211, Octobre1980,
p. LIII [esta parte da entrevista foi s publicada no English Summary da revista]. Cf. Anexo: Sete entrevistas
para uma periferia perfeita. Entrevista a lvaro Siza, Porto, 09/02/07, pp.47-63
63 O projecto de srie linear de Caxinas comportava uma estrita definio urbanstica integrando com
a ideia de collage alguns elementos preexistentes de fraca qualidade a partir de propostas de tipologia
varivel e adaptvel a um processo de construo e de utilizao. Por isso, os elementos lingusticos
oferecidos (...) tm uma certa tradio popular, que no se adequa aos termos da collage mas permite o
processo tipolgico. Mas sempre como no caso da reconstruo da linguagem racionalista a proposta
geral obriga a uma sintaxe que o liberta de uma mimese populista. Oriol Bohigas, Alvaro Siza Vieira,
lvaro Siza, lvaro Siza, Profesin potica, Profisso potica, Barcelona: Editorial Gustavo Gili SA, 1986
[1988], p.185
62
247
AAVV
lvaro Siza, Profesin potica, 1986 (capa)
Cf. Robert Venturi, Denise Scott Brown, Steven Izenour, Ugly and Ordinary Architecture. Some
definitions using the comparative metohod, Learning from Las Vegas, Revised Edition, Cambridge,
London: The MIT Press, 1998 [1972], p.102
65 Oriol Bohigas coloca algumas reticncias relao que Gregotti estabelece de Siza com Venturi: porque
em Siza a linguagem situacional no se produz atravs de um decantamento ideolgico e incluso literrio,
mas em termos disciplinares, concluindo embora que em ambos se pode encontrar o que consideramos
[uma] atitude maneirista na recomposio semntica e sintctica de outras linguagens. Alvaro Siza
Vieira, lvaro Siza, Op. Cit., 1986 [1988], p.185. A propsito do projecto da Malagueira, Pierluigi Nicolin,
afirma que se trata de admitir que no se pode projectar do lado de fora. Activando brilhantemente uma
sensibilidade de aprender da situao, na acepo europeia do learning from. (...) No por acaso que, na
definio da tipologia de base das habitaes, Siza toma em considerao no s os modelos cannicos do
social housing mas tambm as casas clandestinas de vora (...). Mas no actua nunca atravs de alteraes
vistosas, nem se limita a citaes ou a comentrios. No se encontram tentaes pop na arquitectura de
Siza mas antes uma vontade de descobrir no quotidiano o insuspeitado e o inefvel. Pierluigi Nicolin,
Malagueira, lvaro Siza, Op. Cit., p.95. Para Bernard Huet, o interesse de certas propostas de Venturi
derivam mais duma constatao ldica do estado de declnio da arquitectura moderna e a sua posio
interpretada pela neovanguarda para legitimar o seu desempenho fundamental e a sua integrao nos circuitos
de mercado da arte; no o caso de Siza, que citando-o, procura uma resposta a um problema concreto
(...) sem fixar uma linguagem arquitectnica. Huet, lvaro Siza, arquitecto, 1965-1979, Pavilho de Arte
Contempornea de Milo, 1979 [Controspazio, 9, Setembro 1972], lvaro Siza, Idem, p.181. Marc Emery
escreve ainda: A atitude da relao de Siza com o stio evoluiu radicalmente sobre a influncia do livro de
Venturi. O primeiro perodo da sua obra [anos 50-60] tomado por uma vontade negar o stio, interiorizar
a habitao. Citando Siza quase todos os meus primeiros projectos tm poucas relaes com a rua
Emery conclui: Siza percebe mais tarde o limite desses dilogos num s sentido que classificar mais
tarde como alienao e muda de atitude no projecto de Caxinas que, por essa e outras razes, marca para
uma viragem no modo de ver e abordar as coisas. Marc Emery, La tranquille rvolution dAlvaro Siza,
LArchitecture DAujourdhui, 211, Octobre 1980, pp.11-12. A relao com Venturi menos evidente do que
parece. certo que Siza confirma o essencial das teses de Venturi, mas no participa na revoluo cultural
lanada pelo pequeno do livro; admite essa revoluo mas no v a mais do que movimento elitista sem
verdadeira motivao social. Idem, p.13
66 Vittorio Gregotti, Arquitecture recenti di Alvaro Siza, [Architecture ricenti di Alvaro Siza,
Controspazio, 9 Setembro, 1972], lvaro Siza, Op. Cit., 1986 [1988], p.187
64
248
Gregotti, Ibidem.
68 lvaro Siza citado por Bernard Huet, lvaro Siza, arquitecto, 1965-1979, Pavilho de Arte
Contempornea de Milo, 1979, lvaro Siza, Op. Cit., 1986 [1988], p.181
69 Cf. Plano de Pormenor para a Zona da Malagueira vora, lvaro Siza Vieira, Arquitectura, n132,
Fevereiro/Maro 1979 pp. 34-49
70 Cf. Pierluigi Nicolin, Malagueira, lvaro Siza, Op. Cit., 1986 [1988], p.92
71 Nicolin afirma que os comentrios que vm da parte anglo-saxnica () evocam uma ideia de pitoresco
que acaba por confinar (...) a obra de Siza queles elogios que habitualmente se reservem aos bons produtos
locais; quanto participao popular, acabam por circunscrever esta extraordinria experincia num
horizonte neo-realista um pouco anacrnico. Ibidem.
72 Cf. LArchitecture dDAujourdhui, 211, Octobre 1980.
67 Vittorio
249
(Vila Nova de Gaia, 1980) uma tipologia tradicional fragmentada ao ponto de deixar
de ser reconhecvel. Como escreve Oriol Bohigas: aceitando as leis lingusticas do
racionalismo, a arquitectura de Siza articula-se e transfigura-se de uma forma crtica
de acordo com um procedimento que se assemelha [ao] Maneirismo: respeitoso com
a tradio prxima e contudo operativa pelo seu eficaz sistema de cdigos, mas, ao
mesmo tempo, crtico e dissolvente do novo estilo, onde o collage, a surpresa e as
alteraes sintcticas passam a um plano protagonista.73
Em 1976 teve lugar o Seminrio Internacional de Arquitectura en Compostela (I
SIAC), dirigido por Aldo Rossi. Tendo contado com a presena de Siza, a participao
de um grupo de arquitectos, onde se encontra Eduardo Souto de Moura,74 e de Charters
Monteiro75, ex-aluno de Rossi e responsvel pela traduo de A Arquitectura da Cidade
(1977), trata-se de um momento singular de aproximao portuguesa linguagem
rossiana. Charters , alis, responsvel pela obra mais prxima da abordagem de Rossi
em Portugal: o conjunto da Bela Vista (Setbal, 1974-1981) uma malha de quarteires
hiperbolizados depurados e agigantados que remetem para os arqutipos da cidade
tradicional (praas, esquinas, escadarias).76 maneira rossiana, a Bela Vista uma
efabulao sobre tipos tradicionais exponenciados formalmente.
Numa das viagens que faz em Portugal, como descreve Charters, Rossi visita a Bela
Vista e desenha para a uma estrutura longa o Bacalhau, como ficar conhecido ,
um projecto desenvolvido depois por vrios arquitectos77 mas que no ser realizado.
Oriol Bohigas, lvaro Siza Vieira, lvaro Siza, Op. Cit., 1986 [1988], p.183
74 Cf. AAVV, I Seminario Internacional de Arquitectura en Compostela, [Catlogo, 1977] Proyecto y ciudad
historica, I SIAC, Colegio Oficial de Arquitectos de Galicia, Director: Aldo Rossi. O I SIAC teve lugar entre
27 Setembro e 9 Outubro de 1976. Na abertura, Aldo Rossi afirma: No final dos anos 50 (...) rompeu-se a
bela iluso da arquitectura do Movimento Moderno (...). Qual era esta iluso? Era que confundindo moral,
esttica, poltica e tcnica, pensava e via na arquitectura o elemento capaz de redimir os conflitos sociais (...).
A abordagem de Antonio Gramsci, o facto mais importante da arquitectura do ps-guerra, ensinava que s a
conscincia do uso da tcnica, e no a tcnica em si mesma, qualificava o intelectual. (...) Hoje sabemos que
no existe uma arquitectura moderna enquanto tal, mas programas para abordar e problemas para resolver.
Introduccion, AAVV, Op. Cit., 1986 [1988], p.15. Cf. ainda Anexo: Sete entrevistas para uma periferia
perfeita. Entrevista a Eduardo Souto de Moura, Porto, 05/08/06, pp.23-29
75 Jos Charters Monteiro participa na rea de Ricerca de Aldo Rossi na Faculdade de Arquitectura de
Milo, entre 1966 e 1969.
76 Cf. Jorge Figueira, Monumentalidade e Melancolia: a Bela Vista revisitada, A Noite em Arquitectura,
Lisboa: Relgio dgua, 2007, pp.162-167 [JA-Jornal Arquitectos, n 223, Abril/Maio/Junho, 2006]
77 Cf. Jos Charters Monteiro, Uma construo na azul neblina da memria [JA 174/175, Setembro 1997,
pp.28-32], Jorge Figueira; Jorge Nunes; Ana Vaz Milheiro; Manuel Graa Dias (ed.), JA Jornal Arquitectos,
Antologia 1981-2004, 218/219, Janeiro-Junho 2005, pp.196-200. Trata-se de um projecto que nasce de
uma visita de Aldo Rossi ao conjunto da Bela Vista, j com as infraestruturas executadas, no decorrer de um
almoo, conforme nos relatou Jos Charters Monteiro. Nos anos seguintes o projecto desenvolvido por
vrios arquitectos: alm de Aldo Rossi, Arduino Cantafora, Fabio Reinhart, Gianni Braghieri, Jos Charters
Monteiro, Jos Sousa Martins, Max Bosshard.
73
250
Outros projectos de Charters seguem livremente a influncia de Rossi, como notrio nas
Casas em S. Pedro de Moel (1978-1990). Noutra escala, o tipo rossiano est presente
no conjunto da Moita (1975), do atelier Cipro de Manuel Salgado78, e a imagem no
Lar de Terceira Idade, de Alves Costa, Jos Lus Carvalho Gomes, Antnio Corte-Real
e Jos Manuel Soares, (Baio, 1985-1987).79
Nos anos 70, a obra de Vtor Figueiredo evolui de uma linguagem neo-realista (projecto
de Benavente, em 1962, ou de St. Estevo, em 1963, que anotmos no primeiro captulo)
para um certo silncio e opacidade de que o conjunto Cinco Dedos (Chelas, Lisboa,
1973) representativo. Em 1979, Duarte Cabral de Mello caracteriza esta abordagem
como estilo cho por referncia ao livro de George Kubler, ento publicado80: So
projectos cuja enorme dignidade cvica os subtrai exiguidade dos recursos econmicos
normalmente atribudos (...). Perseguem (...) pista j aberta na arquitectura portuguesa
entre a primeira metade do sculo XVI e finais do sculo XVII, entre as Descobertas e o
Brasil, poca em que a escassez de recursos era geral dando lugar a uma arquitectura
sem ornamentos, um estilo cho.81A particularidade negativa da arquitectura de
Vtor Figueiredo no-imagem no pas da no-imagem como escreve ento Noronha
da Costa82 por outro lado pouco rossiana, de facto, porque no pretende vincular
Cf. Nuno Portas, Manuel Mendes, Portugal Architecture 1965-1990, Editions du Moniteur, 1992 [1991],
p.66
79 Cf. AAVV,Op. Cit., [1987, 1990], p.229. Cf. ainda: Cf. Jorge Figueira, Para L do Contemporneo,
regressando a Rossi, A Noite em Arquitectura, Op. Cit., 2007, pp.141-148 [JA-Jornal Arquitectos, n 117,
Outubro-Dezembro, 2004]
80 Cf. George Kubler, A Arquitectura Portuguesa Ch, Entre as Especiarias e os Diamantes (1521-1706), 2
Edio, Lisboa: Vega, 2005, [Edio norte-americana, 1972]
81 Duarte Cabral de Mello, Vtor Figueiredo/Arquitecto, Arquitectura, n135, Setembro/Outubro 1979,
p.25. Cf. ainda: Paulo Varela Gomes, Quatre Batailles en faveur dune architecture portugaise, AAVV
Points de Repre: Architectures du Portugal/Referentiepunten: Bouwen in Portugal, Europalia 91, Portugal,
Fondation pour LArchitecture, Bruxelles, Brussel, 21/9-24/11/1991, p.50
82 Cf. Lus Noronha da Costa. Vtor Figueiredo na histria da arquitectura portuguesa nos dias de hoje,
Arquitectura, n 135, (4 srie), Setembro/Outubro 1979, p.36
78
251
Portugal
LArchitecture dAujourdhui, 185, 1976 (capa)
Gonalo Byrne, Alto do Zambujal Lisboa, Arquitectura, n 135, Idem, 1979, p.54
84 Cf. LArchitecture dAujourdhui, Portugal, n185, Mai/Juin 1976, [2006].
85 Gonalo Byrne, Quelques prmices pour une architecture nouvelle, LArchitecture dAujourdhui, n185,
Idem, 1976, [2006], p.32
86 Gonalo Byrne, Ibidem.
87 Gonalo Byrne, Ibidem.
83
252
253
do detalhe e uma acumulao tal de formas e suas justificaes que quase diria que o
revivalismo seria a natural resposta (...). Ali dentro, em todo o caso, no me parecia
possvel ir mais alm naquela via e talvez isso tenha desencadeado uma reaco de
simplificao.92
A Pantera cruza ainda a utilizao das metodologias de projecto que Byrne estudou,
como vimos, e Reis Cabrita aprofundou em particular nesta obra.93 Mas Byrne, em 1981,
j descrente e comenta, alis, o formalismo em questo como resposta abordagem
cientfica: o grande empolamento que nos anos 60 foi dado aos problemas do mtodo
tem algo a dizer sobre esta inverso das regras de jogo. Havia que apagar a interveno
das pessoas reais que de facto intervm no processo e designadamente a do arquitecto,
ele prprio (...). Esta atitude, pelo menos subjacente, veio dar um empolamento to
grande aos mtodos que esvaziou o problema da forma, gerando um cerro saudosismo
do seu mundo.94 E critica os que criticam o formalismo constando que s vezes se
esquece que havia um formalismo subjacente em determinadas atitudes dos anos 60
(...). capaz de ser to formalista ou mais formalista ainda uma arquitectura que, com o
alibi de ser aformal se escuda numa certa rigidez conceptual em termos de mtodo.95
A linha crtica, minimalista mas hbrida, moderna mas anti-moderna, ganha na
Pantera um monumento complexo. Abrindo a porta para a nova dcada, Byrne
conclui: no me parece que se deva ter m conscincia pelo facto de a arquitectura ser
uma Arte.96
Gonalo Byrne [Entrevista por Carlos Duarte], No h que ter m conscincia por a arquitectura ser uma
arte. Arquitectura, n 143, Setembro 1981, p.26
93 Cf. Antnio Reis Cabrita, Definio da encomenda do projecto. Estudos preliminares, Arquitectura,
n141, Maio 1981, pp.20-29
94 Gonalo Byrne [Entrevista por Carlos Duarte], No h que ter m conscincia por a arquitectura ser uma
arte. Arquitectura, n 143, Op. Cit., 1981, p.27
95 Gonalo Byrne, Idem, p.26
96 Gonalo Byrne Ibidem.
92
254
Vitruvius Mozambicanus
Arquitectura Portuguesa, 2, 1985 (capa)
3.1.3
Arquitecturas beligerantes: eclectismos, popismos, ps-modernismo Pancho
Guedes, Luiz Cunha e Toms Taveira
Para l das abordagens que permanecem tocadas, em diferentes modos, pelo racionalismo,
a arquitectura portuguesa acolhe tambm experincias eclcticas e beligerantes face
tradio moderna. So expresses afirmativas que escapam conteno crtica do
racionalismo nas suas diversas aproximaes neo. Manuel Vicente e a experincia de
Macau um desses casos, como vimos. Redescobertos nos anos 80, Pancho Guedes
e Luiz Cunha, cujo trabalho anotmos no primeiro captulo, so figuras centrais num
quadro inter-geracional, j que as suas heterodoxias correspondem quilo que o psmodernismo afirmativo quer fixar, como veremos. A obra de Luiz Cunha traduz
um dilema entre um expressionismo tardo corbusiano e um eclectismo de inspirao
tradicionalista, e principalmente esta segunda abordagem que colhe junto do esprito
da poca. Pancho Guedes surge como um ps-moderno avant la lettre, a desejada
multiplicao de figuraes anti-racionalistas.
Por outro lado, emergindo do Atelier Conceio Silva, Toms Taveira responsvel por
um conjunto de obras que definem um roteiro para o ps-modernismo: experimentalismo
pop (Loja Valentim de Carvalho, 1966-1969); metabolismo (Chelas, 1975-1978);
cenografias urbanas (Edifcio na D. Joo XXI, 1978 e Complexo das Olaias, 19721980); aluses high-tech (Edifcio de escritrios na Av. D. Carlos I, 1979-1984).
Regressando da Amrica depois de uma Bolsa no MIT (1977-1978), Taveira ser o
porta-voz do movimento ps-modernista, na sua vertente internacionalista e oficial.
255
Vitruvius Mozambicanus
Arquitectura Portuguesa, 2, 1985, pp.12 e 13
256
257
senso comum102. Est mais prximo dos mitos profundos do Surrealismo do que os
mitos efmeros do Pop. A ateno de Pancho cultura arquitectnica internacional
revela-se na adopo de um historicismo mais grfico, dos anos 70 para os anos 80,
conforme a citao clssica ganha peso com o ps-modernismo, como patente na
Casa do Fronto Quebrado (1971), na Casadolo (1976)103, em Uma Casa Drica e
Redonda (1976)104 ou no templo que constri, em 1987, na Galeria Cmicos.105
Tal como acontece com Pancho e, em ambos casos, replicando Le Corbusier, a pintura
matricial na obra de Luiz Cunha. E, tambm nos dois casos, a tenso experimental
dialoga com um conservadorismo que, em Luiz Cunha, tem uma afiliao religiosa,
como j notmos.
Num contexto receptivo, em 1982, a obra de Luiz Cunha publicada na Arquitectura, dez
anos depois de uma primeira abordagem de fundo, tambm na Arquitectura, a que j nos
referimos. Respondendo s expectativas, Diogo Lino Pimentel elabora sobre obras que
primeira vista, algumas delas podem ser tidas por manifestaes dessa arquitectura
um pouco cenogrfico-humorstica que tem sido designada por ps-moderna. Defendo
que segunda vista o no so.106 Segundo Diogo Pimentel, um dado objectivo que
demasiado pequena. Dcimo Nono Livro. A Minha maneira arqueada e um pedao romana, Idem, p.53.
Cf. ainda: Amncio Guedes, A Minha Maneira Arqueada e um pedao romana [Arquitectura Portuguesa,
2, 1985]. Jos Manuel Fernandes (comissrio), Um Outsider do Moderno em frica, Anos 60, Anos de
Ruptura Arquitectura Portuguesa nos Anos Sessenta, Lisboa: Sala do Risco, Capital Europeia da Cultura,
Livros Horizonte, 1994, s.p. [12 pginas].
102 Cf. Tristan Tzara, Dada Manifesto 1918, Robert Motherwell (Ed.), The Dada Painters and Poets, An
Anthology, The Belknap Press of Harvard University Press, Cambridge, Massachusetts; London, England,
1981 (Second edition), [1951], p.76
103 Cf. Amancio Guedes, godhouse (1976). Kenneth Frampton, Silvia Kolbowski (ed), Idea as Model 22
Architectes 1976/180, 3IAUS, New York: published by the Institute for Architecture and Urban Studies and
Rizzoli International Publications, 1980, pp.44-45
104 Cf. Amancio Guedes, A Doric Round House (1980). Kenneth Frampton, Silvia Kolbowski (ed), Idem,
pp.94-95
105 Pancho Guedes, Amncio Guedes Da inveno dos Templos e Outras Artes, Galeria Cmicos, 1987
106 Diogo Lino Pimentel, Luis Cunha. Projectos e outros desenhos, Arquitectura, n145, Fevereiro 1982,
258
Lus Cunha j falava essa linguagem h dez ou quinze anos atrs. Isto podia fazer dele
um post-modernista avant la lettre, porque no? Mas (...) os cenrios de Luis Cunha
tm sempre uma forte referncia e motivao na cultura e tradio, no s dele mas
do lugar (...). E isto parece-me ser uma atitude totalmente oposta ao cosmopolitismo
dos cenrios ps-modernistas, para os quais a referncia cultural (...), doutro tempo
e doutro lugar.107
De facto, no ps-modernismo h uma profanao do lugar ancestral: as coordenadas
autnticas so cruzadas com as inventariadas pela cultura cosmopolita. E na obra de
Luiz Cunha, a entropia de elementos, o humor e a grafia BD, transbordam para l de
qualquer autenticidade como confirma, alis, Diogo Pimentel: na sua modalidade
mais eclctica, Lus Cunha no resiste (...) a certo humorismo formal: so os elementos de
beto prefabricado usados como cantaria tradicional, a manilha de esgoto transformada
em voluta de capitel de evocao jnica (...), ou a pequena varanda bow-window
neogtica (...) no edifcio do Dirio do Minho.108
Situando duas vertentes na obra de Luiz Cunha uma corbusiana (...) nas obras de
programa e enquadramento mais cosmopolitas e, outra, eclctica, (...) nos programas
e ambientes menos eruditos Diogo Pimentel descreve um movimento pendular entre
uma e outra componentes.109 Com efeito, entre a Residncia das Irms Hospitaleiras
(Cascais, 1977-1981) e o Centro Psico-Geritrico de Nossa Senhora de Ftima (Cascais,
1981-1985) h essa duplicidade: a primeira denota um corbusianismo exacerbado110;
a segunda uma ampliao livre das caractersticas portuguesas de uma moradia
p.42
107 Diogo Lino Pimentel, Ibidem.
108 Diogo Lino Pimentel, Ibidem.
109 Diogo Lino Pimentel, Ibidem.
110 Cf. Luiz Cunha, Habitao Colectiva, Residncia das Irms Hospitaleiras do Sagrado Corao de Jesus,
Arquitectura, n145, Fevereiro 1982, pp.54-55
259
260
Durante esse perodo, no entanto, Luiz Cunha captou a imaginao do momento e a sua
adopo pela nova gerao lisboeta ficou patente, desde logo, ao integrar o Depois do
Modernismo (1983).116
A gnese do edifcio de escritrios iconogrfico, que marcar o ps-modernismo em
Portugal, est no Franjinhas de Atelier Nuno Teotnio Pereira (Lisboa, 1965-1969) e
na enorme polmica que criou na poca.117 Mediao entre a arquitectura de autor e uma
arquitectura comercial, o Franjinhas adopta uma expresso comunicativa abstracta
maneira das experincias historicistas dos italianos, nos anos 50 e 60. Nesse sentido,
o ponto de ligao entre as experincias culturalistas de Teotnio Pereira e o novo
tempo meditico que se abre nos anos 60. Do Franjinhas para o Edifcio Castil (19681972), que j anotmos, passamos da reviso do moderno para uma linguagem tardomoderna que cruza uma expresso tecnolgica com referncias livremente histricas, a
caminho do ps-modernismo.118
De facto, na Loja Valentim de Carvalho (Cascais), Toms Taveira adopta,
extraordinariamente em cima do tempo, elementos da cultura pop londrina que joga com
referncias grficas clssicas (na planta e elementos decorativos).119 A interveno
pictrica de Rolando S Nogueira, integrando palavras de Herberto Helder120, percorre
o interior e o exterior da interveno, num dilogo que no segue a lgica modernista da
integrao das artes, mas visa um outro estado de sublimao. Antecipando a lgica
tive a preocupao de seguir aquilo que era identificado teoricamente como ps-modernismo. Houve
realmente uma certa aproximao que coincidiu nesse perodo. Como sabe, foi um perodo que se esgotou
relativamente depressa. Eu continuei o meu caminho e as pessoas quase que se esqueceram tambm do meu
trabalho. Luiz Cunha, Uma realidade no limite do imaginrio, [Entrevista de Jos Charters Monteiro],
Arquitectura e Vida, n9, Outubro 2000, p.39
116Cf. Sugestes para um plano no burocrtico de reconstruo da cidade de Angra do Heroismo/Aores,
Lus Serpa (Coord.), Depois do Modernismo, Lisboa: 7-30 Janeiro, 1983, pp.90-91
117 Cf. Os Mamarrachos, Dirio Popular, 17 Abril 1972 (capa). Cf. ainda, sobre as alteraes na relao
do arquitecto com a sociedade: Mesa redonda - a loja de modas, o projectista e a Sociedade de Consumo.
Nos prdios construdos em Lisboa, nos ltimos anos, talvez o mais polmico seja o do Teotnio Pereira na
Braancamp que nos primeiros tempos foi assim um plo de discrdia na cidade. Mas a polmica j acabou
ningum se recusou a habit-lo, o prdio est totalmente ocupado. Foi consumido. Arquitectura, n119,
Janeiro-Fevereiro 1971, p.22
118 Estas diferentes abordagens so salientadas, em 1983, por Jos Manuel Fernandes, em perodo do debate
ps-modernista: Teotnio Pereira: singeleza; Toms Taveira: espectculo. Cf. Jos Manuel Fernandes,
Dois arquitectos de Lisboa, Expresso Revista, 20 Agosto 1983, p.21R. Cf. ainda: Jos Manuel Fernandes,
Toms Taveira: cenografia e barroco, Expresso Revista, 20 Agosto de 1983, pp.24-25R. Segundo Toms
Taveira, o Castil deriva quase automaticamente da fachada ondulante do Palcio Carignano do Guarino
Gaurini e nunca do Stirling, Taveira citado por Jos Manuel Fernandes, Idem, p.24R
119 Cf. Anexo: Sete entrevistas para uma periferia perfeita. Entrevista a Toms Taveira. Lisboa, 28/03//07,
pp.101-119
120 Cf. Herberto Helder, Texto de base que serviu para a elaborao do poema que percorre a loja, Atelier
Conceio Silva, Uma loja de discos, Arquitectura, n108, Maro-Abril 1969, p.71
261
262
from Las Vegas fixa na histria da arquitectura, como vimos. Usando referncias
estruturalistas e ilustrando o artigo com imagens de um pitoresco portugus proto-pop,
Taveira escreve sobre a importncia da letra, do seu uso na palavra, ou apenas como
smbolo enquanto regio particular do sinal, da informao da cidade.126 Referindo
o uso da letra na histria do moderno e nas experincias da vanguarda dos anos 60,
como os Archigram127, Taveira fala de investigao em nome de uma legibilidade da
cidade128, visando aprofundar a arquitectura como canal de informao plurifacetado
dado que para alm da informao que lhe prpria pode ainda suportar outros canais.129
No contexto de uma civilizao elctrica, a arquitectura dever assumir a sua funo
informativa como um mass media.130
No texto que Taveira escreve, em 1975, sobre os Laboratrios de Engenharia da
Universidade de Leicester (1959), de James Stirling, tambm possvel identificar
a origem semitica do ps-modernismo, isto , a procura de um controle dos sinais
da arquitectura com vista a uma comunicao eficaz. Alm da sua veia populista: a
arquitectura ser uma produo mais rpida e natural elevando a matrias possveis
todos os efmeros; o corpo, a pintura, o revival e, acima de tudo, tudo que nos relacione
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264
265
Maquete do BNU
[Arquivo Toms Taveira]
266
3.2
Durante o Depois do Modernismo; a polarizao Porto-Lisboa
267
3.2.1
Diz que ests a sufocar o crocodilo; Lisboa e os Novssimos
No final da dcada de 70, uma nova gerao de arquitectos em Lisboa quer romper com o
status quo. Se no Porto, como veremos, as alteraes culturais que esto a ocorrer sero
interiorizadas e reflectidas numa lgica de continuidade, em Lisboa, o processo tem
os contornos de uma neo-vanguarda. Segundo um desejo ardente de comunicao,
sucedem-se declaraes que so manifestos, publicaes e exposies que tentam captar
a nova arquitectura que surgiria dos escombros do moderno. No plano cultural, a
militncia do individual sucede militncia revolucionria, fragmentando o conceito;
a censura que agora se quer abolir a censura do prazer. A clivagem em curso tem
uma conotao anti-moderna evidente, de acordo com o quadro internacional que
descrevemos; mas tambm expresso concreta de uma ruptura com o ensino e com a
prtica da arquitectura em Lisboa. Neste processo, dois aspectos so notrios: o regresso
do desenho, entendido na perspectiva da libertao do desejo sobre a forma, numa
clara recusa de abordagens cientficas; e a aproximao a uma cultura de eclectismo
que cruza os temas de Venturi (via Manuel Vicente), com o fim da proibio que a
Bienal de Veneza de 1980 proclama. Como escreve Manuel Graa Dias em 1986, j
em tom retrospectivo: A nossa f, que era o medo da solido que vivramos, uniu-nos,
e provocatoriamente anti-modernos avanmos, em paralelo com o mundo, revisitando
Manuel Graa Dias, Por uma vanguarda popular, JA Jornal Arquitectos, n51/52, Ano 5, Novembro/
Dezembro 1986, p.22. Sentamos a necessidade de comunicar significados e amos buscar a novos exemplos
populares a fora e a argumentao. Ficmos, para alguns, odiosamente ps-modernos, neo-historicistas,
cenogrficos.
Comentando a influncia dos mtodos de projecto na sua formao, na ESBAL e no Atelier Nuno
Teotnio Pereira, Joo Pacincia faz uma referncia Bienal de Veneza de 1980 como resultado dessa
abordagem acrescentada dos meandros da intuio ou expressividade formal de cada projectista: este salto
da anlise sistemtica dos mtodos de projecto (...) no devidamente filtrada pelos arquitectos ao desenharem
as formas arquitectnicas, talvez tenha sido uma das falhas mais notrias deste perodo. (...) No deixa de
ser curioso verificar que, passados praticamente 10 anos sobre estas aproximaes, se faa em Veneza uma
Bienal em que o que se mostra so justamente os elementos arquitectnicos que podero funcionar como
palavras de uma linguagem para reconstituir uma nova arquitectura. Entrevista com Joo Pacincia,
[Entrevista por Jos Lamas], Arquitectura, n144, (4 srie), Dezembro 1981, p.59
268
269
Pedro Vieira de Almeida, Arquitectura em debate Aveiro 79, Arquitectura, n134, Idem, p.51
Pedro Vieira de Almeida, Ibidem. Cf. ainda Entrevista com Joo Pacincia, [Entrevista por Jos Lamas],
Op. Cit., 1981. Houve da minha parte e de muitos da minha gerao uma tentativa de nos libertarmos de
fazer as coisas atravs de uma viso estritamente funcionalista do projecto, porque, na realidade, os mtodos
sistemticos que ns aprendmos na escola levaram-nos um pouco adio sucessiva de coisas (...). Fazia-se
uma listagem de actividades (...). E eu aqui afasto-me radicalmente das posies [de] Nuno Portas, porque eu
penso que o arquitecto tem mesmo de reivindicar para si o mundo das formas. Pedro Vieira de Almeida, Op.
Cit., pp.62-63
10 Pedro Vieira de Almeida, Ibidem.
11 A vontade de comunicao supera a racionalidade do discurso: Manuel Graa Dias envia uma colagem
como depoimento sobre o Congresso. O melhor foi quando fomos ver Aveiro de azulejos noite, e entrmos
nas ruas, nas pontes. Cf. Manuel Graa Dias, Arquitectura em debate Aveiro 79, Arquitectura, n134,
Op. Cit., 1979, p.50
12 Nuno Teotnio Pereira, Ausncia de combatividade, 2 Congresso da AAP. Alguns depoimentos,
Arquitectura, n146, (4 srie), Maio 1982, p.73. Cf. ainda Pedro Brando, Acabou a arquitectura como f,
Idem, p.76
13 Michel Alves Pereira, Ignorncia com reflexo no congresso, 2 Congresso da AAP. Alguns depoimentos.
Arquitectura, n146, Idem, 1982, p.72
14 Jos Manuel Fernandes, O congresso que foi..., 2 Congresso da AAP. Alguns depoimentos.
Arquitectura, n146, Idem, 1982, p.73
15 Cf. Clara Viera e Raul S. Verssimo, As Casas de Emigrantes na Regio de Aveiro, Arquitectura, n145,
(4 srie), Fevereiro 1982, pp.25-28. No h preconceitos sobre as cores, de modo a associ-las ideia de
bom ou mau gosto (...). Existem muitas cores mas no h uma dominante. Esta percepo parcial das formas
do espao existe na arquitectura erudita tardo-barroca. (p.26); a luminescncia dos materiais traduz a
riqueza e o poder do proprietrio e apresenta-o simultaneamente como dominado ou dominadores(p.27);
qualquer proposta autoritria, que no deixe espao para realizaes individuais, s pode acelerar o processo
de destruio das culturas tradicionais (p.28)
270
Novssimos
Arquitectura, 149, 1983, capa e p.14
Cf. Jos Pedro Martins Barata, Casas de emigrantes no pas real, JA Jornal Arquitectos, n5, Abril
1982, pp.8-9; Cf. Pedro Brando, O eclipse da arquitectura sem arquitectos, JA Jornal Arquitectos, n
31/32, Novembro/Dezembro 1984, p.45. A propsito da exposio Casas Modernas/Paisagens Antigas,
[Instituto Portugus do Patrimnio Cultural, 1982/1983], Jos Manuel Fernandes abre duas hipteses:
defender como problema moral e de gosto a necessria condenao deste tipo de arquitectura, com o cortejo
de legislao implcita, e a contraposio de modelos correctos; ou aceitar implicitamente o fenmeno [pelo
menos numa perspectiva socio-cultural (...)] tentar explic-lo e absorv-lo (...) procurando a partir dele, e no
contra ele, o seu enquadramento visual, ambiental, formal, espelho que de inadaptada formao social.
Casas Modernas/Paisagens Antigas, Arquitectura, n150, (4 srie), Julho/Agosto 1983, p.59. Cf. ainda
Roselyne de Villanova, Carolina Leite, Isabel Raposo, Casas de sonhos, Edies Salamandra, 1995, [Paris:
ditions Craphis, 1994]
17Cf. FSD, Introduo aos ps-modernistas, JA Jornal Arquitectos, n5, Abril 1982, p.4. E aindaVictor
Consiglieri e Michel Toussaint Pereira, Para uma nova contradio na arquitectura?, Idem, p.7. Em
1983, o 2 Simpsio Internacional de Arquitectura, coordenado por Toms Taveira, traz a Lisboa, Michael
Graves, Peter Eisenman e Edward Jones. Cf. Joo Pacincia, 2 Simpsio internacional de arquitectura no
Departamento de Arquitectura na ESBAL, JA Jornal Arquitectos, n 19/20, Julho/Agosto 1983, p.17
18 Um nmero de Arquitectura sobre os Novssimos, Arquitectura, n145, (4 Srie), Fevereiro 1982, p.78
16
271
272
273
274
275
ao bom gosto das classes dominantes. Num texto sobre Macau, Graa Dias exalta a
sua histria de urbanidade por ser, em contraponto com Hong Kong, uma resistncia
activa face internacionalizao utilitarista, que se encontra tambm em Portugal,
nos emigrantes que fazem a m conscincia dos conservadores das paisagens ditas
naturais.38 Ou seja, o seu ps-modernismo repercute a histria de miscigenao de
Portugal, os valores da dispora, a viagem e o conflito: frica por Pancho, Macau
por Manuel Vicente, as Casas pelos emigrantes. reas de confronto em oposio s
reas de conforto da Europa que se avizinha. tambm por isso que se distancia das
abordagens neoclssicas, permanecendo dentro do vocabulrio moderno que se prope
expandir como acontece nas primeiras obras de Pancho mas no substituir por
qualquer deriva tradicionalista, free-style ou doutrinria.39 O ps-modernismo de Graa
Dias esteve sempre mais prximo de Venturi do que de Rossi, mais em Las Vegas do
que no Cemitrio de Modena. Como o prprio afirma: um Venturi em Portugal, s
que em Portugal no vamos andar (...) a tirar fotografias volta do Casino do Estoril...
eles tem um universo para explorar, ns temos outro!40
Ressurgindo em 1985, a revista Arquitectura Portuguesa pega nos avanos dos anos
passados e veicula a arquitectura como hipottico centro da cultura ps-modernista.
Reenquadrando geraes anteriores o nmero que redescobre Pancho e a anlise
das Amoreiras que referimos , a Arquitectura Portuguesa introduz os Pioledo, Joo
38 Manuel Graa Dias, Algumas reflexes durante os encontros de Macau, Arquitectura, n150, (4 srie),
Julho/Agosto, 1983, p.67
39 Cf. Manuel Graa Dias: Alguns compreenderam e elegeram os frontes, os arcos, as colunas e os
capitis como solues ad-eternum para a re-significao das suas construes; esse novo styling integrou
um seguidismo acadmico de ressonncias insuportveis (...), manusear inculto de um filo de formas
ditas estabilizadas e que se acreditava serem mais comunicveis. (...) Verifica-se, paradoxalmente, que os
termos julgados comunicveis h uns anos se provaram afinal serem mais violentadores que o fraseado dito
abstracto. Manuel Graa Dias, Por uma vanguarda popular, Op. Cit., 1986, p.22
40 Manuel Graa Dias, Mesa-redonda sobre a exposio Depois do modernismo (Arquitectura), Jos
Lamas, Jos Manuel Fernandes, Manuel Graa Dias, Joaquim Braizinha, Joo Pacincia, Op. Cit., 1984, p.24
276
Lus Carrilho da Graa e Antnio Marques Miguel41, trs abordagens distintas mas
igualmente decorrentes da cultura da primeira metade da dcada. Sobre Marques
Miguel, que Manuel Vicente descreve como o outro arquitecto surrealista portugus42
(o primeiro Marcelo Costa), j anotmos a participao no projecto da Casa dos
Bicos. A Arquitectura Portuguesa d a conhecer um trabalho de difcil definio,
por vezes figurativo (Campos de Squash, Funchal, 1982) outras vezes fazendo uso
da geometria em referncia visionria (Restaurante Parque de Santa Catarina,
1979) ou como instrumento para desarticular os volumes (Edifcio Avenida, Funchal,
1985). Em qualquer dos casos, um ps-modernismo em plena expanso, literrio, sem
constrangimentos realistas.
Embora surgindo no contexto que temos vindo a descrever, Joo Lus Carrilho da Graa
distancia-se dos mtodos de colagem e seduo pela imagem que so centrais no psmodernismo afirmativo: as imagens at so inimigas da arquitectura.43 Assumindo
querer voltar atrs do ponto de vista da materializao procurando a essencialidade
e explorando os avanos vocabulares e sintcticos do Movimento Moderno44 colocase num ngulo temporal distinto na espacialidade do ps-modernismo. Num processo
semelhante quele adoptado pelos Five de Nova Iorque, que anotmos, Carrilho da
Graa investe nos modelos formais da arquitectura moderna, esvaziado o seu contedo
herico, isto , a sua completude ou integridade como projecto. A arquitectura
moderna aqui tomada pela insustentvel leveza do ser: note-se a ligeireza quase
etrea da Piscina Municipal de Campo Maior (1982-1990). O argumento do moderno
Cf. Pioledo Arquitectos, Arquitectura Portuguesa, n3, Setembro/Outubro 1985; Joo Lus Carrilho da
Graa, Arquitectura Portuguesa, n6, Maro-Abril, 1986; Antnio Marques Miguel Arquitectura Portuguesa,
n7, Maio-Junho 1986
42 Manuel Vicente, Um bombeiro numa abbora, Arquitectura Portuguesa, n7, Maio-Junho 1986, p.27
43Joo Lus Carrilho da Graa, Atingir a estrutura dos acontecimentos [Entrevista por Jos Manuel
Fernandes e Manuel Graa Dias], Arquitectura Portuguesa, n6, Maro-Abril, 1986, p.22
44Joo Lus Carrilho da Graa, Ibidem.
41
277
como projecto inacabado permite esboar uma conciliao temporal que ser til na
ressaca do ps-modernismo afirmativo; mesmo sem cabea, o corpo continua a mexerse, o estilo sobrevive. No entanto, como o prprio afirma, a desconchavada sensao
de labirinto que surge com o desaparecimento da fico do progresso45 define um
espao abertamente ps-moderno, isto , parcelar, centrado na performance, desideologizado: assistimos hoje por todo o lado a todo o tipo de descontextualizaes
lingusticas, referncias, releituras e reproposies de elementos sempre entendidos e
encarados parcelarmente.46 Este deslizamento entre a forma e o contedo captado na
citao que faz do filme de Jim Jarmusch, Stranger than Paradise (1984): Se aparecer
algum no digas que ests a aspirar, diz que ests a sufocar o crocodilo (...). Quando
ela est a aspirar.47
A criao do gabinete Pioledo, em Vila Real, reunindo Antnio Belm Lima, que
integra o grupo do Depois do Modernismo, e um conjunto de arquitectos com formao
portuense Carlos Baptista, Graa Campolargo, Carlos Santelmo, Ricardo Santelmo
e Albino Costa Teixeira , foi um acontecimento singular na histria da arquitectura
portuguesa dos anos 80. Transpondo a linguagem do ps-modernismo para o contexto
transmontano no s a arquitectura, mas tambm a cultura , os Pioledo faziam uma
operao necessariamente tentativa, experimental, arriscada.48 Mas inauguravam uma
geografia incomum, reforada em Chaves por Jlio Teles Grilo e pelas obras de Graa
Dias: a possibilidade de uma provncia falante, isto , com voz para l dos centros
maioritrios, Lisboa e Porto, na aproximao a uma arquitectura in-possvel.49 Em
Lus Carrilho da Graa, Diz que ests a sufocar o crocodilo, Arquitectura Portuguesa, n3,
Setembro-Outubro 1985, p.54
46Joo Lus Carrilho da Graa, Ibidem.
47 Joo Lus Carrilho da Graa, Ibidem.
48 Cf. Jorge Figueira, A Dcada do Prefixo Turbulento, Arquitectura In-possvel, Arquitectos Pioledo,
Lisboa: Centro Cultural de Belm, 1994, pp.15-24
49 Cf. Arquitectura In-possvel, Arquitectos Pioledo, Idem, 1994
45Joo
278
AAVV
Arquitectura Nueva em Trs-os-Montes, 1986 (capa)
50 Cf. Joo Lus Carrilho da Graa, Desassossego, Arquitectura Nova em Trs-os-Montes, La Corun:
Palacio Municipal de Exposiciones, Kiosco Alfonso, 1986, [Desdobrvel, s.p.]. Duas posies que em certo
sentido se extremam: a de Antnio Lima, engenheiro naval por Glasgow, e a de Jlio Grilo, guardador de
rebanhos. A primeira urbana e civilizada, lrica no contexto de uma representao rigorosa e depurada (...).
A segunda brbara, expressionista, apaixonada.
51 Alexandre Alves Costa, Notas imprecisas sobre arquitecturas alheias, Arquitectura Nova em Trs-osMontes, Idem, 1986 [desdobrvel, s.p.]
52 Antecipando as Tendncias, note-se ainda a realizao de Desenhos de arquitectura, na Galeria Cmicos
(8 de Maio/ 1 de Junho, 1985). Reunindo trabalhos de Luiz Cunha, Manuel Graa Dias, Troufa Real e
Toms Taveira [patente na ARCO85 (22-27 Fevereiro 1985)], tem a marca evidente do ps-modernismo.
Cf. sobre esta exposio: A aparente simplicidade do que se pode ver (...) esconde ou apenas faz entrever
a situao extremamente complexa o termo exacto seria tumultuosa da arquitectura contempornea.
Paulo Varela Gomes, O fim da arquitectura ou arquitectura finalmente, Dirio de Lisboa, 20 Maio 1985,
p.21. E sobre a exposio Tendncias da arquitectura portuguesa, cf. Joo Vieira Caldas, 5 arquitectos em
Barcelona, Expresso Revista, 7 Fevereiro 1987, p.42R
279
recenseados pela nova gerao representada por Graa Dias e Jos Manuel Fernandes.
Sendo natural como concluso do perodo que a est a findar, a proposta da exposio
perder sentido no contexto que se segue.
Com uma configurao aberta, as exposies nacionais organizadas pela Associao
de Arquitectos Portugueses, em 1986 e em 1989, permitem um olhar panormico
sobre uma produo que sem dvida reflexo dos debates ocorridos. Particularmente
na exposio de 1989, os projectos caracterizam-se especialmente pelo desejo de
comunicao: exibem dilaceraes geomtricas e tradicionalismos rpidos, numa
apoteose popular do ps-modernismo.53 Muitas portas pintadas na parede, dir-se-ia;
muitos arquitectos a sufocar o crocodilo.
Jos Manuel Fernandes faz um primeiro levantamento emprico deste processo. Cf. Jos Manuel
Fernandes, Viagens na minha Terra, Arquitectura Portuguesa, n3, 1985, pp.12-16. Cf. 1 Exposio
Nacional de Arquitectura Anos 80, Associao dos Arquitectos Portugueses, Sociedade Nacional de Belasartes Fevereiro 1986; e a 2 Exposio Nacional de Arquitectura Anos 80, Associao dos Arquitectos
Portugueses, Sociedade Nacional de Belas-artes Abril 1989, Lisboa: Organizao Conselho Directivo
Regional Sul AAP. Coordenao Ana Silva Dias, 1989
53
280
3.2.2
Arquitectura do Porto
281
expresso racionalista porque nunca esteve ausente. Foi sempre horizonte, sempre
poema.
Se, em Lisboa, o ps-moderno vem de fora e assumido como bandeira, em posse neovanguardista, no Porto decorre do prprio processo de afectividade com o moderno
e da sua dilacerao. Ironicamente, ao querer replicar lgica de ruptura, Lisboa
moderna; no Porto, pese embora o repdio dos termos da questo, h uma gesto interna
do que se est a passar. O Porto adapta, sem prazer, o ps-moderno ao seu sentir, tenta
no mudar de pele, longe que estamos do optimismo e dos claros instrumentos de
trabalho dos anos 5058, como escreve Siza.
Se as contribuies mais vlidas, que analisaremos, definem abordagens psmodernas, o mainstream do Porto essencialmente tardo-moderno, isto , reflecte uma
continuidade acrtica ou anacrnica com o moderno. Alguns arquitectos da Escola no
so, no entanto, imunes ao debate: a Cmara de Matosinhos (1981-1987), de Alcino
Soutinho, prova essa ateno com enorme eficcia. O conjunto do edifcio denota
uma sensibilidade essencialmente art deco mas a sinalctica livremente neoclssica
da fachada ser devidamente notada por Joo Vieira Caldas e Paulo Varela Gomes,
que encontram nesta obra (do Porto), o ps-modernismo que perseguem (em Lisboa):
Fachada de espectculo ondulante e subtil (...). A suave curva da parede, (...) o modo
como se aproxima e se afasta, deixa ver e encobre a verdadeira fachada por detrs de
si (...), aparentam esta parte do edifcio com exemplos da melhor arquitectura clssica
portuguesa.59
O que garante, porm, a ligao da Escola do Porto ps-modernidade a preservao
da artisticidade que decorre da sua gnese nas Belas Artes e a presena da histria, que
o seu avano metodolgico fundamental nos anos 80, como j pudemos analisar.60
Patentes na obra de Siza, estes elementos caracterizam a abordagem terica de Alexandre
Alves Costa, ao formular um encontro da intuio projectual com a narrativa histrica.
Eduardo Souto de Moura leva a tradio da Escola a uma performance contempornea,
ao estabelecer um entendimento singular do formalismo com que os anos 70 respondem
s derivas cientficas e ao fim da crena na arquitectura como projecto social.
lvaro Siza Vieira, Idem, p.176
59 Joo Vieira Caldas e Paulo Varela Gomes, Um thriller arquitectnico, 5 Setembro 1987, p.47R. Anotese ainda o neo art deco da Casa Pinto de Sousa (Ofir, 1987), de Pedro Ramalho e da Casa Carlos de Sousa
(Porto, 1983-1987), de Alcino Soutinho; ou ainda o classicismo loosiano da Casa Barroso Pires (Ponte da
Barca, 1984-1987) de Manuel Botelho.
60 Cf. Jorge Figueira, Um barco carregado de memrias, Escola do Porto: Um Mapa Crtico, Coimbra:
eIdIarq, Edies do Departamento de Arquitectura da FCTUC, 2002, pp.127-132
58
282
AAVV
Onze arquitectos do Porto, Imagens recentes, 1983 (capa)
(catlogo da exposio)
O que distingue a abordagem do Porto , em qualquer dos casos, uma nostalgia pelo
absoluto, moderno ou clssico. A sua ps-modernidade tem essa carga distintiva que
no lhe permite ser afirmativa, mas em perca ou triste, como sugerido por Alves
Costa, a propsito do texto portuense do Depois do Modernismo.61
Em virtude desta empatia com o moderno, interna e estrutural, as transformaes que
ocorrem na arquitectura portuguesa, a partir do final dos anos 70, so mal digeridas no
Porto. A condio portuguesa invocada como determinante para a no participao no
Depois do Modernismo mas o que est em questo a especificidade portuense. De
modo nenhum nos identificamos com a viso histrica que vem reflectida no texto de
apresentao da iniciativa e temos outra leitura sobre a problemtica da arquitectura
no momento actual62 escreve Domingos Tavares em carta aos promotores do evento.
Ainda em 1983, a exposio Onze arquitectos do Porto funciona como resposta de
uma certa arquitectura que Nuno Portas diz ser a melhor, adivinhado-se porqu:
este filo portuense tem-se mostrado at agora desinteressado de muletas formalistas
como as dos novos revivalismos post-modern (na realidade de antes do moderno)
desinteresse que se compreende.63 A polarizao Lisboa-Porto um dado central da
61 Alexandre Alves
Costa. Alexandre Alves Costa, lvaro Siza Vieira, Domingos Tavares, Eduardo Souto
de Moura e Sergio Fernandez, Um quadradinho a menos, JA Jornal Arquitectos, A Condio PsModerna, n208, Novembro/Dezembro 2002, p.21. A posio dos arquitectos do Porto no Depois do
Modernismo foi debatida pelos prprios, em 2002, a partir de uma conversa lanada por Manuel Graa Dias
para o nmero do JA intitulado A Condio Ps-Moderna. Do grupo original no participaram na conversa
Alcino Soutinho e Adalberto Dias. Tendo em conta o final sem futuro do texto elaborado ento, Alves
Costa prope que se acrescente a Casa dos Bicos, porque a Casa dos Bicos era uma espcie de ps-moderno
possvel. (Ibibem)
62 Carta assinada por Domingos Tavares, Porto, 19 de Novembro de 1982, JA Jornal Arquitectos, A
Condio Ps-Moderna, Idem, 2002, p.8
63 Cf. Nuno Portas, Meia dzia de questes sobre uma certa arquitectura, a melhor, do Porto, Onze
arquitectos do Porto, Imagens recentes, Catlogo da exposio, Porto: Leitura, 1983, s.p. Comentando a
exposio do Depois do Modernismo,
Joo Pacincia estabelece um paralelo com a exposio do Porto, concluindo que ambas as exposies se
caracterizam como processos de afirmao da importncia do desenho no processo de criao arquitectnica,
atravs de cenrios diferenciados: a) a primeira com banda e fanfarra um certo aparato dito post-modern; b)
283
a segunda com uma tnica porventura mais elitista e dirigida a um pblico consumidor diferente (...) de onde
resulta um extremo cuidado na apresentao do objecto como obra de arte para ser apreciado como se de um
quadro se tratasse. Joo Pacincia. A propsito de uma exposio. JA Jornal Arquitectos n 16/17/18,
Maro/Abril/Maio, 1983, p.S-1
64 Domingos Tavares, Arquitectura em debate Aveiro 79. Arquitectura, n134 (4 Srie) Junho/Julho
1979, p.54
65 Domingos Tavares, Pesquisar a nossa realidade, Arquitectura, n146 (4srie), Maio 1982, p.77
66 De Manuel Mendes, Cf. Escola ou generalismo ecleticismo ou tradio, uma opo inevitvel,
Pginas Brancas, (Arquitectura de Docentes do curso de Arquitectura da ESBAP), Porto, 1986, s.p.;
Porto, Ecole et Projects 1940-1986, Architectures Porto, Conu et ralise par: Opus Incertum, Pierre
Mardaga Editeur, [1987, 1990], pp.42-84; O lugar da Presente Arquitectura Portuguesa, Via Latina,
Coimbra: D.G.A.A.C, Inverno, 1989, pp.129-133; Arquitectura Portuguesa Anos 50-Anos 80, Isolamento,
Experimentalismo, revelao, Cadernos Politika, s.d. [1990], s.p.
284
285
Como afirma Paulo Varela Gomes a propsito da obra de Siza: Para lvaro Siza, a cidade deve
crescer por continuidade e contraste (....); pressupondo a existncia de uma ordem urbana (verificvel ou
prospectiva), a interveno arquitectnica faz-se para a tornar aparente tanto no terreno como nas teorias
e ideologias: esta uma ideia Moderna da cidade. (...) Mas contrariamente a essa tradio [do urbanismo
Moderno], [as intervenes de Siza] so tambm instrumentos de leitura e interpretao da cidade-comodevir. Paulo Varela Gomes, Arte e Tcnica, Architcti, n8, Jan/Fev/Maro, 1991, pp.70-71
75 Alexandre Alves Costa, Arquitectura do Porto, Op. Cit., 1987 [policopiado], p.4
76 Sem pr de parte a existncia de factores de unificao (...) existem sistemas de relacionamento (...)
que normalmente se podem articular em dois grandes grupos, situados em reas geogrficas distintas o
norte e o sul (...). (p.3); Segundo aquele autor [Jos Mattoso] impe-se estudar cada um dos sistemas
isoladamente (...). Assim natural e devido, estudar a arquitectura do norte e do seu principal centro produtor
que o Porto. (p.4); O Inqurito Arquitectura Erudita Portuguesa provaria, nos anos 80, a existncia
de diferenas assinalveis a destacar da uniformidade pitoresca da amlgama arquitectnica da produo
corrente, Alexandre Alves Costa, Idem, p.5
77 Cf. Andreas Huyssen, Mapping the Postmodern, After the Great Divide Modernism, Mass Culture,
Postmodernism. Indiana University Press, 1986, pp. 219-221
78 Fazer arquitectura de compromisso , essa sim, a nova atitude iluminada e prepotente do arquitecto, uma
vez que presume o gosto da outra parte e a sua capacidade negocial. Alexandre Alves Costa, Arquitectura
do Porto, Op. Cit., 1987 [policopiado], p.20
74
286
287
J em 1987, Peter Testa contesta a hiptese do regionalismo crtico, defendendo que a arquitectura de
Siza deriva de fontes universais inflectidas por condies locais e chamando a ateno para similitudes com
mecanismos formais do barroco e afinidades com o cubismo. Cf. Peter Testa, Tradition and Actuality
in the Antonio Carlos Siza House, Journal of Architectural Education, Vol. 40, n 4, Summer 1987, pp. 2430. Cf. ainda Siza: A condio da distncia [do pas] era um estmulo para a aprendizagem e construo de
uma arquitectura capaz de saltar fora de uma cena estritamente local, de ser mais universal. Salvando las
turbulencias: entrevista com Alvaro Siza por Alejandro Zaera, El Croquis, n68/69, lvaro Siza 1958-1994,
1994, p.6
85 Rafael Moneo, lvaro Siza, Op. Cit., 2004, p.200
86 Kenneth Frampton, Nada numa mo, nada na outra, lvaro Siza, lvaro Siza 1954-1976, Lisboa:
Editorial Blau, 1997, p.8
87 Cf. Jorge Figueira, Um Mundo Coral, lvaro Siza, lvaro Siza, Porto Alegre, So Paulo: Fundao Iber
Camargo, Cosacnaify, 2008, pp.126-136
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288
um rappel lordre que explicita uma crtica moral s derivas free-style do psmodernismo. Estabelecida a matriz, o teatro da cultura arquitectnica pode emergir,
como ser patente no edifcio da Faculdade de Arquitectura. J no se trata aqui de
uma experincia arquitectnica pura, como escreve Moneo em tom crtico , mas
de um jogo intelectual, uma arquitectura das arquitecturas.88 O que , dir-se-ia,
inevitvel: este tipo de manipulao avisa-nos que a modernidade deu lugar situao
ambgua do ps-modernsimo no final do sculo89, escreve ainda Moneo.
O sentido cumulativo e referencial, que anotmos, existe tambm na obra de Eduardo
Souto de Moura. Mas onde a arquitectura de Siza delicada ou tentativa, a de Souto
de Moura tem uma expresso forte. Face desorientao do final dos anos 70, Souto
de Moura reinstala uma espcie de ultra-modernismo, deslocado da ideologia e com
sentido ldico; o que , apesar da simplicidade aparente, um programa complexo. E,
de facto, embora a sua obra seja forte, aquilo que traduz , paradoxalmente, instvel e
problemtico, ocupando dicotomias que no resolve: autntico/falso, natural/artificial,
obra de arte/obra annima90, arquitecto/artista, modernismo/regionalismo, desenho/
manipulao, histria/estilo. A sua contemporaneidade a sua ps-modernidade ,
resulta desta nebulosa expressa com elementos seguros. Como nota Alves Costa: em
Souto de Moura os referentes linguisticos so claramente identificveis, o artifcio
altamente comunicativo (...). Sendo uma arquitectura de rigor inigualvel, no
minimalista nem silenciosa antes de generoso uso dos meios expressivos.91
Respondendo crise, Souto de Moura formula uma linguagem, como desejado pelo
Rafael Moneo, lvaro Siza, Op. Cit., p.251
Rafael Moneo, Ibidem.
90 Cf. Eduardo Souto de Moura, A ambio obra annima. Conversa com Eduardo Souto Moura,
entrevista por Paulo Pais, Eduardo Souto Moura, Lisboa: BLAU, 1994, pp. 27-32
91 Alexandre Alves Costa, Riconescere e raccontare. Casabella, n564, Gennaio 1990, p.11. [Alexandre
Alves Costa, Reconhecer e Dizer, Textos Datados. Coimbra: eIdIarq, Edies do Departamento de
Arquitectura da FCTUC, 2007, pp.89-93]
88
89
289
ps-modernismo, s que a coloca num grau zero de narrao. Uma linguagem que diz
apenas aquilo que os materiais dizem; ou tautolgica: eu sou uma parede; eu sou
um muro (forjado para parecer que sempre c estive).
A ateno de Souto de Moura aos temas que se colocavam na poca tem sido relatada pelo
prprio92, mas patente no artigo que publica em 1979, A cidade funcional93 onde
refere Rossi Um objecto tanto mais funcional, quanto melhor consegue ultrapassar
a sua funo especfica; a Collage City, via Siza a cidade de hoje na realidade um
conjunto de fragmentos distintos; e Baudrillard: fazer arquitectura para Corbusier era
formular com clareza os problemas. Projectar na cidade de hoje formular com clareza
a simulao. Ou, ainda, a Autobiografia Cientfica: entrar com ns prprios, com
a cidade que temos, com as runas que temos.94 O Relatrio de Estgio de Souto de
Moura (1981-1982), que inclui este texto, generoso nas referncias arquitectnicas,
filosficas, literrias e artsticas, que so lanadas como fragmentos de um patchwork
ps-moderno.95 Uma citao de Henry Miller traduz o essencial: Verdadeiramente ns
no inventamos o que quer que seja. Pedimos emprestado e recriamos.96
Cf. Eduardo Souto de Moura, A cura di Antonio Esposito, dArchitettura, Rivista italiana darchitettura,
Dopo Aldo Rossi, Op. Cit., 2004, pp.185-191. Cf. ainda Anexo Sete entrevistas para uma periferia
perfeita. Entrevista a Eduardo Souto de Moura.
93 Eduardo Souto de Moura, A cidade funcional, Jornal de Notcias, 30 Janeiro 1979; reproduzido em
Relatrio de Estgio de Arquitectura de Eduardo Souto de Moura (1981-1982), [policopiado], p.23
94 Eduardo Souto de Moura, Ibidem.
95 A sada da Escola para o exterior no se limitava s cidade. Havia tambm complexos provincianos
que l fora era diferente, era melhor. A Gustavo Gili provava-o. Quis provar e fui a S. Sebastian assistir a um
seminrio chamado: Os tempos do racionalismo. Vi coisas do Krier, projectos do Ledoux, Boull, Lequeu.
Ouvi palavras do Tafuri. Era um mundo novo sem ser admirvel. Era diferente, era a Gustavo Gili ao vivo.
Eduardo Souto de Moura, Idem, p.7; Se em cada poca a ideia de arquitectura e a prpria linguagem das
arquitecturas andam ligadas, falar hoje disso no tem sentido. a disperso, a crise o humanismo est
senil. [Nota: da a inflao de debates, artigos, livros sobre o chamado Ps-Modernismo]. Idem, p.21. Cf.
ainda citao do artigo de Jos Guilherme Merquior, O significado do ps-modernismo [Colquio Letras,
n 52, Novembro 1979, pp.5-15], Eduardo Souto de Moura, Idem, p.33
96 Eduardo Souto de Moura, Idem, p.9. Cf. as referncias ou colagens dos projectos que constam do Relatrio
de Estgio: Rossi no Instituto Politcnico para Vila Real, ESBAP, 6 Ano, 1976, (pp.36-37); referncia a
92
290
291
como objectivo tratar das relaes entre arquitectura e os lugares, tendo em conta a
drstica modificao da paisagem construda99, coloca-se num terreno defensivo. J
no refluxo do movimento lisboeta dos anos 80, este tema permite, no entanto, incluir
diferentes abordagens sem moralizar.100 Ao dar espao ao tempo longo (Refios do
Lima, Fernando Tvora, 1986-1991) e ao tempo rpido (Edifcio Soreano, Graa Dias/
Egas Jos Vieira, Chaves, 1985), Varela Gomes que, como veremos, um observador
central na segunda metade da dcada, homenageia o tempo que a se encerra.
292
3.2.3
Estou Alm: do mundo para o mundano
Aproximando-se dos modelos das sociedades desenvolvidas, a cultura nos anos 80,
em Portugal, tomada por formas efmeras, populares ou, na expresso da poca,
comerciais. A 7 de Maro de 1980, a RTP inicia emisses regulares a cores; O Tal
Canal, de Herman Jos, vai para o ar em 1983 e um exemplo do double-coding
ps-modernista camadas de humor para sensibilidades diferenciadas; a msica pop,
agora tambm produzida nacionalmente, ganha um crescente eclectismo o punk
experimentado localmente pelos Xutos & Pontaps, o fado reintroduzido por Antnio
Variaes no seu primeiro single Estou Alm/Povo que Lavas no Rio (1982); o jornalismo
cultural reinventado por Miguel Esteves Cardoso, ao exactamente parecer fazer outra
coisa qualquer, numa muito ps-moderna passagem da escrtica pop para os temas de
uma portugalidade ps-nacionalista101, que tem traduo musical nos Heris do Mar.
Marcada pela resistncia anti-fascista e depois pelas aspiraes abertas pela Revoluo
de Abril, no incio dos anos 80 a cultura portuguesa amacia-se, desliza para um certo
intervalo ldico, ps-moderniza-se; com a ajuda das personagens de Herman, do ballet
de Antnio Variaes e dos insights de Esteves Cardoso: um dos grandes equvocos da
segunda metade do sculo XX foi, sem dvida alguma, a alcatifa.102
Cf. Miguel Esteves Cardoso, Escrtica Pop Um quarto da quarta dcada do Rock 1980-1982, Lisboa:
Editorial Querco, 1982; A Causa das Coisas. Lisboa: Assrio & Alvim, 1987 [1986]
102 Miguel Esteves Cardoso, Op. Cit., p.11
101
293
A arquitectura d uma ajuda, liga o espao pblico ao espao terico: a Casa dos Bicos
espanta os patrimonialistas; o conjunto das Amoreiras usa todas as cores da palette; o
restaurante Casanostra (Manuel Graa Dias, 1985) introduz uma decorao de sabor
africano na visualidade da comida italiana. H um movimento performativo em curso
que se revela na moda, no teatro, no cinema, s vezes cruzando-se: Ana Salazar, cuja loja
no Chiado desenhada por Manuel Graa Dias e Egas Jos Vieira (1988), abrir a sua
primeira loja em Paris, em 1985; Tanza-Variedades um espectculo interdisciplinar
de Ricardo Pais, realizado no mbito do Depois do Modernismo; Um Adeus Portugus
(1985), um filme de Joo Botelho com dcors de Antnio Belm Lima, mostra uma
Lisboa desenhada, grfica, artificializada.
Na primeira metade da dcada, o debate faz-se na noite e nos jornais, particularmente,
na Revista do Expresso e no JL Jornal de Letras, Artes e Ideias que lanado em
1981. Na segunda metade da dcada, chega s universidades. No plano da produo e
da reflexo, nos media e nas universidades, o ps-modernismo uma discusso central
nos anos 80, em Portugal. Como afirma Jean Baudrillard em 1988, por ocasio da sua
participao no Colquio Internacional Moderno/Ps-Moderno: em Portugal como em
muitos outros pases a ps-modernidade o grande leit-motiv.103 Envolvendo vrias
disciplinas a arquitectura, as artes plsticas, a filosofia, a literatura, a msica104 , o
que estas reflexes tm em comum , para retomarmos a tese de Andreas Huyssen, After
the Great Divide, o voo picado que feito sobre formas culturais altas e baixas,
103 Entrevista a Jean Baudrillard, Sou um profissional do desaparecimento, por Ins Pedrosa, JL Jornal
de Letras, Artes e Ideias, 9 a 14 Fevereiro, 1988, p.16. O Colquio Internacional Moderno/Ps-moderno,
em que Jean Baudrillard participou, foi organizado pelo Departamento de Comunicao Social da Faculdade
de Cincias Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa e teve lugar na Fundao Calouste
Gulbenkian, de 1 a 4 de Fevereiro de 1988
104 Cf. Jorge Peixinho, Post-modernismo: a sntese possvel, Expresso Revista, 5 Fevereiro 1983, pp. 2829R; Augusto M. Seabra, Adorno e depois. O novo, o neo, o post na experincia da msica, Crtica Revista
do Pensamento Contemporneo, 5, Estticas da Ps-Modernidade, Editorial Teorema, Maio 1989, pp.103122.
294
295
Este em parte alguma traduz bem o zeitgeist. Sendo mltiplo e esquivo, o psmodernismo obrigava ao cruzamento e deslocao de disciplinas, segundo um roteiro
aleatrio ou caprichoso; obrigava a vestir a camisola, no permitia o part-time. As
primeiras leituras aproximativas108, no contexto portugus, so feitas por Eduardo Prado
Coelho que encarna fundamentalmente este sentido de deriva , Leonel Moura109,
Cerveira Pinto110 e Alexandre Melo111. Na arquitectura, depois do anncio de Toms
Taveira, os textos de Manuel Graa Dias, no JL e nO Independente, desviam a ateno
do grande objecto terico para o pormenor da vida comum (as Piscinas, os Bingos,
as Roulottes, os Guindastes, os Txis, as Portas)112 em plena performance
ps-modernista. Na segunda metade da dcada, Paulo Varela Gomes tomar ainda este
posicionamento oscilatrio, ldico e inclusivo, tendo a arquitectura como principal
campo de batalha.
Em 1981, no artigo Nem futuro, nem passado, a verdade mora ao lado, Prado Coelho
ensaia uma sada das metanarrativas, no sentido da adopo de um relativismo
tipicamente ps-moderno: Ou ser que existe uma verdade sempre precria que se
Janeiro 1983
108 Cf. Jos Guilherme Merquior, O significado do Ps modernismo, Colquio Letras, n 52, Novembro
1979, pp.5-15. Publicao de uma conferncia de Merquior no Kings College em Londres (Novembro de
1978) uma primeira inventariao do fenmeno numa edio portuguesa.
109 Cf. Leonel Moura, A discusso do momento, Expresso Revista, 30 Janeiro, 1982, p.28R
110 Cf. Cerveira Pinto, Rescritos para uma Exposio, Lus Serpa, (Coord.), Op. Cit., 1983, pp.19-26. Cf.
ainda, Cerveira Pinto, O fim de um modernismo em debate, Expresso Revista, 8 Janeiro 1983, pp.24-25R
111 Cf. Alexandre Melo, O bife, entre Barthes e a Pop Art, JL Jornal de Letras, Artes e Ideias, 16
- 29 Agosto 1983, p.20. Segundo Eduardo Prado Coelho, quem lesse com ateno este primeiro texto de
Alexandre Melo percebia que estava a assistir na cena portuguesa a uma verdadeira mutao de sensibilidade
e de estilo de reflexo; na escrita: dimenso extremamente calculada e fria de um humor retrado e
desconcertante; e no contedo: ao cruzar Barthes com a Pop Art, avanava para um estilo transdisciplinar
que punha em causa as compartimentaes universitrias e jornalsticas a que estvamos habituados.;
Alexandre Melo: Mltiplas velocidades transparentes, O Clculo das Sombras, Porto: Edies Asa, 1997,
pp.203-204.
112 Cf. Manuel Graa Dias, Vida Moderna, Mirandela: Joo Azevedo Editor, 1992.
296
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298
299
300
Esta narrativa catastrfica que, como vimos, tem o seu terico em Baudrillard,
tambm vocalizada por Paulo Varela Gomes em artigos escritos para vrios jornais130
enquanto uma perspectiva nostlgica e at conservadora surge por vezes em textos
mais directamente ligados arquitectura.131 No conjunto, so testadas as vrias matizes
afirmativas, crticas, e negativas do discurso ps-modernista. Ao circular entre este
mundo apocalptico, cyberpunk132, e uma nostalgia da ordem e do Lar133, Varela
Gomes ocupa os lados extremos do ps-modernismo, expondo as feridas que as
vanguardas modernas tinham pretendido curar, refundando a cidade e substituindo a
lgica pequeno-burguesa pelo esprito novo da casa racional.
No conjunto de textos sobre arquitectura, escritos muitas vezes em parceria com Joo
Vieira Caldas, notria, at 1989, adopo de temas que so marcas registadas do
ps-modernismo.134 Em Voltaram as fachadas, de 1988, aberta uma possibilidade
centralmente ps-modernista, por referncia ao barroco: houve culturas (...) em que
se considerava que as aparncias eram essenciais porque manifestavam em si toda a
profundidade das coisas. Essncia e aparncia no podiam ser distinguidas; depois,
inventou-se a ideia que o edifcio no deve mentir.135 Neste sentido, a arquitectura das
fachadas e o equivalente seria agora a arquitectura ps-modernista corresponderia
afinal a uma representao da verdadeira natureza do homem: mentirosa, deceptiva,
301
teatral. A partir de 1989, no entanto, as fachadas tendero a ser trocadas pelo regresso
ao lugar, numa viragem que representa, por um lado, o cansao ou impacincia136 face
ao ps-modernismo e, por outro, a persistente viabilidade da arquitectura do Porto.
No artigo Arquitectura de resistncia, sobre a exposio Lugares da Arquitectura
Europeia, perante uma abordagem curatorial que se recusa em promover a viso e a
compreenso que se tm vindo a impor nos anos 80, os autores descobrem o tema do
lugar e do-se conta do embrio de uma nova corrente de arquitectura internacional
que tem um dos seus principais plos de ecloso na Escola do Porto.137
Entretanto, a partir de 1985, ainda com o carro em andamento, surgem as primeiras
snteses sobre o ps-modernismo. No JL, Alexandre Melo afirma que o ps-moderno,
como espuma de despedidas estticas e ideolgicas que em Portugal tanto tardaram,
assinalou to-s no panorama portugus dos anos 80 a abertura de um territrio
contemporneo138 e os factos ps-modernos so alinhados, em forma de abecedrio,
pelo prprio, Leonel Moura e Graa Dias. Numa espcie de manifesto retroactivo
organizado por letras, Antnio Variaes abre a contagem: na inaugurao do Depois
do Modernismo vestia um maillot negro139; a Casa dos Bicos a mais forte aventura
do pensamento Ps-Moderno Portugus140; as Cores so uma manifestao de
individualidade: da toda a festividade e colorido141; a Decorao irrompe rebelde:
tudo parecia proibido. Ou pelo menos de mau gosto (...). Vinda do Norte da Europa,
uma Luterana vontade de ser verdadeiro e sincero levava-nos s madeiras vista,
ao beto vista...142; o gosto pela Encenao digere os emigrantes: regressam com
dinheiro necessrio concretizao da exploso das tintas, das formas, dos pavimentos,
dos brilhos (...) sem o empecilho do gosto-creme veiculado pela RTP ou pelo Instituto
Portugus do Patrimnio Cultural, mancham e borram e iluminam a paisagem imvel
302
Moderno/Ps-Moderno
Revista de Comunicao e linguagens, 6/7, 1998 (capa)
303
150 Cf. Crtica Revista do Pensamento Contemporneo, 2, Filosofia e Ps-Modernidade, Editorial Teorema,
Novembro 1987. Saliente-se a traduo de A modernidade: um projecto inacabado? de Jrgen Habermas,
pp.5-23
151 Cf. Crtica Revista do Pensamento Contemporneo, 5, Estticas da Ps-Modernidade, Maio 1989
152 Cf. lvaro Siza Vieira, Post-modernismo e arquitectura, Revista Crtica de Cincias Sociais, 24, Psmodernismo e Teoria Crtica, Maro 1988, pp.175-180; e Jos Antnio Bandeirinha, Consideraes
margem do estirador, Idem, pp.179-180.
153 Joo Barrento, A razo transversal requiem pelo ps-moderno, Vrtice, Abril 1990, II Srie, p.31
154 Cf. Boaventura de Sousa Santos, Pela Mo de Alice, O Social e o Poltico na Ps-Modernidade. Porto:
Edies Afrontamento, (Maio 1994), 8 edio Outubro 2002.
155 Eduardo Prado Coelho, Boaventura de Sousa Santos: Alice no mora aqui, Op. Cit., 1997, p.215
304
Eduardo Prado Coelho, Limiar, delimitao, Crtica Revista do Pensamento Contemporneo, 5, Op.
Cit., p.3. Na sua leitura retrospectiva, inclui a arquitectura como barmetro: Alguma ideia insistia j nas
primeiras crticas de Philip Johnson ou de Peter Blake em relao arquitectura moderna, acrescentando
referncias aos romances de Philip K. Dick, ao Camp (via Susan Sontag), a Octvio Paz, progressiva
importncia do pensamento de um Walter Benjamim, e voltando arquitectura, a Robert Venturi e a Charles
Jencks. Cf. ainda, Eduardo Prado Coelho, 1980-1990: A Escrita de Outros Astros, Op. Cit., 1997, pp.50-65
157 Eduardo Prado Coelho, Limiar, delimitao, Crtica Revista do Pensamento Contemporneo, 5, Op.
Cit., escreve tambm: na teorizao de lngua inglesa, a palavra adquiriu uma assiduidade inquietante. p.4;
A polmica da ps-modernidade passa-se sobretudo na lngua inglesa e alem. 1980-1990: A Escrita de
Outros Astros, Op. Cit., 1997, p.53
158 Eduardo Prado Coelho, Limiar, delimitao, Crtica Revista do Pensamento Contemporneo, 5, Op.
Cit., p.6
159 Eduardo Prado Coelho, Ibidem.
156
305
3.3
Itinerrios
Do conjunto de obras que a seguir apresentamos, uma parte significativa foi j anotada
no texto anterior. Trata-se de um conjunto representativo da matria sobre a qual
reflectimos ao longo dos trs captulos da presente Dissertao.
Dividimos a organizao destes itinerrios em trs partes, recorrendo a uma terminologia
usada por Rui Mrio Gonalves mitos profundos e mitos efmeros , que assumimos
livremente, acrescentando um terceiro termo: mitos de substituio.
As arquitecturas elencadas sobre o tema mitos profundos referem-se a experincias
motivadas por grandes temas da histria e do tempo, numa perspectiva realista ou
surrealista; as alinhadas sobre o tema mitos de substituio referem-se a re-leituras
do racionalismo como modelo de substituio de paradigma, ensaiado nas primeiras
dcadas do sculo XX.
Os edifcios elencados sobre a caracterizao mitos efmeros so experincias motivadas
por temas do quotidiano, seguindo estratgias pop, que visam criar uma arquitectura
literalmente falante.
O material que apresentamos foi quase exclusivamente recolhido no atelier dos arquitectos
em questo, e uma parte indito. Os crditos das imagens revelam a provenincia dos
respectivos arquivos. A quase totalidade das obras com duas excepes foi visitada
e fotografada e o seu registo surge no canto superior direito de cada ficha.
As trs primeiras obras de cada srie (Mercado de Santa Maria da Feira, de Fernando
Tvora, a Casa de Sergio Fernandez, e o Franjinhas de Nuno Teotnio Pereira e Joo
Braula Reis) no so ps-modernas: mas colocam-se na charneira do tempo que se abre
e funcionam, por isso, como marcadores.
Embora o texto em questo seja muito crtico da questo do ps-modernismo, nomeadamente no campo
artstico, tommos a liberdade de nos apropriarmos destas duas expresses. Cf. Rui-Mrio Gonalves, Anos
80. Para alm dos neo-neos e das tiranias do novo riquismo numa dcada panglossiana. Colquio Artes, n
103, 2 Srie/36 Ano, Outubro-Dezembro 1994, pp. 28-37
306
3.3.1
Mitos profundos
01
02
03
04
05
308
06
07
08
309
09
10
11
12
Bibliografia:
Fernandez, Sergio, Percurso, Arquitectura Portuguesa 1930-1974, 2 ed. Porto: FAUP, 1988, pp. 126-127
Laio, Ana Domnguez; Alfaya, Luciano Gonzlez; Maroo, Marta Marcos; Nez, Patricia Muiz;
Rodrguez, Alberte Prez (Coord), Tvora, Departamento Autnomo da Universidade do Minho,
Museu Alberto Sampaio, 2003, pp. 64-65
Portas, Nuno, Arquitecto Fernando Tvora: 12 anos de actividade profissional, Arquitectura, n71,
Julho 1961, pp. 11-23
Tvora, Fernando, Mercado de Vila Nova da Feira, in Fernando Tvora, Lisboa: BLAU, 1993, pp. 56-63.
310
13
14
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17
16
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44
46
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45
48
316
49
50
51
52
53
Bibliografia:
Guedes, Amncio, Boulangerie Saipal, LArchitecture Aujourdhui, Architectures fantastiques,
n102, Juin-Juillet 1962, p.47
Santiago, Miguel, Livro 1 Stiloguedes, Metamorfoses Espaciais, Pancho Guedes, Lisboa: Caleidoscpio, 2007, pp. 53-58
Vitruvius Mozambicanus: as vinte e cinco arquitecturas do excelente, bizarro e extraordinrio
Amncio Guedes, Arquitectura Portuguesa, 2, Julho/Agosto 1985
317
54
55
57
56
58
59
318
60
61
62
63
64
319
65
67
68
66
69
70
Bibliografia:
Figueira, Jorge, A mo que embala o bero. Pancho Guedes dentro e fora do Team 10, Amncio
(Pancho) Guedes; Ricardo Jacinto, Lisboscpio, Representao Oficial Portuguesa na 10 Exposio
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Corda Seca - Edies de Arte, SA, 2006, pp. 99-109
Guedes, Pancho, A Sagrada Famlia da Machava, in Manifestos, Ensaios, Falas, Publicaes, A.
Miranda Guedes, Adam Guedes, Lisboa: Ordem dos Arquitectos, 2007, pp. 60-65
Santiago, Miguel, Livro 17 A coleco de igejas desiguais, Metamorfoses Espaciais, Pancho
Guedes, Lisboa: Caleidoscpio, 2007, pp. 76-78
Vitruvius Mozambicanus: as vinte e cinco arquitecturas do excelente, bizarro e extraordinrio
Amncio Guedes, Arquitectura Portuguesa, 2, Julho/Agosto 1985
320
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72
74
73
75
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324
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Conjunto Habitacional Lar para Todos (Estrada Nacional), Ral Hestnes Ferreira,1978/87
Beja (1)
O conjunto habitacional Lar para Todos faz parte de um plano de urbanizao projectado
por Raul Hestnes Ferreira, no qual s foram construdos quatro edifcios em banda, separados por ruas-ptio.
O tema fundamental do projecto a dicotomia repetio/excepo. A modulao pressupe
uma racionalidade que permite construir de forma econmica; mas so tambm criados elementos excepcionais que identificam pontos estruturantes, e retiram ao conjunto a expresso de anonimato que a repetio faz correr.
Encontramos esta negociao entre elementos repetidos e a marcao singular de acessos,
vos ou elementos particulares, na arquitectura da Escola de Amsterdo. Os torrees que
marcam a entrada dos edifcios remetem para essa tradio. Ao serem desenhados em analogia com elementos arquitectnicos de edifcios preexistentes da cidade, Hestnes Ferreira,
mais uma vez, faz uma transposio geomtrica de referncias histricas.
Como fechamento para a via rpida, construda uma parede/cenrio que remete para um ed-
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Conjunto Habitacional Lar para Todos (Estrada Nacional), Ral Hestnes Ferreira,1978/87
Beja (2)
ifcio em U, transformando os blocos modernos em algo que se aproxima do quarteiro.
O que seria o desenho neutral de duas empenas transforma-se numa fachada falsa para a rua,
com a marcao de um prtico que sinaliza o acesso para o interior da estrutura.
assim evocada uma certa ideia de interioridade, mesmo tratando-se de blocos modernos
paralelos; um mecanismo que encena a existncia de uma porta, de um ptio, de um lugar
confinado, para l da neutralidade da repetio. Sem pr em causa, a racionalidade necessria
da habitao social, Hestnes evoca, neste lugar singular, uma metafsica kahniana.
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Edifcio de escritrios e comrcio Franjinhas, Nuno Teotnio Pereira e Joo Braula Reis,
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Lisboa (1)
O Franjinhas no um edifcio ps-modernista. Mas uma resposta crtica de incomunicabilidade e hermetismo que a cultura arquitectnica dos anos 50/60 impe arquitectura
moderna. imagem da Torre Velasca (BBPR, 1954-1958), aqui a arquitectura ganha exuberncia formal, capacidade comunicativa, mesmo se o tema abstracto: um jogo de palas
pr-fabricadas de beto que permite um ritmo e uma textura singulares, principalmente em
contraste com a cidade antiga que o envolve. Mesmo se o Atelier Nuno Teotnio Pereira
est ligado a temas arquitectnicas como a habitao social, Teotnio Pereira e Joo Braula
Reis no se furtam ao desenho comunicativo de um edifcio comercial de escritrios que criar grande controvrsia, poca. Fundamentalmente, o Franjinhas quer fugir da imagem,
j na altura estereotipada, do edifcio de escritrios neutral e andino, em pano de vidro. A
fachada do Franjinhas por isso constituda por duas superfcies: um primeiro plano envidraado e um segundo, em que as palas de beto permitem o controlo solar e climatrico
e, do interior, o enquadramento da vista. Este edifcio afirma que a arquitectura destinada
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Edifcio de escritrios e comrcio Franjinhas, Nuno Teotnio Pereira e Joo Braula Reis,
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Lisboa (2)
ao uso comercial pode ser particular e criar um foco de qualificao da cidade; esse o seu
ps-modernismo genrico, avant la lettre. A componente escultrica das franjas e os pisos
da galeria comercial aberta rua expem uma complexidade construtiva e tambm decorativa que refora a ideia de uma urbanidade democrtica, aberta ao utente da cidade. O
Franjinhas no renega o desenvolvimentismo capitalista ento em curso, mas coloca-o na
perspectiva de uma arquitectura qualificada, civil e comunicativa.
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Pavilho de Portugal na Expo 92, Manuel Graa Dias e Egas Jos Vieira,1989/92
Sevilha (1)
O Pavilho de Portugal na exposio de Sevilha de 1992, resultado de um concurso lanado
em 1989, o ponto culminar de uma primeira fase da arquitectura de Manuel Graa Dias e
Egas Jos Vieira.
Representa uma sntese da liberdade espacial, estrutural, entropia de elementos e combinao
de geometrias eruditas com elementos grficos de comunicao, j perceptveis noutros projectos.
Os elementos arquitectnicos mais expressivos que os autores vinham experimentando nesta
poca esto presentes no Pavilho de Sevilha que, sendo efmero, possibilitava um campo
mais livre de experimentao.
Tratava-se de uma construo densa, vibrante graficamente, fragmentria mas com um sentido de conjunto muito forte.
No Pavilho de Sevilha exploravam-se referncias metafricas mas tambm intervenes
literais como a reproduo do mapa de Portugal no pavimento do edifcio.
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Pavilho de Portugal na Expo 92, Manuel Graa Dias e Egas Jos Vieira,1989/92
Sevilha (2)
Na sua hibridez e mestiagem, o edifcio de Graa Dias e Egas Jos Vieira pretendia explicitamente representar e comunicar Portugal como pas que resulta do encontro de culturas diferenciadas (frica, Brasil e sia). Nesse sentido, o ps-modernismo do Pavilho de Sevilha
refere-se a uma interpretao local, uma apropriao singular e no como uma linguagem
internacionalista codificada que, alis no final dos anos 80, estava j em crise.
Trata-se assim de uma espcie de arquitectura high-tech pobre, um high tech do sul da Europa, mediterrnico, feito de azulejos e estruturas em ferro, valendo-se mais da imaginao
do que da ostentao dos materiais.
No Pavilho de Sevilha est ainda presente o carcter zoomrfico dos desenhos de Graa
Dias, retendo para uma estrutura que parte mquina, parte animal; ou parte grfica, parte
arquitectnica.
Nesta confluncia de vrios temas em tenso, o edifcio vale-se ainda da oposio entre uma
fachada decorada e grfica, o desenho de uma oval e a presena de um cubo.
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Pavilho de Portugal na Expo 92, Manuel Graa Dias e Egas Jos Vieira,1989/92
Sevilha (3)
As plantas do edifcio mostram este jogo elaborado de interseco de formas, numa complexidade geomtrica que gera tenses espaciais fortes.
Os esquissos do projecto so especialmente eficazes, recorrendo colagem ao uso de diferentes texturas, e a um recurso livre cor.
A expresso dos desenhos tosca, propositadamente, mas a elaborao formal refinada e
remete para uma inundao de arquitecturas a representar Portugal.
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Concluso
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Procura o sentido ou a cura mas a doena regressar. Tende, por isso, a ser
insatisfatria para os que a experimentam; irrelevante para os que esto em negao
da doena.
A estratgia vanguardista e a existncia da televiso so mutuamente exclusivos, dirse-ia. O ps-modernismo o anncio da ps-modernidade no necessariamente a sua
tese. Nisso h uma inocncia, mesmo com a utilizao da publicidade, dos media e da
Raposeira.
Em Portugal, o ps-modernismo tem o arroubo das vanguardas, com a ps-modernidade
a dificultar-lhe a coreografia da ruptura. essencialmente mundano por oposio
militncia poltica da cultura preexistente. O mais importante que corresponde
reinstalao do pas, no contexto ps 25 de Abril. A democracia em Portugal descobrese em clima ps-moderno.
A desacelerao da poltica no ps-modernismo, reflexo do ps Maio de 68, tem o
seu equivalente em Portugal na necessidade de criar um discurso cultural para l da
Revoluo ou do anti-fascismo. Nos anos 80, no a poltica que est em questo mas
principalmente a aco cultural suportada pela poltica. Nesse sentido, a produo e
a crtica ganham maior autonomia, o discurso cultural apropria-se de narrativas mais
disciplinares ou interdisciplinares e ldicas.
Na arquitectura mais incontidamente ps-modernista evidente a derrapagem
construtiva, o surto eclctico, uma epidemia da forma. A rudeza e o arcasmo so
consentidos pela democracia; a alegria acalentada pelo ps-modernismo. O recalcado
emerge; h um encantamento infantil pela forma; pela forma infantil, sobretudo.
Os anos 80 so palco de inmeras expresses de arquitecturas populistas: geometrizadas
e turbulentas; democrticas na forma, ditatoriais na vontade de comunicar. Esta
exploso da comunicabilidade cria arquitecturas datadas, no seu excesso e histerismo,
mas porventura pertinentes face ao estado pr-moderno/ps-moderno do pas. A sua
incontinncia formal, pretensamente sedutora embora muitas vezes traduzindo apenas
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Byrne, Gonalo
Opere e Progetti. Milano: Electa, 1998
Consiglieri, Victor
As significaes da Arquitectura, 1920-1990 Lisboa: Editorial Estampa, 2000
Costa, Alexandre Alves
Dissertao expressamente elaborada para o concurso de habilitao para obteno do ttulo de
Professor Agregado e constituindo trabalho original sobre assunto respeitantes s cadeiras do 1
grupo do curso de Arquitectura da Escola Superior de Belas Artes do Porto por Alexandre Vieira
Pinto Alves costa em Dezembro de 1979 a que tambm se poderia chamar memrias do crcere
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1982 (1 edio de autor, 1980)
Costa, Alexandre Alves
Alexandre Alves Costa Candidatura ao Prmio Jean Tschumi. Lisboa: Ordem dos Arquitectos, 2005
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Textos Datados. Coimbra: eIdIarq, Edies do Departamento de Arquitectura da FCTUC, 2007
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Vida Moderna. Mirandela: Joo Azevedo Editor, 1992
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11 Cidades Cities, Projectos Projects 1995-2005, Porto: Civilizao Editora, 2006
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Graa Dias + Egas Vieira, Projectos 1985-1995, Lisboa: Estar Editora, [1997]
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Portas, Nuno
Arquitectura(s) Histria e Crtica, Ensino e Profisso. Porto: FAUP Publicaes, 2005
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Arquitectura(s) Teoria e Desenho, Investigao e Projecto. Porto: FAUP Publicaes, 2005
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lvaro Siza Candidatura ao Prmio UIA Gold Medal, UIA 2005. Lisboa: Ordem dos Arquitectos, 2007
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AAVV
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AAVV
Arquitectura Nova em Trs-os-Montes, La Corun: Palacio Municipal de Exposiciones, Kiosco
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AAVV
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AAVV
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Anos 60, Anos de Ruptura Arquitectura Portuguesa nos Anos Sessenta. Lisboa: Sala do Risco,
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Dias, Francisco Silva
Francisco Silva Dias 50 anos de Arquitectura e Urbanismo em Portugal, 1950-2000. Almada:
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Guedes, Amncio (Pancho); Jacinto, Ricardo
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Bienal de Veneza, Lisboa: Instituto das Artes Ministrio da Cultura, Corda Seca - Edies de
Arte, SA, 2006
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Teorema, nmero 2, Novembro 1987
Crtica - Revista do Pensamento Contemporneo, Estticas da Ps-modernidade, Editorial
Teorema, nmero 5, Maio 1989
Jornal de Letras, Artes e Ideias [Ano I, n4, 14/27 Abril 1981 Ano IX, n388, 12/18 Dezembro
1989]
Revista Crtica de Cincias Sociais, Colquio Portugal 1974-1984. Dez anos de transformao social.
Revista Crtica de Cincias Sociais, Ps-Modernismo e Teoria Crtica, Centro de Estudos
Sociais, Coimbra, n 24, Maro 1988
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Alves, Clara Ferreira
As sobras de Marx e a gerao do look, Jornal de Letras, Artes e Ideias, Ano II, n54, 15/28
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Baudrillard, Jean
Sou um profissional do desaparecimento, [Entrevista por Ins Pedrosa], JL Jornal de Letras,
Artes e Ideias, 9 a 14 Fevereiro, 1988, pp.16-17.
Barrento, Joo
A razo transversal requiem pelo ps-moderno, Vrtice, II Srie, Abril 1990, pp.31-36
Coelho, Eduardo Prado
Nem futuro, nem passado, a verdade mora ao lado, Expresso Revista, 3 Outubro 1981, p.22
Coelho, Eduardo Prado
Ps-moderno, o que ?, Expresso Revista, 20 Novembro 1982, p.32
Coelho, Eduardo Prado
A reversibilidade dos restos, JL Jornal de Letras, Artes e Ideias, 1-14 Maro 1983, p.9
Coelho, Eduardo Prado
A des/look/aco, Expresso Revista, 21 Abril 1984, pp.29-30R
Coelho, Eduardo Prado
Limiar, delimitao, Crtica Revista do Pensamento Contemporneo, 5, Estticas da PsModernidade, Maio 1989, pp.3-7
Coelho, Eduardo Prado
Linhas do pensamento actual, Graal, Publicaes Terrao 11, 2001
Coelho, Teresa
O ps-dandysmo, JL Jornal de Letras, Artes e Ideias, 9-15 Abril, pp.14-15
Carrilho, Manuel Maria
A filosofia dos sixties, Jornal de Letras, Artes e Ideias, Ano VI, n228, 17/23 Novembro 1986, p.15
Carrilho, Manuel Maria
A poltica, a retrica e o futuro, Jornal de Letras, Artes e Ideias, Ano VI, n239, 2/8 Fevereiro
1987, p.3
Carrilo, Manuel Maria
Filosofia e Ps-Modernidade, Jornal de Letras, Artes e Ideias, Ano VII, n259, 22/28 Junho
1987, p.23
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Antnio Variaes in Abcedrio, Factos ps-modernos JL Jornal de Letras, Artes e Ideias,
Ano V, n181, 21-27 Dezembro 1985, p.16
Melo, Alexandre; Andrade, Jos Navarro de; Silvano, Filomena
Bairro Alto: o lugar ao novo rosto [Dossier], Expresso Revista, 3 Setembro 1983, pp.16-19R
Melo, Alexandre; Pinharanda Joo
O que importa a atitude..., Jornal de Letras, Artes e Ideias, Ano VI, n199, 28 Abril/ 4 Maio
1986, p.12
Merquior, Jos Guilherme
O significado do ps-modernismo, Colquio Letras, n52, Fundao Calouste Gulbenkian,
Novembro 1979, pp.5-15
Moura, Leonel
A discusso do momento, Expresso Revista, Lisboa, 30 Janeiro, 1982, p.28R
Moura, Leonel
Cores; Festa in Abcdrio, Factos ps-modernos JL Jornal de Letras, Artes e Ideias, Ano V,
n181, 21-27 Dezembro 1985, p.16
Moura, Leonel
Internacional; Querer in Abcdrio, Factos ps-modernos JL Jornal de Letras, Artes e
Ideias, Ano V, n181, 21-27 Dezembro 1985, p.17
Peixinho, Jorge
Post-modernismo: a sntese possvel. Expresso Revista, 5 Fevereiro 1983, pp. 28-29R
Pereira, Jos Pacheco
Viver dentro da sopa, Jornal de Letras, Artes e Ideias, Ano V, n158, 23/29 Julho 1985, p.22
Pinto, Antnio Cerveira
A arquitectura e os bois, O Independente, 7 Junho 1991, p. 63
Pinto, Antnio Cerveira
Eternos e consumveis, O Independente, 21 Junho 1991, pp.58-59
Pinto, Antnio Cerveira
Keep it simple and smile, O Independente, 31 Maro 1994, p.41
Pinto, Cerveira
Rescritos para uma Exposio, Lus Serpa, (Coord.), Depois do Modernismo. Lisboa: 7-30
Janeiro, 1983, pp.19-26
Pinto, Cerveira
O fim de um modernismo em debate, Expresso Revista, 8 Janeiro 1983, pp.24-25R
Pires, Jorge
Ainda o Ps -..., Jornal de Letras, Artes e Ideias, Ano V, n181, 21/27 Dezembro 1985, pp.18-19
Santos, Boaventura Sousa
Seis guies para uma poltica ps-moderna, Jornal de Letras, Artes e Ideias, Ano VII, n293,
15/21 Fevereiro 1988, p.18-19
Santos, Boaventura Sousa
Os direitos humanos na ps-modernidade, Jornal de Letras, Artes e Ideias, Ano IX, n355, 24
Abril/1 Maio 1989, pp.16-17
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Barrento, Joo
A Palavra Transversal. Literatura e Ideias no Sculo XX. Lisboa: Edies Cotovia, 1996
Bebiano, Rui
O Poder da Imaginao Juventude, Rebeldia e Resistncia nos Anos 60. Coimbra: Angelus
Novus, 2003
Cardoso, Miguel Esteves
Escrtica Pop Um quarto da quarta dcada do Rock 1980-1982, Lisboa: Editorial Querco, 1982
Cardoso, Miguel Esteves
A Causa das Coisas. Lisboa: Assrio & Alvim, 1987 [1986]
Coelho, Eduardo Prado
Mecnica dos Fluidos, Literatura, Cinema, Teoria, Lisboa: Imprensa Nacional da Casa da Moeda, 1984
Coelho, Eduardo Prado
Os Universos da Crtica. Lisboa: Edies 70, 1987
Coelho, Eduardo Prado
O Clculo das Sombras, Porto: Edies Asa, 1997
Coelho, Eduardo Prado
Situaes de Infinito. Porto: Campo das Letras, 2004
Gil, Jos
Portugal, Hoje. O Medo de Existir. Lisboa: Relgio d gua, 2004
Gonalves, Rui-Mrio
Vontade de Mudana, Cinco dcadas de artes plsticas. Lisboa: Caminho, 2004
Gomes, Paulo Varela
Coisismos, Porto: Unicepe, 1990
Melo, Alexandre
Velocidades Contemporneas. Lisboa: Assrio & Alvim, 1995
509
Melo, Alexandre
Coleco Berardo Arte Pop & C. Sintra: Museu de Arte Moderna Coleco Berardo, 2002
Santos, Boaventura Sousa de
Um Discurso sobre as Cincias. Porto: Edies Afrontamento, (Julho 1987), 14 edio Setembro 2003
Santos, Boaventura Sousa de
Pela Mo de Alice, O Social e o Poltico na Ps-Modernidade. Porto: Edies Afrontamento,
(Maio 1994), 8 edio Outubro 2002
INTERNACIONAL
Arquitectura
PERIDICOS
Coleces:
Arquitecturas Bis, 8, Julio 1975 / Arquitecturas Bis, 52, Diciembre, 1985
Lotus International. Milano: Electa SA [11 1976/I; 13 Dicembre, 1976; 17 - Dicembre, 1977;
19 Giugno, 1978; 18, 1978; 20 Settembre, 1978; 21 - Dicembre, 1978; 93 1997]
Oppositions A Journal for Ideas and Criticism in Architecture. Cambridge, London: MIT Press,
12 Spring, 1978 /Oppositions / A Journal for Ideas and Criticism in Architecture. Cambridge,
London: MIT Press 19/20 Winter/Spring, 1980
Nmeros Avulsos:
9H Architectural Translations, Criticisms and Projects, n2, 1980
AA LArchitecture dAujourdhui, Architectures fantastiques, n102, Juin-Juillet 1962
AA LArchitecture dAujourdhui, n117, Novembre 1964/Janvier 1965
AA LArchitecture dAujourdhui, volution ou Rvolution, n119, Mars 1965
AA LArchitecture dAujourdhui, Tourisme, Loisirs, n131, Avril-Mai 1967
AA LArchitecture dAujourdhui, Universites, n137, Avril-Mai 1968
AA LArchitecture dAujourdhui, Portugal, n 185, Mai/Juin 1976, [2006]
AA LArchitecture dAujourdhui, Venturi & Rauch, n 197, Juin 1978
AA LArchitecture dAujourdhui, Alvaro Siza, projets et ralisations 1970-1980, n 211,
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AA LArchitecture dAujourdhui, Spcial Aldo Rossi, n 263, Juin 1989
AA LArchitecture dAujourdhui, Alison et Peter Smithson, n 344, Janv.-Fv. 2003
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volume 52, n7/8 1982
AD Architectural Design, Abstract Representation, volume 53, n7/8 1983
AD Architectural Design, Rob Krier Elements of Architecture, volume 53, n 9/10, 1983
AD Architectural Design, Guest-Edited by Heinrich Klotz, Revision of the Modern, volume 55,
n 3/4; Profile 58, 1985
AD Architectural Design, A House for Today, Profile 64, 1986
AD Architectural Design, Tradition: invention and convention, volume 56, n 7, 1986
AD Architectural Design, The American Pastoral Paradox, volume 56, n 9, 1986
AD Architectural Design, Post-Modernity & Discontinuity, volume 57, n 1/2, 1987
AD Architectural Design, Issue originally conceived by Charles Jencks, Deconstruction in
Architecture, Vol. 58, 3-4, Profile 72, 1988
AD Architectural Design, Contemporary Architecture, Vol. 58, 7-8, Profile 74, 1988
AD Architectural Design, Post-Modernism on Trial, Vol. 60, 9-10, Profile 88, 1990
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The Architectural Review, n792, volume CXXXIII, February 1963
The Architectural Review, n795, volume CXXXIII, May 1963
The Architectural Review, n816, volume CXXXVII, February 1965
The Architectural Review, n845, volume CXLII, July 1967
The Architectural Review, n 843, Volume CXLI, May 1967
The Architectural Review, n848, volume CXLII, October 1967
The Architectural Review, n854, Volume CXLIV, April 1968
The Architectural Review, n862, volume CXLIV, December 1968
The Architectural Review, n914, Volume CLIII, April 1973
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Casabella 461, Edilizia e risparmio energetico, Settembre, 1980
Casabella 462, Giornali, ieri, e oggi, Ottobre, 1980
Casabella 463-464, Il dibattito sul Movimento Moderno, Novembre-dicembre, 1980
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