O documento discute a crise da modernidade e da utopia moderna, levando à constatação de que os modelos sociais atuais estão em crise. Argumenta-se que é necessário definir uma nova concepção de presente para orientar o passado e futuro, evitando visões conservadoras. Também reflete sobre a importância da história e a necessidade de maior diálogo entre historiadores sobre suas concepções e compromissos sociais.
O documento discute a crise da modernidade e da utopia moderna, levando à constatação de que os modelos sociais atuais estão em crise. Argumenta-se que é necessário definir uma nova concepção de presente para orientar o passado e futuro, evitando visões conservadoras. Também reflete sobre a importância da história e a necessidade de maior diálogo entre historiadores sobre suas concepções e compromissos sociais.
O documento discute a crise da modernidade e da utopia moderna, levando à constatação de que os modelos sociais atuais estão em crise. Argumenta-se que é necessário definir uma nova concepção de presente para orientar o passado e futuro, evitando visões conservadoras. Também reflete sobre a importância da história e a necessidade de maior diálogo entre historiadores sobre suas concepções e compromissos sociais.
O documento discute a crise da modernidade e da utopia moderna, levando à constatação de que os modelos sociais atuais estão em crise. Argumenta-se que é necessário definir uma nova concepção de presente para orientar o passado e futuro, evitando visões conservadoras. Também reflete sobre a importância da história e a necessidade de maior diálogo entre historiadores sobre suas concepções e compromissos sociais.
HISTRIA DE CLASSE OU HISTRIA DO POVO? 1 Da Ribeiro Fenelon 2 Ao nos colocarmos aqui a questo de que realidade social queremos compreender, como cientistas sociais, para construir uma perspectiva de transformao, que seja capaz de orientar nossa prtica social, deveramos nos questionar inicialmente sobre o significado deste clima de desencanto, desesperana e cansao que perpassa alguns de ns na sociedade brasileira nestes anos da chamada transio democrtica e agora mais recentemente Brasil Novo. A sensao de que, como cidados, a gente somos inteis, as agruras de acompanhar o lento e angustiado tempo de se forjar Constituies, que todos queramos democrticas, para logo depois v-las torpedeadas; a experincia de sofrer impactos cotidianos de uma poltica de arrocho salarial, dos efeitos do desemprego; o enfrentamento de uma poltica de combate inflao, que no conseguimos dominar e nem mais compreender; o descrdito para alguns de qualquer plano ou medida que se nos apresentem como possibilidade de melhoria e tantos outros sinais e sintomas cruis de uma poca de crise, esto a nos colocar diante do que se tem configurado e nomeado como a crise da modernidade ou do rompimento da utopia
Texto originalmente publicado em Histria & Perspectivas n.6, jan./jun.
1992. Comunicao apresentada no VI Encontro Estadual de Histria de Minas Gerais, organizado pela associao Nacional dos Professores Universitrios de Histria-MG, sobre o tema Movimentos Sociais e Fora de Trabalho, Belo Horizonte, julho de 1988. Da Fenelon foi professora do Programa de Ps-graduao em Histria da PUC/SP. Ocupou o cargo de diretora do Departamento de Patrimnio Histrico da Secretaria Municipal de Cultura da Prefeitura Municipal de So Paulo. Foi professora do Departamento de Histria da UNICAMP. Tem livros e artigos publicados, inclusive na Revista Brasileira de Histria. 27
moderna, enquanto para outros se trata ainda, de tudo fazer em
nome de um Brasil Moderno. Ao erigir a razo como elemento definidor da organizao social e transform-la em instrumento de poder, o capitalismo acabou por domesticar os homens e suas conscincias, conduzindo a inmeras formas de disciplinarizao e de tirania poltica, visveis nas instituies, mas tambm presentes no dia-a-dia, nos valores, nos hbitos e outras formas de governo das pessoas. Todas as crticas que vimos estabelecendo s idias de progresso, racionalidade, desenvolvimento, que marcaram o avano do capitalismo e as anlises sobre as concepes do social, terminaram por nos levar constatao de que afinal estamos vivendo a superao da modernidade ou a despedida de utopias realizadas sob a forma de pesadelos, que configuram o estado de pobreza absoluta em que vivem da populao mundial, a fome, a misria, a desnutrio, o desemprego, os desastres ecolgicos, os armamentos nucleares e a possibilidade de extermnio e da destruio total. o cansao e a saturao do sonho liberal e a necessidade de exorcizar o passado. Vivemos, portanto, o enfrentamento da certeza de que nossos modelos e nossas concepes do social esto em crise, porque no conseguem dar conta destas questes presentes no cotidiano. Por isto mesmo, a derrota das ortodoxias, dos ismos de toda a natureza, a recusa aos fechamentos modelares, o sucesso da crise libertria e a valorizao do pluralismo poltico, filosfico e cultural 3. Essa a caracterstica comum, diz Rouanet, de todas as descries da sociedade ps-moderna: o social como um fervilhar incontrolvel de multiplicidades e particularismos, pouco importando se alguns vem nisso um fenmeno negativo, produto de uma tecnocincia que programa os homens para serem tomos, ou outros um
HELLER, Agnes Ferenc Feher. Anatomia de la Izquierda Occidental.
fenmeno positivo, sintoma de uma sociedade rebelde a todas as
totalizaes ou o terrorismo do conceito, ou da polcia 4.
Vivemos, pois, uma clara conscincia de ruptura, restando
compreender se se trata apenas do questionamento e mal estar do fim da modernidade, ou se corresponde a uma ruptura real em todos os campos do social. De qualquer maneira, resta a indicao de que se trata de algo indefinvel porque traduz uma sensao, mais do que o resultado, ou evidncia, de uma realidade cristalizada. E afinal, se este o nosso presente e se concordamos que a Histria um objeto de uma construo cujo lugar no o tempo homogneo e vazio, mas um tempo saturado de agoras como disse Benjamin5, precisamos fundar um conceito sobre este presente e este agora, pois com ele que vamos preencher o tempo histrico, sempre assumindo o campo imenso de possibilidades que ele representa para os fazedores de histria em todos os nveis e concepes. Neste sentido, queremos inverter a relao passado/presente para tornar mais explcita a relao do momento do qual partimos, ou seja, entre nossos problemas, nossas lutas e a experincia histrica de outros momentos, para conseguir assim politizar a histria que transmitimos e produzimos 6. Para no perpetuarmos vises de um passado mistificado, com acontecimentos cristalizados, com periodizaes que pouco tem a ver com as perspectivas que queremos desvendar, h que definir uma concepo de presente, que nos permita atribuir significado ao passado, e mais, que nos oriente em direo ao futuro que queremos construir, ou estaramos traduzindo em conservadorismo social o culto pelo passado e transformando a
ROUANET, Srgio Paulo. As razes do Iluminismo. So Paulo, Companhia
das Letras, 1987, p.234. BENJAMIN, Walter. Sobre o conceito de Histria. In: Magia e Tcnica, Arte e Poltica. Textos Escolhidos. So Paulo, Editora Brasiliense, 1985, p. 229. CHESNEAUX, Jean. Hacemos Tabla Rasa del Passado? Mxico, Siglo XXI, Editores 1977, p. 60/70. 29
memria em instrumento de priso e no libertao, como deve
ser 7. II Comecemos por colocar em evidncia, para poder explicitar posies, algumas das questes mais candentes que se fazem presentes no debate entre os historiadores brasileiros preocupados com projetos desta natureza e com os temas do Trabalho e da Histria Social. Seria necessrio falar, em primeiro lugar, da importncia que atribuimos Histria, produo de seu conhecimento, sua difuso e transmisso. De certa maneira, estamos acostumados a fazer esta discusso sempre de forma seccionada, ou seja, nos Cursos de Histria, nos Encontros Cientficos e em Seminrios; falamos da produo do conhecimento, fazemos a crtica historiogrfica da ltima produo apresentada, ou de diferentes formas de abordagem, problemas metodolgicos, tcnicas sofisticadas. De outro lado, reservamos, nestes mesmos encontros ou seminrios, algum espao para falarmos do ensino de Histria, quase sempre com certo tom de condescendncia, como atividade paralela ou secundria, ou atendendo aos apelos e angstias de uma discusso reclamada pelos professores, que formamos e que se encontram no dia a dia das escolas, atarantados e confusos com a precariedade das condies de trabalho, mas sobretudo, com um assustador despreparo profissional para enfrentar a realidade da escola e do ensino. Digo isto para acentuar como dialogamos pouco sobre nossas concepes, ou quase nada discutimos sobre a teoria subjacente s nossas ria, ou atendendo aos apelos e angdescendosdol e com os temas do Trabalho e da Hi investigaes, acabando por no partilhar das reflexes sobre o
LE GOFF, Jacques. Memria. Enciclopdia Einaudi, Lisboa, Imprensa
cotidiano de nossa atividade de historiadores e do significado que
atribumos s tarefas de fazer avanar nossa profisso que, afinal, passa pela valorizao da Histria no social. Pouco sabemos das intenes e objetivos dos profissionais da Histria quanto aos compromissos da prtica social e, quando digo isto, estou pensando, principalmente, na nossa prtica profissional como historiadores. Neste particular, minhas reflexes sobre a experincia de profissional da Histria me colocam questes at hoje um tanto perturbadoras. So reflexes que certamente se aguaram com o correr do tempo, mas que, a rigor, dizem respeito vida acadmica e seus desdobramentos em nossa rea. O desafio de conviver com a diversidade de perspectivas de trabalho, de concepes diversas de fazer histria, na vida e na produo do conhecimento, de crescer em vises de processos sociais e polticos, de posicionar-se em situaes profissionais e no mbito das esferas acadmicas, exigem um constante repensar de nossas convices de toda ordem, ao mesmo tempo que enfrentam, quase sempre, incompreenses formalistas, competio mida e desqualificadora em nome da unidade de um lado e da pluralidade do outro, tudo transformado s vezes em questes de prestgio pessoal, agressividade, etc... Na verdade o que estou dizendo que o dilogo sadio e natural de posies, o debate no sentido da troca de experincias, infelizmente ainda no se instalou entre ns historiadores e qui outros cientistas sociais. Como vcio de uma formao maniquesta, sempre se contrape uma posio outra e assim que concebemos e realizamos nossa prtica docente. Para se ter a certeza e a verdade precisa-se sempre desqualificar o outro, pois s assim se caminhar na direo daquilo que se convencionou chamar, abstratamente, de perspectiva crtica, ou de transformao social, ou de mudana. Cresce-se pouco quando em contato com outro tipo de produo ou posio diferente da nossa, conseguimos apenas desqualific-la como no tendo as qualidades exigidas por nosso modelo de vida ou de trabalho intelectual. Isso nos desobriga de pensar outras possibilidades histricas, inseridas no real, tanto quanto as nossas 31
e, ainda mais, impede o dilogo porque no reconhece o outro
como sujeito possvel de um conhecimento diferente mas, de forma nenhuma, menos vlido. Muitos autores tm chamado a ateno para este hbito dos historiadores no falarem de suas teorias e concepes, de suspeitarem de ortodoxias e de no gostarem de abstraes. Quando se defrontam com dificuldades conceituais buscam instintivamente os fatos esgrimindo achados ou questionamentos aos suportes documentais, mas nunca aos pressupostos tericos. De algum modo, as interpretaes tomam corpo apenas com o descobrimento, a seleo e o arranjo dos fatos 8. E acabase produzindo uma histria bem arrumada, linear ou at mesmo dialtica, explorando as contradies e os conflitos, mas de qualquer maneira o resultado termina sempre por se transformar no conhecimento verdadeiro, ou ento na simples histria do acontecido. Da sacralizao dos contedos apenas um passo e assim elaboramos elencos programticos com os mesmos temas e periodizaes que se critica, escudados na idia de que, afinal, existe toda uma determinada histria da humanidade, que nossos alunos, futuros professores, precisam dominar para poder transmitir na escola de 1 e 2 graus. Estabelecem-se os contedos e a discusso passa a ser apenas sobre a melhor maneira de transmiti-los, partindo-se do suposto da hierarquizao dos nveis de aprendizagem e de saber que preciso consagrar. Neste caso, ento estaramos reforando a idia de que os alunos de uma certa idade, ou de um certo nvel de escolaridade, no podem e no devem ser incentivados a qualquer iniciativa criadora ou a formular questes e problemas, ou a identificar tpicos e temas que queiram formular, ou possibilidade de fazer opes sobre quais temas gostariam de ver desenvolvidos. Ao invs disto, espera-se que estas mentes maduras devam operar com contedos prescritos a eles por mentes iluminadas, porque mais amadurecidas.
SAMUEL, Raphael. Historia y Teoria. In: Histria Popular Y Teoria
Se ao contrrio, considerarmos que a Histria faz sentido
como fonte de inspirao e de compreenso, no apenas porque pode fornecer os meios de interelao com o passado, mas tambm porque nos permite elaborar o ponto de vista crtico atravs do qual se pode ver o presente, outras perspectivas de interesse pela histria se abririam para todos ns profissionais e especialmente para nossa situao no ensino e na pesquisa. A partir da creio que poderamos repensar no s o ensino de Histria, mas tambm o destino de nossa produo acadmica, cada vez mais distanciada da escola e do grande pblico. Poderamos nos indagar, portanto, em que contexto o estudo da Histria tem sido socializado e politizado e destacar a importncia da escola, onde parece vital a possibilidade de discutir a idia de transformao, a conscincia da mudana e das perspectivas que se desdobram frente de todos. Para falarmos da relao com o tempo que nossa matria, poderamos explicitar melhor qual seria o compromisso presente, que informa esse debruar sobre o passado. Alm disto, gostaria de salientar que o ensino e a aprendizagem da Histria, ou seja, o exerccio do pensar historicamente exige o desenvolvimento integral das habilidades e capacidades cognitivas, para poder refletir e pensar abstratamente, para contestar valores e perceber que a ordem existente modificvel. Por isto, considero a discusso sobre o modo de conceber o ensino em qualquer circunstncia ou nvel, de importncia fundamental, principalmente se vier acompanhada do nosso posicionamento no presente e da explicitao de nossas concepes fundamentadas para conhecer e fazer a Histria e produzir conhecimento desde tantas formas de abordagem. Partindo pois de uma concepo de Histria que busca conviver com o indeterminado, o indefinido, o diferenciado, quero destacar a importncia de se perceber a diversidade, a diferena, as mudanas e as permanncias, reconhecendo que ningum tem monoplio do caminho a percorrer para construir a transformao que queremos ver realizada, ou seja, a construo democrtica do socialismo. Se falarmos ento, da perspectiva de desenvolver a Histria 33
Social do Trabalho, precisamos ter claro que com estas
premissas e estas posies estaremos sempre a enfrentar formas de pensar a Histria que se pretendem hegemnicas e imprimem sua marca no apenas na formao dos professores e alunos, mas tambm na formulao de projetos curriculares, de programas, de contedos, de periodizaes cristalinas estabelecidas. S para levantar um ponto de discusso, neste posicionamento inicial, podemos indagar o porque de nessa Histria sacralizada e definida como patrimnio cultural a ser transmitido, se negar sempre uma referncia mais explcita a temas como do Trabalho e dos trabalhadores, das minorias, ou o porque de se apresentar qualquer grupo contestador como perturbador da ordem estabelecida, que deve sempre existir para o bem do ovo e da harmonia social. Consagra-se com esta prtica, o que se pode chamar de uma tremenda amnsia histrica, o que nos permitiria estender longas consideraes sobre as implicaes polticas destas atitudes e quais os nossos compromissos diante dela, se dizemos que o propsito da Histria no o de desencavar o passado para apenas descobrir as razes de nossa identidade, mas o nosso compromisso de construir a transformao do presente. III Em sua ltima passagem pelo Brasil, o historiador ingls Hobsbawm 9 nos colocou, como sempre o faz, diante de indagaes muito relevantes sobre as premissas, o desenvolvimento e os impasses dos historiadores, sobretudo aqueles que, adotando as perspectivas da Histria Social, procuram dirigir seus interesses para a temtica do Trabalho em todos os seus desdobramentos na formao histrico social do Brasil. Uma delas, mais geral, tocada meio de relance e referindo-
ERIC, Hobsbawm em entrevista Paulo Srgio Pinheiro. O Estado de So
se importncia da Histria, obviamente na realidade inglesa,
me fez refletir e gostaria de lan-la para nossa discusso. Por que que entre ns, fazendo parte dos currculos escolares em todos os nveis, sendo sempre salientada como fundamental formao do cidado, apreciada por diletantes que tanto a cultivaram, a disciplina Histria no consegue ultrapassar o campo de domnio dos especialistas, tornando-se uma matria relevante para o grande pblico, ou mesmo ser difundida no mbito universitrio, para alm das reas de Cincias Humanas e Sociais? Ainda que considerando todas as condies j bastante discutidas, sobre a dominao social e seu impacto na educao, dirijo minhas reflexes para o exame da comunidade dos historiadores com o objetivo de nos levar a indagar se o tipo de Histria que vimos praticando no tem contribudo para torn-la cada vez mais distanciada da populao, apesar de se ter tornado moda o culto da preservao e da memria. Ser que no estamos cada vez mais falando para ns mesmos? A segunda e a que interessa mais neste debate foi a colocao de que qualquer boa histria no apenas uma tentativa de investigar, analisar e descrever o passado, mas analisar como o mundo muda... descobrir como a humanidade comeou na Idade da Pedra e chegou Idade da Tecnologia, Idade Nuclear? Outra vez esta idia bastante rica para ns historiadores de que o nosso objeto a transformao, a mudana, o movimento, o interesse em saber como e por que as coisas aconteceram, principalmente para descobrir o significado e a direo da mudana. Sempre presente em todos os debates sobre estas questes e o fazer da Histria, Hobsbawn escrevia, em 1971, sobre o caminho da Histria Social, ao que ele chamou de Histria da Sociedade, salientando que aqueles eram bons tempos para os historiadores sociais, tempos de reviso, definies, explicitaes de posies, mas sobretudo de produo de grande nmero de trabalhos, que obrigaram os historiadores sociais a se repensarem no interior da diversidade das propostas existentes e por desenvolver, para fazer avanar o dilogo que haviam 35
provocado ao refutarem formas de ortodoxia, de esquematismos
e defenderem o conviver com diferentes concepes sobre o social e seu estudo. Na tentativa de explicitar suas posies, j dizia que jamais poderia encarar a Histria Social como uma outra especializao ou qualquer outra Histria com hfen porque seu objeto nunca pode ser tomado como em separado os aspectos sociais do ser humano no podem ser separados dos outros aspectos do seu existir... dos modos pelos quais os homens constroem o seu viver e se relacionam com o meio ambiente... no podem ser separados de suas idias (por exemplo), uma vez que suas relaes uns com os outros so expressas em linguagem o que implica conceitos, logo que abram a boca...10
Esta ento continua ser umas das dificuldades enfrentadas
por estas abordagens. Alguns anos mais tarde, h que reconhecer que a Histria Social abriu caminhos para reunir historiadores de diversas abordagens e concepes, de maneira que dificilmente se poderia manter hoje a estreita correlao e at mesmo identificao desta, apenas com o marxismo. No h dvida de que a Histria Social continua a ter dificuldades em tornar claros os seus objetivos11. Ao incorporar para alm de seu interesse inicial, quase exclusivo com as classes trabalhadoras, outros temas, como a sexualidade, as minorias, o lazer, a vida em famlia, os homens, as mulheres, a velhice, o urbano e o viver em cidade, os saberes e os odores e tantos outros, no gostaria de rotullos apenas de novos temas, novos objetos ou novos problemas, mas de salientar como ao ter de lidar, ao mesmo tempo que enfrentasse questes metodolgicas especficas, com esta diversidade de objetos, a Histria Social vem contribuindo para alargar o campo de atividades consideradas passveis de
10
11
HOBSBAWM, Eric. From Social History to the History of Society. In:
Daedalus. Winter, 1971, p.20/45. ZELDIN, Theodore. Social History and Total History. In: Journal of Social History. Winter, 1976, volume 10 (2), p. 237/245.
serem estudadas, mas principalmente vem contribuindo para a
compreenso e a articulao destas temticas no todo social. Ainda mais, por se tratar de objetos pouco estudados at aqui considervel a contribuio prestada no sentido descobrir e reinventar fontes, materiais, suportes no pensados pelos historiadores, para dar substncia s suas anlises, explicaes e concluses. E ainda que seus objetos sejam, s vezes, restritos ou representem estudos monogrficos limitados, as questes e as indagaes colocadas pela Histria Social so sempre no sentido mais amplo e abrangente das experincias vivenciadas, seja na configurao das explicaes buscadas e seja no arranjo dos resultados obtidos nas pesquisas. por a que se quer salientar o grande salto dado pela Histria Social ao se libertar, tambm, de outra estreita e exclusiva vinculao com a histria sindical e a histria do movimento operrio, principalmente da forma realizada em certos momentos pela historiografia em geral e a brasileira em particular. De fato, a busca de uma tradio revolucionria para a classe operria e seu movimento, bem como para as populaes oprimidas, que caracterizou muito da produo dos historiadores sociais de linha marxista, acabou distorcendo a experincia dos diversos grupos formadores da classe. Em princpio por colocar muita nfase na questo da presena ou ausncia da conscincia de classe na formao do proletariado. No caso brasileiro, por exemplo, contribuiu para relegar a segundo plano experincias importantes de atuao poltica de outros grupos que fizeram parte da fora de trabalho em formao, abandonando perspectivas de estudo sobre as tradies do campo e da cidade, das experincias de escravos, etc., para no falar de outros aspectos. Por uma concepo estreita do que seria o proletariado brasileiro configurou-se o mito da historiografia de identificar fortemente o proletariado com o imigrante e da a perda de outros elementos da formao do mercado de trabalho assalariado urbano. Agravando tais omisses, o vis da adeso a uma forte linha de determinismo e de acompanhamento da idia de progresso, no caminho da formao social e da classe, impediu uma leitura mais abrangente e flexvel do passado. Seria urgente 37
incorporar nas reflexes sobre o fazer-se das classes
trabalhadoras, no Brasil, toda a gama de estudos realizados sobre a experincia de viver a escravido, o ser liberto, e tambm as condies de existncia dos trabalhadores livres em situaes anteriores chegada dos imigrantes ou em regies onde a formao dos trabalhadores assalariados no sofreu o impacto to forte da presena do estrangeiro, do imigrante, como o caso de So Paulo. Finalmente, ainda dentro desta linha de trabalho, a preocupao de acompanhar as realizaes apenas das lideranas e dos segmentos ativistas do proletariado, obscureceu o exame da vivncia de outros homens, mulheres e crianas e negligenciou foras culturais importantes incluindose a a vida em famlia, os hbitos e costumes sociais dos diversos segmentos da populao, a religiosidade e seu peso na formao das tradies, as festividades populares, as experincias, enfim, do viver no campo e na cidade em uma poca de transformao e, sobretudo, os momentos mais importantes da configurao do se definir a dominao social e seus desdobramentos, em construir outros elementos do viver, seja em hbitos de morar, de se alimentar, se divertir e expressar suas peculiaridades, para construir novas estratgias de governo dos indivduos, na formao do homem dcil e domesticado necessrio ao mundo moderno, agora como fruto da racionalidade capitalista. Seria rico para a historiografia social brasileira que a incorporao do termo ausente em Marx, no dizer de Thompson a experincia social significasse uma retomada destes perodos, para trabalhar estas temticas relegadas ao esquecimento, para podermos repensar o fazer-se da classe na direo de que os homens e mulheres tambm retornam como sujeitos, dentro deste termo no como sujeitos autnomos, indivduos livres, mas como pessoas que experimentam suas situaes e relaes produtivas determinadas como necessidades e interesses e como antagonismos, e em seguida tratam esta experincia em sua 38
conscincia e sua cultura das mais complexas maneiras e em
seguida agem, por sua vez, sobre sua situao determinada.12
A riqueza do termo est na oportunidade que ele proporciona,
por significar a possibilidade de explorar os pontos de disjuno entre os consagrados conceitos de estrutura e de processo, de uma outra perspectiva bem mais enriquecedora do que simplesmente o da explorao do trabalho, pois ... verificamos que com experincia e cultura, estamos num ponto de juno de outro tipo. Pois as pessoas no experimentam sua prpria experincia apenas como idia, no mbito do pensamento e de seus procedimentos, ou como instinto proletrio, etc.. Elas tambm experimentam sua experincia como sentimento e lidam com esses sentimentos na cultura, como normas, obrigaes familiares e de parentesco, e reciprocidades ou atravs de formas mais elaboradas, na arte ou nas convices religiosas. Essa metade da cultura, e uma metade completa, pode ser descrita como conscincia afetiva e moral... significa dizer que toda contradio um conflito, tanto quanto um conflito de interesse; que em cada necessidade h um afeto, ou vontade, a caminho de se transformar num dever e vice-versa; que toda luta de classes ao mesmo tempo uma luta acerca de valores...13
Por isto, mesmo no sendo a histria sem poltica, quando
se distingue da histria econmica, poltica ou diplomtica, a Histria Social acaba lidando com objetos que no so tratados em outras especializaes, ou o so apenas secundariamente, como as minorias, a famlia, os migrantes, a vida cotidiana da classe trabalhadora, a demografia, a mobilidade social, a histria urbana, etc. Isto significa reconhecer sobretudo que os sentimentos e os valores no so dados imponderveis que os
THOMPSON, E.P. O termo Ausente: A Experincia. In: Misria da Teoria.
Rio de Janeiro, Zahar Editora, 1981, p. 180/201. Tambm a expressiva obra, agora finalmente traduzida, A Formao da Classe Operria Inglesa. So Paulo, Editora Paz e Terra, 1987. 13 THOMPSON, E.P. A Misria da Teoria. P. 189/190. 12
historiadores podem seguramente dispensar, com a reflexo de
que, uma vez que no so susceptveis de medida, significam apenas questes de satisfao humana. Ao contrrio, representa exatamente valorizar estas reflexes pela importncia que assumem na discusso da mudana social, principalmente a questo da moral cujo silncio em Marx virou represso para os marxistas, que parecem no perceber que explorar o campo das contradies nos colocar, sempre, diante das lutas entre projetos alternativos de organizar tambm os valres do social. Portanto, mais que abrigar e descobrir temas novos, a Histria Social representa a rebeldia de alguns historiadores em se deixarem limitar por definies de Histria Social como a Histria com a poltica deixada de lado, ou a viso residual de que suas preocupaes so aquelas no incorporadas por outras especializaes. Por isto se pode considerar como positiva a rebeldia destes historiadores contra a dominao da Histria Poltica no sentido tradicional. Tambm positiva a reao dos historiadores sociais contrria sua classificao como uma histria especial ou como uma disciplina em separado porque, nesta dimenso, preferimos consider-la no como uma parte da Histria, mas toda a Histria de um ponto de vista social14, para salientar o avano conseguido desde o Colquio de St. Cloud, em 1.965, quando Soboul definia que todo o campo da Histria, incluindo o mais tradicional depende da Histria Social; ou George Duby, ao dizer que Histria Social de fato toda a Histria15, sem maiores preocupaes tericas de situar seus estudos. E nesta parte da questo no se pode deixar de reconhecer que, por criticar a histria construda de cima para baixo, a Histria Social coloca nfase em outros sujeitos, que no reis, polticos ou parlamentares, como capazes de fazer a Histria, sem PERKIN, Harold. Social History. In: Fritz Stern Varieties of History: From Voltaire to the Present. New York, 1973, citado em James Henretta: Social History as Lived and Written. In: American Historical Review, volume 85 (n.5), 1979, p. 1299/1333. 15 LARROUSE, E. A Histria Social: Problemas, Fontes e Mtodos. Lisboa, Editora Cosmos, 1967. 14
transform-los outra vez em viles e novos heris. Mais
preocupada com processos coletivos, com grupos voltados para o interesse geral, consegue trabalhar na direo da democratizao da Histria podendo, em algumas variantes, enfatizar concepes que buscam explorar as contradies de classe como suposto de suas anlises. Neste ngulo e reconhecendo a diversidade nela contida, se afasta da idia de uma Histria Social dedicada ao suprfluo, obviedade e, portanto, uma histria leve em contraposio ao peso da Histria Econmica e Poltica e continua comprometida com uma suposio socialista, ou pelo menos anti-capitalista. Neste sentido importante perceber que as tentaivas de reduzir a Histria Social a uma Histria tpica ou especial, quando sua pretenso a de se colocar como capaz de abranger aspectos gerais, para garantir uma abordagem mais ampla, sem no entanto cair na armadilha das generalizaes superficiais, parece obedecer a uma estratgia de retalhar no apenas o social mas, sobretudo, o trabalho intelectual, colocando cada um em uma caixa com seu respectivo rtulo para melhor organizar o desenvolver da cincia! So muitos os problemas tericos e metodolgicos que a Histria Social vem enfrentando. Falemos de alguns deles. Em primeiro lugar a questo da teoria. Se ela est explicita e definida nos historiadores de inspirao marxista, em suas diversas dimenses e vertentes como tentamos esboar anteriormente, restando reconhecer as diferenas, as interpretaes, as superaes, as crticas, esta questo no est to bem dimensionada para outras abordagens da Histria Social. Alguns autores da linhagem acentuam caractersticas sociais, tecnolgicas e da vida cultural em um ambiente especfico, adotando uma abordagem geogrfica e seus trabalhos representam uma concepo de histria que ao mesmo tempo mtodo, definio de objeto e interpretao. Entre os historiadores sociais franceses desta corrente, a coerncia conseguida atravs do valorizar a quantificao e das noes de totalidade e estrutura. A quantificao usada para reduzir a margem da imponderabilidade, a totalidade como elemento de coeso de 41
qualquer perodo histrico e o delinear das estruturas como
garantia de uma proposta de compreender e reconstruir a causalidade histrica. Sempre se reconhece o inclinar-se para um determinismo social acentuado e uma crena de que a histria , pelo menos parcialmente, determinada por foras externas ao homem, mas no h um sitema referencial coerente para enfeixar tais determinaes, seno a idia de que a totalidade significa todos os aspectos da vida, do clima cultura popular. O resultado destas abordagens que muito se refora a idia de estabilidade e de continuidade das tradies e ainda permanece a questo sempre levantada sobre esta corrente de onde est a teoria na Escola dos Anais16. Reconhecendo a importncia desta corrente na contestao ao positivismo e tambm na extenso e abrangncia das temticas que se prope analisar, resta salientar a aproximao que proporcionaram com as outras disciplinas do social como a etnologia, sociologia, a psicologia social, etc., quando se dispuseram a ir alm da Histria para enriquecer suas perpectivas17. No desenvolvimento da Histria das Mentalidades, como vertente muito difundida da Escola dos Anais, se pode caracterizar o desdobramento destas perspectivas e a passagem para a Nova Histria Francesa. Considerando a importncia de identificar pontos de juno entre o indviduo e o coletivo, da longa durao e o cotidiano, do intencional e o inconsciente, estes historiadores das mentalidades tm se preocupado com as heranas , as tradies, as defasagens, as continuidades, assumindo que, nas estruturas mentais, as mudanas so lentas e vagarosas e, por isto mesmo, possveis de serem examinadas na longa durao. O estudo dos ritos, das cerimnias, das representaes e do imaginrio destas prticas vem colocando, quase que como
16 17
HENRETTA, James. Op. Cit. P. 1295/1298.
Um bom balano sobre a Escola dos Anais est em Fontana, J. L. |Asceno e Decadncia da Escola dos Anais. In: Histria e Idias. Porto, Editora Afrontamento, 1979, n.3 e n.4, p. 65/79.
ponto principal destas abordagens, a inegvel contribuio que
tm dado na extenso de nossas concepes tradicionais de documentos e fontes histricas, onde objetos de adorno, de trabalho, ritos, disposies nas cerimnias, etc. tm se transformado em valiosos elementos de discusso das mentalidades. Outra vez a discusso terica parece passar ao largo. Por falar de uma mentalidade comum a todos parecem no reconhecer as diferenciaes nas estruturas sociais ou em outras obras se constata a tentativa de caracterizar as mentalidades como peculiares a setores especficos. No se preocupam com questes como: trata-se de uma mentalidade dominante? De vrias? Quando se desfaz? Quando se constri outra?18 Depois de algumas discusses e crticas recprocas houve algumas tentativas recentes de aproximao entre as concepes e os trabalhos dos historiadores das mentalidades e dos autores ingleses preocupados com a cultura das classes trabalhadoras. Isto entretanto, parece difcil apesar das simpatias mtuas. A fragilidade terica da histria das mentalidades e muito mais a forma como, acriticamente, incorporam conceitos das cincias sociais tais como tradicional e moderno, civilizao, irracionalidade e inconsciente e outros com tendncia a explicaes funcionalistas tornam mais afastadas estas duas abordagens. bem verdade que os mais recentes trabalhos da Nova Histria vm procurando dar maior consistncia s anlises das mentalidades mas, ainda assim, de alguma maneira elas flutuam no ar, por alguma dinmica interna da conscincia coletiva, quando muito configurada a partir de perspectivas do estruturalismo francs19.
LE GOFF, Jacques. As Mentalidades: uma histria ambgua. Novos
objetos. Rio de Janeiro, Livraria Francisco Alves Editora S/A, 1976 e A Nova Histria. Lisboa, Martins Fontes, 1983, p.11/39. Tambm com uma perspectiva crtica ver VOVELLE, Michel Introduo, Ideologias e Mentalidades: um esclarecimento necessrio. In: Ideologias e Mentalidades. So Paulo, Editora Brasiliense, 1987. 19 GISMOND, Michael. The gift of Theory: a critique sur la histoire des mentalits. In: Social History volume 10, 1985, p. 211/230.
A crtica mais profunda vai, portanto, na direo de que tambm
a histria das mentalidades no demonstra nenhuma preocupao com a questo terica para fundamentar suas explicaes, confirmando suas estreitas afinidades com a escola dos Anais e pagando tributo s perspectivas de encontrar um fator unificador para permitir compreender a essncia da histria, negando assim a idia de processo, de movimento e de mudana. Retomando ento a questo da teoria queremos reafirmar primeiro que, em nossa prtica da Histria Social, no se trata de buscar modelos elaborados e explicativos porque concordamos em que no h, nem pode haver nunca um sistema finito20, ou seja, nenhuma teoria pode ser pensada como capaz de dispensar a investigao emprica sobre a realidade, ou correremos o risco de construir castelos na areia. Neste sentido, as formas de exame e leitura dos dados so to importantes quanto a construo da teoria e sempre ampliam as possibilidades criativas desta construo. No se trata pois de introduzir de fora uma reflexo que nada tem a ver com a realidade. E nem concordamos em que a teoria seja algo pronto e acabado esperando por ns para adot-la na forma de hipteses, modelos, etc. Por a teramos tambm de avanar para discutir, de forma mais aprofundada, as tentativas que recusamos, de assegurar a verdadeira teoria classificando-a como cientfica. As correntes tericas, nos lembra Samuel, s ganham importncia porque respondem, ou parecem responder a algum silncio ou inquietao... assim por exemplo a popularidade do conceito de hegemonia est evidentemente relacionado com o visvel crescimento dos poderes do estado21. Desta maneira, a teoria somente comea a ter valor, para ns, se nos engajamos em um trabalho de construo terica, sem aceitar nada de olhos fechados, se nos tornarmos conscientes dos modos pelos quais as questes so construdas, se neste processo nos tornamos mais crticos sobre as
categorias explicativas que usamos e mais conscios dos
fundamentos filosficos da investigao histrica e da interdependncia com outras formas de conhecimento22. Tambm por isto de importncia fundamental para a Histria Social a questo da periodizao. Se temos sido capazes de incorporar outras temticas do social, alargando com isto nossa compreenso, temos demonstrado, entretanto, uma dependncia estreita em relao aos marcos tradicionais. Isto sem falar da necessidade que sentimos de demarcar acontecimentos e processos para podermos falar com mais tranquilidade do antes e do depois, revelando resqucios de concepes que teoricamente condenamos, mas que parecem ainda estar presentes em nossas anlises, em nossos programas e planos de ensino, em nossas aulas, etc. H que retomar, portanto, premissas e supostos de um compromisso de construir o presente e assim ser capaz de repensar o tempo, no com os marcos j traados, mas descobrindo novas maneiras de delimitar nossos objetos, nossos currculos e programas e, sobretudo deixar claro que a periodizao cristalizada na histria acontecida, dos programas e currculos oficiais, podemos contrapor diferentes leituras do processo, que necessitam delimitar e marcar o tempo de acordo com suas propostas. E porque adotamos a idia de que o historiador em cada momento de seu trabalho sempre um ser formado em valores sociais e que quando prope problemas e interroga as evidncias no pode e no quer se desvencilhar destes valores que consideramos importante a discusso sobre os compromissos assumidos no presente para explicitar estas posies e estes valores. IV Quando conseguimos refletir que os conceitos dos quias
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History and Theory. Editorial da History Workshop Journal- Issue 6,
partimos no so conceitos, mas problemas e no problemas
analticos, mas movimentos histricos ainda no definidos creio podermos atribuir um significado diferente proposta de se fazer a Histria Social do Trabalho partindo de categorias como cultura e experincia social da maneira que j discutimos anteriormente aqui e em outros trabalhos. Se estamos falando de examinar a experincia social dos trabalhadores em todos os seus ngulos de existncia e de vida, para alm de apenas examinar seu movimento e organizaes ou associaes polticas, isto significa querer examinar todo o seu modo de vida no campo das transformaes e mudanas que, cotidianamente, experimentam os trabalhadores em todos os aspectos do viver a dominao burguesa e capitalista. No apenas as condies e padres de existncia material na moradia, na fbrica, no lazer, na alimentao, na religiosidade, etc. mas tambm no campo dos sentimentos e dos valores so expropriados no dia-a-dia da dominao, a resistncia oferecida neste processo e a necessidade de reconstruir e reinventar a cultura a partir de sentimentos de perda de padres antes estabelecidos23. neste campo que queremos tambm redefinir nossas noes de lutas de classes, para perceber que esta cultura nada mais do que o modo de vida das classes trabalhadoras e que a se define o campo de foras, em embates constantes, tornando a cultura, assim entendida, o espao privilegiado para o entendimento das contradies colocadas pelo processo. E o interesse nesta abordagem no passa por concepes de descrever ou constatar como se desenvolve esta vida e se desenrolam estas lutas, mas passa por tentar entender o como e o por que isto acontece, recuperando sim sentimentos, valores, sensaes de perda e necessidade de reconstruo e sobrevivncia para entender o constante fazer-se e refazer-se das classes trabalhadoras. No estamos, pois, adotando as categorias experincia social e cultura, nem como identificao
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THOMPSON, E.P. A Formao da Classe Operria. Volume II, op. cit.
das manifestaes da superestrutura e nem moda de uma certa
antropologia para significar apenas a descrio do modo de vida, quase sempre a vida material, os laos de parentesco, os hbitos e os costumes. Segundo as concepes de Thompson e Willians, consideramos necessrio reconhecer a complexidade e variabilidade das foras que do forma e sentido ao cotidiano da luta de classe para podermos entender processos mais amplos de conscincia, opes, orientaes e direes tomadas pelos trabalhadores no seu viver, no como etapas necessrias e sucessivas, mas para entender que neste construir da classe, nestas atividades e nestas possibilidades, que se definem os processos sociais, constitutivos que so, todos eles, de situaes especficas e diferenciadas. S a podemos dar consistncia idia de que uma classe se define pelos prprios homens, segundo e como vivam sua prpria histria e, em ltima instncia esta a nica definio possvel24. Falando destas perspectivas de compreenso creio que nos faltam, na situao brasileira, estudos histricos com investigao aprofundadas nestas vrias direes: do exame da religiosidade e das prticas religiosas para perceber, de um lado, como institucionalmente se configuram a religio e a Igreja na instrumentao do controle social, mas tambm a experincia de viver o contedo desta religiosidade e, da probreza e dos despossudos, sobretudo para acompanharmos o processo em que se agrava o medo das classes perigosas 25 tornando necessrio separ-las das classes trabalhadoras, mas tambm para acentuar como este processo est intimamente relacionado ao crescimento das cidades e todos os problemas sociais da decorrentes; ainda no tema das cidades, o estudo das condies e da qualidade de vida, como sade, alimentao, transporte, seja no estudo das condies de moradia dos trabalhadores, seja
tambm no estudo de seu arranjo, divises, objetos, etc. e
sobretudo nas questes da diviso do espao urbano, como centros habitacionais, bairros, espaos para o lazer e o esporte, bem como o prprio desenrolar destas atividades, o rdio e a televiso, o futebol, o jogo de cartas, os cinemas, os bares e os botequins, as revistas, os folhetins, as novelas e outros espaos alternativos de divertimento, principalmente as festas populares, as quermesses, etc.; a questo da criminalidade e do crime para acompanhar o processo de identificao e associao que faz o poder do protesto social com baderna, desordem, violncia e crimes, podendo assim explicitar a estrita relao entre criminalidade e organizao do mercado de trabalho, bem como o surgimento e a burocratizao de instituties como a polcia e outras desenvolvidas a partir da necessidade de vigiar e punir, como a penitenciria, a cadeia e o asilo26. Quando se fala, portanto, de experincia e nas contradies sociais em que ela se desenvolve, compreendendo todo o viver como cultura, ela no est pensada apenas na vida, mas tambm no trabalho e da falar-se de uma cultura de fbrica, por exemplo, para abarcar as prticas, as residncias, a disciplinarizao, o viver, as condies de explorao intensiva, as mobilizaes, a solidariedade, etc. Para finalizar, coloco discusso um problema que enfrentamos no estender nossas categorias e descobrir outros temas, valorizados at pelos movimentos sociais de reinvindicao pelos equipamentos sociais e por nova qualidade de vida. Nesta descoberta parece que os historiadores da cultura se encontram com a questo, j bastante discutida dentre os outros cientistas sociais, e que se encontra bem no limiar destas investigaes ou mesmo na necessidade que sentimos de 26
MELOSSI, Dario e Masimo Pavarini. Corcel y Facbrica: los origines del
sistema penitenciario. Siglo XXI, Mxico Editora, 1980. STORCH, Robert. A polcia no cotidiano da vida inglesa. In: Revista Brasileira de Histria. Nmeros 8 e 9, ANPUH, So Paulo, Marco Zero, 1985, CRUZ , Heloisa de Faria Mercado e Polcia, So Paulo, 1890/1915. In: Revista Brasileira de Histria, nmero 14, Marco zero, ANPUH.
politiz-las e socializ-las com o pblico, muitas vezes, objeto
destas pesquisas. Afinal falamos das classes trabalhadoras ou de algo mais abrangente? Quando falamos de cultura, como enfrentar as concepes j existentes de cultura popular? Estaremos iniciando uma tentativa de produzir uma histria popular? Ou uma histria do povo? Na Europa o descobrimento da cultura popular representou razes polticas que tinham a ver com os movimentos de libertao nacional significou motivaes nativistas para reviver culturas tradicionais, em oposio dominao estrangeira. No caso brasileiro, o nacional e o popular surgem como propostas de construo da cultura dos anos 50 e 60, com grande incentivo das esquerdas, com projetos prprios, que afinal marcaram os estudos sobre o tema e o perodo27. Em geral, as abordagens da questo da cultura popular passam por algumas suposies bsicas que, segundo Peter Burke, se mostram bastante danosas aos estudos, pelos vcios que carregam como o pimitivismo para significar a idia de que crenas, costumes, artefatos, canes, etc. foram transmitidas atravs dos anos, sem sofrer mudana alguma e significam tradies milenares, o que certamente uma suposio bastante equivocada; o purismo para designar como popular tudo aquilo que tem origem no campo e produzido pelos camponeses; o comunitarismo para considerar que o povo sempre cria coletivamente28. No difcil reconhecer estes vcios nas obras sobre o tema. De qualquer forma fica evidenciado o despreparo dos historiadores para este debate. Carlo Ginzburg, que trabalha com temticas dos sculos XVI/XVII, chama a ateno para a falta de desenvolvimento no campo e para a necessidade de se CHAU, Marilena. O Nacional e o popular na cultura Brasileira. Seminrios. So Paulo, Editora Brasiliense, 1983. 28 BURKE, Peter. El Descubrimiento de la Cultura Popular. In: Historia Popular y Teoria Socialista p. 78/92 e tambm do mesmo autor: Revolution in Popular Culture. In: Revolution. R. Porter and N. Teid, Cambridge University Press, 1986.
estabelecer novas tcnicas e para o problema da documentao
quando afirma a ambiguidade do conceito cultura popular. s classes subalternas das sociedades pr-industriais atribuda ora uma passiva adequao aos subprodutos culturais distribudos com generosidade pelas classes dominantes, ora uma tcita proposta de valores, ao menos em parte autnomos em relao cultura destas classes, ora um estranhamento absoluto que se coloca at mesmo para alm, ou melhor, para aqum da cultura. bem frutfera a hiptese formulada por Baktin de uma influncia recprocas entre a cultura das classes subalternas e a cultura dominante. Mas precisar os modos e os tempos dessa influncia significa enfrentar o problemas posto pela documentao, que no caso da cultura popular , como dissemos, quase sempre indireta29. Para muitos autores, ento lidar, com o popular e o povo pode significar ou a busca de uma cultura dominante, hegemnica de um lado, ou a cultura popular autntica de outro e, com isto, conseguem ambos obscurecer a vitalidade da cultura como expresso da experincia vivida no sentido de um duplo movimento de conteno e resistncia que ela carrega. Para perceber melhor estas questes h que acompanhar o lento e prolongado processo de moralizao dos trabalhadores, a desmoralizao dos pobres e a reeducao do povo. Considerar que a rigor muitas destas lutas se desenvolveram longe da lei, do poder e da autoridade e somente com o aparecimento das instituies repressoras, como a polcia, pincipalmente, que se pode acompanhar melhor este processo de conteno/resistncia, pelo chamado problema das fontes. Fica a certeza de que no h cultura autnoma a ser procurada, que esteja fora do campo das foras da relao poder/dominao. Por mais problemas que os termo popular e povo nos coloquem, no h que abandonar a perspectiva de que a cultura
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GINZBURG, Carlo. O Queijo e os Vermes. So Paulo, Cia das Letras,
1987 e tambm do mesmo autor: Os Andarilhos do Bem, So Paulo, Cia. Das Letras, 1988.
se mostra um campo rico e fecundo para estudar as condies
de classe, principlamente se abandonarmos as concepes simplistas de manipulao para procurarmos sempre as contradies, a desigualdade da luta, os propsitos de organizar e reorganizar valores e educar o povo, para lidarmos ento com a cultura como campo de batalha onde estas lutas se concretizam30. A questo est, portanto, em que no podemos nos esquecer das relaes estreitas entre o popular e as classes, no apenas para identificar unificaes ou hegemonias, ou manipulaes, mas os pontos de luta, de contradio. inegvel, entretanto, que esta preocupao com o popular est intimamente associada, para ns, com as preocupaes do presente, no que diz respeito s alianas que queremos e devemos realizar na construo do projeto de transformao. Os termos povo e popular so sempre difceis de serem tratados. Em seu nome se tem forjado grandes tentativas de definir projetos elaborados de dominao para o bem do povo para conseguir o povo dcil, que sempre diz sim ao poder. Mas no h que necessariamente ser assim. Se considerarmos o campo de foras contido na cultura do povo a tambm pode estar sendo construdo o caminho democrtico para o socialismo.
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HALL, Stuart. Notas sobre la Desconstrucion de la Popular. In: Historia
Popular y Teoria Socialista. P. 93/110. Sobre o assunto, interessante perceber a discusso no Brasil em Jos Leite Lopes. Cultura e Identidade Operria. Editora Marco Zero, 1987, UFRJ. 51
A HISTÓRIA SOCIAL DA CULTURA E A HISTÓRIA CULTURAL DO SOCIAL: APROXIMAÇÕES E POSSIBILIDADES NA PESQUISA HISTÓRICA EM EDUCAÇÃO - Ribamar Nogueira Da Silva