As Teorias Da Cibercultura - Francisco Rudiger
As Teorias Da Cibercultura - Francisco Rudiger
As Teorias Da Cibercultura - Francisco Rudiger
Ano V, n. 08 jan-jun/2012
articulam desde bom tempo de acordo com o que foi chamado de indstria cultural por Theodor
Adorno (p. 10).
No primeiro captulo, Rdiger identifica trs pontos de vista sobre a cibercultura: populistas
tecnocrticos (so os defensores das qualidades sociais, econmicas, polticas e culturais do
fenmeno; Dan Gillmor e Henry Jenkins fazem parte dessa tendncia tecnfica); conservadores
miditicos (lanam um olhar crtico sobre a cibercultura; Dominique Maniez e Andrew Keen so
exemplos) e os cibercriticistas (pontuam o vnculo entre cibercultura e poder, enfatizando o que tal
elo provoca no indivduo; Kevin Robins e Lee Siegel seguem essa premissa).
O autor esmiua essas linhas de interpretao em quatro tpicos. O populismo tecnfilo
abordado no primeiro deles. Nos anos 1960, Marshall McLuhan defendeu que o desenvolvimento
das tecnologias de comunicao cria um ambiente (aldeia global) que propicia interao igualitria.
Essa abordagem encontrou abrigo em outros autores. Howard Rheingold defende que computadores
ligados em rede podem emponderar os indivduos: chegou a hora de restaurar o esprito
comunitrio e recolocar a cooperao no centro da vida social (p. 27). Dan Gillmor explica que
agora todos podem produzir e partilhar notcias, o que resulta no rompimento do monoplio dos
conglomerados de comunicao e entretenimento. Henry Jenkins, por sua vez, considera que, na
cultura da convergncia, empresas e clientes podem participar de projetos cooperativos. No
ciberespao, cliente no apenas aquele que consome, mas tambm quem cria contedo.
Todavia, se por um lado h o ufanismo de inspirao tecnocrtica, Rdiger identifica, na
segunda parte do captulo, vozes antagonistas. Nesse contexto, Andrew Keen tem o discurso mais
eloquente. Keen defende que responsabilidade de todos proteger a mdia tradicional, nica com
capacidade de entregar contedo de qualidade elevada para o pblico. J os criadores autnomos da
web 2.0 acabam com o profissionalismo ao no respeitar o direito autoral. Com isso, executam uma
produo gratuita, precria e medocre, muitas vezes pautada pela popularidade e a
autoreferncia.
Em seguida, Rdiger explora, na terceira parte do captulo, como a tecnologia encontra-se
em relao dialtica com algo no tcnico (p. 36). Kevin Robins e Julian Stallabrass foram os
primeiros a apontar essa problemtica. Robins afirma que o desenvolvimento tcnico est associado
a criaes imaginrias. Stallabrass defende que o domnio da Internet no exercido pela poltica
ou o empresariado, mas pela prpria dinmica capitalista moderna. Lee Siegel, que censura a
cibercultura como ideologia, mais contundente ao apresentar o fenmeno como estgio mais
avanado coletivamente de um processo de colonizao da conscincia pelo mercado que j opera
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fomentar o que lhes vantajoso. Desse processo surge o embate entre plos contrrios. J Feenberg
defende uma compreenso extensa da cibercultura, evitando anlises unidimensionais do fenmeno.
As tecnologias de informao no so funo de um propsito social pr-determinado: so parte do
contexto histrico em meio ao qual a vida articulada (p. 68).
Dividido em quatro partes, o captulo trs explora como vrios termos relacionados
cibercultura so interpretados ao longo da histria. Segundo os gregos, que foram os criadores da
noo de tcnica, no se pode falar do termo antes da civilizao. Afinal, o conceito representa
um tipo de conhecimento que o homem usa para gerar o que no encontra na natureza. Cabe
mecanizao da cincia, ocorrida na passagem da cincia antiga para a clssica, o incio da
matematizao do conhecimento, tendncia que ganharia maior intensidade no sculo XX. Vale
ressaltar que, anteriormente, as chamadas artes liberais eram consideradas superiores s artes
mecnicas.
De todo modo, h pensadores, como os alemes Georg Simmel, Max Weber, Walther
Rathenau e Robert Musil, que questionam a racionalizao tecnolgica da vida em sociedade. Para
Theodor Adorno e Max Horkheimer, o maquinismo no culminou na libertao humana: a
tecnocracia domina a produo cultural, um processo continuado que transformou a cultura em
produto (indstria cultural).
Jean-Franois Lyotard designou de mundo ps-moderno o perodo em que se pode notar os
resultado da propagao das comunicaes eletrnicas sobre o fluxo do conhecimento. Para
Augusto Comte, a sociedade passa por trs estgios: teolgico, metafsico e o positivo (o derradeiro
representa o domnio do pensamento cientfico).
Dessa forma, a sociedade contempornea se mostra cada vez mais conectada a
transformaes tecnolgicas. Em especial, aos sistemas de comunicao via artefatos eletrnicos.
Para construir a linha temporal at a atualidade, Rdiger examina, no quarto captulo, fatos que
influenciaram a cibercultura, como a disseminao do capitalismo e a viso de que a tecnologia
inaugura um novo estgio na humanidade.
O termo Ciberntica foi criado por Norbert Wiener, em 1948, para designar a cincia do
controle das relaes entre mquinas e seres vivos, em especial da comunicao (p. 108). A nfase
na comunicao ocorre porque Wiener acredita que ela o alicerce de todos os acontecimentos,
naturais ou sintticos. Marshall McLuhan compartilha muitos dos valores associados a Wiener. Para
McLuhan, a computao eletrnica em rede pode fornecer a estrutura e as condies para a
reconciliao global.
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tema do captulo dez. H tecnfilos, como Kevin Warwick, Ollivier Dyens, Hans Moravec e Ray
Kurzweil, que pregam que o ser humano passa por modificaes profundas: o organismo
maquinstico (ps-humano) ir nos ultrapassar.
Tecnfobos como Arthur Kroker, Michael Weinstein, Paulo Virilio, Lucien Sfez e Eugnio
Trivinho, por outro lado, anteveem cenrios obscurantistas. A postura apocalptica deles marcada
pela viso de que o homem no possui mais autoridade sobre o avano tecnolgico; o artefato
tcnico agora se autogerencia. Para uns, isso significar a derrocada da tcnica. Para outros, sua
supremacia.
Rdiger defende que o antagonismo entre realidade e mundo virtual no procede. A
realidade histrica se encontra em movimento na dependncia entre [] a vivncia imediata e a
interao sinttica possibilitada pela mquina (p. 204).
O captulo onze enfatiza autores que no acreditam no desmedido poder da tecnologia. Jean
Baudrillard destaque ao adotar perspectiva semi-humanista. Para Baudrillard, a mquina no
realiza sua prpria operao. Por isso, ela nunca poder ultrapassar o que ; o homem, sim.
Apesar disso, a viso de Baudrillard sobre a cibercultura sombia. A nova mdia cancela a
verdadeira interao entre os sujeitos sociais (p. 208). Segundo Baudrillard, entramos na era de
vertigem virtual. A inteligncia artificial nos fornece solues de forma automtica: as variveis
desse dilogo so princpios com os quais j temos familiaridade.
Entretanto, o entendimento da tecnologia contempornea no est distante da condio
humana. Esse o tema do captulo doze, que aborda o pensamento trans e ps-humanista, em que as
pessoas passaro a contar com habilidades antes possveis apenas no mundo imaginrio.
Encontraremos novas formas de existncia, como ciborgues ou atravs da inteligncia artificial, o
que nos tornar mais fortes e sbios. Isso possvel porque, para parte desses tericos, o indivduo
no passa de um processador de informaes, cujo centro de dados o crebro (p. 218).
Friedrich Nietzsche abriu esse caminho ao vislumbrar a possibilidade de suplantar nossa
espcie (supra-humano). Outros o seguiram: James Bernal (o homem mecnico constitui um
acrscimo no desenvolvimento natural), Max More (nossa existncia corprea ser interligada aos
recursos tecnolgicos), Paula Sibilia (o ser biolgico ganha upgrade computacional) e F. M.
Esfandiary (cujo termo trans-humanista representava o corpo humano em estgio intermedirio
de transformao).
De acordo com Rdiger, a tendncia ps-humanista no est limitada explorao futurista.
Para alm da validao dessas ideais, relevante celebrar essa vanguarda intelectual que observa o
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Rdiger defende, no captulo quinze, que uma via para compreender as novas mdias evitar
a tenso contnua resultante da discusso polarizada (que censura ou aposta em promessas
fantasiosas), seguindo um caminho que representa um meio termo (novo empirismo) ao avaliar os
pontos positivos e negativos da cibercultura.
O Manifesto Tecnorrealista (1998) segue essa premissa. Elaborado por pesquisadores, o
texto prega uma postura reflexiva sobre as mudanas surgidas com o desenvolvimento tecnolgico.
O manifesto cita oito pontos importantes, como pregar que a tecnologia no neutra e, embora seja
revolucionria, no utpica.
Explorar como a informtica de comunicao configura o modo como atuamos no
ciberespao o foco do captulo dezesseis. Rdiger investiga, na primeira parte, o pensamento de
Cornelius Castoriadis. Para esse autor, o sentido da tcnica no est nela mesma, mas no processo
de criao da vida social e seu mundo, levado a cabo pela coletividade (p. 260). J Theodor
Adorno salienta que o sujeito social no faz consideraes significativas sobre os bens de consumo,
se limitando a modificar o que est na superfcie.
A segunda parte do captulo explora o pensamento pioneiro de Max Weber. Segundo o autor,
a tcnica cria dinmicas automatizadas das quais as pessoas no tomam conhecimento. A
existncia pode ser mais ou menos calculada e conduzida como uma mquina, o que nos remete de
chofre ao pensamento tecnolgico (p. 270). De acordo com Andrew Feenberg, o mercado livrou a
tecnocincia de questes morais e polticas. Para Feenberg, agora o que conta a eficcia do
processo.
O pensamento de Patrice Flichy d incio ltima parte do captulo. Segundo Flichy, as
tcnicas associam-se a manifestaes ldicas que desempenham papel de compor identidades
coletivas e prover condies para a realizao de projetos. Para Tim Jordan, a infosfera palco de
fantasias, que passam a ser vividas coletivamente. J Ken Hills prope que os equipamentos
interativos servem tanto para consolidar o poder hegemnico quanto para planejar novas
possibilidades.
Rdiger finaliza o livro conceituando a cibercultura como uma formao prtica e
simblica que expressa e, s vezes, articula para o homem comum as circunstncias e antagonismos
humanos e sociais que vo surgindo agora, com a progressiva informatizao da era maquinista que
nasce no sculo XVII (p. 285).
O trajeto proposto por Rdiger oferece uma viso privilegiada das articulaes intelectuais
sobre a cibercultura. Ao mostrar esse caminho introdutrio rico, o autor auxilia quem se prope
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estudar o fenmeno.
Algumas das limitaes do trabalho foram mencionadas pelo prprio autor, como apresentar
teorias sem se aprofundar no seu contexto scio-histrico. Outras abordagens teriam enriquecido a
obra. Rdiger escolheu apresentar uma viso panormica da cibercultura, descartando conceitos
especficos (comunidades virtuais, redes sociais, ciberfeminismo ou o movimento cyberpunk). A
justificativa do autor de elaborar o trabalho em poucas pginas no se sustenta, visto que alguns
temas so revisitados vrias vezes ao longo do volume. Ademais, os assuntos no explorados so de
grande relevncia para a compreenso do ciberespao, principalmente os processos ocorridos no
sculo XXI.
Rdiger acrescenta que, para compreender o fenmeno, necessrio observar seus sentidos
e inclinaes. Por isso, preciso perseguir diversos pontos de vista e anlises, de mltiplos campos
de estudo, indo alm do antagonismo que muitas vezes marca o entendimento das mdias digitais
interativas: utopia emancipatria x controle externo, fantasia regressiva x criao revolucionria,
dentre outros.
nesse aspecto que reside a maior restrio ao trabalho. O autor nem sempre constri um
quadro balanceado. Se por um lado ele se mostra bastante crtico com o que considera utopia,
noutros trechos posiciona-se de modo condescendente em relao aos preceitos hiperblicos
opostos, chegando a relativizar algumas dessas propostas. Como mostra dessa reflexo, Rdiger
considera importante louvar o movimento ps-humanista, apesar de fazer ressalvas s especulaes
futuristas vislumbradas por essa corrente. uma abordagem bastante diversa em relao ao
pensamento de Lvy, caracterizado por Rdiger como um terico que adota uma postura de
Poliana, resultando num discurso repleto de contradies e tolices. Nesse caso, a deciso de no
examinar a perspectiva histrica em que tal enunciado foi elaborado acarreta prejuzos a Lvy, cujas
ideias surgem sem contexto, como se fossem atemporais.
importante ressaltar, todavia, que Rdiger realizou uma obra de flego. De carter
transdisciplinar, As teorias da cibercultura caminha por diversos percursos e, de modo sinttico,
consegue abarcar um extenso quadro terico-conceitual.
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