Ebook CEJ - Contencioso Tributario (Jun2015)

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Coleo de Formao Contnua

E-BOOK

JUNHO 2015

CONTENCIOSO TRIBUTRIO

PLANO DE FORMAO CONTNUA 2013-2014

O Contencioso Tributrio levanta uma mirade de questes que


vo exigindo a todos os que com ele contactam uma reflexo
que o Centro de Estudos Judicirios procura acompanhar e
manter atualizada.
Princpios subjacentes, manifestaes de fortuna, meios de
impugnao, providncias cautelares a favor do contribuinte,
execuo de julgados, recursos e reenvio prejudicial fazem parte
das temticas abordadas na ao de formao que decorreu nos
dias 19 e 20 de junho de 2014.
O presente e-book rene as comunicaes nela apresentadas e a
sua qualidade e premncia justificam mais esta publicao da
Coleo

Formao

Administrativa e Fiscal.

Contnua,

no

caso,

da

Jurisdio

Ficha Tcnica
Jurisdio Administrativa e Fiscal:
Ana Celeste Carvalho (Juza Desembargadora, Docente do CEJ e Coordenadora da
Jurisdio)
Sofia Mesquita David (Juza Desembargadora e Docente do CEJ)
Margarida Canada de Abreu (Juza de Direito e Docente do CEJ)
Conceo e organizao:
Ana Celeste Carvalho
Nome:
Contencioso Tributrio
Categoria:
Formao Contnua
Intervenientes:
Diogo Leite de Campos (Professor Catedrtico da Faculdade de Direito da Universidade
de Coimbra)
Suzana Tavares da Silva (Professora da Faculdade de Direito da Universidade de
Coimbra)
Carlos Matos Borges (Administrao Tributria)
Serena Cabrita Neto (Advogada)
Irene Isabel das Neves (Juza Desembargadora do Tribunal Central Administrativo Norte)
Pedro Vergueiro (Juiz Desembargador do Tribunal Central Administrativo Norte)
Cristina Flora (Juza de Direito Auxiliar do Tribunal Central Administrativo Sul)
Carla Trindade (Advogada e Docente Universitria na Faculdade de Direito de Lisboa da
Universidade Catlica)
Susana Bradford Ferreira (Advogada)

Reviso final:
Edgar Taborda Lopes (Coordenador do Departamento da Formao do CEJ, Juiz de
Direito)
Joana Caldeira (Tcnica Superior do Departamento da Formao do CEJ)

NDICE

Processo e Procedimento na Lei Geral Tributria e no Cdigo de Procedimento e de Processo


Tributrio Diogo Leite de Campos ............................................................................................ 11
Texto da interveno ............................................................................................................. 13
Videogravao da comunicao ............................................................................................ 18
A impugnao judicial no mbito das manifestaes de fortuna Suzana Tavares da Silva..... 19
Texto da interveno ............................................................................................................. 21
Apresentao em powerpoint ................................................................................................ 41
Contencioso tributrio. Os meios de impugnao graciosos e o processo de impugnao
judicial Carlos Matos Borges .................................................................................................... 63
Texto da interveno ............................................................................................................. 65
Videogravao da comunicao ............................................................................................ 80
As providncias cautelares a favor do contribuinte Serena Cabrita Neto ............................... 81
Sumrio .................................................................................................................................. 83
Texto da interveno ............................................................................................................. 83
Videogravao da comunicao ............................................................................................ 92
Algumas questes sobre o recurso das decises de aplicao de coima fiscal Irene Isabel das
Neves ........................................................................................................................................... 93
Texto da interveno ............................................................................................................. 95
Videogravao da comunicao .......................................................................................... 118
Apresentao em powerpoint .............................................................................................. 119
A execuo de julgados no Contencioso Tributrio. Alguns apontamentos Pedro Vergueiro
................................................................................................................................................... 145
Sumrio ................................................................................................................................ 147
Texto da interveno ........................................................................................................... 148
Videogravao da comunicao .......................................................................................... 181
O Regime dos Recursos Jurisdicionais no Processo Tributrio Cristina Flora ........................ 183
Sumrio ................................................................................................................................ 185
Texto da interveno ........................................................................................................... 185
Videogravao da comunicao .......................................................................................... 198
O reenvio prejudicial para o Tribunal de Justia da Unio Europeia - o caso especfico da
arbitragem tributria Carla Trindade e Susana Bradford Ferreira ......................................... 199
Sumrio ................................................................................................................................ 201
Texto da interveno ........................................................................................................... 201

Videogravao da comunicao .......................................................................................... 225


Apresentao em powerpoint .............................................................................................. 227
ANEXO .................................................................................................................................. 251

NOTA:
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questo.
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Notas:
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Identificao da verso

Data de atualizao

Verso inicial 17/06/2015

Forma de citao de um livro eletrnico (NP4054):


AUTOR(ES) Ttulo [Em linha]. a ed. Edio. Local de edio: Editor, ano de
edio.
[Consult. Data de consulta]. Disponvel na internet:<URL:>. ISBN.
Exemplo:
Direito Bancrio [Em linha]. Lisboa: Centro de Estudos Judicirios, 2015.
[Consult. 12 mar. 2015].
Disponvel na
internet:<URL:http://www.cej.mj.pt/cej/recursos/ebooks/civil/Direito_Bancario.pdf.
ISBN 978-972-9122-98-9.

Processo e Procedimento na Lei Geral


Tributria e no Cdigo de Procedimento e de
Processo Tributrio

[Diogo Leite de Campos]

Processo e Procedimento na Lei Geral Tributria e no Cdigo de Procedimento e de Processo


Tributrio

Processo e Procedimento na Lei Geral Tributria e no


Cdigo de Procedimento e de Processo Tributrio
Diogo Leite de Campos

1. O processo de civilizao.
A ns juristas (magistrados, advogados, funcionrios da AT, etc.), interessa-nos sem
dvida o aspecto material dos impostos, matria coletvel, taxas, facto tributrio, etc. Mas
para ns muito importante o relacionamento cidado/Estado a nvel procedimental e
processual.
Desagradando-nos sobremaneira um fenmeno que o Professor Teixeira Ribeiro
denominou contra-reforma fiscal (e que eu tenho denominado, na minha conjuntura,
invaso fiscal, em contraposto, mas com prxima falta de valores, evaso fiscal). Em que,
por via legislativa ou na prtica administrativa, se vo desgastando as garantias dos
contribuintes e atentando contra a justia material e a lgica do sistema tributrio.
A Lei Geral Tributria de 19991 veio definir as regras da obrigao tributria em geral,
desenvolver alguns princpios do Direito fiscal e consagrar um Direito do Procedimento
Tributrio justo e eficaz.
A que se seguiu um Cdigo de Procedimento e Processo Tributrio de caracter mais
especial e muito virado para a execuo fiscal.
Esta evoluo foi assente, explcita ou implicitamente, na rejeio do autoritarismo do
Estado, no aprofundamento do valor dos direitos da personalidade e na necessidade de
contedo e de limite ticos aos impostos.
Tem feito parte do prprio processo de civilizao, consistindo este (tambm a nvel dos
impostos) na modificao do comportamento humano no sentido de maior solidariedade entre
as pessoas e de maior exigncia de justia.

2. O novo Estado e o novo contrato social em matria de impostos.


Os impostos no tm sofrido s a modelao dos direitos de personalidade. Mas
tambm tm sido influenciados pela nova concepo do Estado.
O Direito tem um fundamento axiolgico que a sua justificao - que o faz justo e
assim transforma a ordem em Direito.
1

Vd. sobre esta, o comentrio de Diogo Leite de Campos, Benjamim Silva Rodrigues e Jorge Lopes de Sousa,

Lei Geral Tributria, Anotada e Comentado, Lisboa, 4 ed., Encontro da Escrita, 2012.

13

Processo e Procedimento na Lei Geral Tributria e no Cdigo de Procedimento e de Processo


Tributrio

A primeira tarefa do jurista a procura da conformidade (do compliance), da


observao destas regras e valores 2. Tarefa que, em ltima anlise, tem de ser exercida pelos
tribunais.
O Direito tem de se limitar a reconhecer a pessoa humana e a declarar os seus direitos
que existem juridicamente mesmo sem consagrao jurdico-formal. Mas tem de se afirmar
simultaneamente a dimenso social da pessoa, a existncia de um sistema de valores atravs
dos quais a conduta de cada individuo (e de todos) regulada de acordo com os valores sociais.
O ser humano vive com os outros (e gostaria de pensar que vive para os outros).3
A concepo de uma poltica eficiente (sem tica), vai contra as mais recentes e
democrticas aquisies nesta matria que no admitem um Estado violento, com fora mas
sem tica. Os tribunais nacionais e internacionais tm exercido importante tarefa de controlo.
O Estado de hoje (ps-moderno) j no o Estado dos poderes, das sanes, das
ordens soberanas a que se obedece sem discutir.
Antes de mais, assume uma funo promocional atravs das sanes positivas, dos
incentivos, das recompensas que no visam (directamente) punir os actos socialmente
indesejveis, mas promover os socialmente desejveis4.
Foi de sempre a inteno de introduzir na lei fiscal elementos de justia; de fazer
coincidir lei fiscal e justia fiscal. S assim se poderia opor um limite ao despotismo por muito
disfarado que este esteja atrs de motivos pretensamente sociais.
Contudo, este desgnio defrontou-se sempre com a larga discricionariedade do
soberano em matria dos impostos. Desde logo por o poder politico ter sobretudo uma base
financeira de que a classe politica nunca se quis separar.
Depois, por um certo desengano das pessoas perante os impostos em que se v
sempre e se aceita como natural uma margem de expropriao arbitrria.
Finalmente, porque o imposto veio a ser visto progressivamente, e com maior
intensidade no sculo XX, como um instrumento de redistribuio de riqueza em favor dos
mais desfavorecidos pela fortuna. O que colocava do seu lado a maioria da populao.
O Estado dos cidados pode entender-se em dois sentidos: o Estado-dos-direitos (e dos
cidados) e o Estado-pelos-cidados, em que estes, embora atravs de representantes, so
sujeitos activos do Estado.

Vd. Diogo Leite de Campos, A gnese dos direitos da pessoa, in Ns Estudos sobre o Direito das

pessoas, Almedina, Coimbra, 2004, pg. 54.


3

Aut. ob. cits., pgina 55.

Vd. Norberto Bobbio, Da estrutura funo, (trad. em port.) Manole, p.2.

14

Processo e Procedimento na Lei Geral Tributria e no Cdigo de Procedimento e de Processo


Tributrio

Os textos das Constituies contemporneas regulam o Estado como um ente dotado


de soberania (supremacia em relao aos cidados), e integrado por um conjunto de poderes
(sobre os cidados). Assim o faz a Constituio da Repblica Federativa do Brasil (CRFB). E ao
configurarem o Estado como democrtico de Direito (artigos 1 e 2 da CRFB) no acrescentam
dos cidados.
O Estado democrtico deve ser hoje um Estado dos cidados, gerado, estruturado e
comparticipado por estes.
As pessoas no se limitam a suportar os poderes do Estado: so o Estado, mesmo
quando exercem as funes deste atravs de representantes.
Reivindicando cada vez mais um papel de autores e actores da vida poltica e dos
poderes do Estado.
A nova orientao do problema contempornea de uma nova concepo de Estado e
de sociedade; e da posio do individuo perante a sociedade e o Estado; de polticas
financeiras e fiscais com tica 5
Primeiro (e no quero estabelecer hierarquias ou precedncias temporais) pelo
aprofundamento do Estado-dos-direitos, em que o Direito, geral e abstracto, prvio a cada
caso e a todos eles, tem vindo a perder terreno perante a afirmao de direitos individuais que,
em conflito, s permitem composies concretas, em termos de direito em cada caso.
Depois, pelo progressivo desequilbrio (ainda muito no seu incio) das relaes de fora
entre o estado e a sociedade, a favor desta. Em que o estado aparece como um simples
instrumento da sociedade civil, colocada antes e acima dele. Passando-se a analisar
criticamente o Estado, j no com um dado indiscutido e indiscutvel; mas como uma
organizao a definir e a gerir de acordo com interesses colectivos.
Por outras palavras: a crise do Estado contemporneo enquanto sucessor do soberano
do antigo regime, sobretudo a nvel do seu poder de raiz absoluta, a soberania, s crise de
uma certa concepo de Estado.

3. Processo e Procedimento.
No que se refere ao procedimento e ao processo tributrio, a Lei Geral Tributria e o
Cdigo de Procedimento e de Processo Tributrio previam normas que se afiguravam
suficientes (de momento).

Sobre estas polticas, vd. Diogo Leite de Campos, S a justia eficiente: as polticas financeiras e os

direitos das pessoas, in A austeridade cura? A austeridade mata?, coord. por Eduardo Paz Ferreira, Lisbon
law school editions, Lisboa, 2014.

15

Processo e Procedimento na Lei Geral Tributria e no Cdigo de Procedimento e de Processo


Tributrio

Parecia que se estava no bom caminho, tendo-se cada vez mais um bom imposto - ou
antes, fazendo-se o percurso de um imposto aceitvel. Embora prejudicado o acesso efectivo
justia por grandes demoras no julgamento dos casos; e o correcto conhecimento da lei por
cdigos transformados ao longo dos anos, de acordo com as necessidades de Estado, em
cachos de normas sem ordem e sem lgica.
Nos ltimos anos houve transformaes em pontos fulcrais que permitem falar de
inverso do processo.
H que verificar se a lei fiscal assegura um justo equilbrio (CEDH, 27 Set. 1994, n.
23/1993/418/487, Hentrich v. France, A. 296-A, 49) entre o interesse geral da comunidade e o
imperativo da proteco dos direitos fundamentais do indivduo (vd. tb. CEDH 23.Out.1997, n.
21319/93, National and provincial Building Society e outros v. United Kingdom, 199-VII, 8). O
imposto como preo da liberdade individual6 no pode pr em causa esta liberdade.

4. LGT e CPPT.
A Lei Geral Tributria, como o nome indica, contm princpios em matria tributria.
Uns referentes caracterizao da obrigao tributria; outros visando o procedimento e o
processo.
Alguns de tais princpios esgotam a regulamentao jurdica do caso. Nestas matrias h
s que levar em conta a LGT. Nas outras, a LGT deve ser lida em primeiro lugar e impor-se em
todas as matrias sobre que dispe.

5. Medidas recentes.
A nvel do processo e do procedimento foram tomadas medidas de relevo no sentido
negativo, afastando valores, direitos e garantias.
Vou destacar duas de mais alcance, embora outras se possam indicar no sentido
negativo .
A. Obstculos prescrio das obrigaes fiscais.
B. Perpetuao da garantia.

5. A) Obstculos prescrio das obrigaes fiscais.


As obrigaes fiscais prescrevem no prazo de oito anos a contar do facto gerador (art.
48 da Lei Geral Tributria).

Kirchhf, Die Steuern, in J. Isensee e P. Kirchhof, Handbach des Staatsrechts, 5, Heidelberg, Mller, 2007,

pgs. 960 e segs.

16

Processo e Procedimento na Lei Geral Tributria e no Cdigo de Procedimento e de Processo


Tributrio

Funda-se esta norma na inteno de punir o credor pela falta de diligncia em cobrar a
obrigao. No podendo o devedor aguardar indefinidamente pela diligncia do Estado, por
razes de certeza e segurana.
Contudo, o prazo de prescrio suspende-se em diversos casos, nomeadamente a
quando de reclamao administrativa (reclamao graciosa) ou impugnao judicial.
Tambm aqui havia o risco de um adiamento indesejvel da deciso dos rgos do
Estado em prejuzo do contribuinte (e da justia).
Assim, a Lei Geral Tributria (art. 49, 2) consagrando o Direito anterior, veio dispor
que, no caso de o procedimento ou o processo estarem parados por mais de um ano sem culpa
do contribuinte, se voltava a contar o prazo de prescrio desde o incio. De onde resultou,
dada a lentido da administrao da justia, um nmero considervel de prescries.
Perante esta situao, o legislador tomou a pior deciso possvel na ptica da justia: a
paragem do processo ou do procedimento deixou de fazer voltar a contar o prazo de
prescrio.
Assim, o contribuinte pode ter durante anos (cinco, vinte, trinta) a ameaa de uma
obrigao fiscal; dificultando esta a sua consistncia financeira e o crdito bancrio; podendo
levar insolvncia da sociedade comercial (como muitas vezes tem levado) ou a uma
angustiosa e precria vida da pessoa singular; acrescendo que tendo prestado, em princpio,
garantia para suspender a execuo, esta constituir um encargo durante anos sem fim. Tudo a
prejudicar, repito, a capacidade financeira da sociedade e a sua competitividade,
nomeadamente perante sociedades de outros Estados que no conhecem iguais demoras da
administrao da justia. Envolvendo maiores custos do que a prescrio.
Ao arrepio do processo civilizacional, o cidado que vem suportar os custos da pouca
diligncia do Estado7.

5.B) A perpetuao da garantia.


Acabei de referir os inconvenientes, nomeadamente financeiros, do prolongamento
dos processos e procedimentos, atento nomeadamente o peso das garantias prestadas pelo
contribuinte.
Para evitar estes encargos desmesurados, o legislador (artigo 53 da Lei Geral
Tributria) veio estabelecer prazos a partir dos quais o devedor devia ser indemnizado pelos
prejuzos resultantes da prestao da garantia.
7

Vd. j, Diogo Leite de Campos, Caducidade e prescrio no Direito Tributrio: os abusos do estado

legislador/credor- in Prof. Inocncio Galvo Telles: 90 anos Homenagem da Faculdade de Direito de


Lisboa, Almedina, Coimbra, 2007.

17

Processo e Procedimento na Lei Geral Tributria e no Cdigo de Procedimento e de Processo


Tributrio

Assim, a garantia pode eternizar-se, com a consequncia de ser o contribuinte a


suportar a falta de diligncia do Estado. E o Estado/legislador, em vez de fornecer meios ou
tomar medidas para promover essa diligncia do Estado/juiz, acoberta a ineficcia dos seus
rgos, ineficcia que lhe imputvel .
A referida norma, em si mesma, representa um encargo injustificado sobre o
contribuinte que tem, seja qual for o resultado final, de suportar os custos e inconvenientes da
garantia por um perodo longo. Depois no se aceita que s nos processos em que o
contribuinte obtenha vencimento possa ser indemnizado. Tambm o deveria ser nos outros.
Pois o prejuzo representado pela garantia durante largos anos, no lhe imputvel; e
ultrapassar o prazo de deciso de dois anos previsto pelo Tribunal Europeu dos Direitos do
Homem.
Mas esta injustia agravada e s isto que ora saliento pela dificuldade agora
acrescida de prescrio das dvidas tributrias.
O que aumenta o prazo de resoluo do conflito e os encargos correlativos do
contribuinte com uma garantia que lhe pode pr em causa a sobrevivncia da empresa ou o
seu projecto de vida.
Tambm aqui o Direito fiscal confiscatrio, injusto.

DIOGO LEITE DE CAMPOS

Problemas de visualizao

18

A impugnao judicial no mbito das


manifestaes de fortuna: breves notas

[Suzana Tavares da Silva]

A impugnao judicial no mbito das manifestaes de fortuna: breves notas

A impugnao judicial no mbito das manifestaes de


fortuna: breves notas
Suzana Tavares da Silva

As reflexes breves que se seguem foram elaboradas para apoio a uma comunicao no
mbito de um Seminrio organizado pelo Centro de Estudos Judicirios, que d ttulo ao
presente volume. Apresentam-se, por essa razo, como anotaes sumrias, praticamente
desprovidas de referncias bibliogrficas, destinando-se fundamentalmente a apoiar a
concretizao aplicativa do regime jurdico das manifestaes de fortuna.

1. Consideraes gerais
O regime do artigo 89.-A LGT refere-se aos casos em que os rendimentos declarados
em sede de IRS se afastam significativamente para menos, sem razo justificada, dos padres
de rendimento que razoavelmente possam permitir as manifestaes de fortuna evidenciadas
pelo sujeito passivo.
Com efeito, segundo o disposto no n. 1 do artigo 89.-A da LGT, quando falte a
declarao de rendimentos e o contribuinte evidencie as manifestaes de fortuna constantes
da tabela prevista no n. 4 (ver infra) ou o rendimento lquido declarado mostre uma
desproporo superior a 30%, para menos, em relao ao rendimento padro constante na
mencionada tabela, haver lugar a uma correco da matria colectvel, que o legislador,
nos termos do disposto na alnea d), do n. 1 do artigo 87. da LGT, reconduz aos casos de
avaliao indirecta da matria tributvel.
Tabela do n. 4 artigo 89.A da LGT

Manifestaes de fortuna
Imveis de valor de aquisio igual ou superior a

Rendimento padro
20% do valor de aquisio.

250.000
Automveis ligeiros de passageiros de valor igual ou

50% do valor no ano de matrcula com o

superior a 50.000 e motociclos de valor igual ou

abatimento de 20% por cada um dos anos

superior a 10.000.

seguintes.

Barcos de recreio de valor igual ou superior a

Valor no ano de registo com o abatimento de

21

A impugnao judicial no mbito das manifestaes de fortuna: breves notas

25.000

20% por cada um dos anos seguintes.

Aeronaves de Turismo

Valor no ano de registo com o abatimento de


20% por cada um dos anos seguintes.

Suprimentos e emprstimos feitos no ano de valor

50% do valor anual

igual ou superior a 50 000


Montantes transferidos de e para contas de

100% da soma dos montantes anuais transferidos

depsito ou de ttulos abertas pelo sujeito passivo


em instituies financeiras residentes em pas,
territrio ou regio sujeito a um regime fiscal
claramente mais favorvel, constante da lista
aprovada por portaria do Ministro das Finanas, cuja
existncia e identificao no seja mencionada nos
termos previstos no artigo 63.-A.

Na determinao da existncia ou no de uma manifestao de fortuna segundo o


disposto na tabela em presena, so tomados em considerao, segundo o disposto no n. 2 do
artigo 89.A da LGT: i) os bens adquiridos no ano em causa ou nos trs anos anteriores pelo
sujeito passivo ou qualquer elemento do respectivo agregado familiar; ii) os bens de que frua
no ano em causa o sujeito passivo ou qualquer elemento do respectivo agregado familiar,
adquiridos, nesse ano ou nos trs anos anteriores, por sociedade na qual detenham, directa ou
indirectamente, participao maioritria, ou por entidade sediada em territrio de fiscalidade
privilegiada ou cujo regime no permita identificar o titular respectivo; iii) os suprimentos e
emprstimos efectuados pelo scio sociedade, no ano em causa, ou por qualquer elemento
do seu agregado familiar; iv) a soma dos montantes transferidos de e para contas de depsito
ou de ttulos abertas pelo sujeito passivo em instituies financeiras residentes em pas,
territrio ou regio sujeito a um regime fiscal claramente mais favorvel, constante da lista
aprovada por portaria do Ministro das Finanas, cuja existncia e identificao no seja
mencionada nos termos previstos no artigo 63.-A, no ano em causa.

2. Aspectos procedimentais
Uma vez verificadas as situaes tipificadas como manifestaes de fortuna, cabe ao
sujeito passivo, nos termos do n. 3 do artigo 89.-A da LGT, a comprovao de que
correspondem realidade os rendimentos declarados e de que outra a fonte das
manifestaes de fortuna. Quer isto dizer, em outras palavras, que a Administrao Tributria
tem de provar a existncia e o valor das manifestaes de fortuna, o que consubstancia o facto

22

A impugnao judicial no mbito das manifestaes de fortuna: breves notas

indicirio; e o sujeito passivo tem de provar, para ilidir a presuno de rendimento-padro,


que a fonte de recursos utilizados na aquisio no rendimento ocultado e sim
rendimentos que ele no estava obrigado a declarar ou que foram anteriormente tributados
(ex. heranas, poupanas, recurso ao crdito).
esta a interpretao que tem sido sustentada pela jurisprudncia do STA:

I - Evidenciada a realizao pelo contribuinte de suprimentos de montante superior a


50.000,00 quando nesse ano declarou rendimentos inferiores em 50% relativamente ao
rendimento padro (que foi fixado pelo legislador em 50% do valor dos suprimentos - cf. tabela
constante do n. 4 do art. 89.-A da LGT), consideram-se verificados os pressupostos legais
para a avaliao indirecta do seu rendimento tributvel desse ano ao abrigo do disposto na
alnea d) do art. 87. da LGT [a referncia a 50% como limite para o desvio ao rendimento
padro decorre de ao caso em apreo ser aplicvel a redaco do artigo 89.-A da LGT anterior
quela que viria a ser pela Lei n. 55-A/2012, de 29 de Outubro].
II - Para prova da ilegitimidade deste acto de avaliao indirecta ou do erro na
respectiva quantificao, no basta ao contribuinte demonstrar que no ano em causa (e, muito
menos, se essa demonstrao se refere a ano anterior) detinha meios financeiros que lhe
permitissem, total ou parcialmente os suprimentos realizados, mas tambm quais os concretos
meios financeiros que afectou realizao desses suprimentos, sob pena de no se poder ter
como justificada a manifestao de fortuna evidenciada (cf. n. 3 do art. 89.-A da LGT, que
exige ao contribuinte a comprovao [] de que outra a fonte das manifestaes de
fortuna evidenciadas).
Ac. STA de 29-01-2014 (proc. 35/14)
I - Apesar de o contribuinte s poder arredar a determinao indirecta de rendimentos
levada a cabo pela Administrao Tributria ao abrigo do art. 89-A da LGT atravs da
justificao total do montante que permitiu a evidenciada manifestao de fortuna, j assim
no no que toca fixao do rendimento sujeito a tributao, onde a justificao parcial hde relevar para a fixao presuntiva do montante do acrscimo patrimonial no justificado
sujeito a imposto.
II - Tendo o contribuinte demonstrado que recorreu a emprstimo bancrio para
adquirir o imvel cujo valor determinou a avaliao indirecta dos seus rendimentos luz
daquele art. 89- A da LGT, a quantificao do rendimento tributvel deve ser igual a 20% do

23

A impugnao judicial no mbito das manifestaes de fortuna: breves notas

valor de aquisio do imvel mas deduzido do montante desse emprstimo, j que o montante
emprestado no est nem pode ficar sujeito a IRS.
III - Circunscrevendo-se a ilegalidade cometida desconsiderao da justificao parcial
da manifestao de fortuna no clculo do rendimento padro - corrigvel mediante mera
operao aritmtica que, em cumprimento do decidido, expurgue do valor da matria
colectvel fixada o valor justificado - haver lugar anulao meramente parcial do acto
impugnado, que no sua anulao total.
Ac. STA de 19-02-2014 (proc. 85/14)
Sempre que o sujeito passivo no faa ou no consiga fazer a referida prova, considerase como rendimento tributvel em sede de IRS, a enquadrar na categoria G (incrementos
patrimoniais) quando no existam indcios fundados, de acordo com os critrios previstos no
artigo 90., que permitam administrao tributria fixar rendimento superior , o rendimento
padro enunciado na tabela (artigo 89.-A/4 LGT).
Resultam, deste dispositivo legal, em nosso entender, duas possibilidades distintas nos
casos em que o sujeito passivo no consegue fazer prova de que outra a fonte dos
rendimentos: i) a tributao com base num rendimento presumido, o rendimento-padro; ii) a
fixao administrativa do rendimento colectvel de acordo com os critrios previstos no artigo
90. da LGT, caso em que estaremos perante uma verdadeira situao de avaliao indirecta da
matria colectvel.
Vejamos.
Na primeira hiptese, o rendimento padro constante da tabela do n. 4 do artigo
89.A da LGT assume, como afirma Xavier de Basto1, uma dupla finalidade: i) num primeiro
momento, fornece a medida do clculo da desproporo, servindo para verificar se ocorrem os
pressupostos legais para o recurso a mtodos indirectos de determinao do rendimento
tributvel fundada em manifestaes de riqueza; ii) num segundo momento, ultrapassada a
fase contraditria, opera a fixao da matria colectvel do imposto, assumindo, nessa
dimenso, a natureza de norma de incidncia objectiva de IRS.
J na segunda hiptese, o rendimento padro serve apenas para verificar se ocorrem
os pressupostos legais para o recurso a mtodos indirectos (a partir da medida do clculo da
desproporo), mas j no opera na fixao da matria colectvel do imposto, passando esta a
efectuar-se nos termos gerais da fixao administrativa da matria colectvel por mtodos
indirectos. Embora, neste caso, no seja aparentemente possvel ao sujeito passivo recorrer ao

Cf. IRS: Incidncia Real e Determinao dos Rendimentos Lquidos, Coimbra Editora, 2007, pp. 368-369.

24

A impugnao judicial no mbito das manifestaes de fortuna: breves notas

pedido de reviso da matria colectvel, o que pode consubstanciar, nos termos que mais
frente veremos de forma desenvolvida, uma limitao dos seus meios de defesa.
No primeiro caso a tributao incide sobre um rendimento ocultado que presumido
no valor do rendimento padro fixado pelo legislador (a liquidao calculada a partir de um
valor fixado em lei), enquanto no segundo caso a tributao incide sobre um rendimento
colectvel calculado pela Administrao Tributria a partir dos indcios contemplados no artigo
90. da LGT (a liquidao calculada a partir de um valor fixado pela Administrao com base
em indcios e no numa percentagem determinada pelo legislador).

3. Aspectos processuais
Dispe expressamente o n. 7 do artigo 89.-A da LGT que da deciso de avaliao da
matria colectvel pelo mtodo indirecto constante deste artigo cabe recurso para o tribunal
tributrio, com efeito suspensivo, a tramitar como processo urgente, no sendo aplicvel o
procedimento constante dos artigos 91. e seguintes.
Uma primeira concluso que podemos extrair daqui que, na prtica, esta deciso de
avaliao da matria colectvel, que, nos termos do n. 6 do artigo 89.-A da LGT, da
competncia do director de finanas da rea do domiclio fiscal do sujeito passivo, sem
faculdade de delegao, s ser eficaz depois de confirmada pelo Tribunal de 1. Instncia.
Por outras palavras, regista-se neste caso um enfraquecimento do carcter executrio (ou da
fora semi-executria) do acto tributrio.
Mas este preceito suscita diversas questes controvertidas, a que procuraremos dar
resposta.
1. Pode esta deciso de avaliao da matria colectvel ser objecto de reclamao e de
recurso hierrquico?
E vale aqui o disposto no art. 59./4 do CPTA?
Comungamos da posio de Rui Morais2, ou seja, tambm nos parece que no h
razes para que se considere vedada a utilizao daqueles meios de garantia dos sujeitos
passivos, mas tambm no encontramos fundamento para justificar que a sua utilizao
determine o efeito suspensivo do prazo para o recurso judicial (ex vi o disposto no artigo 59./4
do CPTA), na medida em que a deciso administrativa j tomada por uma entidade
administrativa especialmente qualificada, sem possibilidade de delegao, pelo que o recurso
via de impugnao administrativa neste caso poderia esgotar-se num mero expediente para
retardar a eficcia da deciso administrativa.

Cf. Manual de Procedimento e Processo Tributrio, Almedina, Coimbra, 2012, pp. 144.

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A impugnao judicial no mbito das manifestaes de fortuna: breves notas

A posio jurdica do contribuinte nesta hiptese suficiente acautelada com a


excepo ao princpio da impugnao unitria.

2. O prazo de 10 dias previsto no art. 146.-B/2 do CPPT, aplicvel por remisso do


artigo 89.-A/8 da LGT, pe em causa a garantia da tutela jurisdicional efectiva?
O Tribunal Constitucional no chegou a pronunciar-se de forma expressa sobre esta
questo no acrdo n. 554/2009, mas acaba por esclarecer, obter dictum, que a urgncia de
um meio processual no necessariamente desvantajosa para o contribuinte impugnante, pois
embora lhe imponha prazos de actuao mais curtos, assegura-lhe, em contrapartida, maior
celeridade na deciso.

3. Caso venhamos a estar perante uma verdadeira fixao administrativa do


rendimento tributvel (art. 90. LGT), pode o sujeito passivo solicitar o pedido de reviso da
matria tributvel?
Neste caso, quando a Administrao Tributria, dispondo dos elementos para o efeito,
optar por quantificar a matria tributvel recorrendo a elementos do artigo 90. da LGT, somos
da opinio de que o n. 7 do artigo 89.-A da LGT h-de ser interpretado em conformidade com
a garantia da tutela jurisdicional efectiva, admitindo que o sujeito passivo, querendo, possa
solicitar a reviso da matria tributvel, nos termos do disposto no artigo 91., previamente
interposio do recurso judicial, e com efeito suspensivo relativamente ao prazo para a
respectiva interposio.
H-de ser assim pelo menos sempre que se demonstre, justificadamente, que no caso
concreto o debate entre os peritos fundamental para assegurar o direito a um processo justo
e equitativo.
Esta , porm, uma garantia que s pode avaliar-se em concreto, ou seja, a haver
inconstitucionalidade por violao da garantia da tutela jurisdicional efectiva pela recusa de
aplicao do artigo 91. da LGT com efeito suspensivo, a mesma s pode verificar-se perante o
circunstancialismo de um caso concreto, pois em regra faz parte da liberdade de conformao
do legislador, que, como vimos anteriormente, entendeu que a proteco do sujeito passivo
ser aqui assegurada pela circunstncia de o acto ser praticado por uma entidade
administrativa especialmente qualificada, sem possibilidade de delegao.

4. A no interposio do recurso previsto no n. 7 do artigo 89.-A da LGT prejudica a


posterior impugnao judicial da liquidao?

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A impugnao judicial no mbito das manifestaes de fortuna: breves notas

O STA concluiu, no acrdo de 24 de Setembro de 2008 (Proc. 342/08), que a deciso


de avaliao constitui acto destacvel do procedimento administrativo, pelo que se forma caso
decidido ou caso resolvido na falta de recurso judicial dessa deciso, a qual, assim, se consolida
na ordem jurdica, no podendo ser posta em causa na impugnao judicial da liquidao
respectiva.
Uma soluo que foi j apreciada pelo Tribunal Constitucional, no acrdo n.
554/2009, onde o mesmo considerou que a interpretao veiculada pelo aresto do STA no
pode ser reconduzida a uma restrio inconstitucional da garantia da tutela jurisdicional
efectiva.
Pelo contrrio, para o Tribunal Constitucional, a interpretao do STA est em plena
sintonia com as regras gerais do contencioso das decises administrativas.

5. O regime diferenciado que o n. 10 do artigo 89.-A da LGT estipula para os


funcionrios ou titulares de cargos sob tutela de entidade pblica, na sua mera qualidade de
contribuintes, viola o princpio da igualdade?
A questo foi suscitada ao Tribunal Constitucional pelo Presidente da Repblica e
decidida em sede de fiscalizao abstracta preventiva, tendo aquele tribunal concludo, no
acrdo n. 442/2007, que no havia violao do princpio da igualdade de tratamento, uma
vez que a diferenciao opera a jusante da relao jurdica tributria e tem como finalidade
averiguar se existem irregularidades de conduta no exerccio de funes pblicas em que o
visado est investido e que em nada contendem com a sua condio de contribuinte.
Nesta medida, considerou o tribunal que a diferena de tratamento tinha um
fundamento objectivo e racional, prosseguia um fim legtimo e de interesse pblico (combate
corrupo) e no era desproporcionada, mesmo na parte referente comunicao entidade
pblica para efeitos de averiguao disciplinar da acumulao legtima de funes
remuneradas.
Vale a pena contudo destacar que a deciso teve trs votos de vencido, que
fundamentaram o juzo de inconstitucionalidade da medida no excesso de poder concedido s
entidades pblicas para obter dados da esfera privada e tributria do funcionrio com o
propsito de iniciar um processo de averiguaes em sede disciplinar.

4. Questes mais controversas


Entre os aspectos mais controvertidos na aplicao jurisprudencial deste instituto
jurdico contam-se o cmputo temporal do regime estipulado no n. 4 do art. 89.-A da LGT e a
aplicao do regime nos casos de justificao parcial dos valores.

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A impugnao judicial no mbito das manifestaes de fortuna: breves notas

4.1. O problema da aplicao temporal


Recorde-se que o n. 4 do art. 89.-A da LGT estipula que quando o sujeito passivo
no faa a prova referida no nmero anterior relativamente s situaes previstas no n. 1
deste artigo, considera-se como rendimento tributvel em sede de IRS, a enquadrar na
categoria G, no ano em causa, e no caso das alneas a) e b) do n. 2, nos trs anos seguintes,
quando no existam indcios fundados, de acordo com os critrios previstos no artigo 90., que
permitam administrao tributria fixar rendimento superior, o rendimento padro apurado
nos termos da tabela seguinte.
Esta redaco que foi dada ao artigo em anlise pela Lei n. 53-A/2006, de 29 de
Dezembro (Lei do Oramento do Estado para 2007), suscitou dvidas na jurisprudncia e na
doutrina, em especial pelo facto de na redaco anterior no se fazer uma referncia expressa
possibilidade de enquadrar o rendimento presumido atravs das manifestaes de fortuna
nos trs anos seguintes ao da verificao do facto.
Assim, Joo Srgio Ribeiro3 veio propor uma interpretao daquele preceito legal em
conjugao com o disposto nas alneas a e b) do n. 2 do art. 89.-A da LGT no sentido de que a
modificao da redaco no trazia nada de novo, pois para a deteno de um bem ser
relevante, ele deve ter sido adquirido no ano em causa, ou num dos trs anos anteriores, a
mesma coisa que dizer que a deteno de um bem relevante no ano em que foi adquirido e
nos trs anos seguintes.
Para o autor, a nova redaco do n.4 do art. 89.-A da LGT visava apenas precisar o
ano em que poderia fazer-se a imputao do rendimento padro. Na sua opinio, se assim
no fosse, ou seja, se se admitisse a interpretao, sufragada pela Administrao Tributria, de
que a nova redaco do preceito legal admitia a cumulao da presuno de rendimentos
durante trs anos, estaramos perante uma norma de carcter gravemente sancionatrio e
eventualmente confiscatrio, relativamente qual se suscitaria o problema da conformidade
constitucional, na medida em que haveria uma quebra do nexo de probabilidade entre a
manifestao de fortuna e o rendimento presumidamente ocultado, que atravs deste
instituto jurdico se pretende tributar.
Ora, esta tese teve acolhimento pleno pela jurisprudncia do STA, como se infere da
leitura do acrdo do STA, de 17 de Abril de 2013, exarado no Proc. N. 433/13.

Cf. Tributao Presuntiva do Rendimento Um Contributo para Reequacionar os Mtodos Indirectos de

Determinao da Matria Colectvel, Almedina, Coimbra, 2010, pp. 305 a 309 e Algumas Notas Acerca das
Manifestaes de Fortuna, Estudos em Memria do Professor Doutor J.L. Saldanha Sanches, Volume V, pp.
208 a 210.

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A impugnao judicial no mbito das manifestaes de fortuna: breves notas

II - A determinao do rendimento com base na aquisio de um bem previsto na


tabela do n. 4 do art. 89.-A da LGT s pode ser feita uma vez, relativamente ao ano em que
se verificou ou em qualquer um dos trs anos seguintes em que, nos termos do n. 1 do
mesmo artigo, falte a declarao de rendimentos ou se verifique a desproporo a prevista, e
no em todos esses anos.
Ac. STA de 17/04/2013 (proc. 433/13)
A tese sufragada pelo STA neste aresto no , porm, isenta de crticas, o que de resto
resulta tambm do voto de vencido que acompanha o acrdo.
Com efeito, no se nos afigura razovel, como resulta da deciso, considerar que em
todos os casos a presuno de rendimentos h-de limitar-se a um ano, no podendo estenderse a mais do que um exerccio, pois esse o nico resultado, segundo a tese defendida por
Joo Srgio Ribeiro, que garante um resultado incapaz de ferir o princpio fundamental da
capacidade contributiva.
No essencial, os pressupostos em que se baseia o juzo do tribunal so os seguintes:
i) nas manifestaes de fortuna o legislador, com base em regras de experincia (e a
recolha de dados estatsticos), formulou um nexo de probabilidade entre a deteno
de determinados bens ou a realizao de certos consumos e a existncia de
rendimentos que as suportem;
ii) o objectivo exclusivamente o de levar a tributao rendimentos ocultados;
iii) se admitssemos que a imputao pudesse ter lugar em mais do que um exerccio,
como pretende a AT, poderamos, em certos casos, chegar a uma soluo em que o
valor de rendimento presumido excederia o da manifestao de fortuna, o que teria
um carcter gravemente sancionatrio e eventualmente confiscatrio e abalaria
a natureza jurdica do mecanismo das manifestaes de fortuna, que assentam
numa presuno de rendimentos ocultados;
iv) neste caso haveria uma quebra do nexo de probabilidade e a tributao basear-se-ia
numa fico legal e no em uma presuno, o que redundaria numa soluo
inconstitucional; v) por tudo isto, como medida de salvaguarda, o tribunal fixa a
interpretao de que a presuno de rendimentos apenas pode actuar uma vez e de
que esse o sentido expresso na norma do n. 4 do artigo 89.-A da LGT.
Ora, se atentarmos na redaco do preceito do art. 89.-A/4 veremos que a se
refere que a manifestao de fortuna pode actuar no ano em causa, e no caso das alneas a) e
b) do n.2, nos trs anos seguintes, e ao Tribunal compete fazer uma interpretao da letra

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A impugnao judicial no mbito das manifestaes de fortuna: breves notas

da lei procurando o seu sentido na realizao do direito, respeitando duas regras


hermenuticas fundamentais:
i) a de que no pode ser considerado pelo intrprete o pensamento legislativo que
no tenha na letra da lei um mnimo de correspondncia verbal (art. 9./2 do
Cdigo Civil); e
ii) a de que na fixao do sentido e alcance da lei, o intrprete presumir que o
legislador consagrou as solues mais acertadas e soube exprimir o seu pensamento
em termos adequados (art. 9./3 do Cdigo Civil).
Regras que foram manifestamente ultrapassadas neste caso, quando se afirma no
texto do acrdo que estamos perante uma redaco pouco feliz do preceito.
caso para perguntar se o Tribunal, ao apreciar os casos concretos no pode, com base
no princpio da razoabilidade e no princpio da proporcionalidade, discernir os casos em que a
operao da presuno em mais do que um ano se torna excessiva, daqueles em que a
actuao nos quatro exerccios cumpre ainda os pressupostos normativos em que assenta a
tributao do rendimento presumido neste caso.
Afinal, a violao do princpio da proporcionalidade no tem apenas lugar nos casos em
que estamos perante um excesso, mas igualmente naqueles em que a Administrao actua por
defeito, o que pode ser o caso em face da regra definida nesta jurisprudncia, como o voto de
vencido, de resto, bem destaca.
A salvaguarda de um nvel mais elevado de proteco do sujeito passivo como aquele
que se propugna na jurisprudncia do STA consubstancia, em tese geral, um incentivo fraude
e ocultao de rendimentos.
Mas o problema suscitado por esta jurisprudncia conheceu contornos bem mais
graves durante o ano de 2014. Com efeito, apesar de o tribunal ter exarado uma deciso em
que (intencionalmente ou no, o que no conseguimos comprovar) omitiu que estivesse a
desaplicar norma com fundamento em inconstitucionalidade, optando antes por ficar
hermenuticamente um sentido para preceito da lei, a verdade que o Ministrio interpretou
aquela deciso como uma desaplicao da norma (do art. 89.-A/4 da LGT) com fundamento
em inconstitucionalidade e interps dela recurso para o Tribunal Constitucional ao abrigo do
disposto nos artigos 70., n. 1, alnea a), 72., n. 3 e 75., n. 1 da Lei 28/82, de 15 de
Novembro (LTC), dizendo que: na interpretao do recorrente *a sentena proferida+ recusou
a aplicao das normas contidas nos n. 2, al. a) e n. 4 do art. 89.A da LGT, aprovada pelo DL
398/99 de 17/12, por violao dos princpios da igualdade e da capacidade contributiva,
consagrados nos n.s 1 e 2 do art. 13. da CRP, na interpretao de que a manifestao de

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A impugnao judicial no mbito das manifestaes de fortuna: breves notas

fortuna apresentada pelo contribuinte permite AT a correco do rendimento, para efeito de


IRS, nesse ano e nos trs anos seguintes.
Uma interpretao processual que foi acolhida pelo Tribunal Constitucional ao admitir
o referido recurso.
Uma soluo que se compreende, pois a interpretao fixada pelo STA, e que se afasta
da letra da lei, fundamenta-se em razes de constitucionalidade, mais concretamente, na
circunstncia de a interpretao contrria (a que corresponde ao teor literal do preceito e que
sufragada pela Administrao Tributria) consubstancia uma violao do princpio da
capacidade contributiva e resultar em uma tributao confiscatria.
Assim, no acrdo n. 43/2014, o Tribunal Constitucional viria a concluir pela
conformidade constitucional do n. 4 do artigo 89.-A da LGT, interpretado no seu sentido
literal de aplicao da correco do rendimento tributvel nos quatro exerccios fiscais.
() Na verdade, para alm de obedecer s apontadas exigncias de eficcia na luta
contra a fraude e a evaso fiscal, incentivando o sujeito passivo a declarar o rendimento real, a
normao em apreo compara favoravelmente para o sujeito passivo com o que seria a
tributao do acrscimo patrimonial no justificado de uma s vez e num nico ano, como
observa a AT. Note-se ainda que, mesmo na expresso cumulativa mxima implicitamente
admitida na deciso recorrida (interpretao do regime infraconstitucional vigente que no
cabe aqui apreciar, sendo afastada por Joo Srgio Ribeiro, ult. ob. cit., pgs. 305 e 309 e
Algumas Notas Acerca das Manifestaes de Fortuna, in Estudos em Memoria do Professor
Doutor J.L. Saldanha Sanches, vol. V, 2011, pgs. 208 e 210, assim como nos acrdos do STA
de 17 de abril e 24 de Julho de 2013, proferidos nos recursos n.s 433/13 e 1203/13, ambos
lavrados com voto dissidente), o rendimento tributvel obtido a partir da no justificao de
manifestao de fortuna em todos os quatro anos no ultrapassa 80% do valor dos bens
imveis adquiridos, comportando ento incidncia objectiva que permanece aqum do que
aconteceria caso o sujeito passivo tivesse declarado todo o rendimento correspondente ao
capital aplicado na mesma..
() estando em questo instrumento de combate fraude e evaso fiscal, atravs da
operao de presuno baseada em desconformidade de rendimentos evidenciada, presuno
essa no absoluta, no ofende os princpios constitucionais da igualdade e da capacidade
contributiva, decorrentes dos artigos 13., n. 1 e 104., n. 1, da Constituio, que, por razes
de praticabilidade e eficcia, e tambm de contramotivao dos comportamentos evasivos a
que se procura obstar, a avaliao presuntiva de rendimentos tributveis no declarados possa

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A impugnao judicial no mbito das manifestaes de fortuna: breves notas

ter lugar nos trs anos posteriores quele em que ocorre o facto consubstanciador de
manifestao de fortuna.
III. Deciso
14. Nos termos e pelos fundamentos expostos, decide-se:
a) No julgar inconstitucional a norma contida nos n. 2, al. a), e n. 4, do art. 89.A, da
Lei Geral Tributria, na redao da Lei n. 53-A/2006, de 29 de dezembro, na interpretao de
que a manifestao de fortuna apresentada pelo contribuinte permite Administrao
Tributria a correo do rendimento, para efeito de IRS, em qualquer dos trs anos seguintes
ao ano em que se verifica;
b) Julgar procedente o recurso e determinar a reformulao da deciso recorrida em
conformidade.
Lisboa, 9 de janeiro de 2014. Fernando Vaz Ventura Ana Guerra Martins Pedro
Machete Joo Cura Mariano - Joaquim de Sousa Ribeiro.
Ac. TC 43/2014
Todavia, o STA parece no ter inteno de se conformar com a interpretao veiculada
pelo Tribunal Constitucional e no s h registo de que tenha efectivamente procedido
reformulao da deciso recorrida no Proc. 433/13, em conformidade com a deciso do
Tribunal Constitucional, como ainda, em processo posterior, mais concretamente no acrdo
de 23 de Abril de 2014 (Proc. 400/14), se refere quele acrdo para expressamente se afastar
da soluo a consagrada.
Entre outros argumentos, sustenta o STA que a interpretao que prope do n. 4 do
art. 89.-A da LGT a que deve ser tida como a mais adequada (por contraposio que foi
sufragada pelo Tribunal Constitucional), desde logo porque considera que na possibilidade de
virem a ter lugar quatro liquidaes a do ano em que verifica a manifestao de fortuna e das
dos trs anos seguintes, como se prev na letra da lei no estaremos perante o
fraccionamento das consequncias tributrias de uma nica presuno, mas sim perante
novas presunes, e mesmo que se tratasse de uma nica presuno, acredita que o sujeito
passivo teria que a ilidir na sua origem, estando impedido de o fazer nos fraccionamentos
posteriores.
Independentemente de no sufragarmos o entendimento do STA nesta matria, pelas
razes que de resto j aduzimos, consideramos tambm que este brao de ferro que o STA
decidiu iniciar com o Tribunal Constitucional, que se aproxima quase de uma funo
procuratria de alegada resistncia fiscal e que possibilitado pelas dificuldades conhecidas
na garantia da execuo das decises do TC em caso de no julgamento de

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A impugnao judicial no mbito das manifestaes de fortuna: breves notas

inconstitucionalidade das normas em processo de fiscalizao concreta, a que se soma a


circunstncia de, pelo facto de o TC no poder fixar o sentido interpretativo das normas, estar
vedada uma deciso de generalizao da soluo alcanada no processo individual ,
consubstancia uma violao do regular funcionamento do sistema de justia num Estado de
Direito, o qual no tem sustentao jurdica nem contribui para o fomento de um bom sistema
de justia ou para um quadro normativo de fomento do investimento.

4.2. O problema da justificao parcial e da justificao com recurso a crdito


bancrio
Em segundo lugar, tambm a jurisprudncia adoptada pelo STA nos casos em que o
sujeito passivo faz prova parcial da justificao dos rendimentos que permitem a manifestao
de fortuna tem suscitado controvrsia na doutrina.
I - Embora a justificao parcial no afaste a aplicao do mtodo de avaliao
indirecta previsto no artigo 89-A da LGT, deve ser considerada na quantificao do
rendimento tributvel que vai ser determinado por esse mtodo.
II - Nesse caso, a matria tributvel apurada com recurso ao rendimento padro,
calculado apenas sobre a manifestao de fortuna no justificada, e no pela diferena entre o
rendimento padro, calculado sobre a totalidade da fortuna, e a fortuna justificada.
() a interpretao do n 4 do artigo 89-A no sentido dado por esta jurisprudncia,
que se transformou maioritria pelo acrdo do Pleno do STA, de 5/7/2012, proferido no
recurso n 0358/12, no permite concluir, ainda que implicitamente, que o apuramento da
matria colectvel se faz pela diferena entre o rendimento padro e o rendimento justificado.
Nesses casos e em todos aqueles que tm vindo a aplicar o mesmo critrio jurdico (cfr. acs. de
11/7/2012 e 7/11/2012, recs. n 0668/12 e n 01088/12), a matria tributvel calculada
sobre o rendimento no justificado. Ao valor da aquisio (ou dos suprimentos e emprstimos
que evidenciam manifestao de fortuna) deduz-se o montante justificado, calculando-se o
rendimento padro sobre o remanescente.
Ac. STA de 15.05.2013 (Proc. 664/13)
Em especial quando essa justificao sustentada em recurso ao crdito bancrio,
embora este seja, obviamente, um argumento autnomo, que, em nosso entender, se h-de
aplicar, igualmente, quando esteja em causa um problema de justificao total ou parcial do
rendimento.

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A impugnao judicial no mbito das manifestaes de fortuna: breves notas

I - Evidenciada a aquisio, pela recorrente, de um imvel com valor de aquisio


superior a 250.000,00, quando ela declarara rendimentos lquidos inferiores em 50%
relativamente ao rendimento padro (que foi fixado pelo legislador em 20% do valor da
aquisio - cfr. tabela constante do n. 4 do art. 89.-A da LGT), consideram-se verificados os
pressupostos legais para a avaliao indirecta do seu rendimento tributvel.
II - Para prova da ilegitimidade deste acto de avaliao indirecta s deve dar-se
relevncia justificao total do montante que permitiu a manifestao de fortuna, pelo que
a justificao meramente parcial no afasta a aplicabilidade da determinao indirecta dos
rendimentos que permitiram tal manifestao de fortuna.
III - J assim no , contudo, no que respeita fixao do rendimento sujeito a
tributao como incremento patrimonial em sede de IRS, onde a justificao parcial h-de
relevar para a fixao presuntiva do montante do acrscimo patrimonial no justificado
sujeito a imposto, atenta a natureza das normas em causa concernentes incidncia
objectiva do imposto -, a proibio constitucional de presunes legais absolutas de
rendimentos derivada do princpio da capacidade contributiva, o disposto no artigo 73. da Lei
Geral Tributria - que determina que as presunes consagradas nas normas de incidncia
tributria admitem sempre prova em contrrio -, e bem assim a busca de um cnone
interpretativo conforme aos princpios da igualdade, da capacidade contributiva, da tributao
dos rendimentos reais, e do Estado de Direito Democrtico, que a soluo adoptada no
acrdo recorrido no permite alcanar.
IV - Assim, embora a justificao parcial no afaste a aplicao do mtodo de
avaliao indirecta previsto no artigo 89.-A da LGT, no pode deixar de ser considerada na
quantificao do rendimento tributvel que vai ser determinado por esse mtodo,
entendendo-se que a quantificao do rendimento tributvel da recorrente deve ser igual a
20% do valor de aquisio, deduzindo-se a este valor de aquisio o montante do
emprstimo bancrio que a recorrente demonstrou ter efectuado para a aquisio do imvel,
j que este montante no est, nem pode estar, sujeito a IRS, no podendo,
consequentemente, ser presumido ou considerado como rendimento sujeito a tributao.
No tendo a administrao tributria efectuado a deduo relativa ao emprstimo
bancrio na avaliao do rendimento tributvel da recorrente a que procedeu, h manifesto
excesso na quantificao, o que fere de ilegalidade o acto fixou ora recorrente o rendimento
tributvel de 75.000,00 com recurso a avaliao indirecta.
Ac. STA de 19.05.2010 (proc. 0734/09)

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A impugnao judicial no mbito das manifestaes de fortuna: breves notas

I - A admissibilidade dos recursos por oposio de acrdos, tendo em conta o regime


previsto nos artigos 27, al. b) do ETAF e 152 do CPTA, depende de existir contradio entre o
acrdo recorrido e o acrdo invocado como fundamento sobre a mesma questo
fundamental de direito, sendo que a oposio de solues jurdicas pressupe identidade
substancial das situaes fcticas, entendida esta no como uma total identidade dos factos
mas apenas como a sua subsuno s mesmas normas legais.
II - Embora s a justificao total do montante que permitiu a verificao da
manifestao de fortuna, tenha a virtualidade de afastar a aplicabilidade da determinao
indirecta dos rendimentos que permitiram tal manifestao de fortuna, j assim no ,
contudo, no que respeita fixao do rendimento sujeito a tributao como incremento
patrimonial em sede de IRS, onde a justificao parcial h-de relevar para a fixao presuntiva
do montante do acrscimo patrimonial no justificado sujeito a imposto: tendo o
contribuinte demonstrado que recorreu a emprstimos bancrios para adquirir imveis cujo
valor determinou a avaliao indirecta da matria colectvel, nos termos do art. 89-A da LGT,
a quantificao do rendimento tributvel assim operado deve ser igual a 20% do valor de
aquisio, mas deduzindo-se a este valor de aquisio o montante de tais emprstimos
bancrios, j que o respectivo montante destes no est, nem pode estar, sujeito a IRS, no
podendo, consequentemente, ser presumido ou considerado como rendimento sujeito a
tributao.
Entendimento reiterado pelo Pleno da Seco no Ac. STA de 05.07.2012 (proc.
358/12)

Considerando a facilidade com que um contribuinte pode recorrer a um emprstimo


bancrio para ilidir a presuno estabelecida no art. 89.-A da LGT, e com isso afastar o
pagamento do imposto devido, parece-nos desadequada a posio adoptada pelo STA.
Na verdade, o facto de o legislador ter fixado como rendimento-padro apenas uma
percentagem do total do valor de aquisio do imvel j parecia ter como pressuposto que a
aquisio deste tipo de bens se faz em regra com recurso ao crdito ou a fontes extraordinrias
de financiamento para alm do rendimento anual normal dos sujeitos passivos.
Acrescente-se, tambm, que hoje no colhe o argumento de que para efeitos de
tributao no pode considerar-se rendimento uma despesa (um crdito hipotecrio), por esta
no corresponder a uma manifestao de real capacidade contributiva, pois so mltiplos os
exemplos de tributaes autnomas de despesas em sede de rendimentos empresariais, cujo
fundamento radica na circunstncia de essas despesas, consubstanciarem, em si, uma
expresso de capacidade contributiva.

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A impugnao judicial no mbito das manifestaes de fortuna: breves notas

Argumentao que no deve deixar de considerar-se transponvel para o caso da


aquisio de imveis com recurso ao crdito, sobretudo aps a crise de 2008, em que os
emprstimos bancrios para aquisio de imveis se tornaram mais selectivos e apenas so
concedidos a quem prove capacidade econmico-financeira para os poder cumprir,
independentemente da garantia real que resulta da hipoteca.
Veja-se o caso subjacente ao acrdo do STA, de 12 de Abril de 2012 (Proc. 298/12),
em que o sujeito passivo adquiriu em 2008 trs imveis pelo valor de 457.500,00, a que
corresponde o rendimento padro de 91.500,00, quando certo que, apenas, declarou
24.433,33.
Algum acredita que o Banco concederia um emprstimo de 300.000 a um sujeito
com um rendimento anual bruto inferior a 25.000?
Se o Banco tomasse como verdadeira aquela declarao de rendimentos saberia que o
individuo entraria em incumprimento logo nos primeiros meses, e no lhe concederia o
emprstimo, ainda que este estivesse garantido por hipoteca.
Os casos concretos revelam bem, em nosso entender, as fragilidades da interpretao
adoptada pelo STA, ao exigir como medida de justia no apuramento da real capacidade
contributiva, o desconto do valor do emprstimo para efeitos da fixao presuntiva do
montante do acrscimo patrimonial no justificado sujeito a imposto4.
De resto, a composio do tribunal em 2010, quando esta interpretao foi adoptada
pela primeira vez, expressou tambm muitas dvidas quando sua bondade jurdica, como se
encontra patente no voto de vencido dos quatro conselheiros que acompanhou a deciso.

Voto de vencido que acompanha o acrdo de 19.05.2010 (proc. 0734/09)


1. O douto presente acrdo entende que, no caso, a quantificao do rendimento
tributvel deve ser igual a 20% do valor de aquisio do imvel, deduzindo-se a tal valor o
montante do emprstimo bancrio efectuado para a aquisio do imvel. O acrdo defende
que, para a quantificao do rendimento tributvel, ao valor padro [20% do valor de
aquisio do imvel] deva abater-se o valor do emprstimo efectuado para a aquisio do
imvel. Ou seja: o acrdo defende que, quando o contribuinte no faa, como deve fazer, a
prova de que correspondem realidade os rendimentos declarados, o valor padro de
rendimento tributvel [de 20% do valor de manifestaes de fortuna evidenciadas] seja
diminudo at ao montante da prova justificativa que ele faa dessas manifestaes de
fortuna.
4

Em sentido diverso da nossa crtica v. CASALTA NABAIS, Avaliao indirecta da matria tributvel e

justificao parcial das manifestaes de fortuna, RLJ, 2010/3963, pp. 357-372.

36

A impugnao judicial no mbito das manifestaes de fortuna: breves notas

2. E, assim nessa lgica se, por hiptese, o contribuinte tiver feito a prova
justificativa de 20% do valor das manifestaes de fortuna evidenciadas, ento parece que
no haveria qualquer rendimento tributvel O que, por absurdo, est manifestamente fora
da voluntas legis. E, no tendo, como no tem, na letra da lei um mnimo de correspondncia
verbal, no pode tal interpretao gozar de alguma validade jurdica cf. o n. 2 do artigo 9.
do Cdigo Civil.
3. Em casos que tais e nos termos do n. 4 do citado artigo 89.-A da Lei Geral
Tributria [na redaco, aqui aplicvel, da Lei n. 107-B/2003, de 31/12] considera-se como
rendimento tributvel em sede de IRS, a enquadrar na categoria G, o rendimento padro de
20% do valor de aquisio de imveis de valor de aquisio igual ou superior a 250.000,
quando no existam indcios fundados, de acordo com os critrios previstos no artigo 90., que
permitam Administrao Tributria fixar rendimento superior. Segundo os termos da lei, uma
realidade o valor de aquisio das manifestaes de fortuna evidenciadas; outra
realidade o rendimento padro, que a lei presume e fixa em 20% apenas daquele valor de
aquisio. Esta presuno legal de rendimento padro, para efeitos de rendimento
tributvel, claramente uma presuno juris tantum, elidvel por meio da prova da presena
de rendimentos proporcionados a suportar a totalidade do valor de aquisio das
manifestaes de fortuna evidenciadas. Realmente, para efeitos de combate evaso fiscal
augrio do normativo supracitado a nica soluo razovel a exigncia da prova de meios
ou rendimento igual, no mnimo, ao valor de aquisio das manifestaes de fortuna
evidenciadas. E no tem sentido sequer pensar-se que o contribuinte tem de provar, no o
valor das manifestaes de fortuna evidenciadas, mas apenas o rendimento padro
legalmente presumido. De tal modo, a lei estaria precisamente a consentir a evaso fiscal que
justamente pretende travar por meio do mecanismo legal em foco. que este rendimento
padro um rendimento presumido na suposio muito natural, conforme ao senso comum
(id quod plerumque accidit), da existncia de evaso fiscal fortemente indiciada por
manifestaes de fortuna evidenciadas em franca discrepncia com rendimentos declarados.
4. Segundo a lei, o valor padro no pode ser descontado ou baixado. Ao
contrrio: tal valor padro poder ser aumentado, se a Administrao Tributria estiver na
posse de elementos que lhe permitam fixar um rendimento superior. O rendimento tributvel
nunca poder ser inferior ao valor padro. O desconto dos valores provados na aquisio
das manifestaes de fortuna evidenciadas ao rendimento padro tributvel que se
defende no acrdo s poderia compreender-se se o mecanismo legal em foco fosse o de
uma determinao do rendimento tributvel por mtodo indirecto. E no . Na verdade, a
determinao do rendimento tributvel pelo modo previsto no artigo 89.-A da Lei Geral

37

A impugnao judicial no mbito das manifestaes de fortuna: breves notas

Tributria [na redaco, aqui aplicvel, da Lei n. 107-B/2003, de 31/12] constitui e integra um
procedimento prprio, especfico, que no de avaliao indirecta - portanto, sem relao de
subsidiariedade com o procedimento da avaliao directa. Com efeito, entre a avaliao directa
e a avaliao indirecta existe uma relao de subsidiariedade. Mas essa relao de
subsidiariedade no existe entre a avaliao directa e a determinao da matria colectvel
com base em manifestaes de fortuna. A avaliao directa pressupe que se conhea a
categoria ou a fonte do rendimento, e, para a determinao do rendimento tributvel por
manifestaes de fortuna, o nico mtodo possvel para apurar esses rendimentos ocultos ,
na verdade, o do mecanismo legal em presena, isto porque este mecanismo pressupe o
desconhecimento da fonte do rendimento que se pretende apurar, no sendo sequer
concebvel ou pensvel uma aplicao da determinao directa. E o que certo que a
presuno de rendimento [de 20% do valor de aquisio do imvel] legalmente elidvel pela
prova de rendimento, no mnimo, igual ao valor de aquisio das manifestaes de fortuna
evidenciadas , traduz uma proposio prescritiva decorrente da impossibilidade de
determinao directa da ocorrncia do evento descrito no facto jurdico tpico, para fins de
desencadeamento vlido da obrigao tributria, com vista a surpreender e atingir a real
capacidade contributiva, e levar prtica, tanto quanto possvel, o princpio constitucional da
igualdade tributria (cf., neste sentido, Joo Srgio Ribeiro, A Tributao Presuntiva do
Rendimento: Um Contributo para Reequacionar os Mtodos Indirectos de Determinao da
Matria Tributvel, Coimbra, Almedina, Abril, 2010, pp. 279, 285 e 299; e, tambm, Jos
Casalta Nabais, O Dever Fundamental de Pagar Impostos, pp. 497 e 498).
5. Neste entendimento, afigura-se que a jurisprudncia do Pleno desta Seco do
Supremo Tribunal Administrativo tem vindo, nestes casos, a trilhar um caminho amoldado ao
esprito do sistema, conformado pelos princpios constitucionais e legais pertinentes, de que
fala o acrdo caminho do qual o mesmo presente acrdo que se afasta decididamente,
sem razes convincentes, salvo o devido respeito.
Termos em que se confirmaria o acrdo recorrido.

Dvidas que posteriormente se dissiparam na deciso de 2012, a qual foi tomada por
unanimidade, mas j por outra composio do Pleno da 2. Seco do STA. Contudo, a questo
no ficou solucionada de forma definitiva e as incoerncias relativas concretizao aplicativa
deste instituto jurdico sucedem-se, como demonstra a deciso de 2013, na qual o tribunal
confessa que o artigo 89.-A da LGT pode ser fonte de injustias relativas, cuja
responsabilidade atribui, por inteiro, ao legislador.

38

A impugnao judicial no mbito das manifestaes de fortuna: breves notas

No que diz respeito a imveis, no existe qualquer incompatibilidade entre o disposto


nas alneas d) e f), ambas do art 87 da LGT. Com efeito, sendo o valor de aquisio superior a
250.000,00 a Administrao Tributria fica legitimada a realizar avaliao indirecta ao abrigo
da citada alnea d) e do art 89-A da LGT; sendo o valor de aquisio inferior aquele montante
e verificando-se a situao prevista na alnea f) citada, a Administrao Tributria pode realizar
a avaliao indirecta com fundamento nesta norma.
() No se escamoteia que ao admitir a soluo propugnada pelo recorrente se aceita
como legtima porque contida dentro da margem de livre deciso do legislador , a
possibilidade de, por exemplo, enquanto um contribuinte, com um rendimento declarado de
10.000 euros, que nesse ano adquirisse um imvel no valor de 250.000, sem nada justificar,
ser tributado por um rendimento padro de 50.000 (20% do rendimento padro, nos termos
da tabela a que se refere o n. 4 do artigo 89.-A da LGT), nesse ano e nos trs anos seguintes
(ou seja, totalizando nos quatro anos um valor de 200.000), enquanto um outro contribuinte,
com idntico rendimento declarado mas que adquiriu no ano um imvel no valor de 240.000
euros sem igualmente nada justificar, ser tributado no ano em causa, nos termos do n. 5 do
artigo 89.-A da LGT, pelo valor de 230.000 euros (correspondente ao valor de aquisio do
imvel subtrado do valor do rendimento declarado), ou seja, de forma significativamente mais
gravosa perante um acrscimo patrimonial de valor inferior.
Mas esta , contudo, uma incoerncia do sistema a que apenas por via legislativa, se
assim o entender, o legislador poder pr termo.
Ac. STA de 16.10.2013 (Proc. 882/12)

Se conjugarmos a soluo a que o STA chega neste acrdo de 16 de Outubro de 2013


com aquela que foi estabilizada pelo Pleno da Seco no acrdo de 5 de Julho de 2012 (proc.
358/12) concluiremos que o tribunal admite que o mesmo sujeito passivo pode ser tributado
por um rendimento padro de 50.000 (e no 200.000 como se afirma no acrdo) ou pelo
valor de 230.000, consoante a Administrao Tributria opte, respectivamente, pela
reconduo da factualidade a um caso de manifestao de fortuna ou de acrscimo
patrimonial, qualificando esta diferena de tratamento como uma uma incoerncia do
sistema a que apenas por via legislativa se poder pr termo.
Com efeito, perante a alegada violao do princpio da igualdade de tratamento,
conclui o tribunal que ao estarem em causa duas alneas distintas a d) e a f) estamos
perante pressupostos diversos, pelo que no se poder falar de situaes juridicamente
idnticas.

39

A impugnao judicial no mbito das manifestaes de fortuna: breves notas

Em suma, a jurisprudncia analisada permite-nos, sem dvida, compreender as


dificuldades que o instituto das manifestaes de fortuna suscita no momento da sua
concretizao aplicativa, mas tambm a urgncia em clarificar legislativamente alguns pontos,
de forma a garantir a segurana jurdica dos contribuintes e a justia tributria no mbito do
sistema jurdico-normativo portugus.

SUZANA TAVARES DA SILVA

40

A impugnao judicial no mbito das manifestaes de


fortuna
Apresentao em powerpoint
Suzana Tavares da Silva

A IMPUGNAO JUDICIAL
NO MBITO DAS
MANIFESTAES DE
FORTUNA
Aspectos referentes garantia da tutela jurisdicional efectiva
e efectividade do preceito legal
Centro de Estudos Judicirios
19,06,2014
Suzana Tavares da Silva | Professora da FDUC | CEJ 19.06.2014

O art. 89.-A da LGT


1 - H lugar a avaliao indirecta da matria colectvel
quando falte a declarao de rendimentos e o contribuinte
evidencie as manifestaes de fortuna constantes da tabela
prevista no n. 4 ou quando o rendimento lquido declarado
mostre uma desproporo superior a 30 %, para menos, em
relao ao rendimento padro resultante da referida tabela
1.

Manifestaes de fortuna
Imveis de valor de aquisio igual ou superior a 250.000

Rendimento padro
20% do valor de aquisio.

2.

Automveis ligeiros de passageiros de valor igual ou superior a 50.000 e 50% do valor no ano de matrcula com o abatimento de 20% por
motociclos de valor igual ou superior a 10.000.
cada um dos anos seguintes.

Barcos de recreio de valor igual ou superior a 25.000

Valor no ano de registo com o abatimento de 20% por cada um


dos anos seguintes.

Aeronaves de Turismo

Valor no ano de registo com o abatimento de 20% por cada um


dos anos seguintes.

Suprimentos e emprstimos feitos no ano de valor igual ou superior a 50 000

50% do valor anual

Montantes transferidos de e para contas de depsito ou de ttulos abertas pelo


sujeito passivo em instituies financeiras residentes em pas, territrio ou regio
sujeito a um regime fiscal claramente mais favorvel, constante da lista aprovada
por portaria do Ministro das Finanas, cuja existncia e identificao no seja
mencionada nos termos previstos no artigo 63.-A.

Suzana Tavares da Silva | Professora da FDUC | CEJ 19.06.2014

100% da soma dos montantes anuais transferidos.

O art. 89.-A da LGT


2 - Na aplicao da tabela prevista no n. 4 tomam-se em considerao:
a) Os bens adquiridos no ano em causa ou nos trs anos anteriores pelo
sujeito passivo ou qualquer elemento do respectivo agregado familiar;
b) Os bens de que frua no ano em causa o sujeito passivo ou qualquer
elemento do respectivo agregado familiar, adquiridos, nesse ano ou nos trs
anos anteriores, por sociedade na qual detenham, directa ou
indirectamente, participao maioritria, ou por entidade sediada em
territrio de fiscalidade privilegiada ou cujo regime no permita identificar o
titular respectivo.
c) Os suprimentos e emprstimos efectuados pelo scio sociedade, no ano
em causa, ou por qualquer elemento do seu agregado familiar.

d) A soma dos montantes transferidos de e para contas de depsito ou de


ttulos abertas pelo sujeito passivo em instituies financeiras residentes
em pas, territrio ou regio sujeito a um regime fiscal claramente mais
favorvel, constante da lista aprovada por portaria do Ministro das
Finanas, cuja existncia e identificao no seja mencionada nos termos
previstos no artigo 63.-A, no ano em causa.
Suzana Tavares da Silva | Professora da FDUC | CEJ 19.06.2014

A repartio do nus da prova


3 - Verificadas as situaes previstas no n. 1 deste artigo, bem
como na alnea f) do n. 1 do artigo 87., cabe ao sujeito passivo
a comprovao de que correspondem realidade os
rendimentos declarados e de que outra a fonte das
manifestaes de fortuna ou do acrscimo de patrimnio ou da
despesa efectuada.

A AT tem de provar a existncia e o valor das manifestaes de


fortuna (facto indicirio)
O sujeito passivo tem de provar, para ilidir a presuno de
rendimento-padro, que a fonte de recursos utilizados na
aquisio no rendimento ocultado e sim rendimentos que
ele no estava obrigado a declarar ou que foram
anteriormente tributados (ex. herana, poupanas, crdito)
Suzana Tavares da Silva | Professora da FDUC | CEJ 19.06.2014

A repartio do nus da prova Jur.


I - Evidenciada a realizao pelo contribuinte de suprimentos de montante superior a
50.000,00 quando nesse ano declarou rendimentos inferiores em 50%
relativamente ao rendimento padro (que foi fixado pelo legislador em 50% do valor
dos suprimentos - cf. tabela constante do n. 4 do art. 89.-A da LGT), consideramse verificados os pressupostos legais para a avaliao indirecta do seu rendimento
tributvel desse ano ao abrigo do disposto na alnea d) do art. 87. da LGT.
II - Para prova da ilegitimidade deste acto de avaliao indirecta ou do erro na
respectiva quantificao, no basta ao contribuinte demonstrar que no ano em
causa (e, muito menos, se essa demonstrao se refere a ano anterior) detinha
meios financeiros que lhe permitissem, total ou parcialmente os suprimentos
realizados, mas tambm quais os concretos meios financeiros que afectou
realizao desses suprimentos, sob pena de no se poder ter como justificada a
manifestao de fortuna evidenciada (cf. n. 3 do art. 89.-A da LGT, que exige ao
contribuinte a comprovao [] de que outra a fonte das manifestaes de fortuna
evidenciadas).
Ac. STA de 29-01-2014 (proc. 35/14)
Suzana Tavares da Silva | Professora da FDUC | CEJ 19.06.2014

A repartio do nus da prova Jur.


I - Apesar de o contribuinte s poder arredar a determinao indirecta de
rendimentos levada a cabo pela Administrao Tributria ao abrigo do art. 89-A da
LGT atravs da justificao total do montante que permitiu a evidenciada
manifestao de fortuna, j assim no no que toca fixao do rendimento
sujeito a tributao, onde a justificao parcial h-de relevar para a fixao
presuntiva do montante do acrscimo patrimonial no justificado sujeito a
imposto.
II - Tendo o contribuinte demonstrado que recorreu a emprstimo bancrio para
adquirir o imvel cujo valor determinou a avaliao indirecta dos seus rendimentos
luz daquele art. 89- A da LGT, a quantificao do rendimento tributvel deve ser
igual a 20% do valor de aquisio do imvel mas deduzido do montante desse
emprstimo, j que o montante emprestado no est nem pode ficar sujeito a IRS.
III - Circunscrevendo-se a ilegalidade cometida desconsiderao da justificao
parcial da manifestao de fortuna no clculo do rendimento padro - corrigvel
mediante mera operao aritmtica que, em cumprimento do decidido, expurgue
do valor da matria colectvel fixada o valor justificado - haver lugar anulao
meramente parcial do acto impugnado, que no sua anulao total.
Ac. STA de 19-02-2014 (proc. 85/14)
Suzana Tavares da Silva | Professora da FDUC | CEJ 19.06.2014

Finalidade do rendimento padro


O rendimento padro constante da tabela do n. 4 do artigo
89.A da LGT assume, nestes termos, uma dupla finalidade:

num primeiro momento, fornece a medida do clculo da


desproporo, servindo para verificar se ocorrem os
pressupostos legais para o recurso a mtodos indirectos de
determinao do rendimento tributvel fundada em
manifestaes de riqueza;
num segundo momento, ultrapassada a fase contraditria,
opera a fixao da matria colectvel do imposto, assumindo,
nessa dimenso, a natureza de norma de incidncia objectiva
de IRS

(cfr. Xavier de Basto, IRS: Incidncia Real e Determinao dos


Rendimentos Lquidos, 2007, pgs. 368 e 369).
Suzana Tavares da Silva | Professora da FDUC | CEJ 19.06.2014

A fase procedimental
4 - Quando o sujeito passivo no faa a prova referida no nmero
anterior relativamente s situaes previstas no n. 1 deste artigo,
considera-se como rendimento tributvel em sede de IRS, a enquadrar
na categoria G, no ano em causa, e no caso das alneas a) e b) do n. 2,
nos trs anos seguintes, quando no existam indcios fundados, de
acordo com os critrios previstos no artigo 90., que permitam
administrao tributria fixar rendimento superior, o rendimento
padro apurado nos termos da tabela seguinte
Duas realidades distintas:

Rendimento-padro tributao com base num rendimento


presumido;
Fixao administrativa do rendimento colectvel verdadeira
situao de avaliao indirecta da matria tributvel;
Suzana Tavares da Silva | Professora da FDUC | CEJ 19.06.2014

A fase processual
7 - Da deciso de avaliao da matria colectvel pelo mtodo
indirecto constante deste artigo cabe recurso para o tribunal
tributrio, com efeito suspensivo, a tramitar como processo
urgente, no sendo aplicvel o procedimento constante dos
artigos 91. e seguintes.

Concluso:

Na prtica, esta deciso de avaliao da matria colectvel


(que da competncia do director de finanas da rea do
domiclio fiscal do sujeito passivo, sem faculdade de
delegao) s ser eficaz depois de confirmada pelo Tribunal
de 1. Instncia h um enfraquecimento do carcter
executrio (ou da fora semi-executria) do acto tributrio;
Suzana Tavares da Silva | Professora da FDUC | CEJ 19.06.2014

A fase processual
7 - Da deciso de avaliao da matria colectvel pelo mtodo indirecto
constante deste artigo cabe recurso para o tribunal tributrio, com efeito
suspensivo, a tramitar como processo urgente, no sendo aplicvel o
procedimento constante dos artigos 91. e seguintes.
Questes:

Pode esta deciso ser objecto de reclamao e de recurso hierrquico?


E vale aqui o disposto no art. 59./4 do CPTA?

Comungamos da posio de Rui Morais: no h razes para que se


considere vedada a utilizao daqueles meios de garantia dos sujeitos
passivos, mas tambm no encontramos fundamento para justificar o
efeito suspensivo relativamente eficcia da deciso, na medida em que a
deciso administrativa j tomada por uma entidade administrativa
especialmente qualificada, sem possibilidade de delegao, pelo que o
recurso via de impugnao administrativa neste caso poderia esgotar-se
num mero expediente para retardar a eficcia da deciso administrativa. A
posio jurdica do contribuinte suficiente acautelada com a excepo do
princpio da impugnao unitria.
Suzana Tavares da Silva | Professora da FDUC | CEJ 19.06.2014

A fase processual
7 - Da deciso de avaliao da matria colectvel pelo mtodo indirecto constante deste artigo
cabe recurso para o tribunal tributrio, com efeito suspensivo, a tramitar como processo
urgente, no sendo aplicvel o procedimento constante dos artigos 91. e seguintes.
Questes:

Caso venhamos a estar perante uma verdadeira fixao administrativa do rendimento


tributvel (art. 90. LGT), pode o sujeito passivo solicitar o pedido de reviso da matria
tributvel?

Neste caso, quando a AT opte por quantificar a matria tributvel recorrendo a elementos do
art. 90. da LGT, somos da opinio de que o art. 89.-A/7 da LGT h-de ser interpretado em
conformidade com a garantia da tutela jurisdicional efectiva, admitindo que o sujeito passivo
possa solicitar a reviso da matria tributvel, nos termos do disposto no art. 91., previamente
interposio do recurso judicial, e com efeito suspensivo, sempre que entenda que o debate
entre os peritos essencial no quadro de um processo justo e equitativo.
Esta uma garantia que s pode avaliar-se em concreto, ou seja, a haver inconstitucionalidade
por violao da garantia da tutela jurisdicional efectiva pela recusa de aplicao do art. 91. da
LGT com efeito suspensivo, a mesma s pode verificar-se perante o circunstancialismo de um
caso concreto, pois em regra faz parte da liberdade de conformao do legislador.

Suzana Tavares da Silva | Professora da FDUC | CEJ 19.06.2014

A fase processual
7 - Da deciso de avaliao da matria colectvel pelo mtodo indirecto
constante deste artigo cabe recurso para o tribunal tributrio, com efeito
suspensivo, a tramitar como processo urgente, no sendo aplicvel o
procedimento constante dos artigos 91. e seguintes.
8- Ao recurso referido no nmero anterior aplica-se, com as necessrias
adaptaes, a tramitao prevista no artigo 146.-B do Cdigo de
Procedimento e de Processo Tributrio
Questes:

O prazo de 10 dias previsto no art. 146.-B/2 do CPPT pe em causa a


garantia da tutela jurisdicional efectiva?

O TC no chegou a pronunciar-se de forma expressa sobre esta questo no


Ac. 554/2009, mas acaba por esclarecer, obter dictum, que a urgncia de
um meio processual no necessariamente desvantajosa para o
contribuinte impugnante, pois embora lhe imponha prazos de actuao
mais curtos, assegura-lhe, em contrapartida, maior celeridade na deciso.
Suzana Tavares da Silva | Professora da FDUC | CEJ 19.06.2014

A fase processual
7 - Da deciso de avaliao da matria colectvel pelo mtodo indirecto constante deste artigo
cabe recurso para o tribunal tributrio, com efeito suspensivo, a tramitar como processo
urgente, no sendo aplicvel o procedimento constante dos artigos 91. e seguintes.
8- Ao recurso referido no nmero anterior aplica-se, com as necessrias adaptaes, a
tramitao prevista no artigo 146.-B do Cdigo de Procedimento e de Processo Tributrio
Questes:

A no interposio deste recurso prejudica a posterior impugnao judicial da


liquidao?

O STA conclui, no Ac. 24.09.2008 (Proc. 342/08), que a deciso de avaliao constitui acto
destacvel do procedimento administrativo, pelo que se forma caso decidido ou caso
resolvido na falta de recurso judicial dessa deciso, a qual, assim, se consolida na ordem jurdica,
no podendo ser posta em causa na impugnao judicial da liquidao respectiva.
O TC no Ac. 554/2009 no considera que esta interpretao possa ser reconduzida a uma
restrio inconstitucional da garantia da tutela jurisdicional efectiva, antes entendendo que est
em plena sintonia com as regras gerais do contencioso das decises administrativas.

Suzana Tavares da Silva | Professora da FDUC | CEJ 19.06.2014

A fase processual
10 - A deciso de avaliao da matria colectvel com recurso ao mtodo indirecto constante
deste artigo, aps tornar-se definitiva, deve ser comunicada pelo director de finanas ao
Ministrio Pblico e, tratando-se de funcionrio ou titular de cargo sob tutela de entidade
pblica, tambm tutela destes para efeitos de averiguaes no mbito da respectiva
competncia.
Questes:

O regime diferenciado que aqui se estabelece para os funcionrios ou titulares de cargos


sob tutela de entidade pblica, na sua mera qualidade de contribuintes, viola o princpio
da igualdade?

A questo foi suscitada ao TC pelo PR, em sede de fiscalizao abstracta preventiva, tendo
aquele concludo, no Ac. n. 442/2007, que no havia violao do princpio da igualdade de
tratamento, uma vez que a diferenciao opera a jusante da relao jurdica tributria e tem
como finalidade averiguar se existem irregularidades de conduta no exerccio de funes
pblicas em que o visado est investido e que em nada contendem com a sua condio de
contribuinte.
Nesta medida, considerou o tribunal que a diferena de tratamento tinha um fundamento
objectivo e racional, prosseguia um fim legtimo e de interesse pblico (combate corrupo) e
no era desproporcionada, mesmo na parte referente comunicao entidade pblica para
efeitos de averiguao disciplinar da acumulao legtima de funes remuneradas.
A deciso teve trs votos de vencido fundamentados num excesso por parte das entidades
pblicas em obter dados da esfera privada e tributria do funcionrio para iniciar um processo
de averiguaes em sede disciplinar.
Suzana Tavares da Silva | Professora da FDUC | CEJ 19.06.2014

Questes controversas justificao parcial


I - Evidenciada a realizao pelo contribuinte, num determinado ano, de suprimentos de montante superior a
50.000,00 quando declarou rendimentos inferiores em 50% relativamente ao rendimento padro (que foi fixado
pelo legislador em 50% do valor dos suprimentos - cf. tabela constante do n. 4 do art. 89.-A da LGT),
consideram-se verificados os pressupostos legais para a avaliao indirecta do seu rendimento tributvel desse
ano.

II - Para prova da ilegitimidade deste acto de avaliao indirecta no basta ao contribuinte demonstrar que no ano
em causa detinha meios financeiros de valor superior ao dos suprimentos realizados, mas tambm quais os
concretos meios financeiros que afectou realizao desses suprimentos, sob pena de no se poder ter como
justificada a manifestao de fortuna evidenciada (cf. n. 3 do art. 89.-A da LGT, que exige ao contribuinte a
comprovao [] de que outra a fonte das manifestaes de fortuna evidenciadas).
III - Para prova da ilegitimidade deste acto de avaliao indirecta s deve dar-se relevncia justificao total do
montante que permitiu a manifestao de fortuna, pelo que a justificao meramente parcial no afasta a
aplicabilidade da determinao indirecta dos rendimentos que permitiram tal manifestao de fortuna.
IV - J assim no , contudo, no que respeita fixao do rendimento sujeito a tributao como incremento
patrimonial em sede de IRS, onde a justificao parcial h-de relevar para a fixao presuntiva do montante
do acrscimo patrimonial no justificado sujeito a imposto, atenta a natureza das normas em causa
concernentes incidncia objectiva do imposto , a proibio constitucional de presunes legais absolutas de
rendimentos derivada do princpio da capacidade contributiva, o disposto no art. 73. da LGT que determina que
as presunes consagradas nas normas de incidncia tributria admitem sempre prova em contrrio , e bem
assim a busca de um cnone interpretativo conforme aos princpios da igualdade, da capacidade contributiva, da
tributao dos rendimentos reais, e do Estado de Direito Democrtico (cf. acrdo do Pleno da Seco do
Contencioso Tributrio do Supremo Tribunal Administrativo de 19 de Maio de 2010, proferido no processo com o
n. 734/09).
V - Assim, embora a justificao parcial no afaste a aplicao do mtodo de avaliao indirecta previsto no art.
89.-A da LGT, no pode deixar de ser considerada na quantificao do rendimento tributvel que vai ser
determinado por esse mtodo (cf. o mesmo acrdo), entendendo-se que a quantificao do rendimento
tributvel da recorrente deve ser igual a 50% do valor dos suprimentos, deduzindo-se a este valor que se
considerou justificado para a realizao dos suprimentos, j que este montante no est, nem pode estar, sujeito
a IRS, no podendo, consequentemente, ser presumido ou considerado como rendimento sujeito a tributao
Suzana Tavares da Silva | Professora da FDUC | CEJ 19.06.2014

Questes controversas justificao parcial


I - Embora a justificao parcial no afaste a aplicao do mtodo de avaliao
indirecta previsto no artigo 89-A da LGT, deve ser considerada na quantificao do
rendimento tributvel que vai ser determinado por esse mtodo.
II - Nesse caso, a matria tributvel apurada com recurso ao rendimento padro,
calculado apenas sobre a manifestao de fortuna no justificada, e no pela diferena
entre o rendimento padro, calculado sobre a totalidade da fortuna, e a fortuna
justificada.

a interpretao do n 4 do artigo 89-A no sentido dado por esta jurisprudncia, que


se transformou maioritria pelo acrdo do Pleno do STA, de 5/7/2012, proferido no
recurso n 0358/12, no permite concluir, ainda que implicitamente, que o apuramento
da matria colectvel se faz pela diferena entre o rendimento padro e o rendimento
justificado. Nesses casos e em todos aqueles que tm vindo a aplicar o mesmo critrio
jurdico (cfr. acs. de 11/7/2012 e 7/11/2012, recs. n 0668/12 e n 01088/12), a matria
tributvel calculada sobre o rendimento no justificado. Ao valor da aquisio (ou
dos suprimentos e emprstimos que evidenciam manifestao de fortuna) deduz-se o
montante justificado, calculando-se o rendimento padro sobre o remanescente.
Ac. STA de 15.05.2013 (Proc. 664/13)
Suzana Tavares da Silva | Professora da FDUC | CEJ 19.06.2014

Questes controversas aplicao temporal


4 - Quando o sujeito passivo no faa a prova referida no nmero
anterior relativamente s situaes previstas no n. 1 deste artigo,
considera-se como rendimento tributvel em sede de IRS, a
enquadrar na categoria G, no ano em causa, e no caso das alneas
a) e b) do n. 2, nos trs anos seguintes

A determinao do rendimento com base na aquisio de um bem


previsto na tabela do n. 4 do art. 89.-A da LGT s pode ser feita
uma vez, relativamente ao ano em que se verificou ou em qualquer
um dos trs anos seguintes em que, nos termos do n. 1 do mesmo
artigo, falte a declarao de rendimentos ou se verifique a
desproporo a prevista, e no em todos esses anos.

Ac. STA 17.04.2013 (Proc. 433/13)


Suzana Tavares da Silva | Professora da FDUC | CEJ 19.06.2014

Questes controversas aplicao temporal


4 - Quando o sujeito passivo no faa a prova referida no nmero anterior relativamente s
situaes previstas no n. 1 deste artigo, considera-se como rendimento tributvel em sede de IRS,
a enquadrar na categoria G, no ano em causa, e no caso das alneas a) e b) do n. 2, nos trs
anos seguintes
estando em questo instrumento de combate fraude e evaso fiscal, atravs da operao de
presuno baseada em desconformidade de rendimentos evidenciada, presuno essa no
absoluta, no ofende os princpios constitucionais da igualdade e da capacidade contributiva,
decorrentes dos artigos 13., n. 1 e 104., n. 1, da Constituio, que, por razes de praticabilidade
e eficcia, e tambm de contramotivao dos comportamentos evasivos a que se procura obstar, a
avaliao presuntiva de rendimentos tributveis no declarados possa ter lugar nos trs anos
posteriores quele em que ocorre o facto consubstanciador de manifestao de fortuna

.. Na verdade, para alm de obedecer s apontadas exigncias de eficcia na luta contra a fraude e
a evaso fiscal, incentivando o sujeito passivo a declarar o rendimento real, a normao em apreo
compara favoravelmente para o sujeito passivo com o que seria a tributao do acrscimo
patrimonial no justificado de uma s vez e num nico ano, como observa a AT. Note-se ainda que,
mesmo na expresso cumulativa mxima implicitamente admitida na deciso recorrida
(interpretao do regime infraconstitucional vigente que no cabe aqui apreciar, sendo afastada
por Joo Srgio Ribeiro, ult. ob. cit., pgs. 305 e 309 e Algumas Notas Acerca das Manifestaes de
Fortuna, in Estudos em Memoria do Professor Doutor J.L. Saldanha Sanches, vol. V, 2011, pgs.
208 e 210, assim como nos acrdos do STA de 17 de abril e 24 de Julho de 2013, proferidos nos
recursos n.s 433/13 e 1203/13, ambos lavrados com voto dissidente), o rendimento tributvel
obtido a partir da no justificao de manifestao de fortuna em todos os quatro anos no
ultrapassa 80% do valor dos bens imveis adquiridos, comportando ento incidncia objectiva que
permanece aqum do que aconteceria caso o sujeito passivo tivesse declarado todo o rendimento
correspondente ao capital aplicado na mesma
Ac. TC 43/2014
Suzana Tavares da Silva | Professora da FDUC | CEJ 19.06.2014

Questes controversas aplicao temporal


Nova deciso do STA sobre o tema Ac. STA de 23.04.2014(Proc. 400/14)
.Ponderando tais (novos) argumentos, em especial que o juiz mximo das questes de inconstitucionalidade se
pronunciou j no sentido de que a interpretao diversa da que por ns sustentada no ofende os princpios
constitucionais da igualdade e da capacidade contributiva ao menos quando a manifestao de fortuna em
causa seja a aquisio de imveis, pois o rendimento-padro, nesse caso, corresponde a 20% do valor de
aquisio , no estamos convictos de que a interpretao que fazemos das pertinentes normas tributrias
no deva ser tida como a mais adequada, nem sequer que os objectivos de combate fraude e evaso fiscais,
que estiveram na origem da consagrao da tributao por manifestaes de fortuna e das sucessivas
alteraes que os preceitos que a consagram tm sofrido, imponham necessariamente soluo diversa
que, para alm do mais j consignado nos Acrdos deste STA de 17 de Abril de 2013, rec. n. 0433/13 e de 24 de
Julho de 2013, rec. n. 1203/13, sabido que que a lei fiscal no admite presunes de rendimento inilidveis cfr. art.
73. (As presunes consagradas nas normas de incidncia tributria admitem sempre prova em contrrio.) , no
se v como lidar com a circunstncia de, na tese da AT, o sujeito passivo no poder ilidir, relativamente a cada um dos
trs anos seguintes quele em que se verificou a aquisio do bem que a lei releva como manifestao de fortuna, a
presuno de rendimentos resultante dessa manifestao de fortuna e de provar que os rendimentos declarados em
cada um desses anos correspondem verdade, no estando ns convencidos de que, conforme entendeu o
Tribunal Constitucional e advoga a recorrente, no se estaria j perante novas presunes, mas apenas
perante o fraccionamento das consequncias tributrias de uma nica presuno, porquanto, a ser assim, esta
deveria, em coerncia, ter de ser ilidida na sua origem (embora o Tribunal Constitucional, no juzo de no
inconstitucionalidade formulado, pressuponha que o sujeito passivo tenha efectiva possibilidade de elidir a
presuno, em toda a sua amplitude temporal e efeito cumulado).
Embora no possa falar-se aqui, em rigor, de uma violao de caso julgado da questo de
inconstitucionalidade esta divergncia entre o TC e o STA na interpretao do art. 89.-A da LGT no
contribui para um bom sistema de justia desta deciso decorrer, certamente, novo recurso de
inconstitucionalidade para o TC.

Suzana Tavares da Silva | Professora da FDUC | CEJ 19.06.2014

Questes controversas agravamento da incoerncia?


no Acrdo de 13.07.2011 (Processo n 0614/2011).. considerou-se no existir qualquer
incompatibilidade entre as duas alneas (d) e f) do art. 87.) no que se refere a imveis. Com efeito,
se o valor de aquisio for de montante superior a 250.000,00 euros, verificados os restantes
requisitos, aplica-se a alnea d); se for de valor inferior e verificando-se os demais requisitos da
alnea f), aplica-se esta alnea.

No se escamoteia que ao admitir a soluo propugnada pelo recorrente se aceita como legtima
porque contida dentro da margem de livre deciso do legislador -, a possibilidade de, por
exemplo, enquanto um contribuinte, com um rendimento declarado de 10.000 euros, que nesse
ano adquirisse um imvel no valor de 250.000, sem nada justificar, ser tributado por um
rendimento padro de 50.000 euros (20% do rendimento padro, nos termos da tabela a que se
refere o n. 4 do artigo 89.-A da LGT), nesse ano e nos trs anos seguintes (ou seja, totalizando
nos quatro anos um valor de 200.000 ), enquanto um outro contribuinte, com idntico
rendimento declarado mas que adquiriu no ano um imvel no valor de 240.000 euros sem
igualmente nada justificar, ser tributado no ano em causa, nos termos do n. 5 do artigo 89.-A da
LGT, pelo valor de 230.000 euros (correspondente ao valor de aquisio do imvel subtrado do
valor do rendimento declarado), ou seja, de forma significativamente mais gravosa perante um
acrscimo patrimonial de valor inferior.
Esta , contudo, uma incoerncia do sistema a que apenas por via legislativa, se assim o entender,
poder pr termo.
.. Com a mais recente interpretao, o primeiro seria tributado apenas em 50.000 e o segundo
em 230.000 !!!
Ac. STA de 16.10.2013 (Proc. 882/12)
Suzana Tavares da Silva | Professora da FDUC | CEJ 19.06.2014

Contencioso tributrio. Os meios de


impugnao graciosos e o processo de
impugnao judicial

[Carlos Alexandre Eira Matos Borges]

Contencioso tributrio. Os meios de impugnao graciosos e o processo de impugnao


judicial

Contencioso Tributrio. Os meios de impugnao graciosos


e o processo de impugnao judicial
Carlos Alexandre Eira Matos Borges

O presente texto resulta de uma apresentao de natureza pessoal, por mim efetuada
no Centro de Estudos Judicirios sobre a temtica dos meios de impugnao graciosos e o
processo de impugnao judicial, no auditrio do Instituto Nacional de Propriedade Industrial,
no dia 19 de junho de 2014, no mbito de uma Ao de Formao Contnua. Revestia-se de
especial relevo a possibilidade de ser considerado na jurisdio tributria o recurso a medidas
cautelares por parte dos sujeitos passivos.
Para encontrar uma resposta ser importante termos presente trs ideias.
A primeira ideia a de que o processo cautelar tem por finalidade, na mxima medida
possvel, a eficcia prtica da deciso a proferir no processo principal. A segunda resulta do
facto de que as medidas cautelares esto claramente definidas para a AT1 (arresto e
arrolamento) no tendo o legislador previsto nenhuma para o sujeito passivo e, por fim, uma
vez considerado que a ao principal visa o ataque ao acto de liquidao, como podemos fazer
funcionar estas medidas cautelares?
Desta forma, importa olhar previamente para o enquadramento geral, identificando os
vetores que o Legislador acolheu para erigir o edifcio tributrio.
Deve assim comear por atender ao estatudo na CRP2 quanto s incumbncias do
Estado, nomeadamente os artigos 9., sob a epgrafe Tarefas fundamentais do Estado e 81.,
com a epgrafe Incumbncias prioritrias do Estado e ao fim do imposto, artigo 103. e a sua
traduo na Lei ordinria, vide os artigo(s) 5. Fins da Tributao e 7. Objectivos e limites
da tributao da LGT3.
Articulando as incumbncias prioritrias do Estado com os fins da tributao,
conclumos que o Estado enquanto tal, s existe e se fundamenta, se tiver condies
financeiras para cumprir com aquilo que o seu fim e propsito.
pois a tributao o principal pilar do Estado social tal como se mostra idealizado na
nossa Lei fundamental.

Autoridade Tributria e Aduaneira.

Constituio da Repblica Portuguesa.

Lei Geral Tributria.

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Contencioso tributrio. Os meios de impugnao graciosos e o processo de impugnao


judicial

Chegados aqui, sabendo da necessidade da receita fiscal para a persecuo dos fins
pblicos, o legislador, no que respeita ao direito fiscal, teve de dirimir o confronto entre os
direitos individuais de cada cidado, refletidos no direito de s lhe poder ser exigido o imposto,
aps tal obrigao estar devidamente firmada na ordem jurdica e o direito coletivo, assente no
direito de ser proporcionado a toda a populao o Estado, tal como se mostra
constitucionalmente consagrado.
A soluo encontrada independentemente do input gerador do ato de liquidao, seja
a autoliquidao ou aquela que efetuada pelos servios, normal, adicional ou oficiosa, foi a
de que a liquidao goza do estatuto da definitividade do ato tributrio, sendo imediatamente
exigvel ao contribuinte, que, no caso do no pagamento no prazo de pagamento voluntrio,
tem como decorrncia legal a extrao da competente certido de dvida e a instaurao do
respetivo processo de execuo fiscal (artigo 188. do CPPT4).
Percebe-se, assim, que o legislador deu primazia aos direito coletivo de arrecadao da
receita, sobre o direito individual do contribuinte ver o ato de liquidao ser-lhe exigvel
apenas aps esgotados todos os meios de impugnabilidade desse mesmo ato, seja por via
graciosa, seja por via contenciosa.
Face ao antedito ser de concluir que o legislador teve uma viso economicista da
questo? Pensamos que no, porquanto tal - como nos refere o artigo 55. da LGT - A
administrao tributria exerce as suas atribuies na prossecuo do interesse pblico, de
acordo com os princpios da legalidade, da igualdade, da proporcionalidade, da justia, da
imparcialidade e da celeridade, no respeito pelas garantias dos contribuintes e demais
obrigados tributrios.
Ou seja, at deciso em contrrio, a atuao da Administrao Tributria goza da
presuno que os atos por si praticados so legais, devidos e os corretos para o caso em
concreto, encontramos assim um justificativo de legalidade e certeza que se soma ao
justificativo de autoridade para que a cobrana do tributo ocorra em paralelo discusso da
liquidao.
Mas tambm se percebe que o legislador, por imposio constitucional, no poderia
deixar de equilibrar os pratos da balana neste confronto de direitos individuais e coletivos,
criando paralelamente ao processo de cobrana de dvida, os procedimentos de impugnao
da liquidao, graciosa ou contenciosa, a ele subjacente e neste ponto de interceo entre
estas duas realidades paralelas, cobrana vs discusso da liquidao, que a problemtica ganha
relevo, pois o contribuinte que no concorda com o que lhe exigido e pretende discutir ou j

Cdigo de Procedimento e Processo Tributrio.

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Contencioso tributrio. Os meios de impugnao graciosos e o processo de impugnao


judicial

discute essa mesma liquidao, no compreende ou aceita os atos coercivos que entretanto
vo sendo praticados para cobrana dessa mesa dvida.
Temos ento aqui espao para as eventuais providncias cautelares a favor dos sujeitos
passivos? Vejamos.
Quanto aos meios de reaco,
Se olharmos para os meios graciosos, temos a reclamao graciosa, o recurso
hierrquico, o pedido de reviso da matria tributvel, o pedido de reviso nos termos do
artigo 78., da LGT, no campo judicial, a impugnao judicial, a ao administrativa especial, os
seus recursos e o pedido de constituio do Tribunal Arbitral.
Certamente ningum poder acusar o legislador de ser parco na previso de meios de
reao ao ato de liquidao, antes pelo contrrio, a proliferao de mecanismos de defesa,
com os seus prazos e termos prprios podero traduzir-se numa primeira linha e para aqueles
contribuintes menos conhecedores ou com menos possibilidades financeiras de conseguir uma
defesa capaz, numa verdadeira teia jurdica que prejudica aqueles que devia defender.
Numa segunda linha, tambm conduz a uma janela de oportunidade de utilizao de
manigncias jurdicas que distorcem a justia, conduzindo a uma reduo total ou parcial do
imposto devido, no por deciso sobre a matria de facto, mas por questes processuais.
Aps um curta incurso pelos dois primeiros elementos desta trilogia, a saber,
liquidao e meios de reao faamos uma resumida anlise ao terceiro elemento, ou seja, a
garantia da cobrana tributria e suas conexes.
Visitando o n. 1, do artigo 52., da LGT, epigrafado como Garantia da cobrana da
prestao tributria, verificamos que A cobrana da prestao tributria suspende-se no
processo de execuo fiscal em virtude de pagamento em prestaes ou reclamao, recurso,
impugnao e oposio execuo que tenham por objeto a ilegalidade ou inexigibilidade da
dvida exequenda () (sublinhado nosso) e o n. 2, onde se refere que A suspenso da
execuo nos termos do nmero anterior depende da prestao de garantia idnea nos termos
das leis tributrias.
Confrontando esta redao com a sua norma espelho no CPPT, temos o n. 1, do artigo
169., sob a epgrafe Suspenso da execuo. Garantias, onde se define que A execuo fica
suspensa at deciso do pleito em caso de reclamao graciosa, a impugnao judicial ou
recurso judicial que tenham por objeto a legalidade da dvida exequenda () desde que tenha
sido constituda garantia nos termos do artigo 195. ou prestada nos termos do artigo 199. ou
a penhora garanta a totalidade da quantia exequenda e do acrescido e o n. 10 do mesmo
artigo, com a redao seguinte, Se for apresentada oposio execuo, aplica-se o disposto
nos n.os 1 a 7. (sublinhado nosso)

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Contencioso tributrio. Os meios de impugnao graciosos e o processo de impugnao


judicial

Da leitura das referidas normas conclumos que o legislador fechou o ciclo nesta trilogia
de liquidao, impugnao e garantia, deixando bem expresso que, para que no exista
cobrana coerciva dos tributos liquidados, necessrio que o contribuinte recorra ao meio
prprio para colocar tal liquidao em crise e que dependentemente disso, exista prestao de
garantia suficiente ou dela se mostre dispensado.
A concluso maior no poder deixar de ser aquela que se traduz no facto do legislador
s permitir a suspenso da cobrana do tributo com 3 fundamentos:
1. A discusso da liquidao;
2. O colocar em crise o processo coercivo pelo seu meio prprio, a oposio;
3. O pagamento da dvida em prestaes.
Em jeito de anlise sobre o antedito podemos deixar desde logo duas notas de
desacerto legislativo que conduzem a erradas interpretaes e que so motivos geradores de
conflitos entre a Autoridade Tributria e os contribuintes.
A primeira refere-se utilizao da terminologia nas normas, o legislador da LGT refere
simplesmente a reclamao, o recurso, e a impugnao, enquanto que o legislador do CPPT
utiliza os conceitos de reclamao graciosa, de impugnao judicial ou recurso judicial.
Ser esta uma discusso irrelevante? Devemos deixar para os atores do
procedimento/processo tributrio interpretaes sobre matria desta relevncia?
Vejamos.
O legislador da LGT refere que tais mecanismos tero de ter por objeto a ilegalidade ou
inexigibilidade da dvida exequenda, enquanto que o legislador do CPPT apenas refere que
tero de ter por objeto a legalidade da dvida exequenda.
Ser ento que com base numa interpretao literal a reclamao prevista no artigo
276. e seguintes do CPPT, quando objetiva a inexigibilidade da dvida exequenda, pode ter a
virtualidade de suspender a execuo?
Porque no se mostra previsto o recurso hierrquico?
Ser que est referido naquele conceito lato de recurso da LGT?
Se sim porque o afastou o legislador do CPPT? (veremos esta questo mais adiante)
E que dizer do pedido de reviso nos termos do artigo 78., da LGT, que tambm no
se mostra consagrado?
Certamente dvidas que no existiriam se o legislador que produziu ambas as normas
na dcada de 90 do sculo passado, procedesse a uma harmonizao legislativa que teria tanto
de clarificadora como de pacificadora na relao fisco-contribuinte.

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Contencioso tributrio. Os meios de impugnao graciosos e o processo de impugnao


judicial

Antes de passarmos a uma breve anlise sobre cada um dos meios de reao
liquidao que se mostram ao dispor do contribuinte, importa olhar para mais um resultado do
eterno confronto entre os direitos individuais e os coletivos atrs mencionados.
Vejamos pois o n. 2, do j mencionado artigo 169., do CPPT, que tem a seguinte
redao: A execuo fica igualmente suspensa, desde que, aps o termo do prazo de
pagamento voluntrio, seja prestada garantia antes da apresentao do meio gracioso ou
judicial correspondente, acompanhada de requerimento em que conste a natureza da dvida, o
perodo a que respeita e a entidade que praticou o acto, bem como a indicao da inteno de
apresentar meio gracioso ou judicial para discusso da legalidade ou da exigibilidade da dvida
exequenda.
Esta redao foi dada pela Lei n. 3-B/2010, de 28/04, e surgiu como resposta ao
seguinte panorama, a Autoridade Tributria conhecedora de um crdito fiscal a favor do
contribuinte e no estrito cumprimento da Lei, nomeadamente o artigo 89., do CPPT, com a
redao primitiva onde se lia no seu n. 1, Os crditos do executado resultantes de reembolso,
reviso oficiosa, reclamao graciosa ou impugnao judicial de qualquer acto tributrio so
obrigatoriamente aplicados na compensao das suas dvidas mesma administrao
tributria, salvo se pender reclamao graciosa, impugnao judicial, recurso judicial ou
oposio execuo da dvida exequenda ou esta esteja a ser paga em prestaes, devendo a
dvida exequenda mostrar-se garantida nos termos deste Cdigo.
Note-se como o sistema era harmnico, aplicava-se o crdito exceto se, existisse
contencioso e o processo estivesse garantido, regime semelhante cobrana da dvida como
vimos atrs.
O problema surgiu quando por via de entendimentos/decises se comeou a
considerar que tal no poderia acontecer no s nessa situao da existncia do contencioso,
mas tambm na preexistncia de contencioso, pois com prazos de reao a correr, tal
compensao seria violadora dos direitos individuais dos contribuintes.
Tal posio sendo defensvel no poder deixar de ser considerada, face ao edifcio
jurdico existente e atrs mencionado, como dissonante.
Certo que na balana do confronto entre direitos individuais e coletivos, o prato
pendeu para o lado dos individuais conduzindo introduo deste n. 2, no artigo 169., do
CPPT e alteraes profundas no referido artigo 89., do CPPT, que, por sua vez, esvaziou de
qualquer interesse prtico este n. 2. (excetuando no que se refere situao tributria).
Findos estes considerandos iniciais, importa agora fazer uma breve passagem por cada
um dos mecanismos de reao que o contribuinte dispe, para colocar em crise a liquidao do
imposto.

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Contencioso tributrio. Os meios de impugnao graciosos e o processo de impugnao


judicial

Em primeiro lugar importa ainda estabelecer uma linha diferenciadora entre o


procedimento e o processo.
No procedimento temos uma relao linear, o sujeito passivo surge como
administrado, reclamante ou recorrente e, no plo oposto da relao, temos sempre a
administrao.
No processo temos uma relao triangular, de um lado o contribuinte como recorrente,
impugnante ou oponente, do outro encontramos a AT como ru, o Ministrio Pblico em
defesa do Estado, ou a Representao da Fazenda Pblica, sabendo sempre que sobre as
partes est sempre o Tribunal/Juiz.
Reclamao Graciosa
O procedimento de reclamao graciosa tem hoje o seu regime nos artigos 68 a 77 e
183-A, do CPPT.
Passou a designar-se "Procedimento de reclamao graciosa" por fora do que na LGT,
artigo 54, n 1, f) e no CPPT, artigo 44, n. 1, e), se definiu como procedimento tributrio.
Este procedimento tributrio compreende toda a sucesso de atos dirigidos
declarao dos direitos tributrios, em que a relao processual linear e como atrs
mencionado, ou seja, dentro do procedimento administrativo tributrio, em que dum lado est
o administrado/contribuinte e do outro o administrador/Estado credor tributrio, vamos
encontrar o procedimento de reclamao graciosa, mais conhecido por "reclamao graciosa".
A LGT (artigos n.(s) 55 e 57) acolheu o princpio da celeridade quanto ao
procedimento tributrio, dentro do qual est como vimos o PRG, definindo como prazo geral
para a sua concluso 4 meses, a menos que o requerente viole os seus deveres de cooperao,
caso em que tal prazo se suspender.
Tal princpio constitui uma garantia do administrado reclamante: a inobservncia do
prazo de 4 meses para a deciso (contado da entrada do pedido), imputvel apenas
administrao tributria, faz presumir o seu indeferimento para efeitos de recurso hierrquico,
recurso contencioso ou impugnao judicial (LGT, artigo 57, n. 5).
Este meio de defesa pode ser utilizado por parte dos contribuintes ou sujeitos passivos,
sejam eles os originrios, substitutos ou responsveis, servindo apenas, conforme o
preceituado no art 68, para anular, total ou parcialmente, os atos tributrios, e apenas por
iniciativa dos seus destinatrios, nos prazos do artigo 70, tendo por fundamento qualquer
ilegalidade.

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Contencioso tributrio. Os meios de impugnao graciosos e o processo de impugnao


judicial

Como aspeto importante na utilizao dos diferentes meios de defesa, importa atender
ao facto de a reclamao graciosa ser condio de procedibilidade do processo de impugnao
judicial, nos casos dos impostos autoliquidados, retidos na fonte e pagos por conta.
Ou seja, no estaremos nestes casos perante a ausncia de qualquer pressuposto
processual como a legitimidade ou a tempestividade, mas face a uma condio que a lei impe
se verifique antes da questo ser apreciada e decidida pelo poder judicial. Antes disso, tem o
poder administrativo que a reapreciar e a decidir, mantendo, alterando ou revogando o acto
tributrio.
Importa ainda lembrar que no pode ser apresentada reclamao graciosa quando j
tiver sido apresentada impugnao judicial com o mesmo fundamento (artigo 68., n. 2, do
CPPT), sendo certo que se antes da impugnao judicial tiver sido apresentada reclamao
graciosa, esta ser-lhe- apensa no estado em que se encontrar (artigo 111., n. 3, do CPPT).
Nos termos dos artigos 69 e 70 do CPPT, a reclamao graciosa est condicionada
pelos princpios da simplicidade e da celeridade das resolues, devendo o pedido ser escrito,
dirigido entidade competente para decidir, no obedecendo a quaisquer formalismos e no
tendo que ser articulado nem subscrito por advogado, embora o possa ser.
Est isento de custas e a prova apresentada apenas a documental, sem prejuzo da
entidade ad quem ordenar quaisquer diligncias complementares dessa prova ao abrigo do
artigo 50 do CPPT, ou dos elementos oficiais com vista descoberta da verdade material.
S esta constitui o quadro de referncia legal para a respetiva apreciao e deciso.
Para alm do prazo geral de 120 dias contados a partir dos factos elencados no n. 1,
do artigo 102, temos ainda os prazos especiais de 2 anos, na autoliquidao (artigo 131), de 2
anos, na reteno na fonte (artigo 132) e de 30 dias nos pagamentos por conta (artigo 133).
Todos estes diferentes prazos so perentrios, pelo que o seu decurso faz caducar o
direito de reclamao e, logo, provoca uma deciso de rejeio liminar.
A competncia para a instruo e deciso, com a exceo feita ao IVA apurado em
liquidao oficiosa nos termos do artigo 93. do CIVA em que o pedido de reclamao graciosa
dirigido ao rgo central da administrao tributria - ao Diretor de Servios de reembolso do
IVA - enquanto entidade competente para o decidir, conforme n. 2 daquele artigo, tirando
este caso excecional e excecionado no n. 1, do artigo 73, do CPPT, todos os pedidos so
dirigidos ao Diretor de Finanas e todos entregues (ou efetuados oralmente ou por via
eletrnica) no Servio de Finanas, incluindo o dirigido ao Diretor dos reembolsos do IVA, da
rea do domiclio ou sede do contribuinte, da situao dos bens ou da liquidao dos impostos.
Assim, o rgo competente para a instruo da reclamao graciosa o Servio Local de
Finanas que a deve concluir no prazo mximo de 90 dias elaborando proposta de deciso e,

71

Contencioso tributrio. Os meios de impugnao graciosos e o processo de impugnao


judicial

competente para a apreciao/deciso do mesmo , via de regra, qualquer daqueles diretores,


que podem ainda delegar essa competncia nos termos do artigo 75, do CPPT.
Quando o valor do processo no exceda o valor da alada do tribunal tributrio, o
chefe do servio de finanas decide de imediato a reclamao graciosa, terminada a instruo
se a houver (artigo 73, n. 4, CPPT).
Se o valor da reclamao graciosa no couber naquele limite, o mesmo ser remetido
imediatamente entidade para deciso (artigo 73, n.5) que, se no tiver lugar no prazo
mximo de 4 meses, (LGT, artigo 57) ter os efeitos cominatrios do ato tcito negativo
(artigo 57, n.5) ou mesmo do ato tcito positivo se a reclamao graciosa no for decidida no
prazo de 30 dias no caso dos pagamentos por conta (CPPT, artigo 133, n.4).
Pedido de reviso nos termos do artigo 78., da LGT
certamente este o mecanismo de reao liquidao mais original que a Lei prev.
Dispe o seu n. 1, o seguinte A reviso dos actos tributrios pela entidade que os
praticou pode ser efectuada por iniciativa do sujeito passivo, no prazo de reclamao
administrativa e com fundamento em qualquer ilegalidade, ou, por iniciativa da administrao
tributria, no prazo de quatro anos aps a liquidao ou a todo o tempo se o tributo ainda no
tiver sido pago, com fundamento em erro imputvel aos servios.
Da leitura da norma e numa interpretao meramente literal afigura-se que o
legislador ao referir-se a reviso, querer dizer reapreciao, depois refere que esta
reapreciao pode ser efetuada por iniciativa da AT, ou por iniciativa do contribuinte.
No primeiro caso pensamos que a questo ter de ser conjugada com artigo 79., da
LGT, pois se a AT reaprecia o processo ter de fazer uma de duas coisas, ou mantm o ato ou
revoga o ato (ser que seria assim necessrio um regime excecional ao da revogao?).
E se mantm o ato?
Este procedimento da sua iniciativa deve ser comunicado ao contribuinte com as
necessrias consequncias legais, nomeadamente no que se refere ao direito de audio e
meios de defesa?
E se for da iniciativa do contribuinte, far sentido que um pedido de reapreciao gere
um procedimento paralelo ao da reclamao graciosa?
No temos aqui nem tempo nem espao para debater todas estas questes, mas
sempre diremos que optando por qualquer uma das posies doutrinais existentes (tratando
este pedido de reviso como uma verdadeira reclamao graciosa ou como o mecanismo que
abre a porta ao contribuinte para deitar mo ao regime regra do direito administrativo de

72

Contencioso tributrio. Os meios de impugnao graciosos e o processo de impugnao


judicial

discusso do ato administrativo/tributrio), acarreta conflitos e contencioso que importaria


sanar.
O Recurso hierrquico.
Considerando que a deciso da reclamao graciosa no configura "caso decidido ou
resolvido" e, por isso, sendo passvel de modificao por deciso administrativa ou judicial
posterior, temos que em sede de recurso hierrquico nos termos do art. 76, do CPPT, que
tal modificao pode vir a ocorrer, mas sem prejuzo do princpio do duplo grau de deciso
previsto no n. 1, do art. 66, do mesmo cdigo.
Este princpio da dupla deciso que no pode ser violado, a expresso concreta da
celeridade consagrada no artigo 55, da LGT e significa, na prtica, que a pretenso do
contribuinte no pode ser apreciada por mais de duas entidades da mesma administrao
tributria, nos termos do artigo 47, do CPPT.
O recurso hierrquico mais um meio de defesa de natureza administrativa logo, a
relao processual linear. Dum lado o contribuinte recorrente e do outro lado a
administrao tributria na pessoa da entidade recorrida e da entidade ad quem, para a qual se
recorre.
A LGT, no seu artigo 80, dispe que a deciso do procedimento suscetvel de recurso
hierrquico para o mais elevado superior hierrquico do autor do ato, mas, salvo disposio
legal em sentido contrrio, este sempre facultativo.
O que, significa desde logo: que todas as decises do e no procedimento administrativo
tributrio, so suscetveis de recurso hierrquico, salvo quando essas decises forem do mais
elevado superior hierrquico, a contrariu sensu.
Quanto ao objeto do recurso hierrquico temos que, nos termos do n1, do art 66,
do CPPT, no so apenas os atos tributrios finais ou intermdios negativos, mas todas as
decises dos rgos da administrao em matria tributria ou em "questes fiscais", cujos
efeitos se projetam na esfera jurdica dos contribuintes e sejam suscetveis de lesar
imediatamente direitos ou interesses legalmente protegidos.
A LGT, no seu artigo 80 e o CPPT no seu artigo 66, n. 2, determinam que o recurso
hierrquico deve ser dirigido "ao mais elevado superior hierrquico do autor do acto"
recorrido, quer tal autor o tenha praticado no uso de competncia prpria, quer o tenha
praticado no uso de competncia delegada.
Os recursos assim dirigidos, devem sempre ser apresentados perante a entidade que os
praticou e os manter se as alegaes e provas do recorrente no interferirem nos

73

Contencioso tributrio. Os meios de impugnao graciosos e o processo de impugnao


judicial

fundamentos em que assentou a sua prtica. Caso contrrio, pode alter-los, revogando-os no
todo ou em parte (artigo 66, n.4 ).
Ou seja, aqui, como em geral no contencioso dos atos administrativos, vale o princpio
segundo o qual, entidade recorrida deve ser dada a oportunidade de fazer uma de trs
coisas: manter o ato, alterar o ato ou revogar o ato notificado ao seu destinatrio.
Quanto aos prazos do recurso hierrquico o artigo 66, do CPPT estabelece o prazo de
30 dias para interpor o recurso hierrquico a contar, nos termos do artigo 20. do CPPT, da
notificao do ato respetivo e de 15 dias, para a entidade recorrida o instruir e fazer subir
acompanhado de informao ou parecer e do processo administrativo respetivo se o recurso
tiver efeitos suspensivos ou s dum extrato do mesmo se ele tiver efeitos meramente
devolutivos, isto nos casos de propostas de manuteno dos atos ou da sua parcial revogao,
j que nos casos de revogao total os processos de recurso hierrquico no sobem.
A entidade de recurso, ad quem, tem o prazo mximo de 60 dias para apreciar e
decidir.
A deciso de indeferimento total ou parcial do RH pela entidade competente, abre a
via de recurso contencioso para a impugnao judicial.
Do texto do artigo 80, da LGT e do artigo 67, do CPPT, resulta que o recurso
hierrquico tem natureza facultativa.
Da que, o que recorrvel hierarquicamente tambm o judicialmente.
As decises nos procedimentos tributrios so, via de regra, atos definitivos no plano
horizontal, logo, diretamente impugnveis junto do juiz do tribunal tributrio.
Ou seja, o destinatrio do ato tributrio ou, num mbito mais lato, em matria
tributria , ter de ponderar, no seu leque de meios de defesa se, no caso, mais lhe aproveita
interpor recurso hierrquico ou logo impugnao se esta for j disponvel.
Ter de fazer esclarecidas opes, no estando obrigado a recorrer hierarquicamente,
da a sua natureza facultativa.
Se optar pelo recurso hierrquico ele ter, por regra, efeitos meramente devolutivos.
Impugnao Judicial
A CRP (artigo 268, n. 4), a LGT (artigos 9 e 95) e o CPPT (artigo 96) acolhem e
consagram o direito dos contribuintes de impugnar ou recorrer judicialmente de todo o ato
lesivo dos seus direitos ou interesses legalmente protegidos.
Os meios ou instrumentos de defesa judicial so muitos e diversos e esto elencados
no artigo 101 da LGT e no artigo 97 do CPPT, de entre os quais se destaca a impugnao
judicial, meio de defesa perante uma vasta gama de atos tributrios, particularmente,

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Contencioso tributrio. Os meios de impugnao graciosos e o processo de impugnao


judicial

liquidao de qualquer dos tributos classificados nos termos do artigo 3, da LGT, mesmo
quando autoliquidados, retidos na fonte ou pagos por conta ou ainda, quando os atos
respeitam a fixaes da matria tributvel que no do origem a qualquer tributo.
Trata-se dum importante meio ou instrumento de defesa dos contribuintes a que estes
recorrem quando no acreditam na justia administrativa ou a no obtiveram sucesso.
No primeiro caso no reclamam graciosamente ou recorrem hierarquicamente, antes
interpem logo impugnao judicial.
No segundo caso, deixaram de acreditar em resultado do decidido nesses processos e
destas decises recorrem ao poder judicial.
Ao contrrio do reclamao graciosa e do recurso hierrquico, a relao processual no
linear, mas triangular: dum lado o contribuinte/impugnante, do outro o credor
tributrio/Estado cujo interesse pblico e legalidade assegurada pelo Ministrio Pblico (MP)
e pelo Representante da Fazenda Pblica (RFP).
Ao meio e por cima est o Juiz do Tribunal Administrativo e Fiscal encarregado por lei
de dirimir o conflito de interesses que, por razes diremos naturais e culturais, so opostos.
A impugnao visa ou tem por objeto atacar os atos praticados pela administrao
tributria, obtendo do juiz a declarao da sua inexistncia, nulidade ou anulao.
Os vcios do ato impugnado que conduzam sua anulabilidade podem ser arguidos
numa relao de subsidiariedade (artigos 99 e 124, CPPT).
Portanto, o objeto do processo de impugnao, um ato tributrio enquanto
declarao de vontade da administrao fiscal atravs dos seus rgos competentes, quer os
atos sejam atos tributrios finais (liquidaes), quer eles sejam atos tributrios intermdios,
por vezes negativos como por exemplo, fixao de prejuzos diferentes dos declarados, ou
mesmo positivos, por exemplo, fixao de valores patrimoniais.
Constitui fundamento da impugnao qualquer ilegalidade, abstrata ou concreta, na
quantificao ou qualificao da matria coletvel, na preterio de formalidades legais, todas.
O artigo 99, do CPPT, de todas as ilegalidades possveis d apenas quatro exemplos, a
saber, a errnea qualificao e quantificao dos rendimentos, lucros, valores patrimoniais e
outros factos tributrios, a incompetncia, a ausncia ou vicio da fundamentao legalmente
exigida e a preterio de outras formalidades legais.
A ilegalidade do ato tributrio pode ser abstrata. Isto , o tributo ou a sua cobrana no
est prevista na lei vigente ou o ato tributrio pode padecer de ilegalidade concreta, por
exemplo:
o facto tributrio donde emergiu a liquidao no est previsto nas normas de
incidncia;

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Contencioso tributrio. Os meios de impugnao graciosos e o processo de impugnao


judicial

tal facto tributrio est a previsto, mas haver uma circunstncia legal que impea
ou suspenda tal incidncia como o caso das isenes reais, pessoais ou temporais;
erros na identificao dos sujeitos passivos ou responsveis pelo pagamento;
preterio de formalidades legais no processo de formao do ato tributrio ou
procedimento administrativo;
erro na avaliao ou determinao da matria coletvel e quer esta seja ou no
suscetvel de impugnao autnoma.
Na ilegalidade concreta, podemos ainda incluir a duplicao de coleta, a caducidade do
direito liquidao e a prescrio.
A impugnao judicial formulada em petio articulada dirigida ao juiz do tribunal
competente, apresentada no prazo geral de 3 meses contados a partir dos factos referidos no
n 1, do artigo 102, da notificao da deciso de indeferimento da reclamao graciosa, no
prazo de 90 dias dos atos de fixao dos valores patrimoniais (artigo 134, n. 1 ), e a todo o
tempo, se o fundamento da impugnao for a nulidade (artigo 102, n. 3).
Qualquer impugnao apresentada fora dos respetivos prazos, deve ser indeferida ou
rejeitada liminarmente pelo tribunal competente antes mesmo de proceder apreciao do
mrito ou demrito dos seus fundamentos.
O decurso do prazo provoca a extino do direito de impugnao.
A petio articulada dirigida ao juiz dever ser apresentada no Tribunal ou no Servio
de Finanas onde tiver sido ou deva considerar-se praticado o ato tributrio impugnado,
considerando-se como tal sempre o servio da rea do domiclio ou sede do contribuinte da
situao dos bens ou da liquidao dos tributos.
Se a impugnao tiver sido apresentada no servio local, tem este apenas 5 dias para a
remeter ao tribunal aps pagamento da taxa de justia inicial (ver LGT, artigo 19 e CPPT, artigo
103).
Se, por lapso ou falta de informao, o pedido tiver sido apresentado em servio
territorialmente incompetente, este, no prazo de 48 horas, deve remet-lo para o servio
competente, nos termos do artigo 17, n. 3 do CPPT, disso notificando o contribuinte
impugnante.
De referir tambm que, no processo tributrio, vale o principio da impugnao unitria,
pelo que no so suscetveis de impugnao contenciosa os atos interlocutrios do
procedimento, exceto se estiver em causa a impugnao dos chamados atos de destacveis
que podem ser impugnados diretamente.

76

Contencioso tributrio. Os meios de impugnao graciosos e o processo de impugnao


judicial

Assim, temos que por regra apenas os atos tributrios finais, so passveis de
impugnao e, por exceo, os atos intermdios negativos ou mesmo positivos.
Pode parecer que a impugnao judicial como meio de defesa est sempre disponvel
perante todo e qualquer ato em matria tributvel que atente contra direitos ou interesses
com proteo legal, no assim, porm, h casos em que, ou se faz uso do recurso
administrativo prvio e, se este no for procedente, tem o recorrente ento ao seu dispor a
impugnao, ou, caso contrrio, perdeu-se, via de regra definitivamente, a oportunidade de
defesa perante a autoridade judicial.
Como exemplos de precedncia obrigatria temos ento os recursos administrativos
de reviso da matria tributvel, de segundas avaliaes dos bens, de autoliquidaes, de
retenes na fonte e de pagamentos por conta.
Quanto ao recurso de reviso da matria tributvel, ele precedente obrigatrio da
impugnao judicial, nos precisos termos da LGT (artigo 86, n. 2 ) e do CPPT (artigo 117, n.
1, in fine).
Quanto s avaliaes e reavaliaes de bens, so tambm elas precedncia obrigatria
do processo de impugnao judicial, nos termos do citado artigo 86. da LGT, nos termos dos
artigos 76, n. 4 e 77, do CIMI e nos termos do artigo 134, n. 7, do CPPT.
Quando o contribuinte no concorda com o resultado da primeira avaliao, no pode
impugnar os seus resultados nem, depois, os impostos da emergentes.
Tem de solicitar sempre a segunda avaliao e, se com o resultado desta no
concordar, ter ento, aps a notificao dos atos tributrios, a possibilidade de discutir toda a
sua legalidade perante o juiz do tribunal administrativo e fiscal competente.
Sem esgotar esses meios administrativos, no ter direito impugnao, como
claramente preceitua o n 2, do artigo 86, da LGT.
Quanto s autoliquidaes tambm o CPPT prev, de harmonia com a citada norma da
LGT, que a impugnao judicial seja obrigatoriamente precedida de reclamao graciosa
dirigida ao diretor competente, nos termos do n 1, do artigo 131.
S em caso de indeferimento expresso ou tcito da reclamao graciosa, que o
contribuinte pode recorrer impugnao. Ou seja, o contribuinte no pode impugnar
directamente os seus prprios atos tributrios.
Quanto s retenes na fonte, tambm o mesmo CPPT, no seu artigo 132,
condicionou o acesso impugnao por parte do substituto ou do empregador ou do pagador
dos rendimentos possibilidade do mesmo descontar o imposto retido a mais nas entregas
seguintes da mesma natureza a efetuar no ano do pagamento indevido ou, se isso no for

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Contencioso tributrio. Os meios de impugnao graciosos e o processo de impugnao


judicial

possvel, reclamao graciosa para o diretor competente. Sem o uso prvio destes
mecanismos no ter o direito de impugnar judicialmente.
importante notar que as precedncias da impugnao relativas s autoliquidaes e
retenes na fonte, desaparecem face a dois pressupostos: quando o fundamento ou causa de
pedir for exclusivamente matria de direito e a autoliquidao ou a reteno na fonte tiverem
sido efetuadas de acordo com as orientaes genricas da administrao tributria. Nestes
casos, est imediatamente acessvel a impugnao a apresentar no prazo geral.
Quanto aos pagamentos por conta, tambm a respetiva impugnao depende de
prvia reclamao graciosa para o diretor, nos termos e prazo do artigo 133, do CPPT. Sem
antes reclamar, no pode impugnar.
Em todos estes cinco casos de precedncias administrativas obrigatrias para se ter
disponvel a impugnao judicial, o que est em causa no so excees que impedem o juiz de
apreciar do mrito ou demrito dos fundamentos da impugnao.
Ou seja, nestes casos no estamos perante simples pressupostos processuais, como a
personalidade e capacidade judicirias, a legitimidade das partes, o patrocnio judicial ou a
competncia do tribunal cuja falta implica, via de regra, a sustao do processo at sua
verificao, para que o tribunal possa ento apreciar do mrito, mas perante a inexistncia de
condies de procedncia da ao.
Aqui, verificada que seja a referida inexistncia, a consequncia , sem mais, a do
indeferimento liminar da petio inicial.
Tambm ser de atender ao facto de no poder ser deduzida reclamao graciosa
quando tiver sido apresentada impugnao judicial com o mesmo fundamento (artigo 111., do
CPPT), pretendendo-se assim evitar decises contraditrias, garantir-se que primordialmente
seja deixado aos Tribunais Tributrios a apreciao das ilegalidades tributrias, sendo certo
que, caso a AT anule ou revogue a deciso que se mostre em crise, o Tribunal no dever emitir
pronncia sobre o pedido.
Face ao atrasado, no podemos deixar de referir que o sistema comporta uma
incoerncia, pois prev o prazo de 3 meses para impugnar e de 120 para reclamar
graciosamente e seguidamente de novo prazo de 3 meses para impugnar, caso a deciso da
reclamao seja de indeferimento (o prazo era de 15 dias, passou a 3 meses com a revogao
do n. 2, do artigo 102., do CPPT, pela alnea d), do artigo 16., da Lei n. 82-E/2014, de 31 de
dezembro).
E quanto ao Recurso Hierrquico?
Vide acrdo do STA no processo n. 0482/07 de 05.07.2007.

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Contencioso tributrio. Os meios de impugnao graciosos e o processo de impugnao


judicial

() da deciso (quer expressa, quer silente) do recurso hierrquico admissvel, ainda,


impugnao judicial, no prazo de 90 dias. ()
() Sob o ttulo de Impugnao judicial. Prazo de apresentao, o artigo 102. do
Cdigo de Procedimento e de Processo Tributrio, no seu n. 1, reza que A impugnao ser
apresentada no prazo de 90 dias contados a partir dos factos seguintes: notificao dos
restantes actos que possam ser objecto de impugnao autnoma [alnea e)]. E o n. 2 do
mesmo artigo 102. diz que Em caso de indeferimento de reclamao graciosa, o prazo de
impugnao ser de 15 dias aps a notificao()
()Como assim, e em resposta ao thema decidendum, diremos que do acto tcito de
indeferimento de recurso hierrquico, tendo como objecto acto de liquidao tributria, cabe
impugnao judicial, no prazo de 90 dias. Pelo que, no tendo laborado neste entendimento,
deve ser revogada a sentena recorrida.()
()Cf., no mesmo sentido, entre muitos outros, os acrdos desta Seco do Supremo
Tribunal Administrativo, de 20-5-2007, de 6-6-2007, e de 12-6-2007, proferidos
respectivamente nos recursos n. 340/07, n. 286/07, e n. 341/07.()
Deixando para o final esta questo do efeito suspensivo do recurso hierrquico, bem
como a questo do prprio prazo para impugnar (hoje matria ultrapassada com a revogao
atrs mencionada), seria importante e mais uma vez esclarecedor que o legislador vertesse em
forma de Lei, o regime acolhido pela jurisprudncia no que se refere ao efeito suspensivo do
recurso (baseado no argumento que se trata do prolongamento da reclamao graciosa, cuja
deciso no se consolidou ainda e, como tal, suscetvel de ser alterada, fazendo com que o
recurso goze das mesmas caratersticas e efeitos processuais desta), conflitue com o regime
regra estabelecido no artigo 67., do CPPT que atribui ao recurso hierrquico apenas efeito
devolutivo.
Certos que o tempo diminuto para analisar todas as questes em profundidade,
deixamos em jeito de nota final algumas dvidas cuja resposta necessita de ser expressa e
clara, sob pena de aumentar a litigiosidade entre os contribuintes e a AT, fazendo com que
estes sintam que existe espao para as providncias cautelares a seu favor no processo
tributrio, mecanismo que a nosso ver no tem enquadramento jurdico no sistema fiscal de
hoje. Essas dvidas podero ser colocadas da seguinte forma:
Quanto s concretizaes das decises, como manter suspenso os processos coercivos
quando j no existe meio contencioso ativo?
Que fazer quanto s reclamaes/impugnaes parciais?
Pode o processo prosseguir pela parte no contestada? (veja-se a alnea b) do n. 4 do
art. 86. CPPT e a questo do reporte de prejuzos)

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Contencioso tributrio. Os meios de impugnao graciosos e o processo de impugnao


judicial

Obrigado.
CARLOS MATOS BORGES

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As providncias cautelares a favor do


contribuinte

[Serena Cabrita Neto]

As providncias cautelares a favor do contribuinte

As providncias cautelares a favor do contribuinte


Serena Cabrita Neto

Sumrio:
1. Os Meios de Aco Cautelar e a Tutela do Contribuinte
2. O Processo Cautelar
3. Tramitao e efeitos
4. Concluses

1. Os meios de aco cautelar e a tutela do contribuinte


O princpio nsito no artigo 268., n. 4 da Constituio da Repblica Portuguesa (CRP)
relativo tutela jurisdicional efectiva que deve ser assegurada a todos os administrados o
ponto de partida para a anlise que aqui vamos promover, nomeadamente porque em torno
desta consagrao legal que se desenvolveram os instrumentos processuais tutelares que
asseguram a possibilidade de obter sindicncia judicial quanto a toda a actividade
administrativa, o que estende realidade tributria.
No que tange s medidas de aco cautelar, verificamos que o legislador constitucional
cuidou de alargar o referido princpio de modo a abrang-la, nomeadamente ao prever o
direito de qualquer cidado determinao da prtica de actos administrativos legalmente
devidos e a adopo de medidas cautelares adequadas.
Esta tutela de natureza cautelar que, por natureza, excepcional designadamente
porque antecede, na maioria dos casos, a prtica de um acto tributrio1 que, por fora dos
princpios vigentes, goza do privilgio da sua exequibilidade, mesmo que se pretenda discutir
quanto sua legalidade2e, portanto, no se pode assumir como regra desvirtuante dos
mesmos assume, do ponto de vista processual, semelhana das providncias cautelares
administrativas ou civis, o carcter de processo urgente, com vista a garantir a sua utilidade
prtica.
A tutela cautelar tributria ainda caracterizada por maiores exigncias legais quanto
aos requisitos necessrios para o seu decretamento, sendo tambm este processo
1

Ou de um acto em matria tributria relacionado com o facto de existir uma liquidao de imposto (como

por exemplo, os actos praticados em sede de execuo fiscal, tendentes cobrana de tributos).
2

Princpio solve et repete, que impe que os tributos sejam pagos (ou assegurados, por via de garantia

idnea) ainda que se queira discutir a sua legalidade administrativa ou judicialmente, sob pena de execuo
coerciva da dvida.

83

As providncias cautelares a favor do contribuinte

caracterizado por uma mais fraca permanncia da deciso na ordem jurdica nomeadamente
porque a natureza da matria em causa precipita a prtica de actos definitivos, cuja tutela
assegurada por outros meios mas que, em regra, pressupem que seja prestada uma garantia
que suspenda a execuo do acto tributrio (ou que o tributo seja pago).3
Quanto a este tema incontornvel a questo relativa pertinncia da existncia de
aces cautelares em sede tributria, ramo do direito onde se discutem essencialmente
direitos patrimoniais.
O legislador processual tributrio considerou que sim, na medida em que o direito
tributrio no difere do direito administrativo em matria de salvaguarda de garantias dos
administrados, ideia muito aprofundada em sede da Reforma do Contencioso Administrativo
operada em 2004 em que se declarou expressamente a aplicabilidade dos meios tutelares
previstos no Cdigo de Processo nos Tribunais Administrativos ao direito tributrio.4
Julgamos que andou bem o legislador ao dar exequibilidade quele que o comando
constitucional e ao prever, no artigo 98. do Cdigo de Procedimento e de Processo Tributrio,
a tutela cautelar assegurada aos administrados, sejam contribuintes, sejam sujeitos passivos,
sejam terceiros interessados na relao jurdica tributria.

2. O Processo Cautelar
No ordenamento jurdico portugus, as medidas de aco cautelar em matria tributria
esto espalhadas por trs diplomas fundamentais, a saber, a Lei Geral Tributria (LGT), o
Cdigo de Procedimento e de Processo Tributrio (CPPT) e o Cdigo de Processo nos Tribunais
Administrativos (CPTA), este ltimo aplicvel subsidiariamente ao processo tributrio.
Nestes diplomas encontramos medidas cautelares previstas a favor da Administrao
Tributria, a que esta pode lanar mo com ou sem prvia autorizao judicial, consoante os
casos.
Assim, como medidas cautelares a adoptar sem prvia autorizao (ou decretamento)
por parte dos tribunais, encontramos prevista no art. 51. LGT a providncia cautelar
extrajudicial (administrativa) com ou sem apreenso de bens , impugnvel posteriormente
pelo visado, nos termos artigos 143. ou 144. CPPT, consoante haja ou no apreenso de
bens.
3

Cfr. artigos 169., 195. e 199., todos do Cdigo de Procedimento e de Processo Tributrio.

No ignorava o legislador a aplicabilidade subsidiria do direito processual administrativo e, portanto, do

referido Cdigo ao processo tributrio, por remisso expressa do artigo 2. do Cdigo de Procedimento e de
Processo Tributrio.

84

As providncias cautelares a favor do contribuinte

Este tipo de providncia normalmente utilizada em casos de apreenso de bens em


inspeces, tributrias ou multidisciplinares, nomeadamente em casos relacionados com
matrias alfandegrias e ou de circulao de bens, na medida em que se impe uma actuao
rpida das autoridades, incompatvel com o pedido de autorizao judicial prvia.
A Administrao Tributria pode, ainda, lanar mo da providncia cautelar judicial, de
arresto ou arrolamento de bens, desde que alegue o fundado receio de dissipao de bens, a
intentar nos termos dos artigos 135. a 142. e 214. CPPT e igualmente impugnveis pelos
visados, desta feita nos termos dos artigos 143. ou 144. do CPPT, consoante haja ou no
apreenso de bens.
Os tribunais tm vindo a admitir a utilizao deste tipo de medidas cautelares nos casos
em que haja fundado receio de dissipao de bens para a satisfao do crdito tributrio, ainda
que se trate de bens do responsvel subsidirio (a operar por via da reverso fiscal).
A tutela conferida ao contribuinte, ou mesmo a qualquer interessado que seja afectado
pela actuao tributria por seu turno assegurada, desde 2004, com a Reforma do Direito
Administrativo, atravs da providncia cautelar inominada, a decretar judicialmente, a que o
administrado pode lanar mo nos termos dos artigos 147., n. 6 do CPPT e 112. e seguintes
CPTA.
Quanto a esta providncia cautelar h que sublinhar a sua enorme importncia no seio
do sistema judicial, na medida em que se assume como o nico meio antecipatrio ou
conservatrio com carcter urgente previsto, a favor do contribuinte, na legislao aplicvel
tributria.
Nessa medida, a concretizao deste meio como extenso daquilo que
genericamente enunciado no art. 147., n. 6 do CPPT admite, para alm da reparao de
prejuzos alcanvel com os meios tutelares normais, a possibilidade de evitao de prejuzos
futuros provocados pela previso de uma actuao ilegal, activa ou omissiva, da Administrao
Tributria.
Para obter esta tutela especial, exige-se ao requerente que invoque e faa prova da
existncia de fundado receio de uma leso irreparvel e que a mesma resulte da provvel
actuao da administrao.
Como em todas as aces cautelares, o decretamento da medida dever bastar-se com
juzos indicirios quanto existncia de fundado receio de uma leso irreparvel do prprio
requerente, alis como esclarecem a melhor doutrina e a jurisprudncia5.
5

Cons. Jorge Lopes de Sousa, CPPT Anotado, Volume 1, reas Editora, pgina1082 e ss.; Jurisp. do STA Ac.

799/2004, 1/09/2004

85

As providncias cautelares a favor do contribuinte

JORGE LOPES DE SOUSA6 admite a utilizao da tutela directa, sem necessidade de


alegao e prova do prejuzo irreparvel, atravs do regime institudo no CPTA, sempre que a
mesma resulte da procura da obteno da tutela plena e em tempo til, nos termos do artigo
96., n. 2 CPPT - normativo que determina que no mximo em dois anos o processo judicial
tributrio deva estar concludo , aplicvel se enquadrvel nos casos do art. 120. CPTA. No
mbito desta tutela antecipatria, podemos assumir os exemplos dos casos de pagamento de
tributos, com vista a obter a sua restituio provisria ou, se ultrapassado o prazo legal de
deciso, o decretamento da medida com vista a obter a suspenso da execuo sem obrigao
de prestao de garantia ou do levantamento da mesma.
E no mbito do disposto no art. 147., n. 6 do CPPT, o que devemos entender por leso
irreparvel?
Parece claro que a mesma se refere a actos ou a omisses de actos por parte da
Administrao Tributria, mas resta saber se existem restries objectivas.
E devemos incluir nesta tutela a aplicao de leis tributrias, as futuras (iminentes)
liquidaes de tributos, os actos em matria tributria?
Neste caso, qual o papel a assumir pela aco de Intimao para um Comportamento?
E os actos praticados na execuo fiscal, so abrangidos pela tutela cautelar?
Neste caso, qual o papel reservado Reclamao Judicial7?
Ou, num mbito mais genrico, como enquadrar a admissibilidade das providncias
cautelares, no nosso regime, luz do princpio solve et repete?
JORGE LOPES DE SOUSA exemplifica: sempre que ocorra a possibilidade de paralisao
da actividade comercial de uma empresa, com perda de clientela, haja dispndio de quantia
que comprometa a estrutura econmico-financeira da empresa e a sua subsistncia, ocorra a
possibilidade de sofrer danos por quem no tem outros meios de subsistncia, possa diminuir a
qualidade de vida do requerente da providncia ou a satisfao das suas necessidades
primrias, ou quando exista leso acto consumado (impossibilidade de reconstituio da
situao se no for decretada), estaremos perante casos em que a tutela cautelar pode ser
despoletada pelo visado. E estes exemplos, como se v, so transversais a toda a actividade
tributria com efeitos na vida do administrado, fora e dentro do procedimento de liquidao
6

Idem.

Prevista no art. 276. do CPPT, conferindo uma tutela abrangente em sede de execuo fiscal, de acordo

com a interpretao que o STA tem vindo a fazer quanto utilizao do meio.

86

As providncias cautelares a favor do contribuinte

de tributos e da execuo fiscal, abrangendo essencialmente actos em matria tributria


potencialmente lesivos de interesses fortes do mesmo.
Podemos chamar colao outros exemplos livres em que a tutela cautelar nos parece
fazer sentido, nomeadamente nos casos em que haja Impossibilidade de atempado registo de
situao tributria regularizada (quando efectivamente esteja) e a urgncia na obteno da
certido de inexistncia de dvidas e suas consequncias (com vista participao em
concursos, por exemplo), casos em que haja manifesta dificuldade (custos e demora) na
anulao de actos de compensao ou penhoras ilegais, com as inerentes consequncias ao
nvel da certificao da situao tributria regularizada.
Note-se que em todos os exemplos acima indicados, referimo-nos a situaes em que o
dano pela actuao ou omisso da Administrao Tributria - ainda potencial, no se deu,
embora seja muito provvel ou certo.
Por isso se justifica a tutela antecipatria em vez da tutela anulatria (obtida, por
exemplo atravs da Reclamao judicial contra os actos ilegais praticados na execuo fiscal).
E mais: mesmo nos casos em que haja omisso de comportamento, a tutela nem sempre
conseguida por via da Intimao para um Comportamento, na medida em que o mesmo no
reveste a natureza urgente e a consumao dos efeitos (negativos) da omisso podem no ser
possveis de tutelar que no pela via cautelar.
O art. 112. do CPTA, por seu turno, prev um elenco exemplificativo de medidas
cautelares que podem ser requeridas, nem todas com utilidade em matria tributria, das
quais destacamos a suspenso de eficcia de actos administrativos ou normas, as autorizaes
provisrias para a prtica de actos ou a intimao da administrao para a adopo de
condutas.
De grande importncia a norma prevista no artigo 120. do CPTA, a qual, para alm de
conferir ao julgador os estritos critrios de deciso, determina a obrigatoriedade de
cumprimento da medida decretada, pela entidade demandada, sob pena de execuo da
deciso e que adiante veremos em pormenor.

3. Tramitao e efeitos
Como vimos acima, a regra geral prev a aplicao, ao decretamento das medidas
cautelares das regras da aco de Intimao Para Um Comportamento (nos termos da remisso
prevista no art.147., n. 6 do CPPT). Esta remisso parece ter um alcance restrito porquanto
s n.s 3 e 4 daquele normativo parecem ter aplicabilidade prtica ao caso das medidas
cautelares (este ltimo parcial, pois a prova nem sempre ser apenas documental), pelo que a
necessidade de recorrer s regras (subsidirias) do CPTA evidente e natural.

87

As providncias cautelares a favor do contribuinte

Assim, a aplicao subsidiria do disposto nos artigos 112. e ss. do CPTA, por fora da
remisso genrica operada no art. 2. do CPPT, determina que ter legitimidade para
apresentar a providncia quem a tenha para interpor a aco principal (que podem ser todas as
admitidas em Processo Tributrio).
Aquando da interposio da aco, o nus de alegao do fundado receio de uma leso /
ou da violao do prazo legal de deciso do contribuinte ou o ofendido com legitimidade para
a aco principal, sendo esse pressuposto essencial para que a providncia possa ser sequer
conhecida.
A providncia interposta assume, como no podia deixar de ser, um carcter
instrumental face aco principal interposta ou a interpor, mas tem uma tramitao
autnoma (art. 113. CPTA), podendo tambm ser interposta em simultneo aco principal
(art. 114., n. 1, al. b) e c ) do CPTA).
Quanto ao pressuposto processual da competncia, dispe o artigo 114., n. 2 do CPTA
que o tribunal competente mesmo que deve julgar a causa principal, regra alis coincidente
com as dos demais ramos de direito.
O artigo 114. prev ainda, no seu n. 3, os requisitos que deve ter a petio, a saber:
a) Indicao do Tribunal;
b) Identificao do Requerente (nome, residncia/sede) e da entidade demandada,
c) Identificao dos contra-interessados que possam ser directamente prejudicados,
d) Indicao do processo de que depende/ir depender/em curso,
e) Indicao da providncia pretendida,
f)

Alegao articulada dos fundamentos e apresentao de prova sumria,

g) Fazer prova do acto ou norma em relao ao qual se pretende a providncia.


Caso os requisitos no estejam preenchidos, poder ocorrer a sanao de deficincias,
nos termos previstos no art. 114., n. 4 do CPTA, sendo concedido um prazo de cinco dias para
o efeito.
Aps a apreciao do tribunal, ocorre o despacho Liminar art. 116. CPTA de
admisso ou rejeio, podendo este ltimo ocorrer caso no tenha existido, quando ordenado,
o suprimento das deficincias do requerimento inicial, haja manifesta ilegitimidade do
Requerente ou da entidade requerida ou haja manifesta ilegalidade da pretenso, o que
implica uma apreciao material do peticionado, por parte do tribunal.
No caso de rejeio, h a possibilidade de se apresentar novo requerimento.
Segue-se a fase da citao da Entidade Demandada para contestar (10 dias) e ainda para,
ao abrigo do princpio de igualdade de armas, esta oferecer as provas que pretenda produzir

88

As providncias cautelares a favor do contribuinte

artigo 118., n. 2 do CPTA . Em caso de no contestao (no oposio), e ao contrrio do


que sucede nas aces comuns, existe uma cominao de presuno de veracidade dos factos
invocados pelo Requerente, nos termos do art. 118., n. 3 do CPTA, presuno essa que,
ainda assim, no implica o decretamento da providncia que, comos e prev no n. 5 do art.
120. do CPTA pode, ainda assim, ser rejeitada, verificados certos condicionalismos8.
A deciso da providncia, nos termos do artigo 119. CPTA proferida em cinco dias
aps a produo de prova ou do termo dos articulados, existindo a possibilidade de se
antecipar a deciso do mrito na aco principal, nos termos do art. 121. do CPTA.
Importante referir que a Doutrina tem manifestado dvidas quanto aplicabilidade ao
processo tributrio desta possibilidade de antecipao da deciso, nomeadamente quando se
tratem de actos tributrios stricto sensu, apesar da remisso global do para o CPTA indiciar o
contrrio.
Quanto deciso propriamente dita, o legislador d directivas ao julgador, indicando
que a providncia apenas deve ser decretada quando:
seja evidente a procedncia da pretenso formulada/a formular no processo principal
haja fundado receio da constituio de uma situao de facto consumado ou de difcil
reparao para os interesses que se quer assegurar/reconhecer no processo principal
com ponderao do interesse pblico e eventual exigncia de garantia pecuniria
(n.s 2 e 4)
Este normativo encontra razo de ser no carcter excepcional da tutela cautelar, ainda
mais se justificando quando, em sede de ordenamento jurdico tributrio se poder estar a
tratar de ponderaes de interesses pblicos.
Quanto aos efeitos das providncias quando decretadas, regulados no art. 128. e 131.
do CPTA, temos, por um lado, o efeito da mera apresentao do requerimento (com a citao
da Entidade Requerida), quando requerida a suspenso de eficcia. Neste caso, com a
citao, recebido o duplicado do requerimento, verifica-se o efeito suspensivo imediato
excepto em caso de apresentao, no prazo legal, de resoluo fundamentada por parte da
Entidade Requerida, com fundamento no interesse pblico, a apreciar pelo Tribunal quanto
sua pertinncia.
Em qualquer caso, quando decretada a providncia, a Administrao Tributria deve
impedir com urgncia a execuo do acto, podendo a execuo indevida ser atacada no
prprio processo por via de incidente, nos termos do n. 6 do artigo 128. do CPTA.

E para alm do escrutnio que, em qualquer caso, o julgador possa fazer quanto pertinncia da aco, nos

termos do artigo 120. do CPTA.

89

As providncias cautelares a favor do contribuinte

Ainda com relevncia, temos a figura do Decretamento Provisrio prevista no artigo


131. CPTA aplicvel nos casos especiais de tutela de direitos, liberdades e garantias que no
possam ser exercidas em tempo til. Este regime especial determina que a providncia seja
decretada em 48 horas carcter muito urgente e que a audio do interessado possa ser
feita por qualquer meio adequado / eventual audio do requerido. A deciso emanada nestes
casos no ser impugnvel9, existindo porm notificao posterior s partes para pronncia
quanto ao levantamento, manuteno ou alterao da medida, que s pode ser efectuada pelo
juiz.
Fora dos casos do Decretamento Provisrio, vemos que, nos termos do art. 122. do
CPTA, o efeito da deciso e o decretamento da providncia deve ser imediatamente cumprida
pela Administrao Tributria, podendo as medidas decretadas ser sujeitas a termo ou
condio e subsistindo as mesmas at sua caducidade10, alterao ou revogao. As mesmas
podem, ainda, ser alteradas, nos termos do disposto no artigo 124. CPTA.
Podemos, em jeito de concluso, assumir que os casos de decretamento provisrio faro
sobretudo sentido quando a procedncia a tomar seja de carcter positivo, sendo o efeito
suspensivo normal relativo aos casos em que existam providncia com a finalidade de obter a
suspenso de um acto por parte da AT.

4. Concluses
Feito o percurso normativo sobre o sistema cautelar tributrio existente, partindo da
CRP e passando pelas normas processuais aplicveis em matria tributria, legtimo
procurarmos retirar algumas concluses quanto ao sentido e alcance da tutela cautelar
tributria.
Assim, importa questionar se, quanto s matrias tributrias h espao para uma
tutela cautelar.
Quanto a este ponto, e no obstante a natural resistncia verificada por parte da
Administrao Tributria que considera aplicveis apenas os meios tutelares que
classicamente so utilizados pelos contribuintes quando se julgam ofendidos nos seus direitos,
com pouca abertura para as novas formas processuais - , julgamos que faz todo o sentido, em
circunstncias em que se assiste manifesta melhoria da eficcia na liquidao e cobrana de
tributos por parte da Administrao, que tambm os meios de defesa evoluam, se
9

Situao original no seio do direito administrativo-tributrio em que o sistema garantstico usualmente

tendente a permitir o ataque judicial de todas as decises.


10

As providncias cautelares, por natureza provisrias, caducam quando ocorra alguma das causas previstas

no art. 123. do CPTA.

90

As providncias cautelares a favor do contribuinte

transformem, se adaptem a formas mais rpidas, mais imediatas, com vista a permitir a
manuteno da tutela jurisdicional plena e efectiva a que alude o art. 268., n. 4 da CRP.
Ou seja, a evoluo dos meios disposio da Administrao Tributria no pode ser
desacompanhada - sob pena de um intolervel agravamento da desigualdade de armas entre a
mesma e os cidados -, da evoluo dos meios aos quais se faz apelo para obter a tutela contra
actos ilegais, pelo que essa no pode, obviamente, olvidar a tutela preventiva, cautelar. Por
isso, afigura-se-nos claro que esta tutela mais uma disponvel a ser utilizada pelos
contribuintes.
No cremos que haja qualquer incompatibilidade da tutela cautelar com os princpios
constitucionais da tributao, desde logo porque no se visa, com esta, evitar o pagamento de
impostos ou a ablao do principio solve et repete.
Pretende-se antes, proteger os administrados das incurses que se antecipam de ilegais,
por parte da Administrao Tributria, que composta por homens e mulheres que,
naturalmente, tambm se enganam, sendo alis, a sua eficcia, a nosso ver, verificvel at mais
em situaes de prtica de actos em matria tributria do que nos actos de liquidao.
Por outro lado, o papel do juiz ser fundamental na boa utilizao que se venha a fazer
destes meios, uma vez que a jurisprudncia a emanar permitir regular os limites e a
adequao destes processos.
O facto de existirem outros meios tutelares judiciais no afasta, a nosso ver, o espao
para a tutela cautelar, desde logo porque a aco de Intimao Para Um Comportamento no
reveste natureza urgente e, portanto, no eficaz na antecipao dos danos e a reclamao
judicial contra os catos do rgo de execuo se destina tutela pstuma, de anulao do acto
ilegal j praticado (e apenas em sede de execuo fiscal). Cremos, portanto, haver um amplo
espao para estas medidas, no ocupado por outros meios cautelares.
Por fim, uma referncia ao facto de ser positiva a comunho de procedimentos entre o
direito tributrio e o administrativo, operada pela remisso que o CPPT faz para o CPTA.
O CPTA um diploma moderno e estruturado, pelo que o regime legal nos parece
escorreito e complexivo, conferindo o acesso tutela jurisdicional efectiva em matria
tributria.
Caber aos tribunais garantir a boa aplicao das regras, em prol da justia.
*****
SERENA CABRITA NETO

91

As providncias cautelares a favor do contribuinte

Problemas de visualizao

92

Algumas questes sobre o recurso das


decises de aplicao de coima fiscal

[Irene Isabel das Neves]

Algumas questes sobre o recurso das decises de aplicao de coima fiscal

Algumas questes sobre o recurso das decises de


aplicao de coima fiscal
Irene Isabel das Neves

Breve sntese introdutria


O Regime Geral das Infraces Tributrias (RGIT) foi aprovado pela Lei n. 15/2001, de
5 de Junho e entrou em vigor no dia 5 de Julho de 2001. Antes deste regime jurdico das
infraces tributrias existiam regimes jurdicos autnomos para as infraces fiscais, para as
infraces aduaneiras e infraces aos regimes contributivos e das prestaes relativas ao
sistema de segurana social, estas ltimas atravs de diplomas avulso e autnomos.
O legislador do RGIT teve o propsito de unificar e uniformizar estes trs regimes
jurdicos, porm, tal desiderato no foi possvel obter na totalidade, sendo que as infraces
tipificadas como contra-ordenaes aos regimes contributivos e s prestaes relativas
segurana social, mantm a sua previso, punio e processamento em regimes jurdicos
autnomos e especficos da segurana social, sendo que a sua definio e princpios gerais
constam das normas insertas nos artigos 221. a 246. do Cdigo Contributivo, aprovado pela
Lei n. 110/2009, de 16 de Setembro, a disciplina jurdica relativa ao processo e procedimento
das contra-ordenaes segurana social, encontra-se prevista nos artigos 247. e 248. do
Cdigo Contributivo e regime processual aprovado pelo Decreto-Lei n. 107/2009, de 14 de
Setembro.
No entanto, o RGIT no um diploma auto-suficiente e o legislador no seu artigo 4.
definiu qual o direito subsidirio aplicvel. Assim, aplica-se em funo da natureza da infraco
fiscal o seguinte direito complementar:
a) Aos crimes e seu processamento aplica-se o Cdigo Penal (CP) e o Cdigo de
Processo Penal (CPP);
b) s contra-ordenaes e seu processamento aplica-se o regime geral do ilcito de
mera ordenao social, aprovado pelo Decreto-Lei n. 433/82, de 27 de Outubro
(RGCO).
A aplicao do R.G.I.T. abrange as infraces de normas reguladoras das prestaes
tributrias, definidas pelo seu artigo 11., alnea a), como as prestaes pecunirias relativas a

95

Algumas questes sobre o recurso das decises de aplicao de coima fiscal

tributos, mas tambm a infraco generalidade das normas sobre regimes aduaneiros e
fiscais, como as que prevem o cumprimento de obrigaes acessrias.
Nesta conformidade, no RGIT esto previstas as infraces para punir a violao das
normas reguladoras das matrias seguintes:
a) Das prestaes tributrias;
b) Dos regimes aduaneiros e fiscais;
c) Dos benefcios fiscais e franquias aduaneiras;
d) Das contribuies e prestaes relativas ao sistema de solidariedade e segurana
social, quando um ilcito constitua uma infraco de natureza criminal.
O legislador do RGIT fixou no artigo 2. deste diploma legal o conceito de infrao
tributria. Nestes termos, constitui infrao tributria o facto tpico, ilcito e culposo declarado
punvel por lei tributria anterior. Este conceito de infrao tributria obedece aos princpios
gerais aplicveis ao direito penal e que, nos termos da Constituio da Repblica Portuguesa
(CRP), assumem a categoria de direitos fundamentais de um Estado de direito.
As contra-ordenaes so, pois, um facto tpico, ilcito e culposo declarado punvel por
lei tributria anterior, cujos elementos constitutivos esto conexos com obrigaes fiscais cuja
no observncia susceptvel de menor censura, pelo que o legislador decidiu proceder sua
qualificao no quadro dos princpios aplicveis aos ilcitos de mera ordenao social e, apenas,
punir este tipo de infraco fiscal com uma coima e, eventualmente, com sanes acessrias se
a contra-ordenao tiver gravidade acrescida. Ao contrrio do crime fiscal cujo tipo legal
apenas estar preenchido se a conduta do infractor for dolosa, a contra-ordenao fiscal pode
ser praticada atravs de um comportamento doloso ou de uma conduta meramente
negligente.
De entre as situaes que integram infraces tributrias temos, sem prejuzo de
demais situaes tipificadas em legislao avulsa e outras, a:
Recusa de entrega, exibio ou apresentao de escrita e de documentos
fiscalmente relevantes [artigo 113. do RGIT];
Falta de entrega da prestao tributria [artigo 114. do RGIT];
Violao de segredo fiscal [artigo 115. do RGIT];
Falta ou atraso de declaraes [artigo 116. do RGIT];
Falta ou atraso na apresentao ou exibio de documentos ou de declaraes
[artigo 117. do RGIT];

96

Algumas questes sobre o recurso das decises de aplicao de coima fiscal

Falsificao, viciao e alterao de documentos fiscalmente relevantes [artigo


118. do RGIT];
Omisses e inexactides nas declaraes ou em outros documentos fiscalmente
relevantes [artigo 119. do RGIT];
Omisses ou inexactides nos pedidos de informao vinculativa [artigo 119.-A do
RGIT];
Inexistncia de contabilidade ou de livros fiscalmente relevantes [artigo 120. do
RGIT];
No organizao da contabilidade de harmonia com as regras de normalizao
contabilstica e atrasos na sua execuo [artigo 121. do RGIT];
Falta de apresentao, antes da respectiva utilizao, dos livros de escriturao
[artigo 122. do RGIT];
Violao do dever de emitir ou exigir recibos ou facturas [artigo 123. do RGIT];
Falta de designao de representantes [artigo 124. do RGIT];
Pagamento indevido de rendimentos [artigo 125. do RGIT];
Pagamento ou colocao disposio de rendimentos ou ganhos conferidos por ou
associados a valor mobilirios [artigo 125.-A do RGIT];
Inexistncia de prova da apresentao da declarao de aquisio e alienao de
aes e outros valores mobilirios ou da interveno de entidades relevantes [artigo
125.-B do RGIT];
Transferncia para o estrangeiro de rendimentos sujeitos a tributao [artigo 126.
do RGIT];
Impresso de documentos por tipografias no autorizadas [artigo 127. do RGIT];
Falsidade informtica e software certificado [artigo 128. do RGIT];
Violao da obrigao de possuir e movimentar contas bancrias [artigo 129. do
RGIT].
O processo de contra-ordenao tem por objecto o processamento das infraces que
no tenham natureza criminal, o qual feito de acordo com a regulamentao constante das
normas jurdicas insertas nos artigos 51. a 86. do RGIT e aplicao subsidiria do regime geral
do ilcito de mera ordenao social, ou seja a Lei quadro das contra-ordenaes, aprovada pelo
Decreto-Lei n. 433/82, de 27 de Outubro.
O processo de contra-ordenao compreende uma fase administrativa e uma fase
judicial, sendo que esta ltima apenas existe caso o infractor interponha recurso da deciso
que aplicou a coima.

97

Algumas questes sobre o recurso das decises de aplicao de coima fiscal

A deciso de aplicao da coima proferida no processo de contra-ordenao pelo


chefe do Servio de Finanas ou pelo Director de Finanas com jurisdio sobre o servio
tributrio da rea onde teve lugar a prtica da infraco.
A autoridade administrativa competente para graduar a coima determinada em
funo do tipo legal de contra-ordenao praticada e, nalguns casos, este requisito legal
acrescido do valor da prestao tributria em falta.
O despacho de aplicao da coima consubstancia um acto determinante na marcha do
processo de contra-ordenao, cujos requisitos esto rigorosamente explanados no n. 1 do
artigo 79 do RGIT.
Se a autoridade administrativa que aplicar a coima no tiver o cuidado de observar
rigorosa e plenamente aqueles requisitos pode estar a concorrer para que se verifique uma
nulidade insuprvel no processo de contra-ordenao alnea d) do n. 1 do artigo 63. do
RGIT.
A deciso que aplica a coima deve conter (art. 79, n. 1 do RGIT):
a) A identificao do infractor e eventuais comparticipantes;
b) A descrio sumria dos factos e indicao das normas violadas e punitivas;
c) A coima e sanes acessrias, com indicao dos elementos que contriburam para
a sua fixao;
d) A indicao de que vigora o princpio da proibio da reformatio in pejus, sem
prejuzo da possibilidade de agravamento da coima, sempre que a situao
econmica e financeira do infractor tiver entretanto melhorado de forma sensvel;
e) A indicao do destino das mercadorias apreendidas;
f)

A condenao em custas.

A notificao do arguido tem de ser efectuada nos termos previstos no n. 2 do artigo


79 do RGIT, a qual deve incluir os termos da deciso e a advertncia expressa de que, no prazo
de vinte dias a contar da notificao, deve ser efectuado o pagamento da coima e das custas
processuais ou, em alternativa, ser interposto recurso para o tribunal tributrio de 1. instncia
da deciso que aplica a coima, sob pena do servio tributrio proceder cobrana coerciva.
Em face da norma do n. 2 do artigo 70 do RGIT que determina que, s notificaes
no processo de contra-ordenao aplicam-se as disposies correspondentes do CPPT.
Tratando-se de matria sancionatria, fazem-se sentir aqui particularmente as
exigncias do art. 268, n 3, da CRP.

98

Algumas questes sobre o recurso das decises de aplicao de coima fiscal

No que respeita s exigncias de notificao em matria de coimas, o Supremo


Tribunal Administrativo, tem firmado posio no sentido de que as notificaes das decises
cominatrias de coimas no se inserem no mbito do estatudo no n 1 do art. 38 do CPPT,
razo por que no carecem de ser realizadas por via postal sob AR (Ver, por todos, PAULO
MARQUES, Infraces Tributrias, Ministrio das Finanas e da Administrao Pblica,
Direco-Geral dos Impostos - Centro de Formao, Lisboa, 2007, vol. II, pp. 88 ss., e JORGE
LOPES DE SOUSA/SIMAS SANTOS, Regime Geral das Infraces Tributrias, 4 ed., reas
Editora, Lisboa, 2010, pp. 477 ss.).
Constitui jurisprudncia daquele Tribunal, pelo menos no que se refere aos
particulares, que a presuno do n 2 do art. 39 do CPPT no se aplica caso a notificao
tenha sido devolvida, quer na situao de carta registada (cfr. acs de 1872/87, rec. n 004015,
de 2/6/99, rec 022529, e, mais recentemente, acs. de 6/5/2009, rec n 270/09 e de 13/4/2011,
rec. n 0546/10), quer na situao de carta registada com aviso de recepo, devolvida sem
assinatura deste e sem nada se dizer a respeito de no ter sido reclamada ou levantada (cfr.
acs. de 2175/2008, rec n 01031/07 e de 877/2009, rec n 0460/09).
Neste sentido, tem consignado o Supremo de que No contendo o artigo 39 uma
resposta directa questo dos efeitos decorrentes da devoluo da carta registada simples,
numa interpretao da norma em conformidade com a garantia constitucional da notificao
(cfr. art. 268, n 3, da CRP), defende-se, que se deve aplicar o regime que est previsto para a
forma de notificao com aviso de recepo, de que resulta a imposio de uma segunda carta
registada e a faculdade da invocao do justo impedimento

(no mesmo sentido, cfr. o

Acrdo do STA, de 31/1/2012, proc n 0929/2011).

Acrdo do STA de 18.06.2013, in processo n. 0595/13

Descritores: COIMA; NOTIFICAO POR CARTA REGISTADA; DEVOLUO DE CARTA REGISTADA


Sumrio: As notificaes das decises cominatrias de coimas no se inserem no mbito do estatudo no n
1 do art. 38 do CPPT, razo por que no carecem de ser realizadas por via postal sob AR, no entanto,
constitui jurisprudncia deste Supremo Tribunal que a presuno do n 2 do art. 39 do CPPT no se aplica
caso a notificao tenha sido devolvida, quer na situao de carta registada quer na situao de carta
registada com aviso de recepo.
que no contendo o artigo 39 do CPPT uma resposta directa questo dos efeitos decorrentes da
devoluo da carta registada simples, numa interpretao da norma em conformidade com a garantia
constitucional da notificao (cfr. art. 268, n 3, da CRP), defende-se, que se deve aplicar o regime que est
previsto para a forma de notificao com aviso de recepo, de que resulta a imposio de uma segunda
carta registada, nos termos do estatudo no art. 39, ns 5 e 6, do CPPT.

99

Algumas questes sobre o recurso das decises de aplicao de coima fiscal

Fase judicial do processo de contra-ordenao


Recapitulando, esto sujeitas a processo de contra-ordenao as infraes fiscais sem
natureza criminal.
Decorrida a fase administrativa que culmina com a deciso de aplicao de coima
[sendo que a mesma pode culminar com o arquivamento do processo com base em causa de
extino ou prescrio do procedimento por contra-ordenao ou dispensa da coima] o
processo de contra-ordenao alcana a fase judicial se o arguido interpuser recurso da deciso
de aplicao da coima e/ou da sano acessria.
Poder-se-, ento, sublinhar que a fase judicial do processo de contra-ordenao
uma fase facultativa, ou seja, que apenas ocorrer se o arguido interpuser recurso judicial da
deciso de aplicao da coima, nos termos previstos no artigo 80. do RGIT e, ainda assim, o
processo apenas subir ao tribunal tributrio se a autoridade que aplicou a coima e,
eventualmente, a sano acessria, no revogar a deciso.
No obstante a interposio de recurso, se na sequncia deste a deciso for revogada,
nos termos do n. 3 do artigo 80. do RGIT, o processo no remetido ao tribunal tributrio.

O recurso da deciso de aplicao das coimas


Como vimos, a deciso de aplicao da coima, nos termos do n. 2 do artigo 79. do
RGIT, tem de ser notificada ao arguido, devendo constar desta a indicao da possibilidade de
recorrer judicialmente da mesma. tambm a notificao que indica ao interessado o prazo e
a autoridade a quem dever ser dirigido o recurso judicial.
A norma do n. 1 do artigo 80. do RGIT prescreve que as decises de aplicao das
coimas e sanes acessrias podem ser objecto de recurso para o tribunal tributrio de 1
instncia, no prazo de 20 dias a contar da notificao da deciso.
O recurso tem de ser apresentado no Servio de Finanas onde tiver sido instaurado o
processo de contra-ordenao artigo 67. do RGIT, podendo ser remetido para o referido
servio por via postal sob registo, valendo, neste caso, como dia de apresentao do recurso o
dia de realizao do registo.
As decises de aplicao das coimas e sanes acessrias podem ser objecto de recurso
para o tribunal tributrio de 1. Instncia, salvo no caso em que a contra-ordenao julgada
em 1 instncia pelo tribunal comum artigo 53. do RGIT.
Nos termos da al. b) do n. 1 do art. 49. do ETAF Estatuto dos Tribunais
Administrativos e Fiscais, aprovado pela Lei n. 13/2002, de 19 de Fevereiro, alterada pela Lei
n. 4-A/2003, de 19 de Fevereiro, e pela Lei n. 107-D/2003, de 31 de Dezembro compete aos

100

Algumas questes sobre o recurso das decises de aplicao de coima fiscal

tribunais tributrios conhecer das impugnaes de decises de aplicao de coimas e sanes


acessrias em matria fiscal.
Em face da norma do n. 2 do artigo 80. do RGIT, o recurso dirigido ao juiz do
tribunal tributrio da rea do Servio Finanas onde o processo de contra-ordenao tenha
sido instaurado artigo 5. e al. b) do n. 1 do artigo 67. do RGIT e n. 1 do artigo 61. do
RGCO.
O recurso da deciso de aplicao de coimas e sanes acessrias no constitui um
processo autnomo, na medida em que a petio de recurso integrada no prprio processo
de contra-ordenao. Na Lei Geral Tributria, o legislador fixou a natureza jurdica deste
recurso ao considerar que se trata de um meio processual tributrio judicial al. c) do artigo
101. da LGT.
A fase judicial do processo de contra-ordenao fiscal encontra-se regulada nos artigos
80. a 86. do RGIT, sendo necessrio aplicar subsidiariamente o regime geral do ilcito de mera
ordenao social al. b) do artigo 3. do RGIT.

Da legitimidade
A legitimidade para recorrer da deciso de aplicao de coima e de sanes acessrias
do infractor, directamente, ou atravs do seu defensor.
O RGCO no estabelece a necessidade de constituio de advogado para proceder
interposio de recurso da deciso de aplicao das coimas e sanes acessrias.
Em relao ao processo de contra-ordenao fiscal, e dado que o legislador da LGT
caracterizou o recurso, no prprio processo, como processo judicial tributrio, dever-se-o
considerar aplicveis as normas do artigo 6. do CPPT relativas constituio de mandato
judicial, sendo obrigatria a constituio de advogado nas causas judiciais cujo valor exceda o
dcuplo da alada do tribunal tributrio de 1. instncia, bem como nos processos da
competncia do Tribunal Central Administrativo e do Supremo Tribunal Administrativo.
Como se disse, decorre do disposto no artigo 59., n. 2, do RGCO, que o recurso de
impugnao poder ser interposto pelo arguido/infractor ou pelo seu defensor,
consequentemente s o arguido no processo contra-ordenacional ter legitimidade para
interpor recurso das decises de aplicao da coima.
Trata-se de uma norma de carcter especial, que afasta a aplicao subsidiria de
outras normas, nomeadamente do artigo 401., n. 1, alnea d), do CPP, segundo o qual tm
legitimidade para recorrer aqueles que tiverem sido condenados ao pagamento de quaisquer
importncias ou tiverem a defender um direito afectado pela deciso.

101

Algumas questes sobre o recurso das decises de aplicao de coima fiscal

Poderia contrapor-se que tamanha restrio do direito de defesa seria inconstitucional


por violao das garantias de acesso ao direito a uma tutela jurisdicional efectiva (artigos 20.,
32., n. 10 e 268., n. 4 da CRP). Seria uma questo que se poderia colocar com maior
acuidade num caso de reverso contra o responsvel subsidirio da dvida emergente de uma
coima.
Tem-se entendido, no entanto, que o responsvel subsidirio dispe no prprio
processo de execuo fiscal de meios processuais adequados defesa dos seus interesses, em
especial oposio execuo fiscal, onde poder questionar a legalidade da reverso dessa
dvida.
Na verdade, o revertido no tem, em princpio, interesse em questionar a legalidade da
dvida seno na medida em que possa ser por ela responsabilizado no mbito da execuo
fiscal.
S tem interesse em contradizer a deciso de reverso. O seu objectivo que nunca
venha a ser obrigado a pagar aquela quantia, pelo que a sua tutela judicial se basta, em
princpio, com os meios adequados para obter a deciso de extino na parte em que contra si
reverteu.
Neste sentido se pronunciou j o STA Acrdo de 2008.05.28, proc. n. 01052/07,
disponvel in www.dgsi.pt., de que: em processo de contra-ordenao a garantia
constitucional do direito de audincia e de defesa apenas assegurada ao arguido, sendo que o
responsvel subsidirio, uma vez revertida a execuo, por coima decorrente de infraco
tributria, sempre poder deduzir oposio execuo fiscal e, em tal sede, questionar a
constitucionalidade das prprias normas que prevem a responsabilidade subsidiria dos
administradores, gerentes ou outras pessoas, em relao ao pagamento de coimas aplicadas
sociedade2.
Fica em aberto a possibilidade de o revertido questionar em ltima anlise a
legalidade da dvida exequenda na prpria execuo fiscal, ao abrigo da alnea h) do n. 1 do
artigo 204. do C.P.P.T. A ser correcto este entendimento, ser oportuna a seguinte
especificao: o revertido no pode seno pedir a extino da execuo fiscal (e no a
revogao da deciso impugnada, que se manter, quanto ao devedor principal), no fazendo a
eventual deciso favorvel caso julgado fora do processo respectivo.

Ver ainda, Acrdo do STA de 06.03.2008, in recurso n. 01056/07 , em cujo sumrio de pode ler Em

processo de contra-ordenao fiscal, o gerente executado por reverso no tem legitimidade para, por si,
interpor recurso judicial da deciso de aplicao de coima sociedade executada originria.

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Algumas questes sobre o recurso das decises de aplicao de coima fiscal

Nos termos do disposto no artigo 7., n. 4, do RGIT, a responsabilidade contraordenacional das pessoas colectivas e outras entidades fiscalmente equiparadas exclui a
responsabilidade individual dos seus agentes. Mas pode haver situaes em que sejam
notificadas da aplicao da coima pessoas singulares na qualidade de representantes de
pessoas colectivas, levando os representantes a deduzir que esto a ser pessoalmente
responsabilizados pela contra-ordenao e impelindo-os a recorrer em nome individual.
Nestes casos, justifica-se que se convide o recorrente a vir aos autos esclarecer se
realmente pretende intervir em nome individual, depois de se confirmar, se necessrio, que
quem foi responsabilizado foi a pessoa colectiva.
Mais adiante retomaremos esta questo da ilegitimidade sim ou no fundamento de
rejeio do recurso a propsito do art. 63 do RGCO.

Da forma
O recurso feito atravs de petio escrita e apresentado autoridade
administrativa que aplicou a coima o recurso sempre apresentado no Servio de Finanas
local ainda que a coima tenha sido fixada pelo Director de Finanas e deve conter as
alegaes e a indicao dos meios de prova a produzir no tribunal tributrio. O n. 2 do artigo
80. do RGIT no refere a necessidade das alegaes inclurem concluses, porm, deve ser
aplicada subsidiariamente a norma do n.3, in fine, do artigo 59. do RGCO, da qual resulta a
necessidade do recurso integrar as alegaes e as concluses.
Do confronto entre estas duas normas decorre, que o regime geral mais formalista do
que o regime contra-ordenacional tributrio, visto que aquele no exige concluses.
No entanto, o STA [ainda na vigncia da dualidade de regimes infraces fiscais
aduaneiras e no aduaneiras] havia emanado jurisprudncia uniforme no sentido de que a
alegao do recurso judicial em processo de contra ordenaes fiscais no aduaneiras devia
conter concluses. Desfecho que assenta fundamentalmente num argumento de identidade de
razo: a regra em todos os processos de impugnao judicial de decises administrativas
obrigatria a apresentao de concluses. Este entendimento foi firmado ainda na vigncia do
CPT e apenas relativamente s infraces fiscais no aduaneiras, mas transponvel com os
mesmos fundamentos para o RGIT e, por isso, extensvel s infraces fiscais aduaneiras.
Sobre o contedo das concluses rege subsidiariamente o artigo 412. do CPP, do qual
decorre que as mesmas devem ser deduzidas por artigos, em que o recorrente resume as
razes do pedido.
Versando matria de direito, as concluses indicam ainda as normas jurdicas violadas,
o sentido em que, no entendimento do recorrente, o tribunal recorrido interpretou cada

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Algumas questes sobre o recurso das decises de aplicao de coima fiscal

norma e o sentido em que ela deveria ter sido interpretada ou aplicada e, em caso de erro na
determinao da norma aplicvel, a norma jurdica que, no entendimento do recorrente,
deveria ter sido aplicada.
Versando matria de facto, o recorrente deve especificar os concretos pontos de facto
que considera incorrectamente julgados, as concretas provas que impem deciso diversa da
recorrida e as provas que devem ser renovadas (se for o caso).
O Tribunal Constitucional declarou a inconstitucionalidade, com fora obrigatria geral,
da norma que resulta das disposies conjugadas constantes do n.. 3 do artigo 59. e do n. 1
do artigo 63., ambos do Decreto-Lei n. 433/82, de 27.10, na medida em que eram
interpretadas, no sentido de que a falta de formulao de concluses na motivao do recurso
implicaria a sua rejeio, sem que o recorrente seja previamente convidado a efectuar tal
formulao.
Por isso, se o recurso no tiver as concluses ou estas no estiverem formuladas nos
termos sobreditos, o tribunal deve convidar o recorrente a apresent-las, complet-las ou
esclarec-las, em 10 dias, sob cominao de o recurso ser rejeitado artigos 105., n. 1, e
417., n. 3, alnea c), ambos do CPP3.
Sem prejuzo de na fase administrativa, apresentada a petio de recurso pelo arguido,
se AT verificar que o mesmo padece de alguma insuficincia ou irregularidade, convidar o
recorrente a suprir as respectivas faltas, conforme prescrito no artigo 76. do Cdigo de
Procedimento Administrativo.

Prazo
A norma do n. 1 do artigo 80. do RGIT prev um prazo de 20 dias para apresentao
do recurso judicial da deciso de aplicao da coima, prazo que est harmonizado com o
previsto no n. 3 do artigo 59. do RGCO. O prazo para interposio do recurso, por fora do
preceituado na al. b) do artigo 3. do RGIT, conta-se nos termos previstos no artigo 60. do
RGCO. Assim, o prazo de 20 dias para interposio do recurso do artigo 80. do RGIT,
suspende-se aos sbados, domingos e feriados e sempre que o termo do prazo caa em dia
durante o qual no for possvel a apresentao do recurso, transfere-se a mesma para o
primeiro dia til seguinte.
3

Nos casos em que o recurso verse cumulativamente matria de facto e de direito, dever aplicar-se

apenas a sano correspondente falta respectiva, isto , rejeitar o recurso apenas quanto a matria de
direito, conhecendo do seu objecto relativamente a matria de facto, ou vice versa, se a falta ou deficincia
se verifica apenas quanto a uma delas [JORGE LOPES DE SOUSA e MANUEL SIMAS SANTOS, in Regime
Geral das Infraces Tributrias Anotado, 2008, reas Editora, pg. 545.]

104

Algumas questes sobre o recurso das decises de aplicao de coima fiscal

O termo inicial deste prazo ocorre com a notificao da deciso ao arguido (ou ao seu
representante legal, quando este exista artigo 47. do RGCO). o que resulta do n. 1 do
artigo 80. do RGIT, ao mencionar aps a sua notificao.
, contudo, diferente a redaco do artigo 59., n. 3, do RGCO, que menciona aps
o seu conhecimento. O que levanta a questo de saber se, no tendo o acto sido devidamente
notificado ao arguido ou ao seu defensor, o prazo de recurso no comea a correr ainda que se
demonstre que dele teve integral conhecimento.
A resposta negativa. Fundamentalmente porque a falta de notificao ou dos
requisitos que integram a notificao (a que alude o artigo 79., n. 2, do RGIT) integra o rol
das nulidades insuprveis do processo de contra-ordenao tributrio a no seu artigo 63., n.
1, alnea d) se expressa: incluindo a notificao do arguido.
A consequncia mais directa da incluso dos vcios da notificao no rol das nulidades
insuprveis a impossibilidade de sanao dessas nulidades pelo decurso do tempo e por
qualquer forma distinta da realizao ou repetio (integral) do acto de notificao.
O conhecimento do contedo da notificao pode alargar os direitos do arguido,
permitindo-lhe a impugnao da deciso a notificar sem aguardar pela recepo desta. Mas
no pode restringir esses direitos, precludindo o direito prpria notificao4.
Concluindo, o conhecimento do contedo do acto pelo arguido no dispensa a
obrigao da sua notificao nem dispensa o tribunal de conhecer oficiosamente da sua falta,
se os autos a evidenciarem.
Em matria de prazos, chamava aqui ateno para dois acrdos do STA.
Um de 21.09.2011, in proc. n. 0381/11 e outro, do recente dia 28.05.2014, in processo
n. 311/14, em que se consolida o sentido de que:
Sendo certo que, o facto de o requerimento de interposio de recurso judicial da
deciso de aplicao da coima em processo de contra-ordenao tributria dever ser
apresentado no servio de finanas, no obsta a que se considere acto a praticar em juzo, pois,
para esse efeito, o servio de finanas funciona como receptculo do requerimento, que
dirigido ao tribunal tributrio.

Alis, mesmo no mbito do citado artigo 59., n. 3, do RGCO se tem entendido que a referncia ao

conhecimento da deciso condenatria pelo interessado e no especificamente sua notificao, tem o


alcance de no permitir que o prazo de impugnao se inicie sem se comprovar tal conhecimento,
afastando, assim, a possibilidade de notificao edital como facto determinante do incio do prazo de
impugnao [MANUEL SIMAS SANTOS e JORGE LOPES DE SOUSA, in Contra-Ordenaes Anotaes ao
Regime Geral, 2001, Vislis, pg. 332.]

105

Algumas questes sobre o recurso das decises de aplicao de coima fiscal

A contagem daquele prazo de vinte dias trata-se de um prazo de caducidade de


natureza substantiva- aps a notificao da deciso administrativa de aplicao da coima, de
que o arguido dispe para interpor recurso, cfr. art. 80., n., 1 do RGIT, faz-se nos termos do
artigo 60. do RGCO (ex vi da alnea b) do art. 3. do RGIT), donde resulta que o prazo se
suspende aos sbados, domingos e feriados.
Contudo, se esse prazo terminar em frias judiciais, transfere-se para o primeiro dia til
seguinte, por fora do preceituado no art. 279., alnea e), do CC, cfr. acrdo deste Supremo
Tribunal, datado de 21/09/2011, recurso n. 0318/11.

Competncia do Tribunal
O Tribunal materialmente competente para conhecer dos recursos das decises de
aplicao da coima tomadas pela AT (e por conseguinte, relativas a infraces tributrias) o
tribunal tributrio de 1. Instncia artigo 53. do RGIT.
S assim no ser quando a contra-ordenao julgada em primeira instncia pelo
tribunal comum, o que suceder quando exista concurso ideal ou real de crime e contraordenao.
O Tribunal territorialmente competente para conhecer dos recursos das decises de
aplicao da coima tomadas pela AT o tribunal tributrio de 1. instncia da rea do
servio tributrio (n. 2 do artigo 80.) onde tiver sido instaurado o processo de contra
ordenao (n. 1 do mesmo artigo).
Este artigo, tem particular importncia, nos casos em que o conhecimento da contraordenao compete a outras entidades que no o dirigente do servio tributrio onde o
processo foi instaurado. O que acontecer em geral quando esteja em causa a aplicao de
sanes acessrias artigo 52. do RGIT.
o que sucede, nomeadamente, com a recusa dolosa de entrega, exibio ou
apresentao da escrita ou de documentos fiscalmente relevantes a que alude o artigo 113.
do RGIT, trata-se de uma contra-ordenao grave, visto que punvel com coima de valor
mximo superior a 3.750 (cfr. artigo 23., n.s 3 e 4, do RGIT), pelo que lhe so aplicveis as
sanes acessrias a que alude o artigo 28. do mesmo Cdigo.
Nos termos do artigo 67., n. 1, do RGIT, o processo de contra-ordenao ser
instaurado no servio tributrio da rea onde tiver sido cometida a contra-ordenao. Sendo
que as infraces tributrias se consideram praticadas no lugar em que, total ou parcialmente,
e sob qualquer forma de comparticipao:
a) o agente actuou;
b) o agente devia ter actuado (no caso de omisso);

106

Algumas questes sobre o recurso das decises de aplicao de coima fiscal

c)

o resultado tpico se produziu.

Assim, e em princpio, a infraco considera-se praticada no lugar em que foi executada


(teoria da aco) ou em que o resultado foi produzido (teoria do efeito), consoante se esteja
perante infraces de actividade (em que o facto tpico se consuma com a prtica do facto,
independentemente de o respectivo resultado ter sido atingido) ou de infraces de resultado
(em que o facto tpico apenas se consuma com a verificao do resultado que a norma
pretende impedir).
No entanto, em caso de concurso de contra-ordenaes (em que uma mesma pessoa
pratica diversas contra-ordenaes) comparticipao ou co-autoria (em que diversos agentes
praticam a mesma contra-ordenao), nem sempre poder ser aplicada a regra anterior, pelo
que ser ento competente o servio tributrio a quem incumba praticar qualquer delas,
atribuindo-se prioridade (em caso de conflito de competncias) basicamente a quem tiver
actuado em primeiro lugar artigos 36. e 37. do RGCO.
A competncia do tribunal tributrio para conhecer do recurso previsto no artigo 80.
do RGIT, decorre do preceito da al. b) do n. 1 do artigo 49. do ETAF Estatuto dos Tribunais
Administrativos e Fiscais, aprovado pela Lei n. 13/2002, de 19 de Fevereiro, alterada pela Lei
n. 4-A/2003, de 19 de Fevereiro e pela Lei n. 107-D/2003, de 31 de Dezembro.

Custas
Nos tribunais tributrios, a notificao para pagamento das custas realiza-se
conjuntamente com a notificao da deciso se esta for proferida atravs de despacho, nos
termos do artigo 64. do RGCO, ou conjuntamente com a notificao da sentena.
A taxa de justia devida pela impugnao das decises de autoridades administrativas
no mbito de processos contra-ordenacionais est prevista no n. 7 do art. 8. do RCP e o seu
procedimento no n. 8 e art. 13. da portaria n. 419-A/2009, 17/4.
Assim:
A taxa de justia devida pela impugnao das decises de autoridades administrativas
de uma unidade de conta e auto liquidada nos dez dias subsequentes
1. Notificao ao arguido da data de marcao da audincia de julgamento, ou
2. Do despacho que a no considere necessria, a secretaria deve expressamente
indicar ao arguido o prazo e os modos de pagamento da taxa de justia, juntando o respectivo
documento nico de cobrana.

107

Algumas questes sobre o recurso das decises de aplicao de coima fiscal

A introduo dos autos em juzo


Competncia Funcional do M.P.
O recurso judicial da deciso de aplicao da coima previsto no artigo 80. do RGIT
incorporado no prprio processo de contra-ordenao em que foi proferida a deciso.
Sempre que a autoridade recorrida no proceda revogao da deciso, conforme
preceituado no n. 3 do artigo 80. do RGIT, os autos tm de ser remetidos ao tribunal
tributrio de 1. instncia competente no prazo de 30 dias n. 1 do artigo 81. do RGIT.
A aferio do papel do Ministrio Pblico no processo contra-ordenacional tributrio
suscita algumas dificuldades interpretativas.
O RGIT s lhe atribui expressamente o dever de estar presente na audincia de
julgamento e o poder de recorrer da deciso do tribunal tributrio de primeira instncia seus
artigos 82., n. 1, e 83., n. 1.
O RGCO, porm, atribui-lhe tambm o poder de apresentar o recurso ao juiz (valendo
este acto como acusao) e retirar a acusao, a todo o tempo e at prolao da sentena em
primeira instncia, bem como promover a prova de todos os factos relevantes para a deciso
seus artigos 62., n. 1, 65.-A, e 72..
Mais, dispe o artigo 62. do RGCO que, recebido o recurso, e no prazo de 5 dias, deve
a autoridade administrativa enviar os autos ao Ministrio Pblico, que os tornar presentes ao
juiz, valendo este acto como acusao.
Esta ltima expresso indica que se pretende assegurar que quem introduz o processo
em juzo o M.P., no com o carcter do princpio do acusatrio que decorre do Direito penal,
mas sim com o papel de representao do Estado no seu carcter oficioso.
Ou seja, temos que o prprio arguido a solicitar um julgamento judicial dos factos
que lhe so imputados a ttulo de ilcito contra-ordenacional, e atesta o legislador, que o
impulso da sua apresentao, reveste questo do interesse pblico que justifica a interveno
do Estado atravs do seu rgo especializado, o Ministrio Pblico.
Interveno essa, no mbito do princpio da oficialidade, do qual decorre que a
iniciativa das diligncias que visam investigar a existncia de um ilcito, determinar os seus
agentes e a sua responsabilidade, descobrir e recolher as provas e introduzir o feito em juzo
deve caber a uma entidade pblica. E a uma entidade pblica que no seja a entidade
administrativa titular dos interesses que a lei quis proteger com a incriminao.
o Ministrio Pblico quem introduz os autos em juzo.

108

Algumas questes sobre o recurso das decises de aplicao de coima fiscal

O Representante da Fazenda Pblica notificado para os efeitos previstos no n. 2 do


artigo 81. do RGIT, podendo, se o entender conveniente, oferecer qualquer prova
complementar, arrolar testemunhas, quando ainda o no tenham sido, ou indicar quaisquer
outros elementos ao dispor da Administrao Fiscal que repute conveniente para a prova dos
factos.
A apresentao dos autos pelo Ministrio Pblico ao juiz tem o valor jurdico de
deduo de acusao - n. 1 do artigo 62. do RGCO.
No mbito do processo de contra-ordenao, as actividades do Representante da
Fazenda Pblica representante dos interesses da Administrao Tributria nos tribunais
tributrios, artigo 15. do CPPT e artigo 54. do ETAF tm apenas uma funo complementar
quanto instruo dos autos, podendo, no entanto, revelar-se determinante quanto prova
dos factos. Para cabal e adequada defesa dos interesses da Administrao Tributria, o
Representante da Fazenda Pblica pode participar na audincia de discusso e julgamento
n. 2 do artigo 82. do RGIT.

A produo de prova
Quanto produo da prova o RGIT nada prev, pelo que urge aplicar os normativos
do regime do ilcito de mera ordenao social por fora da al. b) do art. 3. do RGIT. A prova
tem de ser produzida em tribunal. Quanto prova a produzir pela Administrao Tributria, e
sem prejuzo da actividade complementar do Representante da Fazenda Pblica, ao
Ministrio Pblico que compete promover a prova de todos os factos que considere relevantes
para a deciso n. 1 do artigo 72. do RGCO.
O mbito da prova a produzir determinado pelo juiz, podendo este recusar as
diligncias que julgue desnecessrias formao da sua convico e determinar,
oficiosamente, todas as que considere teis ao apuramento da verdade dos factos n. 2 do
artigo 72. do RGCO. A prova a produzir no mbito do processo de contra-ordenao
essencialmente documental, mas tambm pode assumir a forma de prova testemunhal ou
mesmo pericial. Da que quando o arguido apresentar a petio do recurso judicial deve nele
fazer constar o rol de testemunhas a inquirir na fase de produo de prova e indicar quais os
factos a provar.

A Rejeio e Deciso por despacho


Como j se fez referncia, os autos de recurso so presentes ao juiz pelo Ministrio
Pblico, valendo este acto como acusao.
O juiz, passo seguinte, vai ter de decidir se aceita ou se rejeita o recurso.

109

Algumas questes sobre o recurso das decises de aplicao de coima fiscal

Por despacho, o juiz rejeitar o recurso se considerar que o mesmo foi interposto fora
do prazo previsto no n. 1 do artigo 80. do RGIT ou que no foram observadas as exigncias
de forma.
Se aceitar o recurso, o juiz deve marcar a data da audincia de discusso e julgamento,
salvo se considerar que o recurso pode ser decido atravs de simples despacho artigo 64. do
RGIT.
Invertendo a normalidade dos actos vejamos em primeiro lugar da deciso por
simples despacho
O juiz pode decidir por despacho se o arguido ou o Ministrio Pblico no se opuserem
e se se verificarem as circunstncia seguintes:
A)

Se no tiver sido oferecida outra prova para alm da que conste dos autos;

B)

Quando, oferecidas outras provas diferentes daquela, estiver em causa o


conhecimento de:

1. Qualquer excepo dilatria ou peremptria;


2. De questo de direito;
3. De questo de facto, se o processo fornecer todos os elementos necessrios.
O juiz antes de decidir por despacho deve de conceder, ao arguido e ao Ministrio
Pblico, um prazo para estes, querendo, se oporem a essa forma de decidir. Se o Ministrio
Pblico ou o arguido deduzirem oposio, o juiz, mesmo que considere esta infundada ou
materialmente inexistente, ter de designar dia para julgamento, ficando impedido de decidir
por simples despacho.
Se o juiz decidir por despacho, neste poder ordenar o arquivamento do processo,
absolver o arguido ou manter ou alterar a deciso recorrida. Em caso de manuteno ou
alterao da condenao deve o juiz fundamentar a sua deciso, tanto no tocante aos factos
como ao direito aplicado e s circunstncias que determinaram a medida da sano e de entre
estas haver que considerar a situao econmica do arguido.
Em caso de absolvio dever o juiz indicar porque no considera provados os factos
ou porque no constituem uma contra-ordenao. Deve concluir-se que o juiz s deve decidir
por despacho se os autos contiverem os elementos suficientes para a formao da sua
convico.
Quando o recurso for decidido por despacho, este deve conter, para alm dos seus
fundamentos, a identificao do arguido, a indicao dos factos de que acusado, a deciso,
independentemente do sentido desta, que pode ser de arquivamento do processo ou de
manuteno ou de alterao da deciso da autoridade recorrida, bem como a data e a

110

Algumas questes sobre o recurso das decises de aplicao de coima fiscal

assinatura do juiz. Este despacho judicial, que determina a extino do processo, tem o valor
da sentena.

Do Despacho de Rejeio
Mas e se for caso de rejeio.
Artigo 63. No aceitao do recurso
1 O juiz rejeitar, por meio de despacho, o recurso feito fora do prazo ou sem respeito
pelas exigncias de forma.
2 Deste despacho h recurso, que sobe imediatamente
Ora, do disposto no transcrito art. 63. do RGCO (o juiz rejeitar, por meio de
despacho, o recurso feito fora do prazo ou sem respeito pelas exigncias de forma) o que
resulta que, relativamente s contra-ordenaes fiscais, As exigncias de forma a que se
refere este artigo so as indicadas no n. 2 do art. 80. do RGIT, complementado pelo n. 3 do
art. 59. do RGCO5.
Por isso, da conjugao dessas mencionadas disposies legais impe-se concluir que
os motivos de rejeio so apenas a intempestividade e a falta de observncia dos requisitos
de forma: recurso apresentado sob a forma escrita, contendo alegaes e concluses.
Ou seja, em todos os outros casos, mesmo que existam excepes dilatrias ou
peremptrias, o recurso no poder ser rejeitado, tendo a questo de ser apreciada em
despacho a proferir nos termos do art. 64 ou por sentena6.
Citando Manuel Ferreira Antunes, (Contra-Ordenaes e Coimas, Regime Geral, 2. ed.,
Petrony, 2013, in anotao ao art. 63., p. 402), refere que este despacho preliminar no se
confunde com o despacho de recebimento de uma acusao criminal e designao de data para
julgamento, nos termos dos arts. 311./ss. do CPP. Na verdade, () no se trata de receber uma
pura acusao criminal mas antes de receber uma deciso-acusao limitada pelo objecto do
recurso de impugnao da deciso condenatria recorrida.
Acresce que exarando-se no despacho de rejeio, a ttulo exemplificativo, que da
deciso em apreo no consta uma descrio ainda que sumria dos factos pelos quais a
arguida vem acusada, em clara violao do disposto no art. 79., b), do RGIT, acaba por se
referenciar alegada verificao de nulidade por falta dos requisitos da deciso de aplicao de
coima, nos termos dos arts. 63. n. 1 e 79. n. l, do RGIT.

Cfr. Jorge Sousa e Simas Santos, Regime Geral das Infraces Tributrias, anotado, 4. ed., reas Editora,

2010, anotao 5, ao art. 81., p. 543.


6

Ob. Cit.item.

111

Algumas questes sobre o recurso das decises de aplicao de coima fiscal

Sendo que a al. b) do n. 1 deste art. 79. do RGIT, especificando os requisitos a que
deve obedecer a deciso administrativa de aplicao de coima, estatui que esta contm a
descrio sumria dos factos e indicao das normas violadas e punitivas.
E como igualmente referem Jorge Sousa e Simas Santos A referida al. b) do n. 1 do
art. 79. do RGIT constitui uma norma especial sobre os requisitos da deciso administrativa de
aplicao de coima, que, por isso, afasta a necessidade de aplicao do regime do CPP, que de
aplicao meramente subsidiria, nos termos dos arts. 3., al. b), do RGIT, e 41., n. 1, do
RGCO.
Ora, sobre a questo da consequncia da verificao (em sede de recurso judicial da
deciso administrativa de aplicao de coima) de nulidade dessa deciso administrativa, o STA
tem vindo a pronunciar-se no sentido de que, sendo decretada em processo judicial de contraordenao a nulidade da deciso administrativa de aplicao de coima, h lugar baixa dos
autos autoridade tributria que aplicou tal coima, para eventual renovao do acto
sancionatrio.
Neste sentido, jurisprudncia consolidada do STA, de 23/4/2013, no rec. n. 271/13,
22.05.2013, no rec. 278.2013, 08.05.2013, in rec. 655/13.

A audincia de discusso e julgamento


O recurso ser decidido mediante audincia de julgamento sempre que o juiz entenda
ser esta a forma adequada ao caso ou se verifique oposio, por parte do Ministrio Pblico ou
do arguido, deciso do recurso por simples despacho. O juiz ao aceitar o recurso deve marcar
a audincia de julgamento, salvo se o mesmo for decidido por despacho judicial, nos termos do
n. 2 do artigo 64. do RGCO artigo 65. do RGCO.
O processo s alcana esta fase processual, audincia e julgamento, se o recurso no
for retirado pelo arguido. Com efeito, o recorrente pode retirar o recurso at sentena em 1.
instncia ou at ser proferido o despacho judicial previsto no n. 2 do artigo 64. do RGCO.
Porm, a retirada do recurso, depois do incio da audincia de julgamento, s pode ocorrer
mediante o acordo do Ministrio Pblico.
Por outro lado, mediante o acordo do arguido, o Ministrio Pblico pode a todo o
tempo retirar a acusao, desde que o faa at sentena em 1. instncia ou at ser proferido
o despacho judicial a que se refere o n. 2 do art. 64. do RGCO. O Ministrio Pblico, antes de
retirar a acusao, deve ouvir as autoridades administrativas competentes Diretor de
Finanas ou Chefe de Finanas salvo se entender que tal no indispensvel para uma
adequada deciso.

112

Algumas questes sobre o recurso das decises de aplicao de coima fiscal

A audio das autoridades administrativas visa dar oportunidade quelas de emitir um


parecer tcnico relacionado com a especificidade da contra-ordenao ou alertar para a
existncia de algum inconveniente resultante da retirada da acusao.
A audio das autoridades administrativas revelar-se-, eventualmente, intil quando o
fundamento do recurso consistir apenas numa questo de direito. Neste caso, deve, em
princpio, o Ministrio Pblico prescindir de tal diligncia artigo 65.-A e artigo 71. do RGCO.
A participao na audincia de julgamento est especificamente regulada no artigo
82. do RGIT - dispondo este o seguinte:
a) O Ministrio Pblico deve estar presente na audincia de julgamento;
b) O Representante da Fazenda Pblica pode participar na audincia;
c) O arguido no obrigado a comparecer audincia, salvo se o juiz considerar a sua
presena como necessria ao esclarecimento dos factos, podendo sempre fazer-se representar
por advogado - n. 3 do artigo 82. do RGIT.
No obstante a regulamentao especfica constante do artigo 82. do RGIT, a anlise
dos preceitos permite concluir que no existem contradies ou desvios ao regulado nas
normas dos artigos 67. e 69. do RGCO.
Nos termos do n. 2 do artigo 68. do RGIT, a no comparncia do arguido na audincia
de discusso e julgamento no tem qualquer consequncia a no ser, quando o tribunal
considerar necessria a presena do arguido, cumprindo marcar uma nova audincia.
A participao do Representante da Fazenda Pblica na audincia de julgamento no
est regulada como um poder-dever, mas sim como uma mera faculdade n. 2 do artigo 82.
do RGIT.
Todavia, o n. 1 do artigo 70. do RGCO estabelece que o tribunal conceder s
autoridades administrativas a oportunidade de trazerem audincia os elementos que reputem
convenientes para uma correcta deciso do caso, podendo um representante daquelas
autoridades participar na audincia. Esta participao ser assegurada pelo Representante da
Fazenda Pblica, o qual, se o juiz assim o entender e no existir oposio do Ministrio Pblico,
at poder interrogar as testemunhas arroladas.
O juiz deve determinar que a data da audincia de julgamento seja comunicada ao
Representante da Fazenda Pblica, bem como o tribunal comunicar s autoridades
administrativas a sentena e demais decises finais n.s 3 e 4 do artigo 70. do RGCO. Estas
decises tambm tm de ser notificadas ao arguido.
O tribunal est vinculado ao princpio da proibio da reformatio in pejus, do qual
resulta que a coima aplicada no pode ser modificada em prejuzo do arguido, ainda que no o

113

Algumas questes sobre o recurso das decises de aplicao de coima fiscal

requerente, sem prejuzo da possibilidade de agravamento do montante da coima, se a


situao econmica e financeira do arguido tiver entretanto melhorado de forma sensvel al.
d) do n. 1 do artigo 79. do RGIT e artigo 72.-A do RGCO.
No entanto, o tribunal no est vinculado apreciao do facto como contraordenao, podendo, oficiosamente ou a requerimento do Ministrio Pblico, converter o
processo de contra ordenao em processo criminal artigo 76. do RGCO. Neste caso, devem
ser observadas as normas dos n.s 1 e 2 do artigo 35. do RGIT, devendo a notcia do crime ser
transmitida mediante o envio de peas do processo de contra-ordenao ao rgo da
Administrao Tributria com competncia delegada para o inqurito, ou seja, ao Director de
Finanas que exercer funes na rea onde o crime tiver sido cometido ou ao Director da
Direco de Servios de Preveno e Inspeco Tributria (actual Unidade dos Grandes
Contribuintes), por factos praticados por entidades cuja inspeco tributria caia no mbito das
suas atribuies al. b) do n. 1 do artigo 41. do RGIT.

O recurso da sentena
A deciso do recurso judicial da deciso de aplicao da coima e sanes acessrias
susceptvel de recurso para o Tribunal Central Administrativo, excepto se o valor da coima
aplicada no ultrapassar um quarto da alada fixada para os tribunais judiciais de 1 instncia e
no for aplicada sano acessria.
Se o fundamento for exclusivamente matria de direito, o recurso ser diretamente
interposto para a Seco do Contencioso Tributrio do Supremo Tribunal Administrativo, em
conformidade com o preceituado na al. b) do artigo 26. do ETAF - Estatuto dos Tribunais
Administrativos e Fiscais, aprovado pela Lei n. 13/2002, de 19 de Fevereiro, alterada pela Lei
n. 4-A/2003, de 19 de Fevereiro e pela Lei n. 107-D/2003, de 31 de Dezembro.
A competncia do Tribunal Central Administrativo para conhecer do recurso da
sentena do tribunal tributrio de 1 instncia resulta da norma da al. a) do artigo 38. do
ETAF.
A possibilidade de interposio de recurso verifica-se independentemente do sentido
da deciso e da circunstncia desta ter sido proferida atravs do despacho judicial previsto no
n. 2 do artigo 64. do RGCO ou atravs de sentena artigo 73. do RGCO.
O recurso pode ser interposto pelo arguido, pelo Ministrio Pblico e pelo
Representante da Fazenda Pblica, este ltimo por fora da alterao operada ao art. 83 do
RGIT pelo art. 224 da Lei n. 66-B/2012, de 31 de Dezembro.

114

Algumas questes sobre o recurso das decises de aplicao de coima fiscal

O recurso deve ser interposto no prazo de 20 dias a contar da notificao do despacho,


da audincia de julgamento ou, caso o arguido no tenha comparecido, da notificao da
sentena.
Na contagem do prazo incluem-se os sbados, os domingos e os dias feriados, mas no
as frias judiciais n. 1 do art. 104 do Cdigo de Processo Penal e n. 1 do art. 144 do
Cdigo de Processo Civil (actual 138).
O recurso jurisdicional da deciso judicial de aplicao de coima admitido apenas
quando o valor da coima ultrapassar um quarto da alada fixada para os tribunais judiciais de
1 instncia e no for aplicada sano acessria, dado que, nos casos em que no esteja em
causa a aplicao de uma coima de valor superior quela, mas tenha sido aplicada sano
acessria, o recurso admissvel.
A alada dos tribunais judiciais de 1 instncia foi fixada em 5 000 - n. 1 do artigo
31. da Lei n. 52/2008, de 28 de Agosto (Lei de Funcionamento e Organizao dos Tribunais
Judiciais). Assim, a recorribilidade das decises dos tribunais tributrios de 1 instncia, nos
processos de contra-ordenao fiscais, depende de ter sido aplicada uma coima de valor
superior a 1 250.
Quando a coima aplicada for de valor inferior a 1 250, a jurisprudncia entende que
pode haver lugar interposio de recurso sempre que este se mostre indispensvel melhor
aplicao do direito.
O recurso seguir a tramitao do recurso em processo penal, tendo embora em conta
as especialidades do regime do ilcito de mera ordenao social. Assim, o recurso para o
Tribunal Central Administrativo deve ser interposto por requerimento com enunciao
especificada dos fundamentos e formulao das concluses, deduzidas por artigos e indicao
das normas jurdicas violadas, quando verse tambm matria de direito, sob pena de rejeio
n. 3 do artigo 411 e n.s 1 e 2 do artigo 412 do CPP.
O recurso s tem efeito suspensivo se o arguido prestar garantia no prazo de 20 dias,
por qualquer das formas previstas nas leis tributrias, salvo se demonstrar em igual prazo que
a no pode prestar, no todo ou em parte, por insuficincia de meios econmicos artigo 84
do RGIT.
O efeito suspensivo do recurso est dependente da prestao de garantia somente
quando o recorrente o arguido. O recurso interposto pelo Ministrio Pblico e Fazenda
Pblica, tem sempre efeito suspensivo (vide art. 84 do RGIT).
No tendo sido prestada garantia, nem demonstrada a insuficincia de meios
econmicos, a deciso recorrida dever ser objecto de cobrana coerciva artigo 65. do RGIT
e al. b) do n. 1 do artigo 148. do CPPT.

115

Algumas questes sobre o recurso das decises de aplicao de coima fiscal

Todavia, atendendo ao princpio da presuno de inocncia do arguido, que embora


previsto como garantia do processo criminal, vlido no domnio dos outros direitos
sancionatrios, como tem sido sustentado em acrdos do Tribunal Constitucional,
defensvel que, ainda que o arguido no preste garantia, no se devem considerar como
decises exequveis para efeitos de instaurao de processo de execuo fiscal, as decises
judiciais proferidas em processos de contra-ordenao fiscais que estejam pendentes de
recurso.

Reviso das coimas


As decises finais proferidas em processo de contra-ordenao so susceptveis de
reviso.
A reviso da deciso da autoridade administrativa da competncia do tribunal
tributrio de 1. instncia e a reviso das decises deste cabem ao Tribunal Central
Administrativo. O n. 2 do artigo 85. do RGIT estabelece que quando a coima tiver sido
aplicada pelo tribunal, a reviso cabe instncia judicial imediatamente superior, excepto se a
deciso tiver sido tomada pelo Supremo Tribunal Administrativo.
Esta possibilidade de reviso das decises proferidas em processo de contra-ordenao
fundamenta-se na existncia de dvidas sobre a justia da deciso e decorre da norma do n. 6
do artigo 29. da CRP que prescreve que: Os cidados injustamente condenados tm direito,
nas condies que a lei prescrever, reviso da sentena e indemnizao pelos sofridos.
A reviso tem por base a descoberta de novos factos ou meios de prova, quando os
novos factos ou meios de prova, s por si ou combinados com os que foram apreciados no
processo, suscitem graves dvidas sobre a justia da condenao. A reviso da deciso a favor
do arguido tem as limitaes constantes do n. 2 do artigo 80. do RGCO, isto , a reviso a
favor do arguido no admissvel quando:
a) O arguido apenas tiver sido condenado em coima inferior a 37,41;
b) J tiverem decorrido cinco anos aps o trnsito em julgado ou carcter definitivo
da deciso a rever.
Quando a reviso for efectuada em desfavor do arguido s pode realizar-se se aquela
visar a condenao do arguido pela prtica de um crime, sendo, assim, de atender ao prazo de
prescrio do procedimento criminal. A reviso a favor do arguido admissvel ainda que o
procedimento se encontre extinto ou a pena prescrita ou cumprida n. 4 do artigo 449. do
CPP.

116

Algumas questes sobre o recurso das decises de aplicao de coima fiscal

Nos termos do n. 2 do artigo 81. do RGCO tm legitimidade para requerer a reviso


da coima e sanes acessrias o arguido, a autoridade administrativa e o Ministrio Pblico.
O requerimento a pedir a reviso deve ser apresentado na autoridade administrativa
Servio de Finanas ou no tribunal onde foi proferida a deciso a rever, o qual ser autuado
por apenso aos autos onde foi proferida a deciso - artigos 451. e 452. do CPP.
A deciso proferida em processo de reviso tambm susceptvel de recurso artigo
86. do RGIT.
Porm, independentemente da deciso ter sido proferida pelo tribunal tributrio de 1
instncia ou pelo Tribunal Central Administrativo, o recurso apenas pode ter por fundamento
matria de direito e ser interposto para a Seco de Contencioso Tributrio do Supremo
Tribunal Administrativo.
Se a reviso da deciso for autorizada, para efeitos da realizao de novo julgamento,
dever-se- observar o seguinte7:
a)

O processo ser enviado ao Tribunal Central Administrativo se a deciso revista


tiver sido proferida pelo tribunal tributrio de 1 instncia;

b)

O processo ser enviado ao Supremo Tribunal Administrativo se a deciso cuja


reviso foi autorizada foi proferida pelo TCA.

Dans un grand affaire, on est toujour for de donner quelque chose au hasard
Napolon Bonaparte

IRENE ISABEL DAS NEVES

Acrdo do STA de 02.10.2013, in recurso n. 0924/13

REGIME GERAL DAS INFRACES TRIBUTRIAS; SENTENA; REVISO


Sumrio: I - A sentena transitada em julgado proferida em recurso judicial de deciso administrativa de
aplicao de coima por infraco tributria passvel de recurso extraordinrio de reviso previsto no art.
449 do CPP, aplicvel ao processo contra-ordenacional fiscal por fora do disposto no art. 80 do RGCO e do
art. 3, alnea b), do RGIT.
II - A autorizao do pedido de reviso compete Seco de Contencioso Tributrio do STA nos termos das
disposies conjugadas dos arts. 3, alnea b), do RGIT, 80, n 1 do RGCO, arts. 449 e segs. do CPP e art.
26, alnea h), do ETAF.
III - Fundando-se o pedido de reviso no n 1, alnea d), do art. 449 do CPP, incumbia Requerente trazer
aos autos os novos factos ou meios de prova que diz ter descoberto com potencialidade aniquiladora dos que
fundaram a sua condenao, os quais, alm do mais, tm de ter virtualidade para suscitar dvidas sobre a
justia dessa condenao.

117

Algumas questes sobre o recurso das decises de aplicao de coima fiscal

Problemas de visualizao

118

Algumas questes sobre o recurso das decises de aplicao


de coima fiscal
Apresentao em powerpoint
Irene Isabel das Neves

ALGUMAS QUESTES SOBRE O


RECURSO DAS DECISES DE
APLICAO DE COIMA FISCAL
Irene Isabel das Neves
Juza Desembargadora Tribunal Central Administrativo Norte

Lisboa, 20 de Junho de 2014

O Regime Geral das Infraces Tributrias (RGIT) foi


aprovado pela Lei n. 15/2001, de 5 de Junho e entrou
em vigor no dia 5 de Julho de 2001.
Antes deste regime jurdico das infraces tributrias
existiam regimes jurdicos autnomos para as infraces
fiscais, para as infraces aduaneiras e infraces aos
regimes contributivos e das prestaes relativas ao
sistema de segurana social, estas ltimas atravs de
diplomas avulsos e autnomos.

O RGIT no um diploma auto-suficiente e o


legislador no seu artigo 4. definiu qual o direito
subsidirio aplicvel. Assim, aplica-se em
funo da natureza da infraco fiscal o
seguinte direito complementar:
a) Aos crimes e seu processamento aplica-se o Cdigo
Penal (CP) e o Cdigo de Processo Penal (CPP);
b) s contra-ordenaes e seu processamento aplica-se o
regime geral do ilcito de mera ordenao social,
aprovado pelo Decreto-Lei n. 433/82, de 27 de Outubro
(RGCO).

O legislador do RGIT fixou no artigo 2. deste diploma


legal o conceito de infraco tributria. Nestes termos,
constitui infraco tributria o facto tpico, ilcito e
culposo declarado punvel por lei tributria anterior. Este
conceito de infraco tributria obedece aos princpios
gerais aplicveis ao direito penal e que, nos termos da
Constituio da Repblica Portuguesa (CRP), assumem
a categoria de direitos fundamentais de um Estado de
direito.

O processo de contra-ordenao tem por objecto o


processamento das infraces que no tenham natureza
criminal, o qual feito de acordo com a regulamentao
constante das normas jurdicas insertas nos artigos 51.
a 86. do RGIT e aplicao subsidiria do regime geral
do ilcito de mera ordenao social, ou seja a Lei quadro
das contra-ordenaes, aprovada pelo Decreto-Lei n.
433/82, de 27 de Outubro.
O processo de contra-ordenao compreende uma fase
administrativa e uma fase judicial, sendo que esta ltima
apenas existe caso o infractor interponha recurso da
deciso que aplicou a coima.

A notificao do arguido tem de ser efectuada


nos termos previstos no n. 2 do artigo 79 do
RGIT, a qual deve incluir os termos da deciso e
a advertncia expressa de que, no prazo de
vinte dias a contar da notificao, deve ser
efectuado o pagamento da coima e das custas
processuais ou, em alternativa, ser interposto
recurso.
Em face da norma do n. 2 do artigo 70 do
RGIT, em articulao com o n. 1 do art. 38 do
CPPT, a notificao deve ser realizada atravs
de carta registada com aviso de recepo.

As decises de aplicao das coimas e sanes


acessrias podem ser objecto de recurso para o tribunal
tributrio de 1. Instncia, salvo no caso em que a
contra-ordenao julgada em 1 instncia pelo tribunal
comum artigo 53. do RGIT.
Nos termos da al. b) do n. 1 do art. 49. do ETAF
Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais,
aprovado pela Lei n. 13/2002, de 19 de Fevereiro,
alterada pela Lei n. 4-A/2003, de 19 de Fevereiro, e
pela Lei n. 107-D/2003, de 31 de Dezembro compete
aos tribunais tributrios conhecer das impugnaes de
decises de aplicao de coimas e sanes acessrias
em matria fiscal.

A fase judicial do processo de contra-ordenao fiscal


encontra-se regulada nos artigos 80. a 86. do RGIT,
com aplicao subsidiria do regime geral do ilcito de
mera ordenao social al. b) do artigo 3. do RGIT.

Legitimidade:
Nos termos do disposto no artigo 59., n. 2, do RGCO,
o recurso de impugnao poder ser interposto pelo
arguido ou pelo seu defensor.
O RGCO no estabelece a necessidade de constituio
de advogado, no entanto uma vez que o legislador da
LGT caracterizou o recurso de deciso de coima, no
prprio processo, como processo judicial tributrio,
dever-se-o considerar aplicveis as normas do artigo
6. do CPPT relativas constituio de mandato judicial

Acrdo do STA de 06.03.2008, in recurso n.


01056/07
Descritores:CONTRA-ORDENAO FISCAL; RECURSO JUDICIAL;
LEGITIMIDADE; GERENTE; REVERSO DA EXECUO;
EXECUO FISCAL

Sumrio: Em processo de contra-ordenao fiscal, o


gerente executado por reverso no tem
legitimidade para, por si, interpor recurso judicial da
deciso de aplicao de coima sociedade
executada originria.

Forma
Nos termos do disposto no artigo 80., n. 2, do
R.G.I.T., o recurso contm alegaes e a
indicao dos meios de prova a produzir e
dirigido ao tribunal tributrio de 1. instncia
().
Pelo seu lado, o artigo 59., n. 3, do R.G.C.O.
dispe que o recurso feito por escrito,
devendo constar de alegaes e concluses.

Prazo
O prazo para recorrer da deciso administrativa
de aplicao de coima de 20 dias artigo 80.,
n.. 1, do RGIT
Este prazo suspende-se aos sbados,
domingos e feriados artigo 60., n. 1, do
RGCO
Mas no se suspende nas frias judiciais, visto
que no se trata de um prazo judicial.

Competncia do Tribunal
O Tribunal materialmente competente para conhecer dos recursos
das decises de aplicao da coima tomadas pela AT o tribunal
tributrio de 1. Instncia artigo 53. do RGIT.
O Tribunal territorialmente competente para conhecer dos
recursos das decises de aplicao da coima tomadas pela AT o
tribunal tributrio de 1. instncia da rea do servio tributrio (n.
2 do artigo 80.) onde tiver sido instaurado o processo de contra
ordenao (n. 1 do mesmo artigo).

A introduo dos autos em juzo


O recurso judicial da deciso de aplicao da coima
previsto no artigo 80. do RGIT incorporado no prprio
processo de contra-ordenao em que foi proferida a
deciso.
Sempre que a autoridade recorrida no proceda
revogao da deciso, conforme preceituado no n. 3 do
artigo 80. do RGIT, os autos tm de ser remetidos ao
tribunal tributrio de 1. instncia competente no prazo
de 30 dias - n. 1 do artigo 81. do RGIT.

Competncia Funcional do M.P.


O RGIT s lhe atribui expressamente o dever de estar
presente na audincia de julgamento e o poder de
recorrer da deciso do tribunal tributrio de primeira
instncia seus artigos 82., n. 1, e 83., n. 1.
O RGCO, porm, atribui-lhe tambm o poder de
apresentar o recurso ao juiz (valendo este acto como
acusao) e retirar a acusao, a todo o tempo e at
prolao da sentena em primeira instncia, bem como
promover a prova de todos os factos relevantes para a
deciso seus artigos 62., n. 1, 65.-A, e 72..

A produo de prova
ao Ministrio Pblico que compete promover a prova
de todos os factos que considere relevantes para a
deciso n. 1 do artigo 72. do RGCO.
O mbito da prova a produzir determinado pelo juiz,
podendo este recusar as diligncias que julgue
desnecessrias formao da sua convico e
determinar, oficiosamente, todas as que considere teis
ao apuramento da verdade dos factos n. 2 do artigo
72. do RGCO.

Aceitao ou rejeio do recurso


Presentes os autos ao Juiz:
Por despacho rejeita o recurso se considerar que o mesmo foi
interposto fora do prazo previsto no n. 1 do artigo 80. do RGIT ou
que no foram observadas as exigncias de forma.
Por despacho aceita o recurso, marcando a data da audincia de
discusso e julgamento, salvo se considerar que o recurso pode ser
decido atravs de simples despacho artigo 64. do RGIT.

Art. 63. do RGCO - o juiz rejeitar, por meio de


despacho, o recurso feito fora do prazo ou sem respeito
pelas exigncias de forma
As exigncias de forma a que se refere este artigo so
indicadas no n. 2 do art. 80. do RGIT, complementado
pelo n. 3 do art. 59. do RGCO
Os motivos de rejeio so apenas a intempestividade e
a falta de observncia dos requisitos de forma: recurso
apresentado sob a forma escrita, contendo alegaes e
concluses.

Todos os outros casos, incluindo excepes dilatrias


ou peremptrias, no determinaro a rejeio do
recurso, tendo a questo de ser apreciada em despacho
a proferir nos termos do art. 64 ou por sentena
Neste sentido Acrdos do STA:
- de 23/4/2013, no rec. n. 271/13, 22.05.2013, no rec.
278.2013, 08.05.2013, in rec. 655/13

Audincia de Julgamento
A participao na audincia de julgamento est
especificamente regulada no artigo 82. do RGIT:
a) O Ministrio Pblico deve estar presente na audincia
de julgamento;
b) O Representante da Fazenda Pblica pode participar
na audincia;
c) O arguido no obrigado a comparecer audincia,
salvo se o juiz considerar a sua presena como
necessria ao esclarecimento dos factos, podendo
sempre fazer-se representar por advogado

O recurso da sentena
A deciso do recurso judicial da deciso de aplicao da
coima e sanes acessrias susceptvel de recurso
para o Tribunal Central Administrativo, excepto se o
valor da coima aplicada no ultrapassar um quarto da
alada fixada para os tribunais judiciais de 1 instncia e
no for aplicada sano acessria - al. a) do artigo 38.
do ETAF .
Se o fundamento for exclusivamente matria de direito,
o recurso ser directamente interposto para a Seco do
Contencioso Tributrio do Supremo Tribunal
Administrativo - al. b) do artigo 26. do ETAF.

Reviso das coimas


As decises finais proferidas em processo de contraordenao so susceptveis de reviso.
A reviso da deciso da autoridade administrativa da
competncia do tribunal tributrio de 1. instncia e a
reviso das decises deste cabem ao Tribunal Central
Administrativo. O n. 2 do artigo 85. do RGIT
estabelece que quando a coima tiver sido aplicada pelo
tribunal, a reviso cabe instncia judicial
imediatamente superior, excepto se a deciso tiver sido
tomada pelo Supremo Tribunal Administrativo.

Acrdo do STA de 02.10.2013, in recurso n. 0924/13


REGIME GERAL DAS INFRACES TRIBUTRIAS; SENTENA; REVISO
Sumrio: I - A sentena transitada em julgado proferida em recurso judicial de
deciso administrativa de aplicao de coima por infraco tributria
passvel de recurso extraordinrio de reviso previsto no art. 449 do CPP,
aplicvel ao processo contra-ordenacional fiscal por fora do disposto no
art. 80 do RGCO e do art. 3, alnea b), do RGIT.
II - A autorizao do pedido de reviso compete Seco de Contencioso
Tributrio do STA nos termos das disposies conjugadas dos arts. 3,
alnea b), do RGIT, 80, n 1 do RGCO, arts. 449 e segs. do CPP e art.
26, alnea h), do ETAF.
III - Fundando-se o pedido de reviso no n 1, alnea d), do art. 449 do CPP,
incumbia Requerente trazer aos autos os novos factos ou meios de prova
que diz ter descoberto com potencialidade aniquiladora dos que fundaram a
sua condenao, os quais, alm do mais, tm de ter virtualidade para
suscitar dvidas sobre a justia dessa condenao.

Dans un grand affaire, on est toujour


for de donner quelque chose au
hasard
Napolon Bonaparte

A execuo de julgados no Contencioso


Tributrio. Alguns apontamentos

[Pedro Vergueiro]

A execuo de julgados no Contencioso Tributrio. Alguns apontamentos

A execuo de julgados no Contencioso Tributrio. Alguns


apontamentos1
Pedro Vergueiro
Sumrio:
I. Introduo
II. Dimenso executiva do princpio da tutela jurisdicional efectiva
III. Obrigao de Executar decises judiciais e administrativas
IV. Contedo do dever de executar
V. Incio do prazo de execuo espontnea
VI. Tribunal competente
VII. Incio do prazo para requerer a execuo do julgado
VII. Tramitao
A. Execuo de sentenas de anulao - artigos 173 a 179
B. Actos desconformes com o julgado

VIII. Sano Pecuniria Compulsria


IX. Indemnizao devida pela inexecuo legtima da sentena
A. Causa legtima de Inexecuo
B. Indemnizao
C. Natureza jurdica da indemnizao devida pela inexecuo da sentena
D. Tipo de danos a ressarcir
X. Responsabilidade civil pela inexecuo ilcita da sentena
A.O ilcito: violao da obrigao de cumprimento de sentenas anulatrias
B. Natureza Jurdica
C. Cumulabilidade de pretenses indemnizatrias
D. Nexo de causalidade entre o ilcito e o dano
XI. Questes Particulares

O presente texto pretende, na sua essncia, e na medida do possvel, seguir o exposto no mbito da

conferncia apresentada em 20-06-2014 no Centro de Estudos Judicirios Lisboa, subordinada ao tema


indicado, sendo que se optou, em termos de desenvolvimento, por seguir o enquadramento efectuado pelo
Cons. Jorge Lopes de Sousa na sua obra largamente citada no texto, impondo-se tambm aqui deixar uma
referncia aos apontamentos gentilmente cedidos pela Sra. Dra. Joana Costa e Nora, Juza de Direito, de
quem tive a honra de ser Formador e que contriburam para a elaborao deste texto, aqui se consignando o
devido reconhecimento e agradecimento.

147

A execuo de julgados no Contencioso Tributrio. Alguns apontamentos

Introduo
Dimenso executiva do princpio da tutela jurisdicional efectiva
Como sabido, o princpio da tutela jurisdicional efectiva [direito fundamental dos
cidados artigos 20 e 268 n 4, da CRP] compreende o direito de obter, em prazo razovel,
uma deciso judicial que aprecie, com fora de caso julgado, cada pretenso regularmente
deduzida em juzo [dimenso declarativa], bem como a possibilidade de a fazer executar
[dimenso executiva] e de obter as providncias cautelares, antecipatrias ou conservatrias,
destinadas a assegurar o efeito til da deciso [dimenso cautelar].
Desde logo, o art. 205, n 2, da Constituio da Repblica Portuguesa refere que as
decises dos tribunais so obrigatrias para todas as entidades pblicas e privadas e
prevalecem sobre as de quaisquer outras autoridades, sendo que o n 3 do mesmo dispositivo
legal estipula que a lei regula os termos da execuo das decises dos tribunais relativamente
a qualquer autoridade e determina as sanes a aplicar aos responsveis pela sua inexecuo.
Sobre este ltimo elemento, deparamos com o art. 146 n 1 do Cdigo de
Procedimento e de Processo Tributrio onde se aponta que para alm do meio previsto no
artigo seguinte, so admitidos no processo judicial tributrio os meios processuais acessrios
de intimao para a consulta de documentos e passagem de certides, de produo antecipada
de prova e de execuo dos julgados, os quais sero regulados pelo disposto nas normas sobre
o processo nos tribunais administrativos.
Nesta sequncia e quando se analisa o exposto no Cdigo de Processo nos Tribunais
Administrativos, temos que, nos termos do art. 158, n 1, daquele diploma, as decises dos
tribunais administrativos so obrigatrias para todas as entidades pblicas e privadas e
prevalecem sobre as de quaisquer autoridades administrativas, sendo que, nos termos do n
2, a prevalncia das decises dos tribunais administrativos sobre as das autoridades
administrativas implica a nulidade de qualquer acto administrativo que desrespeite uma
deciso judicial e faz incorrer os seus autores em responsabilidade civil, criminal e disciplinar,
nos termos previstos no artigo seguinte.
Tal significa que a obrigao de respeito pelo caso julgado formado sobre a deciso
judicial anulatria impede a administrao tributria de actuar de forma que com ela seja
incompaginvel e implica que os actos praticados na sequncia de anulao judicial anulatria
que violem o caso julgado sejam nulos, por fora do disposto no art. 133, n 2, alnea h), do
Cdigo de Procedimento Administrativo (actual art. 161, n 2, al. I)).
Por outro lado, os autores desses actos incorrem em responsabilidade civil, criminal e
disciplinar (art. 205, n 1, da Constituio da Repblica Portuguesa).

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Obrigao de Executar decises judiciais e administrativas


Desde logo, cabe notar que o meio processual acessrio de execuo de julgados,
previsto na LPTA e no DL n. 256-A/77, de 17 de Junho, para que remetia o art. 146, n 1, do
CPPT, ao tempo em que foi aprovado, referia-se apenas s decises judiciais e no s decises
administrativas, pois era apenas esse o campo de aplicao deste meio processual no mbito
do contencioso administrativo (arts. 95. e 96., da LPTA e 5. e seguintes daquele DL n 256A/77), verificando-se que o meio processual que, no mbito do CPPT, podia ser utilizado para
pedir a um tribunal que impusesse administrao tributria a execuo das suas decises
firmes de procedncia de reclamaes ou recursos hierrquicos (ou outro meio procedimental,
como a reviso do acto tributrio, prevista no art. 78., da LGT) era a intimao para um
comportamento, prevista no art. 147., deste Cdigo.
Actualmente, porm, o CPTA, no seu art. 157, n 3, permite a aplicao do processo
de execuo de julgado para a execuo de actos administrativos inimpugnveis de que resulte
um direito para um particular e a que a Administrao no d a devida execuo, sendo que a
remisso que se faz para o aludido art. 146, n 1, do CPPT, para o meio processual de
execuo de julgados regulado pelas normas sobre o processo nos tribunais administrativos
passou a abranger tambm este n 3, do art. 157, do CPTA.
A partir daqui, para impor administrao tributria a execuo de actos firmes que
tenha praticado, ser aplicvel, actualmente, o processo de execuo de julgados e no a
intimao prevista no art. 147, pois, como se estabelece no seu n 2, ele s aplicvel
quando, vistos os restantes meios contenciosos previstos no presente Cdigo, ele for o meio
mais adequado para assegurar a tutela plena, eficaz e efectiva dos direitos ou interesses em
causa.
Na verdade, sendo o processo de execuo de julgados um dos meios contenciosos
previstos no presente Cdigo, ainda que por remisso, dever considerar-se que ele, estando
especificamente previsto para estas situaes , na perspectiva legislativa, o mais adequado
para assegurar a tutela plena, eficaz e efectiva dos direitos ou interesses em causa.

Contedo do dever de executar


Pois bem, feita esta actualizao, impe-se ter presente o disposto no art. 100, da Lei
Geral Tributrio, o qual aponta que a administrao tributria est obrigada, em caso de
procedncia total ou parcial de reclamaes ou recursos administrativos, ou de processo
judicial a favor do sujeito passivo, imediata e plena reconstituio da situao que existiria se
no tivesse sido cometida a ilegalidade, compreendendo o pagamento de juros
indemnizatrios, nos termos e condies previstos na lei.

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Do mesmo modo, o art. 173, n 1, do CPTA, refere que Sem prejuzo do eventual
poder de praticar novo acto administrativo, no respeito pelos limites ditados pela autoridade
do caso julgado, a anulao de um acto administrativo constitui a Administrao no dever de
reconstituir a situao que existiria se o acto anulado no tivesse sido praticado, bem como de
dar cumprimento aos deveres que no tenha cumprido com fundamento no acto entretanto
anulado, por referncia situao jurdica e de facto existente no momento em que deveria ter
actuado.
Isto implica que, no caso de liquidao de um determinado tributo, o julgado
anulatrio como que incorpora a obrigao de devoluo do valor pago pelo contribuinte,
desde que no possa ser praticado um novo acto de liquidao que no enferme do vcio que
justificou a anulao.
Quanto a este ltimo elemento, na esteira do exposto pelo Cons. Jorge Lopes de Sousa,
Cdigo de Procedimento e de Processo Tributrio, Anotado e Comentado, 6 edio, 2011, vol.
II, pgs. 521 e ss., cabe notar que nos casos em que o motivo de declarao de nulidade ou de
anulao do acto impugnado foi um vcio procedimental ou de forma (como falta de audio
do contribuinte ou falta de fundamentao) ou incompetncia, no haver, em princpio,
obstculo a que a administrao tributria pratique um novo acto expurgado do vcio que
motivou a anulao.
Poder, porm, colocar-se a questo de haver impedimento prtica de novo acto
derivado dos prazos de caducidade da liquidao aplicveis (art. 45., da LGT).
Na verdade, apesar de nos casos em que apresentada reclamao graciosa ou
impugnao judicial o prazo de caducidade do direito liquidao se suspender a desde a sua
apresentao at deciso [art. 46., n. 1, alnea d), da LGT], pode suceder que o acto de
liquidao tenha sido praticado e notificado ao destinatrio em momento muito prximo do
termo do prazo legal, pelo que, apesar das suspenso, pode j ter transcorrido integralmente o
prazo de caducidade do direito de liquidao original quando a administrao tributria fica em
situao de renovar o acto, na sequncia de anulao.
No entanto, o mais adequado entendimento do regime de execuo de julgados ser o
de que durante o perodo de execuo espontnea, na sequncia de anulao do acto, a
Administrao tem o referido poder de praticar novo acto administrativo, no respeito pelos
limites ditados pela autoridade do caso julgado (art. 173., n. 1, do CPTA), no tendo outras
limitaes que no sejam as derivadas da autoridade da deciso anulatria e as previstas no
procedimento de execuo de julgados.
Durante este perodo de execuo espontnea de julgados, a administrao tributria
no est a exercer o seu poder autnomo de praticar actos tributrios, no mbito do

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procedimento tributrio prprio para essa prtica, estando, antes, por fora do disposto no art.
100., da LGT, a exercer um poder/dever de executar o julgado criado pela deciso anulatria,
poder esse a exercer no mbito do procedimento especial de execuo espontnea de
julgados, regido - em primeira linha - pelas suas regras prprias, visando a reconstituio da
legalidade do acto ou situao objecto do litgio imposta por aquele art. 100., que se
reconduz a reconstituir a situao que existiria se o acto anulado no tivesse sido praticado
(art. 173., n. 1, do CPTA).
Quando a reconstituio da situao que existiria se o acto anulado no tivesse sido
praticado implicar uma reabertura do procedimento tributrio em fase anterior da deciso
final (o que suceder nos casos em que a anulao seja motivada por preterio de
formalidade legal anterior deciso final do procedimento tributrio como, por exemplo, a
preterio do direito de audio prvia, assegurado pelo art. 60., da LGT), sero aplicveis as
regras deste a partir do momento processual em que ocorreu a ilegalidade mas, tambm neste
caso, o poder que a administrao tributria exerce, durante o perodo de execuo
espontnea da deciso anulatria, o que deriva da autoridade do caso julgado e no o poder
que inicialmente lhe era conferido por lei de decidir o procedimento tributrio.
A esta luz, justifica-se que, nos casos em que a execuo da deciso anulatria no
implicar uma reabertura do procedimento tributrio em fase anterior deciso final, a
administrao tributria, no tenha de dar cumprimento s exigncias procedimentais que
deveriam anteceder a prtica de um acto de deciso do procedimento autnomo.
Pela mesma razo de o poder/dever de executar decises anulatrias ser autnomo
em relao ao poder/dever geral de liquidar tributos, a administrao tributria no est
condicionada pelas limitaes temporais que a lei estabelece para exerccio deste ltimo
poder/dever, mas sim pelos limites temporais prprios da execuo de julgados. Isto significa
que, na sequncia de anulao contenciosa de um acto de liquidao, por vcio de forma, a
administrao tributria poder e dever praticar um novo acto de liquidao expurgado do
vcio que foi fundamento da anulao, dentro do prazo de execuo espontnea,
independentemente do decurso ou no do prazo de caducidade que valia para o exerccio do
primitivo poder autnomo de praticar o acto de liquidao. Mas, apenas durante esse perodo
legal de execuo espontnea a administrao tributria fica investida pela deciso anulatria
no poder de praticar actos desfavorveis ao contribuinte, desde que no tenham eficcia
retroactiva (n. 2, do referido art. 173.).
Se a administrao tributria no executar espontaneamente a deciso anulatria,
praticando um novo acto de liquidao no prazo de execuo espontnea, extinguir-se- o
poder de aquela praticar um novo acto que emana da deciso anulatria, pelo que a prtica de

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novos actos s ser possvel se puder basear-se ainda no poder originrio que concedido
administrao tributria para praticar actos de liquidao. Neste caso, o exerccio deste poder
estar sujeito s regras gerais do procedimento tributrio e aos limites temporais impostos
pelas regras sobre caducidade do direito de liquidao, isto , poder ser praticado um acto de
liquidao compatvel com o que tiver sido decidido na sentena anulatria [se violar o caso
julgado o acto ser nulo, nos termos do art. 133., n. 2, alnea, h), do CPA] se no tiver
transcorrido j a totalidade do prazo de caducidade do direito de liquidao.
esta a soluo que, para alm ser a que resulta linearmente dos textos legais, a
mais equilibrada, pois, encontrando a caducidade do direito de liquidao o seu fundamento
especfico na necessidade de certeza e segurana jurdicas, no h obstculo a que uma nova
liquidao ocorra no perodo de execuo de julgado, uma vez que, durante esse perodo, isso
algo com que o contribuinte deve contar.
Por outro lado, a aplicao do prazo de caducidade do direito de liquidao a situao
em que o dever de liquidao resulta de uma deciso anulatria, reconduzir-se-ia a que, em
muitos casos, quando a liquidao efectuada muito prximo do termo do prazo legal de
caducidade (o que, na prtica, ocorre em grande parte dos casos de liquidaes adicionais),
fosse invivel concretizar a adequada execuo do julgado, com a efectivao e notificao da
devida liquidao, pois, mesmo considerando a suspenso do prazo de caducidade prevista no
art. 46., n. 1, alnea d), da LGT, muitas vezes no ser possvel efectuar a liquidao e a
respectiva notificao antes de ter decorrido o prazo de caducidade. Ora, esta inviabilidade de
renovar o acto, na sequncia de uma deciso anulatria, nos casos em que possvel renov-lo
sem o vcio que motivou a anulao, est em manifesta dissonncia com a inteno legislativa
de que seja reconstituda a legalidade do acto ou situao objecto do litgio e de que seja
reconstituda a situao que existiria se o acto anulado no tivesse sido praticado, afirmada
nos arts. 100., da LGT e 173., n. 1, do CPTA.
Por isso esta a soluo mais acertada que se tem de presumir ter sido
legislativamente consagrada (art. 9., n. 3, do CC).
Na sequncia do que fica exposto, mostra-se definida de forma clara a matria da
execuo na sequncia de anulao de vcio de forma e o enquadramento da actuao da
administrao tributria, enquanto entidade obrigada execuo do julgado, situao distinta
da actuao em que est em causa o direito do Estado de cobrar determinado tributo.
Naturalmente, existe sempre a possibilidade de a administrao tributria optar por
no renovar o acto que foi declarado nulo ou anulado por vcio de forma, o que implicar a
reconstituio da situao que existiria se ele no tivesse sido praticado nos termos dos j
apontados arts. 100, da LGT e 173, n 1, do CPTA.

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No que concerne s situaes em que deparamos com o vcio de violao de lei, a


realidade em apreo poder no permitir a renovao do acto, se no existirem outras normas
legais que suportem a deciso subsequente ou alterao da matria de facto capaz de
enquadrar essa mesma deciso.
Nesta sequncia, pode suceder que um acto que foi praticado ilegalmente com base
em determinada legislao possa ser legalmente praticado com base noutra, do mesmo modo
que, a alterao das circunstncias de facto que envolvem o caso, podero permitir suportar a
nova posio da administrao tributria.
Deste modo, tal como refere o artigo 100, da LGT, a administrao tributria est
obrigada, em caso de procedncia total ou parcial de reclamaes ou recursos administrativos,
ou de processo judicial a favor do sujeito passivo, imediata e plena reconstituio da situao
que existiria se no tivesse sido cometida a ilegalidade, o que, como ensina a melhor doutrina,
mais no traduz que um simples postulado do princpio constitucional que dispe que
as decises dos tribunais transitadas em julgado so obrigatrias para todas as entidades
pblicas e privadas e prevalecem sobre as de quaisquer outras autoridades (artigo 205, da
CRP).
tambm um simples corolrio do sentido do princpio rector constitucional nos
termos do qual o poder jurisdicional foi constitucionalmente conformado enquanto rgo de
soberania, imparcial e independente e por via do qual as decises so obrigatrias ex
natura constitucional e no por fora de qualquer poder exterior.
A anulao judicial do acto tributrio implica a anulao de todos os seus efeitos ex
tunc, pelo que tudo se deve passar como se ele no houvera sido praticado.
Sendo assim, a anulao acarreta tambm a anulao de todos os actos consequentes
que hajam sido praticados tendo por base ou pressuposto jurdico-prtico o acto
tributrio anulado.
A administrao est assim obrigada a reconstituir a situao legal que
hipoteticamente existiria se no houvera sido objecto de um seu acto lesivo ou de uma ofensa
por si cometida contra os direitos e interesses legalmente protegidos dos administrados. Tratase, alis, de uma simples explicitao do princpio geral de direito de que devem ser apagados
todos os efeitos jurdico-prticos consequentes do acto ilcito, reconstituindo-se a situao que
existiria se ele no houvera ocorrido, princpio esse que informa igualmente o comando do art.
562. do C. Civil.
Nessa concretizao dos actos e operaes que devem ser praticados importa ter em
conta no s o expressamente vertido no dispositivo da deciso exequenda mas tambm a
respectiva fundamentao, pois a natureza do processo impe que a concretizao dos efeitos

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da deciso anulatria, o que significa que a execuo em apreo abranger ainda a fixao de
indemnizao pelas despesas que tenham sido suportadas para defesa dos seus direitos, em
processos judiciais ou administrativos, que estejam conexionadas com o acto ilegal anulado,
designadamente, nos casos em que houve patrocnio por Advogado, as despesas com os
respectivos honorrios, na medida em que no forem pagas no mbito da procuradoria.

Incio do prazo de execuo espontnea


Sobre esta matria, importa ter presente o exposto no Ac. do S.T.A. de 12-02-2015,
Proc. n 01169/14, www.dgsi.pt, onde se aponta que Tal questo foi j apreciada e decidida
pelo Supremo Tribunal Administrativo no acrdo proferido em 15/05/2013, no processo n
1317/12, cuja doutrina sufragamos sem reservas de convico face sua proficiente
fundamentao e qual nada se nos oferece acrescentar. Razo porque nos limitaremos a
transcrever o que nesse acrdo ficou dito:
A melhor doutrina (Jorge Lopes de Sousa in CPPT anotado e comentado 6 edio vol.
II pag.530 a que defende que O requerimento de execuo dever ser considerado
tempestivo desde que seja apresentado no prazo de seis meses a contar do termo
do prazo de execuo espontnea, contado a partir da remessa do processo administrao
tributria, independentemente da obrigao que assiste mesma administrao de executar
imediatamente os julgados logo aps o trnsito em julgado da deciso judicial (art 100 da
LGT) e mesmo que no seja apresentado o aludido requerimento pelo contribuinte de remessa
do processo.
E, mais adiante na mesma obra e local referenciado:
Por outro lado determinando a remessa do processo administrao tributria
indirectamente o incio do prazo para o contribuinte requerer a execuo de julgado, dever
entender-se que a precluso do seu direito de requerer a execuo s ocorrer se lhe for
efectuada notificao da data em que for efectuada a remessa, pois sem esse conhecimento o
contribuinte no ter conhecimento da data em que terminar o prazo de execuo
espontnea, que tambm aquela em que comea o prazo de que dispe para requerer
a execuo de julgado *+.
No nosso caso certo que no se mostra fixada no probatrio a data de tal eventual
remessa pelo que no lquido que tenha caducado o direito das contribuintes de requererem
a execuo de julgados como se considerou na 1 Instncia, sendo esse o fundamento da no
convolao, deciso que no se pode manter.
Acresce citar aqui o ac. deste STA de 17/06/2009 tirado no recurso n 73/09 de onde
se destaca porque, totalmente, elucidativa a seguinte passagem: () Se, como dissemos,

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A execuo de julgados no Contencioso Tributrio. Alguns apontamentos

o prazo de 6 meses para requerer a execuo de julgado se inicia aps o termo do prazo legal
para a execuo espontnea do decidido, existindo norma tributria que estabelece que
o prazo para a execuo espontnea pela Administrao tributria se conta da remessa do
processo ao rgo da administrao tributria competente para a execuo (havendo a
faculdade do interessado, que no o dever, de requerer essa remessa), parece que deve
entender-se, como sustenta o Excelentssimo Procurador-Geral Adjunto no seu parecer junto
aos autos, que a remessa do processo ao rgo da Administrao tributria teria de ser
oficiosamente notificada pela secretaria do tribunal interessada, nos termos do n. 2 do
artigo 229. do Cdigo de Processo Civil, pois que o direito processual da parte execuo do
julgado no depende de prazo a fixar pelo juiz nem de prvia citao, antes decorre da lei, que
fixa o seu termo inicial na dependncia da prtica de um acto do prprio Tribunal (a remessa
do processo ao servio de finanas).
No tendo a remessa do processo sido notificada interessada, nem lhe tendo sido
igualmente notificada qualquer nova liquidao de imposto ou correco da liquidao anterior
em execuo do decidido, no deve entender-se ter caducado o seu direito para requerer a
execuo do julgado pois que tal efeito, decorrente em parte da inrcia do tribunal ou da
Administrao em comunicar-lhe o facto do qual depende o termo inicial de um prazo atravs
do qual faz valer o seu direito execuo, seria atentatrio do seu direito tutela jurisdicional
efectiva (artigo 268., n. 4, da Constituio da Repblica).
Significa isto que o prazo para executar coercivamente o julgado, fixado no art. 176,
n 2, do CPTA, reportando-se ao termo do prazo para a execuo espontnea previsto no art.
175, do mesmo diploma legal, ter de ser determinado a partir da data da notificao da
remessa do processo ao rgo da administrao tributria, a que se refere o art. 146, n 2,
do CPPT, de modo a garantir o direito tutela jurisdicional efectiva consagrado no art. 268,
n 4, da Constituio da Repblica Portuguesa. (negrito nosso).
Esta matria introduz uma das situaes mais discutidas neste mbito e que se prende
com a compatibilizao entre o art. 100, da LGT e o art. 146, n 2, do CPPT, norma que
estabelece que o prazo de execuo espontnea das sentenas e acrdos dos tribunais
tributrios conta-se a partir da data em que o processo tiver sido remetido ao rgo da
administrao tributria competente para a execuo, podendo o interessado requerer a
remessa no prazo de 8 dias aps o trnsito em julgado da deciso.
Neste ponto, entende-se que o disposto na LGT prevalece sobre o CPPT, como resulta
do art. 1, do CPPT, (nesse sentido, Cons. Jorge Lopes de Sousa, Cdigo de Procedimento
e de Processo Tributrio, Anotado e Comentado, 6 edio, 2011, vol. II, 6. Ed., reas Editora,
2011, pg. 528), o qual refere que o presente Cdigo aplica-se, sem prejuzo do disposto no

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A execuo de julgados no Contencioso Tributrio. Alguns apontamentos

direito comunitrio, noutras normas de direito internacional que vigorem directamente na


ordem interna, na lei geral tributria ou em legislao especial, incluindo as normas que
regulam a liquidao e cobrana dos tributos parafiscais ().
Alm disso, sendo esta matria relativa a garantia dos contribuintes est sujeita ao
princpio da reserva (relativa) de lei, nos termos do disposto nos arts. 103, n 2 e 165 n 1, al.
i), ambos da Constituio da Repblica Portuguesa, o que significa que para que o desiderato
constitucional seja respeitado, a definio, por decreto-lei, de matria relativa s garantias dos
contribuintes, est dependente de prvia lei habilitante, o que sucedeu, no caso da LGT, mas
que no existiu para o CPPT, pelo que a concluir-se pela prevalncia do n. 2, do art. 146., do
CPPT, sempre este estaria ferido de inconstitucionalidade (Cons. Jorge Lopes de Sousa, Cdigo
de Procedimento e de Processo Tributrio, Anotado e Comentado, 6 edio, 2011, vol. II, pg.
529).
O mesmo Autor refere ainda que *d+e qualquer forma, o que importa concluir que a
obrigao da administrao tributria executar os julgados surge imediatamente com o
trnsito em julgado da deciso judicial, que no necessrio requerimento do interessado para
existir essa obrigao e que a falta de tal requerimento no prazo indicado no n. 2, do art.
146., do CPPT no faz precludir o direito deste a exigir perante a administrao tributria e os
tribunais a execuo de julgado (ob. cit., pg. 530).
Idntico entendimento foi adoptado no Acrdo do STA, de 3/12/2008, proc. n. 0570A/08: I - O art 146, n 2, do CPPT, na medida em que no se compatibiliza com o disposto no
art 100, da LGT, organicamente inconstitucional. II - De qualquer forma, a obrigao da
Administrao Tributria de executar os julgados surge imediatamente com o trnsito
em julgado da deciso judicial e no com a remessa, a requerimento do contribuinte, do
processo para o servio de finanas competente. III - A falta de tal requerimento no prazo
indicado no n 2, do art 146, do CPPT, no faz precludir o direito do contribuinte de a exigir
perante a administrao tributria e os tribunais a execuo de julgado.
Do mesmo modo, com origem no mesmo processo do acrdo supra citado, foi
proferido o Acrdo do Pleno CT do STA de 02/12/2009, proc. n. 0570-A/08: A obrigao da
Administrao Tributria de executar os julgados surge imediatamente com o trnsito
em julgado da deciso judicial e no com a remessa, a requerimento do contribuinte, do
processo para o servio competente para a execuo.
Sublinhe-se ainda que aquela jurisprudncia mantm-se actual, conforme resulta do
Acrdo do STA de 12/02/2014, processo n 01528/13, se decidiu o seguinte: I O dever de cumprir

espontaneamente

o julgado tributrio surge

com

trnsito

em julgado deste e no com a remessa do processo ao rgo competente para a execuo. II-

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A execuo de julgados no Contencioso Tributrio. Alguns apontamentos

Se o requerimento de execuo de julgado anulatrio deu entrada no Tribunal decorridos


mais de trs meses sobre a data em que presumivelmente o trnsito em julgado da sentena
exequenda se verificou no pode concluir-se ter sido prematuramente apresentado. III - O
interessado dispe de mera faculdade, que no do dever, de requerer a remessa dos autos ao
rgo da administrao competente para a execuo da deciso judicial tributria. IV - Se o
facto de no ter em seu poder o processo fsico dificulta o cumprimento por parte da
Administrao tributria do seu dever de cumprir o julgado, caber ao Representante da
Fazenda Pblica procurar superar essa dificuldade (artigo 15., n. 1, alnea a) e n. 2, do CPPT),
designadamente requerendo ao Tribunal a devoluo do processo ao rgo competente para
a execuo ou solicitando os elementos tidos como necessrios para cabal cumprimento
do julgado.
Pelo exposto, conclui-se pela aplicao do disposto no art. 100., da LGT, pelo que a
obrigao da administrao tributria executar os julgados surge imediatamente com o
trnsito em julgado da deciso judicial.
Nesta sequncia, cr-se que se impunha uma leitura mais incisiva desta matria, at
porque aquilo que se impe administrao tributria a execuo do julgado, o que
determina que, naturalmente, o prazo de execuo espontnea esteja ligado ao momento em
que surge a obrigao de executar, ou seja, com o trnsito em julgado da deciso.
Como vimos, no esta a posio do S.T.A., que faz uma leitura da situao
procurando integrar o exposto no art. 146, n 2, do CPPT, deixando como que em suspenso o
que fica dito a propsito do momento em que existe a obrigao de executar.
Com efeito, se tal momento reside no trnsito em julgado da deciso, aquilo que se
afigura natural que o prazo de execuo espontnea se conte a partir desse momento, e no
a partir da tal notificao a que alude o art. 146, n 2, do CPPT.
Tal posio, cr-se, no tem razo de ser, exibindo resqucios de uma postura algo
paternalista no que concerne situao da administrao tributria, que argumenta sempre
com a necessidade de dispor do processo administrativo tributrio para avanar com o
processo de execuo.
Neste ponto, no podemos continuar a contemporizar com este modo de proceder,
dado que, sendo a administrao tributria parte do processo, manifesto que a mesma tem
conhecimento da deciso e tem de saber que, caso a deciso no seja posta em crise, a
mesma, decorrido o prazo previsto na lei, transita em julgado, impondo-se agir em
conformidade, sendo que se considera como uma obrigao de quem representa a
administrao tributria do processo, no s dar conhecimento a quem de direito da deciso

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A execuo de julgados no Contencioso Tributrio. Alguns apontamentos

do processo, como ainda providenciar pela disponibilizao dos meios necessrios para
proceder execuo da deciso, caso se conforme com a mesma.
Isto para dizer que a soluo do art. 146, n 2, do CPPT, no tem qualquer sentido, na
medida em que, a menor operacionalidade dos tribunais neste domnio no pode servir de
escudo para a administrao tributria se eximir s suas responsabilidades, do mesmo modo
que comea a ser penosa a aluso descoordenao da actividade da administrao tributria
em que o sector do contencioso se limita a actuar no mbito do processo, demitindo-se de
qualquer outra actividade a partir do momento em que o processo finda.
Como quer que seja, fica a nota da posio jurisprudencial nesta matria e da sua
aparente incongruncia com a afirmao de que a obrigao da administrao tributria
executar os julgados surge imediatamente com o trnsito em julgado da deciso judicial,
salvando-se a ideia de que no necessrio requerimento do interessado para existir essa
obrigao e que a falta de tal requerimento no prazo indicado no n. 2, do art. 146., do CPPT,
no faz precludir o direito deste a exigir perante a administrao tributria e os tribunais a
execuo do julgado (no faltava mais nada).
Avanando, diga-se que nos termos do art. 175, n1, do CPTA, salvo ocorrncia de
causa legtima de inexecuo, o dever de executar julgados anulatrios de actos
administrativos deve ser integralmente cumprido no prazo de trs meses.
Porm, nos casos em que a execuo do julgado consista no pagamento de uma
quantia pecuniria, como suceder normalmente nos processos impugnatrios tributrios, no
invocvel a existncia de causa legtima de inexecuo e o pagamento deve ser realizado no
prazo de 30 dias (n. 3, do mesmo art. 175).
Estes prazos devero contar-se nos termos do art. 72., do CPA, com suspenso aos
sbados, domingos e feriados. Na verdade, para executar julgados anulatrios, a Administrao
pode ter de praticar um acto administrativo ou tributrio em substituio do anulado, cuja
emisso tem de efectuar-se com base num procedimento de natureza administrativa, a que
so aplicadas as regras do CPA. Por outro lado, o prprio CPA, ao regular o procedimento
administrativo, faz referncia s execues de julgados e actos administrativos praticados no
seu mbito na alnea b), do n 1, do seu art. 128, o que tem implcita a aplicao do CPA aos
actos relativos execuo de julgados.
Diga-se tambm, com apoio no exposto pelo Cons. Jorge Lopes de Sousa, Cdigo de
Procedimento e de Processo Tributrio, Anotado e Comentado, 6 edio, 2011, vol. II, pg.
532, que a execuo dos julgados anulatrios de actos de liquidao, nos casos em que a
quantia liquidada foi cobrada e o acto no pode ser renovado, reconduzir-se- ao pagamento
ao contribuinte da quantia paga, acrescida ou no de juros indemnizatrios, pelo que,

158

A execuo de julgados no Contencioso Tributrio. Alguns apontamentos

relativamente ao imposto indevidamente cobrado, a execuo espontnea da deciso


anulatria dever efectuar-se no prazo de 30 dias.
Porm, no que concerne aos juros indemnizatrios, estabelece-se no art. 61., n. 1, do
CPPT um prazo especial de 90 dias para liquidao e pagamento, pelo que ser este o prazo
especial de execuo espontnea no que respeita a estes juros.
Nos casos em que no tenha sido efectuado o pagamento e no seja possvel a
renovao do acto anulado, a mera anulao, eliminando o acto de liquidao da ordem
jurdica, ser normalmente suficiente para assegurar a reconstituio da situao que existiria
se ele no tivesse sido praticado, pelo que as tarefas de execuo limitar-se-o eliminao de
eventuais actos consequentes que tenham sido praticados, nomeadamente a extino de
processo de execuo fiscal que tenha sido instaurado para cobrana coerciva da quantia
liquidada.
No entanto, se for anulado o acto de liquidao, mas for possvel a renovao, o prazo
para executar o julgado ser o de trs meses referido no n. 1, do art. 175., do CPTA, pois a
execuo no se reduzir ao mero pagamento de uma quantia.
No pressuposto da inconstitucionalidade orgnica do n. 2, do presente art. 146., se
interpretado como afastando um dever imediato de execuo dos julgados a partir do trnsito
em julgado da deciso (pelo que se refere na anotao anterior), ser a partir deste trnsito e
no a partir da remessa do processo que se contaro os prazos de execuo espontnea, a
partir de cujo termo permitido ao interessado requerer ao tribunal tributrio a execuo
coerciva.
No entanto, se o contribuinte contar o prazo nos termos que resultam linearmente do
referido art. 146., n. 2, do CPPT, a petio de execuo no dever ser considerada
intempestiva, se for apresentada dentro do prazo de seis meses a contar do termo do prazo de
execuo espontnea contado da data da remessa do processo Administrao Tributria.
O dever de executar cabe entidade que praticou o acto anulado (art. 174., n. 1, do
CPTA). .

Tribunal competente
Naturalmente, sero competentes para a execuo os tribunais tributrios de 1
instncia sempre que tenham sido eles que tiverem proferido deciso em 1 grau de jurisdio,
sendo que ser competente o tribunal tributrio de 1 instncia, mesmo que a deciso
exequenda seja um acrdo do STA ou do TCA, desde que ele tenha sido proferido em recurso
jurisdicional em processo julgado inicialmente por esse tribunal tributrio de 1 instncia.

159

A execuo de julgados no Contencioso Tributrio. Alguns apontamentos

Em sede de recurso, como se aponta no Ac. do S.T.A. de 10-09-2014, Proc. n 0486/14,


www.dgsi.pt, tem sido entendido que a execuo de sentena constitui um meio processual
comum jurisdio administrativa e tributria e do art. 278., do CPPT resulta
inequivocamente que o regime de recursos que nele se encontra previsto s se aplica aos
processos regulados nesse mesmo Cdigo. Pelo que, na falta

de indicao do

regime de recursos jurisdicionais aplicvel aos meios processuais comuns jurisdio


administrativa e tributria h que aplicar o regime previsto no CPTA como legislao
subsidiria, por fora do disposto na alnea c), do art. 2., do CPPT, sendo certo, alm do mais,
que toda a tramitao da execuo regulada por este mesmo CPTA.
Neste contexto, importa ter em conta o disposto no art. 151., n. 1, do CPTA, segundo
o qual o recurso per saltum para o Supremo Tribunal Administrativo s pode ocorrer Quando
o valor da causa seja superior a trs milhes de euros ou seja indeterminvel e as partes, nas
suas alegaes, suscitem apenas questes de direito (...).
Como referem MRIO AROSO DE ALMEIDA e CARLOS ALBERTO FERNANDES CADILHA
(Comentrio ao Cdigo de Processo nos Tribunais Administrativo, 3. edio, Almedina, 2010,
anotao 1 ao art. 151., pg. 999.), este recurso per saltum s admitido desde que se
encontrem preenchidos os seguintes requisitos: (a) o fundamento do recurso consista apenas
na violao de lei substantiva ou processual; (b) o valor da causa, fixado segundo os critrios
estabelecidos nos artigos 32. e seguintes, seja superior a trs milhes de euros ou seja
indeterminvel (artigo 151., n. 1); (c) incida sobre deciso de mrito; (d) o processo no verse
sobre questes de funcionalismo pblico ou de segurana social (artigo 151., n. 2).
Assim sendo, atento o disposto no art. 31., n. 2, alnea c) do CPTA
(2 - Atende-se ao valor da causa para determinar:
*+
c) Se cabe recurso da sentena proferida em primeira instncia e que tipo de recurso.)
e no j citado n. 1, do art. 151., do mesmo cdigo, verifica-se uma circunstncia que, desde
logo, exclui que o recurso possa assumir-se como uma revista a dirigir ao Supremo Tribunal
Administrativo e impondo-se, consequentemente, observar o disposto no n. 3, do mesmo art.
151., do CPTA, segundo o qual Se, remetido o processo ao Supremo Tribunal Administrativo,
o relator entender que as questes suscitadas ultrapassam o mbito da revista, determina,
mediante deciso definitiva, que o processo baixe ao Tribunal Central Administrativo, para que
o recurso a seja julgado como apelao, com aplicao do disposto no artigo 149..
Conclumos, portanto, pela incompetncia, em razo da hierarquia,

desta

Seco de Supremo Tribunal Administrativo para conhecer do presente recurso, sendo

160

A execuo de julgados no Contencioso Tributrio. Alguns apontamentos

competente para o seu conhecimento a Seco de Contencioso Tributrio do Tribunal Central


Administrativo Norte.
Nem se diga que ao caso no se aplica o disposto no art. 152., do CPTA por a
distribuio da competncia entre o Supremo Tribunal Administrativo e os tribunais centrais
administrativos, no que se refere ao contencioso tributrio, dever ser a que resulta dos arts.
26. e 38., do ETAF, motivo por que sempre competiria Seco de Contencioso Tributrio do
Supremo Tribunal Administrativo conhecer dos recursos interpostos de decises dos
tribunais tributrios com exclusivo fundamento em matria de direito [cfr., art. 26., alnea b),
do ETAF] e Seco de Contencioso Tributrio dos tribunais centrais administrativos conhecer
dos recursos de decises dos tribunais tributrios, salvo o disposto na referida alnea b), do art.
26. [cfr. art. 38., alnea a) ,do ETAF].
Na verdade, sendo certo que a repartio de competncias entre o Supremo Tribunal
Administrativo e os tribunais centrais administrativos, em regra, se efectua nos termos
daqueles preceitos, nada obsta a que outros preceitos, contidos em diploma legal com igual
posio hierrquica (apesar de o Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais ter sido
aprovado por lei - Lei n. 13/2002, de 15 de Fevereiro - e o Cdigo de Procedimento
e de Processo Tributrio o ter sido por decreto-lei - Decreto-Lei n. 433/99, de 26 de Outubro -,
entre a lei e o decreto-lei no existe relao de hierarquia. Para maior desenvolvimento, J.
BAPTISTA MACHADO, Introduo ao Direito e ao Discurso Legitimador, Almedina, 1983, pg.
166 e segs.), regulem de modo que conduza a resultado diverso noutras situaes, como
sucede, v.g., no art. 151., do CPTA, quando aplicvel no contencioso tributrio por remisso
do n. 2 do art. 279. do CPPT. .

Incio do prazo para requerer a execuo do julgado


Nos termos do art. 176, n 1, do CPTA a possibilidade de fazer valer direito perante o
tribunal ocorre quando a administrao no executar a sentena de anulao no prazo
estabelecido no n 1, do artigo anterior, que o prazo de trs meses, pois o de 30 dias est
previsto no n 3, do art. 175.
No entanto, acolhendo o exposto pelo Cons. Jorge Lopes de Sousa (Cdigo de
Procedimento e de Processo Tributrio, Anotado e Comentado, 6 edio, 2011, vol. II, pg.
534), relativamente aos casos em que a execuo de julgado se limita ao dever de pagar uma
quantia certa, ser aplicvel o prazo de 30 dias, pelo que, na falta de execuo espontnea pela
administrao nesse prazo se justifica a abertura da possibilidade de recorrer aos tribunais
para obter execuo coerciva. Com efeito, a regra, nos casos em que a execuo apenas
consiste no pagamento de uma quantia determinada na sentena e juros indemnizatrios, a

161

A execuo de julgados no Contencioso Tributrio. Alguns apontamentos

de que a execuo coerciva pode ser requerida findo o prazo de 30 dias previsto para a
respectiva execuo, como se constata pelos arts. 170 a 172, do CPTA, que regulam o
processo executivo especial para pagamento de quantia certa (ns 1 e 2 daquele art. 170). Por
isso, parece que se deve admitir que o interessado que veja anulado um acto de liquidao de
que derive apenas o dever de pagamento de uma quantia possa requerer a execuo coerciva
se no ocorrer a execuo espontnea no prazo de 30 dias. A no ser assim, se o interessado
tivesse sempre de aguardar o decurso do prazo de trs meses antes de poder pedir a execuo
coerciva, ficaria sem alcance prtico a fixao do prazo de 30 dias feita na parte final do n 3,
do art. 175, pois a administrao passaria sempre a dispor, na prtica, do prazo de trs meses
para executar a sentena espontaneamente.
Isto no significa, porm, que, possa fazer-se idntica considerao daquele prazo de
30 dias para efeito de determinao do prazo de precluso do direito de pedir a execuo
coerciva. Na verdade, no n 2, do art. 176, do CPTA, estabelece-se que a petio de execuo
tem de ser apresentada no prazo de seis meses a contar do termo do prazo referido no n 1, do
artigo anterior, que o prazo de trs meses. Tratando-se, aqui, de um prazo de precluso de
um direito, parece no se poder interpretar esta norma como reportando-se ao prazo de 30
dias, nos casos em que estiver em causa apenas o pagamento de uma quantia, pois o
contribuinte pode ter confiado, o que at ser natural, no teor literal daquela norma e no
poder ser surpreendido por uma interpretao que, se bem que justificada, no tem suporte
legal explcito. Nesta matria de determinao de prazos de precluso, tem de se ter em conta
que o princpio constitucional do acesso aos tribunais para tutela de direitos, consagrado nos
arts. 20, n 1 e 268, n 4, da CRP, no se compagina com prazos de precluso de direitos que
no estejam explicitamente indicados e com que os seus titulares no possam, com a diligncia
e conhecimentos normais, seguramente contar. Por outro lado, no se pode olvidar que no
contencioso tributrio permitida com grande amplitude a interveno do prprio
interessado, sem obrigatoriedade de constituio de advogado (art. 6, n 1, do CPPT).
certo que haver alguma incongruncia em aceitar, por um lado, que o interessado
possa pedir a execuo coerciva ao fim do prazo de 30 dias e, para o efeito de determinar o
termo do prazo de seis meses, se atenda ao prazo de trs meses, pois isto reconduz se a que,
afinal, o prazo para requerer a execuo coerciva seja superior aos seis meses.
Mas, tambm certo que ser incongruente, nos casos em que est assente que o
prazo de execuo espontnea a aplicar o de 30 dias previsto no n 3, do art. 175, no
admitir a possibilidade de pedir a execuo coerciva a partir do seu termo, o que se
reconduzir ao prazo daquela execuo ser de trs meses. Numa situao em que, por
deficincia na redaco da lei, no vivel atingir solues congruentes, a opo adequada,

162

A execuo de julgados no Contencioso Tributrio. Alguns apontamentos

para quem est preocupado com administrar justia, ser a de optar pela soluo que melhor
se compagine com os princpios constitucionais. Sob esta perspectiva, no caso, por um lado,
no se poder deixar de reconhecer aos particulares o direito de acederem aos tribunais
quando no h razo para o restringir; por outro lado, no se dever admitir que os
particulares percam um direito pelo decurso de um prazo sem uma norma que claramente fixe
tal consequncia, por essa possibilidade ser inadmissvel face do princpio da confiana.

Tramitao
Execuo de sentenas de anulao - artigos 173. a 179.
Prazo de execuo espontnea

3 meses

Prazo para pedir execuo ao tribunal

6 meses contado desde o termo do prazo de


execuo

Pedidos de execuo

1. Fixao de um prazo para o cumprimento do


dever de executar e imposio de uma SPC aos
titulares dos rgos incumbidos de proceder
execuo;
2.

Declarao

de

nulidade

dos

actos

desconformes com a sentena e anulao


daqueles que mantenham, sem fundamento
vlido, a situao constituda pelo AA anulado.
Na p.i. o autor deve especificar os actos e
operaes em que considera que a execuo
deve consistir.
Notificao da entidade executada

Para contestarem no prazo de 20 dias


Quem intervm no processo quem tem o dever
de executar o acto, face do decidido na
sentena. Nas aces administrativas especiais, a
legitimidade passiva cabe pessoa colectiva de
direito pblico ou o ministrio a que pertence o
rgo que praticou ou devia ter praticado o acto
impugnado, sendo tambm aquela pessoa
colectiva

ou

ministrio

quem

legitimidade

passiva para intervir na execuo de julgado.


No entanto, a representao processual da
entidade

pblica

demandada

caber

ao

representante da Fazenda Pblica, nos termos

163

A execuo de julgados no Contencioso Tributrio. Alguns apontamentos

dos arts. 9, n 4 e 15, n 1, al. a), do CPPT e


arts. 53 e 54, do ETAF de 2002.
Quando estejam em causa receitas fiscais
lanadas e liquidadas pelas autarquias locais, a
Fazenda Pblica representada por licenciado
em Direito ou por advogado designado para o
efeito pela respectiva autarquia (arts. 54., n 2,
do ETAF de 2002 e 7, n 3, do DL n 433/99, de
26 de Outubro, que aprovou o CPPT).
Nos processos de impugnao

judicial,

legitimidade passiva cabe ao representante da


Fazenda Pblica, que a entidade que
notificada para contestar (art. 110, n 1, do
CPPT), pelo que ser ele que tambm representa
a administrao tributria no processo de
execuo de julgado.
Fundamentos da oposio

Existncia de CLI

Rplica

10 dias
No caso de concordar com a existncia de CLI
apenas invocada na contestao, o autor pode
pedir a fixao da indemnizao devida

Diligncias instrutrias

Se o tribunal entender necessrio

Deciso da oposio

20 dias

Provimento da pretenso executiva

1. Especifica, no respeito pelos espaos de


valorao prprios do exerccio da funo
administrativa, o contedo dos actos e operaes
a adoptar para dar execuo sentena;
2. Declara a nulidade dos actos desconformes
com a sentena e anula os que mantenham, sem
fundamento vlido, a situao ilegal. Porm,
importa distinguir:
a. Actos praticados com a inteno de evitar a
produo do resultado visado com a execuo,
sem fundamento vlido, constituindo uma
situao de inexecuo de sentena que ao
tribunal cumpre apreciar e anular esses actos em
sede de execuo;

164

A execuo de julgados no Contencioso Tributrio. Alguns apontamentos

b. Devero ser, pelo contrrio, objecto de


impugnao autnoma os actos aos quais o
exequente impute ilegalidades que devam ser
subsumidas a tipos diferentes de vcios, prprios
desses actos.
3. Identifica o(s) rgo(s) administrativo(s)
responsvel(eis) pela sua adopo
4. Fixa, segundo critrios de razoabilidade, o
prazo em que os referidos actos e operaes
devem ser praticados. Quando seja devido o
pagamento de uma quantia, determina que o
pagamento seja realizado no prazo de 30 dias,
seguindo-se, em caso de incumprimento, os
termos do processo executivo para pagamento
de quantia certa.
5. Condena os titulares dos rgos incumbidos de
executar a sentena ao pagamento de uma SPC
Termos posteriores sentena

Quando expire o prazo constante da sentena


para a AP cumprir o a determinado, sem que o
tenha feito, o exequente pode requerer ao
tribunal:
a. Estando em causa a prtica de um AA
legalmente devido de contedo vinculado, a
emisso de sentena que produza os efeitos do
AA ilegalmente omitido.
b. Estando em causa a prestao de um facto
infungvel, a fixao da indemnizao que lhe
devida, a ttulo de responsabilidade civil pela
inexecuo ilcita da sentena, seguindo-se os
trmites estabelecidos no artigo 166..

Actos desconformes com o julgado


De acordo com o disposto no n 2, do art. 179, do CPTA, na deciso do processo de
execuo de julgado anulatrio, sendo caso disso, o tribunal tambm declara a nulidade dos
actos desconformes com a sentena e anula os que mantenham, sem fundamento vlido, a
situao ilegal.

165

A execuo de julgados no Contencioso Tributrio. Alguns apontamentos

Com efeito, tal como aponta o Cons. Jorge Lopes de Sousa (Cdigo de Procedimento
e de Processo Tributrio, Anotado e Comentado, 6 edio, 2011, vol. II, pg. 540-544), o dever
de reconstituir a situao que existiria se o acto anulado no tivesse sido praticado em que a
administrao fica constituda pela sentena de anulao, um dever de reconstituio da
situao que existiria se as ilegalidades que justificaram a anulao, e apenas essas, no
tivessem sido praticadas e, em vez delas, tivesse sido praticado o acto em completa
conformidade com a lei. esse o alcance do direito tutela judicial efectiva em face de actos
administrativos anulveis que lesam os cidados: o direito a que os actos sejam praticados sem
as ilegalidades que eles entenderam invocar, por considerarem lesivas.
Essa identidade entre o mbito do julgado e o mbito dos poderes da administrao na
concretizao dos deveres de execuo particularmente ntida no novo contencioso
administrativo introduzido pelo CPTA, pois na sequncia de um juzo sobre a ilegalidade do
acto formulado em aco administrativa especial, o tribunal especificar, a pedido do
interessado o contedo do novo acto administrativo a praticar pela administrao ou os actos
e operaes necessrios para reconstitui a situao que existiria se o acto anulado no tivesse
sido praticado e dar cumprimento aos deveres que ela no tenha cumprido com fundamento
no acto impugnado.
Assim, fora dos casos em que exista espao para a formulao de valoraes prprias
do exerccio da funo administrativa (poderes discricionrios ou situaes em que haja uma
margem de subjectividade) o contedo dos deveres de execuo da administrao, na
sequncia de um julgado anulatrio corresponde integralmente ao contedo dos poderes de
regulao da situao que, na falta de execuo espontnea pela administrao, o tribunal ter
se for ele a ordenar a prtica dos actos necessrios para a reconstituio da situao jurdica
regulada pelo acto anulado.
Nos casos em que o Tribunal no fixar na aco administrativa especial, os actos a
praticar pela Administrao na sequncia da deciso anulatria, por o impugnante ter optado
por no formular esses pedidos na aco administrativa especial, como lhe permite o n 3, do
art. 47, os actos e operaes a ordenar pelo Tribunal para execuo do julgado sero os
mesmos que poderia ter ordenado na aco administrativa especial se o impugnante tivesse
formulado o respectivo pedido, no sendo compreensvel que, pelo facto de os actos a praticar
em execuo no serem fixados na sentena, o contedo da tutela judicial para a situao v
ter um contedo diferente.
O que significa, assim, que, face do CPTA, a desconformidade com a deciso
anulatria de que fala o n 5, do seu art. 176, no pode ter uma leitura restritiva que limite o
alcance da norma aos actos que colidam com o julgado anulatrio, tendo de lhe ser aplicada

166

A execuo de julgados no Contencioso Tributrio. Alguns apontamentos

uma interpretao pr-activa, que veja a desconformidade entre aquilo que devia ser
efectuado em execuo se fosse o Tribunal a determinar os actos de execuo e aquilo que a
Administrao levou a cabo.
Esta identidade que este novo contencioso administrativo implicitamente impe entre
o contedo dos deveres da Administrao de execuo espontnea dos julgados anulatrios
que no especifiquem os actos a praticar e o contedo dos actos a determinar pelo Tribunal
para concretizao da tutela judicial foi transposta para o velho contencioso administrativo da
LPTA, atravs do art. 5, n 4, da Lei n 15/2002, de 22 de Fevereiro, que aprovou o CPTA e que
determinou a sua aplicao imediata aos processos executivos instaurados a partir da sua
entrada em vigor.
Sendo assim, sero actos desconformes com a sentena, para efeitos do n 2, do art.
179, do CPTA, no s os que sejam incompatveis com ela, mas tambm aqueles que no se
contenham no mbito dos limites de reconformao da situao jurdica regulada pelo acto
que derivam da deciso judicial, isto , aqueles que correspondam ao exerccio de poderes da
administrao que foram extintos com o termo do prazo da resposta e no encontram na
sentena suporte renovatrio.
Ou, ainda por outras palavras, sero actos desconformes com a sentena anulatria,
todos aqueles que forem praticados em matria vinculada e que o tribunal no poderia
ordenar no mbito do processo de execuo, por no se conterem dentro dos limites da
execuo traados pelos poderes de cognio que exerceu na deciso anulatria.
A hiptese contrria, de permitir Administrao, na sequncia de um julgado
anulatrio, rever e alterar os pressupostos do acto em pontos que no foram objecto de
impugnao, reconduzir-se- em dfice da garantia da tutela judicial efectiva e em prazo
razovel que preocupao constitucional (art. 20, ns 1 e 4, da CRP). Na verdade, os actos
administrativos e tributrios dependem de vrios pressupostos, havendo apenas litgio quanto
a algum ou alguns deles, pelo que a no se limitar as possibilidade de execuo limitada aos
aspectos regulados pela deciso judicial, abrir-se-ia a porta possibilidade de a Administrao
diferir indefinidamente no tempo o momento da correcta regulao jurdica da situao em
causa, pois, aps um julgado anulatrio, por erro num dos pressupostos de facto ou de direito
do acto, poderia a Administrao, em execuo de julgado, corrigir esse erro, mas alterar um
dos outros pressupostos do acto anulado, praticando nova ilegalidade, e, em face de xito do
administrado em nova impugnao deste novo acto e de nova execuo de julgado, podia
alterar outro dos pressupostos, obrigando a nova impugnao, e assim sucessivamente,
deixando para um momento indeterminvel, eventualmente mesmo diludo na eternidade, a
concretizao da garantia constitucional da tutela judicial dos direitos do administrado, se este,

167

A execuo de julgados no Contencioso Tributrio. Alguns apontamentos

atnito e desiludido, tivesse a perseverana e os meios econmicos suficientes para no


desistir depois da segunda ou terceira renovao do acto com alterao dos pressupostos do
acto inicial e em pontos que no foram impugnados.
Por isso, a admitir-se que a lei compatvel com duas interpretaes, deve, na situao
em apreo, optar-se pela que aqui defendo, por ser a soluo mais acertada que tem de se
presumir ter sido consagrada legislativamente (art. 9, n 3, do CC) e por ser aquela que se
compagina com a CRP.
Os tribunais administrativos so um servio pblico de justia cuja primacial misso,
constitucionalmente atribuda, assegurar aos administrados a tutela judicial dos seus direitos
e interesses legtimos, pelo que no lhes permitido, sem quebra do cumprimento dos deveres
constitucionalmente impostos, aceitar interpretaes da lei que os coloquem em situao de
impossibilidade prtica de garantir o cumprimento dessa misso.

Sano Pecuniria Compulsria


Quantia pecuniria por cada dia de atraso na execuo da sentena para alm do prazo
estabelecido em cujo pagamento podem ser condenados os titulares dos rgos incumbidos da
execuo.
Pode ser aplicada pelos tribunais por forma a assegurar a efectividade da tutela,
quando tal se justifique - artigo 3, n 2, do CPTA.
Fixada segundo critrios de razoabilidade, podendo o seu montante dirio oscilar entre
5% e 10% do salrio mnimo nacional mais elevado em vigor no momento2.
Se o rgo obrigado for colegial, no so abrangidos pela SPC os membros do rgo
que (i) votem a favor da execuo integral e imediata e que faam registar em acta esse voto;
(ii) no estando presentes na votao, comuniquem por escrito ao presidente a sua vontade de
executar a sentena.
Cessao quando (i) tiver sido executada a sentena, (ii) o exequente desista do
pedido ou (iii) a execuo j no possa ser realizada pelos destinatrios da medida, por terem
cessado ou suspendido funes.
Liquidao das importncias devidas em consequncia da imposio de SPC: pelo
tribunal, a cada perodo de 3 meses, e, a final, uma vez cessada a aplicao da medida.
As importncias devidas ao exequente a ttulo de indemnizao e aquelas que resultem
da aplicao de SPC so cumulveis mas a parte em que o valor das segundas exceda o das
primeiras constitui receita consignada dotao anual, inscrita ordem do CSTAF, a que se
refere o n. 3 do artigo 172..
2

Actualmente de 485,00.

168

A execuo de julgados no Contencioso Tributrio. Alguns apontamentos

Pleno do STA, P. 030373A, de 03-05-2007: () a imposio de uma tal sano no tem


como pressuposto um anterior comportamento culposo, que tivesse de ser invocado e
demonstrado, da entidade responsvel pela execuo do julgado. Trata-se, antes, de uma
faculdade, que o tribunal pode usar, a requerimento ou mesmo oficiosamente, para prevenir
situaes, que ainda se perspectivam, apenas, como de eventual incumprimento3.
Indemnizao devida pela inexecuo legtima da sentena
Causa Legtima de Inexecuo
1. S constituem CLI:
a.

A impossibilidade absoluta (material ou jurdica) de execuo da sentena, no


bastando a mera dificuldade ou onerosidade da prestao.

b.

O grave prejuzo para o interesse pblico na execuo da sentena (princpio


da proporcionalidade):

2. A CLI pode respeitar a toda a deciso ou a parte dela.


3. A CLI s pode reportar-se a circunstncias supervenientes ou que a Entidade
Demandada no estivesse em condies de invocar no momento oportuno do
processo declarativo.
1. Quando o particular concorda com a existncia de CLI, mas cabe ao Tribunal fixar
o montante da indemnizao, deve o juiz verificar se existe efectivamente uma
CLI? que so pensveis situaes em que embora o particular aceite que a
execuo da sentena causa grave prejuzo para o interesse pblico, o juzo do
julgador seja diferente.
a.

Uma resposta afirmativa questo enunciada poderia encontrar fundamento


no facto de estar em causa a reposio da legalidade violada que no se
encontra na disponibilidade das partes;

b.

Porm, a previso legal da possibilidade de o particular aceitar a existncia de


CLI tem como pressuposto um contencioso de modelo essencialmente
subjectivista (que visa a satisfao dos direitos e interesses dos particulares),
caso contrrio o particular sempre teria que recorrer execuo e nunca podia
desistir da execuo uma vez aceite pelo exequente a existncia de uma CLI,
no cabe ao juiz averiguar da sua existncia, podendo o particular optar entre a
tutela primria (execuo da sentena) ou secundria (pedido indemnizatrio)

vd. M. Aroso de Almeida/C. A. Fernandes Cadilha, in Comentrio, cit., p. 841.

169

A execuo de julgados no Contencioso Tributrio. Alguns apontamentos

cfr. artigo 177., n. 3, do CPTA. 4 Acresce que, quando a CLI seja invocada
antes da propositura da aco executiva, o particular pode sempre concordar
com a invocao de CLI e acordar imediatamente no valor indemnizatrio a
questo da existncia ou no daquela nunca seria colocada ao tribunal
Concluso: quando o particular concorda com a existncia de CLI e cabe ao Tribunal
fixar o montante da indemnizao, no deve o juiz verificar se existe efectivamente uma CLI. O
que acontece que, no mbito de relaes jurdicas substantivas multipolares, a legitimidade
para propor a aco executiva mais ampla, na medida em que os efeitos constitutivos das
sentenas de anulao podem ter eficcia erga omnes.

Indemnizao
5. Quando o tribunal julgue procedente a oposio fundada na existncia de CLI,
ordena a notificao da Entidade Demandada e do exequente para, no prazo de 20 dias,
acordarem no montante da indemnizao devida pela inexecuo. Na falta de acordo, o
tribunal ordena as diligncias instrutrias que considere necessrias, fixando o montante da
indemnizao devida no prazo mximo de 20 dias. Se a Entidade Demandada no ordenar o
pagamento devido no prazo de 30 dias (ver artigo 70., n. 2, do CPA) contado da data do
acordo ou da notificao da deciso judicial que tenha fixado a indemnizao devida, seguemse os termos do processo executivo para pagamento de quantia certa.
6. Ocorrendo uma CLI, s ser admissvel na execuo um pedido de indemnizao
pelos danos decorrentes da inexecuo (e j no da ilegalidade do acto anulado, devendo,
neste ltimo caso, remeter-se as partes para os meios comuns).

Natureza jurdica da indemnizao devida pela inexecuo da sentena:


Quando a CLI seja o grave prejuzo para o interesse pblico: forma de
responsabilidade por facto lcito - prescinde da verificao dos requisitos da ilicitude
e da culpa fundamento dogmtico: princpio da justa repartio dos encargos
pblicos quando, por razes de interesse pblico (que beneficiam a sociedade
4

certo que execuo de sentena ultrapassa a esfera jurdica do exequente e o interesse na execuo pode

no ser um exclusivo daquele (pois h situaes em que os contra-interessados na aco de anulao


pretendem, atento o resultado desta, a execuo da sentena proferida). Pense-se na seguinte situao:
tendo sido posto apenas um lugar a concurso, e tendo havido quatro candidatos, o candidato classificado em
quarto lugar impugna o concurso. Em sede declarativa, o concurso anulado. Os candidatos colocados em
segundo e terceiro lugares podero no caber no conceito de interessado para efeitos do disposto no artigo
176., n. 1 do CPTA e, nessa medida, carecer de legitimidade para propor a competente aco executiva?

170

A execuo de julgados no Contencioso Tributrio. Alguns apontamentos

como um todo), sejam impostos a alguns particulares sacrifcios que ultrapassem o


custo normal da vida em sociedade, devem estes particulares ser indemnizados
pelos prejuzos sofridos, por razes de justia - estamos, nesta sede, perante uma
figura prxima de uma expropriao5.
Quando a CLI seja a impossibilidade absoluta de executar a sentena: forma de
responsabilidade objectiva (pela prtica do acto ilegal)6 7.

Tipo de danos a ressarcir


a.

O artigo 166., do CPTA, ao tratar da indemnizao devida pela inexecuo, no


diz qual o tipo de danos a ressarcir so indemnizveis tanto os danos
patrimoniais como os danos no patrimoniais que, pela sua gravidade,
meream a tutela do direito - cfr., artigo 496., do CC ( no sero
indemnizveis os meros transtornos e incmodos ou os danos que resultem de
uma especial sensibilidade do agente).

b.

Em sede de indemnizao pela inexecuo, o enquadramento da situao num


ou noutro tipo de CLI no traz consequncias no quantum indemnizatrio, uma
vez que o que releva nesta sede aferir o que poderia o particular obter com a
execuo da sentena, irrelevando a causa da inexecuo.

Mrio Aroso de Almeida, in Anulao de AA e relaes jurdicas emergentes, Ano 2002, Editora Almedina.

Mrio Aroso de Almeida, in obra citada: () quando as circunstncias vo ao ponto de nem sequer permitir

que o recorrente obtenha aquela utilidade que, em princpio, a anulao lhe deveria proporcionar e, por isso,
determinam que ele perca definitivamente a situao jurdica substantiva de fundo cuja satisfao ou
restabelecimento a anulao lhe deveria ter proporcionado, no seria justo colocar a reparao deste dano
na contingente dependncia do preenchimento dos pressupostos da responsabilidade subjectiva da
Administrao, sem lhe assegurar uma compensao em qualquer caso e, portanto, independentemente da
existncia ou no de culpa.
7

In obra citada.

171

A execuo de julgados no Contencioso Tributrio. Alguns apontamentos

Responsabilidade civil pela inexecuo ilcita da sentena8


Artigo 159., n. 1, do CPTA: a inexecuo ilcita quando no resulte de acordo do
interessado ou de declarao judicial que considere existir CLI.
Configuraes da indemnizao por responsabilidade civil devido a inexecuo ilcita da
sentena: uma (1.) converso da aco executiva ou uma (2.) aco autnoma.
1. Quando instaurada uma aco de execuo de sentena e a pretenso do autor
julgada procedente:
O tribunal deve, numa 1. fase (declarativa), especificar o contedo dos actos e
operaes a adoptar para dar execuo sentena, no respeito pelos espaos de
valorao prprios do exerccio da funo administrativa, e identificar os rgos
responsveis, fixando-lhes um prazo razovel para executar a sentena cfr.
artigo 179., n.s 1 a 4, do CPTA.
Expirado esse prazo, estamos em face de uma inexecuo ilcita cfr. artigo
179., n.s 5 e 6 e o particular pode requerer:
a. a emisso de sentena substitutiva (que produza os efeitos do acto
ilegalmente omitido)9, se est em causa a prtica de um AA legalmente
devido de contedo vinculado;
b. a execuo especfica ou indemnizao por inexecuo atravs de aco
autnoma10, se est em causa uma prestao de facto fungvel;
c. indemnizao por inexecuo (converso da execuo), se est em causa uma
prestao de facto infungvel o tribunal deve ordenar as diligncias
instrutrias que considere necessrias para apurar dos pressupostos da
responsabilidade pela inexecuo e dar a oportunidade para que as partes
aleguem e contra-aleguem, uma vez que ocorreu uma modificao objectiva
da instncia. E importar alterar o pedido, a causa de pedir e eventualmente
8

Consequncia da inexecuo ilcita (no justificada por CLI) de deciso por parte da Administrao:
1. Responsabilidade civil e disciplinar da Administrao e das pessoas que nela desempenhem funes;
2. Aplicao da pena de desobedincia ao rgo administrativo competente, quando o mesmo, tendo a
Administrao sido notificada para o efeito:
a. Manifeste a inequvoca inteno de no dar execuo sentena, sem invocar a existncia de CLI;
b.No proceda execuo nos termos que a sentena tinha estabelecido ou que o tribunal venha a definir
no mbito do processo de execuo.

Para mais desenvolvimentos sobre a temtica das sentenas substitutivas cfr. Duarte Amorim Pereira A

Execuo Substitutiva no Novo Regime de Processo Administrativo, pgs. 19 28.


10

Cfr. neste sentido Jos Carlos Viera de Andrade A Justia Administrativa, pgs. 421 e 422.

172

A execuo de julgados no Contencioso Tributrio. Alguns apontamentos

oferecer provas sem as quais o tribunal no poder convenientemente fixar a


indemnizao. Feita a instruo com vista fixao de indemnizao devida
pela inexecuo ilcita, o tribunal condena a Administrao no pagamento do
montante respectivo, fixando-lhe prazo para o fazer. Se no proceder ao
pagamento respectivo no prazo estabelecido, a aco executiva segue os
termos do processo executivo para pagamento de quantia certa11 Temos
uma aco que se inicia como executiva (de sentena de anulao), tem um
momento declarativo (para fixao da indemnizao) e tem um novo
momento executivo (para pagamento da indemnizao). Tal tramitao
permite uma maior celeridade e economia processual.
2. Mas o particular pode instaurar aco autnoma sob a forma de AAC (artigo 37.,
n. 2, alnea f), do CPTA)12:
a. por ter perdido interesse nos efeitos que a sentena substitutiva produziria;
b. por ter deixado ultrapassar o prazo de seis meses a que se refere o artigo
176., n. 2, do CPTA, o que no sana a situao de inexecuo ilcita,
continuando a Administrao obrigada pelo caso julgado, embora haja culpa
do lesado para efeitos do artigo 4., do RRCE, uma vez que no utilizou a via
processual adequada (via executiva) eliminao da omisso de execuo;
c. quando a execuo no repare todos os danos13(danos decorrentes da
execuo tardia ou danos no obstante a invocao de CLI em sede de
oposio).

O ilcito: violao da obrigao de cumprimento de sentenas anulatrias


Este requisito presume-se uma vez que a prpria lei a qualificar como ilcita a
inexecuo, ultrapassado o prazo para cumprimento voluntrio.
O comportamento anti-jurdico14 viola:

11

Quanto ao processo executivo para pagamento de quantia certa cfr. Jos Carlos Vieira de Andrade A

Justia Adminisitrativa, pgs. 413 415.


12

Tal comportamento da parte parece no poder ser comparado a desistncia nos termos do artigo 295, do

CPC, desde logo porque a aco executiva no o meio processual normal para fazer valer o direito
indemnizatrio; depois porque a letra do artigo 179, n 6, do CPTA se refere expressamente a uma
possibilidade, no se culminando nenhuma consequncia no caso de o particular no lanar mo desta
possibilidade.
13

Cfr. Jos Carlos Vieira de Andrade A Justia Administrativa, pgs. 421 e 422.

173

A execuo de julgados no Contencioso Tributrio. Alguns apontamentos

a) o artigo 173., do CPTA, que consagra o dever de executar;


b) os princpios constitucionais:
(i) obrigatoriedade e prevalncia das decises judiciais (artigos 205., n. 1, da CRP e
158., n. 1, do CPTA);
(ii) tutela jurisdicional efectiva (20. e 268., n. 4, da CRP).

Natureza jurdica
Estamos no mbito da responsabilidade subjectiva (pois no tem subjacente a prtica de
um acto legal nem uma situao de risco) importa averiguar se impende sobre o particular o
nus de provar a culpa ou se o mesmo beneficia de alguma presuno.
Nos termos do artigo 10., n. 2, do RRCE a culpa da Administrao inerente
ilegalidade cometida presume-se. No entanto, esta presuno apenas se refere prtica de
actos jurdicos ilegais, no se estendendo situao que ora nos ocupa15 caber ao
particular, segundo as regras gerais do artigo 342., n. 1, do Cdigo Civil, provar a culpa da
Administrao.
No entanto, a culpa afere-se pela diligncia de um funcionrio mdio admite-se o
recurso a uma presuno judicial nos termos do artigo 351., do Cdigo Civil, considerando que
o no acatamento do dever de executar justifica a inverso do nus da prova, fazendo recair
sobre a Administrao o encargo de demonstrar que agiu sem culpa aproxima-se esta
situao da que se verifica quando praticado um acto ilegal gerador de responsabilidade civil.

Cumulabilidade de pretenses indemnizatrias


No admissvel a cumulao numa mesma aco de pedidos indemnizatrios fundados
na prtica do acto anulado e na inexecuo ilcita da sentena pois:
a) no artigo 179., n. 6, do CPTA, estabelece-se que existe uma converso da aco
executiva em aco de responsabilidade pela inexecuo ilcita neste mbito s
pode ser deduzido o pedido indemnizatrio devido pela inexecuo ilcita;
b) O artigo 5., n. 1, do CPTA, apenas admite a cumulao de pedidos a que
correspondam diferentes formas de processo. Ora, o processo executivo no uma

14

Para maiores desenvolvimentos cfr. Duarte Amorim Pereira A Execuo Substitutiva no Novo Regime de

Processo Administrativo, pgs. 2 8; e ainda Nuno Miguel Cunha Rolo A Inexecuo Ilcita dos Julgados
Administrativos e a Responsabilidade Civil da Administrao, pgs. 6 15 e 22 27.
15

J estaremos no mbito da referida presuno se a Administrao praticar AA defraudatrios, mas no se

realizar operaes materiais.

174

A execuo de julgados no Contencioso Tributrio. Alguns apontamentos

forma processual, mas um tipo de aco. E nenhuma norma permite que se cumulem
pretenses a que correspondam diferentes aces.

Nexo de causalidade entre o ilcito e o dano


Subjacente responsabilidade civil est a teoria da indemnizao, segundo a qual se
exige que a perda seja efectiva.
Porm, a indemnizao por inexecuo ilcita no pode ser menos favorvel ao particular
do que a indemnizao por CLI para a fixao da indemnizao haver que proceder a um
juzo de probabilidade que parta da consistncia da posio jurdica do particular e que tenha
em considerao as diversas circunstncias do caso concreto, ou seja, que se verifique qual o
ganho que o particular poderia obter com a execuo, sendo que s deste modo possvel
aferir o que o mesmo perdeu com a inexecuo.
Como tem sido afirmado na jurisprudncia e na doutrina, o nexo de causalidade afere-se
de acordo com a teoria da causalidade adequada, adoptando-se a formulao negativa,
enunciada por Ennecerus-Lehmann no devero ser tidos em conta os danos para os quais a
inexecuo da sentena anulatria seja de todo indiferente.
Devero ser ressarcidos todos os danos (patrimoniais ou no patrimoniais) que tm uma
conexo com o acto lesivo (inexecuo do julgado anulatrio).

Notas Finais
Execuo de Julgado Juros Indemnizatrios Juros de Mora Taxa de Juros
Os juros moratrios a favor do contribuinte e os juros indemnizatrios perseguem a
mesma finalidade: os indemnizatrios destinam-se a compensar o contribuinte do prejuzo
provocado pelo pagamento indevido da prestao tributria e os moratrios visam reparar
prejuzos presumivelmente sofridos [pelo sujeito passivo], derivados da indisponibilidade da
quantia no paga pontualmente.
Estas duas espcies de juros tm, pois, a mesma funo, correspondendo ambos a uma
indemnizao atribuda com base em responsabilidade civil e destinando-se a reparar os
prejuzos advindos ao contribuinte do desapossamento e consequente indisponibilidade de um
determinado montante pecunirio, rectius, da prestao tributria.
Ainda que os respectivos factos geradores sejam diferentes - num caso a liquidao
ilegal, no outro o atraso no pagamento -, sempre est presente uma obrigao indemnizatria
derivada da produo de determinados danos ou prejuzos provocados por aquela
indisponibilidade.

175

A execuo de julgados no Contencioso Tributrio. Alguns apontamentos

Juros indemnizatrios e juros moratrios a favor do contribuinte so, portanto, duas


realidades jurdicas afins que tm um regime semelhante e desempenham a mesma funo.
Ora, uma vez que as duas espcies de juros se fundam numa obrigao indemnizatria
que pretende ressarcir idnticos prejuzos, eles no podem ser cumulveis em relao ao
mesmo perodo de tempo.
Da que se deva entender o artigo 102, n 2, da Lei Geral Tributria, como uma norma
especial sobre a execuo de sentenas, ou seja, um artigo que completa o disposto no artigo
100, devendo aquela prevalecer sobre esta quando a deciso a executar uma deciso
judicial (Lima Guerreiro, Lei Geral Tributria anotada, Editora Rei dos Livros, p. 420, nota 4).
Consequentemente, nos casos em que sejam simultaneamente aplicveis aqueles dois
artigos, h que interpretar correctivamente o artigo 100 em virtude da liquidao ilegal, so
devidos juros indemnizatrios at que se complete o prazo de execuo espontnea da deciso
judicial; aps este prazo, e at integral pagamento, so devidos juros moratrios nos termos do
artigo 102, n 2.
Por outro lado, so de diferente natureza as dvidas que geram juros indemnizatrios e
as dvidas que so fonte de juros compensatrios: no primeiro caso, pretende-se compensar o
contribuinte por um desapossamento ilegal - artigo 43, da Lei Geral Tributria -, sendo
indiferente que o devedor seja o Estado ou um particular; e, no segundo, visa-se reparar o
dano sofrido pela Administrao Tributria que, por facto imputvel ao sujeito passivo, se viu
privada, nomeadamente atravs do atraso da liquidao, de dispor de uma receita que lhe era
devida cfr. artigo 35, do mesmo diploma. Da que, quando se torna possvel a realizao da
liquidao, os juros compensatrios sejam conjuntamente liquidados com a dvida de imposto,
na qual se integram - n 8, deste ltimo normativo.
Por outro lado, a taxa de juro prevista no n. 1, do artigo 3., do Decreto-Lei n. 73/99,
de 16 de Maro, apenas aplicvel, conforme decorre expressa e inequivocamente do n. 1, do
artigo 1., do mesmo diploma, s dvidas ao Estado e a outras pessoas colectivas pblicas que
no tenham forma, natureza ou denominao de empresa pblica, (), provenientes de: a)
Contribuies, impostos, taxas e outros rendimentos quando pagos depois do prazo de
pagamento voluntrio; b) Alcance, desvios de dinheiros ou outros valores; c) Quantias
autorizadas e despendidas fora das disposies legais; d) Custas contadas em processos de
qualquer natureza, incluindo os de qualquer tribunais ou de servios da Administrao Pblica,
quando no pagas nos prazos estabelecidos para o seu pagamento.
certo que da inaplicabilidade da taxa de juro prevista no artigo 3., n. 1, do DecretoLei n. 73/99, de 16 de Maro aos juros de mora devidos pelo Estado aos particulares e a
aplicabilidade nestes casos da taxa de juro supletiva prevista para as obrigaes civis,

176

A execuo de julgados no Contencioso Tributrio. Alguns apontamentos

substancialmente mais baixa, resulta uma diversidade de tratamento das situaes em que o
Estado credor e aquela em que devedor de juros de mora, favorecendo-o sensivelmente
nas situaes em que credor de juros desta natureza.
Esta diversidade de tratamento no , porm, injustificada, antes encontra fundamento
material bastante, razo pela qual no se afigura violadora do princpio da igualdade, no
interesse pblico que est subjacente cobrana dos crditos do Estado e outros entes
pblicos, que justifica que se preveja um regime especialmente oneroso em matria de
sanes pela mora, sendo este regime mais favorvel de algum modo contrabalanado pelo
facto de os juros de mora a favor da Fazenda Nacional terem como limite, salvo no caso de
pagamento em prestaes, o perodo de trs anos (artigo 44, n 2, da LGT), enquanto para os
juros de mora a favor do contribuinte no vigora esse limite, tendo ele direito totalidade da
indemnizao por mora (Cons. Jorge Lopes de Sousa, Sobre a Responsabilidade Civil da
Administrao Tributria por Actos Ilegais, Lisboa, reas Editora, 2010, pgs. 108/109).

Aco de Reconhecimento de Direito Pedido de Pagamento Juros Indemnizatrios


Neste contexto, no podendo o pedido ser feito em sede de impugnao judicial e
estando igualmente excludo o recurso execuo de julgado (por j inexistir deciso judicial a
executar), de concluir que a aco de reconhecimento de direito legtimo em matria
tributria constitui, no caso, o meio processual adequado tutela da pretenso da autora e
prossecuo do objectivo legal de imediata e plena reconstituio da situao objecto do
litgio, a se compreendendo a apreciao do pedido de pagamento de juros indemnizatrios
nos termos do disposto nos arts. 100 e 43, da LGT. Ou seja, no tendo a presente aco para
reconhecimento de um direito a natureza de meio residual, antes se configurando como meio
processual complementar dos restantes meios previstos na lei, e no cabendo, no caso, o
recurso ao processo de execuo de julgado, ento legalmente admissvel a presente aco e
no ocorre o erro na forma de processo afirmado na sentena recorrida (Ac. do S.T.A. de 2105-2014, Proc. n 0737/13).

Prestao de Garantia Pedido de Indemnizao Execuo de Julgado


Por fora do art. 53, da LGT, o contribuinte tem direito a ser indemnizado, total ou
parcialmente, pelos prejuzos resultantes da prestao de garantia bancria ou equivalente que
este tenha oferecido para obter a suspenso do processo de execuo fiscal, no caso de esta vir
a revelar-se indevida por fora do vencimento em processo judicial ou em procedimento
tributrio onde era discutida a legalidade da dvida. E mais tem entendido que essa

177

A execuo de julgados no Contencioso Tributrio. Alguns apontamentos

indemnizao tanto pode ser requerida nesse procedimento, nesse processo judicial ou
autonomamente.
Sobre esta questo, escreveu-se no Ac. do S.T.A. de 24-11-2010, proferido no Processo
n 01103/09:
A Lei Geral Tributria no estabelece, porm, o prazo limite para a deduo desse
pedido no procedimento e/ou processo tributrio, nem clarifica qual o meio processual que
deve ser usado para a sua formulao autnoma, embora se deduza que, neste ltimo caso,
ele deva ser feito em processo do mbito da jurisdio administrativa e fiscal adequado para a
formulao desse tipo de pedidos. ()
certo que, posteriormente, em 1 de Janeiro de 2000, entrou em vigor o Cdigo de
Procedimento de Processo Tributrio, que, no artigo 171., veio regulamentar o exerccio desse
direito, dispondo do seguinte modo:
1 A indemnizao em caso de garantia bancria ou equivalente indevidamente
prestada ser requerida no processo em que seja controvertida a legalidade da dvida
exequenda.
2 A indemnizao deve ser solicitada na reclamao, impugnao ou recurso ou em
caso de o seu fundamento ser superveniente no prazo de 30 dias aps a sua ocorrncia.
Tal preceito traduz a reafirmao da faculdade, j enunciada na LGT, de o pedido ser
formulado no procedimento ou processo tributrio onde esteja a ser discutida a legalidade da
liquidao da dvida garantida, isto , logo no seu articulado inicial, ou, no caso de se fundar em
facto superveniente relativamente a esse articulado, em requerimento posterior a apresentar
nesse meio procedimental ou processual no prazo de 30 dias aps a ocorrncia do facto
superveniente.
Donde decorre que o artigo 171., do CPPT visou, to s, regulamentar o modo de
requer a indemnizao no prprio procedimento ou processo tributrio, nos termos previstos
na 1 parte, do n. 3, do artigo 53., da LGT, e no regulamentar o modo de a requer no meio
processual

autnomo

ou

independente

previsto

na

parte

do

preceito.

E, por isso, o facto de nada se dizer no CPPT sobre a formulao autnoma do pedido,
expressamente autorizada pela LGT, no impede que ele seja feito em processo prprio,
acessrio ou principal, adequado para o efeito.
Alis, a supremacia ou prevalncia da LGT sobre o CPPT, no permite, sequer, sufragar
uma interpretao do artigo 171., do CPPT, no sentido de que ele quis afastar ou eliminar a
possibilidade de a indemnizao poder ser requerida atravs do meio processual autnomo
referido naquela Lei, pois essa excluso implicaria a inconstitucionalidade orgnica do preceito,
tendo em conta que o sentido da autorizao legislativa em que se baseou o Governo para

178

A execuo de julgados no Contencioso Tributrio. Alguns apontamentos

aprovar o CPPT (concedida pela alnea c), do n. 1, do art. 51., da Lei n. 87-B/98, de 31.12)
foi o de compatibilizar as normas do Cdigo de Processo Tributrio com as da Lei Geral
Tributria e regulamentar as normas desta Lei que se mostrassem carecidas de
regulamentao,

no

proceder

sua

revogao

parcial

ou

total.

Torna-se, assim, evidente que a inteno do legislador foi a de que esta indemnizao pudesse
ser requerida e definida logo no procedimento ou processo tributrio onde se discute a
legalidade da dvida garantida, sem prejuzo de a parte poder formular essa pretenso em
processo autnomo, pois s esta leitura permite compatibilizar o direito expressamente
consagrado no artigo 53., da LGT, com a norma nsita no artigo 171., do CPPT. ()
Resta a questo de saber se, no tendo o lesado exercido esse direito atravs de aco
administrativa ou do referido enxerto no processo tributrio, no dispondo, assim, de deciso
que condene a Administrao ao pagamento da aludida indemnizao, no estando esta
obrigada ao seu pagamento em execuo espontnea do julgado, pode, ainda assim, o lesado
formular esse pedido em execuo coerciva do julgado anulatrio, isto , no meio processual
acessrio do processo tributrio onde foi anulada a dvida garantida.
Se estivssemos no domnio do contencioso de plena jurisdio, em que a tutela dos
direitos e interesses legalmente protegidos concedida directamente pelo tribunal, sendo este
quem dita e delimita a proteco jurdica que deve ser concedida reconhecida ao titular do
direito subjectivo ou dos interesses legalmente protegidos, no teramos dvidas em
responder negativamente questo. Sem uma deciso a condenar a Administrao ao
pagamento de uma indemnizao, o contribuinte no poderia ir ao processo de execuo do
julgado pedir essa indemnizao.
Todavia, no contencioso tributrio a tutela indirecta, no sentido de que cabe
Administrao tomar as providncias adequadas em ordem a que a deciso anulatria produza
os seus efeitos prticos normais. E da que, salvo nos casos de impossibilidade ou de grave
prejuzo para o interesse pblico, impenda sobre a Administrao, na execuo da deciso
anulatria, o dever de reconstituir a situao (hipottica) que existiria data do trnsito em
julgado, como se o acto ilegal no tivesse sido praticado.
o que resulta das normas contidas nos artigos 100. e 102., da Lei Geral Tributria
Destes preceitos, conjugados com as normas do CPTA sobre a execuo de sentenas
de anulao de actos administrativos, aplicveis por fora daquele n. 1, do artigo 102., da
LGT, resulta, pois, que em caso de procedncia da impugnao (meio judicial onde foi proferida
deciso anulatria da liquidao em causa nestes autos), a Administrao fica obrigada a
reconstituir a situao jurdica hipottica, repondo a situao que existiria se o acto anulado
no tivesse sido praticado, por forma a que a ordem jurdica seja reintegrada e o beneficirio

179

A execuo de julgados no Contencioso Tributrio. Alguns apontamentos

da anulao veja reparado os danos sofridos em resultado da prtica desse acto (cfr., artigo
173., do CPTA).
Ou seja, para alm de a deciso judicial anulatria possuir um efeito constitutivo, que
consiste na invalidao do acto impugnado, fazendo-o desaparecer do mundo jurdico desde o
seu nascimento, e deter um efeito inibitrio, que afasta a possibilidade de a Administrao
reproduzir o acto com as ilegalidades j declaradas, goza, ainda, de um outro efeito, que o da
reconstituio da situao hipottica actual, tambm chamado de efeito repristinatrio,
reconstitutivo ou reconstrutivo, e que passa pela prtica dos actos jurdicos e das operaes
materiais necessrias referida reconstituio e pela eliminao da ordem jurdica de todos os
efeitos positivos ou negativos que a contrariem.
, pois, indispensvel que a Administrao pratique, na execuo da deciso anulatria,
os actos e operaes materiais necessrias reintegrao da ordem jurdica violada e
reconstituio da situao actual hipottica, isto , restabelea a situao que o interessado
tinha data do acto ilegal e reconstitua, se for caso disso, a situao que o mesmo teria se o
acto no tivesse sido praticado.
Ora, na nossa perspectiva, as despesas que o contribuinte teve de suportar com a
prestao de garantia para obter a suspenso da execuo onde estava a ser cobrada a dvida
proveniente do acto de liquidao ilegal devem ser vistas como um dano emergente da
ilicitude desse acto, tendo em conta que este gozava do privilgio da executoriedade ou
privilgio da execuo prvia, determinante da sua imediata cobrana coerciva (artigos 18., do
CPT e 60., do CPPT), e que a suspenso da execuo dependia da prestao de garantia que o
contribuinte se viu, assim, forado a prestar, pelo que esta constitui, ainda, consequncia lesiva
da actuao administrativa ilegal.
Deste modo, e no mbito da presente execuo de julgado, a indemnizao de tais
despesas, necessariamente assumidas pelo contribuinte para obter a suspenso de eficcia do
acto que veio a ser eliminado da ordem jurdica por fora da sua ilegalidade, traduz-se em
operao necessria reconstituio da situao econmica em que aquele estaria se no
tivesse sido praticado o acto ilegal. Por outras palavras, a Administrao Tributria incorreu na
prtica de um acto ilegal, forando o contribuinte a recorrer via judicial para remover essa
ilegalidade e a ter de suportar despesas para obter a suspenso da cobrana coerciva da dvida
que emergia desse acto, pelo que no h razo para que a reconstituio da situao que
existiria se o acto no tivesse sido praticado no passe pela indemnizao desses danos que
por ele foram directamente provocados.
Em suma, do acto de anulao da liquidao () efectuado ao Exequente resulta o
dever, para a Administrao, de reconstituir a situao que actualmente existiria se tal acto

180

A execuo de julgados no Contencioso Tributrio. Alguns apontamentos

ilegal no tivesse sido praticado, dever que decorre directamente da lei, sem necessidade de
uma deciso declarativa, no fazendo hoje sentido a doutrina, antes seguida, de obrigar o
contribuinte a munir-se previamente de uma prvia deciso condenatria do pagamento dessa
indemnizao, obtida no processo de impugnao judicial. E este dever de reconstituio que
justifica que a pretenso indemnizatria prevista no artigo 53. da LGT seja requerida e obtida
em processo de execuo de julgado (Ac. do S.T.A. de 22-06-2011, Proc. n 0216/11).

PEDRO VERGUEIRO

Problemas de visualizao

181

O Regime dos Recursos Jurisdicionais no


Processo Tributrio

[Cristina Flora]

O Regime dos Recursos Jurisdicionais no Processo Tributrio

O Regime dos Recursos Jurisdicionais no Processo


Tributrio1
Cristina Flora
Sumrio:
1. Introduo
2. Tipos de Processo Tributrio que seguem o regime do CPPT/CPTA

3. Aladas e recorribilidade das decises


4. Recursos jurisdicionais no regime do CPPT
4.1. Recurso do n. 1 do art. 280. do CPPT
4.2. Recurso por oposio de acrdos
4.3. Recursos de despachos interlocutrios
4.4. Reviso da sentena
5. Recursos de decises proferidas em processos a que se aplica o regime do
CPTA

5.1. Recurso de apelao


5.2. Recurso de revista
5.3. Recurso para uniformizao de jurisprudncia
5.4. Recurso de reviso
6. Recurso em processo de contra-ordenao
7. Recurso/Impugnao na Arbitragem Tributria
7.1. Introduo
7.2. O recurso da deciso arbitral
7.3. A impugnao da deciso arbitral
8.Concluso

1. Introduo
Determinar o regime jurdico processual aplicvel a um determinado recurso
jurisdicional, no mbito do contencioso tributrio no tarefa fcil, desde logo pela
multiplicidade de diplomas aplicveis consoante o tipo de processo tributrio.

O presente texto corresponde a um resumo da apresentao efectuada sobre este tema no colquio

Recursos em Processos Administrativos e Tributrios no Centro de Estudos Judicirios.

185

O Regime dos Recursos Jurisdicionais no Processo Tributrio

Com efeito, grosso modo, os principais diplomas que podem ser aplicveis aos recursos
jurisdicionais no contencioso tributrio so os seguintes: ETAF; LGT; CPPT; CPTA; LPTA; CPC;
RGIT; RGCO; CPP; RJAT; LTC.
Portanto, h que ter especial cuidado na determinao correcta dos diplomas
aplicveis ao caso concreto, pois como demais sabido, as amarguras do incumprimento das
regras processuais podem ser severas como, por exemplo, a irrecorribilidade da deciso por
intempestividade do recurso (o que sucede amide), pois os prazos de recurso variam
conforme a sua natureza (urgente ou no urgente) e conforme se aplique o regime do CPPT, ou
do CPTA.
Deste modo, diramos que em matria de recursos jurisdicionais no contencioso
tributrio h que, em primeiro lugar, identificar correctamente o tipo de processo tributrio
em causa, em segundo lugar, os diplomas aplicveis em funo desse tipo de processo e, em
terceiro lugar, as redaces aplicveis ao caso concreto, atentas as regras da aplicao da lei
no tempo.
Embora de forma breve, pois a anlise pormenorizada no caberia na economia deste
trabalho, ensaiaremos enunciar as principais regras processuais a ter em considerao no
mbito dos recursos jurisdicionais no mbito do contencioso tributrio, de forma a possibilitar
uma viso geral dos mltiplos regimes jurdicos aplicveis.

2. Tipos de Processo Tributrio que seguem o regime do CPPT/CPTA


No mbito dos recursos no contencioso tributrio, como j referimos, antes de mais, h
que identificar correctamente o tipo de processo tributrio em causa. Ou seja, h que
identificar e ter em considerao o tipo de processo no mbito do qual a deciso foi proferida.
Deste modo e no que diz respeito ao tipo de processo tributrio, h que atentar, desde
logo, ao disposto no art. 97. da CPPT, que enumera nas diversas alneas do seu n. 1 os vrios
tipos de processo tributrio que integram o processo judicial tributrio.
Por sua vez, o regime dos recursos jurisdicionais, no mbito do processo tributrio,
encontra-se regulado no Ttulo V do CPPT, sob a epgrafe *d+os recursos dos actos
jurisdicionais.
Destaca-se, desde logo pela sua importncia, o disposto no art. 279. do CPPT que
dispe sobre quando se aplicam as regras do CPPT ou as previstas no CPTA.
Este preceito legal de suma importncia para se determinar qual o regime processual
que seguir determinado recurso.
Aplica-se o CPPT quando esto em causa recursos de actos jurisdicionais praticados no
processo judicial regulado por este cdigo (al. a) do n. 1) e recursos de actos jurisdicionais no

186

O Regime dos Recursos Jurisdicionais no Processo Tributrio

processo de execuo fiscal (al. b) do n. 1), e aplica-se o CPTA quando esto em causa
recursos de actos jurisdicionais sobre meios processuais acessrios comuns jurisdio
administrativa (n. 2).
Ou seja, os recursos que seguem as regras do CPPT so os que tenham por objecto
decises proferidas no mbito dos tipos de processo tributrios previstos no art. 97., n. 1 do
CPPT, mas que no sejam meios processuais acessrios comuns jurisdio administrativa
(vrios tipos de impugnaes: alneas a) a g), intimao para um comportamento; aco para
reconhecimento de direito; derrogao de sigilo bancrio; reclamao da verificao e
graduao de crditos; oposio; embargos de terceiro; anulao de venda; providncias
cautelares, reclamao do acto do rgo de execuo fiscal).
Por outro lado, os recursos que seguem as regras do CPTA so recursos de actos
jurisdicionais que no fazem parte do processo judicial regulado no CPPT e recursos de actos
jurisdicionais sobre meios processuais acessrios comuns jurisdio administrativa.
Assim, seguem as regras do CPTA as aces administrativas especiais, processos de
impugnao de normas, decretamento provisrio de providncias cautelares, intimao para
consulta de processos ou documentos e passagens de certido; produo antecipada de prova.
Esta delimitao dos regimes jurdicos aplicveis em sede de recursos no contencioso
tributrio decisiva para uma aplicao correcta dos respectivos normativos.
Determinados quais os regimes jurdicos aplicveis, ento h ainda que atentar
redaco aplicvel ao caso, segundo as regras da sucesso da lei no tempo.

3. Aladas e recorribilidade das decises


Um outro aspecto em matria de recursos jurisdicionais, que assume relevncia no
contencioso tributrio, so as aladas.
No contencioso tributrio as aladas correspondem s aladas dos tribunais judiciais2
dispondo neste sentido quer o art. 6. do ETAF, quer o art. 105. da LGT.
No que se refere a admissibilidade dos recursos por efeito das aladas a regra a de
que se aplica a lei em vigor ao tempo em que seja instaurada a aco (n. 6 do art. 6. do
ETAF). Deste modo, assume especial importncia atender alada em vigor data em que a
aco proposta, pois ser esta a que relevar para efeitos da admissibilidade do recurso.
Por conseguinte, em matria de aladas, necessrio ter em conta as alteraes
LOFTJ, ou seja, os sucessivos montantes fixados para as aladas dos tribunais judiciais, em vigor
data da instaurao do processo.
2

Com Lei n. 82-B/2014, de 31/12 as aladas dos tribunais tributrios de 1. instncia passaram a

corresponder alada dos tribunais judiciais, ou seja, 5.000,00.

187

O Regime dos Recursos Jurisdicionais no Processo Tributrio

Relativamente recorribilidade de uma deciso em funo da alada, h que realar


algumas situaes em que, independentemente da alada, a deciso sempre recorrvel.
No mbito da lei processual tributria temos, desde logo, uma situao especfica no
n. 5 do art. 280. do CPPT, em que se admite o recurso para o STA, independentemente da
existncia de aladas, de decises que perfilhem decises opostas relativamente ao mesmo
fundamento de direito e na ausncia substancial de regulamentao jurdica, com mais de trs
sentenas do mesmo ou de outro tribunal de igual grau ou com uma deciso de tribunal de
hierarquia superior.
A recorribilidade da deciso independentemente do valor ou da sucumbncia, e que
tambm so aplicveis ao processo tributrio, so as previstas na lei processual civil (CPC),
como por exemplo, as que se referem ao despacho de confirmao do no recebimento da p.i.
pela secretaria (art. 559.), deciso que condene por litigncia de m-f (art. 542., n. 3), ao
despacho de indeferimento liminar (art. 629., n. 3), decises de incompetncia internacional,
em razo da matria ou da hierarquia, ofensa do caso julgado, valor da causa ou dos incidentes
(629., n. 2, al. a), e b)).
Relativamente aos despachos que no admitem recurso, dispe o art. 630. do CPC, e
so: os de mero expediente, os proferidos no uso legal de um poder discricionrio, as decises
(salvo se contenderem com os princpios da igualdade ou do contraditrio, com a aquisio
processual de factos ou com a admissibilidade de meios probatrios) de simplificao ou de
agilizao processual, sobre as nulidades previstas no n. 1 do art. 195., e de adequao
formal proferidas nos termos do disposto no art. 547..

4. Recursos Jurisdicionais no Regime do CPPT


4.1. Recurso do n. 1 do art. 280. do CPPT
Os recursos que nos termos do disposto no 279. do CPPT devam seguir as regras
previstas no CPPT, aplica-se-lhes o regime de recurso previsto no art. 280., n. 1 do CPPT.
Temos ento, desde logo, o recurso previsto no n. 1 do art. 280. do CPPT que
interposto, processado e julgado como o de apelao (cfr. art. 281., conjuntamente com o art.
4., n. 1 e n. 2 do DL 303/2007, de 24 de Agosto)3.
Tem legitimidade para interpor este recurso o impugnante, recorrente, executado,
oponente ou embargante, Ministrio Pblico, a Fazenda Pblica, e no geral, qualquer
3

O art. 281. do CPPT remete para o regime do recurso de agravo em processo civil que se deve considerar

como remetendo para o regime de recurso de apelao de acordo com o disposto no art. 4., n. 1 e n. 2 do
DL 303/2007, de 24 de Agosto.

188

O Regime dos Recursos Jurisdicionais no Processo Tributrio

interveniente que fique vencido n. 1 (ou seja, quem no obteve plena satisfao dos seus
interesses na causa n. 3).
O Requerimento de recurso no tem de conter alegaes, basta declarar a inteno de
recorrer (art. 282., n. 1), e deve indicar o tribunal para o qual se recorre.
Por outro lado, o prazo para interposio do recurso de 10 dias (n. 1). Trata-se de
um prazo contnuo e, como tal, incluem-se na contagem sbados, domingos e dias feriados,
suspende-se nas frias judicias e, se terminar em dia que os tribunais estejam encerrados, o
seu termo transfere-se para o primeiro dia til seguinte (art. 138., n. 1 e n. 2 do CPC ex vi do
art. 20., n. 2 do CPPT)4.
H ainda que considerar na contagem do prazo para interpor recurso, o disposto no
art. 139., n. 5 do CPC que permite a prtica do acto dentro dos trs dias teis seguintes
subsequentes ao termo do prazo, desde que se proceda ao pagamento de multa nas condies
previstas nesse preceito legal.
O prazo para alegaes so de 15 dias a contar, para o recorrente, do despacho da
notificao da admisso do recurso, e para o recorrido e MP, do termo do prazo para alegaes
do recorrente (art. 282., n. 3).
A desero do recurso d-se pela no apresentao tempestiva das alegaes pelo
recorrente, e julgada no tribunal recorrido (n. 4).
No que diz respeito s contra-alegaes (alegaes pelo recorrido), sendo facultativas,
no h consequncia jurdica para a sua no apresentao.
No mbito do contencioso tributrio h ainda que ter em considerao as regras
processuais relativamente aos recursos quando estamos perante um processo de natureza
urgente.
Deste modo, o requerimento de recurso de processos urgente deve conter as
alegaes e ser apresentado no prazo de 10 dias (art. 283. do CPPT).
Do despacho que rejeite o recurso cabe reclamao, no prazo de 10 dias, a contar da
notificao da deciso, para o tribunal que seria competente para conhecer do recurso (art.
643. do CPC), mas j despacho de desero cabe recurso nos termos gerais.

As frias judiciais decorrem de 22 de Dezembro a 3 de Janeiro, do domingo de Ramos segunda-feira de

Pscoa e de 16 de Julho a 31 de Agosto (cfr. art. 12. da Lei de Organizao e Funcionamento dos Tribunais
Judiciais).

189

O Regime dos Recursos Jurisdicionais no Processo Tributrio

4.2. Recurso por oposio de acrdos


O recurso jurisdicional por oposio de acrdos encontra-se previsto no art. 280., n.
2 do CPPT, estatuindo este preceito legal que *d+as decises do Tribunal Central
Administrativo cabe recurso, com base em oposio de acrdos, nos termos das normas sobre
organizao e funcionamento dos tribunais administrativos e tributrios, para o Supremo
Tribunal Administrativo..
Esta espcie de recurso apenas aplicvel aos processos regulados no CPPT, cabendo o
seu conhecimento ao Pleno da Seco do Contencioso Tributrio. Os recursos jurisdicionais
tributrios que seguem as normas do CPTA aplicam-se as regras respeitantes ao recurso para
uniformizao de jurisprudncia previsto no art. 152. do CPTA.
A estes recursos aplicam-se, subsidiariamente, as regras constantes dos artigos 280. e
282. do CPPT, e ainda as regras dos recursos de apelao previstas no CPC, por remisso do
disposto no art. 281. do CPPT.
No que diz respeito tramitao do recurso por oposio de acrdos, esta encontrase regulada no art. 284. do CPPT.
Assim, o requerimento de recurso deve indicar os acrdos anteriores que estejam em
oposio com o acrdo recorrido, bem como o lugar da sua publicao ou registo (n. 1 do
art. 284.), e deve ser apresentado no prazo de 10 dias (n. 1 do art. 280.).
As alegaes so apresentadas no prazo de 8 dias a contar do despacho de admisso
do recurso (sob pena de ser julgado deserto o recurso) e devem demonstrar a oposio dos
acrdos exigida (n. 3 do art. 284.).
O recorrido pode responder no prazo de 15 a contar do termo do prazo da alegao do
recorrente (n. 4 do art. 284. em conjugao com o n. 2 e 3 do art. 282.).
O recurso por oposio de julgados sobe nos prprios autos ao STA por despacho do
relator e tem feito meramente devolutivo, salvo se for prestada garantia ou se afectar o efeito
til do recurso (art. 286., n. 1 e 2).
Do despacho do relator de rejeio do recurso cabe reclamao para a conferncia (n.
3 do art. 652. do CPC) e dessa deciso no cabe recurso (n. 4 do art. 692. do CPC).

4.3. Recurso de despachos interlocutrios


Dos despachos interlocutrios proferidos no processo judicial tributrio e no processo
de execuo fiscal cabe recurso nos termos regulados no disposto no art. 285. do CPPT.
De acordo com aquele preceito legal, o requerimento de interposio de recurso deve
conter as alegaes e concluses e deve ser apresentado no prazo de 10 dias (n. 1).

190

O Regime dos Recursos Jurisdicionais no Processo Tributrio

Quanto aos efeitos, em regra, o recurso de um despacho interlocutrio sobe nos


prprios autos com o recurso interposto da deciso final (subida diferida), sendo a excepo os
casos em que a subida imediata e em separado, designadamente, se a no subida imediata
do recurso comprometer o seu efeito til ou quando o recurso no respeitar ao objecto do
processo (n. 1 e n. 2).
O recurso do despacho interlocutrio processado em separado no caso de
acumulao de impugnao do despacho interlocutrio com fundamento em matria de facto
ou de facto e de direito e da impugnao judicial da deciso final com fundamento
exclusivamente em matria de direito (n. 3).
Do despacho de rejeio do recurso cabe reclamao no prazo de 10 dias, a contar da
notificao da deciso, para o tribunal que seria competente para conhecer do recurso (art.
643. do CPC).

4.4. Reviso da sentena


A Reviso da deciso transitada em julgado vem prevista no art. 294. do CPPT.
Nos termos daquele preceito legal, a reviso da sentena transitada em julgado
admissvel no prazo de 4 anos (n. 1) e apresentada no prazo de 30 dias a contar dos factos
referidos no n. 2 (este prazo de 90 dias se requerida pelo Ministrio Pblico n. 4), no
tribunal que proferiu a deciso a rever (n.3).
Os factos que fundamentam a reviso da sentena so os previstos no n. 2 do art.
294. do CPPT: falsidade de documento; documento novo que o interessado no tenha podido
nem devia apresentar no processo e que seja suficiente para a destruio da prova feita; e falta
de nulidade da notificao do requerente quando tenha dado causa a que o processo corresse
sua revelia.
Relativamente ao processado da reviso de sentena, o processo correr por apenso ao
processo em que a deciso foi proferida (n. 1), e segue os termos do processo em que foi
proferida a deciso a rever (n. 5).

5. Recursos jurisdicionais de decises proferidas em processos a que se aplica o


regime do CPTA
5.1. Recurso de apelao
Como vimos, nos termos do art. 279. do CPPT os recursos que seguem as regras do
CPTA so recursos de actos jurisdicionais que no fazem parte do processo judicial regulado no
CPPT e recursos de actos jurisdicionais sobre meios processuais acessrios comuns jurisdio
administrativa.

191

O Regime dos Recursos Jurisdicionais no Processo Tributrio

Seguem as regras do CPTA as aces administrativas especiais, processos de


impugnao de normas, decretamento provisrio de providncias cautelares, intimao para
consulta de processos ou documentos e passagens de certido; produo antecipada de prova.
Deste modo, estes processos seguiro as regras previstas nos artigos 140. e ss do
CPTA, e do Cdigo Processo Civil (art. 140. do CPTA), sero processados como os recursos de
apelao previsto no art. 644. e ss do CPC.
O recurso interposto mediante requerimento que inclui ou junta a respectiva
alegao e no qual so enunciados os vcios imputados sentena (n. 2 do art. 140. do CPTA)
e o prazo para a interposio de recurso de 30 dias e conta-se a partir da notificao da
deciso recorrida (n. 1 do art. 144. do CPTA).
No que diz respeito aos efeitos do recurso, estatui o art. 146. do CPTA: 1 - Salvo o
disposto em lei especial, os recursos tm efeito suspensivo da deciso recorrida. 2 - Os
recursos interpostos de intimaes para proteco de direitos, liberdades e garantias e de
decises respeitantes adopo de providncias cautelares tm efeito meramente
devolutivo. 3 - Quando a suspenso dos efeitos da sentena seja passvel de originar situaes
de facto consumado ou a produo de prejuzos de difcil reparao para a parte vencedora ou
para os interesses, pblicos ou privados, por ela prosseguidos, pode ser requerido ao tribunal
para o qual se recorre que ao recurso seja atribudo efeito meramente devolutivo. 4 - Quando a
atribuio de efeito meramente devolutivo ao recurso possa ser causadora de danos, o tribunal
pode determinar a adopo de providncias adequadas a evitar ou minorar esses danos e
impor a prestao, pelo interessado, de garantia destinada a responder pelos mesmos.
5 - A atribuio de efeito meramente devolutivo ao recurso recusada quando os danos que
dela resultariam se mostrem superiores queles que podem resultar da sua no atribuio,
sem que a leso possa ser evitada ou atenuada pela adopo de providncias adequadas a
evitar ou minorar esses danos.
Relativamente aos processos urgentes, dispe o art. 147. do CPTA, que os recursos
so interpostos no prazo de 15 dias e sobem imediatamente, no processo principal ou no
apenso em que a deciso tenha sido proferida, quando o processo esteja findo no tribunal
recorrido, ou sobem em separado, no caso contrrio (n. 1).
Por outro lado, no que diz respeito aos prazos a observar durante o recurso, dispe o
n. 2 daquele preceito legal so reduzidos a metade e o julgamento pelo tribunal superior tem
lugar, com prioridade sobre os demais processos, na sesso imediata concluso do processo
para deciso.

192

O Regime dos Recursos Jurisdicionais no Processo Tributrio

5.2. Recurso de revista


O recurso de revista vem previsto no art. 150. do CPTA que dispe: 1 - Das decises
proferidas

em

2.

instncia

pelo

Tribunal

Central

Administrativo

pode

haver,

excepcionalmente, revista para o Supremo Tribunal Administrativo quando esteja em causa a


apreciao de uma questo que, pela sua relevncia jurdica ou social, se revista de
importncia fundamental ou quando a admisso do recurso seja claramente necessria para
uma melhor aplicao do direito. 2 - A revista s pode ter como fundamento a violao de lei
substantiva ou processual. 3 - Aos factos materiais fixados pelo tribunal recorrido, o tribunal de
revista aplica definitivamente o regime jurdico que julgue adequado. 4 - O erro na apreciao
das provas e na fixao dos factos materiais da causa no pode ser objecto de revista, salvo
havendo ofensa de uma disposio expressa de lei que exija certa espcie de prova para a
existncia do facto ou que fixe a fora de determinado meio de prova. 5 - A deciso quanto
questo de saber se, no caso concreto, se preenchem os pressupostos do n. 1 compete ao
Supremo Tribunal Administrativo, devendo ser objecto de apreciao preliminar sumria, a
cargo de uma formao constituda por trs juzes de entre os mais antigos da Seco de
Contencioso Administrativo..
A jurisprudncia da Seco do Contencioso Tributrio do STA tem admitido o recurso
excepcional de revista no mbito do contencioso tributrio5.
Trata-se de um recurso das decises proferidas em 2. instncia pelo TCA, quando
esteja em causa uma questo que, pela sua relevncia jurdica ou social, se revista de
importncia fundamental ou quando a admisso do recurso seja claramente necessria para
uma melhor aplicao do direito (n. 1), e s pode ter por fundamento a violao de lei
substantiva ou processual (n. 2).
O erro na apreciao das provas e na fixao dos factos materiais da causa apenas
pode ser objecto de revista havendo ofensa de uma disposio expressa de lei que exija certa
espcie de prova para a existncia do facto ou que fixe a fora de determinado meio de prova
(n. 4).

5.3. Recurso para uniformizao de jurisprudncia


O recurso para uniformizao de jurisprudncia vem previsto no art. 152. do CPTA, e
aplicvel aos processos tributrios que seguem o regime do CPTA.
Trata-se de um recurso que interposto e julgado pelo Pleno do STA (arts. 27., n. 1,
al. b) do ETAF e art. 152., n. 4 do CPTA).

Cfr. entre outros, Ac. do STA de 03/12/2014, proc. n. 01058/14 e de 16/06/2010, proc. n. 0176/10.

193

O Regime dos Recursos Jurisdicionais no Processo Tributrio

Interposto de acrdos do TCA que estejam em oposio com acrdos do TCA ou STA
e ainda de acrdos do STA que estejam em oposio com outros acrdos do STA [no
admissvel recurso de acrdo do STA por oposio de acrdo do TCA (n. 1, alneas a) e b)].
O Prazo para a interposio do recurso de 30 dias contados do trnsito em julgado do
acrdo impugnado (n. 1).
O requerimento de recurso deve conter as alegaes com identificao da contradio
alegada e a infraco imputada sentena recorrida (n. 2).
O recurso no admitido se a orientao perfilhada estiver de acordo com a
jurisprudncia mais recentemente consolidada do STA (n. 3).

5.4. Recurso de reviso


O recurso de reviso vem previsto no art. 154. do CPTA: 1 - A reviso de sentena
transitada em julgado pode ser pedida ao tribunal que a tenha proferido, sendo
subsidiariamente aplicvel o disposto no Cdigo de Processo Civil, no que no colida com o que
se estabelece nos artigos seguintes. 2 - No processo de reviso, pode ser cumulado o pedido de
indemnizao pelos danos sofridos..
Ao recurso de reviso aplicam-se as regras contidas nos artigos 154. a 156. do CPTA,
e subsidiariamente, o Cdigo de Processo Civil (n. 1 do art. 154. do CPTA).
No que diz respeito legitimidade para requerer a reviso, dispe o 156. do CPTA, que
pode ser requerida pelo Ministrio Pblico, partes (n. 1) e quem devendo ser
obrigatoriamente citado no processo, no o tenha sido e quem, no tendo tido a oportunidade
de participar no processo, tenha sofrido ou esteja em vias de sofrer a execuo da deciso a
rever. (n. 2).
Quanto a prazos para requerer a reviso de sentena, dispe o art. 697. n. 2 que o
recurso no pode ser interposto se tiverem decorrido mais de 5 anos sobre o trnsito em
julgado da deciso [salvo se respeitar a direitos de personalidade] e o prazo de interposio
de 60 dias a contar nos termos das alneas a) a c) disposto no n. 2, do n. 3, n. 4, n. 5 do art.
697. do CPC.
Por ltimo, quanto aos fundamentos do recurso de reviso, encontram-se previstos nas
alneas a) a g) do art. 696. do CPC.

6. Recurso em processo de contra-ordenao


O regime jurdico das contra-ordenaes tributrias encontra-se regulado no Regime
Geral das Infraces Tributrias (RGIT) que foi aprovado pela Lei 15/2001, de 5 de Junho, sendo

194

O Regime dos Recursos Jurisdicionais no Processo Tributrio

que o direito subsidirio aplicvel encontra-se previsto no art. 3. desse diploma, consoante a
natureza do caso omisso.
Destaca-se a aplicao subsidiria, quanto s contra-ordenaes e respectivo
processamento, o Regime Geral das Contra-ordenaes (RGCO), e quanto s notificaes em
processos de contra-ordenaes o (art. 70., n. 2 do CPPT).
Tem legitimidade para interpor recurso jurisdicional da deciso proferida pelo tribunal
a quo, o arguido, Ministrio Pblico e Representante da Fazenda Pblica (n. 1 do art. 83. do
RGIT, na redaco dada pelo artigo 224. da Lei n. 66-B/2012, de 31 de Dezembro, pois
anteriormente a Fazenda Pblica no tinha legitimidade).
O Prazo de 20 dias a contar da notificao do despacho ou audincia de julgamento
ou da notificao da sentena.
No que diz respeito ao efeito, o recurso s tem efeito suspensivo se o arguido prestar
garantia no prazo de 20 dias ou demonstrar em igual prazo que a no pode prestar, no todo
ou em parte, por insuficincia de meios econmicos. (art. 84. do RGIT).
O modo de subida encontra-se previsto no art. 406., n. 1 do CPP, assim 1 - Sobem
nos prprios autos os recursos interpostos de decises que ponham termo causa e os que
com aqueles deverem subir. 2 - Sobem em separado os recursos no referidos no nmero
anterior que deverem subir imediatamente..
Quanto ao momento de subida dispe o art. 407., n. 2, al. a) do CPP. Sobem
imediatamente os recursos previstos no n. 2 e aqueles cuja reteno os tornaria
absolutamente inteis (n. 1), e tm subida diferida os recursos que no tenham subida
imediata (n. 3).
Da Rejeio do recurso cabe reclamao para o presidente do tribunal a que o recurso
se dirige (art. 405. n. 1 do CPP).
7. Recurso/Impugnao na Arbitragem Tributria6
7.1. Introduo
O Regime Jurdico da Arbitragem em matria Tributria (RJAT) foi aprovado pelo DecretoLei n. 10/2011, de 20 de Janeiro, alterado pelo artigo 124. da Lei n. 3-B/2010, de 28 de Abril
[Oramento de Estado para 2010] e pelos artigos 228. e 229. da Lei n. 66-B/2012, de 31 de
Dezembro [Oramento de Estado para 2013].
A deciso arbitral poder ser objecto de recurso ou impugnao, consoante os casos
(art. 25. e 27. do RJAT).
6

Sobre esta temtica vide, Cristina Flora, O CONTROLO JURISDICIONAL DA DECISO ARBITRAL Uma

perspectiva global, Revista de Finanas Pblicas e Direito Fiscal, ano IV, nmero 4, pp. 37-44, Coimbra, 2011.

195

O Regime dos Recursos Jurisdicionais no Processo Tributrio

7.2. O recurso da deciso arbitral


O recurso da deciso arbitral encontra-se prevista para o Tribunal Constitucional (n. 1
do art. 25.) e para o Supremo Tribunal Administrativo (n. 2 e 3).
Caber recurso para o Tribunal Constitucional quando a deciso arbitral recuse a
aplicao de qualquer norma com o fundamento na sua inconstitucionalidade, ou quando a
deciso arbitral aplique norma, cuja constitucionalidade tenha sido suscitada (n. 1 do art. 25.
d RJAT).
Nos termos do n. 4, do art. 25. RJAT o recurso apresentado no tribunal competente
para conhecer do recurso7.
O prazo de interposio do recurso de 10 dias (art. 75. da LTC8).
O recurso da deciso arbitral para o STA admissvel com fundamento na oposio da
deciso arbitral quanto a mesma questo fundamental de direito com acrdo do TCA ou STA
(n. 2 do art. 25. do RJAT).
Nesse caso, o recurso para o STA segue o recurso segue o regime jurdico do recurso
para uniformizao de jurisprudncia regulado no art. 152. do CPTA (n. 3), e deste modo, o
prazo para a interposio de recurso so 30 dias (art. 152., n. 1 do CPTA) a contar da
notificao da deciso arbitral (art. 25., n. 3 do RJAT).

7.3. A impugnao da deciso arbitral


A impugnao da deciso arbitral vem prevista nos artigos 27. e 28. do RJAT, sendo
competente para a conhecer, unicamente, o Tribunal Central Administrativo.
Os fundamentos da impugnao encontram-se taxativamente previstos nas alneas a) a
d) do n. 1 do art. 28., e reconduzem-se, s causas de nulidade da sentena previstas no n. 1
do art. 125. do CPPT e violao do princpio do contraditrio e da igualdade das partes, nos
termos em que estes se encontram estabelecidos no art. 16. do RJAT.
7

Por despacho da relatora do Tribunal Constitucional de 16/12/2013 foi decidido que, apesar de o n 4 do

artigo 25 do Regime Jurdico da Arbitragem Tributria (RJAT) determinar que o recurso de decises
arbitrais, em matria tributria, seja directamente interposto perante o Tribunal Constitucional, tal preceito
encontra-se em contradio com o disposto nos artigos 75, n 1, 75-A, n 5 e 76, n 1, da Lei do Tribunal
Constitucional. Assim, revestindo-se esta ltima de natureza reforada, por se tratar de uma lei orgnica, a
contradio entre a soluo normativa fixada pelo n 1 do artigo 25 do RJAT e o artigo 76, n 1 da LTC,
resolve-se a favor deste ltimo, em funo da manifesta ilegalidade proprio sensu da primeira, pelo que
se impunha a desaplicao da norma extrada do n 1 do artigo 25 do RJAT e a consequente aplicao do
regime processual previsto na Lei do Tribunal Constitucional. Os autos baixaram ao tribunal recorrido para o
mesmo se pronunciar sobre a admisso do recurso interposto. Cfr. Ac. do TC de 25/03/2014, proc. n.
204/14.
8

Lei Orgnica do Tribunal Constitucional - Lei n. 22/82, de 15 de Novembro.

196

O Regime dos Recursos Jurisdicionais no Processo Tributrio

Estatui que o pedido de impugnao deve ser apresentado no prazo de 15 dias a contar
da notificao da deciso arbitral ou da notificao do arquivamento do processo [rbitros
designados pelas partes - al. b) do n. 2 do art. 6.] cfr. n. 1 do art. 27. do RJAT).
O recurso dever ser apresentado junto do TCA acompanhado de cpia do processo
arbitral (art. 27., n. 1 do RJAT).
Quanto ao regime jurdico aplicvel impugnao das decises arbitrais, este o
estabelecido para o recurso de apelao definido no CPTA (n. 2 do art. 27. do RJAT). Por
conseguinte, aplicam-se tramitao da impugnao da deciso arbitral os artigos 140. e ss
do CPTA.

8. Concluso
Desta nossa exposio sobre o regime dos recursos jurisdicionais no mbito do
contencioso tributrio, podemos concluir que este est directamente relacionado com o tipo
de processo tributrio em causa, podendo ser de aplicar as regras do CPPT ou do CPTA, ou
ainda do RGIT, no caso das contra-ordenaes.
Por outro lado, como vimos, se a deciso proferida pelo tribunal arbitral, ento h
que aplicar, em primeira linha, o RJAT.
Para alm de ser necessrio identificar correctamente o regime jurdico processual
aplicvel a cada uma das espcies de processo tributrio, h ainda que ter sempre presente o
direito subsidirio aplicvel em cada caso, e as regras da sucesso das leis no tempo, e sem
olvidar a interpretao que a jurisprudncia faz dos normativos em matria de recursos.
A multiplicidade dos tipos processuais tributrios, e a diversidade de regime processual
que lhes aplicvel, conduz a que a identificao e aplicao da lei processual no mbito dos
recursos no contencioso tributrio se traduza numa tarefa que no nada simples, pelo menos
se compararmos com os outros ramos do direito, como por exemplo, o processo civil.
Muito mais haveria a dizer, desde a tramitao de cada uma das espcies no tribunal
superior, pormenorizar a tramitao na 1. instncia, at um aprofundamento das questes
que mais inquietam todos aqueles que lidam com estas questes, passando por uma anlise
jurisprudencial detalhada, mas como facilmente se compreender, essa anlise de pormenor
dos recursos no contencioso tributrio no caberia na economia deste trabalho. Deste modo,
espera-se ter contribudo para uma simplificao desta matria, atravs da sistematizao
ensaiada.
CRISTINA FLORA

197

O Regime dos Recursos Jurisdicionais no Processo Tributrio

Problemas de visualizao

198

O reenvio prejudicial para o Tribunal de Justia


da Unio Europeia o caso especfico da
arbitragem tributria

[Carla Trindade]
[Susana Bradford Ferreira]

O reenvio prejudicial para o Tribunal de Justia da Unio Europeia o caso especfico da


arbitragem tributria

O reenvio prejudicial para o Tribunal de Justia da Unio


Europeia o caso especfico da arbitragem tributria
Carla Trindade e Susana Bradford Ferreira

Sumrio:
1. O reenvio prejudicial
1.1 Qual a finalidade do reenvio?
1.2 O que uma questo prejudicial e quem a pode suscitar?
1.3 A que tribunal europeu deve ser dirigida a questo prejudicial?
1.4 Tipos de questes prejudiciais
1.5 Quando podem e devem os rgos jurisdicionais suscitar uma questo
prejudicial?
1.6 Qual a forma e contedo exigidos para o pedido de deciso prejudicial?
1.7 Diferentes tramitaes do processo prejudicial normal, acelerada e urgente
1.8 Quais os efeitos da deciso prejudicial no processo nacional em que foi
colocada?
2. O reenvio prejudicial e os tribunais arbitrais tributrios
2.1 A arbitragem tributria em Portugal
2.2 Os tribunais arbitrais e a jurisprudncia do Tribunal de Justia
2.3 Tribunais arbitrais tributrios rgos jurisdicionais de um Estado-membro?

H muito que Portugal deixou de ser s portugus.


Hoje fazemos parte de uma comunidade europeia, de uma Unio Europeia. E sabemos
bem que por Unio Europeia no se entende apenas uma unio econmica e poltica de
Estados, mais que isso uma unio de povos, de culturas, de tradies sociais e, para o que ora
nos importa, tradies jurdicas. Mais at, a Unio Europeia uma ordem jurdica, regulada por
um Direito que lhe prprio e que se impe a todos os seus Estados-membros, Direito
supranacional que comum a todos, apesar das diferentes tradies normativas que os
separam. por isso que numa ordem jurdica que pretende unir, e manter unidas, 28 (ou mais)
tradies culturais, normativas e jurisprudenciais, a plena integrao s resulta na medida em
que seja possvel a aplicao uniforme do Direito por que se rege, independentemente do
plano territorial em que este venha a ser aplicado. ento neste contexto que surge o reenvio
prejudicial sobre o qual ir incidir este texto.

201

O reenvio prejudicial para o Tribunal de Justia da Unio Europeia o caso especfico da


arbitragem tributria

Abordaremos, numa primeira parte, a questo do reenvio prejudicial no geral, com


alguma incidncia apenas nas questes que em concreto respeitam aos rgos jurisdicionais
nacionais. Numa segunda parte, faremos referncia aos tribunais arbitrais tributrios enquanto
rgos jurisdicionais nacionais, questo que aqui merece presena pelo interesse que
despertou e pela actualidade da sua, digamos, soluo final.

1. O reenvio prejudicial
1.1 Qual a finalidade do reenvio?
O reenvio prejudicial um mecanismo fundamental do Direito da Unio Europeia que
favorece a cooperao activa entre as vrias jurisdies nacionais e o Tribunal de Justia da
Unio Europeia, beneficiando a aplicao uniforme do Direito europeu em todo o territrio da
Unio. A sua principal finalidade , desse modo, fornecer aos rgos jurisdicionais dos Estadosmembros, um meio de assegurar uma interpretao e uma aplicao uniformes do Direito da
Unio. No devemos, porm, confundi-lo por um recurso para uma instncia europeia. Em boa
verdade, o reenvio no um recurso contra um acto europeu ou mesmo nacional, mas sim
uma pergunta relativa aplicao do Direito da Unio. Nas palavras do Tribunal de Justia, o
reenvio prejudicial um instrumento de cooperao judiciria () pelo qual um juiz nacional e
um juiz comunitrio so chamados no mbito das competncias prprias, a contribuir para
uma deciso que assegure a aplicao uniforme do Direito Comunitrio no conjunto dos
Estados membros1.
1.2 O que uma questo prejudicial e quem a pode suscitar?
Este mecanismo ao servio da Unio e dos seus Estados-membros pretende, pois,
clarificar uma questo prejudicial do Direito europeu. Cumpre clarificar este ltimo conceito.
Questo prejudicial, no contexto do reenvio, toda e qualquer questo que um rgo
jurisdicional nacional considere necessria resoluo de um litgio pendente.
De acordo com os artigos 267. 1 alneas a) e b) do Tratado sobre o Funcionamento da
Unio Europeia (TFUE) e 19. n. 3 alnea b) do Tratado da Unio Europeia (TUE), a questo
prejudicial a ser decidida pelo Tribunal de Justia poder versar sobre (i) a interpretao do
Direito da Unio (dos seus Tratados), ou (ii) interpretao, apreciao e validade de actos
adoptados pelas instituies, rgos ou organismos da Unio. Porm, o disposto nos artigos
275. e 276. do TFUE leva-nos a concluir que as questes prejudiciais no podem versar sobre
Poltica Externa e de Segurana Comum, nem sobre limitaes em matria de Espao de

In Acrdo Schwarze, de 01/12/1965, processo n. 16/65, disponvel em http://curia.europa.eu

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O reenvio prejudicial para o Tribunal de Justia da Unio Europeia o caso especfico da


arbitragem tributria

Liberdade Segurana e Justia previstas nos tratados, estando a competncia do Tribunal de


Justia excluda nessas matrias.
Veremos que a matria sobre a qual versam as questes prejudiciais ir dividi-las em
tipos, que adiante melhor entenderemos.
O pedido de deciso prejudicial pode, em princpio, ser submetido por qualquer rgo
jurisdicional de um Estado-membro, chamado a conhecer de um processo que culminar numa
deciso de carcter judicial. Por outras palavras, e na letra do artigo 267. do TFUE, sempre que
uma questo sobre interpretao dos Tratados, ou sobre a validade e a interpretao dos actos
adoptados pelas instituies, rgos ou organismos da Unio, seja suscitada perante qualquer
rgo jurisdicional de um dos Estados-membros, esse rgo pode e em alguns casos, como
veremos, deve pedir ao Tribunal de Justia que se pronuncie sobre essa questo, se entender
que uma deciso sobre ela necessria ao julgamento no processo principal.
Aqui abrimos um parntesis para introduzir a questo que ser melhor abordada na
parte II deste artigo. O TFUE atribui competncia para pedir uma deciso prejudicial aos rgos
jurisdicionais nacionais.
A qualidade de rgo jurisdicional interpretada pelo prprio Tribunal de Justia
enquanto conceito autnomo de Direito da Unio. Para tal, aquele tribunal toma em
considerao um conjunto de factores como, nomeadamente, a origem legal do rgo que lhe
submeteu o pedido, a sua permanncia, o carcter obrigatrio da sua jurisdio, a natureza
contraditria do processo, a aplicao, por esse rgo, das regras de Direito e a sua
independncia. Adiantamos que, por deciso datada de 12 de Junho de 2014, o Tribunal de
Justia concluiu que, a par dos tribunais judiciais nacionais, um tribunal arbitral tributrio
portugus um rgo jurisdicional na acepo do artigo 267. do TFUE.
1.3 A que tribunal europeu deve ser dirigida a questo prejudicial?
Aqui chegados, percebemos j, e sabido, que o Tribunal de Justia o tribunal
competente para conhecer das questes suscitadas, nos termos supra expostos, pelos rgos
jurisdicionais nacionais a ttulo prejudicial. Com efeito, pese embora o artigo 256. n. 3 do
TFUE atribua competncia na matria ao Tribunal Geral2, mediante determinao do Estatuto
do Tribunal de Justia da Unio Europeia, essa determinao ainda no ocorreu. Assim, o
Tribunal de Justia continua hoje a ter competncia exclusiva para conhecer das questes
prejudiciais previstas nos termos do artigo 267. do TFUE.
2

A actual organizao do sistema jurisdicional da Unio Europeia inclui, na instituio denominada de

Tribunal de Justia da Unio Europeia, os seguintes tribunais: o Tribunal de Justia, o Tribunal Geral e os
tribunais especializados.

203

O reenvio prejudicial para o Tribunal de Justia da Unio Europeia o caso especfico da


arbitragem tributria

Poderemos ento colocar uma questo pertinente: dever esta competncia a de


decidir a ttulo prejudicial do Tribunal de Justia ser entendida como manifestao de posio
hierrquica superior em relao aos tribunais nacionais dos Estados-membros?
A resposta negativa. No existe, entre as jurisdies nacionais e o Tribunal de Justia,
uma relao hierrquica de supra-infra ordenao.
Recordamos, em primeiro lugar, que o reenvio prejudicial no um recurso.
Em segundo lugar, note-se que as competncias de ambos so de ordem diferente.
Por um lado, cabe aos rgos jurisdicionais nacionais decidir o caso concreto.
Por outro, compete ao Tribunal de Justia pronunciar-se sobre o correcto
entendimento das questes jurisdicionais. Ou seja, h, na verdade, uma separao funcional
entre as suas competncias. Alis, como bem se tem entendido, os tribunais nacionais devem
ser encarados enquanto tribunais comunitrios, i.e., da Unio Europeia. E porqu? Porque se
quem aplica o Direito da Unio nos Estados-membros so as respectivas administraes
nacionais, os guardies da correcta aplicao desse Direito so, sem dvida, os tribunais
nacionais. Da que possamos dizer que os tribunais nacionais so funcionalmente europeus.
1.4 Tipos de questes prejudiciais
Feita uma abordagem geral temtica, entremos um pouco mais a fundo no tema para
perceber que tipo de questes prejudiciais existem. Ora, vimos j que, nos termos dos artigos
267. 1 alneas a) e b) do TFUE e 19. n. 3 alnea b) do TUE, as questes prejudiciais podem
versar sobre a interpretao do Direito da Unio Europeia ou sobre a interpretao, apreciao
e validade de actos adoptados pelas instituies, rgos ou organismos da Unio.
Temos ento questes prejudiciais de validade cuja deciso pode culminar na
declarao de invalidade de um acto adoptado por uma instituio, rgo ou organismo e
questes prejudiciais de interpretao.
As questes prejudiciais podem ainda ser de reenvio obrigatrio ou facultativo.
Fiquemos desde j com a ideia de que as questes de validade so sempre obrigatrias.
Sempre que a questo prejudicial seja suscitada em processo pendente perante um
rgo jurisdicional nacional cujas decises no sejam susceptveis de recurso judicial, previsto
no direito interno, o reenvio prejudicial obrigatrio. Contudo, excepciona-se essa
obrigatoriedade de reenvio quando, sendo a questo prejudicial de interpretao, (i) exista j
jurisprudncia na matria e desde que o quadro eventualmente novo no suscite nenhuma
dvida real quanto possibilidade de aplicao dessa jurisprudncia ao caso concreto ou (ii)

204

O reenvio prejudicial para o Tribunal de Justia da Unio Europeia o caso especfico da


arbitragem tributria

sempre que o correcto modo de interpretao da norma jurdica em causa seja inequvoco, ou
(iii) a questo prejudicial no seja necessria nem pertinente para o julgamento do litgio no
rgo jurisdicional nacional3. No que respeita a esta ltima, por pertinentes e teis devemos
entender as questes que sejam necessrias prpria deciso do rgo jurisdicional nacional
sobre o fundo da causa. O Tribunal de Justia no tem, portanto, quaisquer poderes
consultivos que lhe permitam dar resposta a questes gerais ou meramente hipotticas.
Uma quarta excepo foi ainda admitida pelo Tribunal de Justia, por Acrdo datado
de 27 de Outubro de 1982 (caso Morson/Holanda)4, segundo o qual a obrigao de suscitar a
questo prejudicial de interpretao pode ser dispensada nos processos de natureza urgente e
cautelar em que no haja deciso final do litgio. Assim foi decidido, na medida em que a
interpretao e aplicao uniformes do Direito da Unio ficar sempre assegurada atravs da
possibilidade de o reenvio prejudicial vir a ocorrer no processo principal, onde se aprecie e
decida do fundo da causa5.
Por seu turno, se da deciso do rgo jurisdicional nacional couber recurso ordinrio,
nos termos do seu Direito interno, o reenvio em princpio facultativo. S no o ser nas
questes prejudiciais de validade. Com efeito, de acordo com a jurisprudncia do Tribunal de
Justia, no Acrdo Foto-Frost, de 22 de Outubro de 19876, se o juiz nacional se inclinar para a
invalidade do acto de Direito da Unio dever obrigatoriamente submeter a questo ao
Tribunal de Justia por ser a este ltimo que pertence a competncia para declarar a invalidade
de actos das instituies, rgos ou organismos da Unio Europeia.
O exposto leva-nos a uma segunda ideia a reter: o carcter facultativo ou obrigatrio
de formulao de uma questo prejudicial no depende do objecto da questo mas sim da
admissibilidade, ou inadmissibilidade, de recurso ordinrio da deciso a proferir pelo juiz
nacional.
Deste modo, conclui-se que:

Estas excepes esto fixadas na jurisprudncia do Tribunal de Justia, no Acrdo Cilfit, de 6 de Outubro

de 1982, processo n. 283/81, disponvel em http://curia.europa.eu


4

Processo n. 35/82, disponvel em http://curia.europa.eu

Na redaco oficial da Unio Europeia em lngua inglesa, pode ler-se: The third paragraph of Article 177 of

the EEC Treaty must be considered as meaning that a national court or tribunal against whose decisions
there is no appeal under national law is nevertheless nor required to submit to the Court of Justice a
question as to the interpretation or validity of Community law within the meaning of that article where that
question is raised in interlocutory proceedings provided that i tis established that both parties may appeal or
require proceedings to be instituted on the substance of the case in which the question provisionally decided
in the summary proceedings may be re-examined and referred to the Court under Article 177
6

Processo n. 314/85, disponvel em http://curia.europa.eu

205

O reenvio prejudicial para o Tribunal de Justia da Unio Europeia o caso especfico da


arbitragem tributria

(i) Se a questo prejudicial for suscitada num processo pendente, num rgo
jurisdicional nacional cuja deciso admita recurso ordinrio no respectivo Direito
interno, aquele livre de pedir ao Tribunal de Justia que se pronuncie sobre a
questo excepto quando esteja em causa uma questo prejudicial de validade,
como acima destacmos;
(ii) Se, por outro lado, o processo pendente no rgo jurisdicional nacional no admitir
recurso no respectivo Direito interno, esse rgo obrigado a submeter a questo
ao Tribunal de Justia excepto se se verificar uma das excepes obrigatoriedade
do reenvio prejudicial fixadas pela jurisprudncia daquele tribunal a que acima nos
referimos.
Questionamo-nos agora: que consequncia advm, e para quem, do incumprimento da
obrigao de reenvio pelo rgo jurisdicional nacional?
Ora, a obrigao de reenvio decorre do Direito primrio da Unio Europeia, constante
do 3 do artigo 267. do TFUE.
Nesse sentido, se o rgo jurisdicional nacional incumprir essa obrigao, o
incumprimento ser imputvel ao Estado-membro a que pertena.
Por seu turno, o Estado-membro poder ser alvo de aco por incumprimento, nos
termos do disposto no artigo 258. do TFUE.
1.5 Quando podem e devem os rgos jurisdicionais nacionais suscitar uma questo
prejudicial?
A este respeito, recordamos o que se disse acima sobre a pertinncia e utilidade da
questo prejudicial que se venha a suscitar. Como referimos, a questo prejudicial dever ser
necessria deciso de fundo da causa pelo rgo jurisdicional nacional uma vez que o reenvio
prejudicial no deve, nem pode, funcionar como um aconselhamento pedido ao Tribunal de
Justia que, de resto, est desprovido desses poderes consultivos gerais.
Nesse sentido, razes de economia e de utilidade processuais apontam para que a
questo prejudicial deva ser submetida ou seja, que o reenvio prejudicial ocorra apenas
aps os factos j se encontrarem assentes e os problemas nacionais resolvidos. Este momento
temporal parece, efectivamente, ser o mais aconselhado at porque, como teremos
oportunidade de ver adiante, o rgo jurisdicional nacional dever, no pedido de pronncia a
ttulo prejudicial, expor sumariamente os factos pertinentes para a deciso prejudicial. Pouco
sentido faria exporem-se factos que nem se encontram assentes.

206

O reenvio prejudicial para o Tribunal de Justia da Unio Europeia o caso especfico da


arbitragem tributria

Entenda-se ento, que a interpretao ou a apreciao de validade pedida ao Tribunal


de Justia s poder ser concretizada mediante um correcto e definitivo enquadramento
jurdico-factual da questo.
No mesmo sentido vo as Recomendaes do Tribunal de Justia da Unio Europeia,
segundo as quais desejvel que a deciso de efectuar um reenvio prejudicial seja adoptada
numa fase do processo em que o rgo jurisdicional de reenvio esteja em condies de definir
o quadro jurdico e factual do processo, a fim de permitir ao Tribunal dispor de todos os
elementos necessrios a verificar, sendo caso disso, que o direito da Unio aplicvel ao litgio
no processo principal, acrescentando ainda que no interesse de uma boa administrao de
justia, pode ser igualmente desejvel proceder ao reenvio na sequncia de um debate
contraditrio7.
Assentes que esto os factos da causa, o rgo jurisdicional nacional dever proferir
despacho de reenvio e formular a questo prejudicial, pedindo ao Tribunal de Justia que sobre
ela se pronuncie.
1.6 Qual a forma e contedo exigidos para o pedido de deciso prejudicial?
No que concerne forma necessria para a formulao da questo prejudicial, em boa
verdade aquela no se encontra pr-definida. Porm, uma vez que o pedido servir de
fundamento ao processo de reenvio a decorrer no Tribunal de Justia, a formulao da questo
dever conter todos os fundamentos indispensveis tomada de posio por aquele tribunal
da Unio.
Pelo exposto, aconselhvel que o pedido apresente a estrutura de uma deciso
incidental. Bem assim, e uma vez que o processo que decorria no rgo jurisdicional nacional
se encontrar suspenso at que seja proferida deciso a ttulo prejudicial pelo Tribunal de
Justia, o despacho do rgo jurisdicional nacional dever terminar com a deciso
determinativa da suspenso da instncia, nos termos e ao abrigo dos artigos 269. n. 1 alnea
c) e 272., ambos do Cdigo de Processo Civil.
Uma outra questo que deve ser tida em conta que, pese embora o pedido de
deciso prejudicial seja dirigido ao Tribunal de Justia da Unio Europeia, vai tambm ser
notificado s partes e aos interessados designadamente, aos Estados-membros que tero o
direito de, se assim o entenderem, apresentarem observaes ao Tribunal de Justia.

Recomendaes ateno dos rgos jurisdicionais nacionais, relativas apresentao de processos

prejudiciais (2012/C 338/01) do Tribunal de Justia da Unio Europeia, disponveis em http://eurlex.europa.eu

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O reenvio prejudicial para o Tribunal de Justia da Unio Europeia o caso especfico da


arbitragem tributria

Por isso mesmo, e porque traduzido em todas as lnguas oficiais da Unio Europeia, o
pedido de deciso prejudicial deve assumir uma forma clara e sucinta, desaconselhando-se
pedidos que se alonguem alm das dez pginas.
ainda essencial que o pedido de deciso prejudicial seja dactilografado (o que
actualmente nem parece discutvel), para facilitar a leitura da pea, propondo o Tribunal de
Justia, pela sua utilidade, que o rgo jurisdicional nacional numere as pginas e os pargrafos
da deciso de reenvio, permitindo que o Tribunal lhes faa referncia.
Por ltimo, e como no podia deixar de ser, a deciso de reenvio deve ser datada e
assinada.
O Tribunal de Justia, nas suas Recomendaes, chama ainda a ateno para que
embora sucinto, esse pedido *de deciso prejudicial+ deve ser suficientemente completo e
conter todas as informaes pertinentes, de forma a permitir tanto ao Tribunal como aos
interessados que tm o direito de apresentar observaes compreender corretamente o
quadro factual e regulamentar do processo principal8, o que nos leva anlise do seu
contedo.
O contedo do pedido de deciso prejudicial foi objecto de regulamentao no artigo
94. do Regulamento de Processo do Tribunal de Justia (RPTJ).
Nos termos do a disposto, alm do prprio texto das questes submetidas a ttulo
prejudicial, o pedido deve ainda conter:
(i)

uma exposio sumria do objecto do litgio;

(ii) o elenco sucinto dos factos pertinentes, conforme apurados pelo rgo
jurisdicional de reenvio;
(iii) o teor das disposies nacionais susceptveis de se aplicar no caso concreto, bem
como a jurisprudncia nacional pertinente, se for esse o caso;
(iv) uma exposio das razes que levaram o rgo jurisdicional nacional a interrogarse sobre a interpretao ou a validade das disposies da Unio;
(v) a indicao e exposio do nexo que o rgo jurisdicional estabelece entre as
disposies da Unio e a legislao e/ou jurisprudncia nacionais aplicveis ao
litgio principal.
Vejamos alguns aspectos relevantes.
Ora, em primeiro lugar, ao indicar a legislao e jurisprudncia pertinentes, o rgo
jurisdicional nacional de reenvio deve fornecer as referncias precisas desses textos e da
8

idem

208

O reenvio prejudicial para o Tribunal de Justia da Unio Europeia o caso especfico da


arbitragem tributria

respectiva publicao, seja ela em jornal oficial, em colectnea ou uma referncia a um stio de
internet.
Em segundo lugar, recomenda o Tribunal de Justia que as disposies pertinentes do
Direito da Unio sejam identificadas com tanta preciso quanto possvel no pedido de deciso
prejudicial, o qual deve incluir, se for caso disso, um breve resumo dos argumentos pertinentes
das partes no processo principal9.
O rgo jurisdicional nacional deve ainda, se considerar que est em condies para
tal, expor sumariamente a sua posio quanto resposta a dar s questes prejudiciais
suscitadas.
Em terceiro lugar, semelhana do pedido propriamente dito de uma petio inicial de
qualquer processo judicial nacional, as prprias questes prejudiciais devem figurar numa
parte distinta e claramente identificada da deciso de reenvio, preferindo-se que figurem logo
no incio ou no fim, a fechar o pedido.
Em quarto lugar, onde as questes prejudiciais forem distintamente identificadas no
necessrio fazer-se qualquer referncia exposio de motivos feita no corpo do pedido. Se a
exposio de motivos fornece j, em princpio, todo o contexto necessrio para uma
compreenso adequada do processo em causa, a indicao diferenciada das questes
prejudiciais que devem ser compreensveis em si mesmas o guia essencial que dar ao
Tribunal de Justia a medida da sua pronncia.
Em quinto lugar, chamar ateno para uma questo de publicidade.
As decises em Portugal so por regra pblicas, certo, sendo porm expurgadas de
elementos de identificao das partes, preferindo-se o seu anonimato.
Porm, no mbito do processo prejudicial, o Tribunal de Justia ir retomar os dados
contidos na deciso de reenvio, incluindo os dados nominativos.
por isso aconselhvel que o rgo jurisdicional de reenvio proceda, ele prprio, logo
no pedido de deciso prejudicial, ocultao de determinados dados ou anonimizao de
uma ou vrias entidades ou pessoas envolvidas no processo principal.
Essa anonimizao poder, ainda, ser efectuada posteriormente pelo Tribunal de
Justia, oficiosamente ou a pedido do rgo jurisdicional nacional ou de qualquer uma das
partes no litgio principal.
No entanto, claro que a eficcia do anonimato depende da formulao do pedido
numa fase to precoce quanto possvel do processo.

idem

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arbitragem tributria

1.7 Diferentes tramitaes no do processo prejudicial tramitao normal, acelerada


e urgente
O processo de reenvio prejudicial para o Tribunal de Justia da Unio Europeia pode
ter, na verdade, trs tramitaes diferentes, com nveis de celeridade distintos, as quais
receberam a denominao de tramitao normal, acelerada e urgente.
No processo prejudicial dito de tramitao normal, nos termos do RPTJ e, bem assim,
de acordo com o sucintamente disposto no artigo 23. do Estatuto do Tribunal de Justia da
Unio Europeia, inclui uma fase escrita e uma fase oral.
Numa primeira fase, o rgo jurisdicional nacional notifica o Tribunal de Justia da sua
deciso de reenvio e este, por seu turno, notifica as partes em causa, os Estados-membros e a
Comisso, bem como o rgo ou organismo da Unio que tiver adoptado o acto cuja validade
ou interpretao vem contestada.
As partes e os referidos interessados tm ento ao seu dispor um prazo de dois meses
para, querendo, apresentarem as suas alegaes e observaes escritas.
ento que o juiz-relator do Tribunal de Justia redige o relatrio preliminar da
questo.
Terminada a fase escrita, os interessados acima identificados podem ser ouvidos,
contando que o Tribunal de Justia no decida pela inexistncia deste acto processual.
Com efeito, o Tribunal pode determinar que a audio dos interessados no tenha
lugar, desde que ouvidos o Advogado-geral e os prprios interessados, e apenas na medida em
que nenhum destes requeira tal audio, indicando os motivos que subjazem ao requerimento.
Por fim, o Tribunal de Justia profere deciso sobre a questo prejudicial.
Detenhamo-nos agora na tramitao acelerada.
Nos termos do artigo 105. n. 1 do RPTJ, a pedido do rgo jurisdicional de reenvio
ou, a ttulo excepcional, oficiosamente, o presidente do Tribunal pode, quando a natureza do
processo exija o seu tratamento dentro de prazos curtos, ouvidos o juiz-relator e o advogadogeral, decidir submeter um reenvio prejudicial a tramitao acelerada, em derrogao das
disposies do presente regulamento.
A acelerao dos trmites neste processo caracteriza-se, em especial, pela marcao
imediata da audincia e pelo encurtamento do prazo para apresentao das alegaes ou
observaes escritas, podendo o processo ser julgado sem concluses do Advogado-geral.
Julgamos que um exemplo de caso que justifique esta tramitao acelerada o que
vem referido no ltimo do artigo 267. do TFUE, segundo o qual se uma questo desta
natureza [prejudicial] for suscitada em processo pendente perante um rgo jurisdicional

210

O reenvio prejudicial para o Tribunal de Justia da Unio Europeia o caso especfico da


arbitragem tributria

nacional relativamente a uma pessoa que se encontre detida, o Tribunal pronunciar-se- com a
maior brevidade possvel.
Uma pequena nota para referir que, a partir de 2008, o Estatuto do Tribunal de Justia
da Unio Europeia passou tambm a fazer referncia a esta tramitao e, bem assim,
tramitao urgente que de seguida daremos conta , por adio do artigo 23.-A ao texto do
protocolo.
Por seu turno, a tramitao urgente relaciona-se com os reenvios relativos ao Espao
de Liberdade, Segurana e Justia, a que se refere o Ttulo V da Parte III do TFUE.
Este tipo de tramitao ficou ento previsto a partir de 15 de Janeiro de 2008, para as
questes prejudiciais sobre matrias relacionadas com o Espao de Liberdade, Segurana e
Justia e vem regulado nos artigos 107. e seguintes do RPTJ e, bem assim, no j enunciado
artigo 23.-A do Estatuto do Tribunal de Justia da Unio Europeia.
semelhana da tramitao acelerada, a urgente caracteriza-se tambm por
encurtamento do prazo de apresentao de alegaes ou observaes escritas, a fixar pelo
Tribunal de Justia. Porm, a tramitao urgente permite ainda que o Tribunal proceda a uma
limitao das alegaes e observaes escritas a apresentar pelas partes e outros interessados
que por regra, na tramitao dita normal e na tramitao acelerada, seriam permitidas.
Inclusive, em casos de extrema urgncia, toda a fase escrita do processo poder ser omitida.
Nestes casos, o Tribunal de Justia decide depois de ouvido o Advogado-geral.
O rgo jurisdicional de reenvio poder requerer que aquela determinada questo
prejudicial siga um processo de tramitao urgente, ou pode o prprio Tribunal de Justia
decidi-lo oficiosamente, ainda que a ttulo excepcional.
No primeiro caso i.e. sendo o rgo jurisdicional nacional a solicitar a tramitao
urgente o requerimento deve seguir devidamente fundamentado, acompanhado de toda a
documentao necessria, expondo-se as circunstncias de facto e de direito comprovativas da
urgncia, nomeadamente, os riscos em que se incorre se o reenvio seguir os trmites do
processo prejudicial normal.
1.8 Quais os efeitos da deciso prejudicial no processo nacional em que foi colocada?
Olhemos agora aos efeitos decorrentes da deciso sobre a questo prejudicial,
proferida pelo Tribunal de Justia, no processo nacional (principal) em que aquela foi suscitada.
Adiantamos que a deciso produz efeitos materiais e temporais, e que estes variam
consoante estejamos perante questes prejudiciais de interpretao ou de validade, tal como
as definimos acima.

211

O reenvio prejudicial para o Tribunal de Justia da Unio Europeia o caso especfico da


arbitragem tributria

Comecemos pelos efeitos materiais para depois nos debruarmos sobre os temporais.
Tendo em considerao que o objectivo ltimo subjacente ao processo prejudicial a
aplicao uniforme do Direito da Unio em todo o seu territrio, proferida uma deciso sobre
uma questo prejudicial de interpretao, julgamos bastante claro que o seu efeito material
primordial ser a vinculao deciso no s do rgo jurisdicional que suscitou a questo,
mas tambm dos restantes rgos jurisdicionais nacionais de todos os Estados-membros da
Unio.
De notar, porm, que essa vinculao opera em relao concluso, i.e. deciso stricto
sensu, e, bem assim, em relao respectiva fundamentao.
Esta regra, contudo, no pressupe uma espcie de efeito de caso julgado da deciso
do Tribunal de Justia. Com efeito, sendo a questo novamente colocada no rgo jurisdicional
nacional, pode ser de novo suscitada ao Tribunal de Justia, tendo este competncia para a
rever ou modificar, alterando assim, se for caso disso, o contedo e o sentido do acrdo
anterior.
Um outro efeito material decorrente da deciso prejudicial de interpretao a
incorporao dessa deciso na norma que vem interpretada.
No que respeita s questes prejudiciais de validade, os efeitos materiais decorrentes
da deciso prejudicial diferem consoante a deciso seja de invalidade do acto adoptado pela
instituio, rgo ou organismo da Unio ou de validade.
Sendo o acto declarado vlido, este tem efeito vinculativo, obrigando o rgo
jurisdicional nacional, que no poder recusar a sua aplicao ao caso concreto.
Pelo contrrio, tratando-se de uma deciso de invalidade, esta vincular quer os rgos
jurisdicionais nacionais, quer os Estados-membros, quer as prprias instituies, rgos ou
organismos da Unio a desaplicar o acto em causa. Gera-se assim um dever de eliminao ou,
pelo menos, alterao do acto em causa em toda a ordem jurdica da Unio Europeia, pelo
respectivo rgo competente.
O acto declarado invlido, porm, h-de permanecer naquela ordem jurdica at a sua
alterao ou revogao.
Vejamos ento os efeitos a nvel temporal da deciso prejudicial.
Estejamos perante uma questo prejudicial de interpretao ou de validade a regra a
produo de efeitos ex tunc, i.e., a retroactividade dos efeitos do acrdo prejudicial.
Nas decises de invalidade de acto da Unio, a produo de efeitos ex tunc implica,
naturalmente, o ressarcimento de danos que porventura tenham advindo da aplicao do acto
declarado invlido.

212

O reenvio prejudicial para o Tribunal de Justia da Unio Europeia o caso especfico da


arbitragem tributria

No entanto, ressalva-se a faculdade do Tribunal de Justia nica e exclusivamente


de, em qualquer caso mas, dizemos ns, mediante a devida fundamentao limitar a
produo de efeitos no tempo da deciso prejudicial, de interpretao ou de validade.
A finalizar esta parte, uma ltima nota para referir que, terminado o processo
prejudicial e levantando-se a suspenso da instncia nacional em que a questo prejudicial foi
suscitada, o rgo jurisdicional nacional vai proferir a sua deciso no caso concreto.
O Tribunal de Justia solicita, ento, o reenvio da deciso proferida, de certa forma
fiscalizando dizemos ns o bom cumprimento da obrigao de vinculao deciso
prejudicial a que o rgo jurisdicional nacional est adstrito.

2. O reenvio prejudicial e os tribunais arbitrais tributrios


Feito o enquadramento do quando, como e porqu do processo de reenvio prejudicial,
a questo que de seguida iremos abordar, e que j supra introduzimos, prende-se com um dos
pressupostos deste processo de reenvio ou, melhor dizendo, com o quem da obrigao de
reenvio.
Esclareamos.
Vimos j que o pedido de deciso sobre questo prejudicial pode e em algumas
situaes deve ser submetido por qualquer rgo jurisdicional de um Estado-membro
chamado a conhecer de um processo que culminar numa deciso de carcter jurisdicional.
Vimos tambm que a qualidade de rgo jurisdicional interpretada pelo prprio
Tribunal de Justia enquanto conceito autnomo de Direito da Unio Europeia.
Ora, se quanto aos tribunais nacionais no existem dvidas da sua qualidade de rgo
jurisdicional, o mesmo no se poder dizer quanto a outros como, por exemplo, os Julgados de
Paz ou os tribunais arbitrais.
ento sobre estes ltimos que nos debruaremos nesta segunda parte, na sequncia
de um acrdo proferido pelo Tribunal de Justia a 12 de Junho de 2014, no caso Ascendi10,
que, adiantamos, veio pr fim dvida lanada pelo legislador com a incluso no Regime
Jurdico da Arbitragem em Matria Tributria de uma referncia possibilidade de reenvio
prejudicial para o Tribunal de Justia da Unio Europeia.
2.1. A arbitragem tributria em Portugal
Antes de nos debruarmos sobre a qualidade de rgo jurisdicional nacional dos
tribunais arbitrais tributrios, julgamos pertinente uma breve exposio do regime da

10

Processo n. C-377/13, disponvel em http://curia.europa.eu

213

O reenvio prejudicial para o Tribunal de Justia da Unio Europeia o caso especfico da


arbitragem tributria

arbitragem tributria em Portugal, legislao inovadora e pioneira que instituiu na Europa os


primeiros tribunais arbitrais em matria tributria.
Ora, como sabido, a introduo de um sistema de tribunais arbitrais em matria
tributria em Portugal tornou-se possvel com a autorizao legislativa constante do artigo
124. da Lei n. 3-B/2010, de 28 de Abril, que definiu o Oramento do Estado para 2010 (LOE
2010).
Permitiu-se ento a criao de um processo arbitral tributrio enquanto forma
alternativa de resoluo jurisdicional de conflitos em matria tributria.
Previa-se que a arbitragem tributria viesse a traduzir um meio alternativo, ao dispor
do contribuinte, impugnao judicial e aco para reconhecimento de um direito ou
interesse legtimo.
Estabeleceu-se ainda, entre outras regras de teor processual, que a arbitragem deveria
ser configurada como direito potestativo dos contribuintes.
Foi com base nesta autorizao legislativa que se aprovou o Decreto-lei n. 10/2011, de
20 de Janeiro, que estabelece o Regime Jurdico da Arbitragem em Matria Tributria (RJAT).
O RJAT foi ento arquitectado tendo em vista trs objectivos principais, desde logo
referidos no prprio prembulo do diploma que o aprovou, a saber:
(i)

o reforo da tutela eficaz dos direitos e interesses legtimos do sujeito passivo;

(ii) a maior celeridade na resoluo de litgios que opem a Administrao Tributria


ao sujeito passivo, e
(iii) a reduo do nmero de processos pendentes nos tribunais administrativos e
fiscais.
Estabeleceu-se que a arbitragem tributria institucionalizada, funcionando sob a gide
do Centro de Arbitragem Administrativa (CAAD), e que as suas decises, semelhana do que
j vinha estabelecido na Lei de Arbitragem Voluntria (LAV), tm o mesmo valor jurdico que as
sentenas dos tribunais judiciais.
De destacar, como o quis o legislador, que o CAAD o nico centro de arbitragem a
funcionar sob a gide do Conselho Superior dos Tribunais Administrativos e Fiscais que, de
resto, competente para nomear o presidente do conselho Deontolgico do CAAD.
O diploma que introduziu a arbitragem em matria tributria na ordem jurdica
portuguesa ficou, contudo, aqum da autorizao legislativa que lhe serviu de base,
consagrando-a apenas como meio alternativo impugnao judicial, relegando para os
tribunais judiciais todas as questes relativas a reconhecimento de direitos e interesses
legtimos dos contribuintes.

214

O reenvio prejudicial para o Tribunal de Justia da Unio Europeia o caso especfico da


arbitragem tributria

Porque no cumpre fazer aqui uma anlise profunda do RJAT, diremos apenas que nos
termos do seu artigo 2., os tribunais arbitrais tributrios so competentes para a) a
declarao de ilegalidade de actos de liquidao de tributos, de autoliquidao, de reteno na
fonte e de pagamento por conta; b) a declarao de ilegalidade de actos de fixao da matria
tributvel quando no d origem liquidao de qualquer tributo, de actos e determinao de
matria colectvel e de actos e fixao de valores patrimoniais sendo estas competncias
depois filtradas pelo estabelecido na Portaria n. 112-A/2011, de 22 de Maro, que
determinou os termos da vinculao da actual Autoridade Tributria e Aduaneira jurisdio
do CAAD em matria tributria.
Ainda, nos termos do n. 2 daquele artigo 2. do RJAT, aos tribunais arbitrais tributrios
portugueses apenas permitido o julgamento segundo o direito constitudo, sendo vedado o
recurso equidade.
Por ltimo, e porque, como veremos, tem interesse para a questo que iremos
analisar, previu-se desde logo na autorizao legislativa contante do artigo 124. da LOE 2010,
a regra da irrecorribilidade da deciso arbitral em matria tributria.
Deste modo, o mrito da deciso arbitral no , por regra, susceptvel de recurso
nem para uma segunda instncia arbitral, nem para os tribunais judiciais.
No n. 1 do artigo 25. do RJAT, porm, por imposio constitucional, permite-se o
recurso do mrito da deciso para o Tribunal Constitucional na parte em que recuse a
aplicao de qualquer norma com fundamento na sua inconstitucionalidade ou que aplique
norma cuja inconstitucionalidade tenha sido suscitada.
O n. 2 do mesmo preceito admite ainda a interposio de recurso por oposio de
acrdos para o Supremo Tribunal Administrativo.
J quanto a vcios formais da deciso, o legislador admitiu no artigo 27. do RJAT,
semelhana da aco de anulao prevista na LAV de 1986 (em vigor data), que a deciso
arbitral possa ser posta em crise por via de uma aco de impugnao da deciso arbitral,
proposta junto do Tribunal Central Administrativo, com base em algum dos fundamentos
taxativamente elencados no artigo 28. do RJAT.
2.2 Os tribunais arbitrais e a jurisprudncia do Tribunal de Justia
Sabemos que os tribunais arbitrais, no geral, no so novidade no Direito mundial.
H muito que existem processos arbitrais enquanto meios alternativos de resoluo de
litgios, sendo o seu mbito paradigmtico, como sabemos, o Direito Civil e o Direito Comercial,
em especial na arbitragem internacional.

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O reenvio prejudicial para o Tribunal de Justia da Unio Europeia o caso especfico da


arbitragem tributria

Se, como dissemos, na arbitragem tributria o(s) rbitro(s) esto obrigados ao


julgamento segundo o Direito constitudo, nos restantes processos arbitrais essa imposio no
existe, por regra. Alis, o processo arbitral caracterizado por ser mais flexvel e, de certa
forma, moldvel, da que haja, as mais das vezes, uma preferncia pelo recurso equidade. Em
Portugal, temos os exemplos da arbitragem voluntria em matria cvel e comercial e da
arbitragem administrativa, onde o julgamento segundo a equidade ainda possvel.
Ora, aplicando-se o direito constitudo, e fazendo o Direito da Unio Europeia parte
integrante da ordem jurdica portuguesa, no estranha que muitas vezes surjam, nesses
processos, questes que poderamos ter como questes prejudiciais, na definio que demos
na primeira parte deste texto. No entanto, o que abstractamente se poderia enquadrar como
uma questo prejudicial, s ser susceptvel de reenvio para o Tribunal de Justia da Unio
Europeia, na medida em que este tenha competncia para a conhecer.
Um dos termos dessa competncia , precisamente, que a questo tenha sido colocada
por rgo jurisdicional nacional. Assim que, desde h muitos anos, se discute, nos processos
prejudiciais, a admissibilidade ou no de as jurisdies arbitrais submeterem questes a ttulo
prejudicial ao Tribunal de Justia.
Da jurisprudncia constante do Tribunal de Justia resulta, de um modo geral, que os
tribunais arbitrais institudos por conveno11 no so rgos jurisdicionais de um Estadomembro na acepo do artigo 267. do TFUE, o que determina a incompetncia do Tribunal
de Justia para decidir sobre questes prejudiciais por ele submetidas.
Neste sentido, temos deste logo a jurisprudncia fixada no Acrdo Nordsee, de 2 de
Fevereiro de 198212. Ali, o Tribunal de Justia, embora admitindo que o processo no tribunal
arbitral em questo (institudo por conveno) e o processo no tribunal judicial eram, na
verdade, similares na medida em que o tribunal arbitral julgaria pelo direito constitudo e que
a sua deciso teria fora de res judicata , no qualificou aquele tribunal como rgo
jurisdicional para efeitos do artigo 267. do TFUE. Com efeito, considerou aquele Tribunal, que
as semelhanas aos tribunais judiciais no eram suficientes uma vez que (i) o tribunal arbitral
em questo no autoridade pblica do Estado-membro, nem sequer um rgo ou organismo
que possa garantir, em nome desse Estado, qualquer misso de proteco jurdica, mas sim

11

Tribunais arbitrais institudos por conveno, em Portugal, so, designadamente, os tribunais arbitrais em

matria cvel e comercial constitudos ao abrigo da Lei de Arbitragem Voluntria e os tribunais


administrativos constitudos ao abrigo do Cdigo de Processo nos Tribunais Administrativos, cujo artigo
181. n. 1 remete os seus termos de constituio e funcionamento para a referida Lei de Arbitragem
Voluntria.
12

Processo n. 102/81, disponvel em http://curia.europa.eu.

216

O reenvio prejudicial para o Tribunal de Justia da Unio Europeia o caso especfico da


arbitragem tributria

mera instituio privada e (ii) a relao do tribunal arbitral com as vias de recurso legais era
demasiado tnue13.
A mesma posio foi tomada, mais recentemente, no mbito do processo Denuit e
Cordenier14, onde se aferia a qualidade do College dArbitrage de la Comission de Litiges
Voyages como rgo jurisdicional para efeitos do processo de reenvio prejudicial. A, lembra-se
que para apreciar se o organismo de reenvio possui a natureza de rgo jurisdicional na
acepo do artigo 234. CE [actual 267. do TFUE], o Tribunal de Justia tem em conta um
conjunto de elementos, como a origem legal do rgo, a sua permanncia, o carcter
obrigatrio da sua jurisdio, a natureza contraditria do processo, a aplicao pelo rgo das
normas de direito, bem como a sua independncia, esclarecendo-se ainda que na sua
jurisprudncia corrente, os tribunais arbitrais voluntrios no so rgos jurisdicionais naquela
acepo porque no h qualquer obrigao, nem de direito nem de facto, de as partes
contratantes confiarem os seus diferendos arbitragem.
Contudo, dcadas antes, no Acrdo datado de 30 de Junho de 1966, caso VaassenGbbels15, o Tribunal de Justia admitiu o reenvio prejudicial pelo Scheidsgerecht van het
Beambtenfonds voor het Mijnbedrijf (Scheidsgerecht), um tribunal arbitral de direito pblico.
Fundamentou essa deciso preliminar por considerar que (i) o Scheidsgerecht foi constitudo
nos termos da legislao neerlandesa; (ii) competia ao ministro da tutela da Indstria Mineira
nomear os membros daquele tribunal, designar o seu presidente e instituir o regulamento
processual do tribunal; (iii) o Scheidsgerecht um organismo permanente, competente para
determinados litgios legalmente estabelecidos; (iv) o seu processo est sujeito ao princpio do
contraditrio; e (v) o julgamento realiza-se segundo o direito constitudo.
Anos mais tarde, no processo Danfoss16, o Tribunal de Justia volta a reconhecer a
admissibilidade de questes prejudiciais submetidas por um tribunal arbitral por entender que
13

Na verso oficial da Unio traduzida em ingls pode ler-se: The second point to be noted is that the

German public authorities are not involved in the decision to opt for arbitration nor are they called upon to
intervene automatically in the proceedings before the arbitrator. The Federal Republic of Germany, as a
Member State of the Community responsible for the performance of obligations arising from Community
law within its territory pursuant to Article 5 and Anieles 169 to 171 of the Treaty, has not entrusted or left to
private individuals the duty of ensuring that such obligations are complied with in the sphere in question in
this case. e It follows from these considerations that the link between the arbitration procedure in this
instance and the organization of legal remedies through the courts in the Member State in question is not
sufficiently close for the arbitrator to be considered as a "court or tribunal of a Member State" within the
meaning of Anicie 177.
14

Processo n. C-125/04, Acrdo de 27 de Janeiro de 2005, disponvel em http://curia.europa.eu

15

Processo n. 61/65, disponvel em http://curia.europa.eu

16

Processo n. 109/88, Acrdo de 17 de Outubro de 1989, disponvel em http://curia.europa.eu

217

O reenvio prejudicial para o Tribunal de Justia da Unio Europeia o caso especfico da


arbitragem tributria

a sua origem era legal, as suas decises vinculativas, e a sua competncia no dependia de
acordo entre as partes.
Ainda mais recentemente, no processo Merck Canada17, o Tribunal de Justia admitiu o
reenvio prejudicial de um tribunal arbitral necessrio portugus. No processo principal
nacional, em causa estava um litgio emergente de direitos de propriedade industrial
relacionados com medicamentos de referncia e medicamentos genricos18. O Tribunal de
Justia, admitiu quele tribunal arbitral a qualidade de rgo jurisdicional de um Estadomembro para efeitos do art. 267. do TFUE, considerando que se encontravam preenchidos os
requisitos enunciados na jurisprudncia corrente do Tribunal de Justia: origem legal do
organismo de reenvio, carcter permanente, natureza contraditria do processo, aplicao das
normas de direito e independncia. Em especial, quanto origem legal, pode ler-se no
despacho proferido que a competncia do Tribunal Arbitral necessrio no resulta da vontade
das partes, mas da Lei n. 62/2011, de 12 de Dezembro de 2011, entendendo o Tribunal que
o Estado-Membro em causa escolheu, no mbito da sua autonomia processual () conferir
competncia para aquele tipo de litgios a outro organismo e no a um rgo jurisdicional
comum.
O Tribunal de Justia suscitou, porm, a questo da aparente falta do requisito de
permanncia, uma vez que aquele tribunal arbitral necessrio se dissolve depois de proferida a
deciso arbitral. Ainda assim, acabou por dar como preenchido o requisito da permanncia na
medida que aquele tribunal foi criado ao abrigo de uma base legal, que dispe, a ttulo
permanente, de competncia obrigatria e que, alm disso, a legislao nacional define e
enquadra as regras processuais que o mesmo aplica.
ento no seguimento e luz desta jurisprudncia que o Tribunal de Justia da Unio
Europeia vai qualificar, em Junho de 2014, no mbito do processo Ascendi19, os tribunais
arbitrais tributrios portugueses como rgos jurisdicionais de um Estado-membro, para
efeitos do art. 267. TFUE.

17

Veja-se o despacho proferido no processo n. C-555/13, de 13 de Fevereiro de 2014, disponvel em

http://curia.europa.eu
18

Nos termos do artigo 2. da Lei n. 62/2011, de 12 de Dezembro, os litgios emergentes da invocao de

direitos de propriedade industrial, incluindo os procedimentos cautelares, relacionados com medicamentos


de referncia e medicamentos genricos ficam sujeitos a arbitragem necessria, institucionalizada ou no
institucionalizada.
19

Acrdo datado de 12 de Junho de 2014, processo n. C-377/13, disponvel em http://curia.europa.eu

218

O reenvio prejudicial para o Tribunal de Justia da Unio Europeia o caso especfico da


arbitragem tributria

2.3 Tribunais arbitrais tributrios rgos jurisdicionais de um Estado-membro?


Chegados aqui, percebemos j que o Tribunal de Justia da Unio Europeia tem sido
bastante reticente em qualificar tribunais arbitrais sticto sensu como rgos jurisdicionais de
um Estado-membro, para efeitos do art. 267. do TFUE, no lhes admitindo o reenvio de
questes prejudiciais.
Sabemos tambm j que aquele conceito um conceito autnomo do Direito da Unio
Europeia, embora nem os Tratados da Unio nem mesmo a jurisprudncia do Tribunal de
Justia forneam uma definio geral.
Na falta dessa definio, restou ao Tribunal de Justia estabelecer um conjunto de
requisitos cujo preenchimento, caso a caso, admitir ou no o carcter jurisdicional do tribunal
arbitral que submeta uma questo prejudicial quele Tribunal.
Falamos ento dos requisitos de:
(i)

base legal de origem e funcionamento,

(ii) permanncia,
(iii) obrigatoriedade de jurisdio,
(iv) natureza contraditria do processo,
(v) aplicao de regras de direito,
(vi) fora vinculativa das decises e
(vii) independncia.
A terminar este texto, fica-nos ento por demonstrar o preenchimento que a nosso
ver inquestionvel de cada um destes requisitos, conferindo aos tribunais arbitrais
tributrios portugueses a faculdade de submeterem questes prejudiciais ao Tribunal de
Justia da Unio Europeia.
Esta questo foi discutida e est hoje assente no mbito do j referido processo
Ascendi onde o tribunal arbitral tributrio constitudo, reenviou para o Tribunal de Justia a
questo de saber se poderia reintroduzir um imposto de selo (suprimido em 1991) sobre as
operaes de aumento do capital sociais de uma dada sociedade, com fundamento nas
disposies da Directiva 69/335/CEE do Conselho, de 17 de Julho de 1969.
Abstraindo-nos da questo prejudicial em si mesma, seguiremos para o que ora nos
importa.
Antes, porm, de dissecarmos cada requisito, um por um, julgamos importante
recordar e enfatizar duas ou trs ideias acerca do modus operandi dos tribunais arbitrais
tributrios.

219

O reenvio prejudicial para o Tribunal de Justia da Unio Europeia o caso especfico da


arbitragem tributria

Comecemos por perceber que os tribunais arbitrais tributrios no so tribunais


arbitrais stricto sensu.
Como avanmos acima, quando nos referimos a algumas das regras previstas no RJAT,
a competncia dos tribunais arbitrais tributrios no tem por fundamento uma qualquer
conveno de arbitragem celebrada entre as partes. , antes de mais, uma competncia que
resulta da prpria lei e qual a Administrao Tributria se vinculou pela Portaria n. 112A/2011, de 22 de Maro , permitindo assim que os tribunais arbitrais tributrios se
constitussem por mero direito potestativo dos contribuintes.
De fixar tambm que o legislador previu o processo arbitral tributrio como meio
alternativo impugnao judicial, deixando ao contribuinte a possibilidade de optar por um ou
por outro meio, dentro dos limites da arbitrabilidade estabelecidos no artigo 2. do RJAT e na
medida dos termos de vinculao da Administrao.
Por ltimo, lembrar que a arbitragem tributria uma arbitragem institucionalizada, a
funcionar sobre a gide do CAAD, e que, como no podia deixar de ser, uma das partes em
confronto sempre uma autoridade estatal, agindo no exerccio de funes pblicas a
Autoridade Tributria e Aduaneira enquanto Administrao Tributria.
Olhemos ento aos requisitos elencados na jurisprudncia do Tribunal de Justia.
Os tribunais arbitrais tributrios so rgos de origem legal?
Sabemos j que sim. A arbitragem em matria tributria tem assento no Decreto-lei n.
10/2011, de 20 de Janeiro, aprovado com base na autorizao conferida pelo art. 124. da LOE
2010.
Da lei resulta, de forma geral, a competncia destes tribunais arbitrais, o direito
potestativo do contribuinte de pedir a sua constituio, as modalidades de designao de
rbitros, disposies relativas ao procedimento e processo arbitrais e ainda normas relativas
(ir)recorribilidade da deciso a ser proferida.

Tm carcter de permanncia?
Aqui, admitimos que possam existir algumas dvidas. Com efeito, um tribunal arbitral
em concreto, constitui-se apenas para um determinado processo, s existindo para efeitos
desse processo em particular.
Acresce que, nos termos do artigo 23. do RJAT o tribunal arbitral dissolve-se uma vez
proferida e notificada a deciso, e aps notificao s partes do arquivamento do processo.
Contudo, julgamos ser possvel aqui recorrer prpria jurisprudncia do Tribunal de Justia, no
j referido processo Merck Canada. Com efeito, o carcter permanente dos tribunais arbitrais

220

O reenvio prejudicial para o Tribunal de Justia da Unio Europeia o caso especfico da


arbitragem tributria

tributrios no se alcana pelo facto de terem uma formao nomeada em separado para cada
processo. porm alcanvel pela prpria lei que os habilita e que dispe a sua competncia e
funcionamento, com carcter de permanncia. No mesmo sentido, foram as concluses do
Advogado-geral MACIEJ SZPUNAR no processo Ascendi, entendendo que no h que abordar
esta questo do ponto de vista das diferentes formaes que decidem em processos concretos,
mas do ponto de vista sistemtico uma vez que O Tribunal Arbitral Tributrio no um
tribunal ad hoc, mas apenas um elemento de um sistema de resoluo de litgios que () no
seu todo tem carcter permanente20.
Os tribunais arbitrais tributrios tm, pois, carcter de permanncia.

A jurisdio arbitral em matria tributria obrigatria?


Com este requisito, o Tribunal de Justia quis que a qualidade de rgo jurisdicional
dependesse do facto de ser obrigatrio para as partes submeterem o seu litgio ao rgo em
questo.
Por outras palavras, quis-se que a submisso do litgio num determinado rgo no
dependesse unicamente da vontade das partes, contrariamente ao que se verifica nas
arbitragens ditas voluntrias stricto sensu. Com efeito, nessas arbitragens, as partes submetem
um determinado diferendo aos tribunais arbitrais porque convencionaram, por meio de
clusula arbitral, que os litgios entre si assim seriam resolvidos. No esse o caso na
arbitragem tributria. Desde logo, no existe qualquer clusula arbitral entre os contribuintes e
a Administrao Tributria.
Existe sim um direito potestativo dos contribuintes a escolher a arbitragem como via
alternativa de resoluo de litgios, estando a Administrao Tributria obrigada a aceitar essa
opo do contribuinte, dentro dos limites de competncia impostos pelo legislador no RJAT, e
pela prpria Administrao na Portaria n. 112-A/2011, de 22 de Maro tambm denominada
de Portaria de Vinculao21.
MACIEJ SZPUNAR parece ser da mesma opinio quando afirma que a caracterstica da
arbitragem portuguesa em matria fiscal que essencial para a anlise da questo em causa
consiste no facto de o direito de escolha dos contribuintes quanto s vias de recurso no

20

Vejam-se as concluses do Advogado-geral no processo n. C-377/13, 35-37, disponveis em

http://curia.europa.eu
21

Nos termos do artigo 4. n. 1 do RJAT, a vinculao da administrao tributria jurisdio dos tribunais

constitudos nos termos da presente lei depende de portaria dos membros do Governo responsveis pelas
reas das finanas e da justia, que estabelece, designadamente, o tipo e o valor mximo dos litgios
abrangidos.

221

O reenvio prejudicial para o Tribunal de Justia da Unio Europeia o caso especfico da


arbitragem tributria

resultar da sua prpria iniciativa mas da vontade do legislador, que instituiu dois sistemas
diferentes de resoluo de conflitos com a administrao fiscal22.
No temos dvidas: a arbitragem tributria uma real alternativa via judicial,
disponibilizada pelo legislador aos contribuintes. ento nesse sentido que se tem por
preenchido o requisito da obrigatoriedade da sua jurisdio.

O processo arbitral tem natureza contraditria?


No fosse j o princpio do contraditrio a fundao basilar do processo portugus no
geral desde o processo civil ao processo administrativo e tributrio , o legislador teve a
preocupao de deixar explcito no RJAT que tambm o processo arbitral se rege por esse
princpio.
Assim, nos termos do artigo 16. alnea a) do RJAT, vem garantida a natureza
contraditria do processo arbitral, que deve ser assegurado, designadamente, atravs da
faculdade conferida s partes de se pronunciarem sobre quaisquer questes de facto ou de
direito suscitadas no processo. O princpio do contraditrio, e bem assim o princpio da
igualdade das partes, esto especial e particularmente garantidos na medida em que o seu
desrespeito fundamento de impugnao da deciso arbitral proferida, ao abrigo dos artigos
27. e 28. n. 1 alnea d) do RJAT. Por conseguinte, tambm este requisito se encontra
preenchido.

A deciso arbitral tributria aplica as regras do direito constitudo?


Sim. Nem poderia ser de outro modo.
Nos termos do disposto no n. 2 do artigo 2. do RJAT, os tribunais arbitrais decidem
de acordo com o direito constitudo, sendo vedado o recurso equidade. Com efeito, a
proibio do recurso equidade desde logo imposta pelo facto de, na arbitragem tributria,
estarem em causa matrias de interesse pblico.
Se o estabelecimento de um regime de arbitragem em matria tributria foi j alvo de
crticas infundadas, diga-se por fora do interesse pblico das matrias envolvidas e do
princpio da indisponibilidade dos crditos tributrios, permitir-se o recurso equidade em
matria fiscal seria no s absurdo como possivelmente inconstitucional23.

22

Cfr. n. 40 das concluses do Advogado-Geral no processo n. C-377/13

23

Com efeito, julgamos que o RJAT s no fere o princpio da indisponibilidade dos crditos tributrios

precisamente pela consagrao de uma proibio absoluta de recurso equidade. Relembramos que
embora sem consagrao constitucional expressa, o princpio da indisponibilidade dos crditos tributrios,

222

O reenvio prejudicial para o Tribunal de Justia da Unio Europeia o caso especfico da


arbitragem tributria

O Direito Fiscal , pois, uma rea muito especial do Direito, com princpios
fundamentais e informadores muito especficos que no poderiam, de modo algum, ser postos
em causa em prol de um qualquer encontro de vontades entre a Administrao Tributria e o
contribuinte.

O tribunal arbitral tributrio um rgo independente?


A propsito do requisito da independncia, o Tribunal de Justia tem entendido que
este deve ser apreciado sobre dois aspectos distintos.
Por um lado, um aspecto externo que diz respeito independncia propriamente dita
do rgo em relao a pessoas ou instituies terceiras, nomeadamente a Administrao,
sendo positiva a inexistncia de uma relao de supra-ordenao.
Por outro, um aspecto interno relativo imparcialidade dos membros que compem o
rgo jurisdicional neste caso, os rbitros em matria tributria.
No que concerne ao aspecto externo, os tribunais arbitrais tributrios no so parte
integrante da Administrao, nem esto, de qualquer modo, sobre a alada do poder
executivo. Pelo contrrio, estes tribunais arbitrais fazem parte do sistema jurisdicional
portugus, funcionando, como sabemos, sob a gide do CAAD.
J quanto imparcialidade, o legislador foi particularmente cuidadoso com a questo,
prevendo nos artigos 7. a 9. do RJAT uma srie de normas atinentes qualidade de rbitro e
aos deveres de imparcialidade, independncia e idoneidade moral.
Desde logo no n. 1 do artigo 7. estabelece-se que os rbitros so escolhidos de entre
pessoas de comprovada capacidade tcnica, idoneidade moral e sentido de interesse pblico.
Por seu turno, no n. 1 do artigo 9., enfatiza-se ainda que os rbitros esto sujeitos
aos princpios da imparcialidade e da independncia.
O artigo 8., por sua vez, prev uma srie de impedimentos de exerccio da funo de
rbitro num determinado processo.
Em boa verdade, os artigos 8. e 9. do RJAT, no que respeita independncia e
imparcialidade dos rbitros, oferecem garantias muito semelhantes s aplicveis aos juzes
togados.
Garantias estas que, de resto, poderiam j perfeitamente resultar tanto do Cdigo
Deontolgico do CAAD aplicvel arbitragem tributria na medida em que esta funciona sob
a sua gide como da Lei de Arbitragem Voluntria aplicvel subsidiariamente, por fora do

apresenta-se como corolrio dos princpios da legalidade (na vertente de submisso da Administrao
Tributria s normas legais) e igualdade (artigos 3., n. 2, 13. e 266., n. 2 da CRP).

223

O reenvio prejudicial para o Tribunal de Justia da Unio Europeia o caso especfico da


arbitragem tributria

artigo 29. n. 1 alnea c) do RJAT, uma vez que o artigo 181. n. 1 do CPTA remete para a LAV,
os termos da constituio e funcionamento dos tribunais arbitrais administrativos.
Julgamos no existir qualquer sombra de dvida de que os tribunais arbitrais
tributrios so, de facto, rgos independentes.

A deciso arbitral em matria tributria vincula as partes?


As decises arbitrais tributrias tm o mesmo valor que as decises dos tribunais
judiciais. Esta , de resto, a soluo que tradicionalmente tem sido seguida pelo legislador
portugus.
J no campo da arbitragem voluntria em matria cvel e comercial foi essa a soluo
adoptada.
As decises arbitrais tm pois, fora de caso julgado e fora executria.
O nico seno no terem os tribunais arbitrais quaisquer que eles sejam poder
coercivo para poderem executar, eles prprios, a deciso, sendo necessrio recorrer aos
tribunais judiciais respectivos.
No RJAT, a esta fora vinculativa equivalente das decises judiciais alude, desde logo,
o prembulo do diploma, e, bem assim, o artigo 24., sob a epgrafe efeitos da deciso arbitral
de que no caiba recurso ou impugnao.
O exposto demonstra que os tribunais arbitrais tributrios devem ser qualificados
como rgos jurisdicionais de um Estado-membro, na acepo do artigo 267. do TFUE, na
medida em que preenchem os requisitos definidos pela prpria jurisprudncia do Tribunal de
Justia.
A complementar esta concluso est o facto de as decises arbitrais em matria
tributria serem, por regra, irrecorrveis quanto ao mrito.
A recorribilidade permitida a ttulo excepcional resume-se, como acima indicamos, aos
casos de violao de normas constitucionais recurso para o Tribunal Constitucional ou
desrespeito pela jurisprudncia dos tribunais judiciais administrativos e tributrios recurso
por oposio de acrdos para o Supremo Tribunal Administrativo.
Sendo certo que a irrecorribilidade da deciso do rgo jurisdicional , em princpio,
apenas indicativa do carcter obrigatrio ou no do reenvio da questo prejudicial como
acima referimos , certo tambm que este factor, no entendimento do Tribunal de Justia,
tem militado a favor do reconhecimento da qualidade de rgo jurisdicional de um Estadomembro24.
24

A ttulo de exemplo, veja-se o Acrdo datado de 6 de Outubro de 1981, no caso Broekmeulen, processo

n. C-246/80, n. 16, disponvel em http://curia.europa.eu, onde, na redaco oficial da Unio Europeia em

224

O reenvio prejudicial para o Tribunal de Justia da Unio Europeia o caso especfico da


arbitragem tributria

Igual nossa concluso a que consta da jurisprudncia do Tribunal de Justia no j


referido Acrdo Ascendi, de 12 de Junho de 2014, processo n. C-377/13 em especial, nos
n.s 22 a 35. ~
No devem pois restar quaisquer dvidas quanto qualificao, para efeitos de reenvio
prejudicial nos termos do artigo 267. do TFUE, dos tribunais arbitrais tributrios como rgos
jurisdicionais de um Estado-membro.
Alis, a arbitragem tributria o novo paradigma da justia tributria e que em muito
tem beneficiado a justia tributria em Portugal.

CARLA CASTELO TRINDADE


SUSANA BRADFORD FERREIRA

Problemas de visualizao

ingls se pode ler: In order to deal with the question of the applicability in the present case of Article 177 of
the Treaty, it should be noted that it is incumbent upon Member States to take the necessary steps to
ensure that within their own territory the provisions adopted by the Community institutions are
implemented in their entirety. If, under the legal system of a Member State, the task of implementing such
provisions is assigned to a professional body acting under a degree of governmental supervision, and if that
body () creates appeal procedures which may affect the exercise of rights granted by Community law, it is
imperative, in order to ensure the proper functioning of Community law, that the Court should have an
opportunity of ruling on issues of interpretation and validity arising out of such proceedings.

225

O reenvio judicial para o Tribunal de Justia da Unio


Europeia o caso especfico da arbitragem tributria
Apresentao em powerpoint
Carla Trindade

Contencioso Tributrio, articulao


entre a LGT, o CPPT, o CPTA e o CPC
O reenvio prejudicial para o Tribunal de Justia da
Unio Europeia

Carla Castelo Trindade

O reenvio prejudicial para o Tribunal de Justia da Unio Europeia

O que uma questo prejudicial?


Artigo 267. do Tratado sobre o Funcionamento da Unio Europeia (TFUE)
e artigo 19. n. 1 alnea b) do Tratado da Unio (TUE)
Trata-se de toda e qualquer questo que o rgo jurisdicional nacional
considere como necessria resoluo de um litgio pendente
As questes prejudiciais podem versar sobre a:
Interpretao do Direito da Unio Europeia;
Interpretao, apreciao e validade de actos adoptados pelas
instituies, rgos ou organismos da Unio

O reenvio prejudicial para o Tribunal de Justia da Unio Europeia

O que uma questo prejudicial?


Artigo 275. e 276. do TFUE

As questes prejudiciais no podem versar sobre:


Poltica Externa e de Segurana Comum; e
Limitaes em matria de Espao de Liberdade, Segurana e Justia
previstas nos Tratados

O reenvio prejudicial para o Tribunal de Justia da Unio Europeia

Para que serve o reenvio prejudicial?

"O reenvio prejudicial um instrumento de


cooperao judiciria ... pelo qual um juiz
nacional e o juiz comunitrio so chamados,
no mbito das competncias prprias, a
contribuir para uma deciso que assegure a
aplicao uniforme do Direito Comunitrio no
conjunto dos estados membros".

(acrdo Schwarze, de 01/12/1965, proc. 16/65)

O reenvio prejudicial para o Tribunal de Justia da Unio Europeia

O que o reenvio prejudicial?

um mecanismo fundamental do direito da Unio Europeia que favorece


a cooperao activa entre as jurisdies nacionais e o Tribunal de Justia e
a aplicao uniforme do direito europeu em toda a Unio Europeia ;
Tem por finalidade fornecer aos rgos jurisdicionais dos EstadosMembros o meio de assegurar uma interpretao e uma aplicao
uniformes deste direito em toda a Unio

Ao contrrio dos outros processos jurisdicionais, o reenvio prejudicial no


um recurso formado contra um acto europeu ou nacional, mas sim uma
pergunta relativa aplicao do direito europeu

O reenvio prejudicial para o Tribunal de Justia da Unio Europeia

A que tribunal europeu deve ser dirigida a questo prejudicial?

Nos termos do artigo 256., n. 3, TFUE, o Tribunal Geral competente


para conhecer das questes prejudiciais submetidas sua apreciao por
fora do disposto no artigo 267. TFUE, em matrias especficas
determinadas pelo Estatuto;
No entanto, dado que este ltimo no foi adoptado para ter em conta tal
disposio

O Tribunal de Justia continua hoje a ter competncia exclusiva para se


pronunciar a ttulo prejudicial

O reenvio prejudicial para o Tribunal de Justia da Unio Europeia

Qual a relao do Tribunal de Justia com as jurisdies nacionais?

Inexistncia de uma relao hierrquica de supra-infra ordenao;


As competncias so diferentes: cabe aos rgos jurisdicionais nacionais
decidir o caso concreto e ao Tribunal de Justia pronunciar-se sobre o
correcto entendimento das questes jurisdicionais;

Separao funcional;
Tribunais nacionais como tribunais comunitrios.

O reenvio prejudicial para o Tribunal de Justia da Unio Europeia

Qual o autor do pedido de deciso prejudicial?


Qualquer rgo jurisdicional de um Estado-Membro, chamado a conhecer
de um processo que culminar numa deciso de carcter judicial, pode,
em princpio, submeter um pedido de deciso prejudicial ao Tribunal;
A qualidade de rgo jurisdicional interpretada pelo Tribunal como um
conceito autnomo do direito da Unio, tomando em considerao, a este
respeito, um conjunto de factores, como a origem legal do rgo que lhe
submeteu o pedido, a sua permanncia, o carcter obrigatrio da sua
jurisdio, a natureza contraditria do processo, a aplicao, por esse
rgo, das regras de direito, bem como a sua independncia.
A este propsito chama-se a ateno para a recente deciso de 12 de Junho no
Acrdo Ascendi Beiras onde se concluiu que um tribunal arbitral um rgo
jurisdicional para efeitos do Tratado

O reenvio prejudicial para o Tribunal de Justia da Unio Europeia

Quais os tipos de questes prejudiciais?

Validade

Interpretao

Possibilidade de declarar invlido

Podem ser obrigatrias ou


facultativas

um acto adoptado por uma


instituio, rgo ou organismo da
Unio da exclusiva competncia
do Tribunal
Sendo estas questes sempre de
reenvio obrigatrio

Vs

O reenvio prejudicial para o Tribunal de Justia da Unio Europeia

Quais os tipos de questes prejudiciais?

Obrigatrias
Sempre que a questo prejudicial seja
suscitada em processo pendente perante
um rgo jurisdicional nacional cujas
decises no sejam susceptveis de recurso
judicial previsto no direito interno, esse
rgo obrigado a submeter a questo ao
Tribunal
Excepto quando j exista jurisprudncia na
matria (e quando o quadro eventualmente
novo no suscite nenhuma dvida real
quanto possibilidade de aplicar essa
jurisprudncia ao caso concreto) ou quando
o modo correcto de interpretar a regra
jurdica em causa seja inequvoco

Facultativas

Vs

O reenvio prejudicial para o Tribunal de Justia da Unio Europeia

Quais os tipos de questes prejudiciais?


Concluso:
O carcter facultativo ou obrigatrio de formulao de uma questo
prejudicial no depende do objecto da questo mas sim da admissibilidade,
ou no admissibilidade, de recurso ordinrio da deciso a proferir pelo Juiz
Nacional;
A formulao da questo depende da necessidade da questo prejudicial para
a soluo do litgio concreto.
Ou seja

O reenvio prejudicial para o Tribunal de Justia da Unio Europeia

Quais os tipos de questes prejudiciais?


Concluso:
Se a questo prejudicial for suscitada num processo pendente num rgo
jurisdicional nacional cuja deciso:
admita recurso ordinrio no respectivo direito interno, aquele livre de pedir
ao Tribunal de Justia que se pronuncie sobre ela excepto no caso da
jurisprudncia Foto-Frost, isto , no caso de o Juiz Nacional se inclinar para a
invalidade do acto de DUE;

no admita recurso no respectivo direito interno, ento o rgo jurisdicional


nacional obrigado a submeter a questo prejudicial ao Tribunal de Justia,
excepto se se verificar uma das excepes obrigatoriedade do reenvio
prejudicial fixadas pela Jurisprudncia do TJUE que acima referimos.

O reenvio prejudicial para o Tribunal de Justia da Unio Europeia

Quais os tipos de questes prejudiciais?


Concluso:

Em caso de incumprimento, por parte de um rgo jurisdicional nacional da


obrigao de reenvio que o onerava, esta ser imputvel ao Estado-Membro a
que pertena, sendo uma violao do Tratado que pode ser objecto de uma
aco por incumprimento, nos termos do art. 258. do TFUE e gerar
responsabilidade do Estado-Juiz aferida luz do princpio da responsabilidade
dos Estados membros por incumprimento do Direito da Unio .

O reenvio prejudicial para o Tribunal de Justia da Unio Europeia

Qual a fase do processo que devem ser admitidas as questes prejudiciais?

A questo prejudicial tem de ser pertinente e til, isto , necessria para a


deciso da causa (no tendo o Tribunal de Justia poderes consultivos para
responder a questes gerais ou meramente hipotticas);
Assim, consideraes de economia processual e de utilidade apontam para
que a questo prejudicial deva ser submetida quando os factos j se
encontrarem assentes, e os problemas de direito nacional resolvidos pois s
ento estar definido o quadro jurdico-factual em que se ir actuar a
interpretao ou apreciao de validade pedida.

O reenvio prejudicial para o Tribunal de Justia da Unio Europeia

Qual a forma e contedo da deciso prejudicial?

No h forma pr-definida para a formulao da questo prejudicial;


Deve conter todos os elementos indispensveis deciso nacional
dependente da resposta;
Dever apresentar a estrutura de uma deciso incidental, terminando com
a deciso determinativa da suspenso da instncia;
Esta deciso h-de assumir uma forma clara e sucinta, desde logo porque
s o pedido de deciso prejudicial notificado aos interessados que tm o
direito de apresentar observaes ao TJ e objecto de traduo, pelos
servios deste;
aconselhvel que no v alm de 10 pginas e no necessita de
traduo

O reenvio prejudicial para o Tribunal de Justia da Unio Europeia

Qual a forma e contedo da deciso prejudicial?

Em conformidade com o artigo 94. do Regulamento de Processo do Tribunal


de Justia, o pedido de deciso prejudicial deve conter, para alm do texto
das questes submetidas ao Tribunal a ttulo prejudicial:
Uma exposio sumria do objecto do litgio;
Uma exposio sumria dos factos pertinentes, conforme apurados pelo rgo
jurisdicional de reenvio, ou, no mnimo, uma exposio dos dados factuais em que
as questes prejudiciais assentam;
O teor das disposies nacionais susceptveis de se aplicar no caso concreto e,
sendo caso disso, a jurisprudncia nacional pertinente aqui pede-se ao rgo
jurisdicional de reenvio que fornea as referncias precisas desses textos e da
respectiva publicao, como a pgina de um jornal oficial ou de uma colectnea, ou
a referncia a um stio Internet;
Uma exposio das razes que conduziram o rgo jurisdicional de reenvio a
interrogar-se sobre a interpretao ou a validade de certas disposies do direito
da Unio, bem como o nexo que estabelece entre essas disposies e a legislao
nacional aplicvel ao litgio no processo principal.

O reenvio prejudicial para o Tribunal de Justia da Unio Europeia

Qual a forma e contedo da deciso prejudicial?

As disposies pertinentes do direito da Unio devem ser identificadas com tanta


preciso quanto possvel no pedido de deciso prejudicial, o qual deve incluir, se
for caso disso, um breve resumo dos argumentos pertinentes das partes no
processo principal;
Se considerar que est em condies de o fazer, o rgo jurisdicional de reenvio
pode tambm indicar sucintamente o seu ponto de vista quanto resposta a dar
s questes prejudiciais;
Para facilitar a leitura, essencial que o pedido de deciso prejudicial seja
dactilografado, sendo igualmente muito til numerar as pginas e os pargrafos da
deciso de reenvio que deve ser datada e assinada..;
As prprias questes prejudiciais devem figurar numa parte distinta e claramente
identificada da deciso de reenvio, de preferncia no incio ou no fim desta;
As questes prejudiciais devem, ser compreensveis em si mesmas, sem
necessidade de fazer referncia exposio de motivos do pedido, que, no
entanto, fornecer o contexto necessrio para uma compreenso adequada do
mbito do processo.

O reenvio prejudicial para o Tribunal de Justia da Unio Europeia

Qual a forma e contedo da deciso prejudicial?

Porque no quadro do processo prejudicial, o Tribunal vai retomar os dados


contidos na deciso de reenvio, incluindo os dados nominativos ou de carcter
pessoal cabe ao rgo jurisdicional de reenvio, se o considerar necessrio,
proceder ele prprio, no pedido de deciso prejudicial, ocultao de certos
dados ou anonimizao de uma ou de vrias das pessoas ou entidades s quais o
litgio no processo principal diga respeito;

Tratando-se de processo prejudicial urgente, referente aos reenvios relativos ao


Espao de liberdade, de segurana e de justia, a que se referem o artigo 23-A do
ETJUE e o artigo 104-B do RPTJ, dever acrescer aos elementos referidos, o
requerimento de aplicao da tramitao urgente devidamente fundamentado,
acompanhada da documentao necessria. Esta pretenso de atribuio pelo
Tribunal de Justia da tramitao urgente dever ser exposta com recurso
exposio das circunstncias de facto e de direito comprovativas da urgncia
devendo designadamente serem expostos os riscos em que se incorre se o reenvio
seguir os trmites do processo prejudicial normal.

O reenvio prejudicial para o Tribunal de Justia da Unio Europeia

Quais os efeitos da deciso prejudicial no processo nacional?

Efeitos materiais de deciso prejudicial de interpretao:


O tribunal que suscitou a questo e os restantes tribunais nacionais e do
espao da Unio esto vinculados s concluses - bem como
fundamentao - do acrdo prejudicial. So razes de uniformidade as
subjacentes a tal obrigatoriedade;
Caso a questo seja novamente colocada pelo Juiz Nacional, a deciso
anterior do Tribunal de Justia pode ser revista ou modificada por este,
alterando o contedo e o sentido do acrdo anterior;
A interpretao incorpora-se na norma que se interpreta no acrdo
vinculando o Juiz Nacional sua aplicao com o sentido e o alcance que
for definido pelo acrdo.

O reenvio prejudicial para o Tribunal de Justia da Unio Europeia

Quais os efeitos da deciso prejudicial no processo nacional?

Efeitos materiais de deciso prejudicial de validade :


Sendo o acto declarado invlido, ainda assim, o mesmo permanece na
ordem jurdica da Unio at sua alterao ou revogao;
Esta declarao de invalidade vincula quer os tribunais nacionais, quer os
rgos da Unio Europeia quer os Estados Membros a desaplicar o acto
em causa, gerando um dever de eliminao ou alterao do acto em causa
na Ordem jurdica da Unio Europeia pelos rgos competentes da Unio;
Sendo o acto declarado vlido produz efeitos obrigatrios e vincula o juiz,
que no pode recusar a sua aplicao ao caso concreto.

O reenvio prejudicial para o Tribunal de Justia da Unio Europeia

Quais os efeitos da deciso prejudicial no processo nacional?

Efeitos temporais das decises prejudiciais:

Nos acrdos interpretativos, a regra a produo de efeitos ex tunc, ou


retroactividade dos efeitos do acrdo interpretativo;

Tratando-se de acrdos de apreciao de validade em que o acto no


considerado invlido, os mesmos produzem efeitos ex tunc, na medida em que no
h qualquer alterao na validade da norma;

Tratando-se de acrdos de apreciao de validade em que o acrdo se


pronuncia pela invalidade a regra a produo de efeitos ex tunc. Salienta-se aqui
que o Tribunal de Justia e apenas este tem a faculdade, em todos os casos, de
limitar os efeitos do acrdo prejudicial, de interpretao ou de apreciao de
validade, no tempo.

O reenvio prejudicial para o Tribunal de Justia da Unio Europeia

Quais as despesas do processo prejudicial?

O processo prejudicial no Tribunal gratuito, no decidindo este Tribunal sobre as


despesas das partes no litgio pendente no rgo jurisdicional de reenvio. E a este
ltimo que cabe decidir a este respeito.

ANEXO

ANEXO

Acrdo do Tribunal de Justia de 11 de Junho de 2015 - Reenvio prejudicial Imposto sobre


o valor acrescentado (IVA) Diretiva 2006/112/CE Artigos 9., 73., 78., primeiro
pargrafo, alnea a), e 79., primeiro pargrafo, alnea c) Valor tributvel Incluso do
montante das taxas municipais de ocupao do subsolo pagas pela sociedade concessionria
da rede de distribuio de gs no valor tributvel do IVA aplicvel prestao efetuada por
essa sociedade sociedade responsvel pela comercializao do gs (na sequncia do pedido
de deciso prejudicial apresentado - nos termos do artigo 267. TFUE pelo Tribunal Arbitral
Tributrio (Centro de Arbitragem Administrativa CAAD) (Portugal), por deciso de 19 de
novembro de 2013, que deu entrada no Tribunal de Justia em 28 de maio de 2014)

ACRDO DO TRIBUNAL DE JUSTIA (Oitava Seco)


11 de junho de 2015 (*)
Reenvio prejudicial Imposto sobre o valor acrescentado (IVA) Diretiva
2006/112/CE Artigos 9., 73., 78., primeiro pargrafo, alnea a), e 79., primeiro pargrafo,
alnea c) Valor tributvel Incluso do montante das taxas municipais de ocupao do
subsolo pagas pela sociedade concessionria da rede de distribuio de gs no valor tributvel
do IVA aplicvel prestao efetuada por essa sociedade sociedade responsvel pela
comercializao do gs

No processo C-256/14,
que tem por objeto um pedido de deciso prejudicial apresentado, nos termos do
artigo 267. TFUE, pelo Tribunal Arbitral Tributrio (Centro de Arbitragem Administrativa
CAAD) (Portugal), por deciso de 19 de novembro de 2013, que deu entrada no Tribunal de
Justia em 28 de maio de 2014, no processo
Lisboags GDL Sociedade Distribuidora de Gs Natural de Lisboa, SA
contra
Autoridade Tributria e Aduaneira,
O TRIBUNAL DE JUSTIA (Oitava Seco),
composto por: A. Caoimh, presidente de seco, E. Jarainas (relator) e C. G.
Fernlund, juzes,
advogado-geral: N. Jskinen,
secretrio: A. Calot Escobar,
vistos os autos,
vistas as observaes apresentadas:

253

ANEXO

em representao da Lisboags GDL Sociedade Distribuidora de Gs Natural de


Lisboa, SA, por N. Pena e L. Scolari, advogados,
em representao do Governo helnico, por M. Germani e K. Karavasili, na
qualidade de agentes,
em representao do Governo portugus, por L. Inez Fernandes, R. Campos Laires e
A. Cunha, na qualidade de agentes,
em representao da Comisso Europeia, por P. Guerra e Andrade e L. Lozano
Palacios, na qualidade de agentes,
vista a deciso tomada, ouvido o advogado-geral, de julgar a causa sem apresentao
de concluses,
profere o presente

Acrdo
1. O pedido de deciso prejudicial tem por objeto a interpretao da Diretiva
2006/112/CE do Conselho, de 28 de novembro de 2006, relativa ao sistema comum do imposto
sobre o valor acrescentado (JO L 347, p. 1, a seguir diretiva IVA).
2. Este pedido foi apresentado no mbito de um litgio que ope a Lisboags GDL
Sociedade Distribuidora de Gs Natural de Lisboa, SA (a seguir Lisboags), Autoridade
Tributria e Aduaneira a respeito dos atos de autoliquidao do imposto sobre o valor
acrescentado (a seguir IVA) relativos aos meses de maio, junho e julho de 2012.

Quadro jurdico
Direito da Unio
3. O artigo 9., n. 1, da diretiva IVA dispe:
Entende-se por sujeito passivo qualquer pessoa que exera, de modo independente
e em qualquer lugar, uma atividade econmica, seja qual for o fim ou o resultado dessa
atividade.
Entende-se por atividade econmica qualquer atividade de produo, de
comercializao ou de prestao de servios, incluindo as atividades extrativas, agrcolas e as
das profisses liberais ou equiparadas. em especial considerada atividade econmica a
explorao de um bem corpreo ou incorpreo com o fim de auferir receitas com carter de
permanncia.
4. Nos termos do artigo 13., n. 1, primeiro pargrafo, desta diretiva:
Os Estados, as regies, as autarquias locais e os outros organismos de direito pblico
no so considerados sujeitos passivos relativamente s atividades ou operaes que exeram

254

ANEXO

na qualidade de autoridades pblicas, mesmo quando, no mbito dessas atividades ou


operaes, cobrem direitos, taxas, quotizaes ou remuneraes.
5. O artigo 73. da diretiva IVA prev:
Nas entregas de bens e s prestaes de servios, que no sejam as referidas nos
artigos 74. a 77., o valor tributvel compreende tudo o que constitui a contraprestao que o
fornecedor ou o prestador tenha recebido ou deva receber em relao a essas operaes, do
adquirente, do destinatrio ou de um terceiro, incluindo as subvenes diretamente
relacionadas com o preo de tais operaes.
6. Segundo o artigo 78., primeiro pargrafo, alnea a), desta diretiva, o valor tributvel
inclui os impostos, direitos aduaneiros, taxas e demais encargos, com exceo do prprio IVA.
7. Em contrapartida, por fora do artigo 79., primeiro pargrafo, alnea c), da referida
diretiva, o valor tributvel no inclui as quantias que um sujeito passivo receba do adquirente
ou do destinatrio, a ttulo de reembolso das despesas efetuadas em nome e por conta destes
ltimos, e que sejam registadas na sua contabilidade em contas de passagem.
Direito portugus
8. Nos termos do artigo 2. do Cdigo do Imposto sobre o Valor Acrescentado (a seguir
CIVA):
1 So sujeitos passivos do imposto:
a) As pessoas singulares ou coletivas que, de um modo independente e com carter de
habitualidade, exeram atividades de produo, comrcio ou prestao de servios, incluindo
as atividades extrativas, agrcolas e as das profisses livres, e, bem assim, as que, do mesmo
modo independente, pratiquem uma s operao tributvel, desde que essa operao seja
conexa com o exerccio das referidas atividades, onde quer que este ocorra, ou quando,
independentemente dessa conexo, tal operao preencha os pressupostos de incidncia real
do imposto sobre o rendimento das pessoas singulares [...] ou do imposto sobre o rendimento
das pessoas coletivas [...]
[...]
2 O Estado e demais pessoas coletivas de direito pblico no so, no entanto, sujeitos
passivos do imposto quando realizem operaes no exerccio dos seus poderes de autoridade,
mesmo que por elas recebam taxas ou quaisquer outras contraprestaes, desde que a sua no
sujeio no origine distores de concorrncia.
[...]
9. O artigo 16. do CIVA dispe:

255

ANEXO

1 Sem prejuzo do disposto no n. 2, o valor tributvel das transmisses de bens e


das prestaes de servios sujeitas a imposto o valor da contraprestao obtida ou a obter do
adquirente, do destinatrio ou de um terceiro.
[...]
5 O valor tributvel das transmisses de bens e das prestaes de servios sujeitas a
imposto, inclui:
a) Os impostos, direitos aduaneiros, taxas e demais encargos, com exceo do prprio
imposto sobre o valor acrescentado;
[...]
6 Do valor tributvel referido no nmero anterior so excludos:
[...]
c) As quantias pagas em nome e por conta do adquirente dos bens ou do destinatrio
dos servios, registadas pelo sujeito passivo em contas de terceiros apropriadas;
[...]
10. Nos termos do artigo 3. da Lei n. 53-E/2006, de 29 de dezembro, que aprova o
regime geral das taxas das autarquias locais (Dirio da Repblica, 1. srie, n. 249, de 29 de
dezembro de 2006):
As taxas das autarquias locais so tributos que assentam na prestao concreta de um
servio pblico local, na utilizao privada de bens do domnio pblico e privado das autarquias
locais ou na remoo de um obstculo jurdico ao comportamento dos particulares, quando tal
seja atribuio das autarquias locais, nos termos da lei.
11. O artigo 6., n. 1, alnea c), dessa lei permite aos municpios criar essa taxa pela
utilizao e aproveitamento de bens do domnio pblico e privado municipal.

Factos do litgio no processo principal e questes prejudiciais


12. A Lisboags a concessionria exclusiva do servio pblico da rede de distribuio
de gs em municpios da regio de Lisboa e est encarregada, em especial, do
desenvolvimento, da explorao e da manuteno dessa rede. Como esta constituda, entre
outros elementos, por tubagens instaladas no subsolo no domnio pblico das autarquias
situadas na rea da concesso, a Lisboags est sujeita ao pagamento de taxas de ocupao do
subsolo (a seguir TOS) cobradas por essas autarquias.
13. Nos termos do contrato de concesso, a Lisboags, depois de pagar as TOS aos
municpios, repercute o montante dessas taxas na sociedade responsvel pela comercializao
do gs na zona de concesso quando lhe fatura a utilizao das infraestruturas da rede para o

256

ANEXO

fornecimento de gs aos consumidores. Em seguida, esta ltima sociedade repercute o


montante das TOS nos consumidores, na fatura de fornecimento de gs.
14. Seguindo as instrues da Administrao Fiscal, a Lisboags liquidou o IVA taxa
normal de 23% sobre os montantes das TOS que, em seguida, foram repercutidos nos
consumidores durantes os meses de maio, junho e julho de 2012. Incluiu esse IVA nas suas
declaraes peridicas correspondentes e pagou-o tempestivamente.
15. Aps o indeferimento das suas reclamaes graciosas em que pedia a restituio do
IVA, a Lisboags, em 29 de abril de 2013, apresentou o pedido de constituio do Tribunal
Arbitral Tributrio (Centro de Arbitragem Administrativa CAAD).
16. Em apoio do seu pedido de pronncia arbitral, a Lisboags alega, designadamente,
que a repercusso das TOS no constitui uma atividade econmica, na aceo do artigo 9.,
n. 1, da diretiva IVA, em virtude da inexistncia de qualquer contrapartida direta ou indireta,
pelo que, no se tratando de uma operao onerosa, no gera valor acrescentado.
17. Por outro lado, segundo a Lisboags, o artigo 78., primeiro pargrafo, alnea a), da
diretiva IVA, transposto pelo artigo 16., n. 5, alnea a), do CIVA, no aplicvel s TOS, uma
vez que estas no tm um nexo direto com operaes tributveis praticadas por si, nem se
conexionam com o exerccio da atividade concessionada e, em especial, a sua cobrana no
representa o contravalor efetivo de uma operao tributvel praticada por si relativamente
entidade que comercializa o gs.
18. Acrescenta que, estando as TOS excludas do mbito de aplicao do IVA no
momento da sua cobrana pelos municpios, por fora do artigo 2. do CIVA, a sua mera
repercusso sem nenhum acrscimo no devia dar lugar sua incluso no valor tributvel do
IVA. O princpio da neutralidade do IVA impe, com efeito, que o tratamento em IVA de uma
despesa determinada seja mantido quando o montante exato dessa despesa seja refaturado a
um terceiro.
19. A Autoridade Tributria e Aduaneira alega que restituir Lisboags o montante do
IVA que liquidou e recebeu do seu cliente equivaleria a um enriquecimento sem causa que a
legislao nacional e o direito da Unio no consentem.
20. Alm disso, observa que o uso ou a utilizao de um bem do domnio pblico traduz
um ato de consumo que, para efeitos do IVA, se subsume a uma prestao de servios e que
no se pode sustentar que o pagamento das TOS no apresente nexo direto com operaes
tributveis realizadas pela Lisboags, uma vez que a distribuio de gs se faz atravs do
subsolo de uma determinada circunscrio ou municpio.
21. Considera que, embora a cobrana das TOS no esteja sujeita a IVA, na medida em
que a concesso de bens do domnio pblico efetuada pelos municpios no exerccio dos seus

257

ANEXO

poderes de autoridade, j a repercusso do imposto efetuada por uma pessoa coletiva de


direito privado faz parte de uma prestao de servios complexa que termina com o
fornecimento de gs aos consumidores.
22 O rgo jurisdicional de reenvio observa que a recorrente no processo principal
solicita a apresentao de um pedido de deciso prejudicial e que a deciso que vier a proferir
para dirimir o litgio no processo principal no recorrvel.
23 Nestas condies, o Tribunal Arbitral Tributrio (Centro de Arbitragem
Administrativa CAAD) decidiu suspender a instncia e submeter ao Tribunal de Justia as
seguintes questes prejudiciais:
1) O [d]ireito da Unio ope-se a que, na repercusso, sem qualquer acrscimo, por
uma empresa privada fornecedora de infraestruturas de distribuio de gs natural a uma
empresa adquirente dos seus servios, dos montantes de [TOS], pagas aos municpios em que
existem tubagens que integram essas infraestruturas, seja liquidado IVA?
2) Sendo as [TOS] liquidadas por autarquias locais, no exerccio dos seus poderes de
autoridade, sem liquidao de IVA, o [d]ireito da Unio ope-se a que, na repercusso dos
montantes dessas taxas pagos por uma empresa privada fornecedora de infraestruturas de
distribuio de gs natural a uma empresa adquirente dos seus servios, seja liquidado IVA?

Quanto s questes prejudiciais


24. Uma vez que a Comisso observa, quanto admissibilidade do pedido de deciso
prejudicial, que o rgo jurisdicional de reenvio no indica as disposies do direito da Unio
cuja interpretao solicita nem as razes que o levaram a interrogar-se a respeito da aplicao
desse direito, cumpre recordar que o artigo 94., alnea c), do Regulamento de Processo do
Tribunal de Justia prev, com efeito, que o pedido de deciso prejudicial deve conter uma
exposio das razes que conduziram o rgo jurisdicional de reenvio a interrogar-se sobre a
interpretao ou a validade de certas disposies do direito da Unio, bem como o nexo que
esse rgo estabelece entre essas disposies e a legislao nacional aplicvel ao litgio no
processo principal.
25. Todavia, uma vez que as questes relativas ao direito da Unio beneficiam de uma
presuno de pertinncia, o Tribunal de Justia s pode recusar-se a responder a uma questo
submetida sua apreciao por um rgo jurisdicional nacional quando for manifesto que a
interpretao do direito da Unio solicitada no tem nenhuma relao com a realidade ou com
o objeto do litgio no processo principal, quando o problema for hipottico ou ainda quando o
Tribunal de Justia no dispuser dos elementos de facto e de direito necessrios para dar uma
resposta til s questes que lhe foram submetidas (v., designadamente, acrdos Cipolla e o.,

258

ANEXO

C-94/04 e C-202/04, EU:C:2006:758, n. 25, e Chartered Institute of Patent Attorneys,


C-307/10, EU:C:2012:361, n. 32).
26. No caso em apreo, apesar da falta de precises na deciso de reenvio
relativamente s disposies do direito da Unio cuja interpretao solicitada e s razes que
levaram o rgo jurisdicional de reenvio a interrogar-se a respeito da interpretao desse
direito, deduz-se do exposto nessa deciso, bem como das questes submetidas, que estas
tm por objeto a interpretao da diretiva IVA e que as disposies pertinentes para lhe
responder, luz, designadamente, dos argumentos aduzidos pela Lisboags, so os artigos 9.,
n. 1, 73., 78., primeiro pargrafo, alnea a), e 79., primeiro pargrafo, alnea c), dessa
diretiva. Alm disso, resulta da referida deciso que uma resposta a essas questes de
interpretao do direito da Unio necessria para a soluo do referido litgio.
27. Daqui resulta que o pedido de deciso prejudicial admissvel.
28. No tocante ao mrito, com as suas duas questes, que importa examinar em
conjunto, o rgo jurisdicional de reenvio pergunta, em substncia, se os artigos 9., n. 1, 73.,
78., primeiro pargrafo, alnea a), e 79., primeiro pargrafo, alnea c), da diretiva IVA devem
ser interpretados no sentido de que o montante das taxas, como as que esto em causa no
processo principal, pago aos municpios pela sociedade concessionria da rede de distribuio
de gs pela utilizao do domnio pblico dos referidos municpios e que repercutido em
seguida por essa sociedade noutra sociedade, responsvel pela comercializao do gs, e
depois por esta ltima nos consumidores finais, devem ser includos no valor tributvel do IVA
aplicvel prestao realizada pela primeira dessas sociedades segunda.
29. Segundo o artigo 78., primeiro pargrafo, alnea a), da diretiva IVA, o valor
tributvel inclui as taxas e demais encargos, com exceo do prprio IVA. O Tribunal de Justia
j precisou que, para que uma taxa se possa incluir no valor tributvel do IVA, ainda que no
represente qualquer valor acrescentado e no constitua a contrapartida econmica da
transmisso de bens ou da prestao de servios, deve ter um nexo direto com essa
transmisso ou prestao e que a questo de saber se o facto gerador da referida taxa coincide
com o do IVA um elemento determinante para demonstrar a existncia de tal nexo (v., neste
sentido, acrdos De Danske Bilimportrer, C-98/05, EU:C:2006:363, n. 17; Comisso/Polnia,
C-228/09, EU:C:2010:295, n. 30; Comisso/ustria, C-433/09, EU:C:2010:817, n. 34; e TVI,
C-618/11, C-637/11 e C-659/11, EU:C:2013:789, n.os 37 e 39).
30. No caso em apreo, resulta da deciso de reenvio que as TOS so pagas pela
Lisboags aos municpios previamente operao sujeita a IVA entre a Lisboags e a sociedade
responsvel pela comercializao do gs aos consumidores, e independentemente dessa
operao, como contrapartida pela utilizao do domnio pblico municipal decorrente da

259

ANEXO

implantao neste de infraestruturas da rede de gs que a Lisboags explora. Esta repercute,


em seguida, o montante das TOS na sociedade responsvel pela comercializao do gs
quando lhe fatura a utilizao das referidas infraestruturas para o fornecimento do gs aos
consumidores.
31. Daqui decorre que as TOS no representam valor acrescentado e no constituem a
contrapartida econmica da operao sujeita a IVA que ocorre entre a sociedade
concessionria da rede de distribuio de gs e a sociedade responsvel pela comercializao
do gs e que o facto gerador dessas TOS no coincide com o do IVA, pelo que as TOS no tm
nexo direto com essa operao.
32. Por conseguinte, as TOS no so taxas que devam ser includas no valor tributvel
do IVA, nos termos do artigo 78., primeiro pargrafo, alnea a), da diretiva IVA.
33. Acresce que, ao repercutir o montante das TOS na sociedade responsvel pela
comercializao do gs na faturao que lhe faz pela utilizao das referidas infraestruturas
para o fornecimento de gs aos consumidores, a Lisboags no repercute as TOS, enquanto
tais, mas o preo da utilizao do domnio pblico municipal. Esse preo faz parte do conjunto
dos custos suportados pela Lisboags e que entra no preo da sua prestao, a pagar pela
sociedade responsvel pela comercializao do gs. O facto de, em conformidade com o
contrato de concesso, o montante das TOS ser objeto de uma rubrica separada na fatura
emitida pela Lisboags e em seguida nas faturas remetidas pela sociedade responsvel pela
comercializao do gs aos consumidores , a este respeito, irrelevante.
34. Consequentemente, o montante das TOS constitui um elemento da contrapartida
obtida pela Lisboags da sociedade responsvel pela comercializao do gs pela sua
prestao, que indiscutivelmente constitui uma atividade econmica, na aceo do artigo
9., n. 1, da diretiva IVA. Em conformidade com o artigo 73. desta diretiva, esse montante
deve, por conseguinte, ser includo no valor tributvel do IVA dessa prestao.
35. Por outro lado, o montante das TOS no pode ser excludo do valor tributvel desta
ltima prestao com fundamento no artigo 79., primeiro pargrafo, alnea c), da diretiva IVA,
uma vez que esse montante no cobrado como reembolso de despesas efetuadas em nome e
por conta da sociedade responsvel pela comercializao do gs ou dos consumidores, mas
como contrapartida pelo custo da utilizao do domnio municipal suportado pela Lisboags
em virtude da sua atividade.
36. Ao invs do que esta ltima alega, a incluso do montante das TOS no valor
tributvel do IVA aplicvel prestao que a mesma efetua sociedade responsvel pela
comercializao do gs no contrria ao princpio da neutralidade fiscal, que se ope a que as
entregas de bens ou prestaes de servios semelhantes, que esto em concorrncia entre si,

260

ANEXO

sejam tratadas de maneira diferente do ponto de vista do IVA (v., neste sentido, acrdo BG
Leasing, C-224/11, EU:C:2013:15, n. 65 e jurisprudncia referida).
37. Com efeito, nos termos do artigo 13., n. 1, primeiro pargrafo, da diretiva IVA, os
municpios no so considerados sujeitos passivos de IVA quando cobram taxas como as TOS,
ao passo que, por aplicao do artigo 9. da referida diretiva, as sociedades como a Lisboags
so consideradas sujeitos passivos de IVA quando exercem atividades econmicas, na
aceo dessa disposio. Por outro lado, como decorre das concluses constantes dos n.os 31,
33 e 34 do presente acrdo, a cobrana das TOS pelos municpios e a cesso, pela Lisboags
sociedade responsvel pela comercializao do gs, do direito de utilizar a rede de gs que
aquela explora mediante o pagamento de uma contrapartida que integra o montante das TOS
no constituem operaes semelhantes.
38. Em face de todas as consideraes precedentes, importa responder s duas
questes submetidas que os artigos 9., n. 1, 73., 78., primeiro pargrafo, alnea a), e 79.,
primeiro pargrafo, alnea c), da diretiva IVA devem ser interpretados no sentido de que o
montante das taxas, como as que esto em causa no processo principal, que pago aos
municpios pela sociedade concessionria da rede de distribuio de gs em virtude da
utilizao do domnio pblico dos referidos municpios e que repercutido em seguida por
essa sociedade noutra sociedade, responsvel pela comercializao do gs, e depois por esta
nos consumidores finais, deve ser includo no valor tributvel do IVA aplicvel prestao
efetuada pela primeira dessas sociedades segunda, nos termos do artigo 73. dessa diretiva.

Quanto s despesas
39. Revestindo o processo, quanto s partes na causa principal, a natureza de incidente
suscitado perante o rgo jurisdicional de reenvio, compete a este decidir quanto s despesas.
As despesas efetuadas pelas outras partes para a apresentao de observaes ao Tribunal de
Justia no so reembolsveis.
Pelos fundamentos expostos, o Tribunal de Justia (Oitava Seco) declara:
Os artigos 9., n. 1, 73., 78., primeiro pargrafo, alnea a), e 79., primeiro
pargrafo, alnea c), da Diretiva 2006/112/CE do Conselho, de 28 de novembro de 2006,
relativa ao sistema comum do imposto sobre o valor acrescentado, devem ser interpretados
no sentido de que o montante das taxas, como as que esto em causa no processo principal,
que pago aos municpios pela sociedade concessionria da rede de distribuio de gs em
virtude da utilizao do domnio pblico dos referidos municpios e que repercutido em
seguida por essa sociedade noutra sociedade, responsvel pela comercializao do gs, e
depois por esta nos consumidores finais, deve ser includo no valor tributvel do imposto

261

ANEXO

sobre o valor acrescentado aplicvel prestao efetuada pela primeira dessas sociedades
segunda, nos termos do artigo 73. dessa diretiva.

Assinaturas

262

Ttulo: Contencioso Tributrio


Ano de Publicao: 2015
ISBN: 978-989-8815-07-1
Srie: Formao Contnua
Edio: Centro de Estudos Judicirios
Largo do Limoeiro
1149-048 Lisboa
[email protected]

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