CEJ - Contratação Pública - 2018
CEJ - Contratação Pública - 2018
CEJ - Contratação Pública - 2018
(ETL)
Ficha Técnica
Nome:
Contratação pública
Coleção:
Formação Contínua
Conceção e organização:
Anabela Russo – Juíza Desembargadora TCA-Sul, Coordenadora Regional Sul-CEJ
Margarida Reis
Sofia David - Juíza Desembargadora do Tribunal Central Administrativo Sul
Intervenientes:
Maria João Estorninho – Professora da Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa
Luís Verde de Sousa – Assistente da Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra
Carlos Luís Medeiros de Carvalho – Juiz Conselheiro do Supremo Tribunal Administrativo
Ana Sofia Alves – Juíza de Direito do Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra
Bernardo Azevedo – Assistente da Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa
Cláudia Viana – Professora da Escola de Direito da Universidade do Minho
Licínio Lopes Martins – Professor da Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra
Vera Eiró – Professora da Faculdade de Direito da Universidade Nova
Raquel Carvalho – Professora da Faculdade de Direito da Universidade Católica do Porto
Revisão final:
Edgar Taborda Lopes – Juiz Desembargador, Coordenador do Departamento da Formação do
CEJ
Ana Caçapo – Departamento da Formação do CEJ
Foi respeitada a opção dos autores na utilização ou não do novo Acordo Ortográfico.
Os conteúdos e textos constantes desta obra, bem como as opiniões pessoais aqui expressas, são
da exclusiva responsabilidade dos/as seus/suas Autores/as não vinculando nem necessariamente
correspondendo à posição do Centro de Estudos Judiciários relativamente às temáticas
abordadas.
A reprodução total ou parcial dos seus conteúdos e textos está autorizada sempre que seja
devidamente citada a respetiva origem.
AUTOR(ES) – Título [Em linha]. a ed. Edição. Local de edição: Editor, ano de
edição.
[Consult. Data de consulta]. Disponível na internet: <URL:>. ISBN.
Exemplo:
Direito Bancário [Em linha]. Lisboa: Centro de Estudos Judiciários, 2015.
[Consult. 12 mar. 2015].
Disponível na
internet: <URL: http://www.cej.mj.pt/cej/recursos/ebooks/civil/Direito_Bancario.pdf.
ISBN 978-972-9122-98-9.
6. Os critérios de adjudicação 83
Cláudia Viana
A revisão do Código dos Contratos Públicos veio a ser aprovada em Conselho de Ministros em
maio de 2017 e a promulgação pelo Presidente da República surgiu no início de agosto, sendo
o Decreto-Lei nº 111-B/2017 publicado em 31 de agosto, para entrar em vigor no dia 1 de
janeiro de 2018. Ou seja, a revisão do CCP acaba por surgir tarde, já fora do prazo para a
transposição das Diretivas de 2014 (que terminava em março de 2016), sendo a pressão
europeia decorrente do incumprimento do referido prazo de transposição invocada, aliás, por
Sua Ex.ª o Presidente da República para justificar a inevitabilidade da promulgação, pese
embora as dúvidas e discordâncias que teve ocasião de expressar relativamente ao diploma.
O Anteprojeto de transposição das Diretivas que o Governo anterior (de Passos Coelho)
publicitou em maio de 2015, pese embora se afirmasse minimalista acabava por implicar a
alteração a quase 60 artigos e o aditamento de cerca de 40 novos artigos ao CCP.
O atual Governo (de António Costa) partiu da mesma opção de fundo, a de afastar a hipótese
de se elaborar um novo CCP (solução que a meu ver seria desejável) e preferiu manter o
Código dos Contratos Públicos de 2008 (do governo de José Sócrates), procedendo apenas à
sua revisão. Acabou-se, no entanto, por alterar mais de 200 artigos e por aditar cerca de 40
novas disposições. Ao enxertar todas essas alterações nos anteriores quase 500 artigos do CCP,
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Contratação Pública
1. Apreciação crítica à alteração de 2017 ao Código dos Contratos Públicos
mantendo-o intacto no essencial, veio-se agravar, na minha opinião, o labirinto jurídico 1 que é,
desde o início, o nosso Código dos Contratos Públicos.
Após tanto tempo, e até já em incumprimento do prazo de transposição das Diretivas de 2014,
é imperdoável levar a cabo uma revisão do CCP que significa perder a oportunidade de, a bem
de Portugal, aperfeiçoar o regime jurídico aplicável aos contratos públicos e corrigir as
perniciosas disfunções do Código dos Contratos Púbicos de 2007-2008. Na verdade, apesar das
muitas alterações, trata-se do mesmo Código, quer formalmente quer do ponto de vista das
opções de fundo e dos traços fundamentais dos regimes que contém. O que é uma pena!
Em 2016, apreciando o Anteprojeto que foi objeto de consulta pública, publiquei nos Cadernos
de Justiça Administrativa um texto onde perguntava se a transposição das Diretivas de 2014
viria a ser uma janela de oportunidade ou uma oportunidade perdida 2.
Antes de responder, importa primeiro recentrar a questão, lembrando aquilo que é o essencial
nestas matérias. Todos sabemos como a contratação pública é um instrumento formidável de
atuação das entidades públicas e de afetação de recursos públicos. As entidades públicas, na
sua veste de entidades adjudicantes, têm a obrigação de exercer o seu poder de compra de
forma ética, social e ambientalmente responsável. Como tenho repetido muitas vezes, impõe-
se, nos nossos dias, um repensar do significado da contratação pública e um recentrar de
prioridades. Ao contrário do que se quis fazer crer muitas vezes, a meu ver os contratos
públicos não são oportunidades de negócio para as entidades públicas (negócios que acabam
por se revelar, em tantos casos, ruinosos para o erário público e para os cidadãos), mas sim são
instrumentos de realização de tarefas públicas, ao serviço das mais variadas políticas públicas.
A realização do bem comum, através de contratos públicos, exige legislação clara e adequada,
decisores públicos profissionalizados e responsáveis, mecanismos de regulação e de controlo
eficazes. É, assim, muito oportuno analisar a esta luz a versão revista de 2017-2018 do Código
dos Contratos Públicos de 2007-2008.
Para mim, é muito frustrante ver perder-se a ocasião de Portugal se dotar de um verdadeiro
novo Código dos Contratos Públicos que fosse um diploma legal exemplar do ponto de vista da
técnica legislativa e que fosse também desempoeirado porque assente, por um lado, numa
moderna visão estratégica da contratação pública como instrumento privilegiado de promoção
de políticas públicas inovadoras e de crescimento económico e, por outro, na genuína vontade
e capacidade política de enquadrar a contratação pública em regimes jurídicos amigos da
transparência, da sustentabilidade, da responsabilidade, em suma, do bem comum.
A meu ver, com grande pena e antecipando já um juízo global, esta revisão do CCP, em 2017,
representa uma oportunidade perdida de, em termos globais, melhorar o enquadramento
legal da contratação pública. Pelo contrário, antes contribui para agravar muitas das
disfunções da versão de 2008 do Código dos Contratos Públicos, em matérias cruciais
relativamente às quais se exigiriam soluções claras e acertadas.
1
MARIA JOÃO ESTORNINHO, Curso de Direito dos Contratos Públicos, Almedina, 2012, p.369.
2
MARIA JOÃO ESTORNINHO, in Cadernos de Justiça Administrativa, nº 118, 2016.
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Contratação Pública
1. Apreciação crítica à alteração de 2017 ao Código dos Contratos Públicos
Num quadro de simplificação legislativa (afirmada, aliás, como prioridade pelo atual Governo
no seu Programa) não se poderia perder esta ocasião para libertar o Código dos Contratos
Públicos de complicadas definições, classificações e construções dogmáticas, as quais devem
caber à doutrina e não ao legislador, a quem cumpre regular de forma clara e eficaz.
Infelizmente, pelo contrário, o legislador de 2017 tudo complexifica artificialmente ainda mais.
Indispensável seria ter eliminado a complexidade do labirinto jurídico do Código dos Contratos
Públicos de 2008 resultante, entre tantos outros aspetos, do tratamento unitário de universos
diferentes de contratos (contratos dos setores clássicos e dos setores especiais, contratos
abaixo e acima dos limiares de aplicação das Diretivas, contratos sujeitos à concorrência ou
não, contratos administrativos ou não administrativos de acordo com critérios caducos e
incompatíveis com as Diretivas Europeias) numa teia complexa de regras gerais, de exceções
às regras e de exceções às exceções. As imbrincadas (e incompreensíveis para o comum dos
operadores económicos e jurídicos) relações entre o âmbito de aplicação das Partes II e III do
Código e, dentro delas, dos mais diversos regimes jurídicos deviam, e podiam, ter sido,
ultrapassadas. Pelo contrário, foram agravadas.
É imperdoável que o legislador não tenha eliminado, de uma vez por todas, a teia labiríntica de
regimes jurídicos e não tenha aproveitado a oportunidade para clarificar o âmbito de aplicação
do Código, e de cada uma das suas Partes, fazendo-o coincidir com as regras aplicáveis quer à
formação quer ao regime substantivo dos contratos públicos, em consonância com o Direito
Europeu.
13
Contratação Pública
1. Apreciação crítica à alteração de 2017 ao Código dos Contratos Públicos
Entre tantos outros exemplos lamentáveis, registe-se também a introdução no novo Artigo 5º-
A da distinção entre princípios gerais da atividade administrativa e princípios gerais da
contratação pública que, nesses termos, em nada contribui para a clarificação dos regimes de
formação de determinados contratos públicos que o legislador exclui da Parte II do Código. A
isso se somam as dificuldades resultantes do regime concorrencial intermédio introduzido no
Artigo 6º, nº 2.
Sempre critiquei o elenco, a meu ver demasiado alargado, de contratos excluídos do âmbito do
CCP, considerando incompreensível quer a exclusão desse âmbito de aplicação de
determinados contratos quer, por outro lado, a exclusão de certos contratos do âmbito de
aplicação da Parte II, relativa aos procedimentos adjudicatórios. Ora, a meu ver, as alterações
introduzidas em 2017 aos Artigos 4º e 5º, entre outros, não representam melhoria nesta
matéria.
Por exemplo, incompreensível é que não fiquem sujeitos à Parte II do Código e, assim, aos
procedimentos nacionais de formação dos contratos públicos, vários contratos excluídos do
âmbito de aplicação das Diretivas, uma vez que o facto de as Diretivas não se aplicarem a
determinados contratos (por entenderem que tais contratos não se revestem de interesse
transfronteiriço ou por outras razões) não deve significar, do ponto de vista do direito interno,
a pura e simples exclusão de tais contratos do âmbito de aplicação do Código ou sequer do
âmbito da Parte II. Preocupantes são as exclusões relativas a contratos celebrados por
determinados serviços periféricos das entidades públicas no estrangeiro, ou as prestações de
serviços a centrais de compras ou, ainda, entre outros, a contratos relativos a serviços sociais
até 750 000 Euros ou a contratos de aquisição de serviços de arbitragem. Muito preocupantes
são também as novidades relativas ao regime previsto para os contratos in-house e, em
particular, aos casos da, muito em voga, cooperação público-público.
Seria preciso ter tido a coragem, em 2017, de efetivamente reduzir o elenco de fundamentos
para utilização de procedimentos de adjudicação direta (com ou sem consulta a mais de uma
entidade), indo ao encontro das preocupações – nacionais e europeias - de reforço da
concorrência e da transparência nos procedimentos de contratação pública em Portugal. Ora,
sob a aparência da introdução de um novo procedimento concorrencial (a consulta prévia), em
bom rigor, esta revisão do Código dos Contratos Públicos falha o objetivo de contribuir para
fomentar procedimentos abertos à concorrência. Veremos o que se ganhará com a
autonomização do procedimento de consulta prévia, para além de naturalmente passar a
haver menos ajustes diretos para efeitos estatísticos. Veremos também qual o resultado da
permissão da celebração de contratos de empreitada até 300 000 Euros através de concurso
público urgente (com prazo de apresentação de propostas de 72h e critério de preço mais
baixo).
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Contratação Pública
1. Apreciação crítica à alteração de 2017 ao Código dos Contratos Públicos
De saudar é a nova redação do Artigo 18º (já depois da aprovação em Conselho de Ministros),
relativa ao critério de escolha dos procedimentos pré-contratuais. Recorde-se que uma das
«originalidades» do sistema do CCP de 2008 – que sempre critiquei - foi de se ter optado por
limitar o valor do contrato a celebrar em função do procedimento escolhido. Tal sistema
implicava uma perversa inversão relativamente à funcionalização do contrato à prossecução
do interesse público, tendo subjacente a opção por um princípio de liberdade de escolha do
procedimento de formação dos contratos públicos (que se mantinha na versão aprovada em
Conselho de Ministros).
Seria fundamental que o Código dos Contratos Públicos criasse uma moldura legal propícia a
uma contratação pública menos complexa e mais ágil, por se entender que a simplificação
administrativa e a desburocratização potenciam o aumento da transparência e promovem o
combate aos conflitos de interesses e a fenómenos de corrupção.
A desejada flexibilidade procedimental não deve, no entanto, ser entendida como sinónimo de
(des) procedimentalização, e exige também novos paradigmas de profissionalização na
contratação pública e mecanismos acrescidos de garantia de transparência, controlo e
responsabilidade.
Ou seja, ficam todos os procedimentos já existentes (com a sua labiríntica tramitação) e ainda
se complica mais, acrescentando-se as parcerias para a inovação e desdobrando-se o ajuste
direto em ajuste direto e consulta prévia. Em vez de Simplificação…. Complexificação!
O mais grave é ainda que, bem ao gosto da época (já fiz também esta crítica à revisão de 2015
do Código do Procedimento Administrativo), a complexificação das exigências procedimentais
é acompanhada de um aligeirar dos regimes de invalidade dos contratos públicos e dos atos
administrativos. Na verdade, cada vez mais se retiram menos consequências, do ponto de vista
da invalidade, do incumprimento das normas legais, o que é absolutamente perverso (pense-
se, entre outros, nos regimes de invalidade consequente dos contratos públicos).
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Contratação Pública
1. Apreciação crítica à alteração de 2017 ao Código dos Contratos Públicos
A meu ver, a transposição das Diretivas não poderia significar consagrar, por um lado, soluções
das Diretivas acrescentando uma série de artigos ao Código dos Contratos Públicos e, por
outro lado, manter uma série de regimes de 2008, criando contradições insanáveis que
acabam até, em alguns casos, por desvirtuar o próprio sentido das Diretivas.
Transpor efetivamente as Diretivas obrigaria a ter a coragem de eliminar do CCP tudo aquilo
que com cada nova solução é incompatível. Isto é especialmente importante no que diz
respeito à Parte III do Código. Na verdade, as Diretivas de 2014 incidem não apenas sobre a
fase da formação dos contratos públicos mas também sobre a fase da execução dos mesmos,
ultrapassando-se definitivamente o «mito» da dicotomia que tradicionalmente existiria no
Direito Europeu entre os regimes aplicáveis aos procedimentos de formação dos contratos
públicos (regulados pelas Diretivas) e os regimes aplicáveis à execução dos mesmos contratos
(remetidos para os ordenamentos jurídicos nacionais).
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Contratação Pública
1. Apreciação crítica à alteração de 2017 ao Código dos Contratos Públicos
contrato – em consonância com o Direito Europeu - o que vinha sendo tratado como causa de
invalidade (por exemplo, os casos de inobservância do período de standstill ou de publicitação
obrigatória no JOUE).
Uma nota final para lembrar que a amplitude com a qual - aproveitando a porta aberta pela
revisão do CPTA em 2015 – o Anteprojeto de revisão do CCP que foi submetido a consulta
pública em 2016 previa o recurso à arbitragem levou-me na época a pronunciar-me no sentido
de não restarem dúvidas quanto às gravíssimas implicações que decorreriam de tal solução,
em termos de um inaceitável esvaziar do âmbito da jurisdição administrativa em matéria de
contratação pública.
Pela minha parte, e pese embora a versão que veio a ser aprovada do Artigo 476º tenha
recuado significativamente relativamente à solução do Anteprojeto, prevendo-se agora uma
preferência por centros de arbitragem institucionalizados, continuo a defender que seria
preferível uma especialização dentro dos Tribunais Administrativos, enveredando-se pela
criação de secções especializadas dos Tribunais Administrativos, relativamente a certas
matérias, nomeadamente a dos contratos públicos.
Vídeo da apresentação
https://educast.fccn.pt/vod/clips/ige1qa5aw/flash.html?locale=pt
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Contratação Pública
2. Tipo e escolha de procedimentos, em especial, as alterações ao ajuste direto
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Contratação Pública
2. Tipo e escolha de procedimentos, em especial, as alterações ao ajuste direto
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2. Tipo e escolha de procedimentos, em especial, as alterações ao ajuste direto
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2. Tipo e escolha de procedimentos, em especial, as alterações ao ajuste direto
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2. Tipo e escolha de procedimentos, em especial, as alterações ao ajuste direto
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Contratação Pública
2. Tipo e escolha de procedimentos, em especial, as alterações ao ajuste direto
Vídeos da apresentação
I.
https://educast.fccn.pt/vod/clips/2laax251yz/flash.html?locale=pt
II.
https://educast.fccn.pt/vod/clips/2jq6hbagbu/flash.html?locale=pt
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Contratação Pública
3. Primeiro balanço das alterações legislativas ao CCP
Diria que, com a aprovação e publicação, em 2014, das Diretivas n.ºs 2014/23/UE [relativas
aos contratos de concessão], 2014/24/UE [respeitante aos contratos públicos], 2014/25/UE
[referente aos contratos públicos celebrados pelas entidades que operam nos setores da água,
da energia, dos transportes e dos serviços postais], e 2014/55/UE [relativa à faturação
eletrónica nos contratos públicos], impendia sobre o Estado Português a obrigação da sua
correta e atempada transposição para o quadro do direito interno 2, introduzindo as
necessárias e devidas alterações ao Código dos Contratos Públicos vigente [aprovado pelo DL
n.º 18/2008, de 29 de janeiro].
Estavam, aliás, já ultrapassados em grande medida os prazos que haviam sido definidos para a
transposição da maioria daquelas Diretivas.
As alterações aportadas pelo DL n.º 111-B/2017 3 ao CCP, como deriva da leitura do seu
preâmbulo, decorreram não só daquela obrigação de transposição, mas também de
necessidades ao nível da simplificação, desburocratização e flexibilização, bem como de
transparência e boa gestão pública.
Entrando, então, no elenco das alterações sinalizaria como primeiro ponto, uma das
significativas modificações introduzidas no Código, decorrente da transposição das diretivas, e
que se prende com o alargamento do regime dos contratos entre entidades do setor público,
passando a estar abrangidas outras formas de cooperação entre entidades públicas.
1
Optamos por publicar, sem qualquer modificação e/ou atualização, o presente texto na versão elaborada para
servir de suporte à nossa comunicação realizada em 29 de novembro de 2017 no âmbito da ação de formação
relativa à “Contratação Pública” organizada pelo CEJ.
* Juiz Conselheiro do Supremo Tribunal Administrativo.
2
Vide, nomeadamente, arts. 02.º, 03.º, 04.º e 05.º, do Tratado da União Europeia [doravante TUE], 258.º, 260.º,
288.º do Tratado de Funcionamento da União Europeia [doravante TFUE], 08.º, n.º 4, e 112.º, n.º 8, da CRP, e aquilo
que eram os prazos definidos nas referidas diretivas para que cada Estado-Membro procedesse à respetiva
transposição [cfr., no caso, os arts. 51.º da Diretiva n.º 2014/23/UE («até 18 de abril de 2016»), 90.º da Diretiva n.º
2014/24/UE (também, por regra, «até 18 de abril de 2016» embora se prevejam outros prazos mais dilatados para
determinadas situações ali especificadas - vide seus n.ºs 2 a 5), 106.º da Diretiva n.º 2014/25/UE (também, por
regra, «até 18 de abril de 2016» e em que, igualmente, se preveem outros prazos mais dilatados para determinadas
situações ali especificadas - vide seu n.º 2), e 11.º da Diretiva n.º 2014/55/UE («até 27 de novembro de 2018»)].
3
Cuja entrada em vigor se mostra fixada para o dia 1 de janeiro de 2018 [cfr. art. 13.º do referido DL], sendo que só
é aplicável aos procedimentos de formação de contratos públicos iniciados após a sua data de entrada em vigor,
bem como aos contratos que resultem desses procedimentos, ficando excluída a sua aplicação às prorrogações
[expressas ou tácitas] do prazo de execução das prestações objeto de contratos públicos cujo procedimento se
iniciou em data prévia à entrada em vigor do mesmo diploma [cfr. seu art. 12.º, n.ºs 1 e 2].
39
Contratação Pública
3. Primeiro balanço das alterações legislativas ao CCP
Veja-se, assim, o regime que passou a decorrer dos arts. 01.º, n.º 2, 05.º [contratação
excluída], 05.º-A [contratos no âmbito do setor público], 05.º-B [regime da contratação
excluída] e 06.º-A [contratos de serviços sociais e de outros serviços específicos] do CCP,
disciplinando-se a contratação excluída não sujeita à parte II do Código [falamos da formação
de contratos cujo objeto abranja prestações que não estão, nem são suscetíveis de estar
submetidas à concorrência de mercado, designadamente em razão da sua natureza ou das
suas características, bem como da posição relativa das partes no contrato ou do contexto da
sua formação].
Por outro lado, e de harmonia com o disposto no art. 05.º-A também a parte II não é aplicável
à formação dos contratos, independentemente do seu objeto, a celebrar por entidades
adjudicantes com uma outra entidade, quando se verifiquem, cumulativamente, as seguintes
condições:
iii) Não haja participação direta de capital privado na pessoa coletiva controlada, com
exceção de formas de participação de capital privado sem poderes de controlo e sem
bloqueio eventualmente exigidas por disposições especiais, em conformidade com os
Tratados da União Europeia, e que não exerçam influência decisiva na pessoa coletiva
controlada [n.º 1].
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Contratação Pública
3. Primeiro balanço das alterações legislativas ao CCP
Para efeitos do n.º 1, entende-se que existe “controlo análogo isolado” quando uma única
entidade adjudicante pode exercer uma influência decisiva sobre os objetivos estratégicos e as
decisões relevantes da entidade controlada [n.º 3] e que existe “controlo análogo conjunto”
quando estiverem preenchidas, cumulativamente, as seguintes condições:
iii) A pessoa coletiva controlada não prossegue quaisquer interesses contrários aos
interesses das entidades adjudicantes que a controlam [n.º 4].
Sendo que para efeitos do apuramento das percentagens previstas nas als. b) do n.º 1 e c) do
n.º 5 deve ser tido em conta o volume médio total de negócios, ou uma medida alternativa
adequada, baseada na atividade, tais como os custos suportados pela pessoa coletiva em
causa no que diz respeito a serviços, fornecimentos ou obras, nos três anos anteriores ou,
quando não tenha três anos de atividade concluídos, a projeção de atividades a desenvolver
[n.º 6].
Frise-se, todavia e como deriva do art. 05.º-B, que este regime de contratação excluída [arts.
05.º e 05.º-A] fica sujeita aos princípios gerais da atividade administrativa, bem como, com as
devidas adaptações face à natureza do contrato, aos princípios gerais da contratação pública
previstos no n.º 1 do art. 01.º-A, devendo sempre ser feita menção à norma que fundamenta a
não aplicação da parte II ao contrato em causa [n.º 1]. E quanto aos contratos com objeto
passível de ato administrativo e demais contratos sobre o exercício de poderes públicos os
mesmos ficam sujeitos às normas constantes do Código do Procedimento Administrativo, com
as necessárias adaptações.
Registava ainda nesta sede de âmbito de contratação excluída do CCP as alterações feitas ao
art. 04.º onde se disciplinam vários tipos de contratos a que este Código não é aplicável 4,
alargando-se o elenco da contratação excluída que figurava no seu n.º 2 5.
4
Aí se referem no seu n.º 1 os contratos celebrados ao abrigo: i) de convenção internacional previamente
comunicada à Comissão Europeia, e concluída nos termos dos Tratados da União Europeia, entre a República
Portuguesa e um ou mais Estados terceiros, respeitantes a obras, bens ou serviços destinados à realização ou
exploração conjunta de um projeto pelos seus signatários; ii) de procedimento específico de uma organização
internacional de que a República Portuguesa seja parte; iii) das regras aplicáveis aos contratos públicos
determinadas por uma organização internacional ou instituição financeira internacional, quando os contratos em
questão sejam financiados na íntegra por essa organização ou instituição; iv) de instrumentos de cooperação para o
desenvolvimento, com uma entidade sediada num dos Estados dele signatários e em benefício desse mesmo
Estado, desde que este não seja signatário do Acordo sobre o Espaço Económico Europeu; v) do disposto no art.
41
Contratação Pública
3. Primeiro balanço das alterações legislativas ao CCP
Como segundo ponto sinalizaria, por um lado, as alterações ao nível do elenco dos
procedimentos para a formação de contratos com a criação de um novo procedimento para a
aquisição de produtos ou serviços inovadores - a parceria para a inovação [cfr. al. g) do art.
16.º do CCP], cujo regime se mostra depois disciplinado, nomeadamente, nos arts. 30.º-A,
218.º-A e segs., e, por outro lado, o regime que veio a ser consagrado no n.º 8 do art. 17.º,
preceito onde se passou a prever que “[o] valor do contrato não pode ser fracionado com o
intuito de o excluir do cumprimento de quaisquer exigências legais, designadamente, das
constantes do presente Código”. Seguiu-se aqui, entre outros, o entendimento que havia sido
firmado no Acórdão do Tribunal de Contas [T.CONT] n.º 39/2010, de 03.11.2010 [1.ªS/SS -
Procs. n.ºs 1175 a 1178/2010], nos Relatórios de Auditoria do mesmo Tribunal n.ºs 9/2012-
FS/SRMTC, 16/2012 e 06/2015-FS/SRATC, e no Acórdão do TCA Sul [TCA/S] de 11.07.2013
[Proc. n.º 06341/10], sendo que a propósito ainda do princípio do não fracionamento ou da
unidade da despesa importará ainda ter presente o Acórdão do STA de 03.11.2005 [Proc. n.º
01377/03]. Visou-se, assim, proibir e reprimir as situações que indiciem fracionamento do
valor do contrato ou de despesa com intenção de evitar um procedimento mais exigente ou de
o subtrair à observância/sujeição de outros comandos legais.
Abrindo aqui um outro parêntese importa referir que algumas das novidades aportadas pela
revisão/reforma de 2017 ao CCP prendem-se com alguns dos problemas, dificuldades e
questões que, no domínio da contratação pública e da vigência do CCP e demais legislação
conexa/extravagante, se colocaram aos tribunais administrativos na e para a decisão dos
litígios aos mesmos submetidos. Como se pode ler no próprio preâmbulo do DL em referência,
foi propósito do legislador proceder à introdução de “várias melhorias e aperfeiçoamentos ao
regime vigente” e com as quais se visou “a correta interpretação e aplicação de diversas
normas, beneficiando da experiência de aplicação e do trabalho da jurisprudência e da
doutrina sobre o Código dos Contratos Públicos”.
Como terceiro ponto aludiria às regras em matéria de especificações técnicas no art. 49.º,
muito inspiradas naquilo que foi sendo a jurisprudência vasta produzida em matéria de
proibição de especificações técnicas discriminatórias, já que violadoras, nomeadamente, das
liberdades de estabelecimento e de prestação de serviços e dos princípios da igualdade, da
concorrência e não-discriminação [vejam-se, entre muitos outros, o Acórdão do TJUE de
22.10.2015 (Proc. C‑552/13 - “Grupo Hospitalario Quirón SA”); o Acórdão do T.CONT n.º
40/2010, de 03.11.2010 [1ª S/SS - Proc. n.º 1303/2010); os Acórdãos do TCA/N de 20.01.2011 -
Proc. n.º 00223/10.4BEMDL, de 18.03.2016 - Proc. n.º 03536/14.2BEPRT, de 18.07.2016 - Proc.
n.º 03661/15.2BEBRG, e de 09.09.2016 - Proc. n.º 00034/15.0BEAVR; e os Acórdãos do TCA/S
de 27.10.2011 - Proc. n.º 07952/11, de 12.04.2012 - Proc. n.º 08648/12, de 21.06.2012 - Proc.
n.º 08869/12, de 19.06.2014 - Proc. n.º 11153/14, e de 06.11.2014 - Proc. n.º 11328/14], ou de
prova da conformidade da obra, bem móvel ou serviço proposto pelo concorrente com os
346.º do TFUE; vi) de acordo ou convénio internacional relativo ao estacionamento de tropas e que envolva
empresas de um Estado-Membro ou de um país terceiro.
5
Além dos que ali já figuravam, foram aditados os contratos que se destinem à satisfação das necessidades dos
serviços periféricos ou de delegações das entidades adjudicantes referidas no art. 02.º situadas fora do território
nacional e, como tal, sujeitas ao regime jurídico da lei que se considere aplicável nos termos gerais do direito
internacional, exceto quanto a contratos celebrados e executados no território do Espaço Económico Europeu cujo
valor seja superior ao referido nas als. a), b) e c) do n.º 3 do art. 474.º, caso em que se aplica a parte II do Código.
42
Contratação Pública
3. Primeiro balanço das alterações legislativas ao CCP
requisitos [veja-se, v.g., o Acórdão do STA de 13.01.2011 - Proc. n.º 0839/10; o Acórdão do
TCA/N de 11.02.2015 - Proc. n.º 00272/14.3BEMDL; e o Acórdão do TCA/S de 23.02.2012 -
Proc. n.º 08433/12].
i) Rótulo específico para atestar que as obras, bens móveis ou serviços correspondem
às características exigidas;
Entre estes conta-se o impedimento ora previsto na al. l) do n.º 1 do art. 55.º, através do que
se transpõe o disciplinado na al. g) do n.º 4 do art. 57.º da Diretiva n.º 2014/24/UE, passando a
estar impedido de se candidatar ou concorrer quem tenha sido “acusado deficiências
significativas ou persistentes na execução de, pelo menos, um contrato público anterior nos
últimos três anos, tendo tal facto conduzido à resolução desse contrato por incumprimento, ao
pagamento de indemnização resultante de incumprimento, à aplicação de sanções que tenham
atingido os valores máximos aplicáveis nos termos dos n.ºs 2 e 3 do artigo 329.º, ou a outras
sanções equivalentes”.
43
Contratação Pública
3. Primeiro balanço das alterações legislativas ao CCP
Convocaria, no caso, a situação que havia sido julgada à luz do regime normativo então vigente
pelo Acórdão do STA de 12.03.2015 [Proc. n.º 01469/14] e em que o referido quadro legal se
revelou insuficiente para responder às situações passíveis, hoje, de eventualmente virem a
mostrar-se abrangidas pela referida alínea l) do n.º 1 do normativo em referência.
A atentar ainda no impedimento previsto na al. k) do n.º 1 do art. 55.º [em que se estipula o
impedimento para aqueles que “[e]stejam abrangidas por conflitos de interesses que não
possam ser eficazmente corrigidos por outras medidas menos gravosas que a exclusão”] e em
que para efeitos do mesmo se prevê no n.º 2 do preceito que “podem ser ponderadas, como
medidas menos gravosas que a exclusão, designadamente, a substituição de membros do júri
ou de peritos que prestem apoio ao júri, a instituição de sistemas de reconfirmação de análises,
apreciações ou aferições técnicas, ou a proibição de o concorrente recorrer a um determinado
subcontratado”, regime este que se mostra enformado pelo princípio da proporcionalidade e a
ser aplicado em linha com aquilo que é a jurisprudência do TJUE produzida em interpretação e
aplicação de tal princípio.
Dado este último ser objeto de expresso tratamento em comunicação no âmbito desta ação de
formação a decorrer amanhã, a cargo de Ilustre Oradora, serei muito breve.
Diria apenas que nesta sede se registaram também mudanças significativas, a começar, pela
eliminação do critério de adjudicação do preço mais baixo com a previsão como único critério
o da “proposta economicamente mais vantajosa” [cfr. n.º 1 do art. 74.º] [em linha com o
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Contratação Pública
3. Primeiro balanço das alterações legislativas ao CCP
regime que se mostra previsto no art. 67.º da Diretiva n.º 2014/24/UE e que importava
transpor para o ordenamento interno], passando a adjudicação a ser “feita de acordo com o
critério da proposta economicamente mais vantajosa para a entidade adjudicante,
determinada por uma das seguintes modalidades: a) Melhor relação qualidade-preço, na qual
o critério de adjudicação é composto por um conjunto de fatores, e eventuais subfatores,
relacionados com diversos aspetos da execução do contrato a celebrar; b) Avaliação do preço
ou custo enquanto único aspeto da execução do contrato a celebrar”, cientes de que “[a]
utilização da modalidade prevista na alínea b) do n.º 1 só é permitida quando as peças do
procedimento definam todos os restantes elementos da execução do contrato a celebrar” [vide
n.º 3 do mesmo preceito].
Tal entendimento já havia sido sustentado, aliás, pelo T. Contas no seu Acórdão n.º 01/2013,
de 08.01.2013 [1ª S/SS - Proc. n.º 1481/2012], tendo afirmado que “… «nos concursos que visem
a celebração de contratos regulados pelas Diretivas Comunitárias - empreitadas e aquisição de
bens e serviços e concessões de obras públicas - e, ainda, concessões de serviços públicos, os
critérios de adjudicação têm que dizer respeito a aspetos ou elementos («atributos») da
proposta» …”, sendo que “a data/hora entrada da proposta é uma questão de admissibilidade
da proposta, referindo-se ao cumprimento de requisitos para entrar no concurso”, razão pela
qual “[e]xcecionado o caso dos processos urgentes (em que está em causa a igualdade do
critério do mais baixo preço), a data hora da entrada da proposta nunca pode ser critério de
avaliação, porque não é atributo da proposta”.
Quando à figura do preço anormalmente baixo temos que o seu regime legal definido no CCP
na sua anterior redação aliado com o regime de exclusão de propostas suscitou vários
problemas e questões, revelando-se como fonte de vários litígios(6).
No caso concreto sob julgamento [realizado através do Acórdão do STA de 20.10.2016 - Proc.
n.º 01472/14] estava em causa a apreciação da legalidade de ato procedimental que não havia
6
Vejam-se, nomeadamente, neste domínio os Acórdãos do Supremo Tribunal Administrativo [«STA»] de 14.12.2013
(Proc. n.º 0912/12), de 03.12.2015 (Proc. n.º 0657/15), de 16.12.2015 (Proc. n.º 01047/15), de 07.01.2016 (Proc. n.º
01021/15), de 28.01.2016 (Proc. n.º 01255/15), de 20.06.2017 (Proc. n.º 0326/17), e de 12.07.2017 (Proc. n.º
0328/17)].
45
Contratação Pública
3. Primeiro balanço das alterações legislativas ao CCP
excluído do âmbito de concurso público propostas que haviam sido apresentadas por vários
concorrentes sem que as mesmas tivessem sido acompanhadas da junção de documento
contendo a justificação para a apresentação de proposta com preço anormalmente baixo
quando tal anomalia era objetivamente conhecida por cada um dos concorrentes no momento
em que a apresentou, centrando-se o diferendo na interpretação e aplicação do regime
decorrente dos arts. 57.º, n.º 1, al. d), 70.º, n.º 2, al. e), 71.º, 72.º, 132.º, n.º 2, e 146.º, n.º 2,
al. d), todos do CCP na anterior redação, e tendo ainda presente o disposto no art. 55.º da já
referida Diretiva n.º 2004/18/CE.
Através do respetivo do regime normativo, no qual, note-se, inexistia e inexiste uma definição
legal do que seja uma proposta cujo preço revista de tal natureza, visa-se promover uma
conciliação em simultâneo de interesses da Administração, ou seja, por um lado, do interesse
da mesma naquilo que é uma boa aplicação dos recursos públicos em contratar nas melhores
condições do mercado através da obtenção, numa ambiência concorrencial, do mais baixo
preço possível e, por outro lado, do interesse em que o faça num quadro de segurança quanto
ao risco que possa advir duma adjudicação por preço demasiado baixo a ponto de poder
comprometer a execução perfeita e adequada do objeto do contrato com os consequentes
aumentos dos custos e dos encargos que se vêm a mostrar necessários para ultrapassar o
problema gerado pelo incumprimento ou cumprimento defeituoso do outro cocontratante
[vide, entre outros, os Acórdãos do STA de 26.09.2013 - Proc. n.º 01127/13 e de 20.10.2016 -
Proc. n.º 01472/14].
46
Contratação Pública
3. Primeiro balanço das alterações legislativas ao CCP
115.º, n.º 3, 132.º, n.º 2, 189.º, n.º 3, do mesmo Código], mediante o estabelecimento pelas
entidades adjudicantes, caso a caso, dum critério de determinação automática do limiar da
anomalia, mormente, através ou da i) indicação direta dum valor expresso em euros; ou da ii)
referência a uma fórmula matemática calculada em função duma percentagem do preço base;
ou ainda de iii) uma fórmula matemática de cálculo em função da média dos concretos preços
apostos nas propostas apresentadas pelos vários concorrentes.
Com o atual regime do CCP revisto veio-se proceder à eliminação do critério automático que
se mostrava fixado no referido n.º 1 do art. 71.º, passando a disciplinar-se que as entidades
adjudicantes “podem definir, no programa de concurso ou no convite, as situações em que o
preço ou o custo de uma proposta é considerado anormalmente baixo, tendo em conta o
desvio percentual em relação à média dos preços das propostas a admitir, ou outros critérios
considerados adequados”, cientes de que as mesmas devem “fundamentar a necessidade de
fixação do preço ou do custo anormalmente baixo, bem como os critérios que presidiram a essa
fixação, designadamente os preços médios obtidos na consulta preliminar ao mercado, se tiver
existido” [cfr. n.º 2 do mesmo preceito]. Ou seja, a regra de fixação do critério do preço
anormalmente baixo deixou de estar indexada ao preço base.
Do referido regime fluía que aos autores de propostas cujo preço fosse considerado
anormalmente baixo [enquanto classificação resultante do operar ou da aplicação automática
de critérios ou fórmulas matemáticas ou de expressa decisão tomada pela entidade
adjudicante no uso de poderes discricionários] devia ser dada oportunidade de, no âmbito
dum debate contraditório(7) (8) e em prazo razoável, se pronunciarem sobre a intenção da
7
No Acórdão do TJUE de 29.03.2012 - «SAG ELV …» [Proc. n.º C-599/10, § 29, consultável in:
«www.curia.europa.eu/juris/» - sítio a que se reportarão todas as demais citações de acórdãos daquele Tribunal
sem expressa referência em contrário], afirmou-se, nomeadamente, que “a existência de um debate contraditório
efetivo entre a entidade adjudicante e o concorrente, num momento útil do procedimento de análise das propostas,
para este poder provar a seriedade da sua proposta, constitui uma exigência fundamental da Diretiva 2004/18, com
vista a evitar a arbitrariedade da entidade adjudicante e garantir uma sã concorrência entre as empresas”.
8
Também no Acórdão do TJUE de 18.12.2014 - «Data Medical Service» [Proc. n.º C-568/13, §§ 46, 47, 48 e 50] se
sustentou que “resulta da redação do artigo 37.º, n.ºs 1 e 3, da Diretiva 92/50 que a possibilidade de rejeitar uma
proposta anormalmente baixa não se limita apenas ao caso em que a modicidade do preço proposto é justificada
pela obtenção de um auxílio de Estado ilegal ou incompatível com o mercado interno. Com efeito, esta possibilidade
tem um caráter mais geral. (…) Por um lado, decorre da redação desta disposição que a entidade adjudicante está
sujeita, aquando da análise do caráter anormalmente baixo de uma proposta, à obrigação de pedir ao candidato
que apresente as justificações necessárias para provar a seriedade da sua proposta (…). (…) Por conseguinte, a
existência de um debate contraditório efetivo entre a entidade adjudicante e o concorrente, num momento útil do
procedimento de análise das propostas, para este poder provar a seriedade da sua proposta, constitui uma
exigência fundamental da Diretiva 92/50, com vista a evitar a arbitrariedade da entidade adjudicante e garantir
uma concorrência sã entre as empresas (…). (…) o caráter anormalmente baixo de uma proposta deve ser apreciado
«face à prestação». Assim a entidade adjudicante pode, no âmbito da sua análise do carácter anormalmente baixo
de uma proposta, com vista a assegurar uma concorrência sã, tomar em consideração não só as circunstâncias
47
Contratação Pública
3. Primeiro balanço das alterações legislativas ao CCP
entidade adjudicante de vir a excluir as suas propostas com esse fundamento e de, assim,
apresentarem esclarecimentos complementares sobre os elementos que sejam relevantes
para a formação do preço, presente que certas fórmulas matemáticas não podiam ser erigidas
em critérios automáticos de exclusão dado os proponentes terem de ser ouvidos após se
determinar que a proposta preenchia o critério formal que as fazia incorrer no qualificativo
que justificava a exclusão e os seus esclarecimentos terem de ser devidamente ponderados.
enunciadas no artigo 37.º, n.º 2, da Diretiva 92/50, mas também todos os elementos pertinentes à luz da prestação
em causa”.
9
Cfr., entre outros, e para além dos acórdãos já referidos, os Acórdãos do TJUE de 10.02.1982 - «Transporoute et
Travaux» (Proc. n.º C-76/81), de 22.06.1989 - «Fratelli Costanzo SpA» (Proc. n.º C-103/88), de 26.10.1995 -
«Furlanis» (Proc. n.º C-143/94), de 16.10.1997 - «Hera SpA» (Proc. n.º C-304/96), de 27.11.2001 - «Impresa
Lombardi SpA» e «Impresa Ing. Mantovani SpA» (Procs. C‑285/99 e C-286/99), de 15.05.2008 - «SECAP SpA» (Procs.
C‑147/06 e C‑148/06), de 23.12.2009 - «Consorzio Nazionale Interuniversitario per le Scienze del Mare (CoNISMa)»
(Proc. n.º C‑305/08) e de 19.10.2017 - “Agriconsulting Europe SA” (Proc. C-198/16 P), jurisprudência produzida em
face daquilo que foi sendo o sucessivo quadro normativo comunitário [vide, nomeadamente, os arts. 29.º, n.º 5, da
Diretiva n.º 71/305, 37.º da Diretiva n.º 92/50/CEE, 30.º, n.º 4, da Diretiva n.º 93/37/CEE, 55.º, n.º 1, da Diretiva n.º
2004/18/CE, sendo quanto ao último dos acórdãos citados, importa ainda atentar aos arts. 139.º, n.º 1, e 146.º, n.º
4, do Regulamento (CE/EURATOM) n.º 2342/2002].
10
Sustentou o TJUE no seu Acórdão de 27.11.2001 [Procs. n.ºs C-285/99 e C-286/99] que “o artigo 29.º, n.º 5, da
Diretiva 71/305 proíbe aos Estados-Membros a aplicação de disposições que prevejam a exclusão automática dos
concursos de adjudicação de empreitadas de obras públicas de certas propostas, determinadas segundo um critério
matemático, em vez de imporem às entidades adjudicantes a aplicação do procedimento de verificação
contraditória previsto na diretiva (…). (…) O Tribunal de Justiça declarou, assim, que o artigo 29.º, n.º 5, da Diretiva
71/305 exige à entidade adjudicante que verifique a composição das propostas que apresentem um caráter
anormalmente baixo e impõe-lhe, para o efeito, a obrigação de solicitar ao concorrente que apresente as
justificações necessárias (…). (…) Segundo o Tribunal de Justiça, um critério matemático, por aplicação do qual
seriam consideradas anómalas e, portanto, excluídas do processo de adjudicação as propostas que excedam em
menos de 10% o excesso médio em relação ao preço-base fixado como valor da empreitada das propostas admitidas
a concurso, retira aos concorrentes que tenham apresentado propostas especialmente baixas a possibilidade de
provarem que as mesmas são sérias, de modo que a aplicação deste critério é contrária ao objetivo da Diretiva
71/305, que é o de favorecer o desenvolvimento de uma concorrência efetiva em matéria de contratos públicos (…)”
e, reportando-se já à Diretiva n.º 93/37, afirmou que o “o artigo 30.º, n.º 4, da diretiva pressupõe necessariamente
que seja seguido o procedimento de verificação contraditório das propostas consideradas anormalmente baixas pela
entidade adjudicante, que impõe a esta a obrigação, depois de ter tomado conhecimento da totalidade das
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Contratação Pública
3. Primeiro balanço das alterações legislativas ao CCP
Sendo esta a linha interpretativa que enformava e marcava o nosso regime regra de exclusão
de proposta que contivesse um preço anormalmente baixo, que, diga-se, como iremos ver
adiante, saiu reforçada com a recente revisão operada pelo DL n.º 111-B/2017, importava, no
caso, apurar se a regra que da mesma se extraía tinha valia absoluta ou se, ao invés,
comportava alguma exceção.
De facto, centrando a análise no quadro normativo e concursal que ali estava em presença,
considerou-se no acórdão do STA de 20.10.2016 [Proc. n.º 01472/14], de que se mostrava
como adequada e ajustada uma solução de imposição de instrução ab initio duma proposta
com documento onde estivessem contidos os esclarecimentos justificativos da apresentação
de preço anormalmente baixo quando esse preço resultasse, direta ou indiretamente, das
peças do procedimento tal como se previa no art. 57.º, n.º 1, al. d), do CCP/2008 e/ou pudesse
constar igualmente das próprias peças do procedimento e em que aquela falha instrutiva fosse
sancionada com a exclusão da proposta do procedimento [cfr. art. 146.º, n.º 2, al. d), do
mesmo Código].
Sustentou-se, para tal, assim a existência ou imposição, no caso, dum dever ou o ónus de
instrução por parte de cada concorrente da justificação sobre o preço anormalmente baixo
desde logo conjuntamente com a proposta apresentada e sem possibilidade do seu
suprimento naquelas situações em que os concorrentes, sem margem para dúvidas,
conheciam ou podiam conhecer o limiar daquela anomalia dado esta derivar, direta ou
indiretamente, das peças do procedimento.
propostas e antes de decidir sobre a adjudicação da empreitada, de solicitar, primeiro, por escrito, esclarecimentos
sobre os elementos da proposta suspeita de anomalia que suscitaram concretamente dúvidas da sua parte e de
apreciar, a seguir, essa proposta, tendo em conta as justificações dadas pelo concorrente em causa em resposta a
essa solicitação”.
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Contratação Pública
3. Primeiro balanço das alterações legislativas ao CCP
70.º, n.º 2, al. e), 71.º, n.ºs 2, 3 e 4, 72.º, 132.º, n.º 2, e 146.º, n.º 2, al. d), do CCP/2008, e das
regras disciplinadoras da realização dos procedimentos de formação de contratos no âmbito
das plataformas eletrónicas (11)[vide, os arts. 02.º, 07.º, 10.º, 12.º, 14.º, 15.º, e 16.º, todos do
DL n.º 143-A/2008, de 25.07, e, bem assim, os arts. 05.º, 06.º, 11.º, 12.º, 16.º, 17.º, 19.º, 20.º,
21.º, 22.º, 23.º, 26.º/34.º todos da Portaria n.º 701-G/2008, 29.07 [à data vigentes e
entretanto revogados - pela Lei n.º 96/2015, de 17.08 (vide seu art. 94.º)].
E, para além disso, o mesmo dever de instrução imposto ex ante radicava sua fundamentação,
igualmente, num princípio geral de colaboração dos concorrentes para com a entidade
adjudicante, de aceleração e eficiência procedimental, bem como mesmo duma garantia
adicional da seriedade com que cada proposta deve ser apresentada, tanto mais que as
justificações a serem produzidas destinavam-se a conferir seriedade e credibilidade à
proposta, removendo a suspeita que sobre a mesma recaia de conter preço anormalmente
baixo já que abaixo do referido limiar da anomalia.
Concluiu-se, então, no sentido de que o regime regra neste domínio decorrente mormente do
n.º 3 do art. 71.º do CCP/2008 comportaria uma exceção, já que não se aplicaria nas situações
em que os concorrentes conheciam ou não podiam deixar de conhecer o limiar da anomalia
em questão, sob pena de violação do citado quadro legal de harmonia com a interpretação ali
feita e, bem assim, dos princípios da igualdade e da concorrência.
Pese embora o legislador, no preâmbulo do DL n.º 111-B/2017, se haver limitado a referir que
com a revisão operada no CCP se procedeu à “alteração da regra de fixação do critério do
preço anormalmente baixo, eliminando a sua indexação ao preço base”, temos que o regime
normativo ora introduzido neste domínio, com o desaparecimento do critério legal supletivo
conjugado com a revogação operada naquilo que era o teor da al. d) do n.º 1 do art. 57.º do
CCP [em que se estipulava que “[a] proposta é constituída pelos seguintes documentos: (…) d)
Documentos que contenham os esclarecimentos justificativos da apresentação de um preço
anormalmente baixo, quando esse preço resulte, direta ou indiretamente, das peças do
procedimento”] e decorrente impacto em termos da decisão de exclusão da proposta face ao
teor dos termos da al. d) do n.º 2 do art. 146.º do mesmo Código, parecem apontar no sentido
da necessária inflexão do entendimento firmado no acórdão em referência.
É certo que a interpretação nele veiculada não contendia, note-se, com aquilo que era e é a
jurisprudência do «TJUE» supra citada já que da mesma não decorria, nem uma absoluta
proibição da possibilidade de adoção de critérios de determinação automática do limiar da
anomalia das propostas quanto ao preço nelas aposto(12), tanto mais que tais critérios
introduzem eficiência nos procedimentos e limitações ao poder discricionário prevenindo
11
Cfr., na doutrina, João Amaral e Almeida em “As propostas de preço anormalmente baixo” in: “Estudos da
Contratação Pública”, (CEDIPRE), III, págs. 87 e segs., em especial, págs. 122/134; Jorge Andrade da Silva in: “Código
dos Contratos Públicos - Comentado e Anotado” (2008), págs. 217/218; Gonçalo Guerra Tavares e Nuno M. Duarte
in: “Código dos Contratos Públicos Comentado”, vol. I, págs. 42, 275/276; Mário Esteves de Oliveira e Rodrigo
Esteves de Oliveira in: ob. cit., págs. 591 e 939, nota 224.
12
Cfr., v.g., os §§ 68 a 73 do citado Acórdão do TJUE de 27.11.2001 - Procs. n.ºs C-285/99 e C-286/99.
50
Contratação Pública
3. Primeiro balanço das alterações legislativas ao CCP
abusos, nem também que seja imposto previamente à exclusão de proposta a existência para
todas as situações dum contraditório a ter lugar sempre a posteriori(13).
Ocorre, porém, que face a uma ausência de regra no programa do concurso ou no convite [a
admitir que o regime legal vertido no atual art. 71.º, n.ºs 2 e 3 do CCP não encerra em si regra
imperativa que impenda em termos absolutos sobre as entidades adjudicantes e sem margem
ou possibilidade de comportar quaisquer exceções, não autorizando, como tal, o seu
afastamento através das peças do procedimento] que defina, de forma inequívoca e sem
margem para dúvidas, o que constitui uma proposta que contenha preço ou custo
anormalmente baixo e que exija a necessária instrução da proposta com documento contendo
a justificação desse preço ou custo reputado de anormalmente baixo, sancionando
diretamente tal omissão instrutória com a exclusão de tal proposta, temos que, no quadro do
atual regime definido para o preço ou custo anormalmente baixo, mostra-se afastada a
possibilidade do sancionamento com a exclusão de proposta para os concorrentes que hajam
omitido a instrução com documento contendo os esclarecimentos justificativos da
apresentação de tal preço ou custo mesmo quando estes resultem, direta ou indiretamente,
das peças do procedimento.
Se o regime decorrente, nomeadamente, dos arts. 57.º, n.º 1, al. d), 70.º, n.º 2, al. e), 71.º, n.ºs
2, 3 e 4, 72.º, 132.º, n.º 2, e 146.º, n.º 2, al. d), do CCP na anterior redação, permitiam, então,
fundar o entendimento, ainda que com alguma margem dubitativa, da existência em situações
como as descritas no acórdão de uma exceção ao regime regra aludido e que se mostrava
enunciado, mormente, no n.º 3 do art. 71.º do CCP, creio que, face à revogação entretanto
operada naquilo que constituía um fundamento de exclusão da proposta por omissão de
devida instrução documental [cfr. arts. 57.º, n.º 1, al. d), e 146.º, n.º 2, al. d), ambos do CCP na
anterior redação] e ao que deriva dos arts. 70.º, n.º 2, als. a) e e), e 71.º, deixou de ser
defensável uma tal interpretação e entendimento.
Com efeito, impõe-se, atualmente, uma leitura que passa pela afirmação plena do regime
regra, ou seja, de que previamente à decisão de exclusão de proposta fundada no facto da
mesma conter preço ou custo anormalmente baixo existirá ou mostra-se imposto sempre,
como dever que impendente sobre a entidade adjudicante, um convite à apresentação, por
escrito e em prazo razoável, de esclarecimentos por parte dos concorrentes proponentes
relativos aos elementos constitutivos relevantes da respetiva proposta, presente ainda que,
para além dos motivos justificativos da análise a realizar neste contexto e já constantes do
anterior regime [como os respeitantes à “economia do processo de construção, de fabrico ou
de prestação do serviço”, à “originalidade da obra, dos bens ou dos serviços propostos”, à
“possibilidade de obtenção de um auxílio de Estado pelo concorrente, desde que legalmente
concedido”, ou então às “soluções técnicas adotadas ou às condições excecionalmente
favoráveis de que o concorrente comprovadamente disponha para a execução da prestação
objeto do contrato a celebrar”, ou também às “específicas condições de trabalho de que
beneficia o concorrente” - cfr. als. a) a e) do n.º 4 do art. 71.º do CCP em ambas as redações]
foram ainda aditados outros motivos como o da “verificação da decomposição do respetivo
13
Vejam-se, nomeadamente, os §§ 60 e segs. do citado Acórdão do TJUE de 27.11.2001 - Procs. n.ºs C-285/99 e C-
286/99.
51
Contratação Pública
3. Primeiro balanço das alterações legislativas ao CCP
preço, por meio de documentos comprovativos dos preços unitários incorporados no mesmo,
nomeadamente folhas de pagamento e declarações de fornecedores, que atestem a
conformidade dos preços apresentados e demonstrem a sua racionalidade económica” e do
“cumprimento das obrigações decorrentes da legislação em matéria ambiental, social e
laboral, referidas no n.º 2 do artigo 1.º-A” [este em transposição do regime inserto, mormente,
nas als. d) e e) do n.º 2 do art. 69.º da Diretiva n.º 2014/24/UE e das als. d) e e) do n.º 2 do art.
84.º da Diretiva n.º 2014/25/UE, regime esse que contem um leque exemplificativo mais vasto
que o que derivava das anteriores Diretivas - cfr. n.º 1 do art. 55.º da Diretiva n.º 2004/18/CE e
n.º 1 do art. 57.º da Diretiva n.º 2004/17/CE], esclarecendo-se, assim, também aqui algumas
dúvidas e diferendos que, por vezes, se suscitaram quanto ao leque e âmbito dos motivos
justificativos utilizados neste domínio.
Não gostaria de terminar sem deixar aqui uma última nota quanto a aspeto que me parece
deveria ter merecido o cuidado do legislador.
Assim, no quadro da aplicação do CCP/2008 [cfr. o regime decorrente dos arts. 130.º, 131.º, e
136.º, todos do mesmo Código, através do qual, nomeadamente, se procedeu à transposição
do que se preceituava no art. 38.º da Diretiva n.º 2004/18/CE] em articulação com o previsto,
nomeadamente, na Portaria n.º 701-A/2008, de 29 de julho [vide os seus arts. 03.º, n.ºs 1, 3 e
4 e 05.º, n.ºs 4 e 5 - diploma no qual se estabeleceram os modelos de anúncio de
procedimentos pré-contratuais previstos no CCP a publicitar no Diário da República -, e que se
mantém vigor - cfr. art. 10.º do DL n.º 111-B/2017], suscitou-se o problema de saber qual o
termo inicial a atender para efeitos de início da contagem do prazo de apresentação de uma
proposta no quadro de concurso público quando do anúncio que o publicitou, no Diário da
República [DR] e no Jornal Oficial da União Europeia [JOUE], constavam datas diversas como
sendo as de envio. No caso(14), suscitou-se problema gerado, alegadamente, pelo facto de, no
plano interno, o anúncio publicado no «DR» assumir automaticamente como data de envio
não a que constava do ofício ou aquela em que se procedeu ao preenchimento do formulário
de anúncio na plataforma/portal “Diário da República Eletrónico” [DRE], gerido pela “Imprensa
Nacional-Casa da Moeda, SA” [INCM], mas aquela em que se procedeu ao pagamento do
14
Apreciado pelo Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte [«TCA/N»] de 25.01.2013 - Proc. n.º
01312/11.3BEBRG, consultável em «www.dgsi.pt/jtcn» - sítio a que se reportarão todas as demais citações de
acórdãos daquele Tribunal sem expressa referência em contrário.
No caso os anúncios teriam sido alegadamente remetidos em simultâneo para publicação no «JOUE e no «DR»
(realidade essa, todavia, ali não inteiramente líquida), só tendo assumido no «DR» como data de envio uma data
diversa por motivo do preenchimento automático desse campo pela plataforma eletrónica, situação que ocorreu e
virá a ocorrer sempre que o pagamento do anúncio não fosse ou não venha a ser realizado no mesmo dia da
submissão/envio daquele para publicação no «DR» ou no «JOUE», colocando-se problemas quanto à definição do
termo inicial relativo ao prazo de apresentação de propostas [para os concursos públicos (vide arts. 130.º, 131.º,
135.º, 136.º, quer do CCP - versão 2008 como na versão 2015) e para os concursos públicos urgentes (vide arts.
157.º e 158.º, do CCP - em ambas as versões], sendo que tal problema se colocava e coloca também noutros tipos
de procedimentos quanto à apresentação de candidaturas [vide, por um lado, em ambas as versões do CCP
referidas, os arts. 167.º (concurso limitado por prévia qualificação), 197.º e 198.º (procedimento de negociação),
208.º (diálogo concorrencial), e 245.º (sistemas de qualificação), e, por outro lado, quanto: i) ao concurso de
conceção (arts. 224.º, 225.º do CCP/2008 e 219.º-C do CCP/2015), ii) aos sistemas de aquisição dinâmicos (arts.
242.º do CCP/2008 e 238.º do CCP/2015), iii) aos contratos de serviços sociais e de outros serviços específicos (art.
250.º-B CCP/2015), e iv) aos contratos a celebrar por concessionários de obras públicas que não sejam entidades
adjudicantes (art. 276.º do CCP/2015)].
52
Contratação Pública
3. Primeiro balanço das alterações legislativas ao CCP
Como derivava e deriva dos arts. 130.º e 131.º do CCP o concurso público é publicitado no DR,
bem como também no JOUE, mediante o envio para publicação de anúncios a ter lugar em
simultâneo [para a INCM e para o Serviço de Publicações Oficiais da União Europeia (SPOUE)],
na certeza de que a publicação do anúncio no «JOUE» não dispensa a sua publicação no «DR»
e de que, além disso, deve ser junto ao processo de concurso documento comprovativo da
data do envio do anúncio para publicação no «JOUE».
Ora as recentes alterações de redação operadas no CCP pelo DL n.º 111-B/2017 e que vieram a
ter lugar em alguns dos concretos preceitos disciplinadores desta matéria mantiveram, no que
à questão diz respeito, incólume o seu regime legal e, nessa medida, os eventuais
problemas/dúvidas que possam vir a ser gerados em seu torno, tanto mais que continua
idêntica a redação inserta nos referidos arts. 03.º, n.ºs 1, 3 e 4 e 05.º, n.ºs 4 e 5 da Portaria n.º
701-A/2008 ainda vigente.
Na verdade, se por um lado se deve entender que o prazo de apresentação das propostas no
quadro de concurso público se conta desde a concreta data do envio do anúncio para a INCM e
para o SPOUE, envio esse que deve ocorrer em simultâneo [cfr. art. 131.º, n.º 7, do CCP], não
relevando, assim, aquela que seja ou venha a ser a concreta data da publicação nos jornais
oficiais e sua eventual diversidade, temos, todavia, como perfeitamente inútil a perpetuação
de eventuais “problemas” e conflitos/litígios suscetíveis de virem a ser gerados em torno da
discussão quanto à data que figura como sendo a de envio do anúncio, problemas e
conflitos/litígios esses que poderiam ser facilmente evitados se o regime normativo e sistema
técnico viessem a ser objeto de devida correção, deixando-se de assumir automaticamente
como data de envio do anúncio para publicação aquela em que o pagamento do anúncio teve
lugar.
Com efeito, ainda que a entidade adjudicante haja procedido ao envio de ambos os anúncios
na mesma data, cumprindo dessa forma o disposto no citado quadro normativo, temos,
todavia, que uma desconformidade entre aquilo que se tem como sendo as datas de envio
para publicação [à INCM e ao SPOUE], pela confusão e problemas que gera ou pode gerar, não
poderá funcionar como base aceitável para uma decisão de exclusão de proposta de
concorrente se e quando esta haja sido apresentada tempestivamente considerando uma
contagem do prazo feita por referência à data mais tardia que foi definida num dos anúncios
como sendo a data de envio do anúncio para publicação 15.
15
Como sustentam Mário Esteves de Oliveira e Rodrigo Esteves de Oliveira perante uma situação em que os
anúncios não hajam sido enviados em simultâneo “o prazo para apresentação de propostas, candidaturas e
53
Contratação Pública
3. Primeiro balanço das alterações legislativas ao CCP
Não poderá, na verdade, admitir-se uma tal desproteção dos concorrentes que numa situação
como a supra descrita, fazendo fé no teor do anúncio publicado, mormente quanto à data que
ali figura como sendo de envio para publicação e sem que a mesma haja sido alvo de qualquer
correção ou chamada de atenção ou de alerta em qualquer local, mormente, ao nível da
plataforma eletrónica, tenham adequado e conformado seus comportamentos e
procedimentos a tal realidade.
Não será, pois, de aceitar que, perante publicações em jornais oficiais que apresentam
desconformidades quanto a item relevante e essencial na e para a condução do procedimento
pelos seus intervenientes e pelas consequências quiçá dramáticas que tal pode implicar, o
ónus de atuação e consequências recaiam sobre os concorrentes ou potenciais
concorrentes/interessados, não sendo de lhes exigir que, à cautela ou pelo seguro, tenham de
indagar se o concurso foi alvo de publicação ou não noutro jornal oficial e qual a data que no
mesmo figura como sendo a data de envio do anúncio para, no caso de desconformidade entre
publicações quanto àquela data, hajam, ainda, de deduzir e obter esclarecimento/confirmação
junto da entidade adjudicante quanto àquilo que é a efetiva data de envio a considerar.
Pese embora o entendimento que acaba de se expor, firmado e tido por válido também no
quadro do regime normativo definido pelo CCP na redação decorrente do DL n.º 111-B/2017 e
demais regime regulamentar vigente, entendo que seria de toda a conveniência e utilidade
que este regime e o sistema técnico em funcionamento em sua decorrência fossem objeto das
necessárias alterações de molde a que se evitassem futuros problemas e questões como
aqueles que deram origem ao litígio julgado pelo acórdão em referência, para o efeito
bastando eliminar a ligação da data de pagamento do anúncio com aquilo que é da data de
envio do mesmo e que é feita através duma assunção “automática”.
soluções começará a contar da data do envio mais tardio dos anúncios para publicação no Diário da República e no
JOUE, como é princípio geral em matéria de contagem de vários prazos para o mesmo efeito” [in: “Concursos e
outros Procedimentos de Contratação Pública”, 2011, pág. 873].
54
Contratação Pública
3. Primeiro balanço das alterações legislativas ao CCP
apresentada por empresas sociais ou por pequenas e médias empresas, por ordem
crescente da categoria das empresas [cfr. n.º 6 do art. 74.º];
Ou a previsão da emissão da fatura eletrónica em contratos públicos [cfr. art. 299.º -B];
Ou a introdução da consulta preliminar [cfr. art. 35.º-A e n.º 3 do art. 47.º], de modo a
que, antes de um procedimento de contratação, a entidade adjudicante realize
consultas informais ao mercado a fim de preparar o procedimento, fixando
mecanismos para que isso não se traduza em perda de transparência ou prejuízo para
a concorrência; ou ainda a consagração de um novo procedimento de consulta prévia
[cfr. arts. 112.º e segs.], com consulta a três fornecedores, limitando o recurso ao
ajuste direto; ou ainda a necessidade de fundamentação especial dos contratos de
valor superior a 5.000.000,00 € com base numa avaliação custo-benefício [cfr. n.º 3 do
art. 36.º], mas urge concluir aquilo que constituiu uma primeira abordagem ou análise
à recente revisão do CCP e àquilo que são as soluções que no mesmo se mostram
consagradas.
A mudança de uma lei aporta sempre para o aplicador do direito um esforço redobrado de
atualização quanto aos novos comandos e às novas soluções que nela foram inscritos e
consagrados, trabalho esse que exige daquele o devido balanceamento, estudo e uma reflexão
aberta, cientes de que o devir legislativo sairá sempre mais enriquecido se feito em diálogo,
tanto mais que o derradeiro teste quanto à bondade, suficiência e adequação das soluções que
foram encontradas e adotadas ocorrerá na sua aplicação prática, no julgamento dos litígios
submetidos a decisão nos tribunais administrativos e que não lograram ser prevenidos ou
evitados.
55
Contratação Pública
3. Primeiro balanço das alterações legislativas ao CCP
Vídeo da apresentação
https://educast.fccn.pt/vod/clips/2ffuab5vb9/flash.html?locale=pt
56
Contratação Pública
4. Alterações ao regime do “preço anormalmente baixo”
A recente revisão do Código dos Contratos Públicos (doravante, “CCP”), resultante pelo
Decreto-Lei n.º 111-B/2017, de 31 de Agosto, introduziu relevantes inovações no regime do
preço anormalmente baixo.
59
Contratação Pública
4. Alterações ao regime do “preço anormalmente baixo”
Esses são também os dois núcleos temáticos que, de forma directa ou indirecta, têm sido
objecto de tratamento na jurisprudência dos tribunais administrativos nacionais.
Importa, por isso, mapear as implicações do novo quadro legal do regime do preço
anormalmente baixo, para, posto isso, reenquadrar os entendimentos jurisprudenciais em
voga entre nós e aferir da eventual necessidade da sua inflexão. É esse o propósito desta
apresentação que subdividimos em três secções:
− Por último, na terceira secção, deslocamo-nos para o núcleo temático da fase pós-
qualificação de uma proposta como anómala, mais concretamente para as alterações
introduzidas pelo legislador nacional em matéria de justificação do preço anormalmente baixo.
As linhas de força da revisão operada nesta matéria podem resumir-se nos seguintes termos:
60
Contratação Pública
4. Alterações ao regime do “preço anormalmente baixo”
Por um lado, enunciou o critério do «desvio percentual em relação à média dos preços das
propostas a admitir» como critério admissível de determinação da anomalia, sem prejuízo da
possibilidade de recurso pela entidade adjudicante a «outros critérios considerados
adequados» (cfr. segmento final do artigo 71.º, n.º 1).
A este respeito, importa sublinhar que, não obstante o teor do diploma preambular, que
anunciou a «alteração da regra de fixação do critério do preço anormalmente baixo,
eliminando a sua indexação ao preço base», o texto da lei não exclui a possibilidade de
previsão nas peças do procedimento de um critério dessa natureza. Neste sentido, aliás, o
artigo 189.º, n.º 3, do CCP, continua a fazer expressa menção à adopção possível de um
critério de definição da anomalia por indexação ao preço base.
Por outro lado, impôs exigências de fundamentação a dois níveis. Fez recair sobre as entidades
adjudicantes o ónus de fundamentação da necessidade e ou conveniência de fixação de um
critério de anomalia nas peças do procedimento em detrimento do recurso singelo ao sistema
de qualificação casuística de uma proposta de preço como anómala (cfr. artigo 71.º, n.º 2,
primeira parte, do CCP). Bem como, o ónus de fundamentação do critério adoptado para a
qualificação de uma proposta como anómala, quer quanto ao tipo de critério escolhido, quer
quanto ao concreto limiar fixado, quando aplicável (cfr. artigo 71.º, n.º 2, segunda parte, do
CCP).
Com efeito, face ao regime jurídico agora revogado, a falta de expressa previsão pela entidade
adjudicante de um critério de qualificação de uma proposta de preço como anormalmente
baixo dava lugar à imediata aplicação do critério supletivo previsto na versão agora alterada do
artigo 71.º, n.º 1, do CCP, que enquadrava como tal qualquer preço situado abaixo de um
limiar fixado por indexação ao preço base( 2). O que necessariamente implicava que, salvo nos
raros casos em que as peças do procedimento não definiam um preço base( 3), vigorava em
todo e qualquer procedimento de formação de contrato público um critério automático de
determinação da anomalia de uma proposta.
2
( ) Limiar percentual que, como é sabido, variava em função do tipo contratual em causa e que correspondia a 40%
ou mais inferior ao preço base, caso estivesse em causa a formação de um contrato de empreitada de obra pública
ou a 50% ou mais inferior ao preço base nos procedimentos de formação de qualquer um dos restantes contratos.
3
( ) Que, na prática, correspondiam às hipóteses enquadráveis na redacção pré-alteração do artigo 47.º, n.º 2, do
CCP.
61
Contratação Pública
4. Alterações ao regime do “preço anormalmente baixo”
Donde, num exercício de futurologia, dir-se-á que a qualificação (ou não qualificação)
casuística de um preço como anormalmente baixo passará a ser o regime-regra vigente entre
nós, quer por iniciativa directa da entidade adjudicante, que, na fase de análise das propostas,
encontra indícios de anomalia, quer por iniciativa dos concorrentes que, no exercício do seu
direito de audiência prévia, pretendam com esse fundamento excluir a proposta indigitada
para adjudicação.
Face a este quadro, é igualmente possível prever como segunda implicação a alteração
provável do foco do debate jurisprudencial que em Portugal se tem feito sobre a matéria da
composição do preço.
Isto porque no quadro legal agora alterado e após alguma flutuação jurisprudencial, tornou-se
entre nós dominante o entendimento no sentido da inadmissibilidade da determinação
casuística de uma proposta de preço anormalmente baixo, sempre que o limiar de anomalia
do preço estivesse directa ou indirectamente fixado nas peças concursais( 4).
E, por isso, o debate em torno da composição do preço que, por inerência, se faria no contexto
do instituto do preço anormalmente baixo – instituto jurídico consabidamente erigido com o
propósito de tutelar os riscos associados à adjudicação de uma proposta de preço
excessivamente baixo – foi, em primeiro lugar, deslocado pelos operadores económicos para a
esfera de intervenção das causas de exclusão de propostas previstas nas alíneas f) e g) do n.º 2
do artigo 70.º do CCP, ou seja, a alegada violação de disposições legais e regulamentares, e a
alegada existência de fortes indícios de actos, acordos ou práticas falseadoras da concorrência.
Não podendo os operadores económicos discutir a qualificação de um determinado preço
como anormalmente baixo – porque este se situava acima do limiar da anomalia definido nas
peças do procedimento ou supletivamente pelo artigo 71.º, n.º 1, do CCP – canalizaram as suas
suspeitas sobre a formação dos preços dos seus competidores para outras figuras jurídicas,
procurando, na senda do sucesso concursal, integrar tais propostas de preço naquelas
referidas causas legais de exclusão de propostas. E, por isso, a esmagadora maioria das
4
( ) Cfr. o mais recente exemplo desta posição no Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 20 de Junho de
2017 (processo n.º 0326/17), com voto de vencido do Conselheiro José Araújo Veloso, disponível em www.dgsi.pt.
Em sentido aliás contrário ao perfilhado na doutrina por JOÃO AMARAL E ALMEIDA, “As Propostas de Preço
Anormalmente Baixo”, cit., p. 119 a 121.
62
Contratação Pública
4. Alterações ao regime do “preço anormalmente baixo”
decisões dos tribunais superiores sobre a matéria da composição do preço não incidem
directamente sobre o instituto jurídico do preço anormalmente baixo, mas antes sobre a
alegada violação de disposições legais e regulamentares ou sobre a existência de indícios de
acções falseadoras da concorrência( 5).
Em segundo lugar, o debate sobre a composição do preço foi deslocado pelas entidades
adjudicantes para a discussão em torno da legalidade de uma norma concursal que defina o
limiar da anomalia do preço por recurso aos dados resultantes de um instrumento não
vinculativo da Autoridade para as Condições de Trabalho que, alegadamente e num
determinado segmento de negócio, fixaria os custos mínimos ou médios incorridos por um
operador económico, em matéria laboral e social( 6).
1. CONSIDERAÇÕES INTRODUTÓRIAS
A conclusão extraída no fim da secção anterior justifica, por si só, um olhar mais aturado sobre
os contributos que de várias fontes emanam para a densificação deste conceito, sendo esse o
exercício a que nos propomos( 7).
63
Contratação Pública
4. Alterações ao regime do “preço anormalmente baixo”
64
Contratação Pública
4. Alterações ao regime do “preço anormalmente baixo”
Na literatura sobre o tema, emergem duas concepções distintas sobre o que é uma proposta
de preço anormalmente baixo: uma primeira que qualifica como anormalmente baixas
(apenas) as propostas de preço que apresentem um risco de incumprimento (aqui também
designada por “perspectiva do risco de incumprimento”); e uma segunda que considera
anormalmente baixas todas as propostas de preço situado abaixo do preço de custo e, ou, sem
adequada margem de lucro (a “perspectiva da cobertura de custos e lucro”).
A primeira concepção é protagonizada por SUE ARROWSMITH na segunda edição do seu livro The
Law of Public and Utilities Procurement, publicada em 2005( 13), depois de a Autora ter, na
primeira edição publicada em 1996, aderido à segunda perspectiva citada( 14). É também a
posição adoptada por ROSANA DE NICTOLIS( 15). Segundo este entendimento, uma proposta de
preço anormalmente baixo é aquela que, em razão dos seus termos e condições tão
favoráveis, suscita uma suspeita de que o operador económico não será capaz de executar o
contrato de acordo com as condições (designadamente económicas) por ele propostas. O
escopo do “risco de incumprimento” subjacente a esta concepção inclui, quer a incapacidade
para executar o contrato nas condições oferecidas, quer a falta de viabilidade financeira do
concorrente, quer a sua incapacidade para aderir à legislação aplicável em matéria de
protecção e segurança no trabalho, mas já não o incumprimento das regras da
concorrência( 16). Mais ainda, o risco de incumprimento tende a ser interpretado amplamente,
levando-se em consideração não apenas os termos e o preço do específico contrato a celebrar,
mas igualmente a capacidade (e a intenção) do concorrente para cumprir o contrato, tendo
em conta, por exemplo, a sua composição accionista (pública ou privada), a dimensão
empresarial do concorrente, a sua presença no segmento de mercado em causa, a sua
reputação e performance em anteriores contratos.
A segunda perspectiva recebe o apoio de Autores como PETER TREPTE( 17) e GRITH
SKOVGAARD ØLYKKE( 18), segundo os quais uma proposta de preço anormalmente baixo é aquela
que é insuficiente para cobrir a totalidade dos custos inerentes à prestação a contratar,
resultando numa prática de dumping. Do mesmo modo, mas procedendo a uma análise sob o
13
( ) Cfr. SUE ARROWSMITH, The Law…, cit., 2005, p. 532. Posição mantida na 3.ª edição da obra (2014), Vol. I, p. 802.
14
( ) Ibidem, 1.ª ed. (1996), p. 247.
15
( ) Cfr. ROSANA DE NICTOLIS, «Le offerte anomale e i criteri di rilevazione della congruitá dei prezzi», in AaVv., Trattato
sui Contratti Pubblici, III, Giuffrè, Milano, 2008, p. 2201.
16
( ) Ibidem, 2.ª ed. (2005), pp. 532, 535, 536 e 539.
17
( ) Cfr. Regulating Procurement, New York: Oxford University Press, 2004, p. 244.
18
( ) Cfr. Abnormally Low Tenders with an Emphasis on Public Tenderers, Djøf, Copenhagen, 2010, pp. 247-248.
65
Contratação Pública
4. Alterações ao regime do “preço anormalmente baixo”
ângulo económico, ALEIX CALVERAS, JUAN-JOSE GANUZA e ESTHER HAUK( 19) observam que “proposta
de preço anormalmente baixo” é um termo utilizado para designar o fenómeno em que os
concorrentes propõem um preço abaixo do custo da prestação a contratar.
«Resulta da matéria de facto contida nas alíneas (…) que o custo anual dos encargos salariais
com os trabalhadores ultrapassa o valor anual do contrato posto a concurso o que acarretaria,
na perspectiva da recorrente a violação de alguns preceitos, designadamente, o disposto nos
art.os 70.º, n.º 2, al. f) do CCP, os princípios da igualdade, da transparência e da concorrências
constantes do CCP (…). Como assinala o Magistrado do Ministério Público no seu parecer, ‘não
é a execução de cada contrato que tem de garantir o pagamento da RMG [remuneração
mínima garantida], mas os resultados económico-financeiros da contratante, no cômputo
geral da sua actividade e, em última análise, todo o seu património. É claro que se em todos os
contratos celebrados as remunerações obtidas fossem inferiores aos encargos assumidos, não
só estes não poderiam ser assegurados, como a falência logo ficaria à vista. Mas essa não é a
situação comprovada nos autos, bem podendo acontecer que razões estratégicas aconselhem
a apresentação de propostas que envolvam a assunção de prejuízos pontuais, sem implicarem
a intenção de incumprimento de encargos legalmente impostos (…)’ Ou, como se escreveu na
sentença do TAF, ‘Mas também ficou demonstrado que era possível ao proponente apresentar
uma proposta de preço inferior àquele valor (custo em abstracto dos encargos sociais e com
remunerações) tendo por base a gestão de pessoal com que iria realizar a prestação de
serviços conjuntamente com outros contratos. Logo o que ficou demonstrado foi que algumas
empresas por deterem determinadas condições (pessoal excendentário de outros contratos,
proximidade de edifícios ou outras situações) conseguiam apresentar uma proposta mais
vantajosa. Mas sem que isso violasse qualquer regra de concorrência. Não porque fosse abaixo
do custo anual, como refere a autora, mas por que esse custo era repartido por outros
contratos ou mitigado atentas as condições que essa empresa conseguia colocar o mesmo
pessoal a realizar as mesmas horas de trabalho que outro proponente que não detenha essas
condições».
O entendimento jurisprudencial aqui espelhado tem sido desenvolvido pelo Supremo Tribunal
Administrativo, ancorando-se no princípio da legalidade das competências e no direito
fundamental e constitucionalmente consagrado da livre iniciativa económica para concluir, por
um lado, que as entidades adjudicantes não têm competências para fiscalizar o cumprimento
19
( ) Cfr. «Gambling for Resurrection in Procurement Contracts», Journal of Regulatory Economics, 2004, Vol. 26, n.º
1, p. 47.
20
( ) Disponível em www.dgsi.pt.
66
Contratação Pública
4. Alterações ao regime do “preço anormalmente baixo”
de tais normas sociais, laborais e ambientais por parte dos operadores económicos que se
apresentam a concorrer nos procedimentos de formação de contratos e, por outro lado, que o
concorrente empresário tem a liberdade de conceber a sua estrutura de custos, bem como de
formar os seus preços à luz de uma organização global da sua actividade económica.
Assim tem sido entendido que «o facto de uma proposta refletir um preço que implicaria um
custo inferior aos custos que derivam da aplicação de uma série de leis do trabalho não implica
que, face ao teor da proposta, a entidade adjudicatária não vá cumprir qualquer legislação
vigente e nomeadamente a legislação de trabalho que vem invocada como custos fixos a
considerar na proposta. Antes apenas significa que a mesma está disposta a ter certo prejuízo
já que nada a impede de, a nível de estratégia de empresa, preferir obter um certo contrato,
ainda que com algum prejuízo, até como política de marketing, de se dar a conhecer ao
mercado. Na verdade, o princípio da liberdade de gestão empresarial [artigo 61.º da CRP] e da
autonomia da estratégia empresarial não impede que o preço num concurso possa espelhar
uma estratégia da empresa concorrente suscetível de levar à apresentação de propostas que
envolvam a assunção de prejuízos pontuais, sem que isso determine qualquer ilegalidade,
designadamente, o incumprimento das obrigações retributivas e contributivas» [cfr. Acórdão
do Supremo Tribunal Administrativo de 3 de Dezembro de 2015 (processo n.º 0657/15)( 21),
realce nosso]]. E, do mesmo modo, que «o cumprimento, a garantia da observância das
obrigações e compromissos legais e contratuais por parte dos concorrentes e dos
adjudicatários não está unicamente na dependência daquilo que seja o valor aposto como
preço duma proposta já que no juízo, na equação a efetuar, outros fatores e termos importam
e devem ser considerados, como aquilo que seja a sua concreta e específica situação e
capacidade económica e financeira, a sua estrutura de custos, aquilo que sejam as suas
capacidades e condições no acesso às fontes de financiamento [bancário e/ou no mercado de
capitais], aquilo que sejam os seus recursos, sua estrutura/natureza e o modo como os
mesmos são geridos e estão organizados. À luz do quadro legal que se mostra vigente são os
resultados económico-financeiros dum contratante no cômputo geral da sua atividade e, em
última análise, todo o seu património que garantem que, nomeadamente, na execução de
cada contrato se mostrem observadas e cumpridas pelo mesmo todas obrigações/deveres
legais e contratuais» [cfr. Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 7 de Janeiro de
2016 (processo n.º 01021/15)( 22), realces nossos].
Como se referiu atrás, este entendimento jurisprudencial tem sido desenvolvido entre nós a
propósito da alegada violação de disposições legais e regulamentares em matéria laboral e
social por parte de operadores económicos a operar em determinados segmentos de mercado.
Não incidindo directamente sobre o conceito de preço anormalmente baixo.
Porém, o mais recente Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo sobre esta matéria,
extraído em 20 de Junho de 2017 (processo n.º 0326/17), transpõe este entendimento
jurisprudencial para o preenchimento do conceito de preço anormalmente baixo, afirmando
21
( ) No mesmo sentido Acórdãos do Supremo Tribunal Administrativo de 16 de Dezembro de 2015 (processo n.º
01047/15), de 7 de Janeiro de 2016 (processo n.º 01021/15), de 28 de Janeiro de 2016 (processo n.º 01255/15), de
14 de Dezembro de 2016 (processo n.º 0579/16), de 19 de Janeiro de 2017 (processo n.º 0817/16), todos
disponíveis em www.dgsi.pt.
22
( ) Disponível em www.dgsi.pt.
67
Contratação Pública
4. Alterações ao regime do “preço anormalmente baixo”
expressamente que «para que seja anormalmente considerada baixa a proposta de preço tem
de revelar um sério risco de impossibilidade de cumprimento do contrato [art.º 71.º, n.os 1 e 2
do CCP]: Daí que a previsão de um preço anormalmente baixo como factor de exclusão das
propostas se destine apenas a evitar o risco de um incumprimento integral pelo adjudicatário
das obrigações que assumiu perante a entidade adjudicante, mas já não o cumprimento pelo
adjudicatário das obrigações para com entidades terceiras ao contrato, como sejam, o caso
dos trabalhadores, da Segurança Social ou da Autoridade Tributária e Aduaneira, pois para
estes incumprimentos, a lei prevê outros mecanismos de atuação»( 23)(realces nossos).
Dito de outro modo: subjacente ao entendimento dominante perfilhado pela jurisprudência
nacional está uma determinada compreensão sobre essa figura jurídica, à luz da qual a ratio do
instituto do preço anormalmente baixo é exclusivamente a tutela do risco de incumprimento
contratual. Em termos que ressaltam explicitamente do já referido Acórdão do Supremo
Tribunal Administrativo de 20 de Junho de 2017, mas que são igualmente evidenciados pela
discussão havida nas primeira e segunda instâncias de um processo judicial em que foi
apreciada a legalidade de uma norma concursal que definia o limiar da anomalia do preço por
recurso aos dados resultantes de um instrumento não vinculativo da Autoridade para as
Condições de Trabalho que, alegadamente e num determinado segmento de negócio, fixaria
os custos mínimos ou médios incorridos por um operador económico, em matéria laboral e
social, processo esse que findou com o Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 12 de
Julho de 2017 (processo n.º 0328/17)( 24).
Estas disposições legais têm sido objecto de interpretação pelo TJUE, entre outros, no Acórdão
SAG ELV Slovensko e.o., de 29 de Março de 2012 (processo n.º 599/10) e no Acórdão Azienda
Ospedaliero, de 18 de Dezembro de 2014 (processo n.º C-568/13). Resulta do primeiro dos
referidos Acórdãos que «embora a lista que consta do artigo 55.°, n.° 1, segundo parágrafo, da
23
( ) Disponível em www.dgsi.pt.
24
( ) Disponível em www.dgsi.pt. A decisão deste pleito em segunda instância, percursora de um entendimento do
preço anormalmente baixo contrário à jurisprudência maioritária e alinhado com a designada “perspectiva de
cobertura de custos e lucro” resulta do Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul de 19 de Janeiro de 2017
(processo n.º 13540/16), também disponível em www.dgsi.pt
68
Contratação Pública
4. Alterações ao regime do “preço anormalmente baixo”
Directiva 2004/18 não seja exaustiva, não é no entanto meramente indicativa e não deixa,
portanto, liberdade às entidades adjudicantes para determinar quais os elementos pertinentes
a tomar em consideração antes de recusarem uma proposta com um preço anormalmente
baixo»( 25) (a propósito do artigo 50.º, n.º 1, da Directiva 2004/18/CE, do Parlamento Europeu e
do Conselho, de 31 de Março de 2004, cuja redacção é paralela à do actual artigo 69.º, n.º 1,
da Directiva 2014/24/UE; realces nossos). No segundo dos mencionados Acórdãos, o TJUE
refere a propósito do artigo 37.º da Directiva 92/50/CEE, que «o legislador da União precisou
nesta disposição que o carácter anormalmente baixo de uma proposta deve ser apreciado
‘face à prestação’. Assim, a entidade adjudicante pode, no âmbito da sua análise do carácter
anormalmente baixo de uma proposta, com vista a assegurar uma concorrência sã, tomar em
consideração não só as circunstâncias enunciadas no artigo 37.°, n.° 2, da Directiva 92/50, mas
também todos os elementos pertinentes à luz da prestação em causa»( 26) (realces nossos).
25
( ) Cfr. n.º 30.
26
( ) Cfr. n.º 50.
27
( ) Cfr. secção C.2. supra.
28
( ) Cfr. CHIARA ALBERTI, «Appalti In House, Concessioni In House ed Esternalizzazione», in Rivista Italiana di Diritto
os
Pubblico Comunitario, n. 3-4 (2001), pp. 500-501.
29
( ) Cfr. ANA MARIA GUERRA MARTINS, «A Emergência de um Novo Direito da União Europeia da Concorrência – As
Concessões de Serviços Públicos», in Revista da Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa, Vol. XLII, n.º 1
(2001), p. 95.
30
( ) Cfr. RICARDO ALONSO GARCIA, «El Soft Law Comunitario», in Revista de Administración Pública, n.º 154 (2001), p. 80.
69
Contratação Pública
4. Alterações ao regime do “preço anormalmente baixo”
A posição adoptada pela Comissão Europeia neste instrumento de soft law foi perfilhada pelo
Parlamento Europeu na Resolução proferida sobre a comunicação da Comissão acerca da
competitividade no sector da construção. Aquele órgão parlamentar afirmou que «a falta de
regulação continua a encorajar a submissão de propostas de preço anormalmente baixo,
abaixo do nível necessário para cobrir os custos, o que mina ainda mais as estruturas
industriais do sector, conduz a projectos inacabados e destrói a transparência e a
competitividade do mercado»( 34) (tradução e realces nossos).
[ii)] Em relação à qual o concorrente não consegue explicar o preço na base da economia do
processo construtivo, da solução técnica escolhida, da disponibilidade de condições
31
( ) Cfr. ANA MARIA GUERRA MARTINS, «A Emergência…», cit., p. 95.
32
( ) Cfr. Proposal for a Council Directive amending Directive 71/305/EEC concerning the Coordination of Procedures
for the Award of Public Works Contracts ─ COM (86) 679 final, de 23.12.1986, p. 10.
33
( ) Cfr. Communication from the Commission to the Council, the European Parliament, the Economic and Social
Committee and the Committee of the Regions ─ «The Competitiveness of the Construction Sector» ─ COM (97) 539
final, de 04.11.1997, secção 4.3.
34
( ) Cfr. Resolution on the Communication from the Commission on the Competitiveness of the Construction Industry
─ A4/1998/147, parágrafo P., publicada no Jornal Oficial C/152, de 18.05.1998, p. 22.
70
Contratação Pública
4. Alterações ao regime do “preço anormalmente baixo”
35
( ) Cfr. Prevention, Detection and Elimination of Abnormally Low Tenders in the European Construction Industry,
relatório do III grupo de trabalho sobre propostas de preço anormalmente baixo, de 19.05.1999, disponível em
http://www.gci-uicp.eu/Documents/Reports/DG3ALT-final.pdf (último acesso em 10.09.2014), p. 10.
36
( ) Cfr. secção C.2. supra.
37
( ) Cfr. Prevention, Detection and Elimination of Abnormally Low Tenders in the European Construction Industry, cit.,
p. 10.
71
Contratação Pública
4. Alterações ao regime do “preço anormalmente baixo”
47]( 38). Bem como que «as Directivas de Contratação Pública têm por objectivo eliminar
práticas anticoncorrenciais, nos processos de adjudicação de contratos públicos» [cfr. Acórdão
do TJUE de 21 de Fevereiro de 2008 (processo C- 412/04 – Comissão vs. República Italiana), n.º
2].
No mesmo sentido, sublinham ROBERT ANDERSON e WILLIAM KOVACIC( 39), que nem a referência à
«concorrência efectiva» que constava do Considerando 46.º da Directiva 2004/18/CE, do
Parlamento Europeu e do Conselho, de 31 de Março, apresenta qualquer relação com a
adopção de mecanismos ampliativos do acesso dos interessados ao procedimento pré-
contratual nem, por outro lado, a ampliação do acesso dos potenciais concorrentes aos
procedimentos pré-contratuais parece ser suficiente para alcançar o objectivo do mercado
único que subjaz à concepção da disciplina europeia da contratação pública. Antes, tal
objectivo só é alcançado se a concorrência for efectiva – isto é, se as regras do jogo
concorrencial forem efectivamente cumpridas pelos concorrentes.
72
Contratação Pública
4. Alterações ao regime do “preço anormalmente baixo”
É evidente que esta conclusão conduz-nos a uma questão dilemática, já que, por esta via,
ocorre uma instrumentalização do regime da contratação pública à prossecução de políticas
(regulatórias) nos domínios laboral e social e, portanto, uma postergação do princípio da
legalidade das competências administrativas, como tem sido focado pela jurisprudência
nacional. Mas é incontroverso que o ordenamento jurídico-europeu tem sido relativamente
insensível a essas preocupações próprias da organização administrativa, fazendo uso do
instrumento jurídico da contratação pública para a prossecução das mais diversas políticas
secundárias( 44), em termos que, aliás e como de seguida se especifica, tornam-se ainda mais
evidentes com as novas directivas europeias de 2014.
Em primeiro lugar, o artigo 18.º, n.º 2, da Directiva 2014/24/UE e o artigo 36.º, n.º 2, da
Directiva 2014/25/UE, conferem expressamente às entidades adjudicantes o mandato para
que, na execução dos contratos, assegurem «que os operadores económicos respeitam as
normas em vigor em matéria social, laboral, ambiental e de igualdade de género, decorrentes
do direito internacional, europeu, nacional ou regional». Regista-se nesta matéria uma
evolução face ao texto das anteriores directivas da contratação pública, já que, nesses
instrumentos normativos, as preocupações com o incumprimento destas disposições foram
espelhadas apenas no texto dos considerandos preambulares( 45).
Na transposição desta norma, o legislador aditou o artigo 1.º-A, n.º 2, do CCP, incluindo neste
mandato a fase de formação dos contratos públicos, que não consta, pelo menos, da
expressão literal da disposição transposta da Directiva. Dispõe a referida norma legal que «as
entidades adjudicantes devem assegurar, na formação e na execução dos contratos públicos,
que os operadores económicos respeitam as normas aplicáveis em vigor em matéria social,
laboral, ambiental e de igualde de género, decorrentes do direito internacional, europeu,
nacional ou regional» (realce nosso). Em termos que expressamente conferem às entidades
adjudicantes uma habilitação legal para verificar o cumprimento pelos concorrentes das suas
obrigações em matéria laboral, social e ambiental, assim postergando o entendimento
sustentado pela jurisprudência nacional assente no princípio da legalidade das competências.
43
( ) Neste sentido, PETER TREPTE, Regulating Procurement, cit., p. 244, fala no regime do preço anormalmente baixo
como uma cláusula de salvaguarda contra o dumping social, defendendo que este é o instituto jurídico que permite
proteger a concorrência contra a venda de produtos e serviços abaixo de custo, mesmo na ausência de regimes
jurídicos nacionais proibitivos das práticas de dumping.
44
( ) Em geral, criticando esta «substituição regulatória» e de jure condendo, cfr. ALBERT SANCHEZ-GRAELLS, «Regulatory
substitution between labour and public procurement law: the EU’s shifting approach to enforcing labour standards
in public contracts», no prelo para publicação em 2018, no n.º 24(2) da European Public Law, disponível em SSRN:
https://ssrn.com/abstract=2958297 (último acesso em 28.11.2017), referindo-se a esta opção como «public
procurement as a regulatory garbage can».
45
( ) Cfr. considerando n.º 40 da Directiva 2004/18/CE: «O controlo da observância destas disposições ambientais,
sociais e laborais deverá ser efectuado nas fases pertinentes do procedimento de contratação, ou seja, ao aplicar os
princípios gerais que regem a escolha dos participantes e a adjudicação de contratos, ao aplicar os critérios de
exclusão e ao aplicar as disposições relativas às propostas anormalmente baixas. A verificação necessária para este
efeito deverá ser conduzida em conformidade com as disposições pertinentes da presente directiva, e em especial
com as disposições aplicáveis aos meios de prova e às declarações sob compromisso de honra».
73
Contratação Pública
4. Alterações ao regime do “preço anormalmente baixo”
Por isso mesmo, constitui causa de exclusão de uma proposta a apresentação de um preço
anormalmente baixo se decorrer das justificações apresentadas que esse preço se explica pelo
não cumprimento das obrigações laborais, sociais e ambientais relevantes. É o que resulta
expressamente do artigo 69.º, n.º 3, segundo parágrafo, da Directiva 2014/24/UE, e do
considerando 103 da mesma Directiva, bem como do artigo 84.º, n.º 3, terceiro parágrafo, da
Directiva 2014/25/UE, e do considerando 108 desta Directiva. E é também a estatuição
imposta pelo artigo 70.º, n.º 2, alínea e), quando lido em conjugação com o preceito do artigo
71.º, n.º 4, alínea g), do CCP.
8. CONCLUSÕES
Em primeiro lugar que, por via da introdução do artigo 71.º, n.º 4, alínea g), do CCP, ocorre no
ordenamento jurídico português uma alteração dos dados do debate. Já que, não sendo
absolutamente líquida a adesão a uma concepção de preço anormalmente baixo alinhada com
a posição da Comissão Europeia e do Parlamento Europeu( 46) − que apelidamos de
“perspectiva da cobertura de custos e lucro” − parece incontestável que o instituto do preço
anormalmente baixo visa, pelo menos, tutelar o risco de incumprimento não apenas do
contrato, mas também da legislação laboral, social e ambiental relevante( 47).
46
( ) Expressa nos instrumentos de soft law mencionados na secção C.5 supra.
47
( ) Importa sublinhar que o conceito de preço anormalmente baixo não se identifica plenamente com a figura do
preço predatório própria do Direito da Concorrência. Por um lado, porque neste último âmbito, a existência de um
preço predatório depende da detenção pelo concorrente de uma posição dominante no mercado [cfr. Acórdãos do
TJUE de 3 de Julho de 1991 (processo C-62/86 —AKZO), de 6 de Outubro de 1994 (processo C-83/91 — Tetra Pak) e
de 2 de Abril de 2009 (processo C-202/07P — Wanadoo)], o que já não é pressuposto da qualificação de um preço
como anormalmente baixo (cfr., neste sentido, GRITH SKOVGAARD ØLYKKE, Abnormally Low Tenders…, cit., p. 280; MÁRIO
ESTEVES DE OLIVEIRA / RODRIGO ESTEVES DE OLIVEIRA, Concursos..., cit., 2011, p. 936). Por outro lado, porque, no quadro do
Direito da Concorrência, um preço só é anticompetitivo se for capaz de eliminar empresas tão eficientes quanto a
empresa dominante, ao passo que, para o regime do preço anormalmente baixo, é irrelevante saber qual a quota
de mercado detida por cada empresa (cfr., neste sentido, GRITH SKOVGAARD ØLYKKE, Abnormally Low Tenders…, cit., p.
280; MÁRIO ESTEVES DE OLIVEIRA / RODRIGO ESTEVES DE OLIVEIRA, Concursos..., cit., 2011, p. 936).
74
Contratação Pública
4. Alterações ao regime do “preço anormalmente baixo”
As linhas de força da revisão operada nesta matéria podem resumir-se nos seguintes termos:
c) A omissão de uma norma paralela a esse revogado artigo 57.º, n.º 1, alínea d), aplicável
quando, por recurso ao poder previsto no novo n.º 1 do artigo 71.º do CCP, a entidade
adjudicante defina nas peças do procedimento o critério de determinação da anomalia do
preço.
Face ao novo quadro, deixou de existir habilitação legal para a exclusão de uma proposta com
fundamento na falta de apresentação dos esclarecimentos justificativos do preço
anormalmente baixo, mesmo nas hipóteses de pré-determinação do critério da anomalia nas
peças do procedimento, que até agora resultava do regime do artigo 146.º, n.º 1, alínea d),
conjugado com o artigo 57.º, n.º 1, alínea d), do CCP.
75
Contratação Pública
4. Alterações ao regime do “preço anormalmente baixo”
Vídeos da apresentação
I.
https://educast.fccn.pt/vod/clips/1gr3m7atbb/flash.html?locale=pt
48
( ) Disponível em www.dgsi.pt.
76
Contratação Pública
4. Alterações ao regime do “preço anormalmente baixo”
II.
https://educast.fccn.pt/vod/clips/2633o9ihks/flash.html?locale=pt
77
Contratação Pública
5. Novidades em sede de apreciação e exclusão de propostas
Bernardo Azevedo ∗
Vídeo da apresentação
https://educast.fccn.pt/vod/clips/1gr3m7atm3/flash.html?locale=pt
81
Contratação Pública
6. Os critérios de adjudicação
OS CRITÉRIOS DE ADJUDICAÇÃO
Cláudia Viana ∗
Vídeos da apresentação
I.
https://educast.fccn.pt/vod/clips/wvj2lqaiq/flash.html?locale=pt
II.
https://educast.fccn.pt/vod/clips/2ffuab5w8v/link_box_h?locale=pt
85
Contratação Pública
7. Os (novos) trabalhos complementares
Vídeo da apresentação
https://educast.fccn.pt/vod/clips/2ffuab5wgs/flash.html?locale=pt
89
Contratação Pública
8. Acordos quadro, centrais de compras, sistemas de aquisição dinâmicos e catálogos eletrónicos
Vera Eiró ∗
Vídeos da apresentação
I.
https://educast.fccn.pt/vod/clips/l6lt7k9w5/link_box_h?locale=pt
II.
https://educast.fccn.pt/vod/clips/28198201te/ipod.m4v?locale=pt
93
Contratação Pública
9. Principais novidades do regime substantivo dos contratos – invalidades e modificações objetivas e subjetivas
2
Raquel Carvalho
2. A mera contabilização das normas alteradas na Parte III permite perceber a extensão da
intervenção legislativa: 39 artigos que sofrem alterações, tendo sido acrescentados 15 novos
artigos. Acresce que foram revogadas doze disposições normativas, aí se incluindo por vezes,
artigos integrais.
1
O texto resulta da apresentação feita na sessão de dia 30 de novembro de 2017, na Ação de formação pública
subordinada ao tema Contratação Pública. A autora agradece à Direção do Centro de Estudos Judiciários a
amabilidade do convite. Omitiram-se as palavras de circunstância.
Atendendo ao tema da sessão, o texto dedica-se no essencial à descrição, análise e problematização das novidades
legislativas, quando relevantes.
2
Professora Associada. Universidade Católica Portuguesa, CEID - Centro de Estudos e Investigação em Direito,
Faculdade de Direito – Escola do Porto, Rua Diogo Botelho, 1327, 4169-005, Porto, Portugal.
97
Contratação Pública
9. Principais novidades do regime substantivo dos contratos – invalidades e modificações objetivas e subjetivas
A nona revisão do Código dos Contratos Públicos (CCP) não é, por conseguinte, uma simples
revisão por transposição. 3
Para o efeito, torna-se necessário ter em consideração o artigo 1.º do CCP (Âmbito) e o artigo
280.º (Direito aplicável). 4
Em rigor, o âmbito de aplicação do CCP deveria ficar imediatamente evidente no artigo 1.º do
diploma, segundo a melhor técnica legislativa.
4. Assim, o artigo 1.º do CCP estabelece a repartição da aplicação das normas da Parte II (n.º
2) 5 – aos contratos públicos – e da Parte III (n.º 5) 6 – às relações contratuais administrativas –
ainda que comece por determinr que o Código “estabelece a disciplina aplicável à contratação
pública e o regime substantivo dos contratos públicos que revistam a natureza de contrato
administrativo” (n.º 1).
Foi, portanto, opção de o legislador manter dois conceitos: contrato público e contrato
administrativo (n.º 1 do artigo 1.º) e introduzir, sem dar qualquer orientação ao intérprete
sobre o respetivo alcance, uma outra expressão, a de relações contratuais administrativas (n.º
5 do artigo 1.º).
Todavia, não satisfeito com as opções tomadas no artigo 1.º, o legislador decidiu igualmente,
no artigo que regularia o direito aplicável aos contratos sujeitos à Parte III, tornar a pronunciar-
se sobre a repartição de normas a aplicar aos contratos administrativos, aos contratos públicos
e às relações contratuais administrativas.
Tendo levado a cabo a revogação do n.º 6 do artigo 1.º do CCP, que antes continha os
designados “fatores de administratividade” dos contratos, a versão revista do artigo 280.º,
3
Não nos debruçamos sequer sobre a reorganização do próprio diploma e que consta do artigo 7.º do Decreto-Lei
n.º 111-B/2017, de 31 de agosto.
4
Para Mário Aroso de Almeida, “o conteúdo do artigo [280.º] é novo e aponta para uma modificação estrutural do
nosso Direito dos Contratos Públicos – modificação, aliás, de tal dimensão que nem o legislador da revisão parece
ter-se apercebido do seu verdadeiro alcance e, por isso, das suas implicações”, (“Apreciação geral da revisão do
Código dos Contratos Públicos: em particular, os novos regimes dos artigos 280.º e 313.º do CCP”, in Carla Amado
Gomes/ Ricardo Pedro/Tiago Serrão/Marco Caldeira (coord.), Comentários à revisão do Código dos Contratos
Públicos, AAFDL, Lisboa, 2017, p. 23). Sérvulo Correia é igualmente de opinião que a transversalidade que a revisão
do CCP veio estabelecer (ainda que antes já existissem alguns indícios da mesma, máxime em alguns dos limites à
modificação dos contratos que constavam do artigo 313.º) caminha “em direção à unidade de contratos públicos”
(“A revisão das disposições gerais sobre o âmbito de aplicação do código dos contratos públicos”, e-Publica –
Revista Eletrónica de Direito Público, vol. 4, nº 2, 2017, p. 13 (http://www.e-publica.pt/v4n2a01.html, consultado a
3/1/2018).
5
“O regime da contratação pública estabelecido na parte II é aplicável à formação dos contratos públicos que,
independentemente da sua designação e natureza, sejam celebrados pelas entidades adjudicantes referidas no
presente Código e não sejam excluídos do seu âmbito de aplicação” (destacado nosso).
6
“A parte III do presente Código contém o regime substantivo aplicável à execução, modificação e extinção das
relações contratuais administrativas”
98
Contratação Pública
9. Principais novidades do regime substantivo dos contratos – invalidades e modificações objetivas e subjetivas
Importa, portanto, para a análise das alterações do regime substantivo ter em mente o que
resulta do n.º 3 do artigo 280.º que determina a aplicação aos contratos sujeitos à Parte II,
ainda que não configurem relações contratuais administrativas (não sejam por isso e, em
simultâneo, contratos administrativos) o seguinte conjunto de disposições relativas:
O legislador parece ter escolhido trabalhar apenas com o conceito de contrato público (artigo
1.º), embora utilize o conceito de contrato administrativo logo na parte final do n.º 1. Contudo,
só nos indica o que pretende que seja um contrato administrativo no n.º 1 do artigo 280.º;
introduz um conceito que aparentemente é novo: o de relações contratuais administrativas, o
qual, na nossa opinião, se destina apenas a designar aqueles contratos que comungam em
simultâneo da natureza de público (porque se sujeitam às regras da Parte II) e de
administrativo (porque se enquadram nos fatores de administratividade agora previstos no n.º
1 do artigo 280.º).
Existem, por conseguinte, à luz das opções atuais do legislador português, os seguintes tipos
de contratos e respetivos regimes:
a) Contratos públicos que não geram relações contratuais administrativas que estão
sujeitos à Parte II (artigo 1.º, n.º 2) e aos regimes resultantes do n.º 3 do artigo 280.º;
b) Contratos administrativos que não estão sujeitos à Parte II, pois não preenchem os
critérios do artigo 1.º, n.º 2, mas preenchem os critérios do n.º 5 do artigo 1.º;
7
Importa relembrar que o Anteprojeto sujeito a discussão pública não previa a revogação do n.º 6 do artigo 1.º
Sérvulo Correia critica esta opção (in “A revisão das disposições gerais sobre o âmbito de aplicação do código dos
contratos públicos”, e-Publica – Revista Eletrónica de Direito Público, vol. 4, nº 2, 2017, p. 16, http://www.e-
publica.pt/v4n2a01.html, consultado a 3/1/2018).
8
Já ao tempo da discussão pública do Anteprojeto, a doutrina entendia que as disposições contidas no então artigo
280.º, n.º 3 (“Aos contratos sujeitos à Parte II que não configurem relações contratuais administrativas aplicam-se
as disposições do presente capítulo relativas aos regimes de invalidade, de limites à modificação, de cessão da
posição contratual e subcontratação”) deveriam estar no artigo 1.º (Pedro Gonçalves/Licínio Martins, “Reflexões
Gerais sobre o Anteprojeto de Revisão do Código dos Contratos Públicos”, in Relatório de análise e de reflexão
crítica sobre o Anteprojeto de Revisão do Código dos Contratos Públicos , 2016 (documento online em pdf), p. 5; Ana
Gouveia Martins, A modificação dos contratos no anteprojecto do Código dos Contratos Públicos”, in Maria João
Estorninho/Ana Gouveia Martins (coord.), Atas da Conferência A Revisão do Código dos Contratos Públicos, e-book,
ICJP, 2016, p. 295.
99
Contratação Pública
9. Principais novidades do regime substantivo dos contratos – invalidades e modificações objetivas e subjetivas
Não é, assim, muito fácil perceber a pretensão do legislador ao consagrar um novo conceito
nem se afigura razoável a “distribuição” das normas que definem o respetivo âmbito de
aplicação das duas partes do CCP.
6. O n.º 3 do artigo 280.º estabelece ser de aplicar aos “contratos sujeitos à parte II ainda que
estes não configurem relações jurídicas contratuais administrativas” as disposições dos
regimes da invalidade e das modificações objetivas e subjetivas.
No que respeita ao regime da invalidade, a nona revisão do CCP levou a cabo alterações nos
artigos 283.º, 284.º, 285.º e revogou o artigo 283.º A. Ainda com relevância para este domínio,
importa chamar a atenção para o facto de também o artigo 287.º ter sofrido alterações.
9
Daremos particular atenção às disposições contidas nos artigos 312.º, 313º, 318.º, 318.º A, 319.ºe 321.ºA, para
além de pontualmente nos referirmos às disposições dos regimes substantivos dos contratos em especial.
10
NOTA DA AUTORA: já tivemos oportunidade de escrever sobre as alterações ao regime substantivo de invalidade
num artigo em vias de publicação nos Cadernos de Justiça Administrativa. Por razões de cortesia com o convite
endereçado pelo Conselho de Direção da referida publicação, a abordagem do tema será aqui adaptada.
11
Corresponde, com uma ou outra adaptação, ao que constava do anteprojeto.
100
Contratação Pública
9. Principais novidades do regime substantivo dos contratos – invalidades e modificações objetivas e subjetivas
para gerar a anulabilidade do contrato. Pela nossa parte, esta opção apenas peca em dois
aspetos: restringe-se ao desvalor da anulabilidade e é relativamente desvirtuada pelo incisivo
final do mesmo n.º 2 que, pretendendo auxiliar o intérprete, lhe “arranja” uma complicação ao
estabelecer “designadamente por implicar uma modificação subjetiva do contrato celebrado
ou uma alteração do seu conteúdo essencial”. 12
A introdução desta condição altera em termos que nos parece significativos a opção
fundamental do legislador quanto ao paralelismo de formas de invalidade, em particular no
que respeita à anulabilidade. 13 Assim, agora o desvalor jurídico da nulidade parece continuar a
aplicar-se sem sujeição a qualquer demonstração de suficiência ou adequação, mas a
anulabilidade do contrato, ainda que o ato em que assenta a sua celebração seja anulado, só
ocorrerá se for demonstrado que o vício que está na origem da anulação do ato é suficiente
e adequado para tornar o contrato anulável. 14
Já nos merece alguma perplexidade os exemplos que o legislador dá e que só percebemos por
nos parecer resultar da movimentação do segmento normativo do n.º 4 para o n.º 2: quer uma
modificação subjetiva quer a modificação de conteúdo essencial do contrato (seja lá o que isso
consubstanciar) configuram situações demasiado graves para conduzirem apenas a
anulabilidade do contrato. 15
8. O n.º 3 do artigo 283.º, que previa as situações de consolidação dos atos anuláveis como
circunstância impeditiva da aplicação do n.º 2, foi revogado. Era já o que se previa no
anteprojeto e que se compreende, dada a dependência da invalidade do contrato da
invalidação dos atos em que tivesse assentado a sua celebração. Não esqueçamos que a
invalidade derivada do contrato é uma invalidade suspensa até efetivação da invalidade do
ato, pelo que, se este se consolidou e, por conseguinte, não pode ser invalidado, também o
contrato não o poderá ser 16. A revogação operada não conduz, parece-nos, a que se deixe de
aplicar o regime que a norma instituía, por funcionamento das regras e princípios de direito
administrativo.
9. Por fim, a revisão do artigo 283.º também restringiu a redação do n.º 4 ao retirar a parte
final “ou quando se demonstre inequivocamente que o vício não implicaria uma modificação
subjectiva no contrato celebrado nem uma alteração do seu conteúdo essencial”. Como já
12
O legislador parece ter retirado este segmento do anterior n.º 4 do artigo 283.º que regula o afastamento do
efeito anulatório.
13
Referindo-se a esta opção como uma nova prespetiva da própria “invalidade contratual”, Ana Raquel Moniz, “A
Invalidade do Contrato no Código dos Contratos Públicos”, in Carla Amado Gomes, Ricardo Pedro, Tiago Serrão,
Marco Caldeira (coord.), Comentários à revisão do Código dos Contratos Públicos, AAFDL, Lisboa, 2017, p. 825.
14
Continua, na nossa perspetiva, a não ser uma comunicação automática. Vide, na doutrina e de forma
exemplificativa, Mário Aroso de Almeida, Anulação de Actos Administrativos e Relações Jurídicas Emergentes,
Almedina, Coimbra, 2001, p. 324, Raquel Carvalho, As Invalidades Contratuais nos Contratos Administrativos de
Solicitação de Bens e Serviços, Almedina, Coimbra, 2010, pp. 87 e ss.
A jurisprudência, em regra, também tem decidido neste sentido [por exemplo, Acórdão do TCA (N) de 15/4/2010,
Proc. n.º 01480/09.4BEBRG, relator: José Augusto Araújo Veloso], ainda que muito recentemente tenha surgido um
Acórdão divergente [Acórdão do TCA (S) de 30/08/2017, Proc. n.º 1512/16.0BELSB, relatora: Cristina dos Santos].
15
Aliás, o legislador deveria ter tido mais cuidado com esta “movimentação” na medida em que ela se conexiona
com possíveis limites às modificações admitidas no âmbito das Diretivas.
16
Raquel Carvalho, As Invalidades Contratuais…, cit., p. 120; Mário Aroso de Almeida, Anulação de Actos
Administrativos…, cit., p. 324
101
Contratação Pública
9. Principais novidades do regime substantivo dos contratos – invalidades e modificações objetivas e subjetivas
dissemos, este segmento normativo foi parcialmente movido para o n.º 2, deixando, por
conseguinte, a ponderação ser fator para afastar o efeito anulatório para passar a funcionar
como fator de ponderação para operar a comunicação da invalidade. 17
10. A alteração legislativa mais significativa que o legislador operou nas causas de invalidade
própria referem-se ao n.º 2 do artigo 284.º 18
11. A nova redação do n.º 2 do artigo 284.º introduz um conjunto de causas de nulidade que
poderá levantar alguns problemas ao intérprete.
O primeiro desses problemas relaciona-se com a determinação do conteúdo das outras causas
de nulidade previstas no CCP. Uma vez que estamos nas causas de invalidade própria, parece
ser evidente e coerente com o sistema, entender que tais causas não poderão ser as causas
que caibam no n.º 1 do artigo 283.º, pois este artigo regula as causas de nulidade derivada do
17
É interessante referir que a jurisprudência administrativa aplica com relativa frequência o n.º 4 do artigo 283.º,
quando chamada a pronunciar-se sobre a invalidade derivada do contrato, sendo vários os Acórdãos neste sentido.
É, todavia, interessante mencionar um Acórdão recente em que o Tribunal, reafirmando a orientação
jurisprudencial de que o n.º 4 concede uma ampla discricionariedade judicial, aí inclui consideração do “que
aconteceu após a adjudicação do contrato” (Acórdão do STA de 20/06/2017, Proc. n.º 267/17, relatora: Maria
Benedita Urbano: “À apreciação do afastamento do efeito anulatório, de acordo com a condição prevista na
primeira parte do n.º 4 do artigo 283.º do CCP, deve presidir uma ampla discricionariedade jurisdicional, cabendo
ao julgador efectuar uma ponderação de todos os interesses em presença, devendo o mesmo ter em conta uma
realística relevância da gravidade do vício e considerar não apenas o ocorrido na fase de formação do contrato,
mas, de igual forma, o ocorrido já após a adjudicação do contrato”).
18
A versão que acabou por vingar na revisão é distinta da que se propunha no Anteprojeto, em particular no que
respeita aos exemplos de causas de nulidade: “Os contratos são nulos quando se verifique algum dos fundamentos
previstos no presente Código, no artigo 161.º do Código do Procedimento Administrativo ou em lei especial,
designadamente: a) Os contratos que careçam em absoluto de forma legal; b) Os contratos cujo objeto ou conteúdo
seja impossível, ininteligível ou constitua ou seja determinado pela prática de um crime; c) Os contratos que
ofendam o conteúdo essencial de direito fundamental; d) Os contratos celebrados sob coação física ou coação
moral; e) Os contratos que ofendam casos julgados; f) Os contratos celebrados com alteração dos elementos
essenciais das peças do procedimento que devessem constar do respetivo clausulado; g) Os contratos celebrados
com aposição de cláusulas de modificação que violem o regime previsto no presente Código quanto aos respetivos
limites”.
102
Contratação Pública
9. Principais novidades do regime substantivo dos contratos – invalidades e modificações objetivas e subjetivas
12. No que diz respeito à remissão para o artigo 161.º do CPA, preferíamos uma remissão mais
inócua e para as causas de nulidade de direito administrativo, uma vez que a remissão para
artigos identificados sempre conduzirá, no futuro, à necessidade de interpretações atualistas e
à manutenção de vigilância quanto a alterações legislativas. Além disso, a remissão simplista
para o artigo 161.º desconsidera o lugar normativo do artigo em causa que se refere às causas
de nulidade de atos administrativos. Que são atuações administrativas estruturalmente
distintas das dos contratos. Acresce ainda que a disposição em causa se poderá aplicar a
contratos que não geram relações contratuais administrativas, isto é, relembre-se, a contratos
públicos e não administrativos. Por isso, a aplicação das causas de nulidade previstas no artigo
161.º, quer seja a contratos administrativos quer seja a contratos públicos (aqui por maioria de
razão) deve ser feita com “as devidas adaptações”.
Além disso, é preciso ter muita cautela na aplicação das normas constantes do artigo 161.º do
CPA, pois algumas podem vir a contender com a construção da invalidade derivada e própria
do CCP. Apenas como exemplo, a alínea l) do n.º 2 do artigo 161.º estabelece como causa de
nulidade “salvo em estado de necessidade, [a] preterição total do procedimento legalmente
exigido”. Recorde-se que a jurisprudência firme do Tribunal de Contas tem vindo a sustentar,
antes do CPA de 2015, com fundamento ora assente na falta de elemento essencial da
adjudicação ora na preterição absoluta de forma legal, a nulidade da adjudicação quando não
é seguido o procedimento pré-contratual devido e consequentemente a nulidade – derivada –
do contrato.
19
Reproduzimos aqui o que já dissemos no texto que está para publicação nos Cadernos de Justiça Administrativa
(referido na nota 10 deste texto), na nota 14 do respetivo texto: “Sempre sustentamos que há causas de invalidade
de atos procedimentais, designadamente da adjudicação, mas que deverão ser igualmente consideradas como
causas de invalidade própria comuns ao contrato, uma vez que, se não existisse o procedimento pré-contratual,
inequivocamente seriam causas de invalidade própria do contrato. É o caso das cláusulas contratuais propostas pela
entidade adjudicante/contraente público. A existência de procedimento pré-contratual obrigatório impõe que a
definição do clausulado se faça em momento cronologicamente anterior ao acordo. Mas não fora essa obrigação,
ninguém teria dúvidas que uma cláusula inválida, proposta por um contraente, conduz a uma invalidade própria do
contrato. No caso de contratos públicos (e administrativos), a invalidade é comum ao ato procedimental e ao
contrato. Além de nos parecer uma construção mais rigorosa, é igualmente aquela que melhor tutela os interesses
públicos e privados em presença. Na verdade, a consideração apenas como causa de invalidade derivada significa
que a não impugnação atempada ou a não impugnação de todo do ato procedimental em que assenta a celebração
do contrato, inviabiliza a invalidação do contrato (a invalidade derivada do contrato, recorde-se, depende da
invalidação do ato procedimental). O que, no limite, permite a manutenção do contrato com cláusula inválida. A
consideração da hipótese como sendo uma causa de invalidade própria, comum a ato procedimental, desliga a
conexão e permite a impugnação autónoma do contrato, assim se tutelando os interesses públicos e privados em
presença (sobre esta construção, vide o nosso As Invalidades Contratuais…, cit.)”.
103
Contratação Pública
9. Principais novidades do regime substantivo dos contratos – invalidades e modificações objetivas e subjetivas
13. No que respeita à remissão para legislação especial, trata-se de prever regimes especiais,
em particular de contratos típicos, pelo que a resolução das questões se deverá fazer
casuisticamente à luz dos princípios gerais de aplicação de regimes gerais e regimes especiais.
14. Por fim, o legislador acaba por apenas enunciar expressamente dois exemplos de nulidade:
15. Por último, cabe dar conta da incompreensível restrição que o adjetivo “públicos”
acrescentado ao nome “contratos” no n.º 3, e que já era proposto no Anteprojeto. Deixando
de lado a crítica à aplicação, sem mais, do direito estatutário dos sujeitos jurídicos privados aos
contratos celebrados por entidades não privadas, a restrição operada pela revisão só pode ser
considerada um lapso de revisão formal. 20
20
Referindo-se a esta opção como sendo um alargamento da aplicação das regras do Código Civil aos contratos
públicos, Madalena Mendes, “Modificação e Invalidade do Contrato”, in Relatório de análise e de reflexão crítica
sobre o Anteprojeto de Revisão do Código dos Contratos Públicos, Grupo de Contratação Pública, 17 setembro 2016,
p. 87 (documento pdf).
104
Contratação Pública
9. Principais novidades do regime substantivo dos contratos – invalidades e modificações objetivas e subjetivas
17. A distração do legislador voltou a manifestar-se, ao restringir (?) a aplicação “do presente
Código e o previsto na legislação administrativa” (no n.º 2 do artigo 285.º) e a suscetibilidade
de aplicação dos institutos da conversão e redução, independentemente do desvalor jurídico
(n.º 3 do artigo 285.º) aos contratos “públicos”. 21 Se não se colocarão problemas de maior
quando estes contratos públicos gerarem relações contratuais administrativas, isto é, forem,
em simultâneo, contratos administrativos, já o caso mudará de figura quando assim não seja.
Em dois cenários:
(i) Nos contratos “meramente” públicos, por que razão se haverá de aplicar, no regime
que regula a relação jurídica emergente do contrato, o direito administrativo?
Na verdade, parece existir uma contradição entre as normas constantes do artigo 280.º e
estas, a que nos temos vindo a referir como contendo “distrações” do legislador. Repare-se
que nos termos do n.º 1 do artigo 280.º, “a parte iii aplica-se aos contratos sujeitos à parte ii
que configurem relações jurídicas contratuais administrativas” e o n.º 2, por sua vez, explicita
que “as demais relações contratuais administrativas, incluindo as estabelecidas entre
contraentes públicos, são regidas pela legislação especialmente aplicável, sem prejuízo da
aplicação subsidiária do regime da parte iii, quando os tipos dos contratos não afastem as
razões justificativas da disciplina em causa.” As eventuais razões a que se refere o legislador na
parte final dirão respeito, por exemplo, a normas que tutelam o valor da concorrência e que
não fazem sentido em contratos administrativos que não estavam sujeitos à Parte II. Mas o
inverso não é verdadeiro. Em regra, os contratos públicos estão sujeitos à Parte II (n.º 2 do
artigo 1.º) e a Parte III aplica-se, em regra, “à execução, modificação e extinção das relações
contratuais administrativas” (n.º 5 do artigo 1.º) que podem ou não nascer de contratos
públicos.
Ora, o regime da invalidade está na Parte III, pelo que a redação redutora dos n.ºs que temos
vindo a apontar só pode significar uma derrogação àquele regime legal, mas, na nossa opinião,
sem justificação visível.
18. A referida distração tem, contudo, mais implicações na justa medida em que, no n.º 2, tal
opção limita a aplicação do regime da invalidade previsto no Código e “o previsto legislação
21
“Distração” que já se evidenciava no anteprojeto.
22
Mas não serão todos: os que forem substitutivos de atos administrativos ou sobre o exercício de poderes
públicos, como estão sujeitos ao regime do ato, sê-lo-ão na mesma medida. Mas o que justifica que os contratos
públicos geradores de relações jurídicas contratuais administrativas sejam passíveis de redução e conversão e os
meramente administrativos não? Ou será que o legislador entende que só existem duas categorias de contratos: os
públicos que podem ou não gerar relações contratuais administrativas e os de substituição de atos administrativos
e sobre o exercício de poderes públicos? A grande objeção a esta construção encontra-se no âmbito de aplicação da
Parte II: podem existir contratos que, por diversas razões, não fiquem sujeitos à Parte II, mas gerem relações
contratuais daquela natureza. Qual será então o seu regime substantivo?
105
Contratação Pública
9. Principais novidades do regime substantivo dos contratos – invalidades e modificações objetivas e subjetivas
administrativa” (?!) aos contratos públicos. Quer esta norma significar a exclusão daquele
âmbito dos contratos administrativos que não sejam contratos públicos?
Acresce que o legislador altera também uma opção inicial do CCP de fazer aplicar os institutos
da redução e da conversão, independentemente do desvalor jurídico, aos contratos
administrativos. A levar como opção querida esta restrição, os contratos administrativos que
não sejam públicos não poderão ser convertidos nem reduzidos (exceção feita aos contratos
que se enquadrem no n.º 1 do artigo 285.º, por se lhes aplicar o “regime de invalidade previsto
para o ato administrativo”).
19. Impõe-se de seguida compatibilizar esta última opção legislativa com a que resulta do n.º 4
do artigo 285.º
O n.º 4 parece apontar uma preferência pela aplicação dos institutos da redução e da
conversão, em situações de anulabilidade, devido ao segmento normativo “e o efeito
anulatório”. Todavia, o teor literal do n.º 4, que já não se refere a “contratos públicos”, mas
apenas a “contratos”, não pode olvidar a definição de âmbito de aplicação contida no n.º
anterior.
20. Ao contrário do que se previa no Anteprojeto, o legislador optou por revogar o artigo 283.º
A e transferir as respetivas prescrições para os n.ºs 5 a 8 do artigo 287.º do CCP.
23
Contido já na publicação a que nos referimos na nota 10.
24
No Anteprojeto, apenas se permitia o afastamento por decisão judicial.
25
Tentando conciliar as duas disposições, considerando-as sobreponíveis, Ana Raquel Moniz, “A Invalidade do
Contrato no Código dos Contratos Públicos”, in Carla Amado Gomes, Ricardo Pedro, Tiago Serrão, Marco Caldeira
(coord.), Comentários à revisão do Código dos Contratos Públicos, AAFDL, Lisboa, 2017, p. 857.
106
Contratação Pública
9. Principais novidades do regime substantivo dos contratos – invalidades e modificações objetivas e subjetivas
Como se sabe, a transposição da Diretiva Recursos (Diretiva 2007/66) foi feita pelo Decreto-Lei
n.º 131/2010, de 14 de dezembro, sendo que uma das novidades então introduzidas no CCP
foi a do artigo 283.º A. As prescrições normativas aí contidas diziam respeito às situações de
não publicação de anúncio obrigatório e ao incumprimento do prazo standstill, tendo o
legislador entendido que ambas se reconduziam a exemplos de invalidade derivada.
No diploma de revisão, o legislador alterou a sua conceção acerca desta questão, convertendo
as duas situações de invalidade em situações de ineficácia. 26
Pessoalmente, não concordamos com esta alteração legislativa porquanto nos parece que
resulta de uma leitura “apressada” do conceito de “privação de efeitos” a que se refere a
Diretiva. Ambas as situações que impõem, ao abrigo do artigo 2.º D da Diretiva a consequência
da privação de efeitos, reconduzem-se, na nossa opinião, a situações de invalidade, uma vez
que traduzem o incumprimento de obrigações procedimentais: uma antes da adjudicação (a
publicação de anúncio), a outra pós-adjudicatória, mas anterior à celebração do contrato (o
prazo de celebração deste). Aliás, se bem se atentar na própria literalidade da Diretiva, parece
ser essa também a conceção do legislador europeu a propósito da natureza das situações. Na
verdade, o considerando 19 estabelece “em caso de violação de outras exigências formais, os
Estados-Membros poderão considerar inadequado o princípio da privação de efeitos”
(destacado nosso). O legislador entende que as duas situações que impõem a privação de
efeitos são “violação de exigências”, senão não se referiria a outras como tal. Ora, a expressão
“privação de efeitos” é uma expressão neutra, como muitas que o legislador europeu utiliza
amiúde, para poder abarcar as soluções específicas de cada Estado Membro. Assim, na nossa
perspetiva, uma solução interna que tenha como efeito a privação de efeitos tem de ser
aquela que se relaciona com o incumprimento de requisitos (ainda que formais). E essa
solução é a invalidade.
21. A opção pela solução da ineficácia coloca algumas dúvidas sobre a dimensão judicial da
tutela.
Deixando de lado a inicial impossibilidade de aplicação do artigo 287.º aos contratos públicos
porque a redação do n.º 3 do artigo 280.º se referia apenas a capítulo e que foi corrigida pela
Declaração de Retificação, importa contudo precisar que a aplicação do artigo 287.º se fará por
aplicação do segmento normativo “as disposições do presente capítulo que têm por objetivo a
defesa dos princípios gerais da contratação pública e dos princípios da concorrência e da
igualdade de tratamento e não-discriminação”. Uma vez que as prescrições dos n.ºs 5 a 8 do
artigo 287.º se ligam inexoravelmente a questões de concorrência e igualdade de tratamento.
22. Mais complexa se revela a tarefa de resolver as questões de legitimidade processual para
arguir a agora ineficácia do contrato com aqueles fundamentos. 27
26
Alguma doutrina vinha sustentando que a Diretiva se referia a ineficácia: “Pena é também que não se aproveite
para deslocar para o regime da ineficácia do contrato – em consonância com o Direito Europeu – o que tem vindo a
ser tratado como causa de invalidade (por exemplo, os casos de inobservância do período de standstill ou de
publicitação obrigatória no JOUE)”, Maria João Estorninho, “Uma oportunidade perdida…Breve apreciação crítica do
anteprojeto de agosto de 2016 de revisão do Código dos Contratos Públicos”, Maria João Estorninho/ Ana Gouveia
Martins (coord), Atas da Conferência A revisão do código dos contratos públicos (ebook), cit., p. 26.
107
Contratação Pública
9. Principais novidades do regime substantivo dos contratos – invalidades e modificações objetivas e subjetivas
23. O n.º 1 do artigo 77.º A do Código do Processo dos Tribunais Administrativos (CPTA) regula
hoje o leque das pessoas legitimadas para arguir a invalidade total ou parcial do contrato.
Trata-se de uma disposição com um vasto número de pessoas com legitimidade e que se
destina a dar uma ampla possibilidade de tutela judicial efetiva a todos quantos poderão ser
prejudicados por situações de incumprimento de regras que afetem a validade do contrato.
Regula depois no n.º 3 a legitimidade para as ações sobre execução do contrato, com
dimensão significativamente mais reduzida. Parece ser de entender que as questões de
ineficácia do contrato se reconduzem a questões sobre execução, determinando então o n.º 3
do artigo 77.º A quem pode propor a ação com esse fundamento. Da brevíssima e
necessariamente não profunda análise do elenco constante do n.º 3 do referido artigo,
podemos de imediato concluir que apenas a previsão da alínea d) (“Por quem tenha sido
preterido no procedimento que precedeu a celebração do contrato”) tem alguma relação com
os fundamentos que agora constam do artigo 287.º do CCP. Mas exclui, por exemplo, quem
não se apresentou a concurso, por não ter sequer sabido do mesmo, por não ter sido
publicado o anúncio. 28 Porque este nem sequer se pode entender ter sido preterido….
Compare-se agora, num pequeno exercício académico, esta situação com uma de
incumprimento de exigência formal (não considerada como das mais graves pelo legislador
europeu) mas que caiba nas previsões do artigo 283.º. O contrato poderá ser invalidado por
ação de uma das pessoas legitimadas ao abrigo do n.º 1 do artigo 77.º A, numa hipótese de
menor gravidade jurídica…
27
Ana Raquel Moniz enuncia uma questão anterior que é a de saber se é necessária uma declaração judicial, uma
vez que as disposições normativas não o esclarecem (in ob. cit., pp. 859-860) Tratando-se de questão atinente à
execução do contrato, parece-nos, o n.º 1 do artigo 307.º coloca-a no âmbito das declarações negociais. Acresce
que a Diretiva Recursos aponta para a não automaticidade do funcionamento da consequência de privação de
efeitos, insistindo na intervenção de um organismo. Por fim, o próprio artigo 287.º, no seu n.º 7, ao prever a
imposição de medidas alternativas para a hipótese de afastamento da privação de efeitos, refere expressamente a
decisão judicial ou arbitral, heterónoma, portanto, à Administração.
28
Ou por quem preenchesse a alínea f) do n.º 1 do artigo 77.º A, caso se tratasse de um caso de invalidade.
29
Importa ainda chamar a atenção para uma questão, que extravasa a nossa reflexão, que é a de saber se a solução
de ineficácia não inviabiliza também a possibilidade de indemnização aos lesados no procedimento concursal.
108
Contratação Pública
9. Principais novidades do regime substantivo dos contratos – invalidades e modificações objetivas e subjetivas
25. As Diretivas de 2014 sobre contratação pública incluíram pela primeira vez disposições
dedicadas sobre a execução dos contratos. 32 Trata-se da primeira consagração em legislação
europeia ainda que não seja uma novidade nas preocupações europeias, designadamente na
jurisprudência. Aliás, terá sido o impulso desta que terá levado o legislador a consagrar normas
sobre execução, ainda que não tenha traduzido quale tale o pensamento pretoriano.
Embora o que importe seja analisar o modo como o legislador português levou a cabo a
transposição das disposições sobre a modificação de contratos públicos, é importante
perceber o caminho percorrido pelo legislador europeu até à efetiva consagração para melhor
entender o alcance do que é hoje, em Direito da União Europeia da Contratação Pública, uma
modificação do contrato público.
30
O artigo 71.º regula a questão da subcontratação que, sendo uma alteração na relação contratual, não
consubstancia exatamente uma modificação subjetiva no contrato, uma vez que não há alteração das partes no
contrato.
31
Designadamente as disposições contidas nos artigos 370.º, 372.º, 378.º, 380.º, 420.º A, 454.º do CCP.
32
Como já tivemos oportunidade de sustentar, em rigor, as Diretivas de 2004 continham já algumas regras sobre
modificação, designadamente quando regulavam os trabalhos complementares nos contratos de empreitada de
obras públicas e de serviços, a propósito de recurso a procedimento de negociação sem publicação de anúncio [cfr.
o disposto na alínea a) do n.º 4 do artigo 31.º da Diretiva 2004/18]. Vide Raquel Carvalho, “As Novas Diretivas da
Contratação Pública e a tutela da concorrência na execução dos Contratos Públicos”. Revista de Concorrência e
Regulação, Ano V, 19, pp. 225-250.
33
Acórdão C-454/06, de 19 de junho de 2008 – daqui em diante sempre designado como Acórdão Pressetext.
Existem decisões judiciais anteriores sobre esta temática: Acórdão Comissão/França, C – 337/98, de 5 de outubro
de 2000; Acórdão Comissão/CAS Succhi di Frutta SpA, C – 496/99, de 29 de abril de 2004; Acórdão ASM Brescia
SpA/Comune di Rodengo Siano, C – 347/06, de 17 de julho de 2008.
109
Contratação Pública
9. Principais novidades do regime substantivo dos contratos – invalidades e modificações objetivas e subjetivas
27. Compulsando o artigo 72.º da Diretiva sobre Contratos Públicos (tomada como exemplo) e
os considerandos (107 e ss.), podemos com relativa segurança estabelecer que o conceito de
modificação do contrato inclui, na Diretiva, um espectro amplo de situações.
34
Gimeno Feliú chama precisamente à atenção para o facto de “uma das principais portas da corrupção… tem sido
a generosa interpretação do direito de modificar contratos, não só por imprevisibilidade, mas por novas
necessidades ou conveniências políticas, alterando o preço final até percentagens superiores a 200%” , La Reforma
comunitaria en materia de contratos públicos y su incidencia en la legislación española. Una visión desde la
perspectiva de la integridade, p. 21, [Online] Available at: www.aepda.es/pdf.
35
Trata-se de alteração que “introduz condições que, se tivessem figurado no procedimento de adjudicação inicial,
teriam permitido admitir proponentes diferentes dos inicialmente admitidos ou teriam permitido aceitar uma
proposta diferente da inicialmente aceite” (Ponto 35 do Acórdão Pressetext); “quando alarga o contrato, numa
medida importante, a serviços inicialmente não previstos” (Ponto 36); “modifica o equilíbrio económico do contrato
a favor do adjudicatário do contrato de uma forma que não estava prevista nos termos do contrato inicial” (Ponto
37).
36
Cfr. considerando (107) e considerando (110).
37
No sentido de que este n.º 5 do artigo 72.º configura a regra geral sobre modificação dos contratos públicos, cfr.
Miguel Assis Raimundo, “Uma Primeira Análise das Novas Diretivas (Parte II)”, Revista de Contratos Públicos nº 10,
2014, pp.164-165. Em sentido não coincidente, Steen Treumer, “Contract Changes and the Duty to Retender Under
the New EU Public Procurement Directive”, PPLR 3, 2014, pp. 148-149. Manifestando-se contrária ao entendimento
110
Contratação Pública
9. Principais novidades do regime substantivo dos contratos – invalidades e modificações objetivas e subjetivas
28. De forma rápida, que requisitos estão previstos para cada uma delas?
(a) Modificações previstas na alínea e) do n.º 1 do artigo 72.º e que não forem substanciais na
aceção do n.º 4, isto é, as que tornarem “o contrato ou o acordo-quadro materialmente
diferente do contrato ou acordo-quadro celebrado inicialmente” ou preencham um ou mais
dos requisitos seguintes:
de que a norma não será exaustiva quanto às situações de modificações admissíveis, em particular, as que não
foram tratadas pela jurisprudência, como sustenta Sue Arrowsmith (The Law of Public and Utilities Procurement –
regulation in the EU and UK, Sweet and Maxweell, 3ª edição, 2014, p. 602), Ana Gouveia Martins, A modificação dos
contratos no anteprojecto do Código dos Contratos Públicos”, in Maria João Estorninho/Ana Gouveia Martins
(coord.), Atas da Conferência A Revisão do Código dos Contratos Públicos, cit., p. 287.
111
Contratação Pública
9. Principais novidades do regime substantivo dos contratos – invalidades e modificações objetivas e subjetivas
(4) Porque relacionadas com alteração sujetiva [alínea d) do n.º 1 do artigo 72.º];
c) Não admissíveis as modificações que não respeitem as condições estabelecidas nos n.ºs 1 e
2 e respetivos parágrafos;
d) São admissíveis modificações fundadas apenas em critério quantitativo, desde que o valor
da modificação respeite os limiares comunitários fixados para a adjudicação dos contratos,
seja inferior a 10% /15% do valor do contrato (consoante o contrato) e se mantenha a
natureza global do contrato (n.º 2 do artigo 72.º).
29. O artigo 312.º do CCP contém os fundamentos da modificação objetiva dos contratos: um,
fundado no interesse público e associado ao exercício do poder de modificação unilateral do
conteúdo das prestações [alínea b)]; outro, assente na alteração anormal e imprevisível das
circunstâncias associadas a inexigibilidade das prestações à luz do princípio da boa-fé e à não
verificação dos riscos próprios do contrato.
112
Contratação Pública
9. Principais novidades do regime substantivo dos contratos – invalidades e modificações objetivas e subjetivas
b) Ou “opção claras, precisas e inequívocas”, sendo que elas devem “indicar o âmbito e
a natureza das eventuais modificações ou opções, bem como as condições em que
podem ser aplicadas”.
Ora, quanto à previsão nos documentos do concurso, o n.º 4 do artigo 42.º alude, brevemente,
às condições de modificação do contrato. 38
Já no que respeita à previsão constante do artigo 312.º, ela poderá ser insuficiente face à
exigência enunciada em b). Contudo, há que conciliar esta previsão com a que resulta
expressamente da alínea j) do n.º 1 do artigo 94.º, que refere, como fazendo parte do contrato
escrito, “as eventuais condições de modificação do contrato expressamente previstas no
caderno de encargos, incluindo cláusulas de revisão ou opção, claras, precisas e inequívocas”. 39
O primeiro respeita à limitação de aplicação objetiva das disposições do artigo 313.º aos
contratos públicos, na justa medida em que tal limitação é introduzida no n.º 1, tendo depois
relevância para a aplicação dos n.ºs 2 e 5. O outro respeita ao confronto das alterações
introduzidas com as imposições das Diretivas.
O n.º 1 do artigo 313.º passa a estabelecer que “a modificação de qualquer contrato público,
com os fundamentos previstos no artigo anterior, encontra-se sujeita aos seguintes limites”.
Consequentemente, os limites a seguir enunciados apenas serão de aplicar a contratos que
sejam qualificados como públicos, nos termos do disposto no n.º 2 do artigo 1.º do CCP. O que,
a contrario, permite, pelo menos, perguntar se não se poderão aplicar a contratos que não o
sejam. 42
38
“4 - Os parâmetros base referidos no número anterior podem dizer respeito a quaisquer aspetos da execução do
contrato, tais como o preço a pagar ou a receber pela entidade adjudicante, a sua revisão, o prazo de execução das
prestações objeto do contrato ou as suas características técnicas ou funcionais, bem como às condições da
modificação do contrato, devendo ser definidos através de limites mínimos ou máximos, consoante os casos, sem
prejuízo dos limites resultantes das vinculações legais ou regulamentares aplicáveis” (destacado nosso).
39
Em qualquer caso, nunca poderão ser previstas modificações ou opções que alterem a natureza global do
contrato ou do acordo-quadro.
40
Cfr. Raquel Carvalho, “As novas diretivas da contratação pública e a tutela da concorrência na execução dos
contratos públicos”, Revista Concorrência e Regulação, n.º 19 (data 2014, mas efetivamente publicada em 2016),
pp. 243-244).
41
A doutrina converge no entendimento de que o legislador português consagrou uma restrição grave na
possibilidade de modificação dos contratos, para além do que decorre das Diretivas. Vide Mário Aroso de Almeida,
“Apreciação geral da revisão do Código dos Contratos Públicos: em particular, os novos regimes dos artigos 280.º e
313.º do CCP”, in Carla Amado Gomes/ Ricardo Pedro/Tiago Serrão/Marco Caldeira (coord.), Comentários à revisão
do Código dos Contratos Públicos, AAFDL, Lisboa, 2017, p. 29.
42
Criticando novamente esta opção do legislador, até porque a delimitação objetiva, faz-se a partir das prescrições
do artigo 280.º, Ana Gouveia Martins, “A modificação dos contratos no anteprojecto do Código dos Contratos
113
Contratação Pública
9. Principais novidades do regime substantivo dos contratos – invalidades e modificações objetivas e subjetivas
32. As demais alíneas, com exceção da alínea e), preveem inequivocamente situações
associadas à tutela de valores concorrenciais:
Apesar de o n.º 1 do artigo 313.º prever cinco limitações, a verdade é que mesmo assim não
parece o legislador ter transposto adequadamente as normas das Diretivas:
b) A alínea d) surge como limite absoluto, numa opção que não resulta como tal das
Diretivas. 46
Públicos”, in Maria João Estorninho/Ana Gouveia Martins (coord.), Atas da Conferência A Revisão do Código dos
Contratos Públicos, cit., p. 309.
43
Criticando a exigência dos limites quantitativos, até por se referirem a “limites inexistentes nas diretivas”, por não
se perceberem as razões que levam ao estabelecimento dos limites de 10% para a modificação não imputável a
alteração das circunstâncias e 25% à imputável aquela alteração, Ana Gouveia Martins, “A modificação dos
contratos no anteprojecto do Código dos Contratos Públicos”, in Maria João Estorninho/Ana Gouveia Martins
(coord.), Atas da Conferência A Revisão do Código dos Contratos Públicos, cit., pp. 314 e ss..
44
Para Mário Aroso de Almeida, “as alíneas c) e e) do n.º 1 do artigo 313.º parecem encontrar correspondência na
previsão das alíneas a) e b) do n.º 4 da Diretiva 2014/24 (devendo, por isso, a alínea c) ser lida em conformidade
com esta última alínea b))”, (in , “Apreciação geral da revisão do Código dos Contratos Públicos: em particular, os
novos regimes dos artigos 280.º e 313.º do CCP”, in Carla Amado Gomes/ Ricardo Pedro/Tiago Serrão/Marco
Caldeira (coord.), Comentários à revisão do Código dos Contratos Públicos, AAFDL, Lisboa, 2017, p. 30).
45
Existe apenas a previsão da alínea d) do n.º 1 mas que não contempla a transposição do referido n.º 2 do artigo
72.º da Diretiva 2014/24/EU.
46
Neste sentido, Mário Aroso de Almeida, “Apreciação geral da revisão do Código dos Contratos Públicos: em
particular, os novos regimes dos artigos 280.º e 313.º do CCP”, in Carla Amado Gomes/Ricardo Pedro/Tiago
Serrão/Marco Caldeira (coord.), Comentários à revisão do Código dos Contratos Públicos, AAFDL, Lisboa, 2017, p. 30
114
Contratação Pública
9. Principais novidades do regime substantivo dos contratos – invalidades e modificações objetivas e subjetivas
33. Apesar de não estar obrigado a transpor todas as formas de modificação objetiva do
contrato, o legislador tinha todavia de incluir «“modificação [que] alarga[sse]
consideravelmente o âmbito do contrato ou acordo-quadro” (cfr. art. 72º, n.º 4, alínea c) da
Directiva n.º 2014/24/UE), um dos três critérios concretizadores de alteração substancial que
constam da Directiva e cuja relevância fulcral já decorreria da jurisprudência comunitária». 47 O
que não sucede expressamente ainda que se possa interpretar a alínea a) como contendo essa
possibilidade (Ana Gouveia Martins) ou da alínea b) (Mário Aroso de Almeida). 48
34. A delimitação operada pela expressão “contrato público” releva depois para o âmbito de
aplicação do n.º 2: não se aplicam aos contratos (públicos) dois limites, desde que os contratos
sejam duradouros e a não aplicação dos limites se justifique pelo decurso do tempo: passam a
ser permitidas modificações que configurem “uma forma de impedir, restringir ou falsear a
concorrência” (???) e ; modificações que, “se fizessem parte do caderno de encargos, teriam
ocasionado, de forma objetivamente demonstrável, a alteração da ordenação das propostas
avaliadas ou a admissão de outras propostas”.
A mera leitura literal dos preceitos evidencia a necessidade imperiosa de encontrar um sentido
útil da remissão para a alínea b), na economia do preceito, dirigido, no essencial a tutelar o
valor da concorrência. Mário Aroso de Almeida sustenta que “a previsão do n.º 2 do artigo
313.º, (…), ao afastar a aplicabilidade da alínea b) do n.º 1, não terá, naturalmente, o propósito
de permitir modificações que configurem formas de “impedir, restringir ou falsear a
concorrência”, mas o de admitir que não terão tal configuração as modificações que, sendo, à
partida, excluídas pela alínea b) do n.º 1, por tornarem os contratos materialmente diferentes,
alargando consideravelmente o respetivo âmbito ou o respetivo período de duração, devam
ser admitidas por “result[ar]em da natureza duradoura do vínculo contratual, desde que o
decurso do tempo as justifique”. Só encontra um sentido útil a este n.º 2 quando o relaciona
com uma alteração anormal e imprevisível das circunstâncias, salvando assim uma prescrição
normativa à primeira vista incoerente. 49
35. A delimitação é ainda relevante – ou pode sê-lo – para encontrar a extensão normativa da
previsão do n.º 3. O legislador estabelece que para os contratos regulados no Título II da Parte
III valem os limites aí previstos. A dúvida que se coloca é a de saber se tais contratos só estão
sujeitos a esses limites ou, sendo também contratos públicos, estão igualmente sujeitos aos
limites previstos no artigo 313.º
Pela nossa parte, se os contratos especialmente regulados na Parte III forem sujeitos aos
procedimentos da Parte II, por se verificarem os respetivos requisitos, são contratos públicos.
Por conseguinte, as razões que fundamentam os limites que temos vindo a enunciar estão
presentes, logo, aplicar-se-ão também os limites previstos no artigo 313.º
47
Ana Gouveia Martins, “A modificação dos contratos no anteprojecto do Código dos Contratos Públicos”, in Maria
João Estorninho/Ana Gouveia Martins (coord.), Atas da Conferência A Revisão do Código dos Contratos Públicos,
cit., pp. 320.
48
Mário Aroso de Almeida, “Apreciação geral da revisão do Código dos Contratos Públicos: em particular, os novos
regimes dos artigos 280.º e 313.º do CCP”, in Carla Amado Gomes/Ricardo Pedro/Tiago Serrão/Marco Caldeira
(coord.), Comentários à revisão do Código dos Contratos Públicos, AAFDL, Lisboa, 2017, p. 30.
49
Mário Aroso de Almeida, “Apreciação geral da revisão do Código dos Contratos Públicos: em particular, os novos
regimes dos artigos 280.º e 313.º do CCP”, in Carla Amado Gomes/ Ricardo Pedro/Tiago Serrão/Marco Caldeira
(coord.), Comentários à revisão do Código dos Contratos Públicos, AAFDL, Lisboa, 2017, p. 30.
115
Contratação Pública
9. Principais novidades do regime substantivo dos contratos – invalidades e modificações objetivas e subjetivas
36. No que respeita à empreitada de obras públicas, a revogação dos artigos 376.º e 377.º
eliminou, para efeitos de modificação do contrato, que não de responsabilidade, a distinção
entre erros e omissões e trabalhos a mais. 51
50
No mesmo sentido, sublinhando que as normas especiais regulam apenas as modificações associadas a trabalhos
complementares e, por conseguinte, os limites associados a modificações fundadas em alterações anormais e
imprevisíveis de circunstâncias se aplicarão a contratos regulados em especial, Mário Aroso de Almeida,
“Apreciação geral da revisão do Código dos Contratos Públicos: em particular, os novos regimes dos artigos 280.º e
313.º do CCP”, in Carla Amado Gomes/Ricardo Pedro/Tiago Serrão/Marco Caldeira (coord.), Comentários à revisão
do Código dos Contratos Públicos, AAFDL, Lisboa, 2017, p. 31.
51
Cfr. o disposto no artigo 378.º do CCP. Relembre-se que, na linha do que estabelecem as diretivas, o legislador
português reúne agora sob a mesma designação os trabalhos ordenados após a celebração do contrato de
empreitada na designação de trabalhos complementares (cfr. as epígrafes dos artigos 370.º e ss.).
52
Estas normas devem aplicar-se aos contratos de aquisição de bens móveis, por força do disposto no artigo 438.º
do CCP.
116
Contratação Pública
9. Principais novidades do regime substantivo dos contratos – invalidades e modificações objetivas e subjetivas
Esta última disposição não é coincidente com a previsão da alínea d) do n.º 1 do artigo 313.º
que se refere a um limite de 25%, no caso de circunstâncias imprevisíveis. Sendo o artigo 370.º
previsão especial, constando do regime substantivo e atendendo ao que se estabelece no n.º 2
do artigo 313.º, o limite quantitativo a aplicar deverá ser o de 40%. 53
37. No que respeita às concessões, o legislador português introduziu um novo artigo – o artigo
420.º A – que no seu n.º 2 estabelece: “Quando a modificação do contrato se fundar em
circunstâncias imprevisíveis, o valor da modificação não pode ultrapassar 50% do valor do
contrato”. 54 De novo, há norma especial face à previsão do artigo 313.º, devendo aplicar-se a
norma especial. 55
38. Há um aspeto do regime das modificações objetivas que o artigo 313.º não esclarece e que
se relaciona com a previsão constante do último parágrafo da alínea b) do n.º 1 do artigo 72.º
e que respeita à consideração aí “não cumulativa” de cada modificação. Como sustentava Ana
Gouveia Martins, ao tempo referindo-se ao anteprojeto, «é crucial, por razões de segurança
jurídica, que se explicite se os limites quantitativos máximos previstos valem para cada
modificação per se, tal como permitem as Directivas (salvo fraude à lei) ou se, no caso de
sucessivas modificações, se deve proceder ao cálculo do valor acumulado, tal como indicia a
redacção do art. 313º, alínea d) quando se refere ao “aumento total de preço originado pelas
eventuais modificações”». 56
39. Este aspeto é igualmente importante por causa das obrigações de publicidade das
modificações. Na verdade, as Diretivas impõem que “depois de modificarem um contrato nos
casos previstos nas alíneas b) e c) do presente número, as autoridades adjudicantes publicam
um anúncio da modificação ou modificações no Jornal Oficial da União Europeia. Os anúncios
incluem as menções previstas no Anexo V, parte G, e são publicados em conformidade com o
artigo 51.º”. 57
Em primeiro lugar, o n.º 1 do referido artigo refere que “modificações objetivas do contrato
que representem um valor acumulado superior a 10 % do preço contratual” (destacado nosso)
devem ser publicitadas no portal dos contratos públicos.
O que significa desde logo que as modificações que fiquem abaixo desse valor,
designadamente as que são fundadas em interesse público [alínea b) do artigo 312.º em
53
Julgamos que o mesmo raciocínio se deverá fazer a propósito dos serviços complementares, cuja previsão de
modificação por circunstâncias imprevisíveis, está regulada no n.º 3 do artigo 454.º do CCP.
54
Pretende transpor o artigo 43.º da Diretiva 2014/23/EU. O n.º 1 do artigo 420.º A pretende regular as
modificações não previstas no contrato, não esclarecendo se os requisitos são cumulativos ou não.
55
Sustentando, ainda perante a previsão do Anteprojeto (mas que se manteve na redação da revisão) que o artigo
313.º, na alínea d) deveria ser revisto, Ana Gouveia Martins, “A modificação dos contratos no anteprojecto do
Código dos Contratos Públicos”, in Maria João Estorninho/Ana Gouveia Martins (coord.), Atas da Conferência A
Revisão do Código dos Contratos Públicos, cit., pp. 321-322.
56
Ana Gouveia Martins, A modificação dos contratos no anteprojecto do Código dos Contratos Públicos”, in Maria
João Estorninho/Ana Gouveia Martins (coord.), Atas da Conferência A Revisão do Código dos Contratos Públicos,
cit., pp. 323-324.
57
Parágrafo da alínea e) do n.º 1 do artigo 72.º da Diretiva 2014/24/EU.
117
Contratação Pública
9. Principais novidades do regime substantivo dos contratos – invalidades e modificações objetivas e subjetivas
conjugação com a parte final da alínea d) do n.º 1 do artigo 313.º] não o serão. 58 E este
aspeto é igualmente relevante para os contratos em especial, sempre que que as modificações
tenham o limite de 10% 59
Dir-se-á que o regime introduzido é mais exigente por comparação com o que resultava do
anterior artigo 315.º que se referia a 15%, mas fica por perceber se não satisfaria melhor os
princípios da concorrência e da transparência não existir o limite quando a modificação resulta
do exercício do poder de modificação unilateral (ou acordo) com fundamento em interesse
público.
40. Em relação aos contratos sobre poderes públicos, foi corrigida a remissão para o
fundamento na alteração anormal e imprevisível das circunstâncias. Na verdade, sob pena de
ocorrer violação do princípio da separação dos poderes, o juiz não pode impor modificações a
contratos (ou atos) à luz de uma leitura do interesse público administrativo. 62
41. O n.º 5 do artigo 315.º impõe a adopção de novo procedimento caso a modificação não se
contenha nos limites definidos no Código (e não apenas no artigo 313.º).
58
Referindo-se precisamente a esta questão, Ana Gouveia Martins, “A modificação dos contratos no anteprojecto
do Código dos Contratos Públicos”, in Maria João Estorninho/Ana Gouveia Martins (coord.), Atas da Conferência A
Revisão do Código dos Contratos Públicos, cit., pp. 335.
59
É o caso das previsões dos artigos 370.º, n.º 2; 454.º, n.º 2 e 420.º A n.º 1.
60
Esta previsão normativa é mais um argumento de que aquelas normas são especiais face às regras da alínea d) do
n.º 1 do artigo 313.º.
61
Cfr. o n.º 2 do artigo 72.º da Diretiva 2014/24/EU. No sentido de que a restrição contida no n.º 3 do artigo 315.º,
ao tempo da prescrição do anteprojeto (que também não contemplava os dois fundamentos de modificação)
violava o Direito da União Europeia e sustentando que a remissão se devia fazer apenas para os artigos, Ana
Gouveia Martins, “A modificação dos contratos no anteprojecto do Código dos Contratos Públicos”, in Maria João
Estorninho/Ana Gouveia Martins (coord.), Atas da Conferência A Revisão do Código dos Contratos Públicos, cit., pp.
339-340.
62
Cfr. o disposto na parte final do n.º 1 do artigo 3.º do CPTA, como primeira enunciação dos limites ao poder
judicial e que ao longo do Código é, a propósito de outras disposições, reforçado (cfr. o disposto nos n.ºs 2 e 3 do
artigo 71.º, no n.º 5 do artigo 95.º, no n.º 1 do artigo 179.º do CPTA).
118
Contratação Pública
9. Principais novidades do regime substantivo dos contratos – invalidades e modificações objetivas e subjetivas
42. Não foi apenas o artigo relativo aos limites à modificação que foi alterado. Também as
prescrições relativas às consequências das modificações objetivas sofreram alterações.
O artigo 314.º sofreu uma alteração no corpo do n.º 1 do artigo e foi introduzido um número
3.
No que respeita à nova redação do n.º 1, que agora prevê a reposição do equilíbrio financeiro
“sempre que o fundamento para a modificação do contrato seja, para além de outras
especialmente previstas na lei: (…)”, importa perceber qual terá sido a intenção do legislador.
Estará a referir-se a outras previsões legais (de fundamento) para além das previstas nas duas
alíneas desse artigo? Não constituiria qualquer problema não fosse a existência da prescrição
normativa contida no n.º 1 do artigo 282.º do CCP que, regulando a reposição do equilíbrio
financeiro, estabelece que “há lugar à reposição do equilíbrio financeiro apenas nos casos
especialmente previstos na lei ou, a título excecional, no próprio contrato”. Ou seja, o n.º 1 do
artigo 282.º apenas admite, excecionalmente, a previsão no contrato de outros fundamentos.
Quer o legislador que mesmo esta previsão tenha fundamento na lei? Ou, ao contrário do que
parece, está a referir-se a outro tipo de modificações?
43. Já no que respeita à introdução do n.º 3, qual terá sido a razão para o legislador reproduzir
no n.º 3 do artigo 314.º o n.º 2 do artigo 282.º?
Repare-se na redação do n.º 2 do artigo 282.º: “Sem prejuízo do disposto no número anterior, o
cocontratante só tem direito à reposição do equilíbrio financeiro quando, tendo em conta a
repartição do risco entre as partes, o facto invocado como fundamento desse direito altere os
pressupostos nos quais o cocontratante determinou o valor das prestações a que se obrigou,
desde que o contraente público conhecesse ou não devesse ignorar esses pressupostos.” O n.º
3 do artigo 314.º estabelece: “Quando a modificação do contrato tenha por fundamento as
circunstâncias previstas na alínea a) do artigo 312.º, o cocontratante só tem direito à reposição
do equilíbrio financeiro quando, tendo em conta a repartição do risco entre as partes, o facto
invocado como fundamento desse direito altere os pressupostos com base nos quais
determinou o valor das prestações a que se obrigou, desde que o contraente público
conhecesse ou não devesse ignorar esses pressupostos.”
O alcance normativo não é integral, sendo o n.º 3 do artigo 314.º mais restrito, na medida em
que a condição legal para operar o equilíbrio financeiro se circunscreve ao fundamento da
alteração anormal e imprevisível das circunstâncias.
Para além deste “embate de redações”, em rigor é difícil conciliar este n.º 3 com o n.º 2 do
mesmo artigo. Senão, repare-se: “Os demais casos de alteração anormal e imprevisível das
circunstâncias conferem direito à modificação do contrato ou a uma compensação financeira,
segundo critérios de equidade.” Em que ficamos? Há reequilíbrio financeiro ou apenas
modificação ou compensação? Ou quis o legislador permitir, além da modificação e/ou
compensação, a possibilidade de reequilíbrio financeiro, mas apenas quando “tendo em conta
a repartição do risco entre as partes, o facto invocado como fundamento desse direito altere os
pressupostos com base nos quais determinou o valor das prestações a que se obrigou, desde
que o contraente público conhecesse ou não devesse ignorar esses pressupostos.”? Caso em
119
Contratação Pública
9. Principais novidades do regime substantivo dos contratos – invalidades e modificações objetivas e subjetivas
A única leitura razoável e conciliável possível é a de que o legislador, quando no artigo 314.º se
refere à alteração anormal e imprevisível das circunstâncias, se queria referir particularmente
à dimensão em que tal alteração é imputável ao contraente público. 63
6. A MODIFICAÇÃO SUBJETIVA
a) No artigo 71.º; e
O artigo 71.º da Diretiva regula aspetos da subcontratação que, em rigor, mantém intacta a
dimensão subjetiva do contrato público e apenas altera alguns aspetos da execução do
mesmo, fazendo intervir, em certas condições, uma terceira parte.
O n.º 3 (e também o n.º 7) do artigo 71.º permite que os Estados Membros consagrem os
pagamentos diretamente aos subcontratados, o que sucedeu entre nós com a introdução do
artigo 321.º A. A estas disposições regressaremos mais tarde.
63
Sustentando ao tempo do anteprojeto (cuja redação era esta) que o legislador ou abdicava do n.º 3 do artigo
314.º ou a remissão se devia fazer para a alínea a) do n.º 1 do artigo 314.º (que se refere à alteração anormal e
imprevisível das circunstâncias imputável a decisão do contraente público), Ana Gouveia Martins, “A modificação
dos contratos no anteprojecto do Código dos Contratos Públicos”, in Maria João Estorninho/Ana Gouveia Martins
(coord.), Atas da Conferência A Revisão do Código dos Contratos Públicos, cit., pp. 332-333. Lendo assim, à luz da
efetiva revisão, o n.º 3 do artigo 314.º, Rui Medeiros, “Stress tests à revisão do CCP”, in Carla Amado
Gomes/Ricardo Pedro/Tiago Serrão/Marco Caldeira (coord.), Comentários à revisão do Código dos Contratos
Públicos, AAFDL, Lisboa, 2017, p. 51, nota 7.
64
Não devendo esquecer-se a importância dos considerandos, designadamente quanto a esta questão, o
considerando 110: “Em conformidade com os princípios da igualdade de tratamento e da transparência, o
adjudicatário não deverá, por exemplo quando um contrato seja rescindido devido a deficiências na execução, ser
substituído por outro operador económico sem abrir novo concurso relativo ao contrato. Todavia, o adjudicatário
responsável pela execução do contrato pode, em particular quando o contrato tenha sido adjudicado a mais do que
uma empresa, sofrer algumas alterações estruturais durante essa execução, nomeadamente restruturações
puramente internas, OPA, fusões e aquisições ou falências. Tais alterações estruturais não deverão exigir
automaticamente novos procedimentos de contratação para todos os contratos públicos executados pelo
adjudicatário em causa”.
120
Contratação Pública
9. Principais novidades do regime substantivo dos contratos – invalidades e modificações objetivas e subjetivas
(ii) Sujeição aos requisitos de não impedimento pelos subcontratados e verificação dos
mesmos (n.º 5).
Fora destas hipóteses, ocorrerá uma modificação substancial, não admitida pelas Diretivas.
45. Do conjunto de disposições sobre “modificação subjetiva”, expressão não adotada pelo
legislador nacional, que incluem os artigos do Capítulo VI (artigos 316.º a 324.º), apenas foram
modificados os artigos 318.º e 319.º e introduzidos os artigos 318.º A e 321.º A.
46. O artigo 318.º regula aspetos comuns quer à cessão da posição contratual quer à da
subcontratação. Foi um dos artigos alterados no sentido de acomodar as disposições das
Diretivas sobre o assunto.
As alterações respeitam apenas à cessão da posição contratual. A partir de janeiro de 2018, a
cessão deve estar prevista no contrato “em cláusula de revisão ou opção inequívoca” 65, exceto
se verificar uma de duas possíveis situações:
65
Cfr. o disposto na alínea j) do n.º 1 do artigo 96.º do CCP.
121
Contratação Pública
9. Principais novidades do regime substantivo dos contratos – invalidades e modificações objetivas e subjetivas
a) A previsão de cessão da posição contratual surge agora com regime mais rigoroso, exigindo-
se que haja previsão no contrato, ainda que o n.º 2 do mesmo artigo se refira a autorização e
acrescente “ainda” a necessidade de verificação de outros requisitos. 66 O corpo do n.º 1
pretende por isso transpor a subalínea i) da alínea d) do n.º 1 do artigo 72.º, ainda que não
tenha sido estabelecido o travão da “alteração da natureza global”. A norma do artigo 318.º
necessita de ser conciliada com as regras contidas no artigo 316.º, que se manteve inalterado,
e que estabelece que “na falta de estipulação contratual ou quando outra coisa não resultar
da natureza do contrato, são admitidas a cessão da posição contratual e a subcontratação, nos
termos do disposto nos artigos seguintes”. Parece, portanto, admitir o legislador
genericamente a possibilidade de cessão e a nova redação do artigo 318.º vem contrariar essa
indicação genérica ao ser imperativo na prescrição do n.º 1. 67 Por outro lado, parece resultar
do n.º 2 do mesmo artigo 318.º e da novel alínea e) do n.º 1 do artigo 307.º, que a cessão é
igualmente possível através de autorização, que configura um ato administrativo;
b) Das duas situações excecionadas que o n.º 1 do artigo 318.º consagra, a alínea a)
corresponde parcialmente à subalínea ii) da alínea d) do n.º 1 do artigo 72.º, na medida em
que a norma portuguesa não estabelece como hipótese a considerar a insolvência, como
resulta da norma da Diretiva nem se referindo novamente à ressalva das modificações
substanciais e defesa das normas das diretivas relativas à concorrência; 68 a alínea b) apenas
não menciona a previsão da hipótese de cessão na legislação nacional.
66
A versão inicial do artigo 318.º referia-se a o “contrato poder autorizar” a cessão da posição contratual.
Tornando-se obrigatória a previsão contratual, o advérbio “ainda” introduzido no corpo do n.º 2 é estranho.
Referindo-se a salto lógico, fruto, na nossa opinião, mais uma vez, da falta de revisão integral do texto, Miguel
Lorena de Brito, “A modificação subjectiva do contrato no Código dos Contratos Públicos revisto”, in Carla Amado
Gomes/Ricardo Pedro/Tiago Serrão/Marco Caldeira (coord.), Comentários à revisão do Código dos Contratos
Públicos, AAFDL, Lisboa, 2017, p. 904.
67
Que leva Miguel Lorena Brito a descrever a situação de cessão da posição contratual como “de genericamente
admissível a contratualmente condicionada” (in “A modificação subjectiva do contrato no Código dos Contratos
Públicos revisto”, in Carla Amado Gomes/ Ricardo Pedro/Tiago Serrão/Marco Caldeira (coord.), Comentários à
revisão do Código dos Contratos Públicos, AAFDL, Lisboa, 2017, p. 900.
68
“transmissão universal ou parcial da posição do contratante inicial, na sequência de operações de reestruturação,
incluindo OPA, fusão e aquisição, ou de uma insolvência, para outro operador económico que satisfaça os critérios
em matéria de seleção qualitativa inicialmente estabelecidos, desde que daí não advenham outras modificações
substanciais ao contrato e que a operação não se destine a contornar a aplicação da presente diretiva”. Para uma
análise dedicada a cada um dos aspetos da alíena a) do n.º 1 do artigo 318.º, vide Miguel Lorena Brito, “A
modificação subjectiva do contrato no Código dos Contratos Públicos revisto”, in Carla Amado Gomes/ Ricardo
Pedro/Tiago Serrão/Marco Caldeira (coord.), Comentários à revisão do Código dos Contratos Públicos, AAFDL,
Lisboa, 2017, pp. 910 e ss.
69
Miguel Lorena Brito, “A modificação subjectiva do contrato no Código dos Contratos Públicos revisto”, in Carla
Amado Gomes/Ricardo Pedro/Tiago Serrão/Marco Caldeira (coord.), Comentários à revisão do Código dos Contratos
Públicos, AAFDL, Lisboa, 2017, p. 923.
122
Contratação Pública
9. Principais novidades do regime substantivo dos contratos – invalidades e modificações objetivas e subjetivas
previa nas Diretivas, assumindo a recusa, e já sendo dada importância à situação em outras
disposições, designadamente na resolução, parece-nos contrário ao espírito do legislador
entender que a mera decisão da entidade adjudicante, ao prever essa hipótese no contrato, é
justificação bastante para permitir a modificação com esse fundamento. Quando o legislador
europeu previu a hipótese de cláusulas contratuais e, de seguida, prevê situações que não
necessitam dessas previsões, deixa claramente para as primeiras o espaço para previsão de
situações distintas e relacionadas especificamente com o contrato.
47. O legislador português introduziu uma forma de cessão da posição contratual motivada
pelo incumprimento do cocontratante no artigo 318.º A.
a) Previsão contratual;
O enunciado linguístico permite a conclusão de que esta forma de modificação subjetiva surge
em alternativa a uma resolução por incumprimento.
A questão que se coloca é, por conseguinte, a de saber esta opção pode excluir, de todo, toda
e qualquer resolução por incumprimento ou se pode ser prevista apenas para certas
circunstâncias de incumprimento.
Além disso, como se trata de previsão contratual, ela reflete um acordo integrante do
sinalagma ou trata-se de exercício discricionário do contraente público em relação ao poder de
resolução que fica vertido no contrato?
48. Quanto à forma de proceder, o n.º 2 estabelece a interpelação gradual, mas, em lado
algum, se refere que existe adjudicação, o que até se pode perceber, atendendo que estamos
perante uma nova forma de cessão da posição contratual. 70 Refere-se a lei apenas, no n.º 4, a
ato do contraente público. De todo o modo, a parte final do n.º 2, enigmaticamente refere
“novo contrato para a adjudicação da conclusão dos trabalhos”. Que novo contrato, se
estamos perante uma cessão da posição contratual, ainda que imposta? 71/ 72
70
Daí que também se compreenda que o cessionário fica obrigado a executar o contrato “nas mesmas condições já
propostas pelo cedente no procedimento pré-contratual original” (n.º 3).
71
Cfr. o disposto no n.º 4 do artigo 318.º A.
72
Interrogando-se também, Miguel Lorena Brito, “A modificação subjectiva do contrato no Código dos Contratos
Públicos revisto”, in Carla Amado Gomes/Ricardo Pedro/Tiago Serrão/Marco Caldeira (coord.), Comentários à
revisão do Código dos Contratos Públicos, AAFDL, Lisboa, 2017, p. 927.
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Contratação Pública
9. Principais novidades do regime substantivo dos contratos – invalidades e modificações objetivas e subjetivas
49. Por fim, nem uma explicação sobre os efeitos da cessão, em particular no que respeita às
relações satélite que o cedente possa ter estabelecido por causa do contrato nem sobre os
efeitos do incumprimento. 73
6.3. A subcontratação
50. A subcontratação não foi alterada no mesmo sentido que a cessão da posição contratual.
Desde logo, continua a ser possível de forma inequívoca a subcontratação mediante
autorização. 74
51. A previsão do pagamento direto aos subcontratados é a novidade mais relevante nesta
sede e que resulta do n.º 3 do artigo 71.º da Diretiva 2014/24/EU.
Está estipulado no n.º 1 do artigo 321.º A que “o subcontratado pode reclamar, junto do
contraente público, os pagamentos em atraso que lhe sejam devidos pelo cocontratante,
exercendo o contraente público o direito de retenção sobre as quantias do mesmo montante
devidas ao cocontratante por força do contrato principal”. 75
Apenas uma observação: o teor do n.º 6, excluindo as concessões e contratos que configurem
parcerias público-privadas não faz sentido se apenas se referir a si própria, caso em que se
excluiria de aplicação (?). Quererá o legislador excluir o pagamento direto a subcontratado nas
concessões? Parece ser esse o sentido útil da norma.
7. Conclusão
52. A revisão levada a cabo em 2017, relativa à Parte III, no que respeita ao regime da
invalidade e das modificações dos contratos é extensa e levanta algumas questões
importantes de conciliação de regimes substantivos e adjetivos.
73
Com esta crítica, Pedro Leite Alves, “Alguns problemas em sede de execução e (in)cumprimento do contrato”, in
Carla Amado Gomes/ Ricardo Pedro/Tiago Serrão/Marco Caldeira (coord.), Comentários à revisão do Código dos
Contratos Públicos, AAFDL, Lisboa, 2017, p. 937.
74
Os n.ºs 3 e ss. do artigo 318.º mantiveram-se inalterados.
75
O ordenamento jurídico português já teve disposição semelhante, precisamente com prescrição com a epigrafe,
direito de retenção, no artigo 267.º do Decreto-Lei n.º 59/99, de 2 de março: “1 - Os subempreiteiros podem
reclamar junto do dono da obra pelos pagamentos em atraso que sejam devidos pelo empreiteiro, podendo o dono
da obra exercer o direito de retenção de quantias do mesmo montante devidas ao empreiteiro e decorrentes do
contrato de empreitada de obra pública. 2 - As quantias retidas nos termos do número anterior serão pagas
directamente ao subempreiteiro, caso o empreiteiro, notificado para o efeito pelo dono de obra, não comprove
haver procedido à liquidação das mesmas nos 15 dias imediatos à recepção de tal notificação.”
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Contratação Pública
9. Principais novidades do regime substantivo dos contratos – invalidades e modificações objetivas e subjetivas
Além de inúmeras “distrações” do legislador que têm implicações na aplicação dos regimes
substantivos, designadamente com a utilização da expressão “contratos públicos”, os regimes
instituídos levantam questões de conformidade com as Diretivas (as de 2014 e a Recursos, nos
aspetos teleológicos), de conciliação entre normas revistas e normas não revistas.
Vídeo da apresentação
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Título:
Contratação Pública
ISBN: 978-989-8908-12-4
Largo do Limoeiro
1149-048 Lisboa