CEJ - Contratação Pública - 2018

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Face ao renovado Código dos Contratos Públicos o CEJ realizou a 29 e 30 de

Novembro de 2017 um seminário em que procurou abordar, com a presença de


membros da Comissão Revisora, de académicos/as das várias escolas de Direito
em Portugal e com magistrados/as, as principais questões suscitadas por essa
renovação.

Com a colaboração de todos os intervenientes o que agora se publica são os


textos e os vídeos das comunicações nele apresentadas, as quais servirão agora
para ajudar toda a comunidade jurídica na leitura não apenas das novidades que o
Código traz consigo, mas principalmente do regime de contratação pública que
dele resultou, como instrumento que pretende actuar sobre a transparência e a
responsabilidade dos decisores públicos.

É mais um e-book da “Coleção Formação Contínua” que continua a cumprir


o objectivo do Centro de Estudos Judiciários: disponibilizar em forma de
acesso universal conteúdos de excelência.

(ETL)
Ficha Técnica

Nome:
Contratação pública

Jurisdição Administrativa e Fiscal:


Margarida Reis – Juíza de Direito, Docente do CEJ e Coordenadora da Jurisdição

Marta Cavaleira – Juíza de Direito e Docente do CEJ
Fernando Martins Duarte – Juiz de Direito e Docente do CEJ **

Coleção:
Formação Contínua

Plano de Formação 2017/2018:


Contratação pública - 29 e 30 de novembro de 2017 (programa)

Conceção e organização:
Anabela Russo – Juíza Desembargadora TCA-Sul, Coordenadora Regional Sul-CEJ
Margarida Reis
Sofia David - Juíza Desembargadora do Tribunal Central Administrativo Sul

Intervenientes:
Maria João Estorninho – Professora da Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa
Luís Verde de Sousa – Assistente da Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra
Carlos Luís Medeiros de Carvalho – Juiz Conselheiro do Supremo Tribunal Administrativo
Ana Sofia Alves – Juíza de Direito do Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra
Bernardo Azevedo – Assistente da Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa
Cláudia Viana – Professora da Escola de Direito da Universidade do Minho
Licínio Lopes Martins – Professor da Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra
Vera Eiró – Professora da Faculdade de Direito da Universidade Nova
Raquel Carvalho – Professora da Faculdade de Direito da Universidade Católica do Porto

Revisão final:
Edgar Taborda Lopes – Juiz Desembargador, Coordenador do Departamento da Formação do
CEJ
Ana Caçapo – Departamento da Formação do CEJ

∗ Desde fevereiro de 2018.


** Desde abril de 2018.
Notas:

Para a visualização correta dos e-books recomenda-se o seu descarregamento e a utilização do


programa Adobe Acrobat Reader.

Foi respeitada a opção dos autores na utilização ou não do novo Acordo Ortográfico.

Os conteúdos e textos constantes desta obra, bem como as opiniões pessoais aqui expressas, são
da exclusiva responsabilidade dos/as seus/suas Autores/as não vinculando nem necessariamente
correspondendo à posição do Centro de Estudos Judiciários relativamente às temáticas
abordadas.

A reprodução total ou parcial dos seus conteúdos e textos está autorizada sempre que seja
devidamente citada a respetiva origem.

Forma de citação de um livro eletrónico (NP405‐4):

AUTOR(ES) – Título [Em linha]. a ed. Edição. Local de edição: Editor, ano de
edição.
[Consult. Data de consulta]. Disponível na internet: <URL:>. ISBN.

Exemplo:
Direito Bancário [Em linha]. Lisboa: Centro de Estudos Judiciários, 2015.
[Consult. 12 mar. 2015].
Disponível na
internet: <URL: http://www.cej.mj.pt/cej/recursos/ebooks/civil/Direito_Bancario.pdf.
ISBN 978-972-9122-98-9.

Registo das revisões efetuadas ao e-book

Identificação da versão Data de atualização


1.ª edição –23/04/2018
Contratação pública
Índice

1. Apreciação crítica à alteração de 2017 ao Código dos Contratos Públicos 9


Maria João Estorninho

2. Tipo e escolha de procedimentos, em especial, as alterações ao ajuste 19


direto
Luís Verde de Sousa

3. Primeiro balanço das alterações legislativas ao CCP 37


Carlos Luís Medeiros de Carvalho

4. Alterações ao regime do “preço anormalmente baixo” 57


Ana Sofia Alves

5. Novidades em sede de apreciação e exclusão de propostas 79


Bernardo Azevedo

6. Os critérios de adjudicação 83
Cláudia Viana

7. Os (novos) trabalhos complementares 87


Licínio Lopes Martins

8. Acordos quadro, centrais de compras, sistemas de aquisição dinâmicos e 91


catálogos electrónicos
Vera Eiró

9. Principais novidades do regime substantivo dos contratos – invalidade e 95


modificações objetivas e subjetivas
Raquel Carvalho
Contratação Pública
1. Apreciação crítica à alteração de 2017 ao Código dos Contratos Públicos

APRECIAÇÃO CRÍTICA À ALTERAÇÃO DE 2017 AO CÓDIGO DOS CONTRATOS PÚBLICOS

Maria João Estorninho ∗

O Decreto-Lei nº 111-B/2017, de 31 de agosto, que contém a revisão do Código dos Contratos


Públicos, surgiu a pretexto da transposição das Diretivas Europeias de 2014 sobre contratos
públicos e resultou de um procedimento legislativo sui generis, demasiado longo e pouco
transparente.

Recorde-se que já o anterior Governo havia publicitado, em maio de 2015, um Anteprojeto de


transposição das Diretivas de 2014. Este Governo publicitou outro Anteprojeto de revisão do
Código dos Contratos Públicos, em agosto de 2016, tendo-o submetido a discussão pública,
sem que depois disso o resultado da referida discussão pública tenha sido publicitado e sem
que tenham sido dadas quaisquer explicações para a origem e a ratio das muitas alterações
introduzidas ao texto inicial e sem que tivesse havido transparência acerca quer das entidades
que participaram na discussão pública e influenciaram o procedimento legislativo quer das
próprias entidades responsáveis pelo procedimento legislativo… Entre membros do Governo,
chefes de gabinete, Conselhos de Secretários de Estado, Conselho de Ministros, assessores,
adjuntos, elementos de diversos gabinetes, de várias comissões, institutos reguladores, e ainda
todos aqueles que se vão cruzando nos muitos corredores que ligam todas estas entidades,
perde-se o rasto e o rosto do legislador?

A revisão do Código dos Contratos Públicos veio a ser aprovada em Conselho de Ministros em
maio de 2017 e a promulgação pelo Presidente da República surgiu no início de agosto, sendo
o Decreto-Lei nº 111-B/2017 publicado em 31 de agosto, para entrar em vigor no dia 1 de
janeiro de 2018. Ou seja, a revisão do CCP acaba por surgir tarde, já fora do prazo para a
transposição das Diretivas de 2014 (que terminava em março de 2016), sendo a pressão
europeia decorrente do incumprimento do referido prazo de transposição invocada, aliás, por
Sua Ex.ª o Presidente da República para justificar a inevitabilidade da promulgação, pese
embora as dúvidas e discordâncias que teve ocasião de expressar relativamente ao diploma.

O Anteprojeto de transposição das Diretivas que o Governo anterior (de Passos Coelho)
publicitou em maio de 2015, pese embora se afirmasse minimalista acabava por implicar a
alteração a quase 60 artigos e o aditamento de cerca de 40 novos artigos ao CCP.

O atual Governo (de António Costa) partiu da mesma opção de fundo, a de afastar a hipótese
de se elaborar um novo CCP (solução que a meu ver seria desejável) e preferiu manter o
Código dos Contratos Públicos de 2008 (do governo de José Sócrates), procedendo apenas à
sua revisão. Acabou-se, no entanto, por alterar mais de 200 artigos e por aditar cerca de 40
novas disposições. Ao enxertar todas essas alterações nos anteriores quase 500 artigos do CCP,

* Professora da Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa.

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Contratação Pública
1. Apreciação crítica à alteração de 2017 ao Código dos Contratos Públicos

mantendo-o intacto no essencial, veio-se agravar, na minha opinião, o labirinto jurídico 1 que é,
desde o início, o nosso Código dos Contratos Públicos.

Após tanto tempo, e até já em incumprimento do prazo de transposição das Diretivas de 2014,
é imperdoável levar a cabo uma revisão do CCP que significa perder a oportunidade de, a bem
de Portugal, aperfeiçoar o regime jurídico aplicável aos contratos públicos e corrigir as
perniciosas disfunções do Código dos Contratos Púbicos de 2007-2008. Na verdade, apesar das
muitas alterações, trata-se do mesmo Código, quer formalmente quer do ponto de vista das
opções de fundo e dos traços fundamentais dos regimes que contém. O que é uma pena!

Em 2016, apreciando o Anteprojeto que foi objeto de consulta pública, publiquei nos Cadernos
de Justiça Administrativa um texto onde perguntava se a transposição das Diretivas de 2014
viria a ser uma janela de oportunidade ou uma oportunidade perdida 2.

Antes de responder, importa primeiro recentrar a questão, lembrando aquilo que é o essencial
nestas matérias. Todos sabemos como a contratação pública é um instrumento formidável de
atuação das entidades públicas e de afetação de recursos públicos. As entidades públicas, na
sua veste de entidades adjudicantes, têm a obrigação de exercer o seu poder de compra de
forma ética, social e ambientalmente responsável. Como tenho repetido muitas vezes, impõe-
se, nos nossos dias, um repensar do significado da contratação pública e um recentrar de
prioridades. Ao contrário do que se quis fazer crer muitas vezes, a meu ver os contratos
públicos não são oportunidades de negócio para as entidades públicas (negócios que acabam
por se revelar, em tantos casos, ruinosos para o erário público e para os cidadãos), mas sim são
instrumentos de realização de tarefas públicas, ao serviço das mais variadas políticas públicas.

A realização do bem comum, através de contratos públicos, exige legislação clara e adequada,
decisores públicos profissionalizados e responsáveis, mecanismos de regulação e de controlo
eficazes. É, assim, muito oportuno analisar a esta luz a versão revista de 2017-2018 do Código
dos Contratos Públicos de 2007-2008.

Para mim, é muito frustrante ver perder-se a ocasião de Portugal se dotar de um verdadeiro
novo Código dos Contratos Públicos que fosse um diploma legal exemplar do ponto de vista da
técnica legislativa e que fosse também desempoeirado porque assente, por um lado, numa
moderna visão estratégica da contratação pública como instrumento privilegiado de promoção
de políticas públicas inovadoras e de crescimento económico e, por outro, na genuína vontade
e capacidade política de enquadrar a contratação pública em regimes jurídicos amigos da
transparência, da sustentabilidade, da responsabilidade, em suma, do bem comum.

A meu ver, com grande pena e antecipando já um juízo global, esta revisão do CCP, em 2017,
representa uma oportunidade perdida de, em termos globais, melhorar o enquadramento
legal da contratação pública. Pelo contrário, antes contribui para agravar muitas das
disfunções da versão de 2008 do Código dos Contratos Públicos, em matérias cruciais
relativamente às quais se exigiriam soluções claras e acertadas.

1
MARIA JOÃO ESTORNINHO, Curso de Direito dos Contratos Públicos, Almedina, 2012, p.369.
2
MARIA JOÃO ESTORNINHO, in Cadernos de Justiça Administrativa, nº 118, 2016.

12
Contratação Pública
1. Apreciação crítica à alteração de 2017 ao Código dos Contratos Públicos

Em nome de objetivos de simplificação, desburocratização e flexibilização, bem assim como de


fomento da transparência e da boa gestão pública, objetivos subjacentes às Diretivas
europeias de 2014 e afirmados também no Preâmbulo do diploma de revisão do CCP, muitas
foram as novidades introduzidas em matérias relevantes tais como, entre tantas outras, a
preparação da decisão de contratar, a figura do gestor do contrato, o critério de adjudicação, a
adjudicação por lotes, o preço anormalmente baixo, o regime dos contratos de serviços
sociais, a consulta prévia, a parceria para a inovação, os trabalhos complementares, as
modificações ao contrato durante a execução, os mecanismos de regulação. E muitas são as
perplexidades e as preocupações que se colocam, do ponto de vista das consequências das
soluções adotadas.

Num quadro de simplificação legislativa (afirmada, aliás, como prioridade pelo atual Governo
no seu Programa) não se poderia perder esta ocasião para libertar o Código dos Contratos
Públicos de complicadas definições, classificações e construções dogmáticas, as quais devem
caber à doutrina e não ao legislador, a quem cumpre regular de forma clara e eficaz.
Infelizmente, pelo contrário, o legislador de 2017 tudo complexifica artificialmente ainda mais.

Indispensável seria ter eliminado a complexidade do labirinto jurídico do Código dos Contratos
Públicos de 2008 resultante, entre tantos outros aspetos, do tratamento unitário de universos
diferentes de contratos (contratos dos setores clássicos e dos setores especiais, contratos
abaixo e acima dos limiares de aplicação das Diretivas, contratos sujeitos à concorrência ou
não, contratos administrativos ou não administrativos de acordo com critérios caducos e
incompatíveis com as Diretivas Europeias) numa teia complexa de regras gerais, de exceções
às regras e de exceções às exceções. As imbrincadas (e incompreensíveis para o comum dos
operadores económicos e jurídicos) relações entre o âmbito de aplicação das Partes II e III do
Código e, dentro delas, dos mais diversos regimes jurídicos deviam, e podiam, ter sido,
ultrapassadas. Pelo contrário, foram agravadas.

É imperdoável que o legislador não tenha eliminado, de uma vez por todas, a teia labiríntica de
regimes jurídicos e não tenha aproveitado a oportunidade para clarificar o âmbito de aplicação
do Código, e de cada uma das suas Partes, fazendo-o coincidir com as regras aplicáveis quer à
formação quer ao regime substantivo dos contratos públicos, em consonância com o Direito
Europeu.

Ao invés, as alterações ao Artigo 1º e ao Artigo 280º são incompreensíveis e perniciosas: onde


havia contratos administrativos, contratação pública, contratos públicos, passam agora a
coexistir todas essas categorias - que o legislador mantém intactas -, com uma nova categoria,
a das relações jurídicas contratuais administrativas previstas no Artigo 280º, à qual
correspondem especificidades de regime jurídico em sede de execução dos contratos.

Ou seja, em virtude de um procedimento legislativo atabalhoado e errático, onde se


impunham menos categorias dogmáticas passamos a ter mais, e incoerentes entre si, exigindo
do intérprete esforços infrutíferos e aberrantes do ponto de vista dogmático, conduzindo a
resultados práticos muito preocupantes do ponto de vista da segurança jurídica e da realização
do bem comum na contratação pública.

13
Contratação Pública
1. Apreciação crítica à alteração de 2017 ao Código dos Contratos Públicos

Entre tantos outros exemplos lamentáveis, registe-se também a introdução no novo Artigo 5º-
A da distinção entre princípios gerais da atividade administrativa e princípios gerais da
contratação pública que, nesses termos, em nada contribui para a clarificação dos regimes de
formação de determinados contratos públicos que o legislador exclui da Parte II do Código. A
isso se somam as dificuldades resultantes do regime concorrencial intermédio introduzido no
Artigo 6º, nº 2.

Sempre critiquei o elenco, a meu ver demasiado alargado, de contratos excluídos do âmbito do
CCP, considerando incompreensível quer a exclusão desse âmbito de aplicação de
determinados contratos quer, por outro lado, a exclusão de certos contratos do âmbito de
aplicação da Parte II, relativa aos procedimentos adjudicatórios. Ora, a meu ver, as alterações
introduzidas em 2017 aos Artigos 4º e 5º, entre outros, não representam melhoria nesta
matéria.

Por exemplo, incompreensível é que não fiquem sujeitos à Parte II do Código e, assim, aos
procedimentos nacionais de formação dos contratos públicos, vários contratos excluídos do
âmbito de aplicação das Diretivas, uma vez que o facto de as Diretivas não se aplicarem a
determinados contratos (por entenderem que tais contratos não se revestem de interesse
transfronteiriço ou por outras razões) não deve significar, do ponto de vista do direito interno,
a pura e simples exclusão de tais contratos do âmbito de aplicação do Código ou sequer do
âmbito da Parte II. Preocupantes são as exclusões relativas a contratos celebrados por
determinados serviços periféricos das entidades públicas no estrangeiro, ou as prestações de
serviços a centrais de compras ou, ainda, entre outros, a contratos relativos a serviços sociais
até 750 000 Euros ou a contratos de aquisição de serviços de arbitragem. Muito preocupantes
são também as novidades relativas ao regime previsto para os contratos in-house e, em
particular, aos casos da, muito em voga, cooperação público-público.

Seria preciso ter tido a coragem, em 2017, de efetivamente reduzir o elenco de fundamentos
para utilização de procedimentos de adjudicação direta (com ou sem consulta a mais de uma
entidade), indo ao encontro das preocupações – nacionais e europeias - de reforço da
concorrência e da transparência nos procedimentos de contratação pública em Portugal. Ora,
sob a aparência da introdução de um novo procedimento concorrencial (a consulta prévia), em
bom rigor, esta revisão do Código dos Contratos Públicos falha o objetivo de contribuir para
fomentar procedimentos abertos à concorrência. Veremos o que se ganhará com a
autonomização do procedimento de consulta prévia, para além de naturalmente passar a
haver menos ajustes diretos para efeitos estatísticos. Veremos também qual o resultado da
permissão da celebração de contratos de empreitada até 300 000 Euros através de concurso
público urgente (com prazo de apresentação de propostas de 72h e critério de preço mais
baixo).

De saudar é, por exemplo, a preocupação com a decisão de contratar e com a preparação e a


fundamentação da mesma, pese embora o facto de, ao se exigirem especiais cuidados na
justificação da celebração de contratos de valor superior a 5 milhões de euros se poder
erradamente induzir a pensar que a decisão de contratar só é verdadeiramente relevante
nesses contratos.

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Contratação Pública
1. Apreciação crítica à alteração de 2017 ao Código dos Contratos Públicos

De saudar é a nova redação do Artigo 18º (já depois da aprovação em Conselho de Ministros),
relativa ao critério de escolha dos procedimentos pré-contratuais. Recorde-se que uma das
«originalidades» do sistema do CCP de 2008 – que sempre critiquei - foi de se ter optado por
limitar o valor do contrato a celebrar em função do procedimento escolhido. Tal sistema
implicava uma perversa inversão relativamente à funcionalização do contrato à prossecução
do interesse público, tendo subjacente a opção por um princípio de liberdade de escolha do
procedimento de formação dos contratos públicos (que se mantinha na versão aprovada em
Conselho de Ministros).

Fazia algum sentido o sistema de 2008? Primeiro, escolhia-se «em alternativa» o


procedimento, como que «a la carte» (ajuste direto ou concurso público, por exemplo); em
seguida, essa escolha condicionava o montante que se podia gastar com o contrato. O
processo deve ser o inverso: primeiro, deve partir-se da necessidade de interesse público que
se pretende satisfazer e, a partir dessa necessidade e do valor estimado do contrato necessário
para alcançar tal fim, determinar-se o procedimento a adotar… era o regime anterior a 2008, é
o que consta das Diretivas e foi agora consagrado no Artigo 18º.

Seria fundamental que o Código dos Contratos Públicos criasse uma moldura legal propícia a
uma contratação pública menos complexa e mais ágil, por se entender que a simplificação
administrativa e a desburocratização potenciam o aumento da transparência e promovem o
combate aos conflitos de interesses e a fenómenos de corrupção.

A desejada flexibilidade procedimental não deve, no entanto, ser entendida como sinónimo de
(des) procedimentalização, e exige também novos paradigmas de profissionalização na
contratação pública e mecanismos acrescidos de garantia de transparência, controlo e
responsabilidade.

Infelizmente, ao optar por manter a sistemática da Parte II do CCP de 2008 e o labirinto da


tramitação dos procedimentos adjudicatórios que ela contém, nele pretendendo enxertar as
muitas alterações que decorrem das Diretivas, o diploma de revisão do CCP não contribui para
a desejada simplificação dos procedimentos e, por conseguinte, para o fomento à
transparência, no quadro de uma contratação pública eficiente e sustentável.

Ou seja, ficam todos os procedimentos já existentes (com a sua labiríntica tramitação) e ainda
se complica mais, acrescentando-se as parcerias para a inovação e desdobrando-se o ajuste
direto em ajuste direto e consulta prévia. Em vez de Simplificação…. Complexificação!

O mais grave é ainda que, bem ao gosto da época (já fiz também esta crítica à revisão de 2015
do Código do Procedimento Administrativo), a complexificação das exigências procedimentais
é acompanhada de um aligeirar dos regimes de invalidade dos contratos públicos e dos atos
administrativos. Na verdade, cada vez mais se retiram menos consequências, do ponto de vista
da invalidade, do incumprimento das normas legais, o que é absolutamente perverso (pense-
se, entre outros, nos regimes de invalidade consequente dos contratos públicos).

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Contratação Pública
1. Apreciação crítica à alteração de 2017 ao Código dos Contratos Públicos

A contratação pública, a par dos seus objetivos imediatos, nomeadamente de aquisição de


bens, construção de obras públicas ou aquisição de serviços, pode e deve servir como
instrumento de realização de outras e variadas políticas públicas, nomeadamente ambientais e
sociais, o que obriga a repensar a moldura legal da contratação pública e, em particular o
critério de adjudicação. Mas a interação entre as diversas dimensões da contratação pública
coloca na atualidade novos e difíceis desafios, não se podendo ignorar os riscos de que a
introdução de critérios verdes ou sociais na contratação pública redunde em riscos acrescidos
de práticas discriminatórias ou fenómenos de corrupção. A essa luz, causam preocupação os
Artigos 74º e 75º, relativos ao critério de adjudicação, cuja conformidade com as Diretivas
europeias é, em si mesma, questionável.

A meu ver, a transposição das Diretivas não poderia significar consagrar, por um lado, soluções
das Diretivas acrescentando uma série de artigos ao Código dos Contratos Públicos e, por
outro lado, manter uma série de regimes de 2008, criando contradições insanáveis que
acabam até, em alguns casos, por desvirtuar o próprio sentido das Diretivas.

Transpor efetivamente as Diretivas obrigaria a ter a coragem de eliminar do CCP tudo aquilo
que com cada nova solução é incompatível. Isto é especialmente importante no que diz
respeito à Parte III do Código. Na verdade, as Diretivas de 2014 incidem não apenas sobre a
fase da formação dos contratos públicos mas também sobre a fase da execução dos mesmos,
ultrapassando-se definitivamente o «mito» da dicotomia que tradicionalmente existiria no
Direito Europeu entre os regimes aplicáveis aos procedimentos de formação dos contratos
públicos (regulados pelas Diretivas) e os regimes aplicáveis à execução dos mesmos contratos
(remetidos para os ordenamentos jurídicos nacionais).

Em conformidade com as Diretivas europeias, seria indispensável estabelecer uma disciplina


tendencialmente completa para os contratos públicos, ficando claro que aos contratos sujeitos
à Parte II do Código são aplicáveis aspetos do regime substantivo constante da Parte III. É o
que sucede com as disposições relativas aos regimes de invalidade, de limites à modificação e
de cessão da posição contratual e de subcontratação. Mas não bastava a “extensão” destes
regimes a tais contratos a fim de assegurar a correta transposição das Diretivas. Os regimes da
Parte III do CCP precisariam inevitavelmente de ter sido repensados de forma inovadora, de
forma a garantir, também na execução dos contratos públicos, a promoção de uma
contratação pública sustentável e responsável. Por exemplo, não é aceitável transpor os
regimes europeus unificados de invalidade e execução dos contratos públicos e manter, na
mesma Parte III, regimes diferenciados para contratos administrativos e não administrativos,
segundo critérios ultrapassados, e mantendo a Parte III como tendo por objeto o «regime
substantivo dos contratos administrativos». Acrescentando-se agora, como vimos, as «relações
contratuais administrativas», está instalada a confusão... Preocupantes, do ponto de vista das
consequências para o interesse público, são também as disposições relativas à invalidade ou à
modificação dos contratos e aos regimes de responsabilidade e de reequilíbrio financeiro,
porque o legislador, ao invés de ter a coragem de inovar verdadeiramente, afastando regimes
inaceitáveis do CCP de 2008, limita-se em certos casos a nele enxertar algumas novidades
criando um regime globalmente perturbador. De saudar é o Artigo 287º, nº 5, que (já depois
da versão aprovada em Conselho de Ministros) deslocou para o regime da ineficácia do

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Contratação Pública
1. Apreciação crítica à alteração de 2017 ao Código dos Contratos Públicos

contrato – em consonância com o Direito Europeu - o que vinha sendo tratado como causa de
invalidade (por exemplo, os casos de inobservância do período de standstill ou de publicitação
obrigatória no JOUE).

Uma nota final para lembrar que a amplitude com a qual - aproveitando a porta aberta pela
revisão do CPTA em 2015 – o Anteprojeto de revisão do CCP que foi submetido a consulta
pública em 2016 previa o recurso à arbitragem levou-me na época a pronunciar-me no sentido
de não restarem dúvidas quanto às gravíssimas implicações que decorreriam de tal solução,
em termos de um inaceitável esvaziar do âmbito da jurisdição administrativa em matéria de
contratação pública.

Especialmente preocupante é a atribuição a árbitros nomeados pelas partes de poderes para


apreciar a validade de atos administrativos pré-contratuais e para emitir juízos de ponderação
acerca da questão de saber se a invalidade de atos administrativos dos procedimentos
adjudicatórios deve ou não, ainda assim, repercutir-se na validade dos contratos públicos
celebrados ou se, apesar dessas ilegalidades procedimentais, tais contratos podem ser
«salvos».

Pela minha parte, e pese embora a versão que veio a ser aprovada do Artigo 476º tenha
recuado significativamente relativamente à solução do Anteprojeto, prevendo-se agora uma
preferência por centros de arbitragem institucionalizados, continuo a defender que seria
preferível uma especialização dentro dos Tribunais Administrativos, enveredando-se pela
criação de secções especializadas dos Tribunais Administrativos, relativamente a certas
matérias, nomeadamente a dos contratos públicos.

Vídeo da apresentação

https://educast.fccn.pt/vod/clips/ige1qa5aw/flash.html?locale=pt

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Contratação Pública
2. Tipo e escolha de procedimentos, em especial, as alterações ao ajuste direto

TIPO E ESCOLHA DE PROCEDIMENTOS, EM ESPECIAL, AS ALTERAÇÕES AO AJUSTE DIRETO

Luís Verde de Sousa ∗

* Assistente da Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra.

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Contratação Pública
2. Tipo e escolha de procedimentos, em especial, as alterações ao ajuste direto

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Contratação Pública
2. Tipo e escolha de procedimentos, em especial, as alterações ao ajuste direto

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Contratação Pública
2. Tipo e escolha de procedimentos, em especial, as alterações ao ajuste direto

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Contratação Pública
2. Tipo e escolha de procedimentos, em especial, as alterações ao ajuste direto

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2. Tipo e escolha de procedimentos, em especial, as alterações ao ajuste direto

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Contratação Pública
2. Tipo e escolha de procedimentos, em especial, as alterações ao ajuste direto

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Contratação Pública
2. Tipo e escolha de procedimentos, em especial, as alterações ao ajuste direto

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Contratação Pública
2. Tipo e escolha de procedimentos, em especial, as alterações ao ajuste direto

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Contratação Pública
2. Tipo e escolha de procedimentos, em especial, as alterações ao ajuste direto

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2. Tipo e escolha de procedimentos, em especial, as alterações ao ajuste direto

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2. Tipo e escolha de procedimentos, em especial, as alterações ao ajuste direto

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2. Tipo e escolha de procedimentos, em especial, as alterações ao ajuste direto

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Contratação Pública
2. Tipo e escolha de procedimentos, em especial, as alterações ao ajuste direto

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Contratação Pública
2. Tipo e escolha de procedimentos, em especial, as alterações ao ajuste direto

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Contratação Pública
2. Tipo e escolha de procedimentos, em especial, as alterações ao ajuste direto

Vídeos da apresentação

I.

https://educast.fccn.pt/vod/clips/2laax251yz/flash.html?locale=pt

II.

https://educast.fccn.pt/vod/clips/2jq6hbagbu/flash.html?locale=pt

36
Contratação Pública
3. Primeiro balanço das alterações legislativas ao CCP

PRIMEIRO BALANÇO DAS ALTERAÇÕES LEGISLATIVAS AO CCP 1

Carlos Luís Medeiros de Carvalho ∗

Numa breve nota introdutória …

Diria que, com a aprovação e publicação, em 2014, das Diretivas n.ºs 2014/23/UE [relativas
aos contratos de concessão], 2014/24/UE [respeitante aos contratos públicos], 2014/25/UE
[referente aos contratos públicos celebrados pelas entidades que operam nos setores da água,
da energia, dos transportes e dos serviços postais], e 2014/55/UE [relativa à faturação
eletrónica nos contratos públicos], impendia sobre o Estado Português a obrigação da sua
correta e atempada transposição para o quadro do direito interno 2, introduzindo as
necessárias e devidas alterações ao Código dos Contratos Públicos vigente [aprovado pelo DL
n.º 18/2008, de 29 de janeiro].

Estavam, aliás, já ultrapassados em grande medida os prazos que haviam sido definidos para a
transposição da maioria daquelas Diretivas.

As alterações aportadas pelo DL n.º 111-B/2017 3 ao CCP, como deriva da leitura do seu
preâmbulo, decorreram não só daquela obrigação de transposição, mas também de
necessidades ao nível da simplificação, desburocratização e flexibilização, bem como de
transparência e boa gestão pública.

Breve análise e balanço quanto às alterações produzidas no CCP …

Entrando, então, no elenco das alterações sinalizaria como primeiro ponto, uma das
significativas modificações introduzidas no Código, decorrente da transposição das diretivas, e
que se prende com o alargamento do regime dos contratos entre entidades do setor público,
passando a estar abrangidas outras formas de cooperação entre entidades públicas.

1
Optamos por publicar, sem qualquer modificação e/ou atualização, o presente texto na versão elaborada para
servir de suporte à nossa comunicação realizada em 29 de novembro de 2017 no âmbito da ação de formação
relativa à “Contratação Pública” organizada pelo CEJ.
* Juiz Conselheiro do Supremo Tribunal Administrativo.
2
Vide, nomeadamente, arts. 02.º, 03.º, 04.º e 05.º, do Tratado da União Europeia [doravante TUE], 258.º, 260.º,
288.º do Tratado de Funcionamento da União Europeia [doravante TFUE], 08.º, n.º 4, e 112.º, n.º 8, da CRP, e aquilo
que eram os prazos definidos nas referidas diretivas para que cada Estado-Membro procedesse à respetiva
transposição [cfr., no caso, os arts. 51.º da Diretiva n.º 2014/23/UE («até 18 de abril de 2016»), 90.º da Diretiva n.º
2014/24/UE (também, por regra, «até 18 de abril de 2016» embora se prevejam outros prazos mais dilatados para
determinadas situações ali especificadas - vide seus n.ºs 2 a 5), 106.º da Diretiva n.º 2014/25/UE (também, por
regra, «até 18 de abril de 2016» e em que, igualmente, se preveem outros prazos mais dilatados para determinadas
situações ali especificadas - vide seu n.º 2), e 11.º da Diretiva n.º 2014/55/UE («até 27 de novembro de 2018»)].
3
Cuja entrada em vigor se mostra fixada para o dia 1 de janeiro de 2018 [cfr. art. 13.º do referido DL], sendo que só
é aplicável aos procedimentos de formação de contratos públicos iniciados após a sua data de entrada em vigor,
bem como aos contratos que resultem desses procedimentos, ficando excluída a sua aplicação às prorrogações
[expressas ou tácitas] do prazo de execução das prestações objeto de contratos públicos cujo procedimento se
iniciou em data prévia à entrada em vigor do mesmo diploma [cfr. seu art. 12.º, n.ºs 1 e 2].

39
Contratação Pública
3. Primeiro balanço das alterações legislativas ao CCP

Veja-se, assim, o regime que passou a decorrer dos arts. 01.º, n.º 2, 05.º [contratação
excluída], 05.º-A [contratos no âmbito do setor público], 05.º-B [regime da contratação
excluída] e 06.º-A [contratos de serviços sociais e de outros serviços específicos] do CCP,
disciplinando-se a contratação excluída não sujeita à parte II do Código [falamos da formação
de contratos cujo objeto abranja prestações que não estão, nem são suscetíveis de estar
submetidas à concorrência de mercado, designadamente em razão da sua natureza ou das
suas características, bem como da posição relativa das partes no contrato ou do contexto da
sua formação].

Aí se abrangem, designadamente, os acordos ou outros instrumentos jurídicos que organizem


a transferência ou delegação de poderes e responsabilidades pela execução de missões
públicas entre entidades adjudicantes ou agrupamentos de entidades adjudicantes, e que não
prevejam uma remuneração [cfr. n.º 2 do art. 05.º do CCP].

Por outro lado, e de harmonia com o disposto no art. 05.º-A também a parte II não é aplicável
à formação dos contratos, independentemente do seu objeto, a celebrar por entidades
adjudicantes com uma outra entidade, quando se verifiquem, cumulativamente, as seguintes
condições:

i) A entidade adjudicante exerça, direta ou indiretamente, sobre a atividade da outra


pessoa coletiva, isoladamente ou em conjunto com outras entidades adjudicantes, um
controlo análogo ao que exerce sobre os seus próprios serviços;

ii) A entidade controlada desenvolva mais de 80 % da sua atividade no desempenho de


funções que lhe foram confiadas pela entidade adjudicante ou entidades adjudicantes
que a controlam, ou por outra ou outras entidades controladas por aquela ou aquelas
entidades adjudicantes, consoante se trate de controlo isolado ou conjunto;

iii) Não haja participação direta de capital privado na pessoa coletiva controlada, com
exceção de formas de participação de capital privado sem poderes de controlo e sem
bloqueio eventualmente exigidas por disposições especiais, em conformidade com os
Tratados da União Europeia, e que não exerçam influência decisiva na pessoa coletiva
controlada [n.º 1].

Mostram-se igualmente subtraídos à parte II os contratos adjudicados por uma entidade


adjudicante a outras pessoas coletivas controladas pela mesma entidade adjudicante, bem
como aos contratos adjudicados por uma entidade adjudicante à entidade adjudicante que a
controla [n.º 2], bem como os contratos celebrados exclusivamente entre duas ou mais
entidades adjudicantes quando se verifiquem, cumulativamente, as seguintes condições:

i) O contrato estabelece uma cooperação entre as entidades adjudicantes, no âmbito


de tarefas públicas que lhes estão atribuídas e que apresentam uma conexão relevante
entre si;

ii) A cooperação é regida exclusivamente por considerações de interesse público; e

40
Contratação Pública
3. Primeiro balanço das alterações legislativas ao CCP

iii) As entidades adjudicantes não exercem no mercado livre mais de 20 % das


atividades abrangidas pelo contrato de cooperação [n.º 5].

Para efeitos do n.º 1, entende-se que existe “controlo análogo isolado” quando uma única
entidade adjudicante pode exercer uma influência decisiva sobre os objetivos estratégicos e as
decisões relevantes da entidade controlada [n.º 3] e que existe “controlo análogo conjunto”
quando estiverem preenchidas, cumulativamente, as seguintes condições:

i) Os órgãos de decisão da pessoa coletiva controlada são compostos por


representantes de todas as entidades adjudicantes participantes;

ii) As entidades adjudicantes podem exercer conjuntamente uma influência decisiva


sobre os objetivos estratégicos e as decisões relevantes da pessoa coletiva controlada;
e

iii) A pessoa coletiva controlada não prossegue quaisquer interesses contrários aos
interesses das entidades adjudicantes que a controlam [n.º 4].

Sendo que para efeitos do apuramento das percentagens previstas nas als. b) do n.º 1 e c) do
n.º 5 deve ser tido em conta o volume médio total de negócios, ou uma medida alternativa
adequada, baseada na atividade, tais como os custos suportados pela pessoa coletiva em
causa no que diz respeito a serviços, fornecimentos ou obras, nos três anos anteriores ou,
quando não tenha três anos de atividade concluídos, a projeção de atividades a desenvolver
[n.º 6].

Frise-se, todavia e como deriva do art. 05.º-B, que este regime de contratação excluída [arts.
05.º e 05.º-A] fica sujeita aos princípios gerais da atividade administrativa, bem como, com as
devidas adaptações face à natureza do contrato, aos princípios gerais da contratação pública
previstos no n.º 1 do art. 01.º-A, devendo sempre ser feita menção à norma que fundamenta a
não aplicação da parte II ao contrato em causa [n.º 1]. E quanto aos contratos com objeto
passível de ato administrativo e demais contratos sobre o exercício de poderes públicos os
mesmos ficam sujeitos às normas constantes do Código do Procedimento Administrativo, com
as necessárias adaptações.

Registava ainda nesta sede de âmbito de contratação excluída do CCP as alterações feitas ao
art. 04.º onde se disciplinam vários tipos de contratos a que este Código não é aplicável 4,
alargando-se o elenco da contratação excluída que figurava no seu n.º 2 5.

4
Aí se referem no seu n.º 1 os contratos celebrados ao abrigo: i) de convenção internacional previamente
comunicada à Comissão Europeia, e concluída nos termos dos Tratados da União Europeia, entre a República
Portuguesa e um ou mais Estados terceiros, respeitantes a obras, bens ou serviços destinados à realização ou
exploração conjunta de um projeto pelos seus signatários; ii) de procedimento específico de uma organização
internacional de que a República Portuguesa seja parte; iii) das regras aplicáveis aos contratos públicos
determinadas por uma organização internacional ou instituição financeira internacional, quando os contratos em
questão sejam financiados na íntegra por essa organização ou instituição; iv) de instrumentos de cooperação para o
desenvolvimento, com uma entidade sediada num dos Estados dele signatários e em benefício desse mesmo
Estado, desde que este não seja signatário do Acordo sobre o Espaço Económico Europeu; v) do disposto no art.

41
Contratação Pública
3. Primeiro balanço das alterações legislativas ao CCP

Como segundo ponto sinalizaria, por um lado, as alterações ao nível do elenco dos
procedimentos para a formação de contratos com a criação de um novo procedimento para a
aquisição de produtos ou serviços inovadores - a parceria para a inovação [cfr. al. g) do art.
16.º do CCP], cujo regime se mostra depois disciplinado, nomeadamente, nos arts. 30.º-A,
218.º-A e segs., e, por outro lado, o regime que veio a ser consagrado no n.º 8 do art. 17.º,
preceito onde se passou a prever que “[o] valor do contrato não pode ser fracionado com o
intuito de o excluir do cumprimento de quaisquer exigências legais, designadamente, das
constantes do presente Código”. Seguiu-se aqui, entre outros, o entendimento que havia sido
firmado no Acórdão do Tribunal de Contas [T.CONT] n.º 39/2010, de 03.11.2010 [1.ªS/SS -
Procs. n.ºs 1175 a 1178/2010], nos Relatórios de Auditoria do mesmo Tribunal n.ºs 9/2012-
FS/SRMTC, 16/2012 e 06/2015-FS/SRATC, e no Acórdão do TCA Sul [TCA/S] de 11.07.2013
[Proc. n.º 06341/10], sendo que a propósito ainda do princípio do não fracionamento ou da
unidade da despesa importará ainda ter presente o Acórdão do STA de 03.11.2005 [Proc. n.º
01377/03]. Visou-se, assim, proibir e reprimir as situações que indiciem fracionamento do
valor do contrato ou de despesa com intenção de evitar um procedimento mais exigente ou de
o subtrair à observância/sujeição de outros comandos legais.

Abrindo aqui um outro parêntese importa referir que algumas das novidades aportadas pela
revisão/reforma de 2017 ao CCP prendem-se com alguns dos problemas, dificuldades e
questões que, no domínio da contratação pública e da vigência do CCP e demais legislação
conexa/extravagante, se colocaram aos tribunais administrativos na e para a decisão dos
litígios aos mesmos submetidos. Como se pode ler no próprio preâmbulo do DL em referência,
foi propósito do legislador proceder à introdução de “várias melhorias e aperfeiçoamentos ao
regime vigente” e com as quais se visou “a correta interpretação e aplicação de diversas
normas, beneficiando da experiência de aplicação e do trabalho da jurisprudência e da
doutrina sobre o Código dos Contratos Públicos”.

Como terceiro ponto aludiria às regras em matéria de especificações técnicas no art. 49.º,
muito inspiradas naquilo que foi sendo a jurisprudência vasta produzida em matéria de
proibição de especificações técnicas discriminatórias, já que violadoras, nomeadamente, das
liberdades de estabelecimento e de prestação de serviços e dos princípios da igualdade, da
concorrência e não-discriminação [vejam-se, entre muitos outros, o Acórdão do TJUE de
22.10.2015 (Proc. C‑552/13 - “Grupo Hospitalario Quirón SA”); o Acórdão do T.CONT n.º
40/2010, de 03.11.2010 [1ª S/SS - Proc. n.º 1303/2010); os Acórdãos do TCA/N de 20.01.2011 -
Proc. n.º 00223/10.4BEMDL, de 18.03.2016 - Proc. n.º 03536/14.2BEPRT, de 18.07.2016 - Proc.
n.º 03661/15.2BEBRG, e de 09.09.2016 - Proc. n.º 00034/15.0BEAVR; e os Acórdãos do TCA/S
de 27.10.2011 - Proc. n.º 07952/11, de 12.04.2012 - Proc. n.º 08648/12, de 21.06.2012 - Proc.
n.º 08869/12, de 19.06.2014 - Proc. n.º 11153/14, e de 06.11.2014 - Proc. n.º 11328/14], ou de
prova da conformidade da obra, bem móvel ou serviço proposto pelo concorrente com os

346.º do TFUE; vi) de acordo ou convénio internacional relativo ao estacionamento de tropas e que envolva
empresas de um Estado-Membro ou de um país terceiro.
5
Além dos que ali já figuravam, foram aditados os contratos que se destinem à satisfação das necessidades dos
serviços periféricos ou de delegações das entidades adjudicantes referidas no art. 02.º situadas fora do território
nacional e, como tal, sujeitas ao regime jurídico da lei que se considere aplicável nos termos gerais do direito
internacional, exceto quanto a contratos celebrados e executados no território do Espaço Económico Europeu cujo
valor seja superior ao referido nas als. a), b) e c) do n.º 3 do art. 474.º, caso em que se aplica a parte II do Código.

42
Contratação Pública
3. Primeiro balanço das alterações legislativas ao CCP

requisitos [veja-se, v.g., o Acórdão do STA de 13.01.2011 - Proc. n.º 0839/10; o Acórdão do
TCA/N de 11.02.2015 - Proc. n.º 00272/14.3BEMDL; e o Acórdão do TCA/S de 23.02.2012 -
Proc. n.º 08433/12].

E ainda às alterações que se prendem com “rótulos e relatórios de ensaios, certificação e


outros meios de prova”, insertas no art. 49.º-A, passando a prever-se que a entidade
adjudicante pode exigir, nos termos a definir por portaria do membro do Governo responsável
pela área das obras públicas:

i) Rótulo específico para atestar que as obras, bens móveis ou serviços correspondem
às características exigidas;

ii) Apresentação de um relatório de ensaio de um organismo de avaliação da


conformidade ou um certificado emitido por tal organismo como meio de prova da
conformidade com os requisitos ou critérios estabelecidos;

iii) Apresentação de amostras de produtos que pretendem adquirir.

Recordaria, aqui, nomeadamente, o Acórdão do STA de 22.09.2016 [Proc. n.º 0870/16],


relatado aliás pela Sr.ª Conselheira Maria Benedita Malaquias Pires Urbano (aqui a
Moderadora) no qual foi considerado que a exigência feita nas peças procedimentais da
apresentação de um protótipo não era ilegal, aduzindo-se como motivação para o seu juízo,
presente o quadro legal então vigente, o de que se o art. 57.º do CCP “não fala
especificamente em documentos escritos” ocorria, no entanto, que a al. b) do mesmo preceito
continha “uma redação onde se pode facilmente enquadrar a exigência de amostras,
maquettes ou protótipos («Documentos que, em função do objeto do contrato a celebrar e
dos aspetos da sua execução submetidos à concorrência pelo caderno de encargos,
contenham os atributos da proposta, de acordo com os quais o concorrente se dispõe a
contratar»” - poderia ler-se então, sendo certo que não sendo possível exigir tal protótipo isso
implicaria que “não seriam possíveis os concursos de conceção”, realidade que era desmentida
pelo CCP que, quanto aos mesmos “fala claramente em «documentos que materializam os
trabalhos de conceção» (v.g., art. 231, n.º 1, do CCP)”.

Passando ao quarto ponto em que se registam mudanças apontaria a matéria dos


“impedimentos” dos candidatos/concorrentes e da relevação dos mesmos impedimentos [cfr.
arts. 55.º e 55.º-A], impondo-se aqui elencar alguns aspetos inovatórios.

Entre estes conta-se o impedimento ora previsto na al. l) do n.º 1 do art. 55.º, através do que
se transpõe o disciplinado na al. g) do n.º 4 do art. 57.º da Diretiva n.º 2014/24/UE, passando a
estar impedido de se candidatar ou concorrer quem tenha sido “acusado deficiências
significativas ou persistentes na execução de, pelo menos, um contrato público anterior nos
últimos três anos, tendo tal facto conduzido à resolução desse contrato por incumprimento, ao
pagamento de indemnização resultante de incumprimento, à aplicação de sanções que tenham
atingido os valores máximos aplicáveis nos termos dos n.ºs 2 e 3 do artigo 329.º, ou a outras
sanções equivalentes”.

43
Contratação Pública
3. Primeiro balanço das alterações legislativas ao CCP

Convocaria, no caso, a situação que havia sido julgada à luz do regime normativo então vigente
pelo Acórdão do STA de 12.03.2015 [Proc. n.º 01469/14] e em que o referido quadro legal se
revelou insuficiente para responder às situações passíveis, hoje, de eventualmente virem a
mostrar-se abrangidas pela referida alínea l) do n.º 1 do normativo em referência.

De notar ainda que no domínio dos impedimentos à apresentação de proposta/candidatura e


da sua relevação fundada na ausência de situação regularizada relativamente a contribuições
para a segurança social ou a impostos devidos em Portugal ou, se for o caso, no Estado de que
sejam nacionais ou no qual se situe o seu estabelecimento principal [als. d) e e) do n.º 1 do art.
55.º] decorre do n.º 1 do atual art. 55.º-A que “[o] disposto nas alíneas d) e e) do n.º 1 do
artigo anterior aplica-se sem prejuízo dos regimes de regularização de dívidas fiscais e dívidas à
Segurança Social em vigor”, impondo-se ter presente nesta sede e interpretação deste quadro
o entendimento do TJUE, firmado no seu Acórdão de 10.11.2016 [“Ciclat Soc. Coop.” - Proc. C‑
199/15, §§ 28 a 40], de que o então art. 45.º da Diretiva 2004/18/CE “deve ser interpretado no
sentido de que não se opõe a uma regulamentação nacional, como a que está em causa no
processo principal, que obriga a entidade adjudicante a considerar motivo de exclusão a
infração em matéria de pagamento de contribuições para a segurança social, declarada num
certificado pedido oficiosamente pela entidade adjudicante e emitido pelos organismos da
segurança social, quando essa infração existia na data da participação num concurso, mesmo
que já não exista na data da adjudicação ou do controlo oficioso pela entidade adjudicante”.

A atentar ainda no impedimento previsto na al. k) do n.º 1 do art. 55.º [em que se estipula o
impedimento para aqueles que “[e]stejam abrangidas por conflitos de interesses que não
possam ser eficazmente corrigidos por outras medidas menos gravosas que a exclusão”] e em
que para efeitos do mesmo se prevê no n.º 2 do preceito que “podem ser ponderadas, como
medidas menos gravosas que a exclusão, designadamente, a substituição de membros do júri
ou de peritos que prestem apoio ao júri, a instituição de sistemas de reconfirmação de análises,
apreciações ou aferições técnicas, ou a proibição de o concorrente recorrer a um determinado
subcontratado”, regime este que se mostra enformado pelo princípio da proporcionalidade e a
ser aplicado em linha com aquilo que é a jurisprudência do TJUE produzida em interpretação e
aplicação de tal princípio.

O tempo já vai longo …

Passaria ao último ponto, o quinto, numa dupla vertente.

Por um lado, o instituto ou na figura do preço anormalmente baixo.

E do outro, a matéria de adjudicação e seus critérios [arts. 73.º, 74.º e 75.º].

Dado este último ser objeto de expresso tratamento em comunicação no âmbito desta ação de
formação a decorrer amanhã, a cargo de Ilustre Oradora, serei muito breve.

Diria apenas que nesta sede se registaram também mudanças significativas, a começar, pela
eliminação do critério de adjudicação do preço mais baixo com a previsão como único critério
o da “proposta economicamente mais vantajosa” [cfr. n.º 1 do art. 74.º] [em linha com o

44
Contratação Pública
3. Primeiro balanço das alterações legislativas ao CCP

regime que se mostra previsto no art. 67.º da Diretiva n.º 2014/24/UE e que importava
transpor para o ordenamento interno], passando a adjudicação a ser “feita de acordo com o
critério da proposta economicamente mais vantajosa para a entidade adjudicante,
determinada por uma das seguintes modalidades: a) Melhor relação qualidade-preço, na qual
o critério de adjudicação é composto por um conjunto de fatores, e eventuais subfatores,
relacionados com diversos aspetos da execução do contrato a celebrar; b) Avaliação do preço
ou custo enquanto único aspeto da execução do contrato a celebrar”, cientes de que “[a]
utilização da modalidade prevista na alínea b) do n.º 1 só é permitida quando as peças do
procedimento definam todos os restantes elementos da execução do contrato a celebrar” [vide
n.º 3 do mesmo preceito].

E, depois, pela introdução no convite ou no programa do procedimento não só da


obrigatoriedade da definição dum critério desempate [cfr. n.º 4 do mesmo artigo e o seu n.º 6
quanto à exemplificação de possíveis critérios de desempate a serem utilizados], mas também
da proibição da utilização como critério de desempate do “critério do momento de entrega da
proposta” [cfr. n.º 5 do referido preceito].

Tal entendimento já havia sido sustentado, aliás, pelo T. Contas no seu Acórdão n.º 01/2013,
de 08.01.2013 [1ª S/SS - Proc. n.º 1481/2012], tendo afirmado que “… «nos concursos que visem
a celebração de contratos regulados pelas Diretivas Comunitárias - empreitadas e aquisição de
bens e serviços e concessões de obras públicas - e, ainda, concessões de serviços públicos, os
critérios de adjudicação têm que dizer respeito a aspetos ou elementos («atributos») da
proposta» …”, sendo que “a data/hora entrada da proposta é uma questão de admissibilidade
da proposta, referindo-se ao cumprimento de requisitos para entrar no concurso”, razão pela
qual “[e]xcecionado o caso dos processos urgentes (em que está em causa a igualdade do
critério do mais baixo preço), a data hora da entrada da proposta nunca pode ser critério de
avaliação, porque não é atributo da proposta”.

Quando à figura do preço anormalmente baixo temos que o seu regime legal definido no CCP
na sua anterior redação aliado com o regime de exclusão de propostas suscitou vários
problemas e questões, revelando-se como fonte de vários litígios(6).

Dessa diversidade de problemas e de questões selecionaremos para análise apenas uma


questão, dadas as limitações de tempo.

Assim, suscitou-se litígio em torno da regra de instrução de proposta contendo preço


anormalmente baixo numa situação em que o concorrente sabia, objetivamente e de
antemão, de que a sua proposta continha um preço que padecia de tal anomalia e de qual
deveria ser o posicionamento do júri e destino/consequências para a proposta.

No caso concreto sob julgamento [realizado através do Acórdão do STA de 20.10.2016 - Proc.
n.º 01472/14] estava em causa a apreciação da legalidade de ato procedimental que não havia

6
Vejam-se, nomeadamente, neste domínio os Acórdãos do Supremo Tribunal Administrativo [«STA»] de 14.12.2013
(Proc. n.º 0912/12), de 03.12.2015 (Proc. n.º 0657/15), de 16.12.2015 (Proc. n.º 01047/15), de 07.01.2016 (Proc. n.º
01021/15), de 28.01.2016 (Proc. n.º 01255/15), de 20.06.2017 (Proc. n.º 0326/17), e de 12.07.2017 (Proc. n.º
0328/17)].

45
Contratação Pública
3. Primeiro balanço das alterações legislativas ao CCP

excluído do âmbito de concurso público propostas que haviam sido apresentadas por vários
concorrentes sem que as mesmas tivessem sido acompanhadas da junção de documento
contendo a justificação para a apresentação de proposta com preço anormalmente baixo
quando tal anomalia era objetivamente conhecida por cada um dos concorrentes no momento
em que a apresentou, centrando-se o diferendo na interpretação e aplicação do regime
decorrente dos arts. 57.º, n.º 1, al. d), 70.º, n.º 2, al. e), 71.º, 72.º, 132.º, n.º 2, e 146.º, n.º 2,
al. d), todos do CCP na anterior redação, e tendo ainda presente o disposto no art. 55.º da já
referida Diretiva n.º 2004/18/CE.

A figura ou o instituto do preço anormalmente baixo constitui mecanismo através do qual se


procura identificar e responder a práticas censuráveis já que contrárias à sã concorrência, fruto
não apenas de comportamentos voluntaristas irresponsáveis, mas também de
comportamentos intencionais que visam subverter as regras, permitindo distinguir aquilo que
sejam propostas credíveis quanto ao preço apresentado que, sendo baixo, acabam por
corresponder ao preço de mercado e aquelas que o não sejam já que temerárias.

O mesmo assumia especial acuidade no contexto de utilização como critério de


escolha/adjudicação do critério do preço mais baixo e enquanto forma de relação entre o
preço e aquele critério de adjudicação, de molde a assegurar a credibilidade de cada proposta
em termos da entidade adjudicante poder confiar na suscetibilidade da sua execução pelo
concorrente sem riscos de incumprimento.

Através do respetivo do regime normativo, no qual, note-se, inexistia e inexiste uma definição
legal do que seja uma proposta cujo preço revista de tal natureza, visa-se promover uma
conciliação em simultâneo de interesses da Administração, ou seja, por um lado, do interesse
da mesma naquilo que é uma boa aplicação dos recursos públicos em contratar nas melhores
condições do mercado através da obtenção, numa ambiência concorrencial, do mais baixo
preço possível e, por outro lado, do interesse em que o faça num quadro de segurança quanto
ao risco que possa advir duma adjudicação por preço demasiado baixo a ponto de poder
comprometer a execução perfeita e adequada do objeto do contrato com os consequentes
aumentos dos custos e dos encargos que se vêm a mostrar necessários para ultrapassar o
problema gerado pelo incumprimento ou cumprimento defeituoso do outro cocontratante
[vide, entre outros, os Acórdãos do STA de 26.09.2013 - Proc. n.º 01127/13 e de 20.10.2016 -
Proc. n.º 01472/14].

O regime de contratação então vigente determinava ou identificava uma proposta como


contendo um preço anormalmente baixo através de um sistema misto já que, por um lado,
mostrava-se fixado na lei previamente um critério automático destinado a identificar as
propostas que padeciam daquela anomalia [cfr. o art. 71.º, n.º 1, onde se considerava “que o
preço total resultante de uma proposta é anormalmente baixo quando seja: a) 40 % ou mais
inferior àquele, no caso de se tratar de um procedimento de formação de um contrato de
empreitada de obras públicas; b) 50 % ou mais inferior àquele, no caso de se tratar de um
procedimento de formação de qualquer dos restantes contratos”], critério esse supletivo visto
suscetível de ser “afastado” ou “substituído” por um outro critério também automático
através das regras que viessem a ser definidas para cada procedimento [cfr. os arts. 71.º, n.º 1,

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Contratação Pública
3. Primeiro balanço das alterações legislativas ao CCP

115.º, n.º 3, 132.º, n.º 2, 189.º, n.º 3, do mesmo Código], mediante o estabelecimento pelas
entidades adjudicantes, caso a caso, dum critério de determinação automática do limiar da
anomalia, mormente, através ou da i) indicação direta dum valor expresso em euros; ou da ii)
referência a uma fórmula matemática calculada em função duma percentagem do preço base;
ou ainda de iii) uma fórmula matemática de cálculo em função da média dos concretos preços
apostos nas propostas apresentadas pelos vários concorrentes.

Com o atual regime do CCP revisto veio-se proceder à eliminação do critério automático que
se mostrava fixado no referido n.º 1 do art. 71.º, passando a disciplinar-se que as entidades
adjudicantes “podem definir, no programa de concurso ou no convite, as situações em que o
preço ou o custo de uma proposta é considerado anormalmente baixo, tendo em conta o
desvio percentual em relação à média dos preços das propostas a admitir, ou outros critérios
considerados adequados”, cientes de que as mesmas devem “fundamentar a necessidade de
fixação do preço ou do custo anormalmente baixo, bem como os critérios que presidiram a essa
fixação, designadamente os preços médios obtidos na consulta preliminar ao mercado, se tiver
existido” [cfr. n.º 2 do mesmo preceito]. Ou seja, a regra de fixação do critério do preço
anormalmente baixo deixou de estar indexada ao preço base.

Ora em termos daquilo que eram as consequências decorrentes da classificação duma


proposta como contendo um preço anormalmente baixo já resultava da análise do regime
contratação pública então vigente [cfr. os arts. 70.º, n.º 2, al. e), e 71.º, n.º 3, ambos do
referido Código] muito fruto da influência comunitária, a enunciação duma regra de que a
exclusão de tal proposta não era automática, sendo necessário que previamente a uma tal
decisão fosse dada a oportunidade ao concorrente de justificar o preço apresentado.

Do referido regime fluía que aos autores de propostas cujo preço fosse considerado
anormalmente baixo [enquanto classificação resultante do operar ou da aplicação automática
de critérios ou fórmulas matemáticas ou de expressa decisão tomada pela entidade
adjudicante no uso de poderes discricionários] devia ser dada oportunidade de, no âmbito
dum debate contraditório(7) (8) e em prazo razoável, se pronunciarem sobre a intenção da

7
No Acórdão do TJUE de 29.03.2012 - «SAG ELV …» [Proc. n.º C-599/10, § 29, consultável in:
«www.curia.europa.eu/juris/» - sítio a que se reportarão todas as demais citações de acórdãos daquele Tribunal
sem expressa referência em contrário], afirmou-se, nomeadamente, que “a existência de um debate contraditório
efetivo entre a entidade adjudicante e o concorrente, num momento útil do procedimento de análise das propostas,
para este poder provar a seriedade da sua proposta, constitui uma exigência fundamental da Diretiva 2004/18, com
vista a evitar a arbitrariedade da entidade adjudicante e garantir uma sã concorrência entre as empresas”.
8
Também no Acórdão do TJUE de 18.12.2014 - «Data Medical Service» [Proc. n.º C-568/13, §§ 46, 47, 48 e 50] se
sustentou que “resulta da redação do artigo 37.º, n.ºs 1 e 3, da Diretiva 92/50 que a possibilidade de rejeitar uma
proposta anormalmente baixa não se limita apenas ao caso em que a modicidade do preço proposto é justificada
pela obtenção de um auxílio de Estado ilegal ou incompatível com o mercado interno. Com efeito, esta possibilidade
tem um caráter mais geral. (…) Por um lado, decorre da redação desta disposição que a entidade adjudicante está
sujeita, aquando da análise do caráter anormalmente baixo de uma proposta, à obrigação de pedir ao candidato
que apresente as justificações necessárias para provar a seriedade da sua proposta (…). (…) Por conseguinte, a
existência de um debate contraditório efetivo entre a entidade adjudicante e o concorrente, num momento útil do
procedimento de análise das propostas, para este poder provar a seriedade da sua proposta, constitui uma
exigência fundamental da Diretiva 92/50, com vista a evitar a arbitrariedade da entidade adjudicante e garantir
uma concorrência sã entre as empresas (…). (…) o caráter anormalmente baixo de uma proposta deve ser apreciado
«face à prestação». Assim a entidade adjudicante pode, no âmbito da sua análise do carácter anormalmente baixo
de uma proposta, com vista a assegurar uma concorrência sã, tomar em consideração não só as circunstâncias

47
Contratação Pública
3. Primeiro balanço das alterações legislativas ao CCP

entidade adjudicante de vir a excluir as suas propostas com esse fundamento e de, assim,
apresentarem esclarecimentos complementares sobre os elementos que sejam relevantes
para a formação do preço, presente que certas fórmulas matemáticas não podiam ser erigidas
em critérios automáticos de exclusão dado os proponentes terem de ser ouvidos após se
determinar que a proposta preenchia o critério formal que as fazia incorrer no qualificativo
que justificava a exclusão e os seus esclarecimentos terem de ser devidamente ponderados.

Esta linha interpretativa encontrava respaldo na jurisprudência do TJUE(9), bem como na do


STA [cfr., entre outros, Acórdãos do STA de 25.09.1997 - Proc. n.º 035168 e de 20.10.2016 -
Proc. n.º 01472/14], extraindo-se da referida jurisprudência que um dos objetivos que presidia
ao quadro normativo na matéria é o da maior abertura possível à concorrência, abertura essa
que é, também, do próprio interesse da entidade adjudicante envolvida, já que a mesma
disporia, assim, de uma escolha mais alargada quanto à proposta mais vantajosa e mais
adequada às necessidades do organismo em causa, promovendo a boa administração e
aplicação dos recursos públicos.

Dela mais derivava a existência dum propósito de imposição à entidade adjudicante de


exigência quanto à verificação da composição das propostas que quanto ao preço
apresentassem um caráter anormalmente baixo, imposição essa que se manifestava através da
obrigação de solicitar aos concorrentes que apresentassem as justificações necessárias para
provarem a seriedade das suas propostas, negando-se ou não se admitindo a exclusão
automática de proposta que contivesse um preço anormalmente baixo decorrente do simples
e mero operar de fórmulas ou critérios matemáticos e que não permitisse aos concorrentes
captar previamente o limiar da anomalia(10).

enunciadas no artigo 37.º, n.º 2, da Diretiva 92/50, mas também todos os elementos pertinentes à luz da prestação
em causa”.
9
Cfr., entre outros, e para além dos acórdãos já referidos, os Acórdãos do TJUE de 10.02.1982 - «Transporoute et
Travaux» (Proc. n.º C-76/81), de 22.06.1989 - «Fratelli Costanzo SpA» (Proc. n.º C-103/88), de 26.10.1995 -
«Furlanis» (Proc. n.º C-143/94), de 16.10.1997 - «Hera SpA» (Proc. n.º C-304/96), de 27.11.2001 - «Impresa
Lombardi SpA» e «Impresa Ing. Mantovani SpA» (Procs. C‑285/99 e C-286/99), de 15.05.2008 - «SECAP SpA» (Procs.
C‑147/06 e C‑148/06), de 23.12.2009 - «Consorzio Nazionale Interuniversitario per le Scienze del Mare (CoNISMa)»
(Proc. n.º C‑305/08) e de 19.10.2017 - “Agriconsulting Europe SA” (Proc. C-198/16 P), jurisprudência produzida em
face daquilo que foi sendo o sucessivo quadro normativo comunitário [vide, nomeadamente, os arts. 29.º, n.º 5, da
Diretiva n.º 71/305, 37.º da Diretiva n.º 92/50/CEE, 30.º, n.º 4, da Diretiva n.º 93/37/CEE, 55.º, n.º 1, da Diretiva n.º
2004/18/CE, sendo quanto ao último dos acórdãos citados, importa ainda atentar aos arts. 139.º, n.º 1, e 146.º, n.º
4, do Regulamento (CE/EURATOM) n.º 2342/2002].
10
Sustentou o TJUE no seu Acórdão de 27.11.2001 [Procs. n.ºs C-285/99 e C-286/99] que “o artigo 29.º, n.º 5, da
Diretiva 71/305 proíbe aos Estados-Membros a aplicação de disposições que prevejam a exclusão automática dos
concursos de adjudicação de empreitadas de obras públicas de certas propostas, determinadas segundo um critério
matemático, em vez de imporem às entidades adjudicantes a aplicação do procedimento de verificação
contraditória previsto na diretiva (…). (…) O Tribunal de Justiça declarou, assim, que o artigo 29.º, n.º 5, da Diretiva
71/305 exige à entidade adjudicante que verifique a composição das propostas que apresentem um caráter
anormalmente baixo e impõe-lhe, para o efeito, a obrigação de solicitar ao concorrente que apresente as
justificações necessárias (…). (…) Segundo o Tribunal de Justiça, um critério matemático, por aplicação do qual
seriam consideradas anómalas e, portanto, excluídas do processo de adjudicação as propostas que excedam em
menos de 10% o excesso médio em relação ao preço-base fixado como valor da empreitada das propostas admitidas
a concurso, retira aos concorrentes que tenham apresentado propostas especialmente baixas a possibilidade de
provarem que as mesmas são sérias, de modo que a aplicação deste critério é contrária ao objetivo da Diretiva
71/305, que é o de favorecer o desenvolvimento de uma concorrência efetiva em matéria de contratos públicos (…)”
e, reportando-se já à Diretiva n.º 93/37, afirmou que o “o artigo 30.º, n.º 4, da diretiva pressupõe necessariamente
que seja seguido o procedimento de verificação contraditório das propostas consideradas anormalmente baixas pela
entidade adjudicante, que impõe a esta a obrigação, depois de ter tomado conhecimento da totalidade das

48
Contratação Pública
3. Primeiro balanço das alterações legislativas ao CCP

Sendo esta a linha interpretativa que enformava e marcava o nosso regime regra de exclusão
de proposta que contivesse um preço anormalmente baixo, que, diga-se, como iremos ver
adiante, saiu reforçada com a recente revisão operada pelo DL n.º 111-B/2017, importava, no
caso, apurar se a regra que da mesma se extraía tinha valia absoluta ou se, ao invés,
comportava alguma exceção.

De facto, centrando a análise no quadro normativo e concursal que ali estava em presença,
considerou-se no acórdão do STA de 20.10.2016 [Proc. n.º 01472/14], de que se mostrava
como adequada e ajustada uma solução de imposição de instrução ab initio duma proposta
com documento onde estivessem contidos os esclarecimentos justificativos da apresentação
de preço anormalmente baixo quando esse preço resultasse, direta ou indiretamente, das
peças do procedimento tal como se previa no art. 57.º, n.º 1, al. d), do CCP/2008 e/ou pudesse
constar igualmente das próprias peças do procedimento e em que aquela falha instrutiva fosse
sancionada com a exclusão da proposta do procedimento [cfr. art. 146.º, n.º 2, al. d), do
mesmo Código].

Sustentou-se, para tal, assim a existência ou imposição, no caso, dum dever ou o ónus de
instrução por parte de cada concorrente da justificação sobre o preço anormalmente baixo
desde logo conjuntamente com a proposta apresentada e sem possibilidade do seu
suprimento naquelas situações em que os concorrentes, sem margem para dúvidas,
conheciam ou podiam conhecer o limiar daquela anomalia dado esta derivar, direta ou
indiretamente, das peças do procedimento.

Se era certa a consagração no CCP/2008 duma regra de inadmissibilidade de exclusão


automática de proposta de concorrente que contivesse preço anormalmente baixo apurado,
nomeadamente, pelo simples e mero apelo a fórmulas ou critérios matemáticos e sem que
antes, por escrito e em prazo adequado, tivesse sido solicitado ao concorrente proponente
que prestasse os esclarecimentos justificativos do preço apresentado, enquanto elemento
constitutivo da proposta sujeito à concorrência, entendeu-se, no entanto, que uma tal regra
apenas deveria valer ou fazer sentido para as situações em que aquele concorrente não pôde
ou não lhe foi permitido captar previamente o limiar da anomalia e, assim, conscientemente
poder ter-se determinado quanto ao preço que apôs na sua proposta.

Tal dever ou ónus de instrução mostrava-se, no entendimento que obteve vencimento no


acórdão, conforme, desde logo, com o princípio da igualdade de tratamento entre
concorrentes no que tange às exigências do assegurar a todos os concorrentes de iguais
oportunidades de formulação dos termos das suas propostas e da decorrente
estabilidade/intangibilidade destas, presente que o aceitar e admitir que o concorrente
pudesse juntar posteriormente documento com aquela função e natureza, seja por sua própria
iniciativa seja por determinação do júri e quanto a elemento objetivo que o mesmo controlava
e/ou que não podia dizer que lhe escapar, acabaria ou poderia acabar por redundar numa
“vantagem” para o mesmo contrária ao disposto, nomeadamente, nos arts. 57.º, n.º 1, al. d),

propostas e antes de decidir sobre a adjudicação da empreitada, de solicitar, primeiro, por escrito, esclarecimentos
sobre os elementos da proposta suspeita de anomalia que suscitaram concretamente dúvidas da sua parte e de
apreciar, a seguir, essa proposta, tendo em conta as justificações dadas pelo concorrente em causa em resposta a
essa solicitação”.

49
Contratação Pública
3. Primeiro balanço das alterações legislativas ao CCP

70.º, n.º 2, al. e), 71.º, n.ºs 2, 3 e 4, 72.º, 132.º, n.º 2, e 146.º, n.º 2, al. d), do CCP/2008, e das
regras disciplinadoras da realização dos procedimentos de formação de contratos no âmbito
das plataformas eletrónicas (11)[vide, os arts. 02.º, 07.º, 10.º, 12.º, 14.º, 15.º, e 16.º, todos do
DL n.º 143-A/2008, de 25.07, e, bem assim, os arts. 05.º, 06.º, 11.º, 12.º, 16.º, 17.º, 19.º, 20.º,
21.º, 22.º, 23.º, 26.º/34.º todos da Portaria n.º 701-G/2008, 29.07 [à data vigentes e
entretanto revogados - pela Lei n.º 96/2015, de 17.08 (vide seu art. 94.º)].

E, para além disso, o mesmo dever de instrução imposto ex ante radicava sua fundamentação,
igualmente, num princípio geral de colaboração dos concorrentes para com a entidade
adjudicante, de aceleração e eficiência procedimental, bem como mesmo duma garantia
adicional da seriedade com que cada proposta deve ser apresentada, tanto mais que as
justificações a serem produzidas destinavam-se a conferir seriedade e credibilidade à
proposta, removendo a suspeita que sobre a mesma recaia de conter preço anormalmente
baixo já que abaixo do referido limiar da anomalia.

Concluiu-se, então, no sentido de que o regime regra neste domínio decorrente mormente do
n.º 3 do art. 71.º do CCP/2008 comportaria uma exceção, já que não se aplicaria nas situações
em que os concorrentes conheciam ou não podiam deixar de conhecer o limiar da anomalia
em questão, sob pena de violação do citado quadro legal de harmonia com a interpretação ali
feita e, bem assim, dos princípios da igualdade e da concorrência.

Pese embora o legislador, no preâmbulo do DL n.º 111-B/2017, se haver limitado a referir que
com a revisão operada no CCP se procedeu à “alteração da regra de fixação do critério do
preço anormalmente baixo, eliminando a sua indexação ao preço base”, temos que o regime
normativo ora introduzido neste domínio, com o desaparecimento do critério legal supletivo
conjugado com a revogação operada naquilo que era o teor da al. d) do n.º 1 do art. 57.º do
CCP [em que se estipulava que “[a] proposta é constituída pelos seguintes documentos: (…) d)
Documentos que contenham os esclarecimentos justificativos da apresentação de um preço
anormalmente baixo, quando esse preço resulte, direta ou indiretamente, das peças do
procedimento”] e decorrente impacto em termos da decisão de exclusão da proposta face ao
teor dos termos da al. d) do n.º 2 do art. 146.º do mesmo Código, parecem apontar no sentido
da necessária inflexão do entendimento firmado no acórdão em referência.

É certo que a interpretação nele veiculada não contendia, note-se, com aquilo que era e é a
jurisprudência do «TJUE» supra citada já que da mesma não decorria, nem uma absoluta
proibição da possibilidade de adoção de critérios de determinação automática do limiar da
anomalia das propostas quanto ao preço nelas aposto(12), tanto mais que tais critérios
introduzem eficiência nos procedimentos e limitações ao poder discricionário prevenindo

11
Cfr., na doutrina, João Amaral e Almeida em “As propostas de preço anormalmente baixo” in: “Estudos da
Contratação Pública”, (CEDIPRE), III, págs. 87 e segs., em especial, págs. 122/134; Jorge Andrade da Silva in: “Código
dos Contratos Públicos - Comentado e Anotado” (2008), págs. 217/218; Gonçalo Guerra Tavares e Nuno M. Duarte
in: “Código dos Contratos Públicos Comentado”, vol. I, págs. 42, 275/276; Mário Esteves de Oliveira e Rodrigo
Esteves de Oliveira in: ob. cit., págs. 591 e 939, nota 224.
12
Cfr., v.g., os §§ 68 a 73 do citado Acórdão do TJUE de 27.11.2001 - Procs. n.ºs C-285/99 e C-286/99.

50
Contratação Pública
3. Primeiro balanço das alterações legislativas ao CCP

abusos, nem também que seja imposto previamente à exclusão de proposta a existência para
todas as situações dum contraditório a ter lugar sempre a posteriori(13).

Ocorre, porém, que face a uma ausência de regra no programa do concurso ou no convite [a
admitir que o regime legal vertido no atual art. 71.º, n.ºs 2 e 3 do CCP não encerra em si regra
imperativa que impenda em termos absolutos sobre as entidades adjudicantes e sem margem
ou possibilidade de comportar quaisquer exceções, não autorizando, como tal, o seu
afastamento através das peças do procedimento] que defina, de forma inequívoca e sem
margem para dúvidas, o que constitui uma proposta que contenha preço ou custo
anormalmente baixo e que exija a necessária instrução da proposta com documento contendo
a justificação desse preço ou custo reputado de anormalmente baixo, sancionando
diretamente tal omissão instrutória com a exclusão de tal proposta, temos que, no quadro do
atual regime definido para o preço ou custo anormalmente baixo, mostra-se afastada a
possibilidade do sancionamento com a exclusão de proposta para os concorrentes que hajam
omitido a instrução com documento contendo os esclarecimentos justificativos da
apresentação de tal preço ou custo mesmo quando estes resultem, direta ou indiretamente,
das peças do procedimento.

Se o regime decorrente, nomeadamente, dos arts. 57.º, n.º 1, al. d), 70.º, n.º 2, al. e), 71.º, n.ºs
2, 3 e 4, 72.º, 132.º, n.º 2, e 146.º, n.º 2, al. d), do CCP na anterior redação, permitiam, então,
fundar o entendimento, ainda que com alguma margem dubitativa, da existência em situações
como as descritas no acórdão de uma exceção ao regime regra aludido e que se mostrava
enunciado, mormente, no n.º 3 do art. 71.º do CCP, creio que, face à revogação entretanto
operada naquilo que constituía um fundamento de exclusão da proposta por omissão de
devida instrução documental [cfr. arts. 57.º, n.º 1, al. d), e 146.º, n.º 2, al. d), ambos do CCP na
anterior redação] e ao que deriva dos arts. 70.º, n.º 2, als. a) e e), e 71.º, deixou de ser
defensável uma tal interpretação e entendimento.

Com efeito, impõe-se, atualmente, uma leitura que passa pela afirmação plena do regime
regra, ou seja, de que previamente à decisão de exclusão de proposta fundada no facto da
mesma conter preço ou custo anormalmente baixo existirá ou mostra-se imposto sempre,
como dever que impendente sobre a entidade adjudicante, um convite à apresentação, por
escrito e em prazo razoável, de esclarecimentos por parte dos concorrentes proponentes
relativos aos elementos constitutivos relevantes da respetiva proposta, presente ainda que,
para além dos motivos justificativos da análise a realizar neste contexto e já constantes do
anterior regime [como os respeitantes à “economia do processo de construção, de fabrico ou
de prestação do serviço”, à “originalidade da obra, dos bens ou dos serviços propostos”, à
“possibilidade de obtenção de um auxílio de Estado pelo concorrente, desde que legalmente
concedido”, ou então às “soluções técnicas adotadas ou às condições excecionalmente
favoráveis de que o concorrente comprovadamente disponha para a execução da prestação
objeto do contrato a celebrar”, ou também às “específicas condições de trabalho de que
beneficia o concorrente” - cfr. als. a) a e) do n.º 4 do art. 71.º do CCP em ambas as redações]
foram ainda aditados outros motivos como o da “verificação da decomposição do respetivo

13
Vejam-se, nomeadamente, os §§ 60 e segs. do citado Acórdão do TJUE de 27.11.2001 - Procs. n.ºs C-285/99 e C-
286/99.

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Contratação Pública
3. Primeiro balanço das alterações legislativas ao CCP

preço, por meio de documentos comprovativos dos preços unitários incorporados no mesmo,
nomeadamente folhas de pagamento e declarações de fornecedores, que atestem a
conformidade dos preços apresentados e demonstrem a sua racionalidade económica” e do
“cumprimento das obrigações decorrentes da legislação em matéria ambiental, social e
laboral, referidas no n.º 2 do artigo 1.º-A” [este em transposição do regime inserto, mormente,
nas als. d) e e) do n.º 2 do art. 69.º da Diretiva n.º 2014/24/UE e das als. d) e e) do n.º 2 do art.
84.º da Diretiva n.º 2014/25/UE, regime esse que contem um leque exemplificativo mais vasto
que o que derivava das anteriores Diretivas - cfr. n.º 1 do art. 55.º da Diretiva n.º 2004/18/CE e
n.º 1 do art. 57.º da Diretiva n.º 2004/17/CE], esclarecendo-se, assim, também aqui algumas
dúvidas e diferendos que, por vezes, se suscitaram quanto ao leque e âmbito dos motivos
justificativos utilizados neste domínio.

Não gostaria de terminar sem deixar aqui uma última nota quanto a aspeto que me parece
deveria ter merecido o cuidado do legislador.

E a mesma prende-se com as regras contagem do prazo de apresentação de uma proposta.

Assim, no quadro da aplicação do CCP/2008 [cfr. o regime decorrente dos arts. 130.º, 131.º, e
136.º, todos do mesmo Código, através do qual, nomeadamente, se procedeu à transposição
do que se preceituava no art. 38.º da Diretiva n.º 2004/18/CE] em articulação com o previsto,
nomeadamente, na Portaria n.º 701-A/2008, de 29 de julho [vide os seus arts. 03.º, n.ºs 1, 3 e
4 e 05.º, n.ºs 4 e 5 - diploma no qual se estabeleceram os modelos de anúncio de
procedimentos pré-contratuais previstos no CCP a publicitar no Diário da República -, e que se
mantém vigor - cfr. art. 10.º do DL n.º 111-B/2017], suscitou-se o problema de saber qual o
termo inicial a atender para efeitos de início da contagem do prazo de apresentação de uma
proposta no quadro de concurso público quando do anúncio que o publicitou, no Diário da
República [DR] e no Jornal Oficial da União Europeia [JOUE], constavam datas diversas como
sendo as de envio. No caso(14), suscitou-se problema gerado, alegadamente, pelo facto de, no
plano interno, o anúncio publicado no «DR» assumir automaticamente como data de envio
não a que constava do ofício ou aquela em que se procedeu ao preenchimento do formulário
de anúncio na plataforma/portal “Diário da República Eletrónico” [DRE], gerido pela “Imprensa
Nacional-Casa da Moeda, SA” [INCM], mas aquela em que se procedeu ao pagamento do
14
Apreciado pelo Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte [«TCA/N»] de 25.01.2013 - Proc. n.º
01312/11.3BEBRG, consultável em «www.dgsi.pt/jtcn» - sítio a que se reportarão todas as demais citações de
acórdãos daquele Tribunal sem expressa referência em contrário.
No caso os anúncios teriam sido alegadamente remetidos em simultâneo para publicação no «JOUE e no «DR»
(realidade essa, todavia, ali não inteiramente líquida), só tendo assumido no «DR» como data de envio uma data
diversa por motivo do preenchimento automático desse campo pela plataforma eletrónica, situação que ocorreu e
virá a ocorrer sempre que o pagamento do anúncio não fosse ou não venha a ser realizado no mesmo dia da
submissão/envio daquele para publicação no «DR» ou no «JOUE», colocando-se problemas quanto à definição do
termo inicial relativo ao prazo de apresentação de propostas [para os concursos públicos (vide arts. 130.º, 131.º,
135.º, 136.º, quer do CCP - versão 2008 como na versão 2015) e para os concursos públicos urgentes (vide arts.
157.º e 158.º, do CCP - em ambas as versões], sendo que tal problema se colocava e coloca também noutros tipos
de procedimentos quanto à apresentação de candidaturas [vide, por um lado, em ambas as versões do CCP
referidas, os arts. 167.º (concurso limitado por prévia qualificação), 197.º e 198.º (procedimento de negociação),
208.º (diálogo concorrencial), e 245.º (sistemas de qualificação), e, por outro lado, quanto: i) ao concurso de
conceção (arts. 224.º, 225.º do CCP/2008 e 219.º-C do CCP/2015), ii) aos sistemas de aquisição dinâmicos (arts.
242.º do CCP/2008 e 238.º do CCP/2015), iii) aos contratos de serviços sociais e de outros serviços específicos (art.
250.º-B CCP/2015), e iv) aos contratos a celebrar por concessionários de obras públicas que não sejam entidades
adjudicantes (art. 276.º do CCP/2015)].

52
Contratação Pública
3. Primeiro balanço das alterações legislativas ao CCP

anúncio. Colocava-se o problema de, tendo os anúncios sido alegadamente remetidos em


simultâneo para publicação no «JOUE» e no «DR» [realidade essa, todavia, ali não
inteiramente líquida], no «DR» surgiu como data de envio uma data diversa da que constava
do «JOUE» por motivo do preenchimento automático desse campo pela plataforma eletrónica,
situação que ocorreu e virá a ocorrer sempre que o pagamento do anúncio não seja ou não
venha a ser realizado no mesmo dia da submissão/envio daquele para publicação no «DR» ou
no «JOUE», colocando-se problemas quanto à definição do termo inicial relativo ao prazo de
apresentação de propostas.

Como derivava e deriva dos arts. 130.º e 131.º do CCP o concurso público é publicitado no DR,
bem como também no JOUE, mediante o envio para publicação de anúncios a ter lugar em
simultâneo [para a INCM e para o Serviço de Publicações Oficiais da União Europeia (SPOUE)],
na certeza de que a publicação do anúncio no «JOUE» não dispensa a sua publicação no «DR»
e de que, além disso, deve ser junto ao processo de concurso documento comprovativo da
data do envio do anúncio para publicação no «JOUE».

Ora as recentes alterações de redação operadas no CCP pelo DL n.º 111-B/2017 e que vieram a
ter lugar em alguns dos concretos preceitos disciplinadores desta matéria mantiveram, no que
à questão diz respeito, incólume o seu regime legal e, nessa medida, os eventuais
problemas/dúvidas que possam vir a ser gerados em seu torno, tanto mais que continua
idêntica a redação inserta nos referidos arts. 03.º, n.ºs 1, 3 e 4 e 05.º, n.ºs 4 e 5 da Portaria n.º
701-A/2008 ainda vigente.

Na verdade, se por um lado se deve entender que o prazo de apresentação das propostas no
quadro de concurso público se conta desde a concreta data do envio do anúncio para a INCM e
para o SPOUE, envio esse que deve ocorrer em simultâneo [cfr. art. 131.º, n.º 7, do CCP], não
relevando, assim, aquela que seja ou venha a ser a concreta data da publicação nos jornais
oficiais e sua eventual diversidade, temos, todavia, como perfeitamente inútil a perpetuação
de eventuais “problemas” e conflitos/litígios suscetíveis de virem a ser gerados em torno da
discussão quanto à data que figura como sendo a de envio do anúncio, problemas e
conflitos/litígios esses que poderiam ser facilmente evitados se o regime normativo e sistema
técnico viessem a ser objeto de devida correção, deixando-se de assumir automaticamente
como data de envio do anúncio para publicação aquela em que o pagamento do anúncio teve
lugar.

Com efeito, ainda que a entidade adjudicante haja procedido ao envio de ambos os anúncios
na mesma data, cumprindo dessa forma o disposto no citado quadro normativo, temos,
todavia, que uma desconformidade entre aquilo que se tem como sendo as datas de envio
para publicação [à INCM e ao SPOUE], pela confusão e problemas que gera ou pode gerar, não
poderá funcionar como base aceitável para uma decisão de exclusão de proposta de
concorrente se e quando esta haja sido apresentada tempestivamente considerando uma
contagem do prazo feita por referência à data mais tardia que foi definida num dos anúncios
como sendo a data de envio do anúncio para publicação 15.

15
Como sustentam Mário Esteves de Oliveira e Rodrigo Esteves de Oliveira perante uma situação em que os
anúncios não hajam sido enviados em simultâneo “o prazo para apresentação de propostas, candidaturas e

53
Contratação Pública
3. Primeiro balanço das alterações legislativas ao CCP

Não poderá, na verdade, admitir-se uma tal desproteção dos concorrentes que numa situação
como a supra descrita, fazendo fé no teor do anúncio publicado, mormente quanto à data que
ali figura como sendo de envio para publicação e sem que a mesma haja sido alvo de qualquer
correção ou chamada de atenção ou de alerta em qualquer local, mormente, ao nível da
plataforma eletrónica, tenham adequado e conformado seus comportamentos e
procedimentos a tal realidade.

E isso independentemente da culpa ou da ausência dela por parte da entidade adjudicante


quanto ao sucedido, mormente, quando fruto do quadro legal [arts. 03.º, n.ºs 3 e 4 e 05.º, n.ºs
4 e 5, ambos da Portaria n.º 701-A/08] e das regras/procedimentos ao nível da programação
da plataforma eletrónica e que leva ao preenchimento automático do campo da data de envio
de forma que não corresponde àquela que é a efetiva data de envio para publicação levando a
desconformidades nas publicações no DR e no JOUE quanto ao campo da data de envio do
anúncio.

Não será, pois, de aceitar que, perante publicações em jornais oficiais que apresentam
desconformidades quanto a item relevante e essencial na e para a condução do procedimento
pelos seus intervenientes e pelas consequências quiçá dramáticas que tal pode implicar, o
ónus de atuação e consequências recaiam sobre os concorrentes ou potenciais
concorrentes/interessados, não sendo de lhes exigir que, à cautela ou pelo seguro, tenham de
indagar se o concurso foi alvo de publicação ou não noutro jornal oficial e qual a data que no
mesmo figura como sendo a data de envio do anúncio para, no caso de desconformidade entre
publicações quanto àquela data, hajam, ainda, de deduzir e obter esclarecimento/confirmação
junto da entidade adjudicante quanto àquilo que é a efetiva data de envio a considerar.

Pese embora o entendimento que acaba de se expor, firmado e tido por válido também no
quadro do regime normativo definido pelo CCP na redação decorrente do DL n.º 111-B/2017 e
demais regime regulamentar vigente, entendo que seria de toda a conveniência e utilidade
que este regime e o sistema técnico em funcionamento em sua decorrência fossem objeto das
necessárias alterações de molde a que se evitassem futuros problemas e questões como
aqueles que deram origem ao litígio julgado pelo acórdão em referência, para o efeito
bastando eliminar a ligação da data de pagamento do anúncio com aquilo que é da data de
envio do mesmo e que é feita através duma assunção “automática”.

Em jeito de balanço final…

Muitas mudanças ficaram por enunciar e abordar:

Como a promoção da adjudicação de contratos sob a forma de lotes com vista a


incentivar a participação das pequenas e médias empresas [cfr. arts. 46.º-A] e o usar
como critério de desempate os fatores e subfatores a proposta que tiver sido

soluções começará a contar da data do envio mais tardio dos anúncios para publicação no Diário da República e no
JOUE, como é princípio geral em matéria de contagem de vários prazos para o mesmo efeito” [in: “Concursos e
outros Procedimentos de Contratação Pública”, 2011, pág. 873].

54
Contratação Pública
3. Primeiro balanço das alterações legislativas ao CCP

apresentada por empresas sociais ou por pequenas e médias empresas, por ordem
crescente da categoria das empresas [cfr. n.º 6 do art. 74.º];

Ou a possibilidade de reserva de contratos para entidades que empreguem pessoas


com deficiência ou desfavorecidas [cfr. art. 54.º-A];

Ou a disponibilização de forma livre, completa e gratuita das peças do procedimento,


na plataforma eletrónica de contratação pública, a partir da data da publicação do
anúncio [cfr. arts. 133.º, n.º 1, 240.º, n.º 3];

Ou o novo regime simplificado para serviços de saúde, serviços sociais e outros


serviços específicos de valor superior a € 750.000,00 [cfr. art. 250.º-D e anexo X];

Ou a previsão da emissão da fatura eletrónica em contratos públicos [cfr. art. 299.º -B];

Ou a introdução da noção de trabalhos ou serviços complementares, que substitui os


«trabalhos a mais» e os «trabalhos de suprimento de erros e omissões» [cfr.,
nomeadamente, os arts. 11.º, n.º 2, al. e) do DL n.º 111-B/2017, 361.º, n.º 3, 370.º a
380.º, do CCP];

Ou a introdução da consulta preliminar [cfr. art. 35.º-A e n.º 3 do art. 47.º], de modo a
que, antes de um procedimento de contratação, a entidade adjudicante realize
consultas informais ao mercado a fim de preparar o procedimento, fixando
mecanismos para que isso não se traduza em perda de transparência ou prejuízo para
a concorrência; ou ainda a consagração de um novo procedimento de consulta prévia
[cfr. arts. 112.º e segs.], com consulta a três fornecedores, limitando o recurso ao
ajuste direto; ou ainda a necessidade de fundamentação especial dos contratos de
valor superior a 5.000.000,00 € com base numa avaliação custo-benefício [cfr. n.º 3 do
art. 36.º], mas urge concluir aquilo que constituiu uma primeira abordagem ou análise
à recente revisão do CCP e àquilo que são as soluções que no mesmo se mostram
consagradas.

A mudança de uma lei aporta sempre para o aplicador do direito um esforço redobrado de
atualização quanto aos novos comandos e às novas soluções que nela foram inscritos e
consagrados, trabalho esse que exige daquele o devido balanceamento, estudo e uma reflexão
aberta, cientes de que o devir legislativo sairá sempre mais enriquecido se feito em diálogo,
tanto mais que o derradeiro teste quanto à bondade, suficiência e adequação das soluções que
foram encontradas e adotadas ocorrerá na sua aplicação prática, no julgamento dos litígios
submetidos a decisão nos tribunais administrativos e que não lograram ser prevenidos ou
evitados.

55
Contratação Pública
3. Primeiro balanço das alterações legislativas ao CCP

Vídeo da apresentação

https://educast.fccn.pt/vod/clips/2ffuab5vb9/flash.html?locale=pt

56
Contratação Pública
4. Alterações ao regime do “preço anormalmente baixo”

ALTERAÇÕES AO REGIME DO “PREÇO ANORMALMENTE BAIXO”

Ana Sofia Alves ∗

A. Introdução e razão de ordem


B. O modo de identificação das propostas de preço anormalmente baixo
1. O novo quadro legal
2. Implicações das alterações introduzidas
C. O preenchimento do conceito de «preço anormalmente baixo»
1. Considerações introdutórias
2. O conceito de preço anormalmente baixo: duas teses em confronto
3. Considerações sobre a formação do preço tecidas pela jurisprudência nacional
4. O texto das disposições europeias sobre «preço anormalmente baixo»
5. Os instrumentos de soft law europeu: a posição da Comissão Europeia
6. A teleologia do instituto do «preço anormalmente baixo»
7. As novidades da Directiva 2014/24/UE e da sua transposição
8. Conclusões
D. O subprocedimento de justificação de uma proposta anómala
1. O novo quadro legal
2. Implicações das alterações (e omissões) introduzidas

A) INTRODUÇÃO E RAZÃO DE ORDEM

A recente revisão do Código dos Contratos Públicos (doravante, “CCP”), resultante pelo
Decreto-Lei n.º 111-B/2017, de 31 de Agosto, introduziu relevantes inovações no regime do
preço anormalmente baixo.

Essas alterações, parcialmente fruto da necessidade de transposição das Directivas


2014/24/UE e 2014/25/UE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 26 de Fevereiro de
2014, são igualmente o resultado da intenção do legislador nacional de «alteração da regra de
fixação do critério do preço anormalmente baixo, eliminando a sua indexação ao preço base»
(cfr. preâmbulo do referido Decreto-Lei n.º 111-B/2017, de 31 de Agosto).

As implicações deste que é um novo regime do preço anormalmente baixo − em vigor no


ordenamento jurídico nacional desde 1 de Janeiro de 2018 (cfr. artigo 13.º do citado diploma
preambular) − operam a dois níveis: a um tempo, no modo de identificação de propostas
anómalas( 1), que agora pressupõe, de forma explícita ou implícita, uma determinada
compreensão do conceito de preço anormalmente baixo; a outro tempo, no subprocedimento

* Juíza de Direito, Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra


1
( ) Recupera-se aqui a utilização indistinta das expressões “proposta anómala” e “proposta de preço anormalmente
baixo” para designar a realidade que, nas tradições legislativas portuguesa e europeia, é designada por recurso
exclusivo à segunda das mencionadas expressões, como sugerido por JOÃO AMARAL E ALMEIDA, “As Propostas de Preço
Anormalmente Baixo”, in PEDRO GONÇALVES (org.), Estudos de Contratação Pública, III, Coimbra Editora, Coimbra,
2010, p. 89, n. 2.

59
Contratação Pública
4. Alterações ao regime do “preço anormalmente baixo”

de justificação de uma proposta de preço anómala e nas exigências procedimentais que


precedem a exclusão de uma proposta com fundamento na sua anomalia.

Esses são também os dois núcleos temáticos que, de forma directa ou indirecta, têm sido
objecto de tratamento na jurisprudência dos tribunais administrativos nacionais.

Importa, por isso, mapear as implicações do novo quadro legal do regime do preço
anormalmente baixo, para, posto isso, reenquadrar os entendimentos jurisprudenciais em
voga entre nós e aferir da eventual necessidade da sua inflexão. É esse o propósito desta
apresentação que subdividimos em três secções:

− Centrando-nos, em primeiro lugar, no núcleo temático da identificação de propostas de


preço anormalmente baixo, elencaremos as alterações introduzidas pela revisão do Código dos
Contratos Públicos, tecendo, em seguida, considerações sobre as implicações que este novo
quadro legal acarreta para o debate jurisprudencial em matéria de propostas anómalas.

− Seguindo o filão dessas implicações, abordaremos na segunda secção o conceito de proposta


de preço anormalmente baixo, procurando subsídios hermenêuticos na legislação europeia, no
soft law europeu, bem como na doutrina estrangeira e na jurisprudência do Tribunal de Justiça
da União Europeia (doravante, “TJUE”), que auxiliem o intérprete e aplicador da lei na
densificação deste conceito.

− Por último, na terceira secção, deslocamo-nos para o núcleo temático da fase pós-
qualificação de uma proposta como anómala, mais concretamente para as alterações
introduzidas pelo legislador nacional em matéria de justificação do preço anormalmente baixo.

B) O MODO DE IDENTIFICAÇÃO DE PROPOSTAS DE PREÇO ANORMALMENTE BAIXO

1. O NOVO QUADRO LEGAL

As linhas de força da revisão operada nesta matéria podem resumir-se nos seguintes termos:

a) A eliminação do critério automático e supletivamente aplicável de determinação do limiar


da anomalia, fruto da alteração introduzida na redacção do artigo 71.º, n.º 1, do CCP;

b) A preservação do sistema de identificação casuística de uma proposta de preço


anormalmente baixo, acompanhada da necessária fundamentação (cfr. artigo 71.º, n.º 3, do
CCP);

c) A manutenção do poder das entidades adjudicantes para definirem um critério de


determinação da anomalia nas peças do procedimento (cfr. novo artigo 71.º, n.º 1, do CCP, em
termos que já resultavam dos artigos 115.º, n.º 3, 132.º, n.º 2, e 189.º, n.º 3, do CCP, na
redacção de 2008).

60
Contratação Pública
4. Alterações ao regime do “preço anormalmente baixo”

Embora habilite legalmente as entidades adjudicantes a preencherem a sua margem de livre


decisão administrativa, vinculando-se nas peças do procedimento com a definição de um
critério de determinação da anomalia, o legislador não deixou, no entanto, de introduzir aí
duas importantes novidades.

Por um lado, enunciou o critério do «desvio percentual em relação à média dos preços das
propostas a admitir» como critério admissível de determinação da anomalia, sem prejuízo da
possibilidade de recurso pela entidade adjudicante a «outros critérios considerados
adequados» (cfr. segmento final do artigo 71.º, n.º 1).

A este respeito, importa sublinhar que, não obstante o teor do diploma preambular, que
anunciou a «alteração da regra de fixação do critério do preço anormalmente baixo,
eliminando a sua indexação ao preço base», o texto da lei não exclui a possibilidade de
previsão nas peças do procedimento de um critério dessa natureza. Neste sentido, aliás, o
artigo 189.º, n.º 3, do CCP, continua a fazer expressa menção à adopção possível de um
critério de definição da anomalia por indexação ao preço base.

Por outro lado, impôs exigências de fundamentação a dois níveis. Fez recair sobre as entidades
adjudicantes o ónus de fundamentação da necessidade e ou conveniência de fixação de um
critério de anomalia nas peças do procedimento em detrimento do recurso singelo ao sistema
de qualificação casuística de uma proposta de preço como anómala (cfr. artigo 71.º, n.º 2,
primeira parte, do CCP). Bem como, o ónus de fundamentação do critério adoptado para a
qualificação de uma proposta como anómala, quer quanto ao tipo de critério escolhido, quer
quanto ao concreto limiar fixado, quando aplicável (cfr. artigo 71.º, n.º 2, segunda parte, do
CCP).

2. IMPLICAÇÕES DAS ALTERAÇÕES INTRODUZIDAS

A primeira implicação do novo quadro legal que imediatamente se anuncia é o fim do


automatismo como critério esmagadoramente maioritário de qualificação de uma proposta de
preço como anormalmente baixo.

Com efeito, face ao regime jurídico agora revogado, a falta de expressa previsão pela entidade
adjudicante de um critério de qualificação de uma proposta de preço como anormalmente
baixo dava lugar à imediata aplicação do critério supletivo previsto na versão agora alterada do
artigo 71.º, n.º 1, do CCP, que enquadrava como tal qualquer preço situado abaixo de um
limiar fixado por indexação ao preço base( 2). O que necessariamente implicava que, salvo nos
raros casos em que as peças do procedimento não definiam um preço base( 3), vigorava em
todo e qualquer procedimento de formação de contrato público um critério automático de
determinação da anomalia de uma proposta.

2
( ) Limiar percentual que, como é sabido, variava em função do tipo contratual em causa e que correspondia a 40%
ou mais inferior ao preço base, caso estivesse em causa a formação de um contrato de empreitada de obra pública
ou a 50% ou mais inferior ao preço base nos procedimentos de formação de qualquer um dos restantes contratos.
3
( ) Que, na prática, correspondiam às hipóteses enquadráveis na redacção pré-alteração do artigo 47.º, n.º 2, do
CCP.

61
Contratação Pública
4. Alterações ao regime do “preço anormalmente baixo”

No novo quadro legal, o legislador limita-se a conferir à entidade adjudicante a habilitação


legal para se auto-vincular com a fixação de um critério de determinação da anomalia, fixando-
o desde logo nas peças procedimentais, ou para, na pendência do procedimento de formação
de contrato e depois de apresentadas as propostas, casuisticamente qualificar uma proposta
de preço como anómala. Dito de outro modo: o legislador não define qualquer critério
supletivo de determinação da anomalia de um preço. Sendo certo que, em determinadas
circunstâncias − face a certos objectos contratuais ou em determinados segmentos de negócio
−, as entidades adjudicantes encontrarão razões que justificam a necessidade e/ou a
conveniência de pré-fixação de um critério de anomalia, parece possível adivinhar que, face
aos ónus de fundamentação que acompanham o exercício de auto-vinculação pela entidade
adjudicante, a maioria das entidades adjudicantes não seguirá essa opção.

Donde, num exercício de futurologia, dir-se-á que a qualificação (ou não qualificação)
casuística de um preço como anormalmente baixo passará a ser o regime-regra vigente entre
nós, quer por iniciativa directa da entidade adjudicante, que, na fase de análise das propostas,
encontra indícios de anomalia, quer por iniciativa dos concorrentes que, no exercício do seu
direito de audiência prévia, pretendam com esse fundamento excluir a proposta indigitada
para adjudicação.

Face a este quadro, é igualmente possível prever como segunda implicação a alteração
provável do foco do debate jurisprudencial que em Portugal se tem feito sobre a matéria da
composição do preço.

Isto porque no quadro legal agora alterado e após alguma flutuação jurisprudencial, tornou-se
entre nós dominante o entendimento no sentido da inadmissibilidade da determinação
casuística de uma proposta de preço anormalmente baixo, sempre que o limiar de anomalia
do preço estivesse directa ou indirectamente fixado nas peças concursais( 4).

E, por isso, o debate em torno da composição do preço que, por inerência, se faria no contexto
do instituto do preço anormalmente baixo – instituto jurídico consabidamente erigido com o
propósito de tutelar os riscos associados à adjudicação de uma proposta de preço
excessivamente baixo – foi, em primeiro lugar, deslocado pelos operadores económicos para a
esfera de intervenção das causas de exclusão de propostas previstas nas alíneas f) e g) do n.º 2
do artigo 70.º do CCP, ou seja, a alegada violação de disposições legais e regulamentares, e a
alegada existência de fortes indícios de actos, acordos ou práticas falseadoras da concorrência.
Não podendo os operadores económicos discutir a qualificação de um determinado preço
como anormalmente baixo – porque este se situava acima do limiar da anomalia definido nas
peças do procedimento ou supletivamente pelo artigo 71.º, n.º 1, do CCP – canalizaram as suas
suspeitas sobre a formação dos preços dos seus competidores para outras figuras jurídicas,
procurando, na senda do sucesso concursal, integrar tais propostas de preço naquelas
referidas causas legais de exclusão de propostas. E, por isso, a esmagadora maioria das

4
( ) Cfr. o mais recente exemplo desta posição no Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 20 de Junho de
2017 (processo n.º 0326/17), com voto de vencido do Conselheiro José Araújo Veloso, disponível em www.dgsi.pt.
Em sentido aliás contrário ao perfilhado na doutrina por JOÃO AMARAL E ALMEIDA, “As Propostas de Preço
Anormalmente Baixo”, cit., p. 119 a 121.

62
Contratação Pública
4. Alterações ao regime do “preço anormalmente baixo”

decisões dos tribunais superiores sobre a matéria da composição do preço não incidem
directamente sobre o instituto jurídico do preço anormalmente baixo, mas antes sobre a
alegada violação de disposições legais e regulamentares ou sobre a existência de indícios de
acções falseadoras da concorrência( 5).

Em segundo lugar, o debate sobre a composição do preço foi deslocado pelas entidades
adjudicantes para a discussão em torno da legalidade de uma norma concursal que defina o
limiar da anomalia do preço por recurso aos dados resultantes de um instrumento não
vinculativo da Autoridade para as Condições de Trabalho que, alegadamente e num
determinado segmento de negócio, fixaria os custos mínimos ou médios incorridos por um
operador económico, em matéria laboral e social( 6).

Finda a vigência como sistema-regra de um critério pré-determinado de qualificação de uma


proposta de preço anormalmente baixo, é natural que o foco do debate em torno da
composição do preço se localize, agora, no instituto do preço anormalmente baixo, mais
concretamente no momento de saber se uma proposta merece ou não essa qualificação. E é
justamente, por isso, que – adivinha-se – uma das implicações do novo regime do preço
anormalmente baixo é a focalização do debate jurisprudencial na densificação do próprio
conceito de «preço anormalmente baixo».

C) O PREENCHIMENTO DO CONCEITO DE PREÇO ANORMALMENTE BAIXO

1. CONSIDERAÇÕES INTRODUTÓRIAS

A conclusão extraída no fim da secção anterior justifica, por si só, um olhar mais aturado sobre
os contributos que de várias fontes emanam para a densificação deste conceito, sendo esse o
exercício a que nos propomos( 7).

Para ele partimos com algumas premissas que importa anunciar.

Em primeiro lugar, a não enunciação de um conceito de «preço anormalmente baixo» na


legislação europeia, com uma consequência, aliás veiculada pelo TJUE: a de que a definição
desse conceito é incumbência dos Estados-membros [cfr. Acórdão do TJUE de 27 de Novembro
de 2011 (processos apensos C-285/99 e C-286/99 – Lombardini/Mantovani), n.º 67 e, ainda,
n.os 51 e 53, em interpretação do n.º 4 do artigo 30.º da Directiva 93/27/CEE, do Conselho, de
5
( ) Cfr. Acórdãos do Supremo Tribunal Administrativo de 14 de Fevereiro de 2013 (processo n.º 0912/12), de 3 de
Dezembro de 2015 (processo n.º 0657/15); no mesmo sentido Acórdãos do Supremo Tribunal Administrativo, 16 de
Dezembro de 2015 (processo n.º 01047/15), de 7 de Janeiro de 2016 (processo n.º 01021/15), de 28 de Janeiro de
2016 (processo n.º 01255/15) e de 20 de Junho de 2017 (processo n.º 0326/17), disponíveis em www.dgsi.pt.
6
( ) Cfr. Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 12 de Julho de 2017 (processo n.º 0328/17), com voto de
vencido do Conselheiro Carlos Medeiros de Carvalho, disponível em www.dgsi.pt.
7
( ) Sem prejuízo das actualizações posteriores, designadamente para efeitos de preparação desta intervenção,
cumpre sublinhar que uma parte significativa das considerações e referências contidas nesta secção são resultado
da investigação por nós realizada no contexto da elaboração de um parecer sobre o enquadramento jurídico de
propostas de preço abaixo do preço de custo («As propostas de preço abaixo de custo: o seu enquadramento
jurídico»), inédito e não publicado, em que colaborámos no exercício da advocacia durante o ano de 2014, antes do
início da nossa formação para o exercício da magistratura nos tribunais administrativos e fiscais.

63
Contratação Pública
4. Alterações ao regime do “preço anormalmente baixo”

14 de Junho de 1993, cuja redacção é semelhante ao actual artigo 69.º da Directiva


2014/24/UE].

Em segundo lugar, a qualificação jurídica do «preço anormalmente baixo» como conceito


jurídico indeterminado( 8), cujo preenchimento se insere, portanto, na autonomia pública ou
margem de livre apreciação administrativa( 9), numa das suas muitas modalidades, a saber:
uma indeterminação flexibilizadora implantada pelo legislador na previsão normativa com o
propósito de conferir ao decisor administrativo uma margem de livre apreciação
administrativa( 10). O que, não podendo significar que estamos perante um espaço de livre
escolha extrajurídica insusceptível de fiscalização judicial, implica que o controlo jurisdicional
sobre a densificação desse conceito não pode implicar uma substituição da avaliação
casuisticamente determinada que foi realizada pelo decisor administrativo, mas antes deve
cingir-se ao controlo da existência de habilitação legal para o exercício de poder discricionário
e ao respeito pelas normas de competência subjectiva, bem como pelos limites imanentes ou
internos da margem de livre apreciação administrativa, i.e., os princípios da protecção das
posições jurídicas subjectivas dos particulares, da justiça, da igualdade, da imparcialidade, da
proporcionalidade e da boa-fé( 11)( 12).

Em terceiro lugar, a pré-compreensão de que o «preço anormalmente baixo» é um instituto


jurídico específico do Direito da Contratação Pública e que a construção do respectivo regime
pressupôs necessariamente uma determinada realidade regulada. O que opera como
argumento adicional – para além do princípio da interpretação conforme ao Direito da União
Europeia – a justificar que, na transposição desse regime para a legislação interna dos Estados-
membros e, bem assim, no preenchimento do conceito de preço anormalmente baixo pelas
8
( ) Cfr., no sentido da qualificação do conceito de preço anormalmente baixo como conceito jurídico indeterminado,
o Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 24 de Junho de 1997 (processo n.º 31087), e o Acórdão do
Tribunal de Contas n.º 13/09, de 24 de Março de 2009 (processo n.º 257/08), disponíveis em www.dgsi.pt.
9
( ) Sobre o superconceito de margem de livre decisão administrativa ou autonomia pública administrativa, com a
sua subdivisão em margem de apreciação administrativa de conceitos indeterminados e discricionariedade
administrativa, cfr. SÉRVULO CORREIA, Legalidade e Autonomia Contratual nos Contratos Administrativos, Almedina,
Coimbra, 1987, pp. 116-136 e 470 e segs. (maxime pp. 470, 472 e 480); idem, Direito do Contencioso Administrativo,
I, Lex, Lisboa, 2005, pp. 375-438; idem, “Conceitos Jurídicos Indeterminados e Âmbito do Controlo Jurisdicional”, in
Cadernos de Justiça Administrativa, n.º 70 (2008), pp. 41-50.
10
( ) Em sentido semelhante, cfr., por exemplo, SUE ARROWSMITH, The Law of Public and Utilities Procurement, 2.ª ed.,
Sweet & Maxwell, London, 2005, p. 534, designando a decisão a emitir como «discricionariedade de aceitação ou
não aceitação de propostas anormalmente baixas»; sustentando ainda, no que respeita ao processo de
identificação das propostas anormalmente baixas que serão submetidas a pedidos de esclarecimentos, que «o
método para escolher que propostas serão investigadas está na discricionariedade dos Estados-Membros», ibidem,
p. 537.
11
( ) Cfr. MÁRIO ESTEVES DE OLIVEIRA, Direito Administrativo, I, Almedina, Coimbra, 1980, pp. 253-262; SÉRVULO CORREIA,
Legalidade e Autonomia…, cit., p. 475; idem, Direito do Contencioso Administrativo, cit., p. 387 e 402 e seguintes;
idem, “Conceitos Jurídicos Indeterminados e Âmbito do Controlo Jurisdicional”, cit., pp. 41-50; MARCELO REBELO DE
SOUSA / ANDRÉ SALGADO DE MATOS, Direito Administrativo Geral — Introdução e Princípios Fundamentais, I, 2.ª ed.,
Dom Quixote, Lisboa, 2006, pp. 199, 207 e 211.
12
( ) Sobre o reconhecimento de um espaço próprio de valoração administrativa, impenetrável à hétero-
determinação por qualquer outra função do Estado, justificado tanto pelo modo como a Constituição configurou
um Estado de bem-estar – que exige a responsabilidade própria da Administração na selecção de meios de
satisfação de necessidades colectivas no âmbito de um princípio de igualdade material – quanto por motivos
puramente práticos – pela própria impossibilidade prática de consumpção legislativa do espaço decisório
administrativo –, cfr., entre tantos, SÉRVULO CORREIA, Legalidade…, cit., pp. 488-490; PAULO OTERO, O Poder de
Substituição em Direito Administrativo – Enquadramento Dogmático-Constitucional, 2 vols., Lex, Lisboa, 1995, p.
356; BERNARDO DINIZ DE AYALA, O (Défice de) Controlo da Margem de Livre Decisão Administrativa, Lex, Lisboa, 1995,
pp. 58-60.

64
Contratação Pública
4. Alterações ao regime do “preço anormalmente baixo”

entidades adjudicantes nacionais, as instituições em causa não podem abstrair da teleologia


deste instituto jurídico e, igualmente, das coordenadas que emergem do hard law europeu, do
soft law das instituições europeias e da jurisprudência do TJUE sobre esta temática. Antes de
proceder ao seu estudo, importa porém começar por mapear os entendimentos dominantes
sobre o conceito de preço anormalmente baixo, neles enquadrando posteriormente o
entendimento jurisprudencial reinante entre nós.

2. O CONCEITO DE PREÇO ANORMALMENTE BAIXO: DUAS TESES EM CONFRONTO

Na literatura sobre o tema, emergem duas concepções distintas sobre o que é uma proposta
de preço anormalmente baixo: uma primeira que qualifica como anormalmente baixas
(apenas) as propostas de preço que apresentem um risco de incumprimento (aqui também
designada por “perspectiva do risco de incumprimento”); e uma segunda que considera
anormalmente baixas todas as propostas de preço situado abaixo do preço de custo e, ou, sem
adequada margem de lucro (a “perspectiva da cobertura de custos e lucro”).

A primeira concepção é protagonizada por SUE ARROWSMITH na segunda edição do seu livro The
Law of Public and Utilities Procurement, publicada em 2005( 13), depois de a Autora ter, na
primeira edição publicada em 1996, aderido à segunda perspectiva citada( 14). É também a
posição adoptada por ROSANA DE NICTOLIS( 15). Segundo este entendimento, uma proposta de
preço anormalmente baixo é aquela que, em razão dos seus termos e condições tão
favoráveis, suscita uma suspeita de que o operador económico não será capaz de executar o
contrato de acordo com as condições (designadamente económicas) por ele propostas. O
escopo do “risco de incumprimento” subjacente a esta concepção inclui, quer a incapacidade
para executar o contrato nas condições oferecidas, quer a falta de viabilidade financeira do
concorrente, quer a sua incapacidade para aderir à legislação aplicável em matéria de
protecção e segurança no trabalho, mas já não o incumprimento das regras da
concorrência( 16). Mais ainda, o risco de incumprimento tende a ser interpretado amplamente,
levando-se em consideração não apenas os termos e o preço do específico contrato a celebrar,
mas igualmente a capacidade (e a intenção) do concorrente para cumprir o contrato, tendo
em conta, por exemplo, a sua composição accionista (pública ou privada), a dimensão
empresarial do concorrente, a sua presença no segmento de mercado em causa, a sua
reputação e performance em anteriores contratos.

A segunda perspectiva recebe o apoio de Autores como PETER TREPTE( 17) e GRITH
SKOVGAARD ØLYKKE( 18), segundo os quais uma proposta de preço anormalmente baixo é aquela
que é insuficiente para cobrir a totalidade dos custos inerentes à prestação a contratar,
resultando numa prática de dumping. Do mesmo modo, mas procedendo a uma análise sob o

13
( ) Cfr. SUE ARROWSMITH, The Law…, cit., 2005, p. 532. Posição mantida na 3.ª edição da obra (2014), Vol. I, p. 802.
14
( ) Ibidem, 1.ª ed. (1996), p. 247.
15
( ) Cfr. ROSANA DE NICTOLIS, «Le offerte anomale e i criteri di rilevazione della congruitá dei prezzi», in AaVv., Trattato
sui Contratti Pubblici, III, Giuffrè, Milano, 2008, p. 2201.
16
( ) Ibidem, 2.ª ed. (2005), pp. 532, 535, 536 e 539.
17
( ) Cfr. Regulating Procurement, New York: Oxford University Press, 2004, p. 244.
18
( ) Cfr. Abnormally Low Tenders with an Emphasis on Public Tenderers, Djøf, Copenhagen, 2010, pp. 247-248.

65
Contratação Pública
4. Alterações ao regime do “preço anormalmente baixo”

ângulo económico, ALEIX CALVERAS, JUAN-JOSE GANUZA e ESTHER HAUK( 19) observam que “proposta
de preço anormalmente baixo” é um termo utilizado para designar o fenómeno em que os
concorrentes propõem um preço abaixo do custo da prestação a contratar.

3. CONSIDERAÇÕES SOBRE A FORMAÇÃO DE PREÇO TECIDAS PELA JURISPRUDÊNCIA NACIONAL

O primeiro aresto do Supremo Tribunal Administrativo que incide sobre a composição do


preço, em 14 de Fevereiro de 2013 (processo n.º 0912/12)( 20), foi tirado a propósito da
apreciação da legalidade de uma norma concursal que previa o preço base de um concurso e
que, segundo a alegação da autora, seria insuficiente para custear a totalidade dos encargos
incorridos com os meios humanos necessários à execução da prestação contratual em causa.
Pode ler-se na fundamentação da referida decisão judicial o seguinte:

«Resulta da matéria de facto contida nas alíneas (…) que o custo anual dos encargos salariais
com os trabalhadores ultrapassa o valor anual do contrato posto a concurso o que acarretaria,
na perspectiva da recorrente a violação de alguns preceitos, designadamente, o disposto nos
art.os 70.º, n.º 2, al. f) do CCP, os princípios da igualdade, da transparência e da concorrências
constantes do CCP (…). Como assinala o Magistrado do Ministério Público no seu parecer, ‘não
é a execução de cada contrato que tem de garantir o pagamento da RMG [remuneração
mínima garantida], mas os resultados económico-financeiros da contratante, no cômputo
geral da sua actividade e, em última análise, todo o seu património. É claro que se em todos os
contratos celebrados as remunerações obtidas fossem inferiores aos encargos assumidos, não
só estes não poderiam ser assegurados, como a falência logo ficaria à vista. Mas essa não é a
situação comprovada nos autos, bem podendo acontecer que razões estratégicas aconselhem
a apresentação de propostas que envolvam a assunção de prejuízos pontuais, sem implicarem
a intenção de incumprimento de encargos legalmente impostos (…)’ Ou, como se escreveu na
sentença do TAF, ‘Mas também ficou demonstrado que era possível ao proponente apresentar
uma proposta de preço inferior àquele valor (custo em abstracto dos encargos sociais e com
remunerações) tendo por base a gestão de pessoal com que iria realizar a prestação de
serviços conjuntamente com outros contratos. Logo o que ficou demonstrado foi que algumas
empresas por deterem determinadas condições (pessoal excendentário de outros contratos,
proximidade de edifícios ou outras situações) conseguiam apresentar uma proposta mais
vantajosa. Mas sem que isso violasse qualquer regra de concorrência. Não porque fosse abaixo
do custo anual, como refere a autora, mas por que esse custo era repartido por outros
contratos ou mitigado atentas as condições que essa empresa conseguia colocar o mesmo
pessoal a realizar as mesmas horas de trabalho que outro proponente que não detenha essas
condições».

O entendimento jurisprudencial aqui espelhado tem sido desenvolvido pelo Supremo Tribunal
Administrativo, ancorando-se no princípio da legalidade das competências e no direito
fundamental e constitucionalmente consagrado da livre iniciativa económica para concluir, por
um lado, que as entidades adjudicantes não têm competências para fiscalizar o cumprimento

19
( ) Cfr. «Gambling for Resurrection in Procurement Contracts», Journal of Regulatory Economics, 2004, Vol. 26, n.º
1, p. 47.
20
( ) Disponível em www.dgsi.pt.

66
Contratação Pública
4. Alterações ao regime do “preço anormalmente baixo”

de tais normas sociais, laborais e ambientais por parte dos operadores económicos que se
apresentam a concorrer nos procedimentos de formação de contratos e, por outro lado, que o
concorrente empresário tem a liberdade de conceber a sua estrutura de custos, bem como de
formar os seus preços à luz de uma organização global da sua actividade económica.

Assim tem sido entendido que «o facto de uma proposta refletir um preço que implicaria um
custo inferior aos custos que derivam da aplicação de uma série de leis do trabalho não implica
que, face ao teor da proposta, a entidade adjudicatária não vá cumprir qualquer legislação
vigente e nomeadamente a legislação de trabalho que vem invocada como custos fixos a
considerar na proposta. Antes apenas significa que a mesma está disposta a ter certo prejuízo
já que nada a impede de, a nível de estratégia de empresa, preferir obter um certo contrato,
ainda que com algum prejuízo, até como política de marketing, de se dar a conhecer ao
mercado. Na verdade, o princípio da liberdade de gestão empresarial [artigo 61.º da CRP] e da
autonomia da estratégia empresarial não impede que o preço num concurso possa espelhar
uma estratégia da empresa concorrente suscetível de levar à apresentação de propostas que
envolvam a assunção de prejuízos pontuais, sem que isso determine qualquer ilegalidade,
designadamente, o incumprimento das obrigações retributivas e contributivas» [cfr. Acórdão
do Supremo Tribunal Administrativo de 3 de Dezembro de 2015 (processo n.º 0657/15)( 21),
realce nosso]]. E, do mesmo modo, que «o cumprimento, a garantia da observância das
obrigações e compromissos legais e contratuais por parte dos concorrentes e dos
adjudicatários não está unicamente na dependência daquilo que seja o valor aposto como
preço duma proposta já que no juízo, na equação a efetuar, outros fatores e termos importam
e devem ser considerados, como aquilo que seja a sua concreta e específica situação e
capacidade económica e financeira, a sua estrutura de custos, aquilo que sejam as suas
capacidades e condições no acesso às fontes de financiamento [bancário e/ou no mercado de
capitais], aquilo que sejam os seus recursos, sua estrutura/natureza e o modo como os
mesmos são geridos e estão organizados. À luz do quadro legal que se mostra vigente são os
resultados económico-financeiros dum contratante no cômputo geral da sua atividade e, em
última análise, todo o seu património que garantem que, nomeadamente, na execução de
cada contrato se mostrem observadas e cumpridas pelo mesmo todas obrigações/deveres
legais e contratuais» [cfr. Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 7 de Janeiro de
2016 (processo n.º 01021/15)( 22), realces nossos].

Como se referiu atrás, este entendimento jurisprudencial tem sido desenvolvido entre nós a
propósito da alegada violação de disposições legais e regulamentares em matéria laboral e
social por parte de operadores económicos a operar em determinados segmentos de mercado.
Não incidindo directamente sobre o conceito de preço anormalmente baixo.

Porém, o mais recente Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo sobre esta matéria,
extraído em 20 de Junho de 2017 (processo n.º 0326/17), transpõe este entendimento
jurisprudencial para o preenchimento do conceito de preço anormalmente baixo, afirmando

21
( ) No mesmo sentido Acórdãos do Supremo Tribunal Administrativo de 16 de Dezembro de 2015 (processo n.º
01047/15), de 7 de Janeiro de 2016 (processo n.º 01021/15), de 28 de Janeiro de 2016 (processo n.º 01255/15), de
14 de Dezembro de 2016 (processo n.º 0579/16), de 19 de Janeiro de 2017 (processo n.º 0817/16), todos
disponíveis em www.dgsi.pt.
22
( ) Disponível em www.dgsi.pt.

67
Contratação Pública
4. Alterações ao regime do “preço anormalmente baixo”

expressamente que «para que seja anormalmente considerada baixa a proposta de preço tem
de revelar um sério risco de impossibilidade de cumprimento do contrato [art.º 71.º, n.os 1 e 2
do CCP]: Daí que a previsão de um preço anormalmente baixo como factor de exclusão das
propostas se destine apenas a evitar o risco de um incumprimento integral pelo adjudicatário
das obrigações que assumiu perante a entidade adjudicante, mas já não o cumprimento pelo
adjudicatário das obrigações para com entidades terceiras ao contrato, como sejam, o caso
dos trabalhadores, da Segurança Social ou da Autoridade Tributária e Aduaneira, pois para
estes incumprimentos, a lei prevê outros mecanismos de atuação»( 23)(realces nossos).
Dito de outro modo: subjacente ao entendimento dominante perfilhado pela jurisprudência
nacional está uma determinada compreensão sobre essa figura jurídica, à luz da qual a ratio do
instituto do preço anormalmente baixo é exclusivamente a tutela do risco de incumprimento
contratual. Em termos que ressaltam explicitamente do já referido Acórdão do Supremo
Tribunal Administrativo de 20 de Junho de 2017, mas que são igualmente evidenciados pela
discussão havida nas primeira e segunda instâncias de um processo judicial em que foi
apreciada a legalidade de uma norma concursal que definia o limiar da anomalia do preço por
recurso aos dados resultantes de um instrumento não vinculativo da Autoridade para as
Condições de Trabalho que, alegadamente e num determinado segmento de negócio, fixaria
os custos mínimos ou médios incorridos por um operador económico, em matéria laboral e
social, processo esse que findou com o Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 12 de
Julho de 2017 (processo n.º 0328/17)( 24).

4. O TEXTO DAS DISPOSIÇÕES EUROPEIAS SOBRE «PREÇO ANORMALMENTE BAIXO»

Mapeadas as posições dominantes na doutrina e o entendimento reinante na jurisprudência


nacional, importa então perscrutar a legislação e a jurisprudência europeias em busca de
elementos que auxiliem o intérprete na densificação do conceito de preço anormalmente
baixo.

Desde a década de 90 do século passado, as Directivas europeias em matéria de contratação


pública têm consagrado o instituto dos «preços ou custos anormalmente baixos para as obras,
fornecimentos ou serviços a prestar» (cfr. o artigo 37.º da Directiva 92/50/CEE, do Conselho,
de 18 de Junho de 1992, cuja redacção é paralela ao actual artigo 69.º, n.º 1, da Directiva
2014/24/UE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 26 de Fevereiro de 2014, para os
contratos públicos em geral, e ao artigo 84.º, n.º 1, da Directiva 2014/25/UE, do Parlamento
Europeu e do Conselho, de 26 de Fevereiro de 2014, para os contratos públicos nos sectores
ditos especiais).

Estas disposições legais têm sido objecto de interpretação pelo TJUE, entre outros, no Acórdão
SAG ELV Slovensko e.o., de 29 de Março de 2012 (processo n.º 599/10) e no Acórdão Azienda
Ospedaliero, de 18 de Dezembro de 2014 (processo n.º C-568/13). Resulta do primeiro dos
referidos Acórdãos que «embora a lista que consta do artigo 55.°, n.° 1, segundo parágrafo, da
23
( ) Disponível em www.dgsi.pt.
24
( ) Disponível em www.dgsi.pt. A decisão deste pleito em segunda instância, percursora de um entendimento do
preço anormalmente baixo contrário à jurisprudência maioritária e alinhado com a designada “perspectiva de
cobertura de custos e lucro” resulta do Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul de 19 de Janeiro de 2017
(processo n.º 13540/16), também disponível em www.dgsi.pt

68
Contratação Pública
4. Alterações ao regime do “preço anormalmente baixo”

Directiva 2004/18 não seja exaustiva, não é no entanto meramente indicativa e não deixa,
portanto, liberdade às entidades adjudicantes para determinar quais os elementos pertinentes
a tomar em consideração antes de recusarem uma proposta com um preço anormalmente
baixo»( 25) (a propósito do artigo 50.º, n.º 1, da Directiva 2004/18/CE, do Parlamento Europeu e
do Conselho, de 31 de Março de 2004, cuja redacção é paralela à do actual artigo 69.º, n.º 1,
da Directiva 2014/24/UE; realces nossos). No segundo dos mencionados Acórdãos, o TJUE
refere a propósito do artigo 37.º da Directiva 92/50/CEE, que «o legislador da União precisou
nesta disposição que o carácter anormalmente baixo de uma proposta deve ser apreciado
‘face à prestação’. Assim, a entidade adjudicante pode, no âmbito da sua análise do carácter
anormalmente baixo de uma proposta, com vista a assegurar uma concorrência sã, tomar em
consideração não só as circunstâncias enunciadas no artigo 37.°, n.° 2, da Directiva 92/50, mas
também todos os elementos pertinentes à luz da prestação em causa»( 26) (realces nossos).

Ou seja, a legislação europeia e o entendimento jurisprudencial do TJUE a seu respeito


apontam para uma tendencial não consideração da situação e capacidade financeira do
concorrente, da sua reputação e performance em anteriores contratos, da sua dimensão
empresarial, do historial da sua presença e participação naquele segmento de mercado, como
elementos relevantes para qualificar uma proposta de preço como anormalmente baixa, já
que esses são elementos externos à prestação contratual.

E esta conclusão actua contra a prevalência da concepção de preço anormalmente baixo


assente no mero risco de incumprimento, já que, como referido atrás( 27), esta posição tende a
avaliar esse risco amplamente, levando em consideração não apenas os termos e o preço do
específico contrato a celebrar, mas também as características subjectivas do proponente,
designadamente as suas estrutura, solvabilidade e capacidade para cumprir.

5. OS INSTRUMENTOS DE SOFT LAW EUROPEU: A POSIÇÃO DA COMISSÃO EUROPEIA

Na procura de subsídios hermenêuticos para a densificação deste conceito, importa não


ignorar o soft law europeu. Com efeito, as posições assumidas pela Comissão Europeia e pelo
Parlamento Europeu nos instrumentos de soft law devem forçosamente alertar o legislador
nacional, bem como o intérprete e aplicador da lei. Não só estes instrumentos funcionam
como actos pré-legais ou quase-legais, em relação aos quais se espera o respeito voluntário
dos Estados-membros, como sinal de uma adesão espontânea às posições adoptadas, ainda
que de modo ligeiro, a nível comunitário europeu( 28); como, também, porque, mesmo para
quem reconheça um valor mais político do que jurídico ao soft law europeu( 29), estas
interpretações «oficiais» produzem relevantes efeitos práticos( 30), vindo a Comissão dar pistas
(e vincular-se) sobre o modo de exercício futuro da sua função de guardiã da legalidade

25
( ) Cfr. n.º 30.
26
( ) Cfr. n.º 50.
27
( ) Cfr. secção C.2. supra.
28
( ) Cfr. CHIARA ALBERTI, «Appalti In House, Concessioni In House ed Esternalizzazione», in Rivista Italiana di Diritto
os
Pubblico Comunitario, n. 3-4 (2001), pp. 500-501.
29
( ) Cfr. ANA MARIA GUERRA MARTINS, «A Emergência de um Novo Direito da União Europeia da Concorrência – As
Concessões de Serviços Públicos», in Revista da Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa, Vol. XLII, n.º 1
(2001), p. 95.
30
( ) Cfr. RICARDO ALONSO GARCIA, «El Soft Law Comunitario», in Revista de Administración Pública, n.º 154 (2001), p. 80.

69
Contratação Pública
4. Alterações ao regime do “preço anormalmente baixo”

europeia e sobre as razões que poderão fundamentar processos de incumprimento contra os


Estados-Membros( 31).

Ora, em Dezembro de 1986, na proposta de alteração da primeira directiva comunitária


destinada à coordenação dos processos de adjudicação de contratos de empreitada de obra
pública – a Directiva 71/305/CEE, do Conselho, de 26 de Julho de 1971( 32) –, a Comissão
Europeia expressou as suas preocupações pelo alastramento do fenómeno das propostas de
preço anormalmente baixo e afirmou que, tipicamente, essas propostas são apresentadas por
empresas que vivenciam dificuldades financeiras.

Onze anos volvidos, na Comunicação ao Conselho, ao Parlamento Europeu, ao Comité


Económico e Social e ao Comité das Regiões sobre a competitividade no sector da
construção( 33), de 4 de Novembro de 1997, a Comissão Europeia identificou o sector da
construção como um mercado esgotado, com sobrecapacidade, o que, no entendimento deste
órgão, encorajaria as empresas a submeterem propostas anormalmente baixas. Nesta ocasião,
a Comissão Europeia qualificou como anormalmente baixas as propostas «abaixo do nível
necessário para cobrir os custos» (tradução e realces nossos).

A posição adoptada pela Comissão Europeia neste instrumento de soft law foi perfilhada pelo
Parlamento Europeu na Resolução proferida sobre a comunicação da Comissão acerca da
competitividade no sector da construção. Aquele órgão parlamentar afirmou que «a falta de
regulação continua a encorajar a submissão de propostas de preço anormalmente baixo,
abaixo do nível necessário para cobrir os custos, o que mina ainda mais as estruturas
industriais do sector, conduz a projectos inacabados e destrói a transparência e a
competitividade do mercado»( 34) (tradução e realces nossos).

Em 1999, a Comissão Europeia produziu um relatório sobre propostas de preço anormalmente


baixo, como parte de uma iniciativa para melhorar a competitividade no sector da construção.
Nesse relatório, foi apresentada a seguinte definição de proposta de preço anormalmente
baixo: «Uma proposta é tida como anormalmente baixa se:

[i)] À luz da estimativa inicial da entidade adjudicante e de todas as outras propostas


apresentadas, parece ser anormalmente baixa porque não contempla uma margem de lucro
normal; e

[ii)] Em relação à qual o concorrente não consegue explicar o preço na base da economia do
processo construtivo, da solução técnica escolhida, da disponibilidade de condições

31
( ) Cfr. ANA MARIA GUERRA MARTINS, «A Emergência…», cit., p. 95.
32
( ) Cfr. Proposal for a Council Directive amending Directive 71/305/EEC concerning the Coordination of Procedures
for the Award of Public Works Contracts ─ COM (86) 679 final, de 23.12.1986, p. 10.
33
( ) Cfr. Communication from the Commission to the Council, the European Parliament, the Economic and Social
Committee and the Committee of the Regions ─ «The Competitiveness of the Construction Sector» ─ COM (97) 539
final, de 04.11.1997, secção 4.3.
34
( ) Cfr. Resolution on the Communication from the Commission on the Competitiveness of the Construction Industry
─ A4/1998/147, parágrafo P., publicada no Jornal Oficial C/152, de 18.05.1998, p. 22.

70
Contratação Pública
4. Alterações ao regime do “preço anormalmente baixo”

excepcionalmente favoráveis ou da originalidade do trabalho proposto»( 35) (tradução e realces


nossos). Este relatório densificou adicionalmente essa definição, consolidando a concepção já
adoptada em anteriores instrumentos de soft law e alinhando-se com aquela atrás( 36)
apelidada de “perspectiva de cobertura de custos e lucro”. Refere a Comissão Europeia que
«uma proposta de preço anormalmente baixo priva o concorrente de uma margem normal de
lucro ou, até, de uma qualquer margem de lucro e normalmente significa que a empresa
desenvolverá o projecto em perda [financeira]»; ela constitui «uma forma de dumping ou
concorrência desleal que distorce o mercado»( 37) (tradução da nossa autoria).

6. A TELEOLOGIA DO INSTITUTO DO «PREÇO ANORMALMENTE BAIXO»

Como figura específica da disciplina da contratação pública, de criação europeia, o preço


anormalmente baixo partilha naturalmente da mesma ratio que inspira e justifica
teleologicamente toda a legislação europeia em matéria de contratos públicos.

O preâmbulo do Tratado da Comunidade Europeia (doravante, “TCE”) sempre fez expressa


referência à necessidade de acções concertadas entre os Estados-membros com vista a
garantir uma «concorrência justa»; e essa referência consta hoje do Tratado sobre o
Funcionamento da União Europeia (“TFUE”), que actualmente integra as normas sobre
concorrência. Por isso, as políticas comuns a promover pela União incluem o desenvolvimento
de «um sistema que assegure que a concorrência no mercado interno não é distorcida», como
se lia no artigo 3.º do TCE e como resulta hoje do Protocolo n.º 27 relativo ao Mercado Interno
e à Concorrência, que se encontra anexo e faz parte integrante dos Tratados (cfr. artigo 51.º
do Tratado da União Europeia).

Portanto, as coordenadas que emergem do ordenamento comunitário europeu apontam no


sentido de conciliar a promoção da livre iniciativa económica como motor de um mercado
altamente concorrencial com a regulação desse mesmo mercado, em termos que impeçam a
distorção da concorrência gerada. E, em consequência, a disciplina jurídica da contratação
pública, de inspiração europeia, não poderá deixar de ser lida em termos que a compatibilizem
com essas duas directrizes da concorrência que emergem dos tratados fundadores da União.
Em linha de concordância com o que se deixa dito, a jurisprudência do TJUE tem afirmado que
«o principal objectivo das regras comunitárias sobre contratação pública [é] a liberdade de
movimento de serviços e a abertura dos mercados públicos à concorrência não distorcida em
todos os Estados-membros» [cfr. Acórdãos do TJUE de 11 de Janeiro de 2005 (processo C-
26/03 – Stadt Halle), n.º 44; de 11 de Maio de 2006 (processo C-340/04 ─ Carbotermo), n.º 58;
de 18 de Dezembro de 2007 (processo C-220/06 ─ Liberalisation of Postal Services), n.º 40; de
14 de Fevereiro de 2008 (processo C-450/06 ─ Varec), n.os 34-35; de 19 de Junho de 2008
(processo C-454/06 ─ Pressetext), n.º 31; de 19 de Maio de 2009 (processo C-538/07 ─ Assitur),
n.os 22-23 e 30; e de 9 de Junho de 2009 (processo C-480/06 ─ Comissão vs. Alemanha), n.º

35
( ) Cfr. Prevention, Detection and Elimination of Abnormally Low Tenders in the European Construction Industry,
relatório do III grupo de trabalho sobre propostas de preço anormalmente baixo, de 19.05.1999, disponível em
http://www.gci-uicp.eu/Documents/Reports/DG3ALT-final.pdf (último acesso em 10.09.2014), p. 10.
36
( ) Cfr. secção C.2. supra.
37
( ) Cfr. Prevention, Detection and Elimination of Abnormally Low Tenders in the European Construction Industry, cit.,
p. 10.

71
Contratação Pública
4. Alterações ao regime do “preço anormalmente baixo”

47]( 38). Bem como que «as Directivas de Contratação Pública têm por objectivo eliminar
práticas anticoncorrenciais, nos processos de adjudicação de contratos públicos» [cfr. Acórdão
do TJUE de 21 de Fevereiro de 2008 (processo C- 412/04 – Comissão vs. República Italiana), n.º
2].
No mesmo sentido, sublinham ROBERT ANDERSON e WILLIAM KOVACIC( 39), que nem a referência à
«concorrência efectiva» que constava do Considerando 46.º da Directiva 2004/18/CE, do
Parlamento Europeu e do Conselho, de 31 de Março, apresenta qualquer relação com a
adopção de mecanismos ampliativos do acesso dos interessados ao procedimento pré-
contratual nem, por outro lado, a ampliação do acesso dos potenciais concorrentes aos
procedimentos pré-contratuais parece ser suficiente para alcançar o objectivo do mercado
único que subjaz à concepção da disciplina europeia da contratação pública. Antes, tal
objectivo só é alcançado se a concorrência for efectiva – isto é, se as regras do jogo
concorrencial forem efectivamente cumpridas pelos concorrentes.

Parece, assim, formar-se um consenso no sentido de que o objectivo do regime jurídico da


contratação pública não reside exclusivamente na abertura dos contratos públicos à máxima
concorrência de mercado, ou seja, ao maior número possível de operadores económicos (a
concorrenza per il mercato), mas também na garantia de uma concorrência efectiva e não
distorcida (a concorrenza nel mercato)( 40).

E, assim sendo, este móbil da promoção de uma sã concorrência justifica, também, a


emergência deste regime que habilita as entidades adjudicantes a lançarem dúvidas ou
suspeições sobre a formação e a estrutura de custos dos preços propostos em procedimentos
pré-contratuais, como sublinhou o Advogado-Geral RUIZ-JARABO COLOMER nas Conclusões
emitidas no âmbito do processo SECAP( 41). Dito de outro modo: se tem sido relativamente
incontroverso que o instituto do preço anormalmente baixo é feixe de interesses
contrapostos, visando conciliar, por um lado, o interesse público financeiro imediato da
adjudicação da proposta de mais baixo preço e o direito à livre iniciativa económico-
empresarial com, por outro lado, o interesse público da tutela do risco de incumprimento ou
de cumprimento defeituoso do contrato( 42), cabe agora concluir que a referida figura jurídica é
igualmente inspirada – e teleologicamente justificada – pela necessidade de tutela da
38
( ) No mesmo sentido, cfr. conclusões do Advogado-geral Poiares Maduro apresentadas em 17 de Dezembro de
2008, no processo C-250/07 – Comissão vs. República Helénica.
39
Cfr., ROBERT D. ANDERSON / WILLIAM E. KOVACIC, «Competition Policy and International Trade Liberalisation: Essential
Complements to Ensure Good Performance in Public Procurement Markets», in Public Procurement Law Review, n.º
2 (2009), pp. 79 e 86.
40
( ) As expressões são de FRANCESCO GARRI, «La Giurisprudenza Amministrativa in Tema di Mercato degli Appalti», in
Rivista Trimmestrale Degli Appalti, n.º 1, 2010, p. 64; no mesmo sentido, MÁRIO ESTEVES DE OLIVEIRA / RODRIGO ESTEVES
DE OLIVEIRA, Concursos e Outros Procedimentos de Adjudicação Administrativa. Das Fontes às Garantias, Almedina,
Coimbra, 2011, p. 185; RODRIGO ESTEVES DE OLIVEIRA, «Os Princípios Gerais da Contratação Pública», in Pedro Gonçalves
(org.), Estudos de Contratação Pública, I, p. 67, referindo que «é de facto no respeito pela concorrência e
simultaneamente na sua promoção que assenta hoje o valor nuclear dos procedimentos adjudicatários: é a ela (a
concorrência) que estes se dirigem e é no aproveitamento das respetivas potencialidades que se baseia o seu
lançamento. E se é na concorrência que se funda o mercado da contratação pública, isso há-de significar que a
tutela de uma concorrência sã entre os competidores interessados deve estar na primeira linha das preocupações
do sistema jurídico».
41
( ) Cfr. Conclusões do Advogado-Geral no processo SECAP (C-147/06 e C-148/06), n.º 34.
42
( ) Cfr., neste sentido, ROSANNA DE NICTOLIS, «Le offerte anomale e i criteri di rilevazione della congruitá dei prezzi»,
cit., p. 2201. No mesmo sentido, MÁRIO ESTEVES DE OLIVEIRA / RODRIGO ESTEVES DE OLIVEIRA, Concursos e Outros
Procedimentos de Adjudicação Administrativa. Das Fontes às Garantias, Almedina, Coimbra, 2002, pp. 429-430.

72
Contratação Pública
4. Alterações ao regime do “preço anormalmente baixo”

concorrência na referida dúplice vertente e, portanto, também a tutela de um mercado


concorrencial são e efectivo( 43).

É evidente que esta conclusão conduz-nos a uma questão dilemática, já que, por esta via,
ocorre uma instrumentalização do regime da contratação pública à prossecução de políticas
(regulatórias) nos domínios laboral e social e, portanto, uma postergação do princípio da
legalidade das competências administrativas, como tem sido focado pela jurisprudência
nacional. Mas é incontroverso que o ordenamento jurídico-europeu tem sido relativamente
insensível a essas preocupações próprias da organização administrativa, fazendo uso do
instrumento jurídico da contratação pública para a prossecução das mais diversas políticas
secundárias( 44), em termos que, aliás e como de seguida se especifica, tornam-se ainda mais
evidentes com as novas directivas europeias de 2014.

7. AS NOVIDADES DA DIRECTIVA 2014/24/UE E DA SUA TRANSPOSIÇÃO

Em primeiro lugar, o artigo 18.º, n.º 2, da Directiva 2014/24/UE e o artigo 36.º, n.º 2, da
Directiva 2014/25/UE, conferem expressamente às entidades adjudicantes o mandato para
que, na execução dos contratos, assegurem «que os operadores económicos respeitam as
normas em vigor em matéria social, laboral, ambiental e de igualdade de género, decorrentes
do direito internacional, europeu, nacional ou regional». Regista-se nesta matéria uma
evolução face ao texto das anteriores directivas da contratação pública, já que, nesses
instrumentos normativos, as preocupações com o incumprimento destas disposições foram
espelhadas apenas no texto dos considerandos preambulares( 45).

Na transposição desta norma, o legislador aditou o artigo 1.º-A, n.º 2, do CCP, incluindo neste
mandato a fase de formação dos contratos públicos, que não consta, pelo menos, da
expressão literal da disposição transposta da Directiva. Dispõe a referida norma legal que «as
entidades adjudicantes devem assegurar, na formação e na execução dos contratos públicos,
que os operadores económicos respeitam as normas aplicáveis em vigor em matéria social,
laboral, ambiental e de igualde de género, decorrentes do direito internacional, europeu,
nacional ou regional» (realce nosso). Em termos que expressamente conferem às entidades
adjudicantes uma habilitação legal para verificar o cumprimento pelos concorrentes das suas
obrigações em matéria laboral, social e ambiental, assim postergando o entendimento
sustentado pela jurisprudência nacional assente no princípio da legalidade das competências.
43
( ) Neste sentido, PETER TREPTE, Regulating Procurement, cit., p. 244, fala no regime do preço anormalmente baixo
como uma cláusula de salvaguarda contra o dumping social, defendendo que este é o instituto jurídico que permite
proteger a concorrência contra a venda de produtos e serviços abaixo de custo, mesmo na ausência de regimes
jurídicos nacionais proibitivos das práticas de dumping.
44
( ) Em geral, criticando esta «substituição regulatória» e de jure condendo, cfr. ALBERT SANCHEZ-GRAELLS, «Regulatory
substitution between labour and public procurement law: the EU’s shifting approach to enforcing labour standards
in public contracts», no prelo para publicação em 2018, no n.º 24(2) da European Public Law, disponível em SSRN:
https://ssrn.com/abstract=2958297 (último acesso em 28.11.2017), referindo-se a esta opção como «public
procurement as a regulatory garbage can».
45
( ) Cfr. considerando n.º 40 da Directiva 2004/18/CE: «O controlo da observância destas disposições ambientais,
sociais e laborais deverá ser efectuado nas fases pertinentes do procedimento de contratação, ou seja, ao aplicar os
princípios gerais que regem a escolha dos participantes e a adjudicação de contratos, ao aplicar os critérios de
exclusão e ao aplicar as disposições relativas às propostas anormalmente baixas. A verificação necessária para este
efeito deverá ser conduzida em conformidade com as disposições pertinentes da presente directiva, e em especial
com as disposições aplicáveis aos meios de prova e às declarações sob compromisso de honra».

73
Contratação Pública
4. Alterações ao regime do “preço anormalmente baixo”

Em segundo lugar, o legislador europeu incluiu expressamente o cumprimento das obrigações


decorrentes da legislação ambiental, social e laboral entre as justificações pertinentes para
efeitos de justificação (e consequente admissibilidade) de um preço anormalmente baixo (cfr.
artigo 69.º, n.º 2, alínea d), da Directiva 2014/24/UE, e artigo 84.º, n.º 2, alínea d), da Directiva
2014/25/UE). Disposições que foram transpostas pelo legislador nacional com a introdução da
nova alínea g) do artigo 71.º, n.º 4, do CCP. E que, na prática, significam que, uma vez
confrontados com suspeitas da entidade adjudicante sobre a composição do preço proposto,
os operadores económicos podem justificar esse preço, demonstrando que, embora este seja
qualificável como anormalmente baixo, ainda assim, cumprem as suas obrigações em matéria
laboral, social e ambiental.

Por isso mesmo, constitui causa de exclusão de uma proposta a apresentação de um preço
anormalmente baixo se decorrer das justificações apresentadas que esse preço se explica pelo
não cumprimento das obrigações laborais, sociais e ambientais relevantes. É o que resulta
expressamente do artigo 69.º, n.º 3, segundo parágrafo, da Directiva 2014/24/UE, e do
considerando 103 da mesma Directiva, bem como do artigo 84.º, n.º 3, terceiro parágrafo, da
Directiva 2014/25/UE, e do considerando 108 desta Directiva. E é também a estatuição
imposta pelo artigo 70.º, n.º 2, alínea e), quando lido em conjugação com o preceito do artigo
71.º, n.º 4, alínea g), do CCP.

8. CONCLUSÕES

Face ao que se deixa dito, impõe-se extrair duas conclusões.

Em primeiro lugar que, por via da introdução do artigo 71.º, n.º 4, alínea g), do CCP, ocorre no
ordenamento jurídico português uma alteração dos dados do debate. Já que, não sendo
absolutamente líquida a adesão a uma concepção de preço anormalmente baixo alinhada com
a posição da Comissão Europeia e do Parlamento Europeu( 46) − que apelidamos de
“perspectiva da cobertura de custos e lucro” − parece incontestável que o instituto do preço
anormalmente baixo visa, pelo menos, tutelar o risco de incumprimento não apenas do
contrato, mas também da legislação laboral, social e ambiental relevante( 47).

O que implica uma inflexão do entendimento jurisprudencial adoptado sobre o conceito de


preço anormalmente baixo no quadro legal anterior, particularmente no recente e já referido
Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 20 de Junho de 2017 (processo n.º 0326/17).

46
( ) Expressa nos instrumentos de soft law mencionados na secção C.5 supra.
47
( ) Importa sublinhar que o conceito de preço anormalmente baixo não se identifica plenamente com a figura do
preço predatório própria do Direito da Concorrência. Por um lado, porque neste último âmbito, a existência de um
preço predatório depende da detenção pelo concorrente de uma posição dominante no mercado [cfr. Acórdãos do
TJUE de 3 de Julho de 1991 (processo C-62/86 —AKZO), de 6 de Outubro de 1994 (processo C-83/91 — Tetra Pak) e
de 2 de Abril de 2009 (processo C-202/07P — Wanadoo)], o que já não é pressuposto da qualificação de um preço
como anormalmente baixo (cfr., neste sentido, GRITH SKOVGAARD ØLYKKE, Abnormally Low Tenders…, cit., p. 280; MÁRIO
ESTEVES DE OLIVEIRA / RODRIGO ESTEVES DE OLIVEIRA, Concursos..., cit., 2011, p. 936). Por outro lado, porque, no quadro do
Direito da Concorrência, um preço só é anticompetitivo se for capaz de eliminar empresas tão eficientes quanto a
empresa dominante, ao passo que, para o regime do preço anormalmente baixo, é irrelevante saber qual a quota
de mercado detida por cada empresa (cfr., neste sentido, GRITH SKOVGAARD ØLYKKE, Abnormally Low Tenders…, cit., p.
280; MÁRIO ESTEVES DE OLIVEIRA / RODRIGO ESTEVES DE OLIVEIRA, Concursos..., cit., 2011, p. 936).

74
Contratação Pública
4. Alterações ao regime do “preço anormalmente baixo”

Em segundo lugar, que a formulação pela entidade adjudicante de juízo de anomalia de um


preço com fundamento na sua insuficiência para suportar a totalidade dos custos incorridos
pelo operador económico com o cumprimento das obrigações nos domínios laboral, social e
ambiental, inerentes àquela prestação contratual, não afasta a possibilidade de posterior
justificação do preço (anormalmente baixo) proposto, com base em justificações relacionadas
com a «prestação em causa», designadamente, a economia do processo de prestação de
serviço ou as condições excepcionalmente favoráveis de que o concorrente comprovadamente
dispõe, que lhe permitem, por exemplo, repartir os encargos sociais e com remunerações dos
meios humanos empregues na prestação de serviços por vários contratos (cfr. artigo 71.º, n.º
4, do CCP).

D) O SUBPROCEDIMENTO DE JUSTIFICAÇÃO DA ANOMALIA DE UMA PROPOSTA

1. O NOVO QUADRO LEGAL

As linhas de força da revisão operada nesta matéria podem resumir-se nos seguintes termos:

a) A previsão expressa do exercício de contraditório sobre a qualificação do preço como


anormalmente baixo nos casos de determinação casuística pela entidade adjudicante: «o
órgão competente para a decisão de contratar deve fundamentar a decisão de exclusão de
uma proposta com essa justificação, solicitando previamente ao respectivo concorrente que
preste esclarecimentos, por escrito e em prazo adequado, relativos aos elementos
constitutivos relevantes da proposta» (cfr. artigo 71.º, n.º 3, do CCP);

b) A revogação da alínea d) do artigo 57.º, n.º 1, do CCP, que previa a apresentação de


esclarecimentos justificativos do preço anormalmente baixo quando o limiar da anomalia
resultava expressa ou tacitamente das peças do procedimento;

c) A omissão de uma norma paralela a esse revogado artigo 57.º, n.º 1, alínea d), aplicável
quando, por recurso ao poder previsto no novo n.º 1 do artigo 71.º do CCP, a entidade
adjudicante defina nas peças do procedimento o critério de determinação da anomalia do
preço.

2. IMPLICAÇÕES DAS ALTERAÇÕES (E OMISSÕES) INTRODUZIDAS

Face ao novo quadro, deixou de existir habilitação legal para a exclusão de uma proposta com
fundamento na falta de apresentação dos esclarecimentos justificativos do preço
anormalmente baixo, mesmo nas hipóteses de pré-determinação do critério da anomalia nas
peças do procedimento, que até agora resultava do regime do artigo 146.º, n.º 1, alínea d),
conjugado com o artigo 57.º, n.º 1, alínea d), do CCP.

Em termos práticos, esta solução normativa traduz-se na eliminação do regime do


contraditório antecipado e na aplicação constante e universal do regime-regra de exercício do
contraditório sucessivo sobre o carácter anormalmente baixo do preço previsto no novo artigo
71.º, n.º 3, do CCP.

75
Contratação Pública
4. Alterações ao regime do “preço anormalmente baixo”

O que implica a inflexão do entendimento jurisprudencial formado no quadro legal agora


revogado, no sentido da validade de uma decisão de exclusão imediata de propostas com
preços anormalmente baixos, que não estivessem instruídas com os esclarecimentos previstos
no artigo 57.º, n.º 1, alínea d), do CCP de 2008, sempre que o limiar da anomalia resultasse
directa ou indirectamente das peças do procedimento [cfr. Acórdão do Supremo Tribunal
Administrativo de 20 de Outubro de 2016 (processo n.º 01472/14)( 48)].

Vídeos da apresentação

I.

https://educast.fccn.pt/vod/clips/1gr3m7atbb/flash.html?locale=pt

48
( ) Disponível em www.dgsi.pt.

76
Contratação Pública
4. Alterações ao regime do “preço anormalmente baixo”

II.

https://educast.fccn.pt/vod/clips/2633o9ihks/flash.html?locale=pt

77
Contratação Pública
5. Novidades em sede de apreciação e exclusão de propostas

NOVIDADES EM SEDE DE APRECIAÇÃO E EXCLUSÃO DE PROPOSTAS

Bernardo Azevedo ∗

Vídeo da apresentação

https://educast.fccn.pt/vod/clips/1gr3m7atm3/flash.html?locale=pt

*Assistente da Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa.

81
Contratação Pública
6. Os critérios de adjudicação

OS CRITÉRIOS DE ADJUDICAÇÃO

Cláudia Viana ∗

Vídeos da apresentação

I.

https://educast.fccn.pt/vod/clips/wvj2lqaiq/flash.html?locale=pt

II.

https://educast.fccn.pt/vod/clips/2ffuab5w8v/link_box_h?locale=pt

*Professora da Escola de Direito da Universidade do Minho.

85
Contratação Pública
7. Os (novos) trabalhos complementares

OS (NOVOS) TRABALHOS COMPLEMENTARES

Licínio Lopes Martins ∗

Vídeo da apresentação

https://educast.fccn.pt/vod/clips/2ffuab5wgs/flash.html?locale=pt

*Professor da Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra.

89
Contratação Pública
8. Acordos quadro, centrais de compras, sistemas de aquisição dinâmicos e catálogos eletrónicos

ACORDOS QUADRO, CENTRAIS DE COMPRAS, SISTEMAS


DE AQUISIÇÃO DINÂMICOS E CATÁLOGOS ELETRÓNICOS

Vera Eiró ∗

Vídeos da apresentação

I.

https://educast.fccn.pt/vod/clips/l6lt7k9w5/link_box_h?locale=pt

II.

https://educast.fccn.pt/vod/clips/28198201te/ipod.m4v?locale=pt

* Professora da Faculdade de Direito, Universidade Nova.

93
Contratação Pública
9. Principais novidades do regime substantivo dos contratos – invalidades e modificações objetivas e subjetivas

PRINCIPAIS NOVIDADES DO REGIME SUBSTANTIVO DOS CONTRATOS


– INVALIDADES E MODIFICAÇÕES OBJETIVAS E SUBJETIVAS 1

2
Raquel Carvalho

1. O âmbito de aplicação do regime substantivo;


2. O alcance das alterações no regime substantivo da Parte III.
3. O regime da invalidade: alcance das alterações;
3.1. O artigo 283.º e a invalidade derivada;
3.2. O artigo 284.º e a invalidade própria;
3.3. O artigo 285.º e o regime de invalidade.
4. A revogação do artigo 283.º A e a nova redação do artigo 287.º;
4.1. As questões suscitadas pela nova opção legislativa.
5. O regime das modificações do contrato: alcance das alterações;
5.1. A previsão do conceito de modificação no direito europeu;
5.2. Os tipos de modificação;
5.3. A modificação objetiva;
5.3.1. Os fundamentos da modificação objetiva;
5.3.2. Os limites do artigo 313.º;
5.3.3. A alteração no artigo 314.º;
6. A modificação subjetiva;
6.1. A cessão da posição contratual;
6.2. O novo artigo 318.º A;
6.3. A subcontratação;
6.4. O pagamento direto a subcontratado.

1. O ÂMBITO DE APLICAÇÃO DO REGIME SUBSTANTIVO

1. O legislador português, após ter ultrapassado em muito o tempo de transposição das


Diretivas de 2014 relativas à contratação pública, publicou a 31 de agosto de 2017 o diploma
que procede à referida transposição. Pela primeira vez, as Diretivas contêm normas sobre a
execução e resolução de contratos públicos, o que determinou necessariamente que a
transposição se estendesse para a Parte III do Código.

2. A mera contabilização das normas alteradas na Parte III permite perceber a extensão da
intervenção legislativa: 39 artigos que sofrem alterações, tendo sido acrescentados 15 novos
artigos. Acresce que foram revogadas doze disposições normativas, aí se incluindo por vezes,
artigos integrais.

1
O texto resulta da apresentação feita na sessão de dia 30 de novembro de 2017, na Ação de formação pública
subordinada ao tema Contratação Pública. A autora agradece à Direção do Centro de Estudos Judiciários a
amabilidade do convite. Omitiram-se as palavras de circunstância.
Atendendo ao tema da sessão, o texto dedica-se no essencial à descrição, análise e problematização das novidades
legislativas, quando relevantes.
2
Professora Associada. Universidade Católica Portuguesa, CEID - Centro de Estudos e Investigação em Direito,
Faculdade de Direito – Escola do Porto, Rua Diogo Botelho, 1327, 4169-005, Porto, Portugal.

97
Contratação Pública
9. Principais novidades do regime substantivo dos contratos – invalidades e modificações objetivas e subjetivas

A nona revisão do Código dos Contratos Públicos (CCP) não é, por conseguinte, uma simples
revisão por transposição. 3

3. Se pretendemos abordar a questão das alterações legislativas no regime substantivo,


importa perceber, antes de qualquer outra coisa, qual o respetivo âmbito de aplicação.

Para o efeito, torna-se necessário ter em consideração o artigo 1.º do CCP (Âmbito) e o artigo
280.º (Direito aplicável). 4

Em rigor, o âmbito de aplicação do CCP deveria ficar imediatamente evidente no artigo 1.º do
diploma, segundo a melhor técnica legislativa.

Infelizmente, não foi essa a opção do legislador.

4. Assim, o artigo 1.º do CCP estabelece a repartição da aplicação das normas da Parte II (n.º
2) 5 – aos contratos públicos – e da Parte III (n.º 5) 6 – às relações contratuais administrativas –
ainda que comece por determinr que o Código “estabelece a disciplina aplicável à contratação
pública e o regime substantivo dos contratos públicos que revistam a natureza de contrato
administrativo” (n.º 1).

Foi, portanto, opção de o legislador manter dois conceitos: contrato público e contrato
administrativo (n.º 1 do artigo 1.º) e introduzir, sem dar qualquer orientação ao intérprete
sobre o respetivo alcance, uma outra expressão, a de relações contratuais administrativas (n.º
5 do artigo 1.º).

Todavia, não satisfeito com as opções tomadas no artigo 1.º, o legislador decidiu igualmente,
no artigo que regularia o direito aplicável aos contratos sujeitos à Parte III, tornar a pronunciar-
se sobre a repartição de normas a aplicar aos contratos administrativos, aos contratos públicos
e às relações contratuais administrativas.

Tendo levado a cabo a revogação do n.º 6 do artigo 1.º do CCP, que antes continha os
designados “fatores de administratividade” dos contratos, a versão revista do artigo 280.º,

3
Não nos debruçamos sequer sobre a reorganização do próprio diploma e que consta do artigo 7.º do Decreto-Lei
n.º 111-B/2017, de 31 de agosto.
4
Para Mário Aroso de Almeida, “o conteúdo do artigo [280.º] é novo e aponta para uma modificação estrutural do
nosso Direito dos Contratos Públicos – modificação, aliás, de tal dimensão que nem o legislador da revisão parece
ter-se apercebido do seu verdadeiro alcance e, por isso, das suas implicações”, (“Apreciação geral da revisão do
Código dos Contratos Públicos: em particular, os novos regimes dos artigos 280.º e 313.º do CCP”, in Carla Amado
Gomes/ Ricardo Pedro/Tiago Serrão/Marco Caldeira (coord.), Comentários à revisão do Código dos Contratos
Públicos, AAFDL, Lisboa, 2017, p. 23). Sérvulo Correia é igualmente de opinião que a transversalidade que a revisão
do CCP veio estabelecer (ainda que antes já existissem alguns indícios da mesma, máxime em alguns dos limites à
modificação dos contratos que constavam do artigo 313.º) caminha “em direção à unidade de contratos públicos”
(“A revisão das disposições gerais sobre o âmbito de aplicação do código dos contratos públicos”, e-Publica –
Revista Eletrónica de Direito Público, vol. 4, nº 2, 2017, p. 13 (http://www.e-publica.pt/v4n2a01.html, consultado a
3/1/2018).
5
“O regime da contratação pública estabelecido na parte II é aplicável à formação dos contratos públicos que,
independentemente da sua designação e natureza, sejam celebrados pelas entidades adjudicantes referidas no
presente Código e não sejam excluídos do seu âmbito de aplicação” (destacado nosso).
6
“A parte III do presente Código contém o regime substantivo aplicável à execução, modificação e extinção das
relações contratuais administrativas”

98
Contratação Pública
9. Principais novidades do regime substantivo dos contratos – invalidades e modificações objetivas e subjetivas

começa precisamente por estabelecer os ditos critérios, estabelecendo a aplicação aos


contratos públicos das disposições da Parte III, melhor descrita no n.º 3 do referido artigo. 7/ 8

Importa, portanto, para a análise das alterações do regime substantivo ter em mente o que
resulta do n.º 3 do artigo 280.º que determina a aplicação aos contratos sujeitos à Parte II,
ainda que não configurem relações contratuais administrativas (não sejam por isso e, em
simultâneo, contratos administrativos) o seguinte conjunto de disposições relativas:

(i) À defesa dos princípios gerais da contratação pública e dos princípios da


concorrência e da igualdade de tratamento e não-discriminação;

(ii) Aos regimes de invalidade;

(iii) Aos limites à modificação objetiva; e

(iv) Aos limites à cessão da posição contratual e subcontratação.

5. O que concluir, ainda que brevemente, da conjugação destas disposições?

O legislador parece ter escolhido trabalhar apenas com o conceito de contrato público (artigo
1.º), embora utilize o conceito de contrato administrativo logo na parte final do n.º 1. Contudo,
só nos indica o que pretende que seja um contrato administrativo no n.º 1 do artigo 280.º;
introduz um conceito que aparentemente é novo: o de relações contratuais administrativas, o
qual, na nossa opinião, se destina apenas a designar aqueles contratos que comungam em
simultâneo da natureza de público (porque se sujeitam às regras da Parte II) e de
administrativo (porque se enquadram nos fatores de administratividade agora previstos no n.º
1 do artigo 280.º).

Existem, por conseguinte, à luz das opções atuais do legislador português, os seguintes tipos
de contratos e respetivos regimes:

a) Contratos públicos que não geram relações contratuais administrativas que estão
sujeitos à Parte II (artigo 1.º, n.º 2) e aos regimes resultantes do n.º 3 do artigo 280.º;

b) Contratos administrativos que não estão sujeitos à Parte II, pois não preenchem os
critérios do artigo 1.º, n.º 2, mas preenchem os critérios do n.º 5 do artigo 1.º;

7
Importa relembrar que o Anteprojeto sujeito a discussão pública não previa a revogação do n.º 6 do artigo 1.º
Sérvulo Correia critica esta opção (in “A revisão das disposições gerais sobre o âmbito de aplicação do código dos
contratos públicos”, e-Publica – Revista Eletrónica de Direito Público, vol. 4, nº 2, 2017, p. 16, http://www.e-
publica.pt/v4n2a01.html, consultado a 3/1/2018).
8
Já ao tempo da discussão pública do Anteprojeto, a doutrina entendia que as disposições contidas no então artigo
280.º, n.º 3 (“Aos contratos sujeitos à Parte II que não configurem relações contratuais administrativas aplicam-se
as disposições do presente capítulo relativas aos regimes de invalidade, de limites à modificação, de cessão da
posição contratual e subcontratação”) deveriam estar no artigo 1.º (Pedro Gonçalves/Licínio Martins, “Reflexões
Gerais sobre o Anteprojeto de Revisão do Código dos Contratos Públicos”, in Relatório de análise e de reflexão
crítica sobre o Anteprojeto de Revisão do Código dos Contratos Públicos , 2016 (documento online em pdf), p. 5; Ana
Gouveia Martins, A modificação dos contratos no anteprojecto do Código dos Contratos Públicos”, in Maria João
Estorninho/Ana Gouveia Martins (coord.), Atas da Conferência A Revisão do Código dos Contratos Públicos, e-book,
ICJP, 2016, p. 295.

99
Contratação Pública
9. Principais novidades do regime substantivo dos contratos – invalidades e modificações objetivas e subjetivas

c) Contratos públicos que revestem em simultâneo a natureza de contratos


administrativos, dando origem a relações contratuais administrativas e por isso estão
sujeitos simultaneamente às Partes II (por serem contratos públicos) e III (por serem
administrativos), conforme resulta das disposições conjugadas dos n.ºs 1 do artigo 1.º,
n.º 1 do artigo 280.º.

Não é, assim, muito fácil perceber a pretensão do legislador ao consagrar um novo conceito
nem se afigura razoável a “distribuição” das normas que definem o respetivo âmbito de
aplicação das duas partes do CCP.

2. O ALCANCE DAS ALTERAÇÕES NO REGIME SUBSTANTIVO DA PARTE III.

6. O n.º 3 do artigo 280.º estabelece ser de aplicar aos “contratos sujeitos à parte II ainda que
estes não configurem relações jurídicas contratuais administrativas” as disposições dos
regimes da invalidade e das modificações objetivas e subjetivas.

No que respeita ao regime da invalidade, a nona revisão do CCP levou a cabo alterações nos
artigos 283.º, 284.º, 285.º e revogou o artigo 283.º A. Ainda com relevância para este domínio,
importa chamar a atenção para o facto de também o artigo 287.º ter sofrido alterações.

Já no que respeita aos regimes de modificação do contrato, há que salientar alterações


legislativas nas disposições sobre modificação objetiva e subjetiva do regime comum e
alterações a propósito dos regimes substantivos dos contratos em especial. Neste contexto,
importa ainda sublinhar a introdução, quer no regime geral quer nos regimes dos contratos em
especial, de novos artigos 9.

3. O REGIME DA INVALIDADE – ALCANCE DAS ALTERAÇÕES10

3.1. O artigo 283.º e a invalidade derivada

7. No domínio do regime da invalidade derivada, o legislador optou por manter inalterável o


princípio do paralelismo de formas de invalidade, quando o desvalor jurídico é o da nulidade.
Todavia, o n.º 2 do artigo 283.º agora revisto estabelece que “os contratos são anuláveis se
tiverem sido anulados ou se forem anuláveis os atos procedimentais em que tenha assentado a
sua celebração, devendo demonstrar-se que o vício é causa adequada e suficiente da
invalidade do contrato, (…)”. 11 O legislador introduziu, assim, a propósito do desvalor jurídico
da anulabilidade uma condição e impôs a necessidade de prova (demonstração) ao julgador
quanto à suficiência e adequação do vício do ato em que assenta a celebração do contrato

9
Daremos particular atenção às disposições contidas nos artigos 312.º, 313º, 318.º, 318.º A, 319.ºe 321.ºA, para
além de pontualmente nos referirmos às disposições dos regimes substantivos dos contratos em especial.
10
NOTA DA AUTORA: já tivemos oportunidade de escrever sobre as alterações ao regime substantivo de invalidade
num artigo em vias de publicação nos Cadernos de Justiça Administrativa. Por razões de cortesia com o convite
endereçado pelo Conselho de Direção da referida publicação, a abordagem do tema será aqui adaptada.
11
Corresponde, com uma ou outra adaptação, ao que constava do anteprojeto.

100
Contratação Pública
9. Principais novidades do regime substantivo dos contratos – invalidades e modificações objetivas e subjetivas

para gerar a anulabilidade do contrato. Pela nossa parte, esta opção apenas peca em dois
aspetos: restringe-se ao desvalor da anulabilidade e é relativamente desvirtuada pelo incisivo
final do mesmo n.º 2 que, pretendendo auxiliar o intérprete, lhe “arranja” uma complicação ao
estabelecer “designadamente por implicar uma modificação subjetiva do contrato celebrado
ou uma alteração do seu conteúdo essencial”. 12

A introdução desta condição altera em termos que nos parece significativos a opção
fundamental do legislador quanto ao paralelismo de formas de invalidade, em particular no
que respeita à anulabilidade. 13 Assim, agora o desvalor jurídico da nulidade parece continuar a
aplicar-se sem sujeição a qualquer demonstração de suficiência ou adequação, mas a
anulabilidade do contrato, ainda que o ato em que assenta a sua celebração seja anulado, só
ocorrerá se for demonstrado que o vício que está na origem da anulação do ato é suficiente
e adequado para tornar o contrato anulável. 14

Já nos merece alguma perplexidade os exemplos que o legislador dá e que só percebemos por
nos parecer resultar da movimentação do segmento normativo do n.º 4 para o n.º 2: quer uma
modificação subjetiva quer a modificação de conteúdo essencial do contrato (seja lá o que isso
consubstanciar) configuram situações demasiado graves para conduzirem apenas a
anulabilidade do contrato. 15

8. O n.º 3 do artigo 283.º, que previa as situações de consolidação dos atos anuláveis como
circunstância impeditiva da aplicação do n.º 2, foi revogado. Era já o que se previa no
anteprojeto e que se compreende, dada a dependência da invalidade do contrato da
invalidação dos atos em que tivesse assentado a sua celebração. Não esqueçamos que a
invalidade derivada do contrato é uma invalidade suspensa até efetivação da invalidade do
ato, pelo que, se este se consolidou e, por conseguinte, não pode ser invalidado, também o
contrato não o poderá ser 16. A revogação operada não conduz, parece-nos, a que se deixe de
aplicar o regime que a norma instituía, por funcionamento das regras e princípios de direito
administrativo.

9. Por fim, a revisão do artigo 283.º também restringiu a redação do n.º 4 ao retirar a parte
final “ou quando se demonstre inequivocamente que o vício não implicaria uma modificação
subjectiva no contrato celebrado nem uma alteração do seu conteúdo essencial”. Como já

12
O legislador parece ter retirado este segmento do anterior n.º 4 do artigo 283.º que regula o afastamento do
efeito anulatório.
13
Referindo-se a esta opção como uma nova prespetiva da própria “invalidade contratual”, Ana Raquel Moniz, “A
Invalidade do Contrato no Código dos Contratos Públicos”, in Carla Amado Gomes, Ricardo Pedro, Tiago Serrão,
Marco Caldeira (coord.), Comentários à revisão do Código dos Contratos Públicos, AAFDL, Lisboa, 2017, p. 825.
14
Continua, na nossa perspetiva, a não ser uma comunicação automática. Vide, na doutrina e de forma
exemplificativa, Mário Aroso de Almeida, Anulação de Actos Administrativos e Relações Jurídicas Emergentes,
Almedina, Coimbra, 2001, p. 324, Raquel Carvalho, As Invalidades Contratuais nos Contratos Administrativos de
Solicitação de Bens e Serviços, Almedina, Coimbra, 2010, pp. 87 e ss.
A jurisprudência, em regra, também tem decidido neste sentido [por exemplo, Acórdão do TCA (N) de 15/4/2010,
Proc. n.º 01480/09.4BEBRG, relator: José Augusto Araújo Veloso], ainda que muito recentemente tenha surgido um
Acórdão divergente [Acórdão do TCA (S) de 30/08/2017, Proc. n.º 1512/16.0BELSB, relatora: Cristina dos Santos].
15
Aliás, o legislador deveria ter tido mais cuidado com esta “movimentação” na medida em que ela se conexiona
com possíveis limites às modificações admitidas no âmbito das Diretivas.
16
Raquel Carvalho, As Invalidades Contratuais…, cit., p. 120; Mário Aroso de Almeida, Anulação de Actos
Administrativos…, cit., p. 324

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Contratação Pública
9. Principais novidades do regime substantivo dos contratos – invalidades e modificações objetivas e subjetivas

dissemos, este segmento normativo foi parcialmente movido para o n.º 2, deixando, por
conseguinte, a ponderação ser fator para afastar o efeito anulatório para passar a funcionar
como fator de ponderação para operar a comunicação da invalidade. 17

3.2. O artigo 284.º e a invalidade própria

10. A alteração legislativa mais significativa que o legislador operou nas causas de invalidade
própria referem-se ao n.º 2 do artigo 284.º 18

De acordo com a revisão, os contratos poderão ser nulos se:

a) Se verificar algum fundamento de nulidade previsto no CCP;

b) Se verificar alguma das causas de nulidade previstas no artigo 161.º do Código do


Procedimento Administrativo (CPA);

c) Se verificar alguma causa de nulidade prevista em legislação especial;

d) Se verificar designadamente (i) “alteração dos elementos essenciais do caderno de


encargos e da proposta adjudicada que devessem constar do respetivo clausulado”; (ii)
“aposição de cláusulas de modificação que violem o regime previsto no presente
Código quanto aos respetivos limites”.

11. A nova redação do n.º 2 do artigo 284.º introduz um conjunto de causas de nulidade que
poderá levantar alguns problemas ao intérprete.

O primeiro desses problemas relaciona-se com a determinação do conteúdo das outras causas
de nulidade previstas no CCP. Uma vez que estamos nas causas de invalidade própria, parece
ser evidente e coerente com o sistema, entender que tais causas não poderão ser as causas
que caibam no n.º 1 do artigo 283.º, pois este artigo regula as causas de nulidade derivada do

17
É interessante referir que a jurisprudência administrativa aplica com relativa frequência o n.º 4 do artigo 283.º,
quando chamada a pronunciar-se sobre a invalidade derivada do contrato, sendo vários os Acórdãos neste sentido.
É, todavia, interessante mencionar um Acórdão recente em que o Tribunal, reafirmando a orientação
jurisprudencial de que o n.º 4 concede uma ampla discricionariedade judicial, aí inclui consideração do “que
aconteceu após a adjudicação do contrato” (Acórdão do STA de 20/06/2017, Proc. n.º 267/17, relatora: Maria
Benedita Urbano: “À apreciação do afastamento do efeito anulatório, de acordo com a condição prevista na
primeira parte do n.º 4 do artigo 283.º do CCP, deve presidir uma ampla discricionariedade jurisdicional, cabendo
ao julgador efectuar uma ponderação de todos os interesses em presença, devendo o mesmo ter em conta uma
realística relevância da gravidade do vício e considerar não apenas o ocorrido na fase de formação do contrato,
mas, de igual forma, o ocorrido já após a adjudicação do contrato”).
18
A versão que acabou por vingar na revisão é distinta da que se propunha no Anteprojeto, em particular no que
respeita aos exemplos de causas de nulidade: “Os contratos são nulos quando se verifique algum dos fundamentos
previstos no presente Código, no artigo 161.º do Código do Procedimento Administrativo ou em lei especial,
designadamente: a) Os contratos que careçam em absoluto de forma legal; b) Os contratos cujo objeto ou conteúdo
seja impossível, ininteligível ou constitua ou seja determinado pela prática de um crime; c) Os contratos que
ofendam o conteúdo essencial de direito fundamental; d) Os contratos celebrados sob coação física ou coação
moral; e) Os contratos que ofendam casos julgados; f) Os contratos celebrados com alteração dos elementos
essenciais das peças do procedimento que devessem constar do respetivo clausulado; g) Os contratos celebrados
com aposição de cláusulas de modificação que violem o regime previsto no presente Código quanto aos respetivos
limites”.

102
Contratação Pública
9. Principais novidades do regime substantivo dos contratos – invalidades e modificações objetivas e subjetivas

contrato. O que, se pensarmos bem, reduz significativamente as hipóteses de causas de


nulidade: todas as que, na consideração do legislador conduzam, por razões procedimentais, à
nulidade de atos em que assente a celebração do contrato, estarão excluídas. Mesmo aquelas
que, por exemplo, digam respeito ao caderno de encargos [que não se reconduzem à previsão
da alínea d)] e que, na nossa perspetiva, deveriam ser consideradas de outra forma. 19 Ficarão
disponíveis as causas de nulidade ocorridas em fase pós-adjudicatória, como por exemplo,
aquelas associadas à forma.

12. No que diz respeito à remissão para o artigo 161.º do CPA, preferíamos uma remissão mais
inócua e para as causas de nulidade de direito administrativo, uma vez que a remissão para
artigos identificados sempre conduzirá, no futuro, à necessidade de interpretações atualistas e
à manutenção de vigilância quanto a alterações legislativas. Além disso, a remissão simplista
para o artigo 161.º desconsidera o lugar normativo do artigo em causa que se refere às causas
de nulidade de atos administrativos. Que são atuações administrativas estruturalmente
distintas das dos contratos. Acresce ainda que a disposição em causa se poderá aplicar a
contratos que não geram relações contratuais administrativas, isto é, relembre-se, a contratos
públicos e não administrativos. Por isso, a aplicação das causas de nulidade previstas no artigo
161.º, quer seja a contratos administrativos quer seja a contratos públicos (aqui por maioria de
razão) deve ser feita com “as devidas adaptações”.

Além disso, é preciso ter muita cautela na aplicação das normas constantes do artigo 161.º do
CPA, pois algumas podem vir a contender com a construção da invalidade derivada e própria
do CCP. Apenas como exemplo, a alínea l) do n.º 2 do artigo 161.º estabelece como causa de
nulidade “salvo em estado de necessidade, [a] preterição total do procedimento legalmente
exigido”. Recorde-se que a jurisprudência firme do Tribunal de Contas tem vindo a sustentar,
antes do CPA de 2015, com fundamento ora assente na falta de elemento essencial da
adjudicação ora na preterição absoluta de forma legal, a nulidade da adjudicação quando não
é seguido o procedimento pré-contratual devido e consequentemente a nulidade – derivada –
do contrato.

19
Reproduzimos aqui o que já dissemos no texto que está para publicação nos Cadernos de Justiça Administrativa
(referido na nota 10 deste texto), na nota 14 do respetivo texto: “Sempre sustentamos que há causas de invalidade
de atos procedimentais, designadamente da adjudicação, mas que deverão ser igualmente consideradas como
causas de invalidade própria comuns ao contrato, uma vez que, se não existisse o procedimento pré-contratual,
inequivocamente seriam causas de invalidade própria do contrato. É o caso das cláusulas contratuais propostas pela
entidade adjudicante/contraente público. A existência de procedimento pré-contratual obrigatório impõe que a
definição do clausulado se faça em momento cronologicamente anterior ao acordo. Mas não fora essa obrigação,
ninguém teria dúvidas que uma cláusula inválida, proposta por um contraente, conduz a uma invalidade própria do
contrato. No caso de contratos públicos (e administrativos), a invalidade é comum ao ato procedimental e ao
contrato. Além de nos parecer uma construção mais rigorosa, é igualmente aquela que melhor tutela os interesses
públicos e privados em presença. Na verdade, a consideração apenas como causa de invalidade derivada significa
que a não impugnação atempada ou a não impugnação de todo do ato procedimental em que assenta a celebração
do contrato, inviabiliza a invalidação do contrato (a invalidade derivada do contrato, recorde-se, depende da
invalidação do ato procedimental). O que, no limite, permite a manutenção do contrato com cláusula inválida. A
consideração da hipótese como sendo uma causa de invalidade própria, comum a ato procedimental, desliga a
conexão e permite a impugnação autónoma do contrato, assim se tutelando os interesses públicos e privados em
presença (sobre esta construção, vide o nosso As Invalidades Contratuais…, cit.)”.

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Contratação Pública
9. Principais novidades do regime substantivo dos contratos – invalidades e modificações objetivas e subjetivas

13. No que respeita à remissão para legislação especial, trata-se de prever regimes especiais,
em particular de contratos típicos, pelo que a resolução das questões se deverá fazer
casuisticamente à luz dos princípios gerais de aplicação de regimes gerais e regimes especiais.

14. Por fim, o legislador acaba por apenas enunciar expressamente dois exemplos de nulidade:

(i) “alteração dos elementos essenciais do caderno de encargos e da proposta


adjudicada que devessem constar do respetivo clausulado”;

(ii) “aposição de cláusulas de modificação que violem o regime previsto no presente


Código quanto aos respetivos limites”.

A primeira questão relaciona-se com o advérbio “designadamente”. Quis o legislador


concretizar o corpo do n.º 2? Todo ele ou, em vez disso, acrescentar mais dois fundamentos?
Atendendo à diversidade de cláusulas precedentes, entendemos que o legislador terá querido
acrescentar. Em rigor, as previsões constantes das duas alíneas relacionam-se com situações
de modificações não permitidas. E se melhor se reparar, relacionam-se com aspetos decididos
procedimentalmente e que o n.º 2 do artigo 284.º acolhe como causas de invalidade própria.

15. Por último, cabe dar conta da incompreensível restrição que o adjetivo “públicos”
acrescentado ao nome “contratos” no n.º 3, e que já era proposto no Anteprojeto. Deixando
de lado a crítica à aplicação, sem mais, do direito estatutário dos sujeitos jurídicos privados aos
contratos celebrados por entidades não privadas, a restrição operada pela revisão só pode ser
considerada um lapso de revisão formal. 20

3.3. O artigo 285.º e o regime de invalidade

16. O Código mantém a remissão para o regime da invalidade do ato administrativo em


relação aos contratos com objeto passível de ato administrativo e outros contratos sobre o
exercício de poderes públicos, remetendo depois no n.º 2 para o regime do Código e da
legislação especial o regime dos contratos públicos.

Ainda antes de analisar as implicações de se referir restritivamente a contratos públicos,


importa determinar que regime (ou que mais regime) contém o Código. Existem de facto
algumas normas que se referem a situações de invalidade e que se situam na Parte II do
Código:

a) Nulidade do caderno de encargos prevista no n.º 8 do artigo 43.º, passível de


sanação nos termos do artigo 164.º do CPA, ex vi n.º 9 do mesmo artigo 43.º;

b) Regime de substituição de cláusulas nulas prevista no n.º 2 do artigo 299.º A

20
Referindo-se a esta opção como sendo um alargamento da aplicação das regras do Código Civil aos contratos
públicos, Madalena Mendes, “Modificação e Invalidade do Contrato”, in Relatório de análise e de reflexão crítica
sobre o Anteprojeto de Revisão do Código dos Contratos Públicos, Grupo de Contratação Pública, 17 setembro 2016,
p. 87 (documento pdf).

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9. Principais novidades do regime substantivo dos contratos – invalidades e modificações objetivas e subjetivas

17. A distração do legislador voltou a manifestar-se, ao restringir (?) a aplicação “do presente
Código e o previsto na legislação administrativa” (no n.º 2 do artigo 285.º) e a suscetibilidade
de aplicação dos institutos da conversão e redução, independentemente do desvalor jurídico
(n.º 3 do artigo 285.º) aos contratos “públicos”. 21 Se não se colocarão problemas de maior
quando estes contratos públicos gerarem relações contratuais administrativas, isto é, forem,
em simultâneo, contratos administrativos, já o caso mudará de figura quando assim não seja.
Em dois cenários:

(i) Nos contratos “meramente” públicos, por que razão se haverá de aplicar, no regime
que regula a relação jurídica emergente do contrato, o direito administrativo?

(ii) Nos contratos administrativos, as respetivas relações jurídicas emergentes não


deverão, por maioria de razão – a estatutária – ser reguladas pelo direito
administrativo?

(iii) Os contratos “meramente” administrativos deixam de poder ser reduzidos ou


convertidos? 22

Na verdade, parece existir uma contradição entre as normas constantes do artigo 280.º e
estas, a que nos temos vindo a referir como contendo “distrações” do legislador. Repare-se
que nos termos do n.º 1 do artigo 280.º, “a parte iii aplica-se aos contratos sujeitos à parte ii
que configurem relações jurídicas contratuais administrativas” e o n.º 2, por sua vez, explicita
que “as demais relações contratuais administrativas, incluindo as estabelecidas entre
contraentes públicos, são regidas pela legislação especialmente aplicável, sem prejuízo da
aplicação subsidiária do regime da parte iii, quando os tipos dos contratos não afastem as
razões justificativas da disciplina em causa.” As eventuais razões a que se refere o legislador na
parte final dirão respeito, por exemplo, a normas que tutelam o valor da concorrência e que
não fazem sentido em contratos administrativos que não estavam sujeitos à Parte II. Mas o
inverso não é verdadeiro. Em regra, os contratos públicos estão sujeitos à Parte II (n.º 2 do
artigo 1.º) e a Parte III aplica-se, em regra, “à execução, modificação e extinção das relações
contratuais administrativas” (n.º 5 do artigo 1.º) que podem ou não nascer de contratos
públicos.

Ora, o regime da invalidade está na Parte III, pelo que a redação redutora dos n.ºs que temos
vindo a apontar só pode significar uma derrogação àquele regime legal, mas, na nossa opinião,
sem justificação visível.

18. A referida distração tem, contudo, mais implicações na justa medida em que, no n.º 2, tal
opção limita a aplicação do regime da invalidade previsto no Código e “o previsto legislação

21
“Distração” que já se evidenciava no anteprojeto.
22
Mas não serão todos: os que forem substitutivos de atos administrativos ou sobre o exercício de poderes
públicos, como estão sujeitos ao regime do ato, sê-lo-ão na mesma medida. Mas o que justifica que os contratos
públicos geradores de relações jurídicas contratuais administrativas sejam passíveis de redução e conversão e os
meramente administrativos não? Ou será que o legislador entende que só existem duas categorias de contratos: os
públicos que podem ou não gerar relações contratuais administrativas e os de substituição de atos administrativos
e sobre o exercício de poderes públicos? A grande objeção a esta construção encontra-se no âmbito de aplicação da
Parte II: podem existir contratos que, por diversas razões, não fiquem sujeitos à Parte II, mas gerem relações
contratuais daquela natureza. Qual será então o seu regime substantivo?

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Contratação Pública
9. Principais novidades do regime substantivo dos contratos – invalidades e modificações objetivas e subjetivas

administrativa” (?!) aos contratos públicos. Quer esta norma significar a exclusão daquele
âmbito dos contratos administrativos que não sejam contratos públicos?

Acresce que o legislador altera também uma opção inicial do CCP de fazer aplicar os institutos
da redução e da conversão, independentemente do desvalor jurídico, aos contratos
administrativos. A levar como opção querida esta restrição, os contratos administrativos que
não sejam públicos não poderão ser convertidos nem reduzidos (exceção feita aos contratos
que se enquadrem no n.º 1 do artigo 285.º, por se lhes aplicar o “regime de invalidade previsto
para o ato administrativo”).

19. Impõe-se de seguida compatibilizar esta última opção legislativa com a que resulta do n.º 4
do artigo 285.º

O n.º 4 parece apontar uma preferência pela aplicação dos institutos da redução e da
conversão, em situações de anulabilidade, devido ao segmento normativo “e o efeito
anulatório”. Todavia, o teor literal do n.º 4, que já não se refere a “contratos públicos”, mas
apenas a “contratos”, não pode olvidar a definição de âmbito de aplicação contida no n.º
anterior.

Esta sequência merece-nos os seguintes comentários 23:

«(i) Apesar de o n.º 4 se referir apenas a “contratos”, como se trata de regime


sequencial, uma vez que a norma se inicia por “caso não seja possível a redução ou a
conversão, o n.º 4 também só terá aplicabilidade aos contratos públicos;

(ii) O legislador claramente prefere a redução/conversão do contrato anulável,


concretizações do princípio geral do aproveitamento da atuação administrativa, uma
vez que só admite a ponderação do afastamento do efeito anulatório se aqueles
institutos não forem possíveis;

(iii) Ao contrário do que sucede para a não comunicação da anulabilidade, em que o


legislador não se pronuncia sobre a instância que fará a ponderação, no n.º 4 do artigo
285.º o legislador permite que o afastamento do efeito anulatório possa resultar de
decisão arbitral ou judicial, insistindo no critério da “gravidade do vício”, agora para
efeitos de regime. 24 Esta opção permite concluir que não pode ser um vício de
invalidade derivada, porque esse terá o tratamento jurídico do n.º 2 do artigo 283.º». 25

4. A revogação do artigo 283.º A e a nova redação do artigo 287.º

20. Ao contrário do que se previa no Anteprojeto, o legislador optou por revogar o artigo 283.º
A e transferir as respetivas prescrições para os n.ºs 5 a 8 do artigo 287.º do CCP.

23
Contido já na publicação a que nos referimos na nota 10.
24
No Anteprojeto, apenas se permitia o afastamento por decisão judicial.
25
Tentando conciliar as duas disposições, considerando-as sobreponíveis, Ana Raquel Moniz, “A Invalidade do
Contrato no Código dos Contratos Públicos”, in Carla Amado Gomes, Ricardo Pedro, Tiago Serrão, Marco Caldeira
(coord.), Comentários à revisão do Código dos Contratos Públicos, AAFDL, Lisboa, 2017, p. 857.

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Como se sabe, a transposição da Diretiva Recursos (Diretiva 2007/66) foi feita pelo Decreto-Lei
n.º 131/2010, de 14 de dezembro, sendo que uma das novidades então introduzidas no CCP
foi a do artigo 283.º A. As prescrições normativas aí contidas diziam respeito às situações de
não publicação de anúncio obrigatório e ao incumprimento do prazo standstill, tendo o
legislador entendido que ambas se reconduziam a exemplos de invalidade derivada.

No diploma de revisão, o legislador alterou a sua conceção acerca desta questão, convertendo
as duas situações de invalidade em situações de ineficácia. 26

Pessoalmente, não concordamos com esta alteração legislativa porquanto nos parece que
resulta de uma leitura “apressada” do conceito de “privação de efeitos” a que se refere a
Diretiva. Ambas as situações que impõem, ao abrigo do artigo 2.º D da Diretiva a consequência
da privação de efeitos, reconduzem-se, na nossa opinião, a situações de invalidade, uma vez
que traduzem o incumprimento de obrigações procedimentais: uma antes da adjudicação (a
publicação de anúncio), a outra pós-adjudicatória, mas anterior à celebração do contrato (o
prazo de celebração deste). Aliás, se bem se atentar na própria literalidade da Diretiva, parece
ser essa também a conceção do legislador europeu a propósito da natureza das situações. Na
verdade, o considerando 19 estabelece “em caso de violação de outras exigências formais, os
Estados-Membros poderão considerar inadequado o princípio da privação de efeitos”
(destacado nosso). O legislador entende que as duas situações que impõem a privação de
efeitos são “violação de exigências”, senão não se referiria a outras como tal. Ora, a expressão
“privação de efeitos” é uma expressão neutra, como muitas que o legislador europeu utiliza
amiúde, para poder abarcar as soluções específicas de cada Estado Membro. Assim, na nossa
perspetiva, uma solução interna que tenha como efeito a privação de efeitos tem de ser
aquela que se relaciona com o incumprimento de requisitos (ainda que formais). E essa
solução é a invalidade.

4.1. As questões suscitadas pela nova opção legislativa

21. A opção pela solução da ineficácia coloca algumas dúvidas sobre a dimensão judicial da
tutela.

Deixando de lado a inicial impossibilidade de aplicação do artigo 287.º aos contratos públicos
porque a redação do n.º 3 do artigo 280.º se referia apenas a capítulo e que foi corrigida pela
Declaração de Retificação, importa contudo precisar que a aplicação do artigo 287.º se fará por
aplicação do segmento normativo “as disposições do presente capítulo que têm por objetivo a
defesa dos princípios gerais da contratação pública e dos princípios da concorrência e da
igualdade de tratamento e não-discriminação”. Uma vez que as prescrições dos n.ºs 5 a 8 do
artigo 287.º se ligam inexoravelmente a questões de concorrência e igualdade de tratamento.

22. Mais complexa se revela a tarefa de resolver as questões de legitimidade processual para
arguir a agora ineficácia do contrato com aqueles fundamentos. 27

26
Alguma doutrina vinha sustentando que a Diretiva se referia a ineficácia: “Pena é também que não se aproveite
para deslocar para o regime da ineficácia do contrato – em consonância com o Direito Europeu – o que tem vindo a
ser tratado como causa de invalidade (por exemplo, os casos de inobservância do período de standstill ou de
publicitação obrigatória no JOUE)”, Maria João Estorninho, “Uma oportunidade perdida…Breve apreciação crítica do
anteprojeto de agosto de 2016 de revisão do Código dos Contratos Públicos”, Maria João Estorninho/ Ana Gouveia
Martins (coord), Atas da Conferência A revisão do código dos contratos públicos (ebook), cit., p. 26.

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9. Principais novidades do regime substantivo dos contratos – invalidades e modificações objetivas e subjetivas

Repare-se que qualquer outra questão de incumprimento de requisitos formais/materiais do


procedimento de contratação pública, encontrará resposta no regime de invalidade e nas
correspondentes regras adjetivas de legitimidade. Podemos por isso encontramo-nos perante
situações menos graves (pelo menos na perspetiva do legislador europeu da Diretiva Recursos)
de incumprimento de requisitos formais de procedimento que gerem invalidade e estes, mais
graves (mereceram dedicação específica pelo legislador) são apenas de ineficácia.

23. O n.º 1 do artigo 77.º A do Código do Processo dos Tribunais Administrativos (CPTA) regula
hoje o leque das pessoas legitimadas para arguir a invalidade total ou parcial do contrato.
Trata-se de uma disposição com um vasto número de pessoas com legitimidade e que se
destina a dar uma ampla possibilidade de tutela judicial efetiva a todos quantos poderão ser
prejudicados por situações de incumprimento de regras que afetem a validade do contrato.

Regula depois no n.º 3 a legitimidade para as ações sobre execução do contrato, com
dimensão significativamente mais reduzida. Parece ser de entender que as questões de
ineficácia do contrato se reconduzem a questões sobre execução, determinando então o n.º 3
do artigo 77.º A quem pode propor a ação com esse fundamento. Da brevíssima e
necessariamente não profunda análise do elenco constante do n.º 3 do referido artigo,
podemos de imediato concluir que apenas a previsão da alínea d) (“Por quem tenha sido
preterido no procedimento que precedeu a celebração do contrato”) tem alguma relação com
os fundamentos que agora constam do artigo 287.º do CCP. Mas exclui, por exemplo, quem
não se apresentou a concurso, por não ter sequer sabido do mesmo, por não ter sido
publicado o anúncio. 28 Porque este nem sequer se pode entender ter sido preterido….

Compare-se agora, num pequeno exercício académico, esta situação com uma de
incumprimento de exigência formal (não considerada como das mais graves pelo legislador
europeu) mas que caiba nas previsões do artigo 283.º. O contrato poderá ser invalidado por
ação de uma das pessoas legitimadas ao abrigo do n.º 1 do artigo 77.º A, numa hipótese de
menor gravidade jurídica…

A questão que se evidencia é a de saber se a solução substantiva, conjugada com a atual


solução adjetiva, cumpre o espírito da Diretiva Recursos de dar proteção judicial efetiva
àqueles que, pelo incumprimento de requisitos reputados de importantes em sede de
contratação pública, veem a sua esfera jurídica atingida. 29

5. O REGIME DAS MODIFICAÇÕES DO CONTRATO: ALCANCE DAS ALTERAÇÕES

27
Ana Raquel Moniz enuncia uma questão anterior que é a de saber se é necessária uma declaração judicial, uma
vez que as disposições normativas não o esclarecem (in ob. cit., pp. 859-860) Tratando-se de questão atinente à
execução do contrato, parece-nos, o n.º 1 do artigo 307.º coloca-a no âmbito das declarações negociais. Acresce
que a Diretiva Recursos aponta para a não automaticidade do funcionamento da consequência de privação de
efeitos, insistindo na intervenção de um organismo. Por fim, o próprio artigo 287.º, no seu n.º 7, ao prever a
imposição de medidas alternativas para a hipótese de afastamento da privação de efeitos, refere expressamente a
decisão judicial ou arbitral, heterónoma, portanto, à Administração.
28
Ou por quem preenchesse a alínea f) do n.º 1 do artigo 77.º A, caso se tratasse de um caso de invalidade.
29
Importa ainda chamar a atenção para uma questão, que extravasa a nossa reflexão, que é a de saber se a solução
de ineficácia não inviabiliza também a possibilidade de indemnização aos lesados no procedimento concursal.

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9. Principais novidades do regime substantivo dos contratos – invalidades e modificações objetivas e subjetivas

24. A revisão do CCP introduziu alterações significativas em várias disposições normativas


relacionadas com a modificação dos contratos, em virtude das novas disposições sobre
execução dos contratos públicos estabelecidas no artigo 72.º da Diretiva 2014/24/EU 30, no
artigo 89.º da Diretiva 2014/25/EU e no artigo 43.º da Diretiva 2014/23/EU.

As disposições relevantes alteradas, em sede de regime comum, foram as constantes dos


artigos 312.º, 313.º, 314.º, 315.º, 318.º, 319.º, tendo ainda sido adicionadas, com relevância,
os artigos 318.º A e 321.º A pelo que será essencialmente sobre elas que nos debruçaremos.
Contudo, dadas as conexões relevantes, resultantes das opções de revisão, poderemos
igualmente incluir nas nossas reflexões, ainda que per accidens, de disposições sobre
modificação nos contratos em especial. 31

5.1. A previsão do conceito de modificação no Direito da União Europeia

25. As Diretivas de 2014 sobre contratação pública incluíram pela primeira vez disposições
dedicadas sobre a execução dos contratos. 32 Trata-se da primeira consagração em legislação
europeia ainda que não seja uma novidade nas preocupações europeias, designadamente na
jurisprudência. Aliás, terá sido o impulso desta que terá levado o legislador a consagrar normas
sobre execução, ainda que não tenha traduzido quale tale o pensamento pretoriano.

Embora o que importe seja analisar o modo como o legislador português levou a cabo a
transposição das disposições sobre a modificação de contratos públicos, é importante
perceber o caminho percorrido pelo legislador europeu até à efetiva consagração para melhor
entender o alcance do que é hoje, em Direito da União Europeia da Contratação Pública, uma
modificação do contrato público.

26. O impulso da jurisprudência, iniciado significativamente com o Acórdão Pressetext, 33


saldou-se, de forma sucinta, nos seguintes aspetos:

a) Reconhecimento de uma certa “opacidade” da execução de contratos públicos


celebrados na sequência de procedimentos de contratação pública fortemente
desenhados e enformados pelos princípios da concorrência, igualdade, não
discriminação e transparência;

30
O artigo 71.º regula a questão da subcontratação que, sendo uma alteração na relação contratual, não
consubstancia exatamente uma modificação subjetiva no contrato, uma vez que não há alteração das partes no
contrato.
31
Designadamente as disposições contidas nos artigos 370.º, 372.º, 378.º, 380.º, 420.º A, 454.º do CCP.
32
Como já tivemos oportunidade de sustentar, em rigor, as Diretivas de 2004 continham já algumas regras sobre
modificação, designadamente quando regulavam os trabalhos complementares nos contratos de empreitada de
obras públicas e de serviços, a propósito de recurso a procedimento de negociação sem publicação de anúncio [cfr.
o disposto na alínea a) do n.º 4 do artigo 31.º da Diretiva 2004/18]. Vide Raquel Carvalho, “As Novas Diretivas da
Contratação Pública e a tutela da concorrência na execução dos Contratos Públicos”. Revista de Concorrência e
Regulação, Ano V, 19, pp. 225-250.
33
Acórdão C-454/06, de 19 de junho de 2008 – daqui em diante sempre designado como Acórdão Pressetext.
Existem decisões judiciais anteriores sobre esta temática: Acórdão Comissão/França, C – 337/98, de 5 de outubro
de 2000; Acórdão Comissão/CAS Succhi di Frutta SpA, C – 496/99, de 29 de abril de 2004; Acórdão ASM Brescia
SpA/Comune di Rodengo Siano, C – 347/06, de 17 de julho de 2008.

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Contratação Pública
9. Principais novidades do regime substantivo dos contratos – invalidades e modificações objetivas e subjetivas

b) Reconhecimento de que tais princípios não se esgotavam no momento da


celebração do contrato, mas que permaneciam como valores importantes na execução
dos contratos públicos, em particular naqueles de execução duradoura;

c) A percepção de que descurar as questões de concorrência na fase de execução dos


contratos públicos estaria também na origem de fenómenos de corrupção; 34

d) Criação, em sequência daquelas asserções, de um conceito operativo fundamental:


o de alteração substancial do contrato;

e) Identificação consequente de um conjunto de requisitos que concretizam a referida


alteração e que a tornavam inadmissível. 35

5.2. Os tipos de modificação

27. Compulsando o artigo 72.º da Diretiva sobre Contratos Públicos (tomada como exemplo) e
os considerandos (107 e ss.), podemos com relativa segurança estabelecer que o conceito de
modificação do contrato inclui, na Diretiva, um espectro amplo de situações.

Assim, haverá modificação quando existir:

(i) alterações materiais ao contrato inicial,

(ii) âmbito de aplicação,

(iii) ao conteúdo dos direitos e obrigações mútuos das partes,

(iv) identidade das partes. 36

Teve o legislador europeu o cuidado de estabelecer as hipóteses de modificação admissível,


reservando para o último n.º do artigo 72.º o estabelecimento da prescrição normativa que
parece ser a regra: as modificações devem, em regra, implicar a abertura de um novo
procedimento: “As modificações das disposições de um contrato público ou de um acordo-
quadro durante a sua vigência que sejam diferentes das modificações previstas nos n.ºs 1 e 2
obrigam a novo procedimento de contratação nos termos da presente diretiva.” 37

34
Gimeno Feliú chama precisamente à atenção para o facto de “uma das principais portas da corrupção… tem sido
a generosa interpretação do direito de modificar contratos, não só por imprevisibilidade, mas por novas
necessidades ou conveniências políticas, alterando o preço final até percentagens superiores a 200%” , La Reforma
comunitaria en materia de contratos públicos y su incidencia en la legislación española. Una visión desde la
perspectiva de la integridade, p. 21, [Online] Available at: www.aepda.es/pdf.
35
Trata-se de alteração que “introduz condições que, se tivessem figurado no procedimento de adjudicação inicial,
teriam permitido admitir proponentes diferentes dos inicialmente admitidos ou teriam permitido aceitar uma
proposta diferente da inicialmente aceite” (Ponto 35 do Acórdão Pressetext); “quando alarga o contrato, numa
medida importante, a serviços inicialmente não previstos” (Ponto 36); “modifica o equilíbrio económico do contrato
a favor do adjudicatário do contrato de uma forma que não estava prevista nos termos do contrato inicial” (Ponto
37).
36
Cfr. considerando (107) e considerando (110).
37
No sentido de que este n.º 5 do artigo 72.º configura a regra geral sobre modificação dos contratos públicos, cfr.
Miguel Assis Raimundo, “Uma Primeira Análise das Novas Diretivas (Parte II)”, Revista de Contratos Públicos nº 10,
2014, pp.164-165. Em sentido não coincidente, Steen Treumer, “Contract Changes and the Duty to Retender Under
the New EU Public Procurement Directive”, PPLR 3, 2014, pp. 148-149. Manifestando-se contrária ao entendimento

110
Contratação Pública
9. Principais novidades do regime substantivo dos contratos – invalidades e modificações objetivas e subjetivas

De seguida, embora a técnica legislativa seja a inversa, podemos encontrar na Diretiva o


seguinte conjunto de situações em abstrato:

a) Modificações não substanciais, que são admissíveis;

b) Modificações substanciais admissíveis;

c) Modificações substanciais proibidas;

d) Modificações permitidas em função do valor.

28. De forma rápida, que requisitos estão previstos para cada uma delas?

(a) Modificações previstas na alínea e) do n.º 1 do artigo 72.º e que não forem substanciais na
aceção do n.º 4, isto é, as que tornarem “o contrato ou o acordo-quadro materialmente
diferente do contrato ou acordo-quadro celebrado inicialmente” ou preencham um ou mais
dos requisitos seguintes:

(i) “A modificação introduz condições que, se fizessem parte do procedimento de


contratação inicial, teriam permitido a admissão de outros candidatos ou a aceitação
de outra proposta, ou teriam atraído mais participações no concurso”;

(ii) “A modificação altera o equilíbrio económico do contrato ou do acordo-quadro a


favor do adjudicatário de uma forma que não estava prevista no contrato ou acordo-
quadro inicial”;

(iii) “A modificação alarga consideravelmente o âmbito do contrato ou do acordo-


quadro”;

(iv) “O adjudicatário ao qual a autoridade adjudicante atribuiu inicialmente o contrato


é substituído por um novo adjudicatário, em casos não previstos no n.º 1, alínea d)”.

b) Modificações consideradas substanciais, mas admissíveis porque:

(1) Previstas nas peças do procedimento, em cláusula de revisão ou opção claras,


precisas e inequívocas, independentemente do seu valor, desde que não alterem
natureza global do contrato [alínea a) do n.º 1 do artigo 72.º];

(2) Que se traduzam em prestações adicionais ou complementares, não previstas caso


a celebração de um contrato autónomo com outro operador não possa ser efetuada
por razões económicas ou técnicas, por se revelar altamente inconveniente ou
provocar uma duplicação substancial dos custos para a autoridade adjudicante, de

de que a norma não será exaustiva quanto às situações de modificações admissíveis, em particular, as que não
foram tratadas pela jurisprudência, como sustenta Sue Arrowsmith (The Law of Public and Utilities Procurement –
regulation in the EU and UK, Sweet and Maxweell, 3ª edição, 2014, p. 602), Ana Gouveia Martins, A modificação dos
contratos no anteprojecto do Código dos Contratos Públicos”, in Maria João Estorninho/Ana Gouveia Martins
(coord.), Atas da Conferência A Revisão do Código dos Contratos Públicos, cit., p. 287.

111
Contratação Pública
9. Principais novidades do regime substantivo dos contratos – invalidades e modificações objetivas e subjetivas

valor inferior a 50% do valor e com publicação de um anúncio da modificação no JOUE


[alínea b) do n.º 1 do artigo 72.º];

(3) Ditadas por:

(i) circunstâncias imprevisíveis por uma entidade adjudicante diligente, desde


que

(ii) não alterem a natureza global do contrato,

(iii) não excedam 50% do valor do contrato,

(iv) publicação de um anúncio da modificação no JOUE [alínea c) do n.º 1 do


artigo 72.º];

(4) Porque relacionadas com alteração sujetiva [alínea d) do n.º 1 do artigo 72.º];

c) Não admissíveis as modificações que não respeitem as condições estabelecidas nos n.ºs 1 e
2 e respetivos parágrafos;

d) São admissíveis modificações fundadas apenas em critério quantitativo, desde que o valor
da modificação respeite os limiares comunitários fixados para a adjudicação dos contratos,
seja inferior a 10% /15% do valor do contrato (consoante o contrato) e se mantenha a
natureza global do contrato (n.º 2 do artigo 72.º).

5.3. A modificação objetiva

5.3.1. Os fundamentos da modificação objetiva

29. O artigo 312.º do CCP contém os fundamentos da modificação objetiva dos contratos: um,
fundado no interesse público e associado ao exercício do poder de modificação unilateral do
conteúdo das prestações [alínea b)]; outro, assente na alteração anormal e imprevisível das
circunstâncias associadas a inexigibilidade das prestações à luz do princípio da boa-fé e à não
verificação dos riscos próprios do contrato.

Pretendendo transpor as disposições europeias, o legislador apenas alterou o proémio do


artigo 312.º, introduzindo a referência a “condições” previstas no próprio contrato. Se, com
esta alteração, o legislador quis transpor a previsão da alínea a) do n.º 1 do artigo 72.º da
Diretiva 2014/24/EU, tê-lo-á feito de forma insuficiente. Na verdade, o que o legislador
europeu pretende, mais do que uma vez sublinhado não só pela própria letra da norma, pelo
considerando, bem como pela jurisprudência e doutrina, é que seja evidente, desde o
procedimento pré-contratual em que circunstâncias pode ocorrer a modificação. Daí que se se
preveja:

a) Ou “nos documentos iniciais do concurso em cláusulas de revisão (podendo incluir


cláusulas de revisão dos preços)”;

112
Contratação Pública
9. Principais novidades do regime substantivo dos contratos – invalidades e modificações objetivas e subjetivas

b) Ou “opção claras, precisas e inequívocas”, sendo que elas devem “indicar o âmbito e
a natureza das eventuais modificações ou opções, bem como as condições em que
podem ser aplicadas”.

Ora, quanto à previsão nos documentos do concurso, o n.º 4 do artigo 42.º alude, brevemente,
às condições de modificação do contrato. 38

Já no que respeita à previsão constante do artigo 312.º, ela poderá ser insuficiente face à
exigência enunciada em b). Contudo, há que conciliar esta previsão com a que resulta
expressamente da alínea j) do n.º 1 do artigo 94.º, que refere, como fazendo parte do contrato
escrito, “as eventuais condições de modificação do contrato expressamente previstas no
caderno de encargos, incluindo cláusulas de revisão ou opção, claras, precisas e inequívocas”. 39

5.3.2. Os limites do artigo 313.º

30. O artigo 313.º, conquanto já contivesse prescrições normativas que tutelavam a


concorrência, muito antes das Diretivas assim o imporem 40, é alvo de revisão significativa. 41

Há dois domínios importantes a registar quanto a estas alterações.

O primeiro respeita à limitação de aplicação objetiva das disposições do artigo 313.º aos
contratos públicos, na justa medida em que tal limitação é introduzida no n.º 1, tendo depois
relevância para a aplicação dos n.ºs 2 e 5. O outro respeita ao confronto das alterações
introduzidas com as imposições das Diretivas.

31. Começando então pelo primeiro domínio.

O n.º 1 do artigo 313.º passa a estabelecer que “a modificação de qualquer contrato público,
com os fundamentos previstos no artigo anterior, encontra-se sujeita aos seguintes limites”.
Consequentemente, os limites a seguir enunciados apenas serão de aplicar a contratos que
sejam qualificados como públicos, nos termos do disposto no n.º 2 do artigo 1.º do CCP. O que,
a contrario, permite, pelo menos, perguntar se não se poderão aplicar a contratos que não o
sejam. 42

38
“4 - Os parâmetros base referidos no número anterior podem dizer respeito a quaisquer aspetos da execução do
contrato, tais como o preço a pagar ou a receber pela entidade adjudicante, a sua revisão, o prazo de execução das
prestações objeto do contrato ou as suas características técnicas ou funcionais, bem como às condições da
modificação do contrato, devendo ser definidos através de limites mínimos ou máximos, consoante os casos, sem
prejuízo dos limites resultantes das vinculações legais ou regulamentares aplicáveis” (destacado nosso).
39
Em qualquer caso, nunca poderão ser previstas modificações ou opções que alterem a natureza global do
contrato ou do acordo-quadro.
40
Cfr. Raquel Carvalho, “As novas diretivas da contratação pública e a tutela da concorrência na execução dos
contratos públicos”, Revista Concorrência e Regulação, n.º 19 (data 2014, mas efetivamente publicada em 2016),
pp. 243-244).
41
A doutrina converge no entendimento de que o legislador português consagrou uma restrição grave na
possibilidade de modificação dos contratos, para além do que decorre das Diretivas. Vide Mário Aroso de Almeida,
“Apreciação geral da revisão do Código dos Contratos Públicos: em particular, os novos regimes dos artigos 280.º e
313.º do CCP”, in Carla Amado Gomes/ Ricardo Pedro/Tiago Serrão/Marco Caldeira (coord.), Comentários à revisão
do Código dos Contratos Públicos, AAFDL, Lisboa, 2017, p. 29.
42
Criticando novamente esta opção do legislador, até porque a delimitação objetiva, faz-se a partir das prescrições
do artigo 280.º, Ana Gouveia Martins, “A modificação dos contratos no anteprojecto do Código dos Contratos

113
Contratação Pública
9. Principais novidades do regime substantivo dos contratos – invalidades e modificações objetivas e subjetivas

Significa igualmente que então os fundamentos se de modificação devem relacionar com os


aspetos procedimentais que preocupavam o legislador europeu. Dos cinco fundamentos
enunciados, apenas um já existia na redação anterior e é o que de forma expressa se relaciona
com a proteção da concorrência [alínea b)].

32. As demais alíneas, com exceção da alínea e), preveem inequivocamente situações
associadas à tutela de valores concorrenciais:

(i) “não pode conduzir à alteração substancial do objeto do contrato” – consagração do


princípio da intangibilidade do objeto e com a expressão utilizada no n.º 4 do artigo
72.º da Diretiva [relevante para a alínea e) do n.º 1 do mesmo artigo];

(ii) proibição de “alterações que, se fizessem parte do caderno de encargos, teriam


ocasionado, de forma objetivamente demonstrável, a alteração da ordenação das
propostas avaliadas ou a admissão de outras propostas” – parece relacionar-se com a
previsão da alínea a) do n.º 4 do artigo 72.º (alteração substancial);

(iii) alterações quantitativas aqui relacionadas com os fundamentos da modificação e


não com o tipo de contrato como se prevê no n.º 2 do artigo 72.º ou com o limite
absoluto de 50% previsto no n.º 1 do artigo 72.º; 43

(iv) não pode alterar o equilíbrio do contrato colocando o cocontratante em situação


mais favorável do que a que resulta do equilíbrio inicial. 44

Apesar de o n.º 1 do artigo 313.º prever cinco limitações, a verdade é que mesmo assim não
parece o legislador ter transposto adequadamente as normas das Diretivas:

a) Não estabelece a possibilidade de modificação em função do valor (respeitando os


valores dos limiares, com respeito da natureza global do contrato) e que resulta do n.º
2 do artigo 72.º da Diretiva 2014/24/UE; 45

b) A alínea d) surge como limite absoluto, numa opção que não resulta como tal das
Diretivas. 46

Públicos”, in Maria João Estorninho/Ana Gouveia Martins (coord.), Atas da Conferência A Revisão do Código dos
Contratos Públicos, cit., p. 309.
43
Criticando a exigência dos limites quantitativos, até por se referirem a “limites inexistentes nas diretivas”, por não
se perceberem as razões que levam ao estabelecimento dos limites de 10% para a modificação não imputável a
alteração das circunstâncias e 25% à imputável aquela alteração, Ana Gouveia Martins, “A modificação dos
contratos no anteprojecto do Código dos Contratos Públicos”, in Maria João Estorninho/Ana Gouveia Martins
(coord.), Atas da Conferência A Revisão do Código dos Contratos Públicos, cit., pp. 314 e ss..
44
Para Mário Aroso de Almeida, “as alíneas c) e e) do n.º 1 do artigo 313.º parecem encontrar correspondência na
previsão das alíneas a) e b) do n.º 4 da Diretiva 2014/24 (devendo, por isso, a alínea c) ser lida em conformidade
com esta última alínea b))”, (in , “Apreciação geral da revisão do Código dos Contratos Públicos: em particular, os
novos regimes dos artigos 280.º e 313.º do CCP”, in Carla Amado Gomes/ Ricardo Pedro/Tiago Serrão/Marco
Caldeira (coord.), Comentários à revisão do Código dos Contratos Públicos, AAFDL, Lisboa, 2017, p. 30).
45
Existe apenas a previsão da alínea d) do n.º 1 mas que não contempla a transposição do referido n.º 2 do artigo
72.º da Diretiva 2014/24/EU.
46
Neste sentido, Mário Aroso de Almeida, “Apreciação geral da revisão do Código dos Contratos Públicos: em
particular, os novos regimes dos artigos 280.º e 313.º do CCP”, in Carla Amado Gomes/Ricardo Pedro/Tiago
Serrão/Marco Caldeira (coord.), Comentários à revisão do Código dos Contratos Públicos, AAFDL, Lisboa, 2017, p. 30

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9. Principais novidades do regime substantivo dos contratos – invalidades e modificações objetivas e subjetivas

33. Apesar de não estar obrigado a transpor todas as formas de modificação objetiva do
contrato, o legislador tinha todavia de incluir «“modificação [que] alarga[sse]
consideravelmente o âmbito do contrato ou acordo-quadro” (cfr. art. 72º, n.º 4, alínea c) da
Directiva n.º 2014/24/UE), um dos três critérios concretizadores de alteração substancial que
constam da Directiva e cuja relevância fulcral já decorreria da jurisprudência comunitária». 47 O
que não sucede expressamente ainda que se possa interpretar a alínea a) como contendo essa
possibilidade (Ana Gouveia Martins) ou da alínea b) (Mário Aroso de Almeida). 48

34. A delimitação operada pela expressão “contrato público” releva depois para o âmbito de
aplicação do n.º 2: não se aplicam aos contratos (públicos) dois limites, desde que os contratos
sejam duradouros e a não aplicação dos limites se justifique pelo decurso do tempo: passam a
ser permitidas modificações que configurem “uma forma de impedir, restringir ou falsear a
concorrência” (???) e ; modificações que, “se fizessem parte do caderno de encargos, teriam
ocasionado, de forma objetivamente demonstrável, a alteração da ordenação das propostas
avaliadas ou a admissão de outras propostas”.

A mera leitura literal dos preceitos evidencia a necessidade imperiosa de encontrar um sentido
útil da remissão para a alínea b), na economia do preceito, dirigido, no essencial a tutelar o
valor da concorrência. Mário Aroso de Almeida sustenta que “a previsão do n.º 2 do artigo
313.º, (…), ao afastar a aplicabilidade da alínea b) do n.º 1, não terá, naturalmente, o propósito
de permitir modificações que configurem formas de “impedir, restringir ou falsear a
concorrência”, mas o de admitir que não terão tal configuração as modificações que, sendo, à
partida, excluídas pela alínea b) do n.º 1, por tornarem os contratos materialmente diferentes,
alargando consideravelmente o respetivo âmbito ou o respetivo período de duração, devam
ser admitidas por “result[ar]em da natureza duradoura do vínculo contratual, desde que o
decurso do tempo as justifique”. Só encontra um sentido útil a este n.º 2 quando o relaciona
com uma alteração anormal e imprevisível das circunstâncias, salvando assim uma prescrição
normativa à primeira vista incoerente. 49

35. A delimitação é ainda relevante – ou pode sê-lo – para encontrar a extensão normativa da
previsão do n.º 3. O legislador estabelece que para os contratos regulados no Título II da Parte
III valem os limites aí previstos. A dúvida que se coloca é a de saber se tais contratos só estão
sujeitos a esses limites ou, sendo também contratos públicos, estão igualmente sujeitos aos
limites previstos no artigo 313.º

Pela nossa parte, se os contratos especialmente regulados na Parte III forem sujeitos aos
procedimentos da Parte II, por se verificarem os respetivos requisitos, são contratos públicos.
Por conseguinte, as razões que fundamentam os limites que temos vindo a enunciar estão
presentes, logo, aplicar-se-ão também os limites previstos no artigo 313.º

47
Ana Gouveia Martins, “A modificação dos contratos no anteprojecto do Código dos Contratos Públicos”, in Maria
João Estorninho/Ana Gouveia Martins (coord.), Atas da Conferência A Revisão do Código dos Contratos Públicos,
cit., pp. 320.
48
Mário Aroso de Almeida, “Apreciação geral da revisão do Código dos Contratos Públicos: em particular, os novos
regimes dos artigos 280.º e 313.º do CCP”, in Carla Amado Gomes/Ricardo Pedro/Tiago Serrão/Marco Caldeira
(coord.), Comentários à revisão do Código dos Contratos Públicos, AAFDL, Lisboa, 2017, p. 30.
49
Mário Aroso de Almeida, “Apreciação geral da revisão do Código dos Contratos Públicos: em particular, os novos
regimes dos artigos 280.º e 313.º do CCP”, in Carla Amado Gomes/ Ricardo Pedro/Tiago Serrão/Marco Caldeira
(coord.), Comentários à revisão do Código dos Contratos Públicos, AAFDL, Lisboa, 2017, p. 30.

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Importa, no entanto, verificar se há ou não necessidade de conciliar regimes jurídicos, sendo


que o legislador deverá ter reservado para a regulamentação especial, limites associados
especificamente ao tipo de contrato e não limites associados aos mesmos interesses públicos
que pretende tutelar no artigo 313.º ou, ainda que referidos aos mesmos interesses públicos,
configuram normas especiais. Caso em que, então, se aplicam as normas especiais
obviamente. 50

É então útil verificar a propósito da regulamentação do contrato de empreitada de obras


públicas e do contrato de concessão, que também sejam contratos públicos, que disposições
contêm limites à respetiva modificação objetiva.

36. No que respeita à empreitada de obras públicas, a revogação dos artigos 376.º e 377.º
eliminou, para efeitos de modificação do contrato, que não de responsabilidade, a distinção
entre erros e omissões e trabalhos a mais. 51

Encontramos algumas regras sobre as modificações:

a) O n.º 2 do artigo 370.º prescreve o seguinte: “Quando os trabalhos complementares


resultem de circunstâncias não previstas, pode o dono da obra ordenar a sua execução ao
empreiteiro desde que, de forma cumulativa: a) Não possam ser técnica ou economicamente
separáveis do objeto do contrato sem inconvenientes graves e impliquem um aumento
considerável de custos para o dono da obra; b) O preço desses trabalhos, incluindo o de
anteriores trabalhos complementares igualmente decorrentes de circunstâncias não previstas,
não exceda 10 % do preço contratual; e c) O somatório do preço contratual com o preço
atribuído aos trabalhos complementares não exceda os limites previstos na alínea d) do artigo
19.º, quando o procedimento adotado tenha sido o ajuste direto, na alínea c) do mesmo artigo
quando o procedimento tenha sido o da consulta prévia ou na alínea b) do artigo 19.º quando
o procedimento adotado tenha sido o concurso público ou o concurso limitado por prévia
qualificação sem publicação do respetivo anúncio no Jornal Oficial da União Europeia”.

b) O n.º 4 do mesmo artigo prescreve: “Quando os trabalhos complementares resultem


de circunstâncias imprevisíveis ou que uma entidade adjudicante diligente não pudesse ter
previsto, pode o dono da obra ordenar a sua execução desde que, de forma cumulativa: a) Não
possam ser técnica ou economicamente separáveis do objeto do contrato sem inconvenientes
graves e impliquem um aumento considerável de custos para o dono da obra; e b) O preço
desses trabalhos, incluindo o de anteriores trabalhos complementares igualmente decorrentes
de circunstâncias imprevisíveis, não exceda 40% do preço contratual”. 52

50
No mesmo sentido, sublinhando que as normas especiais regulam apenas as modificações associadas a trabalhos
complementares e, por conseguinte, os limites associados a modificações fundadas em alterações anormais e
imprevisíveis de circunstâncias se aplicarão a contratos regulados em especial, Mário Aroso de Almeida,
“Apreciação geral da revisão do Código dos Contratos Públicos: em particular, os novos regimes dos artigos 280.º e
313.º do CCP”, in Carla Amado Gomes/Ricardo Pedro/Tiago Serrão/Marco Caldeira (coord.), Comentários à revisão
do Código dos Contratos Públicos, AAFDL, Lisboa, 2017, p. 31.
51
Cfr. o disposto no artigo 378.º do CCP. Relembre-se que, na linha do que estabelecem as diretivas, o legislador
português reúne agora sob a mesma designação os trabalhos ordenados após a celebração do contrato de
empreitada na designação de trabalhos complementares (cfr. as epígrafes dos artigos 370.º e ss.).
52
Estas normas devem aplicar-se aos contratos de aquisição de bens móveis, por força do disposto no artigo 438.º
do CCP.

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9. Principais novidades do regime substantivo dos contratos – invalidades e modificações objetivas e subjetivas

Esta última disposição não é coincidente com a previsão da alínea d) do n.º 1 do artigo 313.º
que se refere a um limite de 25%, no caso de circunstâncias imprevisíveis. Sendo o artigo 370.º
previsão especial, constando do regime substantivo e atendendo ao que se estabelece no n.º 2
do artigo 313.º, o limite quantitativo a aplicar deverá ser o de 40%. 53

37. No que respeita às concessões, o legislador português introduziu um novo artigo – o artigo
420.º A – que no seu n.º 2 estabelece: “Quando a modificação do contrato se fundar em
circunstâncias imprevisíveis, o valor da modificação não pode ultrapassar 50% do valor do
contrato”. 54 De novo, há norma especial face à previsão do artigo 313.º, devendo aplicar-se a
norma especial. 55

38. Há um aspeto do regime das modificações objetivas que o artigo 313.º não esclarece e que
se relaciona com a previsão constante do último parágrafo da alínea b) do n.º 1 do artigo 72.º
e que respeita à consideração aí “não cumulativa” de cada modificação. Como sustentava Ana
Gouveia Martins, ao tempo referindo-se ao anteprojeto, «é crucial, por razões de segurança
jurídica, que se explicite se os limites quantitativos máximos previstos valem para cada
modificação per se, tal como permitem as Directivas (salvo fraude à lei) ou se, no caso de
sucessivas modificações, se deve proceder ao cálculo do valor acumulado, tal como indicia a
redacção do art. 313º, alínea d) quando se refere ao “aumento total de preço originado pelas
eventuais modificações”». 56

39. Este aspeto é igualmente importante por causa das obrigações de publicidade das
modificações. Na verdade, as Diretivas impõem que “depois de modificarem um contrato nos
casos previstos nas alíneas b) e c) do presente número, as autoridades adjudicantes publicam
um anúncio da modificação ou modificações no Jornal Oficial da União Europeia. Os anúncios
incluem as menções previstas no Anexo V, parte G, e são publicados em conformidade com o
artigo 51.º”. 57

O regime da publicitação no CCP consta do artigo 315.º e levanta algumas questões.

Em primeiro lugar, o n.º 1 do referido artigo refere que “modificações objetivas do contrato
que representem um valor acumulado superior a 10 % do preço contratual” (destacado nosso)
devem ser publicitadas no portal dos contratos públicos.

O que significa desde logo que as modificações que fiquem abaixo desse valor,
designadamente as que são fundadas em interesse público [alínea b) do artigo 312.º em

53
Julgamos que o mesmo raciocínio se deverá fazer a propósito dos serviços complementares, cuja previsão de
modificação por circunstâncias imprevisíveis, está regulada no n.º 3 do artigo 454.º do CCP.
54
Pretende transpor o artigo 43.º da Diretiva 2014/23/EU. O n.º 1 do artigo 420.º A pretende regular as
modificações não previstas no contrato, não esclarecendo se os requisitos são cumulativos ou não.
55
Sustentando, ainda perante a previsão do Anteprojeto (mas que se manteve na redação da revisão) que o artigo
313.º, na alínea d) deveria ser revisto, Ana Gouveia Martins, “A modificação dos contratos no anteprojecto do
Código dos Contratos Públicos”, in Maria João Estorninho/Ana Gouveia Martins (coord.), Atas da Conferência A
Revisão do Código dos Contratos Públicos, cit., pp. 321-322.
56
Ana Gouveia Martins, A modificação dos contratos no anteprojecto do Código dos Contratos Públicos”, in Maria
João Estorninho/Ana Gouveia Martins (coord.), Atas da Conferência A Revisão do Código dos Contratos Públicos,
cit., pp. 323-324.
57
Parágrafo da alínea e) do n.º 1 do artigo 72.º da Diretiva 2014/24/EU.

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Contratação Pública
9. Principais novidades do regime substantivo dos contratos – invalidades e modificações objetivas e subjetivas

conjugação com a parte final da alínea d) do n.º 1 do artigo 313.º] não o serão. 58 E este
aspeto é igualmente relevante para os contratos em especial, sempre que que as modificações
tenham o limite de 10% 59

Dir-se-á que o regime introduzido é mais exigente por comparação com o que resultava do
anterior artigo 315.º que se referia a 15%, mas fica por perceber se não satisfaria melhor os
princípios da concorrência e da transparência não existir o limite quando a modificação resulta
do exercício do poder de modificação unilateral (ou acordo) com fundamento em interesse
público.

É introduzido um novo número, o n.º 3, que impõe que as modificações previstas na


regulamentação especial a propósito das empreitadas de obras públicas (artigo 370.º, n.º 4),
contratos de serviços (artigo 454.º, n.º 3) e concessões (artigo 420.º A, n.º 2), desde que estes
contratos tenham sido precedidos de anúncio no JOUE, também devam ser aí publicitadas. 60

É, portanto, necessário distinguir entre as obrigações de publicitação no portal dos contratos


públicos e as da publicação no JOUE. As normas expressamente referidas no artigo 315.º a
propósito dos contratos especificamente regulados dizem respeito a modificações fundadas
em “circunstâncias imprevisíveis”. Ora, nas Diretivas a previsão de publicação de modificações
no JOUE não distingue a obrigação em função do tipo de modificação. Repare-se: “Depois de
modificarem um contrato nos casos previstos nas alíneas b) [trabalhos complementares] e c)
[circunstâncias imprevisíveis] do presente número, as autoridades adjudicantes publicam um
anúncio da modificação ou modificações no Jornal Oficial da União Europeia”. 61

40. Em relação aos contratos sobre poderes públicos, foi corrigida a remissão para o
fundamento na alteração anormal e imprevisível das circunstâncias. Na verdade, sob pena de
ocorrer violação do princípio da separação dos poderes, o juiz não pode impor modificações a
contratos (ou atos) à luz de uma leitura do interesse público administrativo. 62

41. O n.º 5 do artigo 315.º impõe a adopção de novo procedimento caso a modificação não se
contenha nos limites definidos no Código (e não apenas no artigo 313.º).

5.3.3. A alteração no artigo 314.º

58
Referindo-se precisamente a esta questão, Ana Gouveia Martins, “A modificação dos contratos no anteprojecto
do Código dos Contratos Públicos”, in Maria João Estorninho/Ana Gouveia Martins (coord.), Atas da Conferência A
Revisão do Código dos Contratos Públicos, cit., pp. 335.
59
É o caso das previsões dos artigos 370.º, n.º 2; 454.º, n.º 2 e 420.º A n.º 1.
60
Esta previsão normativa é mais um argumento de que aquelas normas são especiais face às regras da alínea d) do
n.º 1 do artigo 313.º.
61
Cfr. o n.º 2 do artigo 72.º da Diretiva 2014/24/EU. No sentido de que a restrição contida no n.º 3 do artigo 315.º,
ao tempo da prescrição do anteprojeto (que também não contemplava os dois fundamentos de modificação)
violava o Direito da União Europeia e sustentando que a remissão se devia fazer apenas para os artigos, Ana
Gouveia Martins, “A modificação dos contratos no anteprojecto do Código dos Contratos Públicos”, in Maria João
Estorninho/Ana Gouveia Martins (coord.), Atas da Conferência A Revisão do Código dos Contratos Públicos, cit., pp.
339-340.
62
Cfr. o disposto na parte final do n.º 1 do artigo 3.º do CPTA, como primeira enunciação dos limites ao poder
judicial e que ao longo do Código é, a propósito de outras disposições, reforçado (cfr. o disposto nos n.ºs 2 e 3 do
artigo 71.º, no n.º 5 do artigo 95.º, no n.º 1 do artigo 179.º do CPTA).

118
Contratação Pública
9. Principais novidades do regime substantivo dos contratos – invalidades e modificações objetivas e subjetivas

42. Não foi apenas o artigo relativo aos limites à modificação que foi alterado. Também as
prescrições relativas às consequências das modificações objetivas sofreram alterações.

O artigo 314.º sofreu uma alteração no corpo do n.º 1 do artigo e foi introduzido um número
3.

No que respeita à nova redação do n.º 1, que agora prevê a reposição do equilíbrio financeiro
“sempre que o fundamento para a modificação do contrato seja, para além de outras
especialmente previstas na lei: (…)”, importa perceber qual terá sido a intenção do legislador.
Estará a referir-se a outras previsões legais (de fundamento) para além das previstas nas duas
alíneas desse artigo? Não constituiria qualquer problema não fosse a existência da prescrição
normativa contida no n.º 1 do artigo 282.º do CCP que, regulando a reposição do equilíbrio
financeiro, estabelece que “há lugar à reposição do equilíbrio financeiro apenas nos casos
especialmente previstos na lei ou, a título excecional, no próprio contrato”. Ou seja, o n.º 1 do
artigo 282.º apenas admite, excecionalmente, a previsão no contrato de outros fundamentos.
Quer o legislador que mesmo esta previsão tenha fundamento na lei? Ou, ao contrário do que
parece, está a referir-se a outro tipo de modificações?

43. Já no que respeita à introdução do n.º 3, qual terá sido a razão para o legislador reproduzir
no n.º 3 do artigo 314.º o n.º 2 do artigo 282.º?

Repare-se na redação do n.º 2 do artigo 282.º: “Sem prejuízo do disposto no número anterior, o
cocontratante só tem direito à reposição do equilíbrio financeiro quando, tendo em conta a
repartição do risco entre as partes, o facto invocado como fundamento desse direito altere os
pressupostos nos quais o cocontratante determinou o valor das prestações a que se obrigou,
desde que o contraente público conhecesse ou não devesse ignorar esses pressupostos.” O n.º
3 do artigo 314.º estabelece: “Quando a modificação do contrato tenha por fundamento as
circunstâncias previstas na alínea a) do artigo 312.º, o cocontratante só tem direito à reposição
do equilíbrio financeiro quando, tendo em conta a repartição do risco entre as partes, o facto
invocado como fundamento desse direito altere os pressupostos com base nos quais
determinou o valor das prestações a que se obrigou, desde que o contraente público
conhecesse ou não devesse ignorar esses pressupostos.”

O alcance normativo não é integral, sendo o n.º 3 do artigo 314.º mais restrito, na medida em
que a condição legal para operar o equilíbrio financeiro se circunscreve ao fundamento da
alteração anormal e imprevisível das circunstâncias.

Para além deste “embate de redações”, em rigor é difícil conciliar este n.º 3 com o n.º 2 do
mesmo artigo. Senão, repare-se: “Os demais casos de alteração anormal e imprevisível das
circunstâncias conferem direito à modificação do contrato ou a uma compensação financeira,
segundo critérios de equidade.” Em que ficamos? Há reequilíbrio financeiro ou apenas
modificação ou compensação? Ou quis o legislador permitir, além da modificação e/ou
compensação, a possibilidade de reequilíbrio financeiro, mas apenas quando “tendo em conta
a repartição do risco entre as partes, o facto invocado como fundamento desse direito altere os
pressupostos com base nos quais determinou o valor das prestações a que se obrigou, desde
que o contraente público conhecesse ou não devesse ignorar esses pressupostos.”? Caso em

119
Contratação Pública
9. Principais novidades do regime substantivo dos contratos – invalidades e modificações objetivas e subjetivas

que, então, havendo alteração anormal e imprevisível das circunstâncias a consequência


poderia ser:

a) Modificação do contrato ou compensação financeira se o facto invocado como


fundamento (alteração anormal e imprevisível) altere os pressupostos com base nos
quais se determinou o valor das prestações, mas o contraente público não conhecia
nem devia conhecer esses pressupostos (será possível este cenário)?

b) Reposição do equilíbrio financeiro se o facto altere os pressupostos e estes fossem


ou devessem ser conhecidos pelo contraente público.

A única leitura razoável e conciliável possível é a de que o legislador, quando no artigo 314.º se
refere à alteração anormal e imprevisível das circunstâncias, se queria referir particularmente
à dimensão em que tal alteração é imputável ao contraente público. 63

6. A MODIFICAÇÃO SUBJETIVA

44. No domínio da modificação subjetiva, há que ter em consideração que o legislador


português encontrava mandato de transposição em dois artigos da Diretiva 2014/24/UE:

a) No artigo 71.º; e

b) Na alínea d) do n.º 1 do artigo 72.º. 64

O artigo 71.º da Diretiva regula aspetos da subcontratação que, em rigor, mantém intacta a
dimensão subjetiva do contrato público e apenas altera alguns aspetos da execução do
mesmo, fazendo intervir, em certas condições, uma terceira parte.

O n.º 3 (e também o n.º 7) do artigo 71.º permite que os Estados Membros consagrem os
pagamentos diretamente aos subcontratados, o que sucedeu entre nós com a introdução do
artigo 321.º A. A estas disposições regressaremos mais tarde.

As demais disposições normativas do artigo 71.º referem-se às cautelas com a utilização do


instituto da subcontratação, designadamente no que respeita:

63
Sustentando ao tempo do anteprojeto (cuja redação era esta) que o legislador ou abdicava do n.º 3 do artigo
314.º ou a remissão se devia fazer para a alínea a) do n.º 1 do artigo 314.º (que se refere à alteração anormal e
imprevisível das circunstâncias imputável a decisão do contraente público), Ana Gouveia Martins, “A modificação
dos contratos no anteprojecto do Código dos Contratos Públicos”, in Maria João Estorninho/Ana Gouveia Martins
(coord.), Atas da Conferência A Revisão do Código dos Contratos Públicos, cit., pp. 332-333. Lendo assim, à luz da
efetiva revisão, o n.º 3 do artigo 314.º, Rui Medeiros, “Stress tests à revisão do CCP”, in Carla Amado
Gomes/Ricardo Pedro/Tiago Serrão/Marco Caldeira (coord.), Comentários à revisão do Código dos Contratos
Públicos, AAFDL, Lisboa, 2017, p. 51, nota 7.
64
Não devendo esquecer-se a importância dos considerandos, designadamente quanto a esta questão, o
considerando 110: “Em conformidade com os princípios da igualdade de tratamento e da transparência, o
adjudicatário não deverá, por exemplo quando um contrato seja rescindido devido a deficiências na execução, ser
substituído por outro operador económico sem abrir novo concurso relativo ao contrato. Todavia, o adjudicatário
responsável pela execução do contrato pode, em particular quando o contrato tenha sido adjudicado a mais do que
uma empresa, sofrer algumas alterações estruturais durante essa execução, nomeadamente restruturações
puramente internas, OPA, fusões e aquisições ou falências. Tais alterações estruturais não deverão exigir
automaticamente novos procedimentos de contratação para todos os contratos públicos executados pelo
adjudicatário em causa”.

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Contratação Pública
9. Principais novidades do regime substantivo dos contratos – invalidades e modificações objetivas e subjetivas

(i) À previsão da possibilidade nas peças do procedimento (n.º 2);

(ii) Sujeição aos requisitos de não impedimento pelos subcontratados e verificação dos
mesmos (n.º 5).

Na alínea d) do n.º 1 do artigo 72.º encontra-se a previsão da cessão da posição contratual,


forma genuína de modificação subjetiva, admissível se se preencher um dos seguintes
requisitos:

a) Previsão antecipada nos documentos do procedimento da possibilidade de


substituição do adjudicatário inicial, em cláusulas de revisão ou opções, claras
inequívocas e precisas [subalínea i da alínea d) conjugada com a alínea a) do n.º 1 do
artigo 72.º]; ou

b) Transmissão total ou parcial do operador económico [subalínea ii da alínea d) do n.º


1 do artigo 72.º]; ou

c) Assunção pela entidade adjudicante das obrigações assumidas pelo contraente


principal com os subcontratantes, se tal estiver previsto, nos termos do disposto no
artigo 71.º [subalínea iii da alínea d) do n.º 1 do artigo 72.º].

Fora destas hipóteses, ocorrerá uma modificação substancial, não admitida pelas Diretivas.

45. Do conjunto de disposições sobre “modificação subjetiva”, expressão não adotada pelo
legislador nacional, que incluem os artigos do Capítulo VI (artigos 316.º a 324.º), apenas foram
modificados os artigos 318.º e 319.º e introduzidos os artigos 318.º A e 321.º A.

É sobre estas disposições que nos iremos debruçar.

6.1. A cessão da posição contratual

46. O artigo 318.º regula aspetos comuns quer à cessão da posição contratual quer à da
subcontratação. Foi um dos artigos alterados no sentido de acomodar as disposições das
Diretivas sobre o assunto.
As alterações respeitam apenas à cessão da posição contratual. A partir de janeiro de 2018, a
cessão deve estar prevista no contrato “em cláusula de revisão ou opção inequívoca” 65, exceto
se verificar uma de duas possíveis situações:

a) “Quando haja transmissão universal ou parcial da posição do cocontratante, na sequência


de reestruturação societária, nomeadamente, oferta pública de aquisição, aquisição ou fusão,
a favor de cessionário que satisfaça os requisitos mínimos de habilitação e de capacidade
técnica e de capacidade económica e financeira exigidos ao cocontratante”; ou

b) “Quando o próprio contraente público assume as obrigações do cocontratante para com os


subcontratados”.

Duas observações a esta propósito:

65
Cfr. o disposto na alínea j) do n.º 1 do artigo 96.º do CCP.

121
Contratação Pública
9. Principais novidades do regime substantivo dos contratos – invalidades e modificações objetivas e subjetivas

a) A previsão de cessão da posição contratual surge agora com regime mais rigoroso, exigindo-
se que haja previsão no contrato, ainda que o n.º 2 do mesmo artigo se refira a autorização e
acrescente “ainda” a necessidade de verificação de outros requisitos. 66 O corpo do n.º 1
pretende por isso transpor a subalínea i) da alínea d) do n.º 1 do artigo 72.º, ainda que não
tenha sido estabelecido o travão da “alteração da natureza global”. A norma do artigo 318.º
necessita de ser conciliada com as regras contidas no artigo 316.º, que se manteve inalterado,
e que estabelece que “na falta de estipulação contratual ou quando outra coisa não resultar
da natureza do contrato, são admitidas a cessão da posição contratual e a subcontratação, nos
termos do disposto nos artigos seguintes”. Parece, portanto, admitir o legislador
genericamente a possibilidade de cessão e a nova redação do artigo 318.º vem contrariar essa
indicação genérica ao ser imperativo na prescrição do n.º 1. 67 Por outro lado, parece resultar
do n.º 2 do mesmo artigo 318.º e da novel alínea e) do n.º 1 do artigo 307.º, que a cessão é
igualmente possível através de autorização, que configura um ato administrativo;

b) Das duas situações excecionadas que o n.º 1 do artigo 318.º consagra, a alínea a)
corresponde parcialmente à subalínea ii) da alínea d) do n.º 1 do artigo 72.º, na medida em
que a norma portuguesa não estabelece como hipótese a considerar a insolvência, como
resulta da norma da Diretiva nem se referindo novamente à ressalva das modificações
substanciais e defesa das normas das diretivas relativas à concorrência; 68 a alínea b) apenas
não menciona a previsão da hipótese de cessão na legislação nacional.

No que respeita à omissão relativa à insolvência, parece claro, e nisso acompanhamos a


posição de Miguel Lorena de Brito, que o legislador português é claramente contrário à
admissibilidade da hipótese para efeitos de modificação subjetiva. Na verdade, a insolvência
surge como impedimento [alínea a) do n.º 1 do artigo 55.º], é causa de caducidade da
adjudicação (n.º 1 do artigo 87.º A), é fundamento para a resolução sancionatória [alínea h) do
n.º 1 do artigo 333.º)]. Divergimos de Miguel Lorena de Brito quanto à sua posição de ser
admissível a cessão com este fundamento, se prevista nas opções claras e inequívocas do
contrato pelas mesmas razões que o próprio apresenta como justificativas da posição do
legislador. 69 Se este não consagra a insolvência como uma das hipóteses, na linha do que se

66
A versão inicial do artigo 318.º referia-se a o “contrato poder autorizar” a cessão da posição contratual.
Tornando-se obrigatória a previsão contratual, o advérbio “ainda” introduzido no corpo do n.º 2 é estranho.
Referindo-se a salto lógico, fruto, na nossa opinião, mais uma vez, da falta de revisão integral do texto, Miguel
Lorena de Brito, “A modificação subjectiva do contrato no Código dos Contratos Públicos revisto”, in Carla Amado
Gomes/Ricardo Pedro/Tiago Serrão/Marco Caldeira (coord.), Comentários à revisão do Código dos Contratos
Públicos, AAFDL, Lisboa, 2017, p. 904.
67
Que leva Miguel Lorena Brito a descrever a situação de cessão da posição contratual como “de genericamente
admissível a contratualmente condicionada” (in “A modificação subjectiva do contrato no Código dos Contratos
Públicos revisto”, in Carla Amado Gomes/ Ricardo Pedro/Tiago Serrão/Marco Caldeira (coord.), Comentários à
revisão do Código dos Contratos Públicos, AAFDL, Lisboa, 2017, p. 900.
68
“transmissão universal ou parcial da posição do contratante inicial, na sequência de operações de reestruturação,
incluindo OPA, fusão e aquisição, ou de uma insolvência, para outro operador económico que satisfaça os critérios
em matéria de seleção qualitativa inicialmente estabelecidos, desde que daí não advenham outras modificações
substanciais ao contrato e que a operação não se destine a contornar a aplicação da presente diretiva”. Para uma
análise dedicada a cada um dos aspetos da alíena a) do n.º 1 do artigo 318.º, vide Miguel Lorena Brito, “A
modificação subjectiva do contrato no Código dos Contratos Públicos revisto”, in Carla Amado Gomes/ Ricardo
Pedro/Tiago Serrão/Marco Caldeira (coord.), Comentários à revisão do Código dos Contratos Públicos, AAFDL,
Lisboa, 2017, pp. 910 e ss.
69
Miguel Lorena Brito, “A modificação subjectiva do contrato no Código dos Contratos Públicos revisto”, in Carla
Amado Gomes/Ricardo Pedro/Tiago Serrão/Marco Caldeira (coord.), Comentários à revisão do Código dos Contratos
Públicos, AAFDL, Lisboa, 2017, p. 923.

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Contratação Pública
9. Principais novidades do regime substantivo dos contratos – invalidades e modificações objetivas e subjetivas

previa nas Diretivas, assumindo a recusa, e já sendo dada importância à situação em outras
disposições, designadamente na resolução, parece-nos contrário ao espírito do legislador
entender que a mera decisão da entidade adjudicante, ao prever essa hipótese no contrato, é
justificação bastante para permitir a modificação com esse fundamento. Quando o legislador
europeu previu a hipótese de cláusulas contratuais e, de seguida, prevê situações que não
necessitam dessas previsões, deixa claramente para as primeiras o espaço para previsão de
situações distintas e relacionadas especificamente com o contrato.

6.2. O novo artigo 318.º A

47. O legislador português introduziu uma forma de cessão da posição contratual motivada
pelo incumprimento do cocontratante no artigo 318.º A.

Para o efeito, devem mostrar-se preenchidos os seguintes requisitos (n.º 1):

a) Previsão contratual;

b) Requisitos de incumprimento que podem justificar a resolução;

c) Cessão da posição a concorrente do procedimento que conduziu à adjudicação ao


cocontratante;

d) Indicação do cessionário, pelo contraente público, respeitando a ordem sequencial do


procedimento pré-contratual..

O enunciado linguístico permite a conclusão de que esta forma de modificação subjetiva surge
em alternativa a uma resolução por incumprimento.

A questão que se coloca é, por conseguinte, a de saber esta opção pode excluir, de todo, toda
e qualquer resolução por incumprimento ou se pode ser prevista apenas para certas
circunstâncias de incumprimento.

Além disso, como se trata de previsão contratual, ela reflete um acordo integrante do
sinalagma ou trata-se de exercício discricionário do contraente público em relação ao poder de
resolução que fica vertido no contrato?

48. Quanto à forma de proceder, o n.º 2 estabelece a interpelação gradual, mas, em lado
algum, se refere que existe adjudicação, o que até se pode perceber, atendendo que estamos
perante uma nova forma de cessão da posição contratual. 70 Refere-se a lei apenas, no n.º 4, a
ato do contraente público. De todo o modo, a parte final do n.º 2, enigmaticamente refere
“novo contrato para a adjudicação da conclusão dos trabalhos”. Que novo contrato, se
estamos perante uma cessão da posição contratual, ainda que imposta? 71/ 72

70
Daí que também se compreenda que o cessionário fica obrigado a executar o contrato “nas mesmas condições já
propostas pelo cedente no procedimento pré-contratual original” (n.º 3).
71
Cfr. o disposto no n.º 4 do artigo 318.º A.
72
Interrogando-se também, Miguel Lorena Brito, “A modificação subjectiva do contrato no Código dos Contratos
Públicos revisto”, in Carla Amado Gomes/Ricardo Pedro/Tiago Serrão/Marco Caldeira (coord.), Comentários à
revisão do Código dos Contratos Públicos, AAFDL, Lisboa, 2017, p. 927.

123
Contratação Pública
9. Principais novidades do regime substantivo dos contratos – invalidades e modificações objetivas e subjetivas

49. Por fim, nem uma explicação sobre os efeitos da cessão, em particular no que respeita às
relações satélite que o cedente possa ter estabelecido por causa do contrato nem sobre os
efeitos do incumprimento. 73

6.3. A subcontratação

50. A subcontratação não foi alterada no mesmo sentido que a cessão da posição contratual.
Desde logo, continua a ser possível de forma inequívoca a subcontratação mediante
autorização. 74

A revisão de 2017 tornou, no entanto, o artigo 319.º aplicável apenas à subcontratação. O


regime agora aí instituído é o que já antes resultava do mesmo artigo, ainda que inicialmente
se aplicava também à cessão. O n.º 4 acrescentado ao artigo 319.º parece ser uma medida de
agilização da subcontratação, presumindo a lei que a ausência de resposta expressa é uma
rejeição de autorização.

6.4. O pagamento direto a subcontratado.

51. A previsão do pagamento direto aos subcontratados é a novidade mais relevante nesta
sede e que resulta do n.º 3 do artigo 71.º da Diretiva 2014/24/EU.

Está estipulado no n.º 1 do artigo 321.º A que “o subcontratado pode reclamar, junto do
contraente público, os pagamentos em atraso que lhe sejam devidos pelo cocontratante,
exercendo o contraente público o direito de retenção sobre as quantias do mesmo montante
devidas ao cocontratante por força do contrato principal”. 75

Apenas uma observação: o teor do n.º 6, excluindo as concessões e contratos que configurem
parcerias público-privadas não faz sentido se apenas se referir a si própria, caso em que se
excluiria de aplicação (?). Quererá o legislador excluir o pagamento direto a subcontratado nas
concessões? Parece ser esse o sentido útil da norma.

7. Conclusão

52. A revisão levada a cabo em 2017, relativa à Parte III, no que respeita ao regime da
invalidade e das modificações dos contratos é extensa e levanta algumas questões
importantes de conciliação de regimes substantivos e adjetivos.

73
Com esta crítica, Pedro Leite Alves, “Alguns problemas em sede de execução e (in)cumprimento do contrato”, in
Carla Amado Gomes/ Ricardo Pedro/Tiago Serrão/Marco Caldeira (coord.), Comentários à revisão do Código dos
Contratos Públicos, AAFDL, Lisboa, 2017, p. 937.
74
Os n.ºs 3 e ss. do artigo 318.º mantiveram-se inalterados.
75
O ordenamento jurídico português já teve disposição semelhante, precisamente com prescrição com a epigrafe,
direito de retenção, no artigo 267.º do Decreto-Lei n.º 59/99, de 2 de março: “1 - Os subempreiteiros podem
reclamar junto do dono da obra pelos pagamentos em atraso que sejam devidos pelo empreiteiro, podendo o dono
da obra exercer o direito de retenção de quantias do mesmo montante devidas ao empreiteiro e decorrentes do
contrato de empreitada de obra pública. 2 - As quantias retidas nos termos do número anterior serão pagas
directamente ao subempreiteiro, caso o empreiteiro, notificado para o efeito pelo dono de obra, não comprove
haver procedido à liquidação das mesmas nos 15 dias imediatos à recepção de tal notificação.”

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Contratação Pública
9. Principais novidades do regime substantivo dos contratos – invalidades e modificações objetivas e subjetivas

Além de inúmeras “distrações” do legislador que têm implicações na aplicação dos regimes
substantivos, designadamente com a utilização da expressão “contratos públicos”, os regimes
instituídos levantam questões de conformidade com as Diretivas (as de 2014 e a Recursos, nos
aspetos teleológicos), de conciliação entre normas revistas e normas não revistas.

A entrada em vigor do diploma revisto e a sua aplicação pelos operadores jurídicos e


judiciários poderá ajudar a melhor compreender um regime substantivo que é, na verdade,
mais profundo do que pareceria, a começar pelo próprio paradigma do “contrato”.

Vídeo da apresentação

https://educast.fccn.pt/vod/clips/yfni8rdkb/flash.html?locale=pt

125
Título:
Contratação Pública

Ano de Publicação: 2018

ISBN: 978-989-8908-12-4

Série: Formação Contínua

Edição: Centro de Estudos Judiciários

Largo do Limoeiro

1149-048 Lisboa

[email protected]

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