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Poder Judicirio do Estado do Rio de Janeiro

TRIBUNAL DE JUSTIA
2 CMARA CVEL

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APELAO CVEL No 0029580-87.2011.8.19.0001


APELANTE : JOO CARLOS TEIXEIRA DA SILVA
APELADO1 : DEPARTAMENTO DE TRNSITO DO ESTADO DO RIO DE
JANEIRO DETRAN/RJ
APELADO2 : MUNICPIO DO RIO DE JANEIRO
RELATOR : DES. PAULO SRGIO PRESTES DOS SANTOS
8 Vara de Fazenda Pblica
Juiz: Dra. Karla da Silva Barroso Velloso

DECISO
Apelao cvel. Direito administrativo. Infrao de trnsito.
Cancelamento de penalidade. Mrito administrativo.
Superao do paradigma da insindicabilidade do ato
administrativo discricionrio. Controle de juridicidade.
Incidncia
dos
parmetros
de
razoabilidade
e
proporcionalidade. Caso concreto a revelar inconsistncia no
Auto de Infrao lavrado em desfavor da parte autora. O
julgador deve se valer de todos os recursos que estejam sua
disposio na busca da verdade, sendo certo que o
magistrado moderno tem acesso a instrumentos tecnolgicos
que, usados com prudncia e razoabilidade, lhe permitem
comparecer a determinados locais no mundo fsico sem
sequer precisar sair de seu gabinete. Utilizao das
plataformas Google Street View e Google Maps como forma
de efetivar a norma contida no art. 442, I do CPC (art. 483, I
do NCPC). Presuno de legalidade do ato administrativo
que se afasta. Constatao de que a situao exarada no Auto
de Infrao discrepa da realidade dos fatos. Cancelamento
da penalidade e da pontuao negativa lanada na CNH.
Veculo que no estava estacionado a menos de 5 metros da
transversal, tendo em vista que o local apontado como
referncia est localizado a estimados 55 metros da esquina.
Reparao de danos. Responsabilidade civil estatal valorada
sob a tica da teoria do risco administrativo. Fato
administrativo, dano e nexo causal verificados na espcie.
Dano in re ipsa. Compensao arbitrada no valor de
R$10.000,00, observada a lgica do razovel e os parmetros
da proporcionalidade. Provimento parcial do recurso, com
fundamento no art. 557, 1-A do CPC.

Apelao Cvel n 0029580-87.2011.8.19.0001 / Ao de Obrigao de Fazer c/c Indenizatria


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PAULO SERGIO PRESTES DOS SANTOS:000009661

Assinado em 04/08/2015 18:48:32


Local: GAB. DES PAULO SERGIO PRESTES DOS SANTOS

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Trata-se de ao de obrigao de fazer c/c indenizatria proposta por JOO


CARLOS TEIXEIRA DA SILVA em face de DEPARTAMENTO DE TRNSITO DO
ESTADO DO RIO DE JANEIRO DETRAN/RJ e de MUNICPIO DO RIO DE
JANEIRO alegando que foi indevidamente imputado pelo cometimento de infrao de
trnsito, pelo que pretende a desconstituio da multa emitida pelo 2 ru e o cancelamento da
pontuao desabonadora aplicada pelo 1 ru, alm da percepo de indenizao fundada em
dano moral. Diz que parou seu veculo em frente Drogaria Pacheco localizada na Rua Dias da
Cruz, nos 13/15, Mier, a fim de adquirir um remdio e que a penalidade aplicada refere-se
conduta de estacionar em esquina e a menos de cinco metros do alinhamento da via transversal.
Citao s fls. 43 e 45.
Contestao do 1 ru s fls. 47/55, alegando inexistncia de obrigao de
indenizar.
Contestao do 2 ru s fls. 58/67, asseverando a legitimidade do ato
administrativo, esclarecendo que no Auto de Infrao consta que o autor no estava
estacionado em frente Drogaria Pacheco localizada nos nmeros 13 e 15 da via, mas sim em
frente ao nmero 31. Aduz que lhe falece a competncia para retirar ou atribuir pontos em
carteira de habilitao e que inexiste dano moral a ser indenizado.
Promoo ministerial fl. 91, manifestando desinteresse no feito.
Sentena s fls. 95/97, julgando improcedente o pedido autoral. Em suas
razes de decidir, asseverou o julgador: que incide a presuno relativa de legitimidade dos
atos administrativos, e que pelo autor no foi produzida a necessria prova em contrrio a ilidir
tal presuno, no se desincumbindo a parte autora do nus que lhe impe o art. 333, I, do
CPC.

Apela o autor s fls. 98/102, pela reforma integral da sentena, nos termos da
postulao inicial.
Contrarrazes s fls. 106/112 e 113/116, prestigiando o julgado.
Parecer da douta Procuradoria de Justia s fls. 125/127, pelo desprovimento
do recurso.
o RELATRIO.
O recurso tempestivo e esto presentes os demais requisitos de sua
admissibilidade.
No mrito, infere-se que assiste razo ao recorrente, razo por que a sentena
deve ser reformada, luz das consideraes adiante expostas.
Diante do reconhecimento do princpio da supremacia da Constituio como
corolrio do Estado Constitucional de Direito, aliado ampliao do controle judicial de
constitucionalidade, restou assentada a noo de que nenhuma matria oposta luz da
Constituio, poder ser previamente afastada da apreciao judicial.
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No por menos que conceitos de Direito Administrativo que de h muito se


mostravam intocveis pelo Poder Judicirio, como o caso da insindicabilidade dos atos
discricionrios, deixaram de ser encarados como dogmas e receberam novas interpretaes.

O controle jurisdicional do ato administrativo na doutrina tradicional


restringia-se apenas aos aspectos da legalidade do ato, de sorte que sua anulabilidade estava
atrelada a vcio de competncia, forma ou finalidade. No se falava, portanto, em anulao do
ato administrativo com base em seu mrito (rectius, motivo e objeto), uma vez que a
discricionariedade administrativa era vista como algo intangvel.
A mudana do paradigma da insindicabilidade fez com que a noo de
discricionariedade at ento imune ao controle judicial cedesse perante a liberdade do juiz na
conformao do ato administrativo aos limites impostos pelo texto constitucional e pela
legislao.
dizer que, com fundamento na juridicidade, o ato administrativo pode ser
invalidado. E isto assim se opera por fora de um controle ampliado e dotado de maior
efetividade que garantido pela inarredvel adequao a que o ato deve ser submetido diante
de todo ordenamento jurdico vigente, a includas as regras, princpios e demais atos
normativos de conformao.
Com efeito, no controle da discricionariedade administrativa, aos princpios
constitucionais da legalidade, impessoalidade, moralidade, eficincia devem ser aliados o
princpio da razoabilidade e o postulado da proporcionalidade como parmetros de ponderao
de valores.
No se diga que a invalidao de um ato administrativo por violao dos
princpios da razoabilidade e proporcionalidade importe exame do mrito pelo rgo judicante.
Trata-se da investigao acerca do atendimento dos limites impostos pelo Direito ao
administrador quando do exerccio de sua discricionariedade, sem que isto importe violao ao
princpio da separao das funes estatais (ao revs, ter-se- verdadeira materializao do
sistema de checks and balances).
Dito isto, incursiona-se no caso concreto.
Da anlise das alegaes e documentos carreados pelas partes, verifica-se que
o Auto de Infrao lavrado pelo 2 ru em desfavor do autor de todo inconsistente, e so
vrias as razes que levam a crer nesse sentido.
De acordo com os documentos de fls. 18, 21 e 57, a infrao atribuda ao
autor teria sido cometida s 10h00 em frente ao nmero 31 da Rua Dias da Cruz, no bairro do
Mier. No passa ao largo da anlise do julgador o fato de que s 09h59 o autor estaria no
interior da farmcia localizada no numeral 13/15 do mesmo logradouro (fl. 17), sendo certo
que tal alegao de per si j seria suficiente como incio de prova a contrapor a presuno que
colocava seu veculo estacionado em frente loja 31 daquela rua.
Mas possvel ir alm.
Ao demandante foi imposta penalidade por estar parqueado numa esquina ou
a 5 metros de distncia de um cruzamento, e isto tomando por referncia o endereo Rua Dias
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da Cruz, 31. Para confirmar a presuno de legalidade do ato administrativo necessrio


referendar a consistncia do ato administrativo e no caso em tela verifica-se que o Auto de
Infrao inverossmil.
O julgador deve se valer de todos os recursos que estejam sua disposio na
busca da verdade, sendo certo que o magistrado moderno tem acesso a instrumentos
tecnolgicos que lhe permitem comparecer a determinados locais no mundo fsico sem sequer
precisar sair de seu gabinete. Seria, a certo modo, uma forma de efetivar a norma contida no
art. 442, I do CPC (art. 483, I do NCPC), desde que sempre atento prudncia e ao senso de
razoabilidade que devem estar presentes na formao de seu convencimento. Refira-se a norma
mencionada:
Art. 442. O juiz ir ao local, onde se encontre a pessoa ou coisa,
quando:
I - julgar necessrio para a melhor verificao ou interpretao dos
fatos que deva observar;

De efeito, com os recursos da ferramenta Google Street View1 possvel


verificar in loco o logradouro onde ocorreram os fatos debatidos na inicial, percorrendo-se
virtualmente a Rua Dias da Cruz de modo a constatar que o imvel do numeral 31 no se situa
em uma esquina.
J com os recursos de clculo de rotas da ferramenta Google Maps2, observase que a loja de nmero 31 est a pelo menos 55 metros de distncia da via transversal o que
prudentemente assegura uma razovel margem de erro frente aos 5 metros imputados pelo
Auto de Infrao , e ainda que disto se duvide, de se ter em conta que entre o imvel em
questo e o cruzamento das ruas existem outros 04 imveis. Confira-se o mapa adiante
encartado:

1
2

Disponvel em: https://www.google.com/maps/views/?hl=pt-BR&gl=br#!home . Acesso em: 03 ago. 2015.


Disponvel em: https://www.google.com.br/maps/@ . Acesso em: 03 ago. 2015.
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No bastasse, milita a favor do demandante a casualidade de este Relator ser


um conhecedor da regio e rotineiramente transitar pela rua onde ocorreram os fatos discutidos
na inicial, o que lhe permite, com esteio nas regras de experincia comum e na observao do
cotidiano (art. 335 do CPC | art. 375 do NCPC) concluir que se estivesse o automvel do autor
Rua Dias da Cruz, 31, jamais se poderia dizer que estava em uma esquina ou distante a
menos de 5 metros da via transversal (no caso, a Rua Oldegard Sapucaia).
Nesta toada, resulta estreme de dvidas a inconsistncia do Auto de Infrao
lavrado em desfavor do apelante, devendo ser cancelado pelo 2 ru, cabendo ao 1 ru abater
dos assentamentos do condutor a pontuao desabonadora decorrente dessa penalidade
indevida.
No que tange pretendida reparao de danos, o desate da lide passa pela
valorao da responsabilidade civil estatal sob a tica da teoria do risco administrativo, a qual
embora dispense a prova da culpa do ente pblico, no exime a parte autora de comprovar o
fato administrativo, o dano e o nexo causal incidentes na espcie.
O fato administrativo a prpria lavratura do Auto de Infrao inconsistente e
o dano moral pretendido se materializa na aplicao indevida da multa e nos desdobramentos
dela decorrentes, como o caso da perda de pontuao pelo condutor, o que no caso em tela
existe in re ipsa. Acerca do relao causal, analisada a pretenso autoral sob a tica da teoria
da causalidade direta ou imediata (art. 403 do CC), segundo a qual se considera como causa
jurdica apenas o evento que se vincula diretamente ao dano, sem a interferncia de outra
condio sucessiva, podendo-se inferir que o nexo no caso em tela nsito relao entre o
fato e a leso.
Com efeito, presente na espcie a obrigao de indenizar a ser suportada pelo
2 ru uma vez que foi o responsvel pela lavratura da penalidade arbitra-se o valor de
R$10.000,00 como pertinente s circunstncias valoradas nos autos, o que se faz devidamente
orientado pela lgica do razovel e pelos parmetros de proporcionalidade.
Diante do exposto, DOU PROVIMENTO PARCIAL AO RECURSO,
COM FUNDAMENTO NO DISPOSTO NO ART. 557, 1-A DO CPC, nos seguintes
termos:
I)

Em relao ao 1 ru, JULGO PARCIALMENTE PROCEDENTE o


pedido para conden-lo to somente na obrigao de fazer
consistente no cancelamento da pontuao negativa atribuda ao
autor pela penalidade que lhe foi imputada, no prazo de 5 dias teis,
sob pena de multa diria de R$100,00;

II) Em relao ao 2 ru, JULGO PROCEDENTE o pedido para


conden-lo na obrigao de fazer consistente no cancelamento do
Auto de Infrao no 18631025, no prazo de 5 dias teis, sob pena de
multa diria de R$100,00; e para conden-lo na obrigao de pagar
ao autor a importncia de R$10.000,00 (Dez mil reais) a ttulo de
indenizao fundada em dano moral.

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A condenao obrigao de pagar ser acrescida de juros a serem calculados


a partir da citao e de correo monetria calculada a partir da data da lavratura do Auto de
Infrao (08/09/2010), nos seguintes termos:

II) At 25/03/2015: a atualizao monetria e a incidncia de juros


moratrios contra a Fazenda Pblica seguiro os termos do art. 1-F da Lei n.
9.494/97, com a redao conferida pela da Lei n. 11.960/09:
a) atualizao monetria com base no ndice oficial de remunerao
bsica da caderneta de poupana (TR - Taxa Referencial)
b) juros moratrios nos mesmos moldes aplicados caderneta de
poupana.
III) A partir de 26/03/2015: a atualizao monetria e a incidncia de juros
moratrios contra a Fazenda Pblica seguiro os termos da modulao dos
efeitos previstos na Questo de Ordem na ADI 4357/DF:
a) atualizao monetria com base no ndice de Preos ao Consumidor
Amplo Especial (IPCA-E).
b) juros moratrios nos mesmos moldes aplicados caderneta de
poupana.
Considerando que o autor decaiu de parte mnima de seu pedido (art. 21,
nico do CPC), ficam os rus condenados ao pagamento das despesas processuais,
arbitrados os honorrios advocatcios em R$1.000,00 (Mil reais) para o 1 ru e em 10%
da condenao para o 2 ru.

Rio de Janeiro, 04 de agosto de 2015.

PAULO SRGIO PRESTES DOS SANTOS


Desembargador Relator

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