Direito Econômico
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Direito Econômico
doi: 10.7213/rev.dir.econ.socioambienta.04.001.AO03
Direito Econmico e
Socioambiental
ISSN 2179-345X
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Resumo
O artigo concentra-se em torno da anlise reflexiva que o filsofo Michel Foucault faz a
respeito da temtica do poder. Foucault rompe com as concepes clssicas deste termo e
define o poder como uma rede de relaes onde todos os indivduos esto envolvidos, como
geradores ou receptores, dando vida e movimento a essas relaes. Para ele, o poder no
pode ser localizado e observado numa instituio determinada ou no Estado. O poder no
considerado como algo que o indivduo cede a um governante, como vemos na compreenso poltica. Para Michel Foucault, o poder acontece como uma relao de foras. Sendo
assim, o pensador francs apresenta dois dispositivos utilizados pela sociedade para a justificao do poder e para a domesticao dos corpos que compem o espao social, so eles:
vigilncia e punio. Esses dois dispositivos so inseridos na sociedade de forma discreta,
chegando a um ponto na construo da sociedade que a existncia desses dispositivos
vista como necessria, indispensvel e legtima pelos prprios cidados. Na obra Vigiar e
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Punir, Foucault faz um estudo cientfico sobre a evoluo histrica da legislao penal e os
mtodos coercitivos e punitivos, adotados pelo poder pblico nas formas de represso.
Mtodos que vo desde a violncia fsica at instituies correcionais.
[P]
Palavras-chave: Poder. Relaes. Saber. Verdade. Vigilncia. Punio.
Abstract
The article focuses around the reflective analysis that the philosopher Michel Foucault on the
theme of power. Foucault breaks with the classical conceptions of this term and defines
power as a network of relationships where all individuals are involved, such as generators
and receivers, giving life and motion to these relations. For him, the power cannot be located
and observed in a particular institution or state. The power is not considered as something
that an individual gives to a ruler, as we see in political understanding. For Michel Foucault,
power happens as a relation of forces. Foucault presents two devices used by society for
reasons of power and for the domestication of the bodies that make up society. They are:
surveillance and punishment. These two devices are inserted discreetly into society. There
comes a point in the construction of society, that the existence of these devices is seen as
necessary, indispensable and legitimate by own citizens. In the book "Discipline and Punish,"
Foucault makes a scientific study of the historical development of criminal law and punitive
and coercive methods, adopted by the government in the forms of repression. Methods
ranging from physical violence to correctional institutions.
[K]
Keywords: Power. Relationships. Know. Truth. Surveillance. Punishment.
Introduo
Quando se pensa em poder pensa-se automaticamente em quem o
detm, o exerce e o mantm. Ele atribudo a uma pessoa ou a um grupo de pessoas que exercem uma determinada influencia sobre outras.
Pensa-se tambm em fora fsica ou moral, domnio, posse, o que geralmente remete a ideia de poder poltico. Contudo, o poder no se limita
somente ao mbito poltico, pelo contrario, sempre esteve presente nas
relaes humanas. Onde existem pessoas, ai est uma relao de poder.
O homem, apesar de constantemente encontrar-se envolvido nestas
situaes, no chega a perceber de modo claro.
Esse um tema de grande importncia para o pensamento, visto
que demanda e promove uma anlise conceitual sobre como se do
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essas relaes de poder, que fazem parte do corpo social: de onde nascem, como se sustentam, em que se baseiam, e como o sujeito participa
desta correlao. justamente a partir dessa perspectiva mais geral que
pretendemos analisar como Michel Foucault pensa o estatuto do poder
e como analisa as relaes que ele tece.
O conceito de poder
Antes de tratarmos do tema do poder na tica de Michel Foucault,
importante ir raz do campo de sentido da palavra poder e tirar de l
o seu significado mais especfico desde um ponto de vista no filosfico.
preciso dar a significao originria desse termo para, a partir dela,
fazer a anlise a que nos propomos.
Poder vem do latim potere: o direito de deliberar, agir e mandar e
tambm, dependendo do contexto, a faculdade de exercer a autoridade,
a soberania, ou o imprio de dada circunstncia ou a posse do domnio,
da influncia ou da fora. Ou ainda, pode-se definir poder como a capacidade ou possibilidade de agir ou de produzir efeitos e pode ser referida a indivduos ou a grupos humanos (BOBBIO, 1999, p. 933).
O estudo da sociologia geralmente define poder como a habilidade
de impor uma vontade sobre os outros, mesmo que enfrente resistncia.
algo que vem de uma esfera superior e penetra numa camada inferior,
geralmente dominada e comandada pelos que detm o poder. Nessa
abordagem sociolgica o tema poder abre-se numa diversidade de campos e reas de atuao: poder social, poder econmico, poder militar,
poder poltico, entre outros.
Quando analisamos o poder a partir da viso poltica, encontramos a definio de poder como a capacidade de impor algo para ser
obedecido e sem alternativa para a desobedincia. Ou seja, um poder
que foi reconhecido como legtimo, institudo para executar a ordem
estabelecida. Ele uma autoridade. No entanto, mesmo nessa compreenso, devemos lembrar que h tambm poder poltico distinto desta
compreeenso e que at se lhe ope, como acontece na revoluo ou nas
ditaduras.
A filosofia sempre deu sua contribuio para se entender os mecanismos do poder. At porque o poder uma entidade presente na
histria da humanidade desde sempre. Onde h seres humanos, homens
e mulheres que se relacionam e dividem os mesmos espaos, o poder se
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O filsofo francs Michel Foucault, nasceu em Poitiers, no dia 15 de outubro de 1926 e faleceu em
Paris, no dia 25 de julho de 1984. Foucault recebeu grande influencia dos modernistas Nietzsche,
Heidegger e Kant. Foi um importante filsofo e professor da ctedra de Histria no Collge de France
desde 1970 at1984. Grande parte do seu trabalho foi no sentido de desenvolver uma arqueologia
do saber, mas tambm se ocupou da anlise do discurso e da experincia literria. A partir da arqueologia do saber houve um desdobramento para o estudo das relaes de poder que dai se originam.
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No existindo o poder, mas sim relaes de poder, ele no est situado em um lugar especfico, mas est distribudo e agindo em toda a
sociedade, em todos os lugares e em todas as pessoas. Atravs de seus
mecanismos, o poder atua como uma fora coagindo, disciplinando e
controlando os indivduos. Para Foucault, de acordo com as necessidades e com as realidades de cada local, so produzidas novas relaes de
poder, conforme explicitado por Roberto Machado (2006, p. 168):
A mecnica do poder que se expande por toda a sociedade, assumindo as
formas mais regionais e concretas, investindo em instituies, tomando
corpo em tcnicas de dominao. Poder esse que intervm materialmente, atingindo a realidade mais concreta dos indivduos o seu corpo -, e
se situa no nvel do prprio corpo social, e no acima dele, penetrando
na vida cotidiana, e por isso pode ser caracterizado como micropoder ou
subpoder.
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Desse modo, estamos todos envolvidos nessa rede que recebe, gera e distribui o poder. Somos seres relacionveis, sociveis, e isso nos
envolve nas relaes de poder. Foucault nos aproxima dessa temtica e,
mais que isso, ele nos envolve nessa teia, nessa rede chamada poder.
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O biopoder foi um termo-conceito criado pelo prprio Foucault para mostrar a prtica dos Estados
modernos. Segundo ele, os Estados modernos regulam os sujeitos (cidados) atravs de numerosas
tcnicas que possibilitavam o controle dos corpos e da populao em geral.
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Chega um certo ponto da construo da sociedade, que a existncia desses dispositivos vista como necessria, indispensvel e legtima pelos
proprios cidados. a partir destes dispositivos que Foucault vai desenvolver sua anlise do poder disciplinar, que j no apresentado de
forma centralizado e sim, de forma dinmico, atuando em todos os nveis da sociedade.
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Esse modelo de recluso e disciplina usada nos quartis, nos conventos etc., contribui para o nascimento das fbricas que seguem as
mesmas regras, os mesmos parmetros de ao dirigida ao individuo de
modo a evitar roubos, vadiagem, enfim, para vigiar o comportamento de
cada um. As relaes de poder so sutilmente estabelecidas em meio a
estes ambientes.
Nas fbricas do fim do sculo XVIII surge o quadriculamento individualizante, onde as pessoas so distribudas em postos, pois, assim,
a fora de trabalho pode ser analisada em unidades individuais de acordo com a funo que o individuo exerce. Nesse sentido, nos diversos
modos de se aplicar esse poder controlador do olhar panptico, h o
surgimento das celas, dos lugares designados para cada um, das fileiras
nos colgios, etc. para propiciar isso, a arquitetura tem lugar muito importante no modo de construir os edifcios, na maneira de dividir as
salas, na disposio dos mveis, na maneira como se posicionam os
corredores, janelas e jardins. Surge desses detalhes o que Foucault
chama de relaes microfsicas do poder, apresentadas de maneira
celular, discreta e arquitetonicamente planejada.
Para que a populao em geral se familiarize com essa sociedade,
com a preocupao em manter uma disciplina do corpo e com a preocupao de ser til a cada momento e cada vez mais, preciso que haja
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genrica, combinatria. Para isso utilizam-se quatro tcnicas: construir quadros, prescrever manobras, impor exerccios e organizar tticas.
O fim ltimo do poder disciplinar ADESTRAR. A disciplina fabrica indivduos atravs de um poder que circula discretamente, de forma
modesta, desconfiada, mas permanente. No entanto, so simples os instrumentos que o fazem acontecer: o olhar hierrquico (se traduz no ver
sem ser visto que se apresenta por um lado de maneira discreta porque
silencioso e annimo e, por outro lado de forma bastante indiscreta,
porque est inserido em todas as partes, alerta, controlando), a sanso
normalizadora (que corrige os desvios, as negligencias, a tagarelice e,
enfim, todos os atos que fogem a normalidade) e o exame (onde cada
indivduo diagnosticado a partir do que faz e pensa e da maneira como
age. Cada um colocado numa ficha, num cadastro, que o define como
sendo dessa ou daquela forma, desse ou daquele comportamento, com
essas ou aquelas capacidades, com essas ou aquelas fraquezas. Esse
exame est presente nos hospitais (atravs doa mdicos), nos colgios
(com os mestres), nos quartis (com o corpo militar), nas igrejas (atravs do padre que atende a confisso).
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Estas posies de Foucault levaram a alguns autores, como Habermas, a observar de modo crtico o
fato de que o autor francs torna a verdade dependente do poder, invertendo uma relao que, no
mbito da filosofia do sujeito, supostamente se exercia no sentido contrrio (HABERMAS, 2002, p.
385).
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Consideraes finais
O modo como Foucault trata a questo do poder indito. Ao invs do modelo jurdico-poltico, Foucault mergulha no detalhado esquema apresentado pela sociedade disciplinar. Faz um recorte histrico
e procura analisar o como desse poder que est subjacente s prticas
que os homens desenvolvem em sua vivncia social.
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Foucault pergunta pelas relaes de poder, pelas ramificaes, pelas tticas que buscam observar os detalhes, as mincias, o comportamento, o modo de ser de cada um para que possa domestic-lo, encaixlo num espao quadriculado a partir das verdades vividas e reproduzidas naquele momento histrico.
No que para Foucault no tenha importncia estar atento ao poder estatal, institudo, representado pelo Estado. Muito pelo contrrio.
Diz Foucault que, se o problema do poder estivesse centrado nessa viso
hierarquizada seria fcil acabar com o poder. O que acontece que ele
se sustenta no por subjugar, submeter, constranger, obrigar, sempre de
cima para baixo, mas justamente porque essas ramificaes existentes
na base, do fora de sustentao para que o Estado se mantenha. Se
nos perguntarmos sobre como acontece isso, Foucault nos vai mostrar
que da forma mais simples possvel: nas normas e regulamentos de
um colgio; do sbio sobre o ignorante; do general que exige harmonia,
sincronia e cadencia nos gestos dos soldados; do padre que, atravs da
confisso, analisa e julga o comportamento do fiel em relao a Deus; do
guarda de transito que, atrs da farda e do apito se faz respeitado frente
a uma grande quantidade de motoristas; enfim, onde h relacionamento
humano, h essa relao de poder.
A partir dessa viso de que se deve vigiar cada indivduo, registrar
cada doente numa ficha de relatrio, separar os doentes dos sadios,
manter a ordem nas reparties pblicas (escolas, por exemplo), manter vigiada a prtica da delinquncia, punir os infratores, respeitar os
saberes das cincias, etc. subjaz toda uma tentativa de manter o poder
maior uma vez que as instncias vo se completando num leque cada
vez maior de relaes at chegar no Estado que, com todos os micro
poderes funcionando, se mantm.
Segundo Foucault, temos que deixar de descrever sempre os efeitos de poder em termos negativos: ele exclui, recalca, censura,
abstrai, mscara, esconde. Na verdade o poder produz realidade,
produz campos de objetos e rituais da verdade (FOUCAULT, 2002, p.
161). Porque o individuo adestrado, corrigido, no mais como fora e
martrio e morte, mas para que ele seja til, produtivo, gil. Isso porque
o aumento da populao coloca a famlia no mais como centro, mas
como segmento interno desta que se tornar o alvo do governo que
quer olhar a sorte da populao, aumentar sua riqueza, sua durao de
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vida, sua sade, etc. (FOUCAULT, 2004, p. 289). Nesse caso, o poder
disciplinar no pode ser deixado de lado porque atravs dele se pode
gerir a populao em profundidade, em detalhe.
Estudar o poder em sua face externa, onde ele se implanta e produz efeitos reais. No perguntando o porqu do poder, o que ele procura e qual a sua estratgia, mas como esto constitudos aqueles que
esto sujeitos a esse poder. No querer formular o problema da alma
central do poder (como faz Hobbes, no Leviat), mas estudar os corpos
sujeitos do poder.
Essa nova tecnologia de poder no tem sua origem com um individuo ou um determinado Estado ou Monarquia. Ele foi requerido em
determinadas condies locais, a partir de urgncias particulares. Analisar os mecanismos desse poder significa, em suma, ver as posies e os
modos de ao de cada um.
Em face de toda essa anlise feita do poder, Foucault diz que cabe
apenas resistir a ele, pois sempre haver poder j que ele se exerce produzindo verdade a cerca do sujeito, fazendo aparecer individuo. Evidentemente no se esgota esse assunto em um artigo. Este apenas o inicio
para futuras e mais aprofundadas discusses a cerca desse assunto to
bem elaborado por Michel Foucault.
Se no trar esse trabalho nenhum resultado prtico para a sociedade ou uma contribuio imediata para os leitores, cabe lembrar que
esse no o papel da filosofia. No entanto, se este serviu para uma anlise sobre quantas vezes em nossas relaes microfsicas de poder, vigiamos e punimos automaticamente e, sem perceber, achando normal
essa sociedade que preza pela disciplina e pelo controle, ento creio que
o objetivo inicial foi alcanado.
Que essa indignao ingnua de se colocar como vitimas de uma
institucionalizao seja mais percebida numa descoberta de que cada
um, individualmente , alm de vtima, tambm detentor, mantenedor e
transmissor de poder.
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Referncias
BOBBIO, N.; MATTEUCCI, N.; PASQUINO, G. Dicionrio de poltica. Traduo Luis
Guerreiro Pinto. 12. ed. Braslia: Universidade de Braslia, 1999.
FOUCAULT, M. Histria da sexualidade; a vontade de saber. Rio de Janeiro: Graal,
1997.
_____. Microfsica do poder. 23. ed. So Paulo: Graal, 2004.
_____. Vigiar e punir: Histria da violncia nas prises. So Paulo: tica, 2002.
HABERMAS, J. O discurso filosfico da modernidade. So Paulo: Martins Fontes,
2002.
MACHADO, R. Foucault, a cincia e o saber. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2006.
_____. Introduo: Por uma genealogia do poder. In: Microfsica do Poder. Rio de
Janeiro: Graal, 1979.
Recebido: 09/05/2014
Received: 05/09/2014
Aprovado: 16/05/2014
Approved: 05/16/2014