Uma Historia em Verde Amarelo e Negro
Uma Historia em Verde Amarelo e Negro
Uma Historia em Verde Amarelo e Negro
Salvador
2008
Aprovada em:
BANCA EXAMINADORA
__________________________________________
Prof. Dr. Maria Ceclia Velasco e Cruz (orientadora)
Universidade Federal da Bahia
_______________________________________________
Prof. Dr. Aldrin Armstrong Silva Castellucci
Universidade Estadual da Bahia
_______________________________________________
Prof. Dr. Lus Flvio Reis Godinho
Universidade Federal do Recncavo da Bahia
A minha me Iracy.
AGRADECIMENTOS
Nenhum trabalho acadmico resultado do esforo de uma nica pessoa. Por isso,
agradecer torna-se uma forma de lembrar e reconhecer a colaborao daqueles que no
assinam a obra mas que sem eles o caminho teria sido no mnimo mais difcil. Quando um
negro trilha o caminho acadmico o imperativo do agradecimento ainda maior, pois somos
ainda muito poucos os que seguimos esse caminho, j que, na verdade, a grande maioria de
ns obrigada a desistir de jogar antes mesmo da partida comear. Por isso mesmo, esse
importante detalhe nunca deve passar em branco. Lembrarei nesse curto espao de algumas
pessoas que foram importantes na caminhada que culminou com a redao desta dissertao.
Corro o risco de me alongar um pouco, mas entre o pecado do excesso e o da omisso prefiro
ficar com o primeiro.
Algumas instituies merecem ter seu apoio lembrado, so elas: o Programa de PsGraduao em Histria Social, que acolheu minha pesquisa; a Coordenao de
Aperfeioamento de Pessoal de Nvel Superior (Capes), que atravs da concesso de uma
bolsa de estudos, permitiu-me custear os dois anos de curso; a Fundao Clemente Mariani,
entidade da qual fui estagirio por dois anos, ainda antes de minha entrada no mestrado, e que
cumpriu um importante papel na minha formao profissional; e o Sindicato dos
Trabalhadores do Ramo Qumico e Petroleiro da Bahia, que permitiu o livre acesso a toda a
documentao guardada em seu arquivo
Nos lugares onde pesquisei, contei com a colaborao de muitos profissionais.
Agradeo a Aldemar Jnior e a amiga Davilene Santos (Sindicato dos Trabalhadores do Ramo
Qumico e Petroleiro); Marina, Dilza e Maria Lcia (Biblioteca da FFCH); Graa, Lcia e
rica (Fundao Clemente Mariani).
Com a Prof. Dr. Maria Ceclia Velasco e Cruz tenho uma dvida impagvel. Primeiro
preciso lembrar da forma gentil com que assumiu minha orientao, para depois ressaltar o
seu profundo conhecimento sobre meu campo de pesquisa, sua sensibilidade e sua capacidade
de indicar caminhos e possibilidades para a execuo do trabalho, respeitando em todas as
oportunidades minha liberdade final de escolha. Os professores Muniz Gonalves Ferreira e
Lus Flvio Reis Godinho participaram do exame de qualificao e ajudaram a elucidar
questes e corrigir possveis falhas deste trabalho. Franklin Oliveira Junior, pioneiro no
estudo sobre os petroleiros na Bahia, dialogou fraternalmente comigo e ainda cedeu-me
gentilmente parte de seu material de pesquisa.
Aos verdadeiros donos dessa histria, os pioneiros do trabalho e do sindicalismo
petroleiro, fica a reverncia de quem aprendeu muito com eles. Sou inteiramente grato a todos
os que concordaram em conversar sobre aqueles tempos com uma pessoa quase
desconhecida, compartilhando lembranas, alegrias, tristezas e frustraes. Os companheiros
da Associao Brasileira de Anistiados Polticos da Petrobrs e demais Estatais (ABRASPET)
foram o ponto de partida para a coleta dos depoimentos orais, to importantes para este
trabalho.
Na busca por depoentes, contei ainda com o apoio de Daniela Nascimento, que me
guiou pelas ladeiras de Candeias e compartilhou comigo boas e divertidas histrias de
petroleiros. Rebeca Vivas me emprestou seu pai e cedeu parte do seu lbum de famlia para
essa dissertao. Miguel Conceio, com seu olhar de operrio e historiador, conversou
comigo e ofereceu-me segurana num dos momentos mais complicados da realizao deste
trabalho.
Registro a importante convivncia e minha gratido a importantes amigos da
graduao e da militncia estudantil. So eles: Aline Farias, Ana Lvia, Daniel Rebouas,
Denise Silva, Pedro Burger, Roberto Lacerda, Roberto Lordelo, Wesley Francisco e Zlia
Neto. Todos grandes amigos que no poderiam ser esquecidos nesse momento.
Aos colegas de estgio da minha gerao na Fundao Clemente Mariani, testemunhas
das apreenses iniciais dessa pesquisa, que, alm de incentivadores, tornaram-se bons amigos.
Registro minha gratido a rica Brando, Graciene Rocha e Haroldo Barbosa; e aos
historiadores Lus Henrique Santana, Fbio Baqueiro, Bruno Pessoti e Rogrio Luiz. Todos
sempre muito dispostos a dialogar sobre nossas pesquisas. Os dois ltimos, alm disso,
volta e meia apareciam com importantes dicas de livros, verdadeiros brindes, bem como
ajudaram-me todas as vezes que estive s voltas com a lngua estrangeira.
Agradeo aos companheiros da coordenao e do corpo docente dos Quilombos
Educacionais Instituto Cultural Steve Biko e Centro de Cultura, Orientao e Estudos
Quilombos. queles com quem mais aprendo do que ensino, os nossos estudantes, resta-me
agradecer e continuar aquilombado, lutando para que faamos parte de outras estatsticas,
muito mais felizes do que as que nos so impostas atualmente.
Jnea Frana e Moiss Cerqueira kiriris em terras alheias receberam-me com uma
hospitalidade tipicamente baiana nas duas oportunidades em que realizei pesquisas nos
arquivos da cidade maravilhosa.
Outro casal amigo merece uma meno especial. Marta Lcia e Paulo de Jesus
prestaram um apoio incalculvel em boa parte dessa trajetria. difcil resumir em palavras a
amizade e carinho que sinto por ambos, bem como a contribuio por eles prestada para a
finalizao deste trabalho. Paulo foi ainda uma espcie de irmo mais velho, que sempre
esteve pronto para conversar sobre as dificuldades do mundo acadmico e da pesquisa em
Histria.
Para finalizar essa longa seo, passarei parte mais pessoal, destinada a lembrar do
carinho e do apoio dos familiares. Os meus sobrinhos Otvio, Gabriela e Lorena foram
garantia de descontrao e alegria nos momentos mais tensos da redao. Minhas irms
Tatiane e Luciana sempre estiveram prontas para contribuir. Os tios Pedro e Milza so
pessoas que sempre estiveram presentes e com quem posso contar a qualquer momento.
memria de minha tia e madrinha Raimunda do Socorro ,deixo saudosas lembranas.
Daniele mereceria um captulo a parte. Amiga, cmplice e companheira. Foi com ela
que compartilhei os problemas, as histrias, a ansiedade e os conflitos de todo o processo de
construo desse trabalho. Foi marcante o desprendimento e o interesse com que atendeu
todos os meus pedidos de ajuda. Ademais, demonstrou na maioria das vezes pacincia com os
meus momentos de desnimo e mau humor.
Finalmente, lembro a importncia de meus pais. O seu Jeovah no pde chegar at
aqui. Sei que estaria muito feliz. Dona Iracy, sem dvida, pelo seu amor incondicional por
tudo que ela fez e faz por seu filho merece muito mais do que qualquer outra pessoa a
dedicatria desta dissertao.
RESUMO
A presente dissertao pretende discutir a trajetria dos petroleiros baianos nos
primeiros anos de sua histria. Nossa anlise partiu do incio da explorao do petrleo no
estado e foi concluda no ano de 1964, momento emblemtico para entendermos a
importncia que a categoria de trabalhadores e seus sindicatos adquiriram para a sociedade
local e nacional. A nossa ateno voltou-se, principalmente, para as relaes de trabalho e as
hierarquias e tenses sociais nela existentes. Observamos como a questo foi abordada e
internalizada pelos principais atores da trama e, por fim, analisamos as intervenes sindicais
nessa trama, marcada pelo dilema da crescente demanda pelos chamados interesses baianos
e pela emergncia da transformao da Petrobrs no grande smbolo de proteo nacional e de
seus trabalhadores em seus principais defensores.
ABSTRACT
This dissertation aims to discuss the Bahian petroleum workers during the first years
of their history. Our analysis starts in the early days of petroleum exploration in Bahia and
ends in 1964. This year is a landmark for the comprehension of how workers and their unions
became important both locally and nationally. Our focus was on labor relations with their
hierarchies and social tensions. We looked at how workers internalized and dealt with these
matters. Finally, we analyzed the union interventions, marked by the growing demand of the
so-called Bahian interests and by the transformation of PETROBRAS into the major
symbol of national protection and its employees as its main defenders.
LISTA DE IMAGENS
FIGURA 1
FIGURA 2
FIGURA 3
FIGURA 4
FIGURA 5
O Petrolinho.......................................................................................................72
FIGURA 6
FIGURA 7
FIGURA 8
FIGURA 9
LISTA DE TABELAS
TABELA 1
TABELA 2
Diviso
por
sexo
dos
associados
do
Sindipetro/Refino
Sindipetro/Extrao.................................................................................................58
TABELA 3
TABELA 4
TABELA 5
TABELA 6
TABELA 7
petrleo....................................................................................................................79
TABELA 8
TABELA 9
associados do Sindipetro/Refino.............................................................................97
TABELA 10 Ano de entrada na empresa e filiao ao Sindipetro/Refino...........................129
SUMRIO
INTRODUO.......................................................................................................................14
CAPTULO 1:
A INDSTRIA DO PETRLEO E A BAHIA: PROJETOS EM DISPUTA
1.1
1.2
1.3
CAPTULO 2:
OS TRABALHADORES DO PETRLEO
2.1
2.2
CAPTULO 3:
MORADIA,
HIERARQUIAS
TENSES:
MUNDO
DO
TRABALHO
PETROLEIRO
3.1
3.2
3.3
CAPTULO 4:
A TRAJETRIA DO SINDICALISMO PETROLEIRO EM SUA ERA DE OURO
4.1
4.2
4.3
4.4
4.5
CONSIDERAES FINAIS...............................................................................................167
REFERNCIAS BIBLIOGRFICAS................................................................................170
FONTES.................................................................................................................................177
INTRODUO
mximo da estatal.
1
OLIVEIRA JR., Franklin. A usina dos sonhos: sindicalismo petroleiro. Salvador: EGBA, 1996.
16
17
CAPTULO 1:
A INDSTRIA DO PETRLEO E A BAHIA: PROJETOS EM DISPUTA
Nossa Senhora da Penha, endireito o meu mulato
E lhe tire da cabea o ouro negro de Lobato
Ele j no tira samba e s fala nome ingls
Furou tanto que encontrou o rabicho de um
chins
Gastou toda a minha grana com a sua engenharia
Procurando em Cascadura o petrleo da Bahia...2
Pouco mais de um ano aps a sua fundao, a Refinaria de Mataripe era saudada pelo
peridico O Observador Econmico e Financeiro. A usina, situada no Recncavo baiano, foi
a primeira experincia estatal com o refino do petrleo, utilizando o leo extrado do prprio
Recncavo. Mataripe e os campos de extrao da Bahia cumpriram um papel relevante tanto
no cenrio social, econmico e poltico do pas quanto do territrio baiano, especialmente nas
dcadas de 1950 e 1960.
No Recncavo da Bahia de Todos os Santos, regio que desde os primeiros tempos
da colonizao tem sido teatro de fatos marcantes da histria nacional, foi erguida
uma moderna fortaleza econmica, marco inicial de uma nova etapa de nossa
atividade num dos mais importantes setores da atividade humana.
Uma fortaleza sem canhes e sem soldados, mas mesmo assim um baluarte. Ao invs
dos uniformes militares encontramos l os macaces dos operrios e as roupas civis
dos tcnicos, dos jovens tcnicos brasileiros. Todos eles, porm, sabem com
segurana qual a importncia da tarefa que lhes cumpre executar e o que ela
representa no quadro da prpria segurana nacional.3.
PEPE, Kid; NASSER, David. Candieiro, samba lanado em julho de 1939 e gravado por Carmem Miranda.
Apud: PETROBRS. Almanaque Memria dos trabalhadores da Petrobrs. Rio de Janeiro: Petrobrs; So
Paulo: Museu da Pessoa, 2003, p. 107.
3
A Refinaria de Mataripe. In: O observador econmico e financeiro, outubro de 1951, p. 3.
18
PIMENTEL, Petronilha. Afinal quem descobriu petrleo no Brasil: das tentativas de Allport no sculo
passado s convices cientficas de Igncio de Bastos. Rio de Janeiro: Graphos Industrial Grfico, 1984. p. 14.
5
SMITH, Peter Seaborn. Petrleo e poltica no Brasil moderno. Editora Artenova: s/l. Editora da UNB:
Braslia, 1978, p.26.
19
de 1891, o governo trouxe para si o poder de autorizar a pesquisa e explorao dos recursos
minerais do pas. A reestruturao dos rgos governamentais, iniciada em 1933, atingiu
tambm o Ministrio da Agricultura e conseqentemente os setores responsveis pela busca
do petrleo. Nesse sentido, substituindo o Servio Geolgico e Mineralgico, foi criado em
1934, o Departamento Nacional de Produo Mineral, subordinado ao mesmo ministrio. O
novo rgo contou com as mesmas deficincias burocrticas e oramentrias presentes nas
experincias anteriores6.
O Cdigo de Minas, promulgado em julho de 1934, reforou as decises
centralizadoras de 1931. Segundo Cohn, essa reorientao representou uma novidade no
padro de administrao da mquina pblica brasileira, pois comeou a ocorrer uma
separao, nas prticas e na conscincia dos agentes sociais envolvidos, da atividade
burocrtica e da tcnica. Para o autor, os procedimentos anteriores da administrao pblica,
voltados para a sustentao de possibilidades de emprego para os membros da oligarquia
dominante, no se adequavam ao deslocamento do poder da zona rural para o plo urbanoindustrial, iniciado com a Revoluo de 19307. Tal novidade podia ser comprovada, conforme
atesta Smith, pela contratao de uma significativa quantidade de gelogos para virem
trabalhar no rgo recm criado8.
As reorientaes da mquina pblica e da postura governamental foram acompanhadas
pelo acirramento das polmicas acerca da existncia do ouro negro no territrio brasileiro. A
ausncia de respostas satisfatrias relacionadas ao assunto, associada ampliao do interesse
de setores da sociedade civil sobre o tema, fez com que particulares e tcnicos do governo
travassem intensos debates. Neste contexto foram fundadas algumas companhias particulares,
como por exemplo, a Companhia de Petrleo Nacional, pertencente a Edson de Carvalho, um
engenheiro agrnomo que obteve concesso para perfurar a regio de Riacho Doce, no estado
de Alagoas. Entretanto, um dos mais clebres personagens envolvidos nessa celeuma foi o
escritor Monteiro Lobato, diretor da referida empresa, que polemizou com os tcnicos do
governo, aps os mesmos afirmarem a inexistncia de petrleo na regio por ele pesquisada.
Monteiro Lobato travou, ento, uma luta franca contra as teses oficiais. Fundou, mais
tarde, a Companhia Petrleos do Brasil e concentrou suas atenes na busca do leo no
interior paulista. O principal argumento do literato, bem como daqueles que procuravam
6
COHN, Gabriel. Petrleo e Nacionalismo. So Paulo: Difuso Europia do Livro, 1968, p. 14.
Idem, p. 15.
8
SMITH, op. cit., p. 40.
7
20
petrleo revelia do governo federal, era de que os tcnicos estrangeiros contratados pelo
governo estavam ligados s grandes empresas petrolferas internacionais, e boicotavam,
portanto, a perfurao brasileira, j que no interessaria a elas abrir novos locais de
explorao, pois as jazidas j existentes satisfaziam o mercado consumidor mundial. Alm
disso, a inrcia dos rgos governamentais impedia qualquer avano na questo9. Para ele, os
rgos oficiais eram iludidos pela idia da inexistncia de petrleo no Brasil e acabavam no
perfurando e no deixando que os outros perfurassem10. No auge da polmica, em 1936, cinco
anos antes de ser preso por questionar as posies do governo, Monteiro Lobato publicou O
escndalo do petrleo. Para Whirth, este livro foi um marco na histria do nacionalismo
brasileiro. Seu estilo no se prendia a questes de ordens tcnicas, recorrendo
fundamentalmente ao apelo emocional. Com uma escrita firme utilizou um vocabulrio
eficaz para interpretar os sentimentos do pblico a respeito das companhias de petrleo
estrangeiras11.
Um ponto de inflexo nessa celeuma foi a conjuntura poltica mundial nos anos que
antecederam Segunda Grande Guerra. Setores do governo, j sob o Estado Novo,
entenderam que o Departamento Nacional de Pesquisas Minerais, em virtude do seu carter
excessivamente burocrtico, no dava conta do empreendimento em questo. Crculos
militares, que j vinham h algum tempo participando dos debates acerca da existncia ou no
de petrleo no Brasil, apontaram, atravs do chefe do Estado-Maior do Exrcito, General Gis
Monteiro, para a possibilidade de suspenso do fornecimento de gasolina e leo diesel por
conta da guerra iminente. Esse problema aconteceria justamente num momento de incremento
da malha rodoviria brasileira e da conseqente ampliao do consumo de combustveis. Com
efeito, logo ficou evidente a necessidade da criao de um rgo livre das caractersticas
burocrticas presentes naquele Departamento, que pudesse garantir o abastecimento nacional
de petrleo, mesmo que em carter emergencial, durante o conflito mundial que se
prenunciava12. Em abril de 1938, foi criado, portanto, o Conselho Nacional do Petrleo
(CNP), rgo responsvel por regular e decidir as principais questes relacionadas extrao,
refino e abastecimento do combustvel no territrio brasileiro. Seu principal trunfo era a
autonomia administrativa e financeira, pois estava ligado de forma mais imediata ao prprio
presidente da repblica, tendo financiamento prprio e independente das dotaes
9
Idem, p. 41-49.
WHIRTH, John D. A poltica do desenvolvimento na Era Vargas. Rio de Janeiro: Fundao Getlio Vargas,
1973, p. 121.
11
Idem, p. 126.
12
COHN, op. cit., pp. 47-48.
10
21
13
14
22
Idem, p. 60.
OLIVEIRA, Avelino Igncio de. Pesquisas de petrleo no Estado da Bahia. Rio de Janeiro: Ministrio da
Agricultura, 2 ed, 1947, p. 14.
17
PINTO, Luiz de Aguiar Costa. Recncavo: laboratrio de uma experincia humana. In: BRANDO, Maria
Azevedo (Org.). Recncavo da Bahia: sociedade e economia em transio. Salvador: Fundao Casa de Jorge
Amado; Academia de Letras da Bahia; Universidade Federal da Bahia, 1998, pp. 103-107.
16
23
espao a tratores, sondas e tonis, surgindo da, ainda de acordo com a anlise feita por Costa
Pinto em 1953, a sexta subrea do Recncavo: a zona do petrleo18.
Essa zona o Recncavo do Petrleo era, no entanto, diferente geograficamente do
Recncavo tradicional. Tratava-se de uma rea bem maior, que compreendia tambm as ilhas
da Baa de Todos os Santos e chegava at as cidades de Corao de Maria e Inhambupe.
Atingia, assim, alm das cinco reas demonstradas por Costa Pinto, fazendas de pecuria
(Corao de Maria), entrepostos comerciais e de transportes (Alagoinhas e Catu) e at mesmo
reas de veraneio (Ilha de Itaparica)19.
Figura 1:
Mapa da Baa de Todos os Santos e do Recncavo
A introduo desse novo ramo econmico representou para a Bahia muito mais do que
uma sutil mudana de produto cultivado, muito comum em zonas de agricultura exportadora.
18
24
Seu significado maior estava nas possibilidades abertas s elites baianas. Estas passaram a
antever, a partir da explorao petrolfera, a possibilidade de deixarem de lado a decadncia
vivida nos ltimos cem anos e voltarem cena, no comando de uma das unidades estaduais
mais ricas e prsperas do pas. Na verdade, para alguns segmentos da sociedade local, a
confirmao da existncia de petrleo era uma espcie de retorno s origens gloriosas. A
Bahia, bero do pas, primeira capital da Colnia, tinha, agora, a honra da primazia na
produo do to sonhado ouro negro. Isso ter conseqncias polticas, conforme veremos
adiante.
Voltando s iniciativas do Conselho Nacional do Petrleo, cabe ressaltar que nos anos
de 1943 e 1944, ainda durante o Estado Novo, foram construdas duas pequenas destilarias,
localizadas em Aratu e Candeias, com capacidade de refinar cada uma 150 barris de petrleo
por dia. A construo de ambas pode ser explicada pelo aumento do consumo de combustveis
conjugado queda na importao, decorrente da II Guerra Mundial.
Essas destilarias eram unidades acanhadas, com pouca tecnologia e operando em
carter experimental. Sua meta era suprir apenas as necessidades de consumo do CNP,
fornecendo combustvel para as torres de sondagem e os caminhes que ali operavam20. A
construo foi, inclusive, improvisada. Eugnio Antonelli ao receber a incumbncia de
construir a destilaria disse ao seu chefe, o engenheiro Nlio Passos, que sequer sabia por onde
comear. A resposta do seu superior veio prontamente e foi a seguinte: voc j viu um
alambique de cachaa, j? Pois . aquilo mesmo com algumas modificaes. Sem
nenhuma experincia e contando ainda com materiais reaproveitados de locomotivas
adquiridas em Santo Amaro, as destilarias foram construdas e entraram, de fato, em
operao21. A unidade de Candeias atendia a uma demanda importante, pois em funo da m
qualidade das estradas e dos atoleiros nas pistas era muito comum os campos de produo
pararem por causa dos atrasos no recebimento de combustvel. Segundo Eunpio Costa, aps
a construo da destilaria de Candeias, no houve mais nenhuma parada nos campos por falta
de combustvel22.
No sabemos exatamente quando a destilaria de Candeias deixou de funcionar, mas
em 1949 a pequena unidade de Aratu ainda estava em funcionamento, processando durante
20
25
todo aquele ano cerca de 10.660 barris de petrleo23. Essa experincia com a destilao, pode
ser considerada como o primeiro contato com o refino e o processamento de petrleo sob
controle estatal em territrio brasileiro. Entretanto ela seria logo suplantada por iniciativas
mais ambiciosas.
Aps o fim do Estado Novo, sob o governo do General Eurico Gaspar Dutra, decidiuse criar a primeira refinaria estatal de petrleo de grande porte. De forma ainda muito tmida,
uma vez que a meta traada pelo presidente privilegiava a atrao de capitais privados
nacionais ou estrangeiros , foi instituda, em outubro de 1946, a Comisso de Constituio da
Refinaria, presidida por Mrio Leo Ludolf, engenheiro e membro do plenrio do Conselho
Nacional do Petrleo, rgo responsvel por viabilizar e construir a Refinaria Nacional de
Petrleo S/A. Um ano depois, em novembro de 1947, o CNP e a empresa estadunidense M.
W. Kellog assinaram contrato para a construo de uma refinaria com capacidade inicial de
processamento de 2.500 barris por dia, a mesma produo comprovada dos campos do
Recncavo.
De acordo com o contrato, a Kellog ficaria responsvel por projetar e supervisionar a
construo e operao inicial da refinaria24. Ficou estabelecido ainda que alguns tcnicos e
engenheiros brasileiros seriam enviados aos Estados Unidos para serem preparados a auxiliar
a obra e comandar a operao da refinaria aps o trmino do trabalho da empresa
contratada25. O primeiro profissional enviado foi o qumico Carlos Eduardo Paes Barreto,
responsvel por tomar parte, durante dois anos, de todos os detalhes do projeto de montagem
da refinaria, acompanhar a produo dos equipamentos que estavam sendo construdos, e
conhecer os mtodos de refino de petrleo realizados por importantes refinarias norteamericanas. Pouco tempo depois, Paes Barreto recebeu a ajuda de mais quatro funcionrios
enviados pelo CNP26.
Inicialmente os planos traados no deslancharam. Devido demora na liberao de
recursos federais, o ano de 1948 foi pouco proveitoso para as obras, fato que acabou
impedindo a efetivao dos planos traados no ano anterior. Esse descompasso entre os
23
Conselho Nacional de Petrleo. Relatrio de 1949. Rio de Janeiro. S/e, 1950, pp 146-147.
Carta da Comisso Constituio da Refinaria Nacional de Petrleo endereada, em junho de 1947, a Bennet
Archambault (diretor da Kellog).
25
MATTOS, Wilson Roberto. O sonho da autonomia energtica. In: MATTOS, Wilson Roberto (et. alli).
Uma luz na noite do Brasil: Refinaria Landulpho Alves 50 anos de histria. Salvador: Solisluna Design e
Editora, 2000, p. 54.
26
BARRETO, Carlos Eduardo Paes. A saga do petrleo brasileiro: a farra do boi. So Paulo: Nobel Editora,
2001, p. 23.
24
26
planos e a ao pode ser explicado pela j mencionada prioridade do governo Dutra em buscar
capitais privados para a construo de refinarias. No entanto, a oposio de vrios setores a
essa orientao governamental, e ao mesmo tempo, a timidez com que os empresrios se
voltavam para tal negcio, obrigaram o presidente a, atravs do plano SALTE (Sade,
alimentao, transporte e energia), dedicar, enfim, maior ateno e tambm maiores
investimentos questo do refino do petrleo27.
Figura 2:
Aspecto da construo da Refinaria de Mataripe em 1949
Isso fez com que o ano seguinte fosse decisivo para as obras de edificao da
Refinaria Nacional de Petrleo. De acordo com o Relatrio do CNP de 1949, a situao no
referido ano era a seguinte: o projeto de construo estava praticamente elaborado; os projetos
de edifcios, vila operria, instalaes eltricas, adutora de gua, tanques, etc haviam sido
iniciados; tinham comeado a ser comprados nos Estados Unidos os materiais projetados pela
Kellog; os primeiros materiais especializados haviam chegado; a drenagem e o preparo do
terreno estavam concludos28. Podemos, a partir dessas informaes, inferir que existiam
vrios projetos em andamento, mas que nenhum deles a exceo da terraplanagem j
tivera a sua execuo iniciada naquele momento.
27
28
27
28
Conselho Nacional de Petrleo. Relatrio de 1949. p 61. As funes dos tcnicos eram as seguintes: 2
topgrafos, 2 montadores de tubulaes, 1 especialista em assentamento de tubulaes, 1 mestre soldador, 1
especialista em eletricidade e instrumentos de controle, 1 especialista em refratrios, 3 especialistas em elevao
de carga e estruturas pesadas, 1 encarregado de materiais especializados e 1 especialista em guindaste.
35
Conselho Nacional de Petrleo. Relatrio de 1949. p 60.
36
Idem, pp. 12-13.
37
Conselho Nacional de Petrleo. Relatrio de 1950. Rio de Janeiro: S/e, 1951, p 11.
38
Idem, p. 71.
39
Idem, p. 210. Estavam computados tambm dentre os servidores do Servio Regional da Bahia os homens
envolvidos nos trabalhos no Maranho e em Alagoas. Deduzimos, porm, pela timidez dos trabalhos realizados
naqueles estados, que estes no representavam sequer 10% do total de empregados.
29
30
31
1943, e que teve seu auge no governo do general Dutra. A troca do general Horta Barbosa
um notrio defensor do monoplio estatal do petrleo pelo general Joo Carlos Barreto na
direo do CNP foi um importante ponto de inflexo na postura do rgo. A tendncia
acentuou-se ainda mais nos anos ps Estado Novo.
Como j referido, o governo Dutra procurou atrair o capital privado e se afastar da
soluo estatal para o problema do petrleo. Essa orientao, anunciada em 1943 e reforada
pelo novo texto constitucional brasileiro, aprovado em 1946, teve o seu argumento central
apresentado por Joo Carlos Barreto, atravs da Exposio de Motivos n 2558 de 6 de maio
de 1945. Segundo nos aponta Cohn, os dirigentes do rgo acreditavam que nem o Estado
nem a burguesia brasileira possuam o capital, a tecnologia e os recursos humanos necessrios
para resolver o problema nacional do petrleo. Alm do mais, existiria uma tendncia de
investimentos estrangeiros diretos serem feitos em pases com grande potencial natural, como
era o caso do Brasil. Desse modo, a principal diretriz sugerida pelo CNP foi a abertura do
direito de explorao e refino do petrleo a particulares, no havendo restrio presena de
capitais estrangeiros nas empresas que obtivessem permisso do governo federal para
participar das atividades petrolferas48.
Ainda segundo Cohn, as idias apresentadas no documento evidenciaram o
fortalecimento da influncia dos empresrios privados locais e estrangeiros e mesmo de
homens que de dentro do aparelho do Estado advogavam a necessidade de uma liberalizao
da poltica do petrleo. Esses pressupostos, como veremos a partir de agora, ficaro melhor
definidos no Anteprojeto do Estatuto do Petrleo, enviado ao Congresso por Dutra em
fevereiro de 1948. Neste documento, o presidente da repblica buscou adaptar a poltica de
explorao mineral do pas aos preceitos garantidos na Constituio de 1946, entregando as
diretrizes dessa mudana deciso do Legislativo, que deveria, atravs do debate poltico,
escolher qual seria a melhor soluo para o problema.
Devemos apontar, entretanto, que o quadro poltico do governo Dutra abriu pouco
espao para as discusses entre os parlamentares, uma vez que o forte apoio construdo pelo
governo, atravs da coligao PSD-UDN, diminuiu consideravelmente a possibilidade de
expresso das divergncias polticas no legislativo. Assim, o que na verdade obrigou o
presidente a ter mais cautela, foi o contorno que a questo do petrleo acabou adquirindo fora
48
32
dos crculos polticos convencionais, sobretudo, aps a divulgao das discusses entre Juarez
Tvora e Horta Barbosa, patrocinada pelo Clube Militar.
Essa instituio, como demonstra Martins Filho, democratizou suas discusses, aps
1945, transformando-se em verdadeira vlvula de escape para os debates dos grandes temas
nacionais. Entre estes estava, evidentemente, a questo do petrleo, primeiro grande tema
por ele discutido, numa demonstrao clara de que os militares no circunscreviam suas
polmicas aos seus crculos mais fechados, mas, pelo contrrio, procuravam sensibilizar
outros setores sociais em prol das causas por eles defendidas. Os debates do Clube Militar
demonstraram, ainda, que havia duas tendncias disputando o controle da instituio: os
nacionalistas, entre os quais possvel enquadrar o General Horta Barbosa, e os
antinacionalistas, grupo que contava com a participao de Juarez Tvora. Martins Filho
distingue estas duas correntes do seguinte modo:
A primeira (...) tinha como marca registrada a defesa da industrializao do pas com
caractersticas autnomas, posicionando-se de forma abertamente crtica contra o
papel dos trustes internacionais e contra uma poltica externa de alinhamento com
os Estados Unidos. O segundo grupo (...) defendia uma postura favorvel tanto em
relao participao do capital estrangeiro na industrializao do pas, quanto
aliana com os Estados Unidos no plano da guerra fria.49
MARTINS FILHO, Joo Roberto. Foras Armadas e poltica, 1945-1964: a ante-sala do golpe. In:
FERREIRA, Jorge; DELGADO, Luclia de Almeida Neves (Orgs.). O Brasil Republicano (vol.3): o tempo da
experincia democrtica da democratizao de 1945 ao golpe civil-militar de 1964. Rio de Janeiro: Civilizao
Brasileira, 2003, pp. 112-113.
33
O nome utilizado na fundao foi Centro de Estudos e Defesa do Petrleo. A mudana para Centro de Estudos
e Defesa do Petrleo e da Economia Nacional aconteceu em setembro do ano seguinte, por sugesto do general
Raimundo Sampaio. Para fins prticos, usaremos neste texto sempre o segundo nome, em virtude do mesmo ter
sido o mais difundido na sociedade e na academia brasileira.
51
Ver: Centro de Estudos e Defesa do Petrleo e da Economia Nacional. In: Dicionrio Histrico Biogrfico
Brasileiro. Cd-Rom: CPDOC/FGV.
52
WHIRT, op. cit., p. 153.
53
rgo de imprensa do PCB.
54
COHN, op. cit., p. 118.
34
governos estaduais. Mas nada disso adiantou. O clima poltico no Brasil da dcada de 1950
era propcio ao nacionalismo, e ajudados pela presso vinda das ruas, os parlamentares foram,
majoritariamente, favorveis aos argumentos de Horta Barbosa, rejeitando o Estatuto do
Petrleo, ainda sob o governo Dutra.
As dimenses atingidas pela Campanha do Petrleo e a rejeio do anteprojeto de
Dutra transformaram as eleies presidenciais de 1950 num fato estratgico para os rumos da
questo petrolfera. A eleio de Getlio Vargas, motivada pelo seu imenso carisma, e pela
identificao que as camadas populares tinham para com ele, bem como o discurso
nacionalista empreendido pelo ento candidato, colocaram novamente o ex-chefe do Estado
Novo no centro das decises sobre o assunto.
Figura 3:
A Refinaria de Mataripe e no alto a bandeira nacional
55
DIAS, Jos Luciano de Mattos; QUAGLIANO, Maria Ana. A questo do petrleo no Brasil: uma histria da
Petrobrs. Rio de Janeiro: CPDOC/Petrobrs, 1993, pp. 99-100.
56
COHN, op. cit., p. 154.
57
Idem, p. 164.
58
WHIRT, op. cit., p. 161.
36
viso dos membros da Campanha do Petrleo. Para eles, a presena, mesmo que minoritria e
sem poder efetivo de deciso, do capital internacional nas atividades envolvendo o petrleo
brasileiro era uma sria ameaa segurana nacional e sua emancipao. Assim, a despeito
do esforo do presidente, a mobilizao no cessou, e at mesmo parlamentares ligados ao
PTB Euzbio Rocha, por exemplo fizeram esforos para modificar o projeto inicial,
aumentado as salvaguardas nacionalistas.
Em meio a todas essas atribulaes o projeto tramitou no legislativo e foi aprovado em
meados de 1953. Permaneceu nele a proposta de constituio de uma empresa de economia
mista e executora do monoplio estatal de explorao do petrleo. Foram feitas, entretanto,
modificaes que impediram a presena de capital estrangeiro na empresa. O nico setor que
no ficou regido pelo monoplio estabelecido foi a distribuio; para alguns, a parte mais
lucrativa do negcio. Os dois projetos de refinarias particulares j autorizadas a se instalar
(uma em So Paulo e outra no Rio de Janeiro) tiveram um prazo limite de dois anos para
comearem a funcionar; caso contrrio, sua permisso seria cancelada.
Assim, em 3 de outubro de 1953, dia do 23 aniversrio da Revoluo de 1930, uma
data de forte conotao simblica para o getulismo, o presidente assinou a lei que criou a
Petrleo Brasileiro S/A Petrobrs empresa que, por vrios motivos, marcar a histria
poltica recente do pas. A sua criao representou, segundo Sulamis Dain, o fim do primeiro
ciclo de investimentos, e o fato mais marcante dessa era de interveno do Estado no setor
produtivo, atravs da criao de companhias atuantes em setores estratgicos da produo
industrial59. A Petrobrs figurou, junto com a Companhia Siderrgica Nacional, a Fbrica
Nacional de Motores e a Companhia Mineradora Vale do Rio Doce, como uma empresa
estatal de primeira gerao. Estas empresas guardavam semelhanas entre si, tanto no que
dizia respeito aos interesses motivadores de sua criao, quanto na forma de lidar com a sua
fora de trabalho, conforme poderemos notar mais adiante neste trabalho.
O CNP, que at ento cuidava de toda a extrao e produo de derivados de petrleo,
passou a ser um rgo de regulao e fiscalizao. Sua principal tarefa, imediatamente aps a
promulgao da lei de criao da Petrobrs, foi organizar a transferncia do controle daqueles
encargos para as mos da nova empresa, fato concretizado em maio do ano seguinte. Foi a
partir dessa data que ela passou de fato a existir e a controlar a produo petrolfera nacional.
59
DAIN, Sulamis. Empresa estatal e poltica econmica no Brasil. In: MARTINS, Carlos Estevam (Org.).
Capitalismo e Estado no Brasil. So Paulo, HUCITEC, 1977, pp. 141-165.
37
60
DANTAS NETO, Paulo Fbio. Tradio, autocracia e carisma: a poltica de Antonio Carlos Magalhes na
modernizao da Bahia (1954-1974). Belo Horizonte: Editora da UFMG; Rio de Janeiro: IUPERJ, 2006,
Captulo II.
61
COHN, op. cit., p. 162.
38
39
66
OLIVEIRA, Francisco de. O elo perdido: classe e identidade de classe na Bahia. So Paulo: Editora da
Fundao Perseu Abramo, 2001, pp. 29-30.
67
GUIMARES, Antonio Srgio Alfredo. A formao e a crise da hegemonia burguesa na Bahia (19301964). Dissertao (Mestrado em Cincias Sociais) Universidade Federal da Bahia, Salvador, 1982, pp. 106.
68
DANTAS NETO, op. cit., p. 84.
40
69
SANTANA, Carlos Henrique Vieira. Intelectuais, planejamento e clientelismo. Salvador: Editorial Contexto
e Arte, 2002, p. 137-140.
70
GUIMARES, op. cit., p. 107.
71
AGUIAR, op. cit., p. 126.
72
MARIANI, op. cit., p. 85.
41
Essa maior considerao aos interesses baianos j havia sido pleiteada em carter
formal, em 1956. Neste ano, o governador Antonio Balbino escreveu um ofcio a Juscelino
Kubitscheck referindo-se situao de desequilbrio das finanas baianas, e solicitando do
presidente maior ateno na correo dos desequilbrios regionais que levavam alguns
estados, diante da situao em que se encontravam, melanclica sada do estatuto de
territrios federais; mas a Bahia, acrescentava o governador, no admitia separatismo73. A
postura de Balbino, marcada por um carter conciliador, na qual o governador tentava, por um
lado, mostrar-se como porta voz de um processo de industrializao baseado no planejamento,
na reorientao cambial e na indstria de petrleo e, por outro lado, procurava no entrar em
confronto direto com o presidente, demonstra a complicada situao vivida por este poltico e
pelo prprio projeto de modernizao da Bahia.
Esses e outros episdios comprovam a existncia de um movimento poltico, melhor
definido nos ltimos anos da dcada de 1950, denominado de regionalismo. Segundo Antonio
Srgio Guimares, esta manifestao tinha por base a premissa de que era necessrio
estabelecer entre as classes sociais locais um consenso em torno de aes estratgicas.
Afirmava-se que antes de manifestar qualquer diferena social e poltica, o mais importante
era o esforo conjunto para tirar o estado do atraso em que ele havia sido jogado74. Machado
Neto, por sua vez, afirma que o regionalismo tal como o nacionalismo o resultante
ideolgico da tomada de conscincia da espoliao imperialista, pretendendo ser a tomada
de conscincia de um colonialismo interno exercido pelos Estados do Centro-Sul atravs do
controle do poder pblico nacional contra os estados subdesenvolvidos e espoliados no
Norte e Nordeste75.
O movimento regionalista baiano contou com a presena de importantes polticos e
empresrios locais. O jornal A Tarde era o seu principal instrumento de veiculao de idias.
No ano de 1958, este peridico comeou a difundir de forma bastante insistente a tese de que
era necessrio a Bahia mostrar ao resto do pas quais eram os seus interesses. Em janeiro de
1959, o mesmo jornal afirmou que o mais importante naquele momento era a defesa das
reivindicaes mnimas do Estado e pelas quais governador e vice-governador bem como os
parlamentares de todos os partidos devero se bater, desenganadamente, vendo a Bahia como
73
BALBINO, Antonio. Participao da Bahia na vida nacional: ofcio dirigido ao Exmo. Sr. Dr. Juscelino
Kubitscheck, presidente da repblica, pelo Exmo. Sr. Dr. Antonio Balbino governador do estado da Bahia.
Salvador: 1956. pp. 03.
74
Ver: GUIMARES, op. cit., p. 96-160.
75
MACHADO NETO, Antonio Luiz. Desenvolvimento e regionalismo: o caso baiano. In: Sociologia do
desenvolvimento. Rio de Janeiro: Editora Tempo Brasileiro, 1963, pp. 107-108.
42
ela deve ser vista, na hora de suas grandes causas, isto , sem sombra de dissenso
partidria76.
Apesar do perfil tipicamente conservador deste rgo da imprensa, que tendia a ver
com desconfiana e at um certo asco as mobilizaes populares, o A Tarde deixava sempre
um espao, mesmo que secundrio, para a manifestao de lideranas populares e sindicais,
em todas as suas grandes campanhas. O movimento regionalista no fugiu regra. No dia 19
de janeiro de 1959, o jornal publicou uma nota assinada por representantes de duas
associaes estudantis, uma federao de trabalhadores e onze sindicatos, congratulando A
Tarde pela realizao da Conferncia do Petrleo, considerada pelos redatores do documento
um empreendimento to meritrio, mas afirmando a posio nacionalista e de defesa da
Petrobrs assumida pelas entidades77. No dia seguinte comearia a Conferncia, evento
organizado pelo A Tarde e realizado na sede da Associao Comercial da Bahia para discutir
uma poltica que aumentasse os benefcios da Bahia com a explorao de petrleo em seu
territrio. Ela reuniu polticos, economistas, intelectuais, empresrios e proprietrios rurais,
bem como as prprias diretorias da Petrobrs e do Conselho Nacional do Petrleo.
A escolha da data para a realizao desse conclave parece ter dois sentidos evidentes.
O primeiro foi de carter simblico, pois em janeiro de 1959 completavam-se vinte anos que
os baianos Igncio de Bastos e Oscar Cordeiro descobriram petrleo em Lobato. Era
necessrio, portanto, lembrar Bahia que passados vinte anos do feito dos pioneiros da
extrao de petrleo no Brasil, o estado havia se beneficiado muito pouco das suas riquezas
minerais. O segundo tinha carter poltico, uma vez que 1959 era um ano de renovao no
executivo e legislativo estaduais, e a escolha do governador eleito Juracy Magalhes para
presidir o conclave representou, em certa medida, o desejo de que o ex-presidente da
Petrobrs conseguisse dar os rumos desejados nas relaes entre a empresa estatal e as classes
dominantes locais78. Para Dantas Neto, a conferncia foi uma ocasio especial do processo
de persuaso modernizante vivido pelo estado, e os pontos definidos pela Carta do Petrleo
foram a base do crescimento econmico verificado anos mais tarde79.
Temos como resultado principal da Conferncia do Petrleo a elaborao da Carta do
Petrleo. Um documento contendo 23 pontos, no qual as principais demandas baianas em
76
A Tarde,16/01/1959.
A Tarde, 19/01/1959.
78
A Tarde, suplemento especial de 20/01/1959, pgina 01.
79
DANTAS NETO, op. cit., p. 156.
77
43
A Tarde, 24/01/1959.
A indstria petrolfera e a propriedade rural. Salvador, Imprensa Oficial da Bahia, 1959.
44
45
pelo socilogo, e que buscava saber qual era a posio da populao acerca dessa possvel
desvantagem que a Bahia estaria sofrendo na arrecadao dos dividendos da explorao e
refino do petrleo86. Na pesquisa foram entrevistadas quinhentas pessoas, sendo 258
trabalhadores de diversas reas e 242 estudantes secundaristas e de diversos cursos
universitrios, que responderam as seguintes perguntas:
1) voc acha que a Bahia e o Norte so espoliados pelo sul do pas?
2) o petrleo do Recncavo baiano ou brasileiro?
3) H vantagens para a Bahia participar da federao brasileira?
4) Seria a Bahia mais prspera e feliz se fosse um pas independente?
Merece destaque a resposta dada primeira pergunta, pois a 81% dos entrevistadas
disse sim quando perguntados se achavam que a Bahia e o Norte eram espoliados pelo Sul
do Pas. Esta resposta no nos surpreende, haja vista a posio de desnvel econmico que os
estados do Norte e Nordeste se encontravam, quando comparados com os do Sul e Sudeste do
pas. Fato este que levou, por exemplo, criao da Superintendncia de Desenvolvimento do
Nordeste (SUDENE)87. As respostas ficaram bastante divididas quando da segunda pergunta,
mas a maioria, 55,2% dos entrevistados, disse que o petrleo era brasileiro enquanto 41,4%
afirmaram que o mineral era baiano.
Tal resultado indica que a campanha regionalista foi algo que no se circunscreveu aos
diretrios partidrios e s pginas do principal jornal do Estado. Ela obteve um certo eco e at
mesmo um respaldo da populao. Esta, se no concordou majoritariamente com a idia da
Bahia ser dona do petrleo extrado em seu territrio, pelo menos chegou muito prximo
disso. Sabemos, contudo, que a pesquisa de Machado Neto no nos permite visualizar a
posio dos diversos segmentos sociais baianos, sobretudo das classes populares, que no
foram contemplados pelas entrevistas. Alm do mais, por conta da escassez de dados, ficamos
sem a certeza de qual foi exatamente o papel da imprensa e dos partidos polticos na formao
da opinio dos entrevistados. Mesmo assim, as constataes apresentadas pelo pesquisador
no devem ser desprezadas.
86
87
46
88
47
CAPTULO 2:
OS TRABALHADORES DO PETRLEO
48
90
Uma relevante reflexo sobre o desejo de substituio do trabalhador negro pelo imigrante no ps-abolio na
Bahia se encontra em: CUNHA, Slvio Humberto Passos. Um retrato fiel da Bahia: sociedade-racismoeconomia na transio para o trabalho livre no Recncavo aucareiro, 1871-1902. Campinas: Tese de Doutorado
em Economia (Unicamp), 2004, pp.125-250.
91
CASTELLUCCI, Aldrin Armstrong Silva. Industriais e operrios baianos numa conjuntura de crise
(1914-1921). Salvador: Fieb, 2004, pp. 74-80.
92
GOMES, Angela de Castro. Ideologia e trabalho no Estado Novo. In: PANDOLFI, Dulce. Repensando o
Estado Novo. Rio de Janeiro: Editora da FGV, 1999, p. 53.
49
93
GOMES, Angela de Castro. A inveno do trabalhismo. Rio de Janeiro: Editora da FGV, 2005, 3 ed., pp.
35-162.
94
Sobre Monteiro Lobato e algumas de suas formulaes sobre a utilidade do trabalhador nacional de origem
camponesa ver: NEGRO, Antonio Luigi. Z Brasil foi ser peo: sobre a dignidade do trabalhador no qualificado
na fbrica automobilstica. In: BATALHA, Cludio; FORTES, Alexandre; SILVA, Fernando Teixeira da.
Culturas de classe identidade e diversidade na formao do operariado. Campinas: Editora da Unicamp, 2004,
pp. 403-405.
95
GOMES (1999), op. cit., pp. 67.68.
50
51
98
COUTINHO, Luciano G. REICHSTUL, Henri-Philippe. O setor produtivo estatal e o ciclo. In: MARTINS,
Carlos Estevam (Org.). Estado e capitalismo no Brasil: So Paulo, Hucitec, 1977, pp. 58-59.
99
Ver: MOREL, Regina Lcia de Moraes. A ferro e fogo construo e crise da famlia siderrgica: o caso de
Volta Redonda (1941-1968). Tese (Doutorado em Sociologia) Universidade de So Paulo, So Paulo, 1989.
MINAYO, Maria Ceclia de Souza. Os homens de ferro: estudo sobre os trabalhadores da Vale do Rio Doce em
Itabira. Rio de Janeiro: Dois Pontos Editora, 1986. RAMALHO, Jos Ricardo. Estado-patro e luta operria:
o caso FNM. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1989.
52
e civilizar homens dos mais diversos tipos, mesmo aqueles considerados mais incapazes
para o trabalho industrial. A Cidade do Ao deveria cumprir um papel redentor, pois para o
general Edmundo Macedo Soares, responsvel pela construo da usina, o maior problema do
pas era a falta de formao do seu povo, elemento indispensvel para construir a grandeza da
nao. Aos engenheiros construtores da usina cabia o papel de educar e organizar aqueles
homens que eram, de acordo com as palavras do prprio general, bisonhos, quase sempre
mal tratados100.
Essa preocupao com a origem e a formao dos trabalhadores apresentou-se tambm
na Fbrica Nacional de Motores, tambm comandada em sua fase de implantao por um
militar formado em engenharia, o Brigadeiro Guedes Muniz. Conforme demonstra Ramalho,
para o brigadeiro, o trabalhador brasileiro no existia e precisava ser construdo pelos
dirigentes, pelas elites da nao e da fbrica101. Essa formulao demonstra claramente o
corte autoritrio e elitista presente neste projeto de formao do trabalhador brasileiro, uma
vez que ainda de acordo com Ramalho: este processo (...) no considerava, a priori, qualquer
possibilidade de contribuio por parte do trabalhador, tornando-o como um ser sem
cultura102. Incapaz de contribuir com seu intelecto, considerado inferior pelas autoridades,
restava ao trabalhador ajudar com a fora dos seus braos e a sua disciplina para o grande
projeto em curso. Alm disso, fica claro que apesar da iniciativa governamental de valorizar
esse trabalhador, a viso predominante sobre ele no era das melhores. Continuavam
presentes as idias de um pas sem povo e de homens sem cultura e intelecto, que somente
com muito esforo, treino e disciplina poderiam ser teis.
No que diz respeito Bahia, essas idias e preocupaes j se manifestavam altura
do incio dos trabalhos de construo da Refinaria de Mataripe. Wilson Mattos aponta pelo
menos duas falas que se posicionaram com desconfiana acerca da possibilidade de utilizao
da mo de obra local em atividades industriais. Na primeira delas, o respeitado professor
Isaas Alves considerava que os operrios baianos, apesar da inteligncia, raramente tinham
especializao ou conhecimento de suas verdadeiras aptides. Da decorria a dificuldade
dos industriais em selecionar e encontrar elementos de orientao, reeducao e
reajustamento dos operrios103. A segunda fala foi a de Incio Tosta Filho, quando este
argumentou que a civilizao baiana tinha caractersticas que no conseguiam demonstrar
100
53
Como vemos as expectativas no eram muito otimistas, mas mesmo assim o esforo
para industrializar o petrleo foi feito. Passaremos agora a discutir, atravs dos dados obtidos
junto aos sindicatos de trabalhadores da indstria do petrleo na Bahia, quem eram essas
pessoas que se aventuraram no desafio pioneiro de encontrar e refinar o to sonhado petrleo
brasileiro.
104
54
55
tais dados no esgotam a discusso sobre a composio da fora de trabalho petroleira baiana,
uma vez que se tratam de amostras. Apesar disso, o alto nmero de trabalhadores que se
associaram s suas entidades e o alto percentual de fichas e entradas no livro de registros
encontrados nos animam a afirmar que a discusso ora apresentada nos ajudar a melhor
compreender esses primeiros captulos da histria dos petroleiros.
Quanto ao nmero total de trabalhadores do petrleo conseguimos localizar os
seguintes dados. O CNP afirma em seu relatrio de 1950 que chegaram a trabalhar nas obras
de construo da Refinaria de Mataripe cerca de mil e quatrocentos homens. Thales de
Azevedo apresenta mais tarde, no incio de 1959, um total de sete mil quinhentos e cinqenta
e trs empregados, distribudos entre os campos de produo, o Terminal Martimo de Madre
de Deus e a Refinaria de Mataripe. Sabemos que tais nmeros apesar de nos fornecerem uma
boa e consistente base sobre o total de trabalhadores da estatal do final da dcada de 1950
eram incompletos. Alguns campos de produo como Mata de So Joo e as oficinas da
Jequitaia (situadas em Salvador) no apareciam nessas estatsticas. O prprio Thales de
Azevedo reconhece essa limitao e ainda lembra que esse nmero variava de acordo com as
necessidades da empresa, que poderia demitir ou contratar mais funcionrios de acordo com a
dinmica dos servios executados107.
A tabela 1 apresenta informaes de abril de 1964 sobre a quantidade total de
trabalhadores empregados pela Petrobrs e esses so os nicos dados oficiais encontrados
para o perodo compreendido por esse estudo.
TABELA 1:
EMPREGADOS POR UNIDADE DA PETROBRS NA BAHIA (05/1964)
UNIDADE
N DE EMPREGADOS
Escritrio de Salvador
146
3.202
9.124
107
AZEVEDO, Thales. O advento da Petrobrs no Recncavo. In: BRANDO, Maria de Azevedo (Org.).
Recncavo da Bahia: sociedade e economia em transio. Salvador: Fundao Casa de Jorge Amado;
Academia de Letras da Bahia; Universidade Federal da Bahia, 1998, p. 195.
56
844
TOTAL
13.310
Fonte: Petrleo Brasileiro S/A (Petrobrs), Mensrio Estatstico de Pessoal, ano V, maio de
1964.
Como podemos ver, esses nmeros dizem respeito somente a cinco das seis unidades
do estado, uma vez que o Complexo Petroqumico do Estado da
Bahia, em fase de
TABELA 2:
DISTRIBUIO POR SEXO DOS ASSOCIADOS DO SINDIPETRO/REFINO E
SINDIPETRO/EXTRAO.
Sindicato
Masculino (%)
Feminino (%)
Total
Refino
2.571 (97,9)
55 (2,1)
2.626 (100)
Extrao
6.424 (98,2)
119 (1,8)
6.543 (100)
108
58
Sabemos que foi comum no Brasil, desde o incio do sculo XX pelo menos, a
utilizao de trabalho feminino em alguns setores industriais, como o txtil por exemplo. Sua
presena numrica comumente ultrapassava a masculina. Na Bahia, em 1920, as mulheres
atingiam, de acordo com o Censo Industrial, 67,3% da fora-de-trabalho empregada naquela
indstria111. Alm da estratgia dos empregadores para pagarem menores salrios, a
explicao para esse fato se encontra na prpria caracterstica da produo txtil que possua
algumas mquinas que necessitavam de dedos pequenos e mais delicados para o seu
manuseio, o que tambm proporcionou uma grande presena infantil nesse setor de trabalho
industrial.
Partindo desse exemplo, pensamos que preciso, portanto, observar algumas
caractersticas do trabalho na indstria petrolfera para entender essa ausncia de mulheres em
seus quadros. Assim, precisamos salientar que o trabalho do petrleo estava em sua origem
(como em certa medida ainda est na atualidade) associado ao perigo de exploses e acidentes
diversos, bem como necessidade de fora fsica para a realizao das tarefas. Ademais,
trabalhar com petrleo em seus primeiros anos representava lidar com o desconhecido, com as
matas fechadas, com os mosquitos e com os animais peonhentos. Acreditamos que todos
esses aspectos foram inibidores da presena feminina. As suposies e formulaes acerca do
gnero feminino como sexo frgil devem ter afastado no s o interesse dos gestores na sua
contratao como o interesse das prprias mulheres em participar de tal aventura.
Na tabela 3 podemos ver a distribuio quais as funes exercidas pelas mulheres na
indstria do petrleo.
TABELA 3:
DISTRIBUIO DE MULHERES POR FUNO NA INDSTRIA DO PETRLEO
111
Funo
Refino
Extrao
Total
Ajudante
Armazenista
Arquivista
Auxiliar administrativo
13
20
59
Auxiliar de copa
Auxiliar de cozinha
Auxiliar de escritrio
10
31
41
Auxiliar de enfermagem
12
Bibliotecria
Copeira
Cozinheira
11
11
Datilgrafa
13
Despenseira
Enfermeira
Escrevente
Estagiria
Ficharista
Lavadeira
Parteira
Servente
11
17
28
Tcnica em contabilidade
No informado
14
Total
55
119
174
Armazenista, por sua vez, era o profissional responsvel por organizar mercadorias, fossem
elas ferramentas ou materiais de supermercado, cozinha e escritrio112. Atuavam, portanto,
nos escritrios, limpeza e cozinha e no servio de sade. Nenhuma delas estava empregada na
produo.
Notamos que o perfil funcional das trabalhadoras tanto da extrao quanto do refino
era o mesmo. Elas estavam empregadas nas reas de escritrio e administrao, limpeza,
cozinha e servio de sade. Contudo, mesmo nos setores que absorviam mulheres, a sua
presena era proporcionalmente mais baixa que as dos homens. Na indstria de extrao, por
exemplo, com a exceo da rea de sade, na qual as mulheres perfaziam um total de 68,4%
dos servidores, nos outros dois setores as mulheres eram minoria, pois perfaziam somente
11% das pessoas que serviam na limpeza e cozinha e 19,2% na seo de escritrio e
administrao.
Essa preferncia pelo sexo masculino pode ser explicada pelas especificidades dos
primeiros anos da indstria do petrleo.Conforme j mencionamos anteriormente, houve uma
grande dificuldade de acesso aos locais de trabalho, que eram geralmente distantes dos
grandes centros populacionais. A carncia de um sistema de transporte regular e eficiente,
bem como as condies adversas de trabalho e moradia afastaram o interesse de muitas
pessoas pela atividade nascente. Houve, a partir da, um esforo dos gestores da indstria para
criar condies que garantissem locais de moradia e alojamento para os funcionrios em
pontos prximos ao seu trabalho. Entendemos que a insero massiva de mulheres acarretaria
mais responsabilidades e custos, obrigando os gerentes da empresa a construir alojamentos
femininos, bem como transporte especfico.
O improviso, caracterstico da implantao petrolfera na Bahia, no comportaria mais
essa responsabilidade. Era mais fcil utilizar uma fora de trabalho masculina em quase sua
totalidade. A ausncia de dados e pesquisas sobre outras reas onde foram instaladas
refinarias estatais de petrleo, como So Paulo (Refinaria de Cubato) e Rio de Janeiro
(Refinaria de Duque de Caxias), impede-nos, entretanto, de comparar a diviso de sexos em
outras localidades com o mesmo tipo de indstria.
No encontramos, tambm, nenhuma mulher nas reas de produo e manuteno,
setores que tm presena exclusiva masculina. Com isso, segundo o operrio Everaldo Zaba
112
FONTES, Lauro Barreto. Catlogo das ocupaes qualificadas. Rio de Janeiro: Petrobrs, 1963, p. 8.
61
Por tudo isso, a cultura de trabalho dos petroleiros exaltava a masculinidade. Isso pode
ser observado nas histrias sobre farras e brigas presentes em seu anedotrio, como por
exemplo, em vrios casos contados por Eunpio Costa. No episdio chamado de No cabar
dos bandidos, o memorialista de Mataripe relembra que aps uma farra de final de ano na
zona do meretrcio de Candeias vrios petroleiros, aps tomar umas e outras e l (sic) pras
tantas decidiram voltar ao alojamento. J quando se preparavam para o descanso, dois dos
farristas entraram em desavena e o saldo do conflito foi uma peixeirada na barriga de um
dos briges, que resultou em sua morte por falta de socorro114. A naturalidade com que essa
113
Depoimento do auxiliar de produo Everaldo Fonseca Zaba, lotado na Regio de Produo da Bahia e
contratado pela empresa em 1957. Entrevistadores: Alex de Souza Ivo e Daniela Nunes Nascimento. Entrevista
realizada em: 16 de agosto de 2007.
114
COSTA (1989), op. cit., pp. 26-27. Eunpio, funcionrio aposentado da RLAM, decidiu aps quase trinta
anos de trabalho contar, segundo suas prprias palavras algumas coisas da Refinaria de Mataripe,
principalmente seus casos e causos. Preocupado com a perda de muitos colegas, depositrios e contadores
dessas histrias, ele decidiu reunir no s a histria (entendida por ele como os fatos mais importantes da
empresa), mas tambm os casos, causos e brincadeiras contados pelos colegas. Para a realizao de seus livros,
62
tragdia contada refora a idia da normalidade dos embates fsicos pessoais e que beber e
brigar era mais uma forma que os petroleiros tinham de reafirmar sua masculinidade diante
dos colegas.
Sabemos, a partir dos dados acima, que a fora de trabalho petroleira era composta por
homens. Essa informao, porm, ainda revela muito pouco. Precisamos tambm saber com
mais detalhes de onde vieram esses homens que assumiram a responsabilidade de pr em
funcionamento o setor industrial mais cobiado e discutido do Brasil das dcadas de 1940 e
1950. Os dados a seguir, nos fornecem alguma luz sobre o assunto.
TABELA 4:
ESTADO DE NASCIMENTO DOS TRABALHADORES DA INDSTRIA DO PETRLEO.
Refino (%)
Extrao (%)
Bahia
2.348 (92,3)
5.738 (93,4)
140 (5,8)
316 (5,1)
Estados do Norte
6 (0,2)
26 (0,4)
Estados do Sudeste
38 (1,4)
47 (0,8)
Estados do Sul
5 (0,2)
12 (0,2)
2 (0,1)
4 (0,1)
Total
2539*
6143**
63
64
Ademais, a baixa faixa etria dos operrios sugere que experincia no foi
preponderante, mas sim disposio, fora e o desejo de entrar no mundo do trabalho formal.
No caso dos filiados ao Sindipetro/Refino, quando tomamos por base o ano de 1964 (data
limite desta pesquisa), verificamos que mais de 60% dos filiados tinha entre 24 e 34 anos, o
que diminui a possibilidade deles terem uma larga experincia em outros setores da indstria.
Mesmo sabendo que a entrada no mercado de trabalho para as pessoas das classes populares
costumava acontecer muito cedo, acreditamos que isso no ocorria majoritariamente em reas
industriais, pois a j citada decadncia industrial baiana impedia uma absoro massiva de
jovens trabalhadores. Na extrao, a mesma faixa etria aparece entre os filiados ao
Sindipetro/Refino. Temos registradas as filiaes que vo de 1955 a 1962 e elas demonstram
que dos seis mil e duzentos associados que tiveram a idade declarada no ato da entrada no
sindicato, cinco mil e noventa e quatro (82,2%) tinham at 35 anos. Alm disso, sabemos que
77% dos associados do refino entraram na empresa aps o ano de 1957, quando comeou a
ser adotada a prtica de treinamento de jovens sados do Ensino Mdio nas escolas
soteropolitanas e nas Escolas Tcnicas.
116
Depoimento do tratorista Manoel Ferreira Santos, lotado na Regio de Produo da Bahia e contratado para
trabalhar com o petrleo em 1943. Entrevistador: Alex de Souza Ivo. Entrevista realizada em: 25 de janeiro de
2008.
65
Depoimento do vigilante e militante do PCB Raimundo Lopes, lotado na Refinaria de Mataripe e contratado
pela empresa em 1958. Entrevistador: Alex de Souza Ivo. Entrevista realizada em: 27 de outubro de 2006.
118
Depoimento do operador e dirigente sindical Osvaldo Marques de Oliveira, lotado na Refinaria de Mataripe e
contratado pela empresa em 1951. Entrevistador: Franklin de Oliveira Junior. Entrevista realizada em: 09 e 10 de
setembro de 1993.
119
AZEVEDO, op. cit., p. 212
66
superintendente de Mataripe entre os anos de 1963 e 1964, ajuda a desfazer essa idia.
Segundo Drehmer, os candidatos recm-sados do Ensino Mdio nas capitais, que vinham
aps terem feito o curso de formao da prpria empresa, nem sempre tinham rendimento
satisfatrio quando eram colocados frente a frente com os equipamentos. Eram preferidos,
ento, os trabalhadores com experincia nas usinas que, apesar de no possurem trajetria no
ensino formal, conheciam alguns equipamentos e melhor se adaptavam essa nova e
praticamente desconhecida atividade industrial:
De um modo geral, muito desse pessoal que trabalhou e que ns selecionamos pra
treinar tambm vinha de usinas de acar. Alguns j conheciam parte de
equipamento, assim como bomba ... processo de evaporao e condensao, etc. O
pessoal j tinha algum conhecimento. Tinha uma vantagem sobre outros que nunca
tinham estado dentro de uma indstria...120
A partir das constataes feitas acima e da prpria fala de Ernesto Drehmer, ficamos
instados a refletir sobre a trajetria desses trabalhadores no ensino formal. Como
demonstramos anteriormente, poca do incio da explorao do petrleo e da construo da
Refinaria de Mataripe j se falava em uma possvel incapacidade, em virtude da baixa
instruo educacional, do homem baiano de se adaptar atividade industrial.
Tal tese foi, mais tarde, de acordo com informaes de Thales de Azevedo, reafirmada
pelos gestores da Petrobrs e, aparentemente, tambm pelo prprio estudioso. Segundo ele, a
fora de trabalho que os fazendeiros conseguiam fazer com que permanecesse em suas
propriedades e no se deslocasse para a Petrobrs era aquela que estava mais adaptada a
relaes pessoais e primrias tradicionais. As prticas do paternalismo das antigas
plantations e fazendas de famlias garantiram que trabalhadores, agregados, meeiros de
nvel mais baixo continuassem nas fazendas tanto pela sua dependncia econmica quanto
pela sua incapacidade de ajustamento s novas condies de trabalho. O analfabetismo, a
falta de treino para trabalhos mecnicos especializados e para ritmo rduo de trabalho,
juntava-se subnutrio e doena e, supostamente, impedia a entrada destes homens na
indstria do petrleo121. Contudo, as concluses do eminente intelectual alm de
demonstraram o seu profundo preconceito em relao aos trabalhadores do recncavo no
condizem com os dados acima apresentados.
120
67
O prprio CNP, quando da construo da Refinaria, lamentava-se da ausncia de mode-obra qualificada. Evidentemente que os responsveis pela construo de Mataripe no se
referiam, necessariamente, ao baixo nvel educacional dos operrios baianos, mas falta de
pessoas em condies de exercer funes inteiramente novas, difceis de se achar tanto na
Bahia quanto em outros estados do pas, tanto que a soluo para esse problema foi a vinda de
profissionais norte-americanos122.
Eunpio Costa, funcionrio aposentado da Refinaria de Mataripe, conclui que cerca de
80% dos funcionrios da refinaria e 90% da regio de produo no tinham sequer o ensino
primrio completo123. Recorrendo ao pitoresco, esse misto de historiador e memorialista
apresenta o fato acontecido com um certo Vital dos Santos. O rapaz conseguiu emprego na
refinaria em virtude de um contato pessoal com Eugnio Antonelli, um dos mais antigos
trabalhadores do petrleo. Vital, analfabeto, ficou, segundo Costa, cerca de nove meses sem
receber salrio, mesmo cumprindo religiosamente sua jornada de trabalho. Ele andava mais
maltrapilho do que de costume, inclusive, barbudo e cabeludo, pois sequer havia sido
registrado. O operrio sentia vergonha da sua situao de analfabeto e por isso no procurou
o setor pessoal da empresa, mas mesmo assim tinha acesso ao local de trabalho e cumpria
alguma funo dentro da rea produtiva. Somente aps a interveno de Antonelli que foi
verificada a situao de Vital. O padrinho do rapaz conversou com a superintendncia da
refinaria, que compreendeu a situao e pagou os nove meses que o funcionrio havia
trabalhado sem registro e, conseqentemente, sem salrio124.
A bibliografia existente segue as constataes de Costa e tem posio, praticamente,
consensual quanto baixa escolaridade dos primeiros petroleiros. A nica exceo
registrada por Thales de Azevedo. Segundo o estudioso, as atividades da Petrobrs na regio
do Recncavo baiano introduziram grandes massas de operrios, em grande parte de nvel
educacional e tecnolgico elevado, uns recrutados e treinados localmente, outros trazidos de
fora. Conforme veremos a partir de agora, os dados levantados por essa pesquisa se
aproximam das constataes de Eunpio Costa.
122
68
TABELA 5:
NVEL DE INSTRUO DOS ASSOCIADOS DO SINDIPETRO/REFINO
Nvel de instruo
Quantidade
Percentual
Analfabetos
26
1,5
Alfabetizados
66
3,7
Primrio
1124
63,4
Ginasial
131
7,4
Secundrio
388
21,9
Superior
43
2,4
Total
1778
100%
125
69
SANTANA, Charles DAlmeida. Uma escola de tecnologia no Massap da Bahia. In: MATTOS, Wilson
(et. al.). Uma luz na noite do Brasil: 50 anos de histria da Refinaria Landulpho Alves. Salvador: Solisluna
Design Editora, 2000, p.176.
127
OLIVEIRA JR, Franklin. A usina dos sonhos: sindicalismo petroleiro na Bahia (1954-1964). Salvador:
Egba, 1996, 28-29.
70
Por fim, importante analisar a categoria cor entre os trabalhadores petroleiros. Tal
exerccio no poder ser feito no caso dos trabalhadores da extrao, pois a fonte consultada
no traz nenhum tipo de registro que permita uma classificao dessa ordem. Faremos,
portanto, somente a anlise dos associados ao sindicato do refino. Esses dados,
evidentemente, no foram anotados pelos responsveis pelo preenchimento das fichas
sindicais. Nos valeremos das fotografias presentes nas respectivas fichas. A classificao
cor segue, portanto, a subjetividade do autor. No pretendemos com ela considerar que os
trabalhadores identificavam a si mesmos e aos outros colegas seguindo esta classificao. No
podemos nos furtar, todavia, dessa varivel que mais adiante poder ser til para identificar os
sistemas de diferenciao e hierarquias, existentes na indstria do petrleo. Usaremos para
este fim as categorias propostas atualmente pelo IBGE128.
TABELA 6:
DISTRIBUIO DOS FILIADOS AO SINDIPETRO/REFINO SEGUNDO A CATEGORIA COR
Cor
Quantidade
Percentual
Branco
646
29,6%
Pardo
584
26,8%
Preto
951
43,6%
Total
2181*
100%
128
Sobre a metodologia de classificao da varivel cor entre grupos de trabalhadores ver: VELASCO E CRUZ,
Maria Ceclia. Tradies negras na formao de um sindicato: Sociedade de resistncia dos trabalhadores em
trapiche e caf, Rio de Janeiro, 1905-1930. In: Afro-sia. Salvador, vol. 1, n 24, pp. 243-290, 2000,
especialmente as pginas 269-272.
71
* O Petrolinho foi um personagem criado em 1963 pela artista plstica Snia Castro. O boneco, um
homem negro, nascido de uma gota de petrleo e vestido com o macaco e o capacete da Petrobrs,
virou um dos principais smbolos dos petroleiros baianos, sendo usado em diversas campanhas dos
seus sindicatos.
Fonte: Revista de Mataripe, maio de 1963.
CAPITULO 3:
MORADIA, HIERARQUIAS E TENSES: O MUNDO DO TRABALHO
PETROLEIRO
Milagre em Candeias. Poema de Petronilha Pimentel publicado como suplemento em: PIMENTEL, op. cit.
Ponto de fluidez a temperatura que o leo bruto atinge e comea a se fragmentar para dar origem aos
derivados. A obra de Mataripe no levou em considerao a especificidade do leo extrado de Candeias, que
tinha um ponto de fluidez diferente daquele que era refinado normalmente nos Estados Unidos, da os constantes
entupimentos de tubulao e as paradas para manuteno do equipamento e desentupimento.
131
Relatrio de funcionamento da Refinaria Nacional de Petrleo do ano de 1951, apresentado pela Comisso de
Constituio da Refinaria ao Conselho Nacional de Petrleo.
130
73
132
Idem, p. 9.
O Observador Econmico A Refinaria de Mataripe, p. 09.
134
AGIER, Michel; GUIMARES, Antonio Srgio Alfredo. Tcnicos e pees: a identidade ambgua. In:
AGIER, Michel; CASTRO, Nadya Arajo; GUIMARES, Antonio Srgio Alfredo (Orgs.). Imagens e
identidades do trabalho. So Paulo: Hucitec, 1995, pp. 42-44.
133
74
135
136
75
137
76
uma sala e dar na cara dele, nos relata o laboratorista aposentado Flordivaldo Dultra138. Essas
histrias no marcam somente as lembranas dos funcionrios de Mataripe. Operrios dos
mais diversos nveis hierrquicos e tambm da Regio de Produo recordam casos negativos
provenientes de sua relao com os tais doutores.
Jos Carlos Vivas, por exemplo, auxiliar de produo na rea de extrao, relata um
episdio de perseguio sofrido por ele, no qual recebeu uma punio que considerou
excessiva, sendo rebaixado de funo pelo engenheiro-chefe do campo de So Sebastio:
eu era operador de poo, o carro quebrou e o engenheiro todo poderoso achou que eu
que teria quebrado o carro, eu disse: doutor, eu no quebrei carro, no. [...] O
engenheiro-chefe nessa poca fez o seguinte: voc quebrou o carro, me tirou dessa
funo, me rebaixou para outra e me deu cinco dias de suspenso. A eu disse, procurei
o advogado da empresa e disse: doutor, segundo meu pouco conhecimento, mas me
parece que um corpo no pode sofrer duas penas e o que t acontecendo comigo.
Como assim? O engenheiro chefe daquele campo me rebaixou de funo e me deu
cinco dias de suspenso. Ele pode fazer isso?. E simplesmente disse: quem
determinou foi ele, ele que manda!. Sindicato nessa poca nem se falava, voc no
tinha defesa, teve que recorrer ao prprio advogado da empresa. O que que vai fazer?
Voc tem que assinar porque afinal de contas o homem o chefe e quem manda aqui
ele
Depoimento do laboratorista e dirigente sindical Flordivaldo Maciel Dultra, lotado na Refinaria de Mataripe e
contratado pela empresa em 1954. Entrevistador: Alex de Souza Ivo. Entrevista realizada em: 28 de julho de
2006.
139
Depoimento do auxiliar de produo Jos Carlos de Souza Vivas, lotado na Regio de Produo da Bahia e
contratado pela empresa em 1958. Entrevistador: Alex de Souza Ivo. Entrevista realizada em: 15 de janeiro de
2007.
140
A bibliografia recente sobre a histria social brasileira demonstra como atores sociais subalternos construram
essa estratgia para conseguir garimpar pequenos espaos no sistema social que estavam inseridos. Ver, dentre
outros: CHALHOUB, Sidney. Dilogos polticos em Machado de Assis. In: CHALHOUB, Sidney; PEREIRA,
Leonardo Afonso de Miranda (Orgs.). A histria contada: captulos de histria social da literatura no Brasil.
Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1999, pp. 95-122.
77
Bris, tambm lotado na extrao, que desejoso por jogar futebol de salo, forma de lazer
proibida pelo engenheiro do campo onde trabalhava, usou de todo seu ardil e sabedoria,
dialogando com o seu superior at lhe convencer que no havia problema nenhum na
realizao de partidas de futebol em pequenos espaos, afinal usando um terreno de menores
dimenses para a prtica esportiva, o operrio cansava-se menos e ia para o seu trabalho bem
menos desgastado142.
Contudo, a posio antiptica ocupada pelos engenheiros no deve ser entendida como
o nico fator explicativo para a construo de laos mais fortes entre operadores, auxiliares e
outros operrios. O carter coletivo e arriscado das atividades de extrao e refino do petrleo
tambm concorreu para a construo de uma tica de solidariedade entre os diferentes
operrios nela envolvidos. A boa comunicao e camaradagem iam alm das que surgiam
somente entre os membros de uma mesma turma de trabalho. O bom andamento de uma
unidade de processo de petrleo dependia da interligao e da comunicao entre as diferentes
turmas de trabalho, que passam e recebem relatrios para antecessores e sucessores. Qualquer
anormalidade no funcionamento da unidade precisava ser indicada, sob pena do
comprometimento tanto da qualidade final do produto quanto da segurana dos trabalhadores:
dentro da unidade, voc tinha que ser mais amigo com os colegas de trabalho porque o
ambiente requer esse tipo de comportamento. Porque de uma hora pra outra, por
exemplo, surge um incndio, ou se une o grupo, pra pegar a mangueira, abrir o
hidrante, pra jogar gua, jato dgua, vapor pra apagar o fogo, ou ento...143
O risco de acidentes em uma refinaria imprimiu aos operadores uma tica de trabalho
na qual eles enxergam que sua prpria vida e as de seus colegas dependiam da ateno e da
eficincia do trabalho que eles desempenhavam. No por acaso, criaram um esprito de
confiana que nascia no grupo e estendia-se a chefes e subordinados. Esses laos fortaleciamse com as idias nacionalistas e de ambiente familiar que tiveram forte presena na indstria
do petrleo nacional, pois o trabalho nas empresas estatais era tido como algo que tinha a
funo explcita de cuidar de seus trabalhadores, tidos pelo Estado at ento como
desprotegidos pelos poderes pblicos e pela sociedade de um modo geral.
141
Profissional que executava e acompanhava as atividades das bombas de lama, sob a superviso do sondador.
FONTES, Lauro Barreto Catlogo das ocupaes qualificadas. Rio de Janeiro: CENAP, 1963, p. 106.
142
Depoimento do torrista Bris Tondroff, lotado na Regio de Produo da Bahia e contratado pela empresa em
1954. Entrevistador: Alex de Souza Ivo. Entrevista realizada em: 05 de agosto de 2006.
143
Depoimento do operador de processo Gonalo dos Santos Melo, lotado na Refinaria de Mataripe e contratado
pela empresa em 1958. Entrevistador: Alex de Souza Ivo. Entrevista realizada em: 01 de agosto de 2006.
78
Um outro dado que parece relevante o nvel de instruo baixo comum a operrios
dos mais diversos nveis. Essa semelhana na escolaridade garantiu gostos e hbitos sociais
parecidos e ainda reforava a oposio entre os pees e os doutores. Como vimos
anteriormente, na sua fase de implantao, a indstria do petrleo empregou mesmo em
funes muito relevantes operrios que no tinham uma longa trajetria no ensino formal.
Eles valorizaram o conhecimento prtico em detrimento do saber formal. At finais da dcada
de 1950, os operadores contratados no tinham passado muito tempo nos bancos das escolas.
Os nmeros referentes ao nvel de instruo dos operadores de Mataripe ajudam a
demonstrar a questo. Do universo total dos dois mil seiscentos e vinte e seis trabalhadores
listados no Sindipetro/Refino, conseguimos localizar a funo exercida por dois mil
quatrocentos e oitenta e oito deles. Desse total, duzentos e setenta e nove trabalhadores foram
registrados como operadores e chefes de operadores144. Conseguimos cruzar informaes
sobre escolaridade e funo para duzentos e trinta e trs destes operadores e identificamos que
praticamente 60,1% (somamos os operadores com ensino primrio e ginasial), mais da metade
deles, tinham estudado somente at o ginasial (equivalente ao atual ensino fundamental).
Esses dados apesar de demonstrarem o carter mais seletivo dos postos de operador, reforam
a tese do distanciamento e oposio entre eles e os engenheiros, pois era bastante acentuada a
diferena de instruo entre estes dois grupos de profissionais.
TABELA 7:
RELAO DE ESCOLARIDADE ENTRE OS OPERADORES DA INDSTRIA DO
REFINO DE PETRLEO.
Funo
Primrio (%)
Ginasial (%)
Secundrio (%)
Total (%)
Operadores
95 (40,8)
22 (9,4)
71 (30,5)
188 (80,7)
Operadores chefes
21 (9)
2 (0,9)
22 (9,4)
45 (19,3)
Total
116 (49,8)
24 (10,3)
93 (39,9)
233 (100)
Em meio a essa categoria mais genrica de operadores e chefes de operadores encontram-se: operadores
chefes de processo, operadores chefes de estocagem, operadores chefes de transferncia e estocagem, operadores
chefes de utilidades, operadores de processo, operadores de estocagem, operadores de transferncia e estocagem,
operadores de utilidades.
79
H que se dizer que essas oposies eram, num certo sentido, cultivadas e at mesmo
incentivadas pelos gestores da prpria Refinaria de Mataripe. Os aumentos salariais, por
exemplo, eram pleiteados de forma diferenciada. Em 1954, enquanto os operrios
concentravam esforos para a construo de sua entidade sindical que proporcionasse canais
de dilogo relacionados s suas condies de trabalho, o qumico Roque Perroni negociava na
sede da Petrobrs, na cidade do Rio de Janeiro, aumento de ordenado para os chefes de
setores. O superintendente, em reunio de diretoria da Petrobrs, no ms de junho, solicitava
reajuste salarial para os postos de chefia e argumentava que tratava-se de um imperativo [...]
ante o aumento do custo de vida e as solicitaes do mercado de trabalho. Entretanto, no
teve sucesso total em sua solicitao, pois o reajuste autorizado foi somente de 50% do que
fora solicitado.
O general Arthur Levy, um dos diretores da Petrobrs, ponderou que antes deste ser
autorizado em sua totalidade fazia-se necessrio o envio, conforme o superintendente j havia
sido alertado, de uma demonstrao do aumento de despesa e sua repercusso no equilbrio
econmico da Refinaria145. Era evidente a preocupao da direo da estatal em no perder
esses profissionais, mas tambm no poderia correr o risco de comprometer os lucros
provenientes da atividade. Por isso mesmo o salrio no poderia subir sem uma melhor
reflexo e no poderia contemplar a todos.
Perroni trs meses depois voltaria a insistir em seu pedido. Falava de um
descontentamento entre os empregados da refinaria, no obstante o aumento concedido a
partir do ltimo 1 de junho. A deciso dos membros da diretoria da estatal presentes na
reunio foi de que apesar da insatisfao geral, Perroni apresentasse na reunio seguinte quais
os homens-chave, que no poderiam ser perdidos para as refinarias particulares e que
somente fosse estudada a concesso de algum aumento para eles146. Trs dias depois, na
reunio do dia 06, Perroni voltou a se fazer presente. Decidiu-se, ento, que seriam
aumentadas as gratificaes de Rolf Jank (chefe do Servio de Produo), Petrneo Areia
Leo (chefe do Servio de Manuteno), Jos Roberto Maria Filipponi (Assistente de
Produo), Eduardo Leonardo Mattesco (Chefe de Laboratrio) e Alfredo Cunha Wanderley
(Assistente de Manuteno). Foi autorizado ainda o aumento de no mximo mil cruzeiros nas
gratificaes dos demais chefes de setor147. Todos os chefes e mais dois assistentes diretos
145
80
foram contemplados pelo aumento e parece que isto foi o suficiente para cessar o
descontentamento que antes reinava entre os empregados.
Voltando ao funcionamento de Mataripe propriamente dito, alm do setor de
operaes merece destaque o de manuteno. Tratava-se, na verdade, de um setor estratgico
fundamental, e para as refinarias de um modo geral. O alto custo dos equipamentos e a
necessidade de que seu funcionamento fosse timo para que a produo no se interrompesse
fazia com que as cobranas sobre os operrios dessa rea fossem intensas.
Mataripe, em seu primeiro ano de operao, exigiu bastante do seu pessoal de
manuteno. Por conta dos problemas provenientes do erro do projeto, que no estava
compatvel com o leo extrado do Recncavo, as paradas para manuteno e
desentupimento de tubulao aconteciam constantemente. A presso sobre esses homens se
evidencia no relatrio de 1951, quando sugerido nas entrelinhas que essas interrupes na
produo eram originadas pela falta de prtica de operaes de limpeza e manuteno de
equipamentos de refinao de petrleo 148. Ou seja, os operrios eram responsabilizados por
um problema que no haviam criado.
No que diz respeito ao setor de manuteno, a falta de uma estrutura de servios prexistente associada localizao relativamente distante da cidade de Salvador imps uma
alterao nos planos dos construtores da unidade. Os gestores desejavam aplicar no Brasil um
modelo semelhante ao adotado pela indstria norte-americana, no qual mantinha-se no quadro
de funcionrios uma diminuta turma de manuteno, responsvel pela realizao de
servios bsicos, e se contratava companhias especializadas para a realizao dos demais
servios. Mas isso no pde ser implementado. No havia na regio nenhuma firma que
pudesse ser contratada.
Para realizar esse trabalho a estatal teve que contar, portanto, com os seus prprios
operrios. Da o alto nmero de funcionrios empregados neste setor, fato que confirmado
pelas fichas de filiao sindical. Localizamos um total de trezentos e quarenta e nove
funcionrios lotados no setor de manuteno, nmero que perfaz 17,8% do quadro geral de
trabalhadores empregados em setores identificados da Refinaria149. Eram eles mecnicos,
148
Relatrio de funcionamento da Refinaria Nacional de Petrleo do ano de 1951, apresentado pela Comisso de
Constituio da Refinaria ao Conselho Nacional de Petrleo.
149
No consideramos, para esse clculo, os cento e trs filiados do Sindipetro que trabalhavam no Complexo
Petroqumico nem os cento e noventa e seis que trabalhavam no Terminal de Madre de Deus. Alm deles,
81
82
Esse fato, contudo, no foi uma novidade nas jornadas de trabalho das empresas
estatais. Na bibliografia sobre o assunto recorrente a meno presena de um corpo de
guardas com aspectos paramilitares dentro dos ambientes de trabalho. Regina Morel
identificou uma fora desse tipo responsvel por zelar pela disciplina e conter os excessos e as
bebedeiras dos operrios na cidade do ao. A chefia desse corpo de guardas apelidado de
cabeas de tomate era feita tambm por um militar da reserva, o Coronel Luiz Oliveira
Fonseca. A autora demonstra que os homens desse setor so lembrados pelos operrios como
figuras extremamente violentas, mas cujas prticas eram consideradas legtimas, pois a
presena de valentes geralmente identificados como nortistas e nordestinos e as
constantes brigas s poderiam ser contidas com aes desse tipo151. J Ramalho afirma que na
Fbrica Nacional de Motores, durante os seus primeiros anos de funcionamento, a gesto
militarizada do espao de trabalho foi uma caracterstica marcante. A presena direta de
militares, bem como sanes e punies tpicas das foras armadas deram fbrica o aspecto
de um quartel, chegando ao extremo durante o Estado Novo de ser instalada uma jaula no
ptio central da fbrica para punir exemplarmente os operrios acusados de roubo152.
H evidncias que demonstram prticas em Mataripe que se aproximavam das
existentes em suas congneres instaladas no Rio de Janeiro. Em outubro de 1950, por
exemplo, o auxiliar de topgrafo Ansio Lima escreveu ao jornal O Momento contando que os
vigias ou guardas, chamados pelo missivista de capangas dos americanos, agrediram, em
parceria com o Sr. Moreira, um operrio que havia sido demitido e tinha voltado refinaria
em busca de seu salrio153. Quatro anos mais tarde, Moreira reapareceu nas pginas do jornal
comunista. Dessa vez o chefe de segurana era qualificado como um verdadeiro carrasco,
homem que por qualquer pequeno motivo [...] manda[va] demitir um trabalhador. Moreira
era, nas palavras do redator, o xerife de Mataripe, aluso caracterstica a seu poder de
polcia, e ao mesmo tempo aos supostos desmandos praticados pelo chefe de origem
militar154.
Mesmo com um certo exagero, caracterstico da imprensa militante, essa observao
no deve ser desprezada, pois os guardas e o seu chefe Moreira no foram apontados como
agentes da ordem somente pelos articulistas de O Momento. Eunpio Costa relata que em uma
certa ocasio a Sr. Maria Helena, esposa de um operrio, recusou-se a levantar de um lugar
151
83
no cinema de Mataripe que era reservado a um engenheiro. Para solucionar o impasse foi
chamado ao local o duro Moreira, mas que dessa vez no conseguiu retirar a senhora do
lugar em que havia se acomodado155. Tais fatos, mesmo que relatados de forma muito breve,
servem como exemplo da forma de ao da vigilncia na indstria do petrleo e o seu papel
no enquadramento dos trabalhadores s normas estabelecidas pelos gestores da empresa.
Parece-nos que a existncia de um setor com as funes e prticas descritas acima concorreu
para aumentar as tenses e insatisfaes dos trabalhadores, sobretudo aqueles que se
encontravam na base da hierarquia e que estavam, portanto, mais susceptveis de se tornarem
alvo da vigilncia da equipe de Moreira.
De qualquer modo, com ou sem excessos da turma de vigilncia, tudo aparenta ter
ocorrido dentro do esperado para a rea de segurana no primeiro ano de operao efetiva de
Mataripe. De acordo com o relatrio consultado, apesar da dificuldade caracterstica do incio
de um trabalho at ento pouco conhecido, no houve nenhuma anormalidade, nem acidentes
ou sequer interrupo no trabalho por questes relacionadas segurana industrial. A
inexistncia de acidente com vtimas fatais e o pequeno nmero de ocorrncias com
necessidade de afastamento de trabalhadores (somente cinco) tambm foi mencionada como
fator positivo156. Em 1952, permaneceu a ausncia de acidentes graves, apesar do aumento de
acidentes com afastamento, que nesse ano pularam para 13 ocorrncias157. Alm disso,
nenhuma questo relacionada disciplina foi considerada digna de nota pelos redatores158.
Isso pode representar, por um lado, que os trabalhadores haviam interiorizado as normas e
recomendaes de disciplina e comportamento ou, por outro lado, se seguirmos os indcios da
existncia de focos de tenso conforme nos demonstra o jornal O Momento, podemos
acreditar que havia um certo mal estar em tratar desses assuntos em uma documentao
estritamente formal como o relatrio.
Por fim, cabe dizer algumas palavras sobre a Diviso de obras. Apesar desse setor no
constar na relao feita pelo Relatrio de 1951, ele deve ter crescido com o passar do tempo,
pois a Refinaria de Mataripe se transformou num verdadeiro canteiro de obras em seus
155
84
primeiros 11 anos de existncia159. Como j informamos, logo aps o incio das atividades
decidiu-se pela duplicao da capacidade de refino da usina, mas a obra propriamente dita s
veio a ser iniciada dois anos depois, em 1953. Em 1954 foi terminada essa fase de ampliao,
quando comearam a operar as unidades 2 e 3. Isso garantiu que a capacidade de refino
duplicasse e atingisse a casa de 5000 barris de petrleo por dia160.
Mais uma vez, com a garantia do sucesso das atividades da refinaria, foi projetada
uma nova ampliao. Era o ano de 1956. Aps a finalizao do projeto que previa a
construo de mais 11 unidades e o aumento da Unidade 1, o que garantiria a Mataripe uma
capacidade de refino de 20000 barris de petrleo por dia. Dois novos produtos seriam
includos na lista de derivados provenientes da refinaria: lubrificantes bsicos e parafinas. Era
a Grande Ampliao, obra que durou at o ano de 1961 e mobilizou, segundo Eunpio
Costa, um contingente de cerca de seis mil homens161. Eles eram, em sua grande maioria
funcionrios contratados por firmas terceirizadas, mas trabalhavam juntamente com outros
tantos homens pertencentes aos quadros da Petrobrs. Os operrios da construo perfizeram
nas fichas de filiao ao Sindipetro um total de duzentos e vinte homens, distribudos entre as
funes de pedreiros, carpinteiros, ajudantes e trabalhadores braais. Considerados os
trabalhadores menos qualificados, os pees brabos com pouca instruo, e dispostos a
confuses, bebedeiras e tumultos, tinham que ser s vezes disciplinados pelo pessoal da
segurana162.
Quando observamos o nvel de instruo desses homens que serviam nas obras de
Mataripe, podemos ter uma idia mais precisa das causas do preconceito e da preocupao
para com eles:
TABELA 8:
NVEL DE ESCOLARIDADE DOS TRABALHADORES DA DIVISO DE OBRAS
Escolaridade
Quantidade (%)
Analfabeto
7 (3,4)
159
Expresso usada por Jairo Jos Farias para descrever Mataripe quando da sua chegada. In: Depoimento do
arquiteto e superintendente de Mataripe (1962-1963) Jairo Jos Farias, e contratado pela empresa em 1957.
Entrevistadores: Alex de Souza Ivo e Daniele Santos de Souza. Entrevista realizada em: 19 de junho de 2007.
160
COSTA (1990), op. cit. p. 147.
161
Idem, p. 162.
162
Depoimento de Raimundo Lopes, j citada.
85
Alfabetizado
10 (4,9)
Primrio
186 (91,7)
Total
203 (100)
Depoimento do operador chefe e dirigente sindical Mrio Soares Lima, lotado na Refinaria de Mataripe e
contratado pela empresa em 1958. Entrevistador: Alex de Souza Ivo. Entrevista realizada em: 18 de abril de
2007.
164
O Momento, 24/10/1950, pp. 02 e 05. Biblioteca Pblica do Estado da Bahia, Setor de Peridicos Raros.
86
despreparo dos chefes brasileiros e dos tcnicos americanos, valeu-se dos mesmos adjetivos
comumente lanados contra eles. Os tcnicos criticados eram para o jornal to ignorantes em
montagem quanto os labors. Esses homens pouco qualificados apesar de terem sido to
depreciados e de terem sua dignidade e capacidade de trabalho negada por vrias pessoas da
poca, formaram a maior parte da fora de trabalho da indstria que existia para garantir a
redeno econmica do pas, e suas principais demandas foram peas-chave no projeto de
ascenso e de disputas polticas dos sindicatos dos trabalhadores do petrleo, conforme
veremos mais adiante.
3.2.
TRANSPORTE
165
88
de Mataripe, o que perfaz cerca de 36% dos que foram seus moradores. Com base nesses
dados, conclumos que existem algumas diferenas entre esses nmeros e os apresentados no
captulo anterior, sobre o quadro geral de associados ao sindicato do refino. No que diz
respeito ao local de nascimento, por exemplo, o nmero de baianos embora continue
representando a maioria, cai cerca de 10%, atingindo a quantidade de 82,7%, enquanto os
nascidos no Sudeste chegam nessas estatsticas a 5,4%, praticamente o triplo do que fora
encontrado no cmputo total dos associados. Os nmeros referentes ao nvel de instruo
tambm modificam-se significativamente, pois passa a existir um maior equilbrio entre os
profissionais que haviam cursado somente o ensino primrio e os que tinham completado o
curso secundrio. Os primeiros perfaziam um total de 45,3% e os segundos chegam cifra de
39,6%. Merece destaque, por fim, a mudana percentual tambm verificada na cor dos
moradores da Vila de Mataripe. Enquanto no nmero geral de associados, 70,4% foram
classificados como pretos e pardos, entre os moradores da vila eles eram 59% e o nmero de
brancos saltou de 29,6% para 40%. Esses dados demonstram o carter mais seletivo da Vila de
Mataripe, que foi menos permevel aos trabalhadores negros e com menor grau de instruo e
qualificao.
Um aspecto que chama ateno diz respeito aos setores de trabalho e s funes dos
empregados que tiveram acesso s casas da Vila. Foram encontrados trabalhadores dos setores
de sade, operao, manuteno e administrao, o que nos leva a crer que esses eram os
setores de maior relevncia da refinaria e que, portanto, no poderiam parar caso ocorresse
algum imprevisto. A diversificao das funes dos moradores (31 ao todo) tambm sugere
que uma das preocupaes que levara construo da Vila dizia respeito necessidade dos
gestores da usina terem mo sempre que preciso homens chaves de variadas funes. Essa
impresso se refora pelo fato de que nenhum dos moradores exercia funes de baixo
prestgio e fcil reposio. Os mais baixos nveis hierrquicos que encontramos, foram os
auxiliares de operador e de profissionais de manuteno.
A estratgia de construo de vilas operrias no era nenhuma novidade nas relaes
de trabalho brasileiras. Essa forma de gesto da mo-de-obra j havia sido aplicada em outras
ocasies e Leite Lopes aponta em seu estudo sobre os trabalhadores da Companhia de
Tecidos Paulista em Pernambuco que um dos trunfos mais relevantes para a empresa que
adotava o sistema de vilas-operrias era exatamente que essa extenso de domnio para o
espao de moradia garantia a disponibilidade dos trabalhadores para qualquer emergncia
eventual. Morar na Vila trazia consigo obrigaes econmicas e no econmicas geralmente
89
168
Mataripe no fugiu a essa regra. Parece-nos ter sido comum a convocao de trabalhadores
em seus momentos de descanso e lazer para atividades emergenciais na fbrica. Um dos
episdios relatado por Eunpio Costa revela com bastante riqueza esta faceta.
No caso intitulado Cad o fogo?, o memorialista conta uma brincadeira feita certa
vez por um engenheiro chamado Andrade, que mais tarde viria a ser um dos diretores da
Petrobrs. Ele decidiu, em uma noite em que comandava a unidade 4, dar um trote no seu
auxiliar que morava na vila e estava gozando merecida folga, ao lado da esposa, fazendo s
Deus sabe o qu. Pegou, ento, o telefone e disse ao seu subordinado: desa urgente que
tem fogo em sua unidade. O alvo do trote era um operador-chefe que, de acordo com
Eunpio, dado seu alto grau de responsabilidade, era um daqueles muitos que se sentiam
realmente responsveis pelo bom andamento da sua unidade, por isso independente de se
tratar ou no de horrio de trabalho ele no titubeou e se deslocou rapidamente unidade em
questo. Chegou esbaforido no local, perguntando onde tinha fogo. A o engenheiro puxou-o
pelo brao, abriu uma fornalha e disse: a dentro, o fogo!. O operador chefe, que no teve
seu nome revelado, no gostou nem um pouco da brincadeira e ficou uma arara, mas saiu
sem desabafar. Segundo Eunpio, no se sabe se devido ao engasgo provocado pela raiva
ou se porque o chefe... era o chefe169.
Este evento ilustra com muita propriedade vrias situaes presentes em Mataripe. A
primeira delas era o estado de permanente viglia que o trabalhador era submetido, pois
mesmo em seus momentos de descanso deveria estar a postos para qualquer chamado em
carter de urgncia. Alm disso, por ser uma empresa estatal, logo, considerada propriedade
de todos os brasileiros, inclusive do operrio, a sua responsabilidade era redobrada. Por fim,
mais uma vez reforada a posio de poder do engenheiro, pois mesmo o operador no
tendo gostado nem um pouco da brincadeira, no pde extravasar sua insatisfao. E quando
depois decidiu apresentar uma queixa contra o engenheiro, o processo aps muito tempo sem
definio sumiu misteriosamente, ficando o caso encerrado.
Um caso como este refora a tese defendida por Ramalho, segundo o qual uma das
principais preocupaes e sem dvida uma relevante medida de dominao das empresas
168
LOPES, Jos Srgio Leite. A tecelagem dos conflitos de classe na cidade das chamins. Rio de Janeiro:
Marco Zero; Braslia: Editora da Unb, 1988, p. 17.
169
COSTA (1990), op. cit. p. 52.
90
estatais de primeira gerao sobre os seus trabalhadores foi a adoo de estratgias de gesto
que iam alm do espao produtivo. De acordo com o autor, um dos desdobramentos dessas
indstrias era que a dominao se estendia para alm do processo de produo, com o
controle tambm da esfera da reproduo social170. Por isso foi bastante comum dentro
dessas empresas iniciativas voltadas para a moradia, o lazer e a assistncia social aos seus
empregados. A vila operria, contudo, conforme demonstra o prprio autor, no foi uma
opo unnime.
No caso da Fbrica Nacional de Motores, na sua fase de instalao, identificada como
Tempo do Brigadeiro, havia o projeto de construo de uma grande cidade, a Cidade dos
Motores. O caminho das vilas operrias foi desconsiderado. O modelo de casas
individualizadas e um pequeno quintal que geralmente no era cultivado e s servia para
acumular entulhos e trastes velhos foi descartado a conselho do urbanista Atlio Correia e
Lima. A proposta feita era de construo de apartamentos modernos e confortveis para
alojar vinte e cinco mil pessoas no mesmo terreno onde normalmente seriam alojadas cinco
mil. Eram as modernas concepes urbansticas que preferiam grandes parques, com
piscinas, jardins, campos de esporte e recreio em detrimento do quintalzinho sujo e
pequenino. A idia, contudo, no vingou. As mudanas polticas ocorridas no Brasil do psguerra fizeram com que os planos do brigadeiro fossem abandonados. Somente na segunda
fase dessa indstria, com a chegada de operrios casados e a partir de uma reorientao das
suas necessidades de produo foi que vieram a ser construdas as vilas operrias171.
Na Usina de Volta Redonda, a idia de construo de uma cidade a Cidade do Ao
tambm fez parte dos planos de seus construtores. Diferentemente da Fbrica Nacional de
Motores, esse projeto foi concretizado. Desde o incio pensou-se na construo de vilas
operrias. No que diz respeito s casas, aconteceu um fenmeno semelhante ao de Mataripe e
possvel at mesmo supor que aquele tenha servido de exemplo para este. Na Cidade do Ao
foram construdas moradias segundo padres diferenciados, obedecendo hierarquia da
empresa. Essa foi uma das principais formas de, juntamente com uma outra srie de
benefcios atrair os trabalhadores mais qualificados e fix-los em seu local de trabalho172.
170
RAMALHO, Jos Ricardo. Empresas estatais de primeira gerao: formas de gesto e ao sindical. In:
ABREU, Alice Rangel de Paiva. PESSANHA, Elina Gonalves de Fontes. O trabalhador carioca: Estudos
sobre os trabalhadores urbanos do Estado do Rio de Janeiro. Rio de Janeiro: JC Editora, 1994, pp. 37-38.
171
RAMALHO (1989), op. cit., pp. 49-57 e 96-111.
172
MOREL, op. cit., pp. 57-58
91
92
males como o tifo e a varola173. Conforme identifica Telma de Barros Correia, uma
importante caracterstica dos ncleos fabris era a preocupao com aspectos da assistncia
mdica e da educao, o que permitia uma ingerncia externa direta sobre o corpo e o modo
de ser da famlia operria174.
A estratgia de dominao de Mataripe compreendia, portanto, a interligao das
prticas que preveniam problemas tanto da higiene fsica quanto da higiene do esprito. Da
podemos compreender a necessidade da presena dos freis Rufino e Juvncio, responsveis
pela Capela de Mataripe175. Alm disso, em julho de 1954, exatamente no incio das atividades
da Petrobrs, a sua diretoria considerou a necessidade imperiosa de construo imediata de
um grupo escolar que abrigu(asse) a populao infantil de Mataripe em idade de instruo
primria, autorizando, ento, o seu presidente a estabelecer, juntamente com o Ministro da
Educao, os parmetros para a construo de um prdio escolar para os filhos dos
funcionrios176. No dispomos de informaes mais aprofundadas sobre o papel da capela e da
escola no controle educacional e moral dos moradores da Vila de Mataripe, mas a existncia
de ambas representa uma evidncia significativa de que as preocupaes dos construtores e
gestores da refinaria iam alm de aspectos meramente relacionados distncia da unidade
fabril dos grandes centros urbanos.
Para Jos Srgio Leite Lopes o sistema de fbricas com vilas-operrias apareceu como
um instrumento bastante eficaz no controle sobre os operrios, tambm por parte da iniciativa
privada. O autor apresenta uma srie de motivos que explicam o interesse e a recorrente
utilizao deste expediente. Ele demonstra que no era somente a moradia que estava em jogo.
Tratava-se de um conjunto de acessrios importantes para a reproduo social da fora de
trabalho, bem como para o conforto dos trabalhadores:
A gua, a lenha, a luz eltrica so geralmente controlados por essas fbricas e podem
tornar-se objetos de um preo, objetos de racionamento ou de uma diferenciao entre
os operrios favorecidos ou no com algum desses recursos, ou objetos de uma presso
a ser exercida nos casos de conflito coletivo, de greve, com a ameaa de suspenso do
fornecimento de alguns desses recursos.177
173
Relatrio de funcionamento da Refinaria Nacional de Petrleo do ano de 1951, apresentado pela Comisso de
Constituio da Refinaria ao Conselho Nacional de Petrleo.
174
CORREIA, Telma de Barros. Pedra: plano e cotidiano operrio no Serto. Campinas: Papirus, 1998, p. 143.
175
COSTA (1990), op. cit., p. 135.
176
Resoluo 6/54, Petrobrs.
177
LOPES, Jos Srgio Leite. Fbrica com vila-operria: considerao sobre uma forma de servido burguesa.
In:LOPES, Jos Srgio Leite (Org.). Mudana social no Nordeste. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1979, p. 58.
93
178
179
94
O operador aposentado Gonalo dos Santos Melo nos contou alguns detalhes sobre
essas ruas especficas: Inclusive l em Mataripe, quando eu cheguei, habitavam l, tinha uma
rua s de casas americanas, at o modelo das casas era diferente e eles tinham essas casas l
como morada e trabalhavam na refinaria. Indagado sobre o clima entre brasileiros e
estadunidenses, ele foi categrico em afirmar que:
Era pssimo! Porque existia o rano, hoje a gente sabe que excluindo Bush o povo
americano no to ruim assim. Mas naquela poca tinha a idia de que o americano
era imperialista, era tomador da riqueza alheia [...] Ento isso a gente tinha na mente do
trabalhador, ao ponto daquele pessoal mais exaltado quando vinha noite da... dos
bares, dos clubes quando passava pela rua, passava gritando, fazendo algazarra,
xingando: americano, filho da puta, no sei o qu!180
95
183
184
96
Segundo Costa, em pouco tempo Niteri j era uma vila relativamente grande e,
como todas as invases, muito mal estruturada, desordenada, contando com casas
miserveis, improvisadas, muitas de sopapo185 (estrutura de varas, enchidas com barro
aplicado de mo), comeavam a surgir numa rapidez incrvel, infra-estrutura, que bom,
nenhuma186. No dispomos de nenhum dado sobre a quantidade de casas existentes na Vila
Niteri, portanto, no possvel saber qual o seu peso numrico como local de moradia. As
recorrentes menes a ela, contudo, nos levam a crer que se ela no foi numericamente
grande, merece destaque pelo menos por conta do seu papel no imaginrio dos petroleiros.
Encontramos, porm, vinte e oito moradores da Vila Niteri dentre os filiados do
Sindipetro, o que ajuda a iluminar questes relacionadas diferenciao entre os operrios.
No indicativo de funo desempenhada na empresa, apenas dois deles exerciam funes de
destaque dentro do sistema de produo e manuteno: um contramestre e um eletricista. A
maioria exercia funes que exigiam uma menor qualificao e que eram, portanto, menos
valorizadas. Encontramos na vila seis ajudantes diversos, cinco serventes, um trabalhador
braal, dois vigilantes e um copeiro. Porm so os dados relacionados instruo os que
revelam com muito mais contundncia as diferenas entre os moradores da Vila Niteri e os
da Vila de Mataripe.
TABELA 9:
GRAU DE INSTRUO DOS MORADORES DAS VILAS NITERI, MATARIPE E DE
TODOS OS ASSOCIADOS DO SINDIPETRO/REFINO
Nvel de instruo
Associados do
Sindipetro
185
186
Analfabetos
1 (4,2%)
0 (0)
26 (1,5%)
Alfabetizados
4 (16,7%)
2 (3,7%)
66 (3,7%)
Primrio
16 (66,6%)
24 (45,3%)
1124 (63,3%)
Ginasial
1 (4,2%)
3 (5,7%)
131 (7,3%)
Secundrio
2 (8,3%)
21 (39,6%)
388 (21,8%)
97
Superior
0 (0)
3 (5,7%)
43 (2,4)
Total*
24 (100)
53 (100)
1778 (100)
* Totais referentes aos associados que tiveram a sua escolaridade declarada na ficha de filiao.
Fonte: Fichas de filiao sindical do Sindicato dos Trabalhadores da Indstria de Refinao e
Destilao do Petrleo do Estado da Bahia (Sindipetro Refino).
Depoimento do operador chefe e dirigente sindical Mrio Soares Lima, lotado da Refinaria de Mataripe e
contratado em 1958. Entrevistador: Alex de Souza Ivo. Data da entrevista: 11 de julho de 2007.
98
Idem.
Depoimento de Raimundo Lopes, j citado.
190
COSTA (1990), op. cit., p. 111-112.
191
Relatrio de funcionamento da Refinaria Nacional de Petrleo do ano de 1951, apresentado pela Comisso de
Constituio da Refinaria ao Conselho Nacional de Petrleo.
189
99
ponderou que enquanto a estrada entre a usina e Candeias estivesse sem pavimentao, ela
seria uma fonte permanente de desgaste para os veculos, de risco pessoal e de perda de
tempo na estao chuvosa192. Solicitou, ento, Diretoria da Petrobrs a liberao de dez
milhes de cruzeiros para as obras de asfaltamento e alargamento da estrada. A diretoria
prometeu estudar o assunto, mas a estrada s veio a ficar pronta em 1959.
Os operrios que moravam em Salvador e eram obrigados a deslocar-se at Mataripe
enfrentavam as peculiaridades do terreno argiloso, tpico do Recncavo Baiano, bem como as
curvas e ladeiras dessas estradas. Isso fazia com que as viagens fossem extremamente
perigosas. Assim, os transportes martimo e ferrovirio tambm eram usados, de forma
conjugada com o rodovirio. Com isso o meio de locomoo mais convencional nos primeiros
anos de funcionamento de Mataripe foi o caminho193. Os trabalhadores viajavam em p,
protegidos por uma grade na carroceria de um veculo apelidado de gaiola. A nica proteo
existente era uma lona de proteo para as eventuais chuvas. Candeias era seu ponto final.
O transporte de l at Salvador era feito pelo suburbano, trem que fazia duas viagens
entre as cidades, uma no incio da manh e outra no final da tarde. Tambm era possvel fazer
o trajeto por via martima. Pequenas embarcaes fizeram at 1959 o trajeto de Mataripe at
localidades prximas como Madre de Deus e Bom Jesus dos Pobres. A dificuldade era
pujante, e atingia tanto os homens da refinaria quanto os dos campos de extrao. Sobre estes,
apesar de possuirmos menos informaes, sabemos que s tinham transporte garantido pela
empresa das cidades-sedes at os locais especficos de produo. Aqueles que moravam fora
dessas cidades tinham literalmente que se virar para chegar at elas.
Pelas fichas sindicais pode-se ver que era grande o contingente de trabalhadores que
no morava perto do trabalho. Dos seis mil quatrocentos e oitenta e cinco filiados cujas fichas
informam o local de residncia, dois mil quatrocentos e cinqenta e seis (37,9%) moravam em
Salvador e enfrentavam, portanto, essas difceis condies de deslocamento. Os caminhes
gaiola e a aventura de tentar conseguir uma vaga nos trens que saam de Candeias eram, no
entanto, experincias exclusivas dos operrios, o que tambm demonstra os traos
hierrquicos da empresa. Os chefes e engenheiros gozavam de facilidades que se exprimiam
no s pela possibilidade de morar na Vila ou no Hotel de Mataripe. As viagens at Salvador
eram feitas na rpida e confortvel lancha INCA. De acordo com Eunpio Costa, o percurso
192
193
100
3.3 O
PATERNALISMO
NACIONALISMO:
ESTRATGIAS
INVISVEIS DE DOMINAO
101
195
195
102
O Observador Econmico e Financeiro, separata especial A propsito de uma visita, julho de 1952, p. 16.
Sobre como as comemoraes do 02 de julho ganharam, no decorrer do sculo XIX, um carter popular ver:
KRAAY, Hendrik. Entre o Brasil e a Bahia: as comemoraes do dois de julho em Salvador, sculo XIX. Afrosia. Salvador, vol. 1, n 23, pp. 47-86, 1999.
197
103
mulheres, das mais variadas etnias e classes sociais, combateram um inimigo comum em
defesa da nao deveria servir de espelho para aqueles que dedicavam-se agora batalha do
petrleo.
No por acaso o tom colaboracionista j havia emergido na fala que antecedeu o
discurso do Presidente da Repblica. O engenheiro Plnio Catanhede, presidente do Conselho
Nacional do Petrleo, ressaltou em seu discurso de saudao a Vargas a satisfao ntima
que sentiam os trabalhadores baianos de terem sido os pioneiros em uma etapa rdua do
nosso desenvolvimento econmico. Enfatizou tambm as realizaes do presidente que
autorizou a melhoria dos salrios dos nossos tcnicos de campo e concedeu aos
trabalhadores e operrios do Conselho [...] as garantias da legislao do trabalho198.
Apareciam, portanto, com pujana as bandeiras dos direitos sociais e do engrandecimento da
nao, que eram os pilares fundamentais do projeto getulista de integrao dos trabalhadores
ao desenvolvimento industrial do pas, e que dentro das empresas estatais ganhavam uma
conotao ainda mais forte.
Catanhede falava ao presidente em nome dos trabalhadores. Ressaltava a importncia
do trabalho dos petroleiros e agradecia ao chefe da Nao pelos benefcios concedidos. Esse
era o script do projeto do trabalhismo. Uns trabalhavam e agradeciam, outros percebiam
necessidades dos trabalhadores, antevendo problemas e convulses sociais, e concediam
ddivas. Era a ideologia da outorga, que pretendia apagar a ao e a capacidade de exposio
de demandas da prpria classe operria, colocando o Estado como demiurgo das alteraes no
mundo do trabalho brasileiro199. Previa uma forma de relacionamento de mo dupla como o
caminho para uma sociedade harmnica. O presidente previa as necessidades dos
trabalhadores e assim prevenia as convulses sociais. Faltava aos trabalhadores fazerem sua
parte. Precisavam aceitar os presentes e demonstrar gratido e obedincia. Quem assim no
agisse, estaria descumprindo uma obrigao social e, atravs de um ato egosta,
quebrando um ciclo de reciprocidade200.
Exatamente por isso, aes de carter reivindicativo poderiam ser entendidas como
elementos que desagregariam o bom andamento das relaes familiares construdas pelos
dirigentes e que deveriam ser aceitas pelos trabalhadores. Como as necessidades dos
198
Idem, p. 13
VIANNA, Luiz Werneck. Liberalismo e sindicato no Brasil. Belo Horizonte: Editora da UFMG, 4 Edio
Revista, 1999, pp. 57-62.
200
GOMES (2003), op. cit., pp. 227-228.
199
104
105
sobre a forma de sua explorao. Alm disso, estes debates eram coevos consolidao dos
campos de extrao do Recncavo e construo e ampliaes de Mataripe. Volta e meia,
falava-se das sabotagens dos trustes, do entreguismo de alguns brasileiros e da necessidade de
concentrar foras em torno da defesa dos interesses nacionais.
Essa fase inicial da histria do petrleo brasileiro, marcada pela polmica, ajudou a
fortalecer o nacionalismo que permeava as relaes de trabalho. Tudo indica que ele era
abraado pelo conjunto dos trabalhadores, mas no de forma homognea. A percepo e o
interesse pelo assunto variavam entre os trabalhadores. O grau de engajamento de cada um
poderia ser definido pela posio na escala de produo, e pelo envolvimento com temas da
alta poltica e da poltica sindical, dentre outros fatores. Aqueles que viveram experincias de
trabalho mais duras, que receberam poucas recompensas, ou que no tiveram participao
efetiva na vida sindical tendem a minimizar a importncia do nacionalismo, apesar de
reconhecerem sua existncia.
Voltando s formas de relacionamento propostas pela indstria do petrleo, merece
destaque uma outra evidncia documental que aponta a continuidade e, em certa medida, o
aumento da preocupao com o paternalismo, aps a transferncia dessas responsabilidades
das mos do CNP para a Petrobrs. Em uma espcie de termo de compromisso assumido pela
primeira diretoria da empresa, em maio de 1954, no qual h uma srie de regras que deveriam
ser aceitas pela referida diretoria, h uma preocupao ntida em explicitar a relao que
deveria existir entre empresa e seus empregados. No ponto referente face social da empresa,
ficava estabelecido que ela deveria se orientar pela doutrina social da Igreja Catlica,
prevendo uma justa distribuio dos lucros entre o capital e o trabalho202.
Isso quer dizer que a fim de evitar conflitos deveriam ser garantidos meios de
subsistncia e ao mesmo tempo compensaes financeiras que facilitassem a aceitao por
parte dos funcionrios do pacto poltico subjacente s relaes de trabalho das empresas
estatais. De acordo com a inteno dos gestores da Petrobrs, os trabalhadores deveriam
aceitar regras que, na verdade, significavam a explorao da fora de trabalho, inerentes s
relaes fabris de produo. Essa aceitao pode ser entendida pelo que Leite Lopes chamou
de interiorizao da dominao. Ela consiste basicamente na adoo dos smbolos e dos
discursos do empregador como forma de justificar a sua prpria condio de subalternidade.
Em muitos casos, aponta Lopes, esse processo abriu brechas para algo que ele chama de
202
106
107
micareta... ele era fanho... foi pra ver micareta em Feira de Santana. Eu digo: fui
mesmo, eu l tava melhor que aqui. Aqui chuva, mas o micareta l em Feira de
Santana tava bom demais, eu pulei muito, fiz muita farra. Doutor Jaime chamou ele
e disse: i Pedro, eu quero meu servio administrado e o chefe daqui sou eu. Onde
que esse rapaz tava? Ele disse: tava na Feira de Santana. A: T vendo voc? Voc
chefe dele e no sabe onde ele tava! E eu que no sou chefe dele, eu sei. Ele tava na
sonda. E por que voc no mandou ver quem que tava l trabalhando na sonda?
Ah, eu no sabia. No sabia o qu, Pedro? Voc t falho no servio. i, ele
chegou e falou com Gilberto, Doutor Jaime pra botar umas horas que eu no... ele
pensou assim na cabea aquele boletim cheio de hora... a eu disse: Doutor Jaime,
Gilberto colocou essas horas a, Pedro vai dizer pra no colocar nenhuma. i, o
senhor no sabe... o senhor no mandou ele apontar essas horas? Eu vou receber duas
horas ou trs. Eu aposto com o senhor que no recebo mais que trs horas, no mais
que trs. Ele disse: O qu Neco? Eu disse: .... na cara dele. Ele disse: Voc t
me jogando contra Doutor Jaime. Eu disse: no lhe jogando contra Doutor Jaime
no, que todo mundo faz hora-extra aqui e voc manda cortar. Eu falei logo com
Deus que melhor que falar com os santos, que Deus d um jeito e os santo roubo.
A... doutor Jaime disse: i, quando voc receber o seu contracheque, eu quero ver
seu contracheque, eu quero ver quando voc receber dinheiro, voc v l no escritrio
e me leve esse contracheque seu com essas hora que eu mandei botar aqui. Eu quero
ver essas horas no vim, Pedro. Eu digo: no vai vim no, viu! No vai vim no
porque Pedro no vai deixar. Eu sei que Pedro virou um cascavel, mas rapaz eu no
sei que diabo fizeram. Eu sei que botaram hora at a mais do que a que eu fiz,
sabe?204
108
a presena fsica do patro no local de trabalho, prticas e discursos que ressaltem a existncia
de uma famlia, e a adeso dos trabalhadores a esse modo de organizao205. Essas
caractersticas do caso francs existiram nas experincias de muitas das unidades fabris
criadas pelo Estado brasileiro em meados do sculo XX. Esse movimento consubstanciou-se,
em certa medida, no que Burawoy identificou como uma tendncia do capitalismo do sculo,
que ao invs de adotar estratgias de dominao atravs da coero preferiu o caminho do
consenso206.
Conforme j observamos at aqui, a tentativa da Petrobrs de promover a colaborao
entre trabalhadores e chefes a fim de fortalecer a defesa nacional pode ser entendida como um
aspecto importante para a idia de famlia sugerida por Perrot. As menes unio em torno
de uma causa e ao bom clima de trabalho so bastante comuns nas falas da primeira gerao
de trabalhadores. Dentro do projeto Memria dos Trabalhadores da Petrobrs207, por exemplo,
notamos vrios depoimentos que fazem esse caminho, como o caso do motorista e operador
Geraldo Alves Leal. De acordo com ele:
A convivncia era muito boa, todo mundo se entendia, no tinha briga. Voc via um
alojamento daquele, com mais de 40 funcionrios, gente ali dormindo, e no tinha
briga, no tinha nada.[...] Na empresa, nunca vi ningum brigar. Trabalhava muita
gente, mas todo mundo era cordeiro, todo mundo acompanhava o ritmo do seu setor e
ningum brigava208.
205
PERROT, Michelle. O olhar do outro: os patres franceses vistos pelos operrios (1880-1914). In: Os
excludos da histria: operrios, mulheres e prisioneiros. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 4 Ed., 2006, pp. 82-83.
206
BURAWOY, Michael. A transformao dos regimes fabris no capitalismo avanado. Revista Brasileira de
Cincias Sociais. So Paulo, vol. 1, n 13, pp. 29-50, 1990.
207
O projeto Memria dos Trabalhadores da Petrobrs uma iniciativa da empresa, em colaborao com a
Federao nica dos Petroleiros (FUP), iniciado em 2003 como parte das comemoraes pelos cinqenta anos
da empresa. Consiste na construo de um banco de entrevistas, na reunio de documentos textuais e fotografias
fornecidos pelos prprios trabalhadores. O resultado desse trabalho foi a publicao de um livro e construo de
uma pgina na Internet, com parte dos dados encontrados disponibilizados para pesquisa.
208
Entrevista de Geraldo Leal, concedida equipe de trabalho do Memria dos Trabalhadores da Petrobrs,
disponvel em: http://memoria.petrobras.com.br/internauta/index.jsp.
209
Aspecto semelhante nos depoimentos dos trabalhadores da Companhia Siderrgica Nacional foi identificado
em: ALBERTI, Verena. A construo da grande siderurgia e o orgulho de ser brasileiro: entrevistas com
pioneiros e construtores da CSN. Rio de Janeiro: CPDOC, 1999.
109
de registrar uma memria oficial, acaba gerando uma tendncia que induz o operrio a
ressaltar os aspectos positivos da experincia de trabalho relatada. Mesmo assim, a viso
apresentada acima muito significativa para entendermos a aceitao do discurso oficial da
empresa por parte dos operrios.
Voltando s caractersticas apresentadas por Perrot para a existncia de um tipo
clssico de paternalismo, chama ateno aquela que diz respeito presena do patro no
espao de trabalho. Ela pressupe a existncia de uma forma de poder personalista, no qual
tanto as decises mais importantes quanto as mais fortuitas so usadas pelo patro como
forma de reafirmar diante dos trabalhadores a sua fora e capacidade de liderana. Essa
caracterstica certamente a que mais se afasta do caso da indstria do petrleo baiana.
Diferentemente da Companhia Siderrgica Nacional e da Fbrica Nacional de
Motores, a Refinaria de Mataripe e os campos de extrao da Regio de Produo da Bahia
no tiveram lderes que encarnavam em aes, gestos e discursos o papel de comandante
nico do processo de industrializao do petrleo. Nem mesmo os superintendentes ou chefes
de campo assumiram o papel de nicos comandantes diante dos operrios. Essa
responsabilidade era dividida entre os chefes de setores, que partilhavam entre si a
responsabilidade inerente ao posto. evidente que isso no impedia que cada chefe, dentro da
rea que lhe competia, assumisse as vestes de grande lder, responsvel paternal pelos
cuidados no ambiente de trabalho e dos prprios trabalhadores.
Todavia, essa particularidade estava aliada a um segundo componente esse sim
comum s outras empresas estatais do perodo que enriquecia consideravelmente a trama
social das relaes de trabalho nas indstrias estatais. Falamos da idia fortemente difundida
de que o trabalhador de uma empresa estatal servia ao Brasil. Ramalho afirma que essa
caracterstica conseguiu conferir perspectiva patronal uma legitimidade ainda maior para
empreender o processo de dominao capitalista210. Essa dominao, consubstanciada no
assalariamento atravs da extrao de mais-valia, estaria, na verdade, disfarada pela idia da
inexistncia de um patro explorador, afinal os petroleiros trabalhavam para o povo brasileiro.
Scaletsky ao analisar as particularidades da experincia de trabalho na Petrobrs, tenta
identificar quais os personagens da empresa assumem a funo de patro, e passam a ser
210
110
assim identificados nas representaes dos petroleiros e de suas entidades de classe211. Para
isso, recorre a Carmen Alveal Contreras, autora que identifica uma bifacialidade nas
intervenes estatais no setor produtivo. A primeira face a pblica, na qual os objetivos
polticos e macroeconmicos tm papel preponderante. A segunda a face empresarial que
tem marcas microeconmicas e voltadas para o lucro capitalista212. A argumentao de
Scaletsky demonstra que as gerncias da empresa assumiram as prerrogativas patronais. Seu
foco de anlise est centrado em dcadas mais recentes, mas o prprio Scaletsky identifica as
origens dessa predominncia dos gerentes e engenheiros nos anos iniciais da industrializao
do petrleo, ou seja, nas dcadas de 1950 e 1960. Nos momentos iniciais da industrializao
do petrleo em terras baianas eram exatamente eles que construam sua autoridade com base
no discurso de colaborao pautado no nacionalismo e nas prticas punitivas e
compensatrias tpicas do paternalismo.
O discurso foi entendido pelos trabalhadores, contudo, de uma forma talvez um pouco
diferente daquela desejada pelos gestores. O nacionalismo foi, em grande medida,
incorporado e se tornou bandeira de luta dos sindicatos que seriam fundados no solo baiano.
O que no impediu que as contradies entre discurso e prtica fossem reveladas no dia a dia
das relaes de trabalho, e que os trabalhadores percebessem as j analisadas diferenas
existentes entre eles como tambm as que existiam entre os homens de Mataripe e os de
Cubato. J a viso paternalista de que os chefes eram protetores dos seus subordinados no
foi to fixada. Os problemas das mais diversas ordens, existentes em um trabalho pioneiro e
marcado em muitas oportunidades pelo improviso, obrigaram os trabalhadores a identificar os
responsveis pelas dificuldades que experimentavam. Entre os gestores e a empresa,
escolheram os primeiros. Poupavam de suas crticas a Petrobrs, entendida como patrimnio
do povo brasileiro, direcionando suas insatisfaes para os chefes, executores sem
legitimidade de uma autoridade que s os verdadeiros patriotas deveriam ter. O tratorista
Manoel Santos, ao relatar o recorrente problema da alimentao, emite o seguinte comentrio:
Trabalho, eu sei o que trabalho rapaz. A gente pra ir trabalhar a na Petrobrs no
que no tenha comida, no por no ter alimentao, que a Petrobrs nunca fez de
matar ningum de fome no. a administrao que era ordinria, a gente ia para o
campo, de ir hoje num certo servio, de passar hoje o dia todo e a comida chegar
amanh. No era pela Petrobrs, t entendendo? A Petrobrs nunca fez isso no. A
211
SCALETSKY, Eduardo Carnos. O patro e o petroleiro: um passeio pela histria do trabalho na Petrobrs.
Rio de Janeiro: Relume-Dumar, 2003.
212
Cf: CONTRERAS, Edelmira del Carmen Alveal. Os desbravadores: a Petrobrs e a construo do Brasil
industrial. Rio de Janeiro: Relume-Dumar / ANPOCS, 1994, pp. 43-45.
111
Petrobrs dava punio em quem faz isso com o povo, mas [interrupo]... pois,
rapaz, era um negcio srio...
Entrevistador: Sim, a a comida chegava no outro dia...
Manoel Santos: Chegava no outro dia e a gente tava tudo cheio de fome ali. Mas no
era, i entenda bem. No era a Petrobrs que fazia isso, eram os administradores, os
funcionrios, que era gente ruim mesmo, pronto.213
Fica evidente para ns que o discurso de aceitao da dominao nem sempre foi
comprado pelos trabalhadores. O nacionalismo podia ser tanto uma estratgia para camuflar a
explorao e manter a fora de trabalho controlada quanto uma justificativa para os
trabalhadores reivindicarem melhorias de tratamento e de condies de trabalho, afinal o
prprio discurso trabalhista propagandeava a importncia de se ter uma existncia
minimamente digna. Mesmo sem a presena dos sindicatos nesse perodo inicial, os
trabalhadores conseguiam identificar seus problemas e buscavam maneiras para super-los. A
organizao dos sindicatos foi uma delas. Veremos, a partir de agora, os caminhos da atuao
poltica dos petroleiros atravs de seus sindicatos. A relao tensa entre a alta poltica local e
nacional e o cotidiano e os problemas do ambiente de trabalho, pontos apresentados nos
primeiros captulos desse trabalho, ser a chave para entendermos sua ao nessa conjuntura.
213
112
CAPTULO 4:
A TRAJETRIA DO SINDICALISMO PETROLEIRO EM SUA ERA DE OURO
... Foi no ano de 1961
Naquela casa da ladeira tinha pitanga, areia e
gua de cheiro
S quem tinha geladeira era petroleiro
S quem tinha, s quem tinha, i, i, i
A o peo virou burgus
At pensou que fosse um rei
Cortinas com dinheiro ele fez no seu canzu
Ento veio a revoluo
E do petrleo a inflao
E o peo voltou a ser peo
E da herana o que sobrou?
A geladeira e a TV...214
4.1 ANTES
DOS
SINDICATOS:
IMPRENSA
COMUNISTA
OS
PETROLEIROS
214
Abafabanca, Gernimo e Ari Dias, gravada por Gernimo em 1988 no disco Dand.
As fases de atuao de O Momento confundiam-se com a prpria orientao poltica do PCB. De 1945 a
1947, anos em que o partido adotou uma linha de colaborao poltica e defesa das conquistas democrticas, o
jornal apresentava matrias segundo esta perspectiva. Aps a proscrio do PCB e sobretudo sob a influncia do
Manifesto de Agosto de 1950, O Momento passou para um campo mais sectrio e radical, aumentando as crticas
e ofensas a seus adversrios polticos. Esta segunda fase declinou no intervalo entre o suicdio de Getlio Vargas
e as denncias dos crimes de Stlin no XX Congresso do Partido Comunista da Unio Sovitica, o que delimitou
o retorno de uma linha mais branda e colaboracionista do jornal at sua extino, em novembro de 1957. Sobre
215
113
esse jornal comunista ver: SERRA, Snia. O Momento: histria de um jornal militante. Dissertao (Mestrado
em Cincias Sociais), Universidade Federal da Bahia, Salvador, 1987.
216
O Momento, 02/09/1949.
217
O Momento, 04/04/1950.
114
218
O Momento, 24/10/1950.
115
Os problemas no paravam por a, pois o que mais parecia incomodar era exatamente
o contraste entre a comida dos operrios e a da chefia. Nos campos de extrao os
engenheiros e tcnicos recebiam marmitas ou quentinhas. Alm disso, recebiam salrios
219
116
mais altos, e podiam comer em algum restaurante por conta prpria. J a comida dos operrios
vinha num panelo, que era arrastado por um carro e no caminho se enchia de poeira222.
Quando o panelo chegava junto ao operrio, este tirava uma armao contida na parte interna
do seu capacete, chamada de aranha, limpava-o com uma pequena flanela (quando tinha
alguma junto a ele) e o transformava em prato. Fazia a sua refeio sentado ao cho ou
encostado em alguma mquina. Para Jos Carlos Vivas, o trabalho era to cansativo e dava
uma fome to grande que quando a comida chegava no dava nem para pensar na falta de
qualidade, a nica coisa que se fazia era comer. Wilton Valena, por sua vez, nos conta que
no aceitava aquilo, e embora no fosse obrigado a comer no capacete, por ser trabalhador
especializado, recusava-se, em sinal de protesto, a compactuar com aquela segregao. No
comia a comida da empresa e gastava boa parte de seu ordenado alimentando-se em algum
outro lugar.
Figura 10:
Trabalhadores da extrao comendo no capacete
Essa situao levou os comunistas a usar tambm de ironia e se valer do pitoresco para
relatar os problemas dos petroleiros. Eles contam, na edio de 19 de agosto de 1951 de O
222
Depoimento de Jos Carlos de Souza Vivas, j citado. Depoimento do sondador e dirigente sindical Wilton
Valena da Silva, lotado na Regio de Produo da Bahia e contratado pela empresa em 1956. Entrevistador:
Alex de Souza Ivo. Entrevista realizada em: 18 de novembro de 2006.
novembro de 2006.
117
Momento, a visita de um suposto parente do Presidente Getlio Vargas, Pedro Vargas que
estava em companhia de sua esposa e era apresentado pelo engenheiro Gilberto Franco s
oficinas da Jequitaia223. Esse tipo de visita era muito comum e tinha por objetivo mostrar a
pessoas ilustres o tipo de trabalho realizado pela indstria do petrleo e os avanos que ela
proporcionava ao pas. Os visitantes, aps conhecerem vrios setores da oficina, entraram no
refeitrio justamente na hora do almoo. A esposa de Pedro Vargas notou que os
trabalhadores se alimentavam de carne seca com farinha e estranhou a coisa, perguntando
ao engenheiro qual era o motivo de tal dieta. Gilberto Franco, uma verdadeira bola segundo
o articulista do jornal, no se fez de rogado, sorriu para a admirvel dama e disse que a
comida no era ruim, pois ele, por exemplo, gostava de carne seca, farinha e po de acar.
No s os visitantes se assustaram com a resposta do engenheiro. Os operrios que
almoavam, interromperam sua refeio olharam para ele e, segundo o articulista, no
souberam o que pensar 224.
Sem entrar na celeuma se a histria real ou no, o que nos interessa o fato de que
ela poderia perfeitamente ganhar foros de credibilidade porque este era um tema
recorrentemente vocalizado nas queixas dos trabalhadores, que identificavam a comida
servida como um dos maiores pontos de distino entre eles e os chefes.
Como afirmamos, ocupavam destaque tambm as queixas relacionadas ao no
pagamento de salrios, gratificaes, horas-extras e abonos que eram garantidos por lei aos
trabalhadores. Os comunistas viam os responsveis pela indstria do petrleo como agentes
dos interesses dos trustes, que tratavam os brasileiros de forma indigna para entregar as
reservas naturais do pas aos americanos. Eram eles que induziam os maus brasileiros a
submeter os operrios a uma jornada extenuante de trabalho sem uma recompensa digna. Por
muitas vezes, os redatores do jornal recorreram ao discurso radical, tentando demonstrar
atravs de ofensas e palavras de ordem mais incisivas a explorao a que estavam submetidos
os trabalhadores. No entanto, nos anos do ps 1954, exatamente quando os comunistas
afinaram o seu discurso e, conseqentemente, a linha editorial de O Momento estava mais
branda em relao s denncias de maus-tratos aos trabalhadores, foi que eles apresentaram
223
A reportagem aponta que o visitante era irmo do presidente, mas o mesmo no tinha nenhum irmo com o
nome de Pedro. Isso nos leva a crer que pode ter ocorrido um erro do redator ao informar o nome do visitante, ou
ento que seu grau de parentesco com o presidente era outro. Mesmo na hiptese de que tal visita no existiu e
que, portanto, a matria tenha sido plantada pelos reprteres do jornal, nos interessa a verossimilhana que tal
histria tem dentro daquele contexto, pois, no mnimo, a situao dava margem para a sua publicao nas
pginas de O Momento.
224
O Momento, 19/08/1951.
118
um relevante exemplo das duras condies de trabalho dos petroleiros. A notcia se deu na
ocasio de um incndio num poo no campo de gua Grande (proximidades da cidade de
Catu), ocorrido em julho de 1955.
Os comunistas relataram os esforos para debelar as chamas. Consideraram o evento
como um teste para os tcnicos nacionais, que enfrentavam pela primeira vez um problema
de tal magnitude no pas. Louvaram os esforos de todos, desde o engenheiro Ivan Barreto de
Carvalho, chefe de servios da Regio de Produo da Bahia, que acompanhou e comandou
os trabalhos contra o fogo, at os mais simples operrios, que enfrentaram com energia e
habilidade o desafio, arriscando a prpria vida para preservar o patrimnio nacional225.
Trs dias depois, comemoraram o fim do fogo, que vitimara um engenheiro chamado Aroldo
Bastos. Parabenizaram as dezenas de operrios e engenheiros brasileiros, que
permaneceram em viglia constante, no duro e difcil combate s chamas. Nessa matria,
ouviram e publicaram a fala de Jonas, um velho operrio do petrleo, que afirmou estar to
habituado com perder noites que nem parecia haver quatro dias que no dormia. Completou
dizendo que era necessrio ser duro para trabalhar em perfurao, pois precisavam vencer
muitas vezes o sono, a fome e o cansao226.
Mesmo sem a inteno da denncia, o texto demonstrou o excesso de horas de
trabalho, sempre legitimada pela necessidade de dar o mximo pelo pas. Afinal os
trabalhadores precisavam aceitar a longa jornada em favor de uma empresa que trabalhava
para transformar o Brasil num pas grande e independente do ponto de vista econmico.
lvaro Bulco, operrio da produo, admitido ainda sob os auspcios do CNP, quando
perguntado como era sobre a jornada de trabalho e qual tipo de proteo a empresa formecia,
responde:
Aquele tempo no tinha proteo quase nenhuma, no tinha proteo quase
nenhuma. A gente ia e chegava, trocava a roupa, vinha a bota, o capacete e vamo
trabalhar.
Naquele tempo foi tudo daquele jeito, de carregar tubo nas costa, carregamo tubo nas
costa pra fazer linha de gua, pra fazer linha de leo, de gs, de tudo. E outra coisa, o
transporte era caminho, a gente subia no caminho pra ir trabalhar. [...]
No folgava... No folgava! Quando eu entrei logo trabalhava sbado, domingo,
feriado, semana santa, sexta-feira santa, So Joo no tinha folga.
Entrevistador: Recebia extra?
225
226
119
4.2 O
NASCIMENTO
DOS
SINDICATOS
PETROLEIROS
227
Depoimento do torrista lvaro Bulco, lotado na Regio de Produo da Bahia e contratado pela empresa em
1949. Entrevistador: Alex de Souza Ivo. Entrevista realizada em: 02 de maro de 2007.
228
O Momento, 15/10/1954, p. 02.
229
O Momento, 01/11/1957, p. 02.
120
121
inicial que estaria definitivamente consolidado o primeiro sindicato dos petroleiros baianos,
o Sindipetro/Extrao.
Segundo Eunpio Costa, o ncleo fundador do rgo, batizado de grupo dos
revoltados, era composto por operrios de Mataripe e dos campos de Candeias e Dom Joo, e
teve como liderana mais destacada o operador de processo Osvaldo Marques de Oliveira,
que havia adentrado como segurana na refinaria ainda em 1951232. As referncias acerca da
atuao da entidade so praticamente inexistentes, uma vez que o seu perodo de existncia
legal (1954-1957) coincide com a j citada crise vivida pelo jornal O Momento, perodo em
que sua circulao j estava seriamente comprometida233. Isso diminuiu as matrias acerca
dos trabalhadores do petrleo e da instituio que eles estavam tentando criar. Alm do mais,
no pudemos contar com os registros feitos pelos prprios trabalhadores, em virtude da perda
dos documentos da associao, certamente ocasionada pelas mudanas de sede ocorridas nas
duas unificaes que o sindicalismo petroleiro viveu na ltima dcada do sculo passado234.
Figura 11:
Osvaldo Marques de Oliveira
COSTA, op. cit., pp. 240-247. Os fundadores, chamados por Eunpio Costa de grupo dos revoltados eram
Osvaldo Marques de Oliveira, Anbal Carnaba, Manoel Inocncio Pinheiro Jnior, Deoclcio Arajo da Silva,
Severino Alexandre da Silva, Simpliciano Joaquim dos Santos, Ansio Arajo Lima e Manoel Bonfim
(Expedicionrio).
233
Sobre a histria, dificuldades e crise vividas pelo jornal comunista O Momento, ver: SERRA, Sonia. O
Momento: histria de um jornal militante. Salvador: Dissertao de Mestrado em Cincias Sociais, 1988.
234
Em 1997, os sindicatos da extrao e da refinao se unificaram dando origem ao Sindicato Unificado dos
Petroleiros (SUP). Mais tarde, em 2000, os trabalhadores do petrleo, petroqumicos e qumicos decidiram pela
unificao das suas categorias, dando origem ao Sindicato dos Trabalhadores do Ramo Qumico e Petroleiro do
Estado da Bahia (STRQP), atual rgo de representao dos petroleiros baianos.
122
123
Idem. 58-59.
Depoimento de lvaro Bulco, concedido ao autor em maro de 2007.
240
Sobre a estrutura corporativista que subordina os sindicatos operrios brasileiros ao enquadramento sindical e
s determinaes do Ministrio do Trabalho, ver, entre outros: ARAJO, ngela Maria Carneiro. A construo
do consentimento. So Paulo: Edies Sociais, 1998. BOITO JR., Armando. O sindicalismo de estado no
Brasil. So Paulo: Hucitec, 1989. COSTA, Vanda Maria Ribeiro da Costa. A armadilha do Leviat: a
construo do corporativismo no Brasil. Rio de Janeiro: Editora da UERJ, 1999. MARTINS, Helosa Helena de
Souza. O Estado e a burocratizao do sindicato no Brasil. So Paulo: Hucitec, 1989.
239
124
Marques ocupava, mais uma vez, destacado papel, pois assumiu as funes de tesoureiro do
novo sindicato e ao mesmo tempo manteve os esforos para a criao da entidade dos
trabalhadores de Mataripe.
Cerca de dois anos depois, em junho de 1959, foi fundada a Associao Profissional
dos Trabalhadores da Indstria de Destilao, Refinao e Derivados do Petrleo no Estado
da Bahia, entidade que daria origem ao Sindicato dos Trabalhadores da Indstria de
Destilao, Refinao e Derivados do Petrleo no Estado da Bahia (Sindipetro/Refino),
reconhecido legalmente em novembro do mesmo ano. No perodo da existncia da associao
mais antiga adentraram novos operadores em Mataripe, advindos dos cursos preparatrios
oferecidos pelo Centro Nacional de Aperfeioamento de Pessoal (CENAP). Deste novo grupo
de trabalhadores surgiram novos interessados em ajudar na criao do sindicato, dentre os
quais destacam-se Wilson Maranho e Mo Soares Lima. Wilson conheceu alguns dos
homens que se esforavam para criar o sindicato e comeou a participar de suas reunies, um
pouco mais tarde, convidou Mrio Lima e ambos se incorporaram aos pioneiros do
sindicalismo petroleiro baiano. Apesar de haver uma certa desconfiana dos novos em
relao ttica poltica dos velhos, segundo Mrio Lima, a estratgia escolhida foi a juno
das duas geraes de operrios para um maior fortalecimento da entidade que estava sendo
criada.
Os trabalhadores da gerao incorporada Petrobrs a partir de 1958 no foram os
nicos que viram com ressalva o outro grupo. Os operrios mais antigos chegaram a
manifestar uma certa repulsa aos novos colegas, em geral mais estudados e com uma
preparao terica prvia para o trabalho, vistos como almofadinhas que estavam l para
ameaar os seus empregos241. O prprio Sindipetro/Refino tratou de aparar essas arestas e
diminuir tais conflitos entre a classe, garantindo uma unio eficaz entre as duas geraes242.
Esses foram os primeiros passos dos sindicalistas em busca da legitimidade junto sua
base. Contudo, dois episdios marcaram essa caminhada e merecem ser analisados com mais
calma. Como sabemos, um dos aspectos que mais chamou ateno na formao de ambas as
entidades foi a dificuldade inicial de liberdade de ao encontrada por elas. Do comeo das
movimentaes em prol da criao de um sindicato at a existncia formal das duas
241
242
125
126
127
da equipe chegou estragada. Constatando o fato, ele ligou imediatamente para o responsvel
pelo fornecimento do alimento e relatou o problema, pedindo que a refeio fosse trocada por
uma que garantisse a sade dos profissionais e, conseqentemente, o bom andamento dos
trabalhos da unidade. A pessoa que o atendeu disse que s tinha aquela comida e que no
poderia preparar outra, pois a chave da despensa estava com o chefe do setor, que se
encontrava repousando em sua casa na Vila de Mataripe e no podia ser incomodado.
Mrio Lima insistiu, afirmando que uma turma de operadores no poderia passar a
noite com fome ou ento comer algo que lhe fizesse mal, pois isso poderia prejudicar a
prpria empresa. Continuou solicitando ao referido colega que entrasse em contato com o
chefe do setor para resolver a situao, mas sem sucesso. Mrio ameaou, ento, soar o
alarme e despertar todos na Vila e nos alojamentos. Aps essa ameaa o colega cedeu e ps o
operador chefe em contato com o responsvel pela despensa. A conversa entre este e o futuro
secretrio do Sindipetro/Refino aconteceu, segundo Mrio Lima, num tom de extremo
respeito hierrquico. Chamei-o o tempo todo de senhor e doutor, explicando que a comida
estragada poderia fazer mal aos operadores. Em nenhum momento falei com falta de respeito
ou arrogncia.
Mrio Lima conta que buscou, ao mesmo tempo, demonstrar um certo conhecimento
para que o chefe entendesse que no estava falando com qualquer um. O ex-sindicalista nos
disse que quando perguntado pelo superior porque sabia que o alimento estava estragado,
respondeu de imediato que ele continha microorganismos e que eram eles que fariam mal a
quem o ingerisse. Sua insistncia deu resultado e ele conseguiu que fosse preparada uma outra
refeio. No outro dia, no entanto, a histria que corria em Mataripe era a de que Mrio Lima
havia dado o maior esculacho em um chefe por causa de uma comida estragada. Ou seja, o
respeito da conversa foi abstrado, e o que era uma reivindicao, virou uma reprimenda a um
superior. O interessante que vrios operrios aposentados dizem ter ouvido falar nessa
histria pela refinaria, sem lembrar, entretanto, do nome dos outros dois envolvidos251.
Esses dois episdios, no fim das contas, independentemente de serem mticos ou no,
ganham um sentido muito consistente dentro do contexto da formao do Sindipetro/Refino.
251
Essas histrias so identificadas por Costa Neves como uma forma mitolgica encontrada pelo prprio Mrio
Lima para legitimar suas aes polticas na dcada de 1980 frente ao Sindipetro/Refino. Neste perodo, o
sindicalista travou uma disputa com os militantes ligados recm-fundada Central nica dos Trabalhadores
(CUT) pelo controle da direo. Essa discusso, contudo, ultrapassa os limites de nossa pesquisa. Ver: NEVES,
op. cit., pp. 460-465.
128
Entrada na empresa*
Entrada no Sindicato
At 1958
754
213
1959
402
170
1960
725
827
1961
246
677
1962
194
165
1963
235
445
1964
24
Depois de 1964
75
No informado
62
30
Total
2626
2626
Idem, p. 289.
129
Como podemos observar, existe uma diferena quantitativa entre os dados colhidos
pela nossa pesquisa e aqueles apresentados por Costa Neves, mas o sentido de sua
interpretao o mesmo. Encontramos at o final de 1959 um total de trezentos e oitenta e
trs petroleiros filiados ao Sindipetro. Em 1960, ano do reconhecimento legal do sindicato, da
readmisso dos dois dirigentes e da primeira greve dos trabalhadores do petrleo, entraram
mais oitocentos e vinte e sete homens no sindicato. bom que se diga que esses dados no
correspondem totalidade nem dos trabalhadores da Petrobrs na Bahia, nem dos que se
filiaram ao sindicato, o que talvez explique a grande diferena entre os resultados. Mesmo
assim, correta a interpretao de que os eventos de 1960 ajudaram significativamente a
ampliar o nmero de sindicalizaes. Quando observamos os meses em que essas entradas
aconteceram, os dados so ainda mais esclarecedores. Em julho e outubro de 1960, perodos
correspondentes readmisso dos dois sindicalistas e mobilizao grevista, aconteceram os
maiores aumentos no nmero adeses entidade. O primeiro ms registrou duzentos e sete e
o segundo duzentos e oito filiaes.
Em 1961 os diretores do sindicato continuaram preocupados em aumentar o seu
quadro social. Na assemblia geral de 29 de maio, Jos Xavier, tesoureiro da entidade,
argumentou que a diretoria precisava se empenhar para empreender uma campanha de
sindicalizao mais intensa253. A proposta parece ter dado resultado, pois se em 1961 a
quantidade total de sindicalizaes (seiscentos e setenta e sete) foi menor do que a verificada
no ano anterior, quando ela posta em comparao com o total de empregados contratados
pela empresa no mesmo ano (duzentos e quarenta e seis), podemos constatar que boa parte
dos antigos optou por ingressar no sindicato naquele ano. Julho foi um ms em que
ocorreram duzentos e oitenta e cinco filiaes, o que representou 42,1% do total realizado no
ano. Essas evidncias nos ajudam a afirmar que no comeo de 1962, a direo do sindicato
contava com um apoio amplo de sua base, e tinha acumulado foras para interferir nos rumos
da empresa.
253
Livro de Atas de Assemblias do Sindipetro Refino, folha 24. Memorial do Sindicato dos Trabalhadores do
Ramo Qumico e Petroleiro da Bahia.
130
4.3 AS
SINDICALISMO
PETROLEIRO
AS
BRECHAS
DO
REGIONALISMO
vrias localidades do pas, mas principalmente dos estados do Sul e do Sudeste. A insatisfao
dos operrios gerada pelas diferenas de status e de tratamento tinha correspondncia com a
insatisfao dos polticos, que diziam que a Petrobrs tratava a Bahia de uma forma e os
demais estados de outra. Era como se as relaes de trabalho apontassem que a empresa
estatal discriminava no s a Bahia mas tambm os baianos. A constatao feita pelos
trabalhadores da Refinaria de Mataripe de que os operrios da Refinaria de Cubato recebiam
salrios muito superiores que eles reforou essa tese.
No dia 1 de novembro de 1960 a Refinaria de Mataripe amanhecia parada.
Presenciava-se a primeira greve dos trabalhadores do petrleo do Brasil. O estado dos
primeiros poos e da primeira refinaria estatal era tambm o da primeira greve de petroleiros.
Tratava-se do movimento batizado de equipara ou aqui pra. Os petroleiros baianos
cruzaram os braos durante trs dias, pleiteando que seus salrios fossem pagos seguindo os
parmetros aplicados na Refinaria de Cubato. Pediam tambm a revogao da Resoluo
27/60, que estabelecia normas de admisso e progresso consideradas insatisfatrias pelos
sindicalistas254.
A organizao de uma pauta de reivindicaes que desembocaria na campanha salarial
que levou greve comeara em junho de 1960, quando ainda existia o impasse acerca da
readmisso dos dois membros da diretoria do sindicato. De acordo com Oliveira Junior,
Osvaldo Marques apresentara imprensa baiana uma srie de demandas na qual estava
includa a questo salarial. Os sindicalistas j tinham notcia da diferena salarial existente
entre Cubato e Mataripe, pois o intercmbio de funcionrios das duas unidades
proporcionava o surgimento de informaes cruzadas.255.
Tudo indica que as articulaes para a campanha salarial iniciaram-se imediatamente
aps a posse efetiva da diretoria. Contudo, as informaes registradas nas atas de reunio de
diretoria e de assemblia s apareceram em setembro. No dia 10 daquele ms os diretores do
sindicato levaram a questo para uma assemblia. Nela, os sindicalistas comeam a tentar
convencer a base da importncia de aes coletivas, por conta disso, sugeriram pleitear o
aumento conjuntamente com o Sindipetro/Extrao. Osvaldo Marques relatou ainda o
episdio recentemente acontecido, quando um grupo de trabalhadores do processamento
decidiu solicitar um aumento chefia e no obteve sucesso, recebendo como resposta que os
254
255
132
133
considerados um verdadeiro disparate. Por fim, Maranho argumentou que por causa das
suas constataes, os trabalhadores de Mataripe deveriam solicitar direo da estatal a
equiparao dos salrios das duas refinarias. Osvaldo Marques aproveitou o gancho e props
que fosse redigido um ultimatum empresa, que deveria dentro de no mximo 72 horas
pronunciar-se acerca da reivindicao dos trabalhadores. Aps a redao do texto do
ultimatum, a plenria declarou-se em Assemblia Permanente at que o problema fosse
solucionado. No documento os operrios diziam que aguardavam dos diretores uma atitude
mais compatvel com o problema a fim de evitar qualquer medida de carter mais
extremo260. Em outras palavras, jogavam a responsabilidade de uma possvel greve para as
mos da Petrobrs. S tomariam essa medida extrema de parar o servio se a empresa no
fosse sensvel a suas reivindicaes.
Os gestores da empresa, diante da situao, tentaram demover os trabalhadores do seu
posicionamento inicial. Em reunio ocorrida na manh do dia 05 do mesmo ms de outubro,
na prpria sede da superintendncia da refinaria, estiveram presentes o superintendente Roque
Perrone, dirigentes sindicais e Pinto de Aguiar, diretor de operaes da Petrobrs. Os
sindicalistas saram de l com o compromisso de que Pinto de Aguiar telefonaria para a
presidncia da estatal com o objetivo de expor as reivindicaes dos operrios e encontrar
uma soluo para o impasse. Falando imprensa, o diretor concordou com as demandas
salariais apresentadas pelos trabalhadores, mas afastou a possibilidade de uma soluo
imediata para o problema por causa da descentralizao da Petrobrs. Criticou, mesmo
assim, a imposio dos trabalhadores, pois considerava que a empresa no media esforos
para resolver satisfatoriamente o impasse261. Sugeriu ento como alternativa de ao o
envio de um memorial, para que a administrao central tomasse conhecimento do pleito e
julgasse a validade das reclamaes. Para ele as reivindicaes no poderiam ser postas
naqueles termos, afinal uma empresa nacionalista como a Petrobrs tinha caractersticas
diferenciadas, pois os dirigentes sindicais precisavam entender que a estatal possua uma
direo e no um patro262.
Os diretores do Sindipetro/Refino reuniram-se, no dia seguinte, com sua base em uma
assemblia em Candeias. Devido ao grande nmero de presentes (1500 segundo estimativa do
jornal A Tarde) a reunio aconteceu na praa da cidade. Enquanto Pinto de Aguiar recorria ao
260
134
135
nmero de notas nos jornais com o fito de ganharem a opinio pblica. Tal meta no foi atingida por falta de
dinheiro para colocar as notas. Na reunio seguinte do sindicato, os diretores declararam que at mesmo os
telegramas enviados aos colegas em viagem foram enviados atravs de emprstimos dos prprios colegas.
267
Publicada em: O Estado da Bahia, 11/10/1960, p. 04, grifos nossos.
268
Livro de Atas de Reunio de Diretoria do Sindipetro Refino, folha 19. Jornal da Bahia, 12/10/1960, p. 02.
136
pois os telegramas enviados por Mrio e Luciano pouco satisfaziam e no traziam nenhuma
informao consistente, fato que o levava a no saber o que dizer aos associados269.
Apesar da imprensa local, sobretudo A Tarde, insistir em informar que o risco de
paralisao j estava afastado, os entendimentos entre empresa e sindicato no haviam
avanado e a greve parecia inevitvel. Por isso mesmo, os dirigentes do Sindipetro/Refino
foram a pblico mais uma vez e reiteraram a iminncia da parede. Informaram que os
petroleiros continuavam em assemblia permanente e em plena mobilizao, pois no ficaram
satisfeitos com a resposta evasiva da diretoria da empresa. Os sindicalistas disseram ainda
que s no haviam declarado a greve at aquele momento porque estavam cientes da
importncia [...] para o Brasil da empresa da qual eram funcionrios270. Na mesma
oportunidade foi estabelecido o terceiro e ltimo prazo dado estatal, que vencia no dia 31 de
outubro. Caso os trabalhadores no fossem atendidos, parariam as atividades no dia
seguinte271.
Os dirigentes do Sindipetro/Refino, apesar de empreenderem com todo vigor a
campanha em prol da greve e terem conseguido mobilizar os seus filiados, tiveram um revs
considervel em seus planos. O Sindipetro/Extrao no aderiu campanha, pois considerava
que uma greve naquela conjuntura s enfraqueceria a Petrobrs. Seus dirigentes acreditavam
que a equiparao no havia sido concedida porque a empresa no tinha de fato condies272.
Mesmo assim, os trabalhadores de algumas localidades da Regio de Produo, como
Candeias e So Sebastio, a despeito da posio oficial de seu sindicato, ficaram animados
com a possibilidade de aumento proporcionada por uma possvel greve e participaram das
mobilizaes
A ltima tentativa de evitar o movimento grevista aconteceu no prprio dia 31, quando
dirigentes da empresa e do sindicato reuniram-se na sede da Delegacia Regional do Trabalho,
sob a mediao do delegado substituto Amadiz Barreto. A partes tentaram sem sucesso
chegar a um denominador comum. Enquanto os sindicalistas, atravs do seu advogado,
afirmavam que aceitariam at mesmo uma equiparao na base de 80%, a superintendncia da
refinaria no ofereceu mais do que 20%. Na mesma oportunidade, os trabalhadores
declararam que pretendiam realizar um movimento pacfico, no qual no haveria desrespeito
269
137
aos dirigentes da empresa estatal, nem danos ao equipamento, pois qualquer um desses atos
seria classificado como anti-patriotismo273.
Figura 12:
Trabalhadores de Mataripe mobilizados na greve
273
138
trabalhos era uma falta grave, de acordo com o Decreto-Lei 9070 de 15 de maro de
1946275.
A fora de mobilizao do sindicato era grande e, contrariando as notcias emitidas
pela empresa, o primeiro dia de greve foi de grande adeso. Os operrios mobilizados
avolumaram-se em Salvador, em frente sede da Petrobrs e foram observados de perto por
homens do servio de vigilncia poltica da polcia baiana. Os engenheiros, por sua vez, foram
os nicos que continuaram trabalhando na unidade. Os prprios sindicalistas de Cubato
prestaram solidariedade aos operrios baianos, j que vieram ao estado e acompanharam de
perto as movimentaes. O sucesso foi to grande que at os moradores da Vila de Mataripe
participaram do movimento. Boatos davam conta de que eles no participariam porque
temiam perder as regalias que gozavam, sobretudo o acesso moradia. Mrio Lima, ao ser
perguntado sobre as dificuldades encontradas pela direo do sindicato para a realizao da
greve lembra:
Demos os prazos e a empresa no apostou. Ameaaram o pessoal da Vila, eu sa de
casa em casa e disse: companheiro, a casa da refinaria, mas na hora que voc est
morando aqui o seu lar. Aqui ningum pode entrar sem autorizao sua e de sua
mulher. Isso da lei. Aqui voc mora com sua mulher e seus filhos, seu lar276.
275
139
acertado que nenhum dos participantes do movimento seria punido pela superintendncia e
que os dias parados no seriam descontados278.
Os esforos para o sucesso da greve foram muitos. Os sindicalistas sabiam que o
conflito aberto numa empresa como a Petrobrs era muito arriscado e que portanto no
poderiam permanecer parados por muito tempo, sob pena de perderem o apoio da opinio
pblica. Alm disso, a greve no deveria ser contra a empresa, mas sim em oposio uma
postura inadequada de seus gestores. Tinham completa viso acerca do clima poltico na
Bahia e da tensa relao entre nacionalismo e regionalismo. No podiam negar nem a um
nem a outro. Por isso mesmo, buscaram atravs de notas na imprensa declarar que a greve
defendia tanto a Bahia quanto o Brasil, o que no era tarefa fcil.
A nota posta pelos sindicalistas nos jornais soteropolitanos no segundo dia da greve
um relevante exemplo desse esforo em sintetizar e compatibilizar as duas correntes de
pensamento. Intitulada Greve justa em nome dos interesses da Bahia, a nota visava
explicar a histria do movimento grevista e apresentar os argumentos dos petroleiros de
Mataripe. Os seus redatores comearam lembrando que a Bahia, terra do petrleo
brasileiro, era tratada pela Petrobrs com a mais inqua desigualdade. A empresa era
dirigida por gachos, mineiros e paulistas e s recentemente teve um baiano como membro
do seu corpo diretivo. Os dirigentes do sindicato argumentavam que a desigualdade havia
atingido tambm os trabalhadores da Bahia, fato considerado por eles injusto, uma vez que
deste estado saa grande parte do petrleo refinado em Cubato.
Exatamente por causa desse tratamento inferiorizante, os trabalhadores pleitearam
direo da empresa a equiparao salarial. Como as respostas foram as mais evasivas,
decidiram deflagrar o movimento paredista. Eles usavam como exemplo da sua estima pela
empresa que sintetizava o grande patrimnio nacional, o fato de terem aceito at mesmo
recuar em sua reivindicao inicial. Para os sindicalistas, a responsabilidade da greve cabia
direo da empresa, que por causa de seu anti-patriotismo na soluo dos problemas
humanos de seus empregados deixou que a greve acontecesse. Os trabalhadores ponderaram
que apesar de seu amor por aquele smbolo da emancipao econmica nacional, no
278
140
podiam abrir mo de acordos que colocassem a Bahia altura de seus destinos de regio
pioneira da indstria do petrleo279.
O resultado do enfrentamento foi o fortalecimento do Sindipetro/Refino. Os seus
dirigentes passaram por uma prova de fogo. Essa vitria foi a primeira de uma srie que
trouxe grandes ganhos materiais e simblicos para os trabalhadores do petrleo na Bahia. Os
sindicalistas conseguiram demonstrar tanto direo da empresa quanto sociedade baiana o
grande poder de mobilizao que possuam e de quebra provaram a capacidade de se
equilibrar entre duas correntes de pensamento aparentemente inconciliveis. No por acaso, a
entidade tornou-se um dos mais destacados segmentos do movimento sindical da Bahia.
Do outro lado da trincheira, na Bahia, os esforos para a obteno de maiores retornos
com as atividades petrolferas continuavam. A eleio de Jnio Quadros em finais de 1960,
poltico afinado com a UDN, partido do governador Juracy Magalhes, animava os polticos
e a imprensa local. At mesmo o Jornal da Bahia, o rgo de imprensa soteropolitano mais
prximo esquerda, comemorava em seu editorial de 9 de novembro de 1960 o compromisso
solenssimo que o homem da vassoura tinha feito com a Bahia: entregar a direo da
empresa a um baiano. Segundo o peridico, esse homem no poderia ser, contudo, qualquer
um. Precisava alm de ser um administrador de competncia comprovada, no ter ambies
polticas, bem como ser um defensor do monoplio estatal do petrleo, e paralelamente ser
um homem sensvel s justas reivindicaes deste Estado de melhor participao na riqueza
criada com o petrleo de nosso subsolo280. Em sntese, para os responsveis pelo Jornal da
Bahia, defender os interesses baianos era encarnar as demandas articuladas e apresentadas
com grande vigor na Conferncia do Petrleo.
Jnio, j eleito presidente, entregou a presidncia do CNP ao professor Josaphat
Marinho, nome que antes era dado como certo para ocupar o controle da Petrobrs. Para o
cargo mais cobiado, quebrou uma tradio estabelecida desde a primeira diretoria da
Petrobrs. Nomeou um tcnico civil. O engenheiro Geonsio Barroso, at ento chefe da
Regio de Produo da Bahia, tornou-se o primeiro presidente da Petrobrs que no
ostentava nenhuma patente militar. O nome agradou os regionalistas, pois Barroso apesar de
no ser baiano de nascimento estava estabelecido h muito tempo no estado, e gozava de
legitimidade tanto entre as elites polticas locais quanto junto aos trabalhadores do petrleo.
279
280
141
As duas nomeaes atendiam parte das demandas baianas e outras medidas no tardaram a
vir.
Na presidncia de Barroso uma antiga reivindicao das classes produtoras baianas
foi atendida. O percentual referente aos royalties pagos aos estados produtores de petrleo
subiu de 3% para 8%, o que representava um importante incremento na arrecadao do
estado281. Sem dvida, o maior e mais polmico passo de Jnio foi o que pretendia mudar a
sede da Petrobrs para a Bahia. De acordo com Oliveira Junior, em julho de 1961 Jnio
comeou a tomar as providncias para que no incio do ano seguinte a sede da empresa j
estivesse estabelecida em Salvador. Manifestaes de apoio pipocaram na capital baiana.
Matrias, notas pblicas, comcios e discursos inflamados davam o tom da alegria geral
que se instalava entre as classes dominantes e at mesmo em parte do movimento social
baiano282.
O Sindipetro/Refino observou o problema e acabou optando pela no adeso. Mrio
Lima, ento secretrio da entidade, conta que especulou quando pediram sua opinio sobre o
assunto:
Eu cheguei pra eles e disse uma coisa que era absurda poca: J pensou se o Rio
de Janeiro se tornar o maior produtor de petrleo do Brasil? A a gente vai ter que
transferir a sede pra l novamente?
No fim das contas, hoje o Rio o maior produtor de petrleo do Brasil (risos). Fomos
contra porque a sede j estava estabelecida l e era ruim para a empresa ficar naquele
muda-muda.283
142
novo presidente manifestasse seu posicionamento sobre o assunto. Jango, apesar de ter se
declarado publicamente a favor da mudana, preferiu deixar o movimento esfriar e acabou
conseguindo engavet-lo.
Novo governo e novos problemas. Apesar de ter seu poder em grande medida
limitado pelo parlamentarismo, o presidente recm-empossado tinha a prerrogativa de
nomear ministros e dirigentes de estatais284. Pouco tempo depois de sua posse, surgiram,
portanto, rumores da exonerao dos dirigentes nomeados por Jnio. No incio de dezembro,
as especulaes eram sobre a sada de Geonsio Barroso da presidncia da Petrobrs. A sada
do dirigente foi inevitvel e se consolidou no quarto dia de 1962. Isso desagradou em cheio
aqueles que tanto propagandearam a necessidade de um baiano frente da empresa estatal.
Os dirigentes do sindicalismo petroleiro baiano no ficaram parados e realizaram pela
primeira vez em sua histria uma assemblia conjunta, na qual associados e sindicalistas das
duas entidades discutiram a estratgia de ao a ser empregada para solucionar a crise.
Na assemblia, realizada dois dias aps a demisso de Barroso, os petroleiros baianos
assumiram uma postura radical. Os dirigentes sindicais consideraram o ministro de Minas e
Energia Gabriel Passos culpado pela situao. Segundo Mrio Lima, primeiro operrio a falar
na assemblia, o ministro no havia cumprido o que ficara combinado, em [sic] s mudar
qualquer membro diretor da empresa sob consulta aos trabalhadores. Como resposta, a
categoria deveria demonstrar sua unio e fora. Vrios foram os oradores que apartearam
a fala do Secretrio do Sindipetro/Refino, sugerindo que a categoria paralisasse os seus
trabalhos at a soluo do problema. Alencar Ferreira Minho, dirigente do
Sindipetro/Extrao, reiterou a necessidade de uma ao unida dos dois sindicatos, pois s
assim seria possvel a vitria. A assemblia deliberou pela greve at que fosse solucionada a
crise com a nomeao do novo presidente. A deciso foi comunicada aos superintendentes
das respectivas reas, e as medidas necessrias suspenso dos trabalhos de prospeco e
refino de petrleo na Bahia foram logo implementadas285.
Os sindicalistas esforaram-se para garantir a presena dos trabalhadores no
movimento e obtiveram sucesso. Apesar da relutncia da Associao dos Engenheiros do
Recncavo em aderir paralisao, a adeso greve e s manifestaes comandadas pelos
sindicatos cresceu nos dias seguintes. No dia 9, aconteceu uma grande passeata do porto
284
143
Praa da S que contou com cerca de 5000 participantes. principio, setores da prpria
imprensa local, como por exemplo o jornal A Tarde, apoiaram a mobilizao, afinal tratavase da defesa da permanncia de uma pessoa ligada Bahia no comando da empresa. Porm,
segundo Oliveira Junior, com o passar dos dias, quando a prpria imprensa percebeu que o
movimento no tinha uma ligao umbilical com as bandeiras dos interesses baianos, a sua
posio comeou a mudar e a cobertura dos eventos passou a ser menos atenta286.
A greve arrastou-se at o dia 16, mas acabou quando Jango nomeou o advogado
Francisco Mangabeira para a presidncia da Petrobrs287. Entre os baianos houve uma boa
recepo ao novo presidente. Juracy Magalhes, governador do estado, assinalou que se
tratava de um baiano digno e ilustre288. Outro poltico baiano, o deputado Nestor Duarte,
regozijou-se com a escolha de um homem que tinha uma grande tradio de vida pblica e
competncia administrativa para continuar, afinal pelos exemplos do pai e do tio o novo
dirigente da estatal tinha condies de fazer uma boa administrao289. A referncia sua
tradio familiar dizia respeito a Joo Mangabeira (pai) e Otvio Mangabeira (tio), dois
expoentes da poltica local e membros de uma das mais tradicionais famlias baianas.
Francisco Mangabeira, porm, apesar da sua tradio familiar ligada aos interesses do
estado, tinha um posicionamento mais progressista e esquerda do que desejavam os
setores da poltica e da sociedade local que tanto falavam em nome da regio. Um breve
passeio pela sua trajetria poltica pode ajudar a revelar essas diferenas.
Seguindo a praxe das famlias tradicionais baianas, Francisco Mangabeira ingressou
na vida acadmica atravs do curso de Direito. Na faculdade flertou com as idias
comunistas, mas preferiu seguir o caminho do anti-imperialismo de matriz socialista.
Participou da fundao da Aliana Nacional Libertadora (ANL) e comps o seu quadro de
dirigentes. Aps o fechamento forado da agremiao, continuou a militncia e a vida
acadmica, obtendo o ttulo de doutor em Direito, no ano de 1945, na Universidade do Brasil
no Rio de Janeiro. Dois anos depois adentrou no corpo docente desta mesma universidade e,
em 1950, passou a fazer parte dos quadros do Partido Socialista Brasileiro (PSB), mantendo,
paralelamente, uma forte ligao com a ao da Igreja Catlica no mundo do trabalho,
fundando a Juventude Operria Catlica (JOC)290. Mangabeira escreveu diversos artigos para
286
144
O Popular (jornal do PSB), nos quais defendia a autonomia nacional frente Guerra Fria, o
monoplio estatal do petrleo e a diretrizes crists como forma de superar as desigualdades
sociais.
A sua nomeao para o cargo encaixava-se na estratgia de Goulart de garantir a
maior quantidade possvel de partidos polticos compondo seu governo. Francisco
Mangabeira na Petrobrs colocava o PSB no governo do herdeiro poltico de Vargas. Apesar
do apoio baiano, a sua posse foi vista com reservas, desconfiana e at mesmo desaprovao
por alguns setores da imprensa e da poltica brasileira. Tratava-se do primeiro presidente da
Petrobrs que no fazia parte dos quadros tcnicos da empresa e nem das Foras Armadas.
Por no ter ocupado nenhum cargo na administrao pblica, era considerado inexperiente
para tamanha responsabilidade. Alm disso, seus posicionamentos eram considerados por
alguns como muito esquerda. Logo aps a sua posse, O jornal O Globo, porta voz dos
grupos conservadores da sociedade carioca, publicou uma matria em que atacava
Mangabeira, dizendo que desde que comearam a cogitar o seu nome para o posto a nica
coisa que ele havia feito era repetir, incessantemente, vigorosa profisso de f nacionalista.
Por outro lado desejava colocar ainda em postos chaves da empresa dois conhecidos
elementos esquerdistas, que exatamente por causa de suas convices polticas no teriam
condies de ocupar tais cargos291.
Na Bahia, o pouco entusiasmo de maior parte da imprensa local, sugere que existiam
reservas quanto ao novo dirigente. Mas o caminho estava traado e as demandas regionalistas
teoricamente garantidas. Mangabeira no titubeou e tratou logo de agradar seus conterrneos.
Afirmou que daria nfase em sua gesto consolidao da indstria petroqumica no estado,
uma antiga reivindicao dos autoproclamados defensores dos interesses da Bahia. Essa era a
parte consensual do script, faltava a parte mais polmica. O primeiro presidente socialista da
Petrobrs teria que desagradar muita gente para agradar os trabalhadores e sindicalistas.
A presena do recm-empossado presidente da Petrobrs no encerramento da I
Conveno Nacional dos Trabalhadores na Indstria do Petrleo, realizada entre os dias 19 e
21 daquele mesmo ms de janeiro, na cidade de Salvador, ajudou a aguar as desconfianas
existentes em relao s suas posies tidas como muito esquerda. Sua ida ao conclave foi
uma forma de firmar um pacto com os sindicalistas, que acabou sendo fundamental para sua
conturbada permanncia frente estatal. A crise, encerrada no ato da posse do novo
291
O Globo, 19/01/1962.
145
presidente, serviu para demonstrar a capacidade de mobilizao dos petroleiros baianos. Seus
dois sindicatos, sobretudo o Sindipetro/Refino, em seu breve perodo de existncia j eram
foras polticas que no podiam ser desprezadas e que adotaram como estratgia de
crescimento a insero no jogo de poder da prpria empresa. Naquela conjuntura, para
qualquer um que ocupasse a direo da empresa era indispensvel negociar com eles e
satisfazer alguns de seus desejos. Francisco Mangabeira adotou o caminho de aproximao
com os sindicatos como estratgia para equilibrar-se na complicada correlao de foras
tanto da empresa quanto da poltica nacional.
Ao chegar na Bahia, no dia 19 de janeiro, Mangabeira deu importantes sinais de como
seria sua postura a partir de ento. Ao ser perguntado o que faria em relao aos grevistas,
disse que respeitava o direito de greve dos trabalhadores, desde que esta fosse decretada e
realizada dentro das assemblias gerais de seus rgos de classe. Quando o assunto passou a
ser a transferncia da sede para o estado o presidente desconversou. Afirmou que a
transferncia era aceitvel, defensvel e justa, mas que para os interesses da Bahia e do
Brasil isso no poderia acontecer de forma precipitada. Lembrou que esse procedimento
implicaria em um alto investimento imobilirio para remover at Salvador os cerca de 1500
familiares de funcionrios que cuidavam da administrao da empresa. Para ele, os recursos
deveriam ser concentrados em um outro projeto, a indstria petroqumica292.
Mangabeira, em sua participao no evento promovido pelos petroleiros, voltou a
manifestar sua afinidade com os sindicalistas. Declarou que concordava inteiramente com a
declarao de princpios aprovada no conclave, reiterando que procuraria, dentro do
possvel, seguir as diretrizes nela traadas. Voltou ainda a falar do seu interesse em conceder
a equiparao total dos salrios entre baianos e paulistas, bem como aproveitou para reforar
os seus interesses em reformular a direo da empresa, concedendo, inclusive, o direito dos
trabalhadores indicarem trs membros para fazer parte da alta direo293.
No nos surpreende o fato de que as tenses entre a posio do novo dirigente e as
camadas mais conservadoras da sociedade brasileira j comeassem a se anunciar. O jornal O
Estado de So Paulo criticou a sua fala sobre os acordos entre Brasil e Bolvia (Acordo de
Robor294), dizendo que sua afirmao dava a medida da incapacidade e da tendncia
292
146
esquerdizante do Sr. Mangabeira295. Definia-se um foco de tenso que ficaria mais explcito
alguns meses mais tarde quando a maior parte da imprensa e os tcnicos e engenheiros da
Petrobrs passaram a fazer uma forte oposio ao presidente da empresa, que comps junto
com os sindicalistas, sobretudo os baianos, um bloco de disputa que mudou os rumos das
prprias relaes de trabalho dentro da empresa. Contudo, para entendermos melhor essa
questo, precisamos voltar ao ano de 1961.
295
147
148
Nele, Mrio Lima relatou problemas semelhantes aos que eram apontados pela extinta
imprensa comunista do estado, e que comumente apareciam nas assemblias do sindicato e
em seus jornais. Contou aos parlamentares que havia um clima de descontentamento entre os
trabalhadores porque suas reclamaes no eram acolhidas pela chefia, que as considerava, de
um modo geral, como atos de indisciplina. Isso resultava em punies excessivas que tinham
por meta afastar os servidores da empresa ao invs de corrig-los. Como decorrncia, o
trabalhador no se via estimulado a defender a empresa, o que acabava difundido entre eles
uma descrena no monoplio estatal do petrleo302. Os principais responsveis por esse
quadro, de acordo com o sindicalista, eram os chefes de seo e o prprio superintendente
Roque Perrone, que se beneficiavam do sistema303. Segundo reportagem do Dirio de
Notcias, o clima de desrespeito com que os gestores da empresa tratavam os trabalhadores
pde ser percebido na prpria sesso em que o depoimento do sindicalista foi colhido, quando
um chefe de importante setor, que se dirigiu ao secretrio do sindicato, chamando-lhe de
dbil mental na presena dos deputados da CPI, jornalistas, etc304. Essa ofensa caiu como
uma luva para o interesse dos sindicalistas, que certamente usaram-na como prova do
desrespeito com que eram tratados os trabalhadores.
O sindicalista concentrou suas crticas, contudo, na situao do refeitrio dos
trabalhadores. Alm da qualidade da comida servida, informou que ele estava localizado
muito prximo de onde estava armazenado o fenol, o que representava um risco integridade
fsica dos trabalhadores. Suas palavras foram suficientes para convencer os deputados a fazer
uma visita rea de produo da refinaria, a fim de constatar a veracidade das queixas
apresentadas. Seguindo a sugesto do lder sindical, os parlamentares convidaram um mdico
sanitarista para verificar se as condies de salubridade do local correspondiam quelas
descritas no depoimento.
Na visita, realizada no dia 27, os deputados declinaram do convite para almoar no
Hotel de Mataripe305. Preferiram fazer a refeio junto aos trabalhadores, como mais uma
forma de apurar as denncias. Os servidores, ao verem os deputados chegarem acompanhados
de diversos jornalistas, fizeram questo de procur-los para informar que a comida daquele
dia no era igual a que normalmente recebiam: estava muito melhor; o refeitrio tinha sido na
302
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309
151
personalista, homem a homem, e que via com maus olhos as modificaes impostas pelo
novo presidente312.
Em maio, o clima da empresa voltou a esquentar. Os petroleiros baianos naquele
intervalo de tempo haviam conseguido importantes avanos, como a assinatura do acordo que
garantia a equiparao total com os salrios pagos em Cubato. O chefe de compras do
Escritrio de Salvador (ESSAL), Jonatas Simples, fora afastado para a realizao de uma
investigao sobre supostas irregularidades em suas atividades313. Era um sinal de que os
chefes estavam na berlinda, o que os impeliu a adotar procedimentos mais radicais contra o
novo mandatrio. Para isso, receberam a ajuda proveniente do clima de insatisfao que
tomava conta de segmentos da sociedade brasileira. Comeavam a surgir denncias de
incompetncia administrativa da gesto Francisco Mangabeira. A instabilidade atingiu seu
clmax com a crise dos tcnicos, ocorrida no final de maio. Este foi o momento mximo das
divergncias dentro da estatal durante a direo do socialista.
A 8 de maio a Sociedade de Engenheiros do Petrleo do Recncavo publicou, atravs
do jornal Folha de So Paulo, um documento no qual tecia crticas gesto da empresa
estatal. Os seus membros diziam-se decepcionados com o presidente, pois o mesmo havia
assumido o compromisso de restabelecer um clima sadio de trabalho, e o que observavam
era a interferncia de determinadas correntes polticas ou grupos, fato que levava a
administrao da empresa a seguir caminhos exatamente opostos daqueles que os
engenheiros esperavam. A entidade reclamava dos critrios de substituio dos tcnicos e da
falta de punio ao diretor do ESSAL que fora afastado no ms anterior314. A queixa foi o
prenncio de uma enxurrada de crticas que resultariam na mobilizao da maior partes dos
engenheiros da empresa com o notrio objetivo de derrubar o presidente.
No final do ms, trinta tcnicos graduados e engenheiros colocaram disposio da
diretoria os cargos que ocupavam. Na Bahia, os demais profissionais de nvel superior
comprometeram-se a no assumir os cargos que se tornaram vagos em suas unidades. Outro
manifesto surgiu em meio crise. Dessa vez assinado por cinco associaes de engenheiros
da Petrobrs, o texto pedia a deposio imediata no s do presidente como dos diretores da
empresa nomeados por ele315. O seu argumento era que grupos externos aproveitavam-se de
312
152
uma pessoa de ideais gerais nacionalistas para prejudicar a estatal, pois essa pessoa no
tinha condies emocionais de firmeza e coerncia e carecia de um mnimo de capacidade
de direo industrial de alto nvel. A crise s poderia ser resolvida, segundo suas
ponderaes, atravs da constituio de uma comisso que contasse com participao das
associaes de tcnicos e dos sindicatos dos trabalhadores da Petrobrs. O manifesto
conclamava, por fim, todo o povo brasileiro a se mobilizar em torno da defesa da sua maior
e mais importante empresa316.
A resposta dos petroleiros no tardou a surgir317. Em nota datada de 24 de maio, os
dirigentes dos sindicatos operrios argumentaram que a solicitao de demisso coletiva do
pessoal de Grupo 1 e 2 no tinha outra motivao seno desviar a ateno dos verdadeiros
problemas que atingiam a Petrobrs. Os sindicalistas repudiaram a soluo simplista de
substituir o presidente como forma de pr fim crise. O ento mandatrio da empresa,
segundo os sindicalistas, estava sendo prejudicado pelas artimanhas dos grupos petrolferos
internacionais318. Na verdade, o que motivava uma defesa to entusiasmada do presidente era
o canal de dilogo aberto em sua gesto, que eles nunca haviam tido em outras
administraes. Segundo Jair Brito, ex-sindicalista e militante do PCB transferido do Rio de
Janeiro para a Bahia em 1962, o prestgio dos dirigentes sindicais com a base e com a direo
da empresa mudara muito desde a posse de Francisco Mangabeira:
Depois do movimento sindical e que o presidente Otvio Mangabeira [troca o nome
de Francisco Mangabeira com o do seu tio famoso] assumiu era muito beleza, voc
convocava uma assemblia e o sindicato era casa cheia[...].
No plano interno ns ficamos donos do pedao, no poder, ento chefia era com a
gente. Se ngo no fosse de esquerda, no assumia chefia no. Ento a turma da
direita vivia assim [passa do dedo no pescoo] com a gente. Diretor da Petrobrs,
companheiro, ele consultava a gente.319
153
Como resultado da crise dos tcnicos, Mangabeira balanou mas no caiu. Mantevese no cargo e continuou suas reformas, aproveitando para dar mais espao ainda aos
sindicatos dos trabalhadores. As mudanas de chefias, ocasionadas pela crise dos tcnicos,
engendraram novos tempos nas relaes de trabalho, nas quais os sindicatos no escaparam
das contradies e dos conflitos inerentes responsabilidade de assumir a co-participao nas
arestas cotidianas da gesto do mundo do trabalho.
320
154
321
Arquivo Pblico do Estado do Rio de Janeiro, Fundo: Polcias Polticas, pasta: 5, folha: 33.
Jornal de Mataripe, 01/08/1963, pgina 03.
323
Depoimento de Jairo Jos Farias, j citado
324
Jornal de Mataripe, 01/08/1963, pgina 03.
322
155
Figura 14:
Jairo Jos Farias
Jairo Farias era sem dvida um homem de confiana dos sindicalistas e trabalhadores
de Mataripe. Foi ele o responsvel pela elaborao e execuo de um dos mais importantes
smbolos da melhora no tratamento dispensado aos servidores daquela unidade: o novo
refeitrio. Em assemblia, realizada em 27 de junho de 1962, logo aps sua nomeao, o
sindicalista Crispim Hiplito com o objetivo de evitar problemas para o sindicato pedia aos
colegas que passassem a agir com bom comportamento e disciplina, pois aquela era uma
chefia escolhida pelo rgo de classe325. Na mesma assemblia, surgiu um importante sinal
da principal mudana que seria implantada na superintendncia de Jairo. O mecnico
Antonio Souza perguntou aos dirigentes qual seria a soluo para os problemas relacionados
promoo dos servidores de Mataripe. O sindicalista Luciano Campos respondeu,
afirmando que a questo no seria resolvida enquanto existisse a famigerada comisso tipo
5x1, isto , 5 elementos da chefia e 1 do sindicato. Apontava como soluo a constituio de
uma comisso paritria, na qual, em caso de empate, o voto de minerva seria do
superintendente.
Essa proposta de co-participao no gerenciamento de questes relacionadas ao
cotidiano de trabalho e a problemas imediatos, consubstanciada nas comisses paritrias, foi
a alternativa vislumbrada pelos dirigentes sindicais para solucionar parte dos temas que
325
Livro de Atas de Assemblia do Sindipetro Refino, folha XX, Assemblia de 27 de junho de 1962.
156
afligiam a sua base nos anos iniciais do trabalho com o petrleo em terras baianas. A
preocupao com as formas personalistas de exerccio de poder no ambiente de trabalho,
baseada em uma grande autonomia dos chefes para punir, premiar, rebaixar ou promover os
operrios, moveu os sindicalistas a proporem as comisses paritria para enquadramento e
disciplina da fora de trabalho. Eram mais duas medidas que limitavam o poder dos
engenheiros.
A Comisso Paritria de Disciplina da Refinaria de Mataripe, instalada por Jairo
Farias a pedido de Mrio Lima (eleito presidente do Sindipetro/Refino em maio de 1962326)
foi, certamente, a mais importante iniciativa para as reconfiguraes nas relaes de trabalho
na indstria do petrleo baiana. Oficializada em 13 de setembro daquele mesmo ano, atravs
da Ordem de Servio 21/62, era composta por dois representantes da refinaria e dois
representantes do sindicato. Seu objetivo era examinar todos os casos de irregularidades ou
indisciplinas cometidos por servidores. O superintendente afirmou que a comisso garantiria
a manuteno da harmonia entre os servidores, e aperfeioaria as melhores relaes
humanas no ambiente de trabalho. Segundo Jairo Farias, a comisso alm de preservar a
autoridade do chefe, protegeria os trabalhadores contra injustias. Caberia a ela examinar
todas as querelas surgidas nas relaes de trabalho, ouvindo as partes envolvidas e
encaminhando seu veredicto para a direo da refinaria, que s se pronunciaria em caso de
discordncia entre os seus membros, exercendo o direito de arbtrio sobre o assunto327.
Inspirados pelo exemplo de Mataripe, os sindicalistas da Extrao, comandados por
Wilton Valena, tambm instalaram o sistema de comisses paritrias na Regio de
Produo. Isso aconteceu exatamente onze meses aps a iniciativa pioneira da refinaria. Na
solenidade de instalao, Wilton Valena comemorou a novidade que viria distribuir
justia e acabar com as demisses injustas que tanto envergonhavam a empresa328.
Na edio de dezembro do seu boletim informativo, os dirigentes sindicais da
extrao fizeram algumas recomendaes aos seus associados lotados no campo de Mata de
So Joo, com o objetivo de evitar desentendimentos entre estes e a empresa. Os redatores do
boletim ponderavam que muitos empregados cometiam faltas pelo desconhecimento de
326
A chapa vencedora, encabeada por Mrio Lima e que contava com Osvaldo Marques de Oliveira na
tesouraria saiu vencedora com 93% dos votos. Concorreu com mais duas chapas, uma composta por membros da
AP e outra pela POLOP. Ver: OLIVEIRA JR, op. cit., pp. 124-128.
327
Ordem de Servio, 21/62, publicada no Sindipetro (Jornal) de setembro de 1962.
328
Boletim informativo do Sindipetro Extrao, 15/09/1963, p. 03.
157
normas e instrues da empresa. As instrues tinham como objetivo, portanto, impedir que
tais deslizes acontecessem. O texto explicava pontos referentes ao direito de folga em virtude
de falecimento de familiares, casamento e nascimento de filhos, instrua qual o procedimento
necessrio em caso de doena e negava a possibilidade de troca de turno (cambalacho) sem a
permisso da chefia329.
Percebemos nas entrelinhas do documento que existia uma preocupao dos
sindicalistas em no perder o controle da situao. correto supormos que os trabalhadores
passaram a acreditar que com a instalao da comisso no haveria punio para as suas
faltas. Afinal, deixavam de ser julgados exclusivamente pelos engenheiros e passavam
responsabilidade compartilhada entre estes e os prprios colegas, membros do sindicato e
defensores dos trabalhadores. O que ocorreu, na verdade, foi um pouco diferente. Os
sindicalistas consideravam-se responsveis pelo bom andamento das coisas na empresa.
Passar a mo sobre a cabea de um operrio faltoso era sinnimo de prejudicar a empresa e
conseqentemente todos os brasileiros.
Para entender essa possibilidade, mais uma vez, o aparentemente pitoresco pode ser
esclarecedor. Eunpio Costa, ao contar mais um de seus casos, apresenta um momento em
que a comisso atuou e os trabalhadores faltosos no foram poupados. O memorialista conta
que em 1962 a refinaria estava em seus tempos ureos, poca de muita fartura, salrios
justos, facilidades pra tudo... uma beleza. As casas da Vila de Mataripe eram pintadas duas
vezes por ano e todos trabalhavam satisfeitos, pois o ambiente era agradvel. Os pintores
aproveitaram, contudo, o clima de cordialidade para fazer uma verdadeira festa, usufruindo
das bebidas e dos alimentos de uma residncia em que faziam servio, ocupada por um dos
mais importantes engenheiros da refinaria. Quando o dono da casa retornou, percebeu que
algo estranho havia se passado, pois deparou-se com garrafas vazias, cascas de frutas no
cho, peas fora do lugar, discos fora da capa... uma verdadeira baguna. Levou o caso
superintendncia, a qual encaminhou a questo para a comisso. Instaurado o inqurito,
decidiu-se pela demisso de todos os pintores em servio no dia, j que no haviam sido
encontrados os verdadeiros protagonistas do episdio. Com a ameaa, um dos prprios
participantes decidiu livrar da punio os colegas que no haviam participado da festa.
Diante da confisso, o caso foi reavaliado e somente aqueles que cometeram as faltas foram
329
158
COSTA, Eunpio. O que a histria no contou. Salvador: Grfica e Editora Arembepe, 1993, pp. 137-138.
Sindipetro (jornal), janeiro de 1961, p. 01.
159
332
160
161
336
DELGADO, Luclia de Almeida Neves. O Comando Geral dos Trabalhadores no Brasil (19611964).Petrpolis: Editora Vozes, 2 Ed., 1986.
337
Carta aberta dos operrios aos diretores do Sindicato dos Trabalhadores da Indstria de Destilao e
Refinao de Petrleo no Estado da Bahia. Jornal da Bahia, 18/03/1964.
162
alvo dos militares que passaram a invadir as sedes das agremiaes em busca de evidncias
que comprovassem suas atividades subversivas.
Em 2 de abril as tropas estavam nas ruas do centro de Salvador. Seu alvo era a sede do
Sindipetro/Refino, que ficava nas proximidades da Praa da Piedade. Os militares fecharam a
rua em que ficava o sindicato e comearam a vasculhar suas gavetas e arquivos. Boatos
davam conta da existncia de pessoas mortas. O Deputado Federal e presidente do Sindipetro
Mrio Lima, aps tentar sem sucesso embarcar para Braslia, procurou entrar no prdio para
obter notcias seguras acerca das pessoas que poderiam estar no local e sobre o prprio
patrimnio da entidade. No obteve sucesso em sua primeira investida, mas insistiu em ter
acesso ao local. Primeiro procurou o governador Lomanto Jnior e mais tarde o comandante
da VI Regio Militar, ambos identificados como as pessoas que poderiam autorizar sua
entrada na sede do sindicato. O esforo do sindicalista resultou em sua priso no Quartel da
Mouraria, de onde foi levado para o Forte do Barbalho.
quela altura Mataripe j havia declarado greve. Aps a notcia da priso do Mrio
Lima, seus companheiros de sindicato exigiram a permanncia da ordem constitucional,
atravs da restituio do Presidente da Repblica ao seu posto e da soltura imediata do
mandatrio mximo do sindicalismo petroleiro baiano338. De nada adiantou. De pronto o
exrcito ocupou tambm a refinaria e algumas reas da Regio de Produo da Bahia. Outros
sindicalistas e operrios foram presos e o clima de terror se instalou no local. Tinha incio a
srie de interrogatrios, delaes, perseguies e demisses de sindicalistas e operrios.
Ernesto Cludio Drehmer, engenheiro de confiana dos sindicalistas, iado condio de
Superintendente quando da sada de Jairo Farias para a direo da estatal, enviou um
telegrama ao novo presidente da estatal. Nele, congratulava o General Olympio S Tavares
pela nomeao e colocava disposio o cargo que ocupava, comprometendo-se em
permanecer no posto at a nomeao do seu substituto339. As iniciativas de resistncia no
haviam surtido efeito e j no dia 04 de abril os militares tornavam-se donos da situao. As
unidades, lentamente, voltavam a funcionar. A essa altura, o grupo de sindicalistas
indesejados j estava fora de ao.
Mesmo para os operrios menos envolvidos com as questes sindicais aqueles dias
foram marcantes. As cenas presenciadas por muitos deles, nas quais as sedes dos sindicatos
338
339
163
eram invadidas, seus arquivos e jornais eram expostos como trofus, colegas eram presos e
interrogados, no saram de suas memrias. Muitos deles sequer sabiam o que era o tal do
comunismo, que tanto se falava poca. A nica coisa que tinham certeza era da violncia
dos homens da 6 Regio, da perseguio contra seus colegas e da destruio do patrimnio
coletivo que eram os seus sindicatos.
A disputa pelo esplio poltico do grupo sindical comandado por Mrio Lima e
Osvaldo Marques no tardou a acontecer. Os avanos conseguidos pelos sindicalistas foram
considerveis e mesmo seus opositores sabiam disso e desejavam, portanto, ser considerados
pela base como os detentores de seu legado. Para isso, precisavam antes de tudo convencer os
militares que tomaram o comando da refinaria de que eram confiveis e mantiveram-se
distantes das idias comunistas. Verdi Plesch e Gildsio Lopes, dois dos trs dirigentes
sindicais afastados da diretoria do Sindipetro/Refino em janeiro de 1963 escreveram uma
carta para os novos gestores de Mataripe340.
Nela, os trabalhadores procuraram identificar-se com o Golpe de 1964, apresentadose como participantes da Revoluo do 31, desde que ela era apenas uma conspirao.
Exatamente por esse motivo, sentiram-se vontade para se colocar disposio dos militares
para ajudar no trabalho de convencimentos dos trabalhadores. Os signatrios diziam que a
cabea dos operrios da Petrobrs continuava sendo contaminada pelas mentiras dos
elementos residuais do comuno-peleguismo, que espalhavam boatos de que as conquistas
salariais e os benefcios assistenciais fornecidos pela empresa seriam suspensos. Alm disso,
os autores da carta contavam que os pseudo-lderes espalhavam o boato de que o direito de
livre associao seria negado aos petroleiros.
Verdi Plesch e Gildsio Lopes elencaram, ento, uma srie de sugestes para os
militares a fim de garantir a colaborao operria e o fim dos boatos que tanto atrapalhavam
o bom andamento dos trabalhos da Refinaria. A primeira delas dizia que para aumentar a
produtividade da unidade era necessria criar um programa de contra-propraganda para
coibir as mentiras que corriam na usina, bem como impedir o retorno ao comando da estatal
dos homens estigmatizados por notria averso aos trabalhadores, numa clara aluso aos
engenheiros afastados em 1962 por Francisco Mangabeira. Depois disso, os militares
340
Sobre as circunstncias do afastamento de Verdi Plesch, Luciano Campo e Gildsio Lopes ver: OLIVEIRA
JR., op. cit. pp. 146-149. A tese do autor para a sada dos dirigentes que estes tinham uma posio mais
direita que o grupo de Mrio Lima, o que levava-os a criticar os rumos do sindicato. Alm disso, eles foram
responsveis pela publicao de matrias que criticavam a gesto de Jairo Farias frente Refinaria.
164
deveriam convencer aos operrios de que a Revoluo aconteceu para corrigir por inteiro
as deformaes sindicais e que ela garantiria as conquistas salariais e assistenciais,
especialmente o reajustamento dos salrios, previsto nos termos do acordo firmado entre a
empresa e os sindicatos de sua rbita. Por fim, pleitearam a presena operria na
administrao da empresa atravs da assessoria sindical341.
Em resumo, excluindo o primeiro item, que dizia respeito defesa das medidas
saneadoras do comunismo, o conjunto de sugestes dos emissrios da carta era bastante
parecido com as principais conquistas do grupo de sindicalistas que os mesmos acusavam de
terem feito to mal aos petroleiros e empresa. Apesar das divergncias polticas, Verdi
Plesch e Gildsio Lopes sabiam que a categoria petroleira reconhecia os avanos trazidos
pelos sindicalistas comandados por Osvaldo Marques e Mrio Lima e que este era o seu
referencial do bom sindicalismo. Pena no termos conseguido qualquer notcia sobre o
desenrolar da solicitao apresentada pelos dois trabalhadores.
evidente, no entanto, que os tempos que sucederam queda dos lderes sindicais
trouxeram mudanas no mundo do trabalho petroleiro baiano. Muito embora as vantagens
salariais obtidas entre 1960 e 1962 continuassem garantidas, os trabalhadores amargaram
tempos mais duros nas relaes de trabalho. O fim das comisses paritrias de disciplina e a
volta do poder dos engenheiros de interferir mais diretamente nas questes disciplinares foi
visto pelos trabalhadores como uma derrota. A perda de uma srie de benefcios que no
estavam garantidos por nenhuma conveno de trabalho, e o clima militarizado que as
unidades de trabalho passaram a ter, colaboraram para a construo da imagem de um
verdadeiro refluxo nas relaes de trabalho dentro da Petrobrs na Bahia.
Mesmo assim, para alguns, essa era a chance de rever a posio na empresa perdida
quando os sindicalistas atuavam com grande desenvoltura. Esse foi o caso de Roque Onsio,
o ajudante de cozinha que teve sua demisso sacramentada pela comisso paritria de
disciplina no incio de 1964. Em julho, Roque voltou cena em busca de sua readmisso,
procurando, provavelmente por meio de contatos pessoais, apoio junto ao Major Aloysio
Cirne, que encaminhou a sua solicitao aos interventores do Sindipetro/Refino com a
inteno de providenciar sua readmisso. Os novos dirigentes do sindicato, seguindo a
orientao do Major passaram o caso superintendncia do Terminal de Madre de Deus,
argumentando que tratava-se de um chefe de famlia dedicado, [...] arrimo de famlia
341
165
numerosa e de parentes, que passava por uma fase econmica das mais precrias e que
por isso deveria ter a sua dispensa revista. Um ms depois, a questo foi encerrada e o pedido
de readmisso do ex-empregado foi negado. Esse foi o ltimo caso relacionado participao
dos sindicalistas do petrleo na gesto do ambiente de trabalho que tivemos notcia.
possvel supor que o trabalhador demitido tenha avaliado que sua punio fora
aplicada pelos dirigentes sindicais, por isso mesmo aproveitou o afastamento destes do
cenrio poltico ocasionado pelo golpe civil-militar de abril de 1964 para reaver seu posto
de trabalho por intermdio dos militares e dos interventores sindicais. Encerrava-se o ciclo
das discusses provenientes da participao poltica da primeira gerao de sindicalistas do
petrleo na Bahia. Estes homens s voltariam Petrobrs e ao sindicalismo petroleiro cerca
de 20 anos depois com a lei de anistia.
166
CONSIDERAES FINAIS
A Bahia continuava, em 1964, como o nico estado a fornecer petrleo cru para o
pas. Mataripe havia deixado de ser a pequena refinaria experimental de 1950 e tornara-se
uma pujante produtora de derivados do petrleo. Os seus operrios deixaram de ser
considerados insignificantes politicamente e passaram para o centro dos acontecimentos
polticos do estado e at mesmo do pas.
A insero dos petroleiros baianos nessa trama de poder foi fruto da atuao dos seus
sindicatos. A fora que a represso usou para tirar de cena as suas principais lideranas
demonstra a relevncia poltica das duas entidades de classe e o risco que elas representavam
para o projeto poltico que a direita organizada e os militares planejaram para o pas no
alvorecer de 1964. Por outro lado, a atuao das lideranas sindicais, voltada para o ambiente
de trabalho, deixou um legado marcante para os trabalhadores da Refinaria de Mataripe e da
Regio de Produo.
Na sua epopia veio primeiro o prprio reconhecimento por parte da empresa de que
era preciso dialogar com os sindicatos. Depois disso, a vitria poltica da greve de novembro
de 1960, levou para o conhecimento da opinio pblica o papel relevante que o sindicalismo
petroleiro passava a desempenhar dentro da Petrobrs. O ponto mais importante dessa
trajetria, contudo, foi consubstanciado na preocupao sindical com questes cotidianas do
trabalho. Para os sindicalistas do petrleo, atuar no jogo de poder da empresa no consistia to
somente num fim em si mesmo. Essa prtica trazia consigo propostas de mudanas concretas
na vida dos operrios, representadas pela substituio dos chefes considerados responsveis
por um jogo de relaes de poder que prejudicava os ditos trabalhadores.
As prprias regras desse jogo foram modificadas. Junto com o incremento salarial, as
comisses paritrias de disciplina resultaram na maior novidade e no principal smbolo
poltico dessa primeira gerao de sindicalistas. Apesar do seu curto perodo de existncia,
elas marcaram o imaginrio dos petroleiros como o grande ganho coletivo da categoria.
Trouxe tambm uma experincia associativa e de solidariedade que nem mesmo a represso
foi capaz de apagar.
167
Enquanto muitos lderes sindicais estavam sendo presos e tantos outros preferiram
abandonar a empresa por causa do clima instalado no imediato ps-golpe, os petroleiros que
continuavam em seu local de trabalho organizavam sem a participao da interventoria
sindical listas de auxlio para as famlias dos demitidos e perseguidos polticos. Outros
levavam alimentos para os prprios fugitivos.
O esforo dos militares para apagar a memria de luta dos petroleiros, atravs da
interveno e do achincalhe dos nomes dos sindicalistas afastados no surtiu efeito. De acordo
com Oliveira Junior, comeou uma campanha na imprensa com o objetivo de macular a
prtica sindical petroleira do pr 1964, surgindo na imprensa vrios rumores de corrupo dos
antigos dirigentes sindicais. A interventoria instalada no Sindipetro/Refino aps o Golpe
passara a investir forte no assistencialismo, e Aristides Rocha de Oliveira Filho, seu
tesoureiro, decidiu sair candidato no pleito sindical de 1965, autorizado pelo Ministrio do
Trabalho. Sua derrota para a chapa independente foi por uma pequena margem de votos342.
Era a primeira tentativa dos petroleiros de agir autonomamente em relao aos
autoproclamados revolucionrios de 1964.
Dois anos se passaram e no incio de 1967, Marival Caldas, Primeiro Secretrio da
nova direo sindical, publicou atravs do Sindipetro Jornal uma nota intitulada O
carrapato. Nela, o sindicalista fazia um pequeno balano da situao dos petroleiros desde
1964. O autor perguntava-se: o que melhorou na Refinaria aps a Revoluo?. Sua resposta
foi desanimadora. Segundo sua avaliao, toda a parte social e salarial da empresa havia
refludo aps a redentora. Marival dizia que o sindicato aps a sua liberao passou a
trabalhar reivindicando e procurando dialogar com as autoridades civis e militares. Contudo,
era recebido e tratado com desprezo e descrdito. Para ele, restava aos trabalhadores se
unirem em prol dos verdadeiros defensores da empresa: o operrio [sic]. Estes, deveriam
continuar defendendo a Petrobrs, pois com isso estariam defendendo seu emprego, sua
famlia e o nosso Brasil343.
Quase trs anos aps a movimentao que tirou de circulao a dupla Osvaldo
Marques e Mrio Lima, falavam alto novas vozes que pretendiam continuar o seu legado.
Novos atores entravam em cena, mas a pea era a mesma: uma empresa forte teria como
conseqncia benefcios para seus funcionrios, que eram seus verdadeiros defensores. O
342
343
168
exemplo do pr 1964 continuava vivo para aqueles que se esforavam para continuar a
vivncia do sindicalismo em Mataripe. Contudo, os tempos eram outros e o dilogo entre
empresa e operrios muito mais difcil. Entre abrir espao para os sindicalistas e cercear sua
liberdade, os militares recorreram segunda opo. A certeza da inviabilidade de um projeto
de pas que incorporasse demandas da classe trabalhadora fez com que os novos comandantes
do pas recorressem em diversas oportunidades represso e interveno. Essa era a tnica
dos novos captulos da histria do mundo sindical dos petroleiros baianos. Mas essa j outra
histria.
169
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Biblioteca da Superintendncia de Estudos Econmicos da Bahia (SEI).
Biblioteca da Universidade Corporativa da Petrobrs.
Biblioteca Pblica do Estado da Bahia (BPEP).
Centro de Documentao e Informao Cultural sobre a Bahia (CEDIC-BA).
Centro de Estudos Baianos da Universidade Federal da Bahia.
Centro de Pesquisa e Documentao Contempornea do Brasil da Fundao Getlio Vargas
(CPDOC-FGV).
Memorial e arquivo morto do Sindicato dos Trabalhadores do Ramo Qumico e Petroleiro do
Estado da Bahia.
Acervos pessoais:
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Acervo documental de Wilton Valena da Silva.
Acervo fotogrfico de Jos Carlos dos Santos Vivas.
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1964;
Dirio de Notcias; setembro de 1950, fevereiro a abril de 1958, janeiro e fevereiro de 1959,
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Jornal da Bahia; Setembro de 1958 a fevereiro de 1959, outubro e novembro de 1960, maio
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O Momento; Setembro de 1949 a novembro de 1957;
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Peridicos operrios:
Sindipetro Jornal, ano 1, n 1, janeiro de 1961; prestao de contas do ano de 1961; ano II,
n 19, agosto de 1962; ano II, n 20, setembro de 1962; ano II, n 28, s/d; ano III, n 37, 26 de
fevereiro de 1964; informativo especial n 05, 11 de novembro de 1963;
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Boletim informativo do Sindipetro Extrao, ano 1, n 02, 15 de setembro de 1963; ano 1,
n 03, outubro de 1963; ano 1, n 04, dezembro de 1963;
Petroleiro publicao do Sindipetro Extrao, ano I, n 05, janeiro e fevereiro de 1964;
Suplemento do Jornal Sindipetro, especial de 1 de maio de 1963;
Sindipetro Jornal (aps interventoria), ano I, n 07,abril de 1967.
Fontes manuscritas:
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Atas de reunio da Diretoria Executiva da Petrobrs; realizadas em 10/05/1954, 12/06/1954,
19/06/1954, 03/09/1954, 06/09/1954, 15/09/19654, 01/10/1954, 23/10/1954, 28/10/1954,
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Fontes orais:
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