Uma Historia em Verde Amarelo e Negro

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ALEX DE SOUZA IVO

UMA HISTRIA EM VERDE, AMARELO E NEGRO:


CLASSE OPERRIA, TRABALHO E SINDICALISMO NA INDSTRIA DO PETRLEO
(1949-1964)

Dissertao apresentada ao Programa de PsGraduao


em
Histria
Social
da
Universidade Federal da Bahia, como
requisito parcial para a obteno do grau de
Mestre em Histria.
Orientadora: Prof. Dr. Maria Ceclia Velasco e Cruz

Salvador
2008

IVO, Alex de Souza.


Uma histria em verde, amarelo e negro: classe operria, trabalho e
sindicalismo na indstria do petrleo (1949-1964) / Alex de Souza Ivo.
2008.
183 f. il.
Dissertao (Mestrado em Histria Social) Faculdade de Filosofia e
Cincias Humanas da UFBA, Salvador, 2008.
Orientadora: Prof Dr Maria Ceclia Velasco e Cruz
1. Sindicalismo. 2. Indstria do petrleo. I. Cruz, Maria Ceclia
Velasco e. II. Universidade Federal da Bahia. III. Titulo.
CDU: 331.105.446

ALEX DE SOUZA IVO

UMA HISTRIA EM VERDE, AMARELO E NEGRO:


Classe operria, trabalho e sindicalismo na indstria do petrleo (1949-1964)

Dissertao apresentada ao Programa de


Ps-Graduao em Histria Social da
Universidade Federal da Bahia, como
requisito parcial para a obteno do grau
de Mestre em Histria.

Aprovada em:

BANCA EXAMINADORA
__________________________________________
Prof. Dr. Maria Ceclia Velasco e Cruz (orientadora)
Universidade Federal da Bahia

_______________________________________________
Prof. Dr. Aldrin Armstrong Silva Castellucci
Universidade Estadual da Bahia

_______________________________________________
Prof. Dr. Lus Flvio Reis Godinho
Universidade Federal do Recncavo da Bahia

A minha me Iracy.

AGRADECIMENTOS

Nenhum trabalho acadmico resultado do esforo de uma nica pessoa. Por isso,
agradecer torna-se uma forma de lembrar e reconhecer a colaborao daqueles que no
assinam a obra mas que sem eles o caminho teria sido no mnimo mais difcil. Quando um
negro trilha o caminho acadmico o imperativo do agradecimento ainda maior, pois somos
ainda muito poucos os que seguimos esse caminho, j que, na verdade, a grande maioria de
ns obrigada a desistir de jogar antes mesmo da partida comear. Por isso mesmo, esse
importante detalhe nunca deve passar em branco. Lembrarei nesse curto espao de algumas
pessoas que foram importantes na caminhada que culminou com a redao desta dissertao.
Corro o risco de me alongar um pouco, mas entre o pecado do excesso e o da omisso prefiro
ficar com o primeiro.
Algumas instituies merecem ter seu apoio lembrado, so elas: o Programa de PsGraduao em Histria Social, que acolheu minha pesquisa; a Coordenao de
Aperfeioamento de Pessoal de Nvel Superior (Capes), que atravs da concesso de uma
bolsa de estudos, permitiu-me custear os dois anos de curso; a Fundao Clemente Mariani,
entidade da qual fui estagirio por dois anos, ainda antes de minha entrada no mestrado, e que
cumpriu um importante papel na minha formao profissional; e o Sindicato dos
Trabalhadores do Ramo Qumico e Petroleiro da Bahia, que permitiu o livre acesso a toda a
documentao guardada em seu arquivo
Nos lugares onde pesquisei, contei com a colaborao de muitos profissionais.
Agradeo a Aldemar Jnior e a amiga Davilene Santos (Sindicato dos Trabalhadores do Ramo
Qumico e Petroleiro); Marina, Dilza e Maria Lcia (Biblioteca da FFCH); Graa, Lcia e
rica (Fundao Clemente Mariani).
Com a Prof. Dr. Maria Ceclia Velasco e Cruz tenho uma dvida impagvel. Primeiro
preciso lembrar da forma gentil com que assumiu minha orientao, para depois ressaltar o
seu profundo conhecimento sobre meu campo de pesquisa, sua sensibilidade e sua capacidade
de indicar caminhos e possibilidades para a execuo do trabalho, respeitando em todas as
oportunidades minha liberdade final de escolha. Os professores Muniz Gonalves Ferreira e
Lus Flvio Reis Godinho participaram do exame de qualificao e ajudaram a elucidar

questes e corrigir possveis falhas deste trabalho. Franklin Oliveira Junior, pioneiro no
estudo sobre os petroleiros na Bahia, dialogou fraternalmente comigo e ainda cedeu-me
gentilmente parte de seu material de pesquisa.
Aos verdadeiros donos dessa histria, os pioneiros do trabalho e do sindicalismo
petroleiro, fica a reverncia de quem aprendeu muito com eles. Sou inteiramente grato a todos
os que concordaram em conversar sobre aqueles tempos com uma pessoa quase
desconhecida, compartilhando lembranas, alegrias, tristezas e frustraes. Os companheiros
da Associao Brasileira de Anistiados Polticos da Petrobrs e demais Estatais (ABRASPET)
foram o ponto de partida para a coleta dos depoimentos orais, to importantes para este
trabalho.
Na busca por depoentes, contei ainda com o apoio de Daniela Nascimento, que me
guiou pelas ladeiras de Candeias e compartilhou comigo boas e divertidas histrias de
petroleiros. Rebeca Vivas me emprestou seu pai e cedeu parte do seu lbum de famlia para
essa dissertao. Miguel Conceio, com seu olhar de operrio e historiador, conversou
comigo e ofereceu-me segurana num dos momentos mais complicados da realizao deste
trabalho.
Registro a importante convivncia e minha gratido a importantes amigos da
graduao e da militncia estudantil. So eles: Aline Farias, Ana Lvia, Daniel Rebouas,
Denise Silva, Pedro Burger, Roberto Lacerda, Roberto Lordelo, Wesley Francisco e Zlia
Neto. Todos grandes amigos que no poderiam ser esquecidos nesse momento.
Aos colegas de estgio da minha gerao na Fundao Clemente Mariani, testemunhas
das apreenses iniciais dessa pesquisa, que, alm de incentivadores, tornaram-se bons amigos.
Registro minha gratido a rica Brando, Graciene Rocha e Haroldo Barbosa; e aos
historiadores Lus Henrique Santana, Fbio Baqueiro, Bruno Pessoti e Rogrio Luiz. Todos
sempre muito dispostos a dialogar sobre nossas pesquisas. Os dois ltimos, alm disso,
volta e meia apareciam com importantes dicas de livros, verdadeiros brindes, bem como
ajudaram-me todas as vezes que estive s voltas com a lngua estrangeira.
Agradeo aos companheiros da coordenao e do corpo docente dos Quilombos
Educacionais Instituto Cultural Steve Biko e Centro de Cultura, Orientao e Estudos
Quilombos. queles com quem mais aprendo do que ensino, os nossos estudantes, resta-me

agradecer e continuar aquilombado, lutando para que faamos parte de outras estatsticas,
muito mais felizes do que as que nos so impostas atualmente.
Jnea Frana e Moiss Cerqueira kiriris em terras alheias receberam-me com uma
hospitalidade tipicamente baiana nas duas oportunidades em que realizei pesquisas nos
arquivos da cidade maravilhosa.
Outro casal amigo merece uma meno especial. Marta Lcia e Paulo de Jesus
prestaram um apoio incalculvel em boa parte dessa trajetria. difcil resumir em palavras a
amizade e carinho que sinto por ambos, bem como a contribuio por eles prestada para a
finalizao deste trabalho. Paulo foi ainda uma espcie de irmo mais velho, que sempre
esteve pronto para conversar sobre as dificuldades do mundo acadmico e da pesquisa em
Histria.
Para finalizar essa longa seo, passarei parte mais pessoal, destinada a lembrar do
carinho e do apoio dos familiares. Os meus sobrinhos Otvio, Gabriela e Lorena foram
garantia de descontrao e alegria nos momentos mais tensos da redao. Minhas irms
Tatiane e Luciana sempre estiveram prontas para contribuir. Os tios Pedro e Milza so
pessoas que sempre estiveram presentes e com quem posso contar a qualquer momento.
memria de minha tia e madrinha Raimunda do Socorro ,deixo saudosas lembranas.
Daniele mereceria um captulo a parte. Amiga, cmplice e companheira. Foi com ela
que compartilhei os problemas, as histrias, a ansiedade e os conflitos de todo o processo de
construo desse trabalho. Foi marcante o desprendimento e o interesse com que atendeu
todos os meus pedidos de ajuda. Ademais, demonstrou na maioria das vezes pacincia com os
meus momentos de desnimo e mau humor.
Finalmente, lembro a importncia de meus pais. O seu Jeovah no pde chegar at
aqui. Sei que estaria muito feliz. Dona Iracy, sem dvida, pelo seu amor incondicional por
tudo que ela fez e faz por seu filho merece muito mais do que qualquer outra pessoa a
dedicatria desta dissertao.

O trabalho a fonte de toda riqueza, afirmam os


economistas. Assim , com efeito, ao lado da
natureza, encarregada de fornecer os materiais que
ele converte em riqueza. O trabalho, porm,
muitssimo mais do que isso. a condio bsica e
fundamental de toda vida humana. E em tal grau
que, at certo ponto, podemos afirmar que o trabalho
criou o prprio homem.
Friedrich Engels.

RESUMO
A presente dissertao pretende discutir a trajetria dos petroleiros baianos nos
primeiros anos de sua histria. Nossa anlise partiu do incio da explorao do petrleo no
estado e foi concluda no ano de 1964, momento emblemtico para entendermos a
importncia que a categoria de trabalhadores e seus sindicatos adquiriram para a sociedade
local e nacional. A nossa ateno voltou-se, principalmente, para as relaes de trabalho e as
hierarquias e tenses sociais nela existentes. Observamos como a questo foi abordada e
internalizada pelos principais atores da trama e, por fim, analisamos as intervenes sindicais
nessa trama, marcada pelo dilema da crescente demanda pelos chamados interesses baianos
e pela emergncia da transformao da Petrobrs no grande smbolo de proteo nacional e de
seus trabalhadores em seus principais defensores.

ABSTRACT
This dissertation aims to discuss the Bahian petroleum workers during the first years
of their history. Our analysis starts in the early days of petroleum exploration in Bahia and
ends in 1964. This year is a landmark for the comprehension of how workers and their unions
became important both locally and nationally. Our focus was on labor relations with their
hierarchies and social tensions. We looked at how workers internalized and dealt with these
matters. Finally, we analyzed the union interventions, marked by the growing demand of the
so-called Bahian interests and by the transformation of PETROBRAS into the major
symbol of national protection and its employees as its main defenders.

LISTA DE IMAGENS
FIGURA 1

Mapa da Baa de Todos os Santos e do Recncavo..........................................24

FIGURA 2

Aspecto da construo da Refinaria de Mataripe em 1949..................................27

FIGURA 3

A Refinaria de Mataripe e no alto a bandeira nacional.....................................35

FIGURA 4

Petroleiros em seu momento de lazer................................................................62

FIGURA 5

O Petrolinho.......................................................................................................72

FIGURA 6

Aspecto interno de uma sala de operaes de Mataripe.......................................75

FIGURA 7

Rua da Vila de Mataripe....................................................................................88

FIGURA 8

Casa da Vila de Mataripe..................................................................................92

FIGURA 9

Trabalhadores da extrao de petrleo............................................................105

FIGURA 10 Trabalhadores da extrao comendo no capacete...........................................117


FIGURA 11 Osvaldo Marques de Oliveira..........................................................................122
FIGURA 12 Trabalhadores de Mataripe mobilizados na greve...........................................138
FIGURA 13 Reunio entre Mrio Lima, Francisco Mangabeira e Wilton Valena............154
FIGURA 14 Jairo Jos Farias...............................................................................................156

LISTA DE TABELAS
TABELA 1

Empregados por unidade da Petrobrs na Bahia (05/1964)..............................56

TABELA 2

Diviso

por

sexo

dos

associados

do

Sindipetro/Refino

Sindipetro/Extrao.................................................................................................58
TABELA 3

Distribuio de mulheres por funo na indstria do petrleo.........................59

TABELA 4

Estado de nascimento dos trabalhadores da indstria do petrleo....................63

TABELA 5

Nvel de instruo dos Associados do Sindipetro/Refino.................................69

TABELA 6

Distribuio dos filiados ao Sindipetro Refino segundo a categoria cor........71

TABELA 7

Relao de escolaridade entre os operadores da indstria do refino do

petrleo....................................................................................................................79
TABELA 8

Nvel de escolaridade dos trabalhadores lotados na Diviso de Obras.............85

TABELA 9

Nvel de instruo dos moradores das Vilas de Niteri, Mataripe e de todos os

associados do Sindipetro/Refino.............................................................................97
TABELA 10 Ano de entrada na empresa e filiao ao Sindipetro/Refino...........................129

SUMRIO
INTRODUO.......................................................................................................................14
CAPTULO 1:
A INDSTRIA DO PETRLEO E A BAHIA: PROJETOS EM DISPUTA
1.1

A extrao e a indstria petrolfera at a fundao da Refinaria de Mataripe.................18

1.2

Petrleo como questo nacional: O petrleo nosso e a Petrobrs..............................31

1.3

Petrleo como questo local: o regionalismo baiano.......................................................39

CAPTULO 2:
OS TRABALHADORES DO PETRLEO
2.1

Para o bem do Brasil: o operrio nacional e um projeto para sua formao....................48

2.2

Os homens a formar: os petroleiros baianos.................................................................54

CAPTULO 3:
MORADIA,

HIERARQUIAS

TENSES:

MUNDO

DO

TRABALHO

PETROLEIRO
3.1

A Refinaria de Mataripe e suas hierarquias de trabalho..................................................73

3.2

A face visvel das diferenas: moradia, alojamentos e transporte...................................87

3.3

O paternalismo e o nacionalismo: estratgias invisveis de dominao........................101

CAPTULO 4:
A TRAJETRIA DO SINDICALISMO PETROLEIRO EM SUA ERA DE OURO
4.1

Antes dos sindicatos: a imprensa comunista e os petroleiros........................................113

4.2

O nascimento dos sindicatos petroleiros e a construo de sua legitimidade................120

4.3

O sindicalismo petroleiro e as brechas do regionalismo................................................131

4.4

O caminho para as intervenes sindicais no mundo do trabalho.................................147

4.5

Auge, contradies e fim da era de ouro....................................................................154

CONSIDERAES FINAIS...............................................................................................167
REFERNCIAS BIBLIOGRFICAS................................................................................170
FONTES.................................................................................................................................177

INTRODUO

As atividades da indstria do petrleo na Bahia, originadas com o incio da extrao


do leo ainda no Estado Novo e a instalao da Refinaria de Mataripe, em 1950,
representaram um grande passo para o desenvolvimento econmico local. Elas traziam em seu
bojo um incremento tanto na produo industrial quanto na arrecadao de impostos do estado
e de seus municpios. Esse fato ampliou as expectativas locais em relao aos possveis
retornos que a prospeco e o refino do petrleo poderiam trazer sociedade local e
impulsionou um choque entre duas concepes, chamadas de regionalismo e nacionalismo.
Foi exatamente neste contexto que milhares de homens se incorporaram a um dos mais
importantes projetos governamentais para a industrializao nacional entre as dcadas de
1940 e 1950. Os trabalhadores do petrleo transformaram-se em poucos anos em um dos mais
destacados segmentos da classe operria e do sindicalismo baiano. Se no alvorecer da dcada
de 1950, eles eram uma fora poltica praticamente ignorada pelas pessoas que pautavam o
debate acerca dos rumos da indstria petrolfera brasileira, dez anos depois no era possvel
tratar do assunto sem levar em considerao os seus dois sindicatos. Os petroleiros viraram os
principais defensores de uma poltica de valorizao da estatal brasileira do petrleo, e
conseqentemente da ateno dessa empresa com o bem estar de seus funcionrios.
O nosso trabalho tenta debater algumas questes concernentes trajetria desses
operrios, tidos a princpio como pouco preparados para o trabalho para o qual haviam sido
contratados. O que se passou durante aqueles quinze anos na Bahia, desde que principiaram as
obras da Refinaria de Mataripe? Quem eram exatamente aqueles homens? Quais as relaes
entre o cotidiano de trabalho e a poltica sindical dos petroleiros? Como os trabalhadores
lidaram com o discurso nacionalista da empresa, que dissimulava a explorao capitalista
existente na indstria? Qual a posio do sindicalismo petroleiro diante das principais
correntes polticas que rondavam a Petrobrs no estado da Bahia durante as dcadas
estudadas?
Partindo da perspectiva da histria social do trabalho, concebemos que as aes
polticas de qualquer sindicato so influenciadas de forma contundente pelas relaes sociais
estabelecidas nos locais de trabalho. Ao mesmo tempo, no desprezamos as articulaes da
chamada alta poltica, que estabelece uma tensa relao com as demandas vindas do cho da
14

fbrica. Realizamos um esforo no sentido de equacionar esses dois campos da atuao


operria, tendo por base a formao da categoria petroleira na Bahia, e os primeiros anos de
atuao desses rgos de classe. Optamos pelas unidades da Petrobrs na Bahia, por
considerarmos que as empresas estatais criadas entre as dcadas de 1940 e 1950 formam um
campo privilegiado para a compreenso dessa tensa relao.
Para compreender o fenmeno baiano, partimos, assim, da bibliografia produzida no
mbito das Cincias Sociais sobre o mundo do trabalho nas empresas estatais. Diferentemente
dos casos da Companhia Mineradora Vale do Rio Doce, da Usina de Volta Redonda e da
Fbrica Nacional de Motores, a indstria do petrleo na Bahia contou com um elemento
adicional na sua trama: o forte crescimento de uma srie de demandas e reivindicaes que
questionavam o papel da empresa estatal no desenvolvimento econmico do estado. O
movimento regionalista competiu, portanto, com o nacionalismo como um definidor tanto da
identidade dos petroleiros quanto da ao de seus rgos de classe. Nossa anlise da ao
poltica dos sindicatos visa entender quais as relaes entre o quadro poltico regional e
nacional, as particularidades da fora de trabalho petroleira local e o sistema de poder e
privilgios montado na indstria em questo.
Para isso, levamos em considerao as especificidades do sindicalismo estatal, que
evitava um conflito direto com a empresa, preferindo o dilogo com seus dirigentes, pois os
sindicalistas entendiam que o fortalecimento das estatais resultaria numa ampliao dos
direitos e conquistas dos trabalhadores. Essa postura, no caso especfico analisado, trouxe
tenses e novas responsabilidades para os seus sindicatos, que tiveram de persuadir suas bases
acerca da eficcia da poltica que empregavam e ao mesmo tempo neutralizar a hostilidade
dos rgos de imprensa locais.
No primeiro captulo, contamos de forma sucinta como foram os primeiros passos e os
principais debates relacionados explorao do petrleo no Brasil e o desenrolar dos fatos
que resultaram na construo da Refinaria de Mataripe. Concentramos nossa ateno no clima
poltico nacional das dcadas de 1940 e 1950 para entendermos o motivo pelo qual foi tomada
a opo do monoplio estatal do petrleo no pas. Dentro deste debate, procuramos apontar
qual era a posio de importantes sujeitos da poltica baiana com o objetivo de melhor
compreender as expectativas dos polticos locais com relao s atividades ligadas indstria
petrolfera em terras baianas. Para fechar a seo, mapeamos as principais movimentaes do
movimento regionalista.
15

O segundo captulo mergulha na composio da fora de trabalho petroleira. Atravs


dos registros de filiao sindical, conseguimos traar um perfil dos petroleiros baianos, pondo
os dados obtidos atravs dessa fonte em comparao com os relatos orais, memorialistas e
observaes feitas na poca sobre esse grupo de trabalhadores. Apontamos, tambm, a
preocupao dos governantes brasileiros com a formao de um novo trabalhador nacional,
que precisaria ser preparado para a misso de construo de um Brasil grande, e como as
empresas estatais eram ponta de lana nesse projeto de formao.
No captulo seguinte, partindo das constataes iniciadas na anlise feita sobre a
composio social dos petroleiros, buscamos demonstrar que os gestores da empresa
adotaram nas relaes de trabalho um conjunto de diferenciaes internas que tinham por base
a origem social e regional dos funcionrios. Para isso, descrevemos o espao produtivo e as
hierarquias de trabalho na indstria do refino do petrleo e avanamos em uma anlise acerca
do sistema de moradia e transporte montado para servir aos trabalhadores de Mataripe. A Vila
Residencial de Mataripe e os alojamentos construdos para servir aos menos graduados so
analisados luz da bibliografia produzida sobre o tema no mbito nacional. Com isso,
tentamos perceber as semelhanas e diferenas entre o caso da refinaria e o de alguns outros
instalados no territrio nacional. Por fim, examinamos os mecanismos ideolgicos utilizados
para garantir o controle dos gestores sobre os trabalhadores. Analisamos como prticas
paternalistas e como um discurso de que o trabalho com o petrleo era fundamental para o
engrandecimento do pas puderam ser assumidos e ressignificados pelos servidores da
Petrobrs.
No ltimo captulo fazemos uma anlise da atuao sindical petroleira desde os
primeiros esforos para a sua fundao at o golpe civil-militar de 1964. Dialogamos com o
trabalho de Franklin Oliveira Junior1 para tentar responder algumas questes relacionadas
insero dos sindicalistas petroleiros, os quais aproveitando as brechas do regionalismo
aproximaram-se das lideranas polticas do perodo. Aproveitamos o consistente relato factual
feito pelo autor de Usina dos Sonhos para concentrar nossa ateno na interpretao da
construo da legitimidade dos representantes sindicais do refino do petrleo, bem como a
estratgia utilizada por eles para obter sucesso em seu primeiro movimento grevista; alm das
movimentaes sindicais

que levaram o jurista baiano Francisco Mangabeira ao posto

mximo da estatal.
1

OLIVEIRA JR., Franklin. A usina dos sonhos: sindicalismo petroleiro. Salvador: EGBA, 1996.

16

Terminamos a dissertao discutindo as possibilidades de enfrentamento e barganha


abertas aos petroleiros durante o perodo de 1962 a 1964, quando estes, atravs de seu
sindicato, estiveram muito prximo dos principais postos de mando da Petrobrs.
Por fim, cabe dizer que neste trabalho cruzamos diferentes tipos de fontes escritas com
entrevistas de histria oral. Ao longo do texto utilizamos livros, folhetos e informaes
colhidas na imprensa da poca. Recorremos tambm aos documentos sindicais e nesse campo
foi de grande importncia as atas de reunio de diretoria e assemblia do Sindipetro/Refino,
bem como os registro de associados deste sindicato e do Sindipetro/Extrao. A maior
dificuldade residiu, contudo, no acesso a fontes produzidas pela prpria empresa, pois alm
do acervo do CNP ainda estar em fase de organizao, a Petrobrs adota uma poltica de
proibio do acesso dos pesquisadores ao seu acervo documental, permitindo aos estudiosos
de sua histria a possibilidade de pesquisa somente nos livros das suas bibliotecas. O caminho
para a soluo desse impasse foi a pesquisa em acervos pessoais e nesse caso alm do apoio
dos prprios militantes, merece destaque o arquivo do General Arthur Levy, disponvel para
pesquisa no acervo do Centro de Pesquisa e Documentao de Histria Contempornea do
Brasil da Fundao Getlio Vargas (CPDOC-FGV), que forneceu boa parte das fontes
primrias relacionadas estatal que utilizamos em nossa dissertao.
J as fontes orais foram relevantes principalmente para a anlise de aspectos da vida
operria que no so expressos em documentos escritos. O dilogo com diversos atores da
trama social estudada nos possibilitou compreender com maior consistncia as apreenses,
perspectivas e sentimentos dos petroleiros. Ademais, elas ajudaram a preencher importantes
lacunas, pois a memria, tanto a coletiva da categoria quanto a individual de cada operrio,
tem um valor mpar para os estudos sobre a classe operria.

17

CAPTULO 1:
A INDSTRIA DO PETRLEO E A BAHIA: PROJETOS EM DISPUTA
Nossa Senhora da Penha, endireito o meu mulato
E lhe tire da cabea o ouro negro de Lobato
Ele j no tira samba e s fala nome ingls
Furou tanto que encontrou o rabicho de um
chins
Gastou toda a minha grana com a sua engenharia
Procurando em Cascadura o petrleo da Bahia...2

1.1 A EXTRAO E A INDSTRIA PETROLFERA AT A FUNDAO DA


REFINARIA DE MATARIPE

Pouco mais de um ano aps a sua fundao, a Refinaria de Mataripe era saudada pelo
peridico O Observador Econmico e Financeiro. A usina, situada no Recncavo baiano, foi
a primeira experincia estatal com o refino do petrleo, utilizando o leo extrado do prprio
Recncavo. Mataripe e os campos de extrao da Bahia cumpriram um papel relevante tanto
no cenrio social, econmico e poltico do pas quanto do territrio baiano, especialmente nas
dcadas de 1950 e 1960.
No Recncavo da Bahia de Todos os Santos, regio que desde os primeiros tempos
da colonizao tem sido teatro de fatos marcantes da histria nacional, foi erguida
uma moderna fortaleza econmica, marco inicial de uma nova etapa de nossa
atividade num dos mais importantes setores da atividade humana.
Uma fortaleza sem canhes e sem soldados, mas mesmo assim um baluarte. Ao invs
dos uniformes militares encontramos l os macaces dos operrios e as roupas civis
dos tcnicos, dos jovens tcnicos brasileiros. Todos eles, porm, sabem com
segurana qual a importncia da tarefa que lhes cumpre executar e o que ela
representa no quadro da prpria segurana nacional.3.

O sentimento expresso acima consistia em uma relevante mudana quando comparado


com a desconfiana reinante nos meses imediatos aps a sua fundao. As atividades com o
petrleo na Bahia deixavam de ser uma incgnita e tornavam-se uma realidade para todo o
pas. Contudo, para entendermos a sua histria e a histria de seus trabalhadores (o foco
principal deste trabalho), necessrio observarmos mesmo que de forma sinttica os
2

PEPE, Kid; NASSER, David. Candieiro, samba lanado em julho de 1939 e gravado por Carmem Miranda.
Apud: PETROBRS. Almanaque Memria dos trabalhadores da Petrobrs. Rio de Janeiro: Petrobrs; So
Paulo: Museu da Pessoa, 2003, p. 107.
3
A Refinaria de Mataripe. In: O observador econmico e financeiro, outubro de 1951, p. 3.

18

caminhos e os debates situados em torno da extrao e do refino do petrleo no territrio


nacional.
Essa histria pode ser iniciada no momento em que o ouro negro adquiriu importncia
fundamental para qualquer pas que desejasse empreender um processo de industrializao.
As sucessivas mudanas ocorridas na produo industrial fizeram com que ele substitusse o
carvo, tornando-se o combustvel mais importante para as indstrias modernas. No caso
brasileiro, a existncia de uma empresa com as caractersticas da Petrobrs monopolista,
criada e controlada pelo Estado, e considerada por parte significativa da opinio pblica como
defensora da soberania nacional diante das potncias capitalistas, mas tambm criticada por
muitos grupos, e quase privatizada h alguns anos atrs um sinal concreto da constituio
de uma arena poltica marcada por polmicas e debates candentes em torno da questo
energtica nacional. Esses debates permearam toda a histria da empresa, sobretudo nos seus
primeiros anos, e envolveram os mais diversos tipos de interesses.
A primeira destas polmicas antecede a explorao sob interveno estatal
propriamente dita, e esteve relacionada s discusses acerca da possvel existncia do petrleo
no territrio brasileiro. Existem verses que apontam as primeiras descobertas do combustvel
ainda no sculo XIX, mas nenhum desses episdios fortuitos garantiu a sua explorao
efetiva4. Tais esforos eram, porm, bastante espordicos e incipientes, uma vez que no
contavam com desenvolvimento tcnico adequado e os recursos eram bastante escassos. A
iniciativa governamental pioneira nessa rea pode ser considerada a criao, no governo
Afonso Pena (1906-1909), do Servio Geolgico e Mineralgico do Brasil, chefiado pelo
gelogo norte-americano Orville Derby. Mais tarde, no ano de 1917, foi criado um
departamento especfico para a pesquisa do petrleo, que no logrou xito pois a sua
existncia no garantiu o aumento de verbas, contando ele com os mesmos recursos exguos
at ento destinados ao Servio Geolgico e Mineralgico5.
A ascenso de Getlio Vargas ao poder reacendeu os debates, bem como representou
uma mudana de orientao dos poderes pblicos em relao questo das reservas minerais
brasileiras. A linha poltica centralizadora do novo governante transferiu esta discusso do
terreno estadual para o campo nacional. J em 1931, com a anulao da Carta Constitucional
4

PIMENTEL, Petronilha. Afinal quem descobriu petrleo no Brasil: das tentativas de Allport no sculo
passado s convices cientficas de Igncio de Bastos. Rio de Janeiro: Graphos Industrial Grfico, 1984. p. 14.
5
SMITH, Peter Seaborn. Petrleo e poltica no Brasil moderno. Editora Artenova: s/l. Editora da UNB:
Braslia, 1978, p.26.

19

de 1891, o governo trouxe para si o poder de autorizar a pesquisa e explorao dos recursos
minerais do pas. A reestruturao dos rgos governamentais, iniciada em 1933, atingiu
tambm o Ministrio da Agricultura e conseqentemente os setores responsveis pela busca
do petrleo. Nesse sentido, substituindo o Servio Geolgico e Mineralgico, foi criado em
1934, o Departamento Nacional de Produo Mineral, subordinado ao mesmo ministrio. O
novo rgo contou com as mesmas deficincias burocrticas e oramentrias presentes nas
experincias anteriores6.
O Cdigo de Minas, promulgado em julho de 1934, reforou as decises
centralizadoras de 1931. Segundo Cohn, essa reorientao representou uma novidade no
padro de administrao da mquina pblica brasileira, pois comeou a ocorrer uma
separao, nas prticas e na conscincia dos agentes sociais envolvidos, da atividade
burocrtica e da tcnica. Para o autor, os procedimentos anteriores da administrao pblica,
voltados para a sustentao de possibilidades de emprego para os membros da oligarquia
dominante, no se adequavam ao deslocamento do poder da zona rural para o plo urbanoindustrial, iniciado com a Revoluo de 19307. Tal novidade podia ser comprovada, conforme
atesta Smith, pela contratao de uma significativa quantidade de gelogos para virem
trabalhar no rgo recm criado8.
As reorientaes da mquina pblica e da postura governamental foram acompanhadas
pelo acirramento das polmicas acerca da existncia do ouro negro no territrio brasileiro. A
ausncia de respostas satisfatrias relacionadas ao assunto, associada ampliao do interesse
de setores da sociedade civil sobre o tema, fez com que particulares e tcnicos do governo
travassem intensos debates. Neste contexto foram fundadas algumas companhias particulares,
como por exemplo, a Companhia de Petrleo Nacional, pertencente a Edson de Carvalho, um
engenheiro agrnomo que obteve concesso para perfurar a regio de Riacho Doce, no estado
de Alagoas. Entretanto, um dos mais clebres personagens envolvidos nessa celeuma foi o
escritor Monteiro Lobato, diretor da referida empresa, que polemizou com os tcnicos do
governo, aps os mesmos afirmarem a inexistncia de petrleo na regio por ele pesquisada.
Monteiro Lobato travou, ento, uma luta franca contra as teses oficiais. Fundou, mais
tarde, a Companhia Petrleos do Brasil e concentrou suas atenes na busca do leo no
interior paulista. O principal argumento do literato, bem como daqueles que procuravam
6

COHN, Gabriel. Petrleo e Nacionalismo. So Paulo: Difuso Europia do Livro, 1968, p. 14.
Idem, p. 15.
8
SMITH, op. cit., p. 40.
7

20

petrleo revelia do governo federal, era de que os tcnicos estrangeiros contratados pelo
governo estavam ligados s grandes empresas petrolferas internacionais, e boicotavam,
portanto, a perfurao brasileira, j que no interessaria a elas abrir novos locais de
explorao, pois as jazidas j existentes satisfaziam o mercado consumidor mundial. Alm
disso, a inrcia dos rgos governamentais impedia qualquer avano na questo9. Para ele, os
rgos oficiais eram iludidos pela idia da inexistncia de petrleo no Brasil e acabavam no
perfurando e no deixando que os outros perfurassem10. No auge da polmica, em 1936, cinco
anos antes de ser preso por questionar as posies do governo, Monteiro Lobato publicou O
escndalo do petrleo. Para Whirth, este livro foi um marco na histria do nacionalismo
brasileiro. Seu estilo no se prendia a questes de ordens tcnicas, recorrendo
fundamentalmente ao apelo emocional. Com uma escrita firme utilizou um vocabulrio
eficaz para interpretar os sentimentos do pblico a respeito das companhias de petrleo
estrangeiras11.
Um ponto de inflexo nessa celeuma foi a conjuntura poltica mundial nos anos que
antecederam Segunda Grande Guerra. Setores do governo, j sob o Estado Novo,
entenderam que o Departamento Nacional de Pesquisas Minerais, em virtude do seu carter
excessivamente burocrtico, no dava conta do empreendimento em questo. Crculos
militares, que j vinham h algum tempo participando dos debates acerca da existncia ou no
de petrleo no Brasil, apontaram, atravs do chefe do Estado-Maior do Exrcito, General Gis
Monteiro, para a possibilidade de suspenso do fornecimento de gasolina e leo diesel por
conta da guerra iminente. Esse problema aconteceria justamente num momento de incremento
da malha rodoviria brasileira e da conseqente ampliao do consumo de combustveis. Com
efeito, logo ficou evidente a necessidade da criao de um rgo livre das caractersticas
burocrticas presentes naquele Departamento, que pudesse garantir o abastecimento nacional
de petrleo, mesmo que em carter emergencial, durante o conflito mundial que se
prenunciava12. Em abril de 1938, foi criado, portanto, o Conselho Nacional do Petrleo
(CNP), rgo responsvel por regular e decidir as principais questes relacionadas extrao,
refino e abastecimento do combustvel no territrio brasileiro. Seu principal trunfo era a
autonomia administrativa e financeira, pois estava ligado de forma mais imediata ao prprio
presidente da repblica, tendo financiamento prprio e independente das dotaes
9

Idem, p. 41-49.
WHIRTH, John D. A poltica do desenvolvimento na Era Vargas. Rio de Janeiro: Fundao Getlio Vargas,
1973, p. 121.
11
Idem, p. 126.
12
COHN, op. cit., pp. 47-48.
10

21

oramentrias ministeriais. Foi nessa conjuntura de centralizao e racionalizao das aes


do poder federal no campo econmico que a Bahia passou a ocupar um lugar estratgico para
a poltica nacional do petrleo.
No final de 1932, o engenheiro baiano Manoel Igncio de Bastos, intrigado aps saber
que muitos moradores da regio de Lobato, subrbio de Salvador, utilizavam uma espcie de
leo, retirado do prprio quintal, para acender seus candeeiros, comeou a pesquisar e
localizou infiltraes de petrleo no bairro. Comunicou aos tcnicos do Ministrio da
Agricultura a sua descoberta, mas estes a desqualificaram, chegando a acus-lo de ter jogado
leo no poo. Desiludido com a posio do rgo oficial, Bastos procurou o presidente da
Bolsa de Mercadorias da Bahia, Oscar Cordeiro. Apesar do apoio de Cordeiro, o Ministrio
continuou, baseado em um levantamento datado de 1932, rejeitando a suposta descoberta de
Bastos, pois considerava a geologia do local imprpria ocorrncia de petrleo13.
Apesar dos reveses junto s autoridades oficiais, Bastos permaneceu insistindo na
necessidade de se fazer um estudo mais detalhado da geologia do Lobato. Por conta disso, no
incio de 1934, foi enviado ao local o gelogo Victor Oppenheim, que reiterou a posio
anterior do Ministrio da Agricultura. O descrdito acerca das afirmaes de Cordeiro s
comeou a ruir no ano de 1936, quando Glycon Paiva, Irnack Carvalho do Amaral e Slvio
Fres Abreu fizeram um levantamento geolgico do Recncavo baiano e concluram que o
territrio era de fato favorvel acumulao do leo14. Depois da longa insistncia de
Cordeiro e do apoio obtido junto aos profissionais acima citados, o recm criado CNP enviou
equipes de perfurao ao Lobato, conseguindo, enfim, em janeiro de 1939 trazer petrleo
superfcie.
A descoberta foi recebida com grande empolgao e animou as autoridades brasileiras.
O chefe do Estado Novo visitou a Bahia no mesmo ano de 1939 e constatou a importante
descoberta ocorrida no subrbio de Salvador. A partir da, o recm criado CNP comeou a
pesquisar a estrutura do subsolo do Recncavo Baiano em busca de novos campos
petrolferos. Naquela mesma regio, na cidade de Candeias, foi encontrado o primeiro poo
brasileiro de carter comercial, mas a deflagrao da II Guerra Mundial dificultou as aes
do poder pblico, comprometendo ao mesmo tempo o abastecimento de combustvel, bem

13
14

SMITH, op. cit., p. 39.


Idem, p. 47.

22

como a importao de sondas e demais materiais necessrios pesquisa e explorao de


petrleo no pas.
Mesmo assim, o principal horizonte das atividades do CNP tornou-se, a partir de
ento, buscar a consolidao da Bahia como um ponto produtor de petrleo em grande escala.
Turmas de Geologia e Geofsica, compostas por brasileiros e estrangeiros, empenharam-se
neste trabalho. No final de 1941, por um lado, j havia sido constatado que o campo de
Lobato no tinha carter comercial, mas por outro, foram localizados, no Recncavo da
Bahia, trs outros campos petrolferos: Aratu, Candeias e Itaparica.
Contudo, seu desempenho a princpio no foi animador. Segundo Smith, no final de
1943, a produo nacional, concentrada exclusivamente em territrio baiano, atingiu a
quantidade de 300 barris dirios, cerca de 1% do consumo nacional15. Em dezembro de 1946,
segundo relatrio apresentado pelo gelogo Avelino Igncio de Oliveira, a situao
comeava, no entanto, a melhorar, pois 93 poos haviam sido perfurados no estado e Candeias
apareceu, ento, como a principal produtora do leo no pas, com um total de 3.590 barris por
dia, dos 4.200 produzidos em todo o Recncavo16. Os resultados animaram a muitos e no
tardaram a ocorrer visitas de diversas autoridades, sobretudo polticos e militares, para
presenciar os trabalhos de extrao. Desse aumento de produo, tambm, surgir mais tarde
o projeto de construo da primeira refinaria de petrleo administrada pelo CNP.
O Recncavo baiano, regio que passava a abrigar a indstria de extrao de petrleo,
havia sido fundamental no processo de colonizao do Brasil. De acordo com Costa Pinto,
tratava-se de um local dedicado tradicionalmente ao cultivo monocultor de gneros tropicais,
pesca e agricultura de subsistncia, marcado por uma grande diversidade e que teve a
Bahia de Todos os Santos e a cidade de Salvador centro administrativo e consumidor
como pontos que garantiram regio o seu carter unificado e uma certa identidade social e
econmica17. Antes da explorao de petrleo, a regio subdividia-se em cinco reas: zona da
pesca e do saveiro; zona do acar; zona do fumo; zona da agricultura de subsistncia; zona
urbana de Salvador. A descoberta do petrleo configurou, no entanto, um novo quadro,
praticamente inesperado. Os terrenos antes ocupados pelos canaviais comearam a ceder
15

Idem, p. 60.
OLIVEIRA, Avelino Igncio de. Pesquisas de petrleo no Estado da Bahia. Rio de Janeiro: Ministrio da
Agricultura, 2 ed, 1947, p. 14.
17
PINTO, Luiz de Aguiar Costa. Recncavo: laboratrio de uma experincia humana. In: BRANDO, Maria
Azevedo (Org.). Recncavo da Bahia: sociedade e economia em transio. Salvador: Fundao Casa de Jorge
Amado; Academia de Letras da Bahia; Universidade Federal da Bahia, 1998, pp. 103-107.
16

23

espao a tratores, sondas e tonis, surgindo da, ainda de acordo com a anlise feita por Costa
Pinto em 1953, a sexta subrea do Recncavo: a zona do petrleo18.
Essa zona o Recncavo do Petrleo era, no entanto, diferente geograficamente do
Recncavo tradicional. Tratava-se de uma rea bem maior, que compreendia tambm as ilhas
da Baa de Todos os Santos e chegava at as cidades de Corao de Maria e Inhambupe.
Atingia, assim, alm das cinco reas demonstradas por Costa Pinto, fazendas de pecuria
(Corao de Maria), entrepostos comerciais e de transportes (Alagoinhas e Catu) e at mesmo
reas de veraneio (Ilha de Itaparica)19.
Figura 1:
Mapa da Baa de Todos os Santos e do Recncavo

Fonte: O observador econmico e Financeiro A Refinaria de Mataripe outubro


de 1951, p. 04.

A introduo desse novo ramo econmico representou para a Bahia muito mais do que
uma sutil mudana de produto cultivado, muito comum em zonas de agricultura exportadora.
18

Idem, pp. 108-109.


BARROSO, Geonsio de Carvalho. A Petrobrs e o Recncavo Baiano. Rio de Janeiro: s/e, 1956, p. 14.
AZEVEDO, Thales de. O advento da Petrobrs no Recncavo. In: BRANDO, Maria Azevedo (Org.).
Recncavo da Bahia: sociedade e economia em transio. Salvador: Fundao Casa de Jorge Amado;
Academia de Letras da Bahia; Universidade Federal da Bahia, 1988, pp. 191-192.
19

24

Seu significado maior estava nas possibilidades abertas s elites baianas. Estas passaram a
antever, a partir da explorao petrolfera, a possibilidade de deixarem de lado a decadncia
vivida nos ltimos cem anos e voltarem cena, no comando de uma das unidades estaduais
mais ricas e prsperas do pas. Na verdade, para alguns segmentos da sociedade local, a
confirmao da existncia de petrleo era uma espcie de retorno s origens gloriosas. A
Bahia, bero do pas, primeira capital da Colnia, tinha, agora, a honra da primazia na
produo do to sonhado ouro negro. Isso ter conseqncias polticas, conforme veremos
adiante.
Voltando s iniciativas do Conselho Nacional do Petrleo, cabe ressaltar que nos anos
de 1943 e 1944, ainda durante o Estado Novo, foram construdas duas pequenas destilarias,
localizadas em Aratu e Candeias, com capacidade de refinar cada uma 150 barris de petrleo
por dia. A construo de ambas pode ser explicada pelo aumento do consumo de combustveis
conjugado queda na importao, decorrente da II Guerra Mundial.
Essas destilarias eram unidades acanhadas, com pouca tecnologia e operando em
carter experimental. Sua meta era suprir apenas as necessidades de consumo do CNP,
fornecendo combustvel para as torres de sondagem e os caminhes que ali operavam20. A
construo foi, inclusive, improvisada. Eugnio Antonelli ao receber a incumbncia de
construir a destilaria disse ao seu chefe, o engenheiro Nlio Passos, que sequer sabia por onde
comear. A resposta do seu superior veio prontamente e foi a seguinte: voc j viu um
alambique de cachaa, j? Pois . aquilo mesmo com algumas modificaes. Sem
nenhuma experincia e contando ainda com materiais reaproveitados de locomotivas
adquiridas em Santo Amaro, as destilarias foram construdas e entraram, de fato, em
operao21. A unidade de Candeias atendia a uma demanda importante, pois em funo da m
qualidade das estradas e dos atoleiros nas pistas era muito comum os campos de produo
pararem por causa dos atrasos no recebimento de combustvel. Segundo Eunpio Costa, aps
a construo da destilaria de Candeias, no houve mais nenhuma parada nos campos por falta
de combustvel22.
No sabemos exatamente quando a destilaria de Candeias deixou de funcionar, mas
em 1949 a pequena unidade de Aratu ainda estava em funcionamento, processando durante
20

SMITH, op. cit., p. 63.


COSTA, Eunpio Cavalcanti. No rio dos papagaios: histria, casos e causos mataripenses. Salvador: Grfica e
Editora Arembepe, 1990, p. 45.
22
Idem, p. 48.
21

25

todo aquele ano cerca de 10.660 barris de petrleo23. Essa experincia com a destilao, pode
ser considerada como o primeiro contato com o refino e o processamento de petrleo sob
controle estatal em territrio brasileiro. Entretanto ela seria logo suplantada por iniciativas
mais ambiciosas.
Aps o fim do Estado Novo, sob o governo do General Eurico Gaspar Dutra, decidiuse criar a primeira refinaria estatal de petrleo de grande porte. De forma ainda muito tmida,
uma vez que a meta traada pelo presidente privilegiava a atrao de capitais privados
nacionais ou estrangeiros , foi instituda, em outubro de 1946, a Comisso de Constituio da
Refinaria, presidida por Mrio Leo Ludolf, engenheiro e membro do plenrio do Conselho
Nacional do Petrleo, rgo responsvel por viabilizar e construir a Refinaria Nacional de
Petrleo S/A. Um ano depois, em novembro de 1947, o CNP e a empresa estadunidense M.
W. Kellog assinaram contrato para a construo de uma refinaria com capacidade inicial de
processamento de 2.500 barris por dia, a mesma produo comprovada dos campos do
Recncavo.
De acordo com o contrato, a Kellog ficaria responsvel por projetar e supervisionar a
construo e operao inicial da refinaria24. Ficou estabelecido ainda que alguns tcnicos e
engenheiros brasileiros seriam enviados aos Estados Unidos para serem preparados a auxiliar
a obra e comandar a operao da refinaria aps o trmino do trabalho da empresa
contratada25. O primeiro profissional enviado foi o qumico Carlos Eduardo Paes Barreto,
responsvel por tomar parte, durante dois anos, de todos os detalhes do projeto de montagem
da refinaria, acompanhar a produo dos equipamentos que estavam sendo construdos, e
conhecer os mtodos de refino de petrleo realizados por importantes refinarias norteamericanas. Pouco tempo depois, Paes Barreto recebeu a ajuda de mais quatro funcionrios
enviados pelo CNP26.
Inicialmente os planos traados no deslancharam. Devido demora na liberao de
recursos federais, o ano de 1948 foi pouco proveitoso para as obras, fato que acabou
impedindo a efetivao dos planos traados no ano anterior. Esse descompasso entre os
23

Conselho Nacional de Petrleo. Relatrio de 1949. Rio de Janeiro. S/e, 1950, pp 146-147.
Carta da Comisso Constituio da Refinaria Nacional de Petrleo endereada, em junho de 1947, a Bennet
Archambault (diretor da Kellog).
25
MATTOS, Wilson Roberto. O sonho da autonomia energtica. In: MATTOS, Wilson Roberto (et. alli).
Uma luz na noite do Brasil: Refinaria Landulpho Alves 50 anos de histria. Salvador: Solisluna Design e
Editora, 2000, p. 54.
26
BARRETO, Carlos Eduardo Paes. A saga do petrleo brasileiro: a farra do boi. So Paulo: Nobel Editora,
2001, p. 23.
24

26

planos e a ao pode ser explicado pela j mencionada prioridade do governo Dutra em buscar
capitais privados para a construo de refinarias. No entanto, a oposio de vrios setores a
essa orientao governamental, e ao mesmo tempo, a timidez com que os empresrios se
voltavam para tal negcio, obrigaram o presidente a, atravs do plano SALTE (Sade,
alimentao, transporte e energia), dedicar, enfim, maior ateno e tambm maiores
investimentos questo do refino do petrleo27.
Figura 2:
Aspecto da construo da Refinaria de Mataripe em 1949

Fonte: O observador econmico e Financeiro A Refinaria de Mataripe outubro de 1951, p. 07.

Isso fez com que o ano seguinte fosse decisivo para as obras de edificao da
Refinaria Nacional de Petrleo. De acordo com o Relatrio do CNP de 1949, a situao no
referido ano era a seguinte: o projeto de construo estava praticamente elaborado; os projetos
de edifcios, vila operria, instalaes eltricas, adutora de gua, tanques, etc haviam sido
iniciados; tinham comeado a ser comprados nos Estados Unidos os materiais projetados pela
Kellog; os primeiros materiais especializados haviam chegado; a drenagem e o preparo do
terreno estavam concludos28. Podemos, a partir dessas informaes, inferir que existiam
vrios projetos em andamento, mas que nenhum deles a exceo da terraplanagem j
tivera a sua execuo iniciada naquele momento.
27
28

COHN, op. cit., pp. 125-126.


Conselho Nacional de Petrleo. Relatrio de 1949. Rio de Janeiro: S/e, p 60.

27

As obras comearam efetivamente aps a compra da Fazenda Barreto, situada entre as


localidades de Candeias e So Francisco do Conde. Segundo Eunpio Costa, o terreno
escolhido atendia a trs necessidades: localizao prxima aos campos de produo;
facilidade de transportes, por conta de um pequeno porto situado em suas proximidades; e
abastecimento de gua doce29. Entretanto, um fato chama ateno, pois se a refinaria em
construo tinha um acesso tranqilo rea de produo, no podemos dizer o mesmo em
relao cidade de Salvador. As distncias de 40 km por via martima e 60 km por via
terrestre eram relativamente pequenas, mas a falta de estradas e de meios de transportes
eficientes transformavam a ida a Mataripe uma grande e problemtica aventura30.
Para enfrentar este problema, a empresa construiu vilas operrias e alojamentos para
os trabalhadores. Tal iniciativa no foi realizada apenas junto s obras da refinaria, j que nos
campos de extrao tambm foram feitos diversos alojamentos e alugadas casas pela empresa,
em virtude da chegada de trabalhadores de variados pontos do estado e que no tinham onde
morar. Esse fato imprimiria s relaes de trabalho na indstria do petrleo no estado da
Bahia uma caracterstica marcante, pois conforme veremos adiante a presena da vila
operria e a concesso de tipos diferenciados de moradia influenciaro de modo marcante os
conflitos cotidianos e a prpria ao dos sindicatos que sero fundados um pouco mais tarde.
A construo da refinaria certamente no foi um empreendimento fcil. Em minuta
enviada por Mrio de Leo Ludolf Companhia Brasileira de Engenharia no dia 3 de
novembro de 1949, o CNP manifestou seu temor de no conseguir concluir o projeto no final
do ano seguinte31. Parece-nos que a Companhia foi responsabilizada pelos atrasos na obra,
uma vez que os dirigentes da Comisso fizeram questo de assinalar que aps a sada da
empresa, a construo acabou sendo acelerada, ocorrendo um grande surto [...] no
desenvolvimento das obras aps novembro de 194932. Foi o momento em que os homens do
CNP e da Comisso decidiram trazer para si o controle dos rumos da construo. Encontraram
como alternativa a reviso do acordo com a Companhia e buscaram profissionais
especializados junto Kellog a fim de tornar possvel a concluso da montagem da Refinaria
de Mataripe at fins de 195033. Com isso, aps a realizao dos entendimentos, que
29

COSTA (1990), op. cit., p. 64.


MATTOS, op. cit., p. 55.
31
Apesar do projeto de montagem da Refinaria de Mataripe ter sido confiado Kellog, o Conselho Nacional do
Petrleo abriu uma licitao para a execuo das obras de engenharia civil. A Companhia Brasileira de
Engenharia ganhou a licitao, mas enfrentou vrios problemas na realizao dos trabalhos.
32
Conselho Nacional de Petrleo. Relatrio de 1949. Rio de Janeiro: S/e, p 61.
33
Minuta enviada CBE em 03/11/1949. CPDOC: AL cnp 1945.07.31, documento III22, folha1.
30

28

resultaram na resciso do contrato, o CNP assinou com a Kellog, no mesmo ms de


novembro, um ajuste adicional ao contrato de 1947 que garantiu a chegada de mais 13
tcnicos Bahia, todos eles vindos dos Estados Unidos34.
Apesar dos problemas relacionados falta de mo-de-obra especializada, 1949 foi
considerado um ano proveitoso. De acordo com o j citado relatrio, todo o material de
montagem e funcionamento da refinaria j se encontrava em Mataripe, boa parte das unidades
j estava em adiantado estgio de construo e os servios de apoio (refeitrio, alojamento de
pessoal, e ambulatrio) j estavam concludos35. Por outro lado, na outra frente de
industrializao do petrleo na Bahia, a rea de extrao, comandada pelo Servio Regional
da Bahia, tambm aconteciam avanos considerveis. No final do ano, haviam sido
perfurados um total de 170 poos de petrleo, a produo atingia a cifra de pouco mais de 109
mil barris, e ao mesmo tempo existiam expectativas de que ao fim de 1950 a capacidade total
de produo fosse ampliada casa de 12.000 barris dirios36. Essa previso otimista no se
confirmou no ano seguinte, pois embora a produo total daquele ano tivesse triplicado, ainda
estava muito longe de atingir sequer os 2.500 barris dirios necessrios ao funcionamento de
Mataripe37.
Cerca de mil e cem pessoas trabalhavam nas obras de Mataripe, no incio de 1950. No
momento de maior concentrao de pessoal, entre os meses de fevereiro e junho, chegaram a
trabalhar na construo cerca de mil e quatrocentos homens38. Na extrao os nmeros
atingidos entre mensalistas, diaristas e pessoal para obras ao final do mesmo ano eram de mil
quinhentos e setenta e cinco, superando os mil duzentos e setenta e sete homens presentes ao
final de 194939. Eram eles funcionrios do CNP e de firmas brasileiras por ele contratadas
para acelerar os trabalhos de extrao de petrleo bem como a construo daquela que era
considerada a primeira refinaria moderna do pas, pois as unidades de refino particulares
existentes em So Paulo e no Rio Grande do Sul no contavam com o aporte tecnolgico
presente em Mataripe. Ressaltava ento o CNP, antecipando em certa medida o tom
34

Conselho Nacional de Petrleo. Relatrio de 1949. p 61. As funes dos tcnicos eram as seguintes: 2
topgrafos, 2 montadores de tubulaes, 1 especialista em assentamento de tubulaes, 1 mestre soldador, 1
especialista em eletricidade e instrumentos de controle, 1 especialista em refratrios, 3 especialistas em elevao
de carga e estruturas pesadas, 1 encarregado de materiais especializados e 1 especialista em guindaste.
35
Conselho Nacional de Petrleo. Relatrio de 1949. p 60.
36
Idem, pp. 12-13.
37
Conselho Nacional de Petrleo. Relatrio de 1950. Rio de Janeiro: S/e, 1951, p 11.
38
Idem, p. 71.
39
Idem, p. 210. Estavam computados tambm dentre os servidores do Servio Regional da Bahia os homens
envolvidos nos trabalhos no Maranho e em Alagoas. Deduzimos, porm, pela timidez dos trabalhos realizados
naqueles estados, que estes no representavam sequer 10% do total de empregados.

29

triunfalista e nacionalista que se tornaria marcante no discurso oficial sobre as atividades do


petrleo, que todos estes tcnicos e operrios brasileiros e estrangeiros trabalharam sob a
coordenao de engenheiros, qumicos e tcnicos nacionais, cabendo aos elementos da M.
W. Kellog Company somente a funo de assistentes do trabalho40.
Esse grupo de tcnicos e engenheiros pioneiros, exaltado pelo CNP, ficou conhecido
como a turma do murro, termo que faz aluso direta dedicao que este grupo
demonstrou na indita tarefa de construo de uma moderna refinaria de petrleo41. Eram
eles: o qumico Carlos Eduardo Paes Barreto, primeiro superintendente da refinaria; Roque
Consane Perroni, engenheiro qumico que viria a substituir Barreto no cargo de
superintendente em 1953; Derek Herbert, engenheiro da Escola Politcnica; Edgard Azevedo
Moreira, militar da reserva, responsvel pela segurana industrial e pelo setor de vigilncia da
refinaria; Petrneo Area Leo, especializado em mecnica fina; Nivaldo Prado Fontes, Mrio
Lisboa Sampaio e Ansio Lage Filho, todos eles engenheiros chefes de setor42.
Apesar do clima de otimismo apresentado no relatrio de 1950, as autoridades
brasileiras no se mostraram muito confiantes no sucesso do empreendimento que estava
sendo realizado em Mataripe. A primeira prova disso que a duplicao da capacidade de
refino da usina, prevista desde o incio de sua construo, s foi oficialmente confirmada em
dezembro de 1950, com a assinatura de mais um termo aditivo ao contrato original de 1947.
Alm do mais, importante notar que no houve uma inaugurao oficial da refinaria. No
incio do ms de setembro, ao ser entrevistado pela equipe do jornal Dirio de Notcias, Pedro
Moura, responsvel pela superviso da obra, desconversou acerca da inaugurao, dizendo
que muito embora a refinaria estivesse com certeza pronta ainda naquele ms, a data da
inaugurao oficial estava a critrio das convenincias do CNP43. Na verdade, a operao da
usina principiou sem alarde, quase s escondidas, no suscitando maior ateno sequer da
imprensa baiana, que vinha saudando a sua construo como fator preponderante no impulso
que seria dado economia tanto da Bahia quanto de outros estados do Nordeste44. Sobre o
evento o silncio foi mesmo total. Nenhum dos rgos da imprensa escrita soteropolitana
noticiou o incio dos trabalhos da Refinaria de Mataripe, que passou batido, ignorado por
quase todos.
40

Conselho Nacional de Petrleo. Relatrio de 1950. p. 72.


MATTOS, op. cit., p. 55.
42
BARRETO, op. cit., pp. 28-29.
43
Dirio de Notcias: 05/09/1950, p. 08.
44
Dirio de Notcias: 02/09/1950, p. 02.
41

30

A nica manifestao festiva por conta do evento ocorreu na cidade de So Francisco


do Conde. De acordo com Paes Barreto, na antevspera do incio da operao da refinaria,
bateu em sua porta um desconhecido de chapu de palha, trajado simplesmente de cala e
camisa. Tratava-se do funcionrio responsvel pela coleta do imposto nico sobre
combustveis produzidos no Brasil. Indagou ao qumico, enquanto tomava o tradicional
cafezinho, se o mesmo estava ciente da existncia do imposto e de que forma realizaria o
pagamento, caso os trabalhos comeassem, realmente, naquele ms de setembro. Sem
pestanejar, Paes Barreto lhe respondeu que a refinaria entraria em operao. Alm disso, que
o pagamento do imposto seria feito em cheque e que, em apreo visita, fazia questo de
entreg-lo pessoalmente. Em 19 de setembro, dois dias aps o incio da produo de
combustveis da Refinaria de Mataripe, ele saiu, ento, a cavalo, com o chefe da segurana
industrial e dois guardas da refinaria. Chegando em So Francisco do Conde, foi recebido
com banda no coreto e fogos de artifcio45.
Em dezembro, os derivados de petrleo produzidos pela recm-construda refinaria
foram entregues s distribuidoras, e 8.935 barris de gasolina e 900 de leo diesel foram
remetidos ao Rio de Janeiro atravs de um navio pertencente ao Ministrio da Marinha46. Esse
combustvel serviu, certamente, solenidade oficial de inaugurao, enfim realizada na
capital da Repblica, no dia 15 do mesmo ms, quando dois contra-torpedeiros da Marinha de
Guerra brasileira demonstraram o aproveitamento dos produtos de Mataripe. Na ocasio, o
engenheiro Joo Carlos Barreto, presidente do CNP, ressaltou a importncia do feito e a
dedicao dos tcnicos envolvidos no trabalho47. Estava, assim, inaugurada a Refinaria de
Mataripe. Os incrdulos haviam se convencido de que ela funcionava de fato.

1.2 PETRLEO COMO QUESTO NACIONAL: O PETRLEO NOSSO,


E A CRIAO DA PETROBRS

A campanha em defesa do monoplio estatal do petrleo esteve diretamente


relacionada reorientao dos rumos do Conselho Nacional do Petrleo, iniciada ainda em
45

BARRETO, op. cit., p. 29-30.


Conselho Nacional de Petrleo. Relatrio de 1950. p. 72.
47
Ata da 612 sesso ordinria do Conselho Nacional do Petrleo, realizada em 28/12/1950. CPDOC: AL cnp
1945.07.31, Doc. IV5, folhas 1-3.
46

31

1943, e que teve seu auge no governo do general Dutra. A troca do general Horta Barbosa
um notrio defensor do monoplio estatal do petrleo pelo general Joo Carlos Barreto na
direo do CNP foi um importante ponto de inflexo na postura do rgo. A tendncia
acentuou-se ainda mais nos anos ps Estado Novo.
Como j referido, o governo Dutra procurou atrair o capital privado e se afastar da
soluo estatal para o problema do petrleo. Essa orientao, anunciada em 1943 e reforada
pelo novo texto constitucional brasileiro, aprovado em 1946, teve o seu argumento central
apresentado por Joo Carlos Barreto, atravs da Exposio de Motivos n 2558 de 6 de maio
de 1945. Segundo nos aponta Cohn, os dirigentes do rgo acreditavam que nem o Estado
nem a burguesia brasileira possuam o capital, a tecnologia e os recursos humanos necessrios
para resolver o problema nacional do petrleo. Alm do mais, existiria uma tendncia de
investimentos estrangeiros diretos serem feitos em pases com grande potencial natural, como
era o caso do Brasil. Desse modo, a principal diretriz sugerida pelo CNP foi a abertura do
direito de explorao e refino do petrleo a particulares, no havendo restrio presena de
capitais estrangeiros nas empresas que obtivessem permisso do governo federal para
participar das atividades petrolferas48.
Ainda segundo Cohn, as idias apresentadas no documento evidenciaram o
fortalecimento da influncia dos empresrios privados locais e estrangeiros e mesmo de
homens que de dentro do aparelho do Estado advogavam a necessidade de uma liberalizao
da poltica do petrleo. Esses pressupostos, como veremos a partir de agora, ficaro melhor
definidos no Anteprojeto do Estatuto do Petrleo, enviado ao Congresso por Dutra em
fevereiro de 1948. Neste documento, o presidente da repblica buscou adaptar a poltica de
explorao mineral do pas aos preceitos garantidos na Constituio de 1946, entregando as
diretrizes dessa mudana deciso do Legislativo, que deveria, atravs do debate poltico,
escolher qual seria a melhor soluo para o problema.
Devemos apontar, entretanto, que o quadro poltico do governo Dutra abriu pouco
espao para as discusses entre os parlamentares, uma vez que o forte apoio construdo pelo
governo, atravs da coligao PSD-UDN, diminuiu consideravelmente a possibilidade de
expresso das divergncias polticas no legislativo. Assim, o que na verdade obrigou o
presidente a ter mais cautela, foi o contorno que a questo do petrleo acabou adquirindo fora

48

COHN, op. cit., pp. 75-77.

32

dos crculos polticos convencionais, sobretudo, aps a divulgao das discusses entre Juarez
Tvora e Horta Barbosa, patrocinada pelo Clube Militar.
Essa instituio, como demonstra Martins Filho, democratizou suas discusses, aps
1945, transformando-se em verdadeira vlvula de escape para os debates dos grandes temas
nacionais. Entre estes estava, evidentemente, a questo do petrleo, primeiro grande tema
por ele discutido, numa demonstrao clara de que os militares no circunscreviam suas
polmicas aos seus crculos mais fechados, mas, pelo contrrio, procuravam sensibilizar
outros setores sociais em prol das causas por eles defendidas. Os debates do Clube Militar
demonstraram, ainda, que havia duas tendncias disputando o controle da instituio: os
nacionalistas, entre os quais possvel enquadrar o General Horta Barbosa, e os
antinacionalistas, grupo que contava com a participao de Juarez Tvora. Martins Filho
distingue estas duas correntes do seguinte modo:
A primeira (...) tinha como marca registrada a defesa da industrializao do pas com
caractersticas autnomas, posicionando-se de forma abertamente crtica contra o
papel dos trustes internacionais e contra uma poltica externa de alinhamento com
os Estados Unidos. O segundo grupo (...) defendia uma postura favorvel tanto em
relao participao do capital estrangeiro na industrializao do pas, quanto
aliana com os Estados Unidos no plano da guerra fria.49

Juarez Tvora foi o primeiro conferencista convidado. Sua anlise partia do


pressuposto de que a estratgia at ento adotada pelo CNP fora mal sucedida, o que mostrava
a necessidade de se buscar a colaborao do capital internacional. O militar entendia que a
nova conjuntura poltica e econmica internacional aproximava o pas dos Estados Unidos, e
que esta grande potncia dispunha exatamente daquilo que faltava aos brasileiros: recursos
financeiros e tcnicos para a explorao do petrleo. Alm disso, os Estados Unidos temiam a
falta de petrleo no caso de uma guerra. Assim, da mesma forma que fizeram em relao ao
ao, quando da conjuntura da II Guerra Mundial, teriam grande interesse estratgico em
explorar as reservas petrolferas brasileiras. Portanto, para o Brasil, restava a opo de se aliar
ao capital privado norte-americano, pois s atravs dessa aliana poderia garantir a sua
segurana nacional.
A posio nacionalista diversa de Horta Barbosa j era em grande medida conhecida
da sociedade brasileira, desde a sua participao no comando do CNP. No foi por acaso a sua
49

MARTINS FILHO, Joo Roberto. Foras Armadas e poltica, 1945-1964: a ante-sala do golpe. In:
FERREIRA, Jorge; DELGADO, Luclia de Almeida Neves (Orgs.). O Brasil Republicano (vol.3): o tempo da
experincia democrtica da democratizao de 1945 ao golpe civil-militar de 1964. Rio de Janeiro: Civilizao
Brasileira, 2003, pp. 112-113.

33

escolha para refutar os argumentos de Tvora. Para o ex-presidente daquele rgo


governamental era quase impossvel a conciliao dos interesses nacionais de um pas
subdesenvolvido com os das grandes empresas multinacionais de petrleo, ento chamadas de
trustes. A seu ver, a soluo para o problema passava, inevitavelmente, pelo monoplio estatal
do petrleo.
Se a idia dos dirigentes do Clube Militar era levar o debate sociedade, eles foram
muito bem sucedidos. Em abril de 1948 foi criado na cidade do Rio de Janeiro, em cerimnia
realizada na sede do Automvel Clube o Brasil, o Centro de Estudos e Defesa do Petrleo e
da Economia Nacional50. Militares, jornalistas, polticos, intelectuais, comunistas e estudantes
participaram dessa organizao, que tinha por objetivo dar maior organicidade Campanha
do Petrleo, iniciada com as conferncias do General Horta Barbosa, um de seus presidentes
de honra. Rapidamente foram fundadas sees municipais, responsveis pela organizao de
comcios, conferncias e passeatas em defesa do monoplio estatal do petrleo51. Enquanto o
Centro se organizava e a participao popular no movimento crescia, aumentava a rejeio ao
anteprojeto de Dutra e este era gradativamente abandonado no Congresso. De acordo com
Wirth, o principal motivo da perda de espao da proposta de associao com o capital
estrangeiro foi a capacidade de organizao do Centro, que comandou uma campanha
genuinamente nacional, uma mobilizao quase sem paralelo na histria do pas, na qual a
capacidade (...) de mobilizar o povo e concentr-lo nas ruas estreitas do Rio, especialmente
junto Cmara e aos ministrios acabou constituindo forte fator de presso sobre as decises
do legislativo52.
importante mencionarmos ainda que alguns segmentos da imprensa abriram espao
para a polmica do petrleo, merecendo destaque o Jornal de Debates, Imprensa popular53,
Panfleto e Emancipao54. Alm disso, chamou bastante ateno a participao dos militantes
do PCB, no obstante a recente proscrio do partido e a perda dos mandatos parlamentares
de seus membros. A presena dos comunistas no movimento foi, inclusive, pretexto para atos
de perseguio, perpetrados pelos rgos de represso poltica do governo Dutra e de alguns
50

O nome utilizado na fundao foi Centro de Estudos e Defesa do Petrleo. A mudana para Centro de Estudos
e Defesa do Petrleo e da Economia Nacional aconteceu em setembro do ano seguinte, por sugesto do general
Raimundo Sampaio. Para fins prticos, usaremos neste texto sempre o segundo nome, em virtude do mesmo ter
sido o mais difundido na sociedade e na academia brasileira.
51
Ver: Centro de Estudos e Defesa do Petrleo e da Economia Nacional. In: Dicionrio Histrico Biogrfico
Brasileiro. Cd-Rom: CPDOC/FGV.
52
WHIRT, op. cit., p. 153.
53
rgo de imprensa do PCB.
54
COHN, op. cit., p. 118.

34

governos estaduais. Mas nada disso adiantou. O clima poltico no Brasil da dcada de 1950
era propcio ao nacionalismo, e ajudados pela presso vinda das ruas, os parlamentares foram,
majoritariamente, favorveis aos argumentos de Horta Barbosa, rejeitando o Estatuto do
Petrleo, ainda sob o governo Dutra.
As dimenses atingidas pela Campanha do Petrleo e a rejeio do anteprojeto de
Dutra transformaram as eleies presidenciais de 1950 num fato estratgico para os rumos da
questo petrolfera. A eleio de Getlio Vargas, motivada pelo seu imenso carisma, e pela
identificao que as camadas populares tinham para com ele, bem como o discurso
nacionalista empreendido pelo ento candidato, colocaram novamente o ex-chefe do Estado
Novo no centro das decises sobre o assunto.
Figura 3:
A Refinaria de Mataripe e no alto a bandeira nacional

Fonte: O observador econmico e Financeiro A Refinaria de Mataripe outubro de 1951, p. 11.

Empossado, o presidente decidiu, no entanto, empreender um movimento de


desmobilizao da Campanha do Petrleo, buscando equilibrar os diferentes interesses em
conflito. Para Vargas, o Brasil tinha agora um governo nacionalista. Portanto, a soluo do
monoplio estatal do petrleo no tardaria a acontecer, no havendo mais necessidade da
mobilizao popular em torno do tema. Com este pensamento solicitou ao Ministrio da
Justia a suspenso das atividades do Centro de Estudos e Defesa do Petrleo e da Economia
35

Nacional e utilizou a polcia poltica para dissolver a II Conveno Nacional do Petrleo,


realizada em meados de 195155. Mas no deixou de agir para pr um ponto final na questo.
No final de 1951, enviou ao Congresso Nacional a proposta de criao de uma
empresa de capital misto, com controle da Unio sobre 51% de suas aes. Na Cmara dos
Deputados, o projeto inicial sofreu diversas emendas que visaram impedir o controle das
empresas estrangeiras sobre as reservas petrolferas nacionais. A prpria UDN, partido
identificado com os projetos liberalizantes e de aproximao poltica com os Estados Unidos,
defendeu o monoplio estatal do petrleo e um controle mais direto da Unio sobre a
Petrobrs, motivada pela necessidade de se opor a Vargas, e para no perder prestgio junto
populao56. No nos parece exagero supor, ainda, que a postura da UDN pode ter sido
impulsionada pelo fato de seus membros acreditarem que seria inevitvel o fracasso de uma
iniciativa de tal porte, sem o capital privado internacional. Desse modo, o naufrgio das
atividades da Petrobrs, com participao exclusiva do capital nacional, abriria espao para
uma experincia de cunho liberal, com a presena de capitais estrangeiros, como prezavam os
seus principais membros e a sua inclinao poltico-ideolgica.
Se na Cmara dos Deputados os maiores esforos foram para aumentar as
prerrogativas nacionalistas do projeto, no podemos dizer que aconteceu o mesmo no Senado.
L, ele sofreu, ento, as primeiras oposies nitidamente direcionadas contra o seu carter
nacionalista. O senador Othon Mder comandou um grupo de parlamentares interessados em
impedir a criao de um rgo estatal controlador da indstria do petrleo57. Tais senadores
contaram, ainda, com o apoio das Associaes Comerciais de importantes capitais como, por
exemplo, So Paulo, Recife e Porto Alegre. Outro membro do Senado engajado na luta contra
a poltica de cunho nacionalista foi Assis Chateaubriand, detentor da rede de jornais Dirios
Associados, e que utilizou seus meios de comunicao para fazer oposio ao projeto.
O projeto de Vargas, conforme afirma Wirth, era flexvel, aberto s contingncias e
conciliatrio58. Ou seja, a inteno do presidente era a execuo de uma iniciativa
economicamente vivel, sem se incomodar, inclusive, com a participao do capital
estrangeiro, desde que este seguisse os ditames do poder federal. Essa no era, entretanto, a

55

DIAS, Jos Luciano de Mattos; QUAGLIANO, Maria Ana. A questo do petrleo no Brasil: uma histria da
Petrobrs. Rio de Janeiro: CPDOC/Petrobrs, 1993, pp. 99-100.
56
COHN, op. cit., p. 154.
57
Idem, p. 164.
58
WHIRT, op. cit., p. 161.

36

viso dos membros da Campanha do Petrleo. Para eles, a presena, mesmo que minoritria e
sem poder efetivo de deciso, do capital internacional nas atividades envolvendo o petrleo
brasileiro era uma sria ameaa segurana nacional e sua emancipao. Assim, a despeito
do esforo do presidente, a mobilizao no cessou, e at mesmo parlamentares ligados ao
PTB Euzbio Rocha, por exemplo fizeram esforos para modificar o projeto inicial,
aumentado as salvaguardas nacionalistas.
Em meio a todas essas atribulaes o projeto tramitou no legislativo e foi aprovado em
meados de 1953. Permaneceu nele a proposta de constituio de uma empresa de economia
mista e executora do monoplio estatal de explorao do petrleo. Foram feitas, entretanto,
modificaes que impediram a presena de capital estrangeiro na empresa. O nico setor que
no ficou regido pelo monoplio estabelecido foi a distribuio; para alguns, a parte mais
lucrativa do negcio. Os dois projetos de refinarias particulares j autorizadas a se instalar
(uma em So Paulo e outra no Rio de Janeiro) tiveram um prazo limite de dois anos para
comearem a funcionar; caso contrrio, sua permisso seria cancelada.
Assim, em 3 de outubro de 1953, dia do 23 aniversrio da Revoluo de 1930, uma
data de forte conotao simblica para o getulismo, o presidente assinou a lei que criou a
Petrleo Brasileiro S/A Petrobrs empresa que, por vrios motivos, marcar a histria
poltica recente do pas. A sua criao representou, segundo Sulamis Dain, o fim do primeiro
ciclo de investimentos, e o fato mais marcante dessa era de interveno do Estado no setor
produtivo, atravs da criao de companhias atuantes em setores estratgicos da produo
industrial59. A Petrobrs figurou, junto com a Companhia Siderrgica Nacional, a Fbrica
Nacional de Motores e a Companhia Mineradora Vale do Rio Doce, como uma empresa
estatal de primeira gerao. Estas empresas guardavam semelhanas entre si, tanto no que
dizia respeito aos interesses motivadores de sua criao, quanto na forma de lidar com a sua
fora de trabalho, conforme poderemos notar mais adiante neste trabalho.
O CNP, que at ento cuidava de toda a extrao e produo de derivados de petrleo,
passou a ser um rgo de regulao e fiscalizao. Sua principal tarefa, imediatamente aps a
promulgao da lei de criao da Petrobrs, foi organizar a transferncia do controle daqueles
encargos para as mos da nova empresa, fato concretizado em maio do ano seguinte. Foi a
partir dessa data que ela passou de fato a existir e a controlar a produo petrolfera nacional.
59

DAIN, Sulamis. Empresa estatal e poltica econmica no Brasil. In: MARTINS, Carlos Estevam (Org.).
Capitalismo e Estado no Brasil. So Paulo, HUCITEC, 1977, pp. 141-165.

37

Getlio escolheu para exercer a presidncia da estatal um velho aliado da Revoluo


de 1930, que havia, por algum tempo passado para a oposio o Coronel Juracy Magalhes.
Cearense de nascimento, este participante do movimento tenentista e da Revoluo de 1930,
enraizado desde aquele momento em terras baianas, representava o desejo do presidente de
estabelecer alianas com setores considerados mais conservadores, tanto no plano nacional
quanto nos estados. A reaproximao dessas lideranas configurou uma rearrumao do
cenrio poltico baiano, que garantiria, inclusive, a viabilidade da execuo de um projeto de
modernizao local, tendo por base a Petrobrs60. A presena de Juracy Magalhes no
comando da empresa foi, no entanto, to curta quanto a de Vargas na presidncia. Trs meses
aps o incio dos trabalhos da estatal, com o suicdio do presidente, o antigo interventor da
Bahia deixou a presidncia da Petrobrs e os projetos desenvolvimentistas baianos sofreram
ento um duro revs por conta do desmanche forado da aliana de Vargas com as elites
conservadoras locais.
A primeira apario contundente desse projeto baiano no cenrio nacional se dera j
durante a tramitao da lei de criao da Petrobrs no Congresso. Fato que chama bastante
ateno naquele processo foi a postura adotada pelos parlamentares baianos. Quando o projeto
estava sendo votado na Cmara ele sofreu duas mudanas diretamente relacionadas s
necessidades polticas e econmicas defendidas pelos polticos do estado, ambas fceis de
serem entendidas se lembrarmos que o Recncavo continuava a essa poca como o nico
local de produo petrolfera no territrio nacional. A primeira alterao dizia respeito
participao dos estados produtores do leo sobre os rendimentos auferidos pela empresa. A
segunda estava relacionada forma de distribuio entre os estados da receita proveniente do
Imposto nico sobre Combustveis Lquidos e Lubrificantes61. As emendas propostas pela
bancada baiana, comandada pelo deputado Aliomar Baleeiro, visavam a mudana nas regras
de distribuio de impostos, com o fito de garantir maiores receitas aos estados produtores,
retirando, assim, parte considervel dos rendimentos dos estados mais industrializados e,
portanto, maiores consumidores de combustveis e lubrificantes.
Os parlamentares baianos articularam ao seu redor deputados e senadores de estados
menos industrializados e conseguiram impor uma derrota aos estados do sul e ao prprio

60

DANTAS NETO, Paulo Fbio. Tradio, autocracia e carisma: a poltica de Antonio Carlos Magalhes na
modernizao da Bahia (1954-1974). Belo Horizonte: Editora da UFMG; Rio de Janeiro: IUPERJ, 2006,
Captulo II.
61
COHN, op. cit., p. 162.

38

governo62. O argumento utilizado pelos baianos consistiu na relevncia de se superar os


desnveis regionais entre norte e sul do pas com o intuito de impedir disputas polticas de
ordem maior. Conseguiram impor, tambm, o pagamento de royalties no valor de 3% sobre o
preo total do leo aos estados e municpios produtores, percentual que garantiu uma
arrecadao extra de 6 mil dlares por dia economia local, mas que mesmo assim foi
considerado pelo poltico e empresrio Clemente Mariani, trs anos depois, quantia
mesquinha, quando comparada s possibilidades de retorno, caso o negcio fosse realizado
em associao com o capital estrangeiro, conforme o exemplo da Bolvia63. As emendas
baianas tinham, porm, razes mais profundas e diziam respeito situao econmica e
poltica do estado naquele perodo. A descoberta do petrleo e sua explorao local foram um
grande alento e importante fonte de esperana para as classes dominantes locais.

1.3 PETRLEO COMO QUESTO LOCAL: O REGIONALISMO BAIANO

A Bahia teve durante a dcada de 1950 um sentimento praticamente consensual de que


era imprescindvel superar o atraso econmico em que vivera durante os ltimos cem anos.
Muito se discutiu acerca das causas do chamado enigma baiano. Como e por que a outrora
rica e opulenta provncia havia atingido nveis to pfios de desenvolvimento e faturamento
econmico64?
As principais fontes geradoras de recursos para a Bahia haviam se desgastado desde a
segunda metade do sculo XIX. O fim do trfico de africanos e a decadncia da economia
aucareira foram duros golpes para as classes dominantes locais. Por outro lado, as indstrias
txteis, ancilares economia aucareira, no se firmaram no cenrio econmico local65. O
surgimento da lavoura cacaueira no sul do estado no conseguiu recriar o fausto de outros
tempos. Para piorar as coisas, segundo Francisco de Oliveira, no obstante os altos ndices de
exportao do cacau, a taxa de cmbio adotada pelo governo republicano minava as defesas
62

COHN, op. cit., p. 163.


MARIANI, Clemente. Anlise do problema econmico baiano. In: Planejamento. Salvador, out/dez 1977,
vol. 05, n 04, pp. 85. Texto oriundo de uma palestra proferida na Escola Superior de Guerra no ano de 1957, p.
85.
64
AGUIAR, Manoel Pinto de. Notas sobre o enigma baiano. In: Planejamento. Salvador, out/dez 1977, vol.
05, n 04, pp.123-136. Texto publicado originalmente em 1958.
65
Sobre a decadncia das indstrias txteis locais, ver: Tavares, Lus Henrique Dias. O problema da involuo
industrial da Bahia. Salvador: Universidade Federal da Bahia, 1960.
63

39

das economias regionais, apresentando-se como uma armadilha mortal para o


desenvolvimento do capitalismo na Bahia e no Nordeste. Assim, completa Oliveira, somente
o petrleo e a Petrobrs iro conseguir sacudir Salvador de sua longa letargia66.
Alm das questes de carter econmico, observamos tambm a perda do prestgio
poltico do estado com o advento da Revoluo de 1930. O movimento militar que levou
Getlio Vargas ao poder apresentou-se como uma derrota para os polticos locais, pois
impediu a posse do ex-governador Vital Soares, eleito pela coligao encabeada por Jlio
Prestes, no cargo de vice-presidente da Repblica. Desarticulada e sem a fora de lderes com
projeo nacional, a Bahia lucrou muito pouco com os rearranjos institudos nos anos
seguintes ao trmino da Primeira Repblica. Suas elites foram preteridas e tiveram que
engolir um interventor imposto e sem laos polticos locais. Ou seja, a crise manifestava-se
em dois campos, o poltico e o econmico. No de admirar, portanto, que as propostas de
soluo para essa gama de problemas, visassem tanto o redimensionamento poltico do papel
do estado frente ao governo federal como o aproveitamento das potencialidades econmicas
da regio.
A Associao Comercial da Bahia, um dos mais importantes e influentes rgos da
burguesia local, apontou o planejamento econmico como alternativa situao. Outro
defensor dessa soluo foi o empresrio Clemente Mariani, que atravs dos relatrios do
Banco da Bahia defendia a interveno do governo estadual na economia, como forma de
potencializar as possibilidades de sucesso das iniciativas tomadas pelo grupo de empresrios
dos ramos bancrio e mercantil, por ele representados67.
Certamente a medida mais sistemtica para enfrentar esses dilemas foi a criao da
Comisso de Planejamento Econmico (CPE), em maio de 1955, incio do governo de
Antonio Balbino. Ela era a parte principal de um trip tambm composto pelo Instituto de
Economia e Finanas do Estado da Bahia e pelo Fundo Estadual de Desenvolvimento
Agrrio68. Seu objetivo inicial era, de acordo com Santana, aglutinar os elementos da elite do
estado em uma arena decisria que forjasse as orientaes do governo estadual no plano

66

OLIVEIRA, Francisco de. O elo perdido: classe e identidade de classe na Bahia. So Paulo: Editora da
Fundao Perseu Abramo, 2001, pp. 29-30.
67
GUIMARES, Antonio Srgio Alfredo. A formao e a crise da hegemonia burguesa na Bahia (19301964). Dissertao (Mestrado em Cincias Sociais) Universidade Federal da Bahia, Salvador, 1982, pp. 106.
68
DANTAS NETO, op. cit., p. 84.

40

econmico69. O fracasso dessa perspectiva permitiu, entretanto, a centralizao das


responsabilidades e das iniciativas na figura do governador do estado e de Rmulo Almeida,
um respeitado economista que havia chefiado a assessoria econmica de Getlio Vargas. Sua
atuao frente da CPE, de acordo com Antonio Srgio Guimares, acabou tendo o apoio
formal da faco mercantil financeira e do conjunto das classes produtoras estaduais70.
Assim, as elites baianas recusaram-se a ocupar o espao que lhes havia sido reservado
no esforo modernizador e apesar do apoio dispensado ao homem responsvel pela sua
execuo, procuraram chamar ateno para um aspecto que no poderia ser desprezado: o
planejamento no deveria, em momento algum, ferir os j citados princpios liberais. Em
1958, Pinto de Aguiar, que mais tarde viria a ocupar importantes cargos na direo da
Petrobrs, afirmou que o primeiro passo era descobrir o mal sofrido. Depois disso era preciso
empregar a teraputica que, neste caso especfico se chamava planejamento, pois o
automatismo do mercado no era digno de confiana, nem resolvia problemas dessa
magnitude. O intelectual tambm tranqilizou os liberais, avisando que planejamento no
significa[va] estatismo, e sim demonstrao de que o homem tem capacidade de dirigir, em
termos racionais o seu prprio destino71. O recado estava dado e todos os caminhos levavam,
bem moda dos tradicionais polticos baianos, construo de propostas consensuais.
Isso no evitou, entretanto, algumas reclamaes. Clemente Mariani, em palestra
proferida aos estudantes da Escola Superior de Guerra (ESG), no ano de 1957, disse que o
erro cometido pelo tcnico do Departamento Nacional de Produo Mineral, foi ter impedido
que a descoberta do petrleo fosse feita por um Governo Estadual, livre, na poca, em pleno
regime constitucional. Isto , no ter permitido que o governo baiano realizasse a explorao
petrolfera, inclusive atraindo capitais estrangeiros. Seu discurso representa de forma
bastante satisfatria o posicionamento da burguesia comerciantes e empresrios baiana
diante da questo do petrleo. O monoplio estatal, no obstante as lamentaes, era caso
definido. O banqueiro no negou o impulso dado pela Petrobrs explorao do petrleo na
Bahia. Desejava, no entanto, uma melhor considerao, da sua parte [da Petrobrs], ao
interesse baiano 72.

69

SANTANA, Carlos Henrique Vieira. Intelectuais, planejamento e clientelismo. Salvador: Editorial Contexto
e Arte, 2002, p. 137-140.
70
GUIMARES, op. cit., p. 107.
71
AGUIAR, op. cit., p. 126.
72
MARIANI, op. cit., p. 85.

41

Essa maior considerao aos interesses baianos j havia sido pleiteada em carter
formal, em 1956. Neste ano, o governador Antonio Balbino escreveu um ofcio a Juscelino
Kubitscheck referindo-se situao de desequilbrio das finanas baianas, e solicitando do
presidente maior ateno na correo dos desequilbrios regionais que levavam alguns
estados, diante da situao em que se encontravam, melanclica sada do estatuto de
territrios federais; mas a Bahia, acrescentava o governador, no admitia separatismo73. A
postura de Balbino, marcada por um carter conciliador, na qual o governador tentava, por um
lado, mostrar-se como porta voz de um processo de industrializao baseado no planejamento,
na reorientao cambial e na indstria de petrleo e, por outro lado, procurava no entrar em
confronto direto com o presidente, demonstra a complicada situao vivida por este poltico e
pelo prprio projeto de modernizao da Bahia.
Esses e outros episdios comprovam a existncia de um movimento poltico, melhor
definido nos ltimos anos da dcada de 1950, denominado de regionalismo. Segundo Antonio
Srgio Guimares, esta manifestao tinha por base a premissa de que era necessrio
estabelecer entre as classes sociais locais um consenso em torno de aes estratgicas.
Afirmava-se que antes de manifestar qualquer diferena social e poltica, o mais importante
era o esforo conjunto para tirar o estado do atraso em que ele havia sido jogado74. Machado
Neto, por sua vez, afirma que o regionalismo tal como o nacionalismo o resultante
ideolgico da tomada de conscincia da espoliao imperialista, pretendendo ser a tomada
de conscincia de um colonialismo interno exercido pelos Estados do Centro-Sul atravs do
controle do poder pblico nacional contra os estados subdesenvolvidos e espoliados no
Norte e Nordeste75.
O movimento regionalista baiano contou com a presena de importantes polticos e
empresrios locais. O jornal A Tarde era o seu principal instrumento de veiculao de idias.
No ano de 1958, este peridico comeou a difundir de forma bastante insistente a tese de que
era necessrio a Bahia mostrar ao resto do pas quais eram os seus interesses. Em janeiro de
1959, o mesmo jornal afirmou que o mais importante naquele momento era a defesa das
reivindicaes mnimas do Estado e pelas quais governador e vice-governador bem como os
parlamentares de todos os partidos devero se bater, desenganadamente, vendo a Bahia como
73

BALBINO, Antonio. Participao da Bahia na vida nacional: ofcio dirigido ao Exmo. Sr. Dr. Juscelino
Kubitscheck, presidente da repblica, pelo Exmo. Sr. Dr. Antonio Balbino governador do estado da Bahia.
Salvador: 1956. pp. 03.
74
Ver: GUIMARES, op. cit., p. 96-160.
75
MACHADO NETO, Antonio Luiz. Desenvolvimento e regionalismo: o caso baiano. In: Sociologia do
desenvolvimento. Rio de Janeiro: Editora Tempo Brasileiro, 1963, pp. 107-108.

42

ela deve ser vista, na hora de suas grandes causas, isto , sem sombra de dissenso
partidria76.
Apesar do perfil tipicamente conservador deste rgo da imprensa, que tendia a ver
com desconfiana e at um certo asco as mobilizaes populares, o A Tarde deixava sempre
um espao, mesmo que secundrio, para a manifestao de lideranas populares e sindicais,
em todas as suas grandes campanhas. O movimento regionalista no fugiu regra. No dia 19
de janeiro de 1959, o jornal publicou uma nota assinada por representantes de duas
associaes estudantis, uma federao de trabalhadores e onze sindicatos, congratulando A
Tarde pela realizao da Conferncia do Petrleo, considerada pelos redatores do documento
um empreendimento to meritrio, mas afirmando a posio nacionalista e de defesa da
Petrobrs assumida pelas entidades77. No dia seguinte comearia a Conferncia, evento
organizado pelo A Tarde e realizado na sede da Associao Comercial da Bahia para discutir
uma poltica que aumentasse os benefcios da Bahia com a explorao de petrleo em seu
territrio. Ela reuniu polticos, economistas, intelectuais, empresrios e proprietrios rurais,
bem como as prprias diretorias da Petrobrs e do Conselho Nacional do Petrleo.
A escolha da data para a realizao desse conclave parece ter dois sentidos evidentes.
O primeiro foi de carter simblico, pois em janeiro de 1959 completavam-se vinte anos que
os baianos Igncio de Bastos e Oscar Cordeiro descobriram petrleo em Lobato. Era
necessrio, portanto, lembrar Bahia que passados vinte anos do feito dos pioneiros da
extrao de petrleo no Brasil, o estado havia se beneficiado muito pouco das suas riquezas
minerais. O segundo tinha carter poltico, uma vez que 1959 era um ano de renovao no
executivo e legislativo estaduais, e a escolha do governador eleito Juracy Magalhes para
presidir o conclave representou, em certa medida, o desejo de que o ex-presidente da
Petrobrs conseguisse dar os rumos desejados nas relaes entre a empresa estatal e as classes
dominantes locais78. Para Dantas Neto, a conferncia foi uma ocasio especial do processo
de persuaso modernizante vivido pelo estado, e os pontos definidos pela Carta do Petrleo
foram a base do crescimento econmico verificado anos mais tarde79.
Temos como resultado principal da Conferncia do Petrleo a elaborao da Carta do
Petrleo. Um documento contendo 23 pontos, no qual as principais demandas baianas em
76

A Tarde,16/01/1959.
A Tarde, 19/01/1959.
78
A Tarde, suplemento especial de 20/01/1959, pgina 01.
79
DANTAS NETO, op. cit., p. 156.
77

43

relao ao petrleo foram apresentadas aos dirigentes da Petrobrs e ao Presidente da


Repblica. Alguns pontos levantados pela carta faziam parte de um conjunto de propostas que
podem ser consideradas como as principais reivindicaes baianas em relao ao petrleo.
Uma delas diz respeito aos donos das terras superficirias, que exigiam da Petrobrs
indenizaes satisfatrias pela utilizao de suas propriedades para a explorao de petrleo.
Alm disso, reivindicou-se o aumento do valor dos royalties pagos ao estado e aos municpios
produtores, a diminuio do preo dos combustveis no estado, a incluso dos poos
submarinos no pagamento desses royalties, a presena de baianos na direo do CNP e a
instalao de um parque petroqumico, tendo por base a Refinaria de Mataripe80.
No ms seguinte foi a vez do Jornal da Bahia defender os interesses regionalistas. O
rgo de imprensa, criado em setembro de 1958 por Joo Falco, empreendeu uma campanha
que advogava o nome de um baiano para a direo da Petrobrs. Muitas foram as
personalidades que escreveram no jornal reforando os argumentos dos editores. Estes
consistiam, basicamente, no fato de que sendo a Bahia a grande responsvel pela produo do
leo no pas e tendo em seu territrio uma refinaria, nada mais justo de que um baiano
ocupasse a presidncia da empresa.
No fim das contas havia um sentimento generalizado de insatisfao com os poucos
retornos concedidos ao estado pela explorao de petrleo em seu territrio e at mesmo com
os prejuzos dados a algumas pessoas pela Petrobrs. A Associao das Classes Rurais da
Bahia, por exemplo, enviou, em setembro de 1959, ao Presidente do CNP, Brigadeiro
Henrique Fleiuss, um memorial queixando-se dos estragos que a atividade de extrao
petrolfera causava nas propriedades de seus afiliados sem que houvesse qualquer tipo de
indenizao por parte da estatal do petrleo81.
Curiosamente tanto os interesses advogados pela imprensa local quanto os problemas
dos proprietrios de terras superficirias eram apresentados pelos defensores como se fossem
de todos os baianos, e que portanto exigiam uma ao consensual e conjunta para serem
resolvidos. Durante a campanha regionalista esta idia foi recorrente nas pginas do jornal A
Tarde. Quando da realizao da Conferncia do Petrleo, um dos seus articulistas
argumentou, por exemplo, que o ante-projeto da Carta do Petrleo deveria ser defendido
por todos os polticos e todos os partidos. Esses bordes, amplamente difundidos na poltica
80
81

A Tarde, 24/01/1959.
A indstria petrolfera e a propriedade rural. Salvador, Imprensa Oficial da Bahia, 1959.

44

baiana e reforados pelos defensores do regionalismo, escondiam, na verdade, as reais


motivaes de determinadas aes de setores dominantes locais, que eram marcadamente de
classe e que visavam interesses que nada tinham de populares.
Esse descontentamento apresentado no conclave de 1959 e que permeava toda a
poltica baiana no escapou aos olhos de um importante intelectual da poca. Antnio Luiz
de Machado Neto, professor de Direito e de Sociologia, publica, em 1963, um ensaio
intitulado Os desequilbrios do desenvolvimento e o regionalismo baiano82. O autor como
testemunha da poca e, logicamente, inserido nos debates coevos manifestava sua
preocupao acerca das propores que tal movimento poderia adquirir.
Neste artigo, Machado Neto admite a posio desprivilegiada em que a Bahia fora
lanada aps a Revoluo de 1930, mas ao mesmo tempo afirmava que o regionalismo
baiano uma fonte desagregadora e antinacionalista83. As preocupaes do intelectual eram
justificadas pelo sentimento separatista que empolgava alguns polticos baianos. O prprio
Machado Neto relatou o episdio no qual uma certa personalidade, mais tarde candidato ao
governo do estado, afirmou em 1959, nas pginas do Jornal da Bahia, que com a carne, o
cacau e o petrleo a Bahia seria transformada em uma nao, nem que os baianos ocupassem
Mataripe de armas na mo, para que o Governo Federal aprendesse a respeit-los,
reconhecendo seus direitos84. Infelizmente o pesquisador no revelou o autor da frase, mas
conseguimos localizar, em um debate na Assemblia Legislativa, no incio de 1958, uma fala
do deputado Orlando Moscoso com o mesmo teor. O parlamentar queixava-se do tratamento
supostamente injusto dispensado Bahia, e imaginou como seria o estado caso tivesse
condies de independncia e constitusse um todo prprio, sem vinculaes com os outros
Estados Federados. Para ele, a Bahia certamente seria uma grande Nao. Teria pujantes
divisas proporcionadas pelo petrleo e pelos seus outros produtos de exportao85.
evidente que propostas separatistas, assim radicais, no encontraram grande repercusso no
estado, mas podemos consider-las como importantes indicadores do sentimento de
insatisfao que dominava boa parte dos seus dirigentes e talvez da populao soteropolitana.
Este fato pode ser entrevisto em um dos momentos mais interessantes do trabalho de
Machado Neto: a anlise de uma pesquisa de opinio realizada por uma equipe comandada
82

MACHADO NETO, op. cit.


Idem, pp. 120-121.
84
Idem, p. 108.
85
Dirio da Assemblia Legislativa do Estado da Bahia, 15/02/1958, p. 03.
83

45

pelo socilogo, e que buscava saber qual era a posio da populao acerca dessa possvel
desvantagem que a Bahia estaria sofrendo na arrecadao dos dividendos da explorao e
refino do petrleo86. Na pesquisa foram entrevistadas quinhentas pessoas, sendo 258
trabalhadores de diversas reas e 242 estudantes secundaristas e de diversos cursos
universitrios, que responderam as seguintes perguntas:
1) voc acha que a Bahia e o Norte so espoliados pelo sul do pas?
2) o petrleo do Recncavo baiano ou brasileiro?
3) H vantagens para a Bahia participar da federao brasileira?
4) Seria a Bahia mais prspera e feliz se fosse um pas independente?

Merece destaque a resposta dada primeira pergunta, pois a 81% dos entrevistadas
disse sim quando perguntados se achavam que a Bahia e o Norte eram espoliados pelo Sul
do Pas. Esta resposta no nos surpreende, haja vista a posio de desnvel econmico que os
estados do Norte e Nordeste se encontravam, quando comparados com os do Sul e Sudeste do
pas. Fato este que levou, por exemplo, criao da Superintendncia de Desenvolvimento do
Nordeste (SUDENE)87. As respostas ficaram bastante divididas quando da segunda pergunta,
mas a maioria, 55,2% dos entrevistados, disse que o petrleo era brasileiro enquanto 41,4%
afirmaram que o mineral era baiano.
Tal resultado indica que a campanha regionalista foi algo que no se circunscreveu aos
diretrios partidrios e s pginas do principal jornal do Estado. Ela obteve um certo eco e at
mesmo um respaldo da populao. Esta, se no concordou majoritariamente com a idia da
Bahia ser dona do petrleo extrado em seu territrio, pelo menos chegou muito prximo
disso. Sabemos, contudo, que a pesquisa de Machado Neto no nos permite visualizar a
posio dos diversos segmentos sociais baianos, sobretudo das classes populares, que no
foram contemplados pelas entrevistas. Alm do mais, por conta da escassez de dados, ficamos
sem a certeza de qual foi exatamente o papel da imprensa e dos partidos polticos na formao
da opinio dos entrevistados. Mesmo assim, as constataes apresentadas pelo pesquisador
no devem ser desprezadas.

86

MACHADO NETO, op. cit., pp. 110-112.


O projeto de criao do rgo foi enviado ao Congresso pelo Presidente Juscelino Kubitschek em dezembro de
1958. A SUDENE tinha como objetivo declarado proporcionar possibilidades de desenvolvimento que levassem
o Nordeste a superar o atraso em relao s reas mais desenvolvidas do pas.

87

46

No podemos deixar de lembrar que a poca de realizao daquela pesquisa de


opinio, o ano de 1962, foi marcada por uma forte agitao poltica de cunho nacionalista que
mobilizava parcelas significativas da populao brasileira. Alm disso, a criao da Petrobrs,
apoiada por uma grande campanha popular, era um elemento relevante deste discurso
nacionalista. Logo, o resultado mais esperado para uma pergunta daquela natureza, feita num
momento em que o quadro poltico nacional apontava, inclusive, para um fortalecimento do
discurso em torno das reformas de base e das polticas nacionalistas, seria uma vitria
retumbante daqueles que acreditavam que o petrleo era brasileiro. Isso, conforme vimos no
aconteceu. Ao analisar o pleito eleitoral deste mesmo ano de 1962, Dantas Neto observou
uma reincidncia do discurso de que os problemas baianos estavam acima dos interesses
partidrios. Por outro lado, Lomanto Jnior, poltico interiorano e candidato a governador
pela coligao UDN-PTB, quando preparava o lanamento de sua campanha, enviou cartas
aos mais diversos partidos polticos, propondo um nome de consenso para o processo
eleitoral88.
Nesse sentido, fica para ns a pergunta: e os trabalhadores do petrleo? Estariam eles
tambm divididos entre o regionalismo e o nacionalismo? Existem sinais de que as direes
sindicais petroleiras aproximaram-se dos promotores do discurso regionalista e tomaram para
si as bandeiras de luta e o discurso apontados, no deixando, ao mesmo tempo, de defender o
monoplio estatal do petrleo e a empresa em que trabalhavam. Sua postura, conforme
veremos adiante, no foi fruto de uma mera cooptao das lideranas sindicais. As razes
mais profundas desse discurso aparentemente dbio e contraditrio encontravam-se no
sistema de poder montado em Mataripe e nos campos de produo, que coincidentemente
usava critrios de concesso de privilgios semelhantes queles criticados pelas classes
dominantes baianas. Para melhor entendermos esta interligao entre a alta poltica e os
conflitos no local de trabalho na indstria petrolfera baiana faremos, nos captulos seguintes,
uma discusso sobre a composio social de sua fora de trabalho. Ficaremos atentos, ainda,
s formas de exerccio de poder e s manifestaes de insatisfao relacionadas ao trabalho,
hierarquias funcionais e de moradia. Esses dados sero relevantes para a compreenso da
estratgia poltica adotada pelos dirigentes sindicais na conjuntura 1960-1962, bem como
ajudaro a explicar sua legitimidade diante da categoria que representavam.

88

DANTAS NETO, op. cit., p. 164.

47

CAPTULO 2:
OS TRABALHADORES DO PETRLEO

Com os rostos e os braos tostados pelo sol,


reluzentes capacetes de alumnio, a fisionomia
serena, denotando profundo senso de
responsabilidade, ali estavam os operrios do
Conselho Nacional do Petrleo [...]. So
homens que at h [sic] alguns anos tinham
diferentes profisses, completamente diversas
da que tm, homens simples, quase todos
legtimos caboclos do nordeste, cujas mos
esto forjando a emancipao econmica de
nossa ptria89.

2.1 PARA O BEM DO BRASIL O OPERRIO NACIONAL E UM PROJETO


PARA A SUA FORMAO

O trecho acima, publicado pelo jornal comunista O Momento em uma conjuntura na


qual seus editores tentavam colaborar com o projeto desenvolvimentista, revela, em grande
medida, a confiana dos responsveis pela folha comunista na capacidade de trabalho do
homem local. Eram eles, os legtimos caboclos do Nordeste que tinham a responsabilidade
de, atravs do seu trabalho, construir a autonomia econmica e energtica nacional e ao
mesmo tempo contribuir para o reerguimento da economia baiana. Essa viso simptica e
otimista em relao ao trabalhador local nunca foi consensual e podemos at dizer que nem
mesmo majoritria na sociedade brasileira.
Desde meados do sculo XIX, em virtude da difuso das teorias racialistas, comeou a
se afirmar que o trabalhador de origem nacional, marcado predominantemente pela negritude
e pela mestiagem, era incapaz de realizar determinados trabalhos, sobretudo aqueles de
carter mais elaborado. A soluo vislumbrada para esse suposto problema foi, em muitos
casos, o projeto de imigrao, que incentivou a vinda de milhares de espanhis, italianos,
portugueses e at mesmo orientais para o territrio brasileiro, principalmente para o estado de
89

In: O Momento, 15 de maio de 1955, pgina 06.

48

So Paulo. A presena estrangeira na classe operria baiana, a despeito do interesse em sua


vinda, foi insignificante durante o pice da chegada de imigrantes a outras partes do territrio
brasileiro90. De acordo com Castellucci, a presena estrangeira, em 1920, se reduzia a menos
de 1% da populao do estado e por conta disso a populao negra e mestia baiana
continuou a exercer, sob a Repblica, as mesmas fainas de que se ocupara poca do
cativeiro91. Esse quadro no foi alterado durante a dcada de 1930 e podemos afirmar com
segurana que no momento inicial dos trabalhos da indstria petrolfera no estado, a
composio da fora de trabalho baiana continuava semelhante quela identificada por
Castellucci e indesejada por boa parte da sociedade e da intelectualidade da poca.
No plano nacional, podemos identificar a dcada de 1930 como um marco no
reordenamento das relaes de trabalho na histria do Brasil e da prpria concepo acerca do
trabalhador nacional. Muito tem se discutido acerca dos efeitos da interveno estatal nos
mundos do trabalho, mas praticamente consensual de que a ao do Estado tanto do ponto
de vista normativo e legislador quanto atravs da execuo de um projeto de modernizao no
qual ele prprio assumia as funes de empreendedor do capitalismo marcou profundamente
os novos embates vividos pela classe trabalhadora brasileira. Nessa sua fase de transformao,
o Estado e os intelectuais ligados a ele trataram no s de debater sobre a melhor forma de
aproveitar o trabalhador nacional, mas tambm investiram e inovaram em cuidados
assistenciais e em iniciativas voltadas para a sua formao. Interessa-nos neste captulo
demonstrar como se estruturou o projeto desenvolvido durante o Estado Novo (1937-1945) e
como as empresas estatais foram peas chave para forjar uma nova ideologia e uma
ressignificao do trabalho bem como para assumir em muitas oportunidades a tarefa de
formar o novo trabalhador brasileiro. Alm disso, pretendemos traar um perfil mais amplo
dos petroleiros baianos.
Angela de Castro Gomes, ao analisar as mudanas ocorridas durante o Estado Novo,
afirma que os anos de 1930 e 1940 foram verdadeiramente revolucionrios na questo do
trabalho no Brasil92. O que empolga a autora so as bases de um projeto que pretendia

90

Uma relevante reflexo sobre o desejo de substituio do trabalhador negro pelo imigrante no ps-abolio na
Bahia se encontra em: CUNHA, Slvio Humberto Passos. Um retrato fiel da Bahia: sociedade-racismoeconomia na transio para o trabalho livre no Recncavo aucareiro, 1871-1902. Campinas: Tese de Doutorado
em Economia (Unicamp), 2004, pp.125-250.
91
CASTELLUCCI, Aldrin Armstrong Silva. Industriais e operrios baianos numa conjuntura de crise
(1914-1921). Salvador: Fieb, 2004, pp. 74-80.
92
GOMES, Angela de Castro. Ideologia e trabalho no Estado Novo. In: PANDOLFI, Dulce. Repensando o
Estado Novo. Rio de Janeiro: Editora da FGV, 1999, p. 53.

49

modificar a concepo predominante acerca da valorizao do trabalhador nacional,


identificado, de um modo geral, como incapaz para a realizao de tarefas elaboradas e
importantes93. O trabalhador nacional era historicamente visto como fraco, doente e incapaz
de identificar, como acontecia nos pases de forte tradio liberal, o trabalho como um meio
de acesso cidadania e dignidade. Cabia aos governantes, portanto, mudar essa concepo.
Para termos uma idia da fora das formulaes que depreciavam o trabalhador
nacional, encontramos um importante exemplo na obra de Monteiro Lobato. Antes de se
tornar um entusiasta da campanha do petrleo, o escritor paulista escreveu a histria de Jeca
Tatu, um tpico caipira, smbolo do atraso e da indolncia, que para dar certo necessitava da
ajuda e da experincia vinda de fora, representados em sua obra pela mecanizao
proveniente do fordismo. O prprio Lobato, mais tarde, fazendo eco s principais novidades
getulistas, dizia que o brasileiro precisa de condies para prestar. Seria necessrio lhe
ensinar a ser til, trabalhador e produtivo94. Para o escritor bem como para o Estado, cuidar de
sua sade fsica e moral era, portanto, um imperativo.
Durante a dcada de 1930, como demonstra Gomes, apareceu o Ministrio do
Trabalho Indstria e Comrcio como um importante ator para a formao do trabalhador
brasileiro. Sua postura consistiu em implementar uma poltica nacionalizadora de proteo ao
trabalho. Podemos destacar dentre as suas primeiras aes nesse sentido a lei que obrigava os
estabelecimentos industriais a empregar no mnimo 2/3 de trabalhadores brasileiros, chamada
Lei dos 2/3 (Decreto 19.482 de 1931). Ademais, uma poltica de restrio imigrao
comeava a ser adotada e esta no pode ser compreendida se dissociada do projeto de
valorizao do capital humano nacional e da necessidade premente de garantir uma
estabilidade social ao pas95. Com a crise de 1929 e o conseqente aumento do desemprego, o
pas viu suas taxas de migrao interna aumentarem, sobretudo com a ida dos trabalhadores
nordestinos para o Centro-Sul. A concorrncia destes com os estrangeiros pelos postos de
trabalho implicaria em um aumento considervel nas taxas de desemprego. Os nordestinos,
por sua vez, foram vistos, inclusive, com uma certa dose de simpatia pelas autoridades, pois

93

GOMES, Angela de Castro. A inveno do trabalhismo. Rio de Janeiro: Editora da FGV, 2005, 3 ed., pp.
35-162.
94
Sobre Monteiro Lobato e algumas de suas formulaes sobre a utilidade do trabalhador nacional de origem
camponesa ver: NEGRO, Antonio Luigi. Z Brasil foi ser peo: sobre a dignidade do trabalhador no qualificado
na fbrica automobilstica. In: BATALHA, Cludio; FORTES, Alexandre; SILVA, Fernando Teixeira da.
Culturas de classe identidade e diversidade na formao do operariado. Campinas: Editora da Unicamp, 2004,
pp. 403-405.
95
GOMES (1999), op. cit., pp. 67.68.

50

eram considerados brasileiros autnticos, poos da reserva de brasilidade que deveriam


tornar a nacionalizar o Sul do pas.
Ao passo em que executava suas intervenes no campo da imigrao, o Estado
brasileiro acreditava que somente atravs de sua atuao o trabalhador brasileiro poderia
ascender fisicamente e moralmente. Cabia ao Estado, personificado por Vargas, realizar sua
misso civilizadora e educadora. Isso passava pela garantia de acesso dos trabalhadores aos
instrumentos necessrios sua realizao pessoal e ao engrandecimento da nao. Era
necessrio, a partir de ento, estabelecer uma estratgia de combate pobreza e mesmo as
medidas de carter mais autoritrio, presentes em vrios momentos da ditadura estadonovista,
eram encaradas como necessrias construo da democracia social, que deveria resolver
diversos problemas do pas.
As intervenes estatais aliaram a concesso de benefcios sociais (propagandeados
como a legislao social mais avanada do mundo) a medidas mdicas que objetivavam
impedir a perda de sade e estimular a capacidade de trabalho, atravs da garantia
populao de melhores condies de vida96. Foram implementadas, ento, medidas mdicosanitrias a fim de proporcionar melhores condies de sade aos trabalhadores, pois os
governantes garantiam que boa parte das doenas existentes nas cidades brasileiras era fruto
das pssimas condies de higiene e no de uma suposta m formao da sua populao.
Eram as doenas, na verdade, que tornavam o trabalhador revoltado e preguioso97.
Esse aumento da interveno do Estado contou tambm com a colaborao do setor
empresarial, e isto pode ser identificado, por exemplo, na criao do Instituto de Organizao
Racional do Trabalho (Idort) e no Servio Nacional de Aprendizado Industrial (Senai). Cabia
respectivamente a essas entidades elaborar estudos que otimizassem o trabalho industrial e
treinar os futuros operrios. A educao, diga-se de passagem, foi o ponto de maior destaque
desse projeto. O aprendizado prtico das atividades industriais seria desenvolvido junto com
diretrizes bsicas para a educao nacional e construo de novos smbolos e valores cvicos,
considerados necessrios ordem e ao crescimento do pas. Alm disso, o governo investiu na
valorizao de elementos culturais, identificados como tpicos do Brasil e dos brasileiros.
Ao mesmo tempo, coincidindo com esse esforo para o redimensionamento do papel
do trabalhador nacional, comearam as primeiras incurses do poder pblico federal no setor
96
97

GOMES (1999), op. cit., p. 61.


Idem, p. 62.

51

produtivo. O processo de desenvolvimento industrial no Brasil acelerou-se aps a ecloso da


II Guerra. Coutinho e Reichstul, afirmam que para o desenvolvimento das foras produtivas
em pases com caractersticas como a do Brasil fez-se necessria uma espcie de
coordenao superior. O Estado precisou, no chamado capitalismo retardatrio, alm de
cumprir suas funes clssicas (administrao fiscal e monetria) realizar o papel de criao
e acumulao de capital produtivo, consubstanciado pelas grandes empresas estatais criadas
entre as dcadas de 1940 e 195098. No caso brasileiro, alm disso o Estado se imiscuiu nas
tarefas de preparar os homens que deveriam realizar essa misso.
A iniciativa primordial nesse projeto foi a construo da Companhia Siderrgica
Nacional, iniciada em 1941. O projeto de uma usina siderrgica era uma meta prevista pelo
grupo poltico aliado a Getlio desde a sua chegada ao poder. Contudo, a configurao
poltica trazida pelo Estado Novo na poltica interna e pela II Guerra no plano internacional
motivou no s a sua criao. Surgiram, tambm, neste mesmo momento, a Fbrica Nacional
de Motores (1942) e a Companhia Mineradora Vale do Rio Doce (1942)99. A indstria do
petrleo, conforme demonstramos no captulo anterior, deu um importante passo tambm
nesse momento graas criao do CNP, embora s tenha se configurado plenamente nos
anos que seguiram ao fim do Estado Novo.
Essas empresas se tornaram, ento, grandes laboratrios do projeto de construo do
cidado trabalhador brasileiro. Muitas dessas atividades eram inteiramente novas e coube s
autoridades a tarefa de formar uma mo-de-obra que nem sempre se enquadrava em seu
modelo ideal de trabalhador. A indstria do petrleo, nica delas que foi instalada no
territrio nordestino, no escapou de tais imperativos e talvez os tenha vivido at mesmo com
mais intensidade.
Voltando s outras empresas estatais de primeira gerao, de acordo com Regina
Morel, houve uma preocupao acerca da origem e da adaptao de seus trabalhadores s
atividades industriais. Cabia aos responsveis pela indstria siderrgica no s garantir uma
importante fonte de renda e emancipao do pas, mas tambm provar que era possvel educar

98

COUTINHO, Luciano G. REICHSTUL, Henri-Philippe. O setor produtivo estatal e o ciclo. In: MARTINS,
Carlos Estevam (Org.). Estado e capitalismo no Brasil: So Paulo, Hucitec, 1977, pp. 58-59.
99
Ver: MOREL, Regina Lcia de Moraes. A ferro e fogo construo e crise da famlia siderrgica: o caso de
Volta Redonda (1941-1968). Tese (Doutorado em Sociologia) Universidade de So Paulo, So Paulo, 1989.
MINAYO, Maria Ceclia de Souza. Os homens de ferro: estudo sobre os trabalhadores da Vale do Rio Doce em
Itabira. Rio de Janeiro: Dois Pontos Editora, 1986. RAMALHO, Jos Ricardo. Estado-patro e luta operria:
o caso FNM. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1989.

52

e civilizar homens dos mais diversos tipos, mesmo aqueles considerados mais incapazes
para o trabalho industrial. A Cidade do Ao deveria cumprir um papel redentor, pois para o
general Edmundo Macedo Soares, responsvel pela construo da usina, o maior problema do
pas era a falta de formao do seu povo, elemento indispensvel para construir a grandeza da
nao. Aos engenheiros construtores da usina cabia o papel de educar e organizar aqueles
homens que eram, de acordo com as palavras do prprio general, bisonhos, quase sempre
mal tratados100.
Essa preocupao com a origem e a formao dos trabalhadores apresentou-se tambm
na Fbrica Nacional de Motores, tambm comandada em sua fase de implantao por um
militar formado em engenharia, o Brigadeiro Guedes Muniz. Conforme demonstra Ramalho,
para o brigadeiro, o trabalhador brasileiro no existia e precisava ser construdo pelos
dirigentes, pelas elites da nao e da fbrica101. Essa formulao demonstra claramente o
corte autoritrio e elitista presente neste projeto de formao do trabalhador brasileiro, uma
vez que ainda de acordo com Ramalho: este processo (...) no considerava, a priori, qualquer
possibilidade de contribuio por parte do trabalhador, tornando-o como um ser sem
cultura102. Incapaz de contribuir com seu intelecto, considerado inferior pelas autoridades,
restava ao trabalhador ajudar com a fora dos seus braos e a sua disciplina para o grande
projeto em curso. Alm disso, fica claro que apesar da iniciativa governamental de valorizar
esse trabalhador, a viso predominante sobre ele no era das melhores. Continuavam
presentes as idias de um pas sem povo e de homens sem cultura e intelecto, que somente
com muito esforo, treino e disciplina poderiam ser teis.
No que diz respeito Bahia, essas idias e preocupaes j se manifestavam altura
do incio dos trabalhos de construo da Refinaria de Mataripe. Wilson Mattos aponta pelo
menos duas falas que se posicionaram com desconfiana acerca da possibilidade de utilizao
da mo de obra local em atividades industriais. Na primeira delas, o respeitado professor
Isaas Alves considerava que os operrios baianos, apesar da inteligncia, raramente tinham
especializao ou conhecimento de suas verdadeiras aptides. Da decorria a dificuldade
dos industriais em selecionar e encontrar elementos de orientao, reeducao e
reajustamento dos operrios103. A segunda fala foi a de Incio Tosta Filho, quando este
argumentou que a civilizao baiana tinha caractersticas que no conseguiam demonstrar
100

MOREL, op. cit., pp.75-76.


RAMALHO, op. cit., p. 45.
102
Idem, p. 46.
103
ALVES, Isaas. Apud: MATTOS, op. cit., p.76.
101

53

uma grande participao da iniciativa privada nem mesmo capacidade de organizao,


eficincia de orientao, e por conta disso somente com tempo, tremendo esforo, grande e
intensa atividade de coordenao social, de transformao psicolgica, de doutrinao
cultural ela poderia passar a ser uma civilizao de carter industrial104.
Entretanto, no eram somente os homens que estavam fora da indstria do petrleo
que apostavam poucas fichas nos trabalhadores baianos. Os prprios responsveis por gerir os
trabalhos da indstria em questo identificaram os trabalhadores locais como atrasados e
ignorantes. Homens que precisaram aprender muito at ficarem num nvel compatvel com
de seus chefes e com a prpria tarefa para a qual eles estavam sendo recrutados. Um
engenheiro participante da construo de Mataripe, anos depois, assim descreveu o seu
trabalho e os operrios locais:
Mas, enfim, esta Mataripe: uma experincia verdadeiramente fabulosa. Havia uma
populao extremamente rudimentar, da poca do cro-magnon, do homem de
Neandertal, ou algo parecido. Essas pessoas, do interior, tinham um nvel de
educao, de cultura, de hbitos cotidianos e de higiene baixssimos. Eu me lembro
da poca que construmos a refinaria: ns fizemos alojamentos que tinham lenis
prprios, e estas pessoas se deitavam em suas camas com as roupas sujas de lama.
Estes homens no sabiam que tinham que se lavar. Foi necessrio lhes ensinar a
comer com garfo, pois eles comiam com as mos. Faziam ainda outras coisas desse
gnero. Ns criamos as escolas de soldadores, ns tomamos um monte de
iniciativas, nessa poca, que fizeram subir o nvel dos operrios, que era mais baixo
do que o dos operrios do Rio de Janeiro e de So Paulo105.

Como vemos as expectativas no eram muito otimistas, mas mesmo assim o esforo
para industrializar o petrleo foi feito. Passaremos agora a discutir, atravs dos dados obtidos
junto aos sindicatos de trabalhadores da indstria do petrleo na Bahia, quem eram essas
pessoas que se aventuraram no desafio pioneiro de encontrar e refinar o to sonhado petrleo
brasileiro.

2.2 OS HOMENS A FORMAR: OS TRABALHADORES DO PETRLEO

104

TOSTA FILHO, Incio. Apud: Idem, p. 76.


Apud: NEVES, Paulo Srgio da Costa. Laction syndicale des travaillieurs du ptrole Bahia, Brsil.
Lyon: Tese (Doutorado em Cincias Sociais) Universit Lumire: Lyon 2, Lyon, 1999, p. 301. Traduzido do
original para o portugus por Bruno Casseb Pessoti.
105

54

quase um consenso nas cincias humanas a dificuldade de se encontrar informaes


seguras sobre a composio da fora de trabalho em diversos segmentos industriais. Tal
dificuldade reside na ausncia quase que total de dados em quantidade e qualidade confiveis,
uma vez que, por diferentes motivos, o acesso tanto s fontes guardadas pela empresa quanto
pelo sindicato bastante complicado. No primeiro caso o problema reside, geralmente, no
pequeno interesse que as empresas tm em fornecer tais informaes, pois os seus gestores e
diretores enxergam com certa dose de desconfiana os pesquisadores interessados em tal
temtica, por associ-los esquerda ou aos sindicatos, ou ento por temer que os resultados de
suas investigaes revelem informaes desconfortveis para ela. No caso dos sindicatos h
historicamente grandes problemas na guarda e conservao dos seus acervos. As prprias
dificuldades de existncia dessas organizaes, sempre s voltas com aberturas, fuses,
divises, carncia de espao, falta de percepo da importncia de conservar a prpria
memria e at fechamentos causam esse problema. Alm disso, a dinmica de represso
imposta pelo Estado em diversas fases da histria brasileira fez com que muitos desses
documentos fossem apreendidos pela prpria polcia ou at mesmo destrudos por policiais ou
pelos prprios militantes, que temiam ser pegos pelos rgos de represso com qualquer
desses papis sob sua responsabilidade.
As dificuldades apontadas acima tambm foram, de certo modo, enfrentadas neste
trabalho, sobretudo no que diz respeito ao total desinteresse da empresa em fornecer qualquer
tipo de informao sobre os seus trabalhadores. Mesmo assim, conseguimos encontrar dois
conjuntos documentais extremamente valiosos para essa anlise: as fichas de filiao sindical
do Sindicato dos Trabalhadores da Indstria de Refino e Destilao do Petrleo no Estado da
Bahia (Sindipetro/Refino); e o livro de registro de associados do Sindicato dos Trabalhadores
da Indstria de Extrao do Petrleo no Estado da Bahia (Sindipetro/Extrao)106.
Apresentaremos neste tpico alguns dados sobre a composio da fora de trabalho
petroleira na Bahia, entre os anos de fundao da referida indstria e o golpe civil-militar de
1964. Estas fontes contm informaes sobre nome, sexo, local de nascimento, estado civil,
funo e endereo dos associados. Alm disso, as fichas dos associados do Sindipetro/Refino
apresentam a escolaridade, o setor de trabalho e as fotografias dos associados. Sabemos que
106

Mais adiante, quando tratarmos do surgimento do sindicalismo petroleiro, explicaremos o porqu da


existncia de dois sindicatos para representar os petroleiros baianos. Para o presente captulo, importante dizer
que as filiaes comeam a ser feitas em 1954, ano de fundao da primeira associao de classe dos petroleiros,
e que computamos as fichas somente at o ano de 1964, data limite dessa pesquisa. Para o livro de registros do
Sindipetro/Extrao, computamos todas as entradas registradas nos dois livros localizados, que iam at o final do
ano de 1961.

55

tais dados no esgotam a discusso sobre a composio da fora de trabalho petroleira baiana,
uma vez que se tratam de amostras. Apesar disso, o alto nmero de trabalhadores que se
associaram s suas entidades e o alto percentual de fichas e entradas no livro de registros
encontrados nos animam a afirmar que a discusso ora apresentada nos ajudar a melhor
compreender esses primeiros captulos da histria dos petroleiros.
Quanto ao nmero total de trabalhadores do petrleo conseguimos localizar os
seguintes dados. O CNP afirma em seu relatrio de 1950 que chegaram a trabalhar nas obras
de construo da Refinaria de Mataripe cerca de mil e quatrocentos homens. Thales de
Azevedo apresenta mais tarde, no incio de 1959, um total de sete mil quinhentos e cinqenta
e trs empregados, distribudos entre os campos de produo, o Terminal Martimo de Madre
de Deus e a Refinaria de Mataripe. Sabemos que tais nmeros apesar de nos fornecerem uma
boa e consistente base sobre o total de trabalhadores da estatal do final da dcada de 1950
eram incompletos. Alguns campos de produo como Mata de So Joo e as oficinas da
Jequitaia (situadas em Salvador) no apareciam nessas estatsticas. O prprio Thales de
Azevedo reconhece essa limitao e ainda lembra que esse nmero variava de acordo com as
necessidades da empresa, que poderia demitir ou contratar mais funcionrios de acordo com a
dinmica dos servios executados107.
A tabela 1 apresenta informaes de abril de 1964 sobre a quantidade total de
trabalhadores empregados pela Petrobrs e esses so os nicos dados oficiais encontrados
para o perodo compreendido por esse estudo.
TABELA 1:
EMPREGADOS POR UNIDADE DA PETROBRS NA BAHIA (05/1964)

UNIDADE

N DE EMPREGADOS

Complexo Petroqumico da Bahia

Escritrio de Salvador

146

Refinaria Landulpho Alves Mataripe

3.202

Regio de Produo da Bahia

9.124

107

AZEVEDO, Thales. O advento da Petrobrs no Recncavo. In: BRANDO, Maria de Azevedo (Org.).
Recncavo da Bahia: sociedade e economia em transio. Salvador: Fundao Casa de Jorge Amado;
Academia de Letras da Bahia; Universidade Federal da Bahia, 1998, p. 195.

56

Terminal Martimo de Madre de Deus

844

TOTAL

13.310

Fonte: Petrleo Brasileiro S/A (Petrobrs), Mensrio Estatstico de Pessoal, ano V, maio de
1964.

Como podemos ver, esses nmeros dizem respeito somente a cinco das seis unidades
do estado, uma vez que o Complexo Petroqumico do Estado da

Bahia, em fase de

implantao, no forneceu naquele ms informaes sobre a quantidade de seus funcionrios.


Deduzimos, no entanto, a partir do nmero de empregados da obra do Complexo
Petroqumico da Bahia filiados ao sindicato (cento e trs) e com base no percentual mdio de
filiaes nos dois sindicatos girar entre 70% e 80 % do total de funcionrios da empresa que o
Complexo Petroqumico do Estado da Bahia no teria mais do que cento e cinqenta
funcionrios e que, portanto, o total de empregados da Petrobrs na Bahia era de cerca de
treze mil e quinhentos homens.
Ainda segundo dados da prpria empresa, fornecidos no mesmo ano de 1964, dez mil
setecentos e quarenta e seis trabalhadores eram filiados aos seus sindicatos, nmero que
representa 80,73% do quadro total de funcionrios da empresa e talvez a quase totalidade dos
operrios, haja vista que os engenheiros e chefes mais graduados no adentraram em
quantidade significativa em nenhuma das duas entidades, pois preferiram fazer-se representar
atravs de suas prprias entidades. Daqueles trabalhadores, sete mil e quarenta e um (65,52%)
eram associados ao Sindipetro/Extrao enquanto os outros trs mil setecentos e cinco
(34,48%) eram representados pelo Sindipetro/Refino. Localizamos, contudo, em nossos
levantamentos boa parte do universo de trabalhadores pesquisados. Foram encontrados nos
registros dos dois sindicatos nove mil cento e sessenta e nove associados, o que representa
68,87% do total de funcionrios e 85,3% dos trabalhadores sindicalizados, configurando uma
amostra com alto teor de representatividade. Destes nove mil cento e sessenta e nove homens,
seis mil quinhentos e quarenta e trs (71,36%) eram scios do Sindipetro/Extrao e os dois
mil seiscentos e vinte e seis (28,64%) restantes do Sindipetro/Refino. So com esses dados
que trabalharemos a partir de agora.
O primeiro aspecto importante a ser observado diz respeito composio por sexo da
mo-de-obra petroleira empregada na indstria do petrleo, que como podemos constatar
absorveu nos seus mais diferentes setores e localizaes uma mo-de-obra essencialmente
masculina:
57

TABELA 2:
DISTRIBUIO POR SEXO DOS ASSOCIADOS DO SINDIPETRO/REFINO E
SINDIPETRO/EXTRAO.

Sindicato

Masculino (%)

Feminino (%)

Total

Refino

2.571 (97,9)

55 (2,1)

2.626 (100)

Extrao

6.424 (98,2)

119 (1,8)

6.543 (100)

Fonte: Fichas de filiao sindical do Sindicato dos Trabalhadores da Indstria de Refinao e


Destilao do Petrleo do Estado da Bahia (Sindipetro Refino) e Livro de Registro de Associados do
Sindicato dos Trabalhadores da Indstria de Extrao do Petrleo do Estado da Bahia (Sindipetro Extrao).

Como vemos, se somarmos as mulheres da extrao e do refino, teremos um total de


cento e oitenta e duas associadas aos seus sindicatos, o que representa menos de 2% do
cmputo total de membros das entidades. A parca presena feminina no corpo de funcionrios
do CNP e da Petrobrs pode ser avaliada como fruto da mentalidade da poca e tambm das
condies de trabalho vigentes nos primeiros anos de Mataripe e dos campos de extrao.
Mesmo em pequena quantidade, esse nmero de mulheres bem superior ao apontado por
Thales de Azevedo, em 1959. Ele afirmou erroneamente, com base em informaes prestadas
pelos gestores da empresa, que trabalhavam na estatal do petrleo somente duas mulheres,
uma qumica em Catu e uma assistente social na ampliao da Refinaria108.
A desproporo entre os sexos parece ser uma realidade existente ainda na atualidade.
Ferreira e Iguti afirmaram num estudo sobre os trabalhadores da Refinaria de Cubato feito na
dcada de 1990 que na produo no existiam mulheres e que sua atuao se restringia a
trabalhos administrativos, cargos tcnicos ou de chefia e, em apenas alguns casos, de apoio
produo, como no laboratrio109. As autoras, entretanto, no formularam nenhuma hiptese
para essa ausncia feminina. Dados de 2006 apontam para a presena de seis mil seiscentos e
sessenta e quatro mulheres na Petrobrs controladora, o que representa cerca de 14% do total
de funcionrios110. Apesar da permanncia da diferena, esse nmero bastante superior ao
encontrado no perodo abordado pela nossa pesquisa.

108

AZEVEDO, op. cit., p. 197.


FERREIRA, Leda Leal. IGUTI, Aparecida Maria. O trabalho dos petroleiros: perigoso, complexo, contnuo
e coletivo. So Paulo: Scritta, 1996, p. 14.
110
PETROBRS. Balano Scio e Ambiental 2006. s/l, 2006, p. 79.
109

58

Sabemos que foi comum no Brasil, desde o incio do sculo XX pelo menos, a
utilizao de trabalho feminino em alguns setores industriais, como o txtil por exemplo. Sua
presena numrica comumente ultrapassava a masculina. Na Bahia, em 1920, as mulheres
atingiam, de acordo com o Censo Industrial, 67,3% da fora-de-trabalho empregada naquela
indstria111. Alm da estratgia dos empregadores para pagarem menores salrios, a
explicao para esse fato se encontra na prpria caracterstica da produo txtil que possua
algumas mquinas que necessitavam de dedos pequenos e mais delicados para o seu
manuseio, o que tambm proporcionou uma grande presena infantil nesse setor de trabalho
industrial.
Partindo desse exemplo, pensamos que preciso, portanto, observar algumas
caractersticas do trabalho na indstria petrolfera para entender essa ausncia de mulheres em
seus quadros. Assim, precisamos salientar que o trabalho do petrleo estava em sua origem
(como em certa medida ainda est na atualidade) associado ao perigo de exploses e acidentes
diversos, bem como necessidade de fora fsica para a realizao das tarefas. Ademais,
trabalhar com petrleo em seus primeiros anos representava lidar com o desconhecido, com as
matas fechadas, com os mosquitos e com os animais peonhentos. Acreditamos que todos
esses aspectos foram inibidores da presena feminina. As suposies e formulaes acerca do
gnero feminino como sexo frgil devem ter afastado no s o interesse dos gestores na sua
contratao como o interesse das prprias mulheres em participar de tal aventura.
Na tabela 3 podemos ver a distribuio quais as funes exercidas pelas mulheres na
indstria do petrleo.
TABELA 3:
DISTRIBUIO DE MULHERES POR FUNO NA INDSTRIA DO PETRLEO

111

Funo

Refino

Extrao

Total

Ajudante

Armazenista

Arquivista

Auxiliar administrativo

13

20

CASTELLUCCI, op. cit., pp. 72-73.

59

Auxiliar de copa

Auxiliar de cozinha

Auxiliar de escritrio

10

31

41

Auxiliar de enfermagem

12

Bibliotecria

Copeira

Cozinheira

11

11

Datilgrafa

13

Despenseira

Enfermeira

Escrevente

Estagiria

Ficharista

Lavadeira

Operadora de mquina de contabilidade

Parteira

Servente

11

17

28

Tcnica em contabilidade

No informado

14

Total

55

119

174

Fonte: Fichas de filiao sindical do Sindicato dos Trabalhadores da Indstria de Refinao e


Destilao do Petrleo do Estado da Bahia (Sindipetro Refino) e Livro de Registro de Associados do
Sindicato dos Trabalhadores da Indstria de Extrao do Petrleo do Estado da Bahia (Sindipetro Extrao).

Notamos acima duas mulheres indicadas como ajudante e armazenista. Essa


constatao no deve ser entendida como comprovadora da presena feminina na produo
industrial propriamente dita. As duas terminologias eram usadas para designar a maior parte
dos profissionais pouco qualificados e sem uma funo fixa, que no era necessariamente
exercida na rea de produo. O ajudante poderia ser tanto de produo quanto de escritrio.
60

Armazenista, por sua vez, era o profissional responsvel por organizar mercadorias, fossem
elas ferramentas ou materiais de supermercado, cozinha e escritrio112. Atuavam, portanto,
nos escritrios, limpeza e cozinha e no servio de sade. Nenhuma delas estava empregada na
produo.
Notamos que o perfil funcional das trabalhadoras tanto da extrao quanto do refino
era o mesmo. Elas estavam empregadas nas reas de escritrio e administrao, limpeza,
cozinha e servio de sade. Contudo, mesmo nos setores que absorviam mulheres, a sua
presena era proporcionalmente mais baixa que as dos homens. Na indstria de extrao, por
exemplo, com a exceo da rea de sade, na qual as mulheres perfaziam um total de 68,4%
dos servidores, nos outros dois setores as mulheres eram minoria, pois perfaziam somente
11% das pessoas que serviam na limpeza e cozinha e 19,2% na seo de escritrio e
administrao.
Essa preferncia pelo sexo masculino pode ser explicada pelas especificidades dos
primeiros anos da indstria do petrleo.Conforme j mencionamos anteriormente, houve uma
grande dificuldade de acesso aos locais de trabalho, que eram geralmente distantes dos
grandes centros populacionais. A carncia de um sistema de transporte regular e eficiente,
bem como as condies adversas de trabalho e moradia afastaram o interesse de muitas
pessoas pela atividade nascente. Houve, a partir da, um esforo dos gestores da indstria para
criar condies que garantissem locais de moradia e alojamento para os funcionrios em
pontos prximos ao seu trabalho. Entendemos que a insero massiva de mulheres acarretaria
mais responsabilidades e custos, obrigando os gerentes da empresa a construir alojamentos
femininos, bem como transporte especfico.
O improviso, caracterstico da implantao petrolfera na Bahia, no comportaria mais
essa responsabilidade. Era mais fcil utilizar uma fora de trabalho masculina em quase sua
totalidade. A ausncia de dados e pesquisas sobre outras reas onde foram instaladas
refinarias estatais de petrleo, como So Paulo (Refinaria de Cubato) e Rio de Janeiro
(Refinaria de Duque de Caxias), impede-nos, entretanto, de comparar a diviso de sexos em
outras localidades com o mesmo tipo de indstria.
No encontramos, tambm, nenhuma mulher nas reas de produo e manuteno,
setores que tm presena exclusiva masculina. Com isso, segundo o operrio Everaldo Zaba
112

FONTES, Lauro Barreto. Catlogo das ocupaes qualificadas. Rio de Janeiro: Petrobrs, 1963, p. 8.

61

os prprios operrios tiveram a preocupao de garantir que somente homens machos


fizessem parte das equipes de trabalho. No permitiram, assim, falsas bandeiras dentro dos
alojamentos, pois a presena de um homem com supostos hbitos errados atrapalharia a
harmonia entre os colegas113.
Figura 4:
Petroleiros em seu momento de lazer

Fonte: Acervo pessoal de Jos Carlos de Souza Vivas.

Por tudo isso, a cultura de trabalho dos petroleiros exaltava a masculinidade. Isso pode
ser observado nas histrias sobre farras e brigas presentes em seu anedotrio, como por
exemplo, em vrios casos contados por Eunpio Costa. No episdio chamado de No cabar
dos bandidos, o memorialista de Mataripe relembra que aps uma farra de final de ano na
zona do meretrcio de Candeias vrios petroleiros, aps tomar umas e outras e l (sic) pras
tantas decidiram voltar ao alojamento. J quando se preparavam para o descanso, dois dos
farristas entraram em desavena e o saldo do conflito foi uma peixeirada na barriga de um
dos briges, que resultou em sua morte por falta de socorro114. A naturalidade com que essa

113

Depoimento do auxiliar de produo Everaldo Fonseca Zaba, lotado na Regio de Produo da Bahia e
contratado pela empresa em 1957. Entrevistadores: Alex de Souza Ivo e Daniela Nunes Nascimento. Entrevista
realizada em: 16 de agosto de 2007.
114
COSTA (1989), op. cit., pp. 26-27. Eunpio, funcionrio aposentado da RLAM, decidiu aps quase trinta
anos de trabalho contar, segundo suas prprias palavras algumas coisas da Refinaria de Mataripe,
principalmente seus casos e causos. Preocupado com a perda de muitos colegas, depositrios e contadores
dessas histrias, ele decidiu reunir no s a histria (entendida por ele como os fatos mais importantes da
empresa), mas tambm os casos, causos e brincadeiras contados pelos colegas. Para a realizao de seus livros,

62

tragdia contada refora a idia da normalidade dos embates fsicos pessoais e que beber e
brigar era mais uma forma que os petroleiros tinham de reafirmar sua masculinidade diante
dos colegas.
Sabemos, a partir dos dados acima, que a fora de trabalho petroleira era composta por
homens. Essa informao, porm, ainda revela muito pouco. Precisamos tambm saber com
mais detalhes de onde vieram esses homens que assumiram a responsabilidade de pr em
funcionamento o setor industrial mais cobiado e discutido do Brasil das dcadas de 1940 e
1950. Os dados a seguir, nos fornecem alguma luz sobre o assunto.
TABELA 4:
ESTADO DE NASCIMENTO DOS TRABALHADORES DA INDSTRIA DO PETRLEO.

Estado ou regio de nascimento

Refino (%)

Extrao (%)

Bahia

2.348 (92,3)

5.738 (93,4)

Demais estados do Nordeste

140 (5,8)

316 (5,1)

Estados do Norte

6 (0,2)

26 (0,4)

Estados do Sudeste

38 (1,4)

47 (0,8)

Estados do Sul

5 (0,2)

12 (0,2)

Estados do Centro Oeste

2 (0,1)

4 (0,1)

Total

2539*

6143**

* Excludos os 84 operrios que no tinham o estado de nascimento indicado pela ficha.


** Excludos os 400 operrios que no tinham o estado de nascimento indicado no livro de registro de
associados.
Fonte: Fichas de filiao sindical do Sindicato dos Trabalhadores da Indstria de Refinao e
Destilao do Petrleo do Estado da Bahia (Sindipetro Refino) e Livro de Registro de Associados do
Sindicato dos Trabalhadores da Indstria de Extrao do Petrleo do Estado da Bahia (Sindipetro Extrao).
consultou arquivos da refinaria, contou com a documentao cedida por Carlos Eduardo Paes Barreto, construtor
e primeiro superintendente de Mataripe, e entrevistou diversos colegas. Ao mesmo tempo, relatou momentos
vividos e presenciados por ele. Seu livro tem, portanto, duas partes: a de histria e a de casos. Na primeira
teremos o mesmo procedimento metodolgico presente na consulta de qualquer fonte secundria. Na segunda,
quando abordarmos ou contarmos seus casos e causos, adotaremos o mesmo procedimento da histria oral.
No nos interessar a verdade expressa pelas palavras de quem viveu o fato estudado, procuraremos,
sobretudo, mais alguma verso sobre o evento histrico estudado, ou ento, histrias, estrias, casos e causos
que verdadeiros ou no so perfeitamente verossmeis e inteligveis dentro do contexto que se inserem e que
buscam relatar.

63

Constatamos, ento, que a indstria petrolfera empregou uma mo-de-obra


essencialmente local. Os baianos eram maioria absoluta na indstria. No que diz respeito a
qual regio especfica da Bahia vieram esses trabalhadores, podemos concluir que na indstria
do refino dos dois mil trezentos e quarenta e oito trabalhadores baianos, mil novecentos e
sessenta e oito (83,8%) nasceram em Salvador e cidades prximas s zonas de atividade
petrolfera. Na extrao esse nmero de cinco mil e sete, perfazendo 87,3% do total de
baianos. Isso quer dizer que apesar de ter ocorrido um relevante deslocamento de homens para
essas reas a mo de obra aproveitada era essencialmente local e j estava prxima aos pontos
de trabalho. Do universo total de homens que trabalhavam diretamente com o petrleo,
conseguimos identificar apenas mil setecentos e sete que podem ser considerados migrantes
propriamente ditos.
A migrao parece ter ocorrido para os cargos de mais alto mando, haja vista que as
selees para estes postos eram feitas em mbito nacional, dada a escassez de profissionais
preparados para a indstria do petrleo. As falas dos petroleiros apresentam tambm os
engenheiros e tcnicos mais graduados como vindos de fora da Bahia. So lembrados como
paulistas, cariocas, gachos e mineiros. O jornal A Tarde, em sua edio de 18 de agosto de
1951, revela a saga dos engenheiros do petrleo. Escolhe quatro deles para entrevistar e
nenhum era baiano115. Essa origem geogrfica dos engenheiros ser um aspecto que reforar
os ecos do movimento regionalista dentro do espao de trabalho dos petroleiros.
Infelizmente, no podemos inferir com exatido qual a experincia de trabalho
anterior dos operrios do petrleo. No encontramos nas fontes consultadas nenhum tipo de
informao sobre as atividades pregressas dos contratados. Contudo, algumas especulaes
podem ser feitas. As principais atividades de Salvador e das cidades do Recncavo eram a
rea de comrcio e servios, a pesca, a agricultura de subsistncia em pequenas propriedades
ou monocultora nos grandes latifndios. Alm disso, sabemos que o setor industrial baiano
era bastante limitado, desde a crise do setor txtil, j manifesta desde a dcada de 1930.
Em sntese, conquanto existissem ainda, basicamente fbricas de tecidos e indstrias
de alimentos, os seus trabalhadores no tiveram prioridade de contratao na indstria do
petrleo. A exceo reside nas usinas de cana-de-acar, que constantemente so lembradas
como importantes fornecedoras de mo-de-obra para a indstria do petrleo. Mesmo assim,
parece-nos que o critrio preponderante para o emprego no foi a experincia fabril, haja vista
115

A Tarde, 18/08/1951, p. 12.

64

que se tratava de uma indstria praticamente nova e a vivncia do candidato em alguma


fbrica no implicaria, necessariamente, em experincia para o trabalho com petrleo. A fala
do petroleiro Manoel Santos ressalta que muitos recusavam o trabalho e qualquer um que se
dispusesse a enfrent-lo era logo recrutado. Segundo o depoente, somente os catingueiros,
pessoas com poucas perspectivas, aceitavam a labuta com o petrleo. Suas palavras so
importantes para compreendermos este aspecto imaginrio que relaciona o trabalho do
petroleiro como um ato herico:
Do incio da Petrobrs os homens que iam ali pra Aratu era aqueles catingueiro que
vinha do serto, porque antigamente eles vinham a p. J ouviu falar isso? Eles
vinham a p de Serrinha pra Sarvador, de Santa Brbara pra Sarvador e tudo. Quer
dizer, ele ia passando ali, chamavam ele, ele ficava ali, ele no entendia nada, ficava
ali e ali mesmo ele trabalhava. O americano dava comida a ele e tal, dava o lugar de
dormir, eles no eram daqui, eles trabalhava. Mas os daqui mesmo, nenhum. Daqui
de Candeias, nem de Aratu, nem por ali por aquele meio ali de Sarvador, ningum
queria ir. Porque eles diziam que aquele servio ia matar eles... Ns no temos um
homem de Aratu ali, de Mapele que quisesse trabalhar no petrleo. Os que tinha
como eu tou lhe dizendo, vinha do serto e a chegava l, fichava, mas dali mesmo
no. Eu sei que a gente, eu cortei muita volta. Agora eu s fiquei no petrleo mesmo
porque eu tive coragem, porque eu tive coragem de ficar. Porque muita coisa difci eu
peguei.116

Ademais, a baixa faixa etria dos operrios sugere que experincia no foi
preponderante, mas sim disposio, fora e o desejo de entrar no mundo do trabalho formal.
No caso dos filiados ao Sindipetro/Refino, quando tomamos por base o ano de 1964 (data
limite desta pesquisa), verificamos que mais de 60% dos filiados tinha entre 24 e 34 anos, o
que diminui a possibilidade deles terem uma larga experincia em outros setores da indstria.
Mesmo sabendo que a entrada no mercado de trabalho para as pessoas das classes populares
costumava acontecer muito cedo, acreditamos que isso no ocorria majoritariamente em reas
industriais, pois a j citada decadncia industrial baiana impedia uma absoro massiva de
jovens trabalhadores. Na extrao, a mesma faixa etria aparece entre os filiados ao
Sindipetro/Refino. Temos registradas as filiaes que vo de 1955 a 1962 e elas demonstram
que dos seis mil e duzentos associados que tiveram a idade declarada no ato da entrada no
sindicato, cinco mil e noventa e quatro (82,2%) tinham at 35 anos. Alm disso, sabemos que
77% dos associados do refino entraram na empresa aps o ano de 1957, quando comeou a
ser adotada a prtica de treinamento de jovens sados do Ensino Mdio nas escolas
soteropolitanas e nas Escolas Tcnicas.
116

Depoimento do tratorista Manoel Ferreira Santos, lotado na Regio de Produo da Bahia e contratado para
trabalhar com o petrleo em 1943. Entrevistador: Alex de Souza Ivo. Entrevista realizada em: 25 de janeiro de
2008.

65

Alguns depoentes chegam a relatar suas experincias anteriores de trabalho, mas as


atividades fabris no aparecem em destaque. Elas se perdem, na verdade, em meio a uma srie
de outras ocupaes profissionais. O caso do vigilante Raimundo Lopes, por exemplo,
ilumina essa questo. Vamos sua fala:
Vim para Salvador, a... antes em Itaparica eu j trabalhava na... comecei a trabalhar
na fbrica de tecidos e por volta dos 14 anos eu vim para Salvador, onde meu
primeiro emprego oficial foi a guia Central... guia Central. Quando eu sa, fui
trabalhar em um armazm de uns espanhis, da quando eu sa do armazm, fui para o
exrcito, eu fui para a Petrobrs.117

O depoente rodou em diversas atividades. Mesmo passando pela funo de aprendiz


em uma fbrica de tecidos, ainda quando criana, o que pode sugerir que uma experincia
fabril pregressa como algo importante para sua admisso, nos parece que outro fator tenha
pesado mais. A passagem pelo Exrcito nos parece ter sido um diferencial para ele e para
muitos. A disciplina dos quartis, exercida por homens do Estado, tal qual na Petrobrs,
serviu como diferencial para a formao desse homem novo que as empresas estatais visavam
construir e que tinham na Petrobrs um de seus maiores smbolos. A tambm j citada
presena de militares em posies importantes dessas indstrias nos permite acreditar que os
jovens recm-sados do servio militar foram vistos como mais apropriados para o trabalho
com o petrleo. A trajetria de Osvaldo Marques Oliveira ajuda a esclarecer esta questo. O
trabalhador antes de adentrar na indstria do petrleo como segurana, serviu no Exrcito e
esteve prestes a combater na II Guerra Mundial, s no embarcando para o front de batalha
por causa do trmino do conflito118. Sua admisso se deu em uma rea da indstria que era
comandada por militar da reserva.
Junto com o servio militar, a nica outra preferncia parece ter sido pelos
trabalhadores das usinas de acar. Este setor considerado pela viso geral como um
exemplo do atraso e a prpria entrada dos seus ex-funcionrios para a Petrobrs chega a ser
vista por alguns, ainda hoje, como um exemplo do choque entre o arcaico e o moderno no
trabalho com o petrleo em terras baianas. A Petrobrs, por sua vez, chegou a ter contratos
com usinas de acar, estabelecendo as condies para a admisso do seu pessoal119. O
depoimento de Ernesto Drehmer, engenheiro vindo do Rio Grande do Sul no ano de 1956 e
117

Depoimento do vigilante e militante do PCB Raimundo Lopes, lotado na Refinaria de Mataripe e contratado
pela empresa em 1958. Entrevistador: Alex de Souza Ivo. Entrevista realizada em: 27 de outubro de 2006.
118
Depoimento do operador e dirigente sindical Osvaldo Marques de Oliveira, lotado na Refinaria de Mataripe e
contratado pela empresa em 1951. Entrevistador: Franklin de Oliveira Junior. Entrevista realizada em: 09 e 10 de
setembro de 1993.
119
AZEVEDO, op. cit., p. 212

66

superintendente de Mataripe entre os anos de 1963 e 1964, ajuda a desfazer essa idia.
Segundo Drehmer, os candidatos recm-sados do Ensino Mdio nas capitais, que vinham
aps terem feito o curso de formao da prpria empresa, nem sempre tinham rendimento
satisfatrio quando eram colocados frente a frente com os equipamentos. Eram preferidos,
ento, os trabalhadores com experincia nas usinas que, apesar de no possurem trajetria no
ensino formal, conheciam alguns equipamentos e melhor se adaptavam essa nova e
praticamente desconhecida atividade industrial:
De um modo geral, muito desse pessoal que trabalhou e que ns selecionamos pra
treinar tambm vinha de usinas de acar. Alguns j conheciam parte de
equipamento, assim como bomba ... processo de evaporao e condensao, etc. O
pessoal j tinha algum conhecimento. Tinha uma vantagem sobre outros que nunca
tinham estado dentro de uma indstria...120

A partir das constataes feitas acima e da prpria fala de Ernesto Drehmer, ficamos
instados a refletir sobre a trajetria desses trabalhadores no ensino formal. Como
demonstramos anteriormente, poca do incio da explorao do petrleo e da construo da
Refinaria de Mataripe j se falava em uma possvel incapacidade, em virtude da baixa
instruo educacional, do homem baiano de se adaptar atividade industrial.
Tal tese foi, mais tarde, de acordo com informaes de Thales de Azevedo, reafirmada
pelos gestores da Petrobrs e, aparentemente, tambm pelo prprio estudioso. Segundo ele, a
fora de trabalho que os fazendeiros conseguiam fazer com que permanecesse em suas
propriedades e no se deslocasse para a Petrobrs era aquela que estava mais adaptada a
relaes pessoais e primrias tradicionais. As prticas do paternalismo das antigas
plantations e fazendas de famlias garantiram que trabalhadores, agregados, meeiros de
nvel mais baixo continuassem nas fazendas tanto pela sua dependncia econmica quanto
pela sua incapacidade de ajustamento s novas condies de trabalho. O analfabetismo, a
falta de treino para trabalhos mecnicos especializados e para ritmo rduo de trabalho,
juntava-se subnutrio e doena e, supostamente, impedia a entrada destes homens na
indstria do petrleo121. Contudo, as concluses do eminente intelectual alm de
demonstraram o seu profundo preconceito em relao aos trabalhadores do recncavo no
condizem com os dados acima apresentados.

120

Depoimento do engenheiro e superintendente de Mataripe (1963-1964) Ernesto Cludio Drehmer, contratado


pela empresa em 1956. Entrevistador: Alex de Souza Ivo. Entrevista realizada em: 31 de outubro de 2006.
121
AZEVEDO, op. cit., pp. 211-212.

67

O prprio CNP, quando da construo da Refinaria, lamentava-se da ausncia de mode-obra qualificada. Evidentemente que os responsveis pela construo de Mataripe no se
referiam, necessariamente, ao baixo nvel educacional dos operrios baianos, mas falta de
pessoas em condies de exercer funes inteiramente novas, difceis de se achar tanto na
Bahia quanto em outros estados do pas, tanto que a soluo para esse problema foi a vinda de
profissionais norte-americanos122.
Eunpio Costa, funcionrio aposentado da Refinaria de Mataripe, conclui que cerca de
80% dos funcionrios da refinaria e 90% da regio de produo no tinham sequer o ensino
primrio completo123. Recorrendo ao pitoresco, esse misto de historiador e memorialista
apresenta o fato acontecido com um certo Vital dos Santos. O rapaz conseguiu emprego na
refinaria em virtude de um contato pessoal com Eugnio Antonelli, um dos mais antigos
trabalhadores do petrleo. Vital, analfabeto, ficou, segundo Costa, cerca de nove meses sem
receber salrio, mesmo cumprindo religiosamente sua jornada de trabalho. Ele andava mais
maltrapilho do que de costume, inclusive, barbudo e cabeludo, pois sequer havia sido
registrado. O operrio sentia vergonha da sua situao de analfabeto e por isso no procurou
o setor pessoal da empresa, mas mesmo assim tinha acesso ao local de trabalho e cumpria
alguma funo dentro da rea produtiva. Somente aps a interveno de Antonelli que foi
verificada a situao de Vital. O padrinho do rapaz conversou com a superintendncia da
refinaria, que compreendeu a situao e pagou os nove meses que o funcionrio havia
trabalhado sem registro e, conseqentemente, sem salrio124.
A bibliografia existente segue as constataes de Costa e tem posio, praticamente,
consensual quanto baixa escolaridade dos primeiros petroleiros. A nica exceo
registrada por Thales de Azevedo. Segundo o estudioso, as atividades da Petrobrs na regio
do Recncavo baiano introduziram grandes massas de operrios, em grande parte de nvel
educacional e tecnolgico elevado, uns recrutados e treinados localmente, outros trazidos de
fora. Conforme veremos a partir de agora, os dados levantados por essa pesquisa se
aproximam das constataes de Eunpio Costa.

122

Relatrio do CNP 1949, p. 61.


COSTA (1990), op. cit., pp. 242-243. O Ensino Primrio correspondia ao que hoje chamamos de primeiro
ciclo da educao fundamental. Eram os quatro primeiros anos aps a alfabetizao.
124
Idem, pp. 31-32.
123

68

TABELA 5:
NVEL DE INSTRUO DOS ASSOCIADOS DO SINDIPETRO/REFINO

Nvel de instruo

Quantidade

Percentual

Analfabetos

26

1,5

Alfabetizados

66

3,7

Primrio

1124

63,4

Ginasial

131

7,4

Secundrio

388

21,9

Superior

43

2,4

Total

1778

100%

* Excludos os 848 funcionrios que no tinham a escolaridade indicada pela ficha.


Fonte: Fichas de filiao sindical do Sindicato dos Trabalhadores da Indstria de Refinao e
Destilao do Petrleo do Estado da Bahia (Sindipetro Refino).

A quantidade de associados, portanto, que concluram no mximo o ensino primrio


chega a 67,1%, nmero relativamente prximo ao apontado por Eunpio Costa. Os nmeros
presentes contrariam, inclusive, uma informao fornecida pelos gestores da empresa a Thales
de Azevedo, em finais de 1958. De acordo com o que nos informa o antroplogo, no eram
admitidos nos quadros da empresa trabalhadores no alfabetizados125. Entretanto, dos vinte e
seis funcionrios no alfabetizados que encontramos, pelo menos sete entraram na empresa
aps a coleta da referida informao.
Esse nmero, diga-se de passagem, deveria ser maior ainda nos primeiros anos de
operao da refinaria. Sua diminuio deve-se prpria prtica da empresa, que ao aumentar
salrios passou a atrair mais trabalhadores e aumentar o seu leque de possibilidades de
contratao, e que alm disso investiu em programas de alfabetizao de seu quadro de
funcionrios. Segundo Charles Santana, por iniciativa do superintendente Carlos Eduardo
Paes Barreto, em 1952, foi organizada a primeira turma de alfabetizao de adultos. Alm
disso, durante a grande ampliao de Mataripe (1956-1961) foram criadas escolas nas quais
os prprios funcionrios serviam de professores, e mais tarde o Sindipetro utilizou sua sede

125

AZEVEDO, op. cit., p. 200.

69

para a realizao de mais cursos de alfabetizao126. No temos, infelizmente, informaes


sobre o nvel de instruo dos trabalhadores da extrao, o que nos impede de fazer uma
comparao com os nmeros existentes para o refino e com as estimativas de Costa.
O teor da avaliao que os autores fazem em relao aos efeitos do baixo nvel
educacional da mo-de-obra contratada varia consideravelmente. Wilson Mattos, por
exemplo, afirma que a falta de escolaridade no atrapalhou a realizao das tarefas de
destilao e refino do petrleo e que a capacidade de adaptao e esforo do trabalhador
baiano foi fundamental para o sucesso do empreendimento. No devemos esquecer, contudo,
que o texto de Mattos foi escrito sob encomenda da direo da empresa, para a comemorao
do cinqentenrio da refinaria. Seu tom , portanto, laudatrio. Oliveira Junior, por sua vez,
sugere que como esses trabalhadores de origem social mais humildes tinham baixas
expectativas, muitas de suas lutas polticas sequer foram encaminhadas e a postura do
primeiro grupo de sindicalistas, por conta dessa caracterstica, muito tmida. Somente com a
grande ampliao e a conseqente atrao de trabalhadores supostamente mais especializados
que as estratgias do primeiro grupo de sindicalistas esgota-se e uma postura mais
combativa comea a ser tomada pelos petroleiros127.
evidente que a anlise dos dois autores encaminha-se para reas diferentes da
experincia operria: uma trata do trabalho fabril e do aproveitamento produtivo de
determinados trabalhadores e a outra se refere eficcia de diferentes formas de ao sindical.
Consideramos, porm, que a presena ou ausncia de educao formal no pode ser parmetro
para nenhum dos dois casos. Primeiro, o treinamento para a operao de aparelhos de
extrao do petrleo no foi dado na escola, nem aos que estudaram somente o primrio, nem
queles que concluram o curso secundrio. Segundo, a qualidade da atuao sindical no
pode ser medida, a priori, pelo nvel de instruo dos sindicalistas ou da base sindical. Alm
disso, veremos mais adiante que os sindicatos dos petroleiros, em seus momentos de maior
sucesso dentro do perodo estudado, mesclou em sua diretoria homens das duas primeiras
geraes de operrios, o que demonstra que a idia de superao da primeira gerao pelo
grupo que adentrou a indstria com o ensino formal no o caminho mais correto para a
interpretao dos fatos.
126

SANTANA, Charles DAlmeida. Uma escola de tecnologia no Massap da Bahia. In: MATTOS, Wilson
(et. al.). Uma luz na noite do Brasil: 50 anos de histria da Refinaria Landulpho Alves. Salvador: Solisluna
Design Editora, 2000, p.176.
127
OLIVEIRA JR, Franklin. A usina dos sonhos: sindicalismo petroleiro na Bahia (1954-1964). Salvador:
Egba, 1996, 28-29.

70

Por fim, importante analisar a categoria cor entre os trabalhadores petroleiros. Tal
exerccio no poder ser feito no caso dos trabalhadores da extrao, pois a fonte consultada
no traz nenhum tipo de registro que permita uma classificao dessa ordem. Faremos,
portanto, somente a anlise dos associados ao sindicato do refino. Esses dados,
evidentemente, no foram anotados pelos responsveis pelo preenchimento das fichas
sindicais. Nos valeremos das fotografias presentes nas respectivas fichas. A classificao
cor segue, portanto, a subjetividade do autor. No pretendemos com ela considerar que os
trabalhadores identificavam a si mesmos e aos outros colegas seguindo esta classificao. No
podemos nos furtar, todavia, dessa varivel que mais adiante poder ser til para identificar os
sistemas de diferenciao e hierarquias, existentes na indstria do petrleo. Usaremos para
este fim as categorias propostas atualmente pelo IBGE128.
TABELA 6:
DISTRIBUIO DOS FILIADOS AO SINDIPETRO/REFINO SEGUNDO A CATEGORIA COR

Cor

Quantidade

Percentual

Branco

646

29,6%

Pardo

584

26,8%

Preto

951

43,6%

Total

2181*

100%

* Excludos os 445 operrios que no tinham fotografia junto ficha.


Fonte: Fichas de filiao sindical do Sindicato dos Trabalhadores da Indstria de Refinao e
Destilao do Petrleo do Estado da Bahia (Sindipetro Refino).

Temos, portanto, uma categoria profissional composta majoritariamente por negros e


mestios. Juntando os pretos e pardos chegamos ao nmero de mil quinhentos e trinta e cinco,
ou seja 70,4% do total de trabalhadores. A quantidade de brancos, por sua vez, bastante
considervel e isso nos impele a mais adiante analisar se hierarquias internas e a trajetria de
educao formal confirmavam ou no clivagens baseadas no quesito cor.

128

Sobre a metodologia de classificao da varivel cor entre grupos de trabalhadores ver: VELASCO E CRUZ,
Maria Ceclia. Tradies negras na formao de um sindicato: Sociedade de resistncia dos trabalhadores em
trapiche e caf, Rio de Janeiro, 1905-1930. In: Afro-sia. Salvador, vol. 1, n 24, pp. 243-290, 2000,
especialmente as pginas 269-272.

71

Esses eram, enfim, os trabalhadores do petrleo. Majoritariamente homens negros e


mestios, baianos, nascidos no Recncavo petroleiro, com uma curta trajetria na educao
formal e possivelmente sem grandes experincias no trabalho industrial. Se voltarmos
passagem do jornal O Momento que serve de epgrafe para este captulo perceberemos que o
articulista do jornal tem uma grande dose de razo. Tratava-se, realmente, de homens simples
que at h alguns anos tinham diferentes profisses. Os trabalhadores do petrleo quase
todos legtimos caboclos do nordeste se dedicaram, ento, a uma tarefa praticamente
desconhecida. Conforme apontamos, existiam dvidas quanto sua capacidade para realizar a
tarefa.
Figura 5:
O Petrolinho*

* O Petrolinho foi um personagem criado em 1963 pela artista plstica Snia Castro. O boneco, um
homem negro, nascido de uma gota de petrleo e vestido com o macaco e o capacete da Petrobrs,
virou um dos principais smbolos dos petroleiros baianos, sendo usado em diversas campanhas dos
seus sindicatos.
Fonte: Revista de Mataripe, maio de 1963.

Foradas pelas circunstncias, ou acreditando verdadeiramente na capacidade desses


trabalhadores, as autoridades pblicas brasileiras e os gestores da indstria do petrleo
optaram por absorver estes homens. No esqueceram, entretanto, de cuidar para que esses
homens se adaptassem e se educassem no trabalho civilizador e emancipador, to enaltecido
pelo discurso ideolgico do Estado Novo e ainda difundido na sociedade brasileira durante os
anos seguintes.
72

CAPITULO 3:
MORADIA, HIERARQUIAS E TENSES: O MUNDO DO TRABALHO
PETROLEIRO

Aqui, no se dorme, sinh dona,


dia e noite a broca funciona!
E se a gente desiste...
que ser da terra abenoada?
preciso ter coragem, Iai,
pois a terra deve ser como a gente;
carece de civismo e animao...129

3.1 A REFINARIA DE MATARIPE, SETORES E HIERARQUIAS DE


TRABALHO

No incio do ano de 1952, a Comisso de Constituio da Refinaria de Mataripe


apresentava ao Conselho Nacional do Petrleo um relatrio detalhado sobre o seu primeiro
ano efetivo de atividades. Segundo o relato, as dificuldades foram muitas e a principal delas
esteve relacionada temperatura bastante alta em que o leo baiano atingia o seu ponto de
fluidez. A sua principal implicao era que constantemente os tubos pelos quais o
combustvel era transportado entupiam, tornando-se desse modo necessria a realizao de
diversas paradas a fim de desentupir as tubulaes130. Alm de se tratar de um trabalho
muito duro e cansativo, as paradas para limpeza e desentupimento de tubos comprometiam
sua produo. Em 1951, a Refinaria que deveria trabalhar em condies normais cerca de
300 a 320 dias por ano, apenas operou durante 246 dias, tendo seu faturamento final
comprometido131.
Esse problema no foi considerado, por sua vez, pelo menos nas pginas do citado
relatrio, como um entrave ao sucesso das atividades da refinaria. Para os seus redatores, o
derivados de petrleo obtidos (gasolina, leo diesel, querosene e gs combustvel) tinham alta
129

Milagre em Candeias. Poema de Petronilha Pimentel publicado como suplemento em: PIMENTEL, op. cit.
Ponto de fluidez a temperatura que o leo bruto atinge e comea a se fragmentar para dar origem aos
derivados. A obra de Mataripe no levou em considerao a especificidade do leo extrado de Candeias, que
tinha um ponto de fluidez diferente daquele que era refinado normalmente nos Estados Unidos, da os constantes
entupimentos de tubulao e as paradas para manuteno do equipamento e desentupimento.
131
Relatrio de funcionamento da Refinaria Nacional de Petrleo do ano de 1951, apresentado pela Comisso de
Constituio da Refinaria ao Conselho Nacional de Petrleo.
130

73

qualidade e vantagem na competio, inclusive, com os produtos importados132. Os campos


de extrao, por sua vez, esforavam-se para ampliar a sua produo e garantir o
abastecimento de leo em quantidade que permitisse ao CNP consolidar o projeto de
duplicao da capacidade de processamento de Mataripe.
Nesse mesmo relatrio, encontramos tambm a nica descrio produzida na poca
sobre o funcionamento interno da refinaria. Nele, os redatores apresentaram os diferentes
setores de trabalho e os seus resultados no primeiro ano efetivo de atividades da usina. Essa
descrio bastante til, pois nos permite entender o funcionamento de uma refinaria de
petrleo e os seus principais setores na rea de produo. Mataripe, em 1951, estava dividida
em sete setores: administrao geral, contabilidade, manuteno, produo, mdico-social,
segurana e vigilncia e o setor comercial. No citada como setor da refinaria no relatrio,
mas tambm dotada de grande relevncia para a nossa anlise era a diviso de obras, pois as
ampliaes foram constantes nos primeiros onze anos de funcionamento da usina e
empregaram um grande nmero de operrios. Nosso foco ser direcionado para os setores de
produo, manuteno, segurana e vigilncia, e obras, pois consideramos que estas eram as
reas mais importantes para o funcionamento e a expanso da refinaria naquele momento,
bem como porque l estavam os funcionrios responsveis pela sua parte operacional.
Mataripe tinha em seu setor de produo a sua rea mais importante133. Ali o petrleo
bruto era transformado em derivados, que deveriam ser entregues ao mercado consumidor.
Alm disso, a tenso que existia entre operadores e engenheiros, uma das mais marcantes
desses primeiros anos, ficava evidente exatamente nesse setor. O refino do petrleo nessa
poca j funcionava segundo o regime de processo contnuo, ou seja, os operadores no
tinham contato direto com os produtos que trabalhavam. Assim, as etapas de produo
passavam por uma definio prvia e a instruo aos equipamentos, decidida e planejada
pelos engenheiros, se fazia de forma automtica. A funo dos operadores era garantir que
esse fluxo predefinido de tarefas no se alterasse134. Suas atividades para terem sucesso
precisavam ser exercidas com um alto nvel de abstrao. Os operadores de Mataripe (como
os operadores de processo contnuo de um modo geral) no viam o produto circulando pela

132

Idem, p. 9.
O Observador Econmico A Refinaria de Mataripe, p. 09.
134
AGIER, Michel; GUIMARES, Antonio Srgio Alfredo. Tcnicos e pees: a identidade ambgua. In:
AGIER, Michel; CASTRO, Nadya Arajo; GUIMARES, Antonio Srgio Alfredo (Orgs.). Imagens e
identidades do trabalho. So Paulo: Hucitec, 1995, pp. 42-44.
133

74

tubulao, mesmo assim necessitavam identificar o seu acontecimento atravs de indicadores


fornecidos pelos seus equipamentos de trabalho e ampliados pela sua experincia na rea135.
Figura 6:
Aspecto interno de uma sala de operaes de Mataripe

Fonte: Conselho Nacional do Petrleo Relatrio de 1951.

Os dois principais profissionais dessa rea eram o operador e o operador chefe. O


primeiro (existiam vrios por unidade) tinha por funo acompanhar as etapas de realizao
do trabalho, verificar se todos os procedimentos programados aconteciam dentro da
normalidade e tomar as providncias necessrias quando algo de errado acontecesse. Cabia ao
operador chefe, por sua vez, a responsabilidade de supervisionar o trabalho da equipe de
operadores e seus auxiliares. Competia a ele zelar pela disciplina e pelo bom funcionamento
do trabalho, bem como estabelecer uma ponte entre a rea de produo propriamente dita e os
engenheiros chefes de setor136. As medidas tcnicas e disciplinares no eram tomadas
necessariamente por ele, mas as suas prerrogativas de avaliar e relatar o que achasse relevante
s chefias colocavam-no numa situao delicada e complexa, que podia envolver tanto
companheirismo e amizade com os seus comandados quanto tenses expressas pela alcunha
de alcagete e puxa-saco dos superiores.

135
136

IGUTI e FERREIRA, op. cit., pp. 21-22.


FONTES, op. cit., pp. 73-74.

75

Os operadores, entretanto, aproximavam-se bastante de seus subalternos, construindo


uma identidade de oposio em relao aos engenheiros. A anlise de Agier e Guimares, em
estudo sobre a forma de trabalho e a criao de identidades entre os trabalhadores do plo
petroqumico baiano na dcada de 1980 nos ajuda a decifrar essa oposio. Os autores
identificam algumas caractersticas que so perfeitamente estendveis ao trabalho nos
primeiros anos de operao de Mataripe.
Para esses estudiosos, os operadores construram sua identidade autodenominada de
pees em oposio tradio bacharelesca e doutoresca dos profissionais de nvel
superior, os doutores. A marca essencial dessa distino a hierarquia e os smbolos de
subordinao associados a ela. Ao mesmo tempo, assinalam os autores, existe uma espcie de
monoplio de poder por parte dos engenheiros, e por isso as reas de produo consolidam-se
como territrios despoticamente comandados por engenheiros (...) no sentido exato de que o
arbtrio da autoridade fabril, na prtica, no encontra limites legais, pois no existem canais
ou mecanismos formais de negociao de agravos. Esses smbolos de autoridade no
aparecem somente no local e nas funes do trabalho, mas existem sobretudo no controle do
prestgio social e em uma srie de benefcios correlatos137. O quadro social pintado aproximase muito de vrios relatos dos primeiros anos da indstria petrolfera, nos quais os
engenheiros aparecem como detentores autoritrios do poder, homens que no levavam em
conta as necessidades dos funcionrios.
A imprensa comunista da poca, por exemplo, falava insistentemente da autoridade
excessiva do engenheiro. O jornal O Momento denunciava de modo recorrente as prticas
despticas de diversos chefes e doutores, que oprimiam os trabalhadores do petrleo e eram
com isso o principal alvo da ira e do ressentimento operrio. Esse sentimento se manifestava
nas falas coevas, e ainda hoje, nos relatos orais sobre este perodo, a memria coletiva da
categoria petroleira recorre sistematicamente a episdios de perseguio e injustia cometidos
pelos engenheiros. O incio das atividades de extrao e refino de petrleo lembrado como
um tempo de despotismo e excessos, no qual as demisses eram to comuns e arbitrrias que
chegavam a ser feitas e despachadas em papis de cigarro, bem como eram corriqueiras as
agresses fsicas aos menos qualificados. Eu vi muito caso de chefe botar o peo dentro de

137

AGIER e GUIMARES, op. cit., p. 45-50.

76

uma sala e dar na cara dele, nos relata o laboratorista aposentado Flordivaldo Dultra138. Essas
histrias no marcam somente as lembranas dos funcionrios de Mataripe. Operrios dos
mais diversos nveis hierrquicos e tambm da Regio de Produo recordam casos negativos
provenientes de sua relao com os tais doutores.
Jos Carlos Vivas, por exemplo, auxiliar de produo na rea de extrao, relata um
episdio de perseguio sofrido por ele, no qual recebeu uma punio que considerou
excessiva, sendo rebaixado de funo pelo engenheiro-chefe do campo de So Sebastio:
eu era operador de poo, o carro quebrou e o engenheiro todo poderoso achou que eu
que teria quebrado o carro, eu disse: doutor, eu no quebrei carro, no. [...] O
engenheiro-chefe nessa poca fez o seguinte: voc quebrou o carro, me tirou dessa
funo, me rebaixou para outra e me deu cinco dias de suspenso. A eu disse, procurei
o advogado da empresa e disse: doutor, segundo meu pouco conhecimento, mas me
parece que um corpo no pode sofrer duas penas e o que t acontecendo comigo.
Como assim? O engenheiro chefe daquele campo me rebaixou de funo e me deu
cinco dias de suspenso. Ele pode fazer isso?. E simplesmente disse: quem
determinou foi ele, ele que manda!. Sindicato nessa poca nem se falava, voc no
tinha defesa, teve que recorrer ao prprio advogado da empresa. O que que vai fazer?
Voc tem que assinar porque afinal de contas o homem o chefe e quem manda aqui
ele

O depoente ainda se recorda de um outro colega que ao topar com o mesmo


engenheiro em uma rinha de galo e, aps a tentativa do superior em prejudic-lo nas apostas,
saiu com um faco em punho em perseguio ao engenheiro, dizendo que se no ambiente de
trabalho ele devia obedincia, isso no era aplicado na hora do lazer, l ele no admitiria de
forma alguma mais um desmando vindo do chefe139.
Se as lembranas do embate so comuns, importante dizer que nas falas dos
operrios aposentados aparecem tambm histrias em que o poder dos engenheiros ao invs
de ser desafiado ou combatido, servia para que operrios tivessem atitudes inovadoras. Eles
podiam usar sua inteligncia para conseguir, sem questionar a estrutura de poder vigente,
transformar o seu desejo em algo aceito pelos engenheiros140. o que nos conta o torrista141
138

Depoimento do laboratorista e dirigente sindical Flordivaldo Maciel Dultra, lotado na Refinaria de Mataripe e
contratado pela empresa em 1954. Entrevistador: Alex de Souza Ivo. Entrevista realizada em: 28 de julho de
2006.
139
Depoimento do auxiliar de produo Jos Carlos de Souza Vivas, lotado na Regio de Produo da Bahia e
contratado pela empresa em 1958. Entrevistador: Alex de Souza Ivo. Entrevista realizada em: 15 de janeiro de
2007.
140
A bibliografia recente sobre a histria social brasileira demonstra como atores sociais subalternos construram
essa estratgia para conseguir garimpar pequenos espaos no sistema social que estavam inseridos. Ver, dentre
outros: CHALHOUB, Sidney. Dilogos polticos em Machado de Assis. In: CHALHOUB, Sidney; PEREIRA,
Leonardo Afonso de Miranda (Orgs.). A histria contada: captulos de histria social da literatura no Brasil.
Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1999, pp. 95-122.

77

Bris, tambm lotado na extrao, que desejoso por jogar futebol de salo, forma de lazer
proibida pelo engenheiro do campo onde trabalhava, usou de todo seu ardil e sabedoria,
dialogando com o seu superior at lhe convencer que no havia problema nenhum na
realizao de partidas de futebol em pequenos espaos, afinal usando um terreno de menores
dimenses para a prtica esportiva, o operrio cansava-se menos e ia para o seu trabalho bem
menos desgastado142.
Contudo, a posio antiptica ocupada pelos engenheiros no deve ser entendida como
o nico fator explicativo para a construo de laos mais fortes entre operadores, auxiliares e
outros operrios. O carter coletivo e arriscado das atividades de extrao e refino do petrleo
tambm concorreu para a construo de uma tica de solidariedade entre os diferentes
operrios nela envolvidos. A boa comunicao e camaradagem iam alm das que surgiam
somente entre os membros de uma mesma turma de trabalho. O bom andamento de uma
unidade de processo de petrleo dependia da interligao e da comunicao entre as diferentes
turmas de trabalho, que passam e recebem relatrios para antecessores e sucessores. Qualquer
anormalidade no funcionamento da unidade precisava ser indicada, sob pena do
comprometimento tanto da qualidade final do produto quanto da segurana dos trabalhadores:
dentro da unidade, voc tinha que ser mais amigo com os colegas de trabalho porque o
ambiente requer esse tipo de comportamento. Porque de uma hora pra outra, por
exemplo, surge um incndio, ou se une o grupo, pra pegar a mangueira, abrir o
hidrante, pra jogar gua, jato dgua, vapor pra apagar o fogo, ou ento...143

O risco de acidentes em uma refinaria imprimiu aos operadores uma tica de trabalho
na qual eles enxergam que sua prpria vida e as de seus colegas dependiam da ateno e da
eficincia do trabalho que eles desempenhavam. No por acaso, criaram um esprito de
confiana que nascia no grupo e estendia-se a chefes e subordinados. Esses laos fortaleciamse com as idias nacionalistas e de ambiente familiar que tiveram forte presena na indstria
do petrleo nacional, pois o trabalho nas empresas estatais era tido como algo que tinha a
funo explcita de cuidar de seus trabalhadores, tidos pelo Estado at ento como
desprotegidos pelos poderes pblicos e pela sociedade de um modo geral.

141

Profissional que executava e acompanhava as atividades das bombas de lama, sob a superviso do sondador.
FONTES, Lauro Barreto Catlogo das ocupaes qualificadas. Rio de Janeiro: CENAP, 1963, p. 106.
142
Depoimento do torrista Bris Tondroff, lotado na Regio de Produo da Bahia e contratado pela empresa em
1954. Entrevistador: Alex de Souza Ivo. Entrevista realizada em: 05 de agosto de 2006.
143
Depoimento do operador de processo Gonalo dos Santos Melo, lotado na Refinaria de Mataripe e contratado
pela empresa em 1958. Entrevistador: Alex de Souza Ivo. Entrevista realizada em: 01 de agosto de 2006.

78

Um outro dado que parece relevante o nvel de instruo baixo comum a operrios
dos mais diversos nveis. Essa semelhana na escolaridade garantiu gostos e hbitos sociais
parecidos e ainda reforava a oposio entre os pees e os doutores. Como vimos
anteriormente, na sua fase de implantao, a indstria do petrleo empregou mesmo em
funes muito relevantes operrios que no tinham uma longa trajetria no ensino formal.
Eles valorizaram o conhecimento prtico em detrimento do saber formal. At finais da dcada
de 1950, os operadores contratados no tinham passado muito tempo nos bancos das escolas.
Os nmeros referentes ao nvel de instruo dos operadores de Mataripe ajudam a
demonstrar a questo. Do universo total dos dois mil seiscentos e vinte e seis trabalhadores
listados no Sindipetro/Refino, conseguimos localizar a funo exercida por dois mil
quatrocentos e oitenta e oito deles. Desse total, duzentos e setenta e nove trabalhadores foram
registrados como operadores e chefes de operadores144. Conseguimos cruzar informaes
sobre escolaridade e funo para duzentos e trinta e trs destes operadores e identificamos que
praticamente 60,1% (somamos os operadores com ensino primrio e ginasial), mais da metade
deles, tinham estudado somente at o ginasial (equivalente ao atual ensino fundamental).
Esses dados apesar de demonstrarem o carter mais seletivo dos postos de operador, reforam
a tese do distanciamento e oposio entre eles e os engenheiros, pois era bastante acentuada a
diferena de instruo entre estes dois grupos de profissionais.

TABELA 7:
RELAO DE ESCOLARIDADE ENTRE OS OPERADORES DA INDSTRIA DO
REFINO DE PETRLEO.

Funo

Primrio (%)

Ginasial (%)

Secundrio (%)

Total (%)

Operadores

95 (40,8)

22 (9,4)

71 (30,5)

188 (80,7)

Operadores chefes

21 (9)

2 (0,9)

22 (9,4)

45 (19,3)

Total

116 (49,8)

24 (10,3)

93 (39,9)

233 (100)

Fonte: Fichas de filiao sindical do Sindicato dos Trabalhadores da Indstria de Refinao e


Destilao do Petrleo do Estado da Bahia (Sindipetro Refino).
144

Em meio a essa categoria mais genrica de operadores e chefes de operadores encontram-se: operadores
chefes de processo, operadores chefes de estocagem, operadores chefes de transferncia e estocagem, operadores
chefes de utilidades, operadores de processo, operadores de estocagem, operadores de transferncia e estocagem,
operadores de utilidades.

79

H que se dizer que essas oposies eram, num certo sentido, cultivadas e at mesmo
incentivadas pelos gestores da prpria Refinaria de Mataripe. Os aumentos salariais, por
exemplo, eram pleiteados de forma diferenciada. Em 1954, enquanto os operrios
concentravam esforos para a construo de sua entidade sindical que proporcionasse canais
de dilogo relacionados s suas condies de trabalho, o qumico Roque Perroni negociava na
sede da Petrobrs, na cidade do Rio de Janeiro, aumento de ordenado para os chefes de
setores. O superintendente, em reunio de diretoria da Petrobrs, no ms de junho, solicitava
reajuste salarial para os postos de chefia e argumentava que tratava-se de um imperativo [...]
ante o aumento do custo de vida e as solicitaes do mercado de trabalho. Entretanto, no
teve sucesso total em sua solicitao, pois o reajuste autorizado foi somente de 50% do que
fora solicitado.
O general Arthur Levy, um dos diretores da Petrobrs, ponderou que antes deste ser
autorizado em sua totalidade fazia-se necessrio o envio, conforme o superintendente j havia
sido alertado, de uma demonstrao do aumento de despesa e sua repercusso no equilbrio
econmico da Refinaria145. Era evidente a preocupao da direo da estatal em no perder
esses profissionais, mas tambm no poderia correr o risco de comprometer os lucros
provenientes da atividade. Por isso mesmo o salrio no poderia subir sem uma melhor
reflexo e no poderia contemplar a todos.
Perroni trs meses depois voltaria a insistir em seu pedido. Falava de um
descontentamento entre os empregados da refinaria, no obstante o aumento concedido a
partir do ltimo 1 de junho. A deciso dos membros da diretoria da estatal presentes na
reunio foi de que apesar da insatisfao geral, Perroni apresentasse na reunio seguinte quais
os homens-chave, que no poderiam ser perdidos para as refinarias particulares e que
somente fosse estudada a concesso de algum aumento para eles146. Trs dias depois, na
reunio do dia 06, Perroni voltou a se fazer presente. Decidiu-se, ento, que seriam
aumentadas as gratificaes de Rolf Jank (chefe do Servio de Produo), Petrneo Areia
Leo (chefe do Servio de Manuteno), Jos Roberto Maria Filipponi (Assistente de
Produo), Eduardo Leonardo Mattesco (Chefe de Laboratrio) e Alfredo Cunha Wanderley
(Assistente de Manuteno). Foi autorizado ainda o aumento de no mximo mil cruzeiros nas
gratificaes dos demais chefes de setor147. Todos os chefes e mais dois assistentes diretos
145

Ata de reunio ordinria da Diretoria Executiva da Petrobrs, 19 de junho de 1954.


Ata de reunio ordinria da Diretoria Executiva da Petrobrs, 03 de setembro de 1954.
147
Ata de reunio ordinria da Diretoria Executiva da Petrobrs, 03 de setembro de 1954.
146

80

foram contemplados pelo aumento e parece que isto foi o suficiente para cessar o
descontentamento que antes reinava entre os empregados.
Voltando ao funcionamento de Mataripe propriamente dito, alm do setor de
operaes merece destaque o de manuteno. Tratava-se, na verdade, de um setor estratgico
fundamental, e para as refinarias de um modo geral. O alto custo dos equipamentos e a
necessidade de que seu funcionamento fosse timo para que a produo no se interrompesse
fazia com que as cobranas sobre os operrios dessa rea fossem intensas.
Mataripe, em seu primeiro ano de operao, exigiu bastante do seu pessoal de
manuteno. Por conta dos problemas provenientes do erro do projeto, que no estava
compatvel com o leo extrado do Recncavo, as paradas para manuteno e
desentupimento de tubulao aconteciam constantemente. A presso sobre esses homens se
evidencia no relatrio de 1951, quando sugerido nas entrelinhas que essas interrupes na
produo eram originadas pela falta de prtica de operaes de limpeza e manuteno de
equipamentos de refinao de petrleo 148. Ou seja, os operrios eram responsabilizados por
um problema que no haviam criado.
No que diz respeito ao setor de manuteno, a falta de uma estrutura de servios prexistente associada localizao relativamente distante da cidade de Salvador imps uma
alterao nos planos dos construtores da unidade. Os gestores desejavam aplicar no Brasil um
modelo semelhante ao adotado pela indstria norte-americana, no qual mantinha-se no quadro
de funcionrios uma diminuta turma de manuteno, responsvel pela realizao de
servios bsicos, e se contratava companhias especializadas para a realizao dos demais
servios. Mas isso no pde ser implementado. No havia na regio nenhuma firma que
pudesse ser contratada.
Para realizar esse trabalho a estatal teve que contar, portanto, com os seus prprios
operrios. Da o alto nmero de funcionrios empregados neste setor, fato que confirmado
pelas fichas de filiao sindical. Localizamos um total de trezentos e quarenta e nove
funcionrios lotados no setor de manuteno, nmero que perfaz 17,8% do quadro geral de
trabalhadores empregados em setores identificados da Refinaria149. Eram eles mecnicos,

148

Relatrio de funcionamento da Refinaria Nacional de Petrleo do ano de 1951, apresentado pela Comisso de
Constituio da Refinaria ao Conselho Nacional de Petrleo.
149
No consideramos, para esse clculo, os cento e trs filiados do Sindipetro que trabalhavam no Complexo
Petroqumico nem os cento e noventa e seis que trabalhavam no Terminal de Madre de Deus. Alm deles,

81

soldadores, eletricistas, ajustadores, caldeireiros, serralheiros, capoteiros, carpinteiros e seus


respectivos auxiliares. Estes profissionais executavam funes tanto preventivas como
emergenciais. Seu trabalho era realizado de forma interligada com o pessoal de operao.
Apesar de existirem inspees e reparos preventivos, muitos dos problemas existentes nos
equipamentos da indstria podiam ser identificados pelos operadores e seus auxiliares e
comunicados equipe de operao, e esta, a partir da, realizava seu trabalho.
Por outro lado, como as instalaes da Refinaria foram feitas prximas ao mar e a
refrigerao dos equipamentos era feita com gua salgada, os efeitos da salinidade do
ambiente precisavam ser combatidos de forma constante150. Ou seja, por essa e outras razes,
os operrios da manuteno estavam sempre em ao, e trabalhando de forma coordenada
com o setor de operao.
Apesar de terem obrigao de conhecer o equipamento tanto quanto os operadores, sua
relao com as mquinas se dava de uma forma diversa da de seus colegas de operao.
Enquanto os primeiros tinham responsabilidade pelos momentos de normalidade do trabalho,
os profissionais de manuteno agiam quando da existncia de algum problema. Esses
profissionais, tanto pelas necessidades de seu trabalho quanto pela prpria condio social e
educacional predominante entre eles, aproximaram suas demandas daquelas defendidas pelos
tcnicos e demais operrios de menor qualificao, fortalecendo a criao da identidade dos
pees em oposio aos engenheiros.
Alm dos setores de operao e manuteno, cabe mencionar ainda a rea de
segurana industrial, que tinha as prerrogativas de vigilncia e combate a acidentes. A
vigilncia propriamente dita tinha como funo proteger o patrimnio, evitando roubos e
furtos, e garantir a circulao somente de pessoas autorizadas nas diferentes reas da refinaria.
J a segurana envolvia aes de brigadas antiincndio e proteo aos equipamentos. A fuso
dessas duas competncias em um mesmo setor no organograma de Mataripe talvez tenha
acontecido por conta de que a responsabilidade por chefi-las competisse a uma s pessoa, o
militar da reserva, Coronel aviador Edgard Azevedo Moreira. A presena de um militar no
comando desse setor e as medidas que envolviam a vigilncia de uma indstria estratgica
gerou diversas queixas contra as supostas arbitrariedades praticadas pela equipe comandada
por Moreira.
trezentos e cinqenta e quatro filiados apesar de trabalharem em Mataripe, no tiveram seu setor de trabalho
informado na ficha de filiao sindical.
150
Idem, p. 12-13.

82

Esse fato, contudo, no foi uma novidade nas jornadas de trabalho das empresas
estatais. Na bibliografia sobre o assunto recorrente a meno presena de um corpo de
guardas com aspectos paramilitares dentro dos ambientes de trabalho. Regina Morel
identificou uma fora desse tipo responsvel por zelar pela disciplina e conter os excessos e as
bebedeiras dos operrios na cidade do ao. A chefia desse corpo de guardas apelidado de
cabeas de tomate era feita tambm por um militar da reserva, o Coronel Luiz Oliveira
Fonseca. A autora demonstra que os homens desse setor so lembrados pelos operrios como
figuras extremamente violentas, mas cujas prticas eram consideradas legtimas, pois a
presena de valentes geralmente identificados como nortistas e nordestinos e as
constantes brigas s poderiam ser contidas com aes desse tipo151. J Ramalho afirma que na
Fbrica Nacional de Motores, durante os seus primeiros anos de funcionamento, a gesto
militarizada do espao de trabalho foi uma caracterstica marcante. A presena direta de
militares, bem como sanes e punies tpicas das foras armadas deram fbrica o aspecto
de um quartel, chegando ao extremo durante o Estado Novo de ser instalada uma jaula no
ptio central da fbrica para punir exemplarmente os operrios acusados de roubo152.
H evidncias que demonstram prticas em Mataripe que se aproximavam das
existentes em suas congneres instaladas no Rio de Janeiro. Em outubro de 1950, por
exemplo, o auxiliar de topgrafo Ansio Lima escreveu ao jornal O Momento contando que os
vigias ou guardas, chamados pelo missivista de capangas dos americanos, agrediram, em
parceria com o Sr. Moreira, um operrio que havia sido demitido e tinha voltado refinaria
em busca de seu salrio153. Quatro anos mais tarde, Moreira reapareceu nas pginas do jornal
comunista. Dessa vez o chefe de segurana era qualificado como um verdadeiro carrasco,
homem que por qualquer pequeno motivo [...] manda[va] demitir um trabalhador. Moreira
era, nas palavras do redator, o xerife de Mataripe, aluso caracterstica a seu poder de
polcia, e ao mesmo tempo aos supostos desmandos praticados pelo chefe de origem
militar154.
Mesmo com um certo exagero, caracterstico da imprensa militante, essa observao
no deve ser desprezada, pois os guardas e o seu chefe Moreira no foram apontados como
agentes da ordem somente pelos articulistas de O Momento. Eunpio Costa relata que em uma
certa ocasio a Sr. Maria Helena, esposa de um operrio, recusou-se a levantar de um lugar
151

MOREL, op. cit., pp. 89-93.


RAMALHO, op. cit., pp. 58-74.
153
O Momento, 28 de outubro de 1950, pp. 02 e 05.
154
O Momento, 27 de outubro de 1954, pp. 02.
152

83

no cinema de Mataripe que era reservado a um engenheiro. Para solucionar o impasse foi
chamado ao local o duro Moreira, mas que dessa vez no conseguiu retirar a senhora do
lugar em que havia se acomodado155. Tais fatos, mesmo que relatados de forma muito breve,
servem como exemplo da forma de ao da vigilncia na indstria do petrleo e o seu papel
no enquadramento dos trabalhadores s normas estabelecidas pelos gestores da empresa.
Parece-nos que a existncia de um setor com as funes e prticas descritas acima concorreu
para aumentar as tenses e insatisfaes dos trabalhadores, sobretudo aqueles que se
encontravam na base da hierarquia e que estavam, portanto, mais susceptveis de se tornarem
alvo da vigilncia da equipe de Moreira.
De qualquer modo, com ou sem excessos da turma de vigilncia, tudo aparenta ter
ocorrido dentro do esperado para a rea de segurana no primeiro ano de operao efetiva de
Mataripe. De acordo com o relatrio consultado, apesar da dificuldade caracterstica do incio
de um trabalho at ento pouco conhecido, no houve nenhuma anormalidade, nem acidentes
ou sequer interrupo no trabalho por questes relacionadas segurana industrial. A
inexistncia de acidente com vtimas fatais e o pequeno nmero de ocorrncias com
necessidade de afastamento de trabalhadores (somente cinco) tambm foi mencionada como
fator positivo156. Em 1952, permaneceu a ausncia de acidentes graves, apesar do aumento de
acidentes com afastamento, que nesse ano pularam para 13 ocorrncias157. Alm disso,
nenhuma questo relacionada disciplina foi considerada digna de nota pelos redatores158.
Isso pode representar, por um lado, que os trabalhadores haviam interiorizado as normas e
recomendaes de disciplina e comportamento ou, por outro lado, se seguirmos os indcios da
existncia de focos de tenso conforme nos demonstra o jornal O Momento, podemos
acreditar que havia um certo mal estar em tratar desses assuntos em uma documentao
estritamente formal como o relatrio.
Por fim, cabe dizer algumas palavras sobre a Diviso de obras. Apesar desse setor no
constar na relao feita pelo Relatrio de 1951, ele deve ter crescido com o passar do tempo,
pois a Refinaria de Mataripe se transformou num verdadeiro canteiro de obras em seus

155

COSTA (1990), op. cit., p. 138.


Relatrio de funcionamento da Refinaria Nacional de Petrleo do ano de 1951, apresentado pela Comisso de
Constituio da Refinaria ao Conselho Nacional de Petrleo.
157
COSTA (1990), op. cit., p. 220.
158
Relatrio de funcionamento da Refinaria Nacional de Petrleo do ano de 1951, folha 16.
156

84

primeiros 11 anos de existncia159. Como j informamos, logo aps o incio das atividades
decidiu-se pela duplicao da capacidade de refino da usina, mas a obra propriamente dita s
veio a ser iniciada dois anos depois, em 1953. Em 1954 foi terminada essa fase de ampliao,
quando comearam a operar as unidades 2 e 3. Isso garantiu que a capacidade de refino
duplicasse e atingisse a casa de 5000 barris de petrleo por dia160.
Mais uma vez, com a garantia do sucesso das atividades da refinaria, foi projetada
uma nova ampliao. Era o ano de 1956. Aps a finalizao do projeto que previa a
construo de mais 11 unidades e o aumento da Unidade 1, o que garantiria a Mataripe uma
capacidade de refino de 20000 barris de petrleo por dia. Dois novos produtos seriam
includos na lista de derivados provenientes da refinaria: lubrificantes bsicos e parafinas. Era
a Grande Ampliao, obra que durou at o ano de 1961 e mobilizou, segundo Eunpio
Costa, um contingente de cerca de seis mil homens161. Eles eram, em sua grande maioria
funcionrios contratados por firmas terceirizadas, mas trabalhavam juntamente com outros
tantos homens pertencentes aos quadros da Petrobrs. Os operrios da construo perfizeram
nas fichas de filiao ao Sindipetro um total de duzentos e vinte homens, distribudos entre as
funes de pedreiros, carpinteiros, ajudantes e trabalhadores braais. Considerados os
trabalhadores menos qualificados, os pees brabos com pouca instruo, e dispostos a
confuses, bebedeiras e tumultos, tinham que ser s vezes disciplinados pelo pessoal da
segurana162.
Quando observamos o nvel de instruo desses homens que serviam nas obras de
Mataripe, podemos ter uma idia mais precisa das causas do preconceito e da preocupao
para com eles:
TABELA 8:
NVEL DE ESCOLARIDADE DOS TRABALHADORES DA DIVISO DE OBRAS
Escolaridade

Quantidade (%)

Analfabeto

7 (3,4)

159

Expresso usada por Jairo Jos Farias para descrever Mataripe quando da sua chegada. In: Depoimento do
arquiteto e superintendente de Mataripe (1962-1963) Jairo Jos Farias, e contratado pela empresa em 1957.
Entrevistadores: Alex de Souza Ivo e Daniele Santos de Souza. Entrevista realizada em: 19 de junho de 2007.
160
COSTA (1990), op. cit. p. 147.
161
Idem, p. 162.
162
Depoimento de Raimundo Lopes, j citada.

85

Alfabetizado

10 (4,9)

Primrio

186 (91,7)

Total

203 (100)

Fonte: Fichas de filiao sindical do Sindicato dos Trabalhadores da Indstria de Refinao e


Destilao do Petrleo do Estado da Bahia (Sindipetro Refino).

Alm de no encontrarmos nesse setor sequer um operrio com o Ginasial e o Ensino


Secundrio completo, observamos que os analfabetos a presentes perfaziam um tero do total
de Mataripe e os apenas alfabetizados cerca de um sexto. Mesmo assim no h referncias a
qualquer preocupao com a formao tcnica desse pessoal, por parte da Petrobrs e do
CNP. As nicas menes educao desses trabalhadores dizem respeito sua alfabetizao.
Certamente a maioria deles estava includa no grupo chamado de labors, termo usado para
designar os trabalhadores menos qualificados da refinaria e dos campos de extrao.
provvel que a origem desse nome esteja relacionada ao convvio entre brasileiros e
norte-americanos nos primeiros anos da extrao e do refino de petrleo na Bahia. Segundo
Mrio Lima, dirigente sindical no perodo, o termo nasceu atravs da forma que os
americanos chamavam esses trabalhadores menos qualificados163. A expresso inglesa
labor, usada para caracterizar trabalho ou labuta gerou provavelmente o termo laborer
para designar exatamente o trabalhador de menor qualificao, que executava trabalhos
braais. Da para a criao da corruptela labor foi um passo bastante pequeno. A primeira
descrio do grupo pode ser encontrada nas pginas de O Momento:
De todos os empregados nos campos, ningum mais miservel e mais explorado
do que os trabalhadores braais, apelidados de labor. Os piores servios so
entregues a eles. Seu salrio no passa de Cr$ 1,70 por hora. So os prias de
Mataripe. Moram em choas e trabalham na sua maior parte na Coria do Sul,
regio de Mataripe que abastece a Refinaria de gua, mas onde as condies de
insalubridade so terrveis.164.

De acordo com a descrio, os labors ocupavam a base da pirmide hierrquica da


indstria do petrleo. Recorrentemente apareceram como aqueles que tinham os seus direitos
menos respeitados, alm de serem tachados de incompetentes e ignorantes at mesmo por
aqueles que diziam defend-los. O jornal comunista, ao criticar na mesma matria o
163

Depoimento do operador chefe e dirigente sindical Mrio Soares Lima, lotado na Refinaria de Mataripe e
contratado pela empresa em 1958. Entrevistador: Alex de Souza Ivo. Entrevista realizada em: 18 de abril de
2007.
164
O Momento, 24/10/1950, pp. 02 e 05. Biblioteca Pblica do Estado da Bahia, Setor de Peridicos Raros.

86

despreparo dos chefes brasileiros e dos tcnicos americanos, valeu-se dos mesmos adjetivos
comumente lanados contra eles. Os tcnicos criticados eram para o jornal to ignorantes em
montagem quanto os labors. Esses homens pouco qualificados apesar de terem sido to
depreciados e de terem sua dignidade e capacidade de trabalho negada por vrias pessoas da
poca, formaram a maior parte da fora de trabalho da indstria que existia para garantir a
redeno econmica do pas, e suas principais demandas foram peas-chave no projeto de
ascenso e de disputas polticas dos sindicatos dos trabalhadores do petrleo, conforme
veremos mais adiante.

3.2.

A FACE VISVEL DAS DIFERENAS: MORADIA, ALOJAMENTOS E

TRANSPORTE

A localizao da Refinaria de Mataripe, construda s margens da Baa de Todos os


Santos, nas proximidades da principal rea produtora de petrleo do Recncavo baiano, o
campo de Candeias, distante cerca de 60 km de Salvador, acabou por afetar as relaes entre
os diferentes estratos de trabalhadores presentes naquele local de trabalho, pois os gestores da
refinaria trataram de construir moradias para os funcionrios considerados indispensveis para
o funcionamento da usina. certo que a existncia de um sistema diferenciado de moradia e
alojamentos, bem como de servio de transporte acentuou contrastes hierrquicos, e foi
considerado por parte significativa dos trabalhadores como mais um elemento a demonstrar a
suposta superioridade de um grupo de empregados em relao aos outros.
Conforme vimos no segundo captulo, Salvador foi, juntamente com as pequenas
cidades situadas no Recncavo baiano, o grande centro fornecedor de mo-de-obra para
Mataripe. Ao mesmo tempo, tcnicos qualificados vindos de outros estados e at mesmo de
outros pases participaram do trabalho na refinaria. Com isso, moradia e transporte passaram a
fazer parte do leque de preocupaes dos profissionais responsveis pela gesto da usina.
Diante da carncia de um sistema eficiente de transporte, bem como das pssimas condies
das estradas de rodagem que ligavam Salvador refinaria, a primeira soluo ventilada e posta
em prtica foi a construo de um conjunto residencial, mais tarde batizado de Vila de
Mataripe. L morariam os profissionais considerados indispensveis ao funcionamento da
refinaria.
87

J no relatrio de 1949 era apontada pelos construtores de Mataripe a preocupao com


a criao de uma estrutura que garantisse condies dos tcnicos e operrios indispensveis ao
funcionamento da Refinaria se estabelecerem juntamente com suas famlias em seu local de
trabalho. No final daquele ano o projeto da construo de uma vila operria comeou a ser
preparado165. No ano seguinte as obras se iniciaram e foram concludas em 1951. Eram 62
casas ao todo. Delas, 50 eram de modelo pr-fabricado e 12 de alvenaria. Mais tarde, esse
nmero chegou a um total de 162 residncias166. Junto como elas, foi construda pelo CNP
uma estrutura mnima de lazer e servios. Tratava-se de 1 um barraco adaptado para cinema;
1 barraco adaptado para cantina; 1 posto mdico, em construo provisria; 3 barraces
diversos para alojamento de pessoal 167. Foram sem dvida medidas adotadas para facilitar a
fixao de um pessoal mais qualificado, notadamente de origem urbana, convidado a se
instalar em uma regio rural, inspita e com poucas opes de lazer.
Figura 7:
Rua da Vila de Mataripe

Fonte: O observador econmico e Financeiro A Refinaria de Mataripe outubro de


1951, p. 27.

Os dados coletados sobre os filiados ao Sindipetro trazem algumas informaes sobre


os moradores da Vila. Localizamos ao todo cinqenta e nove associados que moravam na Vila

165

Conselho Nacional do Petrleo. Relatrio de 1950, p 60.


COSTA (1990), op. cit., p. 133-134.
167
Conselho Nacional do Petrleo. Relatrio de 1949., pp. 13-14.
166

88

de Mataripe, o que perfaz cerca de 36% dos que foram seus moradores. Com base nesses
dados, conclumos que existem algumas diferenas entre esses nmeros e os apresentados no
captulo anterior, sobre o quadro geral de associados ao sindicato do refino. No que diz
respeito ao local de nascimento, por exemplo, o nmero de baianos embora continue
representando a maioria, cai cerca de 10%, atingindo a quantidade de 82,7%, enquanto os
nascidos no Sudeste chegam nessas estatsticas a 5,4%, praticamente o triplo do que fora
encontrado no cmputo total dos associados. Os nmeros referentes ao nvel de instruo
tambm modificam-se significativamente, pois passa a existir um maior equilbrio entre os
profissionais que haviam cursado somente o ensino primrio e os que tinham completado o
curso secundrio. Os primeiros perfaziam um total de 45,3% e os segundos chegam cifra de
39,6%. Merece destaque, por fim, a mudana percentual tambm verificada na cor dos
moradores da Vila de Mataripe. Enquanto no nmero geral de associados, 70,4% foram
classificados como pretos e pardos, entre os moradores da vila eles eram 59% e o nmero de
brancos saltou de 29,6% para 40%. Esses dados demonstram o carter mais seletivo da Vila de
Mataripe, que foi menos permevel aos trabalhadores negros e com menor grau de instruo e
qualificao.
Um aspecto que chama ateno diz respeito aos setores de trabalho e s funes dos
empregados que tiveram acesso s casas da Vila. Foram encontrados trabalhadores dos setores
de sade, operao, manuteno e administrao, o que nos leva a crer que esses eram os
setores de maior relevncia da refinaria e que, portanto, no poderiam parar caso ocorresse
algum imprevisto. A diversificao das funes dos moradores (31 ao todo) tambm sugere
que uma das preocupaes que levara construo da Vila dizia respeito necessidade dos
gestores da usina terem mo sempre que preciso homens chaves de variadas funes. Essa
impresso se refora pelo fato de que nenhum dos moradores exercia funes de baixo
prestgio e fcil reposio. Os mais baixos nveis hierrquicos que encontramos, foram os
auxiliares de operador e de profissionais de manuteno.
A estratgia de construo de vilas operrias no era nenhuma novidade nas relaes
de trabalho brasileiras. Essa forma de gesto da mo-de-obra j havia sido aplicada em outras
ocasies e Leite Lopes aponta em seu estudo sobre os trabalhadores da Companhia de
Tecidos Paulista em Pernambuco que um dos trunfos mais relevantes para a empresa que
adotava o sistema de vilas-operrias era exatamente que essa extenso de domnio para o
espao de moradia garantia a disponibilidade dos trabalhadores para qualquer emergncia
eventual. Morar na Vila trazia consigo obrigaes econmicas e no econmicas geralmente
89

no explicitadas em contrato, o que tinha como implicao uma interferncia direta e


visvel da administrao da fbrica sobre a vida social extra-fabril dos trabalhadores

168

Mataripe no fugiu a essa regra. Parece-nos ter sido comum a convocao de trabalhadores
em seus momentos de descanso e lazer para atividades emergenciais na fbrica. Um dos
episdios relatado por Eunpio Costa revela com bastante riqueza esta faceta.
No caso intitulado Cad o fogo?, o memorialista conta uma brincadeira feita certa
vez por um engenheiro chamado Andrade, que mais tarde viria a ser um dos diretores da
Petrobrs. Ele decidiu, em uma noite em que comandava a unidade 4, dar um trote no seu
auxiliar que morava na vila e estava gozando merecida folga, ao lado da esposa, fazendo s
Deus sabe o qu. Pegou, ento, o telefone e disse ao seu subordinado: desa urgente que
tem fogo em sua unidade. O alvo do trote era um operador-chefe que, de acordo com
Eunpio, dado seu alto grau de responsabilidade, era um daqueles muitos que se sentiam
realmente responsveis pelo bom andamento da sua unidade, por isso independente de se
tratar ou no de horrio de trabalho ele no titubeou e se deslocou rapidamente unidade em
questo. Chegou esbaforido no local, perguntando onde tinha fogo. A o engenheiro puxou-o
pelo brao, abriu uma fornalha e disse: a dentro, o fogo!. O operador chefe, que no teve
seu nome revelado, no gostou nem um pouco da brincadeira e ficou uma arara, mas saiu
sem desabafar. Segundo Eunpio, no se sabe se devido ao engasgo provocado pela raiva
ou se porque o chefe... era o chefe169.
Este evento ilustra com muita propriedade vrias situaes presentes em Mataripe. A
primeira delas era o estado de permanente viglia que o trabalhador era submetido, pois
mesmo em seus momentos de descanso deveria estar a postos para qualquer chamado em
carter de urgncia. Alm disso, por ser uma empresa estatal, logo, considerada propriedade
de todos os brasileiros, inclusive do operrio, a sua responsabilidade era redobrada. Por fim,
mais uma vez reforada a posio de poder do engenheiro, pois mesmo o operador no
tendo gostado nem um pouco da brincadeira, no pde extravasar sua insatisfao. E quando
depois decidiu apresentar uma queixa contra o engenheiro, o processo aps muito tempo sem
definio sumiu misteriosamente, ficando o caso encerrado.
Um caso como este refora a tese defendida por Ramalho, segundo o qual uma das
principais preocupaes e sem dvida uma relevante medida de dominao das empresas
168

LOPES, Jos Srgio Leite. A tecelagem dos conflitos de classe na cidade das chamins. Rio de Janeiro:
Marco Zero; Braslia: Editora da Unb, 1988, p. 17.
169
COSTA (1990), op. cit. p. 52.

90

estatais de primeira gerao sobre os seus trabalhadores foi a adoo de estratgias de gesto
que iam alm do espao produtivo. De acordo com o autor, um dos desdobramentos dessas
indstrias era que a dominao se estendia para alm do processo de produo, com o
controle tambm da esfera da reproduo social170. Por isso foi bastante comum dentro
dessas empresas iniciativas voltadas para a moradia, o lazer e a assistncia social aos seus
empregados. A vila operria, contudo, conforme demonstra o prprio autor, no foi uma
opo unnime.
No caso da Fbrica Nacional de Motores, na sua fase de instalao, identificada como
Tempo do Brigadeiro, havia o projeto de construo de uma grande cidade, a Cidade dos
Motores. O caminho das vilas operrias foi desconsiderado. O modelo de casas
individualizadas e um pequeno quintal que geralmente no era cultivado e s servia para
acumular entulhos e trastes velhos foi descartado a conselho do urbanista Atlio Correia e
Lima. A proposta feita era de construo de apartamentos modernos e confortveis para
alojar vinte e cinco mil pessoas no mesmo terreno onde normalmente seriam alojadas cinco
mil. Eram as modernas concepes urbansticas que preferiam grandes parques, com
piscinas, jardins, campos de esporte e recreio em detrimento do quintalzinho sujo e
pequenino. A idia, contudo, no vingou. As mudanas polticas ocorridas no Brasil do psguerra fizeram com que os planos do brigadeiro fossem abandonados. Somente na segunda
fase dessa indstria, com a chegada de operrios casados e a partir de uma reorientao das
suas necessidades de produo foi que vieram a ser construdas as vilas operrias171.
Na Usina de Volta Redonda, a idia de construo de uma cidade a Cidade do Ao
tambm fez parte dos planos de seus construtores. Diferentemente da Fbrica Nacional de
Motores, esse projeto foi concretizado. Desde o incio pensou-se na construo de vilas
operrias. No que diz respeito s casas, aconteceu um fenmeno semelhante ao de Mataripe e
possvel at mesmo supor que aquele tenha servido de exemplo para este. Na Cidade do Ao
foram construdas moradias segundo padres diferenciados, obedecendo hierarquia da
empresa. Essa foi uma das principais formas de, juntamente com uma outra srie de
benefcios atrair os trabalhadores mais qualificados e fix-los em seu local de trabalho172.

170

RAMALHO, Jos Ricardo. Empresas estatais de primeira gerao: formas de gesto e ao sindical. In:
ABREU, Alice Rangel de Paiva. PESSANHA, Elina Gonalves de Fontes. O trabalhador carioca: Estudos
sobre os trabalhadores urbanos do Estado do Rio de Janeiro. Rio de Janeiro: JC Editora, 1994, pp. 37-38.
171
RAMALHO (1989), op. cit., pp. 49-57 e 96-111.
172
MOREL, op. cit., pp. 57-58

91

Em iniciativas como a de Mataripe, falavam alto tambm preocupaes com questes


da sade. Por isso mesmo, no relatrio de 1951, a Refinaria de Mataripe foi lembrada como
uma das grandes realizaes do Brasil industrial que se formava e, portanto, pelos altos
objetivos que a justificam [...] a assistncia mdica e social [...] se constituiu em poderoso
elemento de colaborao para o xito da administrao em suas relaes com o operariado.
Para isso foi construdo imediatamente um ambulatrio, mais tarde transformado no Hospital
de Mataripe, e j estavam previstas a edificao de um lactrio e de uma pequena maternidade,
por conta do aumento de moradores que seria proporcionado pela ampliao da vila
residencial. Aes dessa ordem se encaixavam perfeitamente no projeto poltico e no discurso
varguista. Era o Estado se esforando para garantir as condies mnimas para que o
trabalhador local contribusse para o progresso do pas.
Figura 8:
Casa da Vila de Mataripe

Fonte: O observador econmico e Financeiro A Refinaria de Mataripe outubro de


1951, p. 28.

A iniciativa de construo de vilas operrias atendia tambm a demandas de ordem


higinico-sanitrias. As medidas no paravam por a e mesmo as casas das vilas eram objeto
de fiscalizao intensiva do estado de higiene como forma complementar de preveno de

92

males como o tifo e a varola173. Conforme identifica Telma de Barros Correia, uma
importante caracterstica dos ncleos fabris era a preocupao com aspectos da assistncia
mdica e da educao, o que permitia uma ingerncia externa direta sobre o corpo e o modo
de ser da famlia operria174.
A estratgia de dominao de Mataripe compreendia, portanto, a interligao das
prticas que preveniam problemas tanto da higiene fsica quanto da higiene do esprito. Da
podemos compreender a necessidade da presena dos freis Rufino e Juvncio, responsveis
pela Capela de Mataripe175. Alm disso, em julho de 1954, exatamente no incio das atividades
da Petrobrs, a sua diretoria considerou a necessidade imperiosa de construo imediata de
um grupo escolar que abrigu(asse) a populao infantil de Mataripe em idade de instruo
primria, autorizando, ento, o seu presidente a estabelecer, juntamente com o Ministro da
Educao, os parmetros para a construo de um prdio escolar para os filhos dos
funcionrios176. No dispomos de informaes mais aprofundadas sobre o papel da capela e da
escola no controle educacional e moral dos moradores da Vila de Mataripe, mas a existncia
de ambas representa uma evidncia significativa de que as preocupaes dos construtores e
gestores da refinaria iam alm de aspectos meramente relacionados distncia da unidade
fabril dos grandes centros urbanos.
Para Jos Srgio Leite Lopes o sistema de fbricas com vilas-operrias apareceu como
um instrumento bastante eficaz no controle sobre os operrios, tambm por parte da iniciativa
privada. O autor apresenta uma srie de motivos que explicam o interesse e a recorrente
utilizao deste expediente. Ele demonstra que no era somente a moradia que estava em jogo.
Tratava-se de um conjunto de acessrios importantes para a reproduo social da fora de
trabalho, bem como para o conforto dos trabalhadores:
A gua, a lenha, a luz eltrica so geralmente controlados por essas fbricas e podem
tornar-se objetos de um preo, objetos de racionamento ou de uma diferenciao entre
os operrios favorecidos ou no com algum desses recursos, ou objetos de uma presso
a ser exercida nos casos de conflito coletivo, de greve, com a ameaa de suspenso do
fornecimento de alguns desses recursos.177

173

Relatrio de funcionamento da Refinaria Nacional de Petrleo do ano de 1951, apresentado pela Comisso de
Constituio da Refinaria ao Conselho Nacional de Petrleo.
174
CORREIA, Telma de Barros. Pedra: plano e cotidiano operrio no Serto. Campinas: Papirus, 1998, p. 143.
175
COSTA (1990), op. cit., p. 135.
176
Resoluo 6/54, Petrobrs.
177
LOPES, Jos Srgio Leite. Fbrica com vila-operria: considerao sobre uma forma de servido burguesa.
In:LOPES, Jos Srgio Leite (Org.). Mudana social no Nordeste. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1979, p. 58.

93

Mataripe no escapava de muitas dessas caractersticas apontadas pelo pesquisador.


Eunpio Costa, ao descrever como era a usina em seus primeiros anos, demonstra alguns
pontos importantes para a nossa reflexo. O memorialista conta que morar na Vila de Mataripe
era um privilgio dos mais graduados, e que estes recebiam roupas de cama, ovos, verduras,
faqueiro completo que era trocado anualmente; alm disso, eles no pagavam gua nem luz.
Ainda dentro do sistema de concesso de vantagens, a Refinaria mantinha uma horta, um
estbulo, uma pocilga. Parte desses benefcios no era somente para os moradores da Vila.
Tquetes de gs, gasolina, e carne, cujos valores eram simblicos e descontados nos
vencimentos, tambm eram estendidos queles que no tinham casa na Vila178.
Em obra comemorativa dos 50 anos da Refinaria a historiadora Nanci Sento S de
Assis apresenta um estudo sobre a Vila de Mataripe e sua formas de sociabilidade179. A autora
enfatiza em seu artigo os pontos de harmonia e concrdia entre os trabalhadores das mais
diferentes gradaes hierrquicas. Isso acontece, sem dvida, porque trata-se de obra
encomendada pela direo da empresa, logo, os aspectos considerados mais conflituosos
naquela experincia e que, portanto, no interessaram tentativa de construo de uma
memria positiva sobre o passado da empresa deviam ser negligenciados por aquele trabalho.
Mesmo assim, a pesquisadora apresenta caractersticas importantes da Vila de Mataripe e
fornece pistas que nos permitem ir alm das suas formulaes e identificar importantes pontos
de tenso que se reproduziam ou que nasciam da concesso de espaos diferenciados e
hierarquizados de moradia por parte da empresa.
ela que demonstra, mesmo que indiretamente, uma lgica segregacionista que se
apresentava na separao entre os clubes dos engenheiros e o clube dos operrios, que
reforava as oposies de identidades entre pees e engenheiros. Tambm demonstra a
existncia de divises em outros locais de lazer. O cinema de Mataripe, por exemplo,
construdo ainda nos primeiros anos de existncia da Refinaria, tinha lugares diferenciados,
definidos de acordo com a posio do expectador na hierarquia da empresa. Alm disso,
demonstra que existiam ruas, destinadas moradia de engenheiros e dos tcnicos norteamericanos (a Rua dos Gringos) s quais os operrios em geral no tinham acesso. Isso era
garantido pela presena de guardas, que tinham a responsabilidade de afastar aqueles que
insistissem em contrariar as normas.

178
179

COSTA (1990), op. cit., pp. 134-135.


ASSIS, Nanci Rita Sento S de. Vila nova, vida nova. In: MATTOS. op. cit., pp. 126-156.

94

O operador aposentado Gonalo dos Santos Melo nos contou alguns detalhes sobre
essas ruas especficas: Inclusive l em Mataripe, quando eu cheguei, habitavam l, tinha uma
rua s de casas americanas, at o modelo das casas era diferente e eles tinham essas casas l
como morada e trabalhavam na refinaria. Indagado sobre o clima entre brasileiros e
estadunidenses, ele foi categrico em afirmar que:
Era pssimo! Porque existia o rano, hoje a gente sabe que excluindo Bush o povo
americano no to ruim assim. Mas naquela poca tinha a idia de que o americano
era imperialista, era tomador da riqueza alheia [...] Ento isso a gente tinha na mente do
trabalhador, ao ponto daquele pessoal mais exaltado quando vinha noite da... dos
bares, dos clubes quando passava pela rua, passava gritando, fazendo algazarra,
xingando: americano, filho da puta, no sei o qu!180

Podemos inferir nesse comportamento relatado uma espcie de dupla insatisfao do


trabalhador local que se materializava em uma nica estratgia de enfrentamento, os
xingamentos para perturbar o sossego dos gringos. Ao mesmo tempo em que existia um
discurso aceito por vrios setores da sociedade que apresentava os Estados Unidos como
interessados em usurpar as riquezas minerais brasileiras e os norte-americanos que
trabalhavam em atividades ligadas ao petrleo no Brasil como agentes dos trustes, existia
tambm um certo incmodo por parte dos brasileiros diante das possveis regalias concedidas
aos gringos, em contraposio a um regime de trabalho mais duro dispensado a eles. Os
momentos de farra e bebedeira, onde as doses de lcool no corpo espantavam ou diminuam o
medo da represlia, serviam para que os trabalhadores extravasassem esse misto de
desconfiana, rancor e insatisfao, usando palavras de ordem semelhantes quelas proferidas
pelos membros das campanhas de defesa do petrleo nacional.
Tais separaes acentuavam-se ainda mais quando observamos os espaos de moradia
dos menos qualificados. Se a maioria deles no tinha acesso vila, restava, portanto, como
estratgia para se instalar prximo ao local de trabalho e evitar a desgastante viagem at
Salvador ou s cidades vizinhas, ocupar uma das vagas dos alojamentos. Eram trs ao todo: os
alojamentos 88, 120 e 200. Seus nomes correspondiam quantidade de leitos disponveis. Os
relatos sobre as reais condies de vida nesses prdios variam. Enquanto alguns como
Eunpio Costa ressaltam o conforto existente, lembrando que o 88 se dava ao luxo de possuir
colches de mola, j em 1950181, outros, como o caso de Oliveira Junior, destacam as
condies ruins e o esprito de insatisfao daqueles que l dormiam182. Dada a carncia de
180

Depoimento de Gonalo dos Santos Melo, j citado.


COSTA (1990), op. cit., p. 134.
182
OLIVEIRA. JR, op.cit., p. 50.
181

95

dados e as informaes conflitantes difcil, portanto, avaliar a estrutura de acomodao dos


alojamentos. Mas uma coisa certa: eles tornaram-se importantes locais de congraamento e
discusso entre os trabalhadores. Conversas, cantorias, campeonatos de baralho e domin
entretinham os moradores. At mesmo a prpria idia de criao de um sindicato que
garantisse o cumprimento dos direitos da categoria surgiram nos alojamentos, bem como a
cobrana das contribuies sindicais, no perodo de maior dificuldade de atuao das
entidades de classe, era feita escondida, atrs das mquinas, ou noite, nos alojamentos183.
Ou seja, o procedimento dos gestores da empresa separando alojamentos, refeitrios
e clubes de acordo com a funo hierrquica se por um lado tinha a inteno de demarcar
possveis diferenas de tratamento, acabou garantindo aos trabalhadores um espao
privilegiado, pois longe dos olhos dos chefes. Eles tinham maior liberdade para expor suas
insatisfaes uns aos outros e pensar em alternativas para os seus problemas. Tempos depois,
os prprios gestores perceberam essa brecha e tentaram resolver a questo, pelo menos nos
refeitrios. Os operrios foram impedidos de almoar ou jantar sem nenhum superior por
perto. De acordo com Assis, a diretoria da empresa fez a distribuio dos grupos de
trabalhadores por setores ou sees, acompanhados dos seus respectivos chefes, durante as
refeies, o que passou a evitar tumultos184.
Uma outra oportunidade de moradia prxima refinaria foi arranjada pelos
trabalhadores menos graduados. Muitos funcionrios, j no incio da dcada de 1950,
passaram a residir em um pequeno vilarejo, situado na outra margem do Rio Mataripe,
originalmente uma vila de pescadores com umas cinco casas de moradores antigos, (...)
muitos coqueiros e mangue. Com a instalao da Refinaria os operrios menos graduados
aproveitaram os terrenos livres e comearam a construir suas residncias. Esse local logo foi
batizado de Vila Niteri. Esse nome foi dado possivelmente pelos operrios vindos do Rio de
Janeiro, que ao verem a fisionomia e notado a sua precariedade e inferioridade em relao
Vila de Mataripe fizeram uma associao entre as cidades de Rio de Janeiro e Niteri.
Acreditamos que este batismo tambm represente um certo sentimento de superioridade que
seria figurativamente representado pela reproduo da idia de que o Rio de Janeiro era
superior a sua vizinha Niteri.

183
184

Depoimento de Flordivaldo Maciel Dultra, j citado.


ASSIS, op. cit., p. 133.

96

Segundo Costa, em pouco tempo Niteri j era uma vila relativamente grande e,
como todas as invases, muito mal estruturada, desordenada, contando com casas
miserveis, improvisadas, muitas de sopapo185 (estrutura de varas, enchidas com barro
aplicado de mo), comeavam a surgir numa rapidez incrvel, infra-estrutura, que bom,
nenhuma186. No dispomos de nenhum dado sobre a quantidade de casas existentes na Vila
Niteri, portanto, no possvel saber qual o seu peso numrico como local de moradia. As
recorrentes menes a ela, contudo, nos levam a crer que se ela no foi numericamente
grande, merece destaque pelo menos por conta do seu papel no imaginrio dos petroleiros.
Encontramos, porm, vinte e oito moradores da Vila Niteri dentre os filiados do
Sindipetro, o que ajuda a iluminar questes relacionadas diferenciao entre os operrios.
No indicativo de funo desempenhada na empresa, apenas dois deles exerciam funes de
destaque dentro do sistema de produo e manuteno: um contramestre e um eletricista. A
maioria exercia funes que exigiam uma menor qualificao e que eram, portanto, menos
valorizadas. Encontramos na vila seis ajudantes diversos, cinco serventes, um trabalhador
braal, dois vigilantes e um copeiro. Porm so os dados relacionados instruo os que
revelam com muito mais contundncia as diferenas entre os moradores da Vila Niteri e os
da Vila de Mataripe.
TABELA 9:
GRAU DE INSTRUO DOS MORADORES DAS VILAS NITERI, MATARIPE E DE
TODOS OS ASSOCIADOS DO SINDIPETRO/REFINO
Nvel de instruo

Vila Niteri (%)

Vila Mataripe (%)

Associados do
Sindipetro

185
186

Analfabetos

1 (4,2%)

0 (0)

26 (1,5%)

Alfabetizados

4 (16,7%)

2 (3,7%)

66 (3,7%)

Primrio

16 (66,6%)

24 (45,3%)

1124 (63,3%)

Ginasial

1 (4,2%)

3 (5,7%)

131 (7,3%)

Secundrio

2 (8,3%)

21 (39,6%)

388 (21,8%)

Conhecida em vrias regies do Nordeste como casas de pau-a pique.


COSTA (1990), op. cit., pp. 135-136.

97

Superior

0 (0)

3 (5,7%)

43 (2,4)

Total*

24 (100)

53 (100)

1778 (100)

* Totais referentes aos associados que tiveram a sua escolaridade declarada na ficha de filiao.
Fonte: Fichas de filiao sindical do Sindicato dos Trabalhadores da Indstria de Refinao e
Destilao do Petrleo do Estado da Bahia (Sindipetro Refino).

Conforme podemos observar, entre os moradores da Vila Niteri o percentual de


pessoas que no passaram da escola primria era superior ao encontrado tanto na Vila de
Mataripe quanto no quadro geral dos associados do Sindipetro. Essa baixa taxa de
escolaridade associada posio ocupada no espao produtivo da refinaria indica que as
referncias s condies de inferioridade dos seus moradores fazem bastante sentido.
Podemos at mesmo afirmar que a Vila de Niteri era um dos locais de moradia dos labors.
Por outro lado, quando focamos a cor dos funcionrios residentes nas diferentes vilas vemos
que a associao perversa entre cor da pele e baixa escolaridade dos indivduos existente na
sociedade baiana era reforada na Refinaria pelas distines de moradia. Enquanto pretos e
pardos perfaziam juntos na Vila de Mataripe um total de 59%, em Niteri este nmero subia
para 80,8%, ficando acima, inclusive, dos nmeros gerais do quadro de associados, onde o
somatrio de pretos e pardos atingiu 70,4%.
O contraste entre as diferentes formas de habitao das duas vilas era evidente e no
exagero supor que tanto os moradores de Niteri quanto dos alojamentos tinham como um de
seus principais projetos a obteno de uma casa na Vila de Mataripe. Alis, tudo indica que a
direo da Refinaria percebia isso, e contava com a fidelidade dos moradores da Vila
Mataripe em qualquer momento de embate entre direo e trabalhadores. No por acaso as
referidas casas foram usadas como possveis moedas de troca entre gestores e operrios. No
final de 1959, quando da liberao da Carta Sindical do Sindipetro/Refino pelo Ministrio do
Trabalho, diretores de Mataripe procuraram o operador Mrio Lima, um dos responsveis
pela criao do sindicato, e lhe ofereceram uma casa na Vila de Mataripe, sugerindo uma
troca entre a casa e a adoo de uma linha de ao mais acomodada para a recm-criada
instituio de classe187.
O poder da empresa sobre a moradia (real ou imaginrio) a as diferenas entre os
habitantes da Vila e os outros trabalhadores evidenciaram-se em momentos de conflito aberto
187

Depoimento do operador chefe e dirigente sindical Mrio Soares Lima, lotado da Refinaria de Mataripe e
contratado em 1958. Entrevistador: Alex de Souza Ivo. Data da entrevista: 11 de julho de 2007.

98

e tenso. Em novembro de 1960 o Sindipetro/Refino decidiu deflagrar uma greve, buscando,


sob o slogan equipara ou aqui pra, a equiparao salarial dos trabalhadores da Bahia com
os trabalhadores da Refinaria de Cubato. Quando comearam as articulaes para a
paralisao, surgiu em meio categoria um forte boato de que os operadores que moravam
em Mataripe no participariam do movimento por temerem retaliaes por parte da diretoria,
inclusive, a perda da moradia. A estratgia adotada pelos dirigentes sindicais para garantir a
participao dos colegas no movimento foi mostrar cpias dos contra-cheques dos operrios
de So Paulo, indicando quanto os trabalhadores de Mataripe iriam ganhar caso o movimento
fosse bem sucedido188. Os sindicalistas argumentaram tambm que muito embora a casa fosse
propriedade da empresa, o lar pertencia ao trabalhador. Portanto, ningum poderia entrar nas
casas para obrigar os moradores a trabalhar, nem para expuls-los arbitrariamente do local
onde viviam.
Lutando contra a estratgia da empresa de garantir maior fidelidade dos trabalhadores
pela concesso de moradia, a campanha do sindicato foi bem sucedida em quebrar a
desconfiana que o boato traduzia, e em cimentar uma solidariedade que ultrapassava as
fronteiras da Vila. Os moradores de Mataripe no s participaram da greve, como tambm
criaram uma rede de envio de alimentos para os grevistas que permaneceram dentro da
refinaria a fim de garantir a paralisao das atividades189.
O argumento de que as moradias construdas prximas ao local de trabalho eram
importantes porque o sistema de transporte e as prprias estradas eram muito ruins no
merece, contudo, ser desprezado. De acordo com Eunpio Costa, os trechos que ligavam
Mataripe s regies mais prximas como Candeias e gua Comprida eram de barro e s
vieram a receber asfalto em 1957190. No por acaso, os gestores da indstria do petrleo
baiana procuraram amenizar essa questo desde o incio das atividades de prospeco e refino
do petrleo no Recncavo. Tentaram, por exemplo, estabelecer um acordo entre CNP,
Departamento de Estrada e Rodagem da Bahia e a Refinaria de Mataripe a fim de garantir
melhorias nas pistas, que a tornassem utilizveis em pocas chuvosas191. O CNP tambm
construiu por conta prpria em diversas oportunidades estradas de acesso aos principais
campos de extrao de Candeias e Itaparica. Em 1954, a direo da Refinaria de Mataripe
188

Idem.
Depoimento de Raimundo Lopes, j citado.
190
COSTA (1990), op. cit., p. 111-112.
191
Relatrio de funcionamento da Refinaria Nacional de Petrleo do ano de 1951, apresentado pela Comisso de
Constituio da Refinaria ao Conselho Nacional de Petrleo.
189

99

ponderou que enquanto a estrada entre a usina e Candeias estivesse sem pavimentao, ela
seria uma fonte permanente de desgaste para os veculos, de risco pessoal e de perda de
tempo na estao chuvosa192. Solicitou, ento, Diretoria da Petrobrs a liberao de dez
milhes de cruzeiros para as obras de asfaltamento e alargamento da estrada. A diretoria
prometeu estudar o assunto, mas a estrada s veio a ficar pronta em 1959.
Os operrios que moravam em Salvador e eram obrigados a deslocar-se at Mataripe
enfrentavam as peculiaridades do terreno argiloso, tpico do Recncavo Baiano, bem como as
curvas e ladeiras dessas estradas. Isso fazia com que as viagens fossem extremamente
perigosas. Assim, os transportes martimo e ferrovirio tambm eram usados, de forma
conjugada com o rodovirio. Com isso o meio de locomoo mais convencional nos primeiros
anos de funcionamento de Mataripe foi o caminho193. Os trabalhadores viajavam em p,
protegidos por uma grade na carroceria de um veculo apelidado de gaiola. A nica proteo
existente era uma lona de proteo para as eventuais chuvas. Candeias era seu ponto final.
O transporte de l at Salvador era feito pelo suburbano, trem que fazia duas viagens
entre as cidades, uma no incio da manh e outra no final da tarde. Tambm era possvel fazer
o trajeto por via martima. Pequenas embarcaes fizeram at 1959 o trajeto de Mataripe at
localidades prximas como Madre de Deus e Bom Jesus dos Pobres. A dificuldade era
pujante, e atingia tanto os homens da refinaria quanto os dos campos de extrao. Sobre estes,
apesar de possuirmos menos informaes, sabemos que s tinham transporte garantido pela
empresa das cidades-sedes at os locais especficos de produo. Aqueles que moravam fora
dessas cidades tinham literalmente que se virar para chegar at elas.
Pelas fichas sindicais pode-se ver que era grande o contingente de trabalhadores que
no morava perto do trabalho. Dos seis mil quatrocentos e oitenta e cinco filiados cujas fichas
informam o local de residncia, dois mil quatrocentos e cinqenta e seis (37,9%) moravam em
Salvador e enfrentavam, portanto, essas difceis condies de deslocamento. Os caminhes
gaiola e a aventura de tentar conseguir uma vaga nos trens que saam de Candeias eram, no
entanto, experincias exclusivas dos operrios, o que tambm demonstra os traos
hierrquicos da empresa. Os chefes e engenheiros gozavam de facilidades que se exprimiam
no s pela possibilidade de morar na Vila ou no Hotel de Mataripe. As viagens at Salvador
eram feitas na rpida e confortvel lancha INCA. De acordo com Eunpio Costa, o percurso
192
193

Ata de reunio ordinria da Diretoria Executiva da Petrobrs, 19 de junho de 1954.


COSTA (1990), op. cit., pp. 113-114.

100

era feito em 25 minutos. As informaes do memorialista coincidem com a fala do operador


Gonalo Melo. Este lembrou que o tratamento diferenciado era notado antes mesmo de se
chegar na refinaria, j no trajeto para l. O operador conta que quem era menos graduado ia de
trem e depois pegava o caminho, que volta e meia atolava. Os chefes iam de barco, que era
mais rpido e seguro, quando no podiam pegar o barco, iam de jipe, que apesar da chance de
atolar era mais confortvel do que os gaiolas.
As inovaes no sistema de transportes s comearam a acontecer no final da dcada
de 1950 e incio de 1960. Primeiro foi instalada uma linha de nibus que ligava Mataripe a
Salvador, mas que era exclusiva para os estudantes. Somente entre 1961 e 1962, foi
disponibilizado um sistema de nibus para os operrios chamado de papa-filas. Tratavam-se
de veculos com carroceria muito grande e cabine separada194. O seu apelido demonstra que
a espera para pegar o transporte foi sensivelmente modificada para melhor.
Para que problemas dessa ordem e as sensveis diferenas de tratamento baseados na
hierarquia de trabalho e nos diferentes graus de qualificao no fossem sentidos de forma
muito flagrante, a empresa investiu na construo de smbolos e idias que tornassem tais
diferenas justificveis. O conjunto de trabalhadores precisava se ver como construtor de algo
muito mais elevado, pois a honra do empreendimento era maior do que quaisquer questes ou
dificuldades de ordem pessoal. Os petroleiros trabalhavam para o crescimento do Brasil, o
povo brasileiro era seu patro, e por isso mesmo o caminho da colaborao entre gestores e
trabalhadores deveria ser inevitvel.

3.3 O

PATERNALISMO

NACIONALISMO:

ESTRATGIAS

INVISVEIS DE DOMINAO

Em famoso e instigante ensaio sobre a sociedade soteropolitana e a sua representao


dos conflitos de classe, o socilogo e economista pernambucano Francisco de Oliveira carrega
nas tintas ao criticar as caractersticas da chamada baianidade. O foco inicial de sua anlise
a instalao da indstria petrolfera no Recncavo. Para ele, as mudanas que poderiam
surgir com o incio dessas atividades no vieram e a sociedade pesquisada continuou
194

COSTA (1990), op. cit., p. 112.

101

demonstrando em suas relaes de classe elementos tipicamente identificados com o seu


passado escravista e com a informalidade. Por conta disso, os conflitos de classe acabaram
mascarados por uma certa malemolncia do tratamento pessoal e por relaes pessoais.
O autor interpreta que o incio das relaes de trabalho nitidamente capitalistas,
impulsionado pelas atividades da Petrobrs, poderiam ter sido um marco nas relaes de
classe do estado. No entanto, os trabalhadores da estatal, atravs de seus sindicatos, no
assumiram a suposta misso de enfrentamento classista. Os salrios que recebiam eram
bastante acima da faixa praticada no estado e alm disso houve uma srie de concesses por
parte da empresa que iam alm da previdncia comum, uma espcie de superprevidncia
social. Alm disso, existia o nacionalismo, que impedia os trabalhadores de identificarem a
empresa como um inimigo. Com isso, no houve a deflagrao da identidade de classe entre
os petroleiros. Francisco de Oliveira indica que suas greves eram polticas e tinham como
mote o apoio ao regime populista, contra o Fundo Monetrio Internacional, de apoio a outras
categorias de trabalhadores, contra a direita.
Exatamente por isso, os trabalhadores representavam to somente a empresa. Os
conflitos de classe estavam mascarados, as lideranas sindicais cooptadas, o patro no existia
como um burgus e no era reconhecido pelos trabalhadores, por fim o sindicato no
representava a classe. Os sindicatos eram, ainda segundo Francisco de Oliveira, meras
correias de transmisso. At mesmo os seus representantes eleitos para cargos parlamentares
jamais fizeram a mnima crtica empresa do ponto de vista de suas relaes com os
operrios, os empregados, os funcionrios

195

. Em sntese, para o autor, nada da atuao

poltica dos petroleiros pde ser aproveitado.


Essas formulaes pecam por alguns motivos. Primeiro, no h no trabalho de
Francisco de Oliveira nenhuma comprovao emprica de suas afirmaes. O estudo de
Franklin Oliveira Junior, por exemplo, ps por terra vrias das afirmaes do socilogo. Alm
disso, o autor no conseguiu perceber nesse seu ensaio as sutilezas inerentes s relaes de
trabalho nas empresas estatais, bem como no identificou que o discurso paternalista da
empresa trazia consigo brechas que foram exploradas pelos dirigentes sindicais para atender
demandas especficas do cotidiano de trabalho da categoria petroleira. Os fatos relacionados
atuao sindical dos petroleiros que sero narrados e discutidos no prximo captulo ajudaro

195

OLIVEIRA, op. cit., p. 58-63.

102

a entendermos as falhas na anlise de Francisco de Oliveira. Antes, porm, importante


refletirmos sobre as caractersticas paternalistas existentes nessas relaes de trabalho.
O caminho dessa reflexo no foi dos mais fceis. Deparamo-nos com diversas
dificuldades para conseguir informaes sobre a forma como o CNP e mais tarde a Petrobrs
formularam um discurso de tom nacionalista e a favor da colaborao entre todos os seus
empregados: funcionrios de colarinho branco e trabalhadores braais. A dificuldade de
acesso s fontes documentais produzidas pela prpria empresa nos impediu de realizar um
panorama detalhado sobre o assunto. Identificamos, contudo, nos mais diversos arquivos,
alguns fragmentos das formulaes nacionalistas e paternalistas produzidas pelos gestores da
empresa, que associados aos depoimentos orais podem lanar luzes que facilitaro o
entendimento das relaes de trabalho na empresa. Vamos a eles.
Em 23 de junho de 1952 os campos de produo de petrleo em Candeias e a
Refinaria de Mataripe receberam uma importante visita. Tratava-se de uma comitiva
composta por governadores de estados, militares, tcnicos e engenheiros do petrleo, do
presidente do CNP e do ento presidente da repblica Getlio Vargas. O chefe mximo da
nao vinha conhecer pessoalmente os grandes feitos que ora se processavam nas
proximidades da cidade de Salvador. Sua visita objetivava, tambm, fortalecer a campanha
em defesa da criao da empresa Petrobrs, que deveria substituir o Conselho na explorao e
produo de petrleo.
Em discurso dirigido s autoridades, trabalhadores e populares presentes Vargas
lembrou o papel histrico de todas as classes do Recncavo baiano que, num movimento
nitidamente popular marcharam para consolidar a independncia nacional. Segundo o
presidente, a libertao do Brasil passava novamente pela Bahia. S que dessa vez no se
tratava da independncia poltica, mas da econmica. O solo privilegiado da Bahia se
transformaria em uma fonte perene de engrandecimento do Brasil196. Vargas recorria, ao se
dirigir aos operrios e populares presentes, a um dos maiores smbolos da luta poltica local
o 02 de julho de 1823 data da vitria sobre as tropas portuguesas que insistiam em
permanecer no territrio brasileiro, considerada pelos baianos um marco na formao do
Estado Nacional197. A Independncia do Brasil na Bahia, evento histrico no qual homens e
196

O Observador Econmico e Financeiro, separata especial A propsito de uma visita, julho de 1952, p. 16.
Sobre como as comemoraes do 02 de julho ganharam, no decorrer do sculo XIX, um carter popular ver:
KRAAY, Hendrik. Entre o Brasil e a Bahia: as comemoraes do dois de julho em Salvador, sculo XIX. Afrosia. Salvador, vol. 1, n 23, pp. 47-86, 1999.
197

103

mulheres, das mais variadas etnias e classes sociais, combateram um inimigo comum em
defesa da nao deveria servir de espelho para aqueles que dedicavam-se agora batalha do
petrleo.
No por acaso o tom colaboracionista j havia emergido na fala que antecedeu o
discurso do Presidente da Repblica. O engenheiro Plnio Catanhede, presidente do Conselho
Nacional do Petrleo, ressaltou em seu discurso de saudao a Vargas a satisfao ntima
que sentiam os trabalhadores baianos de terem sido os pioneiros em uma etapa rdua do
nosso desenvolvimento econmico. Enfatizou tambm as realizaes do presidente que
autorizou a melhoria dos salrios dos nossos tcnicos de campo e concedeu aos
trabalhadores e operrios do Conselho [...] as garantias da legislao do trabalho198.
Apareciam, portanto, com pujana as bandeiras dos direitos sociais e do engrandecimento da
nao, que eram os pilares fundamentais do projeto getulista de integrao dos trabalhadores
ao desenvolvimento industrial do pas, e que dentro das empresas estatais ganhavam uma
conotao ainda mais forte.
Catanhede falava ao presidente em nome dos trabalhadores. Ressaltava a importncia
do trabalho dos petroleiros e agradecia ao chefe da Nao pelos benefcios concedidos. Esse
era o script do projeto do trabalhismo. Uns trabalhavam e agradeciam, outros percebiam
necessidades dos trabalhadores, antevendo problemas e convulses sociais, e concediam
ddivas. Era a ideologia da outorga, que pretendia apagar a ao e a capacidade de exposio
de demandas da prpria classe operria, colocando o Estado como demiurgo das alteraes no
mundo do trabalho brasileiro199. Previa uma forma de relacionamento de mo dupla como o
caminho para uma sociedade harmnica. O presidente previa as necessidades dos
trabalhadores e assim prevenia as convulses sociais. Faltava aos trabalhadores fazerem sua
parte. Precisavam aceitar os presentes e demonstrar gratido e obedincia. Quem assim no
agisse, estaria descumprindo uma obrigao social e, atravs de um ato egosta,
quebrando um ciclo de reciprocidade200.
Exatamente por isso, aes de carter reivindicativo poderiam ser entendidas como
elementos que desagregariam o bom andamento das relaes familiares construdas pelos
dirigentes e que deveriam ser aceitas pelos trabalhadores. Como as necessidades dos
198

Idem, p. 13
VIANNA, Luiz Werneck. Liberalismo e sindicato no Brasil. Belo Horizonte: Editora da UFMG, 4 Edio
Revista, 1999, pp. 57-62.
200
GOMES (2003), op. cit., pp. 227-228.
199

104

trabalhadores eram atendidas antes mesmo de serem reivindicadas no havia a necessidade de


qualquer rgo de representao de classe. Wilton Valena, sondador que mais tarde se
tornaria dirigente sindical, conta que os primeiros trabalhadores que se mobilizaram para
organizar o sindicato encontraram dificuldades porque chefes de campo colocavam-se contra,
sob a justificativa de que sua existncia era desnecessria, uma vez que a empresa, que era
uma verdadeira famlia, concedia todos os benefcios antes mesmo que eles fossem
reivindicados201.
Figura 9:
Trabalhadores da extrao de petrleo

Fonte: Conselho Nacional do Petrleo Relatrio de 1952.

O aumento salarial e as garantias da legislao trabalhista concedidos pela direo da


empresa tinham de ser entendidos pelos operrios como uma prova de que a harmonia e a
concrdia do ambiente de trabalho no deveriam ser alteradas por sentimentos que serviriam,
na verdade, para desagregar a unio pela causa maior. A prpria dimenso obtida pela questo
do petrleo no Brasil ajuda-nos a entender a fora destes argumentos. Como vimos no
primeiro captulo, foram muitos os debates acalorados sobre a existncia do petrleo no pas e
201

Boletim Especial, Stiep 40 anos, 1997, pgina 4.

105

sobre a forma de sua explorao. Alm disso, estes debates eram coevos consolidao dos
campos de extrao do Recncavo e construo e ampliaes de Mataripe. Volta e meia,
falava-se das sabotagens dos trustes, do entreguismo de alguns brasileiros e da necessidade de
concentrar foras em torno da defesa dos interesses nacionais.
Essa fase inicial da histria do petrleo brasileiro, marcada pela polmica, ajudou a
fortalecer o nacionalismo que permeava as relaes de trabalho. Tudo indica que ele era
abraado pelo conjunto dos trabalhadores, mas no de forma homognea. A percepo e o
interesse pelo assunto variavam entre os trabalhadores. O grau de engajamento de cada um
poderia ser definido pela posio na escala de produo, e pelo envolvimento com temas da
alta poltica e da poltica sindical, dentre outros fatores. Aqueles que viveram experincias de
trabalho mais duras, que receberam poucas recompensas, ou que no tiveram participao
efetiva na vida sindical tendem a minimizar a importncia do nacionalismo, apesar de
reconhecerem sua existncia.
Voltando s formas de relacionamento propostas pela indstria do petrleo, merece
destaque uma outra evidncia documental que aponta a continuidade e, em certa medida, o
aumento da preocupao com o paternalismo, aps a transferncia dessas responsabilidades
das mos do CNP para a Petrobrs. Em uma espcie de termo de compromisso assumido pela
primeira diretoria da empresa, em maio de 1954, no qual h uma srie de regras que deveriam
ser aceitas pela referida diretoria, h uma preocupao ntida em explicitar a relao que
deveria existir entre empresa e seus empregados. No ponto referente face social da empresa,
ficava estabelecido que ela deveria se orientar pela doutrina social da Igreja Catlica,
prevendo uma justa distribuio dos lucros entre o capital e o trabalho202.
Isso quer dizer que a fim de evitar conflitos deveriam ser garantidos meios de
subsistncia e ao mesmo tempo compensaes financeiras que facilitassem a aceitao por
parte dos funcionrios do pacto poltico subjacente s relaes de trabalho das empresas
estatais. De acordo com a inteno dos gestores da Petrobrs, os trabalhadores deveriam
aceitar regras que, na verdade, significavam a explorao da fora de trabalho, inerentes s
relaes fabris de produo. Essa aceitao pode ser entendida pelo que Leite Lopes chamou
de interiorizao da dominao. Ela consiste basicamente na adoo dos smbolos e dos
discursos do empregador como forma de justificar a sua prpria condio de subalternidade.
Em muitos casos, aponta Lopes, esse processo abriu brechas para algo que ele chama de
202

Regras a serem aceitas pela primeira Diretoria da Petrobrs.

106

microfsica da resistncia. Tratavam-se de pequenos atos que no questionavam diretamente


o poder institudo e que se valem, inclusive, da idia de subalternidade inerente relao de
dominao para obter vantagens, mas que funcionavam como uma forma de afirmao da
capacidade do operrio em lidar com situaes complicadas203.
O tratorista Manoel Santos, ao nos relatar um trabalho extra que fez e os problemas
que teve com o seu pagamento, mostra como recorreu ao chefe do campo em que trabalhava
para questionar o poder de seu superior imediato:
Eu sei que eu fiquei l dez dia. Eu fiquei l uns dia, dez ou mais dias... dia e noite,
dia e noite, dia e noite. O descarado do meu chefe chegou e falou com o apontador
dele, l do setor, Gilberto. Ele disse: Gilberto, O Manoel, cad o ponto dele
(comea a imitar a voz fanhosa do chefe)? Gilberto disse: Seu Pedro, o caso do
Manoel t... i eu tava l noite e dia, noite e dia, noite e dia l na sonda, viu? E
chovendo o que Deus mandava... A ele disse: o ponto dele como vai? Ele t com
uma falta aqui acho que de oito ou nove ponto, nove dias. Todo dia ele ia no
escritrio saber, quando foi um dia eu no agentei mais no servio a eu falei com
Seu Zezinho que era o puxa: Seu Zezinho, eu tenho casa, eu no gento aqui, dez
dias que eu t aqui... no posso nem ver meus filhos, meus filho pequeno, saber como
que vo e tal a famlia em casa. A ele disse: Eu quero voc, eu quero voc e tal...
Eu digo: venha c, se eu morrer o servio vai parar? No, mas voc a no meio do
servio outra coisa.... e era mesmo, viu?... Voc no servio outra pessoa, outro
caso. Eu disse: muito bem!... a, ele, quanto eu t conversando, eu, eu vim aqui,
tomei um banho e fui na rea. Eu digo, vou l ver meu ponto, ver como que t l.
Gilberto disse: Rapaz, onde que voc tava? A eu dei uma de doente pra ser
visitado, digo: rapaz, eu tava no micareta de Feira de Santana, micareta bom rapaz,
mas tava... Foi mesmo rapaz? Voc doido? Eu digo: rapaz, eu no sei o que me
deu na cabea no. Fui pra ver o micareta de Feira de Santana, tinha pra mais de
cinco trios... e l tava adoidado mesmo, eu ca no meio da gandaia. A ele chegou,
seu Pedro: Rapaz, onde voc tava (volta a imitar a voz fanhosa e faz isso toda vez
que relata a fala do Sr. Pedro)? A eu disse: rapaz eu j falei com Gilberto onde eu
tava Seu Pedro. Eu tava no micareta de Feira de Santana. Foi mesmo, rapaz?
Micareta melhor do que trabalhar? Eu digo: , pra mim ... a gente tambm deve
se, se... divistir um dia, no todo tempo mas um dia s. Que quando ele disse:
Certo. i Gilberto, os dia dele, bota um p de galinha. Sabe o que p de galinha?
Uma cruzinha no ponto, ali na regio era assim, botou uma cruz ali, nem Santo
Antonio tirava aquela cruz. O cara morria ali e tinha de cumprir mesmo, mas tinha...
Entrevistador: A cruz era o qu? Ponto negativo?
Manoel Santos: Era ponto negativo. Ele aqui , tinha, tinha... o livro do ponto, tinha
aqueles quadro que dava pra cruzinha tal, tinha o que dava... o que ele queria
negativo ali, ele botava e ngo no podia nada. A eu cheguei e disse: pera
descarado, doutor Jaime era meu amigo! Chefe de campo era meu amigo. Doutor
Jaime era. Cheguei fui l no escritrio: Doutor Jaime, tem um abacaxi a pro senhor
descascar. Ele disse: diga a, macho! O abacaxi t mole? Eu disse: j passou de
maduro... a eu contei a ele. Ele disse: mas Pedro fez isso com voc? Eu disse: ele
fez e disse que vem aqui no escritrio me, me... acabar de me encalar aqui mesmo.
Entra aqui no automvel, ele tinha um automvel de chefe e o rapaz era o motorista
dele. Chegou l, ele ia saindo a o Doutor Jaime entrou: Pedro, eu tou sabendo aqui
que Neco queimou uns dias aqui. Ele disse: Ah rapaz, esse rapazinho a foi pra ver
203

LOPES (1988), op. cit., pp. 74-81.

107

micareta... ele era fanho... foi pra ver micareta em Feira de Santana. Eu digo: fui
mesmo, eu l tava melhor que aqui. Aqui chuva, mas o micareta l em Feira de
Santana tava bom demais, eu pulei muito, fiz muita farra. Doutor Jaime chamou ele
e disse: i Pedro, eu quero meu servio administrado e o chefe daqui sou eu. Onde
que esse rapaz tava? Ele disse: tava na Feira de Santana. A: T vendo voc? Voc
chefe dele e no sabe onde ele tava! E eu que no sou chefe dele, eu sei. Ele tava na
sonda. E por que voc no mandou ver quem que tava l trabalhando na sonda?
Ah, eu no sabia. No sabia o qu, Pedro? Voc t falho no servio. i, ele
chegou e falou com Gilberto, Doutor Jaime pra botar umas horas que eu no... ele
pensou assim na cabea aquele boletim cheio de hora... a eu disse: Doutor Jaime,
Gilberto colocou essas horas a, Pedro vai dizer pra no colocar nenhuma. i, o
senhor no sabe... o senhor no mandou ele apontar essas horas? Eu vou receber duas
horas ou trs. Eu aposto com o senhor que no recebo mais que trs horas, no mais
que trs. Ele disse: O qu Neco? Eu disse: .... na cara dele. Ele disse: Voc t
me jogando contra Doutor Jaime. Eu disse: no lhe jogando contra Doutor Jaime
no, que todo mundo faz hora-extra aqui e voc manda cortar. Eu falei logo com
Deus que melhor que falar com os santos, que Deus d um jeito e os santo roubo.
A... doutor Jaime disse: i, quando voc receber o seu contracheque, eu quero ver
seu contracheque, eu quero ver quando voc receber dinheiro, voc v l no escritrio
e me leve esse contracheque seu com essas hora que eu mandei botar aqui. Eu quero
ver essas horas no vim, Pedro. Eu digo: no vai vim no, viu! No vai vim no
porque Pedro no vai deixar. Eu sei que Pedro virou um cascavel, mas rapaz eu no
sei que diabo fizeram. Eu sei que botaram hora at a mais do que a que eu fiz,
sabe?204

Segundo o relato, o operrio reconheceu o poder do chefe de campo e recorreu a ele


para ter o seu problema resolvido, construindo uma histria fantasiosa que tinha como
objetivo final humilhar o seu desafeto. O Doutor Jaime aproveitou a oportunidade para
reafirmar sua autoridade e sua benevolncia, demonstrando tanto ao operrio quanto ao chefe
da equipe de tratoristas, o Seu Pedro, quem realmente mandava. A epopia de Manoel
Santos apresenta traos muito semelhantes s aventuras de Severino, contadas por Lopes.
Ambos os casos trazem consigo a marca de uma forma bastante especfica de exerccio de
poder: o paternalismo.
A presena desse tipo de exerccio de autoridade em outros casos das empresas
estatais de primeira gerao j estudadas nos impeliu a realizar uma anlise mais detida sobre
a possibilidade de entendermos o caso da indstria do petrleo baiano atravs desse conceito.
Para isso, as formulaes propostas por Michelle Perrot sero bastante relevantes. De acordo
com a autora, quando os trabalhadores franceses, na virada do sculo XIX para o sculo XX,
se exprimiam acerca dos seus patres predominava o sentimento hostil, mas sua presena no
era exclusiva. O paternalismo nas relaes de trabalho e a conseqente diluio das
hostilidades tambm existia e se apresentava como um dos sistemas mais importantes de
relaes sociais de trabalho. Ainda segundo Perrot, a caracterizao do paternalismo envolve
204

Depoimento de Manoel Ferreira dos Santos, j citado.

108

a presena fsica do patro no local de trabalho, prticas e discursos que ressaltem a existncia
de uma famlia, e a adeso dos trabalhadores a esse modo de organizao205. Essas
caractersticas do caso francs existiram nas experincias de muitas das unidades fabris
criadas pelo Estado brasileiro em meados do sculo XX. Esse movimento consubstanciou-se,
em certa medida, no que Burawoy identificou como uma tendncia do capitalismo do sculo,
que ao invs de adotar estratgias de dominao atravs da coero preferiu o caminho do
consenso206.
Conforme j observamos at aqui, a tentativa da Petrobrs de promover a colaborao
entre trabalhadores e chefes a fim de fortalecer a defesa nacional pode ser entendida como um
aspecto importante para a idia de famlia sugerida por Perrot. As menes unio em torno
de uma causa e ao bom clima de trabalho so bastante comuns nas falas da primeira gerao
de trabalhadores. Dentro do projeto Memria dos Trabalhadores da Petrobrs207, por exemplo,
notamos vrios depoimentos que fazem esse caminho, como o caso do motorista e operador
Geraldo Alves Leal. De acordo com ele:
A convivncia era muito boa, todo mundo se entendia, no tinha briga. Voc via um
alojamento daquele, com mais de 40 funcionrios, gente ali dormindo, e no tinha
briga, no tinha nada.[...] Na empresa, nunca vi ningum brigar. Trabalhava muita
gente, mas todo mundo era cordeiro, todo mundo acompanhava o ritmo do seu setor e
ningum brigava208.

Notamos a como um trabalhador interiorizou o discurso construdo pela empresa. A


existncia de conflitos e insatisfaes inegvel, mas a sua memria reteve a parcela desse
discurso oficial, no qual a colaborao, a harmonia e o orgulho em trabalhar para uma
empresa do Brasil falaram muito mais alto do que os problemas com colegas ou chefias209.
importante ressaltar que as circunstncias da coleta do depoimento colaboraram para a
emergncia dessa viso, pois falar para uma pessoa enviada pela empresa, que tem a inteno

205

PERROT, Michelle. O olhar do outro: os patres franceses vistos pelos operrios (1880-1914). In: Os
excludos da histria: operrios, mulheres e prisioneiros. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 4 Ed., 2006, pp. 82-83.
206
BURAWOY, Michael. A transformao dos regimes fabris no capitalismo avanado. Revista Brasileira de
Cincias Sociais. So Paulo, vol. 1, n 13, pp. 29-50, 1990.
207
O projeto Memria dos Trabalhadores da Petrobrs uma iniciativa da empresa, em colaborao com a
Federao nica dos Petroleiros (FUP), iniciado em 2003 como parte das comemoraes pelos cinqenta anos
da empresa. Consiste na construo de um banco de entrevistas, na reunio de documentos textuais e fotografias
fornecidos pelos prprios trabalhadores. O resultado desse trabalho foi a publicao de um livro e construo de
uma pgina na Internet, com parte dos dados encontrados disponibilizados para pesquisa.
208
Entrevista de Geraldo Leal, concedida equipe de trabalho do Memria dos Trabalhadores da Petrobrs,
disponvel em: http://memoria.petrobras.com.br/internauta/index.jsp.
209
Aspecto semelhante nos depoimentos dos trabalhadores da Companhia Siderrgica Nacional foi identificado
em: ALBERTI, Verena. A construo da grande siderurgia e o orgulho de ser brasileiro: entrevistas com
pioneiros e construtores da CSN. Rio de Janeiro: CPDOC, 1999.

109

de registrar uma memria oficial, acaba gerando uma tendncia que induz o operrio a
ressaltar os aspectos positivos da experincia de trabalho relatada. Mesmo assim, a viso
apresentada acima muito significativa para entendermos a aceitao do discurso oficial da
empresa por parte dos operrios.
Voltando s caractersticas apresentadas por Perrot para a existncia de um tipo
clssico de paternalismo, chama ateno aquela que diz respeito presena do patro no
espao de trabalho. Ela pressupe a existncia de uma forma de poder personalista, no qual
tanto as decises mais importantes quanto as mais fortuitas so usadas pelo patro como
forma de reafirmar diante dos trabalhadores a sua fora e capacidade de liderana. Essa
caracterstica certamente a que mais se afasta do caso da indstria do petrleo baiana.
Diferentemente da Companhia Siderrgica Nacional e da Fbrica Nacional de
Motores, a Refinaria de Mataripe e os campos de extrao da Regio de Produo da Bahia
no tiveram lderes que encarnavam em aes, gestos e discursos o papel de comandante
nico do processo de industrializao do petrleo. Nem mesmo os superintendentes ou chefes
de campo assumiram o papel de nicos comandantes diante dos operrios. Essa
responsabilidade era dividida entre os chefes de setores, que partilhavam entre si a
responsabilidade inerente ao posto. evidente que isso no impedia que cada chefe, dentro da
rea que lhe competia, assumisse as vestes de grande lder, responsvel paternal pelos
cuidados no ambiente de trabalho e dos prprios trabalhadores.
Todavia, essa particularidade estava aliada a um segundo componente esse sim
comum s outras empresas estatais do perodo que enriquecia consideravelmente a trama
social das relaes de trabalho nas indstrias estatais. Falamos da idia fortemente difundida
de que o trabalhador de uma empresa estatal servia ao Brasil. Ramalho afirma que essa
caracterstica conseguiu conferir perspectiva patronal uma legitimidade ainda maior para
empreender o processo de dominao capitalista210. Essa dominao, consubstanciada no
assalariamento atravs da extrao de mais-valia, estaria, na verdade, disfarada pela idia da
inexistncia de um patro explorador, afinal os petroleiros trabalhavam para o povo brasileiro.
Scaletsky ao analisar as particularidades da experincia de trabalho na Petrobrs, tenta
identificar quais os personagens da empresa assumem a funo de patro, e passam a ser

210

RAMALHO (1989), op. cit., p. 17.

110

assim identificados nas representaes dos petroleiros e de suas entidades de classe211. Para
isso, recorre a Carmen Alveal Contreras, autora que identifica uma bifacialidade nas
intervenes estatais no setor produtivo. A primeira face a pblica, na qual os objetivos
polticos e macroeconmicos tm papel preponderante. A segunda a face empresarial que
tem marcas microeconmicas e voltadas para o lucro capitalista212. A argumentao de
Scaletsky demonstra que as gerncias da empresa assumiram as prerrogativas patronais. Seu
foco de anlise est centrado em dcadas mais recentes, mas o prprio Scaletsky identifica as
origens dessa predominncia dos gerentes e engenheiros nos anos iniciais da industrializao
do petrleo, ou seja, nas dcadas de 1950 e 1960. Nos momentos iniciais da industrializao
do petrleo em terras baianas eram exatamente eles que construam sua autoridade com base
no discurso de colaborao pautado no nacionalismo e nas prticas punitivas e
compensatrias tpicas do paternalismo.
O discurso foi entendido pelos trabalhadores, contudo, de uma forma talvez um pouco
diferente daquela desejada pelos gestores. O nacionalismo foi, em grande medida,
incorporado e se tornou bandeira de luta dos sindicatos que seriam fundados no solo baiano.
O que no impediu que as contradies entre discurso e prtica fossem reveladas no dia a dia
das relaes de trabalho, e que os trabalhadores percebessem as j analisadas diferenas
existentes entre eles como tambm as que existiam entre os homens de Mataripe e os de
Cubato. J a viso paternalista de que os chefes eram protetores dos seus subordinados no
foi to fixada. Os problemas das mais diversas ordens, existentes em um trabalho pioneiro e
marcado em muitas oportunidades pelo improviso, obrigaram os trabalhadores a identificar os
responsveis pelas dificuldades que experimentavam. Entre os gestores e a empresa,
escolheram os primeiros. Poupavam de suas crticas a Petrobrs, entendida como patrimnio
do povo brasileiro, direcionando suas insatisfaes para os chefes, executores sem
legitimidade de uma autoridade que s os verdadeiros patriotas deveriam ter. O tratorista
Manoel Santos, ao relatar o recorrente problema da alimentao, emite o seguinte comentrio:
Trabalho, eu sei o que trabalho rapaz. A gente pra ir trabalhar a na Petrobrs no
que no tenha comida, no por no ter alimentao, que a Petrobrs nunca fez de
matar ningum de fome no. a administrao que era ordinria, a gente ia para o
campo, de ir hoje num certo servio, de passar hoje o dia todo e a comida chegar
amanh. No era pela Petrobrs, t entendendo? A Petrobrs nunca fez isso no. A

211

SCALETSKY, Eduardo Carnos. O patro e o petroleiro: um passeio pela histria do trabalho na Petrobrs.
Rio de Janeiro: Relume-Dumar, 2003.
212
Cf: CONTRERAS, Edelmira del Carmen Alveal. Os desbravadores: a Petrobrs e a construo do Brasil
industrial. Rio de Janeiro: Relume-Dumar / ANPOCS, 1994, pp. 43-45.

111

Petrobrs dava punio em quem faz isso com o povo, mas [interrupo]... pois,
rapaz, era um negcio srio...
Entrevistador: Sim, a a comida chegava no outro dia...
Manoel Santos: Chegava no outro dia e a gente tava tudo cheio de fome ali. Mas no
era, i entenda bem. No era a Petrobrs que fazia isso, eram os administradores, os
funcionrios, que era gente ruim mesmo, pronto.213

Fica evidente para ns que o discurso de aceitao da dominao nem sempre foi
comprado pelos trabalhadores. O nacionalismo podia ser tanto uma estratgia para camuflar a
explorao e manter a fora de trabalho controlada quanto uma justificativa para os
trabalhadores reivindicarem melhorias de tratamento e de condies de trabalho, afinal o
prprio discurso trabalhista propagandeava a importncia de se ter uma existncia
minimamente digna. Mesmo sem a presena dos sindicatos nesse perodo inicial, os
trabalhadores conseguiam identificar seus problemas e buscavam maneiras para super-los. A
organizao dos sindicatos foi uma delas. Veremos, a partir de agora, os caminhos da atuao
poltica dos petroleiros atravs de seus sindicatos. A relao tensa entre a alta poltica local e
nacional e o cotidiano e os problemas do ambiente de trabalho, pontos apresentados nos
primeiros captulos desse trabalho, ser a chave para entendermos sua ao nessa conjuntura.

213

Depoimento de Manoel Ferreira Santos, j citado.

112

CAPTULO 4:
A TRAJETRIA DO SINDICALISMO PETROLEIRO EM SUA ERA DE OURO
... Foi no ano de 1961
Naquela casa da ladeira tinha pitanga, areia e
gua de cheiro
S quem tinha geladeira era petroleiro
S quem tinha, s quem tinha, i, i, i
A o peo virou burgus
At pensou que fosse um rei
Cortinas com dinheiro ele fez no seu canzu
Ento veio a revoluo
E do petrleo a inflao
E o peo voltou a ser peo
E da herana o que sobrou?
A geladeira e a TV...214

4.1 ANTES

DOS

SINDICATOS:

IMPRENSA

COMUNISTA

OS

PETROLEIROS

As dificuldades de se identificar as demandas de qualquer categoria profissional antes


da existncia de seus respectivos sindicatos so muitas. As fontes convencionais raramente
apresentam a fala operria e, em geral, quando isso acontece seu foco no est direcionado
para as relaes de trabalho. Alm disso, a inexistncia de arquivos de entidades de
trabalhadores organizados impede a conservao dos registros de suas principais
movimentaes.
No caso da histria do trabalho e dos trabalhadores de Salvador e das cidades do
Recncavo nas dcadas de 1940 e 1950 tal situao modifica-se um pouco, pois foi editado na
cidade entre os anos de 1945 e 1957 um jornal que pretendia divulgar as idias do Partido
Comunista Brasileiro e que para isso passou a relatar muito do que ocorria nos mundos do
trabalho da Bahia. Falamos do jornal O Momento215. Nascido dos esforos dos militantes

214

Abafabanca, Gernimo e Ari Dias, gravada por Gernimo em 1988 no disco Dand.
As fases de atuao de O Momento confundiam-se com a prpria orientao poltica do PCB. De 1945 a
1947, anos em que o partido adotou uma linha de colaborao poltica e defesa das conquistas democrticas, o
jornal apresentava matrias segundo esta perspectiva. Aps a proscrio do PCB e sobretudo sob a influncia do
Manifesto de Agosto de 1950, O Momento passou para um campo mais sectrio e radical, aumentando as crticas
e ofensas a seus adversrios polticos. Esta segunda fase declinou no intervalo entre o suicdio de Getlio Vargas
e as denncias dos crimes de Stlin no XX Congresso do Partido Comunista da Unio Sovitica, o que delimitou
o retorno de uma linha mais branda e colaboracionista do jornal at sua extino, em novembro de 1957. Sobre
215

113

comunistas baianos no contexto do fim do Estado Novo, a folha foi um importante


instrumento de agitao e propaganda e que serviu para estreitar os laos entre militantes
vermelhos e a classe operria do estado. Constantemente publicava textos denunciando os
abusos das chefias e o atraso nos pagamentos, e conclamando os trabalhadores luta seja
atravs de seus sindicatos ou do PCB. O tom de suas reportagens muitas vezes era
exacerbado, mas conseguia em certa medida apresentar algumas caractersticas dos locais de
trabalho retratados. Alm disso, os seus editores cediam espao para crticas e denncias dos
prprios operrios, que em muitas oportunidades escreviam contando o que se passava em
suas empresas. A indstria do petrleo no fugiu a essa regra e podemos considerar, sem
dvida, que O Momento uma das principais seno a nica fonte para conhecermos a situao
de trabalho dos petroleiros baianos nos anos iniciais das atividades da prospeco e do refino.
O primeiro aspecto que chama ateno nas reportagens sobre o assunto o abuso de
poder de determinados chefes ou engenheiros, o que no diverge do que j demonstramos no
captulo anterior. Um dos chefes mais citados, na primeira fase da gazeta comunista, foi o
gelogo Pedro Moura, sempre acompanhado pelo seu secretrio, Osmar de Barros. Ele tinha,
segundo o noticirio, a tarefa de perseguir os operrios, pois elimina[va]-os do quadro de
efetivos, faz[ia] transferncias absurdas, demite[ia] e suspende[ia] sem mais nem menos,
como se aquilo fosse a sua casa216. Essas crticas eram complementadas com denncias de
uso indevido dos equipamentos e veculos pblicos. Segundo os articulistas do jornal, Barros
se valia de veculos do CNP para fins particulares. Em reportagem publicada em 4 de abril de
1950, foi denunciado o uso do carro para passeios de dia e de noite, conduzindo uma
senhora funcionria do Departamento de Indstria e Comrcio217.
Essas questes noticiadas pelos comunistas se aproximam do quadro revelado pela
memria da maioria dos depoentes. As histrias de desmandos dos chefes e o seu poder
desptico aparecem em praticamente todos os depoimentos dos petroleiros. Existe tambm
uma clara diviso na fala destes trabalhadores aposentados entre os tempos em que os
sindicatos no estavam atuando e os anos de sua atuao. No primeiro, o poder dos
engenheiros era praticamente ilimitado e no existia a imagem que possumos atualmente da
Petrobrs. A idia de uma empresa zelosa pelo seu trabalhador e atenta a direitos com os quais
a maioria das empresas no se preocupa est distante. Persiste na fala dos operrios, a

esse jornal comunista ver: SERRA, Snia. O Momento: histria de um jornal militante. Dissertao (Mestrado
em Cincias Sociais), Universidade Federal da Bahia, Salvador, 1987.
216
O Momento, 02/09/1949.
217
O Momento, 04/04/1950.

114

memria de um tempo de trabalho duro, no qual os direitos sociais no eram respeitados e os


chefes abusavam de seu poder. No segundo perodo, delimitado pelo incio da atuao
sindical e pela primeira greve dos trabalhadores petroleiros (realizada em novembro de 1960)
aparece um tempo no qual as lutas sociais, encaminhadas pelo sindicato, solucionaram tais
problemas e trouxeram aos petroleiros mais respeito e condies de trabalho dignas. Os bons
salrios e a condio de trabalho com mais segurana so considerados resultados da atuao
sindical. como se a Petrobrs atual, considerada em geral um exemplo na relao com seus
trabalhadores efetivos, tivesse sido construda pela atuao dos sindicatos.
Um outro caso de denncia interessante est relacionado s obras da construo da
Refinaria de Mataripe. Os articulistas do jornal contaram que o operrio Darwin Silva Reis
montador e encanador, foi contratado pelo CNP no estado do Rio de Janeiro (juntamente com
outros duzentos operrios especializados) para vir trabalhar na montagem da usina. Ao chegar
aqui, porm, Darwin recebeu um salrio menor do que o combinado em sua terra natal. Diante
do logro salarial e das duras condies de trabalho da obra, ele e muitos de seus conterrneos
recusaram-se a continuar no servio, pedindo as contas para voltar ao Rio. Segundo o jornal,
os trabalhadores foram preteridos porque no era interessante para o CNP contar em seus
quadros com operrios conscientizados que questionassem os desmandos dos chefes. O CNP
teria passado a dispensar os operrios mais conscientes, colocando em seu lugar o rebotalho
nazi-fascista, importado da Europa. Ainda de acordo com os jornalistas, esses operrios
estrangeiros, muitos embora mais incompetentes em montagem que os labor gozavam de
privilgios e altos salrios, colocando os trabalhadores nacionais em condies inferiores aos
estrangeiros218.
Esse discurso de O Momento convergente com o caminho que o PCB adotava na
poca, o que segundo Snia Serra teria deixado o jornal numa linha radical e com uma
perspectiva revolucionria. Os aparelhos de imprensa e propaganda comunista seguiam as
diretrizes partidrias consubstanciadas no manifesto de agosto de 1950. Conforme sabemos,
desde a sua proscrio, em 1947, os comunistas reavaliaram tanto suas interpretaes da
realidade brasileira quanto a sua prpria ttica de ao. A partir da, a principal misso de seus
rgos de impressa era construir uma estratgia de combate aos governos considerados de
traio nacional, denunciando e conclamando a populao a lutar contra a presena norte-

218

O Momento, 24/10/1950.

115

americana e contra aqueles brasileiros que entregassem as riquezas nacionais ao inimigo


estrangeiro. Em geral, as matrias apelavam para as denncias e ataques pessoais219.
Por esses e outros motivos, evidente que no podemos considerar o teor dessas
denncias verdadeiro pelo simples fato de se encontrarem no jornal, pois todo rgo de
imprensa para alm da funo de informar os leitores tem sempre como meta a difuso de seu
projeto social e poltico. Tanto a imprensa operria quanto a partidria tm como
caracterstica marcante a tendncia de exacerbar os problemas e as ms condies do
segmento de classe que busca representar. Seu objetivo principal a denncia e a
arregimentao de mais adeptos para as suas fileiras. No por acaso, carregam tanto nas tintas
do sofrimento e explorao operria. Mas nem por isso deixam de ser teis para a pesquisa do
historiador. Sua riqueza como documento encontra-se no fato de terem conseguido abordar
parte das angstias dirias da classe trabalhadora, alm de terem se apresentado como
aglutinadores das classes populares para uma srie de embates polticos e lutas sociais220.
Exatamente por conta disso foi possvel identificar outros dois temas como pistas importantes
para a compreenso do mundo do trabalho dos petroleiros baianos: a insatisfao com a
qualidade da comida servida e o excesso de horas trabalhadas sem que qualquer direito
fosse pago.
No que tange alimentao, cabe dizer que ela era uma das principais questes
apresentadas pelos operrios para demonstrar a situao indigna a que estavam submetidos
nos primeiros anos do trabalho com o petrleo. A comida era definitivamente um demarcador
de espaos sociais dentro dessa indstria. Na Refinaria, existiam refeitrios diferenciados, e
diversas eram as queixas de que a qualidade da comida tambm no era a mesma. Nos
campos de produo, a situao era bastante parecida e a condio dos alimentos servidos, de
acordo com os editores do jornal comunista, era a seguinte:
A alimentao servida nos campos a pior possvel e por isso os trabalhadores
chamam-na de gororoba. O caf da manh acompanhado de po sem manteiga. No
almoo arroz, farinha e carne, tudo mal cozido e sem o mnimo sabor. No jantar a
mesma coisa pra variar.221

Os problemas no paravam por a, pois o que mais parecia incomodar era exatamente
o contraste entre a comida dos operrios e a da chefia. Nos campos de extrao os
engenheiros e tcnicos recebiam marmitas ou quentinhas. Alm disso, recebiam salrios

219

SERRA, op. cit., pp. 202-203.


GONALVES, Adelaide; BRUNO, Allyson (Orgs.). O trabalhador grfico. Fortaleza: Editora da UFC,
2002. FERREIRA, Maria Nazareth. Imprensa operria no Brasil. So Paulo: tica, 1988.
221
O Momento, 10/10/1954.
220

116

mais altos, e podiam comer em algum restaurante por conta prpria. J a comida dos operrios
vinha num panelo, que era arrastado por um carro e no caminho se enchia de poeira222.
Quando o panelo chegava junto ao operrio, este tirava uma armao contida na parte interna
do seu capacete, chamada de aranha, limpava-o com uma pequena flanela (quando tinha
alguma junto a ele) e o transformava em prato. Fazia a sua refeio sentado ao cho ou
encostado em alguma mquina. Para Jos Carlos Vivas, o trabalho era to cansativo e dava
uma fome to grande que quando a comida chegava no dava nem para pensar na falta de
qualidade, a nica coisa que se fazia era comer. Wilton Valena, por sua vez, nos conta que
no aceitava aquilo, e embora no fosse obrigado a comer no capacete, por ser trabalhador
especializado, recusava-se, em sinal de protesto, a compactuar com aquela segregao. No
comia a comida da empresa e gastava boa parte de seu ordenado alimentando-se em algum
outro lugar.
Figura 10:
Trabalhadores da extrao comendo no capacete

Fonte: Acervo pessoal de Jos Carlos de Souza Vivas

Essa situao levou os comunistas a usar tambm de ironia e se valer do pitoresco para
relatar os problemas dos petroleiros. Eles contam, na edio de 19 de agosto de 1951 de O
222

Depoimento de Jos Carlos de Souza Vivas, j citado. Depoimento do sondador e dirigente sindical Wilton
Valena da Silva, lotado na Regio de Produo da Bahia e contratado pela empresa em 1956. Entrevistador:
Alex de Souza Ivo. Entrevista realizada em: 18 de novembro de 2006.
novembro de 2006.

117

Momento, a visita de um suposto parente do Presidente Getlio Vargas, Pedro Vargas que
estava em companhia de sua esposa e era apresentado pelo engenheiro Gilberto Franco s
oficinas da Jequitaia223. Esse tipo de visita era muito comum e tinha por objetivo mostrar a
pessoas ilustres o tipo de trabalho realizado pela indstria do petrleo e os avanos que ela
proporcionava ao pas. Os visitantes, aps conhecerem vrios setores da oficina, entraram no
refeitrio justamente na hora do almoo. A esposa de Pedro Vargas notou que os
trabalhadores se alimentavam de carne seca com farinha e estranhou a coisa, perguntando
ao engenheiro qual era o motivo de tal dieta. Gilberto Franco, uma verdadeira bola segundo
o articulista do jornal, no se fez de rogado, sorriu para a admirvel dama e disse que a
comida no era ruim, pois ele, por exemplo, gostava de carne seca, farinha e po de acar.
No s os visitantes se assustaram com a resposta do engenheiro. Os operrios que
almoavam, interromperam sua refeio olharam para ele e, segundo o articulista, no
souberam o que pensar 224.
Sem entrar na celeuma se a histria real ou no, o que nos interessa o fato de que
ela poderia perfeitamente ganhar foros de credibilidade porque este era um tema
recorrentemente vocalizado nas queixas dos trabalhadores, que identificavam a comida
servida como um dos maiores pontos de distino entre eles e os chefes.
Como afirmamos, ocupavam destaque tambm as queixas relacionadas ao no
pagamento de salrios, gratificaes, horas-extras e abonos que eram garantidos por lei aos
trabalhadores. Os comunistas viam os responsveis pela indstria do petrleo como agentes
dos interesses dos trustes, que tratavam os brasileiros de forma indigna para entregar as
reservas naturais do pas aos americanos. Eram eles que induziam os maus brasileiros a
submeter os operrios a uma jornada extenuante de trabalho sem uma recompensa digna. Por
muitas vezes, os redatores do jornal recorreram ao discurso radical, tentando demonstrar
atravs de ofensas e palavras de ordem mais incisivas a explorao a que estavam submetidos
os trabalhadores. No entanto, nos anos do ps 1954, exatamente quando os comunistas
afinaram o seu discurso e, conseqentemente, a linha editorial de O Momento estava mais
branda em relao s denncias de maus-tratos aos trabalhadores, foi que eles apresentaram
223

A reportagem aponta que o visitante era irmo do presidente, mas o mesmo no tinha nenhum irmo com o
nome de Pedro. Isso nos leva a crer que pode ter ocorrido um erro do redator ao informar o nome do visitante, ou
ento que seu grau de parentesco com o presidente era outro. Mesmo na hiptese de que tal visita no existiu e
que, portanto, a matria tenha sido plantada pelos reprteres do jornal, nos interessa a verossimilhana que tal
histria tem dentro daquele contexto, pois, no mnimo, a situao dava margem para a sua publicao nas
pginas de O Momento.
224
O Momento, 19/08/1951.

118

um relevante exemplo das duras condies de trabalho dos petroleiros. A notcia se deu na
ocasio de um incndio num poo no campo de gua Grande (proximidades da cidade de
Catu), ocorrido em julho de 1955.
Os comunistas relataram os esforos para debelar as chamas. Consideraram o evento
como um teste para os tcnicos nacionais, que enfrentavam pela primeira vez um problema
de tal magnitude no pas. Louvaram os esforos de todos, desde o engenheiro Ivan Barreto de
Carvalho, chefe de servios da Regio de Produo da Bahia, que acompanhou e comandou
os trabalhos contra o fogo, at os mais simples operrios, que enfrentaram com energia e
habilidade o desafio, arriscando a prpria vida para preservar o patrimnio nacional225.
Trs dias depois, comemoraram o fim do fogo, que vitimara um engenheiro chamado Aroldo
Bastos. Parabenizaram as dezenas de operrios e engenheiros brasileiros, que
permaneceram em viglia constante, no duro e difcil combate s chamas. Nessa matria,
ouviram e publicaram a fala de Jonas, um velho operrio do petrleo, que afirmou estar to
habituado com perder noites que nem parecia haver quatro dias que no dormia. Completou
dizendo que era necessrio ser duro para trabalhar em perfurao, pois precisavam vencer
muitas vezes o sono, a fome e o cansao226.
Mesmo sem a inteno da denncia, o texto demonstrou o excesso de horas de
trabalho, sempre legitimada pela necessidade de dar o mximo pelo pas. Afinal os
trabalhadores precisavam aceitar a longa jornada em favor de uma empresa que trabalhava
para transformar o Brasil num pas grande e independente do ponto de vista econmico.
lvaro Bulco, operrio da produo, admitido ainda sob os auspcios do CNP, quando
perguntado como era sobre a jornada de trabalho e qual tipo de proteo a empresa formecia,
responde:
Aquele tempo no tinha proteo quase nenhuma, no tinha proteo quase
nenhuma. A gente ia e chegava, trocava a roupa, vinha a bota, o capacete e vamo
trabalhar.
Naquele tempo foi tudo daquele jeito, de carregar tubo nas costa, carregamo tubo nas
costa pra fazer linha de gua, pra fazer linha de leo, de gs, de tudo. E outra coisa, o
transporte era caminho, a gente subia no caminho pra ir trabalhar. [...]
No folgava... No folgava! Quando eu entrei logo trabalhava sbado, domingo,
feriado, semana santa, sexta-feira santa, So Joo no tinha folga.
Entrevistador: Recebia extra?

225
226

O Momento, 09/07/1955, p. 01.


O Momento, 12/07/1955, p. 01.

119

lvaro Bulco: No recebia extra, depois no tempo de Mangabeira que foi o


presidente da Petrobrs foi que veio a lei, ele a, pagou tudo isso, as folga tudo e
tal...227

Por fim, os comunistas desempenharam um papel relevante ao divulgar os esforos


empreendidos pelos operrios do petrleo para criar seu sindicato. Acompanharam e
noticiaram com grande entusiasmo as principais movimentaes para esse fim. O Momento
foi o nico rgo de imprensa da Bahia que noticiou as assemblias de outubro de 1954 que
trataram da situao dos operrios em relao aos estatutos jurdicos diferentes a que estavam
submetidos os trabalhadores ainda pertencentes ao CNP e aqueles que j haviam sido
incorporados pela Petrobrs, questo resolvida com a incorporao de todo o pessoal pela
empresa recm-criada228. Relataram ainda os esforos para atingir o percentual mnimo de
associados, exigido pelo Ministrio do Trabalho para a autorizao do funcionamento do
sindicato. Por fim, os comunistas reclamaram insistentemente contra a demora do prprio
ministrio em conceder aos petroleiros a to sonhada carta sindical.
Porm, ao mesmo tempo em que as atividades sindicais dos operrios do petrleo se
legalizavam, O Momento passava por uma profunda crise. A dura represso que ocasionou
dois empastelamentos da folha, e a falta de dinheiro para continuar editando o jornal
contriburam para que em novembro de 1957 ele deixasse de circular. Este foi o ms no qual
os petroleiros obtiveram autorizao oficial para instalar seu sindicato. Os comunistas tiveram
tempo ainda de relatar a viagem que levou Osvaldo Marques de Oliveira, Manoel Alves
Bonfim e Joo Humbelino de Souza para o Rio de Janeiro, ento capital da Repblica229. Os
sindicalistas, depois de trs anos de esforo, voltaram com a carta sindical embaixo do brao.
O Momento deixava de circular, mas os petroleiros tinham, enfim, o seu sindicato.

4.2 O

NASCIMENTO

DOS

SINDICATOS

PETROLEIROS

CONSTRUO DE SUA LEGITIMIDADE

227

Depoimento do torrista lvaro Bulco, lotado na Regio de Produo da Bahia e contratado pela empresa em
1949. Entrevistador: Alex de Souza Ivo. Entrevista realizada em: 02 de maro de 2007.
228
O Momento, 15/10/1954, p. 02.
229
O Momento, 01/11/1957, p. 02.

120

De acordo com os prprios trabalhadores, as suas entidades de representao nasceram


como fruto da necessidade de solucionar os diversos problemas inerentes s relaes de
trabalho descritas anteriormente e denunciadas pelos comunistas. O contexto em que elas
nasceram muito importante para que possamos compreender seus rumos. De um lado estava
o crescimento das discusses no plano nacional, que reforavam o carter nacionalista da
Petrobrs. Essa face da poltica brasileira colocava a empresa como uma das principais
representantes dos interesses da Nao frente ao imperialismo estrangeiro. Defender a
Petrobrs era o mesmo que defender o Brasil e essa era a misso primordial de qualquer um
que mantivesse relaes com a estatal. Existiam do outro lado, porm, as fortes reivindicaes
das classes dominantes e da imprensa baiana que ansiavam que a empresa estatal fornecesse
maiores retornos ao estado que naquele momento era o nico produtor de leo do pas.
Diziam que a Petrobrs podia at ser brasileira, mas o petrleo era baiano, pois o estado era o
nico que produzia leo na federao. Por isso mesmo, ansiavam pela criao da indstria
petroqumica baiana, pela indicao de baianos para a direo da empresa e os mais
entusiasmados diziam que a sede da empresa deveria sair do Rio de Janeiro e vir para
Salvador. A Bahia vivia, portanto, o paradoxo entre o nacionalismo e o regionalismo. Para os
sindicalistas, esse quadro era complementado pela urgncia em oferecer solues aos
problemas enfrentados pela categoria que representavam.
As primeiras movimentaes registradas para a criao de uma entidade de
representao dos petroleiros podem ser localizadas em outubro de 1954, cinco meses aps a
maior parte das atividades da indstria do petrleo sarem da responsabilidade do CNP e
serem entregues Petrobrs. Franklin Oliveira Junior identifica as duas assemblias que
fundaram a Associao Profissional dos Trabalhadores na Indstria do Petrleo no Estado da
Bahia nos dias 17 e 26 de outubro de 1954230. O jornal O Momento apontou em matria
datada do dia 15 do mesmo ms a existncia de uma assemblia, composta por trabalhadores
do Campo de Dom Joo e da Refinaria de Mataripe, identificada como a maior realizada
pelos trabalhadores do petrleo, e convocada pela seo de Candeias da Unio dos
Servidores Pblicos, na qual foi deliberada a filiao dos trabalhadores ainda ligados ao CNP
entidade organizadora da assemblia e a formao da associao profissional para os
trabalhadores j ligados Petrobrs231. Contudo, somente trs anos depois desse impulso
230

OLIVEIRA JR., op. cit., p. 57.


O Momento: 15/10/1954, p. 02. No possumos nenhuma informao bibliogrfica ou documental mais
consistente sobre a Unio dos Servidores Pblicos, pois mesmo nas pginas de O Momento essa entidade
apareceu em raras ocasies.
231

121

inicial que estaria definitivamente consolidado o primeiro sindicato dos petroleiros baianos,
o Sindipetro/Extrao.
Segundo Eunpio Costa, o ncleo fundador do rgo, batizado de grupo dos
revoltados, era composto por operrios de Mataripe e dos campos de Candeias e Dom Joo, e
teve como liderana mais destacada o operador de processo Osvaldo Marques de Oliveira,
que havia adentrado como segurana na refinaria ainda em 1951232. As referncias acerca da
atuao da entidade so praticamente inexistentes, uma vez que o seu perodo de existncia
legal (1954-1957) coincide com a j citada crise vivida pelo jornal O Momento, perodo em
que sua circulao j estava seriamente comprometida233. Isso diminuiu as matrias acerca
dos trabalhadores do petrleo e da instituio que eles estavam tentando criar. Alm do mais,
no pudemos contar com os registros feitos pelos prprios trabalhadores, em virtude da perda
dos documentos da associao, certamente ocasionada pelas mudanas de sede ocorridas nas
duas unificaes que o sindicalismo petroleiro viveu na ltima dcada do sculo passado234.
Figura 11:
Osvaldo Marques de Oliveira

Fonte: Sindipetro Jornal, prestao de contas do ano de 1961, p. 01.


232

COSTA, op. cit., pp. 240-247. Os fundadores, chamados por Eunpio Costa de grupo dos revoltados eram
Osvaldo Marques de Oliveira, Anbal Carnaba, Manoel Inocncio Pinheiro Jnior, Deoclcio Arajo da Silva,
Severino Alexandre da Silva, Simpliciano Joaquim dos Santos, Ansio Arajo Lima e Manoel Bonfim
(Expedicionrio).
233
Sobre a histria, dificuldades e crise vividas pelo jornal comunista O Momento, ver: SERRA, Sonia. O
Momento: histria de um jornal militante. Salvador: Dissertao de Mestrado em Cincias Sociais, 1988.
234
Em 1997, os sindicatos da extrao e da refinao se unificaram dando origem ao Sindicato Unificado dos
Petroleiros (SUP). Mais tarde, em 2000, os trabalhadores do petrleo, petroqumicos e qumicos decidiram pela
unificao das suas categorias, dando origem ao Sindicato dos Trabalhadores do Ramo Qumico e Petroleiro do
Estado da Bahia (STRQP), atual rgo de representao dos petroleiros baianos.

122

Oliveira, buscando construir uma genealogia das entidades de representao dos


trabalhadores, identifica os anos de atuao da Associao como uma pr-histria comum
s diversas instituies de trabalhadores. Ela era composta por irmandades, confrarias,
sociedades de auxlio mtuo, centros operrios, etc.. O autor considera que a ao da
Associao Profissional, reduzida doutrinao, ao associativa, ao assistencialismo, e a
promover o seu prprio reconhecimento como sindicato, se aproximava das ditas
organizaes pr-histricas, nas quais a atuao como classe ficava muito aqum da desejada
por este intelectual235.
Consideramos essa diviso hierrquica proposta por Franklin Oliveira em entidades de
trabalhadores histricas e pr-histricas problemtica, pois nada garante que um sindicato
seja mais politizado ou que seus associados tenham mais conscincia de classe do que os
membros de uma irmandade ou sociedade assistencialista. Pesquisas recentes demonstram,
por exemplo, que dentro do sistema escravista podiam existir organizaes religiosas ou at
mesmo assistenciais que conseguiam congregar seus membros em torno de importantes
demandas e eram elas que garantiam a coeso e a identidade coletiva do grupo236.
O prprio Oliveira, contudo, identifica pontos relevantes na atuao da Associao,
pois considera que em seus trs anos de existncia ela garantiu o acmulo de foras necessrio
para a construo de uma identidade na qual as lutas futuras se basearam237. Na verdade, os
esforos travados nos anos de existncia da associao e mesmo antes da sua fundao no
eram nem mais nem menos legtimos ou corretos do que aqueles feitos nos anos de atuao
sindical, pois tratavam-se apenas de diferentes fases de um mesmo processo histrico, que
visava garantir uma demanda que se tornou legtima diante da categoria, ou seja, a
representao sindical como forma de defesa de direitos e garantia de respeito por parte dos
chefes.
Duas dificuldades ligadas entre si marcaram o trabalho dos fundadores da Associao:
a primeira consistia em convencer a categoria de que era importante criar a entidade; a
segunda foi a perseguio imposta pelas prprias chefias, que buscavam impedir o
recolhimento da contribuio monetria mensal dos associados e at mesmo a filiao dos
235

OLIVEIRA JR., op. cit. p. 61.


Ver: REGINALDO, Lucilene. Os Rosarios dos Angolas: irmandades negras, experincias escravas e
identidades africanas na Bahia setecentista. Tese (Doutorado em Histria), Universidade Estadual de Campinas,
Campinas, 2005. REIS, Joo Jos. Identidade e diversidade tnica nas irmandades negras no tempo da
escravido. Revista Tempo. Rio de Janeiro, v. 2, n. 3, p. 199-242, 1997.
237
OLIVEIRA JR., op. cit., pp. 57-59.
236

123

operrios associao. Osvaldo Marques, em depoimento concedido a Franklin Oliveira,


ressaltou o esforo empreendido por ele e seus companheiros, que organizaram vrias
palestras e assemblias de esclarecimento categoria, bem como se valeram de conversas ao
p do ouvido para convencer os colegas de que a fundao do sindicato s traria benefcios.
Mesmo assim, o nmero de filiados foi inicialmente bastante reduzido. As contribuies
sindicais precisavam ser recolhidas noite, dentro dos alojamentos, ou escondida atrs das
mquinas238. lvaro Bulco, um dos primeiros responsveis pela coleta da contribuio
sindical no campo de Candeias, quando perguntado sobre as dificuldades para a criao da
Associao de Trabalhadores, e sobre as estratgias criadas pelos trabalhadores para superlas, relata a existncia de um esquema de aviso, atravs de apitos, que garantia a realizao de
reunies entre os trabalhadores:
E ficava ns, um numa ponta outro em outra, um ficava com apito e o outro, quando
apontava a caminhonete do chefe de campo, a priii! (imita o som de um apito), a
todo mundo se levantava, cada um pegava seu nego e ia trabalhar e tal... se ele
pegasse botava todo pra fora. Teve um certo dia que ele soube que tinha essa reunio,
ele chegou ao chefe de l do almoxarifado que era Simpliciano e disse: que se pegasse
que botava todo mundo pra fora, foi a que todo mundo ficou prevenido, foi quando
surgiu o nego do apito... pra no deixar ele pegar gente em reunio.239

Paralelamente a estas dificuldades de ordem interna, o grupo de fundadores, sem


experincia nos meandros dos rgos oficiais e aparentemente mal assistido juridicamente,
percorreu um longo caminho at a obteno da carta sindical, assinada em 27 de novembro de
1957. Ela deu origem ao Sindicato dos Trabalhadores da Indstria de Extrao do Petrleo no
Estado da Bahia (Sindipetro/Extrao).
O Ministrio do Trabalho considerou que os trabalhadores da Refinaria de Mataripe
pertenciam a uma categoria profissional diferente da dos trabalhadores da Regio de Produo
da Bahia (RPBA)240. Assim, a carta sindical concedida reconhecia a organizao somente
como representante dos trabalhadores da extrao. Restou aos operrios da refinaria a
esperana de conseguirem se organizar e obter o reconhecimento de sua entidade sindical num
menor espao de tempo. Enquanto avaliavam qual novo caminho deveriam seguir, os
operrios de Mataripe ficaram ligados provisoriamente no Sindipetro/Extrao. Osvaldo
238

Idem. 58-59.
Depoimento de lvaro Bulco, concedido ao autor em maro de 2007.
240
Sobre a estrutura corporativista que subordina os sindicatos operrios brasileiros ao enquadramento sindical e
s determinaes do Ministrio do Trabalho, ver, entre outros: ARAJO, ngela Maria Carneiro. A construo
do consentimento. So Paulo: Edies Sociais, 1998. BOITO JR., Armando. O sindicalismo de estado no
Brasil. So Paulo: Hucitec, 1989. COSTA, Vanda Maria Ribeiro da Costa. A armadilha do Leviat: a
construo do corporativismo no Brasil. Rio de Janeiro: Editora da UERJ, 1999. MARTINS, Helosa Helena de
Souza. O Estado e a burocratizao do sindicato no Brasil. So Paulo: Hucitec, 1989.
239

124

Marques ocupava, mais uma vez, destacado papel, pois assumiu as funes de tesoureiro do
novo sindicato e ao mesmo tempo manteve os esforos para a criao da entidade dos
trabalhadores de Mataripe.
Cerca de dois anos depois, em junho de 1959, foi fundada a Associao Profissional
dos Trabalhadores da Indstria de Destilao, Refinao e Derivados do Petrleo no Estado
da Bahia, entidade que daria origem ao Sindicato dos Trabalhadores da Indstria de
Destilao, Refinao e Derivados do Petrleo no Estado da Bahia (Sindipetro/Refino),
reconhecido legalmente em novembro do mesmo ano. No perodo da existncia da associao
mais antiga adentraram novos operadores em Mataripe, advindos dos cursos preparatrios
oferecidos pelo Centro Nacional de Aperfeioamento de Pessoal (CENAP). Deste novo grupo
de trabalhadores surgiram novos interessados em ajudar na criao do sindicato, dentre os
quais destacam-se Wilson Maranho e Mo Soares Lima. Wilson conheceu alguns dos
homens que se esforavam para criar o sindicato e comeou a participar de suas reunies, um
pouco mais tarde, convidou Mrio Lima e ambos se incorporaram aos pioneiros do
sindicalismo petroleiro baiano. Apesar de haver uma certa desconfiana dos novos em
relao ttica poltica dos velhos, segundo Mrio Lima, a estratgia escolhida foi a juno
das duas geraes de operrios para um maior fortalecimento da entidade que estava sendo
criada.
Os trabalhadores da gerao incorporada Petrobrs a partir de 1958 no foram os
nicos que viram com ressalva o outro grupo. Os operrios mais antigos chegaram a
manifestar uma certa repulsa aos novos colegas, em geral mais estudados e com uma
preparao terica prvia para o trabalho, vistos como almofadinhas que estavam l para
ameaar os seus empregos241. O prprio Sindipetro/Refino tratou de aparar essas arestas e
diminuir tais conflitos entre a classe, garantindo uma unio eficaz entre as duas geraes242.
Esses foram os primeiros passos dos sindicalistas em busca da legitimidade junto sua
base. Contudo, dois episdios marcaram essa caminhada e merecem ser analisados com mais
calma. Como sabemos, um dos aspectos que mais chamou ateno na formao de ambas as
entidades foi a dificuldade inicial de liberdade de ao encontrada por elas. Do comeo das
movimentaes em prol da criao de um sindicato at a existncia formal das duas
241

Depoimento de Mrio Lima, entrevista de 11 de julho de 2007.


Sobre geraes operrias ver: MOREL, Regina Lcia de Moraes; PESSANHA, Elina Gonalves da Fonte.
Geraes operrias: rupturas e continuidades na experincia dos metalrgicos do Rio de Janeiro. In: Revista
Brasileira de Cincias Sociais. So Paulo, vol. 01, n 17, pp. 68-83, 1991.

242

125

instituies passaram-se cinco anos. Os problemas diretos com os gestores da empresa no


foram poucos nesse perodo e no cessaram em novembro de 1959. Com efeito, os primeiros
meses de 1960 foram um marco neste enfrentamento entre sindicalistas e patres. Conforme
veremos, o resultado do impasse criado quando da demisso de Osvaldo Marques e Mrio
Lima foi fundamental para os rumos do Sindipetro/Refino e do grupo que o dirigiu at abril
de 1964243.
A primeira referncia ao problema surgiu na reunio de diretoria, realizada em 31 de
maio de 1960, s vsperas da cerimnia de posse dos novos dirigentes sindicais244. O prprio
Osvaldo, j eleito presidente do sindicato, surpreendeu seus companheiros com uma notcia.
Contou aos demais um incidente com ele prprio, que resultara na sua demisso. O motivo
foi a distribuio de uns manifestos aos associados, que continham crticas diretoria de
Mataripe, que havia demitido o tambm dirigente sindical Mrio Lima sem justa causa245. O
motivo da demisso do primeiro secretrio do sindicato havia sido uma discusso pessoal
travada entre ele e o chefe do setor de processamento, Alberto Boudyjean. Na mesma ocasio,
Osvaldo informou que j havia procurado o advogado do sindicato e que recebeu deste a
recomendao para que os dois no fizessem alarde e tomassem posse, conforme estava
previsto, e logo aps encaminhassem reclamao na justia do trabalho, pois ambos como
representao da classe no podia [sic] ser despedido246.
Os dirigentes do sindicato no se limitaram somente a essa ao como alternativa para
a resoluo do impasse. Pleitearam o apoio de polticos, inclusive do prprio governador da
Bahia e ex-presidente da Petrobrs, Juracy Magalhes, que j estava convidado para presidir a
cerimnia de posse do sindicato. O evento, realizado em 05 de junho do mesmo ano,
diferentemente do que havia acontecido com o sindicato co-irmo, que contou inclusive com
a ajuda financeira da Petrobrs para financiar a festa, no contou com a presena de nenhum
diretor da empresa. Os protestos contra as demisses marcaram o evento. Manoel Pinheiro,
vice-presidente do sindicato, usou da palavra para protestar contra a Superintendncia de
243

OLIVEIRA JR, op. cit., pp. 77-78.


A composio da 1 Diretoria do Sindipetro/Refino era a seguinte: Diretoria Executiva: Osvaldo Marques de
Oliveira (Operador de processo, Presidente), Manoel Inocncio Pinheiro Junior (Auxiliar tcnico especialista,
Vice-presidente), Mrio Soares Lima (Operador chefe de processo, Primeiro Secretrio), Wilson Frana
Albuquerque Maranho (Operador de processo, Segundo Secretrio), Jos Xavier (Operador chefe de processo,
Tesoureiro); Suplentes: Geraldo Alves Copque (Operador de processo), Julim Gomes da Silva (Fotgrafo),
Flordivaldo Maciel Dultra (Laboratorista), Gutemberg Soares de Oliveira (funo no encontrada), Demstenes
Soares Oliveira (Contramestre).
245
Livro de Reunio de Diretoria do Sindipetro Refino, folha 14A.
246
Livro de Reunio de Diretoria do Sindipetro Refino, folha 15.
244

126

Mataripe que, atravs de medidas prepotentes, demitiu dirigentes sindicais recm-eleitos e


antes de passar a palavra para o governador, afirmou ter certeza de que se fosse ele o
presidente da Petrobrs aqueles lamentveis fatos no estariam acontecendo247. Juracy
Magalhes, ao encerrar a cerimnia, usou de palavras ponderadas para criticar a demisso
dos dirigentes. Prometeu que assim que chegasse ao Palcio da Aclamao, entraria em
contato com o presidente da Petrobrs, a fim de encontrar uma soluo que garantisse a
liberdade sindical248.
O caso, porm, s se resolveu com a visita de Juscelino Kubitschek Refinaria para
inaugurar novas unidades de operao. O cerimonial do evento previa que um trabalhador,
indicado pelo sindicato, saudasse o Presidente da Repblica. Na reunio do sindicato, Osvaldo
se recusou a assumir o encargo e sugeriu que Mrio Lima fizesse a saudao a Juscelino.
Perguntado por um diretor da refinaria se iria fazer em seu discurso meno sua demisso e
do presidente do sindicato, Mrio afirmou que faria, pois no havia como esse assunto ser
ignorado. A nica forma de impedir tal comentrio e o conseqente mal estar proveniente de
um possvel constrangimento seria a readmisso de ambos, o que acabou sendo feito249. O
Sindipetro/Refino aproveitava as brechas existentes no jogo poltico da poca para ganhar sua
primeira grande batalha, talvez a mais importante da sua breve histria. No exagero afirmar
que as demisses tenham sido uma forma encontrada pelos dirigentes da refinaria para frear
um possvel avano das reivindicaes dos trabalhadores por conta da ao do sindicato. Para
a categoria e os dirigentes sindicais, as duas lideranas sindicais tinham sido vtimas daquilo
que era um dos maiores medos dos primeiros petroleiros, as demisses motivadas pelo desejo
dos chefes, e consideradas to banais que entraram para a memria dos trabalhadores como
aquelas que eram despachadas em papel de cigarro250. A vitria demonstrava aos
trabalhadores que o sindicato poderia ser uma arma para reverter as relaes de poder na
empresa. Era como se a base do sindicato tivesse percebido que existia alguma fora capaz de
limitar o poder dos chefes.
Nos relatos sobre a conquista de legitimidade e reconhecimento da fora dos
sindicalistas diante dos seus superiores h ainda um outro episdio que merece destaque.
Segundo Mrio Lima, em uma certa ocasio, antes ainda dele tomar posse como dirigente
sindical, quando coordenava o trabalho de uma turma de operadores durante a noite, a comida
247

Livro de Atas de Assemblias do Sindipetro Refino, folha 08.


Idem, folha. 08A.
249
Depoimento de Mrio Lima, realizado em 24 de novembro de 2006.
250
Depoimento de Raimundo Lopes, j citado.
248

127

da equipe chegou estragada. Constatando o fato, ele ligou imediatamente para o responsvel
pelo fornecimento do alimento e relatou o problema, pedindo que a refeio fosse trocada por
uma que garantisse a sade dos profissionais e, conseqentemente, o bom andamento dos
trabalhos da unidade. A pessoa que o atendeu disse que s tinha aquela comida e que no
poderia preparar outra, pois a chave da despensa estava com o chefe do setor, que se
encontrava repousando em sua casa na Vila de Mataripe e no podia ser incomodado.
Mrio Lima insistiu, afirmando que uma turma de operadores no poderia passar a
noite com fome ou ento comer algo que lhe fizesse mal, pois isso poderia prejudicar a
prpria empresa. Continuou solicitando ao referido colega que entrasse em contato com o
chefe do setor para resolver a situao, mas sem sucesso. Mrio ameaou, ento, soar o
alarme e despertar todos na Vila e nos alojamentos. Aps essa ameaa o colega cedeu e ps o
operador chefe em contato com o responsvel pela despensa. A conversa entre este e o futuro
secretrio do Sindipetro/Refino aconteceu, segundo Mrio Lima, num tom de extremo
respeito hierrquico. Chamei-o o tempo todo de senhor e doutor, explicando que a comida
estragada poderia fazer mal aos operadores. Em nenhum momento falei com falta de respeito
ou arrogncia.
Mrio Lima conta que buscou, ao mesmo tempo, demonstrar um certo conhecimento
para que o chefe entendesse que no estava falando com qualquer um. O ex-sindicalista nos
disse que quando perguntado pelo superior porque sabia que o alimento estava estragado,
respondeu de imediato que ele continha microorganismos e que eram eles que fariam mal a
quem o ingerisse. Sua insistncia deu resultado e ele conseguiu que fosse preparada uma outra
refeio. No outro dia, no entanto, a histria que corria em Mataripe era a de que Mrio Lima
havia dado o maior esculacho em um chefe por causa de uma comida estragada. Ou seja, o
respeito da conversa foi abstrado, e o que era uma reivindicao, virou uma reprimenda a um
superior. O interessante que vrios operrios aposentados dizem ter ouvido falar nessa
histria pela refinaria, sem lembrar, entretanto, do nome dos outros dois envolvidos251.
Esses dois episdios, no fim das contas, independentemente de serem mticos ou no,
ganham um sentido muito consistente dentro do contexto da formao do Sindipetro/Refino.

251

Essas histrias so identificadas por Costa Neves como uma forma mitolgica encontrada pelo prprio Mrio
Lima para legitimar suas aes polticas na dcada de 1980 frente ao Sindipetro/Refino. Neste perodo, o
sindicalista travou uma disputa com os militantes ligados recm-fundada Central nica dos Trabalhadores
(CUT) pelo controle da direo. Essa discusso, contudo, ultrapassa os limites de nossa pesquisa. Ver: NEVES,
op. cit., pp. 460-465.

128

Demisses sumrias e alimentao precria so os aspectos negativos mais lembrados pela


maioria dos trabalhadores que viveram esse perodo, tanto nos campos de extrao quanto em
Mataripe, como os maiores problemas enfrentados pelos trabalhadores antes dos sindicatos.
Esses fatos aparecem, tambm, como vimos, na imprensa militante e nas prprias reunies de
diretoria e assemblias da poca. O medo de entrar no sindicato e de participar de suas
movimentaes s foi vencido quando os prprios dirigentes demonstraram categoria que
possuam armas capazes de enfrentar esses problemas.
Costa Neves demonstra que imediatamente aps a readmisso de Osvaldo Marques e
Mrio Lima o nmero de filiados ao Sindipetro/Refino comeou a crescer. O autor diz que at
o final de 1959 somente seiscentos e setenta cinco trabalhadores estavam sindicalizados. Em
1960 esse nmero teria passado, contudo, a dois mil cento e cinqenta e nove252. Costa Neves
no indica a fonte de suas informaes, mas os dados que conseguimos reunir a partir das
fichas sindicais do Sindipetro/Refino corroboram a sua afirmao, embora sejam diversos:
TABELA 10:
ANO DE ENTRADA NA EMPRESA E FILIAO AO SINDIPETRO/REFINO
Ano

Entrada na empresa*

Entrada no Sindicato

At 1958

754

213

1959

402

170

1960

725

827

1961

246

677

1962

194

165

1963

235

445

1964

24

Depois de 1964

75

No informado

62

30

Total

2626

2626

* Constam somente os empregados que filiaram-se ao Sindipetro/Refino.


252

Idem, p. 289.

129

Fonte: Fichas de filiao sindical do Sindicato dos Trabalhadores da Indstria de Refinao e


Destilao do Petrleo do Estado da Bahia (Sindipetro/Refino).

Como podemos observar, existe uma diferena quantitativa entre os dados colhidos
pela nossa pesquisa e aqueles apresentados por Costa Neves, mas o sentido de sua
interpretao o mesmo. Encontramos at o final de 1959 um total de trezentos e oitenta e
trs petroleiros filiados ao Sindipetro. Em 1960, ano do reconhecimento legal do sindicato, da
readmisso dos dois dirigentes e da primeira greve dos trabalhadores do petrleo, entraram
mais oitocentos e vinte e sete homens no sindicato. bom que se diga que esses dados no
correspondem totalidade nem dos trabalhadores da Petrobrs na Bahia, nem dos que se
filiaram ao sindicato, o que talvez explique a grande diferena entre os resultados. Mesmo
assim, correta a interpretao de que os eventos de 1960 ajudaram significativamente a
ampliar o nmero de sindicalizaes. Quando observamos os meses em que essas entradas
aconteceram, os dados so ainda mais esclarecedores. Em julho e outubro de 1960, perodos
correspondentes readmisso dos dois sindicalistas e mobilizao grevista, aconteceram os
maiores aumentos no nmero adeses entidade. O primeiro ms registrou duzentos e sete e
o segundo duzentos e oito filiaes.
Em 1961 os diretores do sindicato continuaram preocupados em aumentar o seu
quadro social. Na assemblia geral de 29 de maio, Jos Xavier, tesoureiro da entidade,
argumentou que a diretoria precisava se empenhar para empreender uma campanha de
sindicalizao mais intensa253. A proposta parece ter dado resultado, pois se em 1961 a
quantidade total de sindicalizaes (seiscentos e setenta e sete) foi menor do que a verificada
no ano anterior, quando ela posta em comparao com o total de empregados contratados
pela empresa no mesmo ano (duzentos e quarenta e seis), podemos constatar que boa parte
dos antigos optou por ingressar no sindicato naquele ano. Julho foi um ms em que
ocorreram duzentos e oitenta e cinco filiaes, o que representou 42,1% do total realizado no
ano. Essas evidncias nos ajudam a afirmar que no comeo de 1962, a direo do sindicato
contava com um apoio amplo de sua base, e tinha acumulado foras para interferir nos rumos
da empresa.

253

Livro de Atas de Assemblias do Sindipetro Refino, folha 24. Memorial do Sindicato dos Trabalhadores do
Ramo Qumico e Petroleiro da Bahia.

130

4.3 AS

SINDICALISMO

PETROLEIRO

AS

BRECHAS

DO

REGIONALISMO

O ano de 1960 trouxe novas perspectivas para os polticos baianos em relao


Petrobrs. O pleito presidencial que aproximava-se trazia a esperana de que as demandas
colocadas na Conferncia do Petrleo, de janeiro de 1959, viessem, enfim, a ser aceitas pelo
governo federal. O sentimento regionalista continuava forte e no passou batido pelos
dirigentes sindicais. Ele acabou incentivando suas prticas sindicais pelo menos at o ano de
1962. As pesquisas sobre a histria dos primeiros anos do sindicalismo petroleiro na Bahia,
realizadas at ento, notaram a presena do discurso regionalista naquele perodo, mas no
demonstraram como os representantes sindicais agiram sob sua influncia, aproveitando-se de
parcelas de seu discurso para obter vitrias polticas. o que tentaremos fazer a partir de
agora, o que nos ajudar a estimar a fora do regionalismo e do nacionalismo na formao da
identidade sindical da primeira gerao dos petroleiros baianos.
O nacionalismo considerado praticamente de forma unnime como o grande
motivador da ao sindical petroleira em todo o pas. A fala dos militantes sejam eles do
passado ou do presente ajuda a construir essa idia, pois chama ateno para a defesa dos
interesses nacionais, a luta a favor do monoplio estatal do petrleo, o esprito de proteo e
amor empresa como uma prtica constante entre os trabalhadores da Petrobrs. A estatal
transformou-se em um smbolo da capacidade do brasileiro de realizar grandes
empreendimentos e os verdadeiros patriotas precisavam defend-la da ameaa estrangeira.
Essas idias j eram difundidas nas dcadas de 1950 e 1960, mas como vimos no eram as
nicas. No caso especfico da Bahia, regionalismo e nacionalismo caminharam de mos
dadas. Na verdade, a legitimao do Sindipetro/Refino junto sua base s foi possvel porque
seus dirigentes conseguiram articular de modo bastante perspicaz essas duas vertentes de
discurso poltico, entrelaando-as s questes relacionadas ao cotidiano operrio e gesto da
fora de trabalho.
A poltica de pessoal da empresa era bastante hierrquica, e as diferenas de
tratamento em funo da hierarquia era um fato que todos percebiam. Acontece que por conta
da origem diferenciada dos trabalhadores do petrleo, os menos qualificados no local de
trabalho eram majoritariamente baianos e os chefes, sobretudo os engenheiros, vinham de
131

vrias localidades do pas, mas principalmente dos estados do Sul e do Sudeste. A insatisfao
dos operrios gerada pelas diferenas de status e de tratamento tinha correspondncia com a
insatisfao dos polticos, que diziam que a Petrobrs tratava a Bahia de uma forma e os
demais estados de outra. Era como se as relaes de trabalho apontassem que a empresa
estatal discriminava no s a Bahia mas tambm os baianos. A constatao feita pelos
trabalhadores da Refinaria de Mataripe de que os operrios da Refinaria de Cubato recebiam
salrios muito superiores que eles reforou essa tese.
No dia 1 de novembro de 1960 a Refinaria de Mataripe amanhecia parada.
Presenciava-se a primeira greve dos trabalhadores do petrleo do Brasil. O estado dos
primeiros poos e da primeira refinaria estatal era tambm o da primeira greve de petroleiros.
Tratava-se do movimento batizado de equipara ou aqui pra. Os petroleiros baianos
cruzaram os braos durante trs dias, pleiteando que seus salrios fossem pagos seguindo os
parmetros aplicados na Refinaria de Cubato. Pediam tambm a revogao da Resoluo
27/60, que estabelecia normas de admisso e progresso consideradas insatisfatrias pelos
sindicalistas254.
A organizao de uma pauta de reivindicaes que desembocaria na campanha salarial
que levou greve comeara em junho de 1960, quando ainda existia o impasse acerca da
readmisso dos dois membros da diretoria do sindicato. De acordo com Oliveira Junior,
Osvaldo Marques apresentara imprensa baiana uma srie de demandas na qual estava
includa a questo salarial. Os sindicalistas j tinham notcia da diferena salarial existente
entre Cubato e Mataripe, pois o intercmbio de funcionrios das duas unidades
proporcionava o surgimento de informaes cruzadas.255.
Tudo indica que as articulaes para a campanha salarial iniciaram-se imediatamente
aps a posse efetiva da diretoria. Contudo, as informaes registradas nas atas de reunio de
diretoria e de assemblia s apareceram em setembro. No dia 10 daquele ms os diretores do
sindicato levaram a questo para uma assemblia. Nela, os sindicalistas comeam a tentar
convencer a base da importncia de aes coletivas, por conta disso, sugeriram pleitear o
aumento conjuntamente com o Sindipetro/Extrao. Osvaldo Marques relatou ainda o
episdio recentemente acontecido, quando um grupo de trabalhadores do processamento
decidiu solicitar um aumento chefia e no obteve sucesso, recebendo como resposta que os
254
255

OLIVERA JR, op. cit., p. 82.


Idem, p. 81.

132

chefes da refinaria aplicavam a lei da procura e oferta, logo, se os operrios no estivessem


satisfeitos deveriam pedir demisso256. Ainda discutindo a questo, Mrio Lima exps a
diferena salarial entre Mataripe e Cubato. Explicou ainda aos presentes que no havia
justificativa para tal desnvel, uma vez que tratava-se de uma indstria altamente lucrativa e
que os preos dos produtos vendidos pelas duas unidades eram os mesmos e davam
igualmente lucros empresa. A plenria, seguindo a proposta do operador chefe Giovani
Figueredo, deliberou pelo incio da campanha de equiparao salarial e pelo envio de um
membro do sindicato cidade paulista para colher maiores informaes sobres os salrios
pagos aos petroleiros naquela localidade257.
Dois dias depois, em reunio de diretoria, realizada na sede do sindicato, Wilson
Maranho, segundo secretrio do rgo de classe, foi escolhido para viajar ao estado de So
Paulo e obter maiores informaes sobre a diferena salarial. No dia 14 de setembro, o
dirigente sindical partiu para a sua misso258. Retornando Bahia no final do ms, Maranho
contou aos seus companheiros como foi sua viagem e relatou a dificuldade enfrentada para
coletar os dados que necessitava, pois a possibilidade iminente de uma declarao de greve na
Refinaria de Cubato criou um clima mais difcil para o sucesso da sua empreitada. De todo
modo, o Segundo Secretrio do Sindipetro/Refino conseguiu anotar vrias informaes e
trouxe consigo alguns envelopes de pagamento, que forneciam uma viso mais completa
sobre os padres salariais da unidade. Contou ainda, que tomou conhecimento, atravs de
conversa com os colegas sindicalistas de Cubato, de uma circular da empresa que estabelecia
normas reguladoras de concesso de melhoria, promoo, acesso e transferncia de funo.
Tratava-se do texto que dava origem Resoluo 27/60. Os dirigentes decidiram levar a
questo ao conhecimento dos colegas do Sindipetro/Extrao para que juntos encaminhassem
um veemente protesto contra a direo da empresa. Por fim, decidiram levar para a
assemblia de 1 de outubro as notcias trazidas pelo segundo secretrio259.
Realizada na cidade de Candeias, na prpria sede do sindicato, a assemblia comeou
com a exposio de Wilson Maranho sobre o que sucedeu em sua viagem e os resultados
obtidos por ele. O sindicalista comparou em sua fala o tratamento diferente dispensado aos
funcionrios das duas refinarias, concluindo que havia em Mataripe um descaso para com os
servidores. Aps isso, mostrou os envelopes que comprovavam as diferenas de salrios,
256

Livro de Atas de Assemblia do Sindipetro, Reunio de 10/09/1960, folha 13A.


Idem, folha 14.
258
Livro de Atas de Reunio de Diretoria do Sindipetro Refino, folhas 17-17A.
259
Idem, folhas. 17A-18A.
257

133

considerados um verdadeiro disparate. Por fim, Maranho argumentou que por causa das
suas constataes, os trabalhadores de Mataripe deveriam solicitar direo da estatal a
equiparao dos salrios das duas refinarias. Osvaldo Marques aproveitou o gancho e props
que fosse redigido um ultimatum empresa, que deveria dentro de no mximo 72 horas
pronunciar-se acerca da reivindicao dos trabalhadores. Aps a redao do texto do
ultimatum, a plenria declarou-se em Assemblia Permanente at que o problema fosse
solucionado. No documento os operrios diziam que aguardavam dos diretores uma atitude
mais compatvel com o problema a fim de evitar qualquer medida de carter mais
extremo260. Em outras palavras, jogavam a responsabilidade de uma possvel greve para as
mos da Petrobrs. S tomariam essa medida extrema de parar o servio se a empresa no
fosse sensvel a suas reivindicaes.
Os gestores da empresa, diante da situao, tentaram demover os trabalhadores do seu
posicionamento inicial. Em reunio ocorrida na manh do dia 05 do mesmo ms de outubro,
na prpria sede da superintendncia da refinaria, estiveram presentes o superintendente Roque
Perrone, dirigentes sindicais e Pinto de Aguiar, diretor de operaes da Petrobrs. Os
sindicalistas saram de l com o compromisso de que Pinto de Aguiar telefonaria para a
presidncia da estatal com o objetivo de expor as reivindicaes dos operrios e encontrar
uma soluo para o impasse. Falando imprensa, o diretor concordou com as demandas
salariais apresentadas pelos trabalhadores, mas afastou a possibilidade de uma soluo
imediata para o problema por causa da descentralizao da Petrobrs. Criticou, mesmo
assim, a imposio dos trabalhadores, pois considerava que a empresa no media esforos
para resolver satisfatoriamente o impasse261. Sugeriu ento como alternativa de ao o
envio de um memorial, para que a administrao central tomasse conhecimento do pleito e
julgasse a validade das reclamaes. Para ele as reivindicaes no poderiam ser postas
naqueles termos, afinal uma empresa nacionalista como a Petrobrs tinha caractersticas
diferenciadas, pois os dirigentes sindicais precisavam entender que a estatal possua uma
direo e no um patro262.
Os diretores do Sindipetro/Refino reuniram-se, no dia seguinte, com sua base em uma
assemblia em Candeias. Devido ao grande nmero de presentes (1500 segundo estimativa do
jornal A Tarde) a reunio aconteceu na praa da cidade. Enquanto Pinto de Aguiar recorria ao
260

Livro de Atas de Assemblias do Sindipetro Refino, 01/10/1960, folhas 15-16A.


A Tarde, 06/10/1960, p. 03.
262
Jornal da Bahia, 06/10/1960, p. 03.
261

134

nacionalismo para impedir a paralisao, os trabalhadores recorriam ao discurso do


movimento regionalista. Os dirigentes do sindicato comparavam a situao privilegiada do
operariado paulista com as condies do trabalhador baiano, pioneiro na luta do petrleo no
Brasil263. Pinto de Aguiar, presente na assemblia, convenceu os trabalhadores a prorrogar o
prazo dado diretoria da empresa, comprometendo-se em encaminhar pessoalmente as
reivindicaes da categoria ao corpo de dirigentes da Petrobrs. Ganhou um prazo de dez dias
e partiu para o Rio de Janeiro com o memorial que expunha a situao dos operrios de
Mataripe e solicitava a equiparao sindical com Cubato. A essa altura, os trabalhadores de
Mataripe j contavam com o apoio dos seus colegas petroleiros da unidade paulista264. Faltava
ainda convencer a opinio pblica baiana de que o seu pleito era justo.
No era uma tarefa fcil convencer a sociedade baiana, atravs dos seus principais
canais de comunicao, que uma greve era o melhor caminho. A imprensa local via com
reservas o crescimento das mobilizaes operrias. Por isso mesmo, os redatores do jornal
Dirio de Notcias j ensaiavam os primeiros passos contra a paralisao dos trabalhos em
Mataripe. A folha dizia, na sua edio de 6 de outubro, que a Petrobrs no poderia ficar
exposta aos qui-pro-cs das discusses salariais. Alertava ainda para o perfil diferenciado da
estatal, que era o prprio Estado brasileiro no seu orgulho nacional e que, portanto, no
poderia ser tratada pelos seus funcionrios como uma empresa privada. Uma Petrobrs parada
representaria a suspenso de trabalhos que colaboravam para o crescimento do pas. A matria
era concluda com o argumento de que a empresa deveria estar imune a qualquer tipo de
presso vinda de seus operrios265.
O discurso se invertia. A imprensa local que em suas campanhas nunca havia se
preocupado muito em defender o monoplio estatal do petrleo e o papel estratgico da
Petrobrs, ao pressentir a iminncia de um movimento grevista e sentir a mobilizao de uma
categoria profissional, concentrou seus esforos para lembrar que uma paralisao dos
trabalhadores daquela empresa seria nociva para os interesses do pas. Os sindicalistas, em
contrapartida, usavam das armas que j estavam postas para a sociedade baiana h algum
tempo. Para eles esse seria o caminho mais curto para convencer a prpria base e a opinio
pblica266. De fato, no era fcil partir para um enfrentamento com a empresa que era o maior
263

Jornal da Bahia, 07/10/1960, p. 03.


Jornal da Bahia, 08/10/1960, p. 01.
265
Dirio de Notcias, 06/10/1960, p. 04.
266
Livro de Atas de Reunio de Diretoria do Sindipetro Refino, folha 19A. Em reunio no dia em que a nota
citada a seguir foi publicada, Jaime Arajo, suplente do Conselho Fiscal, sugeriu que fossem colocadas o maior
264

135

smbolo da luta nacionalista. Por isso mesmo, os sindicalistas no abandonaram a defesa da


empresa e disseram que uma remunerao justa faria com que os funcionrios da estatal no
estado da Bahia servissem com mais afinco e dedicao empresa e conseqentemente ao
pas. O foco de seu discurso no momento da greve era, entretanto, o regionalismo. Por isso
mesmo, voltaram imprensa, atravs de uma nota pblica:
Os trabalhadores que integram o Sindicato dos operadores que servem Refinaria
de Mataripe haviam decidido em assemblia geral reivindicar da direo da Petrobrs
equiparao de seus salrios aos daqueles que trabalham na Refinaria de Cubato, em
So Paulo. Essa atitude representa a necessidade de reparao de mais uma grande
injustia contra a Bahia: o tratamento desigual que a empresa, a todos os ttulos,
vem atribuindo a nosso Estado, conforme bastante vezes tem demonstrado a
Imprensa. Por que, exercendo funes idnticas, os trabalhadores de Cubato
ganharem salrio superior aos operrios de Mataripe?
Essa desigualdade foi demonstrada por este sindicato em memorvel assemblia, ao
eminente professor Pinto de Aguiar, Diretor de Operaes da Petrobrs, quando,
visando um entendimento com os trabalhadores, compareceu em Candeias no ltimo
dia 6.Do encontro havido, resultou, em ateno confiana depositada no ilustre
dirigente da empresa estatal, deliberassem os trabalhadores adiar a suspenso do
servio que estava prevista para o dia 7, aguardando as providncias que o Professor
Pinto de Aguiar assumiu o compromisso de tomar perante a Presidncia e o Conselho
da Petrobrs.
Como no podia esse Sindicato duvidar da palavra leal do notvel baiano que
dirige um dos setores bsicos da companhia, esto os trabalhadores esperando [que]
se cumpra a soluo dos seus problemas. Pois no querem acreditar [que] venham a
ter necessidade de paralisar o trabalho afim de que, ainda desta vez, no se
sacrifiquem os baianos.267

Aps a viagem de Pinto de Aguiar, o Sindipetro/Refino enviou tambm seus


representantes para a cidade do Rio de Janeiro. Os seus dirigentes queriam acompanhar de
perto e interferir de alguma maneira na negociao que se processava na sede da empresa.
Luciano Campos e Mrio Lima embarcaram no dia 13, levando um novo memorial que seria
entregue ao diretor de operaes da empresa268. Contudo, ao chegar em seu destino, no
conseguiram manter uma comunicao satisfatria com os colegas que ficaram na Bahia, que
mesmo assim preferiram no acreditar nas notcias veiculadas pela imprensa local, que davam
conta do recuo do sindicato em suas reivindicaes. Tal estado levou Manoel Xavier,
presidente em exerccio, a criticar e lamentar a situao vexatria em que se encontrava,

nmero de notas nos jornais com o fito de ganharem a opinio pblica. Tal meta no foi atingida por falta de
dinheiro para colocar as notas. Na reunio seguinte do sindicato, os diretores declararam que at mesmo os
telegramas enviados aos colegas em viagem foram enviados atravs de emprstimos dos prprios colegas.
267
Publicada em: O Estado da Bahia, 11/10/1960, p. 04, grifos nossos.
268
Livro de Atas de Reunio de Diretoria do Sindipetro Refino, folha 19. Jornal da Bahia, 12/10/1960, p. 02.

136

pois os telegramas enviados por Mrio e Luciano pouco satisfaziam e no traziam nenhuma
informao consistente, fato que o levava a no saber o que dizer aos associados269.
Apesar da imprensa local, sobretudo A Tarde, insistir em informar que o risco de
paralisao j estava afastado, os entendimentos entre empresa e sindicato no haviam
avanado e a greve parecia inevitvel. Por isso mesmo, os dirigentes do Sindipetro/Refino
foram a pblico mais uma vez e reiteraram a iminncia da parede. Informaram que os
petroleiros continuavam em assemblia permanente e em plena mobilizao, pois no ficaram
satisfeitos com a resposta evasiva da diretoria da empresa. Os sindicalistas disseram ainda
que s no haviam declarado a greve at aquele momento porque estavam cientes da
importncia [...] para o Brasil da empresa da qual eram funcionrios270. Na mesma
oportunidade foi estabelecido o terceiro e ltimo prazo dado estatal, que vencia no dia 31 de
outubro. Caso os trabalhadores no fossem atendidos, parariam as atividades no dia
seguinte271.
Os dirigentes do Sindipetro/Refino, apesar de empreenderem com todo vigor a
campanha em prol da greve e terem conseguido mobilizar os seus filiados, tiveram um revs
considervel em seus planos. O Sindipetro/Extrao no aderiu campanha, pois considerava
que uma greve naquela conjuntura s enfraqueceria a Petrobrs. Seus dirigentes acreditavam
que a equiparao no havia sido concedida porque a empresa no tinha de fato condies272.
Mesmo assim, os trabalhadores de algumas localidades da Regio de Produo, como
Candeias e So Sebastio, a despeito da posio oficial de seu sindicato, ficaram animados
com a possibilidade de aumento proporcionada por uma possvel greve e participaram das
mobilizaes
A ltima tentativa de evitar o movimento grevista aconteceu no prprio dia 31, quando
dirigentes da empresa e do sindicato reuniram-se na sede da Delegacia Regional do Trabalho,
sob a mediao do delegado substituto Amadiz Barreto. A partes tentaram sem sucesso
chegar a um denominador comum. Enquanto os sindicalistas, atravs do seu advogado,
afirmavam que aceitariam at mesmo uma equiparao na base de 80%, a superintendncia da
refinaria no ofereceu mais do que 20%. Na mesma oportunidade, os trabalhadores
declararam que pretendiam realizar um movimento pacfico, no qual no haveria desrespeito
269

Idem, folha 20.


Jornal da Bahia, 23 e 24/10/1960, p. 06.
271
A Tarde, 25/10/1960, p. 03.
272
Depoimento de Wilton Valena, j citado.
270

137

aos dirigentes da empresa estatal, nem danos ao equipamento, pois qualquer um desses atos
seria classificado como anti-patriotismo273.
Figura 12:
Trabalhadores de Mataripe mobilizados na greve

Fonte: Sindipetro Jornal, setembro de 1962, p. 06.

Como todas as tentativas de entendimento haviam fracassado e os prazos estavam


esgotados, a greve foi, enfim, deflagrada no primeiro dia do ms de novembro de 1960. A
superintendncia de Mataripe tentou desqualificar o movimento e convencer a opinio pblica
de que a greve era ilegal. Em nota oficial, divulgada atravs da imprensa, Roque Perrone
garantiu que a empresa havia feito todos os esforos possveis para evitar o enfrentamento e
que o caminho adotado pelos trabalhadores era incorreto, uma vez que no haviam
encaminhado a questo para a justia do trabalho. O superintendente informou ainda que
convocara o Exrcito para intervir a fim de garantir, no somente o patrimnio da refinaria,
bem como a integridade de todos aqueles funcionrios, tcnicos, operrios especializados,
burocratas auxiliares, etc., que cnscios de seus deveres e suas responsabilidades decidiram
por continuar trabalhando274. Sua posio foi respaldada pelo dirigente da Delegacia Regional
do Trabalho, que foi a pblico e declarou a greve ilegal, argumentando que se tratava de
indstria bsica e essencial segurana nacional e, conseqentemente, a suspenso de seus

273

A Tarde, 01/11/1960, p. 03.


Nota Oficial assinada pela Superintendncia da Refinaria de Mataripe e publicada nas edies de 01/11/1960
e 02/11/1960 dos jornais A Tarde, Jornal da Bahia e Dirio de Notcias.
274

138

trabalhos era uma falta grave, de acordo com o Decreto-Lei 9070 de 15 de maro de
1946275.
A fora de mobilizao do sindicato era grande e, contrariando as notcias emitidas
pela empresa, o primeiro dia de greve foi de grande adeso. Os operrios mobilizados
avolumaram-se em Salvador, em frente sede da Petrobrs e foram observados de perto por
homens do servio de vigilncia poltica da polcia baiana. Os engenheiros, por sua vez, foram
os nicos que continuaram trabalhando na unidade. Os prprios sindicalistas de Cubato
prestaram solidariedade aos operrios baianos, j que vieram ao estado e acompanharam de
perto as movimentaes. O sucesso foi to grande que at os moradores da Vila de Mataripe
participaram do movimento. Boatos davam conta de que eles no participariam porque
temiam perder as regalias que gozavam, sobretudo o acesso moradia. Mrio Lima, ao ser
perguntado sobre as dificuldades encontradas pela direo do sindicato para a realizao da
greve lembra:
Demos os prazos e a empresa no apostou. Ameaaram o pessoal da Vila, eu sa de
casa em casa e disse: companheiro, a casa da refinaria, mas na hora que voc est
morando aqui o seu lar. Aqui ningum pode entrar sem autorizao sua e de sua
mulher. Isso da lei. Aqui voc mora com sua mulher e seus filhos, seu lar276.

Outro participante da greve, o segurana Raimundo Lopes, ao ser perguntado sobre


do que se lembrava do evento, conta que os moradores da vila prestaram apoio quando
fizemos a nossa greve. Enviavam alimentos, uma vez que os refeitrios tambm pararam e
no podiam servir alimentao aos trabalhadores que estavam parados, mas acampados na
usina. Os prprios comerciantes da cidade, ainda segundo o depoente, venderam vveres
fiado aos grevistas, pois avaliaram que o sucesso da greve e o conseqente aumento de
salrio daquela categoria traria um incremento considervel a suas vendas277.
No segundo dia de paralisao a direo da Petrobrs cedeu, e o acordo entre ela e os
sindicalistas comeou a ser articulado. Os operrios mantiveram sua posio inicial, e
aceitaram receber salrios correspondentes a 80% do que era pago em Cubato, deixando a
discusso da equiparao total para outra oportunidade. Os gestores da empresa aceitaram
essa proposta e no dia 2 de novembro foi assinado o acordo que garantiu o retorno das
atividades no dia 4 do mesmo ms. Nele, alm da garantia relacionada remunerao, ficava

275

Ofcio n 2262/60 da DRT publicado no Dirio de Notcias, 02/11/1960, p. 01.


Depoimento de Mrio Lima, realizado em 24 de novembro de 2006.
277
Depoimento de Raimundo Lopes, j citado.
276

139

acertado que nenhum dos participantes do movimento seria punido pela superintendncia e
que os dias parados no seriam descontados278.
Os esforos para o sucesso da greve foram muitos. Os sindicalistas sabiam que o
conflito aberto numa empresa como a Petrobrs era muito arriscado e que portanto no
poderiam permanecer parados por muito tempo, sob pena de perderem o apoio da opinio
pblica. Alm disso, a greve no deveria ser contra a empresa, mas sim em oposio uma
postura inadequada de seus gestores. Tinham completa viso acerca do clima poltico na
Bahia e da tensa relao entre nacionalismo e regionalismo. No podiam negar nem a um
nem a outro. Por isso mesmo, buscaram atravs de notas na imprensa declarar que a greve
defendia tanto a Bahia quanto o Brasil, o que no era tarefa fcil.
A nota posta pelos sindicalistas nos jornais soteropolitanos no segundo dia da greve
um relevante exemplo desse esforo em sintetizar e compatibilizar as duas correntes de
pensamento. Intitulada Greve justa em nome dos interesses da Bahia, a nota visava
explicar a histria do movimento grevista e apresentar os argumentos dos petroleiros de
Mataripe. Os seus redatores comearam lembrando que a Bahia, terra do petrleo
brasileiro, era tratada pela Petrobrs com a mais inqua desigualdade. A empresa era
dirigida por gachos, mineiros e paulistas e s recentemente teve um baiano como membro
do seu corpo diretivo. Os dirigentes do sindicato argumentavam que a desigualdade havia
atingido tambm os trabalhadores da Bahia, fato considerado por eles injusto, uma vez que
deste estado saa grande parte do petrleo refinado em Cubato.
Exatamente por causa desse tratamento inferiorizante, os trabalhadores pleitearam
direo da empresa a equiparao salarial. Como as respostas foram as mais evasivas,
decidiram deflagrar o movimento paredista. Eles usavam como exemplo da sua estima pela
empresa que sintetizava o grande patrimnio nacional, o fato de terem aceito at mesmo
recuar em sua reivindicao inicial. Para os sindicalistas, a responsabilidade da greve cabia
direo da empresa, que por causa de seu anti-patriotismo na soluo dos problemas
humanos de seus empregados deixou que a greve acontecesse. Os trabalhadores ponderaram
que apesar de seu amor por aquele smbolo da emancipao econmica nacional, no

278

Jornal da Bahia, 04/11/1960, p. 01.

140

podiam abrir mo de acordos que colocassem a Bahia altura de seus destinos de regio
pioneira da indstria do petrleo279.
O resultado do enfrentamento foi o fortalecimento do Sindipetro/Refino. Os seus
dirigentes passaram por uma prova de fogo. Essa vitria foi a primeira de uma srie que
trouxe grandes ganhos materiais e simblicos para os trabalhadores do petrleo na Bahia. Os
sindicalistas conseguiram demonstrar tanto direo da empresa quanto sociedade baiana o
grande poder de mobilizao que possuam e de quebra provaram a capacidade de se
equilibrar entre duas correntes de pensamento aparentemente inconciliveis. No por acaso, a
entidade tornou-se um dos mais destacados segmentos do movimento sindical da Bahia.
Do outro lado da trincheira, na Bahia, os esforos para a obteno de maiores retornos
com as atividades petrolferas continuavam. A eleio de Jnio Quadros em finais de 1960,
poltico afinado com a UDN, partido do governador Juracy Magalhes, animava os polticos
e a imprensa local. At mesmo o Jornal da Bahia, o rgo de imprensa soteropolitano mais
prximo esquerda, comemorava em seu editorial de 9 de novembro de 1960 o compromisso
solenssimo que o homem da vassoura tinha feito com a Bahia: entregar a direo da
empresa a um baiano. Segundo o peridico, esse homem no poderia ser, contudo, qualquer
um. Precisava alm de ser um administrador de competncia comprovada, no ter ambies
polticas, bem como ser um defensor do monoplio estatal do petrleo, e paralelamente ser
um homem sensvel s justas reivindicaes deste Estado de melhor participao na riqueza
criada com o petrleo de nosso subsolo280. Em sntese, para os responsveis pelo Jornal da
Bahia, defender os interesses baianos era encarnar as demandas articuladas e apresentadas
com grande vigor na Conferncia do Petrleo.
Jnio, j eleito presidente, entregou a presidncia do CNP ao professor Josaphat
Marinho, nome que antes era dado como certo para ocupar o controle da Petrobrs. Para o
cargo mais cobiado, quebrou uma tradio estabelecida desde a primeira diretoria da
Petrobrs. Nomeou um tcnico civil. O engenheiro Geonsio Barroso, at ento chefe da
Regio de Produo da Bahia, tornou-se o primeiro presidente da Petrobrs que no
ostentava nenhuma patente militar. O nome agradou os regionalistas, pois Barroso apesar de
no ser baiano de nascimento estava estabelecido h muito tempo no estado, e gozava de
legitimidade tanto entre as elites polticas locais quanto junto aos trabalhadores do petrleo.
279
280

Jornal da Bahia, 02/11/1960, p. 03.


Jornal da Bahia, 09/09/1960, p. 02.

141

As duas nomeaes atendiam parte das demandas baianas e outras medidas no tardaram a
vir.
Na presidncia de Barroso uma antiga reivindicao das classes produtoras baianas
foi atendida. O percentual referente aos royalties pagos aos estados produtores de petrleo
subiu de 3% para 8%, o que representava um importante incremento na arrecadao do
estado281. Sem dvida, o maior e mais polmico passo de Jnio foi o que pretendia mudar a
sede da Petrobrs para a Bahia. De acordo com Oliveira Junior, em julho de 1961 Jnio
comeou a tomar as providncias para que no incio do ano seguinte a sede da empresa j
estivesse estabelecida em Salvador. Manifestaes de apoio pipocaram na capital baiana.
Matrias, notas pblicas, comcios e discursos inflamados davam o tom da alegria geral
que se instalava entre as classes dominantes e at mesmo em parte do movimento social
baiano282.
O Sindipetro/Refino observou o problema e acabou optando pela no adeso. Mrio
Lima, ento secretrio da entidade, conta que especulou quando pediram sua opinio sobre o
assunto:
Eu cheguei pra eles e disse uma coisa que era absurda poca: J pensou se o Rio
de Janeiro se tornar o maior produtor de petrleo do Brasil? A a gente vai ter que
transferir a sede pra l novamente?
No fim das contas, hoje o Rio o maior produtor de petrleo do Brasil (risos). Fomos
contra porque a sede j estava estabelecida l e era ruim para a empresa ficar naquele
muda-muda.283

A postura corajosa dos sindicalistas demonstra o alto grau de amadurecimento


poltico que a direo do sindicato havia adquirido quela altura. No era fcil ficar de fora
de uma barca que conseguia congregar tanta gente diferente. Mesmo assim, os diretores do
Sindipetro/Refino mantiveram sua independncia e optaram por no apoiar um movimento
que lhes parecia um disparate.
O projeto de mudana da sede da empresa da Bahia naufragou com o prprio governo
de Jnio Quadros. A renncia do ento presidente da repblica e a posse de Joo Goulart no
cargo, entre agosto e setembro de 1961, deixaram a situao em aberto, mas no acalmaram
os nimos locais. Novas investidas voltariam a acontecer com o objetivo de garantir que o
281

Petrobrs (revista), maio de 1961, p. 05.


OLIVEIRA JR, op. cit., pp. 99-100.
283
Depoimento de Mrio Lima, realizado em 11 de julho de 2007.
282

142

novo presidente manifestasse seu posicionamento sobre o assunto. Jango, apesar de ter se
declarado publicamente a favor da mudana, preferiu deixar o movimento esfriar e acabou
conseguindo engavet-lo.
Novo governo e novos problemas. Apesar de ter seu poder em grande medida
limitado pelo parlamentarismo, o presidente recm-empossado tinha a prerrogativa de
nomear ministros e dirigentes de estatais284. Pouco tempo depois de sua posse, surgiram,
portanto, rumores da exonerao dos dirigentes nomeados por Jnio. No incio de dezembro,
as especulaes eram sobre a sada de Geonsio Barroso da presidncia da Petrobrs. A sada
do dirigente foi inevitvel e se consolidou no quarto dia de 1962. Isso desagradou em cheio
aqueles que tanto propagandearam a necessidade de um baiano frente da empresa estatal.
Os dirigentes do sindicalismo petroleiro baiano no ficaram parados e realizaram pela
primeira vez em sua histria uma assemblia conjunta, na qual associados e sindicalistas das
duas entidades discutiram a estratgia de ao a ser empregada para solucionar a crise.
Na assemblia, realizada dois dias aps a demisso de Barroso, os petroleiros baianos
assumiram uma postura radical. Os dirigentes sindicais consideraram o ministro de Minas e
Energia Gabriel Passos culpado pela situao. Segundo Mrio Lima, primeiro operrio a falar
na assemblia, o ministro no havia cumprido o que ficara combinado, em [sic] s mudar
qualquer membro diretor da empresa sob consulta aos trabalhadores. Como resposta, a
categoria deveria demonstrar sua unio e fora. Vrios foram os oradores que apartearam
a fala do Secretrio do Sindipetro/Refino, sugerindo que a categoria paralisasse os seus
trabalhos at a soluo do problema. Alencar Ferreira Minho, dirigente do
Sindipetro/Extrao, reiterou a necessidade de uma ao unida dos dois sindicatos, pois s
assim seria possvel a vitria. A assemblia deliberou pela greve at que fosse solucionada a
crise com a nomeao do novo presidente. A deciso foi comunicada aos superintendentes
das respectivas reas, e as medidas necessrias suspenso dos trabalhos de prospeco e
refino de petrleo na Bahia foram logo implementadas285.
Os sindicalistas esforaram-se para garantir a presena dos trabalhadores no
movimento e obtiveram sucesso. Apesar da relutncia da Associao dos Engenheiros do
Recncavo em aderir paralisao, a adeso greve e s manifestaes comandadas pelos
sindicatos cresceu nos dias seguintes. No dia 9, aconteceu uma grande passeata do porto
284

FIGUEIREDO, Argelina Cheibub. Democracia ou reformas: Alternativas democrticas crise poltica


(1961-1964). Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1993.
285
Livro de Atas de Assemblias do Sindipetro Refino, 06/01/1962, folhas 63-64.

143

Praa da S que contou com cerca de 5000 participantes. principio, setores da prpria
imprensa local, como por exemplo o jornal A Tarde, apoiaram a mobilizao, afinal tratavase da defesa da permanncia de uma pessoa ligada Bahia no comando da empresa. Porm,
segundo Oliveira Junior, com o passar dos dias, quando a prpria imprensa percebeu que o
movimento no tinha uma ligao umbilical com as bandeiras dos interesses baianos, a sua
posio comeou a mudar e a cobertura dos eventos passou a ser menos atenta286.
A greve arrastou-se at o dia 16, mas acabou quando Jango nomeou o advogado
Francisco Mangabeira para a presidncia da Petrobrs287. Entre os baianos houve uma boa
recepo ao novo presidente. Juracy Magalhes, governador do estado, assinalou que se
tratava de um baiano digno e ilustre288. Outro poltico baiano, o deputado Nestor Duarte,
regozijou-se com a escolha de um homem que tinha uma grande tradio de vida pblica e
competncia administrativa para continuar, afinal pelos exemplos do pai e do tio o novo
dirigente da estatal tinha condies de fazer uma boa administrao289. A referncia sua
tradio familiar dizia respeito a Joo Mangabeira (pai) e Otvio Mangabeira (tio), dois
expoentes da poltica local e membros de uma das mais tradicionais famlias baianas.
Francisco Mangabeira, porm, apesar da sua tradio familiar ligada aos interesses do
estado, tinha um posicionamento mais progressista e esquerda do que desejavam os
setores da poltica e da sociedade local que tanto falavam em nome da regio. Um breve
passeio pela sua trajetria poltica pode ajudar a revelar essas diferenas.
Seguindo a praxe das famlias tradicionais baianas, Francisco Mangabeira ingressou
na vida acadmica atravs do curso de Direito. Na faculdade flertou com as idias
comunistas, mas preferiu seguir o caminho do anti-imperialismo de matriz socialista.
Participou da fundao da Aliana Nacional Libertadora (ANL) e comps o seu quadro de
dirigentes. Aps o fechamento forado da agremiao, continuou a militncia e a vida
acadmica, obtendo o ttulo de doutor em Direito, no ano de 1945, na Universidade do Brasil
no Rio de Janeiro. Dois anos depois adentrou no corpo docente desta mesma universidade e,
em 1950, passou a fazer parte dos quadros do Partido Socialista Brasileiro (PSB), mantendo,
paralelamente, uma forte ligao com a ao da Igreja Catlica no mundo do trabalho,
fundando a Juventude Operria Catlica (JOC)290. Mangabeira escreveu diversos artigos para
286

OLIVEIRA JR., op. cit. pp. 120-121.


O Globo, 17/01/1962.
288
A Tarde, 17/01/1962.
289
Jornal da Bahia , 17/01/1962.
290
Ver: Francisco Mangabeira. In: Dicionrio Histrico Biogrfico Brasileiro. Cd-Rom: CPDOC/FGV.
287

144

O Popular (jornal do PSB), nos quais defendia a autonomia nacional frente Guerra Fria, o
monoplio estatal do petrleo e a diretrizes crists como forma de superar as desigualdades
sociais.
A sua nomeao para o cargo encaixava-se na estratgia de Goulart de garantir a
maior quantidade possvel de partidos polticos compondo seu governo. Francisco
Mangabeira na Petrobrs colocava o PSB no governo do herdeiro poltico de Vargas. Apesar
do apoio baiano, a sua posse foi vista com reservas, desconfiana e at mesmo desaprovao
por alguns setores da imprensa e da poltica brasileira. Tratava-se do primeiro presidente da
Petrobrs que no fazia parte dos quadros tcnicos da empresa e nem das Foras Armadas.
Por no ter ocupado nenhum cargo na administrao pblica, era considerado inexperiente
para tamanha responsabilidade. Alm disso, seus posicionamentos eram considerados por
alguns como muito esquerda. Logo aps a sua posse, O jornal O Globo, porta voz dos
grupos conservadores da sociedade carioca, publicou uma matria em que atacava
Mangabeira, dizendo que desde que comearam a cogitar o seu nome para o posto a nica
coisa que ele havia feito era repetir, incessantemente, vigorosa profisso de f nacionalista.
Por outro lado desejava colocar ainda em postos chaves da empresa dois conhecidos
elementos esquerdistas, que exatamente por causa de suas convices polticas no teriam
condies de ocupar tais cargos291.
Na Bahia, o pouco entusiasmo de maior parte da imprensa local, sugere que existiam
reservas quanto ao novo dirigente. Mas o caminho estava traado e as demandas regionalistas
teoricamente garantidas. Mangabeira no titubeou e tratou logo de agradar seus conterrneos.
Afirmou que daria nfase em sua gesto consolidao da indstria petroqumica no estado,
uma antiga reivindicao dos autoproclamados defensores dos interesses da Bahia. Essa era a
parte consensual do script, faltava a parte mais polmica. O primeiro presidente socialista da
Petrobrs teria que desagradar muita gente para agradar os trabalhadores e sindicalistas.
A presena do recm-empossado presidente da Petrobrs no encerramento da I
Conveno Nacional dos Trabalhadores na Indstria do Petrleo, realizada entre os dias 19 e
21 daquele mesmo ms de janeiro, na cidade de Salvador, ajudou a aguar as desconfianas
existentes em relao s suas posies tidas como muito esquerda. Sua ida ao conclave foi
uma forma de firmar um pacto com os sindicalistas, que acabou sendo fundamental para sua
conturbada permanncia frente estatal. A crise, encerrada no ato da posse do novo
291

O Globo, 19/01/1962.

145

presidente, serviu para demonstrar a capacidade de mobilizao dos petroleiros baianos. Seus
dois sindicatos, sobretudo o Sindipetro/Refino, em seu breve perodo de existncia j eram
foras polticas que no podiam ser desprezadas e que adotaram como estratgia de
crescimento a insero no jogo de poder da prpria empresa. Naquela conjuntura, para
qualquer um que ocupasse a direo da empresa era indispensvel negociar com eles e
satisfazer alguns de seus desejos. Francisco Mangabeira adotou o caminho de aproximao
com os sindicatos como estratgia para equilibrar-se na complicada correlao de foras
tanto da empresa quanto da poltica nacional.
Ao chegar na Bahia, no dia 19 de janeiro, Mangabeira deu importantes sinais de como
seria sua postura a partir de ento. Ao ser perguntado o que faria em relao aos grevistas,
disse que respeitava o direito de greve dos trabalhadores, desde que esta fosse decretada e
realizada dentro das assemblias gerais de seus rgos de classe. Quando o assunto passou a
ser a transferncia da sede para o estado o presidente desconversou. Afirmou que a
transferncia era aceitvel, defensvel e justa, mas que para os interesses da Bahia e do
Brasil isso no poderia acontecer de forma precipitada. Lembrou que esse procedimento
implicaria em um alto investimento imobilirio para remover at Salvador os cerca de 1500
familiares de funcionrios que cuidavam da administrao da empresa. Para ele, os recursos
deveriam ser concentrados em um outro projeto, a indstria petroqumica292.
Mangabeira, em sua participao no evento promovido pelos petroleiros, voltou a
manifestar sua afinidade com os sindicalistas. Declarou que concordava inteiramente com a
declarao de princpios aprovada no conclave, reiterando que procuraria, dentro do
possvel, seguir as diretrizes nela traadas. Voltou ainda a falar do seu interesse em conceder
a equiparao total dos salrios entre baianos e paulistas, bem como aproveitou para reforar
os seus interesses em reformular a direo da empresa, concedendo, inclusive, o direito dos
trabalhadores indicarem trs membros para fazer parte da alta direo293.
No nos surpreende o fato de que as tenses entre a posio do novo dirigente e as
camadas mais conservadoras da sociedade brasileira j comeassem a se anunciar. O jornal O
Estado de So Paulo criticou a sua fala sobre os acordos entre Brasil e Bolvia (Acordo de
Robor294), dizendo que sua afirmao dava a medida da incapacidade e da tendncia
292

Dirio de Notcias, 20/01/1962.


Jornal da Bahia, 22/01/1962.
294
Acordo assinado entre brasileiros e bolivianos em 1958, que autorizava o Brasil a realizar prospeco de
petrleo em territrio boliviano. O acordo previa que a Petrobrs deveria aplicar capitais para apoiar as empresas
privadas brasileiras que operassem na Bolvia.
293

146

esquerdizante do Sr. Mangabeira295. Definia-se um foco de tenso que ficaria mais explcito
alguns meses mais tarde quando a maior parte da imprensa e os tcnicos e engenheiros da
Petrobrs passaram a fazer uma forte oposio ao presidente da empresa, que comps junto
com os sindicalistas, sobretudo os baianos, um bloco de disputa que mudou os rumos das
prprias relaes de trabalho dentro da empresa. Contudo, para entendermos melhor essa
questo, precisamos voltar ao ano de 1961.

4.4 O CAMINHO PARA AS INTERVENES SINDICAIS NO MUNDO DO


TRABALHO

As presses por mudanas na forma de relacionamento entre trabalhadores e chefes, e


at mesmo pela substituio de homens de comando das unidades da Petrobrs na Bahia
ganharam corpo como uma demanda de seus sindicatos e faziam parte das rivalidades
advindas do prprio mundo do trabalho petroleiro. Antes das alteraes na administrao,
provenientes da nomeao de Francisco Mangabeira para o comando da empresa, as
reclamaes contra os chefes j apareciam nas assemblias do Sindipetro/Refino. Em agosto
de 1960 o auxiliar de operador Milton Oliveira queixou-se contra o dr. Lauro Lustosa, chefe
do Posto Mdico da Refinaria. De acordo com o autor da denncia, por culpa do mdico o
servio de sade da refinaria era insuficiente, e o Dr. Lustosa ainda punia os seus servidores
em demasia e sem fundamentos296. O caso foi confirmado por outros colegas e os dirigentes
sindicais comprometeram-se a lev-lo superintendncia. Um ms depois, em uma nova
assemblia, Osvaldo Marques informou aos presentes que o prprio denunciado havia pedido
demisso, aps o incio da apurao dos fatos pela superintendncia297.
Numa outra assemblia, ainda em 1960, Mrio Lima informou aos associados o
pedido de demisso do Sr. Antonio Firmino, chefe do setor administrativo da refinaria.
Aproveitou a ocasio para alfinetar os seus superiores, afirmando que o funcionrio que
acabava de pedir desligamento era um exemplo de relaes humanas, diferentemente da
maioria dos demais chefes da Petrobrs, que tratavam os seus comandados de forma

295

O Estado de So Paulo, 27/01/1962.


Livro de Atas de Assemblia do Sindipetro Refino, folha 12.
297
Idem, folha 13, Assemblia de 10/09/1960.
296

147

ultrajante298. As perseguies pareciam ser uma regra e os sindicalistas contavam, na primeira


edio de seu jornal, que aps a greve de novembro de 1960 alguns dos participantes estavam
sendo perseguidos pela superintendncia. O texto contava que de nada adiantou [...] para o
Sr. Superintendente e os Srs. Chefes de Servio (com rarssimas excees) a ratificao de um
acordo onde [...] deveria de haver um maior entendimento e melhor compreenso por parte da
administrao e empregados. Sem alternativa, uma vez que vm se sucedendo, punies
injustas, ameaas com a inteno de vingana contra aqueles que foram forados a usar da
medida extrema, os trabalhadores no tinham outra sada seno fazer prevalecer os seus
direitos quando espezinhados e achincalhados. Lembravam, por fim, o exemplo da greve
para garantir que a unio da categoria impediria a permanncia desses fatos299.
Na mesma edio do jornal existia outro ataque a um desses chefes malquistos. O
Tenente Raimundo Cruz, chefe da vigilncia, era acusado de usar mtodos de caserna para
uma organizao de vigilantes civis. Alm disso, voltava baila a questo das punies,
aplicadas, segundo o jornal, sem nenhum critrio a no ser a preferncia pessoal dos
superiores300. Com isso, os sindicalistas preparavam, na verdade, o caminho para uma
investida mais ousada em relao aos chefes de Mataripe e, conseqentemente, sobre o seu
sistema de poder. Era, inclusive, uma forma de se resguardarem de medidas como aquelas
ocorridas com Osvaldo Marques e Mrio Lima, quando da posse de ambos como diretores do
sindicato. Os sindicalistas procuraram atingir ento os mais altos pontos do comando da
unidade.
O momento certo para a investida surgiu em maio de 1961 quando os deputados
membros de uma Comisso Parlamentar de Inqurito, responsvel por apurar problemas na
administrao da Petrobrs, desembarcaram em Salvador301. Eles ouviriam autoridades do
estado e os superintendentes das atividades da Petrobrs na Bahia com o objetivo de apurar
supostos problemas relacionados ampliao das duas reas de operao da estatal no estado.
No sabemos porque no meio das investigaes foram ouvidos tambm os representantes dos
trabalhadores do petrleo, mas certo que a fala dos sindicalistas foi dedicada a atacar os
gestores da refinaria. O depoimento do secretrio do Sindipetro/Refino foi considerado um
libelo contra a direo de Mataripe.
298

Idem, folha 16, Assemblia de 01/10/1960.


Sindipetro (jornal), janeiro de 1961, pp. 1-2.
300
Idem, p. 4.
301
A CPI surgiu de um desentendimento entre as diretorias da Petrobrs e do CNP, que ganhou fora em 1960. A
sua inteno era investigar acordos e projetos assinados pela estatal e a vinda Bahia tinha como meta conhecer
os problemas do projeto de Mataripe e os resultados da Regio de Produo.
299

148

Nele, Mrio Lima relatou problemas semelhantes aos que eram apontados pela extinta
imprensa comunista do estado, e que comumente apareciam nas assemblias do sindicato e
em seus jornais. Contou aos parlamentares que havia um clima de descontentamento entre os
trabalhadores porque suas reclamaes no eram acolhidas pela chefia, que as considerava, de
um modo geral, como atos de indisciplina. Isso resultava em punies excessivas que tinham
por meta afastar os servidores da empresa ao invs de corrig-los. Como decorrncia, o
trabalhador no se via estimulado a defender a empresa, o que acabava difundido entre eles
uma descrena no monoplio estatal do petrleo302. Os principais responsveis por esse
quadro, de acordo com o sindicalista, eram os chefes de seo e o prprio superintendente
Roque Perrone, que se beneficiavam do sistema303. Segundo reportagem do Dirio de
Notcias, o clima de desrespeito com que os gestores da empresa tratavam os trabalhadores
pde ser percebido na prpria sesso em que o depoimento do sindicalista foi colhido, quando
um chefe de importante setor, que se dirigiu ao secretrio do sindicato, chamando-lhe de
dbil mental na presena dos deputados da CPI, jornalistas, etc304. Essa ofensa caiu como
uma luva para o interesse dos sindicalistas, que certamente usaram-na como prova do
desrespeito com que eram tratados os trabalhadores.
O sindicalista concentrou suas crticas, contudo, na situao do refeitrio dos
trabalhadores. Alm da qualidade da comida servida, informou que ele estava localizado
muito prximo de onde estava armazenado o fenol, o que representava um risco integridade
fsica dos trabalhadores. Suas palavras foram suficientes para convencer os deputados a fazer
uma visita rea de produo da refinaria, a fim de constatar a veracidade das queixas
apresentadas. Seguindo a sugesto do lder sindical, os parlamentares convidaram um mdico
sanitarista para verificar se as condies de salubridade do local correspondiam quelas
descritas no depoimento.
Na visita, realizada no dia 27, os deputados declinaram do convite para almoar no
Hotel de Mataripe305. Preferiram fazer a refeio junto aos trabalhadores, como mais uma
forma de apurar as denncias. Os servidores, ao verem os deputados chegarem acompanhados
de diversos jornalistas, fizeram questo de procur-los para informar que a comida daquele
dia no era igual a que normalmente recebiam: estava muito melhor; o refeitrio tinha sido na

302

Jornal da Bahia, 26/05/1961, p; 01.


Estado da Bahia, 26/05/1961, p. 02.
304
Dirio de Notcias, 28 e 29/05/1961, p. 03.
305
Local onde ficavam hospedados os engenheiros em visita unidade, ou os solteiros que trabalhavam l.
303

149

tarde anterior esfregado e limpo a vassoura306. A estratgia da superintendncia de maquiar


o refeitrio parece que no surtiu efeito, uma vez que o mdico Jos Santiago, levado pelos
parlamentares para fazer a inspeo do local, acabou condenando-o. Os membros da CPI
constataram que o refeitrio estava realmente localizado na rea indicada pelos sindicalistas, o
que reforava as denncias feitas. Por fim, observaram ainda algumas reas da produo
industrial e os alojamentos, onde constataram a insuficincia de leitos e a superlotao de
alguns quartos307.
A situao da Superintendncia de Mataripe no era das melhores. O deputado federal
Seixas Drea (UDN) afirmou imprensa que aconselharia o ento presidente da Petrobrs,
Geonsio Barroso, a afastar Roque Perrone do cargo de superintendente. Para o parlamentar,
dois motivos confluam para a insustentabilidade do qumico no posto de ocupava. Primeiro,
por suas supostas ligaes com empresas que prestavam servios estatal e segundo por conta
das denncias apresentadas pelos trabalhadores, muitas delas confirmadas no decorrer da
investigao.
Os dirigentes do Sindipetro/Extrao tambm foram convidados a depor e mesmo sem
querer, conseguiram piorar a situao de Roque Perrone. Wilton Valena, presidente do
referido rgo, procurou demonstrar que no havia problemas daquela ordem na Regio de
Produo, poupando os chefes de l das crticas desferidas pelos seus colegas da refinaria.
Para ele, eram boas as relaes entre operrios e chefes, existindo apenas pequenas
incompreenses restritas a determinados elementos remanescentes do CNP. Segundo o lder
sindical, o problema estava restrito a alguns chefes que advinham das usinas de acar, e que
eram, portanto, excessivamente autoritrios, mas afirmou que essas atitudes eram isoladas e
reprovadas pela superintendncia, que buscava resolver os problemas com os operrios
mediante entendimento308.
Embora ao falar de chefes autoritrios oriundos das usinas de acar os diretores do
Sindipetro/Extrao tenham colaborado com seus companheiros do refino, no exagero
supor que no tenha sido essa a sua inteno, pois sua postura em relao ao enfrentamento
com os dirigentes era, de um modo geral, muito mais recuada do que a adotada pelos colegas
do refino. Considerados pela maioria dos contemporneos como adeptos de um sindicalismo
que evitava o enfrentamento, os sindicalistas da extrao volta e meia eram criticados pelos
colegas do refino, pois no encamparam algumas lutas encabeadas pelo pessoal de Refinaria.
306

Dirio de Notcias, 28 e 29/05/1961, p. 03.


Jornal da Bahia, 28 e 29/05/1961, p. 01; A Tarde 29/05/1961, p. 03.
308
A Tarde, 27/05/1961, p. 03.
307

150

Talvez por isso, cerca de um ms aps as declaraes de Valena, um associado do


Sindipetro/Refino pediu aos colegas que evitassem fazer crticas diretoria do outro rgo de
classe, pois as mesmas poderiam ser mal entendidas e provocarem a diviso entre as duas
categorias de trabalhadores309. Essa insatisfao se desenvolveu certamente com a deciso do
Sindipetro/Extrao que, como vimos, no apoiou a greve de novembro de 1960.
No que diz respeito s denncias formuladas pelos sindicalistas de Mataripe, o certo
que sua principal inteno era derrubar o superintendente Roque Perrone, que respondeu
passando listas e tentando levar alguns operrios para o seu apoio, supostamente atravs do
oferecimento de algumas vantagens pessoais. Os sindicalistas, nas assemblias posteriores s
denncias na CPI, alertavam os colegas para a prtica da superintendncia, aconselhando-os a
no assinar nenhum tipo de lista sem a devida recomendao do sindicato. De volta de uma
viagem ao Rio de Janeiro, realizada ainda em junho de 1961, Flordivaldo Dultra, Mrio Lima
e Osvaldo Marques afirmaram ter ouvido da direo da empresa que seus membros estavam
insatisfeitos com a administrao da refinaria e que logo Roque Perrone seria substitudo.
Restava a todos esperar e confiar nas suas providncias que agora j se podiam
concretizar310.
A questo da substituio dos chefes, porm, perdeu fora no restante de 1961 e s
voltou a aparecer aps a posse de Francisco Mangabeira. Em fevereiro de 1962, o rgo de
imprensa O Jornal noticiava que o presidente da Petrobrs falava de uma tenso nas unidades
baianas, que necessitava de grande cautela para ser solucionada. Segundo o presidente, se o
caso no fosse resolvido com muito cuidado ocorreriam srios problemas. O problema estava
relacionado possvel substituio do superintendente da Regio de Produo, fato que
interessava aos engenheiros e desagradava os operrios311.
Como era de se prever, a mudana na direo da empresa, ocorrida no incio daquele
ano, criara expectativas em relao reformulao dos quadros de comando. De um lado
estavam os sindicalistas, principais apoiadores do novo presidente, que se sentiram mais
vontade para articular a substituio dos chefes indesejados. Do outro lado, estavam os
engenheiros da primeira gerao, os falces, grupo que havia estabelecido uma relao mais

309

Livro de Atas de Assemblia do Sindipetro Refino, 03/07/1961, folha. 41.


Idem, 10/16/1961, folhas 30A-31.
311
O Jornal, 23/02/1962.
310

151

personalista, homem a homem, e que via com maus olhos as modificaes impostas pelo
novo presidente312.
Em maio, o clima da empresa voltou a esquentar. Os petroleiros baianos naquele
intervalo de tempo haviam conseguido importantes avanos, como a assinatura do acordo que
garantia a equiparao total com os salrios pagos em Cubato. O chefe de compras do
Escritrio de Salvador (ESSAL), Jonatas Simples, fora afastado para a realizao de uma
investigao sobre supostas irregularidades em suas atividades313. Era um sinal de que os
chefes estavam na berlinda, o que os impeliu a adotar procedimentos mais radicais contra o
novo mandatrio. Para isso, receberam a ajuda proveniente do clima de insatisfao que
tomava conta de segmentos da sociedade brasileira. Comeavam a surgir denncias de
incompetncia administrativa da gesto Francisco Mangabeira. A instabilidade atingiu seu
clmax com a crise dos tcnicos, ocorrida no final de maio. Este foi o momento mximo das
divergncias dentro da estatal durante a direo do socialista.
A 8 de maio a Sociedade de Engenheiros do Petrleo do Recncavo publicou, atravs
do jornal Folha de So Paulo, um documento no qual tecia crticas gesto da empresa
estatal. Os seus membros diziam-se decepcionados com o presidente, pois o mesmo havia
assumido o compromisso de restabelecer um clima sadio de trabalho, e o que observavam
era a interferncia de determinadas correntes polticas ou grupos, fato que levava a
administrao da empresa a seguir caminhos exatamente opostos daqueles que os
engenheiros esperavam. A entidade reclamava dos critrios de substituio dos tcnicos e da
falta de punio ao diretor do ESSAL que fora afastado no ms anterior314. A queixa foi o
prenncio de uma enxurrada de crticas que resultariam na mobilizao da maior partes dos
engenheiros da empresa com o notrio objetivo de derrubar o presidente.
No final do ms, trinta tcnicos graduados e engenheiros colocaram disposio da
diretoria os cargos que ocupavam. Na Bahia, os demais profissionais de nvel superior
comprometeram-se a no assumir os cargos que se tornaram vagos em suas unidades. Outro
manifesto surgiu em meio crise. Dessa vez assinado por cinco associaes de engenheiros
da Petrobrs, o texto pedia a deposio imediata no s do presidente como dos diretores da
empresa nomeados por ele315. O seu argumento era que grupos externos aproveitavam-se de

312

SCALETSKY, op. cit., p. 39.


Dirio de Notcias, 08/04/1962.
314
Folha de So Paulo, 08/05/1962.
315
Assinaram o manifesto Dos tcnicos da Petrobrs nao as seguintes entidades: Sociedade dos
Engenheiros do Petrleo da Amaznia, Associao dos Tcnicos da Petrobrs do Nordeste, Sociedade dos
313

152

uma pessoa de ideais gerais nacionalistas para prejudicar a estatal, pois essa pessoa no
tinha condies emocionais de firmeza e coerncia e carecia de um mnimo de capacidade
de direo industrial de alto nvel. A crise s poderia ser resolvida, segundo suas
ponderaes, atravs da constituio de uma comisso que contasse com participao das
associaes de tcnicos e dos sindicatos dos trabalhadores da Petrobrs. O manifesto
conclamava, por fim, todo o povo brasileiro a se mobilizar em torno da defesa da sua maior
e mais importante empresa316.
A resposta dos petroleiros no tardou a surgir317. Em nota datada de 24 de maio, os
dirigentes dos sindicatos operrios argumentaram que a solicitao de demisso coletiva do
pessoal de Grupo 1 e 2 no tinha outra motivao seno desviar a ateno dos verdadeiros
problemas que atingiam a Petrobrs. Os sindicalistas repudiaram a soluo simplista de
substituir o presidente como forma de pr fim crise. O ento mandatrio da empresa,
segundo os sindicalistas, estava sendo prejudicado pelas artimanhas dos grupos petrolferos
internacionais318. Na verdade, o que motivava uma defesa to entusiasmada do presidente era
o canal de dilogo aberto em sua gesto, que eles nunca haviam tido em outras
administraes. Segundo Jair Brito, ex-sindicalista e militante do PCB transferido do Rio de
Janeiro para a Bahia em 1962, o prestgio dos dirigentes sindicais com a base e com a direo
da empresa mudara muito desde a posse de Francisco Mangabeira:
Depois do movimento sindical e que o presidente Otvio Mangabeira [troca o nome
de Francisco Mangabeira com o do seu tio famoso] assumiu era muito beleza, voc
convocava uma assemblia e o sindicato era casa cheia[...].
No plano interno ns ficamos donos do pedao, no poder, ento chefia era com a
gente. Se ngo no fosse de esquerda, no assumia chefia no. Ento a turma da
direita vivia assim [passa do dedo no pescoo] com a gente. Diretor da Petrobrs,
companheiro, ele consultava a gente.319

O entusiasmo do sindicalista em relao a esse perodo contrasta com o ressentimento


de figuras que antes possuam mais influncia. Aldo Zucca, engenheiro de destaque na
Refinaria de Cubato, lembra que nunca conseguiu falar com Mangabeira pessoalmente,
mas ficando nas ante-salas [...] via o entrar e sair de lderes sindicais [...] como se fossem
Engenheiros do Petrleo do Recncavo, Associao dos Engenheiros da Petrobrs nos Estados do Rio de Janeiro
e da Guanabara e Associao de Pessoal de Nvel Universitrio da Petrobrs do Estado de So Paulo.
316
Jornal do Brasil, 26/05/1962. Centro de Estudos Baianos (UFBA), Coleo Pinto de Aguiar.
317
Assinaram o documento Advertncia s autoridades e ao povo nova crise da Petrobrs os seguintes
sindicatos: Refino da Bahia; Extrao da Bahia; Refino de Cubato; Extrao do Par, Amazonas e Maranho;
Refino do Rio de Janeiro e Guanabara; Extrao de Alagoas; Refino de Duque de Caxias.
318
Dirio de Notcias, 27/05/1962.
319
Depoimento do dirigente sindical Jair Pinto de Brito, lotado no Complexo Petroqumico do Estado da Bahia e
transferido do Rio de Janeiro para a Bahia em 1962. Entrevistador: Alex de Souza Ivo. Entrevista realizada em:
26 de junho de 2006.

153

pessoas de grande familiaridade, de grande poder dentro dos gabinetes320. Esse


ressentimento com a nova forma da estatal relacionar-se com os dirigentes dos sindicatos
operrios deve ter atingido muitos dos engenheiros baianos.
Figura 13:
Reunio entre Mrio Lima, Francisco Mangabeira e Wilton Valena.

Fonte: Acervo pessoal de Wilton Valena.

Como resultado da crise dos tcnicos, Mangabeira balanou mas no caiu. Mantevese no cargo e continuou suas reformas, aproveitando para dar mais espao ainda aos
sindicatos dos trabalhadores. As mudanas de chefias, ocasionadas pela crise dos tcnicos,
engendraram novos tempos nas relaes de trabalho, nas quais os sindicatos no escaparam
das contradies e dos conflitos inerentes responsabilidade de assumir a co-participao nas
arestas cotidianas da gesto do mundo do trabalho.

4.5 AUGE, CONTRADIES E FIM DA ERA DE OURO

320

Depoimento de Aldo Zucca. Apud: SCALETSKY, op. cit. pp. 38.

154

Em Mataripe, o principal desdobramento da crise dos tcnicos foi a ascenso de Jairo


Jos Farias ao cargo de superintendente. Nascido em Macei, Jairo fez os estudos
secundrios em sua cidade natal, mas a fim de cursar o ensino superior migrou para a
Salvador, onde formou-se em Arquitetura pela ento Universidade da Bahia. O arquiteto
tornou-se pea-chave no jogo de poder entre os petroleiros e a sociedade baiana. Foi
considerado, pelos rgos de investigao, o responsvel pela bolchevisao que
supostamente ocorria nas unidades locais da Petrobrs. Por causa dessa imagem, passou a ser
alvo tanto da imprensa local, que constantemente publicava matrias atancando-o, quanto dos
rgos de represso oficial, que comearam a seguir seus passos e a investigar sua vida. Em
relatrio de junho de 1963, os agentes de polcia apresentaram-no como comunista desde os
tempos de ginasiano em Macei, tendo atuado no movimento estudantil universitrio,
destacando-se na comunistizao da Faculdade de Arquitetura na qual foi presidente do
Diretrio Acadmico. Segundo os investigadores, Jairo era um homem incompetente e
desleal, [...] freqentador assduo das reunies do PC. Em outras palavras, seguindo o
linguajar policial da poca, tratava-se de um elemento perigoso, agitador e subversivo321.
Por isso mesmo, deveria ser visto com maus olhos pela sociedade e vigiado pelos guardies
da ordem pblica.
Outras descries faziam um retrato menos assustador do arquiteto. O Jornal de
Mataripe, em sua edio de agosto de 1963, contava sua vida estudantil, na qual atuou como
militante da campanha do Petrleo Nosso322. Depois de formado, ainda segundo o jornal,
Jairo trabalhou em sua cidade natal em importantes projetos da administrao pblica e j na
Bahia ingressou na refinaria em 1957, para trabalhar em suas obras de ampliao. Segundo
suas prprias palavras, trabalhava muito e exatamente por isso ascendeu na hierarquia de
seu local de trabalho323. Jairo Farias comeou como um simples arquiteto e logo galgou
espaos mais importantes dentro da unidade, passando chefia do Servio de Obras e mais
tarde Assistncia Especial da Superintendncia, tornando-se superintendente por indicao
de trs mil operrios e unanimidade dos lderes sindicais do pas. Nas palavras do
Sindipetro/Refino, ao assumir o posto presenciou a maior manifestao de apoio j prestada
a um superintendente na Bahia324.

321

Arquivo Pblico do Estado do Rio de Janeiro, Fundo: Polcias Polticas, pasta: 5, folha: 33.
Jornal de Mataripe, 01/08/1963, pgina 03.
323
Depoimento de Jairo Jos Farias, j citado
324
Jornal de Mataripe, 01/08/1963, pgina 03.
322

155

Figura 14:
Jairo Jos Farias

Fonte: Jornal de Mataripe, 1 de agosto de 1963.

Jairo Farias era sem dvida um homem de confiana dos sindicalistas e trabalhadores
de Mataripe. Foi ele o responsvel pela elaborao e execuo de um dos mais importantes
smbolos da melhora no tratamento dispensado aos servidores daquela unidade: o novo
refeitrio. Em assemblia, realizada em 27 de junho de 1962, logo aps sua nomeao, o
sindicalista Crispim Hiplito com o objetivo de evitar problemas para o sindicato pedia aos
colegas que passassem a agir com bom comportamento e disciplina, pois aquela era uma
chefia escolhida pelo rgo de classe325. Na mesma assemblia, surgiu um importante sinal
da principal mudana que seria implantada na superintendncia de Jairo. O mecnico
Antonio Souza perguntou aos dirigentes qual seria a soluo para os problemas relacionados
promoo dos servidores de Mataripe. O sindicalista Luciano Campos respondeu,
afirmando que a questo no seria resolvida enquanto existisse a famigerada comisso tipo
5x1, isto , 5 elementos da chefia e 1 do sindicato. Apontava como soluo a constituio de
uma comisso paritria, na qual, em caso de empate, o voto de minerva seria do
superintendente.
Essa proposta de co-participao no gerenciamento de questes relacionadas ao
cotidiano de trabalho e a problemas imediatos, consubstanciada nas comisses paritrias, foi
a alternativa vislumbrada pelos dirigentes sindicais para solucionar parte dos temas que
325

Livro de Atas de Assemblia do Sindipetro Refino, folha XX, Assemblia de 27 de junho de 1962.

156

afligiam a sua base nos anos iniciais do trabalho com o petrleo em terras baianas. A
preocupao com as formas personalistas de exerccio de poder no ambiente de trabalho,
baseada em uma grande autonomia dos chefes para punir, premiar, rebaixar ou promover os
operrios, moveu os sindicalistas a proporem as comisses paritria para enquadramento e
disciplina da fora de trabalho. Eram mais duas medidas que limitavam o poder dos
engenheiros.
A Comisso Paritria de Disciplina da Refinaria de Mataripe, instalada por Jairo
Farias a pedido de Mrio Lima (eleito presidente do Sindipetro/Refino em maio de 1962326)
foi, certamente, a mais importante iniciativa para as reconfiguraes nas relaes de trabalho
na indstria do petrleo baiana. Oficializada em 13 de setembro daquele mesmo ano, atravs
da Ordem de Servio 21/62, era composta por dois representantes da refinaria e dois
representantes do sindicato. Seu objetivo era examinar todos os casos de irregularidades ou
indisciplinas cometidos por servidores. O superintendente afirmou que a comisso garantiria
a manuteno da harmonia entre os servidores, e aperfeioaria as melhores relaes
humanas no ambiente de trabalho. Segundo Jairo Farias, a comisso alm de preservar a
autoridade do chefe, protegeria os trabalhadores contra injustias. Caberia a ela examinar
todas as querelas surgidas nas relaes de trabalho, ouvindo as partes envolvidas e
encaminhando seu veredicto para a direo da refinaria, que s se pronunciaria em caso de
discordncia entre os seus membros, exercendo o direito de arbtrio sobre o assunto327.
Inspirados pelo exemplo de Mataripe, os sindicalistas da Extrao, comandados por
Wilton Valena, tambm instalaram o sistema de comisses paritrias na Regio de
Produo. Isso aconteceu exatamente onze meses aps a iniciativa pioneira da refinaria. Na
solenidade de instalao, Wilton Valena comemorou a novidade que viria distribuir
justia e acabar com as demisses injustas que tanto envergonhavam a empresa328.
Na edio de dezembro do seu boletim informativo, os dirigentes sindicais da
extrao fizeram algumas recomendaes aos seus associados lotados no campo de Mata de
So Joo, com o objetivo de evitar desentendimentos entre estes e a empresa. Os redatores do
boletim ponderavam que muitos empregados cometiam faltas pelo desconhecimento de

326

A chapa vencedora, encabeada por Mrio Lima e que contava com Osvaldo Marques de Oliveira na
tesouraria saiu vencedora com 93% dos votos. Concorreu com mais duas chapas, uma composta por membros da
AP e outra pela POLOP. Ver: OLIVEIRA JR, op. cit., pp. 124-128.
327
Ordem de Servio, 21/62, publicada no Sindipetro (Jornal) de setembro de 1962.
328
Boletim informativo do Sindipetro Extrao, 15/09/1963, p. 03.

157

normas e instrues da empresa. As instrues tinham como objetivo, portanto, impedir que
tais deslizes acontecessem. O texto explicava pontos referentes ao direito de folga em virtude
de falecimento de familiares, casamento e nascimento de filhos, instrua qual o procedimento
necessrio em caso de doena e negava a possibilidade de troca de turno (cambalacho) sem a
permisso da chefia329.
Percebemos nas entrelinhas do documento que existia uma preocupao dos
sindicalistas em no perder o controle da situao. correto supormos que os trabalhadores
passaram a acreditar que com a instalao da comisso no haveria punio para as suas
faltas. Afinal, deixavam de ser julgados exclusivamente pelos engenheiros e passavam
responsabilidade compartilhada entre estes e os prprios colegas, membros do sindicato e
defensores dos trabalhadores. O que ocorreu, na verdade, foi um pouco diferente. Os
sindicalistas consideravam-se responsveis pelo bom andamento das coisas na empresa.
Passar a mo sobre a cabea de um operrio faltoso era sinnimo de prejudicar a empresa e
conseqentemente todos os brasileiros.
Para entender essa possibilidade, mais uma vez, o aparentemente pitoresco pode ser
esclarecedor. Eunpio Costa, ao contar mais um de seus casos, apresenta um momento em
que a comisso atuou e os trabalhadores faltosos no foram poupados. O memorialista conta
que em 1962 a refinaria estava em seus tempos ureos, poca de muita fartura, salrios
justos, facilidades pra tudo... uma beleza. As casas da Vila de Mataripe eram pintadas duas
vezes por ano e todos trabalhavam satisfeitos, pois o ambiente era agradvel. Os pintores
aproveitaram, contudo, o clima de cordialidade para fazer uma verdadeira festa, usufruindo
das bebidas e dos alimentos de uma residncia em que faziam servio, ocupada por um dos
mais importantes engenheiros da refinaria. Quando o dono da casa retornou, percebeu que
algo estranho havia se passado, pois deparou-se com garrafas vazias, cascas de frutas no
cho, peas fora do lugar, discos fora da capa... uma verdadeira baguna. Levou o caso
superintendncia, a qual encaminhou a questo para a comisso. Instaurado o inqurito,
decidiu-se pela demisso de todos os pintores em servio no dia, j que no haviam sido
encontrados os verdadeiros protagonistas do episdio. Com a ameaa, um dos prprios
participantes decidiu livrar da punio os colegas que no haviam participado da festa.
Diante da confisso, o caso foi reavaliado e somente aqueles que cometeram as faltas foram

329

Boletim informativo do Sindipetro Extrao, 12/1963, p. 05.

158

demitidos330. O participante que assumiu a falta e livrou os colegas inocentes da punio


continuou nos quadros da empresa.
A partir desse exemplo, podemos identificar que os representantes sindicais na
comisso no estavam preocupados em fazer vistas grossas com os operrios faltosos s por
se tratarem de scios do sindicato. Alm do mais, o episdio relatado aconteceu com uma
eminncia da refinaria: o homem que inventou o fludo de isqueiro aqui na RLAM. A
posio do servidor ofendido pela falta dos pintores, destacada com nfase por Eunpio
Costa, sugere que a diminuio do poder dos engenheiros nesse perodo precisa ser
relativizada, pois certamente continuaram bastante influentes e respeitados no local de
trabalho. Isso se dava tanto pelas relaes construdas por eles nos mais de dez anos em que
gozaram de um poder arbitrrio dentro do local de trabalho, quanto da prpria caracterstica
do refino do petrleo, o qual guarda um papel muito importante para os homens de nvel
superior, e que no poderia ser desprezado mesmo naquele perodo de acerto de contas e de
amplo poder dos sindicatos operrios.
Mesmo assim, a existncia da comisso era uma situao nova que abria diversas
possibilidades. Iniciativa pioneira dentro das empresas estatais, as comisses paritrias de
disciplina instituram um grande dilema para os sindicalistas, pois no seu discurso
combinavam-se duas premissas bsicas: a proteo empresa (considerada bastio da ptria
e da soberania nacional) e a defesa dos interesses dos trabalhadores. Os sindicalistas antes
mesmo das comisses j empreendiam um grande esforo para concili-las. No primeiro
nmero do Sindipetro (jornal), avisaram aos inimigos da Petrobrs que o seu instrumento
de comunicao e propaganda no seria um rgo contra a empresa, pois as suas
aspiraes polticas confundiam-se com os interesses dos trabalhadores. Alertaram, por
fim, que isso no era sinnimo de acomodao e nada os impediria de lutar por tudo aquilo
que pudesse satisfazer as necessidades operrias331. O problema residia no fato de que nem
sempre os interesses mais imediatos (at mesmo individuais) dos petroleiros tornavam-se um
sinnimo dos interesses da empresa.
As prprias campanhas salariais trouxeram grandes polmicas. Ficava no ar a
pergunta: mobilizar os trabalhadores da estatal no seria organizar lutas contra a prpria
empresa? A deciso do Sindipetro/Extrao de no participar da greve do equipara ou aqui
330
331

COSTA, Eunpio. O que a histria no contou. Salvador: Grfica e Editora Arembepe, 1993, pp. 137-138.
Sindipetro (jornal), janeiro de 1961, p. 01.

159

pra de novembro de 1960 bastante significativa. Esse assunto voltava berlinda


constantemente nas reunies de assemblia e na imprensa sindical. Os sindicalistas
esforavam-se para convencer sua base de que as coisas poderiam conviver harmonicamente
e que, na verdade, uma dependia da outra, pois somente com uma empresa forte seria
possvel garantir melhores condies ao seu quadro de funcionrios. Pediam que o sindicato
jamais fosse considerado apenas um solicitador de reivindicaes salariais mas acima de
tudo um defensor intransigente dos ideais nacionalistas332.
A atuao do Estado do setor produtivo do sistema capitalista, tpico das dcadas de
1940 e 1950, criou uma nova possibilidade de atuao sindical. Dela decorreu uma
importante diferena entre as prticas sindicais das empresas estatais e das empresas
privadas. Nas primeiras, por conta da construo da idia de que no existe um patro e que
os trabalhadores mourejavam para o engrandecimento do pas, as reivindicaes salariais e
de melhores condies de trabalho, tpicas de qualquer organizao sindical, precisaram
coexistir com a defesa da empresa. Nas empresas privadas no existia uma forte preocupao
dessa natureza. O sindicalista no teria maiores problemas ao atacar o patro, afinal se tratava
nitidamente de um explorador, que enriquecia exatamente atravs da subjugao e do suor
da classe operria. O j citado carter bifacial das empresas estatais fez com que o seu lado
empresa, que traz consigo logicamente uma relao de produo capitalista e a conseqente
extrao de mais valia fosse relativizado pelos sindicalistas.
Isso no quer dizer que a explorao no fosse sentida pelos seus trabalhadores e
combatida atravs de seus sindicatos. A defesa da empresa no implicou em um abandono
por parte dos sindicalistas da Petrobrs na Bahia das reivindicaes mais elementares do
mundo do trabalho. Pelo contrrio, eles foram muito eficientes em estabelecer uma estratgia
sindical que contemplou a defesa da empresa e ao mesmo tempo falava a linguagem que os
trabalhadores entendiam e queriam ouvir. Isso lhes trouxe, evidentemente, inmeras
situaes contraditrias e complicadas, pois ao assumirem prerrogativas tpicas do patro,
como punir, premiar e promover, os dirigentes sindicais expuseram-se a tenses e
questionamentos de uma nova ordem. A dificuldade de acesso aos inquritos das comisses
disciplinares nos impede de traar um quadro mais consistente de quais foram os seus
posicionamentos diante dos casos com que se deparavam. Contudo, Mrio Lima louva-se de

332

Sindipetro (Jornal), prestao de contas do ano de 1961, p. 4.

160

que nunca foi necessrio o voto de desempate do superintendente333. Os membros da


administrao e do sindicato nunca divergiram nos seus julgamentos. Isso sugere que se entre
os trabalhadores as posies eram das mais diversas, junto direo da empresa eles
mantinham um certo consenso.
Mais um caso julgado pela Comisso Paritria de Disciplina se torna emblemtico
para entendermos que em certos momentos essa sintonia entre administrao e sindicalistas
poderia fazer com que o operrio punido entendesse que o sindicato era o responsvel pela
sua punio. Em setembro de 1963, o ajudante de cozinha Roque Onsio foi julgado na
sesso da comisso instalada no Terminal de Madre de Deus. Pesava contra ele a acusao de
ter tentado agredir com uma peixeira de 12 polegadas o colega Manoel Batista. Este,
supostamente havia delatado o ajudante de cozinha, que tentava sair do trabalho com uma
lata de ostras, retirada indevidamente da cozinha da cantina do terminal. Segundo os
depoimentos prestados na apurao do caso, Roque voltou enfurecido e tentou esfaquear
Manoel, s no conseguiu porque um grupo de trabalhadores o impediu. Roque ainda foi
acusado de ser useiro em sair da cozinha com alimentos de forma ilegal. Alm disso, as
ocorrncias disciplinares preexistentes do ajudante de cozinha conspiravam contra ele.
Segundo o seu prprio depoimento, j havia sofrido duas punies disciplinares e alm disso
teria tentado em outra oportunidade atacar um colega de trabalho a mo armada, s que fora
do servio334. O inqurito, que ouviu as testemunhas um dia depois do fato ocorrido, resultou
na demisso de Roque Onsio, consolidada aparentemente em janeiro de 1964335.
Enquanto os sindicalistas ganhavam espao em seu local de trabalho e com isso eram
obrigados a lidar com questes mais imediatas de trabalho, o clima poltico do pas pegava
fogo. Aps Joo Goulart conseguir retomar o modelo presidencialista, em janeiro de 1963, as
presses sobre seu governo, vindas tanto da direita quanto da esquerda, foram muitas. O
Presidente da Repblica, sem uma base poltica consistente, tentava se equilibrar entre o lado
conservador da poltica nacional e a ala progressista que defendia as reformas de base. Do
segundo lado estavam tambm os movimentos sociais e, principalmente os sindicalistas. O
problema se arrastou durante todo o ano de 1963, mas em 1964 o presidente optou, enfim,
pela guinada esquerda, anunciando nao, em 13 de maro, no famoso comcio da Central
do Brasil, que faria as to famosas reformas de base. Nessa ocasio Jango assinou dentre
333

Informao concedida ao autor em conversa informal.


Depoimentos prestados Comisso Paritria de Disciplina em 19/09/1963.
335
Janeiro de 1964 foi o ltimo ms em que localizamos a coleta da contribuio sindical do trabalhador,
conforme sua ficha no Sindipetro/Refino.
334

161

outros o decreto de encampao da Refinaria de Capuava, uma insistente reivindicao dos


petroleiros. As reaes conservadoras no tardaram a vir.
O clima de politizao da sociedade brasileira nessa conjuntura era flagrante. Os
trabalhadores, organizados nacionalmente atravs do Comando Geral dos Trabalhadores,
tornaram-se um dos grandes defensores das bandeiras mais avanadas do nacionalismo e das
reformas de base336. Os sindicalistas do petrleo estavam aparentemente mais preocupados
essa altura com essas discusses tpicas da alta poltica do que com os problemas mais
imediatos de sua base.
Os operrios sentiram isso e no por acaso articularam canais para reivindicar que os
dirigentes dos seus rgos de classe atentassem mais para a assistncia direta e para os
problemas cotidianos que afligiam a sua base. Foi exatamente em meio euforia da esquerda
e s articulaes dos segmentos conservadores da sociedade brasileira, advindas das medidas
anunciadas pelo presidente Joo Goulart no comcio da Central do Brasil, que um grupo de
trabalhadores da refinaria ps uma nota no Jornal da Bahia criticando a postura do sindicato.
Os autores do manifesto queixavam-se da inrcia dos dirigentes quando do falecimento do
analista Geraldo Rosa de Almeida, pois haviam procurado o sindicato a fim de obter ajuda
para encontrar o corpo nas guas do rio Paraguau e no viram nada nem ningum moverse para tanto. A soluo encontrada foi pleitear ajuda aos porturios, que diferentemente dos
petroleiros, ofereceram o seu equipamento de mergulho e seu mergulhador. Os
missivistas despediram-se na carta, lembrando que nos momentos de luta em prol das
conquistas operrias no haviam hesitado em marchar ao lado dos dirigentes. Por isso
mesmo reprovavam o descaso dos sindicalistas com a causa humana337. A autoria da carta
aberta desconhecida, porm ela um ntido sinal das contradies surgidas da prtica
sindical dos petroleiros.
Era 18 de maro de 1964. O clima poltico do pas fervia. No final desse mesmo ms,
o presidente Joo Goulart foi acuado pelas foras conservadoras. As tropas do Exrcito
comearam a marchar pelo pas. O Presidente da Repblica foi deposto sem grande
resistncia e logo comeou a caada queles que o apoiavam. Os sindicatos foram o grande

336

DELGADO, Luclia de Almeida Neves. O Comando Geral dos Trabalhadores no Brasil (19611964).Petrpolis: Editora Vozes, 2 Ed., 1986.
337
Carta aberta dos operrios aos diretores do Sindicato dos Trabalhadores da Indstria de Destilao e
Refinao de Petrleo no Estado da Bahia. Jornal da Bahia, 18/03/1964.

162

alvo dos militares que passaram a invadir as sedes das agremiaes em busca de evidncias
que comprovassem suas atividades subversivas.
Em 2 de abril as tropas estavam nas ruas do centro de Salvador. Seu alvo era a sede do
Sindipetro/Refino, que ficava nas proximidades da Praa da Piedade. Os militares fecharam a
rua em que ficava o sindicato e comearam a vasculhar suas gavetas e arquivos. Boatos
davam conta da existncia de pessoas mortas. O Deputado Federal e presidente do Sindipetro
Mrio Lima, aps tentar sem sucesso embarcar para Braslia, procurou entrar no prdio para
obter notcias seguras acerca das pessoas que poderiam estar no local e sobre o prprio
patrimnio da entidade. No obteve sucesso em sua primeira investida, mas insistiu em ter
acesso ao local. Primeiro procurou o governador Lomanto Jnior e mais tarde o comandante
da VI Regio Militar, ambos identificados como as pessoas que poderiam autorizar sua
entrada na sede do sindicato. O esforo do sindicalista resultou em sua priso no Quartel da
Mouraria, de onde foi levado para o Forte do Barbalho.
quela altura Mataripe j havia declarado greve. Aps a notcia da priso do Mrio
Lima, seus companheiros de sindicato exigiram a permanncia da ordem constitucional,
atravs da restituio do Presidente da Repblica ao seu posto e da soltura imediata do
mandatrio mximo do sindicalismo petroleiro baiano338. De nada adiantou. De pronto o
exrcito ocupou tambm a refinaria e algumas reas da Regio de Produo da Bahia. Outros
sindicalistas e operrios foram presos e o clima de terror se instalou no local. Tinha incio a
srie de interrogatrios, delaes, perseguies e demisses de sindicalistas e operrios.
Ernesto Cludio Drehmer, engenheiro de confiana dos sindicalistas, iado condio de
Superintendente quando da sada de Jairo Farias para a direo da estatal, enviou um
telegrama ao novo presidente da estatal. Nele, congratulava o General Olympio S Tavares
pela nomeao e colocava disposio o cargo que ocupava, comprometendo-se em
permanecer no posto at a nomeao do seu substituto339. As iniciativas de resistncia no
haviam surtido efeito e j no dia 04 de abril os militares tornavam-se donos da situao. As
unidades, lentamente, voltavam a funcionar. A essa altura, o grupo de sindicalistas
indesejados j estava fora de ao.
Mesmo para os operrios menos envolvidos com as questes sindicais aqueles dias
foram marcantes. As cenas presenciadas por muitos deles, nas quais as sedes dos sindicatos
338
339

Termo de declarao de Greve dos Trabalhadores do Petrleo.


Telegrama de Ernesto Drehmer a Olympio S Tavares.

163

eram invadidas, seus arquivos e jornais eram expostos como trofus, colegas eram presos e
interrogados, no saram de suas memrias. Muitos deles sequer sabiam o que era o tal do
comunismo, que tanto se falava poca. A nica coisa que tinham certeza era da violncia
dos homens da 6 Regio, da perseguio contra seus colegas e da destruio do patrimnio
coletivo que eram os seus sindicatos.
A disputa pelo esplio poltico do grupo sindical comandado por Mrio Lima e
Osvaldo Marques no tardou a acontecer. Os avanos conseguidos pelos sindicalistas foram
considerveis e mesmo seus opositores sabiam disso e desejavam, portanto, ser considerados
pela base como os detentores de seu legado. Para isso, precisavam antes de tudo convencer os
militares que tomaram o comando da refinaria de que eram confiveis e mantiveram-se
distantes das idias comunistas. Verdi Plesch e Gildsio Lopes, dois dos trs dirigentes
sindicais afastados da diretoria do Sindipetro/Refino em janeiro de 1963 escreveram uma
carta para os novos gestores de Mataripe340.
Nela, os trabalhadores procuraram identificar-se com o Golpe de 1964, apresentadose como participantes da Revoluo do 31, desde que ela era apenas uma conspirao.
Exatamente por esse motivo, sentiram-se vontade para se colocar disposio dos militares
para ajudar no trabalho de convencimentos dos trabalhadores. Os signatrios diziam que a
cabea dos operrios da Petrobrs continuava sendo contaminada pelas mentiras dos
elementos residuais do comuno-peleguismo, que espalhavam boatos de que as conquistas
salariais e os benefcios assistenciais fornecidos pela empresa seriam suspensos. Alm disso,
os autores da carta contavam que os pseudo-lderes espalhavam o boato de que o direito de
livre associao seria negado aos petroleiros.
Verdi Plesch e Gildsio Lopes elencaram, ento, uma srie de sugestes para os
militares a fim de garantir a colaborao operria e o fim dos boatos que tanto atrapalhavam
o bom andamento dos trabalhos da Refinaria. A primeira delas dizia que para aumentar a
produtividade da unidade era necessria criar um programa de contra-propraganda para
coibir as mentiras que corriam na usina, bem como impedir o retorno ao comando da estatal
dos homens estigmatizados por notria averso aos trabalhadores, numa clara aluso aos
engenheiros afastados em 1962 por Francisco Mangabeira. Depois disso, os militares
340

Sobre as circunstncias do afastamento de Verdi Plesch, Luciano Campo e Gildsio Lopes ver: OLIVEIRA
JR., op. cit. pp. 146-149. A tese do autor para a sada dos dirigentes que estes tinham uma posio mais
direita que o grupo de Mrio Lima, o que levava-os a criticar os rumos do sindicato. Alm disso, eles foram
responsveis pela publicao de matrias que criticavam a gesto de Jairo Farias frente Refinaria.

164

deveriam convencer aos operrios de que a Revoluo aconteceu para corrigir por inteiro
as deformaes sindicais e que ela garantiria as conquistas salariais e assistenciais,
especialmente o reajustamento dos salrios, previsto nos termos do acordo firmado entre a
empresa e os sindicatos de sua rbita. Por fim, pleitearam a presena operria na
administrao da empresa atravs da assessoria sindical341.
Em resumo, excluindo o primeiro item, que dizia respeito defesa das medidas
saneadoras do comunismo, o conjunto de sugestes dos emissrios da carta era bastante
parecido com as principais conquistas do grupo de sindicalistas que os mesmos acusavam de
terem feito to mal aos petroleiros e empresa. Apesar das divergncias polticas, Verdi
Plesch e Gildsio Lopes sabiam que a categoria petroleira reconhecia os avanos trazidos
pelos sindicalistas comandados por Osvaldo Marques e Mrio Lima e que este era o seu
referencial do bom sindicalismo. Pena no termos conseguido qualquer notcia sobre o
desenrolar da solicitao apresentada pelos dois trabalhadores.
evidente, no entanto, que os tempos que sucederam queda dos lderes sindicais
trouxeram mudanas no mundo do trabalho petroleiro baiano. Muito embora as vantagens
salariais obtidas entre 1960 e 1962 continuassem garantidas, os trabalhadores amargaram
tempos mais duros nas relaes de trabalho. O fim das comisses paritrias de disciplina e a
volta do poder dos engenheiros de interferir mais diretamente nas questes disciplinares foi
visto pelos trabalhadores como uma derrota. A perda de uma srie de benefcios que no
estavam garantidos por nenhuma conveno de trabalho, e o clima militarizado que as
unidades de trabalho passaram a ter, colaboraram para a construo da imagem de um
verdadeiro refluxo nas relaes de trabalho dentro da Petrobrs na Bahia.
Mesmo assim, para alguns, essa era a chance de rever a posio na empresa perdida
quando os sindicalistas atuavam com grande desenvoltura. Esse foi o caso de Roque Onsio,
o ajudante de cozinha que teve sua demisso sacramentada pela comisso paritria de
disciplina no incio de 1964. Em julho, Roque voltou cena em busca de sua readmisso,
procurando, provavelmente por meio de contatos pessoais, apoio junto ao Major Aloysio
Cirne, que encaminhou a sua solicitao aos interventores do Sindipetro/Refino com a
inteno de providenciar sua readmisso. Os novos dirigentes do sindicato, seguindo a
orientao do Major passaram o caso superintendncia do Terminal de Madre de Deus,
argumentando que tratava-se de um chefe de famlia dedicado, [...] arrimo de famlia
341

Documento sem ttulo, encontrado em AL p/cg 1964/01/30, DOC. 96.

165

numerosa e de parentes, que passava por uma fase econmica das mais precrias e que
por isso deveria ter a sua dispensa revista. Um ms depois, a questo foi encerrada e o pedido
de readmisso do ex-empregado foi negado. Esse foi o ltimo caso relacionado participao
dos sindicalistas do petrleo na gesto do ambiente de trabalho que tivemos notcia.
possvel supor que o trabalhador demitido tenha avaliado que sua punio fora
aplicada pelos dirigentes sindicais, por isso mesmo aproveitou o afastamento destes do
cenrio poltico ocasionado pelo golpe civil-militar de abril de 1964 para reaver seu posto
de trabalho por intermdio dos militares e dos interventores sindicais. Encerrava-se o ciclo
das discusses provenientes da participao poltica da primeira gerao de sindicalistas do
petrleo na Bahia. Estes homens s voltariam Petrobrs e ao sindicalismo petroleiro cerca
de 20 anos depois com a lei de anistia.

166

CONSIDERAES FINAIS

A Bahia continuava, em 1964, como o nico estado a fornecer petrleo cru para o
pas. Mataripe havia deixado de ser a pequena refinaria experimental de 1950 e tornara-se
uma pujante produtora de derivados do petrleo. Os seus operrios deixaram de ser
considerados insignificantes politicamente e passaram para o centro dos acontecimentos
polticos do estado e at mesmo do pas.
A insero dos petroleiros baianos nessa trama de poder foi fruto da atuao dos seus
sindicatos. A fora que a represso usou para tirar de cena as suas principais lideranas
demonstra a relevncia poltica das duas entidades de classe e o risco que elas representavam
para o projeto poltico que a direita organizada e os militares planejaram para o pas no
alvorecer de 1964. Por outro lado, a atuao das lideranas sindicais, voltada para o ambiente
de trabalho, deixou um legado marcante para os trabalhadores da Refinaria de Mataripe e da
Regio de Produo.
Na sua epopia veio primeiro o prprio reconhecimento por parte da empresa de que
era preciso dialogar com os sindicatos. Depois disso, a vitria poltica da greve de novembro
de 1960, levou para o conhecimento da opinio pblica o papel relevante que o sindicalismo
petroleiro passava a desempenhar dentro da Petrobrs. O ponto mais importante dessa
trajetria, contudo, foi consubstanciado na preocupao sindical com questes cotidianas do
trabalho. Para os sindicalistas do petrleo, atuar no jogo de poder da empresa no consistia to
somente num fim em si mesmo. Essa prtica trazia consigo propostas de mudanas concretas
na vida dos operrios, representadas pela substituio dos chefes considerados responsveis
por um jogo de relaes de poder que prejudicava os ditos trabalhadores.
As prprias regras desse jogo foram modificadas. Junto com o incremento salarial, as
comisses paritrias de disciplina resultaram na maior novidade e no principal smbolo
poltico dessa primeira gerao de sindicalistas. Apesar do seu curto perodo de existncia,
elas marcaram o imaginrio dos petroleiros como o grande ganho coletivo da categoria.
Trouxe tambm uma experincia associativa e de solidariedade que nem mesmo a represso
foi capaz de apagar.

167

Enquanto muitos lderes sindicais estavam sendo presos e tantos outros preferiram
abandonar a empresa por causa do clima instalado no imediato ps-golpe, os petroleiros que
continuavam em seu local de trabalho organizavam sem a participao da interventoria
sindical listas de auxlio para as famlias dos demitidos e perseguidos polticos. Outros
levavam alimentos para os prprios fugitivos.
O esforo dos militares para apagar a memria de luta dos petroleiros, atravs da
interveno e do achincalhe dos nomes dos sindicalistas afastados no surtiu efeito. De acordo
com Oliveira Junior, comeou uma campanha na imprensa com o objetivo de macular a
prtica sindical petroleira do pr 1964, surgindo na imprensa vrios rumores de corrupo dos
antigos dirigentes sindicais. A interventoria instalada no Sindipetro/Refino aps o Golpe
passara a investir forte no assistencialismo, e Aristides Rocha de Oliveira Filho, seu
tesoureiro, decidiu sair candidato no pleito sindical de 1965, autorizado pelo Ministrio do
Trabalho. Sua derrota para a chapa independente foi por uma pequena margem de votos342.
Era a primeira tentativa dos petroleiros de agir autonomamente em relao aos
autoproclamados revolucionrios de 1964.
Dois anos se passaram e no incio de 1967, Marival Caldas, Primeiro Secretrio da
nova direo sindical, publicou atravs do Sindipetro Jornal uma nota intitulada O
carrapato. Nela, o sindicalista fazia um pequeno balano da situao dos petroleiros desde
1964. O autor perguntava-se: o que melhorou na Refinaria aps a Revoluo?. Sua resposta
foi desanimadora. Segundo sua avaliao, toda a parte social e salarial da empresa havia
refludo aps a redentora. Marival dizia que o sindicato aps a sua liberao passou a
trabalhar reivindicando e procurando dialogar com as autoridades civis e militares. Contudo,
era recebido e tratado com desprezo e descrdito. Para ele, restava aos trabalhadores se
unirem em prol dos verdadeiros defensores da empresa: o operrio [sic]. Estes, deveriam
continuar defendendo a Petrobrs, pois com isso estariam defendendo seu emprego, sua
famlia e o nosso Brasil343.
Quase trs anos aps a movimentao que tirou de circulao a dupla Osvaldo
Marques e Mrio Lima, falavam alto novas vozes que pretendiam continuar o seu legado.
Novos atores entravam em cena, mas a pea era a mesma: uma empresa forte teria como
conseqncia benefcios para seus funcionrios, que eram seus verdadeiros defensores. O
342
343

OLIVEIRA JR, op. cit., pp. 204-206.


Sindipetro Jornal, ano 1, n 07, 1967, p. 12. Acervo Pessoal de Mrio Lima.

168

exemplo do pr 1964 continuava vivo para aqueles que se esforavam para continuar a
vivncia do sindicalismo em Mataripe. Contudo, os tempos eram outros e o dilogo entre
empresa e operrios muito mais difcil. Entre abrir espao para os sindicalistas e cercear sua
liberdade, os militares recorreram segunda opo. A certeza da inviabilidade de um projeto
de pas que incorporasse demandas da classe trabalhadora fez com que os novos comandantes
do pas recorressem em diversas oportunidades represso e interveno. Essa era a tnica
dos novos captulos da histria do mundo sindical dos petroleiros baianos. Mas essa j outra
histria.

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Centro de Estudos Baianos da Universidade Federal da Bahia.
Centro de Pesquisa e Documentao Contempornea do Brasil da Fundao Getlio Vargas
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Estado da Bahia.
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Acervo documental de Wilton Valena da Silva.
Acervo fotogrfico de Jos Carlos dos Santos Vivas.
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novembro de 1960, maio de 1961, setembro e outubro de 1962, janeiro a maio de 1964;

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Dirio da Bahia; setembro de 1950, fevereiro a abril de 1958, janeiro e fevereiro de 1959,
outubro e novembro de 1960, maio de 1961, setembro e outubro de 1962, janeiro a maio de
1964;
Dirio de Notcias; setembro de 1950, fevereiro a abril de 1958, janeiro e fevereiro de 1959,
outubro e novembro de 1960, maio de 1961, setembro e outubro de 1962, janeiro a maio de
1964;
Jornal da Bahia; Setembro de 1958 a fevereiro de 1959, outubro e novembro de 1960, maio
de 1961, setembro e outubro de 1962, janeiro a abril de 1964;
O Momento; Setembro de 1949 a novembro de 1957;
O Observador Econmico e Financeiro;
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n 19, agosto de 1962; ano II, n 20, setembro de 1962; ano II, n 28, s/d; ano III, n 37, 26 de
fevereiro de 1964; informativo especial n 05, 11 de novembro de 1963;
Jornal de Mataripe, ano II, n 13, 1 de agosto de 1963;
Boletim informativo do Sindipetro Extrao, ano 1, n 02, 15 de setembro de 1963; ano 1,
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Petroleiro publicao do Sindipetro Extrao, ano I, n 05, janeiro e fevereiro de 1964;
Suplemento do Jornal Sindipetro, especial de 1 de maio de 1963;
Sindipetro Jornal (aps interventoria), ano I, n 07,abril de 1967.
Fontes manuscritas:
Ata da 612 sesso ordinria do Conselho Nacional do Petrleo, realizada em 28/12/1950.
Atas de reunio da Diretoria Executiva da Petrobrs; realizadas em 10/05/1954, 12/06/1954,
19/06/1954, 03/09/1954, 06/09/1954, 15/09/19654, 01/10/1954, 23/10/1954, 28/10/1954,
24/11/1954.
Boletim de pessoal do Conselho Nacional do Petrleo; 19/02/1952;
179

Carta da Comisso Constituio da Refinaria Nacional de Petrleo endereada, em junho de


1947, a Bennet Archambault (diretor da Kellog).
Contrato firmado entre o Conselho Nacional do Petrleo e a empresa norte-americana Kellog
para a criao da Refinaria Nacional de Petrleo, em Mataripe; julho de 1947.
Fichas de filiao sindical dos associados do Sindicato dos Trabalhadores da Indstria do
Refino e Destilao do Petrleo no Estado da Bahia; 1959 at 1964.
Estatuto do Sindicato dos Trabalhadores da Indstria de Extrao do Petrleo no Estado da
Bahia; aprovado em janeiro de 1958.
Livro de Atas de Reunio de Diretoria do Sindicato dos Trabalhadores da Indstria do Refino
e Destilao do Petrleo no Estado da Bahia; junho de 1959 a julho de 1962.
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Destilao do Petrleo no Estado da Bahia; junho de 1962 a janeiro de 1963.
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Petrleo no Estado da Bahia; abril de 1963 a maio de 1965.
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Petrleo no Estado da Bahia; 1954 a 1962.
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Nacional do Petrleo; 03/11/1949.
Minuta enviada pelo Conselho Nacional do Petrleo Companhia Brasileira de Engenharia
em 03/11/1949.
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Quadro de empregados sindicalizados da Petrobrs na Bahia; 04/1964.
Registro de scios fundadores da Associao Profissional dos Trabalhadores da Indstria do
Petrleo no Estado da Bahia; ano: 1954.

180

Relatrio de atividades do ano de 1951 da Refinaria de Mataripe apresentado ao Conselho


Nacional do Petrleo.
Resolues da Diretoria Executiva da Petrobrs; publicadas em 11/06/1954, 05/06/1954,
09/07/1954, 20/08/1954, 27/09/1954, 06/10/1954.
Telegramas sobre as condies da Refinaria de Mataripe e da Regio de Produo da Bahia
durante o golpe de 1964.
Termo de transferncia Petrobrs dos servios da Refinaria de Mataripe; 05/1954.

Fontes orais:

Entrevistado: lvaro Bulco;


Ano de entrada na empresa: 1949;
Funo e lotao: Torrista, Regio de Produo da Bahia;
Entrevistador e data da entrevista: Alex de Souza Ivo, 02 de maro de 2007.
Entrevistado: Boris Tondroff;
Ano de entrada na empresa: 1954;
Funo e lotao: Auxiliar de produo, Regio de Produo da Bahia;
Entrevistador e data da entrevista: Alex de Souza Ivo, 05 de agosto de 2006 (entrevista
sem gravao);
Entrevistado: Ernesto Cludio Drehmer;
Ano de entrada na empresa: 1956;
Funo e lotao: Engenheiro e superintendente, Refinaria de Mataripe;
Entrevistador e data da entrevista: Alex de Souza Ivo, 31 de outubro de 2006.
Entrevistado: Everaldo Fonseca Zaba;
Ano de entrada na empresa: 1957;
Funo e lotao: Auxiliar de produo, Regio de Produo da Bahia;

181

Entrevistadores e data da entrevista: Alex de Souza Ivo e Daniela Nunes Nascimento, 16


de agosto de 2007.
Entrevistado: Flordivaldo Maciel Dultra;
Ano de entrada na empresa: 1954;
Funo e lotao: Laboratorista e dirigente sindical, Refinaria de Mataripe;
Entrevistador e data da entrevista: Alex de Souza Ivo, 28 de julho de 2006 (entrevista sem
gravao);
Entrevistado: Gonalo dos Santos Melo;
Ano de entrada na empresa: 1958;
Funo e lotao: Operador, Refinaria de Mataripe.
Entrevistador e data da entrevista: Alex de Souza Ivo, 01 de agosto de 2006.
Entrevistado: Jairo Jos Farias;
Ano de entrada na empresa: 1957;
Funo e lotao: Arquiteto, superintendente de Mataripe e diretor da Petrobrs;
Entrevistadores e data da entrevista: Alex de Souza Ivo e Daniele Santos de Souza, 19 de
junho de 2007 (entrevista sem gravao);
Entrevistado: Jair Pinto de Brito;
Ano de entrada na empresa: 1962;
Funo e lotao: Tcnico, Complexo Petroqumico do Estado da Bahia;
Entrevistador e data da entrevista: Alex de Souza Ivo, 26 de junho de 2006.
Entrevistado: Jos Carlos de Souza Vivas;
Ano de entrada na empresa: 1957;
Funo e lotao: Auxiliar de produo, Regio de Produo da Bahia;
Entrevistador e data da entrevista: Alex de Souza Ivo, 15 de janeiro de 2007.
Entrevistado: Manoel Ferreira dos Santos;
Ano de entrada na empresa: 1943;
Funo e lotao: Operador de mquina de campo, Regio de Produo da Bahia;
Entrevistador e data da entrevista: Alex de Souza Ivo, 25 de janeiro de 2008.
182

Entrevistado: Mrio Soares Lima;


Ano de entrada na empresa: 1958;
Funo e lotao: Operador chefe e dirigente sindical, Refinaria de Mataripe;
Entrevistador e data das entrevistas: Alex de Souza Ivo, 24 de novembro de 2006, 18 de
abril de 2007 e 11 de julho de 2007,
Entrevistado: Osvaldo Marques de Oliveira;
Ano de entrada na empresa: 1951;
Funo e lotao: Auxiliar de segurana, operador e dirigente sindical, RLAM;
Entrevistador e data da entrevista: Franklin Oliveira Junior, 09 e 10 de setembro de 1993.
Entrevistado: Raimundo Lopes;
Ano de entrada na empresa: 1958;
Funo e lotao: Vigilante, Refinaria de Mataripe;
Entrevistador e data da entrevista: Alex de Souza Ivo, 27 de outubro de 2006.
Entrevistado: Wilton Valena da Silva
Ano de entrada na empresa: 1956;
Funo e lotao: Sondador e dirigente sindical, Regio de Produo da Bahia;
Entrevistador e data da entrevista: Alex de Souza Ivo, 18 de novembro de 2006.

183

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