MURCHO, Desidério - Verificacionismo

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Verificacionismo

Sinopse
Segundo a teoria verificacionista, uma frase dotada de significado se, e s se, a sua verdade faria alguma diferena no decurso da nossa experincia futura; uma frase ou frase
inverificvel pela experincia destituda de significado. Mais especificamente, o significado particular de uma frase a sua condio de verificao, o conjunto de experincias
possveis da parte de algum que tenderiam a mostrar que a frase era verdadeira.
A teoria enfrenta vrias objeces: declara que vrias frases claramente dotadas de
significado so destitudas de significado, e vice-versa; atribui significados errados a frases
que considera dotadas de significado; e tem alguns pressupostos dbios. Mas a pior objeco que, como Duhem e Quine argumentaram, as frases individuais no tm por si mesmas condies de verificao prprias.
Quine admitiu essa desgraa e inferiu que as frases individuais no tm significados; segundo ele, no h significado frsico. Quine atacou tambm a perspectiva anteriormente muito difundida de que algumas frases so analticas no sentido de serem
verdadeiras por definio ou somente em virtude dos significados dos seus termos componentes.

A teoria e a sua motivao


A teoria verificacionista do significado, que floresceu nos anos trinta e quarenta do sc.
XX, era muitssimo poltica. Era motivada, e reciprocamente ajudou a motivar, um empirismo e cientismo crescente na filosofia e noutras disciplinas. Em particular, era o motor
que conduzia o movimento filosfico do positivismo lgico, que era correctamente encarado por filsofos da moral, poetas, telogos e muitos outros como um ataque directo aos
fundamentos dos seus respectivos labores. Ao contrrio da maior parte das teorias filosficas, tinha tambm um grande nmero de efeitos poderosos na prtica efectiva da cincia,
tanto bons quanto maus. Mas aqui examinaremos o verificacionismo simplesmente como
mais uma teoria do significado lingustico.
Como dizia um popular lema positivista, uma diferena tem de fazer diferena. Ou
seja, se um pedao de linguagem supostamente dotado de significado de todo em todo,
ento tem de fazer algum tipo de diferena para o pensamento e para a aco. E os positivistas tinham uma ideia muito especfica sobre que tipo de diferena tinha o dever de
fazer: o pedao de linguagem devia ser relevante, especificamente, para o curso da nossa
experincia futura. Se algum profere o que parece uma frase, mas no temos ideia de

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como a verdade dessa frase afectaria o futuro de um modo detectvel, ento em que sentido podemos dizer que contudo uma frase dotada de significado para ns?
Os positivistas faziam esta pergunta de retrica como um desafio. Suponha-se que
escrevo no quadro uma linha de algo que parece uma algaraviada e assiro que o que
escrevi uma frase dotada de significado na linguagem de algum. Voc pergunta-me o
que acontecer consoante o que escrevi for verdadeiro ou falso. E eu digo: Nada; o mundo continuar na mesma, seja esta frase verdadeira, seja falsa. Ento voc deve ficar
com muitas suspeitas quanto minha afirmao de que esta algaraviada aparente realmente quer dizer algo. Com menos dramatismo, se voc ouvir algum pronunciar algo
numa lngua estrangeira, presume que quer dizer algo, mas no tem ideia do que seja; isto
porque no sabe o que mostraria que essa frase verdadeira ou falsa.
Os positivistas estavam preocupados com a propriedade bsica de ser dotado de
significado porque suspeitavam que muito do que passava por elocues dotadas de significado nas obras dos Grandes Filsofos Mortos no eram de facto (nem sequer) dotadas de
significado, quanto mais verdadeiras. Assim, o seu princpio verificacionista era sobretudo
notavelmente usado como critrio que distinguia o que tinha significado do que no o
tinha: uma frase contava como dotada de significado se, e s se, havia um conjunto de
experincias possveis da parte de algum que tenderiam a mostrar que a frase era verdadeira; chame-se a este conjunto a condio de verificao da frase. (Uma frase tem tambm uma condio de falsificao, o conjunto de experincias possveis que tenderiam a
mostrar que falsa.) Se, ao examinar uma frase proposta, no se conseguisse encontrar
tal conjunto de experincias, a frase reprovaria o teste e revelar-se-ia destituda de significado, por mais apropriada que fosse a sua gramtica de superfcie. (Exemplos clssicos
de alegadas reprovaes incluem: Tudo [incluindo todas as fitas mtricas e outros dispositivos de medida] acabou de ficar com o dobro do tamanho. Criao das onze horas: Todo
o universo fsico comeou a existir h apenas cinco minutos, juntamente com todas as
memrias ostensivas e registos histricos. Cepticismo do gnio maligno: Estamos constante e sistematicamente a ser enganados por um gnio maligno poderoso que nos provoca
experincias especiosas.)1
1

Estes so exemplos de hipteses cpticas de um tipo que toda a tradio filosfica levou a
srio; os positivistas tinham de se esforar muito para mostrar que estas hipteses eram destitudas de significado apesar de as frases parecerem perfeitamente dotadas de significado primeira
vista. Os positivistas tinham menos pacincia e menos problemas com o idealismo hegeliano dos
finais do sc. XIX, patente em O Absoluto perfeito, e com o existencialismo heideggeriano,
patente em O Nada nadifica (Das Nichts nichtet). Recebi uma vez uma brochura que publicitava um livro novo de filosofia. A brochura tinha uma lista demarcada das caractersticas especiais do
livro. E um dos itens era: Onze novas maneiras de a negao se negar a si mesma. Juro que no
estou a inventar.

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Mas os verificacionistas no se restringiam ao sem significado em si. A teoria assumia tambm uma forma mais especfica, antecipada por C. S. Peirce (1878). Ocupava-se
dos significados individuais das frases particulares, e identificava o significado de cada
frase com a condio de verificao dessa frase.
Assim, a teoria tinha um uso prtico como teste efectivo do que uma frase individual realmente quer dizer; prev o contedo proposicional particular da frase. Esta uma
virtude importante, que nem todas as suas rivais tm. (A teoria proposicional ingnua nada
diz sobre como se associa uma proposio particular a uma dada frase.) Pretendia-se que a
teoria verificacionista fosse usada, e tem sido usada mesmo por pessoas que no a aceitam completamente , como um instrumento clarificador. Quando voc se confrontar com
uma frase que presume ser dotada de significado mas que no compreende completamente, pergunte-se o que tenderia a mostrar que a frase verdadeira ou falsa.
A teoria verificacionista assim uma explicao epistmica do significado; ou seja,
localiza o significado nas nossas maneiras de vir a saber ou a descobrir coisas. Para um
verificacionista, o significado de uma frase a sua epistemologia, uma questo saber
qual a sua base indiciria apropriada. (Numa interpretao, a teoria inferencial do significado, ou teoria funcional sellarsiana, mencionada no captulo 6, verificacionista, dado
que as regras de inferncia de Sellars so dispositivos epistmicos.)
Os positivistas permitiam a existncia de uma classe especial de frases que no tm
contedo emprico mas so todavia dotadas de significado de algum modo: estas so as
frases que so, digamos, verdadeiras por definio, verdadeiras unicamente em virtude
dos significados dos termos que as compem. Nenhum solteiro casado; Se est a
nevar, est a nevar; Cinco lpis so mais lpis do que dois lpis. As frases como estas
no fazem previses empricas, segundo os positivistas, porque so verdadeiras seja o que
for que acontea no mundo. Mas so dotadas de um certo gnero de significado porque so
verdadeiras; a sua verdade, por mais trivial, garantida pelos significados colectivos das
palavras que ocorrem nelas. Chama-se analticas a tais frases.
O verificacionismo uma perspectiva atraente que foi fervorosamente sustentada
por muitas pessoas. Mas, como qualquer outra teoria do significado, tem os seus problemas.

Algumas objeces
Os positivistas nunca chegaram a uma formulao do princpio da verificao que fosse
satisfatrio, nem mesmo para eles; nunca conseguiram que se ajustasse apenas s sequncias de palavras que queriam. Toda a formulao precisa revelava-se demasiado forte ou
demasiado fraca num ou outro aspecto (veja-se Hempel 1950). H tambm um problema
metodolgico: para testar propostas de formulaes os positivistas tinham de apelar a
casos claros de ambos os tipos; isto , de sequncias de palavras dotadas de significado e

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de sequncias destitudas de significado. Mas isto pressupe j que h sequncias de palavras que so literalmente destitudas de significado apesar de estarem gramaticalmente
bem formadas e apesar de serem compostas de palavras dotadas de significado; e isso ,
se pensarmos bem, uma tese muito audaciosa.
Estes problemas no constituem objeces de princpio ao verificacionismo, mas
sugerem dois outros que o so.

OBJECO 1
Wittgenstein queixava-se que a teoria verificacionista mais uma tentativa monoltica de
chegar essncia da linguagem, e todas essas tentativas esto condenadas a falhar. Mas
em particular, e menos dogmaticamente, a teoria aplica-se apenas ao que os positivistas
chamavam linguagem descritiva, factual. Mas a linguagem descritiva ou factual apenas
um tipo de linguagem; tambm fazemos perguntas, damos ordens, escrevemos poemas,
dizemos piadas, executamos cerimnias de vrios tipos, e assim por diante. Presumivelmente, uma teoria adequada do significado deveria aplicar-se a todos esses usos da linguagem, dado que em qualquer sentido comum do termo todos so usos dotados de significado; mas difcil ver como a teoria verificacionista se poderia alargar de modo a
abrang-los.
RESPOSTA
Os positivistas reconheciam que se ocupavam do significado apenas num sentido restrito;
chamavam-lhe sentido cognitivo. Ser cognitivamente dotado de significado aproximadamente ser uma afirmao de facto. Perguntas, ordens e linhas de poesia no so
afirmaes factuais ou descritivas nesse sentido, apesar de terem funes lingusticas
importantes e de serem dotadas de significado no sentido comum, opondo-se a algaraviadas.
A restrio ao significado cognitivo no era problemtica para os propsitos
metafsicos e anti-metafsicos positivistas mais latos, mas do nosso ponto de vista, a elucidao do significado lingustico em geral, prejudicial. Uma teoria do significado no nosso
sentido tem por misso explicar todos os factos do significado, e no apenas os respeitantes linguagem factual. Alm disso, a retirada para o significado cognitivo em nada
ajuda a responder objeco 2.

OBJECO 2
Como salientmos, os positivistas trabalhavam com ideias admitidamente preconceituosas
sobre que sequncias de palavras so ou no dotadas de significado, tentando excluir as
que so intuitivamente destitudas de significado e incluir as que so obviamente dotadas
de significado. Mas no eram apenas os positivistas que tinham ideias preconceituosas

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sobre que sequncias de palavras so dotadas de significado. Suponha-se que olhamos para
uma dada sequncia de palavras e perguntamos se ou no verificvel e, em caso afirmativo, o que a verificaria. Para o fazer, temos de saber j o que a frase diz; como poderamos saber se verificvel ou no a menos que soubssemos o que diz?
Para determinar como se verifica a presena de um vrus, digamos, temos de saber
o que so vrus e onde, em geral, se encontram; assim, parece que temos de compreender
o discurso acerca de vrus para verificar afirmaes sobre vrus, e no o contrrio. Mas se
j sabemos o que a nossa frase diz, ento h algo que ela diz. E, nessa medida, j dotada de significado. Assim, a questo da verificabilidade e das condies de verificao
conceptualmente posterior a saber o que a frase significa; parece que temos de saber o
que a frase significa para saber como verific-la.2 Mas isto precisamente o oposto do que
diz a teoria verificacionista.
Um aspecto relacionado haver uma diferena flagrante entre as frases que os
positivistas queriam excluir por serem destitudas de significado (Tudo acabou de ficar
com o dobro do tamanho, Todo o universo fsico comeou a existir h apenas cinco
minutos) e os casos paradigmticos de sequncias destitudas de significado do gnero
ilustrado no captulo 1: algaraviadas (w gfjsdkhj jiobfglglf ud) ou apenas saladas de
palavras (Bom de fora pedante o um um porqu). Certamente que as primeiras sequncias no so destitudas de significado da mesma maneira drstica e bvia que estas ltimas. Seja o que for que possa haver de errado com elas de um ponto de vista epistemolgico, no so meras algaraviadas.
RESPOSTA
O verificacionista tem de apresentar alguma diferena entre os dois tipos de sequncia,
sem admitir que as sequncias do primeiro tipo so afinal dotadas de significado. Eis uma
jogada possvel. As sequncias do primeiro tipo so feitas de palavras portuguesas habituais e, por serem gramaticais de um ponto de vista sintctico superficial, h uma espcie
de iluso de compreenso. Dado que so sequncias de palavras de um tipo que muitas
vezes dizem e significam algo, produzem em ns um sentimento de familiaridade. Temos a
impresso de que sabemos o que dizem. E num sentido fraco sabemos: podemos analislas gramaticalmente, e compreendemos cada uma das palavras que nelas ocorrem. Mas
daqui no se segue que estas sequncias de palavras significam de facto algo tomadas em
conjunto.
2

Claro que h graus de compreenso. Podemos no compreender um termo completamen-

te. (Sabe o que exactamente um eixo de cames? E quanto a um acelerador linear?) Mas para compreender uma frase, mesmo apenas em parte, temos de ter alguma ideia do que a frase diz. Todavia, uma vez mais, isso implica que j h algo que a frase diz antes de se determinar seja o que for
quanto s suas condies de verificao.

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OBJECO 3
A teoria verificacionista conduz a uma metafsica m ou pelo menos altamente controversa. Recorde-se que uma condio de verificao um conjunto de experincias. Os positivistas queriam que tais experincias verificadoras fossem descritas num tipo de linguagem
uniforme chamada Linguagem observacional. Suponha-se que a nossa linguagem observacional se restringe ao vocabulrio de impresses sensoriais subjectivas, como em Agora parece que estou a ver uma coisa cor-de-rosa com a forma de um coelho minha frente. Ento segue-se do verificacionismo que qualquer afirmao dotada de significado que
eu consiga fazer s pode em ltima anlise ser acerca das minhas prprias impresses sensoriais; se o solipsismo for falso, eu no posso dizer que o numa linguagem dotada de
significado. Nem eu, nem ningum.
Mesmo que em vez disso tornemos a nossa noo de observao mais flexvel,
incluindo o que Hempel (1950) chamava as caractersticas directamente observveis de
objectos comuns, continua a ser verdade que o verificacionismo reduz o significado de
uma frase ao tipo de indcios observacionais que podemos ter a favor dessa frase, e nada
mais. Por exemplo, somos conduzidos a uma perspectiva grotescamente revisionista quanto aos objectos cientficos a perspectiva instrumentalista de que as afirmaes cientficas sobre electres, traos de memria, outras galxias e coisas parecidas so meramente
abreviaes de conjuntos complexos de frases sobre os nossos prprios dados laboratoriais.
Qual a condio de verificao de uma frase sobre um electro? Claro que algo
macroscpico, algo sobre leituras num aparelho de medio ou traos de vapor numa
cmara Wilson de vapores ultra-saturados ou padres de disperso num tubo catdico ou
algo desse gnero. observvel a olho nu aqui e agora. Devemos realmente acreditar que
quando falamos de partculas subatmicas no estamos realmente a falar de partculas
pequenas partculas to pequenas que no podem ser observadas mas antes de leituras num aparelho de medio, traos de vapor, e coisas do gnero? (Os prprios positivistas
no consideravam que este instrumentalismo fosse grotesco: pensavam que era uma verdade importante. Mas eu penso que grotesco.)
E quando nos voltamos para questes sobre a mente humana, descobrimos que
emerge imediatamente uma verso muito forte de comportamentalismo: as afirmaes
sobre as mentes das pessoas so meramente abreviaturas de afirmaes sobre o seu comportamento aberto. Pois o nico gnero de indcios observacionais que tenho quanto aos
seus pensamentos e sentimentos mais privados o seu comportamento que vejo e oio. Se
formos verificacionistas, a filosofia da mente est feita e acabada.
Talvez uma ou mais das teorias anteriores, que para mim so indesejveis, seja
verdadeira. Talvez todas sejam verdadeiras. Mas o que est em causa que a nossa teoria
do significado lingustico no deve mostrar num s passo que o so. A metafsica no deve
ser resolvida por uma teoria da linguagem, pois a linguagem apenas uma adaptao tar-

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dia que se encontra numa espcie de primatas. (Talvez nem seja uma adaptao, mas
antes um pliotropismo; isto , um mero subproduto de outros traos que so em si adaptativos.)

OBJECO 4
Como se aplica o princpio verificacionista a si mesmo? Ou empiricamente verificvel ou
no.
Suponha-se que no verificvel. Ento ou apenas destitudo de significado ou
uma verdade analtica vcua ou definicional. Pelo menos um positivista (j no me lembro qual) abraava galantemente a ideia de que o princpio apenas destitudo de significado, uma escada a deitar fora depois de termos subido por ela. Alguns positivistas adoptavam a linha de que o princpio era uma definio estipulativa til da palavra significado, para fins tcnicos. Hempel (1950) chamava proposta ao princpio, no sendo assim
verdadeira nem falsa, apesar de estar sujeita a vrias exigncias e restries racionais,
no sendo portanto simplesmente arbitrria. Claro, qualquer filsofo pode estipular qualquer coisa a qualquer momento; mas como poderia isso ajudar quem procura uma teoria
do significado (em si), credvel e na verdade correcta? As estipulaes tm os seus usos
mas, quando estamos a tentar chegar a uma teoria filosfica adequada de um fenmeno
pr-existente, uma estipulao no uma grande ajuda.
Suponho que alguns positivistas pensam que o princpio era uma definio fiel, correcta, que capta o significado anterior de significado. O problema dessa ideia no
sabermos que indcios especificamente semnticos exibiriam a correco da definio. Os
positivistas no sujeitaram certamente o termo significado ao gnero de anlise que
Russell dedicou palavra o; e nem as pessoas comuns nem os filsofos que no so positivistas partilhavam quaisquer juzos intuitivos compatveis com o princpio verificacionista. No parece analtico, como Nenhum solteiro casado; duvido que qualquer pessoa
que compreenda o que a palavra significado significa e o que verificar significa saiba
que ser dotado de significado apenas ser verificvel e que o significado de uma frase a
sua condio de verificao.
Suponha-se que o princpio tido como empiricamente verificvel. Isto , presumase que ser supostamente confirmado pelas nossas experincias de frases, dos seus significados e das suas condies de verificao, e suponha-se que se descobriu que o significado
se alinha com a condio de verificao. Mas (como na objeco 1) isso pressupe que
podemos reconhecer os significados das frases independentemente de lhes atribuirmos
condies de verificao. E no claro o que deve contar como dados empricos no qual
o princpio dever basear-se. Resultados de inquritos de rua? Definies de dicionrio?
(Isso, nunca.) As nossas prprias intuies lingusticas? (Acresce que o prprio significado
do princpio verificacionista coincidiria ento, pelo prprio princpio, com a sua prpria

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condio de verificao, o conjunto de experincias como que de significados coincidindo


com condies de verificao; isto um enleio desagradvel, mas no tenho a certeza se
vicioso, em ltima anlise.)
Em qualquer caso, o problema da auto-aplicao real, e no apenas um truque
superficial.3

OBJECO 5
Erwin (1970) oferece um argumento para mostrar que toda a afirmao verificvel, trivialmente e praticamente da mesma maneira. Suponha-se que nos apresentam uma
mquina esquisita que se revela uma maravilhosa mquina de previso. Nomeadamente,
quando se codifica uma frase declarativa num carto e o inserimos numa abertura da
mquina, esta faz um zunido e um rudo surdo e surge a palavra VERDADEIRO ou FALSO; alm disso, tanto quanto conseguimos aferir, a mquina est milagrosamente sempre
certa.
Considere-se agora uma sequncia de palavras arbitrariamente escolhida, S. O
seguinte conjunto de experincias seria suficiente para elevar drasticamente a probabilidade de S:
1. Codificamos S num carto.
2. Introduzimos o carto na nossa mquina.
3. Na mquina surge a palavra VERDADEIRO.

(E recorde-se que a mquina nunca se enganou.) Assim, h um conjunto possvel de experincias que confirmariam S, ainda que S seja intuitivamente uma algaraviada. E a condio de verificao particular da prpria S seria que, quando codificada e introduzida na
mquina, a mquina responde VERDADEIRO. Assim, a teoria verificacionista fica trivializada, dado que qualquer sequncia de palavras verificvel, e atribui os significados
errados a frases particulares (porque pouqussimas frases querem dizer algo acerca de
cartes que so introduzidos em mquinas infernais.)
H algo de errado com este argumento. Mas descobri que muitssimo difcil dizer
exactamente o que h de errado.

O verificacionismo cortejou o que o falecido David Stove (1991) chamava o efeito de

Ismael, o fenmeno de uma teoria filosfica fazer de si mesma a nica excepo. (A referncia
ao Moby Dick: E s eu escapei para vos contar; na verdade, isto em si uma citao de Job
1:15.) Por exemplo: Tudo o que podemos saber que no podemos saber coisa alguma. O nico
pecado moral a intolerncia. Absolutamente tudo relativo.

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OBJECO 6
Qualquer verso do princpio verificacionista tem de pressupor uma linguagem observacional na qual se descrevam as experincias; consequentemente, tem de sancionar uma
distino firme entre termos observacionais e (correlativamente) tericos. Como
mencionei, alguns positivistas restringiam a sua linguagem observacional a afirmaes
sobre as impresses sensoriais privadas e subjectivas das pessoas. Mas isso no respondia
aos propsitos da cincia intersubjectiva testvel, de modo que a maior parte dos subjectivistas juntaram-se a Hempel (1950), apelando s caractersticas directamente observveis dos objectos comuns. Isto tem dois problemas. Primeiro, a noo de observao
directa controversa, e parece totalmente relativa tecnologia e tambm aos interesses
e projectos. Uma observao visual directa quando estamos a usar culos? E se estivermos a usar uma lupa? E se observarmos por um microscpio, com um ou outro grau de
ampliao? E que dizer do microscpio electrnico?
Segundo, as observaes, e as afirmaes formuladas na linguagem observacional, esto impregnadas de teoria, pelo menos em parte; o que conta como uma observao e o que conta como observado e o modo como se descreve um dado tudo isto
determinado em parte pelas prprias teorias que esto em questo.
Estes dois problemas so questes espinhosas na filosofia da cincia; s as menciono de passagem.4 Mas ajudam a dar forma a uma objeco muito mais profunda ao verificacionismo.

A grande objeco
OBJECO 7
Na esteira de Pierre Duhem (1906), W. v. Quine (1953, 1960) argumenta que nenhuma frase individual tem uma condio de verificao distinta, excepto relativamente a uma massa de teoria de fundo contra a qual a testagem observacional tem lugar.
H uma ideia ingnua que muitas pessoas tm sobre a cincia. a ideia de que se
formula uma hiptese cientfica que depois testamos fazendo uma experimentao, e a
experimentao mostra, s por si, se a hiptese correcta. Duhem salientou que na histria do universo nunca houve uma experimentao que tenha podido s por si verificar ou
falsificar uma hiptese. A razo que h sempre demasiados pressupostos auxiliares que
se tem de aceitar para fazer a hiptese contactar com o aparato experimental. As hipteses por vezes so realmente infirmadas completamente refutadas, se quisermos mas
4

Veja-se Achinstein (1965) e Churchland (1988). Mas quanto ao segundo aspecto tem havido
alguma discordncia, como Fodor (1988).

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isso s porque os cientistas envolvidos mantm inalterados outros pressupostos que so


disputveis e que at podem ser perfeitamente falsos. Suponha-se que estamos a fazer um
estudo astronmico, e que estamos a verificar e a refutar coisas fazendo observaes
atravs de complicados telescpios. Ao usar tais telescpios estamos a pressupor praticamente toda a teoria ptica, e muitas mais coisas.
Surpreendentemente, o que Duhem disse aplica-se tambm vida quotidiana.
Tome-se uma qualquer frase comum sobre um objecto fsico, como Est uma cadeira
cabea da mesa. Qual a sua condio de verificao? Uma primeira coisa a notar que
o conjunto de experincias que confirmariam essa frase de certo modo condicional,
dependendo do nosso ponto de vista hipottico. Podemos tentar algo assim: se entrarmos
na sala vindos da direco desta porta, teremos experincia de uma cadeira cabea da
mesa. Mas mesmo isto depende. Depende de termos os olhos abertos, e depende de o nosso aparato sensorial estar a funcionar apropriadamente, e depende de as luzes estarem
ligadas, e Estas restries no parecem chegar ao fim. Se tentarmos inserir as reservas
apropriadas (Se entrarmos na sala, e tivermos os olhos abertos, e o nosso aparato sensorial estiver a funcionar,), surgem mais restries: caminhamos de frente ou de costas?
H algo interposto entre ns e a cadeira? A cadeira foi disfarada? Os marcianos tornaramna invisvel? Ter o nosso crebro sido alterado por uma emisso inesperada de raios Q
vindos do cu? E podemos continuar nisto durante dias.
A moral da histria que o que tomamos como a condio de verificao de uma
dada afirmao emprica pressupe um pano de fundo gigantesco de pressupostos auxiliares preestabelecidos. Estes pressupostos so de hbito perfeitamente razoveis, e no os
fazemos por acaso. Mas uma condio de verificao particular s est associada com
uma dada frase se escolhermos admitir tais pressupostos, e quase qualquer um deles pode
falhar. Intrinsecamente, a frase no tem qualquer condio de verificao determinada.
Isto (no mnimo) embaraoso para uma teoria que identifica o significado de uma
frase com a sua condio de verificao. Mas, como veremos, a questo no acaba aqui.

DUAS QUESTES QUINIANAS


Nos anos cinquenta e sessenta do sc. XX, W. v. Quine levantou dois desafios filosofia da
linguagem dos positivistas. Primeiro, atacou a noo de analiticidade (Quine 1953, 1960);
isto , atacou a tese de que algumas frases so verdadeiras inteiramente em virtude do
seu significado e no por causa de qualquer contribuio do mundo extralingustico. Quine
apresenta vrios argumentos contra a analiticidade. Alguns no so convincentes. Outros
so melhores, e fizeram de analtico uma palavra feia desde ento, ou pelo menos at
um ressurgimento recente. No farei uma lista; darei apenas uma ideia geral do que penso
ser fundamental no repdio de Quine da analiticidade.

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Quine partilha e sustenta a inclinao epistemolgica dos positivistas, e pensa que


se o significado lingustico for alguma coisa, ter de ser uma funo da base indiciria.
Mas a sua epistemologia difere da dos positivistas por ser holista. H frases individuais que
consideramos verdadeiras e outras que rejeitamos por serem falsas, mas em cada caso a
base da nossa crena uma questo, complexa, de relaes indicirias que a nossa frase
mantm com muitas outras frases. Sempre que parece que necessrio rever crenas,
podemos escolher entre muitssimas crenas que podemos abandonar para manter um sistema adequadamente coerente (recorde-se a questo de Duhem). E nenhuma crena est
completamente imune reviso, nenhuma frase h que no poderia ser rejeitada sob a
presso de indcios empricos juntamente com uma preocupao com a coerncia geral.
Mesmo verdades aparentes da lgica, como as verdades da forma Ou P ou no P, poderiam ser abandonadas luz de fenmenos adequadamente bizarros da mecnica quntica.
Mas uma frase analtica seria por definio inteiramente insensvel aos dados do mundo, e
portanto imune reviso. Logo, no h frases analticas.
Pode parecer que em termos prticos no muito relevante haver ou no frases
que ocupem a pitoresca categoria filosfica do analtico. Mas a rejeio de Quine da
analiticidade tem realmente uma pequena repercusso interessante. Suponha-se que duas
frases portuguesas, F1 e F2, so precisamente sinnimas. Ento, a frase condicional Se
F1, ento F2 deveria ser analtica, pois tem como contedo Se [este estado de coisas],
ento [este mesmo estado de coisas], que dificilmente poderia ser falsificado por qualquer desenvolvimento emprico. Logo, se no h frases analticas, nenhumas duas frases
portuguesas so precisamente sinnimas, nem sequer A me de Kant era uma mulher e
A me de Kant era um ser humano do sexo feminino.5
As coisas ficam ainda piores. Eis o segundo desafio que Quine lana aos positivistas
e praticamente, na verdade, a toda a gente. No se trata apenas de no haver frases analticas, nem de no haver frases sinnimas. O que se passa que o significado coisa que
no existe. Quine comea por negar os nossos factos do significado, e insiste num eliminativismo ou niilismo quanto ao significado, na forma da sua doutrina da indeterminao
da traduo.
Quine apresentou tambm aqui vrios argumentos, alguns mais convincentes do
que outros. Um deles (de Quine 1969) pode ser formulado com grande simplicidade: as
frases individuais no tm condies de verificao. Mas, se uma frase tivesse qualquer
significado, seria uma condio de verificao. Logo, as frases individuais no tm qualquer significado de todo em todo. assim que Quine salva o verificacionismo da objeco
5. Mas este um salto desesperado, dado salvar a povoao destruindo-a, eliminando sim5

Na verdade, um bom quiniano consumado no deveria aceitar este argumento. Porqu?


(Pista: veja o pargrafo anterior.)

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plesmente o significado e os prprios factos do significado. O problema com o argumento,


claro, est na justificao da segunda premissa; se as frases no tm condies de verificao, porqu continuar a aceitar o verificacionismo quando h tantas outras teorias do
significado nossa disposio?
Um argumento mais conhecido comea com a hiptese de um linguista de campo a
investigar uma linguagem nativa aliengena a partir do zero, tentando construir um
manual de traduo ou um dicionrio de nativo-portugus. Quine argumenta que a totalidade dos indcios disponveis ao linguista no determinam qualquer um manual de traduo; muitos manuais mutuamente incompatveis so inteiramente consistentes com esses
indcios. Alm disso, a subdeterminao neste caso no apenas a subdeterminao normal das teorias cientficas face aos indcios nos quais se baseiam. radical: nem sequer a
totalidade dos factos do mundo suficiente para vindicar um dos manuais rivais de traduo contra os outros. Logo, nenhuma traduo correcta excluso das suas tradues
rivais. Mas se as frases tivessem significados, teriam tradues correctas, nomeadamente
as tradues que preservassem os seus significados efectivos. Logo, as frases no tm significados.
O problema aqui justificar a premissa de que nem sequer a totalidade dos factos
fsicos do mundo determina a correco de um dos manuais de traduo rivais. A defesa
dessa premissa permanece obscura.

Sumrio

Segundo a teoria verificacionista, uma frase dotada de significado se, e s se, caso
fosse verdadeira isso faria alguma diferena no decurso da nossa experincia futura; e o
significado particular de uma frase a sua condio de verificao, o conjunto de experincias possveis que tenderiam a mostrar que essa frase era verdadeira.

A teoria enfrenta vrias objeces de mdio porte.

Mas a objeco mais forte que, como Duhem e Quine argumentaram, as frases individuais no tm condies de verificao distintas por si mesmas.

Quine atacou a perspectiva de que h frases analticas, frases verdadeiras somente


em virtude dos seus significados.

Da posio de Duhem Quine inferiu a tese radical de que as frases individuais no tm


significados; o significado frsico coisa que no existe.

Questes
1. Responda em nome do verificacionista a uma das objeces 1-6.
2. Tente enfrentar a objeco 7.
3. Tem alguma crtica complementar a fazer teoria verificacionista?
4. Discuta o ataque de Quine analiticidade, ou a sua defesa da indeterminao do significado. (So necessrias leituras externas para qualquer destas questes.)

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Leitura complementar

Ayer (1946) um clssico e/mas uma exposio e defesa muito acessveis do verificacionismo.

Alguns artigos anti-verificacionistas influentes, alm de Quine, foram Waismann (1965b)


e vrios artigos coligidos de Hilary Putnam (1975b), especialmente Dreaming and
Depth Grammar.

A doutrina de Quine da indeterminao da traduo abrangeu uma vasta bibliografia


txica. Para uma perspectiva da doutrina e da bibliografia inicial veja-se Lycan (1984:
cap. 9) (estava espera que eu recomendasse a perspectiva de outros?); veja-se tambm Bar-On (1992).

Os anos setenta e oitenta do sc. XX viram a ecloso do neoverificacionismo, em grande


medida devido aos escritos de Michael Dummett reunidos no seu livro de 1978. Para um
ataque excessivamente simplificado a Dummett, mas muito claro, veja-se Devitt (1983).

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