Vivência Musical No Contexto Escolar
Vivência Musical No Contexto Escolar
Vivência Musical No Contexto Escolar
Vivncia musical no
contexto escolar
Ailen Rose Balog de Lima
Ellen de Albuquerque Boger Stencel
V. 2 N. 2 setembro de 2010
Ellen de Albuquerque
Boger Stencel
[email protected]
audiation
LIMA, Ailen Rose B. de; STENCEL, Ellen de Albuquerque B. Vivncia musical no contexto
escolar. Msica na educao bsica. Porto Alegre, v. 2, n. 2, setembro de 2010.
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A m s ic a
deve estar presente como vertente fundamental no contexto acadmico. Esta pode
significar desde a atividade de cantar em sala de aula, via mtodos tradicionais de educao
musical, ou trabalhos desenvolvidos dentro de uma viso contempornea. Devemos levar
em considerao no s as diversas maneiras de nos relacionarmos com a msica, num
verdadeiro contexto interdisciplinar, como tambm associarmos a ela os diversos contextos
culturais, por meio de um repertrio que tenha significado e que parta dos alunos, valorizando a vivncia das crianas, trazendo benefcios a outras reas do currculo.
Existem mtodos e tcnicas de ensino musical que tm alcanado propsitos relevantes para o aprendizado, porm ainda h uma lacuna no tocante criao de uma
metodologia prpria para o iniciante da docncia musical, direcionada ao pblico infantil, bem como valorizao dessa prtica. Em nossa vivncia de acompanhar estgios e
novos professores na rea temos percebido que eles encontram dificuldades para harmonizar as metodologias existentes e gerar um caminho para o ensino de msica que
evidencie prticas eficazes e prazerosas.
Atravs da msica podem ser desenvolvidas formas de utilizao de gestos ou sons
que substituem as palavras. Portanto, para superar um carter funcionalista e utilitarista,
torna-se imprescindvel que o professor tenha domnio dos elementos inerentes msica e disponha de tcnicas, metodologias, recursos, materiais e espao fsico adequado.
As atividades ldicas so de grande importncia para o aprendizado dos contedos e o
desenvolvimento da aprendizagem musical.
Neste artigo nos propomos a apresentar uma prtica musical que tem sido desenvolvida nos ltimos 20 anos e que tem dado resultados satisfatrios, e que pode ser
utilizada no ensino infantil e bsico.
Para fundamentar nosso trabalho, buscamos referncia histrica em alguns educadores que desenvolveram mtodos ativos no processo de ensinar crianas, e cujas ideias
foram utilizadas para o ensino de msica infantil. Entre eles gostaramos de citar Pestalozzi (1745-1827) e Froebel (1782-1852), que buscaram uma educao mais voltada
prtica e que fosse apropriada para crianas de acordo com o seu entendimento. Beyer
(1999, p. 27), ao descrever historicamente a educao musical, afirma: As crianas no
teriam que aprender a teoria, mas cantavam um amplo repertrio de canes de roda e
de jogos musicados.
No sculo passado, educadores musicais como Dalcroze (1865-1950), Kodaly (18821967), Willems (1890-1978) e Orff (1895-1982) buscaram uma experincia musical onde
as crianas pudessem sentir e experimentar a msica de forma ldica e espontnea, por
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Ouvir os sons da sala de aula, do ptio, da rua, de casa, das lojas e dos diferentes
espaos desses lugares pode ser um exerccio importante para tornar o aluno atento a
tudo o que acontece sua volta e desenvolver o senso crtico para aquilo que lhe diz respeito ou no. As atividades de tocar, cantar e danar no incio e no fim do dia de trabalho
na escola, em situaes de relaxamento, em preparao para momentos especficos da
rotina de aula ou ainda em jogos interativos no ptio, podem auxiliar o professor a conhecer melhor seus alunos e desvendar o ambiente sonoro no qual eles esto imersos,
facilitando a comunicao e a cumplicidade entre professor e alunos.
O professor tambm pode desenvolver uma pesquisa de sons e diferentes tipos de
msica, compartilhando as culturas dos alunos e sons que esto sua volta, motivando
uma movimentao enquanto ouvem determinado tipo de msica. Nesse caso o professor poder aproveitar para fazer o seu aluno se expressar musicalmente por meio dos
movimentos corporais.
Para Schafer (1991, p. 288), os ouvidos de uma pessoa verdadeiramente sensvel esto sempre abertos. Em cada momento
devem-se realizar exerccios de treinamento auditivo com os sons
do ambiente. interessante coletar sons dos mais variados espaos e situaes do cotidiano. O ambiente sonoro de uma sociedade uma fonte importante de informao (Schafer, 1991, p. 289).
Ouvir, escutar, sentir e perceber so os fatores mais importantes
para se ter o contato inicial com a msica.
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Pode-se ainda utilizar livros sobre msica, levando o aluno a se interessar pelo assunto, como aqueles sobre a vida dos compositores, sobre os instrumentos musicais, cultura
musical dos diferentes pases. Isso pode gerar uma interdisciplinaridade da msica com
outras disciplinas, tais como a geografia, histria, a linguagem e o teatro. Da mesma
forma que os livros, pode-se usar vdeos, CDs e DVDs, possibilitando, assim, um conhecimento musical complementar para o aluno.
A obra O carnaval dos animais de Saint-Sens um excelente exemplo do que pode
ser trabalhado com as crianas, pois as peas so pequenas e cada uma representa um
animal diferente. Isso pode facilitar a compreenso das diferenas musicais e facilitar a
execuo de movimentos, na criao de partituras com grficos que auxiliam na escuta
ativa.
Outras maneiras para o professor encorajar seus alunos a vivenciar a msica cantar
junto, ouvir e gravar as canes executadas por eles. possvel se movimentar ou andar
com a criana enquanto se ouve msica, e tocar um instrumento para acompanhar as
atividades delas enquanto se movimentam, brincam, escrevem ou desenham. Canes,
histrias, jogos e movimentaes auxiliam para o amadurecimento social, emocional,
fsico e cognitivo da criana, pois a msica tambm um meio de faz-la participar
das atividades de grupo e de incluir crianas com diferentes graus de desenvolvimento,
aproveitando no grupo o potencial de cada uma.
importante valorizar a natureza do afeto, o carter individual e os interesses espontneos da criana. As canes devem ser simples e sempre que possvel implicarem
movimentos corporais. Sugerimos como ideia algumas msicas que usamos em nossas
aulas. importante que o professor tenha muitas canes em seu repertrio.
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Boneco de pau
A primeira uma cano que trabalha o tnus muscular, em que a criana imita os
movimentos da letra, fazendo o corpo rgido no primeiro verso, como um boneco de
pau, e todo flcido, mole, no segundo verso. Para iniciar, todos inclinam a cabea, levam
a mo direita s costas e giram como se estivessem dando corda.
Movimentar o p
A seguir apresentamos uma cano que trabalha o movimento de pernas e ps,
direito e esquerdo, giro, bem como a questo afetiva, abrao e abano. Pode ser feito em
roda e o professor deve estar atento para que todos comecem com o p direito, enfatizando a lateralidade.
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o pisto
A prxima cano relembra as locomotivas de antigamente, que possuam pisto.
Sempre interessante explicar para os alunos o movimento do pisto, e como ser feito
com o brao, alternando direito e esquerdo, para frente e para trs. No incio ela cantada bem devagar, gradualmente vai ficando mais rpida, e no final todos saem correndo.
interessante fazer uma fila indiana, e mudar o condutor, para fazer diferentes trajetos.
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O grilo
Na msica do grilo, interessante imitar um grilo, ou ter um de pelcia. Ns temos
um de pilha que se mexe e faz barulho que as crianas apreciam muito. Depois, na hora
do canto, quando canta o cri, cri, as crianas podem usar martelinhos sonoros, clavas ou
palmas. uma forma de introduzir a prtica instrumental especfica.
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Joaninha
Para encerrar a aula, sempre recomendvel fazer um relaxamento, e a msica da joaninha muito apropriada para isso. Com os menores, recomenda-se que o professor tenha
uma luva imitando uma joaninha e faa massagem nas costas, cabea e ps das crianas.
No senso rtmico busca-se a base no movimento e na palavra. As rimas so empregadas desde as primeiras aulas, usando gestos, movimentos corporais, instrumentos musicais e diferenciao de altura. De acordo com Orff (Penna, 1996, p. 87), o ritmo verbal
deve ser o comeo para o estmulo musical infantil. O movimento a condio principal
da vida da criana, e ele est presente todo o tempo na msica elementar.
Para o desenvolvimento da leitura rtmica associam-se o texto das rimas com as figuras grandes e pequenas, conforme proposto por Kodaly (vila, 2002), no entanto no se
usam as palavras rtmicas ta e ti-ti, mas buscou-se uma adaptao das palavras rtmicas
usadas por Botelho (1982, p. 83) vou, vou-e, por facilitarem a dico para a lngua portuguesa e o movimento da ao. Usam-se os movimentos fundamentais de locomoo
baseados em Stokoe (1967 apud Mrsico, 2003, p. 59) que so explorados com canes
dirigidas e movimentos livres de locomoo.
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O uso de rimas muito utilizado, pois a fala ritmada um recurso na educao musical que possibilita a vivncia rtmica e o desenvolvimento da noo mtrica. Sugerimos
uma sequncia de ritmos que auxiliam no processo. importante lembrar que outras
rimas podem ser usadas e que os alunos devem criar outras combinaes rtmicas, bem
como sugerir outras palavras.
Os alunos podem falar as rimas e bater palmas no ritmo da palavra, sendo uma palma para
cada slaba, ou bater na pulsao, conforme os
objetivos da atividade. Podem ser usadas clavas,
coquinhos, martelinhos sonoros ou outros
instrumentos. importante que as rimas sejam
feitas de formas bem variadas, usando o movimento de gestos e deslocamento dos ps. Ao serem faladas, deve-se dar diferentes entonaes,
usando sons fortes, fracos, crescendo, diminuindo, falando de forma grave, mdia e aguda.
Figura 3: Rimas na pulsao: eco das rimas com martelinhos sonoros.
Adolec
Escolhemos algumas rimas de nosso repertrio que possuem uma sequncia rtmica apropriada. Ao iniciarmos o processo, enfatizamos a primeira frase de cada rima.
Em adolec, o aluno dever bater uma palma para cada slaba, como se fossem quatro
semnimas. Na parte do lepeti, letom, seriam duas colcheias e uma semnima cada.
No incio do processo ele apenas repete a rima. importante que a fala seja precisa. Os
alunos podem bater na palma da mo do colega, podem andar ou tocar instrumentos,
sem se preocuparem com as questes tericas envolvidas. Depois eles comeam a ler
os cartes, nos quais as figuras grandes representam a semnima e as figuras pequenas,
duas colcheias.
Em seguida o professor mostra que podem ser usadas palavras rtmicas. Que para
a figura grande ser falado vou, que seria a semnima, e, para as figuras pequenas ser
falado vou-e, que seriam as duas colcheias.
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Adolec
lepeti, letom.
Ru ru vai pro cu
Na prxima rima, o ritmo da primeira frase seria semnima, semnima, duas colcheias
e semnima. importante nessa fase inicial manter os quatro pulsos.
A galinha do vizinho
Na rima A galinha do vizinho so usadas oito colcheias, divididas em quatro grupos
de vou-e. Como gestos sugerimos que as crianas estejam sentadas e na primeira frase
imitem a galinha mexendo os cotovelos como se fossem asas. Na segunda frase, elas
batem as pontas dos dedos no cho em movimento circular, comeando com as duas
mos frente e seguindo a mo esquerda para a esquerda e a mo direita para a direita.
Na terceira e quarta frase batem palmas em bota e mostram os nmeros conforme o
texto.
A galinha do vizinho,
Bota ovo amarelinho,
Bota um, bota dois,
Bota trs, bota dez.
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Tico-tico no fub
O prximo ritmo composto de trs grupos de duas colcheias e uma semnima.
Como gestos sugerimos que as crianas faam pina com os dedos em cima da cabea
para os dois primeiros versos e depois para a esquerda e no ltimo verso para a direita.
Tico-tico no fub,
Tico-tico vai voar,
Tico-tico vem pra c,
Tico-tico vai pra l.
Caracol
Para o Caracol o ritmo usado de duas colcheias e semnima. Pode-se fazer uma
roda, girando para a esquerda e para a direita alternadamente, bem como formar um
caracol, com uma roda serpenteada.
Caracol, caracol,
Roda, roda, caracol.
Uni duni t
Em Uni duni t, o ritmo de duas colcheias e trs semnimas.
Uni duni t,
Salame mingu,
Um sorvete color,
Pra voc comer.
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Leitura rtmica
Aps esse processo de leitura rtmica por meio das rimas as crianas podem ler as
mais variadas sequncias rtmicas com as figuras sem nenhuma dificuldade. Na Figura
4, o espao em branco significa pausa. Nesse momento a criana pode abrir as mos
mantendo o pulso.
Figura 3.
Figura 4.
Figura 5
Figura 6.
Figura 7.
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Figura 8.
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Referncias
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2002.
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WILLEMS, E. La preparacin musical de los ms pequeos. 4. ed.
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