Jurisdição Constitucional Resumo PDF
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Slvio Martins
RESUMO
A jurisdio constitucional um instrumento, e dos mais eficazes, na defesa da correta
aplicao dos comandos constitucionais, alm de estender sua proteo aos direitos
fundamentais. Sua importncia para a reelaborao do direito contemporneo se reveste de
atributo especial, quando se tem como certo que a histria da constituio seria outra, sem a
jurisdio constitucional. A concepo de uma lei fundamental, apontando para uma
hierarquia normativa e para o vrtice da funo legiferante ordinria, se consolida na
supremacia das normas constitucionais, que o poder constituinte de uma sociedade erigiu para
si e, por isso, as elevou categoria de normas supremas.
Palavras-chave: jurisdio, constituio, supremacia, direito, controle, hierarquia, poder
judicirio.
ABSTRACT
The constitutional jurisdiction is an instrument,and the more effective one, in the defense of
the correct application of constitutional commands, besides extend its protection
tofundamental rights. Its importence for the reworking of contemporary law is of special
attribute,whwn it takes for granted that the history of constitution would be another without
constitutional jurisdiction. The conception of a fundamental law, pointing to a normative
hierarchy and to the vertex of ordinary legislating function, consolidates itself in the
supremacy of constitutional norms, the constituend power of a society erected for himself and
therefore elevated them to the category of supreme standards.
Keywords: jurisdiction, constitution, supremacy, Law, control, hierarchy, judiciary power.
INTRODUO
A jurisdio constitucional busca identificar o nascimento, caractersticas, funes,
evoluo e efetividade desse instrumento constitucional e sua atuao em defesa da plena e
correta aplicao dos comandos constitucionais e na proteo dos direitos fundamentais.
O objetivo trazer compreenso a ideia da jurisdio constitucional, apontando seu
significado dentro do constitucionalismo e sua importncia para a reelaborao do direito
contemporneo. Tal projeo se reveste de atributo especial, quando se tem como certo que a
histria da Constituio seria bastante diferente, sem a jurisdio constitucional. Isto nos
remete para as razes do constitucionalismo, plantadas solidamente no sculo XVIII, com as
primeiras constituies, a americana e a francesa.
1) Jurisdio constitucional
A jurisdio constitucional objetiva efetivar a ordem jurdica e impor, atravs do
Poder Judicirio, o cumprimento das normas que, por exigncia do direito vigente, devem
regular as mais diversas situaes jurdicas (MARQUES, 1966, p. 216).
Na qualidade de expresso da soberania do Estado, a jurisdio a capacidade de
decidir imperativamente e de impor decises, sendo o canal que d efetividade ao Direito.
Atravs da manifestao do seu carter soberano, o Estado conhece os conflitos de interesse,
ou no, e declara em seu nome e no em nome das partes, o direito aplicvel ao caso, podendo
executar o decisum, se provocado (CHIOVENDA, 1964, p. 9 e 11).
A importncia da jurisdio constitucional est no fato de firmar o Poder Judicirio no
cenrio dos poderes de Estado, afastando a percepo vulgar de ser este Poder um mero
rgo de soluo de conflitos de interesses. Ou seja, o Poder Judicirio no se resume a um
rgo de Estado, cuja funo se esgote na prolao de sentenas. Nessa perspectiva,
necessrio reconhecer ao mesmo sua legtima participao no processo poltico e institucional
do Pas.
No exerccio da funo jurisdicional, o Estado se materializa juridicamente, sob os
mesmos fundamentos que o legitima a exercer, no quadro de uma ordem jurdica instituda, as
funes legislativa e executiva (GONALVES, 1992, p. 50).
A jurisdio constitucional, portanto, prende-se funo de declarar o direito
aplicvel aos fatos, bem como causa final e especfica da atividade do judicirio
(BARACHO, 1984, p. 75). Nessa funo, a jurisdio constitucional a prpria reinveno da
Constituio, medida que decifra e reprime os excessos do sistema poltico no cdigo
jurdico, atravs de sanes (SAMPAIO, 2002, p. 888-889).
A jurisdio constitucional consiste na atuao da lei mediante a substituio da
atividade de rgos pblicos atividade de outros, seja no afirmar a existncia de uma
vontade das leis, seja em torn-la posteriormente efetiva (CHIOVENDA, 1964, p. 3).
A jurisdio deixou o clssico conceito de apenas dizer o Direito para o caso concreto,
pois o controle de constitucionalidade praticado pelos Tribunais Constitucionais desenvolveuse em abstrato, sem qualquer referncia a um caso concreto, tratando-se, contudo, de uma
atividade jurisdicional.
Uma atividade dos poderes que no controle das leis, explica-se pelo sistema
hierrquico de valores entre normas e pela constituio escrita ou flexvel, cujos elementos
diferenciam a lei constitucional das leis ordinrias. A isto se soma a indispensvel separao
dos poderes do Estado, de maneira que cada um tenha circunscrita a rbita intransponvel de
sua competncia e um rgo incumbido de assegurar a vigncia do sistema hierrquico de
valor das leis, prescrito nos dispositivos constitucionais ou decorrentes da prpria natureza de
determinado regime jurdico-poltico (JNIOR, 1989, p.125).
A jurisdio uma manifestao tpica da atividade judiciria, derivada do ato
jurisdicional e confirmadora da fora do direito na soluo de conflitos. Por seus rgos, a
funo judiciria constitui uma atividade criadora do direito. A deciso poltica convertida em
lei , na viso interna do sistema jurdico, assimilada ou expelida pela deciso judicial,
embora as motivaes da sentena estejam, explcitas ou no, sob a influncia poltica que as
engendrou.
A jurisdio uma proteo substitutiva, j que o rgo jurisdicional atua substituindo
as partes envolvidas no processo. Ela serve tutela de direitos e interesses contra leses ou
violaes de direito, tendo como ponto de partida para o exame da jurisdio o prprio
Estado, cuja existncia explica sua origem (MANDRIOLI, 1975, p. 10). Essa vinculao com
o Estado, em certa medida presente na doutrina medieval e fortemente tributria dos ideais
igualitrios da Revoluo francesa, decorre em substituio das jurisdies senhoriais.
Modernamente, porm, a jurisdio desenvolveu-se na direo do controle de
constitucionalidade dos atos normativos do Estado, diante da necessidade de que as leis
fossem fiscalizadas judicialmente.
J Hamilton considerava que a independncia completa dos tribunais de justia
particularmente essencial em uma Constituio limitada. Por Constituio limitada entendo a
que contm certas proibies expressas aplicveis autoridade legislativa, como, por
exemplo, a de no ditar decretos que imponham penas e incapacidades sem prvio
julgamento, leis ipso facto e outras semelhantes. As limitaes dessa ndole s podem ser
mantidas na prtica atravs dos tribunais de justia cujo dever tem de ser o declarar nulos
todos os atos contrrios ao sentido evidentes da Constituio. Sem isso, todas as reservas que
sejam feitas com respeito a determinados direitos ou privilgios sero letra morta
(HAMILTON, 1989, p.313).
Trata-se, pois, a funo jurisdicional, de determinar o direito aplicvel ao caso e, de
modo mais amplo, manter e atualizar as normas jurdicas, abarcando o controle abstrato de
constitucionalidade das leis, quando desenvolvido pelo Judicirio (GARCIA-PELAYO, 1991,
p. 103).
constitucional ou legislativa.
Em relao ao processo constitucional, no h como dissoci-lo da jurisdio
constitucional, na medida em que processo significa o conjunto de atos, fatos ou operaes
que se agrupam de acordo com certa ordem, para atingir um fim, cujo objetivo principal a
deciso de um conflito de interesses jurdicos. Nesse sentido, dizer que a jurisdio
constitucional atua por meio do processo constitucional, atravs do qual se aplica todas as
normas de encaminhamento de matria fundamental estrutura poltica do Estado,
vinculando-a s limitaes provenientes da defesa jurdica da liberdade.
A jurisdio constitucional, tambm, no pode ser identificada com o controle
jurisdicional de constitucionalidade das leis, posto que o controle representa seno um, dos
vrios possveis aspectos da assim chamada justia constitucional, e no obstante, um dos
aspectos mais importantes.
A jurisdio ou justia constitucional reveste-se de mltiplas formas de manifestao
ou de provocao, compreendendo, por sua vez, o controle judicirio de constitucionalidade
das leis e dos atos normativos, bem como a jurisdio constitucional das liberdades e dos
direitos fundamentais.
No Brasil a justia constitucional se materializa com o uso dos remdios
constitucionais do habeas corpus, habeas data, mandado de segurana, mandado de injuno,
ao popular e ao civil pblica.
A jurisdio constitucional deve ser compreendida pelo que ela , ou seja, a parte da
administrao da justia que tem como objeto especfico matria jurdico-constitucional. A
jurisdio constitucional tomada, assim, no sentido de atividade jurisdicional, que tem como
objetivo verificar a concordncia das normas de hierarquia inferior leis e atos
administrativos com a Constituio, desde que violem as formas impostas por ela ou esto
em contradio com os seus preceitos, pelo que os rgos competentes devem declarar sua
inconstitucionalidade e consequente inaplicabilidade.
Entretanto,
reduzir
jurisdio
constitucional
apenas
ao
controle
de
primado da lei sobre a vontade e o governo dos homens, por isso as leis so necessrias, pois
o controle pblico plenamente efetuado pelas leis, e o bom controle depende de boas leis
(ARISTTELES, 1987, p. 82 e 91-92). No Tratado da Poltica, Aristteles no s exige uma
lei justa, fruto da razo humana, mas um elenco de leis fundamentais de organizao do
Estado e, por isso mesmo, superiores s leis ordinrias (ARISTTELES, 1977, p. 79).
O psfisma resultava da elaborao legislativa pela Assembleia Popular. Seu carter
de produo normativa abstrata e geral guardava, porm, estreita e obrigatria conformidade
com os nmo, condicionando sua aplicao pelos juzes observncia da legislao superior.
Na antiga Grcia tinha-se como princpio fundamental que a legislao inferior,
qualquer que fosse o seu contedo, devia ser legal no apenas na forma e na substncia, mas
respeitar a hierarquia e a fora que as leis constitucionais haviam adquirido no seu sistema
jurdico (CAPELLETTI, 1992, p. 48-50).
No sistema jurdico de Atenas, respondia penalmente atravs de uma ao pblica de
ilegalidade, aquele que na Assembleia propunha uma lei em discordncia ou em confronto
com a legislao superior e fundamental, sendo permitido a qualquer cidado o ajuizamento e
a propositura de tal ao perante o tribunal popular da Heliaia. Ou seja, havia uma legislao
infraconstitucional submetida ao crivo e supremacia dos nmo vigentes que, se no
traziam, ainda, a noo clara de constitucionalismo, no afastava a ideia de hierarquia
jurdica, de escalonamento e de supremacia de algumas leis sobre outras ( DAVID, 1998, p.
1).
Quando Aristteles escreveu seu tratado Poltica, no o fez sem antes estudar cento
e cinquenta e trs constituies que regiam as cidades gregas e os povos brbaros, observando
que havia distino no ordenamento jurdico entre as leis que regulamentavam as relaes de
poder e as demais normas destinadas a regular o cotidiano da vida social.
Nas constituies compiladas por Aristteles, das centenas de Politeai, os rgos
governamentais poltica e juridicamente delineados traziam normas para a estruturao do
poder, definindo o regime poltico da cidade. Da mesma maneira procedeu Drcon, para
estabelecer a severidade das leis de Atenas e posteriormente Slon, para ameniz-las, assim
como os decnviros, quando conceberam as Leis das XII Tbuas.
Sculos antes, com Pricles, a defesa da hierarquia e da supremacia de algumas leis
encontrou no graph paranomn o instrumento ideal para denunciar comandos contrrios ou
em conflitos com a Politea e com os nmos. Criado como ferramenta para combater os
arrebatamentos perniciosos e os excessos da demagogia poltica, o graph paranomn visava
fundamentalmente preservar o regime democrtico e as instituies polticas e jurdicas de
Atenas. Por isso usado por qualquer cidado nacional, com efeito retroativo, para se opor
onipotncia da Ecclsia e cont-la nos seus exatos limites.
No sculo de Pricles, quando o Estado era administrado no interesse do povo e no de
uma ideia egosta do poder pelo poder, havia um julgamento sensato de que as leis tudo
podem, menos derrogar ou contraporem-se supremacia da Lei Fundamental (POLETTI,
1998, p. 10).
Na orao fnebre de Pricles, feita no outono de 431, em homenagem aos soldados
mortos no primeiro ano da Guerra do Peloponeso e reproduzida pelo historiador Tucdides,
Pricles se debrua em defesa da democracia ateniense, cujas regras essenciais so a
igualdade e a liberdade (AMARAL, 2003, p. 61).
Estes valores, diz Pricles, no s impedem seus compatrcios de violar as leis
fundamentais da Repblica, mas, sobretudo, asseguram proteo aos oprimidos e garantem ao
cidado a defesa de seus direitos, quando ameaados ou violados pela soberba da Ecclsia.
O instituto do graph paranomn significou um grande passo na evoluo jurdica de
Atenas, retirando do Arepago, tribunal judicial de carter religioso, uma atribuio
eminentemente laica e portanto fora da sua competncia explcita. Como aponta Aristteles, o
Conselho de Arepago era o guardio das leis e o fiscal dos oficiais para que exercessem seus
cargos em conformidade com elas. Aos vitimados de qualquer natureza era permitido
representao ou denncia junto ao Conselho, devendo indicar contra qual lei se cometera
injustia (ARISTTELES, 1977, P.21).
Em Roma, no perodo da Repblica, o Senado exerceu importante funo no controle
de constitucionalidade das leis. Sua competncia legislativa originria abarcava o poder de
confirmar ou derrogar as decises tomadas nas assembleias populares, cujas deliberaes s
tinham validade e produziam efeitos se recebessem sua aprovao. Caso tal deliberao lhes
fosse negada, a lei votada nas assembleias no tinha eficcia e era expelida do arcabouo
jurdico. Porm, o Senado s confirmava as leis depois de verificar se elas contrariavam ou
no os costumes e na hiptese disso ocorrer, decidia-se da convenincia da revogao dos
costumes ou das leis (POLETTI, 1998, p. 16).
No final da Repblica, quando os estertores da poltica anunciavam seu ocaso e pouco
faltava para que o regime fosse substitudo pela ditadura e pelo Imprio, Ccero escreveu suas
principais obras, os tratados De Repblica e De Legibus (PONTES, col. 391-396).
No primeiro, Ccero lapidou magistralmente sua concepo de direito natural,
afirmando que existe uma lei verdadeira, presente em todos os homens, constante e sempre
eterna, que a reta razo. Tal lei conduz os homens imperiosamente a fazer o que devem, ao
mesmo tempo, que, probe e os afasta de praticar o mal. A essa lei suprema nenhuma
alterao era permitida e no era lcito revog-la no todo ou em parte. Nem o Senado nem o
povo podiam dispensar qualquer cidado de obedecer-lhe.
No tratado De Legibus Ccero advoga que alm do Senado e do povo exista um
magistrado que exera o poder, que faa executar a lei e o respeito aos direitos de cada qual.
Entretanto, mais do que promover a execuo da lei, deve o magistrado cumpri-la, pois ele a
lei que fala e a lei o magistrado mudo. Ou seja, o magistrado situa-se abaixo das leis,
embora esteja acima dos governados (CICERO, 1984, p. 16).
No status civitatis dos romanos o jus naturale a fora legitimadora da noo
inconteste ao dever; da ideia de liberdade e igualdade entre os homens; da concepo de um
Estado e de uma cidadania universal governados por uma lei de origem divina.
Homem de transio, jurista notvel de grande cultura terica, advogado, sobretudo de
causas polticas, o magnfico Ccero emancipou no seu tempo os valores e os princpios que o
Cristianismo tomaria como seus e os popularizaria. Na pessoa de Ccero, Roma seria o elo de
ligao entre a filosofia grega e o Cristianismo.
A ideia de um direito natural anterior e hierarquicamente superior s suas normas
jurdicas, erigidas como parmetros de validade, de justia, de moralidade e de supremacia da
lei positiva, Ccero a tomou da genialidade filosfica dos helenos, conferindo-lhe, porm, uma
expresso concreta to plena, que a concepo do direito natural ao longo dos sculos
seguintes foi uma leitura constante e formal do seu tratado Da Poltica (AMARAL, 2003, p.
135-149).
Com as ditaduras militares e as guerras civis desmoronaram-se as pujantes e velhas
instituies republicanas, abrindo caminho para o principado. Depois da batalha de Actium, o
governo unipessoal pareceu a melhor soluo para a manuteno da paz, embora os direitos
pblicos e individuais fragmentassem, possibilitando o desenvolvimento do jus privatum. O
instituto do graph paranomn foi relegado ao ostracismo e at mesmo a religio foi
suprimida pela onipotncia dos csares que passaram a personificar a divindade. O imprio
rompeu com as instituies jurdicas tradicionais e o imperador concentrou na sua autoridade
exclusiva a totalidade dos poderes, tornando-se a fonte nica do direito, mas situado muito
acima do mesmo, como sentenciou o prprio Ulpiano ao declarar no De legibus: principis
legibus solutus est (MALUF, 1984, p.122).
O imprio romano foi o ltimo dos grandes imprios da Antiguidade, a que as
invases brbaras levaram derrocada, assinalando o fim de uma poca e o incio da Idade
Mdia. Embora os invasores espoliassem e massacrassem as populaes vencidas, inegvel
que implantaram o primado da lei e da razo, dando nova configurao ao Estado medieval.
O esplio jurdico e poltico do Imprio romano, foi pouco a pouco se esvaindo e uma
nova realidade poltica se imps tenaz e paulatinamente, em meio a um sistema jurdico no
unificado, mas fragmentado em vrios poderes independentes, sem que um rgo supremo os
coordenasse, o que produzia uma confuso intolervel (LE GOFF, 1995, p. 76). S o
Cristianismo possua uma ordem jurdica interna poderosa e coerente, consolidada na sua
majestosa organizao hierrquica.
Diferentemente do direito comum, a ordem jurdica da Igreja estava protegida pela
documentao redigida, pelo uso da escrita e pelas escolas instaladas nos mosteiros, que se
tornaram grandes centros no s de espiritualidade, mas locais de produo e de preservao
da cultura, das decises dos conclios e dos snodos, dos cnones e das decretais do papa, a
que se juntaram as inumerveis leis imperiais e as capitulares (WIACKER, 1997, p. 67).
A transio da Antiguidade para a Idade Mdia foi marcada por um forte teocentrismo.
Com Santo Agostinho e So Toms, at Occam, Deus era a fonte matricial das concepes
jurdicas e polticas, projetando para a teoria do poder a exigncia do bem comum como
norma de ao e deciso do Estado (GILSON e BOEHNER, 2000, p. 162).
Com So Toms o fundamento da doutrina jurdica consolida-se na presena de trs
categorias de leis, hierarquizadas de acordo com sua importncia numa perfecta communitas:
a) a lex aeterna, que a razo divina, a qual o homem s conhece parcialmente;
b) a lex naturalis, passvel de conhecimento pela razo e pela participao do homem na lei
eterna;
c) a lex humana, significando o direito criado pelo homem, com fundamento na lei natural.
Portanto, devia a lei positiva submeter-se aos princpios da lei natural, que s existia
em funo da prpria racionalidade divina (RUSSEL, 1977, p. 155). Para So Toms existia
uma nica soberania, que era Deus e duas supremacias, a do Imperador e a do Papa. Ao
soberano no competia criar nenhuma lei, mas apenas descobri-las na ordem natural do
mundo e na vontade divina (GALN Y GUTIERREZ, 1945, p. 11).
O pensamento de So Toms estava destinado a marcar definitivamente os prximos
sculos, cujo debate jurdico centrou-se na hierarquia entre a lei natural e a lei humana.
Renovadores da escolstica, os jesutas espanhis Soto, Molina, Baez, Alfonso de
Castro, Mariana, Roberto Belarmino e os dominicanos Francisco de Vitria e Melchior del
Cano, alm do grande pensador Suarez, buscaram na doutrina de So Toms a fundamentao
terica para a funo papal, apresentada como de natureza superior dos soberanos.
Argumentavam aqueles tericos religiosos, que somente o papa recebia o poder
diretamente de Deus, enquanto o soberano no recebia o poder nem de Deus e nem do papa,
o que seria sempre uma derivao, embora indireta de Deus (HINOJOSA, 1890, p. 6).
Entretanto, as ideias dos escolsticos e dos seus renovadores espanhis foram em
muitos aspectos incorporadas pelo pensamento jurdico fora das fronteiras eclesisticas por
Grotius, Pufendorf, Wolf e Kant. Impregnados do jusnaturalismo, estes notveis filsofos
viram na ideia de direitos inatos do homem a linha mestra que determinava tanto o
comportamento social de cada homem perante outro homem, quanto em face do poder
pblico.
Mesmo quando o racionalismo se imps, fazendo erguer a poeira dos sculos
carcomidos pela patrstica e pela escolstica, a ideia imponente e vigorosa de um direito
natural acima do direito positivo seria a base de sustentao jurdica dos Estados nacionais em
formao, embora faltassem instrumentos e rgos capazes de colocar em prtica e de fazer
valer a propalada supremacia do direito natural.
Espinosa percebeu o vazio institucional e instrumental e no vendo limites para o
poder e o desejo humanos, props a existncia de um conselho eleito e vitalcio de sndicos,
dentre os homens acima de sessenta anos e que tivessem exercido a funo de senador, que
disporiam de fora armada e de remunerao generosa, para velar pelo cumprimento e pelo
respeito s leis fundamentais.
Espinosa considerava que nenhuma instituio podia ser mais til ao bem estar de
todos do que um segundo conselho composto por um determinado nmero de cidados,
subordinados assembleia suprema, cuja funo consistia unicamente em cuidar para que as
leis fundamentais do Estado permanecessem inviolveis (ESPINOSA, 1987, p. 113).
Entretanto, a funo de declarar o direito aplicvel realidade dos fatos, bem como
causa final especfica do Poder Judicirio, inicia sua construo slida na Inglaterra, onde a
subordinao da lei ao common law fruto de vrias decises judiciais e jurisprudenciais. Os
atos do Parlamento, bem como aqueles praticados pelo soberano, no podem fugir ou afrontar
o imemorial direito consuetudinrio e os velhos costumes incrustados nas tradies seculares,
sob pena de serem considerados nulos e, por isso mesmo, alijados do ordenamento jurdico.
Quando Espinosa props a instituio do Conselho dos Sndicos para unicamente
guardar e defender as leis fundamentais do Estado e com isso buscou criar um instrumento de
proteo constitucional, Harrington props Inglaterra em 1656 a criao do Colgio dos
Sbios, os Conservators of the charter e Conservators of the liberty , para assegurar a
Para alm das condutas humanas que tem interesse e interferem na vida de outros
homens e por isso protegidas pelo Estado, nela tambm se encontram as normas que o poder
constituinte de uma sociedade poltica erigiu como fundamentais para si e por isso mesmo as
elevem categoria de normas supremas.
Como parmetro de validade das demais normas jurdicas, a constituio possui
elementos que se expressam atravs da forma, do procedimento de criao e da posio
hierrquica das suas normas. So estes elementos que permitem distingui-la de outros atos
com valor legislativo e constantes da norma jurdica.
Nas palavras de Canotilho, a superioridade hierrquico-normativa apresenta trs
expresses:
a) as normas constitucionais constituem uma lex superior que recolhe o fundamento de
validade em si prpria (autoprimazia normativa);
b) as normas da constituio so normas de normas (norma e normarum) afirmando-se como
fonte de produo jurdica de outras normas (leis, regulamentos, estatutos);
c) a superioridade normativa das normas constitucionais implica o princpio da conformidade
de todos os atos dos poderes pblicos com a constituio.
Alm disso, nas constituies rgidas a superioridade do ordenamento constitucional
condio sine gua mon em relao restante produo do Poder Legislativo, no exerccio de
sua funo legiferante ordinria. Daqui se deduz o princpio e o fundamento de que nenhum
ato normativo, que necessria e logicamente dela decorre, pode contest-la, modific-la ou
suprimi-la (CANOTILHO, 1994, p.70).
Pela sua caracterstica de lei maior, de norma magna, a lei constitucional no pode ser
revogada ou alterada da mesma forma como o so as leis ordinrias, devendo submeter-se,
para tanto, a um processo especial cujos requisitos so comumente mais complexos e mais
severos. Isto se deve sua posio de primeiro plano no escalo do direito positivo. Kelsen
diz que a constituio aqui entendida num sentido material, quer dizer, com esta palavra
significa-se a norma positiva ou as normas positivas atravs das quais regulada a produo
das normas jurdicas gerais (KELSEN, 1985, p. 240-241).
A concepo de uma constituio escrita, formal e rgida, com razes no
jusnaturalismo e absorvendo da filosofia jurdica as concepes do jus positum e do jus
naturale, para construir uma unidade homognea positiva, que seja a um s tempo um texto de
lei e um conjunto de disposies de contedo e valores orientados por determinados
princpios, produto da dogmtica s se realiza na emisso de uma norma por parte de foras
Locke considerou salutar a existncia de limites extrados do direito natural sua ao.
Entretanto, parece contraditrio em Locke a omisso do Poder Judicirio como instrumento
para impor limites ao do Estado. Isto se tornou mais paradoxal perante uma secular
tradio jurdica assentada na common law, onde o direito era secular e tradicionalmente
criado e desenvolvido pelos tribunais (GOYARD-FABRE, 1999, p. 100-101).
A supremacia da norma constitucional adquiriu tamanho significado e importncia nos
estados democrticos de direito, no s por limitar a ao poltica e jurdica dos detentores do
poder, mas por representar um esforo fenomenal de estabelecer uma justificao espiritual,
moral e tica da autoridade.
No mundo dos valores que se pretendem perenes, a supremacia da constituio se
agasalha nas normas fundamentais de uma determinada comunidade poltica, que escolheu
para si estes e no aqueles valores, como dinmica da sua vida poltica e jurdica e como ideal
da sua individualidade e da sociedade do seu tempo (CAPELLETTI, 1984, p. 599).
Antes, porm, a constituio um caminho, uma forma que disciplina as decises do
Estado, apontando como deve ser o processo de criao das normas jurdicas, sem, no entanto,
imiscuir-se no seu contedo. Este sentido de neutralidade em relao s polticas perseguidas
protege a vontade popular e no assoberba os rgos parlamentares e de governo, a quem
compete as decises polticas do Estado, sem abrir mo da sua condio de ordem suprema,
de comando maior. Talvez por isso a Constituio norte-americana traga de maneira expressa
o princpio da supremacia no seu artigo VI, pargrafo 2: A Constituio e as leis que se
fizerem com base nela (...) sero a lei suprema do pas; e os juzes dos diversos Estados
estaro vinculados a ela, no obstante qualquer disposio contrria inserta na Constituio e
nas leis do Estado.
Nos termos da Primeira Emenda Constituio, o Poder Legislativo foi limitado, ao
estabelecer que o Congresso no poder fazer nenhuma lei que tenha por objeto estabelecer
uma religio ou proibir seu livre exerccio, limitar a liberdade de palavra ou de imprensa, ou o
direito de reunir-se pacificamente, ou de apresentar peties ao governo.
Enfim, a ideia de supremacia de Constituio decorre do princpio da unidade, que faz
com que as normas inferiores adequem-se s normas superiores, assim nomeadas pela vontade
do Poder Constituinte originrio.
Pelo princpio da constitucionalidade as normas infraconstitucionais devem se
compatibilizar com as normas superiores; enquanto o princpio da razoabilidade impe o
dever de as normas inferiores se constiturem em instrumentos ou meios adequados aos fins
estabelecidos na Constituio.
natureza jurdica, se prope a aplicar o direito e neste labor que o reinventa e o recria.
O modelo europeu de controle de constitucionalidade, mediante ao direta de
inconstitucionalidade de leis e atos normativos, inspirado em Kelsen, faz da questo da
constitucionalidade o telos principal da ao, sendo a causa patendi a sua prpria razo de ser.
H, portanto, uma ao prpria para litigar sobre a constitucionalidade, dentro do sistema
concentrado, porque a competncia para controlar se atribuir a um s tribunal tribunal
constitucional, corte constitucional ou supremo tribunal federal.
No modelo de Kelsen, o tribunal no s declara a inconstitucionalidade, mas
desconstitui o ato por ela inquinado, seja retroativamente (ex tunc), seja prospectivamente (ex
nunc), com eficcia erga omnes, e que pode ser modulado no tempo: ex tunc, ex nunc ou pro
futuro. Kelsen esculpe um modelo cujo perfil o de uma autntica jurisdio, por mais que
sua atividade a atividade do tribunal venha a ser legislativa (TREMPS, 1985, p.7-8).
A natureza jurdica dos tribunais de jurisdio constitucional se materializa no
processo que levado sua apreciao, como um processo objetivo, de garantia da
regularidade e harmonia do ordenamento jurdico enquanto tal, o que verdade em relao ao
controle de constitucionalidade abstrato e, em parte, naquele de conflitos federativos ou de
atribuio (SAMPAIO, 2002, p. 59).
Nesse sistema, porm, mesmo que implicitamente, existe um interesse privado ou
individual reflexo, cuja expectativa de ser atendido acaba se concretizando. No importa se se
trata de situaes individuais particulares, como, por exemplo, a restrio ao acesso ao Poder
Judicirio, ou de um interesse difuso, como a liberdade de expresso em face de certos rgos
ou entidades do poder pblico. Seja, ainda, se simples interesse em ver solucionada uma crise
institucional, cujos reflexos poderiam atingir o interessado no futuro. Seja mais, como lembra
Tremps, de um interesse de partes pblicas envolvidas em conflito federativo.
Todavia, a natureza jurdica dos tribunais constitucionais se expressa de forma ainda
mais cadente na chamada jurisdio constitucional da liberdade, quando a questo em jogo a
garantia direta dos direitos fundamentais, dentro de um processo objetivo (SCHLAICH, 1984,
p. 181).
Porm, to ou mais importantes que as ponderaes objetivas de parte significativa da
doutrina, que consagra a natureza jurdica dos tribunais de jurisdio constitucional, adotar
uma postura receptiva em relao poltica e ao direito. Deve-se fugir das interpretaes
preconceituosas que cavam uma fossa intransponvel e incomunicvel entre ambos.
A convivncia e a ligao entre direito e poltica condio essencial para a
conformao do Estado de Direito, e at impossvel de separ-los em determinadas situaes.
Constitucional,
quem
caberia
desenvolver
uma
teoria
jurisdicional
direitos bsicos morais, polticos e de igualdade entre os cidados. O segundo requer do juiz
uma deciso rastreada na coerncia, no sentido de justia e na igual proteo da lei, que s um
juiz hercleo poder proporcionar. E a interpretao que Hrcules der Constituio, quando
ele intervm no processo de governo para declarar alguma norma ou ato de governo
inconstitucional, ele o faz em um julgamento consciente sobre o que a democracia, realmente
significa (DWORKIN, 1991, p. 166-167 e 219-221).
Mas tanto Dworkin quanto Bickel prestam um tributo demasiado ao pensamento
elitista que desde Plato, Locke e Burke, sempre menosprezou a capacidade do povo para
determinar seus prprios caminhos, para escolher seu destino. Plato pregou um governo de
sbios, como o nico capaz de gerir a coletividade. Locke acreditava que as verdades
primeiras escapavam da percepo da maioria e para Burke, as classes populares viviam
dissociadas da razo por inteiro. Hamilton e Madison diziam que o povo era incapaz de
identificar os reais interesses da Nao.
Bickel assim como Dworkin revelam suas faces preconceituosas. A funo mstica
conferida aos juzes por Bickel e o juiz super-homem de Dworkin, fogem funo da
natureza essencialmente jurdica da jurisdio constitucional, pois uma concepo
antidemocrtica, que conduz ao aodamento do esforo de discricionariedade judicial,
permitindo no o controle jurisdicional salutar, mas a prevalncia de valores elitistas de uma
classe social. John Hart Ely denuncia o carter antidemocrtico que existe por trs dessas
teorias, apontando que nossa sociedade no tomou a deciso constitucional de um sufrgio
quase universal para (...) serem as decises populares submetidas a valores dos juristas de
primeira classe (ELY, 1980, p. 56-59).
Mais contundente Frank Michelman aponta que a teoria de Dworkin desconhece a
ideia de pluralismo e de dilogo: Hrcules, o mtico juiz de Dworkin, um solitrio.
demasiado heroico. Suas narraes construtivas so monlogos. Ele no conversa com
ningum, a no ser com seus livros. No tem nenhum enfrentamento. No se encontra com
ningum. Nada o comove. Nenhum interlocutor viola o inevitvel isolamento de sua
experincia e de sua viso. Hrcules um homem, apesar de tudo. No a totalidade da sua
comunidade. Nenhum homem ou mulher pode s-lo (MICHELMAN, 1986, p. 76).
A jurisdio constitucional caracteriza-se pela unidade e indivisibilidade, por ser uma
das manifestaes da soberania do Estado. Contudo, so diversos os critrios de classificao
da justia constitucional, assim como uma diviso orgnica da jurisdio, em jurisdio
comum, especial e constitucional. Portanto, existem, tecnicamente, mltiplas manifestaes
de uma s jurisdio, para atender plenitude e especializao decorrentes dos
linha de pensamento.
Para caracterizar um rgo como poltico, vrios aspectos so tomados em
considerao, indo da escolha dos seus membros; o modo de atuao; o carter necessrio do
controle em relao a determinadas leis; a falta do contraditrio e de partes em sentido
tcnico; at o seu carter preventivo, inserido no processo de formao das leis
(CAPELLETTI, 1992, p. 29).
No sistema jurisdicional, a competncia para fiscalizar a constitucionalidade das leis
atribuda a qualquer juiz ou reservada a um nico rgo que, fazendo uso de instrumentos
jurdicos, de forma imparcial, decide com fora de coisa julgada.
Entretanto, uma realidade se impe, quando so apontadas as tentativas de distinguir
ou de afastar o atual modelo poltico francs do modelo jurisdicional. Em maior ou menor
grau, os elementos caracterizadores daquele modelo poltico se fazem presentes nos modelos
jurisdicionais. As formas de composio dos quadros de juzes, o modo de provocao dos
tribunais e sua atuao, invocam esta grande semelhana.
A pretenso doutrinria de que um controle preventivo dominante poderia servir de
base distino, tornando o Conselho uma terceira cmara poltica e, excepcionalmente, uma
jurisdio, no se sustenta. O fato que o controle a priori se faz presente em outros sistemas,
ainda que de forma mais branda, mas de qualquer forma existente, no deixando dvidas
sobre sua efetividade. Deve-se considerar relevante que mesmo no controle a posteriori de
constitucionalidade, a Corte se coloca na posio de outra cmara de reviso, seja julgando os
embates entre Governo e Parlamento, seja entre Governo central e Governo local, ou mesmo
entre as disputas parlamentares dos grupos da maioria e das minorias.
Para que a distino entre o modelo poltico francs e o modelo constitucional faa
sentido, necessrio que um modelo de controle exercido por um rgo poltico em sentido
prprio, entre em cena. Esta forma de controle pode ser invocada no papel do Senado nas
Constituies do ano VIII e de 1852, da Frana, j que, para o efeito, no basta tomar como
parmetro o papel do Conselho de Estado, que deve ser ouvido antes de o Governo submeter
qualquer projeto de lei ao Parlamento, ou mesmo o controle difuso previsto na Constituio
do ano III, com a atribuio a todos os cidados qualificados de protegerem a Constituio.
Nesse sentido, o modelo socialista deve ser lembrado, com sua tcnica de deferir, em
alguns casos, competncia ao Praesidium da Assembleia Legislativa a funo de controle de
constitucionalidade dos projetos de Lei. So exemplos as Constituies da Romnia (1965);
da Hungria (1972); de Cuba (1976); da China (1978) e da ento Unio Sovitica, de 1977
(AZEVEDO, 2001, p. 13).
Com esse mesmo efeito, podem ser mencionados certos instrumentos de controle
recprocos dos poderes funcionais do Estado, com efeito classificatrio, como o veto do
Presidente da Repblica a projetos de lei aprovados pelo Parlamento e considerados
inconstitucionais.
Um segundo critrio para distinguir o modelo poltico do jurisdicional, est na
existncia de um modelo norte-americano ou de Suprema Corte e um modelo austraco ou
europeu de Tribunal Constitucional, ambos destinados essencialmente s operaes
jurisdicionais.
No modelo norte-americano de Suprema Corte, de controle difuso, a jurisdio
constitucional se diferencia de outra qualquer pela supremacia da Constituio, que deve ser
garantida por qualquer juiz, em todas as instncias do Poder Judicirio. A Suprema Corte se
pe no apenas como um terceiro grau de jurisdio federal, mas tambm como juzo de apelo
das decises proferidas nos tribunais inferiores. Isto se d por meio de certiorari, na hiptese
de estar em questo a validade constitucional de uma lei seja originariamente, nos casos
constitucionalmente previstos. Por conseguinte, o controle de constitucionalidade
descentralizado, incidental e a posteriori, atuando sobre um caso concreto levado ao tribunal.
Difundido exausto, o modelo de Suprema Corte espalhou-se pelo mundo, com
exemplos eloquentes na Argentina, Austrlia, Guiana e Japo.
No modelo de Tribunal Constitucional austraco, europeu ou concentrado, o
controle de constitucionalidade passa a ser principal, abstrato, cuja provocao compete
apenas a certas autoridades do Estado ou de representao da sociedade, com destaque da
funo de garantia do respeito pelos valores constitucionais. A consequncia dessa postura
uma maior exigncia da especializao jurisdicional, com a dotao de instrumentos e
tcnicas processuais especficos e com a criao de um rgo nico que centraliza todo o
controle.
Esse rgo se situa fora da hierarquia jurisdicional ou possui um destaque especial
nessa estrutura, detendo seja a especializao seja o monoplio do contencioso constitucional.
Adotam o modelo de Tribunal Constitucional, entre outros, a frica do Sul, Alemanha,
ustria, Bulgria, Chile, Espanha, Hungria, Itlia, Luxemburgo, Polnia, Sria e Turquia.
Essa classificao, entretanto, se mostra insuficiente, pois se restringe exclusivamente
ao controle de constitucionalidade das leis, sem tocar nas demais competncias dos tribunais
jurisdicionais. O fato que existe um grupo de pases que apresentam caractersticas dos dois
modelos. Como exemplo de Suprema Corte com controle abstrato, tem-se o Brasil, Canad,
Mxico, Nambia e Nicargua. De Tribunal Constitucional com controle concreto, a
ao juiz conhecer do ato normativo pronto, promulgado, sem que o Poder Judicirio entre no
debate legislativo. So exemplos os Estados Unidos, Alemanha, Argentina e ustria.
Em razo dos fins perseguidos, outra deciso bipartida se impe, entre um sistema
centrado nas leis e outro centrado na defesa dos direitos fundamentais (LLORENTE, 1998, p.
159).
No modelo centrado na lei, objetiva-se buscar harmonia e coerncia ordem jurdica, por
meio de instrumentos e mecanismos de aperfeioamento das leis e atos normativos que
atentem contra a Constituio. Em regra, instaura-se por meio de ao direta de
inconstitucionalidade, processos objetivos em que no aparecem as partes com interesses
particulares e concretos, mas detentores de poder constitucional para salvaguarda de
competncias e organizaes definidas na Constituio. Apenas indiretamente pode-se ter a
proteo dos direitos fundamentais ou constitucionais.
No modelo centrado na defesa de direitos, busca-se a imediata garantia dos direitos
constitucionalmente consagrados, podendo produzir, por via de consequncia e apenas
incidentalmente, a consistncia normativa do ordenamento. Sua expresso maior o controle
difuso ou norte-americano, a que se deve acrescentar outros instrumentos processuais
concentrados de defesa dos direitos fundamentais, como o amparo e o recurso de direito
pblico, dentre outros.
Outra classificao fundada no tipo de processo e sobre a natureza e o objeto das
decises dos rgos encarregados de prestao da jurisdio constitucional, divide-se em
jurisdio concreta e jurisdio abstrata.
No modelo de jurisdio concreta, o processo se destina a resolver situaes subjetivas
concretas de pessoas particulares.
No modelo de jurisdio abstrata, o objeto se contm num conflito de normas ou de
rgos do Estado, visando principalmente regular uma questo relativa ao bom
funcionamento do mesmo, posta por uma pessoa com a misso de falar em nome de um
interesse geral.
Todavia, esta classificao no se constitui numa situao petrificada, pois aqui,
tambm, surgem figuras hbridas, abstrata e subjetiva, quando, por exemplo se interpe um
recurso individual dirigido contra uma lei para proteo de direitos fundamentais especficos.
Como exemplo de modelo objetivo e concreto est o envio, por um juiz, a um tribunal, da
questo de inconstitucionalidade de uma lei aplicvel para dirimir um caso concreto.
Se, porm, forem combinados os critrios orgnicos e processuais, mais uma
classificao se impe. Na jurisdio concreta, entretanto, existem duas hipteses distintas.
ou
CONCLUSO
Uma norma jurdica para ter validade, precisa buscar seu fundamento numa norma
superior e, assim por diante, de tal forma que todas as normas, cuja validade pode ser
reconduzida a uma mesma norma fundamental, formem um sistema de normas, uma ordem
normativa.
Nesse sistema normativo, a Constituio a norma suprema, fundamental, pois nela
que se busca a validade das normas existentes. No corpo do texto constitucional devem estar
contidas as normas relativas s condutas que o poder constituinte de uma sociedade poltica
erigiu categoria de fundamentais para si e as reputou importantes e supremas.
Em qualquer ordenamento jurdico, as normas constitucionais ocupam uma posio de
primazia, porque no encontram outras que lhes sejam superiores, salvo se elas mesmas assim
o determinar, como o caso dos Estados que adotam o princpio da superioridade do direito
internacional sobre o nacional. A Constituio sempre o parmetro de validade das demais
normas, na medida em que para terem validade, estas normas devem conformar-se aos
ditames das normas constitucionais.
Pode-se afirmar em relao supremacia constitucional que, no mundo dos valores, a
Constituio suprema por conter as normas fundamentais de uma determinada sociedade
poltica. No plano jurdico, a Constituio suprema porque suas normas so rgidas e
requerem u procedimento especial e qualificado para serem modificadas.
Tendo em vista a hierarquia das normas, a condio de supremacia constitucional
impe-se como referencial para todo ordenamento jurdico, sendo que, ao menos em tese, a
garantia dos princpios nela contidos estaria preservada. Portanto, no ordenamento jurdico
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