Arqueoastronomia No Brasil Germano Afonso
Arqueoastronomia No Brasil Germano Afonso
Arqueoastronomia No Brasil Germano Afonso
Introduo
Desde a pr-histria o homem observou que havia variaes do clima e que
os animais, as flores e os frutos mantinham relao com as estaes do ano.
Assim, ele comeou a registrar os fenmenos celestes, principalmente os movimentos aparentes do Sol, da Lua e das constelaes.
A arqueoastronomia a disciplina que estuda os conhecimentos astronmicos legados pelas culturas pr-histricas (grafas), atravs de vestgios duradouros como a arte rupestre e os monumentos de rochas e por povos antigos,
capazes de elaborar textos escritos, tais como os mesopotmios, os egpcios,
os gregos e os maias. As descobertas da arqueoastronomia tambm podem ser
teis para o astrnomo documentar antigos eventos celestes, tais como a apario de um cometa muito brilhante, a exploso de uma supernova, a conjuno
de planetas ou, at mesmo, a possibilidade do estudo da desacelerao secular
da rotao da Terra atravs de registros de eclipses.
A mais conhecida evidncia de que o homem antigo utilizava o cu Stonehenge, prximo a Salisbury, Inglaterra. Em 1740, William Stukeley foi o primeiro a estudar Stonehenge do ponto de vista astronmico. Ele percebeu que o
eixo principal do monumento estava orientado na direo do nascer do sol no
solstcio de vero (Stukeley, 2013).
A arqueoastronomia desenvolveu-se com as pesquisas do astrnomo Sir
Joseph Norman Lockyer, fundador da conceituada revista britnica Nature.
Em 1891, ele estudou as orientaes astronmicas de certos templos da Grcia
clssica e das pirmides e templos do antigo Egito. Mais tarde, forneceu explicaes astronmicas mais detalhadas sobre os meglitos de Stonehenge e os
menires da Bretanha, no noroeste da Frana (Lockyer, 1893).
H cinco dcadas a arqueoastronomia recebeu novos reforos com as pesquisas do astrnomo Gerald Stanley Hawkins. Em 1963 ele escreveu o livro
Stonehenge Decodificado, mostrando que essa construo megaltica, iniciada h mais de 4 mil anos, poderia ser utilizada como observatrio solar e lunar
para a previso de eclipses (Hawkins, 1963).
A partir de 1970 a arqueoastronomia comeou a ser ministrada como disciplina em algumas universidades, sobretudo nos Estados Unidos e na Europa.
Atualmente as pesquisas em arqueoastronomia se intensificam em todo o
mundo. Em 1998, por exemplo, foi descoberta na regio de Nabta, no sul do
Egito, por John McKim Malville e sua equipe, uma construo cerimonial com
cerca de 5 mil anos, mais antiga que os meglitos da Europa e as pirmides do
Egito. Ela possui rochas alinhadas para os pontos cardeais e para as direes do
nascer e do pr do sol nos solstcios (Malville et al., 1998).
A astronomia dos indgenas atuais fornece algumas referncias para o conhecimento astronmico das sociedades antigas que habitaram o Brasil.
Frequentemente tendemos a julgar a cosmologia de outras civilizaes
atravs de nossos prprios conhecimentos. No entanto, a viso indgena do
universo deve ser considerada no contexto dos seus valores culturais e conhecimentos ambientais. evidente que nem todas as culturas atribuem significado igual a um mesmo fenmeno astronmico, considerando-se que cada
comunidade possui sua prpria estratgia de sobrevivncia, que se reflete na
adequao entre as atividades de subsistncia e o ciclo das estaes, por exemplo. Alm disso, todas as comunidades indgenas no dependem de suas moradias, da caa, da pesca ou dos trabalhos agrcolas da mesma maneira. As
constelaes sazonais, por exemplo, podem ter significado e utilidade diferente para cada uma delas. Devemos diferenciar, tambm, a maneira de ver o
universo dos indgenas que vivem no litoral, daqueles que vivem no interior,
bem como considerar a localizao geogrfica e as condies geomorfolgicas
do terreno de onde so feitas as observaes.
Em arqueoastronomia deve-se ter sempre em mente que a percepo do
cu atual no o mesmo daquele do passado distante, que sua viso distinta
para cada cultura e que tambm pode ser distinta em diferentes perodos de
uma mesma cultura.
importante salientar que muitos arquelogos brasileiros demonstram
certa resistncia em aceitar que os monumentos meglitos ou a arte rupestre possam ter alguma relao com a astronomia e, talvez por isso, as
pesquisas de arqueoastronomia no Brasil sejam to escassas. No entanto, as
pesquisas realizadas no exterior, nessa rea, so publicadas nas mais conceituadas revistas do mundo.
Monumentos megalticos
Monumento megaltico ou meglito o termo usado para designar uma construo com grandes blocos de rocha, edificada principalmente com objetivos
religiosos, funerrios e astronmicos. Diversas pesquisas, em inmeras localidades do mundo, comprovaram a efetiva orientao astronmica de estruturas
megalticas. Essa tendncia de orientar determinado monumento, alm da bvia
funo de calendrio, entrelaa-se com a organizao social ao relacionar-se com
perodos cerimoniais (Baity, 1973 e Aveni, 1986).
Os monumentos megalticos so registrados, com frequncia, em todas as
partes do mundo, construdos por diferentes culturas e perodos, abrangendo
desde o neoltico at o sculo 19. Vrios pesquisadores constataram a existncia dessas construes em rocha, feitas pelos seus antigos habitantes.
O termo megalitismo surgiu em 1867 na Europa e, com o sucessivo desenvolvimento das pesquisas arqueolgicas, tornou-se um termo empregado
no mundo inteiro.
Distinguem-se quatro tipos especficos de monumentos megalticos: menir, alinhamento, cromlech e dlmen.
O menir um bloco de rocha bruta, pouco trabalhado artificialmente, de
forma e altura variveis, colocado verticalmente no solo. Quando se encontra
isolado chamado, tambm, de monlito.
O alinhamento consiste de uma srie de menires dispostos em fila, cujo
mais famoso exemplo o de Carnac, na Frana. Alinhamentos de rochas encontram-se espalhados pelo mundo e tm sido registrados principalmente na
Europa, sia e frica. Alguns desses alinhamentos possuem a idade estimada
em 5 mil anos, enquanto outros parecem ser menos antigos.
Os agrupamentos circulares de menires so denominados cromlech.
Os dolmens podem ser considerados como monumentos megalticos tumulares coletivos, possivelmente construdos entre os sculos 5 e 3 AEC na
Europa, e at o sculo 1 no Extremo Oriente.
A arqueoastronomia, em geral, estuda os monumentos orientados para os
pontos cardeais ou para as direes do nascer e ocaso do sol, da Lua ou de
estrelas brilhantes, passveis de medies astronmicas. Esses monumentos,
possivelmente, teriam utilidade prtica na determinao do calendrio e na
orientao geogrfica.
Esse preconceito ideolgico deve-se, em parte, ao impacto ainda presente nessa poca em nosso pas, dos antigos mitos oitocentistas envolvendo
civilizaes perdidas (Langer, 1997). Uma das raras excees foi o arquelogo Anthero Pereira Jr. que, em artigo para a Revista do Arquivo Municipal
de So Paulo, alertava para a verificao in loco dos vestgios em questo
(Pereira Jr., 1944).
O prximo acadmico a visitar Monte Alto foi novamente um engenheiro,
Herman Kruse, em 1940. Realizou trabalhos topogrficos e forneceu algumas
referncias geodsicas sobre o local, sempre insistindo que o alinhamento no
havia sido edificado para finalidades de cercamento ou curral. Infelizmente seu
trabalho permaneceu indito, sendo parcialmente descrito apenas em 1996 por
seu colega de topografia, Waldemar Moura (Moura, 1996).
Em julho de 1996, com uma equipe formada por pesquisadores do Museu
Nacional (UFRJ) e da Universidade Federal do Paran (UFPR), os autores deste texto estiveram realizando pesquisas de arqueoastronomia em alguns stios
arqueolgicos no interior da Bahia, com a professora Maria Beltro, coordenadora do Projeto Central (Beltro e Lima, 1986).
Em Monte Alto (14 20 56 S; 43 03 54 O; altitude 1.020 m), a uma distncia de 500 km de Salvador, foram estudados certos alinhamentos de rochas,
limitados por um riacho (Afonso et al., 1999). O primeiro fato que chamou a
ateno foi que no havia necessidade dessas rochas se encontrarem to prximas umas das outras para constiturem alinhamento, pois era possvel visualizar diversas delas em uma mesma linha reta. Em segundo lugar, no poderiam
servir mesmo como um curral, devido s suas alturas e afastamentos, tendo
em vista que a altura das rochas de 0,70 m e a separao entre elas de 2,55 m,
sendo esses dois valores considerados em mdia.
Foi efetuado levantamento topogrfico planialtimtrico dos alinhamentos
e determinadas as coordenadas geodsicas do stio. Esse levantamento foi dificultado pelas condies do terreno, encoberto pela vegetao que foi preservada. Foram contados 260 blocos rochosos que formavam diversas linhas
retas, com diferentes azimutes, totalizando 930 m de comprimento. Alguns
desses blocos se encontravam cados, enquanto outros foram removidos do
local provavelmente por caadores de tesouro. Com base nos dados obtidos
nos levantamentos efetivados, se os alinhamentos fossem preenchidos com os
blocos rochosos, que possivelmente foram removidos, se obteria um total de
365 blocos, aproximadamente. Esse nmero sugeriu que os blocos poderiam
corresponder ao nmero de dias em 1 ano.
Os alinhamentos de Monte Alto no se orientam para nenhum ponto astronomicamente relevante (nascer ou pr do sol ou de estrelas brilhantes) e
O nascer helaco dessas trs estrelas alinhadas precede o nascer helaco das
Pliades, aproximadamente, nos seguintes intervalos de tempo entre parnteses: d de Andrmeda (45 dias), a do Tringulo (30 dias) e 41 de ries (15 dias).
Assim, registrando a data e a direo do nascimento dessas trs estrelas, pode-se prever a data e a direo do nascimento helaco das Pliades que nascem
no mesmo lugar onde nasce o Grande Quadrado de Pgaso.
A partir do dia do desaparecimento das Pliades ao escurecer, o Grande
Quadrado de Pgaso j bem visvel antes de amanhecer. E tudo recomea...
Diversas etnias de outras regies do mundo, principalmente das Amricas,
marcavam o incio do ano com o surgimento das Pliades, assim como muitos
grupos indgenas brasileiros. Sua principal utilidade consiste em desenvolver
sistemas de visualizao para o controle da estao agrcola. Estruturas monumentais orientadas para esse aglomerado estelar tambm so encontradas em
diversas outras regies do Planeta.
Com base em cermicas encontradas nas proximidades dos alinhamentos de Monte Alto, pode-se estimar a sua idade como sendo de aproximadamente 2 mil anos.
O stio arqueolgico onde se situam os alinhamentos de Monte Alto se encontra abandonado e bastante depredado. objetivo dos autores recuper-lo,
O Stio de Caloene, AP
O norte de Amap rico em stios arqueolgicos com meglitos. No municpio de Caloene, localizado a 390 km ao norte de Macap, h diversos stios
arqueolgicos, sendo o mais conhecido deles o stio do Rego Grande. Ele conta
com aproximadamente 147 meglitos talhados e colocados no topo de uma
colina, formando circunferncia de 30 m de dimetro. O bloco maior tem mais
de 3 m de altura e mais de 3 t (Figura 2).
Em 1895 o naturalista e zologo suo Emlio Goeldi (1859-1917) organizou pelo Museu Paraense expedio cientfica na regio. Nessa expedio,
localizou e registrou o stio de Caloene. Entre as peas coletadas pela equipe
havia vrias vasilhas cermicas inteiras. A delicadeza das pinturas e dos motivos modelados e a originalidade das formas fizeram com que Goeldi afirmasse
que aqueles eram alguns dos melhores produtos cermicos conhecidos dos
indgenas da regio amaznica uma cermica chamada pelos arquelogos
de Arist (Goeldi, 1905).
Depois Caloene foi visitada pelo etnlogo e antroplogo alemo Curt Nimuendaj, que teria contado 150 blocos verticais, erigidos intencionalmente.
Nimuendaj acreditava que esses alinhamentos teriam ligaes com prticas
religiosas, sendo o stio considerado um local sagrado. Suas viagens pela regio
amaznica entre 1922 e 1927 foram publicadas em Stuttgart, sob o ttulo Streifzge in Amazonien em 1929 (Nimuendaj, 1929).
Na dcada de 1950 o casal norte-americano Betty Meggers e Clifford Evans
tambm esteve pesquisando nessa regio. Esses arquelogos concluram que o
stio seria utilizado para fins cerimoniais (Meggers and Evans, 1957), concordando com Nimuendaj quanto finalidade dos meglitos. Achando que o
ambiente da Amaznia fosse pobre demais para suportar aldeias densas e permanentes, atriburam o stio s chamadas sociedades complexas da Amaznia
e concluram que ele fora obra dos ndios Aru, da famlia lingustica aruaque,
que desceram do Caribe e ocuparam a foz do Amazonas.
Desde 2006, o stio de Caloene est sendo estudado pelos arquelogos Mariana Petry Cabral e Joo Darcy de Moura Saldanha, do Instituto de Pesquisas Cientficas e Tecnolgicas do Estado do Amap (IEPA). No incio de seus
trabalhos esses pesquisadores verificaram que a sombra de um fino meglito
desaparece quando o Sol se encontra no ponto mais alto de sua trajetria diurna (passagem meridiana), no solstcio do inverno do hemisfrio norte. Isso
significa que o meglito aponta exatamente para o Sol nesse instante, no dia 21
ou 22 de dezembro, pois o stio arqueolgico fica no hemisfrio norte.
Com essa descoberta os pesquisadores anunciaram duas hipteses sobre
o stio arqueolgico: era observatrio astronmico e fora construdo por uma
sociedade complexa e organizada, concordando com a concluso de Meggers
e Evans (Lopes, 2006).
Em maio de 2006 o primeiro autor deste artigo foi consultado sobre essas hipteses pela imprensa, que forneceu diversas fotos do stio arqueolgico.
Com base em outros stios brasileiros com meglitos que o autor j tinha estudado, e que tinham conotao astronmica, ele concordou com a hiptese de
que o stio de Caloene poderia servir, tambm, como observatrio astronmico, mas discordou de que haveria necessidade de uma sociedade mais complexa e organizada do que a da maioria dos indgenas que habitavam o Brasil,
para constru-lo (Lopes, 2006).
Continuando suas pesquisas, os arquelogos Cabral e Saldanha realizaram
trs dataes por Carbono 14, de fragmentos de carvo encontrados dentro de
Deve-se ressaltar que o bloco com o orifcio est um pouco inclinado, principalmente para o leste, talvez devido a deslocamentos do bloco ou do terreno
com o passar do tempo. Em geral, os blocos encontrados em outros stios arqueolgicos estavam colocados na posio vertical. Alm do orifcio, h casos
de estrutura de rochas sobrepostas que permitem fazer esse tipo de observao
do Sol, como o caso de Garopaba, SC, onde o Sol nasce sobre o mar no dia do
solstcio de inverno (Figura 4).
Considerando que esses monlitos talhados para os pontos cardeais, encontrados em diversas regies do Brasil, foram colocados na posio vertical, e que
muitas tribos de ndios brasileiros usavam e ainda usam o relgio de Sol, surgiu
a ideia de que eles poderiam servir tambm como relgio solar mais aperfeioado, pois poderiam fornecer os pontos cardeais, mesmo na ausncia do Sol.
Na maioria das cosmogneses indgenas, o ponto mais alto do cu (chamado
znite) representa a morada do deus maior da etnia considerada e os quatro
pontos cardeais os domnios dos quatro deuses criados por ele (Afonso, 2001).
Ao comparar, ento, o crculo de pedras de Rego Grande com outros que j
eram conhecidos, percebeu-se que faltava um monlito no centro do crculo,
que serve como referncia. Perguntou-se desse monlito ao Garrafinha, como
gosta de ser chamado Lailson Carmelo da Silva, capataz do stio que acompanhava a equipe de pesquisadores. Ele respondeu que, de fato, existia um monlito no centro do crculo, que ele encontrou cado logo que se mudou para o
stio, e o havia transportado para fora do crculo. Garrafinha mostrou o lugar
em que se encontrava esse monlito central.
Observando do centro do crculo, ficava evidente que na direo do solstcio
do inverno no havia nenhuma rocha. Novamente perguntou-se ao Garrafinha
sobre essa rocha. Ele levou os interessados ao lugar que fora apontado e mostrou
que l havia uma rocha em p, no entanto, atualmente ela estava cada.
Espantado, Garrafinha disse que nunca tinham feito tais perguntas a ele. Foilhe explicado que essas perguntas foram feitas comparando esse stio com outros
com meglitos j conhecidos, e que todas essas semelhanas mostravam que, realmente, o stio arqueolgico de Rego Grande teria, tambm, funes astronmicas.
No foi levantada nenhuma hiptese sobre o fino meglito inclinado, que
aponta para o Sol na sua passagem meridiana no solstcio de inverno, pois em
todos os stios arqueolgicos antes pesquisados, os meglitos estavam colocados na posio vertical. Alm disso, verificou-se que no stio de Rego Grande
havia outros blocos menores, que no se encontravam mais na posio vertical.
voltadas para o ponto cardeal O. O arquelogo associou esses vestgios a tradies de origem patagnica.
Ainda no mesmo estado tambm foram registrados esqueletos junto a montculos de pedras (tradio Taquara), enterrados estendidos de costas, com o
crnio voltado para o nascente ou poente (Ribeiro, 1977). Do mesmo modo,
muitos arquelogos encontraram crnios e esqueletos em sambaquis (stios em
forma de colina, formados artificialmente pelo acmulo de restos marinhos),
com o eixo orientado para pontos de interesse astronmico, como para o ponto
cardeal L (Prous, 1991).
Em outras regies no Brasil foram registrados cromlechs. Em Pompeu,
MG, universitrios encontraram formaes circulares de pedra associadas a
machados e cermica da tradio Aratu (Prous, 1991). O arquelogo Marcos
Galindo Lima (UFPE) constatou diversos alinhamentos em Pernambuco onde
um deles forma um crculo com 40-60 cm de altura, enquanto o outro desenha uma linha quebrada irregular (Prous, 1991).
Geoglifos da Amaznia
Nos ltimos anos pesquisadores tm descoberto grandes estruturas de terra,
perfeitamente geomtricas, erigidas por populaes pr-colombianas nos solos
argilosos de terra firme da Amaznia ocidental, no estado do Acre e adjacncias, que foram chamados geoglifos (Schaan et al., 2007 e 2012).
Os primeiros que identificaram e registraram esses geoglifos no Acre foram os arquelogos Ondemar Ferreira Dias Jr. e Franklin Levy, do Instituto de
Arqueologia Brasileira (IAB) em 1977, cadastrando 70 stios at 1980.
Segundo estudos atuais, sensoriamento remoto e levantamento em terra j
revelaram 281 geoglifos cujas medidas de radiocarbono dataram a sua construo e ocupao entre 2 mil e 700 anos antes do presente.
As figuras so formadas por um conjunto de valeta e mureta adjacente, esta
ltima formada pelo material do solo escavado depositado do lado de fora da
valeta. A largura da valeta , em mdia, de 10 m, enquanto a profundidade
varia de 1 a 7 m. H geoglifos de forma quadrada, retangular, circular, oval,
hexagonal, com oito lados e em forma de U, alm de caminhos retos que os
conectam, alguns se estendendo por at 600 m.
As formas geomtricas mostram interessante padro: ao sul predominam
as figuras circulares, enquanto que ao norte as figuras quadrangulares.
Algumas figuras quadrangulares possuem um dos cantos direcionado
para o N. Em outras, h caminhos que saem do ponto mediano dos lados nas
nece pelo menos uma viso diferente da viso ocidental da maioria dos pesquisadores sobre painis que, no se pode esquecer, so de origem indgena.
Na arqueoastronomia brasileira pode-se fazer algumas hipteses sobre
o sentido das figuras rupestres utilizando informaes de indgenas que
conservam muito suas tradies antigas, como os Guarani. As informaes
obtidas podem servir como auxlio para o controle das interpretaes dos
painis. No entanto, esse mtodo deve ser utilizado com cautela, principalmente em figuras isoladas, pois um mesmo smbolo pode ter diversos significados e uma mesma ideia pode ser representada por diversos smbolos.
Em um painel com diversos temas, a figura que denominamos Sol poderia
representar um cocar indgena, a Lua poderia representar uma canoa e as
estrelas olhos, por exemplo. Assim, deve-se procurar painis que possuam
somente smbolos aparentemente astronmicos, sem estarem misturados
com zoomorfos e antropomorfos.
Itaquatiara de Ing
Ing o nome de uma cidade situada a 80 km de Joo Pessoa, PB, no planalto de
Borborema, em direo a Campina Grande. A menos de 8 km de Ing, s margens do rio Ing, que no inverno seca para se tornar caudaloso no vero, existe
um monlito de rocha gnaisse, durssima, cuja superfcie est recoberta por cerca de 500 estranhas inscries em baixo relevo. Trata-se da famosa Pedra Lavrada do Ing, cuja forma irregular, com aproximadamente 23 m de comprimento
e 3 m de altura, em mdia, tendo 3,8 m de altura em sua parte mais elevada.
O acabamento de todas as inscries de Ing fornece a ideia de polimento,
que parece confirmar a hiptese referente ao processo utilizado para fazer as
gravaes: elas teriam sido executadas por meio de rochas duras ou madeiras
molhadas na gua e, em seguida, polidas com areia, como se fosse uma lixa. O
monumento de Ing devia representar algo realmente importante, tendo em
vista a dificuldade de seus artesos para fazerem os sulcos.
Sobre a face norte do bloco grantico, as inscries se concentram em um
painel de aproximadamente 18 m de comprimento por 1,8 m de altura.
Todo o campo insculpido est limitado em sua parte superior por crculos, perfeitamente escavados, que se perfilam em nmero de 114. Esses
crculos ou concavidades so chamados capsulares e possuem, em mdia,
5 cm de dimetro.
No incio das gravaes h uma espiral voltada para a direita, enquanto que
no fim h outra espiral, agora voltada para a esquerda, ambas laboriosamente
confeccionadas com notvel polimento.
Sobre o bloco grantico h outras inscries, em menor nmero. Uma delas, situada no centro do painel insculpido e a cerca de 50 cm acima da linha
de capsulares, se assemelha a uma representao de um Sol radiante, em semicrculo, do qual partem 21 raios voltados para a parte inferior do paredo.
O bloco grantico repousa sobre grande laje que, batida pelas guas do rio
nos perodos de enchentes, apresenta colorao diferente daquela do referido
bloco, um tanto esbranquiado. Nessa laje, em ligeiro declive, tambm figuram
gravaes com a mesma tcnica de trabalho, inclusive representando certos
smbolos do painel, tudo com perfeito polimento.
Nesse monlito, nos raros casos em que aparece uma representao biomorfa, parece tratar-se de sauros ou de homens.
As trs hipteses mais conhecidas sobre Ing, relacionadas com a astronomia, so:
1) Em 1974, o Boletim Informativo do Centro Brasileiro de Arqueologia, do
Rio de Janeiro, publicou estudo do engenheiro Jos Bencio de Medeiros feito
em 1962, intitulado: Tentativa de determinao da poca em que foram feitas as
gravaes de Ing de Bacamarte (Medeiros, 1974). Ele relacionou uma srie de
gravuras, situada na laje sobre a qual se encontra o bloco grantico, com estrelas
que compem a constelao ocidental de rion, o Caador. Das 14 estrelas assinaladas, 11 coincidiriam com as estrelas dessa constelao, segundo o autor.
Supondo que o ponto vernal se encontrava na constelao de rion na
poca em que as gravuras foram feitas, Medeiros determinou que esse monumento teria sido construdo em 4.134 AEC. No entanto, nessa poca o ponto
vernal se encontrava na constelao do Touro.
2) Em novembro de 1986 o IAB publicou trabalho indito do arquelogo
espanhol Francisco Pavia Alemany intitulado El Calendrio Solar da Pedra de
Ing- Una Hipotesis de Trabajo (Alemany, 1986). Nesse trabalho ele se limitou
a estudar os 117 capsulares da face norte do bloco grantico, que esto aproximadamente alinhados horizontalmente, ocupando um tero da parte superior
da rocha. Alguns autores contam apenas 114 capsulares.
Alemany sups que o monlito de Ing poderia servir de calendrio solar
utilizando-se, perto dele, um relgio solar vertical, sendo que o registro das
sombras dirias, ao nascer do sol, estaria materializado pelos 117 capsulares.
Essa sombra iria de um extremo a outro em 183 dias (metade de 1 ano), e depois voltaria fechando um ciclo completo em 1 ano (cerca de 366 dias).
Esse autor encontra srias dificuldades para explicar como 117 capsulares
poderiam representar o registro de 183 dias. Alm disso, sempre surge a per-
As 32 figuras e 29 estampas (quadros com diversas figuras) apresentadas por Koch-Grnberg permitem comparar alguns desses petrglifos
com outros, encontrados em diferentes regies brasileiras, cerca de um sculo depois.
Por exemplo, em 1998 os autores do presente texto estudaram um painel
horizontal com diversas figuras rupestres, gravadas em baixo relevo em rocha
com cerca de 10 m x 10 m, encontrado no municpio de Boa Esperana do
Iguau, PR, perto do local onde foi construda a Usina Hidreltrica de Salto
Caxias, s margens do rio Iguau. Cabe ressaltar que nessa rocha no h nenhuma representao de pessoas ou animais, fato que facilita a identificao
das gravuras com temas astronmicos.
Nesse painel h uma gravura com um crculo no centro, uma circunferncia
em volta e dez raios ao redor, parecendo uma representao solar (Figura 7).
H uma gravura semelhante Lua crescendo. Para a maioria das etnias indgenas do Brasil, o primeiro dia do ms comea depois da Lua nova, quando
aparece o primeiro filete de Lua no lado oeste, depois do pr do sol. Em TupiGuarani, ms e Lua so designados pela mesma palavra: Jacy. Em geral, nos
desenhos rupestres encontrados que parecem representar a Lua, ela est na
forma de incio de Lua crescente (Figura 8).
Figura 8.
Representao
da Lua
crescendo, no
painel de Boa
Esperana do
Iguau, PR
Outra gravura rupestre representa um Sol, oculto por outro astro do mesmo tamanho, talvez representando um eclipse solar total (Figura 9).
A estampa 3 da pgina 113 do livro Petrglifos Sul-Americanos foi obtida nas Pedras de Iauaret (Pedras da Ona), no rio Aiari em So Gabriel da
Cachoeira, AM. Iauaret, em Tupi, e Jaguaret, em Guarani, significam a ona
verdadeira, a ona sagrada, a ona do cu. Segundo o prprio Koch-Grnberg,
as figuras a, b e d da estampa 3, que formam tringulos, so interpretadas pelos
indgenas como sendo onas.
Para os babilnios e para vrias etnias indgenas do Brasil, o tringulo formado pelo aglomerado estelar das Hades, com Aldebar, representa os olhos e
o focinho de um animal no cu, sendo Aldebar o seu olho direito, e (psilon)
do Touro o olho esquerdo e g, o focinho. Para os babilnios esse animal o
touro e para os tupis-guaranis, a ona.
O tringulo formado pelas estrelas Antares, b1, d e p (pi), todas da constelao do Escorpio, tambm formam a cara de uma ona para os tupis-guaranis,
sendo que Antares representa o seu olho direito, b1 o olho esquerdo e p o focinho.
Um mito tupi-guarani de eclipse solar conta que quando queria comer peixe, o Sol levava seu filho para lavar os ps no rio. Dessa maneira, os peixes
ficavam atordoados e fceis de pegar. Certo dia, enquanto o Sol e seu filho
pescavam, o esprito do mal representado pela Ona, apareceu e pediu emprestado o menino, dizendo que ele tambm queria pegar alguns peixes. O Sol,
sem nada desconfiar, emprestou seu filho. No entanto, a Ona levou o filho do
Sol para a floresta e lhe golpeou o corpo todo, como se golpeia o cip timb, e
o jogou no rio. Assim conseguiu pegar muitos peixes. Dessa maneira a Ona
mostrou como os indgenas deveriam fazer com o timb, para ser utilizado
como veneno de pescar.
Devido aos golpes, a Ona matou o filho do Sol que ficou furioso, atacando o esprito malfico. Os dois lutaram muito, derrubando um ao outro. Quando a Ona pensou que havia vencido a batalha, o Sol levantou-se
novamente afugentando a Ona. As consequncias dessa luta so, at hoje,
os eclipses solares que, para os indgenas, representam uma Ona que tenta
devorar o Sol (Afonso, 2001).
Esses mitos sobre os eclipses demonstram o grande conhecimento emprico de astronomia dos indgenas que habitam o Brasil.
No painel de Salto Caxias h diversas gravuras iguais do Sol, no entanto
sem raios, que parecem representar estrelas e constelaes indgenas (Figura 10).
Na descrio dessa Figura em seu livro, onde tambm h uma circunferncia envolvendo sete crculos, Koch-Grnberg escreve:
Na margem esquerda do rio Negro, defronte da vila So Felipe, achavam-se antigamente algumas figuras numa pedra plana. Essa pedra foi explodida e utilizada para
calamento em So Felipe. Numa pedra pude ainda reconhecer a figura ao lado,
um crculo com muitas covinhas rasas, que chamada de Pliades pelos ndios
(Koch-Grnberg, 2010).
Isso mostra o grande significado que tinha esse aglomerado estelar para
diversas etnias que habitavam o Brasil.
Quando os irmos monstros estavam embriagados, sem foras para oferecer qualquer resistncia, o Tinguau, uma ave que conhecida popularmente como Alma
de Gato Branca (gnero Attila) voou e cantou para alertar os Guaranis.
Pai Sum e seus seguidores se prepararam para fechar a entrada da gruta, depois
que a noiva fugisse dela. Porm, quando ela tentou sair, Moai percebeu a armadilha, agarrou-a e a obrigou a ficar na gruta com ele. Nessa situao, Porsy gritou implorando para que fechassem imediatamente a entrada e ateassem fogo, seguindo o
plano preestabelecido. Os seus amigos, mesmo sofrendo com o sacrifcio da moa,
fecharam a entrada com pedras, juntaram lenhas e atearam fogo, matando todos os
que ficaram presos na gruta.
Na madrugada o esprito de Porsy, em forma de perfumada fumaa colorida, saiu
da gruta, subiu aos cus e se transformou no planeta Vnus quando aparece de madrugada. Ele chamado de Mbyj Koe (Estrela Matutina) pelos Guaranis, representando uma deusa muito linda e de grande fora fsica destinada pelos deuses a
iluminar as auroras at o fim dos tempos, anunciando o nascer do Sol e orientando
as pessoas que viajam de madrugada.
Os sete irmos monstros consumiram-se no fogo durante sete dias e sete noites,
tempo necessrio para atingirem a purificao. Depois, subiram ao cu em forma
de nuvem e, reunidos, formaram o aglomerado estelar das Pliades, chamado pelos
Guaranis de Eixu (Favo de Mel).
Olhando para Eixu, os Guaranis identificam os sete irmos que, pela ordem decrescente de brilho so: Tej-Jagu, Mboi-tui, Moai, Jasy-Jater, Kurup, A-A e
Huich, respectivamente.
Keran, a me dos sete monstros, isolou-se no alto de uma montanha e morreu de
tristeza por ter perdido seus filhos, tambm se transformando em estrela. Ta, seu
marido apaixonado, sendo imortal, implorou aos deuses que o deixassem morrer. Eles
atenderam seu pedido e o transformaram em uma estrela, acompanhando Keran.
Assim, ao lado de Eixu, um pouco afastadas, existem duas estrelas brilhantes, representando Ta e Keran que continuam, para sempre, cuidando e protegendo seus
amados filhos (Afonso, 2001).
A maior das gravuras de Salto Caxias, PR, tem mais de 2 m de comprimento e parece representar um cometa. Ele possui ncleo, cabeleira e
Em 1999 os autores deste texto encontraram em Pira do Sul, PR, gravura rupestre que parecia representar a conjuno de dois planetas muito
brilhantes, tais como Vnus e Jpiter, Vnus e Saturno ou Jpiter e Saturno
(Figura 13).
A foto dessa gravura foi mostrada aos guaranis do Paran e eles disseram
tratar-se da representao de dois planetas. Mas, se dois planetas tivessem
chegado to prximos, praticamente juntos, vistos da Terra, deveria haver
mais registros desse belo fenmeno da natureza. Na primeira parte de seu
livro, Koch-Grnberg tambm critica, veementemente, as interpretaes dos
petrglifos venezuelanos feitas pelo seu colega alemo A. Ernst, chamando-o inclusive de fantasioso pesquisador. Escreveu que, para Ernst, Cada
dois crculos concntricos que se tocam e dos quais saem riscos em forma de
raio (Figura 2) devem referir-se seguramente a um acontecimento astronmico, como o aparente encontro de dois planetas (Vnus e Jpiter, por exemplo) (Koch-Grnberg, 2010). Mostrando cpia dessa figura para indgenas
de diversas etnias do Amazonas e para os guaranis do Paran, todos eles
concordaram com a interpretao de Ernst, embora j tenham se passado
mais de cem anos, desde a publicao dessa foto pelo fantasioso pesquisador (Ernst, 1889).
Os monumentos megalticos e a arte rupestre pr-histrica so as fontes
mais importantes de informaes de que dispomos sobre os primrdios da
arte, do pensamento e da cultura humana. Neles encontramos arqutipos e paradigmas, que constituem a base de nosso ser e que, at hoje, neles se mantm
profundamente arraigados. Portanto, eles devem ser estudados sem os exageros das hipteses fantsticas de que foram feitos por seres extraterrestres, nem
das preconceituosas que as tratam como simples cio dos indgenas.
Referncias
Abbeville, Claude d (1975), Histria da Misso dos Padres Capuchinhos na Ilha do Maranho e Terras Circunvizinhas, So Paulo: EDUSP.
Afonso, G. B. (2001), Arqueoastronomia Brasileira, CD-Rom, Curitiba, PR: Secretaria
da Cultura de Curitiba.
Afonso, G. B., Beltro, M. C. e Nadal, Th. M. (1999), Arqueoastronomia Brasileira in
C. Jalles (Org.), O Homem e o Cosmos: Vises de Arqueoastronomia no Brasil, 113-135,
Rio de Janeiro: MAST/MCT.
Alemany, Francisco Pavia (1986), El Calendrio Solar da Pedra de Ing Una Hipotesis de Trabajo, Boletim Srie Ensaios, 4, Belford Roxo, RJ: IAB.
Aveni, Anthony (1986), Archaeoastronomy: past, present, and future, Sky and Telescope, 72, 456-460.
Baity, Elizabeth Chesley (1973), Archaeoastronomy and ethnoastronomy so far, Current Antropology, 14, 389-431.
Beltro, Maria e Lima, T. Andrade (1986), O Projeto Central Bahia: Os Zoomorfos
da Serra Azul e da Serra de Santo Incio, Revista do Patrimnio Histrico e Artstico
Nacional, 21, 146-157, Rio de Janeiro.
Brando, Alfredo (1937), Monumentos megalithicos. A escripta prehistorica do Brasil,
Rio de Janeiro: Civilizao Brasileira.
Brochado, Jos Proena (1969), Pesquisas arqueolgicas nos vales do Iju e Jacu, Programa Nacional de Pesquisas Arqueolgicas, Belm: Museu Paraense Emlio Goeldi.
Cabral, M. P. et Saldanha, J. D. M. (2009), Note sur des structures mgalithiques en
Guyane brsilienne, Journal de la Socit des Amricanistes, 95, 1, 97-110.
Costa, Angyone (1980), Introduo Arqueologia Brasileira, 4 edio, So Paulo: Editora Nacional.
Coudreau, Henri (1887), Voyage au Xing, Paris: La Hure.
Ernst, A. (1889), Petroglyphen aus Venezuela, Zeitschrift fr Ethnologie, 21, 650-655.