ARENDT, Hannah (1957) A Crise Na Educaçãoção
ARENDT, Hannah (1957) A Crise Na Educaçãoção
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1 The crisis in Education foi pela primeira vez publicado na Partisall Review,
25, 4 (1957), pp. 493-513. Publicado em verso alem em Fragwurdige Traditiollsbestallde im Politisclzell Dellken der Gegellwart. Frankfurt: Europaische Verlagsanstalt. 1957, o texto veio a ser de novo reimpresso em Betweell Past alld FIlture: Six Exercises ill Political TlzougTlt,New York: Viking Press, 1961, pp. 173-196, de onde o traduzimos. (N. T.)
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Unidos,sem equivalncianoutrospontosdo mundo.. Mas, se isso fosse verdade, a crise no nosso sistema escolar no se teria transformado numa questo poltica e as
autoridades responsveis pela educao no teriam sido,
como foram, incapazes de tratar o problema a tempo. Sem
dvida que, para alm da espinhosa questo de saber porque razo o Joozinho no sabe ler, a crise na ~ducao envolve muitos outros aspectos. Somos sempre tentados a
admitir que estamos perante problemas especficos, perfeitamente delimitados pela histria e pelas fronteiras nacio~_
nais, que s dizem respeito a quem por eles directamente atingido. Ora, precisamente essa crena que hoje em
dia se revela falsa. Pelo contrrio, podemos tomar como
regra geral da nossa poca que tudo o que pode acontecer
num pas pode tambm, num futuro previsvel, acontecer
em qualquer outro pas.
Para alm destas razes de ordem geral que levam o homem comum a interessar-se por problemas que se colocam
em domnios acerca dos quais, de uma perspectiva especializada, ele nada sabe (e este sem dvida o meu caso
quando falo da crise na educao, uma vez que no sou
educadora profissional), h ainda uma outra razo, porven-
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ricanizao dos filhos dos imigrantes pode realizar essa tarefa imensamente difcil de fundir os mais variados grupos
tnicos - fuso nunca completamente bem sucedida mas
que, para l de todas as expectativas, est continuamente a
ser realizada. Na medida em que, para a maioria dessas
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tm que aprender na escola, as escolas so necessariamente levadas a assumir funes que, em qualquer estado-nao, seriam naturalmente desempenhadas em casa.
Mais decisivo, no que respeita nossa anlise, no entanto o papel que a contnua irrigrao desempenha na
conscincia e estrutura poltica do pas. A Amrica no
simplesmente um pas colonial que necessita de imigrantes
para povoar o seu territrio mas cuja estrutura poltica se
manteria independente deles. Na Amrica, o factor determinante foi sempre a divisa impressa em cada nota de dlar: Novus Ordo Seculoru11l,Uma Nova Ordem do Mundo.
Os imigrantes, os recm-chegados, constituem para o pas
a galantia de que ele representa de facto a nova ordem. O
sentido desta nova ordem, desta criao de um novo mundo em oposio ao antigo, era, e continua a ser, abolir a pobreza e a opresso. Mas, simultaneamente, a magnificncia
desta nova ordem consiste no facto de, desde o princpio,
ela se no ter desligado do mundo exterior para o confrontar com um modelo perfeito - como sempre acontece na
criao de utopias - em se no ter arrogado pretenses
imperialistas, nem ter sido pregada como se de um evangelho se tratasse. Ao contrrio, a relao que esta repblica, que tinha como projecto abolir a pobreza e a opresso,
estabeleceu com o mundo exterior caracterizou-se, desde o
incio, pelo bom acolhimento dado a todos os pobres e oprimidos da Terra. Nas palavras de John Adams em 1765, antes portanto da Declarao de Independncia:Vejo sempre
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por natureza. No que diz respeito poltica h aqui, obviamente, uma grave incompreenso: em vez de um indivduo
se juntar aos seus semelhantes assumindo o esforo de os
persuadir e correndo o risco de falhar, opta por uma interveno ditatorial, baseada na superioridade do adulto, procurando produzir o novo.como umfait accoJUpli2,Q~( 9izer, como se o novo j existisse. por esta razo que, na
Europa, a crena de que necessrio comear pelas crianas se se pretendem produzir novas condies tem sido
monoplio principalmente dos movimentos revolucionrios com tendncias tirnicas, movimentos esses qu~,
quando chegam ao poder, retiram os filhos aos pais e, muito simplesmente, tratam de os endoutrinar. Ora, a educao
no pode desempenhar nenhum papel na poltica porque na
poltica se lida sempre com pessoas j educadas. Aqueles
que se propem educar adultos, o que realmente pretendem agir como seus guardies e afast-Ios da actividade
poltica. Como no possvel educar adultos, a palavra
educao tem uma ressonncia perversa em poltica h uma pretenso de educao quando, afinal, o propsito
real a coero sem uso da fora. Quem quiser seriamente criar uma nova ordem poltica atravs da educao, quer
dizer, sem usar nem a fora e o constrangimento nem a persuaso, tem que aderir terrvel concluso platnica: banir
todos os velhos do novo estado a fundar. Mesmo no caso
em que se pretendem educar as crianas para virem a ser
cidados de um amanh utpico, o que efectivamente se
passa que se lhes est a negar o seu papel futuro no corpo poltico pois que, do ponto de vista dos novos, por mais
novidades que o mundo adulto lhes possa propor, elas sero sempre mais velhas que eles prprios. Faz parte da na-
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cativas provenientes da Europa Central, e que consiste numa espantosa salganhada de coisas com sentido e sem sentido, revolucionasse todo o sistema de educao sob a bandeira do progresso. Aquilo que na Europa no passou de
uma experincia, testada aqui e alm, em algumas escolas
e iastituies-ooucativas isoladas,.estendendo depois~">gradualmente, a sua influncia a alguns sectores, produziu na
Amrica, de h cerca de vinte e cinco anos a esta parte e,
por assim dizer, de um ~ia para o outro, uma transformao completa no que diz respeito s tradies e aos mto. dos estabelecidos de ensino e de aprendizagem.
No entrarei em detalhes e deixarei de lado as escolas 'privadas, muito especialmeme o sistema de escolas paroquiais catlicas romanas. O facto mais significativo que,
em virtude de certas teorias, boas ou ms, todas as regras da ...,{
saudvel razo humana foram postas de parte. Um procedimento como este tem sempre uma significao grande e
perniciosa, em especial num pas cuja vida poltica repousa
to fortemente no senso comum3.Quando, nas questes polticas, a s razo humana falha ou desiste da tentativa de
encontrar respostas, estamos frente a uma crise. Este tipo de
razo afinal o senso comum em virtude do qual ns, e os
110S50Scinco sentidos individuais, nos adaptamos a um
mundo nico e comum a todos e a nos movemos. O desaparecimento do s~nsocomum que hoje se verifica pois o
sinal mais seguro da actual crise. Em todas as crises destruda uma parcela do mundo, algo portanto que nos comum a todos. Qual varinha mgica, o fracasso do senso comum aponta para o lugar onde se produz essa destruio.
De qualquer forma, a resposta questo de saber porque
razo o Joozinho no sabe ler ou questo mais geral de
3 Cotnmol/ SeI/se no original. (N.T.)
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saber porque que os nveis escolares da escola americana mdia permanecem tanto aqum dos nveis mdios actuais de todos os pases da Europa no consiste, infelizmente, em dizer que este pas jovem e, por isso, no alcanou ainda os padres do Velho Mundo. Pelo contrrio,
neste domnio, este pas o mais avanado e o-maismoderno do mundo. O que verdade em dois sentidos: em I:enhum outro pas se puseram com tanta acuidade os problemas de educao de uma sociedade de massas, e em nenhum outro foram aceites de forma to servil e acrtica as
mais modernas teorias ptJaggicas. Assim, a crise na educao americana anuncia, por um lado, o fracasso da educao progressista e, por outro, constitui um problema extremamente difcil porque surge no seio de uma sociedade
de massas e em resposta s suas exigncias.
Neste sentido, devemos ter presente um outro factor mais
geral que, se no constituiu a causa da crise, a agravou em
elevado grau: refiro-me ao papel que o conceito de igualdade desempenha e sempre desempenhou na vida americana.
Trata-sede uma noo na qual est envolvida muito mais do
que a igualdadeperante a lei; mais tambm do que o nivelamento das distines de classe; mais mesmo-do..que".aquilo
que a expressoigualdade de oportunidadesdesigna,embora esta tenha aqui grande significado uma vez que, na
perspectivaamericana, o direito educao um direito civil inalienveI.Este ltimoponto foi alis decisivo-paraa estruturao do sistema escolar pblico no qual, s excepcionalmente,existem escolas secundriasde tipo europeu.Porque a escolaridade obrigatria se estende at aos dezasseis
anos, todas as crianas devem frequentar a escola secUI:3ria a qual, portanto, surge como uma espcie de continuao
da escola primria. Ora, a falta de um ensino verdadeiramente secundriotem uma srie de efeitos em cadeia:a pre.
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tico do pas, o qual luta, por si prprio, por igualar ou apagar tanto quanto possvel a diferena entre novos e velhos,
entre dotados e no dotados, enfim, entre crianas e adultos, em particular, entre alunos e professores. bvio que
este nivelamento s pode ser efectivamente alcanado
custa da autoridade do professor e em detrimento dos estudantes mais dotados. No entanto, igualmente bvio para
quem alguma vez esteve em contacto com o sistema educativo americano que esta dificuldade, enraizada na atitude poltica do pas, tem tambm grandes vantagens, no
apenas do ponto de vista hu~ano, mas no plano da educao. De qualquer forma, estes factores gerais no podem
explicar a crise em que nos encontramos no presente nem
justificar as medidas que a precipitaram.
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significa que o pas, mesmo sob um regime socialista, continuar a ser governado como desde sempre tem sido, ou
seja, no como uma monarquia ou como uma democracia,
mas como uma oligarquia ou aristocracia - esta ltima
entendida como sendo melhores os mais.dotados, o que est longe de constituir uma certeza. Na Amrica, uma diviso quase fsica deste tipo, entre crianas dotadas e no dotadas, seria intolervel. A meritocracia no contradiz menos o princpio da igualdade, de uma democracia igualitria, do que qualquer outra oligarquia.,
Deste modo, o que faz com que a crise da educao seja
to especialmente aguda entre ns o temperamento pol-
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Estas medidas catastrficas podem ser esquematicamente explicadas por intermdio de trs ideias-base, porventura demasiado familiares. A primeira a de que existe um
mundo da criana e uma sociedade formada.pelas cr.ianas;
que estas so seres autnomos e que, na medida do possvel, se devem deixar governar por si prprias. O papel dos
adultos deve ento consistir em limitar-se a assistir a esse
processo. o grupo das crianas ele mesmo que detm a
autoridade que vai permitir dizer a cada criana o que ela
deve e no deve fazer. Entre outras consequncias, isto cria
uma situao na qual o adulto, no s se encontra desamparado face criana tomada individualmente, como fica
privado de todo o contacto com ela. Quanto muito, pode
dizer-lhe que faa o que lhe apetecer e, depois, impedir que
acontea o pior. As relaes reais e normais entre crianas
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cioso papel na actnal crise da educao. Essa teoria , muito simplesmente, a aplicao lgica da nossa terceira ideia-base, ideia que foi durante sculos sustentada no mundo
moderno e que encontrou a sua expresso conceptual sistemtica no pragmatismo. Essa ideia-base a de que se no
.pode saber e comprender seno aquilo--quese faz por si ..'
prprio. A aplic~o educao desta ideia to primitiva
quanto evidente: substituir, tanto quanto possvel, o.aprender pelo fazer. Considera-se pouco importante que o professor domine a sua disciplina porque se pretende compelir o professor ao exer~ki~ C~uma acti':idad~ de constante aprendizagem para que, como se diz, no transmita um
saber morto mas, ao contrrio, demonstre constantemente como se adquire esse saber. A inteno confessada
no a de ensinar um saber mas a de inculcar um saber-fazer. O resultado uma espcie de transformao das
instituies de ensino geral em institutos profissionais.
Tais instirutos tiveram grande sucesso quando se tratava de
aprender a conduzir uma viatura, coser mquina ou mais importante ainda para a arte de viver - comportar-se bem em sociedade ou ser popular, mas revelaram-se incapazes de levar .as-cr1:mt;::IS
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os conhecimentos
requeridos por um normal programa de estudos.
Esta descrio peca, no tanto pelo seu exagero evidente em favor da argumentao em causa, como pela sua insuficincia em dar conta do modo como, neste processo, se
tem tentado iludir, tanto quanto possvel, a distino entre
trabalho e jogo em benefcio deste ltimo. Considera-se o
jogo como o mais vivo modo de expresso e a maneira
mais apropriada p-ua a criana de se conduzir no mundo, a
nica forma de actividade que brota espontaneamente da
sua existncia de criana. S aquilo que se pode aprender
atravs do jogo corresponde sua vivacidade. Afirma-se
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que a actividade caracterstica da criana consiste em jogar. Aprender, no velho sentido da palavra, forando a
criana a adoptar uma atitude de passividade, obrig-Ia-ia
a abandonar a sua prpria iniciativa que se no manifesta
seno no jogo.
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o entre estes dois pontos: a substituio do aprender pelo fazer e do trabalho pelo jogo. A criana deve aprender.
falando, quer dizer, fazendo, e no pelo estud9 ~a gramtica e da sintaxe. Noutros termos, a criana deve aprender
uma lngua estraQgeiratal como aprendeu a sua lngua materna, como que jogando e na continuidade sem ruptura da
sua existncia habitual. Deixando de lado a questo de sa-
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svel desde que se mantenha a criana todo o dia num ambiente onde se no fale seno a lngua estrangeira - perfeitamente claro que este mtodo procura deliberadamente
manter a criana mais velha, tanto quanto possvel, num
nvel infantil. Aquilo que, precisamente, deveria preparar a
criana para o mundo dos adultos, o hbito adquirido pouco a pouco de trabalhar em vez de jogar, suprimido em
favoLda.autonomia.do mundo.dajnfncia.
Qualquer que seja a ligao existente entre o fazer e o
saber, ou qualquer que seja a validade da frmula pragmtica, a sua aplicao educao, isto , ao modo como a
criana aprende, tende a fazer da infncia um absoluto,
exactamente de modo similar quele que observmos a
propsito da primeira ideia-base. Tambm aqui, sob pretexto de respeitar a independncia da criana, ela excluda do mundo dos adultos para ser artificialmente mantida
no seu, tanto quanto este pode ser designado um mundo.
Ora, esta forma de manter a criana afastada artificial
porque, por um lado, quebra as relaes naturais entre
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lar e agir em to flagrante contradio com o senso comum? E, em segundo lugar, que podemos aprender com
esta crise acerca da essncia da educao, no no sentido
em que podemos sempre aprender com os nossos erros o
que no se deve fazer, mas no sentido da reflexo sobre o
papel que a educao-desempenha em todas as civilizaes, ou seja, da obrigao que a existncia de crianas coloca a todas as sociedades humanas. Comearemos com
esta segunda questo.
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Uma crise na educao suscitaria sempre graves problemas mesmo se no fosse; como no caso presente, o reflexo
de uma crise muito mais geral e da instabilidade da sociedade moderna. E isto porque a educao uma das actividades mais elementares e mais necessrias da sociedade
humana a qual no permanece nunca tal como mas antes
se renova sem cessar pelo nascimento, pela chegada de novos seres humanos. Acresce que, esses recm-chegados
no atingiram a sua maturidade, esto ainda em devir. Assim, a criana, objecto da educao, apresenta-se ao educador sob um duplo aspecto: ela nova num mundo que
lhe estranho, e ela est em devir. Ela um novo ser humano e est a caminho de devir um ser humano. Este duplo aspecto nem evidente nem se aplica s formas da vida animal. Corresponde a um duplo modo de relao - a
relao ao mundo, por um lado, e, por outro, a relao vida. A criana partilha o estado de devir com todos os seres
vivos. Se se considera a vida e a sua evoluo, a criana
um ser humano em devir, tal como o gatinho um gato em
devir. Mas a criana s nova em relao a um mundo que
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es necessrias para o seu desenvolvimento e crescimento, algo que parece bvio. Porm, de facto estranho que
esse pernicioso procedimento possa ser o resultado da educao moderna, tanto mais que essa educao declarava ter
por nico objectivo servir a criana e se rebelava contra os
mtodosJ:lo pas~J~49.
justatp.ente por eles no twn;;u:emna
devida conta a natureza profunda e as necessidades da
criana. O sculo da criana, como.lhe podemos chamar,
pretendia emancipar a criana e libert-Ia dos padres de
vida retirados do mundo dos adultos. Como foi ento-pssvel que as mais elementares condies da vida, necessrias para o crescimento e desenvolvimento da criana, tivessem sido ignoradas ou, simplesmente, no tivessem sido reconhecidas como tal? Como pde acontecer que a
criana fosse exposta quilo que, mais do que qualquer outra coisa, caracteriza o mundo dos adultos, quer dizer, o
seu aspecto pblico, e isto no preciso momento em que se
tinha tomado conscincia de que o erro de toda a educao
passada tinha consistido em considerar a criana como nada mais que um pequeno adulto?
A razo para este estranho estado de coisas no tem directamente a ver com a educao. Deve antes ser procurada nosjuzOS-e'10s-,:>rejuzos-sobre-a-nalureza
da vida privada e do mundo pblico, na sua mtua relao caracterstica da sociedade moderna desde o incio dos tempos modernos e que os educadores aceitaram quando - relativamente tarde - decidiram modernizar a educao com base nessas evidncias, sem se darem conta das consequncias que elas teriam sobre a vida das crianas. particularidade da sociedade moderna, de nenhum modo evidente,
considerar a vida, quer dizer, a vida na terra dos indivduos
e das famlias, como o maior dos bens. por essa razo
que, ao contrrio de todos os sculos precedentes, a socie-
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de dos pais sobre os filhos e dos professores sobre os alunos como o modelo para compreender a autoridade poltica. Ora, precisamente nesse modelo, cujas razes se estendem at Plato e Aristteles, que reside a origem da extraordinriaambiguidade do conceito de autoridade em po,.'ltica. Em primeiro lgat; um tal conceit"'tem por-bse
uma superioridade absoluta, superioridade essa que nunca
pode existir entre adultos e que, do ponto de vista da dignidade humana, nunca deveria existir. Em segunlolugar,
esse modelo infantil de autoridade est fundado numa superioridade puramente temporCiio que, portanto, o toma
autocontraditrio se aplicado a relaes que, por natureza,
no so temporais, como o caso das relaes entre governantes e governados. Assim, a natureza desta questo
- quer dizer, tanto da prsente crise de autoridade como
do nosso pensamento poltico tradicional - implica que a
perda de autoridade que se desencadeou na esfera poltica
no alastre para a esfera privada. No certamente por
acaso que o lugar no qual a autoridade poltica foi pela primeira vez posta em causa, isto , a Amrica, seja o lugar
onde a moderna crise da educao se faa sentir mais fortemente.
Na verdade, esta perda geral da autoridade dificilmente
poderia encontrar uma expresso mais radical do que no
seu alastramento para a esfera pr-poltica, instncia na
qual a autoridade parece ser ditada pela prpria natureza,
independente de todas as mudanas histricas e condicionalismos polticos. Por outro lado, a forma mais clara que
o homem moderno tem ao seu dispor para manifestar o seu
descontentamento em relao ao mundo e o seu desagrado
relativamente s coisas tal como elas so consiste na recusa de, relativamente aos seus filhos, assumir a responsabilidade pelo mundo. No fundo, como se os pais dissessem
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mos desse modo decidir como dever ser. justamente para preservar o que novo e revolucionrio em cada criana que a educao deve ser conservadora. Ela deve proteger a novidade e introduzi-Ia como uma coisa nova num
mundo velho, mundo que, por mais revolucionrias que sejam as suas-aces,-doponto-de vista da gerao seguinte,
sempre demasiado velho e est sempre demasiado prximo da destruio.
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IV
A verdadeira dificuldade da educao moderna reside
pois no facto de, para l de todas as consideraes da moda sobre um novo conservadorismo, ser hoje extremamente difcil garantir esse mnimo de conservao e de atitude
de conservao sem a qual a educao no simplesmente possvel. E h ~oas razes para isso. A crise de autoridade na educao est intimamente ligada com a crise da
tradio, isto , com a crise da nossa atitude face a tudo o
que passado. Para o educador, este aspecto especialmente difcil uma vez que a ele que compete estabelecer
a mediao entre o antigo e o novo, razo pela qual a sua
profisso exige de si um extraordinrio respeito pelo passado. Ao longo dos sculos, isto , durante o perodo da civilizao romano-crist, o educador nunca teve necessidade de tomar conscincia desta sua qualidade especial. A reverncia relativamente ao passado era parte essencial da
estrutura romana de pensamento, estrutura essa que o cristianismo no aiterou nem suprimiu antes estabeleceu sobre
diferentes fundamentos.
Pertencia essncia da atitude romana (ainda que o mesmo se no possa dizer de todas as civilizaes ou sequer da
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civilizao ocidental no seu conjunto) considerar o passado enquant06 passado como um modelo; em qualquer caso, tomar os antepassadoscomo exemplos orientadorespara os seus descendentes; acreditar que toda a grandeza reside no que foi e, portanto, que a velhice a idade da maior
realizao humana; que () ~elho, na medida em que~,j.
quase um antepassado, pode servir como modelo para os
vivos. Ora, tudo isto est em contradio, no apenas com
o nosso mundo e com os tempos modernos a partir do Renascimento, mas tambm, por exemplo, com a atitude grega relativamente vida. Quando Goethe diz que envelhecer afastar-se gradualmente do mundo das aparncias,
o seu comentrio est imbudo do esprito dos Gregos, para quem ser e aparecer coincidem. A atitude romana seria
a de que precisamente ao envelhecer e ao desaparecer
lentamente da comunidade dos mortais que o homem alcana a sua forma de ser mais caracterstica, mesmo se, em
relao ao mundo das aparncias, estiver em processo de
desaparecimento. que, para o esprito romano, s ento o
homem se aproxima desse modo de existncia em que pode passar a ser uma autoridade para outros.
Com o imperturbado fundo de uma tal tradio, na qual
a educao tem uma funo poltica (o que constitui um
caso nico), de facto relativamente fcil fazer o que deve ser feito em matria de educao sem sequer parar para
reflectir sobre o que se est realmente a.fazer. O ethos especfico do princpio educativo est ento em completo
acordo com as convices ticas e morais da sociedade no
seu conjunto. Educar, nas palavras de Polbio, apenas
pennitir a algum ser digno dos seus antepassados, tarefa na qual o educador pode ser um par na discusso e um
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par no trabalho porque, tambm ele, ainda que num nvel diferente, passou a sua vida com os olhos postos no
passado. Camaradagem e autoridade so assim, neste caso,
dois lados de uma mesma realidade.e a autoridade do professor est firmemente fundada na autoridade mais ampla
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sendo que, no entanto, essa mesma educao se deve efectuar num mundo que deixou de ser estruturado pela autoridade e unido pela tradio. Daqui resulta que, no apenas
os professores e os educadores mas tambm cada um de
ns, na medida em que vivemos em conjunto num nico
mundo com-as-crianase os-jovens,-devemosadoptar relativamente a eles uma atitude radicalmente diferente daquela que temos uns com os outros. O domnio da educao
deve ser radicalmente separado dos outros dOlInios,em
especial da vida poltica pblica. Dessa forma, podemos
aplicar exclusivamente ao dOlInioda educao o conceito de autoridade e a atitude relativamente ao passado que
lhe so apropriadas mas que, no mundo dos adultos, deixaram de ter validade geral e j no podem pretender voltar a t-Ia.
Na prtica, a primeira consequncia que daqui decorre
a compreenso clara de que a funo da escola ensinar s
crianas o que o mundo e no inici-Ias na arte de viver.
Uma vez que o mundo velho, sempre mais velho do que
ns, aprender implica, inevitavelmente, voltar-se para o
passado, sem ter em conta quanto da nossa vida ser consagrada ao presente. Em segundo lugar, h que perceber
que o significado da linha traada entre crianas e adultos
que no possvel educar adultos e que no se devem tratar as crianas como se fossem adultos. Porm, em circunstncia alguma se deve permitir que esta linha se transforme num muro que isole as crianas da comunidade dos
adultos, como se elas no vivessem no mesmo mundo e como se a infncia fosse um estado humano autnomo, capaz
de viver segundo as suas prprias leis. No h uma regra
geral que, em cada caso, permita determinar o momento
em que desaparece a linha de demarcao entre a infncia
e a adultez. Essa linha varia muitas vezes em funo da
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tempo ensinar: uma educaosem ensino vazia e degenera comgrandefacilidadenumaretricaemocionale moraloMas podemosfacilmenteensinarsem educare podemos continuara aprenderat ao fim dos nossos dias sem
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que, por essa razo, nos tomemos mais educados. Tudo isto so detalhes que devem ser deixados ateno dos especialistas e dos pedagogos.
O que nos diz respeito a todos e, consequentemente, no
pode ser confiado pedagogia enquanto cincia especializada, a relao entre adultos e crianas em geral ou, em
termos ainda mais gerais e exactos, a nossa relao com o
facto da natalidade: o facto de que todos chegamos ao
mundo pelo nas~imento e que pelo nascimento que este
mundo constantemente se renova. A educao assim o
ponto em que se decide se se ama suficientemente o mundo para assumir responsabilidade por ele e, mais ainda, pa-
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