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Campus Nova Amrica

Faculdade de Letras
Curso de Licenciatura

ADIVINHAS NO ESCURO: ENSAIO SOBRE A EVOLUO


DO CAPTULO CINCO DO HOBBIT.

Rio de Janeiro
2015

DIOGO MACENA RIBEIRO

ADIVINHAS NO ESCURO: ENSAIO SOBRE A EVOLUO


DO CAPTULO CINCO DO HOBBIT.

Projeto de pesquisa elaborado junto ao


Curso de Letras da Universidade Estcio de
S, em cumprimento s tarefas da disciplina
Trabalho de Concluso de Curso (TCC),
como parte dos requisitos necessrios para
a obteno do grau de Licenciado em Lngua
Portuguesa.
Orientador: Prof. Jos Arnaldo Guimares
Filho

Rio de Janeiro
2015

There are Tolkien's latest thoughts, his


published thoughts, his best thoughts, and
these are not necessarily the same thing.
Wayne Hammond

Dedicatria:
Para minha me e meu pai,
Jeremias 33:3.

RESUMO

O trabalho se prope a uma anlise crtica das etapas da evoluo da primeira


grande obra literria do autor ingls John Ronald Reuel Tolkien, O Hobbit, no
decorrer de suas edies. Autor ingls reconhecido internacionalmente como o pai
da alta fantasia moderna e sagrado escritor do sculo pela revista americana Times,
Tolkien elaborou e publicou grande quantidade de edies modificadas de suas
obras. A evoluo que O Hobbit sofreu durante o perodo em que seu autor
empreendia a escritura de sua sequncia, O Senhor dos Anis, mais bem
visualizada atravs de um olhar mais aprofundado no captulo Adivinhas no Escuro,
captulo chave para essa integrao com a obra posterior, de tom mais adulto e
carter mais sombrio. Para tanto, traz-se no presente extratos de material anterior a
publicao, da primeira edio de 1937 e das edies posteriores publicao do
Senhor dos Anis.

Palavras-chaves: O Hobbit, Tolkien, Evoluo Literria, Reviso Literria.

INTRODUO
O presente ensaio prope-se a fazer uma introduo ao leitor que busca
compreender os pontos principais da evoluo do captulo Adivinhas no Escuro do
livro O Hobbit de John Ronald Reuel Tolkien, fillogo e professor de Oxford e
consagrado pela revista Times um dos cinquenta autores mais importantes da
literatura inglesa. Com esse objetivo, procura-se apresentar as principais diferenas
entre os textos do primeiro esboo do captulo, at ento nomeado Gollum e sua
forma publicada no captulo Adivinhas no Escuro da primeira edio dO Hobbit,
alm de observar as diferenas entre as duas edies publicadas: em 1937, anterior
ao lanamento dO Senhor dos Anis, e em 1951, aps a publicao da sequncia.
Como produto dessa comparao, busca-se o mtodo utilizado por Tolkien em suas
alteraes posteriores publicao de uma obra elencando os motes encontrados
na sequncia dO Hobbit e em demais publicaes pstumas do autor.
A escolha do presente tema se justifica por demonstrar como uma obra pode
ser afetada pelo corpus posterior de um autor e de que forma o mesmo tentar
adaptar a obra original para manter a coerncia interna de seus mitos. T. S. Eliot
(1917) e Augusto Meyer (1958) habilmente ensinam que nenhuma obra de arte ou
artista pode ser valorizada individualmente, uma vez que as obras so apenas
fontes, mastigadas juntas s demais e destinadas a servirem de alimento, de forma
que sua apreciao deve ser feita por comparao e em dilogo com os seus
antecessores, sendo dever do pesquisador realizar a comparao e nesta
perspectiva de demonstrar que dentro de uma mesma obra e at em obras
posteriores podemos perceber o mrito elevado se considerarmos as verses no
publicadas foi que que se escolheu o captulo Adivinhas nos Escuro, captulo de
obra conhecida, com amplo material em esboos e verses preliminares publicadas
postumamente e recm-adaptada para o cinema pelo diretor neozelands Peter
Jackson.
A histria que o Hobbit passou desde a data de sua publicao dividida
pelos pesquisadores (OLSEN, 2012) nos estgios solo, de reviso e de assimilao;
de forma que pertinente discorrer um pouco sobre cada um deles. O estgio solo
chamado assim por ser o perodo logo aps a publicao dO Hobbit. quele tempo,
apesar de diversos textos publicados por Tolkien e ainda mais no publicados,

Tolkien no tinha unido suas publicaes acadmicas ou literrias aos textos da


Terra Mdia criada por ele como forma de divertimento para os amigos. Com a
publicao dO Hobbit original, em 1937, esses dois universos so descobertos e
tudo o que os leitores conhecem da Terra-Mdia, ainda que ela s venha a ser
conhecida por esse nome aps a publicao dO Senhor dos Anis, o que est nO
Hobbit.
Apesar de ter comeado como uma sequncia para o livro original, o Senhor
dos Anis cresceu de forma exponencial durante sua escritura, que Tolkien sentiu
que o livro no se encaixava mais com a histria infantil e simplria dO Hobbit. O
elemento de ligao entra as duas obras, o anel de invisibilidade de Bilbo, cresceu
de tal maneira alcanou maior importncia para o Legendrio que toda a histria
subsequente ao encontro do Um Anel. Percebendo a divergncia, Tolkien reescreve
uma segunda verso para o quinto captulo, captulo chave para a sequncia que
encontrou publicao como se ver. Com essa nova verso, mais ainda sem O
Senhor dos Anis, os leitores da obra se encontram desorientados. No somente a
obra sofreu alteraes sem explicao, mas o prprio Anel agora faz ligao com a
obra ainda no publicada. essa fase, chama-se fase de reviso. Sensvel aos
leitores e j com sua Magnum Opus publicada, Tolkien decide reconhecer a histria
dO Hobbit original como parte dos seus contos e no somente como erro de
publicao. Esse incorpora as duas verses da obra como se ver
transformando-as em duas tradies da mesma histria conforme contada por duas
pessoas diferentes. Curiosamente, ao final de sua vida, Tolkien fica cada vez mais
insatisfeito com a infantilidade dO Hobbit, comeando mesmo a reescrev-lo
completamente sobre o tom dO Senhor dos Anis o Hobbit conforme visto por
Gandalf. Em trechos, descobrimos o que Gandalf fez nas diversas ocasies em que
deixa a companhia, inicialmente apenas como elemento de roteiro, agora para
expulsar o Necromante, forma espiritual do Senhor do Escuro, junto com os demais
magos. Essa fase, jamais plenamente terminada, chama-se de fase de assimilao.
notria a mudana de tom na narrativa dO Hobbit aps a publicao dO
Senhor dos Anis, visivelmente na segunda edio publicada em 1951, de forma
que o leitor pode ser levado a uma interpretao do livro como puramente um
apndice de sua sequncia. Contudo, cabe o questionamento de at que ponto a
publicao original era incua e quando a histria contada pelo autor comeou a se

arrastar para um ambiente mais sombrio e nefasto, afastando-se do l e de volta


outra vez original.
Dessa forma, a presente pesquisa pretende averiguar as situaes nas quais
as alteraes do autor serviram para mudar o tom geral do livro e em especfico o
carter dos personagens envolvidos no quinto captulo, objeto central da presente
anlise. Por outro lado, tambm pertinente observar onde o livro j possua
aspectos mais sombrios, como todo conto infantil, por mais que essa sombra no
se devesse presena do Um Anel, at ento, apenas um anel de invisibilidade.
Aqui, h espao para questionarmos como o engrandecimento do Um Anel na
sequncia vai afetar toda a estrutura dO Hobbit, em especial o captulo no qual
aparecem Gollum e o prprio Anel do Poder. No somente como a obra vai ser
alterada, mas de que forma como o autor vai trabalhar suas correes. De que
maneira o autor, depois de publicada a obra, poder alterar significativamente
instrumentos do enredo original para faz-lo trabalhar para uma nova publicao,
sem que isso seja motivo para gerar uma necessidade de nova publicao sobre
novo nome.
ADIVINHAS NO ESCURO
Quando uma obra bem escrita publicada e lida, tem-se a ideia equivocada
de que aquele texto fora elaborado na mente do autor exatamente da maneira que
foi publicado. Esse comum engano mais usual quando as obras possuem
coerncia om as demais obras do autor, dando ao mesmo um carter quase mstico
de gnio. Embora fique claro que muitos autores possuem genialidade de facto,
essa viso da aura do autor acaba por roubar seu trabalho na elaborao da obra.
Assim, todo o fruto de pesquisa e trabalho do autor durante a elaborao da obra,
que por vezes como no caso de Tolkien dura uma vida. Todas as noites
corrigindo inconsistncias e as inmeras leituras e revises realizadas so atribudas
erroneamente ao carter mstico e aura genial do escritor. Ao minimizar o trabalho
do autor, sua prpria obra e sua humanidade ficam reduzidas e os mritos da obra
so dados inspirao. Essa viso tambm uma das responsveis por impedir
muitos potenciais escritores que, por no se considerarem gnios, no realizam que
graas ao trabalho rduo e constantes revises, mais do que apenas inspirao e
imaginao, que um livro coerente e bem escrito alcana publicao.

Quando se observa as obras do Legendarium Tolkienianum, vemos a obra de


vida de um autor que compreendeu a importncia do trabalho de reviso. Seu
primeiro conto, escrito enquanto este se preparava para lutar pela Inglaterra em
1916, alcanaria as livrarias em sua forma revisada apenas em 1977, quando O
Silmarillion, obra pstuma editada por seu filho Christopher Tolkien foi aceita pelas
editoras. De fato, Tolkien era to sensvel ao fruto de seu trabalho que alterou partes
chaves de sua obra mesmo aps elas alcanarem as mquinas e serem publicadas,
notavelmente no quinto captulo dO Hobbit, sua primeira obra publicada dentro dos
mitos da Terra-Mdia criada por ele.
O Hobbit surge na mente de J. R. R. Tolkien quando esse fazia uma de suas
tarefas como acadmico em Oxford, a correo do Certificado Escolar. A correo
corria monotonamente at que ele se deparou com uma folha em branco. O que
poderia trazer impacincia para muitos acadmicos foi uma oportunidade de
relaxamento para Tolkien. Habituado escrita de contos mticos e vido leitor de
mitologias, ele decide talvez por inspirao escrever a frase que permaneceria
inalterada em todas as revises: Numa toca no cho, vivia um hobbit... (TOLKIEN,
2002a). Decidido a descobrir o que era um hobbit, Tolkien escreve o livro em dois
anos enquanto recontava as aventuras do Senhor Bolseiro para seus filhos.
Infelizmente, o rascunho original escrito no verso da prova no sobreviveu,
pois at ento Tolkien tinha por hbito descartar seus manuscritos aps transformlo em uma verso datilografada (RATELIFF, 2007). Contudo, mesmo que o rascunho
original no tenha chegado ao captulo cinco, de fato jamais passando do primeiro
captulo, nota-se que pouca coisa mudou no livro. Essa semelhana to visvel que
possvel traar frases que permaneceram inalteradas desde sua verso primordial
at a publicada como a frase clssica que abre o livro.
Depois de terminados, os manuscritos originais dO Hobbit seguiram para um
de seus melhores amigos, o tambm professor e autor ingls C.S. Lewis, que por
sua vez emprestou o manuscrito para uma de seus estudantes, Elaine Griffiths. Em
1936, o livro chega s mos de Susan Dagnall, scia minoritria da Editora George
Allen & Unwin poca. Aps a leitura agradvel, Susan decide levar a obra at o
dono da editora, o senhor Stanley Unwin, que tinha hbito de repassar as tarefas de
leitura crtica de livros infantis ao seu filho de dez anos, Rayner Unwin.

A verso do quinto captulo escrita para seus filhos e datilografada por um de


seus filhos, que utilizara apenas uma das mos por ter ferido gravemente a outra,
assemelha-se muito com a verso entregue para a editora e at mesmo com a
verso revisada aps o perodo de integrao com o restante do Corpus. De fato,
at a segunda pgina, temos uma transcrio

verbatim, ainda com as

inconsistncias e sintaxe confusa mantida.


Quando Bilbo acorda no meio escuro da caverna, ele procura por coisas
naturais para qualquer conto de fadas e hobbit: seu lar, sua mesa com ovos e bacon
fritos e um pouco de tabaco para seu cachimbo. Ao retornar realidade, Bilbo no
encontra nenhuma dessas benesses e sente-se profundamente arrasado. Como fora
escrita para seus filhos, a obra adquire desde o comeo um carter mais leve e
menos sombrio que as demais obras do autor, situao que Tolkien classificava
como histrias para crianas (TOLKIEN, 2006) e se arrependia profundamente por
tal escolha.
Essa cena pouco alterada em sua forma original, mas recebe um novo
sentido ainda assim. Ao procurar em seus bolsos por fsforos para acender o que
sobrou de tabaco em seus cachimbos, ele descobre que no tem fsforos, mas toca
na empunhadura de sua pequena adaga, usada por ele como espada devido ao seu
reduzido tamanho. Ele decide sac-la e alegra-se ao notar a pequena luz azul que
emana de seu fio, sinal que a espada dele tambm fora feita pelos antigos elfos de
Gondolin. E esse momento, com uma espada na mo e no ao pensar em comida,
que ele decide se levantar e prosseguir, uma vez que no havia como retornar.
Curiosamente, aps ouvir a cano sobre o reino dos anes em sua casa, ele se
imagina utilizando uma espada ao invs de uma bengala; contudo, ao observar e
imaginar o perigo de uma aventura, quela ocasio, ele se encolhe de medo. Bilbo
na verso publicada ainda um hobbit que procura os confortos de casa, mas j
capaz de sobreviver na vida de aventuras e at mesmo acha prazer em coisas que o
assustariam.
Ao tentar achar a sada, Bilbo tateia o cho e as paredes e acaba por
encontrar um anel de metal muito frio. Sem saber o que fazer com o anel, ele o
coloca no bolso. Nos dois esboos do texto, nada mencionado neste momento
sobre o anel. Somente em sua primeira verso publicada, i.e. em 1937, que o leitor
avisado que esse era um ponto de virada na carreira de Bilbo. Na verdade, esse

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era um ponto de virada na histria do mundo de Bilbo e at na vida de Tolkien, como


se ver.
Com o sucesso provocado pela publicao dO Hobbit, a Editora George Allen
& Unwin solicita uma obra de igual tamanho para crianas e que servisse de
sequncia ao conto dO Hobbit. Tolkien, agora com seus filhos grandes,
acompanhava seu filho Christopher enfrentando a Segunda Guerra Mundial ao
mesmo tempo em que servia como tradutor perto de seu antigo campus em Oxford.
Foi durante esse perodo de tempo que ele escreveu O Senhor dos Anis, a
sequncia que ultrapassou os desejos de seu editor e lanou o autor mundialmente.
Tolkien precisava de um elo para ligar as duas histrias e ironicamente
seleciona o anel. Conforme escrevia, ele se sentia cada vez mais atrado para os
contos antigos, mitolgicos e sombrios que escrevera em 1916. O conto, agora com
mais de mil pginas e muito menos infantil, no se integra de todo com o clima leve
e divertido dO Hobbit. Durante a construo do enredo, o anel de invisibilidade de
Bilbo se transforma no Um Anel de Sauron, poderoso instrumento de dominao
criado por um Senhor do Escuro.
Gollum era uma criatura que vivia em um lago na profunda caverna onde
Bilbo se encontra e utilizava um anel mgico de invisibilidade para atacar suas
presas e se alimentar de goblins e outras criaturas que passassem por ali. Enquanto
Bilbo continuava desesperado para achar seus amigos anes e a sada, ele chega
ao lago onde Gollum mora e a criatura sombria surge para investig-lo. No esboo,
Gollum era apenas mais uma criatura que aparece no meio da trajetria do heri. Na
verso publicada, a criatura tinha o curioso hbito de chamar a si mesma de
precioso e conversar consigo mesmo por no ter ningum com quem falar.
Entretanto, nO Senhor dos Anis (TOLKIEN, 1954) que o ttulo precioso
vai ser explicitamente ligado ao Um Anel. Quando Bilbo enfim se desfizer dele, ele o
chamar pelo mesmo nome; tambm Isildur, proprietrio antes de Gollum, o
chamara de precioso e Gollum, aps arrancar o Um Anel e o dedo do sobrinho de
Bilbo, chamar seu recm-reconquistado tesouro de precioso. Vemos aqui a
tendncia que Tolkien tinha de incorporar textos quase sem alteraes, mas
mudando drasticamente o significado desses por meio de publicaes posteriores.
A ideia de Bilbo e Gollum propondo adivinhas um para o outro soa
perfeitamente normal para um conto de fadas da forma como ele foi esboado e

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publicado originalmente, quando nada alm de fome atingia Gollum e Bilbo. E


assim, Gollum prope uma aposta: caso ele faa uma charada no adivinhada por
Bilbo, Gollum o comer. Se, por outro lado, Bilbo propor uma adivinha no
respondida, Gollum o dar um presente, o anel de invisibilidade.
Contudo, enquanto Tolkien trabalhava na sequncia que viria a ser O
Senhor dos Anis, ele sentiu que a premissa de todo o restante do captulo como
publicado no se encaixava: o Um Anel teria corrompido de tal forma Gollum que ele
jamais seria hbil em prometer e de fato tentar entregar o anel de invisibilidade.
Decidido a manter a unidade dentro de sua obra, Tolkien decide reescrever o quinto
captulo dO Hobbit alterando cenas menores em que o texto no encaixava na nova
dimenso que o anel de invisibilidade, agora Um Anel, recebeu.
Estando o Hobbit publicado h 10 anos, Tolkien no tem outra escolha que
no trazer toda a verso adaptada do captulo para O Senhor dos Anis, o que
tornou o segundo captulo dO Senhor dos Anis lento e intrincado (TOLKIEN,
2006). Por esse motivo, os leitores de prova da editora acreditaram que a histria
no se manteria e aconselharam sua reviso (id.). Tolkien, decidido a manter a obra
no publicada sem alteraes drsticas, envia sua verso revisada do quinto
captulo para a editora junto com uma lista de pequenos erros e outros lapsus
calamorum.
Por fim, a editora recebe as correes e incapaz de perceber a diferena
entre as correes editoriais e o texto recebido com objetivo de ser puro divertimento
para o filho de Stanley Unwin. Desta forma, decidida a agradar um de seus autores
mais rentveis, a editora decide publicar essa verso dO Hobbit sem mais
perguntas, j com as mudanas realizadas no quinto captulo. Tolkien no saber
das mudanas at receber provas para a reimpresso dO Hobbit em 1950, trs
anos aps o envio da carta com o manuscrito do quinto captulo revisado.
Nesta nova edio, Gollum no prometer o Anel j em caixa alta -, mas
prometer mostrar o caminho de sada na hiptese de Bilbo acertar o caminho de
sada. Nota-se que diferentemente das primeiras verses, Gollum no tem nada a
perder agora. Ele no mais perder seu nico meio de conseguir comida. De fato,
caso ele ganhe, ele receber comida e se perder, nada realmente perder.
Seguem-se nove charadas, cinco feitas por Gollum e quatro propostas por
Bilbo, que surpreendentemente no sofrem qualquer alterao durante toda a

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histria da composio do livro. Do esboo at a verso posterior publicao dO


Senhor dos Anis, as charadas continuam as mesmas, embora sua ordem tenha
sido alterada. Uma vez que a disposio das charadas pode ser significativa, cabe
discuti-las luz do crescimento do Um Anel e da malcia do prprio Gollum.
pertinente aqui tambm exemplificar como o embate mgico dentro das
obras de Tolkien cujo mundo surge de uma cano de anjos e deuses acontece
primordialmente atravs de canes. Na histria mtica de Finrod, elfo rei de
Nargothrond, e Sauron, Senhor do Escuro e fabricante do Anel de Bilbo, (TOLKIEN,
2006), os dois encontram-se para um embate mgico realizado em forma de
canes. Sauron canta uma cano de magia, / de violao, abertura, falsidade, /
de revelao descoberta, traio. Como resposta, Finrod luta com uma outra
cano, quase destruindo o Senhor do Escuro. A batalha continua at que Sauron
canta sobre a traio e fratricdio que o povo de Finrod realizara por ganncia e com
versos sobre o sangue que escorreu de seus irmos, a mgica cruel de Sauron
derruba Finrod, que morto.
A primeira charada1 proposta por Gollum trata de elementos conhecidos por
ele, a prpria montanha que ele habita. Como as montanhas, Gollum tem razes
misteriosas e sobe, i.e. continua, mas no cresce, no evolui, no desenvolve nem
se decresce. Conforme Gandalf estabelecer o efeito do Um Anel manter a pessoa
inalterada, mas sem crescer. Bilbo sentia que sua vida continuava, aps ter o Um
Anel por algumas dezenas de anos, mas que ele no vivia. De fato, ele se compara
1 Tem razes misteriosas,
mais alta que as frondosas
Sobe, sobe e tambm desce,
Mas no cresce nem decresce. (TOLKIEN, 2002)

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a um pouco de manteiga que passada em uma fatia muito grande de po


(TOLKIEN, 2002).
A segunda charada2 proposta por Gollum caracteriza o vazio que h no
mundo de Gollum, ele enfatiza o que o vento no possui. Ao mesmo tempo, Gollum
demonstra a frivolidade de seu mundo. O vento aqui no a tempestade, tampouco
o vento da brisa que refresca. o vento que assombra, que bate portas, o vento
estril. Pode-se at mesmo criar um paralelo com o Hlito Negro, doena e
desesperana que atingir os soldados feridos pelo Rei Bruxo de Angmar, no ltimo
volume dO Senhor dos Anis (TOLKIEN, 2002b).

Sem voz, ele ululaSem asas, volita


Sem dentes, mordica
Sem boca, murmura (TOLKIEN, 2002)

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No em vo, a prxima charada de Bilbo 3 tem resposta no Sol sobre as


margaridas. Bilbo responde o vazio do vento de Gollum com a vida, a manh e as
ervas que crescem; da mesma forma que os soldados encontraro cura e esperana
nas ervas do rei.
Contra essa, Gollum prope a charada 4 da escurido, que funciona como
imagem dele mesmo. Como a escurido, ele no pode ser visto graas ao anel de
invisibilidade e sendo tambm um hobbit, no pode ser cheirado nem ouvido. Alm
da evidente comparao consigo, v-se parte da metafsica de Gollum. Para ele, a
Escurido no apenas uma bolha que envolve a charada de Bilbo, est sob as
colinas, i.e. abaixo das margaridas, e alm das estrelas, i.e. acima do Sol de Bilbo,
3

Um olho no azul dum rosto


Viu outro olho no verde de outro
Aquele olho como este olho
Disse o primeiro olho,
Mas embaixo seu lugar,
Aqui em cima o meu lugar. (id.)

No se pode ver, no se pode sentir,no se pode cheirar, no se pode ouvir,


Est sob as colinas e alm das estrelas,
Cavidades vazias ela vai ench-las.
De tudo vem antes e vem em seguida,
Do riso a morte, o fim da vida. (id.)

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mas se coloca como uma bolha temporal na prpria histria. A histria e o captulo
que comea com a Escurido h de ser encerrada por ela, com a morte de Bilbo.
Para encerrar a anlise das charadas de Gollum como janela para seu lado
sombrio, sua ltima charada5 coloca o tempo como a inevitvel derrota. Essa viso
teolgica de Gollum na qual o tempo devora todas as coisas mostra a essncia da
vida conforme vista por Gollum. Embora coloque a montanha, sua morada e um
avatar de si mesmo, como ltima pea a ser devorada por ele, a criatura reconhece
que no final tambm deve perecer.
De fato, Bilbo no consegue resposta para a adivinha e salvo por sorte ou
providncia, como Tolkien colocaria - ao pedir mais tempo, inocentemente acertando
a resposta. Bilbo encontra-se em dificuldade para pensar em uma charada que
possa fazer frente ao enigma do tempo. Ento, desesperado para encontrar uma
sada para a situao, coloca a mo em seus bolsos e encontra o Anel. O hobbit
pergunta o que tem em seus bolsos, fazendo Gollum crer que essa era sua
pergunta. O embate mgico de adivinhas vencido quando Bilbo traz a nica coisa
capaz de vencer o tempo, o Um Anel, criado por Sauron para dominar todos os
demais e manter seu poder por tempo eterno. Nada alm dele pode vencer o tempo,
alm de manter Gollum vivo, o Um Anel fonte para manter todo o reino de Sauron
de p.
5

Essa a coisa que tudo devora;Feras, aves, plantas, flora;


Ao e ferro so sua comida;
E a dura pedra por ele moda;
Aos reis abate, a cidade arruna,
E a alta montanha faz pequenina. (id.)

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Neste ponto da histria, h a maior ruptura entre a primeira verso publicada


e a verso enviada por Tolkien e lanada erroneamente como segunda edio.
Gollum no consegue responder a charada nada seria maior que o Um Anel em
ambas; contudo, na primeira edio, ele conhecia as regras do jogo e no trairia a lei
dos jogos. De fato, ele parte para sua ilha em busca do anel para entreg-lo de
presente para Bilbo. Desolado e amedrontado por no cumprir sua promessa,
Gollum implora perdo de Bilbo, que lhe pergunta o que era o presente. Nesse
momento, Bilbo tem conhecimento que o presente era um anel de invisibilidade.
assustador pensar que Bilbo age de m-f com a criatura, pois mesmo sabendo que
j possui o presente, finge nada ter e obriga Gollum a mostrar o caminho de sada, o
que Gollum faz de bom grado. Gollum pede desculpas mais uma vez antes de se
despedir de Bilbo amigvel e civilizadamente.
Obviamente, essa verso difere muito da hoje impressa. Nesta, de fato
Gollum parte para a ilha para pegar o Anel como parte dos preparativos para mostrar
a sada para Bilbo, mas j com intuito de colocar o Um Anel e, invisvel, matar e
devorar Bilbo. Ao chegar ilha e no encontrar o Anel, Gollum solta um guincho e
em um estalo suspeita o que Bilbo tinha nos bolsos. A resistncia de Bilbo ao contar
a verdade que Bilbo no tinha motivo algum para no contar confirma que Bilbo
tinha seu Anel no bolso. Enfurecido e decidido a matar Bilbo, Gollum volta para a
margem e persegue Bilbo, que tropea e num golpe de sorte coloca o Anel no dedo,
descobrindo seu poder.
Aqui se percebe a primeira manifestao de uma nuance de Gollum que
perpassar todo O Senhor dos Anis, a dupla personalidade de Gollum que tem um
embate entre si sobre o que melhor fazer. Vale salientar, entretanto, que essas
duas personalidades, diferentemente das suas verses cinematogrficas, so
totalmente malignas e dispostas a matar e devorar Bilbo..No final, suas
personalidades decidem seguir para a porta de sada da montanha, esperar Bilbo,
que o segue utilizando o Anel e assim encontra a sada.
Antes do fechamento do captulo, temos o pice de toda a filosofia de Tolkien,
Bilbo j utilizando o Um Anel, comea a sentir as influncias de seu mestre sombrio
e sente-se tentado a apunhalar a criatura, desarmada e que no podia v-lo. Anos
mais tarde, tambm sob influncia do Um Anel, Frodo, seu sobrinho, pensar na
oportunidade perdida por Bilbo, uma pena. Bilbo, como Gollum, tem uma disputa

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interior e decide poupar Gollum. Essa compaixo quebra a fora do Um Anel e


permite que Bilbo retorne para os amigos, deixando para trs as montanhas, o vazio,
a morte e a Escurido de Gollum.
Com as devidas mudanas, o autor no tinha mais o problema de
inconsistncia entre a obra publicada e a sequncia da obra que ele escrevia, agora
ele tinha um problema maior, sua obra publicada tinha duas verses dspares e sem
qualquer explicao da mudana realizada. Essa mudana permanece sem
explicao desde o momento da publicao da segunda edio, em 1951, at a
chegada do primeiro volume dO Senhor dos Anis, em 1954.
Nele, Tolkien escreve as razes para a mudana no Prlogo (TOLKIEN,
2002c): curioso o fato de que essa no a histria que Bilbo contou inicialmente
a seus companheiros. Para estes disse que Gollum havia prometido dar-lhes um
presente se ele ganhasse o jogo. Tolkien trata a primeira edio como a mentira
contada por Bilbo, de fato trazendo significao para a alterao. O Mago Gandalf
desconfiar desde o comeo de toda a histria contada e o pressionar para saber a
verdade, o que abalou a amizade de ambos.
O autor incorpora todas as mudanas na obra colocando-se apenas como
tradutor de uma obra fictcia, chamada O Livro Vermelho do Marco Ocidental, que
seria uma verso escrita dentro do seu universo ficcional pelo prprio Bilbo, seu
sobrinho Frodo e o jardineiro da famlia Samwise. Neste livro, as memrias dos
acontecimentos seriam escritos e preservados por escribas mltiplos at chegar s
mos de um professor de ingls antigo, que os traduziria e publicaria. As diferenas
entre as verses servem para criar uma profundidade que mitos possuem, com
vrias verses e tradies.
Aps essa mudana, ele habilita ambas as verses, a original tornando-se a
mentira de Bilbo e a mais recente, a verso real dos fatos, escrita por seu sobrinho
Frodo, que por respeito no alterou nem apagou os escritos de seu tio. Essa criao
ficcional de Tolkien transforma de forma radical sua forma de escrever e, embora
pouco trabalhada, uma dos aspectos mais relevantes e artisticamente elaborados
de todo seu Legendarium.
Kristeva ensina que todo texto absoro e transformao de outro texto.
Em lugar da noo de intersubjetividade, se instala a de intertextualidade, e a
linguagem potica se l, pelo menos, como dupla (1969). Essa absoro de cada

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texto anterior visvel na obra de Tolkien e cada uma das muitas revises trabalha
para engrandecer a obra, aumentar o prazer na leitura e trazer profundidade ao
texto.
CONSIDERAES FINAIS
Atravs desse trabalho, possvel observar que a inteno dos personagens
e a direo da obra O Hobbit comea de maneira ingnua; contudo, medida que
seu autor as revisava, o discurso tomava uma direo mais rebuscada e
ameaadora. Contudo, foi somente com o processo de escrita de sua sequncia, O
Senhor dos Anis, que Tolkien sentiu a necessidade de alteraes para obra, que
foram feitas de maneira acidental pela editora decidida a agradar seu mais rentvel
autor. Dada a segunda edio dO Hobbit, com o seu quinto captulo alterado, John
se volta para a alterao da obra a ser lanada e cria o elemento alinhador entre
elas. Assim, ao tomar o Um Anel como elo entre as duas obras e com as duas
edies dO Hobbit, ele transforma os dois livros em uma mesma histria: O Hobbit
torna-se prequncia, O Senhor dos Anis passa a ser a obra principal e a primeira
edio dO Hobbit, semiesquecida, torna-se mentira e apenas uma curiosidade.
Ao erro descuidado da editora, podemos atribuir a existncia da tradio de
traduo das obras de Tolkien. Tolkien, para justificar a variedade de tradies,
tradues e edies da mesma cena, transforma-se de autor para apenas tradutor.
Este, mergulhado em seus papis e fontes histricas fictcias i.e. O Livro Ocidental
do Marco Ocidental apenas traduz e publica a obra. Ao mesmo tempo, retirando
parte de sua autoridade autoral e isentando-se de qualquer obrigao e tentativa de
tornar sua obra coerente entre si.
Referncias Bibliogrficas
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2. CARVALHAL, T. F. Literatura comparada. So Paulo: tica, 1986. Srie
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