Catalogo Rosemberg70 2015
Catalogo Rosemberg70 2015
Catalogo Rosemberg70 2015
cinema de afeto
A CAIXA uma das principais patrocinadoras da cultura brasileira, e destina, anualmente, mais de R$ 60 milhes de seu oramento para patrocnio a
projetos culturais em seus espaos, com o foco atualmente voltado para exposies de artes visuais, peas de teatro, espetculos de dana, shows musicais,
festivais de teatro e dana em todo o territrio nacional, e artesanato brasileiro.
Os eventos patrocinados so selecionados via Programa Seleo Pblica
de Projetos, uma opo da CAIXA para tornar mais democrtica e acessvel
a participao de produtores e artistas de todas as unidades da federao, e
mais transparente para a sociedade o investimento dos recursos da empresa
em patrocnio.
A mostra Rosemberg 70 Cinema de Afeto traz ao pblico as obras do
cineasta Luiz Rosemberg Filho. Seus filmes autorais e de baixo-oramento, so
marcados pela construo de uma linguagem crtica, e verborrgica sobre arte.
Com seu Cinema de Inveno dotado de um radicalismo e uma mania de no
se entregar as mesmices devoradas pelo consumismo, Rosemberg teve todos
os seus longa-metragens censurados nas dcadas de 1960 e 1970. Seus filmes
foram excludos da mdia e pouqussimas vezes exibidos.
Desta maneira, a CAIXA contribui para promover e difundir a cultura nacional e retribui sociedade brasileira a confiana e o apoio recebidos ao longo
de seus 154 anos de atuao no pas, e de efetiva parceira no desenvolvimento
das nossas cidades. Para a CAIXA, a vida pede mais que um banco. Pede investimento e participao efetiva no presente, compromisso com o futuro do pas,
e criatividade para conquistar os melhores resultados para o povo brasileiro.
CAIXA ECONMICA FEDERAL
H dcadas, o diretor Luiz Rosemberg Filho teve seus filmes censurados, boicotados e perdidos. Um realizador criativo e atuante que no se adaptou s
regras de mercado e nem s costumeiras burocracias governamentais.
Um grande artista e pensador do cinema e da vida que, apesar de tudo, seguiu com suas ideias e convices acerca do cinema que acreditava, e acabou
pagando alto por isso.
Mas a vida d voltas... e seus filmes comearam a encontrar espao em cineclubes, na internet, em festivais e mostras de cinema. Uma nova gerao em
busca de algo realmente diferente e instigante abraa suas ideias e seu cinema,
e descobre nele um cineasta moderno e afiado. A tecnologia digital e o mtodo de produo/distribuio/exibio livre auxilia muito nisso tudo tambm.
Hoje, essa nova gerao de cinfilos e cineastas abraa o grande mestre,
injeta fora e o estimula em sua volta triunfal: RETROSPECTIVAS, HOMENAGENS, NOVO LONGA-METRAGEM, FILMES PERDIDOS RECUPERADOS, LIVROS, DVD, DIREO TEATRAL, EXPOSIES, DOCUMENTRIO, CIRCUITO
DE CINEMAS COMERCIAIS (nem to comerciais assim...).
O fato que Luiz Rosemberg Filho est de volta!!! Mais criativo do que
nunca!!! Sorte para todos ns durante essa jornada!!!
Sumrio
introduo
11 Por uma obra incessante e libertria, por Leonardo Esteves e Renato Coelho
Prefcio/ Depoimento
15 Luiz Rosemberg Filho um cinema pelo afeto, por Joel Yamaji
reflexes
21 Notas sobre a trajetria de Luiz Rosemberg Filho, por Renato Coelho
35 Propostas para uma identidade fragmentria de um operrio do cinema,
por Leonardo Esteves
FORTUNA CRITICA
57 Amrica do Sexo, por Rubens Maia
61 O jardim das espumas, por Eduardo Escorel
63 Telhados de vidro, por Srgio Santeiro
97 O jardim das espumas, por Fernando Ferreira
99 Release do filme Imagens
103 A$suntina das Amrikas, s pra estrangeiros, por Jairo Ferreira
105 Um filme corsrio, por Sylvio Back
107 O nico industrial censurado, por Srgio Augusto
111 Como matar um cineasta brasileiro, por Jean-Claude Bernardet
115 Crnica de um industral, por David E. Neves
119 Movimentos da Agonia poltica, por Andr Setaro
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Filmografia
205
sobre os organizadores
206
agradecimentos
207
crditos
Luiz Rosemberg Filho atravessou as ltimas dcadas sob um ritmo de trabalho constante. Seja pela produo de filmes, de vdeos, textos e colagens ou pelas fartas correspondncias e ligaes telefnicas endereadas a tantos amigos
e afetos. Durante todos esses anos, em que uma obra se avolumava conforme
as condies de produo que mais limitavam do que inspiravam sua feitura,
pouco se celebrou desse artista to ativo. A mostra Rosemberg 70 cinema de
afeto uma boa oportunidade para ver ou rever uma obra to vasta e, ao mesmo tempo, to pouco vista fora do circuito afetuoso que circunda o cineasta.
A presente publicao pretende expandir essa visibilidade. No apenas
funcionar como um apndice da retrospectiva, mas ampliar seu campo de reflexo, libertando-se de sua condicionalidade e preenchendo uma lacuna correspondente a outras facetas do diretor, fora de sua produo flmica, visada
de forma prioritria pela mostra. Em parte se revela um nmero de imagens
criadas por Rosemberg e sobre ele. Em parte se elenca uma sequncia de textos que propem reflexes sobre sua obra. E ainda se compila outra poro, na
qual o diretor exibe seu repertrio crtico e destrincha suas manobras contra o
espetculo e a favor de um Cinema (a maiscula aqui est em consonncia com
sua forma de se exprimir).
Na seo Reflexes, Renato Coelho faz um detalhado apanhado sobre o
percurso do diretor em Notas sobre a trajetria de Luiz Rosemberg Filho, compondo um ponto de partida para o leitor percorrer vida e obra de Rosemberg.
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prefcio /
DEPOIMENTO
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No Brasil, minha gerao no cinema (como, alis, quase todas nessa rea) comeou sob o signo da paixo e do afeto. Existe alguma outra forma de sobrevivncia nesse pas to marcado pelo senso da fatalidade, do cumprimento de
um destino marcado pela dominao pelo outro, pela impotncia e servido?
Nos pases dominados, sabemos, s se pode vislumbrar o infinito atravs da
perspiccia, da perseverana e infinita pacincia, que podem se tornar insuportveis sem o cultivo da devida dose do senso de humor.
Eu vim do interior para estudar e aprender a fazer cinema e foi nas aulas de
Paulo Emlio Sales Gomes, na Escola de Comunicaes e Artes da Universidade
de So Paulo, que pude conhecer os filmes brasileiros que marcariam para sempre meu modo de olhar e sentir: falo dos filmes do Cinema Novo, de Glauber
Rocha, Leon Hirszman, Paulo Csar Saraceni, Joaquim Pedro de Andrade, Ruy
Guerra, do que lhes servira de base, Nelson Pereira dos Santos; em So Paulo,
Roberto Santos, Luis Srgio Person, entre outros. Tambm, numa outra vertente, marcada por uma postura de ruptura esttica mais radical, incorporando
elementos do cinema popular como a chanchada e a esttica do mau gosto,
alm do cinema de gnero como o policial noir, o musical e at a fico cientfica, o que se chamou de Cinema Marginal: filmes de Rogrio Sganzerla,
Julio Bressane, Jos Agripino, Joo Silvrio Trevisan, Joo Callegaro, Carlos
Joel Yamaji professor de cinema e dirigiu Assembleias (1977), As mesmas perguntas
(1981), Cafund (1986), O espectador que o cinema esqueceu (1991), entre outros.
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de dizer com certo orgulho que, atravs desses livros, foi o irmo mais velho que
se ocupou de parte de minha formao. Alm das camisas, pois achava que, na
juventude, eu deveria me vestir com cores mais quentes, como tambm fazer
comdias ao lado dos filmes de temticas pesadas, que acabei e acabo, por
vezes, cometendo. O fato que, com ele, tambm aprendi a ver o lado cmico da
vida e o prazer de boas gargalhadas que compartilhamos quando estamos juntos.
Uma vez ele me disse: Quero que voc conhea um grande amigo meu,
que um grande irmo para mim. Juntos, ainda poderemos fazer grandes coisas. Esse segundo irmo Andrea Tonacci.
Acho a vida entre os homens, na maioria das vezes, dura e cruel, e sei que
estou sendo bvio. Tambm acho o homem capaz de ser o mais injusto e perverso
que existe no planeta, um ser predatrio e no confivel. Ao mesmo tempo, em
minha misria, sinto-me por vezes afortunado. Sa do interior de So Paulo atrs do
cinema que me fez enquanto pessoa desde os cinco anos, graas aos meus pais e
ao amor que minha me devotava aos filmes que me mostrava. No mundo do cinema no Brasil, de dura sobrevivncia, a vida me presenteou, no entanto, com meus
melhores amigos (ao lado dos de infncia, de juventude e de meus irmos, obviamente). Entre eles, dois com os quais aprendo at os dias de hoje sobre generosidade, lealdade, companheirismo, honestidade para consigo mesmo e os outros,
busca pelo sentido prprio de se existir, carter, dignidade, coerncia na escolha
das coisas, tica, respeito para com a vida. Afeto, amor. So eles: Tonacci e Rosemberg. Luiz Rosemberg Filho foi quem primeiro me falou sobre a cumplicidade entre
os amigos. Quero morrer com o cinema em que aprendi e com o qual cresci, que
me ensinou sobre tantas coisas boas, sobre as possibilidades do homem no sentido da construo: amor sua terra, sua gente, ao seu pas enquanto nao. No
Brasil, Glauber, Rogrio, Carlos Reichenbach, Leon, Joaquim Pedro, Paulo Emlio,
Saraceni, Fernando Coni Campos fazem muita falta. No sou saudosista, trago em
mim a conscincia de antepassados longnquos que ensinam sobre a transitoriedade da vida e das coisas. Meus irmos vivos no cinema continuam e continuaro
para sempre. Comigo e com os poucos jovens alunos com quem convivo.
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Reflexes
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A famlia Rosemberg
Autor de uma vasta filmografia que soma ao todo mais de cinquenta ttulos
entre curtas, mdias e longas-metragens, Rosemberg comeou a empreender
sua trajetria em meados dos anos 1960 e continua ativo at os dias de hoje.
Agncia Periodista Latino-Americana, fundada em 1946.
Tito Rosemberg fotgrafo e um dos precursores do surfe no Brasil, entre outras atividades. Sonia Ro artista plstica.
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Rosemberg inicia sua trajetria artstica com a pintura3 e passa a se interessar pelo fazer cinematogrfico no comeo dos anos 1960, quando frequenta
reunies do CPC, o Centro Popular de Cultura da UNE. No CPC se aproxima
de figuras como Oduvaldo Vianna Filho, Joel Barcelos, Leon Hirszman, Eduardo Coutinho, entre outros. Esse ambiente, bem como a recente realizao do
longa-metragem coletivo Cinco vezes favela (1962), influenciou Rosemberg a
iniciar a realizao de Levante4, curta-metragem de fico que fica inacabado.
Posteriormente, a convite do crtico de cinema Antonio Moniz Vianna, Rosemberg trabalha como seu assessor no Instituto Nacional de Cinema, o INC,
durante a segunda metade dos anos 1960.
Luiz Rosemberg Filho inicia sua carreira cinematogrfica de fato em 1968,
Rosemberg se dedicou pintura dos 16 aos 19 anos, aproximadamente. quando passa a
frequentar as reunies do CPC e se aproxima do teatro, logo se interessando pelo cinema.
Poucas pinturas suas restaram, mas acerca de seu trabalho como pintor, nunca exposto,
pode-se constatar a influncia do Expressionismo Abstrato.
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Segundo Rosemberg, Levante abordava o universo de operrios durante uma greve.
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O filme se chamaria Cidade sem sol, com episdios dirigidos por Rosemberg, Flvio Moreira da Costa e Luiz Carlos Maciel.
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Segundo depoimento de Rosemberg e texto no publicado de Sindoval Aguiar, ator no filme.
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Amrica do sexo foi rodado entre os meses de julho e agosto de 1969, em 16 mm.
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A Servicine, empresa de A. P. Galante e Alfredo Palcios, foi responsvel pela ampliao do
filme para 35 mm. Porm, aps constatar o resultado final, se desinteressou pelo filme diante
das dificuldades que encontraria com a censura.
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De volta ao Rio de Janeiro, Luiz Rosemberg Filho realiza A$suntina das Amrikas,
rodado em 1974 e finalizado um ano mais tarde. Trata-se de seu primeiro filme
colorido, filmado em 16 mm, novamente produzido de forma independente, no
qual retoma a parceria com o fotgrafo Renaud Leenhardt14. Em seu elenco, A$suntina conta com a atriz Analu Prestes no papel principal, o de uma prostituta
ROCHA, 2004, p. 495.
Ou Imagens do silncio (Images de souffrance), como foi intitulado em francs. O filme
possui durao de 68 minutos.
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O Festival International du Jeune Cinma de Hyres existiu entre os anos de 1965 e 1983.
Entre 1971 e 1977 ocorreu na cidade de Toulon. A partir de 1971, o Collectif Jeune Cinma
participou de sua realizao.
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o primeiro filme que Rosemberg realiza com sua prpria cmera, uma Eclair Cameflex,
que filmava tanto em 16 mm como em 35 mm.
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Apesar de conseguir financiamento da Embrafilme para finalizao, A$suntina das Amrikas interditado integralmente pela censura federal, sendo
liberado apenas para exibies em festivais de cinema fora do Brasil17. A nica
cpia do filme existe na Cinemateca do MAM, no Rio de Janeiro, mas no possui condies para projeo. O filme existe hoje digitalizado.
Seu longa-metragem seguinte, o contundente Crnica de um industrial, de
1978, filme pelo qual Rosemberg talvez seja mais lembrado, difere-se consideravelmente de sua produo anterior. Com tom mais srio, Crnica se distncia
da esttica do Cinema Marginal, e de certa maneira pode ser considerado uma
obra de mais maturidade, segundo define o realizador.
Mesmo com financiamento para distribuio concedido pela Embrafilme,
o filme esbarra outra vez na censura, e nem para exibies em festivais no
exterior liberado. No perodo, tal fato causa certa revolta em Rosemberg,
bem como a manifestao de crticos como Jairo Ferreira, ento na Folha de
S. Paulo, e Jean-Claude Bernardet, ento no ltima Hora. Selecionado para a
Quinzena dos Realizadores de Cannes em 1978, o filme foi impedido de sair do
FERREIRA, Jairo. A$suntina das Amrikas s para estrangeiros. In Folha de S. Paulo, 28/6/1978.
Idem 12. Manifesto de Luiz Rosemberg Filho publicado junto ao artigo de Jairo Ferreira.
17
Entre outros festival, A$suntina foi exibido no Festival Internacional de Cinema de Edimburgo, na Esccia, em agosto de 1978.
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pas para ser exibido no festival. Acabou liberado apenas em 1979, ano em que
representou o Brasil na Quinzena.
Talvez o mais belo filme de Luiz Rosemberg Filho, Crnica de um industrial
pode ser visto como uma dolorosa reflexo sobre o fracasso da burguezya
brazyleyra18, sendo considerado por muitos uma espcie de Terra em transe
Luiz Rosemberg Filho recebe o Prmio Especial do Jri por Imagens, no Festival de Toulon
dos anos 1970, e confirmando certa filiao glauberiana por parte do diretor.
Com o ator Renato Coutinho no papel principal, o filme aborda a crise e o vazio
existencial vivido por um empresrio bem-sucedido.
Ainda em pelcula 35 mm, o cineasta realiza curtas como Ideologia (1979)
e Auschwitz (1980), documentrios de carter ensastico que so espcies de
precursores de sua produo posterior em vdeo, j contendo fortes crticas aos
meios de comunicao. Realizou, ainda, Um filme familiar (1977), curta-metragem de temtica infantil e educativa.
O ltimo longa-metragem de produo convencional realizado por Luiz Rosemberg Filho O santo e a vedete, de 1982. Trata-se de uma comdia ertica,
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com o intento de satirizar e dialogar com a produo da chamada pornochanchada brasileira. Trabalhando como diretor contratado pelo produtor J. Borges, tambm argumentista do filme , Rosemberg roda boa parte de O santo e
a vedete nos estdios da Cindia, que coproduz o longa.
Rosemberg tem liberdade para reformular a ideia do roteiro e escolher atores e equipe para trabalhar, mesmo que dentro de um esquema de produo
simples e com vis ertico. O resultado final algo como uma combinao
entre estranhamento brechtiano e comdia ertica. Por fim, o produtor acabada por desistir de exibir comercialmente o filme, que contou com trilha sonora
original composta por Jards Macal.
Luiz Rosemberg Filho realiza, em 1988, o mdia-metragem O vampiro, tambm com durao de quarenta minutos. Ainda nos anos 1980, escreve os roteiros
dos mdias-metragens Adys, general (1986) e Viva a morte (1986), ambos dirigidos por Omar L. de Barros Filho, o Matico, jornalista gacho e seu amigo de longa
data, com quem colaborou nos anos 70, quando escreveu para o jornal Versus.20
Seu ltimo filme em pelcula foi o curta documentrio Desobedincia, rodado em 35 mm no ano de 1989. Em 1991, Rosemberg realiza Cinema Novo, curtametragem em vdeo no qual aborda de forma livre o movimento cinematogrfico, com depoimentos de seu mentor Mario Carneiro e do amigo Srgio Santeiro.
Podemos aferir que, de fato, a partir do incio da dcada de 1990, Luiz Rosemberg Filho se aprofunda nas especificidades da linguagem do vdeo, criando
uma obra de vertente ensastica, em forma de videocolagem, que s poderia
ser empreendida no suporte vdeo, e que se difere consideravelmente de sua
produo anterior em pelcula, composta, sobretudo, por filmes de fico.
Rosemberg adentra a dcada de 1990 realizando vrias obras em vdeo.
No binio 1993/1994 realiza oito curtas-metragens, com duraes que variam
entre sete e treze minutos, aos quais chama posteriormente de Experimentais,
uma espcie de srie informal. Alguns desses ttulos so Barbrie e Pornografia, de 1993, As sereias e Imagens e imagens de 1994.
Os oito vdeos foram coproduzidos pela Luz Produes, produtora de Rosemberg na poca, e pela Nave Me, ento produtora de seu irmo Tito Rosemberg; sempre realizados com a mesma equipe, que contava com a fotografia de Renaud Leenhardt e edio de Tito.
certo que essa srie de filmes j agrega os atributos basais que iro mar-
FERREIRA, 1986, 2000, p. 180. Trechos de cartas enviadas por Rosemberg a Jairo Ferreira.
Jornal alternativo, marcado pela resistncia ao regime militar. Foi publicado entre os anos
de 1975 e 1979.
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car o trabalho de Rosemberg em seus vdeos-ensaios, como a utilizao de colagens, que se sucedem na imagem enquanto um texto de autoria do cineasta
lido em registro de voz over. Citaes literrias em cartelas de autores como
Brecht, Benjamin, Godard surgem em maior profuso, embora j existissem
em seus filmes anteriores.
Luiz Rosemberg Filho inicia sua produo em vdeo digital a todo vapor a partir
do incio dos anos 2000, realizando curtas em digital para no enlouquecer,
como costuma afirmar. Essa sua filmografia recente j ultrapassa mais de trinta
filmes, entre curtas e mdias-metragens, todos feitos de maneira artesanal e totalmente independente, sem contar com qualquer tipo de financiamento estatal.
Destacam-se, dentro do panorama dessa grande quantidade de trabalhos,
ttulos como Guerra$ (2005), Nossas imagen$ (2009), O discurso das imagen$
(2009), e ainda os incisivos Trabalho e Desertos, ambos de 2011.
Realizados sempre com inmeros e diferentes colaboradores, que compem o elenco e a equipe tcnica dos filmes, todos os curtas em vdeo de
Rosemberg conservam, afora suas caractersticas estticas, algo em comum: a
direo de fotografia do parceiro Renaud Leenhardt.
Atributos gerais da obra de Rosemberg so a radicalidade e visceralidade estticas, a transfigurao e subverso de signos o que Jairo Ferreira designaria
como inveno: R chupa e transfigura o que o influencia, atingindo a originalidade21 , a busca pela poesia, o trabalho com o texto, que muitas vezes
por si s j possui considervel valor literrio/potico. So trabalhos sempre
imbudos de certo escopo totalizante, como designou Glauber Rocha.
Totalizante no sentido de ser um cinema que se vale de outras artes, seja na
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de fotografias, num misto de colagem e fotomontagem. Nessas imagens, quase sempre, esto presentes referncias ao imaginrio do cinema.
Podemos conjeturar que suas colagens se assemelham a espcies de filmes, nos quais os elementos, discursos e significados se encontram compactados e congelados em uma nica imagem fixa. De fato, a colagem e sua esttica
sempre integraram o imaginrio de Rosemberg, vide o ttulo de seu episdio
no longa Amrica do sexo, o segmento Colagem, ou mesmo sua fotomontagem para o pster de A$suntina das Amrikas.
Hoje, nos anos 2010, Luiz Rosemberg Filho continua realizando filmes, colagens e escrevendo de maneira contnua, num fluxo de trabalho ininterrupto, que
parece nunca parar. Em 2014, o diretor voltou enfim ao formato de longa-metragem, aps um hiato de 32 anos, se reinventando com Dois casamento$, filme
produzido por Cavi Borges e que se difere admiravelmente de sua obra anterior.
Para 2015, alm dos costumeiros ensaios em vdeo, esto previstas as filmagens
de Guerra do Paraguai, um novo/antigo projeto de longa-metragem de fico.
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REFERNCIAS BIBLIOGRFICAS
AGUIAR, Sindoval. O pensamento, a esttica e a linguagem no cinema de Luiz
Rosemberg Filho. No publicado, 1994.
BERNARDET, Jean-Claude. Como matar um cineasta brasileiro. In ltima Hora,
1./6/1978.
FERREIRA, Jairo. Cinema de inveno. So Paulo: Max Limoad / Embrafilme, 1986.
______. Cinema de inveno. So Paulo: Limiar, 2000.
______. A Crnica proibida de Rosemberg. In Folha de S. Paulo, 2/6/1978.
______. A$suntina das Amerikas s para estrangeiros. In Folha de S. Paulo,
28/6/1978.
MAIA, Rubens. Amrica do sexo. Folheto Cine Arte, 5/9/1997.
RAMOS, Ferno. Cinema Marginal (1968/1973) a representao em seu limite. So Paulo: Brasiliense, 1987.
ROCHA, Glauber. Revoluo do Cinema Novo. So Paulo: Cosac Naify, 2003.
ROSEMBERG FILHO, Luiz (org.). Godard, Jean-Luc. So Paulo: Taurus, 1986.
Outras fontes:
Entrevistas com Luiz Rosemberg Filho, julho de 2013.
Entrevista com Luiz Rosemberg Filho, abril de 2015.
Livro autobiogrfico de Luiz Rosemberg Filho, no publicado.
Site Memria da censura no cinema brasileiro. Disponvel em: <http://www.
memoriacinebr.com.br/>
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EISENSTEIN, Sergei. A forma do filme. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2002. p. 50.
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tes. Correndo por fora desse foco, alguns esforos solitrios tambm buscavam
uma expresso pessoal em imagens em movimento. O surgimento do cineasta
Luiz Rosemberg Filho fora da extenso JB Mesbla um desses exemplos de
uma identidade marcadamente pessoal e um tanto fora das perspectivas oficiais. Um surgimento no to bvio e tampouco favorecido por um esquema
que rapidamente tornou-se tradicional na revelao de talentos (o festival no
Paissandu tinha alcance nacional, passando filmes de vrios estados uma reflexo contundente sobre esse episdio est ainda a ser feita).
O Rosemberg que aparece por trs de sua obra inaugural, o obscuro Balada da pgina 3 (1969), inicialmente noticiado como parte de um filme episdico, um estreante fortalecido por nomes do Cinema Novo: o argumento de
Ruy Guerra e a fotografia de Mario Carneiro o situam fora do alcance da ruptura
vista em algumas equipes do Cinema Marginal. difcil falar sobre esse filme
to pouco visto e aparentemente fora do campo de viso para algumas geraes de cinfilos e pesquisadores.
A obra seguinte, o episdico Amrica do sexo (1969), torna a abrigar o dilogo com a gerao do Cinema Novo ao incorporar a participao de Leon Hirszman (em um trabalho divergente dentro da filmografia do diretor de A falecida).
Esse filme, embarreirado pela censura e exibido apenas dcadas mais tarde,
tambm um esforo dissonante, pouco conhecido e marginalizado pelas foras
da poca. Em seu episdio, Colagem, Rosemberg promove uma espcie de ensaio para o que ir realizar em seu filme seguinte, trabalhando o tema do sequestro e uma mise en scne performtica, alocada em planos de longa durao.
O jardim das espumas (1970), seu primeiro longa-metragem a ganhar relativa visibilidade e a ser distribudo comercialmente de forma pouco expressiva,
torna aparente as tenses entre o Cinema Marginal e o Cinema Novo. Uma
iconografia suja, agregada em planos longos e planos-sequncias, insere em
termos visuais um debate esttico aparentemente esquecido pelos artfices do
Cinema Novo e retomado com flego pelas produes marginais. Com os resultados conferidos em O jardim das espumas, Rosemberg se insere em uma
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parcela pouco visvel de cineastas com pretenses autorais que passa a produzir
uma filmografia que combina propostas mais radicais (e jovens) sem alardear um
discurso furioso contra o Cinema Novo. Ao contrrio, joga com ele. O Rosemberg
que aparece em cena em um dado momento do filme faz o seguinte comentrio:
O cineasta brasileiro um cara que quer fazer pesquisa, quer procurar coisas,
quer ver como vive esse povo, esse continente, essa misria, essa loucura. Ora,
essa a descrio de um perfil muito prximo ao de um realizador do Cinema
Novo. Poderia ser atribudo a um Glauber Rocha ou a um Carlos Diegues. Ainda
na mesma cena, Rosemberg vai aproximar-se do discurso cinemanovista ao comentar sobre a abrangncia de um filme: Mostrar que um filme mais do que
um filme, no uma simples histria, e sim uma reflexo sobre a nossa histria.
Esse um lema facilmente adaptvel a obras como Os herdeiros (1969), de Carlos Diegues, ou Brasil ano 2000 (1969), de Walter Lima Jr.
O jardim das espumas faz parte do mesmo fenmeno (ainda que guardadas
suas grandes diferenas) que contempla a estreia de Antnio Calmon, O capito Bandeira contra o Dr. Moura Brasil, e as primeiras obras de Miguel Farias Jr.
Ou seja, so filmes de uma gerao emergente que empregam alguma experimentao sem, contudo, banir o Cinema Novo em seus editoriais.
O longa-metragem de Rosemberg tambm incorpora um espao que transitou de forma muito especfica no voo mais experimental do cinema brasileiro
produzido na dcada. na simbologia da estrada em seu vis mais declaradamente potico que Rosemberg vai retomar um dilogo introduzido em Os cafajestes (Ruy Guerra, 1962), ampliado em Terra em transe (Glauber Rocha, 1967)
e problematizado em O anjo nasceu (Julio Bressane, 1969). Ainda em O jardim
das espumas, o prprio diretor em cena, junto parte da equipe, no esconde
certa expectativa em seu discurso para com O drago da maldade contra o santo guerreiro (1969), primeiro filme em cores de Glauber Rocha. A amizade com
Glauber, de quem Rosemberg nunca poupou entusiasmo em seus fartos mostrurios de afetividade, rendeu-lhe um igualmente afetuoso verbete em sua
enciclopdica Revoluo do Cinema Novo, e o rtulo de o mais consequente
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Em seu verbete sobre Rosemberg, Glauber tambm chama ateno para O jardim das
espumas, que teria lhe provocado fantsticas liberaes (ROCHA, 2004, p. 495).
4
Em seu livro, Cinema marginal (1968-1973) a representao em seu limite, o autor concentra o perodo de maior representatividade de um cinema marginal durante esses anos.
5
importante observar que o prprio diretor em cena do filme se posiciona verbalmente contra
o bonequinho de O Globo e demais mtodos de avaliao crtica empregados na imprensa.
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Os anos 80 vo associar com certa nfase a filmografia de Rosemberg ao Cinema Marginal. Em seu pioneiro artigo Por uma arqueologia do outro cinema,
uma das primeiras investidas visando inventariar o Cinema Marginal, Geraldo
Veloso faz duas menes a Rosemberg. A primeira menciona-o como uma das
figuras que se mantiveram numa linha de independncia mas bem prximos; e outra mencionando O jardim das espumas como fazendo parte de
outros filmes da poca, que vo completar o painel7. A citada linha de independncia possivelmente o fator indicativo da limitada participao de Rosemberg na rotina dos cineastas marginais, o relegando a tmidas menes em
um panorama relacionando parcerias e simpatias. Uma tal independncia que
o insere em um campo hbrido: de um lado como o amigo de Glauber este,
possivelmente o maior defensor da preservao do Cinema Novo ao longo do
tempo e um crtico atuante da produo udigrudi (rtulo criado por ele); e de
outro lado, como o diretor de filmes marginalizados e indissocivel da produo experimental (O jardim das espumas, Imagens, A$suntina das Amrikas).
Alguns anos depois da publicao do texto de Veloso, Jairo Ferreira dedica
um captulo a Rosemberg em seu Cinema de inveno (1986). O livro uma
ambiciosa tentativa (sem dvida a mais potica) de relacionar um grupo to
heterogneo que comeava a adquirir um status de cult em seu lacunar obscurecimento. Jairo compunha seu repertrio a partir do amplo vis da inveno,
o que lhe fizera rever suas escolhas em uma reedio posterior (um captulo
sobre Walter Hugo Khouri, sem dvida um estranho entre os experimentais, foi
suprimido da segunda edio).
FERREIRA, Fernando. O jardim das espumas. O Globo, Rio de Janeiro, 15.8.1973.
Publicado originalmente no jornal Estado de Minas em cinco edies entre maio e junho de
1983. Disponvel em: <http://www.contracampo.com.br/92/artoutrocinema.htm>.
ltimo acesso em: 4.6.2015.
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Finalizando os anos 80, o trabalho de Ferno Ramos sobre o Cinema Marginal (at hoje a nica reflexo acadmica extensa sobre o tema) volta a situar
Rosemberg entre nesta filmografia com certo destaque. Nos anos seguintes ao
boom marginal, o autor assim observa: Sganzerla, Bressane e Rosemberg so
os que continuam mais prximos esteticamente da produo marginal, mas j
sem o mpeto inicial e dentro de propostas pessoais de trabalho8. Novamente,
seguindo caminhos similares ao de realizadores ditos marginais, Rosemberg
vai obter apoio da Embrafilme em seus filmes A$suntina das Amrikas (1975)
e Crnica de um industrial (1978) em momento similar ao de Abismu (1977),
de Rogrio Sganzerla e O gigante da Amrica (1978), de Julio Bressane, todos
contemplados de alguma forma com algum apoio da estatal.
Apesar de inseridos em um mesmo recorte, as afinidades entre Rosemberg, Sganzerla e Bressane nunca foram muito alm do plano superficial. O
diretor no chegou a ter uma convivncia rotineira com a dupla criadora da Belair, muito embora houvesse certa proximidade atravs de amizades em comum
(Elyseu Visconti, Jos Sette, Andrea Tonacci). No panorama afetivo e movedio
de Rosemberg, certa vez foi declarado: O Julio [Bressane] se permite um tipo
de discurso onde a liberdade mais importante do que a proposta. Acho que
da turma do cinema independente ele o nico que se salva9. O depoimento
foi dado pelo diretor em 1978, quando da divulgao de Crnica de um industrial (e o momento de maior visibilidade de Rosemberg na imprensa).
O mais consequente artista made 1968
Se a apario de Rosemberg no furaco do final dos anos 60 no embate entre
um Cinema Novo conservador e um Cinema Marginal emergente e disposto a
ERAMOS, 1987, p. 100.
No mesmo depoimento, Rosemberg destaca positivamente, ao lado de Bressane, o filme
Tudo bem (1978), de Arnaldo Jabor (COURI, 1978, p. 9). Mais um mostrurio que insere o diretor em um programa aparentemente simptico a duas propostas to distintas e to marcadamente antagnicas (escolhendo um cineasta do Cinema Novo e outro do Cinema Marginal).
8
9
42
tudo lhe confere uma identidade fragmentria, dividida entre dois polos, seus
filmes vo ainda ampliar essa faceta. Se foi afirmado acima que o diretor um
filho dos anos 60 em uma acepo bem abrangente do termo, o comentrio
de Glauber que mais afina e torna precisa tal influncia: O mais consequente
artista underground made 1968.
o Maio de 68 mais especificamente na movimentao de Godard a partir
desse episdio que notabiliza uma srie de prticas , que parece repercutir na
filmografia de Rosemberg ao longo do tempo. no Maio francs que um conjunto de medidas vigora com maior expressividade um outro estado de esprito,
contestatrio, verborrgico e militante. Na paradoxal juno de estudantes e
operrios e as anomias que passam a formular um editorial por vezes monogrfico e coletivo, o cinema passa tambm a ser uma arma, uma ferramenta e,
sobretudo, um dispositivo anti-Hollywood.
Algumas anlises empreendidas concomitantemente primeira ecloso de
manifestaes nas ruas, fbricas e universidades francesas do um tom pico
para o acontecimento, esquivando-se, contudo, de concluses apressadas e
definitivas. As reflexes de Cornelius Castoriadis, Raymond Aron, Edgar Morin,
entre outros, mostram cautela em seus relatos feitos no calor do momento.
Michel de Certeau e sua expresso, a tomada da palavra (prise de parole),
que vai melhor ilustrar a relao de foras em pauta no Maio francs. Se era
ela, a palavra, o tesouro a ser resgatado, nada parece mais libertador do
que os muros e paredes, onde a efemeridade da palavra vocalizada rompe a
eficcia restrita do ato de oralizar e ganha a imanncia de um registro em sua
forma manuscrita. O Maio de 68, evento insurgente em um perodo em que a
produo de imagens em escala global comea a tornar aparente seu carter
banal e excessivo, parece promover tal inverso na ordem das coisas. A dcada
de 60 vai legar avanos inquestionveis no registro de imagens. Exemplos notveis, como a morte do presidente americano captado em Super-8, uma bitola
domstica, e as imagens eletrnicas produzidas na lua e transmitidas ao vivo
via satlite vo caracterizar a expresso a civilizao das imagens, cunhada
43
poca. Maio de 68 vai em parte promover uma temporria subverso desse expediente marcadamente imagtico. No que no fossem produzidos milhares de
metros em celulide sobre as manifestaes originadas em maio; muitos filmes
foram de fato rodados, chegando a originar um novo formato, os cintracts. Mas,
estranhamente, as imagens no tiveram a repercusso obtida pela forte manifestao grfica apontada nas revises formuladas ao longo das dcadas seguintes.
Maio de 68 parece ento ter realizado uma operao aparentemente impensvel
na ordem das prioridades em andamento no contexto miditico: colocou o dizvel na frente do visvel. E, no campo do cinema, do audiovisual, da produo de
imagens, essa transformao torna-se algo, no mnimo, revolucionrio.
Colocadas essas rpidas observaes, o exemplo mais expressivo para observar mudanas to notveis se d no novo Godard, o integrante do Grupo
Dziga Vertov, o operrio do cinema. Seu primeiro filme ps-Maio, Um filme
como os outros (1968), um flagrante dessa operao de relegar a imagem a
um segundo plano, e tambm de outras propostas deflagradas no perodo. O
Godard que assimilou o Maio como uma inevitvel continuidade de um processo j anterior (seu filme Weekend [1967] se encerra com as palavras fim
do cinema) vai dar declaraes que iro ilustrar muito bem sua ruptura. Entre
elas, destacam-se:
Eu era um cineasta burgus, depois um cineasta progressista, e depois no mais
um cineasta, mas um trabalhador de cinema. (...) e quando falamos de Hollywood,
entendemos Hollywood como todo mundo: seja o Newsreel, ou os cubanos, ou os
iugoslavos, ou o Festival de Nova Iorque, ou o Festival de Cannes, ou a Cinemateca
Francesa, ou o Cahiers du Cinma. Hollywood quer dizer tudo relacionado com o cinema. Assim, cada vez que a gente diz Hollywood est dizendo o imperialismo deste
produto ideolgico que o cinema.10
Essa entrevista a K. E. Carrol foi publicada no Brasil em 1970 e includa dois anos mais
tarde na coletnea Focus on Godard (CARROL, 1970, p. 6-7).
10
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quadro negro ou a parede de uma escola, que oferece a anlise concreta de uma
situao concreta11. O companheiro de Godard frente ao Grupo Dziga Vertov,
Jean-Pierre Gorin acrescenta: O primeiro conceito a destruir o conceito de autor12. Colocados esses depoimentos, todos mais ou menos do mesmo perodo,
observa-se essa dupla inverso: a de abdicar de sua individualidade reconhecida
(no mais um filme de Jean-Luc Godard, crdito j suprimido em produes
imediatamente anteriores), e a de alocar a tela de cinema no lugar do quadro
negro, um espao prioritariamente de escrita. Em Um filme como os outros, a
palavra parece exercer sua primazia sobre imagens que j no mostram muito
(no importante mostrar, no mais do que falar: os rostos daqueles que falam
no filme de Godard aparecem quase em todos os momentos fora do alcance da
cmera, impossibilitando um reconhecimento pleno). Os longos e por vezes cansativos planos do encontro entre operrios e estudantes debatendo sobre a relva
so tambm um reflexo da discusso que se embrenhou em diversos segmentos
a partir do ms de maio. Essa discusso, coletiva, annima e verborrgica , em
uma simplificao objetiva, possivelmente a dimenso mais aparente dessa rvolution sans visage (a expresso de Morin).
Esse filme de Godard, indito no Brasil at 2005, quando apresentado em
uma retrospectiva do Grupo Dziga Vertov, em um paradoxo tpico do Maio, sobreviveu a partir do tempo mais expressivamente atravs de menes (ou seja,
atravs de palavras) do que de projees de fato. Um desses efeitos, que transbordam as imagens propriamente ditas do filme e baseiam-se nas imprecises
do relato, culminou em uma interessante sequncia de O jardim das espumas.
Flagrante dessa estranha visibilidade que se d a partir de palavras, Rosemberg
se inspirou nos planos que ele poca no viu de Um filme como os outros e filmou uma cena para seu filme13. As diferenas, claro, so grandes ( uma espcie
11
AVELLAR, Jos Carlos. Vento, barravento (Glauber e Godard na porta da usina Lumire).
In: ALMEIDA, Jane de (Org.). Grupo Dziga Vertov. So Paulo: Witz, 2005. p. 85.
12
CARROL, K. E., op. cit., p. 6-7.
13
A informao dada pelo prprio diretor.
45
de reconstituio de uma imagem no vista, mas assimilada a partir de comentrios de terceiros). No entanto, assistir hoje ao plano em que a equipe de O jardim das espumas (incluindo o prprio Rosemberg) debate sobre a relva assuntos
como o espectador, os caminhos do cinema brasileiro, etc., remete a nada mais
do que ao filme de Godard. Rosemberg, em movimentao relativamente similar
a do diretor franco-suo, entra em cena e se junta equipe ao longo do plano.
Participa do debate com o tcnico de som (Walter Goulart) e atores: no parece
haver a hierarquia que isolou o diretor em discursos autorais do resto da equipe,
to cara gerao dos Cahiers du Cinma. Prximo ao fim do plano (pouco menos de nove minutos de durao), Rosemberg dispara: O filme de amanh no
ter nem diretor, ser um filme coletivo, ser uma anlise coletiva, onde voc vai
situar gente dele... eu acho que esse um pequeno trailer do cinema de amanh,
um esboo. Ou seja, o Rosemberg de fins dos anos 60 e incio dos anos 70
est em plena sintonia com o Godard ps-Maio. Tal semelhana, que se expande
a muitos outros sentidos, possivelmente gerou o afetuoso apelido de Godard
do subrbio, como dizia o falecido cineasta Elyseu Visconti.
Mas essa curiosidade entre planos no filme de Godard e O jardim das espumas ainda pouco expressiva em relao a grande confluncia de procedimentos que iro se alastrar por toda a filmografia de Rosemberg. Primeiro, preciso
observar que os filmes dirigidos por ele (longas e, sobretudo, os curtas e vdeos
realizados a partir dos anos 80) so significativamente falados. Ou ainda, so planejados a partir de discursos, palavras. A prtica de longas epgrafes e cartelas
reproduzindo textos variados (de Nietzsche, Schopenhauer, Benjamin, Grotowski
em O jardim das espumas, entre muitos outros), recorrente em toda a obra de
Rosemberg. Tal a intensidade do procedimento de leitura de textos em off que
ocorre, frequentemente, a ideia de uma inverso: as imagens servem como uma
ilustrao ao texto, como um comentrio visual s palavras que vo sendo lidas.
Literalmente lidas. Em muitos curtas se confere modelos (nem sempre atores,
e quando tanto, tal informao irrelevante) lendo textos; o registro da leitura
talvez seja mais significativo do que a encenao do texto a partir de mtodos
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dramatrgicos. Ou seja, observa-se na obra do diretor a indelvel operao empregada no Maio de 68 e a forte influncia da palavra sobre a imagem.
Em Sobre o conceito de espetculo (2013) o ttulo j evoca o Debord to
apropriado pelo Maio de 68 , abre-se com citaes de Camus e Godard. Em
seguida, revela-se que o filme dedicado a um livro (Godard e a educao) e
a seus autores. Adiante, uma menina l um longo texto, repleto de palavras
complexas, que obviamente no condizem com o repertrio de uma criana.
Ela l com dificuldade e chega a ser amparada pelo diretor, que por vezes a
corrige (sua voz ouvida em off). Nesse sentido, Sobre o conceito de espetculo se aproxima mais de um texto a ser lido do que de um filme a ser visto.
Os depoimentos lidos pela menina e em seguida por uma mulher parecem em
parte limitar o potencial visual do registro colhido pelo diretor: os planos so
quase sempre fechados, permitido apenas ver seus rostos e, eventualmente,
um pouco mais. Mesmo o material que serve de leitura est fora de quadro.
As imagens enxertadas sobre os depoimentos (anncio da Esso, fotografias,
imagens de televiso) perdem sua primazia visual e passam a ter um novo significado, esse a partir das palavras que esto sendo lidas pelos modelos. Mais
ou menos na metade do filme, um plano, a partir de uma panormica, revela
o diretor (tambm em plano fechado). Ele est de culos escuros, mas olha de
frente para a cmera (ou seja, para o espectador). Para um filme to falado, ele
limita-se ao silncio, pois tudo o que teria para dizer j havia sido dito, e o continuar sendo, por outras pessoas. A panormica ento tira o diretor do campo
de viso e em seguida retorna a ele, sem cortes: agora ele veste uma mscara.
Prximo ao fim, um plano agrega o rosto do diretor e suas mscaras, incluindo
a as duas modelos-leitoras, a partir de mltiplas fuses. So todos a face de
um mesmo rosto. Ou ainda, so a coletividade de uma mesma fonte discursiva.
Ao trmino, recorre-se novamente a citaes, voltando a um trecho de Camus.
A relao de foras entre imagem e texto colocada de forma muito ilustrativa em Afeto (2009). O curta-metragem inicia seu repertrio com uma citao de Freud. O texto lido por uma modelo (Denise Solot). Sua imagem,
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enquanto est lendo, vista a partir de letras, palavras. Aqui fica claro: so as
palavras (moventes) que permitem ver; a primazia do dizvel em relao ao visvel ganha uma ilustrao muito adequada na imagem (cmera parada) revelada
no interior das letras que atravessam o quadro.
Ainda sobre a relao de foras entre palavras e imagens: preciso observar a assiduidade da imagem do livro e de sua manipulao recorrente ao
longo de toda a obra de Rosemberg. importante filmar o livro, ainda que este
devolva em suas pginas outras imagens (em Afeto o folhear revela obras
de Francis Bacon) expande-se aqui a equao j invertida, entre o filme que
se faz ler e o livro que se faz ver. O fim de um trecho de Afeto encontra a imagem silenciosa de Rosemberg no ofcio incansvel da leitura, sempre amparado
pelas palavras em off de sua modelo. Em seguida ele rompe seu silncio e faz
o mesmo expediente de seus modelos, verbaliza a leitura que faz diante da
cmera. Sai de cena conforme uma frase de Drummond atravessa o plano e se
encerra na imagem vazia.
Agit-prop (1992-93) tambm um trabalho que expressa muito bem a prtica da inscrio do livro em cena, seu manuseio e suas transfiguraes. Trata-se
do registro do lanamento do livro Balaio incomum, de Moacy Cirne. No ambiente so colhidos depoimentos e presenas de lvaro de S, Suzana Vargas e
Clara Ges, alm de flagrantes do autor na noite de autgrafos e de sua famlia.
Os depoimentos e mesmo as imagens dos membros da famlia e do autor cap-
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52
Texto sobre O jardim das espumas originalmente publicado no programa n. 234 da Cinemateca do MAM, em 16.10.1970. Disponvel nesta edio na pgina 149.
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53
REFERNCIAS BIBLIOGRFICAS
AUMONT, Jacques. As teorias dos cineastas. Campinas, SP: Papirus, 2012.
AVELLAR, Jos Carlos. Vento, barravento (Glauber e Godard na porta da usina
Lumire). In: ALMEIDA, Jane de (Org.). Grupo Dziga Vertov. So Paulo: Witz,
2005.
AZEREDO, Ely. Situao dos cinemas de arte. Filme Cultura, Rio de Janeiro, n.
3, p. 51, jan./fev. 67.
CARROL, K. E. Godard. O Pasquim, Rio de Janeiro, n. 77, p. 6-7, 9 a 15.12.1970.
CERTEAU, Michel de. Pour une nouvelle culture: prendre la parole. tudes,
jun./jul. 1968.
COURI, Norma. Crnica de um industrial a censura probe o filme que mostra
a ascenso e queda da burguesia nacional. Jornal do Brasil, Rio de Janeiro, p.
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FERREIRA, Fernando. O jardim das espumas. O Globo, Rio de Janeiro, 15.8.1973.
FERREIRA, Jairo. Cinema de inveno. So Paulo: Limiar, 2000.
RAMOS, Ferno. Cinema marginal (1968-1973) a representao em seu limite.
So Paulo: Brasiliense, 1987.
ROCHA, Glauber. Revoluo do Cinema Novo. So Paulo: Cosac Naify, 2004.
ROSEMBERG FILHO, Luiz. O jardim das espumas. Programa n. 234. Rio de Janeiro: Cinemateca do MAM, 16.10.1970.
VELOSO, Geraldo. Por uma arqueologia do outro cinema. Belo Horizonte/
MG, 1983. Disponvel em: <http://www.contracampo.com.br/92/artoutrocinema.htm> ltimo acesso em: 4.6.2015.
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Fortuna
crtica
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AMRICA DO SEXO
Rubens Maia1
HISTRICO
Realizado entre julho e agosto de 1969, na bitola de 16 mm e P&B, com
produo independente de Rubens Maia, autor de um dos episdios, sendo
os outros de Luiz Rosemberg Filho, Flvio Moreira da Costa e Leon Hirszman.
tala Nandi faz sua estreia em cinema, protagonizando os quatro mdiasmetragens que compem o filme. Nildo Parente, Maria Pompeu, Ecchio Reis,
Jos Celso Martinez, Renato Borghi, Andr Faria e outros completam o elenco
do filme, que conta ainda com a participao especial de Mireille Dark e Fritz
Lang por ocasio do 1. FIC-RIO, na prgula do Copacabana Palace.
Em outubro de mesmo ano, foi assinado contrato com a Servicine, produtora de SP que se responsabilizou pela ampliao de 16 mm para 35 mm at a
sua concluso, e mais, o direito de distribuio. Porm, ao ver o resultado final,
a coprodutora se desinteressou pelo filme, diante das dificuldades que iria ter
junto censura de Braslia, e, tambm, estavam decepcionados, ao acreditarem terem produzido um filme de sacanagem, como havamos dito.
Com o auxlio da CN Promoes, na pessoa de Dulce, uma loura bonita e
de fcil acesso entre os militares, o filme foi levado para a censura de Braslia,
para tentar se obter o certificado de censura, sem o qual o filme no poderia
1
Rubens Maia foi produtor de Amrica do sexo (1969), no qual dirigiu o episdio Bandeira
zero. Publicado originalmente em folheto do Cine Arte UFF, quando da primeira sesso do
filme, em 5.9.1997.
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ser exibido. A reao dos censores foi de repdio e estupefao diante do que
assistiam. No por que ou pelo que o filme mostrava ou dizia, mas o que irritara
mesmo foi a questo da linguagem.
Eles no entenderam nada do que viam e ouviam, e suspeitavam de tudo
que no se encaixasse na lgica deles. Quer dizer, o filme todo. Foi decretada
ali mesmo a sua interdio, com recolhimento dos negativos etc. etc. etc.
Acontece que um dos censores caiu nos encantos da nossa Mata Hari, que no
s conseguiu destruir os protocolos que legitimava o filme como interditado, como
tambm conseguiu convenc-los a virem ao Rio com a cpia, para nos mostrar os
cortes que deveriam ser feitos, que eram tantos, que no iria sobrar nada.
Com o auxlio cauteloso do Cosme Neto, diretor da Cinemateca do MAM,
a cpia no foi devolvida para Braslia; por via das dvidas o filme nem existe e
o tempo se encarregou do resto.
Trinta anos j se passaram e a segunda vez que ele exibido em sesso
aberta, mas considero essa exibio na UFF a sua estreia.
A primeira vez (pr-estreia) foi no CCBB por ocasio da Mostra Leon de
Ouro. Ocasio em que tala assistiu pela primeira vez o filme e para sua surpresa
adorou. Suas expectativas no eram grandes, primeiro porque ela no se lembrava mais do que tinha feito. Depois teve um romance entre tala e Andr que
resultou em casamento, e de certa forma tambm a sua sada do grupo Oficina.
Sobre isto, quem poder falar alguma coisa tala, mas posso assegurar que o
que mais contribuiu para isso foi seu encanto de juventude. ramos jovens, audaciosos, destemidos, numa poca em que todo cuidado era pouco. O filme, que
aos olhos dos censores de Braslia era imoral, anrquico e subversivo, se visto
pelos olhos de agora poderemos verificar e concluir o disparate da intolerncia.
Hoje Amrica do Sexo no mais surpreende pelas cenas de nus e sexo
(que no existe explcito) nem pelo que possa ter de poltico (se que tem),
mas certamente alguma coisa me faz acreditar que Amrica do Sexo guarda
alguns elementos de surpresa, alguma carta na manga, que s o publico e a
crtica podem identificar e nos dar. Pode ser tambm que no tenha carta al58
Cena de Bandeira zero, episdio dirigido por Rubens Maia em Amrica do sexo (1969)
59
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A exibio (improvvel, alis) desse filme no resolveria grande coisa, mesmo exibido seria certamente relegado a um ou dois pequenos cinemas, ignorado pela crtica, visto apenas por uns poucos e atentos abnegados. O mercado
exibidor admite cada vez menos produtos do gnero e para substitu-los parece haver cada vez mais superpornografias multicoloridas. Esto condenadas
ao anonimato tentativas como essa de fazer do cinema um instrumento de
reflexo. Tornam-se cada vez mais raros filmes como esse que tem a coragem
de levar suas propostas s ltimas consequncias, de se oferecer sem pudor,
de ser expor sem mscaras. Produto tpico contra o qual se voltam exibidores
e mentores do cinema-indstria pela extenuante durao de seus planos, pela
sua agressividade intelectual e fsica mesmo. O jardim das espumas parece
condenado a permanecer maldito (condio a qual vo ficando relegados cada
dia mais filmes), vtima da ironia de alguns, da intolerncia de outros, pea incmoda no deslize geral para o cinema oficializado.
A insatisfao o sentimento gerador do filme; insatisfao com o sistema,
com o cinema e do autor consigo mesmo. A primeira surge atravs da utilizao
de cenas de arquivo em que aparecem lderes nazistas, multides aplaudindo
o fhrer, imagens guerra, homens mortos nos campos de concentrao e KingKong avanando vrias vezes para a tela; colocadas no incio e no final, essas
Eduardo Escorel cineasta, crtico e professor de cinema. Originalmente publicado em O
Pasquim n 79, 6-12.1.1971, p.28.
1
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cenas, como que uma denncia e uma advertncia, caem na facilidade de sugerir uma comparao simplista, mas no perdem, por isso, nada de sua fora.
A segunda insatisfao com o cinema surge desde a prpria filmagem em 16
mm, para posterior ampliao (que empresrios e autoridades tentam boicotar) e na durao do filme (mais ou menos duas horas) at a utilizao de planos
longussimos, fixos, entrecortados com planos totalmente pretos (ou brancos);
inclusive no volume da trilha sonora sempre no limite da saturao. E a terceira
insatisfao a que se manifesta atravs das personagens que na violncia de
seus gestos vo se aniquilando. No h praticamente relacionamento entre elas
fora da violncia, da luta tortura, ao assassinato, todas as formas de violncia
so praticadas. O nico momento de relacionamento no violento um longo
amor a trs que na sua total falta de erotismo torna-se meramente ilustrativo.
Dito isso, pode parece que se trata de mais um... mais um filme a evitar, mais
um filme cujo melhor destino mesmo o das prateleiras... mais um filme hermtico (acusao ao cinema brasileiro que parece estar sendo revivida)... mais um
etc. impresses que apenas legitimam intolerncia e discriminao.
Ao contrrio de alguns filmes a ele superficialmente similares, O Jardim das
espumas no se entrega ao jogo gratuito das formas, ao hedonismo pessoal e
cinematogrfico, ao que-me-importismo. Rosemberg incorpora as experincias
mais variadas com um fim determinado: o de tentar, manipulando com total
liberdade seu material, encontrar para si e exigir dos outros um comportamento desalienado. Esse esforo (embora de antemo condenado produto estranho num meio hostil), cujos pressupostos mtodos e resultados podem ser
discutveis, deve ter ao menos o direito de ser testado, sem o que ele no se
completa, nem chega a existir plenamente. Por sua vez, das deficincias e equvocos que o filme encerra, o mais grave justamente o que mais o aproxima
daqueles filmes ditos marginais: o de parecer acreditar na trilha aberta pelo
Teatro Oficina que o pblico o inimigo, e que agredi-lo um gesto poltico.
Alvo errado processo falho.
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Telhados de vidro
Srgio Santeiro1
Luiz Rosemberg, sim. Mestres do presente, trocamos impresses e sentimentos nos bate-bolas das telas. Algum dizia a respeito do cinema novo: Vocs
gostam dos filmes uns dos outros porque so amigos. Resposta: No. Somos
amigos porque gostamos dos filmes uns dos outros. Algo que talvez no saiba
quem no comungue de algum ideal: alimentamo-nos na arte como na vida
dos trabalhos mtuos de nossa classe os pedreiros, como os padeiros, como
os cineastas. A forma que a ideologia. Somos mordidos pela mesma cobra,
os corpos estrebucham semelhantemente. A comunicao que se estabelece
por intermdio do filme entre o autor e seus pares mais profunda que a do
espectador porque uma relao de produo e no relao de consumo.
crtica, que se arvora sem voto em rbitro do consumo, evidentemente tudo
isso escapa: quer ver apenas luzir o brilho nos prprios olhos quando na tela acende o fogo-ftuo das metrpoles. A importncia da crtica que ela o mais perfeito termmetro da dominao cultural. Belo instrumento, indica-nos a temperatura
do dia nas testas de Wall Street. Ao menor sinal de abalo do predomnio do produto importado, a crtica se mexe e fica at veemente. Sadam estrepitosos qualquer
fantasma do passado. Primeiro sinal: o cinema importado nunca contemporneo,
chega sempre atrasado e um de suas funes residuais manter no atraso e a
reboque a evoluo da forma cinematogrfica sua contribuio ao conservadoSrgio Santeiro cineasta e professor de cinema da Universidade Federal Fluminense (UFF).
Originalmente publicado no Jornal de Ipanema, em 25.3.1977.
1
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rismo poltico. Ao mesmo tempo repelem os crticos ou torcem o naso ao que est
mais vivo, embora pouco evidente, que o cinema contemporneo no Brasil.
Luiz Rosemberg um dos mais presentes artfices do nosso cinema contemporneo que o grande pblico desconhece graas ao progresso de
Hollywood e inrcia da Embrafilme, que apesar de trunfos cheios, prefere
continuar a jogar com as cartas marcadas. A Embra precisa trocar o strip poker
pelo xadrez prever os lances. A diminuio de salas comerciais convencionais
precisa ser respondida com a ativao de circuitos alternativos que sustentem
o escoamento da produo crescente, que ficar estrangulada no tempo que
durar e se houver a substituio do parque de exibio atual os grandes e mamutianos cinemas pelas salas mltiplas menores, de que os cineclubes so a
forma precursora. A profissionalizao dos cineclubes tarefa que Embrafilme
custa menos que seus luxuriantes e horrorosos cartazes de divulgao.
Luiz Rosemberg bem mais, outros pagam o preo do servilismo aos mtodos antigos tanto da crtica quanto da burocracia, mas marcam seu tempo e
seus contemporneos. A exibio de O jardim das espumas, um de seus filmes
anteriores, se no me engano em 1972 no Rio, foi saudada por Eduardo Escorel
em artigo, se no me engano no Pasquim, onde fica o registro e a anlise da importncia de seu trabalho por tambm outro companheiro. Mesmo a mim, que
me considero um artista de vanguarda, causou-me espanto a acidez e a incomplacncia de seu relato de nossos terrores e misrias do momento atualmente
mais um documento de fidelidade funo da arte que no a de agradar aos
gregos e troianos, o pblico e a crtica imediatos, mas o de guardar os ares do
tempo salubre ou insalubre que nos entopem os pulmes a todos.
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No set de A$suntina das Amrikas (1975) com Analu Prestes e Renaud Leenhardt
No set de Crnica de um industrial (1978), entre o fotgrafo Antnio Luiz e o ator Renato Coutinho
97
mas parece ter sido realizado e de modo quase amadorstico sob a solicitao
de impulsos e levando em conta uma estrutura narrativa de conceituao mnima.
Catico, desleixado, reflexo de variadas influncias (a science fiction, o teatro de Vitor Garcia, certas tiradas moda de Godard) e mltiplas obsesses
colhidas numa reflexo sofrida sobre a violncia, a escalada incontrolvel do
poder discricionrio, a constatao do que h de desumano na sociedade de
consumo, o filme , sem dvida, insatisfatrio, embora nem por isso desprezvel. Pode-se dizer que o cineasta iniciante tem lampejos de criatividade logo
exauridos numa repetio impertinente na imagem, nos recursos de som utilizados, na solenidade intil das falas e do texto em voz off. Mas este primeiro filme
de imperfeio gritante (inclusive quando se prope agredir o que a tradio
consagrou como perfeio) convoca simpatia pela sinceridade e a coragem.
Ctico, inconformado, denunciador, excessivo, O jardim das espumas s
pode, entretanto, ser aceito pelo espectador que se dispuser a nele ver um depoimento sobre a poltica, a sociedade, o cinema de um moo brutalizado
pela viso dos descaminhos do homem na sociedade de seus dias.
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NE: Trata-se de uma espcie de release do filme em francs, possivelmente publicado quando da projeo do filme no Festival Internacional de Cinema Jovem de Toulon, em junho de
1973. Esse material foi primeiramente disponibilizado no site Memria da censura no cinema
brasileiro, diponvel em: <memoriacinebr.com.br>.
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Embora ainda no seja conhecido pelo grande pblico, devido aos problemas que encontrou com a Censura e com os exibidores de m vontade (no
lanam seu O jardim das espumas, que foi liberado h algum tempo, s porque o filme em branco e preto), o cineasta Luiz Rosemberg Filho j tem uma
trajetria que resume algumas das principais contradies do cinema nacional.
H pouco mais de um ms a Censura proibiu seu ltimo trabalho, o polmico, potico e poltico Crnica de um industrial, que j estava legendado em
francs para representar o Brasil em Cannes. A proibio foi feita para o exterior
e para o mercado interno. Ironicamente, porm, seu filme anterior, A$suntina
das Amrikas, acaba de ser convidado para representar o Brasil no Festival de
Edimburgo, Esccia, (que se realizar de 20 de agosto a 3 de setembro), embora a nica cpia do filme que o diretor possui no esteja legendada em ingls.
A$suntina est proibido para o mercado interno, mas liberado para exibies
no exterior, o que chega a ser hilariante. Evidentemente, quem deve providenciar a legendagem do filme com urgncia a Embrafilme, pois o Festival de
Edimburgo no manifestou interesse pelas superprodues brasileiras do movimento Cinemo, cujo nvel alcanaria, quando muito, o consumo no mercado
externo, nunca a representatividade que todos os filmes de Rosemberg tm.
A$suntina um filme sobre a realidade brasileira, segundo o cineasta.
Jairo Ferreira (1945-2003) foi crtico de cinema e cineasta, autor do livro Cinema de inveno. Originalmente publicado na Folha de S. Paulo em 28.6.1978.
1
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A$suntina, ao contrrio de Crnica de um industrial, um filme explosivo, um antimusical sobre as influncias de Hollywood na realidade brasileira.
Hollywood na mitologia ocidental do passado sempre presente. O cinema
tupiniquim, na fantasia das massas domadas pela ideologia do consumo, do
conforto, da tranquilidade, da americanizao da vida brasileira, o verdadeiro milagre do modelo. O filme uma pera, um musical, uma comdia, um
gesto colorido de liberdade criativa, diz o diretor.
Ao mesmo tempo, Luiz Rosemberg Filho est tentando inscrever seu filme
Crnica de um industrial no Festival de Braslia que ser realizado no fim do
ms de julho. Como se sabe, a Censura costuma liberar somente para exibies
durante festivais. Ironicamente, porm, surge um novo problema: a nica cpia
do Crnica est legendada em francs, o que d impresso de que trata-se
de filme europeu (algum Jean-Marie Straub ou Mikls Jancs). Uma impresso
certamente muito prxima do real, j que A$suntina, por exemplo, foi liberado
somente para o exterior por ter cometido o pecado de falar da realidade brasileira. Da se conclui que o Brasil s est liberado para exibies no exterior, no
podendo ser consumido no mercado interno. Um absurdo que, de to trgico,
j est virando piada.
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Um filme corsrio
Sylvio Back1
Sylvio Back cineasta e poeta. Originalmente publicado na revista Lui Brasil, n 3, abril de 1977.
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medida que esta inslita nau cinematogrfica se aproxima da costa, algumas impresses iniciais se confirmam e se erigem outras, inescrutveis, como a
pedir escafandro para decifr-las. Supreendente: A$suntina das Amrikas traz
tela brasileira um erotismo enclausurado por um discurso poltico-ideolgico
dela ausente antes por outras razes do que enjoos inquisitoriais.
So trs, quatro ou cinco sequncias absolutamente contagiosas, discutveis, sim, mas as mais contagiosas e libertrias destes anos em que temos colocado dezenas de simulacros de homens e mulheres nas camas e palanques dos
nossos filmes. Recorrer a Pasolini no ser extemporneo quando entendermos
em A$suntina das Amrikas que se navega nas mesmas guas de Eros, Tnatos
e poltica, to caudalosas nos filmes do mestre assassinado, Wilhelm Reich,
moda cabocla, inoculado da febril energia dos trpicos. Histria, contracultura,
lendas, sagas, cordel e gozaes, libi para desencaminhar aquele espectador perfeitamente acomodado a sociabilidade do cinema. Cinema sinnimo de
ch das cinco. Cinema nota dez em comportamento e asseio.
Ancorado diante de ns, A$suntina das Amrikas um filme insolente, com
uma atriz debochada, com um ator irritante, com anjos, mes, danarinas, esqueletos, malfeitores e fantasmas atrevidos, com um diretor cnico (travestido em ocasies as mais srdidas). Nada srio no filme de Luiz Rosemberg:
quem pode tolerar uma frequente subverso entre os cdigos da superfcie
(imagisson) e os abissais (a cabea do espectador)? Uma coisa inquestionvel:
Rosemberg e seu cometimento esto a desafiar a mansido dos mares cinematogrficos deste pas. Marolas, no, entendeu Rosemberg?
Citao do filme: Pra vocs, o cinema apenas um espetculo, para mim
uma concepo do mundo. (Maiakovski)
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Como matar
um cineasta brasileiro?
Jean-Claude Bernardet1
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teve o prazer de ver lanado nenhum de seus quatro ou cinco filmes de longa
metragem, em consequncia da ao conjugada da censura, produtores e distribuidores. O Balada no foi lanado porque os produtores no gostaram do
filme, diz Rosemberg. A$suntina das Amrikas (1975) e Crnica de um industrial (1978) no foram lanados porque a censura os interditou na ntegra para
todo o territrio nacional e para exportao. A censura manteve a sua deciso
relativa ao Crnica, inclusive aps o filme ter sido convidado oficialmente pelo
ltimo Festival de Cannes. A distribuidora desses dois filmes, a Embrafilme, no
demonstra o menor interesse em obter a liberao, apesar de ela ser, como distribuidora, responsvel pela comercializao dos filmes. Mas para que criar zonas de atrito com a censura, quando se ganha tanto dinheiro com outros filmes.
Escapou a esta proibio total o filme que Rosemberg fez em 1970, O
jardim das espumas ficou proibido apenas at o incio de 1972; foi ento
liberado e vagamente lanado com uma hora a menos, resultado dos cortes
operados pela censura e pelos produtores; e, no fim de 1972, O jardim voltou
a ser proibido.
O santo silncio
Mas no s de censura morre um cineasta. O tipo de cinema que pratica
Rosemberg no comercial, nem se destina a atingir um grande pblico, e
ele no uma grande vedete internacional nem nacional. Logo, a sua situao no sensibiliza nem a imprensa nem o meio profissional cinematogrfico.
Neste meio, os pronunciamentos gerais em favor da liberdade de expresso
continuam em moda, mas a luta em torno de filmes especficos, neste momento de euforia comercial que vive o cinema brasileiro, est desgastada.
Nem a proibio de dois filmes consecutivos do mesmo cineasta consegue
escandalizar os cineastas e jornalistas. A proibio de A$suntina das Amrikas
juntamente com a proibio para exportao de Morte e vida Severina de
Zelito Viana, a proibio integral de Frango assado, de Carlos Vereza, e outros filmes no motivou no ano passado, seno uma nota ritual por parte dos
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CRNICA DE UM INDUSTRIAL
David E. Neves1
David E. Neves (1938-1994) foi cineasta. Originalmente publicado na revista Filme Cultura.
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lidade, sem o pavio, entretanto. Como us-las? Velas em geral so usadas nos
momentos de black-out. Eis a, Luiz Rosemberg Filho o maior produtor de
velas daylight, isto , que dispensam a escurido, mas condicionam-se inteligncia, sensibilidade e ao bom gosto.
A verdade deve imperar. Este artigo feito por algum que tambm despreza o comrcio, no sentido em que ele reprimido por teorias meio abstratas, mas que no ignoram o que se passa num meio em que a pureza das boas
intenes est de h muito comprometida por uma luta na qual o vale-tudo
abole lamrias elege a esperteza e espera com ansiedade as novidades das
cabeas fortes e objetivas capazes de criar algo competitivo e autntico, para
que o Brasil e o nosso cinema sejam realmente nossos.
Feito diretamente em 35 mm e em cores, Crnica de um industrial coerente
e ntido bastante, dispensando explicaes suprfluas, textos margem, ou notas
de p de pgina. J se insinua, por si s, ao consumo e, com o tempo decorrido
desde O jardim das espumas, pertence a uma nova gerao estilstica. Mantm a
predominncia da palavra (aqui falada e no escrita), apesar de a fotografia primorosa de Antonio Luiz Soares deixar-nos por vezes displicentes do discurso poltico
da trilha sonora. Vincula-se diretamente ao O jardim das espumas (Adriana de
Figueiredo no seria, aqui, a reencarnao da Fabola Fracarolli de ento?), mas
tem a ver com A$suntina, na medida em que o entreato musical citando Singinin
the Rain (Cantando na chuva) transfere-se agora para My Fair Lady.
a msica clssica, porm, que pontua, d densidade e, de certa maneira soleniza Crnica, trazendo ao drama de Gimenez (Renato Coutinho) e de seus comparsas um status diferente daquele que possuam os personagens dos filmes anteriores.
A mise en scne ritualstica e cada sequncia assemelha-se a um sacrifcio
religioso, uma oferenda, ou uma soluo. O domnio do mtier atingiu sua plenitude, e faz, finalmente, extravasar do filme um charme, uma fotogenia, que as
palavras no conseguem definir.
A sensao do passado a limpo sobrevive durante todo o tempo de projeo
de Crnica e eleva a leveza do ttulo galeria das obras profundas e definitivas.
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Crnica de um industrial, filme brasileiro de Luiz Rosemberg Filho, que se encontra em cartaz, at domingo, no auditrio da Biblioteca Central, uma obra
de exceo no panorama cinematogrfico nacional. O enfoque de Rosemberg
em cima de um poltico em crise, homem de empresa, que tambm no encontra sada para seus impasses existenciais. Seria talvez uma trgica viso do
mundo mecnico-idealista, a falncia da represso como modelo poltico. No
elenco, os nomes de Renato Coutinho, Ana Maria Miranda, Eduardo Machado,
Ktia Grumberg, Adriana de Figueiredo, Wilson Grey. Importante colocarmos
aqui o depoimento prestado pelo autor do filme, Luiz Rosemberg Filho, sobre
o seu impulso, motivaes, etc., para fazer Crnica de um industrial. Vamos l!
Os detritos eufricos do nacionalismo-desenvolvimentista esto dissolvidos na mudez das esfinges e no silncio cinzento dos novos faras & Co. Verduras pisadas sobre o asfalto, policiais vigiando o sculo XX. Dias inteis e vazios
em Eldorado, So Vicente ou Santiago...
difcil refletir sobre ns mesmos e termos uma concluso correta e sobretudo honesta. Por motivos to extremamente diversos, a desonestidade, nos
julgamentos, nos leva a mentir sobre ns mesmos. Num mundo de ilusrias
aberturas para a realizao, o que nos resta apenas a idealizao sobre a pessoa. O resto fica reduzido a algumas palavras e expresses comuns a um deterAndr Setaro (1950-2014) foi crtico de cinema e professor de audiovisual da Universidade
Federal da Bahia (UFBA). Originalmente publicado na revista Programa, 13-19.2.1981.
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quinharia, inveja alimentos do cotidiano tropical. Amargando uma solido profunda, no sabia mais como trabalhar num filme meu (nosso) em que estou por
inteiro, com minha formao deformada, sendo pela primeira vez criticada
luz do desejo e da psicanlise. No uma psicanlise ortodoxa, desta ou daquela corrente, mas uma vulnerabilidade que permitiu a existncia de um Freud
ao lado de Gramsci, um Reich ao lado de Brecht, Camus, Barthes e mesmo
Bataille... Ainda no posso imaginar o que foi para cada um participar deste
processo de redescoberta da poltica onde o sexo tambm assume uma postura de prazer e poder. Crnica de um industrial a exorcizao de 35 anos de
envolvimento poltico com traumas, misrias, paixes, medos, recuos, solido,
contradies e anlise. No posso deixar de reconhecer a significao de Godard, Pasolini, Losey, Straub, Bertolucci e Bergman na minha formao, hoje
mais clara e madura.
(...) Em termos de vida, o assunto desta tomada de conscincia o conflito
existente entre a cincia e a poltica. Os personagens de Crnica de um industrial optam pela morte: mais especificamente o suicdio de uma velha conscincia de traumas, medos, angstia e impotncia: a solido como pontuao trgica de cada gesto. O real movimento das velhas lideranas... Particularmente o
que me levou a viver politicamente o cinema pode ser tambm o que me levar
a morrer: a amarga certeza de estar s. Essa relao entre a vida, a imaginao
sem fronteiras, o suicdio e a morte, exigiu da minha parte uma confisso s
vezes beirando as profundezas do desespero humano.
Como vocs iro notar, o problema colocado talvez seja mais moral do que
poltico. O fato poltico surgiria como uma resultante dos impasses morais do
industrial. Todo o problema abordado comea, termina e deixa suas concluses para o espectador a partir da angstia existencial do industrial, irrealizado
durante toda a sua carreira. Seria ele um demagogo do pior estilo, um poltico
com ideias revolucionrios cortadas pela raiz por foras a ele superiores, um
mstico que se propunha a libertar um pas, um poltico qualquer que vendo
chegar ao final de sua vida, como tantos outros, reflete o passado? Ou seria ele
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O santo e a vedete
Joo Ricardo Moderno1
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J. Borges, produtor do filme, o primeiro a conden-lo. Por iniciativa e conversao deste colunista, O santo foi, em Paris, convidado extraoficialmente
para Cannes, tendo o convite sido recusado por J. Borges. Loucura! No Festival
de Cartagena, Colmbia, tambm Borges no aceitou. Espera-se uma declarao pblica de J. Borges para se esclarecer os motivos de boicotar seu prprio
produto. Rosemberg um artista, no sentido mais pleno e amplo, portanto, o
cinema que faz a negao da arte at aqui entendida como tal. A arte a
negao do conceito de arte porque este a tradio e no o novo. O resto
repetio e esquerdismo. Botar a TV Globo ao avesso o mnimo que Rosemberg pode demonstrar enquanto potencial artstico. Em Rosemberg cinema
aquele que se est fazendo, criando processo, e no o que foi feito. Cinema,
enquanto tal, a negao parcial, porque jamais total, do que se entende por
cinema, essa a viso de Rosemberg.
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Paisagens na utopia
Joel Yamaji1
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de valor, no mrito do valor, sua principal lgica. Quanto vale ento uma obra
do ponto de vista de sua esttica, ponto de vista esse determinado, por sua
vez, pela prpria indstria das obras, do ponto de vista, ento, da montagem,
da atuao, da fotografia; assim vo se agregando valores at que o prprio
todo se torne um objeto coeso, assim soam as perguntas e o preo se determina. Os filmes de Rosemberg, contudo, so um incansvel obrar, a partir de
documentos, relatos, errncias, e constitudos no interior de um processo de
produo e distribuio voltado para a mudana das estruturas sociais em que
so produzidas as imagens. De certa forma, eles poderiam se autodestruir, pois
se remetem materialmente realidade, e no simplesmente arte.
Seu ltimo filme Dois casamentos expe a imagem onde transcorre a carne
histrica de uma das instituies que no , de forma alguma, como dizem,
uma instituio falida, mas continua uma das mais potentes at hoje. Rosemberg j toca de sada em um dos pontos mais difceis de se reconhecer: o
casamento mantm o mesmo impacto institucional de h sculos. Seu intuito
o de unir trajetrias sociobiolgicas semelhantes, com o mesmo grau de hegemonia, de modo a perpetu-las; famlia, profisso, religio so os modelos
de perpetuao contnuos desse poder. No pode haver mistrios, segredos,
para um amor, assim, conservado em tantas razes, to abertamente (socialmente) conservado com confiana. No h o grau do aleatrio, esse jogo
de dados do destino. Pode existir somente a verdade, o mtuo respeito, que
o destino j determinado esse pacto. A cidade no interior, onde duas
mulheres esto para casar, a igreja onde esperam, ou se arrumam, , no filme,
um fundo preto, sem perspectiva, onde a primeira personagem, Carmen, sabe
que vai entrar em cena. Ela tem o tempo inteiro conscincia de seu papel de
noiva e est lanada no seio do aleatrio pois comeou a se desprender da
primeira camada do destino, que adquire a imagem de sua desorientao, a
da contingncia. A verdade qual se apega a de que fizeram com ela uma
aposta; uma mquina de tear do futuro deixou-a ali, naquele fim de mundo.
A conscincia, quase intelectual, porm, pela qual se guia no entrega as
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ferramentas para a sada, muito pelo contrrio. Na conscincia onde se afunda, pois nela que esto contidos os traos da tradio. Como a mscara de
Fernando Pessoa, ela teme estar colada para sempre a seu personagem. Essa
a sua tragdia e sua fantasia.
A expectativa maior de Carmen passa a ser o convencimento de sua interlocutora, Jandira, sobre o vazio de seus casamentos e, pelo jogo dialtico da relao, uma sada que esta lhe sinalize. Esta ltima, de incio no consegue acreditar na nova realidade desconsoladora que a circunda, que, de alguma forma,
aquele casamento pelo qual esperara no estaria acontecendo, ou no faria
sentido, e entra em um debate tico com Carmen. O filme esse transcorrer
do casamento que no aconteceu e o dilogo das duas. Quase podemos ver
as pessoas entrando na Igreja, sentando-se, o padre dando a bno, o tapete
vermelho no centro. As noivas esto de vestido branco nesse tempo paralelo.
Mas o entorno continua imutvel, um palco sem linha de sada, apocalptico,
e, assim, a contrapelo, o casamento torna-se os rudos fnebres de portas, os
giros frenticos de cmera, os berros amedrontados das duas, o grande processo de aniquilamento que comea a se instalar. Sabemos que o sonho tem
a mesma matria do pesadelo e que o que se transforma mais facilmente em
filmes de terror so os cenrios da esperana.
Jandira est colada a uma realidade que quer apaziguar, quer constituir famlia e viver do trabalho trabalho que ocupa junto Carmen, como profissional do banco onde esta gerente. O momento do casamento seria o primeiro
passo para a consolidao dessa moral e de sua alma pura romntica, inclinada
para um ideal j determinado do amor. De certa forma, a batalha ideolgica
entre Carmen e Jandira uma luta entre o capitalismo e a religio, no sentido,
claro, de sua complementariedade perfeita, exatamente no interior da Igreja
cuja performance pem abaixo. Ali onde o amor aparentemente imaterial resiste
ao capitalismo tambm onde nasce a mecnica do amor universal vendido em
escala industrial. Seu teor de eternidade necessita do selo de que, no fundo,
nele no h nada de terreno, ou de que contm uma essncia muito para alm
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do terreno. Essa unidade acontece na troca emocional e ertica das duas, mas,
sobretudo, no interior dos corpos das crenas em runas.
Quando Jandira se convence de que o cenrio no qual acreditava existir
um fundo negro, o que sobra, para ambas, quase somente elas prprias e
alguma pequena perspectiva de atravessar esse lugar. Sua conversa sobre os
caminhos que as conduziram at l: O visvel se tornou pobre, diz Carmen em
determinado momento. Com o visvel no mais possvel sonhar. Ao mesmo
tempo, s existe o que se tornou visvel. No mais possvel sonhar. Elas esto
inseridas, portanto, no pior dos pesadelos, caindo em uma visibilidade pura
da essncia da instituio do casamento, em sua medida de desagregao.
Rosemberg representa parte dessa queda e dessa essncia com a montagem
de um material de arquivo de cenas de um casamento em negativo, que forma
o veemente eplogo do filme. Risos, copos que quebram, choros de bebs
conformam o som de homens e mulheres que se tornaram sombras, no lugar
que deixaram disposto para o amor. A soluo de Carmem, ao longo da trama,
a repetio desse sofrimento arcaico, mas no papel do palhao, usando do
grotesco, do feio, do abuso. Talvez seu destino terminaria ali, juntamente com
o filme, atravessada por aquelas imagens cruas, Jandira como voyeur, testemunha santificada das mortes do desejo.
Em geral, no naufrgio que vemos os laos que emprestam a consistncia
de algo que est para morrer. Os laos jurdicos da lei, fundados na violncia.
Tal como um navio encalhado que progressivamente inundado pela mar,
na ltima ponta do ltimo mastro, e no nos canhes do flanco, onde reluz a
imagem plena da violncia.
Mas estas foras so certamente os poderes mticos da lei, e neles o casamento
apenas um naufrgio cuja execuo no foi por ele decretada2.
BENJAMIN, Walter. As afinidades eletivas de Goethe. In. Ensaios reunidos: escritos sobre
Goethe. So Paulo: Ed. 34, 2009. p. 21.
2
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do livro de Goethe As afinidades eletivas e onde debate o estgio de uma decadncia do casamento, no final do sculo XIX. Mas a decadncia no o deixa necessariamente mais frgil, ela apenas revela as foras que esto em seu cerne, e
que ressaem assiduamente, em uma luta. Hoje, retroativamente, possvel ver
que essas foras apenas mudaram a estrutura de seu culto, e que a instituio
do casamento reage sempre com flego.
O fato do filme ser o dilogo entre duas mulheres, entre as duas noivas, e
os noivos no estarem l, no tira delas a violncia da lei que tambm portam
como se fossem vtimas de um poder masculino. Mas, naquele espao, elas
representam o mar do naufrgio contido na imagem do sofrimento secular de
quem espera, escuta e traz tambm a rebeldia da pecadora. Apenas uma identidade refletida na outra, o duplo na identificao no universo do outro revelaria mesmo em seu paroxismo esses elementos de violncia, no caso, inoculados
em uma histria feminina. Duas mulheres, dois casamentos. O casamento que
comea a no querer acontecer. No interior dessa reviravolta h, contudo, um
fato muito importante que a situao das duas descortina: a famlia uma instituio que se projeta para essa mesma decadncia e, em uma instncia mais
profunda, sempre para a decadncia absoluta, pois seus edifcios so frgeis,
se alimentam da posse. E da o desespero dos portadores de seus valores,
seu sentido de pressgio e de destino e a necessidade de sua f. Na potncia
mxima da instituio da famlia, cada lei familiar est condenada ao fracasso.
A real pergunta marxista, no entanto, no se questionar quando, mas o
fazer por onde.
Convico poltica, situao financeira, religio tudo isso quer encafuar-se, e a
famlia o edifcio podre, escuro, em cujos compartimentos e cantos se instalaram
os mais mesquinhos instintos. O filistinismo proclama a privatizao integral da vida
amorosa. Assim, para ele, a conquista se tornou um evento mudo, enfezado, entre
quatro olhos [...]3.
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Os filmes de Rosemberg geram incmodo pois, sem a preocupao burocrtica com a esttica, a preocupao tambm entre quatro olhos o erotismo dos especialistas , sem a mobilizao industrial que muitos passam anos
buscando e com um aparato, muitas vezes, prosaico, alcanam o que poucos
conseguem. Seu cinema profundamente poltico em uma medida mesmo do
pensamento de Marx, de Benjamin, de Brecht. Ele no quer apenas chegar at
uma diferena das estruturas de produo, ele j parte dessa diferena. Quer,
com sua luz barroca destruidora, da mesma forma que os surrealistas, os ecos
de uma iluminao profana.
Habitar essa diferena dos meios de produo que, em geral, trabalham
a servio da anulao dos trabalhos, integrar tambm um movimento de
coletivizao do cinema (e no no senso mais bvio que possa ser extrado
da palavra movimento), a unio dos trabalhadores que no participam dos
meios usuais da cultura. Essa uma das lutas de Rosemberg diante da grande
mquina dos monoplios que configura o cinema hoje. Trata-se de um territrio que parece mais enganoso do que nunca. Aquele que pretensamente est
ao seu lado, seguindo um modelo de resistncia, de repente surge em uma
outra linha de frente; isso pela cooptao ideolgica cada vez mais refinada
desse significante: resistncia. A unio dos trabalhadores no uma meta
intelectual, ela acontece no com boa inteno, ou conscincia, mas ela j est
sendo realizada; uma de suas frentes a criao, e a recuperao, das imagens
dos naufrgios das heranas que nos foram passadas. Essas heranas, em uma
exausto fadada ao extermnio, carregam o mpeto da raiz que rasga a superfcie da terra ao no encontrar mais sada, mas que se resseca com o sol.
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ORCULO DE CINEMA
Jos Sette1
Dois casamentos. Inusitado. Perturbador. Iconoclasta. Divisor de guas. Filosfico. Futurista. Preciso. Precioso. Profundo. Contundente. Prosa Potica. Cinema de Autor e de Amor. Transgressor e Inventivo. Provocativo e Evocativo. Emissor de Reflexes Existenciais. Enfim tudo que o bom cinema deve nos provocar
quando se trata de uma obra de arte.
Rosemberg retira da caverna da alma um tesouro de conhecimento e percepo ao confrontar duas mulheres noivas, nos seus sonhos burgueses, redescobrindo o tempo e projetando a realidade de suas mseras existncias, dos
seus infortnios, no palco da vida em busca do seu significado.
Rosemberg constri assim um magistral dilogo dramtico, cheio de significantes, desnudando a trama burguesa da felicidade, desconstruindo o ideal e a
moral, arrebatando psicologicamente dois personagens para que ns (dentro
de um nico espectador) pudssemos imediatamente construir um novo olhar
(um olho por fora e milhes de olhos por dentro, diria o poeta Murilo Mendes) dentro da mesma personagem, da mesma pessoa em prosa libertria. Um
espetculo digno do bardo ingls vestido de noiva.
Rosemberg supera a si mesmo, retorna Grcia para encontrar a suas musas, Gaia e Piton, no templo de Delfos, e ambienta esse encontro criativo nas
cavernas de Plato, entre sombras terrenas e luzes celestes, pois s assim pode
Jos Sette da Barros cineasta, pintor e poeta. Originalmente publicado em seu blog:
<http://kynoma.blogspot.com.br>.
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observ-las, desnud-las, am-las, quando as dirigindo, com seu bordado criativo, barroco, retirando do caos as curvas sinuosas de todo dinamismo do movimento cnico, do ato perfeito, do equilbrio e de todo prazer que encontramos
nessas duas extraordinrias atrizes, Patricia Niedermeier e Ana Abbott, que h
muito tempo eu no via no cinema brasileiro.
Rosemberg, meu caro, no h texto que possa esboar a beleza de um
filme onde cabe um pedao grande de todos os nobres sentimentos das mulheres em relao liberdade e ao amor, que voc, como que pintando um
quadro, vai, em fortes pinceladas, desvendando o grande quebra-cabea, a
forma, uma a uma, pea por pea, at coloc-las nuas e provocativas buscando,
neste eterno conflito da libido, discutir a sensualidade, a pulso sexual, a energia vital, a paixo que s o cinema-poesia pode nos permitir.
Rosemberg, alm do excelente texto que constri o dilogo, da direo
competente e segura, das duas maravilhosas noivas, atrizes sem os vus do realismo novelesco, muito comum hoje na dramaturgia brasileira, voc criou, com
o seu cengrafo, um cenrio de fim de mundo, digno do Hamlet de Orson Welles, realado com as cores fortes e equilibradas que o seu fotgrafo, Vincius
Brum (o seu Gregg Toland), conseguiu registrar e imprimir. A msica/trilha de
Rodrigo Maral e Luciano Corra tem grandes momentos, assim como a edio
da Joana Collier correta, todas essas combinaes de talentos conseguem a
colagem cclica que o filme pede e necessita.
Quero, para finalizar esses mal traados comentrios, quase crticos, parabenizar Cavi Borges e os produtores do filme Dois casamentos, que numa demonstrao de coragem e sensibilidade artstica deram a Rosemberg, esse talento
cinematogrfico que estava esquecido pelos meios que produzem cultura no
pas, a oportunidade, mais uma vez, de exibir na tela grande um filme nico,
uma obra-prima que todos deveriam assistir e que faltava na histria do cinema
potico, inteligente e de arte brasileiro.
140
autoria
Textos de Luiz Rosemberg Filho
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142
O Globo, 25-7-1966.
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de contas, talvez eles sejam mais inteligentes do que os homens que disseram
tal disparate. prefervel morrer lutando do que viver de joelhos apoiando a
ignorncia. A nossa queda ao invs de enfraquecer fortalece. Realmente participar de uma faculdade onde a verdade no dita ao aluno pelo professor por
omisso ou medo das represlias que sofrer caso faa o crime de esclarecer
os jovens, realmente difcil se estudar com prazer, ainda mais sabendo que
no futuro talvez no cheguem (trecho ilegvel no original). Mas no a exercero,
no porque no saibam e sim porque no ganharam medalhas de bom comportamento nos colgios por que passaram.
preciso abandonar, infelizmente, os colgios para se conhecer a verdade,
a est a juventude que se tiver conscincia de sua importncia passar a se
preocupar com os problemas sociais que nos afligem. Passar a ler desde Jesus
Cristo at as ideias proibidas. Mas ler no suficiente, depois de descobrir a
verdade preciso gritar bem forte que a terra do HOMEM, no de Deus
nem do Diabo.4 Queiram ou no queiram, seja a sociedade do tipo que for,
tem na juventude o polo que garante sua continuidade existencial e o seu no
perecimento como agrupamento cultural. E para alguns surge o CINEMA, que
uma verdadeira revoluo cultural do nosso sculo, do nosso povo.
Paulo Gil, Arnaldo Jabor, Glauber Rocha, David Neves, Paulo Csar Saraceni, Carlos Diegues, Leon Hirszman, Roberto Santos, Mario Carneiro, Luiz
Carlos Barreto, Luiz Carlos Maciel, sem nunca terem frequentado uma universidade de cinema, podem hoje ser comparados aos mais importantes realizadores do mundo cinematogrfico. o jovem brasileiro querendo dizer as
verdades que lhes foram escondidas durante toda sua formao. a inteligncia do jovem que descobre sozinho que tem braos e pernas para lutar
contra a ignorncia. Pegar numa cmara com a mesma coragem como se
pegasse numa metralhadora.5 Em 1961, uma srie de filmes feitos por jo-
4
5
Glauber Rocha.
Flvio Moreira da Costa.
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Jaime Rodrigues.
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condicionado por fatores externos (lado objetivo) e causado por fatores internos (subjetivos), provoca por sua vez o nascimento no interior do ser de uma
nova conscincia existencial e poltica. Na criao (lado objetivo) esse fenmeno,
causado por fatores internos (subjetivos) e condicionado por fatores externos
(objetivos), provoca por sua vez a transformao qualitativa da sociedade, atravs do aniquilamento de uma conscincia por outra, surgindo assim uma nova
sociedade. Tanto na vida quanto na criao, a perda, por qualquer motivo, do
momento preciso para o incio da sua prtica, transforma o homem em marionete, em um homem medocre (tendo como modelo o cinema oficial de [Walter
Hugo] Khouri a Brulio Pedroso). A chance, em ambas, persistindo ao longo da
sua prpria durao; no se pode ir e voltar, no se pode banhar-se no mar sem
se molhar o corpo; faz-se necessria uma convico profunda (Glauber Rocha),
uma entrega total e consciente (Z Celso [Martinez Corra]), uma intransigncia
absoluta (Joaquim Pedro [de Andrade] e Andrea Tonacci). No se pode fazer blague nem chantagem: no se vive sem criao, no se cria sem viver.
O pessimista no pode no nosso atual momento histrico ser um criador; o
otimismo uma virtude bsica do processo criativo, desde que o objetivo, isto
, desde que no seja fruto de uma necessidade moral, subjetiva, mas de um
entendimento franco, sincero e direto do ser com a evoluo histrica.
Constitui, por exemplo, um grande motivo de otimismo que, apesar da
estagnao da escola cinematogrfica sovitica (Dziga Vertov/Eisenstein/Pudovkin), a chama viva do esprito criativo cinematogrfico (Godard/Rosselini/
Losey/Straub/Glauber) no mundo no tenha se apagado, e, ao contrrio, tenha se avivado e se enriquecido pelos povos. E que o esprito criativo hoje
demonstra-se parte integrante das necessidades ntimas do ser e no apenas
produto de um estado econmico. significativo, por exemplo, que o processo criativo prossiga como tal, no s nos pases cuja economia se baseia
no proletariado, mas sim nos pases mais prximos, econmica, social, sociologicamente da natureza do homem.
o otimismo uma das virtudes bsicas do processo criativo; e emprego
160
esse termo lembrando La guerre est finie [A guerra acabou], em que uma personagem diz que a pacincia e a ironia so as virtudes bsicas do bolchevismo. Entretanto, nem a pacincia nem a ironia so objetivas, j que dependem
do indivduo e no do grupo. Quero dizer que, dentro de um movimento (neorrealismo, revoluo modernista de 22, Cinema Novo, Nouvelle Vague) cultural,
podem haver pacientes e impacientes, irnicos ou no irnicos, sem que se
modifique sua ao ou sua estrutura; mas dentro dos mesmos movimentos no
pode haver otimistas e pessimistas, sem que isso deixe de provocar uma grave
falha na sua forma e no seu contedo, quer dizer, na sua ideologia. E mais: o
otimismo no um termo vago e nem descontnua a sua ao, no se movimenta ao sabor dos acontecimentos; um homem cheio de ironia pode perd-lo
ao ter uma dor de barriga ou ao sofrer um choque emocional. O paciente pode
perder a pacincia em tantos outros casos. Mas o otimismo no um fenmeno
de momento, um dever absoluto que se transforma em um direito quando o
indivduo adquire plena convico da importncia ideolgica criativa e plena
confiana no pblico que, em primeira e ltima instncia, a sua origem e seu
sustentculo poltico-existencial.
Perante as graves contradies que solapam a moral e a ideologia hollywoodiana, seus suportes podem ser circunstancialmente otimistas (Coppola/
Bogdanovich) ou pessimistas (Aldrich/Fuller) por isso que jamais podem ser
considerados revolucionrios. Tm medo de ir at o fim, um medo que se movimenta na necessidade de manter o status quo. Ora, o estatismo a morte.
A ideologia da transformao cultural que se processa hoje em Godard,
Buuel, Glauber, Losey, Straub e Bergman parte do grande movimento cultural que se processa desde remotas eras. Inventou o termo Ideologia para
expressar uma situao objetiva e original, a saber, desde os trgicos gregos,
ao despertar dos pases que compem a Amrica Latina, frica e sia.
E este processo de reflexo cultural, poltico, social vem do fundo do oceano dos interesses e da necessidade de organizao e meditao.
A abertura cultural permanente (Os inconfidentes), seu smbolo a cons161
so secundrios porque no conseguem, como consegue a luta cientfica, solapar o cinema ideolgico de Hollywood, e sendo objetivamente secundrio,
se aos cineastas damos a prioridade de ao, transformamo-lo sem aspectos
supostamente principais; da, a luta fica sendo subjetiva, de onde descamba
necessariamente para a metafsica como modelo.
O combate aberto a Hollywood em sua fase (ltima) imperialista assume,
dadas s condies internas e externas da mesma luta num plano mais amplo,
a forma didtica de guerra aberta e declarada (com a necessidade obrigatria
do aumento de nmero de dias para o cinema brasileiro) aos interesses deformativos do Sr. Harry Stone.
Suportando todo tipo de presso e deformao cultural, os cineastas da
Amrica Latina, frica e sia observam, e aprendem sua lio numa escola que
vem de Serguei Eisenstein a Glauber Rocha e Jean-Luc Godard. Ora, sendo
Godard/Glauber/Straub/Losey/Bergman a vanguarda atual da ideologia cultural, tm o mrito, o direito e o dever de mostrar claramente quem poltico
em profundidade e quem reacionrio at mesmo superficialmente. Atravs
de suas derrotas e de suas vitrias, este quinteto ensinam-nos na prtica o valor
poltico-existencial da resistncia cultural.
Quem por um cinema poltico? Os cineastas como Glauber Rocha e Jean
-Luc Godard ou os atuais burocratas e tecnocratas dos quadros do Instituto Nacional do Cinema? Quem poltico? Aquele que faz do seu corpo (Humberto
Mauro) e do seu sangue (Glauber Rocha) a conscincia das imagens, o exemplo
vivo da abertura em marcha, que enfrentou e enfrenta fisicamente o esteticismotcnico-vazio de Hollywood, ou aqueles que confortavelmente em seus jornais
deformativos pretendem enfrentar a ideologia do espetculo alienante atravs de
uma suposta liberalizao das artes, de uma falsa liberdade de pensamento (falsa
porque no leva a uma liberdade de ao), atravs de uma v disputa econmica
e industrial que transforma os cineastas em burguesia alienada do processo histrico num estgio de identificao do homem com a burocratizao da manifestao criativa? Quem poltico? Se nos mantivermos calados, fortaleceremos os
163
uma derrota, mas a realizao de filmes como O rei da vela, Honesto: s aos 18,
Quadrinhos do baralho e outros, mesmo no sendo exibidos, uma vitria. Atravs das derrotas e das vitrias aprendemos mais com as derrotas, e das vitrias
aprendemos mais com as derrotas e menos com as vitrias.
Tendo o cinema oficial perdido a capacidade de liderana e no tendo mais
condies de tomar criativamente uma iniciativa poltica, fazia-se necessrio uma
autocrtica, pela qual se pudesse estabelecer uma anlise metodolgica que permitisse ao cinema tomar a iniciativa perdida e reconquistar sadiamente o apoio
do pblico. Essa nova metodologia a linguagem e o contedo do cinema independente, primeiro passo a ser dado em um processo de abertura permanente.
No estgio de abertura, tambm h erros e acertos, derrotas, vitrias, mas
em cada uma das suas fases a realidade corre pela conscincia. No se trata de
uma abertura que eclode, morre ou sobrevive, mas sim de uma nova batalha
perdida ou ganha da mesma abertura. Nesse processo de desenvolvimento integrado e real, falta ainda ao nosso cinema uma concretizao terica (excluindo
obviamente os mestres Paulo Emlio Sales Gomes e Jean-Claude Bernardet); os
nossos jovens cineastas so ainda teoricamente fracos, porque no contam com
a necessria experincia e porque no pem em prtica suas ideias. Essa falta de
prtica e de experincia que impede o surgimento de uma teoria cientfica das
manifestaes culturais latino-americanas. Por outro lado, essa convulso fsica
que pe prova as teorias, demonstrando sua subjetividade ou sua objetividade.
dela tambm que nascero os verdadeiros lderes, atravs da falncia do profissionalismo criativo e do aquecimento do homem no fogo lento da conscincia
e do conhecimento ntimo de nosso povo, de todos os povos.
Em nossa poca, era de um ato de violncia, os sentimentos morreram;
ergue-se um falso sentimentalismo conseguido atravs de uma luta subjetiva e
v por uma suposta liberdade pessoal e artstica, que esquece o povo atravs do
esquecimento de que se formou uma santa aliana (no caso do cinema produtor/
exibidor) contra o pblico oprimido nas suas manifestaes vitais e humilhado.
O indivduo morreu e a coletividade como um sino que toca. Obviamente,
165
Vejam bem que no procuro subestimar a propaganda venenosa e irracional do inimigo, mas que apenas acredito que a realidade muito mais forte que
qualquer propaganda, e que um aculturamento teledirigido no tem condies
de inventar uma realidade que possa suplantar a verdadeira. Exatamente por
isso acho que a principal tarefa do intelectual honesto e consciente das necessidades do seu povo e de sua poca convencer. Para isso precisa dos meios
de comunicao; se no os tem, e se pretende continuar a magna tarefa de
intelectual consciente, precisa procurar novos meios de ao. Se a burguesia
americanizada por motivos classais no se pode convencer, pela argumentao
intelectual e artstica de que um fantoche do imperialismo; e se por esse motivo no se pode lev-la luta nacionalista (porque ela nunca travar uma luta
ideologicamente poltica, porque isso seria abandonar seu carter de classe),
ento necessrio buscar outro mtodo de ao e nova linha de pensamento.
Se o pblico, resignado e aptico, no despertado pela argumentao
intelectual e artstica, ento essa argumentao de nada vale dentro de um
ponto de vista prtico. Frente a essa situao concreta, ser vlido continuar
nas mesmas posies do passado, quer dizer, fazer voltar o cinema ao passado
como exemplo?: A estrela sobe ou Sagarana: o duelo? Que ingenuidade mortal
e hipcrita. Frente a ns h um inimigo brutal, vivo, implacvel, tcnico...
Ns, intelectuais da grande tradio da resistncia ocidental s opresses,
da raa dos Giordano Bruno, dos Marat, Artaud, Brecht, Wilhelm Reich e de
tantos outros, cujo smbolo maior a lenda de Prometeu, estamos humilhados... Desgarramo-nos da civilizao ocidental, ora dominada pelo irracionalismo do espetculo made in USA. Morreremos solitrios e angustiados se
no formos intimidade de nossos atos, nica fonte legtima de humanismo.
Mas se persistirmos em tentar salvar a ns mesmos, atravs de uma luta metafsica pela arte livre e pelo pensamento individual, cometeremos a suprema
hipocrisia, a inumana covardia de deixar o povo s feras, de recusarmos ser
auxiliados pelo povo. No salvaremos nada, destruiremos tudo, inclusive a ns
mesmos. No se iludam, o pblico capaz de enormes equvocos (Mazzaropi/
167
Braz Chediak/TV Globo), mas tambm de sacrifcios sem conta por isso que
a chave da questo a prpria questo. Eu creio, plenamente, que a melhor
propaganda das batalhas que se perdem ou se ganham so as que se travam,
porque essa a nica ao que levar Hollywood a arrancar a mscara democrtica e mostrar-se em todo o seu irracionalismo e brutalidade.
168
Por um discurso
aberto da afetividade
Dedicado ao filme Tudo bem, de Arnaldo Jabor
Por vezes, tenho o sentimento de no constituir um verdadeiro ser humano, mas um pssaro, ou um animal qualquer que houvesse tomado figura
humana. Interiormente, sinto-me muito mais em casa num pequeno pedao
de jardim, como aqui, ou num campo, estendida sobre a erva e cercada de
zanges, do que num congresso do partido. A voc bem posso dizer tudo
isto, no me suspeitar logo de ser traidora de meus ideais. Bem o sabe,
apesar disso, espero morrer em meu posto: numa batalha de ruas ou numa
penitenciria. Mas em meu Foro interior, perteno mais aos canrios do
que a meus companheiros. E isto no porque na natureza, como tantos
polticos que interiormente fizeram bancarrota, encontro um refgio, um
repouso. Pelo contrrio, encontro na natureza, assim como entre os homens, tanta crueldade a cada passo que com isso sofro muito.
(Carta de Rosa de Luxemburgo para Sonia Liebknecht)
A mistificao da produo pela produo, da ordem pela ordem, do consumo pelo consumo, do progresso pelo progresso no est ligada ao corpo
desejoso de prazer, mas ao fosso que uniu um Hitler a seu tempo. Um fosso
que gera a indstria da guerra... Se isso progresso, desenvolvimento, eu publicamente me declaro enojado e sem esperana na condio humana... No
* Publicado originalmente na Revista de Cultura Vozes, volume 72, n 6, agosto de 1978.
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da prosperidade do III Reich acabou no grande fracasso do imobilismo ocidental, do medo do medo, do nada. E no nada se reinou por quase dois mil anos:
a banalidade do progresso. A vergonha coletiva como resposta alienao
histrica... O que foi o ressurgimento da Unio Sovitica em 1917? O que foi a
Guerra Civil Espanhola? A Arglia? O Vietn? Angola??? A resposta possvel
o poder de destruio da bomba de Nutrons!!! O homem lamenta a sua imaginao no desejada, surrada, humilhada. O corpo tombado no fracasso de
cada gesto de rebeldia; a alienao como proposta de sobrevivncia na selva...
No existem mais dvidas. Hamlet est queimado. A Dinamarca est podre. O
mundo se tornou absolutamente INTOLERVEL. Ainda queima a fogueira que
queimou Freud, Brecht, Gramsci, Reich e tantos outros. Ainda hoje a inteligncia roda pela peste branca do kapital. A grosseria o seu discurso. Somente
os deuses tm acesso aos quadros imundos das instituies onde o kapital
circula merc da corrupo.
Coletivamente se ignora os sentimentos de cada recm-nascido que aos
poucos se descobre, no para o prazer, mas para a morte, pois a VIDA lhes
negada em cada movimento de dependncia, do seio materno prpria
PTRIA que sempre lhes diz NO, para um estado de imaginao livre. Vide
a situao de filmes como O rei da vela, O pas de So Saru, A$suntina das
Amrikas, Destruio cerebral, Os libertrios, Noite sem homem, Prata Palomares... Autoridades, leitores, Embrafilme, atentam para o homem em suas
manifestaes, no de destrutividade, mas de crescimento, de maturidade. As
novas geraes ocuparo os vossos cargos, num futuro no muito distante. E
preciso que tambm esses cargos no sejam indesejados ou s desejados
como manifestao de poder. No seria possvel um Poder dedicado verdadeiramente ao ser humano, ao seu desejo, sua fome, sua imaginao?!?!?!?!...
Insensvel em seu presente, este corpo de homem retalhado j possibilitou ao nosso Pas uma infinidade de testemunhos de grandeza. Como todo
desestmulo, com toda represso, em cada ser, eu posso lhes garantir a presena de um Villa-Lobos, de um Graciliano Ramos, de um lvares de Azevedo,
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to de opo. Creio que no existe mais lugar para o niilismo. Recusar-se a fazer,
simplesmente. Quando leio as contraditrias declaraes de Glauber para as
revistas e jornais, quando vejo Ruy Guerra dirigindo um novo longa em 16 mm
ou Jabor compondo uma pera bufa com Tudo bem, ao lado desses fatos vejo
novas tentativas de dizer, de falar, de expor. As belas almas, lcidas, ldicas e
perfeitas so, hoje, meras homenagens aos mortos. A harmonia, a pobre harmonia do mundo, um museu de formas, uma vida extinta em seu prprio sonho.
Uma nica vida a vida de todos os mundos que existiram. E preciso valorizar essa vida, deixar uma particular marca nas pedras e na mente dos homens.
Criar com intensidade e gritar com uma voz vida de receber contestaes. Que
importa o tormento de fazer ou no fazer, se a inquietao pura que impulsiona
a vida? Esse tormento intelectual, que fez dos deuses da Grcia meros mortais
caa de amores e perdio, um alimento para o tormento da vida, portanto,
para a vida em si mesma. A volpia de ver no outro o EU que no somos.
No me preocupa a aparente contradio, quando as paixes ferozes da
vida variam de acordo com o hlito, o sono e a excitao do crebro. O mundo
dos justos e dos corretos enfadonho como uma catedral. Um monumento
fantstico ao vazio interior do homem, do mundo e das coisas.
Um filme quando pensado, um filme... Um filme quando exibido,
cinema, produto; so homens discutindo cifras e jovens discutindo coisas
compreensveis ou incompreensveis. O HOMEM CONTEMPORNEO FEZ UM
ACORDO COM A REALIDADE. NO A MUDA NEM DELA TOMA CONHECIMENTO, MAS EXIGE QUE ELA SATISFAA SUAS EMOES. QUER VER NO
CINEMA A IMAGEM DE UMA FORTALEZA HUMANA, QUE NELE NO EXISTE
PORQUE ELE NO A EXIGE, NO A EXPLORA.
Por que as pessoas querem julgar (quem pode julgar algum?) a Glauber, a
Ruy [Guerra] ou a minha pessoa, quando ningum capaz de compreender o
mistrio do julgamento? Essas conscincias bem alimentadas, gordas, nutridas,
conscincias que vestem mantos e possuem dedos longos e finos, so como
os velhos mandarins que faziam da realidade o imaginrio e do imaginrio a
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realidade. Nesse universo de lixo, eletrnica e livros grossos, a leitura, os espetculos, o cinema, a moda, as viagens dos polticos em avio a jato, so fontes
de imaginao para as pessoas. Quero dizer que as pessoas fazem desse espetculo dirio um circo de emoes, um circo que compensa o seu desinteresse
pela vida. Sua inexorvel queda naquele vazio burlesco. E nada existe de mais
burlesco que o mundo do cinema. Notem que no falo de filme. Digo ci-nema... A sala, onde todos, quase sempre, pagam para entrar, o silncio, as pessoas atentas, sonhadoras, comendo balinhas, descascando bombons, casais
se masturbando... As pessoas que saem da salada exibida so por momentos
novas pessoas. As esmolas de delrio cinematogrfico diluem-se na hora de entrar num nibus. Os julgadores, os juzes do comportamento dos cineastas, so
como esses espectadores que descobrem que a viagem feita s imagens acaba
quando o trocador fala com sotaque nordestino perguntando se tm dinheiro
trocado... Essa incessante solicitao do mundo (os depoimentos, as revistas,
os bares, as traies, o oportunismo) difcil de suportar.
Por outro lado, esses artistas ([Francisco] Ramalho Jr., [Walter Hugo Khouri,
Bruninho [Barreto], [Paulo] Thiago, [Hctor] Babenco, L. F. Goulart, Anselmo
Duarte), fceis e belos, me desgostam e me fazem vomitar. O cinema segue
querendo pessoas que se perguntem constantemente sobre a totalidade das
coisas. Quero indagaes. Nunca respostas em Eastmancolor. No quero atores
que no sabem falar. No sabem andar. No sabem SER. No interpretam. No
representam. No sabem o que significa o seu papel. Quero que perguntem a
si mesmo: por que estamos dizendo isso? A soluo est: ... concentrada no
amadurecimento do ator (segundo [Jerzy] Grotowski), que expresso por uma
tenso levada ao extremo, por um completo despojamento, pelo desnudamento do que h de mais ntimo tudo sem o menor trao de egosmo ou de autossatisfao. O ator faz uma total doao de si mesmo. Esta uma tcnica de
transe e de integrao de todos os poderes corporais e psquicos do ator, os
quais emergem do mais ntimo do seu ser e do seu instinto, explodindo numa
espcie de transiluminao. Isso fez Glauce Rocha. Isso faz Isabel Ribeiro,
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Renato Coutinho, Nelson Dantas, Analu Prestes, Ana Maria Miranda, Nelson
Xavier, Ktia Grumberg, Maria Silvia, Eduardo Machado, Fernanda Montenegro, Paulo Gracindo ou Luthero Lus. Quero um ator no tero ou no pnis da
personagem. Quero atores no crebro, na alma, com a bondade, a maldade,
a vilania e a pureza das personagens. Quero ATORES e no vaginas que falem
sem nada dizer.
O cinema segue necessitando de cineastas livres que, criando um mito,
tenham a coragem para desmitificar o seu prprio mito, mitificado. CINEASTAS
que criem imagens inteligveis ao sonho. No digo fceis. Tambm no digo
inteligvel ao nvel da inteligncia medocre da nossa crtica. Digo inteligvel
no plano criativo do sonho transformado em realidade. A vida, como tanta
gente diz, o domnio infinito dos possveis. preciso, indispensvel mesmo,
explorar e ampliar esse infinito ao seu extremo. A forma, a coisa artstica, nasce
de uma angstia, de um xtase. De uma necessidade. Nunca de uma vontade
que, longe de ser imperativa e categrica, apenas uma vontade pusilnime
como de quase todo cinema na sua totalidade.
Como dizia Mao: Para se construir uma casa nova preciso destruir a
antiga. preciso possuir um furioso esprito de destruio criativa e prazer.
desse esprito quase sagrado que nascem as formas inteligveis. As regras da
cartilha do cinema existem para serem derrubadas. E quando essas novas descobertas se transformarem em regra, violent-las, cuspir no prprio prato das
nossas ambies culturais, da nossa sofisticada culturinha, e partir para outra.
Abrir outro caminho ao mesmo tempo em que as pessoas saem das salas de
projeo, dos teatros ou largam um livro pela metade. Quando eles acreditarem no que agora repudiam, tempo de mudar...
Creio mesmo que agora que o cinema est nascendo. Isso significa que
a partir de agora que o cinema descobre que nada tem a ver com a reproduo
dos universos mecanizados das grandes organizaes que se preocupam em
fazer filme, ou para simploriamente denunciar (Gente fina outra coisa), ou
para conformar ( flor da pele). O cinema descobriu que cinema, isto algo
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que nada tem a ver com aquilo que j foi feito, que j foi aceito, que foi aplaudido. Ele , sobretudo, um gigantesco campo de batalha, onde os cadveres
que ficam no terreno so, justamente, os daqueles que morrem (porque foram
fonte de inspirao, de debate ou de negao) para que o cinema seja OUTRO.
Os que morrem so os verdadeiros pais do cinema. O que permanecem vivos
so os artesos que seguem a velha linguagem de cerneiros. A cada novo filme
de cinema que surge, [Arnaldo] Jabor, Glauber [Rocha], [Julio] Bressane, Joaquim [Pedro de Andrade] morrem um pouco. Eles morrem porque deram algo
de si ao cinema. A vitalidade, a importncia, a validade de autores como Glauber, [Ruy] Guerra, Jabor est exatamente na capacidade de reflexo que eles
provocam, no intenso debate estabelecido em torno daquilo que eles fazem.
Um simples fotograma da obra deles que surge em outro filme at mesmo
outro filme que entre em conflito com eles mais valioso do que toda essa
teoriazinha que os meninos cospem dia a dia ansiando por um afagar de
mos dos intelectuais que sentam suas amplas nadegazinhas nas ctedras ou
nos bares e arrotam verdades a preo de bananas.
Esse problema, de se pensar em comunicao, em mensagem, em indicar
um caminho, em descobrir solues, para mim no importa, no me interessa, particularmente. Novamente, prefiro a hesitao (O jardim das espumas), a
dvida (Imagens), a perplexidade (A$suntina das Amrikas) e o combate entre
o autor e ele mesmo, visando um novo discurso poltico de Gramsci/Vertov a
Godard/Barthes (Crnica de um industrial). Codificar a cultura, mesmo que seja
uma cultura revolucionria, ou uma subcultura, ou uma contracultura, ou mesmo uma cultura anticultura, para mim um engodo a mais do ocidente-cultural.
No me importam os cdigos da cultura, mas, sim, a maneira de quebr-los,
violent-los. E no criar outro: mas, no momento, partir para a dissoluo total.
A Grcia no tinha uma palavra para definir cultura, mas teve uma cultura que
vive e resiste at hoje. Enquanto esses menininhos pensam em criar uma
cultura, o que sobra apenas um peido ou um vagido, de vaca pomposa de
frases, imperadores parindo filhotes verbais e frases de efeito.
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Tambm no me interessa essa gigantesca maternidade cultural (as reverncias dos cineastas do milagre, o apoio da crtica-culinria) que existe hoje
em todo mundo. Como se ver em Crnica de um industrial, estou mais preocupado com as coisas que nascem nas ruas, na lama do inconsciente e nos locais
aonde eles os donos das frasezinhas revolucionrias no vo porque cheiram mal... O nosso Crnica, como o meu documento mais prximo a ser exposto
com generosidade, todo esse painel poltico de contradies, de angstia, de
verdades. Um discurso fragmentado sobre a TRAIO. Um poema em forma de
filme. Um filme em forma de um depoimento de PRAZER. O cinema para mim
s hoje vlido quando manifesta um pleno estado de prazer, do eletricista ao
realizador. Pois um depoimento de prazer sempre acaba por estimular qualquer
tipo de espectador para uma tomada de posio frente REALIDADE.
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Veias da conscincia
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A-B-C do exibidor
Viver num pas sem senso de humor insuportvel; mas pior ainda viver
num pas no qual se precisa ter senso de humor. (Brechet)
O cinema no esgota. Esgota o homem. Pouco a pouco vai perdendo o entusiasmo. Tenta respirar fundo e num dado momento j no mais consegue.
Apenas olha e morre. Todo fim muito triste. Mais triste ainda pelo que podia
ter feito e que no deixaram. Ento uma dupla morte. A morte real e a morte
da fantasia. Penso ento em Orson Welles, em Pasolini, em Glauber Rocha...
O que o cinema? Destruio da imagem? Representao do real? Ilustrao potica? Desorganizao musical? O cinema um universo ilimitado.
Mas os homens que detm as SALAS DE EXIBIO entenderiam que o cinema pode ser tudo? O que o cinema para um exibidor? Curioso, to fundamental e to ausente. O espao cinematogrfico antes de tudo mgico.
Ultrapassa a sua relao com o dinheiro. S que no Brasil (onde se vive um
capital primitivo e brbaro) toda exibio s est ligada ao faturamento. Mesmo os chamados cinemas de arte. aquele velho ciclo. Chamar de arte
um cinema que passa filmes comuns do cinema, mas filmes que a gorda burguesia no conseguiu compreender quando produzidos. Agora, anos depois,
quando seus autores ficaram consagrados, de bom-tom assisti-los. Mer* Publicado originalmente no jornal Cine Imaginrio, em julho de 1987.
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da. Tm bar, pipocas, balinhas, mas no tem filmes, Paixo, Zoo, India Song,
Filmando Othello, O espelho, Conversas no Maranho, O santo e a vedete...
No torpor do real, as imagens que no chegam. A sala escura assume mltiplas
responsabilidades. Poder ser uma opo de vida. Ou um argumento de morte.
Aparentemente inofensivo, o cinema uma concentrao de ideias e emoes.
Um conceito de paixo. Necessitamos refletir sobre a criao cinematogrfica.
Seu universo e seu espao. Nos anos passados me serviu como exlio mais
prximo. O pequeno exlio particular. No vamos o necessrio, mas j imaginvamos o futuro. Tudo foi diludo ao ridculo. No real a lama poltica. Nos
cinemas o ar refrigerado nem sempre funcionando. Filmes que eram bons, no
nos deixavam ver. Alis, vamos sim, traos da doena do militarismo histrico:
o Horror. Tentaram transformar a sala escura num instrumento perverso. Num
constante exerccio da dor. A sala escura foi diluda sonolncia, estupidez,
demncia... Paralisou-se a percepo da modernidade. E nesse processo de
culto estupidez chegou-se ao RAMBO I II III IV V VI...
A sala escura dos cinemas o lado sombrio do real. Melhor ainda, uma metfora da revoluo: a CRIAO. O real viveu esses ltimos vinte anos enfermo.
Armas e palavras ineficazes. A sala escura serviu como ornamento da tristeza,
da melancolia, da dor... Ao estado militarista no interessava a sensibilidade,
visto que em vinte anos conseguiram acabar ou minar com quase tudo. Transformaram o pas numa grande doena chamada: caos. Mas por f e por sorte
os cineastas e os cinemas continuaram de p. No embarcamos na demncia
da represso. Nos mantivemos apaixonados pela CRIAO, pelo outro, pelo
espao mgico, pela vida... No contramos a doena das armas.
Ir ao cinema hoje uma obstinada experincia espiritual e poltica. O falso
barulho das grandes cidades substitudo pela reflexo. Reconhecermo-nos
ou no nas personagens no o problema. O nosso olhar recai sobre mltiplos
conceitos de civilizao. Nessa longa viagem pelo cinema, flutuamos em muitos universos. O exibidor um exerccio de possibilidades. preciso que ele se
encare como aliado. Aliado do que de bom se faz no cinema. Que o conceito
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1964
(Para Jos Celso Martinez Corra)
Cada um precisa de uma revoluo, de um desacordo interior, de uma dissoluo do que existe e de uma renovao, mas no no sentido de impor aos
outros, sob pretexto hipcrita de um amor cristo ou de um sentimento de
responsabilidade social e de tudo mais que possa haver de belas palavras,
encobrindo meras aspiraes inconscientes ao poder pessoal. (C. G. Jung)
Do passado no se pode curar. Mesmo exteriorizar o Horror me difcil. Desejar esquecer intil. No presente a ressonncia do passado. No corpo j o
cansao de muitas batalhas. O eterno espetculo do fascismo me deixa estupefato pela mediocridade das posies. Joga-se com o poder e com a poltica.
No mais acredito nos discursos polticos. Todos mentem. Ningum far nada.
Em cada um, uma expresso monstruosa. No luxo capitalista, o lixo poltico. Do
que que se quer falar? Da morte ou do desejo? Se possvel, da vida. Do desejo de viver na morte da vida. Um dia tudo acabar. Penso em [Antonin] Artaud.
Na lucidez de [Anton] Tchecov. Curiosamente o Teatro. As transgresses de Z
Celso. O assassinato brutal do irmo, frente prostituio da classe teatral.
Ainda assim, penso que preciso no parar de sonhar. O sonho da erotizao
da vida: o Amor. Paisagens que rompem com a imobilidade. Por princpio,
avanar! Exclamar o gozo!
* Publicado originalmente no jornal Cine Imaginrio, em junho de 1988.
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Sonhar importante. Mas por que se deixou de sonhar? Ser que a realidade saciou a nossa fome de inovao? Para meu espanto, no encontro respostas. No conheo esse pas de UDRS, CENTRES E SARNEYS. Isso pra no
falar no lixo humano de um Imoral Netto1, Jos Loureno, Paulo Maluf... pedaos
do passado no presente. Como interpretar as vsceras desses monstros? De onde
vm? Quem so? Que interesses representam?... 1964 instaurou no Brasil a
barbrie em tom de novela global. Perdeu-se o estilo de uma civilizao. O embrutecimento pintou como plataforma de poder. Em lugar de sentimentos, a degenerescncia do dilogo. No lugar da meditao, o fuzil. Desqualificou-se com
tudo. Como alicerce do poder, muitos serviram de palhaos. Fundamentou-se a
mediocridade. No olhar e no corpo, o horror do empobrecimento.
Os ditadores e seus ministros falavam do progresso. Mentiam. Falavam de
paz. Prometiam tranquilidade. Mentiam. Se apresentavam como salvao nacional. Mentiam. Se diziam populares. Mentiam. Cultuavam a F crist. Mentiam. Se
mostravam compreensveis. Mentiam. Demonstravam solues. Mentiam. Exibiam
um economs inovador. Mentiam. Ostentavam o patriotismo. Mentiam. Falavam
do milagre. Mentiam. Na TV vendiam sinceridade a preo de banana. Mentiam.
Frequentemente manifestavam a F na Democracia. Mentiam. Em todos os seus
discursos elogiavam o povo. Mentiam. Se apresentavam como heris. Mentiam.
Negavam a barbrie. Mentiam. Negavam sempre o empobrecimento do povo.
Mentiam. Diziam que isso aqui era uma ilha de tranquilidade. Mentiam. Se mostravam inquietos quando se falava de tortura e negavam. Mentiam. Aparentavam
combater a corrupo. Mentiam. Frequentemente prometiam uma vida melhor ao
povo. Mentiam. Na poltica s demonstravam virtudes. Mentiam. Se mostravam
preocupados com os sacrifcios e sofrimentos do povo. Mentiam. Na decrepitude
de suas vidas, exaltavam a ordem. Mentiam. Inumanos, negavam a misria do pas.
Mentiam. Sem a mnima culpa pelo Horror nacional, pregavam a salvao da p-
NE: O autor faz aqui um trocadilho com o nome do poltico Amaral Netto, deputado federal do Rio de Janeiro durante os anos 70 e 80.
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Claro que cometemos erros. Mas nunca injustias. E ao longo dos anos fomos
bastante injustiados. Quem ainda se lembra da passagem do senhor Gustavo
Dahl frente da Embrafilme? Quem ainda se lembra da passagem do volumoso Marco Aurlio Marcondes pela mesma Embrafilme? A quem essas pessoas
servem hoje? A uma verdadeira noo de Democracia?
Sim, fomos injustiados pelo Imperialismo, pela Polcia, pela Ditadura, pelos Exibidores, pelos Produtores, pela Censura, pela Embrafilme, pelos prprios cineastas... E ainda assim resistimos. O cinema do prazer nos possibilitou
suportar o medo. Nos alimentvamos de Oswald de Andrade, de Brecht, de
Mrio Faustino, de Buuel, de Pasolini, de Kafka, de Godard, de Glauber, da
inventividade dos chamados Independentes... Nem todo cineasta um criador.
Nem todo criador um cineasta. Aos adversrios que foram muitos, respondamos com poesias como: Viagem ao fim do mundo; A$suntina das Amrikas;
Tristes trpicos; Conversas no Maranho; O santo e a vedete; Adys, general...
No fomos corrompidos pelo Poder. E menos ainda pela aristocracia global. Os repressores nos chantageavam com a censura. Ns filmvamos a beleza de mulheres como Analu Prestes, Maria Gladys, Ana Maria Miranda, Mara
Ach, Helena Ignez, Cristiane Couto poetando Oswald [de Andrade], [Antonin]
Artaud, [Wilhelm] Reich... Nossos inimigos confundiam tudo com o marxismo.
S que um marxismo de gabinete. Fomos felizes filmando a nossa resistncia.
Um quadro, desenquadrado. No enquadramento a incerteza, a dvida, uma
aventura nas Imagens. Viajamos em todas as direes. Menos na direo da
arrogncia e do conformismo.
Ningum culpado de nada. A Embrafilme continua sendo uma catedral
fnebre, como todas as catedrais. Na empesteada pobreza cultural do Pas,
todos so Santos ocasionais. No se trata de responsabilizar A, B ou C... Mas
tambm acho fcil s culpar a Ditadura. E a ditadura dos privilgios? E o latente
oportunismo dos nossos cineastas? Hoje o Pas j joga pingue-pongue com a
Frente liberal. Bom cineasta aquele que faz sucesso. Lei do mercado. Lei do
dinheiro. A TV Globo a mensagem. Nos dizem que preciso preservar a Ima193
reco. No vai virar uma bananada tropical tipo MEC? No vai virar um cabide
de empregos tipo EMBRAFILME? Quem sero os administradores desse novo
cacareco? Pessoas JOVENS? Pessoas velhas? Os polticos entram prometendo
justia-igualdade & Democracia... Passado o carnaval, vira tudo samba-cano.
As dificuldades aumentam. E quem tem sede, morre seco. O novo Ministrio
das gerais velho. A cultura no pode virar sobremesa da confuso poltica
deles. No que toca ao Cinema, eu opto ainda por uma EMBRAFILME saneada-desburocratizada-descentralizada & Humana. Por um ENSINE nas mos de
poetas como Srgio Santeiro e Cosme Alves Netto. Basta chupar o exemplo
dos outros. Paremos de especular com a formao de novos burocratas. A
cultura vigiada no deu em nada. Eu ainda fico com a POESIA. Liberdade para
os poetas. De estupidez em estupidez o Brasil viveu duas dcadas de arrogncia. preciso religar a locomotiva da Histria e juntar nessa viagem as
verdadeiras foras democrticas. Abrir as portas e deixar a luz entrar. A Nao
precisa respirar fundo. preciso enxergar alm. Entrar nas televises, no para
se consolar em fazer noveles. Mas para embebedar de poesia os lares do Pas.
E isso s depende de um governo verdadeiramente democrtico. Do desejo
de um Pas NOVO. No mais fuzis e metralhadoras. Mas o florir de uma nova
Histria. Uma ltima tentativa da nossa gerao chegar a um discurso amoroso
profundo e verdadeiro. De quem depende isso?
195
196
Ser um diretor
de cinema brasileiro
199
200
201
filmografia
curta-metragem inacabado
longa-metragem perdido
35 mm)
16 mm)
metragem
vdeo)
35 mm)
metragem
202
vdeo)
Ricardo Miranda
15, vdeo)
Cristian Caselli
Como ator
25, vdeo)
Guerra
vdeo)
Miranda
Como roteirista
Yamaji
Ramalho
Paixo e virtude (2014, 75, video), de
Ricardo Miranda
204
Sobre os organizadores
205
Agradecimentos
Adailton Medeiros
Ana Abbott
Ana Coutinho
Adriana Ferreira
Andre Dib
Andr Setaro (in memoriam)
Andrea Aguilera
Andrea Tonacci
Anna Clara Chermont
Brbara Morais
Breno Lira Gomes
Canal Brasil
Carla Osorio
Carlos Alberto Mattos
Cenotfio
Chico Diaz
Cid Nader
Cine Arte UFF
Cleber Eduardo
CTAv/SAv/MinC
Daniel Barbosa
David Neves (in memoriam)
Duda Castro
Edimilson
Eduardo Escorel
Elizabeth Formaggini
Familia Cavideo
Fernando Cruz
Fernando Ferreira
Francis Vogner Dos Reis
Gabriel Muzak
Gabriela Caldas
206
Gislene Moura
Guilherme Whitaker
Hernani Heffner
Horizontal Produes
Impulso Hub
Izabel Ferreira
Jairo Ferreira (in memoriam)
Jean-Claude Bernadet
Joo Ricardo Moderno
Joel Yamaji
Jolie Borges
Jornal de Braslia
Jornal de Ipanema
Jornal Estado de S. Paulo
Jornal O Globo
Jornal ltima hora
Jos Sette de Barros
Leonor Souza Pinto
Lucia Teixeira
Luiz Carlos Lacerda
Luiz Carlos Merten
Luiz Rosemberg Filho
Marcelo Brando
Marcelo Campos
Marcelo Miranda
Marcia Pitanga
Maria Clara Matos
Maria do Socorro Sousa Barros
Mariana Volker
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Memria Cine Br
Mostra CineOP
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Revista Filme Cultura
Revista Imagens
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Rodrigo Pavo
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Rubens Maia (in memoriam)
Srgio Alpendre
Srgio Augusto
Srgio Santeiro
Sonia Maria Borges
Sylvio Back
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Universo Produes
Victor Gil
Vinicius Brum
Yves Moura
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