A Metafísica de Platão
A Metafísica de Platão
A Metafísica de Platão
Poderamos dizer que a Filosofia comea com uma especulao fsica sobre o princpio da realidade (com
os pr-socrticos) e se desenvolve numa especulao metafsica; procurando entender e desvelar no s
o princpio, mas fundamentalmente o fim: a finalidade de toda realidade. Mas se comearmos assim,
estaremos tomando o termo que define a Filosofia Primeira de Aristteles da forma como ele foi
entendido pelo senso-comum desde que talvez tenha sido cunhado pela primeira vez.
Sabemos, no entanto, que foi por ocasio do recolhimento e edio das obras de Aristteles, feita por
Andrnico de Rodes (no sec. I a.C.), que esse termo, Metafsica, foi cunhado pela primeira vez;
designando ento os escritos do estagirita que vinham logo aps o que ele mesmo havia intitulado como
Fsica (ARISTTELES 2006, p. 30)(1).
Com Toms de Aquino (LALANDE 1999, p. 668)(2), contudo, a Filosofia Primeira toma a finalidade de
justificar racionalmente a existncia do Divino, j que para a Filosofia Crist o Divino que fundamenta
toda a realidade sensvel, sendo causa primeira de todas as coisas. Descartes, Kant, j na modernidade,
assim como Hegel, Marx, Heidegger, Husserl, Sartre e Merleau-Ponty iro ao longo do tempo nos brindar
com outras conotaes e abordagens que, longe de unificar um conceito em torno desse termo e dessa
espcie de Filosofia, nos ampliar seu entendimento em diversas direes para um estudo mais profundo
da realidade, inclusive negando essa possibilidade.
Mas no objeto nosso aqui traar o entendimento controverso e interessado que o termo Metafsica
tomou ao longo da histria do pensamento humano, bastando-nos que assumamos por hora o sentido que
coloca essa rea da Filosofia como aquela que se preocupa com a questo da Existncia, abstraindo-se
aquilo que pode ser considerado acidente ou transitrio, e centralizando sua anlise naquilo que podemos
inferir como base e fundamento da realidade: o SER, conforme nos fala o prprio Aristteles:
H uma cincia que investiga o Ser como Ser e as propriedades que lhe so inerentes devido prpria
natureza. Essa cincia no nenhuma das chamadas cincias particulares, pois nenhuma delas ocupa-se
do Ser geralmente como Ser. (...) Mas visto que buscamos os primeiros princpios e as causas supremas,
est claro que devem pertencer a algo em funo da prpria natureza. (...) Portanto, do Ser como Ser
que ns tambm temos que apreender as primeiras causas (ARISTTELES 2006, Livro IV - p. 103)
Nesse aspecto, desde que a Filosofia nasceu na Jnia, com Tales de Mileto, poderamos falar numa
Metafsica. Eis a, talvez, um dos pontos em que Aristteles poderia ter colocado a Metafsica como
Filosofia Primeira em seus escritos, embora no tenha feito. Antes mesmo dos pr-socrticos
preocuparem-se com o SER (que tem seu incio em Parmnides), o princpio que fundamenta a realidade
foi percorrido por toda cincia jnica incipiente, procurando num nico elemento (ou num conjunto de
elementos fundamentais) a derivao de todas as coisas, originando assim a realidade que percebemos
sensivelmente. Essa preocupao, tomada no sentido em que colocamos o termo Metafsica, uma
preocupao com o fundamento da realidade e seu princpio, como nos define Aristteles, porm sem darlhe uma finalidade ou objetivo.
Essa preocupao com O QUE e com QUAL o princpio que determina a realidade e a fundamenta,
percorreu toda a Filosofia at Scrates; quando a preocupao e as perguntas sobre a natureza
centralizaram-se no Homem e sua relao com essa Natureza. O que inaugura ento a Metafsica
propriamente dita, cuja preocupao central a identificao do POR QUE as coisas so como so, num
sistema unificador explicativo de toda a realidade e de como o Homem poderia ter acesso a ela, so as
investigaes de Plato a partir de uma qudrupla influncia que determinaria toda a sua Filosofia:
Scrates (fundamentalmente atravs de seus ensinamentos e sua morte em Atenas);
Parmnides (e a questo do SER);
O Pitagorismo (com seu sistema prtico-tico-religioso-cientfico) e
O Orfismo (com sua cosmogonia subversiva do sistema cosmognico oficial de Hesodo).
Um filsofo de seu calibre no poderia se limitar a reproduzir o pensamento de um mestre, por maior que
este fosse. Sem dvida, o germe central do platonismo, do comeo ao fim, a nova moralidade socrtica
da aspirao espiritual, mas nas mos de Plato este germe transformou-se numa rvore cujos galhos
cobrem os cus. O platonismo , coisa que a doutrina de Scrates nunca foi, um sistema do mundo,
abraando todo aquele domnio da Natureza exterior do qual Scrates se afastara para estudar a natureza
e a finalidade do homem. (CORNFORD 2005, p. 50)
Lembremos, tambm, que Scrates agiu e pensou como se desistisse de pensar sobre o princpio da
Natureza como um todo, limitando suas reflexes a como o Homem, na vida em sociedade, poderia ter
acesso a esse conhecimento. As investigaes dos primeiros filsofos jnicos no satisfizeram Scrates,
chamando sua ateno apenas o sistema de Anaxgoras que colocava um princpio inteligente como
origem das coisas. Mesmo assim decepcionou-se ao deparar-se com esse princpio inteligente dando o
incio, mas tudo se concluindo mecanicamente; sem uma inteno deliberada para algo melhor. Era intil,
para Scrates, que uma filosofia no se preocupasse ou no desse fundamento para que o homem
conhecesse melhor a si mesmo e pudesse desenvolver uma maneira correta de se viver.
Scrates ento comea sua inestimvel investigao filosfica sobre a natureza humana e sua finalidade,
tentando assim, atravs do conhecimento sobre si mesmo e de como o ser humano poderia chegar
verdade, conceber um sistema nico que abarcasse toda a realidade e a natureza. No teve tempo de
terminar. No entanto, caberia ao seu mais brilhante discpulo, Plato, tentar ampliar seu escopo
investigativo e fechar um entendimento do mundo que desse sentido, finalidade e fundamento a toda
realidade.
nesse contexto que Plato se circunscreve como pioneiro da Metafsica, embora tenha sido Aristteles a
sistematiz-la como rea especfica na Filosofia e desenvolvido uma Metafsica prpria, partindo, inclusive,
do prprio Plato. Sua Teoria das Formas ou das Idias, considerada como pensamento e elaborao
prpria (mesmo a partir dos ensinamentos de Scrates), marca o incio da Metafsica Clssica, onde
procura estabelecer os critrios pelos quais as coisas podem ser consideradas vlidas de fato; tendo como
pano de fundo uma teoria sobre a natureza dos conceitos e das definies a serem obtidos(3).
Plato, pegando o gancho de Scrates, ampliou seu escopo investigativo e desenvolveu um sistema que,
ao contrrio dos pr-socrticos, no se preocupava com a descrio dos princpios que fundamentavam a
realidade, e sim com suas causas, razes, finalidades; para entendermos no s como a realidade , mas
por que ela da forma como . Concomitante a isso e sem renegar suas razes socrticas, abarca tambm
como o homem deve agir perante essa ordem das coisas e como ele teria acesso a conhec-las em toda
sua plenitude, numa perspectiva moral e poltica.
Para a construo desse sistema Plato vai alm de Scrates e, aps a morte de seu mestre, sai de
Atenas e empreende algumas viagens. Conhece na Siclia a filosofia pitagrica (com Arquitas de Tarento) e
a escola eleata, tendo contato tambm com Dion, cunhado do tirano de Siracusa, Dionsio I(4).
possvel considerar uma fidelidade estrita a Scrates apenas sua em fase inicial, onde escreve os
chamados Dilogos Socrticos. Foi aps suas viagens e seu contato com as doutrinas pitagricas e
eleatas que Plato desenvolve sua Teoria das Formas, j numa fase intermediria de sua vida e de seus
escritos. Na fase madura, porm, ele reformula suas teorias criticando em grande parte o que elas tm de
aproximao estreita com a viso parmenediana, estando circunscritas nesse perodo as obras O Sofista e
Parmnides, onde o prprio Scrates j deixa de ser personagem principal nos dilogos. (Ver figura 1)
Sua influncia do Orfismo(5) est clara em seus prprios escritos, conforme nos relata Grazzinelli(6). A
noo e doutrina referente imortalidade da alma e sua transmigrao, embora tambm encerradas na
doutrina pitagrica, traz elementos indissociveis ao orfismo, o qual mencionado literalmente em vrios
trechos da obra platnica, embora de forma ambivalente: ora tomando alguns rficos como charlates que
vendem superstio ora como exemplos de conduta asctica para purificao da alma(7).
Figura 1
Plato e Parmnides
inegvel a influncia de Parmnides em toda filosofia que se tentou fazer depois dele. Seu paradoxo que
nega a existncia do devir em virtude de sua transitoriedade foi mote de discusso por muitos filsofos.
Parmnides preconiza que o nico conhecimento possvel se d atravs do SER, pois nada podemos
extrair do No-Ser: transitrio, mutvel e inseguro para nos dar informaes sobre uma suposta verdade
acima das aparncias. A realidade est ento onde possamos vislumbrar o SER: eterno, imvel,
homogneo e ntegro. E a Verdade, por conseguinte, s se encontra nesse reino da imutabilidade.
Andreas Graeser nos fala sobre isso:
Trata-se da questo de quais as condies preenchidas por algo que existe e que condies presumem o
conhecimento da realidade. SER , segundo essa concepo, ser um e contnuo, praticamente nosurgido, permanente, homogneo como um todo, imvel, sem passado nem futuro (D.K.28 B8, 2-49). S
formaes desse tipo so, no sentido pleno; e s formaes desse tipo admitem conhecimento.
(GRAESER 2002, p. 95)
No entanto a questo da alteridade(8) fica mal resolvida em Parmnides. Segundo Molinaro:
[Parmnides] no empreendeu o exame do modo pelo qual o outro ser sem cessar de ser o outro ou,
inversamente, o modo pelo qual o ser tambm o outro sem cessar de ser. (MOLINARO 2004, p. 26)
Esse pensamento seduz Plato e o faz ir alm de Parmnides, conciliando as vises aparentemente
opostas entre o eleata e Herclito; cuja nica realidade era justamente o devir constante das coisas, que
por sua movimentao incessante nos dava uma noo de permanncia. Contudo, Plato concorda com
Parmnides em seus principais postulados, estabelecendo que algo s pudesse ser verdade se for
manifestao do que verdadeiro. E o que verdadeiro, necessariamente, precisa ter as caractersticas
da imobilidade e perenidade. Estaria criado assim a identidade entre SER e Verdade.
para responder como chegar a essa Verdade que Plato ento comea a traar seu sistema. Ele parte
do que chama Segunda Navegao(9), em que se cessam as tentativas de uma explicao naturalista da
realidade (dada pelos pr-socrticos na Primeira Navegao) e parte-se para uma elaborao pessoal do
filsofo que percebe que no se consegue explicar o sensvel a partir do prprio sensvel, sempre mutvel
e transitrio, obrigando-o a considerar uma realidade supra-sensvel que encerre a Verdade e uma
possibilidade concreta de conhecimento. Para se atingir essa realidade s h um meio: a Razo. A
experincia ento negada como mtodo de conhecimento e o sensvel relegado ao Mundo da
Aparncia. S o inteligvel capaz de captar esse mundo verdadeiro de causas ulteriores cujos fenmenos
se originam: O Mundo das Formas, ou das Idias.
Nos textos de sua fase intermediria (ver Figura 1), Plato ainda se v atrelado consubstancialmente na
questo parmenediana, elaborando uma crtica e flexibilizando seu pensamento somente na fase de sua
maturidade, nos textos O Sofista e Parmnides.
, portanto, com sua Teoria da Forma (ou Idia), complementado com a Teoria da Alma (ou
Reminiscncia), que Plato ento empreende seu grande sistema metafsico, oficializando essa forma de
filosofar.
A Metafsica Platnica
Conseqentemente, os Eidos ou idias devem formar uma realidade prpria em relao aos objetos
sensorialmente dados, at ontologicamente superior a eles, pois os objetos sensoriais eventualmente
emprestam das idias seu imperfeito ser-assim apenas por meio de participao tambm interpretada
como relao de reproduo (Abbildbeziehung) de figuras. (SZAIF 2002, p. 184)
A Teoria das Formas em Plato tenta dar conta de problemas dos mais variados aspectos, a partir da
concepo de um mundo supra-sensvel que d causa e existncia ao sensvel. As dimenses dessa teoria
Plato, para exemplificar o mtodo a ser empreendido para a busca desse conhecimento verdadeiro e
como ele se d a partir do intelecto humano, elabora duas alegorias em seu livro A Repblica: da Linha
Dividida e da Caverna.
- Psicologia: Em sua origem, o homem em Plato essencialmente Alma e vivia no Mundo das Idias.
O corpo a forma acidental de o homem existir no mundo sensvel. No homem convivem trs Almas, as
quais Plato exemplifica na alegoria da Carruagem, onde a alma racional o cocheiro,
a alma irascvel um cavalo bom e belo e a alma concupiscvel um cavalo mau e feio.
Um d trabalho e rebelde, outro obediente ao cocheiro.
Trs argumentos fundamentam em Plato a concepo de alma que ele nos legou: sua origem hiperurnia
que lhe confere lembrana e conhecimento das Idias (reminiscncia); sua prevalncia, devido sua
origem sobre o corpo; e sua imortalidade por sua participao na Idia da Vida.(13)
- tica: A prtica da virtude como orientao tica do homem em Plato conseqncia lgica de sua
viso metafsica e est em consonncia no s com a bvia influncia socrtica de seu pensamento, mas
tambm atrelada de forma substancial com as dimenses rficas-pitagricas de sua doutrina. O homem
deve renunciar aos prazeres do corpo e s riquezas, buscando sempre a virtude maior que o Bem
atravs do conhecimento.
mais feliz o justo no meio dos sofrimentos do que o injusto num mar de delcias. (PLATO, A Repblica
1997)
A dimenso poltica da metafsica platnica est reunida na Repblica e suas anlises estticas. Embora
essa dimenso permeie boa parte de suas obras, encontram-se em Fedro e em O Sofista as anlises que
mais se aproximam de seu pensamento original e consolidado.
A Alegoria da Caverna
Destaco especialmente essa alegoria platnica(15) por representar um dos temas mais centrais da filosofia
de Plato. Ela consta de seu livro A Repblica, Captulo VII (514a-517d)(14) e chamada comumente de
O Mito da Caverna. Particularmente eu no gosto desse termo, pois ele facilita uma generalizao
equivocada dos termos Mito e Mitologia. Entendo que seu uso tenha a ver como uma metfora, uma
alegoria. Mitos so narrativas de fundo histrico que preserva seu aspecto pedaggico de forma alegrica
e metafrica. No o caso dessa alegoria e de tantas outras que Plato constri para simbolizar sua
metafsica, epistemologia, dialtica, mstica e tica. Segundo Reale(16) o mito que expressa Plato em
sua totalidade. Concordo com essa frase substituindo o termo e a noo de mito por alegoria.
O poder simblico da alegoria ultrapassa o prprio contedo do ensinamento. Quando Plato se utiliza da
figura da Caverna para ambientar as condies de possibilidade da libertao pelo conhecimento, ele se
utiliza de um smbolo de grande apelo na Grcia Antiga e que permeou toda a ocidentalidade. A Caverna
nos remete no s a um lugar sombrio, mas ao prprio inferno.
poca de Plato o Hades grego j havia mudado sua topografia, a qual foi herdada pela cultura crist. Na
Grcia Arcaica a morte era apenas um esquecimento, mesmo que a Alma (Eidolon) continuasse vagando
como uma imagem plida do falecido. A tradio homrica era carente de uma concepo unitria da
personalidade humana, dividindo-a em thyms, phrn e nos, que significam respectivamente afetividade,
discernimento moral e inteligncia. O que animaria essa natureza tripla humana a Psiqu, que segundo
Brando significa sopro vital. Brando nos diz:
(...) morrendo com o corpo, que lhe sobra para a outra vida? Apenas a psykh , uma sombra plida e
inconsciente, um edolon trpego e ablico. Ignorando as noes de dever, de conscincia, de mrito ou
de falta, a outra vida ignora, ipso facto, prmio ou punio para o homem. Alis, como julgar, punir ou
premiar um edolon? (BRANDO, Mitologia Grega 1986, Vol. I, p. 146)
No tendo memria, culpa, recompensa ou castigo, o eidolon (que em vida se constitua a psique) vagava
no Hades. Essa crena demonstra a eticidade grega arcaica ligada vida e ao cotidiano, ao respeito
polis e poltica, com a ajuda dos deuses e de Mora (a deusa destino).
Nos sculos VI a V a.C., em franca oposio religiosidade cvica homrica, surgem no seio da sociedade
uma virada radical e uma preocupao premente com a morte a partir do advento do orfismo. Entrando na
vida cotidiana dos cidados gregos, o orfismo vem trazer noes soteriolgicas (salvacionistas) e
escatolgicas (de fim dos tempos), mudando a prpria topografia do Hades e o destino das almas
humanas. Brando ilustra bem isso no seguinte texto:
Se em Homero o Hades um imenso abismo, onde, aps a morte, todas as almas so lanadas, sem
prmio nem castigo e para todo o sempre (...) e se em Hesodo (...) j existe uma mudana escatolgica
(...) no destino de almas privilegiadas, o Orfismo fixar normas topogrficas definidas e reestruturar tudo
quanto diz respeito ao destino ltimo das almas. (BRANDO, Mitologia Grega 2008, Vol. II, p. 162-163)
De um inferno que mais parecia um depsito de cascas vazias e sem conscincia no eterno sono da morte,
Hades passa a compor o Trtaro, o rebo e os Campos Elseos, que mais tarde seriam sincretizados pela
cultura crist em Inferno, Purgatrio e Paraso. Comea a uma dimenso moral e asctica para a alma
vivente, que resiste morte e precisa de salvao.
A influncia do orfismo na filosofia platnica atestada por diversos estudiosos e j mencionada nesse
trabalho. Sua alegoria, colocando a imagem da caverna como local onde aqueles que vivem na iluso do
mundo se encontram, gera um apelo persuasivo efetivo predispondo seus leitores a ouvir sua narrativa
dentro de valores estabelecidos socialmente.
Portanto, dentro das dimenses que essa alegoria possui, a ambientao e contextualizao cumprem
uma funo importante dentro da argumentao platnica. A Caverna simboliza o mundo da aparncia, da
iluso, das realidades percebidas apenas parcialmente onde, presos, tomamos como verdadeira as
sombras.
Do lado de fora da caverna, sob a luz bruxuleante de uma fogueira, homens carregam objetos por cima do
muro que encobre a entrada. Esses homens, dentro da alegoria, so os manipuladores que produzem
iluses e trabalham para seus prprios confortos.
Outra dimenso dessa alegoria traz e examina como se daria a libertao desses prisioneiros da iluso e
vtimas dos manipuladores. Danilo Marcondes levanta um questionamento interessante nesse aspecto na
medida em que Plato mesmo caracteriza esse processo como doloroso e difcil:
H uma aparente contradio entre libertar-se e ser forado a levantar-se, como se o prisioneiro estivesse
sendo forado a libertar-se, sentindo-se em seguida ofuscado e perturbado. (MARCONDES, 2006, p. 66)
No texto de A Repblica, Scrates apenas solicita que Glauco imagine a condio em que um desses
homens fosse libertado, mas no diz exatamente como essa libertao se daria. Marcondes encontra essa
explicao em Fedro e na Teoria da Reminiscncia de Plato e diz que, na verdade, a libertao se d pelo
conflito interno que todo homem enfrenta entre, de um lado, o conforto e a acomodao dos costumes e
tradies e, de outro, o impulso da curiosidade e do conhecimento, simbolizado por Eros.
nesse conflito, dialtico, que o homem encontrar sua libertao das correntes que lhe segura dentro da
caverna, de seu inferno pessoal. Esse caminho tortuoso, penoso, mas compensador. Por ele e por
adaptaes constantes, o homem liberto conseguir contemplar o Sol: smbolo mximo da realidade e grau
mximo da plenitude, como causa primeira de tudo.
Giovane Reale(17) analisa essa alegoria destacando quatro significados para ela:
1 Simboliza os graus em que ontologicamente se divide a realidade e, principalmente, o mundo sensvel
(da aparncia) do mundo inteligvel (da Idia);
2 Simboliza os graus em que epistemologicamente o homem tem acesso realidade: eikasia
(imaginao, iluso), pstis (crena) e a dialtica como processo que leva episteme;
3 Simboliza as dimenses da vida humana no sentido asctico ou de purificao mstica, onde a
libertao dos sentidos nos levaria pura presena do Esprito, Sol;
4 Simboliza a dimenso poltica da libertao, a partir da volta do filsofo-legislador trazendo a
possibilidade de libertao para aqueles que ficaram. Este dever, contudo, enfrentar a incompreenso
daqueles que ficaram e, sobretudo, o fardo de se readaptar a um mundo com falta de luz, mas cuja volta,
paradoxalmente, daria sentido sua prpria existncia.
Notas
1 - Segundo notas de Edson Bini, na seo Dados Biogrficos da citada obra.
2 - Verbete: Metafsica.
3 - (MARCONDES 2006, p. 56)
4 - (ibidem, p. 55)
5 - Para saber mais sobre Orfismo e Filosofia, consulte o texto do Seminrio de Histria da Filosofia sobre
esse tema apresentado por Gilberto Miranda Junior, Andrey Ferreira e Denis Quinteros em 03 de Junho de
2008, disponvel em http://gil-jr.discovirtual.uol.com.br/disco_virtual/Filosofia/orfismo_e_a_filosofia.pdf senha: filosofia
6 - (GRAZZINELLI 2007, p. 17 e 18)
7 - (ROESSLI 2002, p. 46-48)
8 - Alteridade como oposto a identidade. Caracterstica do que outro e no eu. (LALANDE 1999, p. 47)
9 - (REALE e Antiseri 1990, p. 134)
10 - Em (REALE e Antiseri 1990, p. 143) podemos ver um trecho de Timeu onde Plato justifica a criao
pelo Artfice.
11 - Idem.
12 - Idea ou Eidos cfe. (SZAIF 2002, p. 183)
13 - (PLATO, Fdon 2005)
14 - (PLATO, A Repblica 1997, VII 514a-517d, p. 225-228)
15 - O leitor pode ler a transcrio desse texto no artigo Alegoria da Caverna, aqui no Wiki Filosofia Geral.
16 - (REALE e Antiseri 1990, p. 166)
17 - Ibidem, p. 167-168
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