Conceito de Normalidade e A Filosofia Clínica

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Tamara Machado Fracalanza

Escreva um texto sobre o conceito de normalidade em filosofia clnica. O


que devemos observar para identificar casos em que o partilhante
necessite de um acompanhamento mdico?
O conceito de normalidade no qualquer
posio sobre um estado, ou um modo de ser,
especfico alheio ao tempo histrico e conjuntura
social. No se tem notcia do ser normal como tal
desde sempre, para todo o sempre e em qualquer
lugar. Aquilo que foi considerado normal num dado
momento, poder ser absolutamente estranho em
outro. No entanto, relativo a um dado tempo e
sociedade, poder-se- fazer valer uma norma, cuja
emergncia revela um padro estabelecido que
dever ser seguido.
A seu tempo e contexto, o que a
normalidade, ou a anormalidade, ento?
convite de Michel Foucault, numa leitura sobre a histria da loucura,
podemos adentrar e explorar o que significa a dualidade normal e anormal. Em
linhas gerais, a anormalidade estaria relacionada ao diferente que no se quer
participante da sociedade, o indesejvel. As pessoas de uma sociedade
encontram maneiras de salientar as diferenas do desejado e do indesejado,
fazendo referncia ao que se deve ou no ser para, nessa delimitao,
ocuparem espaos - sejam fsicos, funcionais ou sociais distintos.

Para a era clssica, segundo Foucault, a referncia do exemplar social


repousou na ideia da manuteno da ordem e da culpabilidade. A ordem devia
ser mantida em detrimento daquilo que a ameaava nos seus termos ticos e
morais, na forma de pensar hegemnica e nas polticas econmicas vigentes. A
inadaptao de uma pessoa era de sua exclusiva responsabilidade, ou seja,
por sua culpa. Nessa sociedade, o espao designado para os culpados que
nos se encaixavam era o caminho da excluso, porm no qualquer excluso,
seno aquela que poderia ser vigiada e controlada para evitar-se revoltas.
Dessa forma, a excluso do indesejvel encontrou sua morada em lugares de

privao de liberdade, como as casas de internamento, num momento, em


seguida os hospitais psiquitricos e as prises, por exemplo.
A inteno da internalizao foi sendo resignificada at o ponto que se
pretendeu curar as pessoas sob a condio de inadequao. Para tanto, no
eram poupados os esforos coercitivos verbais, morais e fsicos para disciplinar
e docilizar corpos indisciplinados. Com o passar do tempo, a ao coercitiva
foi sendo reduzida, j no era mais necessria. O modo de ser adequado foi
sendo internalizado pelas pessoas, viabilizado por discursos institucionalizados
e institucionalizantes.
O mesmo processo ocorreu com o conceito de loucura. O louco era
portador de uma desordem, verdade legitimada pelo discurso mdico que
assim o via e tratava. O que desviava da ento considerada normalidade,
passava a ser vista como um processo que independe daquele que a
vivenciava e dos seus contextos (inclusive dos prprios padres de
normalidade socialmente constitudos) de forma a ser exilado ou corrigido.
O conceito de loucura que engendra excluso, legitimado pela cincia
positivista, ainda vigora at os dias atuais. Esto ai os manuais de
padronizao de doenas orgnicas e psquicas, como o CID e o DSM.
Na filosofia clnica cada ser humano singular, portanto, no h um
padro de normalidade do que deva ser. Cada pessoa s poder ser
considerada no seu contexto, na sua existncia, a partir da sua prpria
representao. Alm disso, conforme a demonstrao de Foucault, a norma
como padro foi algo socialmente e historicamente desenvolvida para uma
finalidade. Esta finalidade no cabe nos propsitos teraputicos da FC e vo de
encontro unicidade fundamental para o olhar clnico.

Percebendo que os padres de normalidade, cientficos ou sociais,


so apenas construes de uma poca que visam defender os
valores vigentes, e que tais valores caducam com o tempo, ou podem
ter sido eleitos de maneira equivocada, o filsofo clnico no impe
uma aceitao a tais padres sem antes questionar a sua validade e
seu significado na circunstncia do partihante. (Aiub, 2008, p. 56)

O que no normal para uma pessoa, pode ser para a outra e o que
est em jogo no a verdade que estabelece critrios a priori para ambas
como uma regra. Ao contrrio, dada a multiplicidade e as infinitas formas de ser
e estar no mundo humanas, as escolhas e as movimentaes existenciais
cabero exclusivamente ao partilhante.
No entanto,

Em casos em que no encontramos justificativas no histrico da


pessoa, como desconhecemos muito das relaes entre mente e
crebro, e, portanto, no sabemos quais os limites das interferncias
mtuas entre eventos fsicos e mentais, a atitude a ser tomada
encaminhar a um mdico para verificar a hiptese de distrbios
qumicos ou orgnicos. (Aiub, 2008, p. 58)

A filosofia clnica reconhece que, aps uma meticulosa investigao ou


concomitante a ela, pode ser necessrio que outros aspectos da pessoa devam
ser analisados, inclusive a possibilidade de fazer um tratamento
medicamentoso que s poder ser designado por um mdico. Por isso, alm
do atendimento teraputico, a FC compreende a importncia de um trabalho
interdisciplinar, sempre tendo em vista a singularidade do partilhante e as sua
implicaes.

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