ARON, Raymond. As Etapas Do Pensamento Sociológico PDF
ARON, Raymond. As Etapas Do Pensamento Sociológico PDF
ARON, Raymond. As Etapas Do Pensamento Sociológico PDF
Faculdade de Direito
RESUMO
O artigo em questo tem por objetivo verificar, do ponto de vista epistemolgico,
como o conhecimento oriundo das cincias naturais afetou o desenvolvimento dos
saberes poltico e social no perodo moderno. Toma-se por base as experincias
do jusnaturalismo e do positivismo comteano, a partir das quais se pode verificar
uma relao de dependncia metodolgica que permeia a gnese das cincias
humanas na Modernidade.
ABSTRACT
This article aims to demonstrate, from an epistemological point of view, how the
knowledge resulted from natural sciences influenced the development of political
and social thought in the modern period. Taking into account the jusnaturalist and
positivist experiences, it tries to indicate a relationship of methodological
dependence, which marks the development of human sciences during Modernity.
Rua Ministro Godi, 969 - 2 Andar, Sala 201 - Perdizes - 05015-000 - So Paulo - SP
Tel.: (11) 3670-8131/3670-8221
Fax: (11) 3670-8548 E-mail: [email protected]
Site da Faculdade: www.pucsp.br/direito - Revista: http://revistas.pucsp.br/red
2
Cada um a seu modo, Thomas Hobbes (1588-1679), John Locke (16321704) e Jean-Jacques Rousseau (1712-1778), aplicaro ordem social e poltica o
novo mtodo cientfico de anlise e observao da realidade ainda que o ltimo
pensador ultrapasse as concepes jusnaturalistas dos antecessores em diversos
aspectos, especialmente no que concerne mutabilidade da natureza humana.
Em linhas gerais, o jusnaturalismo moderno, alm de ter como base
a postulao de um direito universal atemporal inerente prpria natureza
humana , assenta-se na dicotomizao estado de natureza/estado civil, mediada
pela via do contrato social.1 Por certo, os autores contratualistas partem de um
mesmo princpio, o estado de natureza, muito embora divirjam quanto sua
1
concretude: para uns trata-se apenas de uma situao ideal, um artifcio lgico,
enquanto outros o consideram como efetivamente dotado de existncia histrica.2
No obstante, importa que no estado natural os homens viveriam
isoladamente, embora potencialmente associveis. Imperava, de incio, a
igualdade e a liberdade absolutas, inexistindo qualquer forma de poder exterior e
organizado que os obrigasse a observar as leis naturais, o que terminava por gerar
alguns inconvenientes. A fim de san-los, os indivduos manifestariam pela via do
contrato a inteno de formarem um grupamento mais racional ainda que
tivessem para tal abrir mo de alguns de seus direitos legitimando
consensualmente a criao do estado civil. Com isso, o zoon politikon aristotlico
foi posto por terra; antes que natural, a sociabilidade humana constitui um produto
racional, resultante de uma deciso coletiva que opta por construir uma sociedade
artificial, como o estado social.
Entretanto, mesmo quando mencionada sua existncia real, como em Hobbes e Locke, o estado
natural denota uma certa dimenso contraftica, enquanto premissa elementar indispensvel para
as respectivas construes tericas. Logo, a forma de conceber tal premissa ter implicaes para
todo o raciocnio subseqente. Ao postular uma natureza humana belicosa, identificando o estado
de natureza com o estado de guerra, Hobbes fornece como nica alternativa um governo capaz de
controlar as paixes negativas e garantir a segurana, o que s possvel caso os sditos
renunciem todos seus direitos em nome do soberano, com exceo do direito vida, reduzindo
consideravelmente suas liberdades. Na senda oposta, Locke concebe um estado natural no qual os
homens demonstram um maior uso da faculdade da razo, chegando inclusive a estabelecer
relaes econmicas entre si mediante a criao da moeda, motivo pelo qual seu modelo poltico
preconizou a liberdade, defendendo a mnima interveno com o nico fim de garantir e preservar
a propriedade, entendida enquanto vida, liberdade e bens materiais. Quanto a Rousseau, sua
posio um pouco mais elaborada, sustentada em um modelo tricotmico, e no dicotmico.
Embora parta de um estado de natureza pacfico, habitado por um homem bom e feliz, admite que
este no tardaria a mudar frente a uma srie de inovaes, especialmente pela instituio da
propriedade privada, terminando por se degenerar na sociedade civil: O verdadeiro fundador da
sociedade civil foi o primeiro que, tendo cercado um terreno, lembrou-se de dizer isto meu e
encontrou pessoas suficientemente simples para acredit-lo (ROUSSEAU: 1999a, p.87). Tratavase de remediar o estado de natureza corrompido, a despeito da impossibilidade de regresso ao
mesmo em sua pureza: [...] o retorno ao estado de natureza no somente era impossvel
concretamente, como indesejvel para o autor, uma vez que este considerava a Moral e a Justia
como conceitos desenvolvidos a partir da sociedade civil, sendo necessrio preserv-los (LIMA:
2000, p.126). Conseqentemente, caberia prpria sociedade civil, que desvirtuara o estado de
natureza, promover o resgate dos direitos naturais, ainda que em outro contexto. Nesse sentido,
com o contrato social rousseauniano, emerge uma nova natureza humana, capaz de conciliar as
contradies entre inclinaes individuais e deveres coletivos, na medida em que o sujeito torna-se
ao mesmo tempo autor e destinatrio da lei: As leis no so, propriamente, mais do que as
condies da associao civil. O povo, submetido s leis, deve ser o seu autor. S queles que se
associam cabe regulamentar as condies da sociedade (ROUSSEAU: 1999b, p.108).
Rua Ministro Godi, 969 - 2 Andar, Sala 201 - Perdizes - 05015-000 - So Paulo - SP
Tel.: (11) 3670-8131/3670-8221
Fax: (11) 3670-8548 E-mail: [email protected]
Site da Faculdade: www.pucsp.br/direito - Revista: http://revistas.pucsp.br/red
4
No de nosso interesse alongar a exposio da doutrina lockeana relativa propriedade. Digase apenas que Locke no somente buscou mostrar como a propriedade representava um direito
natural, derivado do direito vida e do trabalho pessoal, mas inclusive concentrou suas foras para
remover todos os limites naturais que havia antes concebido baseados na coexistncia, no
usufruto e na apropriao individual a partir do prprio labor terminando por permitir uma
acumulao praticamente irrestrita, seja ao alegar uma suposta abundncia de bens no mundo, ao
admitir a possibilidade e necessidade da alienao do trabalho, ou ao colocar o advento da moeda
como a assuno tcita da desigualdade entre os homens.
Rua Ministro Godi, 969 - 2 Andar, Sala 201 - Perdizes - 05015-000 - So Paulo - SP
Tel.: (11) 3670-8131/3670-8221
Fax: (11) 3670-8548 E-mail: [email protected]
Site da Faculdade: www.pucsp.br/direito - Revista: http://revistas.pucsp.br/red
8
A presente temtica foi tambm desenvolvida com pertinncia pelo filsofo ingls ao tratar de
um problema crucial para sua poca, relativo questo da tolerncia religiosa: A tolerncia para
os defensores de opinies opostas acerca de temas religiosos est to de acordo com o Evangelho e
com a razo que parece monstruoso que os homens sejam cegos diante de uma luz to clara. [...]
numa palavra, ningum pode impor-se a si mesmo ou aos outros, quer como obediente sdito de
seu prncipe, quer como sincero venerador de Deus (LOCKE: 1973a, p.10-11). Da a distino
crucial operada por Locke, entre funes do governo civil e funes da Igreja, que, em momento
futuro, vai desembocar na laicizao da poltica, mediante a completa separao entre as atividades
religiosas e as atividades do Estado: [...] todo o poder do governo civil diz respeito apenas aos
bens civis dos homens [vida, liberdade, sade fsica, posse de coisas externas, etc.], est confinado
para cuidar das coisas deste mundo, e absolutamente nada tem a ver com o outro mundo
(LOCKE: 1973a, p.12). Dito de outro modo, o governo civil tem seu poder restrito exclusivamente
sua raison dtre: a defesa e o aprimoramento das propriedades dos indivduos compreendidas
segundo a acepo ampla j mencionada. Igualmente, a Igreja tambm possui seu poder
associado to somente s coisas do outro mundo, a fim de promover a salvao de almas: [...] a
finalidade de uma sociedade religiosa consiste no culto pblico de Deus, por meio do qual se
alcana a vida eterna (LOCKE: 1973a, p.14). Doravante, a tolerncia no representa um dever a
ser observado apenas por parte das diversas religies ou faces religiosas, seno que diz respeito
inclusive s relaes entre a Igreja e o governo civil. Mais ainda, a obrigao lockeana da
tolerncia constitui uma ratificao do primado do indivduo, na medida em que veda a ambos a
violao dos bens civis dos membros de uma sociedade: Ningum, portanto, nem os indivduos,
nem as igrejas, nem mesmo as comunidades tm qualquer ttulo justificvel para invadir os
direitos civis e roubar a cada um seus bens terrenos em nome da religio (LOCKE: 1973a, p.16).
Rua Ministro Godi, 969 - 2 Andar, Sala 201 - Perdizes - 05015-000 - So Paulo - SP
Tel.: (11) 3670-8131/3670-8221
Fax: (11) 3670-8548 E-mail: [email protected]
Site da Faculdade: www.pucsp.br/direito - Revista: http://revistas.pucsp.br/red
9
vive; por ltimo, a de profeta de uma nova era e pontfice de uma nova religio, a
religio da humanidade, centrada no amor e na solidariedade: A cada fase ou
modo qualquer de nossa existncia, individual ou coletiva, devemos aplicar
sempre a frmula sagrada dos positivistas: o Amor por princpio, a Ordem por
fundamento, e o Progresso por fim. A verdadeira unidade pois constituda
finalmente pela Religio da Humanidade [grifos nossos] (COMTE, Apud:
BENOIT: 1999, p. 359).
Referncias Bibliogrficas
ARON, Raymond (1999). As etapas do pensamento sociolgico. Traduo de
Srgio Bath. 5. ed. So Paulo: Martins Fontes, 1999.
BENOIT, Lelita Oliveira (1999). Sociologia comteana: gnese e devir. So Paulo:
Discurso Editorial, 1999.
BOBBIO, Norberto (1995). Desobedincia civil. In: BOBBIO, Norberto,
MATTEUCCI, Nicola, PASQUINO, Gianfranco. Dicionrio de poltica.
Traduo de Carmen C. Varrialle, Gaetano Lo Mnaco, Joo Ferreira, Lus
Guerreiro Pinto Cacais e Renzo Dini. Vol. I. 7. ed. Braslia: UnB, 1995.
BOBBIO, Norberto (1998). Locke e o direito natural. Traduo de Srgio Bath. 2.
ed. Braslia: UnB, 1998.
BOBBIO, Norberto (1993). Thomas Hobbes and the natural law tradition.
Traduo de Daniela Gobetti. Chicago: The University of Chicago Press, 1993.
CASSIRER, Ernst (1997). A filosofia do iluminismo. Traduo de lvaro Cabral.
3. ed. So Paulo: Editora da UNICAMP, 1997.
COMTE, Auguste (1978a). Curso de Filosofia Positiva. In: Os Pensadores.
Traduo de Jos Artur Giannotti. So Paulo: Abril cultural, 1978a.
COMTE, Auguste (1978b). Discurso sobre o esprito positivo. In: Os Pensadores.
Traduo de Jos Artur Giannotti. So Paulo: Abril cultural, 1978b.
COMTE, Auguste (1978c). Discurso preliminar sobre o conjunto do positivismo.
In: Os Pensadores. Traduo de Jos Artur Giannotti. So Paulo: Abril cultural,
1978c.
DUMONT, Louis (2000). O individualismo: uma perspectiva antropolgica da
ideologia moderna. Traduo de lvaro Cabral. Rio de Janeiro: Rocco, 2000.
Rua Ministro Godi, 969 - 2 Andar, Sala 201 - Perdizes - 05015-000 - So Paulo - SP
Tel.: (11) 3670-8131/3670-8221
Fax: (11) 3670-8548 E-mail: [email protected]
Site da Faculdade: www.pucsp.br/direito - Revista: http://revistas.pucsp.br/red
19
Rua Ministro Godi, 969 - 2 Andar, Sala 201 - Perdizes - 05015-000 - So Paulo - SP
Tel.: (11) 3670-8131/3670-8221
Fax: (11) 3670-8548 E-mail: [email protected]
Site da Faculdade: www.pucsp.br/direito - Revista: http://revistas.pucsp.br/red
22