Formação de Leitores - Graça Paulino
Formação de Leitores - Graça Paulino
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Universidade do Minho
[email protected]
ISSN (Versin impresa): 0871-9187
PORTUGAL
2004
Graa Paulino
FORMAO DE LEITORES: A QUESTO DOS CNONES LITERRIOS
Revista Portuguesa de Educao, ao/vol. 17, nmero 001
Universidade do Minho
Braga, Portugal
pp. 47-62
Resumo
Discutem-se neste trabalho as conseqncias culturais do distanciamento
existente no Brasil entre cnones literrios e cnones escolares da literatura
chamada juvenil, a partir da constatao de que, por um lado, a fragilidade
do letramento escolar e, por outro, a elitizao da literatura num campo
simblico fechado se mostram relacionados formao de alunos noleitores literrios. recepo emotiva de leitores jovens sem traquejo
literrio e disposio pedaggica de seus professores se contrape a
possibilidade de acrescentar s prticas de leitura literria escolarizadas o
estranhamento e outros exerccios intelectuais prprios da interlocuo com a
literatura cannica, a qual tem sido afastada das escolas, especialmente por
algumas radicalizaes dos Estudos Culturais na formao de professores,
com seu repdio aos cnones estticos.
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lado. Sua rapidez, por exemplo, inclui o tempo que flui sem outro intento que
o de deixar as idias e sentimentos se sedimentarem, amadurecerem,
libertarem-se de toda impacincia e de toda contingncia efmera (p. 66).
Por outro lado, a exatido para Calvino se define como um projeto de obra
bem definido e calculado, a evocao de imagens ntidas, incisivas,
memorveis, e uma linguagem que seja a mais precisa possvel como lxico
em sua capacidade de traduzir as nuanas do pensamento e da imaginao
(p. 71). Desse modo, no h como negar rapidez e preciso aos dois
maiores romancistas brasileiros. Mas, para no absolutizar essas intrigantes
qualidades, conveniente acrescentar argumentos de outros pensadores aos
de Calvino na definio (e defesa) dos cnones literrios ocidentais. No h
como deixar de dialogar, nesse caso, com um dos mais polmicos crticos
contemporneos: Harold Bloom (1995). Seu ataque s escolas de letras e
cincias sociais estadunidenses poderia ser tachado de violento. Afirma, por
exemplo, em seu livro O cnone ocidental: Shakespeare, cuja supremacia
esttica foi confirmada pelo julgamento universal de quatro sculos, agora
historicizado em pragmtica diminuio, precisamente porque seu misterioso
poder esttico um escndalo para qualquer idelogo (p. 30).
Por outro lado, o ensasta faz questo de desmitificar o cnone como
processo de formao de cidadania, ou como sinnimo de qualquer
sinceridade esttica. Apelando a Pater, afirma que toda literatura cannica
apenas um acrscimo de estranheza beleza (p. 12). Isso impede a
definio de um quadro preconceituoso na defesa dos cnones. Assim
tambm se posicionam alguns tericos e crticos brasileiros, como Eneida
Maria de Souza (2002) e Helosa Buarque de Hollanda. Esta ltima,
introduzindo sua polmica antologia potica dos anos 90, afirma:
Na realidade, so tambm conservadores aqueles que acreditam ser a
pluralidade uma nova forma de sobredeterminao pasteurizante, um plural
reacionrio, considerando que aceitar diferenas acreditar na existncia de
outras manifestaes, sem a fora do juzo verticalizante (...) O mnimo
estabelecimento de critrios comparativos serve para discernir preconceitos,
mas preciso levar em conta como se produzem os discursos de legitimao,
quem os legisla e quais vozes atuam em off (apud Souza 2002, p. 93).
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Abstract
This work aims at discussing the distancing that exists in Brazil between the
literary canons and the school canons of the so-called literature for the youth,
based on the data that highlights the frailty of school reading process as well
as the elitization of the literature in a closed symbolic field, resulting in the
formation of non-literary readers. The "emotional" reception of young readers
lacking literary awareness and the "pedagogical" willingness of their teachers
are opposed by the possibility of adding to the school reading practice the
"strangeness" and other intellectual exercises related to the interlocution with
the canonical literature, which has been put aside in school specially due to
the radicalization of cultural studies and their repudiation towards aesthetic
canons.
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Rsum
Dans ce travail on discute les consquences culturelles de la distance
comprise, au Brsil, entre les canons littraires et les canons scolaires de la
littrature appele "pour les jeunes", partir de ce qu'on constate: d'une part,
la fragilit du illettrisme scolaire et, d'autre, l'litisation de la littrature dans un
champ symbolique ferm; de plus, ces deux ples se montrent en rapport
avec la formation des lves qui ne constituent pas de lecteurs-littraires. A la
reception "motive"des jeunes lecteurs sans exprience littraire et la
disposition pdagogique de leurs professeurs s'oppose la possibilit d'ajouter
aux pratiques de lecture littraire, l'cole, l'tranget et d' autres exercices
intelectuels, propres l'interlocution avec la littrature canonique, celle qui
s'loigne des coles, surtout cause du radicalisme des Etudes Culturelles et
leur aversion par les canons esthtiques.
Toda a correspondncia relativa a este artigo deve ser enviada para: Maria das Graas Rodrigues
Paulino, Rua Rosinha Sigaud 1068, Bairro Caiara, 30770560, Belo Horizonte, Brasil.