Resenha "Futuro Passado"

Fazer download em docx, pdf ou txt
Fazer download em docx, pdf ou txt
Você está na página 1de 7

UNIVERSIDADE DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO

INSTITUTO DE FILOSOFIA E CINCIAS HUMANAS HISTRIA


PROGRAMA DE PS-GRADUAO EM HISTRIA
DISCIPLINA: TENDNCIAS DA HISTORIOGRAFIA CONTEMPORNEA
PROFESSORA: Dr LCIA GUIMARES

RESENHA:
FUTURO PASSADO
NATLIA CABRAL DOS SANTOS

RIO DE JANEIRO
2013

KOSELLECK, Reinhart. Futuro Passado. Contribuio semntica dos tempos histricos.


Rio de Janeiro: Contraponto, Editora Puc-RJ, 2006.
Natlia Cabral dos Santos1

Futuro Passado uma coletnea de 14 ensaios do historiador alemo Reinhart


Koselleck (1923- 2006), que um dos principais historiadores e fundadores da chamada
escola da Histria dos conceitos, iniciada no final de dcada de 1960 e que traz a
importncia de se estudar os significados histricos dos conceitos. Koselleck, autor tambm
do livro resultante de sua tese de doutoramento Crtica e Crise2, foi professor nas
universidades de Bochum, Heidelberg e Bielefeld e co-autor do dicionrio histrico dos
conceitos poltico-sociais fundamentais da lngua alem Geschichtliche Grundbegriffe.
Historisches Lexikon der politisch-sozialen Sprache in Deutschland, publicado em sete
volumes entre os anos de 1972 e 1997. A defesa da histria conceitual de Koselleck veio
entrar no mbito das discusses da Histria das ideias j empreendidas anteriormente pela
corrente collingwoodiana da Escola de Cambrigde3. Suas premissas trazem a questo do
problema da conscincia histrica, sua articulao por meio do conceito de experincia e
fazendo recurso hermenutica filosfica que integrados perfazem uma Histria Social dos
Conceitos4. (BENTIVOGLIO, p. 115)
A obra da qual se est tratando, gira em torno do questionamento do que tempo
histrico?. No prefcio o autor nos apresenta como ser o livro, dividido em trs grandes
partes, e tambm a sua hiptese que a de que, no processo de determinao da distino
entre passado e futuro, ou, usando-se a terminologia antropolgica, entre experincia e
expectativa, constitui-se algo como um tempo histrico (p.16). Quanto a metodologia
utilizada em suas investigaes, Koselleck deixa claro seu posicionamento em favor da
semntica dos conceitos fundamentais.
A primeira sesso do livro recebeu o ttulo Sobre a relao entre passado e futuro na
histria moderna e possui quatro artigos. Neles Koselleck defende que houve uma mudana
1

Mestranda em Histria Poltica pelo Programa de Ps-graduao em Histria da Universidade do Estado do


Rio de Janeiro.
2
KOSELLECK, Reinhart. Crtica e Crise. Rio de Janeiro: Ed. Uerj: Contraponto, 1999.
3
Esta corrente anglo-sax parte da Filosofia da Linguagem e da teoria dos speech acts, de acordo com
Bentivoglio (p. 116).
4
BENTIVOGLIO, Jlio. A histria conceitual de Reinhart Koselleck. Dimenses, vol. 24, 2010, p. 115.

na estrutura temporal entre 1500 e 1800, apresentando a ideia de que h uma acelerao da
temporalizao da histria na modernidade e a mudana na relao entre passado e futuro, que
leva a transformao de seus significados. Segundo ele, o poltico se sobrepe a religio na
busca da paz e experincia adquirida com as lutas sangrentas, referindo-se s guerras
religiosas, fez perceber que elas no prenunciavam o Juzo final. Com o surgimento da dvida
do fim do mundo, o futuro passou a ser encarado de outra maneira, como indito, um
horizonte de possibilidades que se abria aos homens.
A naturalidade com que as previses dos cristos crentes ou as profecias de toda
espcie transformaram-se em ao poltica j se notava desde 1650. O clculo
poltico e a conteno humanista delimitaram um novo horizonte para o futuro.
Aparentemente, nem as predies de um grande e nico fim do mundo, nem as que
previam eventos mltiplos e de menor monta foram capazes de prejudicar o curso
das coisas humanas. Em vez do fim do mundo previsto, um tempo diferente e novo
foi inaugurado. (p.31)

Outro ponto discutido pelo autor a transformao conceitual de histria na lngua


alem, que passa de Histoire (narrativa de algo acontecido) para Geschichte (que alude ao
acontecimento em si). A histria deixa de ser encarada como mestra da vida com a mudana
da relao entre passado e futuro e passa a ser entendida como um coletivo singular que rene
acontecimentos nicos. O passado deixa, portanto, de ser fonte de exemplos para nos orientar
no futuro.
Foi finalmente a histria em si que comeou a abrir um novo espao de
experincia. A nova histria adquiriu uma qualidade temporal prpria. Diferentes
tempos e perodos de experincia, passveis de alternncia, tomaram lugar outrora
reservado ao passado entendido como exemplo (p.47).

Essa nova histria deixa de ser uma grandeza natural e por isso a sua temporalizao
entendida a partir de uma cronologia natural tambm. O tempo passa a ser encarado como um
tempo histrico. A retirada da influncia da natureza deixa de existir em outros mbitos.
Como no caso do conceito de revoluo, o qual Koselleck tambm apresenta a
transformao semntica histrica ocorrida durante o sculo XVIII, que deixou se ter um
significado cclico, remetendo natureza, para o de descortinar um novo horizonte, no sendo
mais possvel voltar a um ponto anterior. Entre as caractersticas do termo revoluo aps
1789, o autor escreve sobre conter uma ideia de acelerao do tempo que traz novas
perspectivas e a de que os homens passam a ter a percepo de que podem fazer a revoluo.

Sobre a teoria e o mtodo da determinao do tempo histrico a segunda parte do


livro, em que o ensaio mais chama a ateno Histria dos conceitos e histria social.
Neste captulo, Koselleck escreveu sobre a relao entre histria dos conceitos e histria
social, afirmando que a anlise dos significados dos conceitos ajuda na compreenso das
transformaes poltica e sociais de importncia histrica. Ou seja, auxilia nas questes da
histria social. Para o autor ns devemos compreender os conflitos sociais e polticos do
passado por meio das delimitaes conceituais e da interpretao dos usos da linguagem feitos
pelos contemporneos de ento (p.103).
Koselleck escreveu ainda sobre o carter organizacional dos conceitos polticos e
sociais sob o aspecto temporal, em que afirma a existncia de conceitos em que parte do
significado que possua permanece, conceitos em que o contedo sofreu grande alterao e s
pode ser resgatado historicamente e, por fim, os neologismos, que surgem em momentos
inditos. De toda forma, os conceitos abrem horizontes e so limitadores das experincias
possveis.
A histria dos conceitos interpreta o passado atravs dos conceitos utilizados nele,
entendendo-os

tambm

historicamente.

Ela

deve

alternar

entre

uma

abordagem

onomasiolgica e semasiolgica e sua premissa terica consiste na obrigatoriedade de


confrontar e medir permanncia e alterao, tendo esta como referncia daquela (p.115).
Nesta segunda sesso do livro, Koselleck ainda levanta questes como a do fim do
acaso quando a providncia divina deixa de ser a fonte de explicao dos acontecimentos
devido singularidade da histria. Outro ponto sobre a contraposio parcialidade/
objetividade na construo histrica. At o sculo XVIII afirmava-se o comprometimento da
histria com a verdade imparcial e objetiva, mas j na metade desse mesmo sculo percebe-se
a aceitao dos diferentes pontos de vista na histria, por parte das testemunhas, do
historiador, das diferentes regies e tempos, e o papel das fontes, que, segundo o historiador,
no nos diz o que falar, mas nos limita e impede de fazer falsas afirmaes.
Uma fonte no pode nos dizer nada daquilo que cabe a ns dizer. No
entanto, ela nos impede de fazer afirmaes que no poderamos fazer. As fontes
tm poder de veto. Elas nos probem de arriscar ou de admitir interpretaes as
quais, sob a perspectiva da investigao de fontes, podem ser consideradas
simplesmente falsas ou inadmissveis. Datas e cifras erradas, falsas justificativas,
anlises de conscincia equivocadas: tudo isso pode ser descoberto por meio da
crtica das fontes. As fontes nos impedem de cometer erros, mas no nos revelam o
que nos devemos dizer. (p.188)

A ltima parte do livro recebeu o nome Sobre a semntica histrica da experincia.


Nela o autor se props a tratar sobre os conceitos antitticos assimtricos, que so conceitos
opostos, mas desiguais, restringindo-se a abordar conceitos que pretendem incluir a totalidade
das pessoas: helenos/ brbaros, cristos/ pagos e homem/ no-homem. Um conceito sempre
estar carregado de aspectos positivos enquanto seu oposto de caractersticas negativas.
Koselleck traz novamente a questo do conceito de histria ter se tornado um coletivo
singular para afirmar que apenas a partir desse momento que se pode fazer a histria e que
isso indicava um novo espao de experincia e horizonte de expectativas. Com a conscincia
dos homens de que eles prprios so os autores da histria, passam a prev-la e planej-la,
mas com o tempo percebem que essas previses e planejamentos so diferentes da realizao.
O autor chama ateno tambm para o dilema de que a histria diferente daquilo que
se expressa pela linguagem. Os acontecimentos e as experincias adquiridas necessitam da
linguagem para serem transmitidos, mas no se reduzem apenas a ela. Linguagem e histria
so dependentes uma da outra, mas nunca chegam a coincidir inteiramente (p.267).
Koselleck mostra ainda como o conceito de tempo moderno foi construdo mais
rapidamente do que o de novo tempo e que conseguiu criar um conceito que trazia a ideia
da inaugurao de um novo perodo. A construo de tempo moderno indica a acelerao
da mudana da experincia histrica e da rapidez da sua elaborao pela conscincia (p.282).
Por a histria ter passado a ser entendida como histria em si e devido a sua nova
relao com o tempo, ocorreu a sua temporalizao. Por isso, ocorreram algumas mudanas:
sculo adquire um significado histrico prprio a partir do sculo XVII, passa-se a perceber
as diferentes histrias anacrnicas ocorrendo ao mesmo tempo, a ideia de que pode haver
diferentes representaes para um mesmo acontecimento (j que o historiador faz escolhas e
as novas experincias permitem olhares diferentes), a conscincia de que estavam em uma
poca de transio leva a novas perspectivas para o futuro e quanto a mudana do ritmo
temporal das experincias e, por fim, com a radipez das mudanas a histria do presente e as
testemunhas caem em descrdito.
No ltimo captulo da obra e o de mais destaque nessa sesso, Espao de
experincia e horizonte de expectativa: duas categorias histricas, aborda as categorias
experincia e expectativa, que nos dizem o que houve e o que est por vir. So generalizaes
que no se excluem e formam a histria e seu conhecimento.
Experincia e expectativa so duas categorias para nos ocuparmos com o
tempo histrico, pois elas entrelaam passado e futuro. So adequadas tambm para

se tentar descobrir o tempo histrico, pois, enriquecidas em seu contedo, elas


dirigem as aes concretas no movimento social e poltico. (p. 308)

As mudanas que ocorriam no mundo eram to vagarosas que no provocavam uma


ruptura no que era vivido. A experincia era sempre a mesma e a expectativa que possuam
era baseada no passado. A doutrina crist, que falava em fim do mundo, atrelava passado e
futuro e mesmo com a no concretizao dessa profecia, a ideia era renovada justamente pelo
no cumprimento dessa expectativa. A mudana dessa concepo comea com o surgimento
da ideia de progresso, que contm a necessidade de aperfeioamento constante. Com isso o
fim do mundo superado e o que se coloca um futuro em aberto. A partir de ento o
horizonte de expectativa passa a incluir um coeficiente de mudana que se desenvolve com o
tempo (p.317). O espao de experincia tambm modificado. Quando o conceito de
progresso foi criado no final do sculo XIX se procurou reunir as novas experincias dos trs
sculos anteriores.
A vinculao entre experincia e expectativa se separa com o incio da modernidade e
as novas descobertas do perodo. A experincia no mais suficiente para criar as
expectativas e esta no era mais determinada pelo passado. Com a percepo da acelerao
dos acontecimentos, passado e futuro, experincia e expectativa se distanciam ainda mais. E a
modernidade s pode ser concebida como um novo tempo devido a esse distanciamento.
Para Koselleck, a classificao de conceitos sociais e polticos pelas categorias
expectativa e experincia oferece, no obstante, uma chave para mostrar o tempo histrico
em mutao (p.322). E o autor expe como os conceitos passaram a estar mais ligados
expectativa do que experincia com a modernidade, sendo conceitos de movimento, ou seja,
relacionados com a descoberta do futuro novo.
notvel a importncia que Koselleck d para ao estudo dos conceitos ao longo da
histria para construo historiogrfica. Como afirmou Jlio Bentivoglio a respeito da defesa
de Koselleck por essa corrente historiogrfica:
A virtude de Koselleck, neste sentido, foi a de atentar para a historicidade
dos conceitos e do pensamento scio-poltico, vinculando-os realidade social e
compreenso hermenutica. Com isso, valorizou a dinmica e a existncia de
significados aparentemente diversos dentro de uma mesma poca e at em um
mesmo grupo social e, de igual modo, explicitou o carter formativo e pragmtico
da constituio e do uso das idias na Histria. (BENTIVOGLIO, p.115)

Com isso e a partir da leitura de Futuro passado praticamente impossvel no olhar


com outros olhos para nossas fontes, pensando nos significados por trs dos conceitos
utilizados historicamente. Alm de passar a encarar e entender o surgimento da modernidade
a partir de uma nova perspectiva que considera a mudana de relao entre passado e futuro,
do prprio conceito de histria e sua temporalizao.

Referncias bibliogrficas

BENTIVOGLIO, Jlio. A histria conceitual de Reinhart Koselleck. Dimenses, vol. 24,


2010, p. 114- 134.

Você também pode gostar