O documento discute os diferentes significados e abordagens do multiculturalismo e suas implicações na educação. Ele explora como a identidade e diferença são concebidas nas diferentes visões multiculturais e como isso afeta como as identidades são tratadas na educação. A visão pós-moderna enfatiza que as identidades são construções híbridas e dinâmicas em vez de essências estáticas, e busca descolonizar os discursos educacionais.
O documento discute os diferentes significados e abordagens do multiculturalismo e suas implicações na educação. Ele explora como a identidade e diferença são concebidas nas diferentes visões multiculturais e como isso afeta como as identidades são tratadas na educação. A visão pós-moderna enfatiza que as identidades são construções híbridas e dinâmicas em vez de essências estáticas, e busca descolonizar os discursos educacionais.
O documento discute os diferentes significados e abordagens do multiculturalismo e suas implicações na educação. Ele explora como a identidade e diferença são concebidas nas diferentes visões multiculturais e como isso afeta como as identidades são tratadas na educação. A visão pós-moderna enfatiza que as identidades são construções híbridas e dinâmicas em vez de essências estáticas, e busca descolonizar os discursos educacionais.
O documento discute os diferentes significados e abordagens do multiculturalismo e suas implicações na educação. Ele explora como a identidade e diferença são concebidas nas diferentes visões multiculturais e como isso afeta como as identidades são tratadas na educação. A visão pós-moderna enfatiza que as identidades são construções híbridas e dinâmicas em vez de essências estáticas, e busca descolonizar os discursos educacionais.
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Dossi Educao e Desenvolvimento
O multiculturalismo e seus dilemas: implicaes na educao Comunicao&poltica, v.25, n2, p.091-107 O multiculturalismo e seus dilemas: implicaes na educao * Ana Canen ** Introduo O que significa o multiculturalismo? Em que medida per- cebido de forma homogeneizada, ignorando-se suas abor- dagens plurais? Como se definem identidade e diferena, universalismo e relativismo, em suas diversas vises? Existiria al- guma abordagem multicultural que superaria novas formas de universalismos, como aqueles ligados universalizao dos particularismos? Seria o multiculturalismo um campo de conheci- mentos ou apenas uma viso prtica e poltica sobre formas de se lidar com as diferenas? Que desdobramentos no ensino podem assumir as vises multiculturais? O presente artigo, longe de fornecer respostas definitivas s questes acima, pretende levantar reflexes que possam proble- matizar mitos e vises essencializadas do multiculturalismo, bus- * PhD em Educao, University of Glasgow. Profa. adjunta do Departamento de Fundamentos da Educao/FE/UFRJ, pesquisadora do CNPq. * Artigo baseado em pesquisa sobre Multiculturalismo e Educao, apoiada pelo CNPq . 02DED04 Ana Caren.pmd 14.08.2007, 22:46 91 92 Dossi Educao e Desenvolvimento Ana Canen cando traar um breve panorama de seus dilemas, desafios e com- plexidades, focalizando particularmente suas articulaes com a educao. importante observar que se cobra, justamente da edu- cao, a formao de geraes nos valores de tolerncia, de cidada- nia crtica, de valorizao da pluralidade cultural, de flexibilidade e abertura para novas possibilidades de construes de conheci- mento e de solues a problemas. O argumento que defendemos que, se o multiculturalismo pretende contribuir para uma educao valorizadora da diversi- dade cultural e questionadora das diferenas, deve superar pos- turas dogmticas, que tendem a congelar as identidades e desconhecer as diferenas no interior das prprias diferenas. No procuramos fornecer receitas mesmo porque o cerne do multi- culturalismo o questionamento sobre verdades nicas e absolu- tas, narrativas mestras mas sim buscamos levantar questes e reflexes sobre possveis olhares tericos e caminhos de pesquisa para tentar viabilizar uma educao que questione o modelo ni- co, branco, masculino, heterossexual e ocidental que embasa dis- cursos curriculares monoculturais, dominantes, sem, no entanto, cair em dogmatismos e radicalismos que continuem a separar eu- outro, normalidade-diferena. Pensando multiculturalmente sobre educao: significados e abordagens O multiculturalismo um termo que tem sido empregado com fre- qncia, porm com diferentes significados. Desta forma, crticos e defensores do mesmo travam, muitas vezes, lutas e discusses em torno de um conceito que, na verdade, pode estar sendo entendido de formas diferentes para os envolvidos em tais disputas. A comear pelo nome: alguns apontam que o interculturalismo seria um termo mais apropriado, na medida em que o prefixo inter daria uma viso de culturas em relao, ao passo que o termo multiculturalis- mo estaria significando o mero fato de uma sociedade ser compos- ta de mltiplas culturas, sem necessariamente trazer o dinamismo dos choques, relaes e conflitos advindos de suas interaes. 02DED04 Ana Caren.pmd 14.08.2007, 22:46 92 93 Dossi Educao e Desenvolvimento O multiculturalismo e seus dilemas: implicaes na educao Comunicao&poltica, v.25, n2, p.091-107 Alm dos termos que o definem, as perspectivas que informam o multicul- turalismo tambm vari- am, conforme temos apontado (CANEN & OLI- VEIRA, 2002; CANEN & CANEN, 2005; CANEN & PETERS, 2005), desde uma viso mais folclrica ou libe- ral (valorizadora da pluralidade cultural, porm reduzindo as estra- tgias de trabalho com a mesma a as- pectos exticos, folclricos e pontuais, como receitas tpicas, festas, dias especiais dia do ndio, por exemplo), at perspectivas mais crticas (tambm chamadas de multiculturalismo crtico ou pers- pectiva intercultural crtica, em que o questionamento da constru- o dos preconceitos e das diferenas o foco do trabalho). Nesse sentido, crticas que atribuem ao multiculturalismo a exaltao da pluralidade cultural mas o acusam de se omitir com relao s desigualdades esto, na verdade, sendo dirigidas a um sentido de multiculturalismo folclrico que, certamente, no o nico. O multiculturalismo crtico ou perspectiva intercultural crtica busca articular as vises folclricas a discusses sobre as re- laes desiguais de poder entre as culturas diversas, questionando a construo histrica dos preconceitos, das discriminaes, da hierarquizao cultural. Entretanto, o multiculturalismo crtico tam- bm tem sido tensionado por posturas ps-modernas e ps-coloni- ais, que apontam para a necessidade de se ir alm do desafio a preconceitos e buscar identificar, na prpria linguagem e na cons- truo dos discursos, as formas como as diferenas so construdas. Isso porque a viso ps-moderna, grosso modo, focaliza os proces- sos pelos quais os discursos no s representam a realidade, mas so constitutivos da mesma. Isso significa que, para alm das estratgias e vises do multicul- turalismo crtico, a perspectiva ps-colonial e ps-moderna do Crticas que atribuem ao multiculturalismo a exaltao da pluralidade cultural mas o acusam de se omitir com relao s desigualdades so dirigidas a um sentido de multiculturalismo que, certamente, no o nico. 02DED04 Ana Caren.pmd 14.08.2007, 22:46 93 94 Dossi Educao e Desenvolvimento Ana Canen multiculturalismo busca descolonizar os discursos, identifican- do expresses preconceituosas (metforas e imagens discrimina- trias), bem como marcas e construes da linguagem que estejam impregnadas por uma perspectiva ocidental, colonial, branca, mas- culina etc. importante assinalar que as diferenas entre as abordagens multiculturais acima relacionadas remetem, em ltima anlise, a questes de fundo quanto: a) forma como a identidade e a dife- rena so concebidas; b) relao entre universalismo e relativismo na abordagem dada ao real c) compreenso do multiculturalis- mo como campo de estudos de carter hbrido. Analisarei, a se- guir, essas questes. Identidade e diferena Ao lidar com o mltiplo, o diverso e o plural, o multiculturalismo encara as identidades plurais como a base de constituio das socie- dades. Leva em considerao a pluralidade de raas, gneros, religies, saberes, culturas, linguagens e outras caractersticas identitrias para sugerir que a sociedade mltipla e que tal multiplicidade deve ser incorporada em currculos e prticas pedaggicas. No entanto, em uma viso essencializada, a identidade vista como essncia acabada. Se a abordagem multicultural construda sobre essa suposio, ainda que valorize a pluralidade de identida- des, ir visualiz-las como entidades estanques: o negro, o ndio, a mulher, o deficiente e assim por diante. o caso, por exemplo, das perspectivas multiculturais folclricas e daquelas que se basei- am em certas vertentes do multiculturalismo crtico, que ainda no incorporaram o carter de construo das identidades, nem se vol- taram ao papel dos discursos nessa construo. Nessa perspectiva, ainda que questionem preconceitos e traba- lhem em prol de uma sociedade mais justa e menos discriminatria, superando o mero exotismo que caracteriza o multiculturalismo folclrico, as estratgias multiculturais crticas ainda estariam tra- balhando com a idia uniforme e acabada das identidades, sem considerar o dinamismo, o hibridismo, as snteses culturais e o 02DED04 Ana Caren.pmd 14.08.2007, 22:46 94 95 Dossi Educao e Desenvolvimento O multiculturalismo e seus dilemas: implicaes na educao Comunicao&poltica, v.25, n2, p.091-107 movimento constante que resulta em novas identidades. o caso, por exemplo, em que se decide desenvolver estratgias para desafi- ar o preconceito contra o ndio, mas no se considera a complexi- dade cultural das naes indgenas, com suas linguagens mltiplas, seus significados plurais etc. Ainda que a inteno seja crtica, a homogeneidade da categoria ndio assenta-se em uma viso da identidade como essncia acabada, o que pode resultar em um congelamento das identidades e das diferenas. Por outro lado, o multiculturalismo crtico ps-modernizado ou ps-colonial (CANEN & OLIVEIRA, 2002; CANEN & PETERS, 2005; HALL, 2003) ir focalizar no s a diversidade cultural e identitria, mas tambm os processos discursivos pelos quais as identidades so formadas, em suas mltiplas camadas. Dessa ma- neira, tal viso de multiculturalismo no se limita a constatar a pluralidade de identidades e os preconceitos construdos nas rela- es de poder entre as mesmas. Vai, isto sim, analisar criticamente os discursos que fabricam essas identidades e essas diferenas, buscando interpretar a identidade como uma construo, ela pr- pria mltipla e plural. Dessa maneira, a prpria identidade obje- to de anlise do multiculturalismo ps-moderno ou ps-colonial. A hibridizao ou hibridismo conceito central dessa perspectiva multicultural: a construo da identidade implica que as mltiplas camadas que a perfazem a tornem hbrida, isto , formada na multiplicidade de marcas, construdas nos choques e entrechoques culturais. Souza Santos (2001) alerta que o multiculturalismo crtico ps- colonial discute as diferenas dentro das diferenas, recusando a idia de que as identidades plurais que constituem a sociedade se- jam estticas, unas, indivisveis. De fato, nesta viso, no haveria tipos identitrios puros: as snteses culturais fazem com que to- dos sejamos constitudos no hibridismo. Por exemplo, somos mu- lheres, negras, ocidentais e afro-descendentes. Em certas ocasies, a marca identitria negra pode prevalecer (ASSIS & CANEN, 2004), mas em outras a de gnero, e assim por diante. Gonalves & Silva (2000), apontam, nesta linha, para a necessidade de os movimen- tos negros lidarem com a diversidade em seu interior, diversidade 02DED04 Ana Caren.pmd 14.08.2007, 22:46 95 96 Dossi Educao e Desenvolvimento Ana Canen esta marcada ora pela presena das mulheres negras em uma situa- o bastante diferenciada, ora por jovens que trazem a marca de seus prprios movimentos, de seus grupos de estilo e outros. Bauman (2005, p. 17), por sua vez, eloqente ao considerar que o pertencimento e a identidade no tm a solidez de uma rocha, no so garantidos para toda a vida, so bastante negoci- veis e revogveis. O referido autor ilustra, por meio de sua pr- pria biografia, sua identidade hbrida, recordando Agnes Heller quando afirmava que sendo mulher, hngara, judia, norte-ame- ricana e filsofa, estava sobrecarregada de identidades demais para uma s pessoa (ibid., p. 19). Tais consideraes podem ser aplica- das a grupos identitrios diversos, evitando com que se caia no erro de congelar e homogeneizar identidades e diferenas. Temos proposto trs nveis pelos quais as identidades podem ser trabalhadas (CANEN & CANEN, 2005): identidades individu- ais, coletivas e organizacionais. No primeiro caso, trata-se de se perceber as hibridizaes presentes nas formas pelas quais as iden- tidades so produzidas, nos indivduos. No segundo caso, uma sus- penso temporria da construo identitria realizada em prol do reconhecimento de algum marcador mestre (CANEN & GRANT, 2001) que confere o sentimento de pertena das identi- dades a grupos coletivos especficos, de modo a garantir seus direi- tos representao nos espaos sociais e culturais. o caso de identidades negras, homossexuais, indgenas, de mulheres e assim por diante. O desafio, neste caso, o de compreender a reduo da identidade para fins definidos, de modo a que no se dogmatize ou se congele a identidade a partir de um marcador especfico, ignorando sua mobilidade e hibridizao, como dito anteriormente. Finalmente, argumentamos que as identidades organiza- cionais ou institucionais compreendidas como aquelas que se caracteri- zam pela misso especfi- O multiculturalismo crtico focaliza no s a diversidade cultural e identitria, mas tambm os processos discursivos pelos quais as identidades so formadas. 02DED04 Ana Caren.pmd 14.08.2007, 22:46 96 97 Dossi Educao e Desenvolvimento O multiculturalismo e seus dilemas: implicaes na educao Comunicao&poltica, v.25, n2, p.091-107 ca das organizaes e instituies, em articulao com a pluralidade cultural, tnica, racial e outras de seus atores, na busca de um clima institucional positivo, aberto diversidade cultural e desa- fiador de pensamentos nicos aspecto central no estudo do multiculturalismo nos diversos espaos sociais, incluindo a esco- la e a universidade. O cerne do multiculturalismo crtico, em sua verso ps-coloni- al , portanto, o desafio naturalidade com que normas e diferen- as se apresentam na sociedade. A desconstruo dessas normas e diferenas, nos discursos e nas linguagens, implica a necessidade de projetos que possam ir alm de denncias e que incluam estra- tgias no sentido de colocar a nu o carter de construo dessas noes, de forma a desafi-las, rumo construo de identidades individuais, coletivas e organizacionais abertas diversidade cul- tural e desafiadoras de preconceitos e dogmatismos que congelam aqueles percebidos como os outros. Universalismo e relativismo Uma outra questo que mobiliza as diferentes perspectivas multiculturais a tenso universalismo x relativismo. Em linhas ge- rais, o universalismo implica que h um conjunto de valores que o indivduo acredita serem universais, ou seja: valores independen- tes das culturas que constituem o tecido social, portanto univer- sais, compartilhados por toda a humanidade. Por outro lado, no outro extremo do espectro, o relativismo remete a uma corrente do pensamento que no cr na existncia de um real, universal- mente apreensvel, ou de uma verdade absoluta, que seja indepen- dente dos valores culturais e vises de mundo que a constroem. Valds (1997), em uma perspectiva universalista, afirma que cer- tos princpios jurdicos e ticos devem ser vlidos para toda a soci- edade, no importando os valores culturais plurais dos grupos identitrios que a compem. Em outra perspectiva, Batalla (1997) assinala que no h possibilidade de uma fundamentao univer- sal que possa balizar atitudes com relao s identidades diversas: para ele, tal perspectiva universalizada implica o silenciamento de 02DED04 Ana Caren.pmd 14.08.2007, 22:46 97 98 Dossi Educao e Desenvolvimento Ana Canen certas vozes e culturas, em nome de uma pseudo universalidade que, na verdade, estaria construindo escalas nas quais se classifi- cam como superiores aqueles valores correspondentes aos das clas- ses hegemnicas na sociedade. No caso do multiculturalismo, alguns autores tais como Bourdieu (1999) expressam o receio de que, sob o pretexto de defesa de iden- tidades marginalizadas e, em muitos casos, da viso relativista, tal viso poderia estar criando novos universalismos e novos essencialismos identitrios. De fato, ao se referir s lutas identitrias, Bourdieu (1999) aponta que, para se opor ao que ele denomina de universalismo hipcrita, os movimentos de subverso simblica ligados a identidades coletivas (compreendidos como sendo multiculturais), podem terminar por construir guetizaes e universalizar os particularismos (p. 148). De modo a superar esse perigo, o referido autor prope que o potencial subversivo do que ele denomina de movimentos particularistas (referindo-se, como exemplo, aos movimentos homossexual e ao feminista), co- loquem a servio do universal, as vantagens particulares que [os] distinguem dos outros grupos estigmatizados (p. 149). Acreditamos que a proposta do referido autor, ainda que no solucione o artificialismo de denominar os universal conjuntos de valores que so, necessariamente, contingentes e referenciados a grupos de poder, tem o potencial de reforar a tese do multicul- turalismo ps-colonial e da hibridizao identitria que defende- mos anteriormente. De fato, o cerne da questo da crtica ao multiculturalismo o de que ele percebido muitas vezes de for- ma unvoca, quando, na verdade, como demonstramos, trata-se de conceito polissmico e polifnico por excelncia. Assim, o concei- to mais alargado de identidade que propomos, bem como sua visualizao no contexto multicultural ps-colonial, traz, acredita- mos, novo flego a vises multiculturais, superando limites essencializantes em que o multiculturalismo pode recair. Isso por- que tais vises justamente questionam a essencializao das dife- renas, propondo formas pelas quais as lutas de grupos identitrios possam ser articuladas busca de desafio a preconceitos e congela- mento identitrio, de forma ampla. 02DED04 Ana Caren.pmd 14.08.2007, 22:46 98 99 Dossi Educao e Desenvolvimento O multiculturalismo e seus dilemas: implicaes na educao Comunicao&poltica, v.25, n2, p.091-107 Do mesmo modo, perceber que o relativismo total e a essencializao das diferenas no so traos de todas as vises multiculturalistas importante, como temos procurado demons- trar. No caso da tenso entre universalismo e relativismo, ou entre universalismo e particularismo/diferencialismo, como alguns pre- ferem, tambm abordada por DAdesky (2001), ao comentar a respeito de abordagens que fundamentam propostas anti-racistas. No caso do anti-racismo que proposto em uma perspectiva universalista, trata-se de promover respeito incondicional pelo direito diferena, como um postulado universal. Assim, este tipo de postura anti-racista compreende o anti-racismo como exigncia da humanidade comum. O referido autor aponta que, ao falar em nome da humanidade e de um direito universal diferena, tal perspectiva universalista anti-racista reivindica, na verdade, o di- reito semelhana, apagando as identidades coletivas que so vti- mas especficas do racismo. J em outro extremo, o anti-racismo particularista absolutizaria a diferenciao, a separao, a expul- so, at mesmo a eliminao dos grupos diferentes, estranhos, que ameaam a identidade comunitria prpria(ibid., 26). Em nossa viso multicultural, acreditamos que, mais do que plos opostos, o que existe uma relao tensa, dialtica, que expressa, na verdade, um continuum entre o que se convencionou denominar de universalismo e relativismo. Tal viso avana no sentido de se perceber o carter de construo da universalidade, que , na ver- dade, sempre produzida por determinados grupos e, ao mesmo tempo, permite um instrumental que possa combater o relativismo exacerbado que impede, no limite, que se estabeleam padres pelos quais se avanar na produo do conhecimento multi- cultural. Concordamos com DAdesky (2001) quando aponta que, para superar a dicotomia universalis- mo-relativismo, devemos traba- lhar com a tenso entre ambas as importante perceber que o relativismo total e a essencializao das diferenas no so traos de todas as vises multiculturalistas. 02DED04 Ana Caren.pmd 14.08.2007, 22:46 99 100 Dossi Educao e Desenvolvimento Ana Canen perspectivas, por meio de dilogos que busquem caminhos que traduzam estratgias viabilizadoras de lgicas de negociao, de dilogo e argumentao entre culturas, de modo a superar extre- mismos e enfrentar o racismo de forma efetiva e consistente. Aci- ma de tudo, defendemos que as lutas das identidades individuais, coletivas e institucionais, em seus particularismos, sejam, acima de tudo, portas de entrada para a compreenso das formas reais e simblicas pelas quais so construdas diferenas, invisibilidades identitrias e preconceitos, de modo a confront-los e super-los. Multiculturalismo: prtica, poltica ou teoria? A polissemia, as vises epistemolgicas diferenciadas e as interpre- taes plurais no que tange ao universalismo e relativismo e s categorias identidade e diferena, conforme exposto anteriormente, permitem vislumbrar a complexidade do termo multiculturalismo. A tais dilemas acrescenta-se o questionamento sobre o que seria o multiculturalismo prtica, poltica, ou enfoque terico? Mais uma vez, no se trata de produzir, no escopo dessa seo, resposta que se pretenda definitiva questo. Reportamo-nos a Charlot (2006), que defende o carter mestio da educao como teoria, para argumentamos que o multiculturalismo constitui-se, para alm de suas facetas prticas e polticas, tambm em campo terico hbrido ou mestio, definido por Charlot (2006) como um campo de saber... em que se cruzam, se interpelam e, por vezes, se fecun- dam, de um lado, conhecimentos, conceitos e mtodos originrios de campos disciplinares mltiplos e, de outro lado, saberes, prti- cas, fins ticos e polticos. O que [o] define... essa mestiagem, essa circulao (p. 9). Tal viso, como argumenta o referido au- tor, certamente vai de encontro ao que ele denomina de paneli- nhas tericas, mais interessadas em assegurar posies de poder institucionais travestidas como defesa de cnones cientficos. Defendemos, assim, que os problemas que se apresentam, par- ticularmente na rea educacional, no mundo complexo e contem- porneo, no podem reduzir-se a olhares que se fecham em campos disciplinares de fronteiras rgidas, mas, ao contrrio, exigem res- 02DED04 Ana Caren.pmd 14.08.2007, 22:46 100 101 Dossi Educao e Desenvolvimento O multiculturalismo e seus dilemas: implicaes na educao Comunicao&poltica, v.25, n2, p.091-107 postas elas prprias com- plexas, mestias, hbri- das, que atravessam tais fronteiras, construindo redes que desafiam no- es essencialistas de cientificidade. No caso do multiculturalismo, em que o objeto por excelncia o de- safio a preconceitos, a vises es- sencializadas e homogeneizadas das identidades e das diferenas e a dis- cursos que as constroem, no mbito das relaes sociais e educa- cionais, certamente snteses criativas a partir de olhares plurais s tm a contribuir no caminho da construo de alternativas educa- cionais propiciadoras da formao de geraes abertas diversida- de cultural, e desafiadoras de congelamentos identitrios e preconceitos. Implicaes multiculturais no ensino e na pesquisa Embora a questo abordada seja complexa e extrapole os limites do presente texto, importante ter em mente que os desafios do multiculturalismo, tanto em termos da sua compreenso como cam- po terico hbrido, como tambm com relao construo das identidades e das diferenas e s formas pelas quais a tenso uni- versalismo e particularismo enfrentada, podem ter implicaes diversas sobre currculos e posturas multiculturais em educao. Evidentemente, no se pode falar em perspectivas puras: as abor- dagens discutidas anteriormente vm, geralmente, imbricadas e so, elas prprias, hibridizadas. O importante, no entanto, que se tenha conscincia dos ti- pos de perspectivas pelas quais o multiculturalismo pode ser com- preendido, bem como os objetivos multiculturais que se deseja alcanar. Ao mesmo tempo, nada impede que o professor multicul- turalmente comprometido faa uso de estratgias plurais em suas Snteses criativas a partir de olhares plurais s tm a contribuir na construo de alternativas educacionais propiciadoras da formao de geraes abertas diversidade cultural. 02DED04 Ana Caren.pmd 14.08.2007, 22:46 101 102 Dossi Educao e Desenvolvimento Ana Canen prticas, desde aquelas vinculadas a perspectivas mais folclricas quelas associadas a perspectivas mais crticas do multiculturalis- mo. Nosso argumento que, informando tais opes, deve haver um projeto mais amplo de multiculturalismo, no qual o professor perceba os pressupostos e implicaes deste tipo de trabalho e as finalidades mais amplas que deseja alcanar: trata-se apenas de co- nhecer trajes, comidas e festas tpicas? Ou este tipo de atividade ser um meio para se atingir outros nveis de multiculturalismo, questionadores das diferenas, dos preconceitos e dos racismos? Se essa ltima a opo, o professor estar utilizando estratgias e caminhos plurais cnscio de que tais caminhos fazem parte de uma proposta de cidadania crtica, democrtica e no apenas de apreci- ao da riqueza cultural. Podemos exemplificar o caso de um professor que deseje traba- lhar em uma perspectiva multicultural crtica ps-modernizada ou ps-colonial. Neste caso, uma idia de atividade seria, por exem- plo, propor tarefas que exijam crtica cultural, em que os alunos tentem identificar vozes silenciadas e/ou estereotipadas, em livros didticos e outros materiais. Outras atividades so propostas por autores, includos em estudo organizado por Trindade & Santos (1999). Alguns autores sugerem atividades tais como pedir que meninos e meninas busquem a definio de mulher, de negro, de judeu, e outras identidades marginalizadas, no dicionrio, vendo esteretipos e/ou possibilidades de valorizao dessas identidades, a presentes. Aps (ou concomitantemente a) essas atividades de cunho mul- ticultural crtico que enfatizam as identidades coletivas de raa, gnero, etnia e outras silenciadas e marginalizadas esse mesmo professor deseja ir alm, de forma a sensibilizar os alunos para a hibridizao identitria, para as diferenas dentro das diferenas, de forma a no dar uma idia de homogeneidade e congelamento identitrio em torno do negro, do ndio, da mulher e outras identidades. Nesse caso, dentro de sua perspectiva multicultural crtica ps-colonial, poderia buscar outras atividades, que dirijam a ateno dos alunos a aspectos que fazem parte da construo de suas prprias identidades. Dentre algumas estratgias, uma, por 02DED04 Ana Caren.pmd 14.08.2007, 22:46 102 103 Dossi Educao e Desenvolvimento O multiculturalismo e seus dilemas: implicaes na educao Comunicao&poltica, v.25, n2, p.091-107 exemplo, foi desenvolvida por um professor que requisitava que os alunos construssem uma pizza de papel, colocando, nas fatias, influncias, fatores e marcas identitrias que consideravam centrais para a construo de suas identidades. Tal atividade era comparti- lhada no grupo, discutindo-se as camadas mltiplas que perfazem as identidades e sensibilizando-se os alunos, dessa forma, para a hibridizao nas suas prprias construes identitrias. Em outra perspectiva, situaes envolvendo racismos e outras discriminaes podem ser apresentadas para discusses, levantan- do-se questes que desafiem qualquer congelamento identitrio tanto das identidades oprimidas quanto das prprias identidades opressoras. Assim, por exemplo, questionar ondas de anti- islamismo, bem como de anti-semitismo e anti-americanismo, pode ser um importante caminho, particularmente em aulas de histria e outras em que os assuntos que tm assolado o mundo sejam tra- zidos tona. O multiculturalismo crtico ps-modernizado ou ps- colonial traz, como mote, o compromisso com a desconstruo dos discursos que, ainda que comprometidos com a justia e o desafio a preconceitos, ainda permanecem congelando identidades e demonizando o outro. Idias referentes avaliao da aprendiza- gem e avaliao institucional multiculturalmente orientada (CANEN, 2004; CANEN, 2005), podem servir de inspirao para atividades avaliativas, levando em conta a diversidade cultural e o desafio a preconceitos. Da mesma forma, sensibilizar alunos para formas plurais de dar significado ao mundo, segundo percepes culturais diversificadas, no significa cair em um vale-tudo, um relativismo total em que quaisquer valores sejam aceitos de forma a-crtica. Conforme argu- mentamos, a perspectiva multicultural que abraamos implica que um dilogo seja estabelecido entre valores ticos, humanos de pre- servao da vida e de respeito existncia do outro e aqueles valores plurais que so particulares a grupos e identidades especficas. A partir do momento em que tais valores implicam a elimina- o do outro, real ou simblica, no podem ser aceitos. O profes- sor poderia trabalhar essas questes de forma a conseguir um consenso a-posteriori, isto : por intermdio do dilogo, das discus- 02DED04 Ana Caren.pmd 14.08.2007, 22:46 103 104 Dossi Educao e Desenvolvimento Ana Canen ses, levar compreen- so de um vocabulrio tico que possa impreg- nar a apreciao de valo- res de povos e grupos identitrios plurais, sem que se incentive a aceitao de prticas cruis, voltadas elimi- nao da vida. Significa, tambm, que as estratgias multiculturais de- vem ser voltadas para a pluralidade cul- tural dentro da prpria sala de aula, valorizando as culturas e significados plurais pelos quais se cons- troem as percepes dos alunos, bem como trabalhando de forma a desafiar posturas racistas, anti-discriminatrias e homogenei- zadoras das diferenas que circulem nos discursos presentes entre discentes e docentes. Concluses O presente texto discutiu dilemas do multiculturalismo em ter- mos de seu objeto, de sua definio como campo terico hbrido ou mestio, bem como dos desafios das categorias identidade, dife- rena, universalismo e relativismo que se articulam s suas discus- ses, analisando, tambm, implicaes nas prticas pedaggicas de abordagens multiculturais diferenciadas. Apontou para a necessi- dade de superao de posturas dogmticas que, ainda que informa- das por perspectivas voltadas justia social e ao desafio a preconceitos, ainda permanecem no campo dos binarismos que separam eu-outro, branco-negro e assim por diante, desconhe- cendo as diferenas dentro das diferenas. Evidentemente, as idias acima apresentadas, com relao ao multiculturalismo, so abertas a crticas, no sendo imunes a ques- tionamentos e desafios. Na medida em que professores e alunos embarcam em caminhos de valorizao da pluralidade cultural e desafio a preconceitos, certamente sero confrontados com dile- O multiculturalismo como horizonte de trabalho docente no um adendo ao currculo: deve, ao contrrio, impregnar estratgias, contedos e prticas normalmente trabalhados em aula. 02DED04 Ana Caren.pmd 14.08.2007, 22:46 104 105 Dossi Educao e Desenvolvimento O multiculturalismo e seus dilemas: implicaes na educao Comunicao&poltica, v.25, n2, p.091-107 mas e perplexidades referentes a estas questes. O importante no nos atermos a frmulas acabadas ou receitas pr-fabricadas. A conscientizao acerca das abordagens que informam diferentes estratgias multiculturais, bem como sobre tenses a elas ineren- tes, devem servir de estmulo para que se continuem as discusses, de forma a desafiar verdades nicas e posturas que homogeneizam as identidades e congelam as diferenas. O multiculturalismo como horizonte de trabalho docente no um adendo ao currculo: deve, ao contrrio, impregnar estratgi- as, contedos e prticas normalmente trabalhados em aula pelo professor, como brevemente ilustrado anteriormente. Nesse senti- do, mais uma vez, refora-se o papel do professor como pesquisa- dor constante de sua prtica, construindo, no seu cotidiano, perspectivas multiculturais que resultem em discursos alternati- vos, que valorizem as identidades, desafiem a construo dos este- retipos e recusem-se a congelar o outro. Referncias bibliogrficas ASSIS, M. & CANEN, A. (2004), Identidade negra e espao educacional: vozes, histrias e contribuies do multiculturalismo, Cadernos de Pesquisa, V. 34, n. 123, pp. 709-724. BATALLA, G. B. (1997), Implicaciones ticas del sistema de control cultural. In: Oliv, L. (org.), tica y Diversidad Cultural. Bogot: Fondo de Cultura Econmica, pp. 195 - 204. BAUMAN, Z. (2005), Identidade. Rio de Janeiro: Jorge Zahar. BOURDIEU, P. 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Palavras-chave Multiculturalismo identidade educa- o Abstract The present article problematises essencialised myths and visions of multiculturalism. It discusses its challenges and complexities, particularly focusing on its connections with Education. It discusses dilemmas of multiculturalism in terms of its object, as well as its definition as a hybrid or mixed theoretical field. It also analyses its central categories, namely identity, difference, universalism and relativism, that are inherent in its discussions. It concludes with suggestions of possible implications for pedagogical practices within plural, multicultural perspectives. Key words Multiculturalism identity education E-mail: [email protected] 02DED04 Ana Caren.pmd 14.08.2007, 22:46 107