Liderança Democrática e Manipulação de Massas
Liderança Democrática e Manipulação de Massas
Liderança Democrática e Manipulação de Massas
[1951]*
Theodor W Adorno
[* Reproduzido de Gesammelte Schriften Vol. 20, T. I [Soziologische Schriften] Frankfurt:
Surhkamp Verlag, 1986, p. 267-286. Traduzido por Francisco Rdiger]
Os conceitos de liderana e ao democrtica esto to profundamente envolvidos na
dinmica da moderna sociedade de massa que seu sentido no pode mais ser aceito como
dado na presente situao. Em contraste com os prncipes e senhores feudais, a idia do lder
emergiu com a ascenso da democracia moderna. Relacionava-se ento com a eleio, pelos
partidos polticos, daqueles a quem eles delegavam a autoridade de falar e agir em seu favor e
que, ao mesmo tempo, supunham qualificado para guiar o homem comum atravs da
argumentao racional. Desde a famosa Soziologie des Parteiwesens, de Robert Michel, que
no mais assim: a cincia poltica demonstrou que essa concepo clssica, rousseauniana,
no correspondia mais realidade. Atravs de diversos processos, como o enorme
crescimento numrico dos partidos modernos, sua dependncia a concentradssimos
interesses disfarados e, enfim, sua prpria institucionalizao, o verdadeiro funcionamento
democrtico da liderana, at o ponto em que ele de fato foi alcanado na realidade, havia
desvanecido. No obstante o fato de que em decises importantes a democracia de base,
como oposio opinio pblica oficial, vez por outra ainda mostre surpreendente vitalidade, a
interao entre partido e liderana tornou-se mais e mais limitada a manifestaes abstratas da
vontade da maioria atravs de votaes e, os mecanismos dessa ltimas, em grande parte
sujeitos ao controle das lideranas estabelecidas. A liderana tornou-se em si mesma cada
vez mais rgida e autnoma, perdendo, na grande maioria da vezes das vezes, contato com as
pessoas. Concomitantemente, o impacto da liderana sobre as massas deixou de ser de todo
racional, passando a revelar claramente alguns dos traos autoritrios, que sempre esto
latentes onde o poder controlado por uns poucos. As figuras ocas e infladas de lderes como
Hitler e Mussolini, investidas de uma falso "carisma", so as ltimas beneficirias dessas
mudanas societrias ocorridas dentro da estrutura de liderana. Tratam-se de mudanas que
tambm afetam profundamente as prprias massas. Quando as pessoa sentem que realmente
no esto em condies de determinar seu prprio destino, como aconteceu na Europa;
quando se desiludem a respeito da autenticidade e efetividade dos processos polticos
democrticos; ento, elas so tentadas a entregar a substncia da autodeterminao
democrtica e arriscar sua sorte com aqueles que eles ao menos consideram poderosos: seus
lderes. Freud (1) descreveu as organizaes hierrquicas, como exrcitos e igrejas, em termos
de mecanismos de identificao e introjeo autoritrios que podem se impor sobre grande
nmero de pessoas, sem exceo dos grupos cuja essncia o anti-autoritarismo, como so,
antes de mais nada, os partidos polticos. Embora aparentemente distante agora, esse perigo
a contrapartida dos procedimentos com os quais uma liderana procura se autoperpetuar. A
observao geralmente feita de que, hoje, a democracia fomenta os movimentos e foras anti-
democrticas um dos mais claros sinais de manifestao desse perigo.
Em funo disso, preciso dar um sentido mais concreto s idias de democracia e liderana,
se para prevenir sua transformao em meras palavras, quando no em disfarces de
situaes totalmente opostas s indicadas por seu significado. O conhecimento de que a
maioria das pessoas freqentemente age de maneira cega e de acordo com a vontade de
figuras demaggicas ou instituies poderosas, contrariando ao mesmo tempo os princpios
bsicos da democracia e de seu prprio interesse racional, atravessa todos os tempos.
Apareceu muito tempo antes de Ibsen torn-la a tese de seu O Inimigo do Povo; na realidade,
desde que o problema da oclocracia surgiu pela primeira vez na antiga Grcia. Aplicar a idia
de democracia de maneira meramente formalista, aceitar a vontade da maioria per se, sem
considerar o contedo das decises democrticas, pode levar completa perverso da
democracia e, derradeiramente, sua abolio. Hoje mais do que nunca, funo da liderana
democrtica tornar os seus sujeitos, o povo, conscientes de seus prprios desejos e
necessidades contra as ideologias que so marteladas em suas cabeas pelos inumerveis
canais de comunicao dos interesses disfarados. As pessoas precisam entender que
aqueles princpios democrticos, uma vez violados, impedem o exerccio de seus prprios
direitos e podem faze-las passar de sujeitos autodeterminados a objetos das mais obscuras
manobras polticas. Numa era como a nossa, quando o feitio de uma cultura de massas
controladora do pensamento se tornou quase universal, esse postulado, portador do melhor do
senso comum, parece utpico. Certamente seria idealismo ingnuo presumir que uma coisa
assim possa ser alcanada apenas atravs de meios intelectuais. A conscincia e a
inconscincia das massas tm sido condicionadas pelos poderes existentes em tal extenso
que no basta apenas "dar-lhes os fatos". Paralelamente, porm, ocorre que o progresso
tecnolgico tornou as pessoas to "racionais", cticas, alertas e resistentes contra todos os
tipos de contrafao que no pode haver dvida a respeito da existncia de fortes
contratendncias aos penetrantes padres ideolgicos existentes em nosso ambiente cultural.
Acontece muitas vezes de as pessoas se conservarem indiferentes mesmo diante da mais
intensa presso propagandstica, se esto em jogo questes importantes. O esclarecimento
democrtico tem de se apoiar nessas contratendncias e essas, por sua vez, devem se basear
em todos os recursos do conhecimento cientficos a ns disponveis.
As tentativas nessa direo podem ter um ponto de apoio profundo na prpria idia de
liderana mas, para tanto, seria preciso fazer um desmascaremento sem medo do tipo de
liderana promovido por toda parte pela moderna sociedade de massa, na medida em que ele
fortalece uma transferncia irracional ou identificao inconciliveis com a autonomia
intelectual, ncleo do ideal democrtico. Outrossim, o esclarecimento democrtico deve impor
umas exigncias muito definidas liderana democrtica. Na hiptese dela desejar construir
tendncias objetivas e progressistas dentro da mente das massas, isso no pode significar,
sequer em imaginao, que ela venha a fazer uso dessas tendncias; que, sob o pretexto de
favorecer metas democrticas e atravs da explorao ardilosa de sua mentalidade, ele deva
manipular as massas. Ao invs de uma escravizao adicional, o que preciso [agora] a
emancipao da conscincia. O verdadeiro lder democrtico, que mais do que um mero
expoente dos interesses polticos da ideologia liberal, necessariamente teria de se abster de
qualquer especulao "psicotcnica", de qualquer tentativa para influenciar as massas ou
grupos de pessoas atravs de meios irracionais. Sob nenhuma circunstncia ele deve tratar os
sujeitos da ao poltica e social como meros objetos a quem uma idia vendida, pois essa
atitude geraria uma inconsistncia entre fins e meios que poderia no apenas prejudicar toda a
sinceridade da sua aproximao como destruir suas convices interiores. Pragmaticamente
uma tentativa como essa se esgotaria na habilidade daqueles que pensam e agem apenas em
termos de poder, que so amplamente indiferentes validade objetiva de uma idia e que,
desembaraados das "iluses humanitrias", subscrevem como um todo a atitude cnica de
considerar os seres humanos como matria bruta passvel de ser moldada vontade. Durante
a crise da Repblica de Weimar, por exemplo, o Reichsbanner Schwarz-Rot-Gold, uma
organizao liberal progressista bastante numerosa, tentou se contrapor ao esquema de
emprego racional de estmulos de propaganda irracional dos nazistas introduzindo outros
smbolos. Contra a Swastika, eles criaram as trs flechas. Contra o grito de guerra Heil Hitler,
o Frei Heil, mais tarde alterado para Freiheit. O fato de que esses smbolos muito mal
misturados da democracia alem no eram sequer conhecidos no pas serve de evidencia do
seu completo fracasso. Foi fcil para a mquina de Gobbels ridiculariz-los.
Inconscientemente, as massas perceberam muito bem que esse tipo de contrapropaganda era
mera tentativa de roubar uma folha do livro nazista; que, como tal, ela era inferior e que, de
certo modo, o prprio ato de emulao em que se baseava era sinal de derrota.
Cremos que no ousadia demais aplicar a lio dessa experincia nossa prpria cena. A
tarefa da liderana democrtica, at onde mostra preocupao com a relao das massas com
a democracia, no deveria ser fazer uma propaganda melhor e mais abrangente mas se
esforar para superar o esprito da propaganda atravs da adeso ao princpio da verdade.
Lutando contra Hitler, a liderana aliada acabou reconhecendo esse princpio e fez frente
propaganda domstica alem apenas com a exposio dos fatos. Este procedimento no
somente provou ser moralmente superior tcnica dos crebros da propaganda nazista como
se mostrou efetivo, ao ganhar a confiana da populao alem.
Reverter a esse princpio todavia envolve um problema da mais alta seriedade. Sempre que
afirmada abstratamente, a postulao de sinceridade incondicional soa com uma tentativa de
apaziguamento que lembra a da inocncia infantil, uma idia que costuma ser feita em pedaos
pelos expoentes da Realpolitik, acima de todos, pelo prprio Hitler. Para conquistar o apoio das
massas, reza sua argumentao, h que se toma-las como elas so, e no como se deseja
que sejam. Noutras palavras, preciso mexer com sua psicologia: intil difundir a verdade
objetiva sem uma avaliao dos sujeitos a quem direcionada. Considerando que ela pode
ultrapassar sua compreenso, pode ocorrer de ela jamais chegar at eles e, assim, ser
completamente ineficiente. De acordo com o raciocnio de Hitler, a propaganda tem se ajustar
ao mais estpido entre aqueles a quem ela se dirige; ela no deve ser racional mas emocional.
Trata-se de uma frmula que provou ser to bem sucedida que evit-la parece levar a uma
situao invivel. A prpria eficcia da princpio de verdade da propaganda de guerra aliada,
argir-se-ia nessa linha, poderia ter sido produto de meras condies psicolgicas: a verdade
s se tornou aceitvel e sedutora atendendo a uma necessidade que s surgiu depois de
serem quebrados o sistema de mentira total goebbelsiano e as promessas de uma
guerra curta e de proteo da terra natal contra os ataques areos feita pelos nazistas. Por
outro lado, nenhuma uma anlise comedida da cena americana poderia deixar de constatar
que a prpria propaganda fortemente libidinosa. Numa cultura de negcios na qual a
publicidade se tornou uma instituio pblica de dimenses assustadoras, as pessoas
realmente se encontram ligadas no apenas aos contedos mas aos prprios mecanismos da
propaganda. Por mais vicria ou mesmo espria que possa ser, a propaganda moderna em
si mesma uma fonte de gratificao. A renncia propaganda requeriria pois uma renncia
instintiva por parte das massas que a ela esto expostas, e isso algo que tem a ver no
apenas com a beleza de cozinha com que est associada "sua sopa favorita" mas, em um
sentido profundo mais efetivo e sutil, prpria propaganda poltica. Os campees da
propaganda fascista, por exemplo, lograram desenvolver um ritual que, para seus aderentes,
ocupa um lugar muito mais amplo que qualquer programa poltico bem desenhado. Para o
observador superficial, a esfera poltica parece pois destinada a ser monopolizada pelos
ardilosos homens de propaganda: a poltica vista por um vasto nmero de pessoas como um
campo para iniciados, se no de politiqueiros e chefes de mquinas partidrias. O problema
que quanto menos as pessoas acreditam na integridade poltica, mais facilmente elas podem
cair nas mos dos polticos que vociferam contra os polticos. Enquanto o princpio de verdade
e seus processos intrinsecamente racionais exigem um certo esforo intelectual que
provavelmente no atrair muitos amigos, a propaganda em geral, e a fascista em particular,
esto inteiramente adaptadas chamada linha de menor resistncia.
O princpio da verdade continuar sendo, portanto, uma afirmao escorregadia, a menos que
seja formulado mais concretamente. Nesse caso, as tarefas seriam duas. Primeiro, seria
preciso descobrir uma abordagem que no faa a menor concesso quelas aberraes que
so quase inevitveis, sempre que as comunicaes so adaptadas a seus consumidores
potenciais. Conjuntamente, ter-se-ia de passar pelas barreiras da inrcia, da resistncia e dos
padres de comportamento mental condicionados. Para os que lamentam a imaturidade das
massas tudo isso pode parecer uma empresa sem esperana. Entretanto, o argumento
segundo o qual as pessoas tm de ser tomadas como de fato so apenas uma meia-
verdade; ele passa por alto algo que ainda est muito vivo, o potencial de autonomia e
espontaneidade das massas. impossvel dizer se o tipo de abordagem proposto aqui
eventualmente ter sucesso, e a razo por que ele jamais foi testado em larga escala deve ser
procurada no prprio sistema [social] dominante. A despeito disso, essencial que ele deva ser
testado.
Como primeiro passo, as comunicaes deveriam se comprometer com a verdade e tentar se
desenvolver no sentido da superao dos fatores subjetivos que tornam a verdade
inaceitvel. O estgio psicolgico da comunicao [da liderana democrtica], no menos do
que seu contedo, deveria respeitar o princpio da verdade. Embora o elemento irracional
tenha de ser devidamente considerado, no deve ser aceito como dado mas, antes, como algo
que deve ser atacado com e pelo esclarecimento. A integridade factual e objetiva deveria ser
combinada com o esforo para promover o discernimento das disposies irracionais que
dificultam o julgamento racional e autnomo por parte das pessoas. A verdade a ser difundida
pela liderana democrtica precisa ser relacionada a certos fatos que costumam ser
obscurecidos por distores arbitrrias e, em muitos casos, pelo prprio esprito de nossa
cultura. Seu objetivo estimular a auto-reflexo naqueles que desejamos ver livres das garras
do condicionamento todo-poderoso. Tratam-se de metas que se justificam sobretudo se
levarmos em conta que dificilmente pode haver dvida de que h uma interao ntima entre
ambos os fatores: as iluses da ideologia anti-democrtica e a ausncia de introspeco
(devida em grande parte aos mecanismos de defesa).
Visando ser eficiente, nossa abordagem pressupe um amplo conhecimento da natureza e
contedo dos estmulos antidemocrticos aos quais as massas esto expostas na atualidade.
Requer conhecimento das necessidades e anseios que fazem as massas sensveis a esses
estmulos. Obviamente, os principais esforos da liderana democrticas deveriam ser
direcionados queles pontos onde as disposies subjetivas e os estmulos antidemocrticos
coincidem. Considerando a complexidade do problema, contentamo-nos aqui em discutir uma
rea limitada, mas altamente crtica, em que os efeitos e estmulos esto fortemente
concentrados: a do dio racial em geral e, em particular, do totalitarismo anti-semita. Salientou-
se que esse ltimo, at onde est em questo seu ngulo poltico, um fenmeno per se, a
ponta de lana do antidemocratismo, muito mais do que um manifestao espontnea. Existem
poucas reas em que o carter manipulatrio do antidemocratismo mais revelador do que
aqui. Simultaneamente porm acontece dele se nutrir de tradies arcaicas e fortes fontes
emocionais. Os demagogos fascistas normalmente chegam ao pico de suas performance
quando mencionam e rebaixam os judeus. Esse um fato indiscutvel, que sempre ocorre em
toda a forma de anti-semitismo e que, como tal, indicativo da existncia de certos desejos
mais ou menos articulados de destruio da prpria democracia, na medida em que no h
democracia sem o princpio da igualdade humana.
Algumas pesquisas cientficas que lanaram luz sobre essa relao entre suscetibilidade e
estmulos servem de ponto de partida para nossa abordagem. O Instituto de Pesquisa Social
examinou, no tocante aos estmulos, as tcnicas dos agitadores fascistas norte-americanos,
tipificados por suas abertas simpatias por Hitler e a Alemanha nazista (2). Esses estudos
mostraram claramente que os agitadores fascistas americanos seguem um modelo rgido e
altamente padronizado, que se baseia quase inteiramente em seu contedo psicolgico. No
h programas polticos positivos. Recomenda-se apenas medidas negativas, sobretudo contra
as minorias, dado que elas servem de escoadouro para a agressividade e a fria de seus
sentimento reprimidos. A totalidade dos discursos dos agitadores, monotonamente similares
uns aos outros, representa antes de mais nada uma performance com o propsito imediato de
criar a atmosfera desejada. Enquanto a superfcie pseudopatritica dessas comunicaes
uma mistura de trivialidades pomposas e mentiras absurdas, seu sentido subjacente apela aos
anseios secretos da audincia: elas irradiam destruio. A convergncia entre esses homens
que sonham em ser o Fhrer e seus potenciais seguidores descansa no sentido oculto que,
atravs de repetio incessante, martelado na cabea desses ltimos. Os contedos
ideacionais das falas e panfletos desses agitadores pode ser reduzida a um pequeno nmero -
no mais que vinte - de expedientes mecanicamente aplicados. O agitador no espera que a
audincia se aborrea pela constante repetio desses expedientes e slogans batidos. Acredita
que a pobreza intelectual de seu quadro de referncia que fornece o halo de auto-evidncia,
seno uma atrao peculiar, queles que sabem o que podem esperar para si mesmos da
mesma forma como as crianas desfrutam da repetio literal e interminvel de uma mesma
histria ou canoneta.
O problema da suscetibilidade subjetiva ao anti-semitismo e ao anti-democratismo foi
examinado pelo Projeto de pesquisa sobre discriminao social, uma empresa conjunta do
Grupo de estudo sobre opinio pblica de Berkeley e o Instituto de Pesquisa Social (3). O
principal tema do estudo a conexo entre, por um lado, as motivaes e os traos
psicolgicos e, de outro, as atitudes sociais e ideologias polticas e econmicas. As
descobertas ampliaram o apoio a hiptese de que h uma separao muito clara entre as
personalidades autoritrias e anti-democrticas e aqueles cuja construo psicolgica est em
harmonia com os princpios democrticos. Forneceu-nos evidncia de que existe um "carter
fascista". Embora possam ser encontradas variaes muito definidas desse carter entre a
populao, existe um ncleo concreto e tangvel, uma sndrome comum mais ampla, que pode
ser bem definida como a do autoritarismo. Enquanto tal, ela combina adulao e subservincia
aos fortes com agressividade e sdica contra os fracos. O carter fascista relaciona-se mais
fortemente s atitudes discriminatrias e contra as minorias do que s ideologias polticas
abertas; em outras palavras, a suscetibilidade aos estmulos fascistas no se estabelece
atravs do credo superficial dos sujeitos mas, antes, no plano psicolgico e caracteriolgico de
sua existncia.
A comparao dos resultados desses dois estudos corrobora a hiptese terica de que existe
uma afinidade muito ntima entre o sentido dos expedientes poltico-psicolgicos do fascismo e
a estrutura caracteriolgica e ideolgica daqueles a quem se dirige sua propaganda.
Provavelmente, o agitador fascista tende a ter o carter fascista. Aquilo que tem sido
observado em relao a Hitler - o fato de que era um psiclogo prtico e astuto e que, a
despeito de sua aparente loucura, tinha muita noo das disposies de seus seguidores - vale
para seus imitadores americanos que, casualmente, sem dvida tinham familiaridade com as
receitas to cinicamente oferecidas por ele em Mein Kampf. Algumas ilustraes da harmonia
existente entre suscetibilidade e estmulos bastam para mostr-lo. A tcnica muito geral de
repetir sem parar certas frmulas rgidas, empregada pelos agitadores, se harmoniza com a
inclinao compulsiva para pensar de maneira rgida e estereotipada da personalidade fascista.
Para a personalidade fascista tanto quanto para seu lder potencial, o indivduo mero
espcime de seu tipo. isso que, em parte, d conta da diviso fixa e intransigente entre
dentro e fora do grupo nela existente. De acordo com a famosa descrio feita por Hitler, o
agitador distingue implacavelmente entre ovelha e coelho, aqueles que tm de ser salvos, os
escolhidos, "ns", e aqueles que no so bons para se fazer mal proveito, que so
condenados a priori e devem morrer, "eles", os judeus. De maneira anloga, a personalidade
ou carter fascista est convencido de que todos aqueles que pertencem a seu prprio cl ou
grupo, seus amigos e parentes, so o tipo certo de gente, ao passo que tudo que estranho
visto com suspeita e, moralisticamente, rejeitado. Assim, o compasso moral do agitador e seus
potenciais seguidores tem dois gumes. Embora ambos exaltem os valores convencionais e,
antes de mais nada, exijam total lealdade s pessoas do mesmo grupo, nenhum deles
reconhece deveres morais para com os outros. O agitador professa indignao contra os
sentimentalistas do governo, que querem enviar "ovos ao Afeganisto", da mesma forma como
a personalidade preconceituosa no sente piedade pelos pobres e se inclina a considerar os
desempregados como preguiosos naturais, um estorvo, e, o judeu, como um desajustado, um
parasita, que tambm poderia ser eliminado. O desejo de extermnio est conectado com as
idias de sujeira e podrido, caminhando lado a lado com a nfase exagerada em valores
fsicos externos, como asseio e limpeza. O agitador jamais cansa de denunciar os judeus, os
estrangeiros e os refugiados como vermes e sanguessugas. Finalmente, poderamos
mencionar o consenso existente entre os agitadores fascistas e o carter fascista, algo que s
pode ser explicado atravs da psicologia profunda. O agitador posa como o salvador de todos
os valores estabelecidos e de seu pas mas est sempre reiterando pressentimentos sinistros e
obscuros, a "runa eminente". Podemos encontrar elementos semelhantes na composio da
personalidade preconceituosa, que sempre sublinha o positivo, a ordem conservadora das
coisas, e condena as atitudes crticas, por serem destrutivas. Experimentos com o Teste de
percepo temtica de Murray mostraram claramente que ela exibe fortes tendncias
destrutivas em sua prpria atividade imaginria espontnea. O indivduo preconceituoso v em
toda a parte a ao das foras do mal e costuma ser vtima fcil de todos os tipos de
superstio e temores de catstrofe mundiais. Objetivamente, ele parece preferir a situao
catica ordem estabelecida em que finge acreditar: ele se considera conservador mas seu
conservadorismo uma impostura.
A correspondncia entre os padres reativos e estmulos acima notada de primordial
importncia em uma abordagem limitada como a nossa, pois nos permite usar a tcnica da
mentira dos agitadores como guia para, realisticamente, pr em prtica o princpio da verdade.
Lidando adequadamente com os expedientes do agitador, poderamos no apenas reduzir a
eficcia de sua tcnica de manipulao de massa, altamente perigosa do ponto de vista de seu
potencial, mas apanhar as caractersticas psicolgicas que dificultam a um grande nmero de
pessoas aceitar a verdade. No plano racional, as asseres feitas pelo agitador so to
esprias, to absurdas, que devem haver razes emocionais muito poderosas para explicar
porque ele se sai com elas. Alm disso, podemos presumir que a audincia de algum modo
sente esse absurdo. Porm, ao invs de se desanimar com isso, acontece que ela o desfruta.
como se a energia da fria cega fosse dirigida contra a idia de verdade mesma, como se a
mensagem realmente saboreada pela audincia fosse inteiramente diferente de sua
apresentao pseudamente factual. exatamente esse ponto crtico que deveria ser o alvo de
nosso ataque.
As conotaes psicanalticas de nossa discusso so bvias. Transportar o princpio da
verdade para alm do nvel das afirmaes factuais e da refutao racional, o que at agora se
mostrou ineficientee ou, pelo menos, insuficiente nesta rea (9), e traduzi-lo em termos da
personalidade dos sujeitos seria equivalente a fazer uma psicanlise em escala de massa.
Obviamente isso no factvel. Alm das consideraes econmicas que excluem esse
mtodo e o limitam a casos selecionados (5), h uma razo mais intrnseca que deve ser
mencionada. O sujeito fascista no uma pessoa doente; no mostra qualquer sintoma, no
sentido clnico ordinrio. O Projeto de pesquisa sobre discriminao social parece indicar que,
realmente e em muitos aspectos, ele menos neurtico e, ao menos superficialmente, melhor
ajustado que a personalidade no-preconceituosa. As deformaes que sem dvida existem na
raiz da personalidade preconceituosa pertencem esfera das "neuroses de carter", que, como
tem sido reconhecido pela psicanlise, so as mais difceis de curar e, quando o so, somente
atravs de um tratamento prolongado. Nas condies dominantes, a liderana democrtica no
pode esperar mudar a base das personalidades daqueles de cujo apoio depende a propaganda
antidemocrtica. Ela tem de se concentrar no esclarecimento das atitudes, ideologias e
condutas, fazendo o melhor uso possvel dos discernimentos revelados pela psicologia
profunda, sem se aventurar em empreendimentos psicoteraputicos. Obviamente, um
programa como esse possui algo de um crculo vicioso: uma penetrao substancial nos
poderosos mecanismos de defesa do carter fascista algo que, realmente, s pode ser
esperado atravs de uma anlise completa, que est fora de questo. No entanto, tentativas
nesse sentido deveriam ser feitas. Existem "efeitos de alavanca", para usar a expresso
freudiana, na dinmica psicolgica. Embora seja fato que eles raramente ocorrem o bastante
na vida cotidiana do indivduo, a liderana democrtica talvez possa se colocar em uma
posio favorvel sua induo, dado que no pode se contentar apenas com transferncia
psicolgica mas, ao contrrio, deve se apoiar nas fontes da verdade objetiva e do interesse
racional.
Nesse sentido, nosso conhecimento dos expedientes dos agitadores pode se mostrar muito
prestativo. Podemos derivar dos mesmos como que vacinas contra a doutrinao
antidemocrtica. Essa vacinas so mais poderosas do que a mera reiterao das provas de
falsidade das vrias alegaes anti-semticas. O panfleto ou manual que foi desenvolvido
conjuntamente pelo autor e Max Horkheimer descreve cada um dos expedientes-padro
usados pelos agitadores, a diferena entre suas pretenses abertas e suas intenes ocultas, e
os mecanismos psicolgicos especficos que encorajam a respostas dos sujeitos aos estmulos
padronizados. O manual no passou do estgio preliminar e ainda se coloca a ele a tarefa
extremamente difcil de traduzir as descobertas objetivas em que se baseia em uma linguagem
que possa ser facilmente entendida, sem que se dilua sua substncia. Trata-se de uma tarefa
que deve ser realizada atravs do mtodo da tentativa e erro, atravs do teste da
inteligibilidade e eficincia do manual para os vrios grupos, e de seu contnuo melhoramento,
antes que seja distribudo em larga escala. Objetivamente, uma distribuio prematura poderia
ser mais nociva do que boa. De qualquer modo o que importante para ns aqui a
abordagem como tal, e no sua elaborao final. Seus mritos parecem descansar no fato de
que combina o princpio intransigente da verdade com a chance real de atingir alguns pontos
neurais do antidemocratismo. Para tanto que procura a elucidao desses fatores subjetivos
que impedem a consecuo da verdade. O mnimo que pode ser dito em favor de nossa
abordagem que ela induzir as pessoas a refletir sobre suas prprias atitudes e
opinies, que aceitam como dadas, sem cair na atitude moralizadora ou admoestadora.
Tecnicamente trata-se de uma tarefa at certo ponto fcil, dado o nmero muito limitado de
expedientes empregado pelos agitadores.
Nosso enfoque sem dvida levantar algumas objees pesadas, seja em termos polticos,
seja em termos psicolgicos. Politicamente, pode ser argido que os interesses de poder
existentes por trs do reacionarismo contemporneo so muito mais fortes de serem vencidos
do que qualquer "mudana de pensamento". Tambm pode ser dito que os movimentos
polticos de massas modernos parecem ter um momento sociolgico prprio, que
completamente impermevel aos mtodos introspectivos. A primeira objeo no pode ser
totalmente contestada com base na [anlise da] relao entre lder e massa, mas tem de ser
vista em conexo com as constelaes existentes dentro do campo do poder poltico. A
segunda no nos parece vlida sob as circunstncias atuais, embora pudesse ser importante
numa situao pr-fascista muito pronunciada. Ela tende a subestimar o elemento subjetivo do
desenvolvimento social e a fetichizar a tendncia objetiva. O momento sociolgico no pode
ser hipostasiado. A hiptese sobre a existncia de uma mentalidade de grupo quase toda
mitolgica. Freud assinalou muito convincentemente que as foras que servem como cimento
irracional dos grupos sociais, tais como salientadas por autores como Le Bon, funcionam
realmente dentro de cada indivduo do grupo e, por isso, no podem ser vistas como entidades
independentes da dinmica psicolgica do indivduo. Considerando que a nfase de nossa
abordagem repousa principalmente no plano psicolgico, a crtica vinda nessa direo merece
uma discusso mais detalhada. Argumentar-se-ia que ns no podemos antecipar qualquer
"efeito profundo" para nossa vacinao. Admitindo-se a correo de nossa hiptese sobre a
subjacncia de um potencial para o desenvolvimento do carter fascista, que existe na
harmonia preestabelecida entre ele e os expedientes dos agitadores, segue-se que no
podemos esperar que o desmascaramento desses expedientes altere substancialmente suas
atitudes, j que elas parecem ser antes reproduzidas do que engendradas pelas arengas dos
agitadores. Na medida em que ns realmente no tocamos na interao de foras existente no
inconsciente de nossos sujeitos, nossa abordagem precisa se manter racionalista ainda que
atribua disposies irracionais ao seu objeto de estudo. O discernimento abstrato das prprias
irracionalidades por parte desses sujeitos, privado da penetrao de suas motivaes reais,
no funcionaria necessariamente de maneira catrtica. No curso de nossos estudos
encontramos numerosas pessoas que embora admitam que "elas no devam ser
preconceituosas" e exibam algum conhecimento das fontes que as tornam assim, todavia
sustentam firmemente essa sndrome. Destarte convm que no se subestime a funo do
preconceito no domnio psicolgico do prprio indivduo, nem na fora de sua resistncia.
Embora as objees feitas acima indiquem limitaes muito claras de nossa abordagem, elas
no deveriam nos desencorajar inteiramente.
Para iniciar sem ir muito a fundo, consideremos a surpreendente ingenuidade poltica de um
grande nmero de pessoas - de nenhum modo apenas as sem-educao. Os programas,
plataformas e slogans [autoritrios] so aceitos pelo seu valor de face; julgados pelo que
parece ser seu mrito imediato. Deixando de lado a suspeita um tanto vaga sobre os
burocratas e a rapina poltica, suspeita essa que, note-se, caracterstica da personalidade
antidemocrtica muito mais do que a que lhe oposta, a idia de que as metas polticas
escondem muito dos interesses daqueles que os defendem estranha a muitas pessoas.
Ainda mais estranha, porm, a idia de que as prprias decises polticas dependem em
grande parte de fatores subjetivos sobre os quais nem mesmo pode-se estar atento.
O shock causado pela chamamento ateno para essa possibilidade pode ajudar a produzir o
efeito de alavanca acima mencionado. Embora nossa abordagem no pretenda reorganizar o
inconsciente daqueles que esperamos alcanar, todavia pode revelar a eles que eles mesmos,
tanto quanto sua ideologia, representam umproblema. As chances de se conseguir isso so
fortes pelo fato de que o anti-semitismo escancarado ainda julgado como algo de baixa
reputao, de que os que se entregam a ele o fazem com m conscincia e de que, por
isso, eles se acham at certo ponto numa situao de conflito. Dificilmente pode haver
qualquer dvida de que a transio da atitude ingnua para a reflexiva produz um certo
enfraquecimento de sua violncia. O controle do ego fortalecido, mesmo se o ego no
tocado. A pessoa que percebe o anti-semitismo como um problema, mas, ainda, que ser
um anti-semita um problema, provavelmente ser menos fantica do que algum que, em
sentido e alinhado, engole o isca do preconceito.
A possibilidade de revelar aos sujeitos seu anti-semitismo pelo que ele : seu prprio problema
interno, ainda mais importante pelas seguintes consideraes psicolgicas. Como tem sido
notado, a pessoa preconceituosa externaliza todos os valores: ele acredita firmemente na
importncia ltima de categorias como natureza, sade, respeito aos padres estabelecidos,
etc. Revela relutncia bem definida contra a introspeco e incapaz de pr a culpa em si
mesma ou naqueles com que se identifica. Os estudos clnicos no tm dvida que essa
atitude sobretudo uma formao reativa. Embora sendo superajustado ao mundo externo, a
pessoa preconceituosa se sente insegura em nvel mais profundo (6). A falta de vontade olhar
para si mesma , antes de mais nada, uma expresso do medo de fazer descobertas
desagradveis. Noutras palavras, algo que esconde os conflitos subjacentes sua
personalidade. Entretanto, como esses conflitos inevitavelmente produzem sofrimento, a
defesa contra a auto-reflexo no deixa de ser ambgua. Embora o indivduo preconceituoso
deteste ver seu prprio "lado mau", ele no obstante espera algum tipo de alvio da hiptese de
vir a se conhecer melhor do que ele o faz normalmente. A dependncia de muitas pessoas
preconceituosas direo externa, sua prontido em consultar as descries oferecidas por
todos os tipos de charlates, do astrlogo ao colunista de relaes humanas, so, ao menos
em parte, expresses distorcidas e externas de seu desejo de autoconscincia. Embora sejam
inicialmente hostis s entrevistas psicolgicas, as pessoas preconceituosas freqentemente
terminam derivando algum tipo de gratificao das mesmas, uma vez que ela tenha comeado
e por mais que ela seja superficial. Trata-se de um desejo latente que, em ltima anlise, o
desejo da prpria verdade e que poderia ser satisfeito atravs das explicaes do tipo em que
pensamos. Tais entrevistas poderiam dar a essas pessoas o tipo de alvio e acender o que
alguns psiclogos chamam de uma "experincia-surpresa" [aha-experience]. No se deveria
passar por alto que a base desse efeito preparada pelo prazer narcisstico que muitas
pessoas obtm daquelas situaes em que elas se sentem importantes pelo simples fato de
serem elas mesmas o foco de interesse.
Contra-argumentando, algum poderia apontar para o fato indiscutvel de que essas pessoas
tm de defender seu prprio preconceito, dado que ele satisfaz numerosas funes, que
variam desde uma pseudo-intelectual, o fornecimento de frmulas fceis e uniformes para a
explicao de todo o mal que existe no mundo, at a criao de um objeto para catexe
negativa, de um catalisador da agressividade. Se essas pessoas realmente tm de ser
encaradas como portadoras de uma sndrome de carter, no parece provvel que elas vo se
emancipar de uma fixao em satisfazer esse objetivo que determinada pela estrutura interna
de sua personalidade, muito mais do que por esse objetivo. A ltima observao
todavia contm um elemento que transcende uma crtica plausvel de nossa abordagem. No
tanto o objetivo mas a pessoa que importa no tocante ao preconceito. Se, como se diz muitas
vezes, o anti-semitismo tem muito pouco a ver com os judeus, a fixao do indivduo
preconceituoso sobre os seus objetos de preconceito no deveria ser enfatizada. Ningum est
duvidando da rigidez do preconceito, isto , da existncia de certos pontos cegos que no so
acessveis dialtica da experincia. Entretanto essa rigidez afeta a relao entre o sujeito e o
objeto do dio muito mais do que a escolha do objeto ou mesmo a obstinao com que ele
mantido. Empiricamente, aqueles que so rigidamente preconceituosos revelam uma certa
mobilidade em relao escolha do seu objeto de dio (7). Isso algo que nasceu de vrios
casos estudados no mbito do Projeto de Pesquisa sobre discriminao social. Por exemplo,
as pessoas que claramente possuem a sndrome de carter fascista poderiam - por causa de
alguma estranha razo, como ter sido casado com uma mulher judia, substituir os judeus por
algum outro eventual grupo, armnios ou gregos, como objeto de dio. Entre os indivduos
preconceituosos, a urgncia instintiva to forte e sua relao com qualquer objeto, sua
aptido afetiva s coisas reais, seja como objeto de amor, seja como objeto de dio, de
natureza to problemtica, que no se consegue permanecer fiel nem mesmo ao inimigo
escolhido. O mecanismo projetivo ao qual o indivduo se encontra sujeito pode ser desviado de
acordo com o princpio da menor resistncia e as oportunidades oferecidas pela situao em
que ele se encontra. Acreditamos que nosso manual talvez possa criar uma situao
psicolgica na qual a catexe negativa do judeus venha a ser destruda. Isso, claro, no deve
ser mal entendido; no se pretende que, com isso, algum, usando de manipulao, substitua
os judeus por quaisquer outros grupos como objeto de dio. Dizemos apenas que a
casualidade, arbitrariedade e debilidade do objeto escolhido per se podem ser transformadas
em uma fora com a qual se poderia fazer esses sujeitos de mente anti-semita duvidassem de
sua prpria ideologia. Quando eles aprenderem que quem eles odeiam menos importante do
que o fato de que eles odeiam alguma coisa, seus egos poderiam deixar de lado o dio e, por
a, poderia ser que a intensidade de sua agressividade diminusse.
Nossa inteno usar a mobilidade do preconceito para domin-lo. Nossa abordagem poderia
virar a indignao da pessoa preconceituosa contra o objeto que a merece: os expedientes dos
agitadores e a prpria ilegitimidade da manipulao fascista. Com base em nossas explicaes
no seria muito difcil fazer os sujeitos adquirir conscincia das trucagens e da insinceridade
das tcnicas de propaganda antidemocrticas. O importante a esse respeito no tanto a
falsidade objetiva das afirmaes anti-semitas como o menosprezo por aqueles a quem essa
propaganda se dirige e o modo como suas fraquezas so sistematicamente exploradas [por
essas tcnicas]. Neste aspecto, as foras da resistncia psicolgica podem trabalhar contra o
antidemocratismo mais do que contra o esclarecimento. Ningum, e menos ainda a
personalidade potencialmente fascista, deseja ser tratado como trouxa, mas exatamente isso
que o agitador faz, quando ele relata s suas audincias que elas so feitas de trouxas pelos
judeus, banqueiros, burocratas e demais "foras sinistras". As tradies americanas do senso
comum e da resistncia s vendas podem ser revitalizadas por meio de nossa abordagem,
dado que neste pas o pretenso Fhrer, em muitos aspectos, no passa de um padeiro
idolatrado.
Existe uma rea especfica na qual a explorao psicolgica, uma vez revelada, capaz de
virar um bumerangue. O agitador geralmente posa de pequeno grande homem, a pessoa que,
a despeito de seu exaltado idealismo e infatigvel vigilncia, pertence ao povo, um vizinho,
algum prximo dos coraes da gente comum, que reconforta por meio de sua simpatia
condescendente e cria uma atmosfera de calor e companheirismo. Essa tcnica, que, note-se,
muito mais caracterstica do cenrio americano do que os bem planejados encontros de
massa nazistas, visa atingir uma condio especfica, prpria da sociedade altamente
industrializada em que vivemos. Na esfera da cultura de massa, esse fenmeno conhecido
como "nostalgia". Quanto mais a tecnificao e especializao irrompem nas relaes
humanas imediatas que esto associadas famlia, oficina e pequena empresa, mais os
tomos sociais, que formam as novas coletividades, anseiam por abrigo, segurana econmica
e pelo que os psicanalistas chamariam de restituio da situao uterina. Parece que uma
parcela expressiva dos fanticos fascistas - a chamada franja luntica - consiste dessas
pessoas, sozinhas, isoladas e, de muitos modos, frustradas, em cuja psicologia a citada
nostalgia desempenha um importante papel. O trabalho do agitador consiste em
astuciosamente conquistar seu apoio, posando como seu vizinho. Desse modo, porm, um
motivo verdadeiramente humano, o anseio por amor, por relaes genunas e espontneas,
apropriado pelos promotores de sangue-frio do inumano. O prprio fato de que as pessoas
sofrem com a manipulao universal usado de maneira manipulatria. Os sentimentos mais
sinceros das pessoas so pervertidos e gratificados fraudulentamente. Ainda que elas caiam
nisso durante certo tempo, os desejos envolvidos so to profundos porm que no h como
elas serem [definitivamente] satisfeitas por essa impostura. Tratadas como crianas, as
pessoas acabaro reagindo como tais e vindo a perceber que o tio que lhes fala como um beb
s o faz para melhor insinuar seus objetivos ulteriores. [E] Atravs de experincias como essa
pode ocorrer que a energia inerente a seus desejos finalmente se volte contra sua explorao.
NOTAS
1. Sigmund Freud, Group Pychology and the Analysis of the Ego (Londres, 1922; trad. bras.
Psicologia de grupo e anlise do ego. 2