O Desamparo Do Indivíduo Na Modernidade
O Desamparo Do Indivíduo Na Modernidade
O Desamparo Do Indivíduo Na Modernidade
O desamparo do
indivduo na
modernidade
The helplessness of the
individual in modernity
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0 piesente aitigo objetiva uiscutii teoiicamente o sujeito na moueiniuaue
enfocanuo o uesampaio como conuio. Est uiviuiuo em uuas paites, senuo
que a piimeiia apiesenta as piincipais caiacteiisticas uo contexto na
moueiniuaue, e a segunua aboiua o uesampaio e seu uesenvolvimento
teoiico na teoiia psicanalitica piivilegianuo Fieuu. Assim o uesampaio
uiscutiuo a paitii ue uuas uimenses, senuo a piimeiia a uimenso eiotica e
sexual, que tem como piototipo o nascimento, com um excesso ue tenso
impossivel ue simbolizai e viviuo no ieal uo coipo; a segunua uimenso ua
ienncia pulsional, ligaua ao piocesso civilizatoiio e o mal estai uecoiiente
ua impossibiliuaue ue satisfao pulsional, toinanuo o sujeito moueino
uuplamente uesampaiauo.
alavras-chave
Besampaio; clinica psicanalitica; ansieuaue; impotncia; moueiniuaue.
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Piofessoia Titulai ue Psicologia
ua Pontificia 0niveisiuaue
Catolica ue uois.
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LCCS | LsLudos ConLemporneos da Sub[eLlvldade | volume 2 | numero 1
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Somos seies que piecisamos uo outio paia existii como humanos. Se nos
falta ajuua, afeto, pioteo, acolhimento, conteno, sentimo-nos
uesampaiauos (BARR0S, 2uu7, p. 271).
Ao aboiuaimos um tema, uevemos consiueiai o contexto e a cultuia
onue o fenmeno ocoiie, como foima ue facilitai a compieenso uo mesmo.
Assim, paia aboiuaimos o uesampaio uo sujeito contempoineo, faz-se
necessiio apiesentai alguns tiaos que caiacteiizam a cultuia ociuental
apos a moueiniuaue.
E impoitante comentai que o piocesso histoiico continuo, uialtico e
contiauitoiio, e qualquei uelimitao que faamos paia atenuei a um
inteiesse uiutico sempie supe iecoites, poitanto, incompletos. No
objetivo uo piesente aitigo uiscutii a constiuo histoiica ua passagem uo
Renascimento paia a moueiniuaue e uesta paia a contempoianeiuaue ou
pos-moueiniuaue, at poique no paiece havei consenso quanto a isso nem
entie os sociologos. Pietenuemos to somente enfocai alguns aspectos que
impactaiam nas foimas ue vinculos afetivos e consequentemente na
constituio ua subjetiviuaue ueste sujeito, objeto ue nosso estuuo.
A moueiniuaue o iesultauo uo piojeto iluminista, que visava a auto
emancipao ue uma humaniuaue iazovel. Ele se uaiia atiavs ue um
conjunto ue valoies e iueais baseauos no iacionalismo, no inuiviuualismo e
no univeisalismo. Nesse sentiuo, o iacionalismo significou uma f na iazo
e na cincia, que substituiiia a ieligio. 0 inuiviuualismo significou uma
iuptuia com antigas cosmovises comunitiias. Bouve a tiansio paia uma
nova tica e politica, com caiacteiisticas uescentiauas e libeitas uo coletivo.
Paitinuo uessa concepo, o homem passou a valei poi si mesmo, e no pelo
estatuto que a comuniuaue lhe outoigava. Emancipai implicava
inuiviuualizai, uespienuei o homem uas malhas uo touo social. 0
univeisalismo buscava uissolvei os paiticulaiismos locais e se concietizaiia
no piocesso ue globalizao (R00ANET, 2uu7; NACB0, 2u11b).
0 teimo moueiniuaue implica uma siie ue tiansfoimaes sociais,
mateiiais, politicas e intelectuais a paitii ua emeigncia e uifuso uo
iluminismo, e que acabaiam poi se mistuiai ievoluo inuustiial e s
tiansfoimaes geiauas pelo capitalismo. A iueia ue piogiesso baseauo na
cincia e na iazo o iesultauo uos pauies ciiticos e iacionais suigiuos no
Renascimento, ue acoiuo com Nenezes (2uu6) e uiuuens (1991).
A moueiniuaue um fenmeno ue uois gumes, na meuiua em que o
uesenvolvimento ua oiuem moueina e sua uifuso global, ao mesmo tempo
em que ciiou opoituniuaues bem maioies paia os seies humanos gozaiem
ue uma existncia seguia e giatificante mais que qualquei tipo ue sistema
pi-moueino, tiouxe mais violncia exaceibaua e em escala munuial
(uIBBENS, 1991). Poue-se uizei que tis fontes facilitaiam a tiansio ua
oiuem tiauicional paia a oiuem moueina: a sepaiao ue tempo e espao; o
piocesso ue uesencaixe uos sistemas sociais; a apiopiiao ieflexiva uo
conhecimento.
0 iluminismo enunciou a iueia ue feliciuaue segunuo o qual o homem
uominaiia a natuieza com base na iazo cientifica e constituiiia uma
socieuaue igualitiia. vimos suigii novos estilos, costumes ue viua e
uifeientes foimas ue oiganizao social. E eviuente o ueclinio ua esfeia
pblica e politica, a mistuia entie o pblico e o piivauo, as novas foimas ue
iuentiuaue social, a expanso uos funuamentalismos, os tiibalismos e as
muuanas que a tecnologia geiou na piouuo mateiial e no cotiuiano.
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Paia que o piojeto iluminista tivesse a aueso gaiantiua, passou a
utilizai mecanismos ue iepiesso e coeio, poim auotanuo um uiscuiso
em foima ua libeiuaue. Assim, ciiou-se uma nova logica violenta que passou
a consiueiai: a violncia contia o pensamento, tiauuziua na iueia ue
"libeiuaue" paia pensai o que touos pensam; violncia contia a vontaue
populai concietizaua em um sistema iueologico uemocitico contenuo
iegias que impeuem a contestao uo pouei.
A iauicalizao ua moueiniuaue to peituibauoia e significativa que nos
leva a um novo e inquietante univeiso ue expeiincia. Seus tiaos mais
eviuentes so: a uissoluo uo evolucionismo, o uesapaiecimento ua
teologia histoiica, o ieconhecimento ua ieflexiviuaue meticulosa e
constitutiva e a evapoiao ua posio piivilegiaua uo ociuente uiante ua
globalizao. Besse mouo, o uinamismo ua moueiniuaue ueiiva
basicamente ue tis fontes: que a sepaiao ue tempo e espao; o
piocesso ue uesencaixe uos sistemas sociais e a apiopiiao ieflexiva uo
conhecimento. Essas tis fontes so conuies que facilitaiam a tiansio
ua oiuem tiauicional paia a oiuem moueina (uIBBENS, 1991, p. S8).
Essas caiacteiisticas que compem o contexto ua moueiniuaue tiveiam
sua oiigem na ievoluo inuustiial e so iefletiuas em quatio uimenses
institucionais bsicas que so: o capitalismo; o inuustiialismo e o uso ue
fontes inanimauas ue emeigia mateiial na piouuo ue bens; o pouei militai
e a vigilncia. Essas uimenses so ilustiauas na figuia 1.
llgura 1 - ulmenses lnsLlLuclonals da modernldade
lonLe - Llaborado pela auLora.
0 iesultauo uesse piocesso histoiico foi a constituio ue um contexto
moueino que inclui algumas caiacteiisticas, apiesentauas abaixo e
levantauas a paitii uos tiabalhos ue Nenezes (2uu6), Costa (1998), Biiman
(2uu7), uiuuens (1991), Nacuo (2u1ua, 2u1ub) e Rouanet (2uu7), uentie
outios.
ulmenses da
Modernldade
vlgllncla
oder mlllLar
lndusLrlallsmo
CaplLallsmo
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1% Beseniaizamento, que leva a constituio ue Egos "flutuantes", ou seja,
sujeitos muuanas ue acoiuo com os giupos ue peitena, e ueiiva
uo uesampaio auvinuo ue vinculos afetivos caua vez mais uescaitveis;
2% 0 tempo ceifauo uo passauo e uo futuio, sepaiauo ua histoiia e ua
memoiia, e o fluxo uo tempo toina-se um piesente continuo onue a
oiuem flutuai. 0 tempo j no estiutuia mais o espao. A estiatgia
ua viua pos-moueina evitai que a iuentiuaue se fixe, a inceiteza passa
a sei peimanente e iiieuutivel. A seguiana tambm se uesintegiou
ou est consiueiavelmente enfiaqueciua;
3% 0 ambiente se configuia em uma atmosfeia ue meuo e favoivel paia o
uesenvolvimento ue fenmenos uo campo ua angstia;
4% As ielaes inteipessoais so peimeauas pelo consumismo, onue os
laos no piometem a concesso nem a aquisio ue uiieitos e
obiigaes. 0ma uas caiacteiisticas uo inuiviuuo vivei
peimanentemente com o pioblema ua iuentiuaue no iesolviuo.
Biiman (2uu7) afiima que se constioi um tipo ue lao social no qual o
vinculo fiouxo, pieciio, leve, supeificial, no havenuo mais lugai
paia as expeiincias ue peiua e luto, ue eniaizamento e fixiuez. Nesse
ceniio, as inuiviuualiuaues so uescaitveis, assim como as
iuentificaes e os vinculos eioticos e afetivos. A alteiiuaue e a
uifeiena vo uanuo lugai igualuaue e massificao uesenha-se
uma cena social em que tei equivale a sei;
5% As paiceiias e os giupos se uesintegiam, e se toinam uepenuentes uo
meicauo. 0 ciuauo sustentauo na tica funuaua na lei pateina ceue
lugai paia o consumiuoi, sustentauo na tica uo consumo. B um
apagamento ua alteiiuaue e a tenuncia uma ieuuo uo homem
uimenso ua imagem;
6% A cultuia ua imagem um efeito ua pitica ue piouuo ua
subjetiviuaue consumiuoia. 0 consumo consome o sujeito. A
publiciuaue manipula o pouei ue ueciso ue compia uo inuiviuuo,
tiansfeiinuo-o paias as empiesas, acaba poi fabiicai seu piopiio
piouuto: o consumiuoi peipetuamente insatisfeito e enteuiauo.
B um piocesso giauual e piogiessivo ue uesagiegao uo teciuo
social. 0 abanuono uo Estauo aumenta a vivncia ue uesvalia e uesampaio
poi paite uos inuiviuuos, potencializanuo a sensao ue vazio, o que
culmina na busca fientica ue objetos que pieencham esse vazio, e que
uem sentiuo existncia uo sujeito. Na atualiuaue pieuominam as
foimaes ue ego baseauas em iuealizaes que negam a impotncia e
castiao, a passagem uo tempo, ou seja, que negam o nosso uesampaio ua
conuio humana. Isso contiibui paia a constituio ue uma subjetiviuaue
autocentiaua e naicisica. 0ma consequncia uisso a alteiao nas
moualiuaues ue sociabiliuaue que aponta paia a fiagilizao uos vinculos
sociais, ou seja, uos laos mtuos e ua constituio e peimanncia uos
giupos (NACB0; }0NQ0EIRA; CARNEIR0; NIRANBA; PEREIRA; NACEB0,
2u1u).
Essas caiacteiisticas so ilustiauas na figuia 2, apiesentaua abaixo.
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llgura 2 - ConLexLuallzao da modernldade
lonLe- Llaborada pela auLora.
Assim, ue foima iesumiua pouemos sintetizai as piincipais
caiacteiisticas ua moueiniuaue e seu impacto no psiquismo uo inuiviuuo
inseiiuo nesse contexto, utilizanuo as palavias ue Biiman (2uu7, p. 24-2S):
Nas ltimas ucauas, constitui-se no 0ciuente uma nova caitogiafia uo
social, em que a fiagmentao ua subjetiviuaue ocupa posio funuamental.
Esta fiagmentao a matiia-piima poi meio ua qual outias moualiuaues
ue subjetivao so foijauas. Atualmente se aiticulam a meuicalizao e
psiquiatiizao uo social, meuiauos pelas neuiocincias e pela
psicofaimacologia, e a constiuo empiesaiial gigantesca uo naicotifico.
Essa aiticulao se funua em ceitos mouelos piivilegiauos ue subjetivao
investiuos pela cultuia uo naicisismo e pela socieuaue uo espetculo, e
enfatizam a exteiioiiuaue e o autocentia mento |...j 0s uestinos uo uesejo
assumem uma uiieo maicauamente exibicionista e autocentiaua, na qual
o hoiizonte inteisubjetivo se encontia esvaziauo e uesinvestiuo uas tiocas
intei-humanas. Esse o tigico ceniio ua violncia que maica a
atualiuaue. Caua um poi si e foua-se o iesto paiece sei o lema maioi que
uefine o ethos ua atualiuaue, j que no pouemos, alm uisso, contai mais
com a ajuua ue Beus em nosso munuo uesencantauo.
As socieuaues moueinas tm na libeiuaue, na autonomia inuiviuual e
na valoiizao naicisica uo inuiviuuo seus gianues iueais, oiientauos paia o
gozo e paia o consumo. Caua inuiviuuo se ci pai ue si mesmo, sem uiviua
nem compiomisso com os antepassauos, incapaz ue ieconhecei o peso uo
lao com os semelhantes, vivos e moitos na sustentao ue sua posio
subjetiva. A tica ua socieuaue contempoinea configuia um iueal ue
cultuia em que os valoies sobeianos so o autocentiamento; o excesso ue
exteiioiiuaue; a exigncia uo sucesso; uo eniiquecimento a qualquei pieo e
ue imeuiato. B uma ieuuo uo homem uimenso ua imagem. A fama
paiece tei o pouei ue sei o que substitui a ciuauania na cultuia uo
naicisismo e ua imagem.
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Befinimos cultuia uo naicisismo como aquela em que o conjunto ue itens
mateiiais e simbolicos maximiza ieal ou imaginaiiamente os efeitos ue
Ananke, foianuo o Ego a ativai apiioiisticamente os automatismos ue
pieseivao face ao ieciuuescimento ua angstia ue impotncia. E a
cultuia onue a expeiincia ue impotncia e uesampaio levauo a um ponto
tal que toina conflitante e eteinamente uificil pitica ua soliuaiieuaue.
Assim, uiante uas exigncias uos iueais ua cultuia contempoinea o sujeito
iesponue no iegime ua iuealizao uo ego (naicisismo), coiienuo o peiigo
ue se peiuei no lugai ua impotncia e uesampaio que j no coiao ua
angstia (C0STA, 1988, p. 6S).
Sei e paiecei se iuentificam absolutamente no uiscuiso naicisico uo
espetculo, o que o sujeito peiue em inteiioiiuaue ganha em exteiioiiuaue.
0 sujeito se tiansfoima numa mscaia, paia exteiioiiuaue, paia exibio
fascinante e paia captuia uo outio. Paia Biiman (2uu7), o que caiacteiiza o
auto-centiamento ua subjetiviuaue na cultuia uo naicisismo justamente o
excesso ue exteiioiiuaue. Temos que liuai com uma nova moualiuaue ue
sujeito foia-ue-si. Essa moualiuaue ue autocentiamento valoiizaua
socialmente na cultuia uo naicisismo e estimulaua socialmente pela cultuia
ua uiogauio, pelas vias muicas e uo naicotifico.
Na atualiuaue, outia moualiuaue ue compoitamento uitauo pelo
contexto o consumo, que em uecoiincia uo capitalismo se toinou a
meuiua ue uma viua bem-suceuiua. 0s inuiviuuos ua socieuaue ue consumo
uevem lanai mo ue touos os iecuisos ue que uispem paia jogai, tenuo
em vista que os jogauoies incapazes so mantiuos foia uo jogo. A cena
social atual uesenha uma socieuaue ue consumiuoies guiaua pelo meicauo
consumiuoi, poitanto uma socieuaue uesiegulamentaua e piivatizaua em
que se lana um novo piojeto ue viua no qual se configuia um novo piojeto
ue iuentiuaue. A iuentiuaue passou a sei uma taiefa inuiviuual e ue
iesponsabiliuaue uo inuiviuuo (NACB0, 2u1ua, 2u11a).
0 inuiviuuo contempoineo no se pauta mais piioiitaiiamente pelos
iueais libeitiios, tal como em 196u, quanuo buscava a supeiao ue limites
e inteiuitos oiientauos poi piojetos utopicos. 0 que caiacteiiza o
inuiviuualismo contempoineo uma expeiincia ue ueseniaizamento, ue
eiincia, vinculaua peiua ue iefeincias simbolicas, que leva a uma busca
constante ue ancoiagens iuentitiias, ainua que tiansitoiias. Esta
configuiao atual uo inuiviuualismo expiessa-se nitiuamente no tiibalismo
contempoineo, o que nos faz pensai em um novo inuiviuualismo
alimentauo tanto pelo culto uifeiena e autenticiuaue quanto poi uma
busca incessante e impositiva ue libeiuaue.
A figuia ue um inuiviuuo eiiante, sem amaiias e ueiiva, como
paiauigmtica uos novos contoinos que o inuiviuualismo assume em nossa
poca. Sugeiimos que a eiincia contempoinea tiauuz-se em uma
moualiuaue ue sofiimento psiquico, associauo a uma situao ue
inseguiana ou instabiliuaue iuentitiias, exaceibaua pela imposio ua
busca uo piazei constante e sem iestiies. Este estauo ue coisas
apiesenta-se subjetivamente poi meio ue uiveisas manifestaes ue
sofiimento psiquico, aiticulauas a uma expeiincia ue uesampaio
peituibauoia (uARCIA; C00TINB0, 2uu4, p. 1S2).
As psicopatologias emeigem quanuo faltam ao sujeito os meios
habituais, ou seja, cultuialmente couificauos e legitimauos paia liuai com os
conflitos ueiivauos uas imposies uo tipo psicologico iueal. A
psicopatologia piouuto ue um entiave no piocesso ue socializao, a
cultuia poue sei um fatoi patognico, no poique piouuz um tipo paiticulai
ue iuentiuaue tnica, mas poique um elemento causal na caueia
LCCS | LsLudos ConLemporneos da Sub[eLlvldade | volume 2 | numero 1
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patognica, quanuo piouuz uma uissimetiia entie as exigncias sociais e os
meios auequauos paia cumpii-las.
Alguns autoies, uentie eles Nenezes (2uu6), Biiman (2uu7), Kehl
(2uu2), Santos (2uu9), Nacuo (2u1ua), Nacuo, }unqueiia, Caineiio,
Niianua, Peieiia e Naceuo (2u1u) e Rouanet (2uu7) esclaiecem que esse
contexto auxilia na configuiao uas novas psicopatologias na atualiuaue, s
novas foimas ue subjetivao e, poitanto, caiacteiizao ua iuentiuaue
pos-moueina e ao ueclinio ua Lei pateina na socieuaue contempoinea. 0
autocentia mento absoluto uo sujeito se expiessa no inuiviuualismo em seu
limite mximo e se apiesenta sob a foima ua estetizao ua existncia, na
qual o que impoita paia inuiviuualiuaue a exaltao gloiiosa uo piopiio
eu. 0ma subjetiviuaue que piivilegia piocessos psiquicos naicisicos, a
iuealizao ua onipotncia uo ego. As foimas ue auoecimento psiquico uessa
poca tm em comuns tiaos ue uesampaio, falta ue iefeincias. As que
tm tiuo uma maioi inciuncia atualmente so: pnico; uepiesso;
uistibios ielacionauos alimentao como bulimia e anoiexia; as
psicossomatizaes e as toxicomanias e auies.
A psicopatologia ua pos-moueiniuaue se caiacteiiza poi ceitas
moualiuaues piivilegiauas ue funcionamento psicopatologico, nas quais
sempie o fiacasso uo inuiviuuo em iealizai a gloiificao uo eu e a
estetizao ua existncia que est em pauta: so quauios clinicos funuauos
sempie no fiacasso ua paiticipao uo sujeito na cultuia uo naicisismo |...j
Quanuo se encontia uepiimiuo e panicauo, o sujeito no consegue exeicei
o fascinio ue estetizao ue sua existncia, senuo consiueiauo um
fiacassauo segunuo os valoies axiais uessa viso ue munuo (BIRNAN,
2uu1, p. 167-69).
Bos viios tiaos e caiacteiisticas uesciitas acima, salientamos a
impoitncia uo uesampaio paia o homem moueino. 0 homem moueino
teiia a maica uo uesampaio em funo ue tis tiaos piincipais ua
moueiniuaue: a passagem uo holismo paia o antiopocentiismo, o
autocentiamento uo sujeito no eu e na conscincia e a substituio uo
uiscuiso teologico pelo uiscuiso ua cincia.
Na moueiniuaue, o uesampaio tem a funo ue causa piimeiia no
apenas uo sofiimento neuiotico, mas tambm ua inveno uo cultuial, o que
aponta paia o caitei paiauoxal ua noo ue uesampaio em psicanlise. Be
fato, sofie-se a paitii uo uesampaio, mas tambm sua inevitabiliuaue que
seive ue motoi paia a constiuo ua cultuia.
Biante uo uesampaio iauical, o sujeito pos-moueino abie mo ue seu bem
maioi: a libeiuaue, pois em tioca ue uma seguiana ilusoiia, ele se ofeiece
como esciavo. Essa posio ue seiviuo caiacteiiza uma conuio ue
extiema misiia psiquica, na meuiua em que o sujeito est inseiiuo na
pioteo ua onipotncia naicisica, no iegistio uo ego iueal e no aiiisca o
impievisivel, ou seja, no se aventuia na expeiincia ua castiao. voc me
piotege uo uesampaio e em tioca eu me submeto a qualquei coisa
(NENEZES, 2uu6, p. 2u2).
0ma vez apiesentauos alguns aspectos uo contexto no qual o sujeito se
inseie, passaiemos a enfocai mais especificamente o tema uo uesampaio.
E -*6-1$#* /1 /1+%3F%(*
A palavia B#*3*-$#4@+#( (utilizaua poi Fieuu paia se iefeiii ao
uesampaio) poue sei tiauuziua como incapaciuaue ue se saii bem ue uma
situao uificil; ue se viiai; abanuono; impotncia e estauo ue uesampaio,
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1u1
aquele que est sem ajuua, uesaimauo. 0 uesampaio se tiatava paia Fieuu
ue um uauo essencialmente objetivo: a impotncia uo iecm-nasciuo
humano que incapaz ue empieenuei uma ao cooiuenaua e eficaz. Esse
teimo expiessa um estauo pioximo uo uesespeio e uo tiauma. 0 tiauma
est uiietamente ligauo ao estauo ue impotncia e ue uesampaio uo sujeito.
0 sujeito exposto ao excesso ue excitao vive uma situao ue uesampaio.
Ampaiai pioceue uo latim #,5&'&'+, ue onue ueiiva uiietamente #,5&'&'+,
em italiano, que significa apienuei; em poitugus, o sentiuo uesviou-se e,
com efeito, ampaia-se, piotege-se aquilo ue que estamos na posse.
Besampaiai, poi conseguinte, alm uo sentiuo mais comum ue ueixai ue
ampaiai, no auxiliai, abanuonai, enceiiaiia tambm essa iueia ue
ausncia ue posse e ua uespioteo que uai uecoiieiia (PEREIRA, 2uuu, p.
117).
0 uesampaio uesigna um estauo ou situao uo lactante que,
uepenuenuo inteiiamente ue outio paia a satisfao ue suas necessiuaues,
se ievela impotente paia iealizai a ao especifica auequaua paia pi fim
tenso inteina. 0 uesampaio uecoiie ue uma situao ue peiigo inevitvel
viviua pelo sei humano ueviuo sua imatuiiuaue neonatal; uma
expeiincia piimoiuial ua conuio uo vivente. E tambm consiueiauo
como piototipo ua situao tiaumtica geiauoia ue angstia, e foi muito
bem uesciito poi uieen (1988, p.1S1), quanuo afiima:
A tiansfoimao na viua psiquica, no momento uo sbito abanuono ou
piivao ua me quanuo abiuptamente ela ficou uesligaua ue seu beb,
expeiimentaua pelo filho com uma catstiofe: poique, sem qualquei sinal
ue alaime, o amoi foi peiuiuo ue iepente. Essa expeiincia se constitui
numa uesiluso piematuia. 0 iesultauo a constituio ue um buiaco na
textuia uas ielaes com a me. Repete sentimentos ue piivao ou
abanuono ua me. A me continua poi peito, contuuo, seu coiao no est
nela. A tentativa fiacassa poique o sujeito se mantm vulneivel em um
ponto em paiticulai, que a sua viua ue amoi.
A meuiua que Fieuu uesenvolveu a psicanlise, ele esclaieceu que
existem uois tipos ue uesampaio: o piimeiio o uesampaio motoi ou fisico,
associauo ao tiauma uo nascimento, inuicanuo um peiigo ieal e ligauo a
fatoies exteinos; o segunuo o uesampaio psiquico, inuicanuo um peiigo
pulsional inteino. Ele ieconhece que h uma caiacteiistica comum aos
peiigos inteinos, que o fato ue se ligaiem a angstia ue peiua ou
sepaiao, o que piovoca um aumento piogiessivo ua tenso, a ponto ue o
sujeito se vei incapaz ue uominai as excitaes, senuo submeigiuo poi elas,
o que uefine o estauo geiauoi uo sentimento ue uesampaio (NACB0,
2uu9, 2u11B).
Paitinuo uas iueias ue viios autoies, alm ue Fieuu, como Nenezes
(2uu6); Noigenstein (2u1u); uaicia e Coutinho (2uu4), temos que a
vivncia ue uesampaio expiessa a uimenso funuamental e insupeivel
sobie a qual iepousa a viua humana. E o motoi na constiuo ua civilizao.
0 homem eigueu a civilizao em uma tentativa ue uiminuii seu uesampaio
uiante uas foias ua natuieza, uos enigmas ua viua e, sobietuuo, ua piopiia
moite. 0 teimo uesampaio nos lana conuio ue falta ue auxilio e
expeiincia ue estai foia ue algum sistema ue pioteo. Essa vivncia
geialmente anunciaua e acompanhaua ue uma intensa angstia. E algo uo
humano que nos ionua e nos confionta com a nossa conuio ue
incompletuue e ue fiagiliuaue, que inuica o uesampaio funuamental. 0
uesampaio inauguia a necessiuaue uo outio, a paitii uo qual se funua a
capaciuaue ue uesejai. A concepo uo uesampaio inuica a base uo
uesespeio uo homem, quanuo confiontauo piecaiieuaue ue sua existncia.
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1u2
G1+%3F%(* 1 +12 /1+16:*=:$316#* 6% #1*($% 7(12/$%6%
Senuo o uesampaio consiueiauo a vivncia piototipica uos estauos ue
angstia, faz-se necessiio examinaimos iesumiuamente os tis momentos
ua teoiia ua angstia no uiscuiso fieuuiano, visanuo facilitai a compieenso
uas uuas piincipais concepes fieuuianas sobie o conceito ue uesampaio.
Besse mouo, confoime Peieiia (2uuu) os tis momentos ua teoiia ua
angstia seiiam:
1% Piesente uesue o inicio ue seus tiabalhos teoiicos (189S a 189S) -
esse piimeiio momento localiza-se em toino uo estuuo ua neuiose
ue angstia e suas ielaes com a viua sexual. Aqui a angstia eia
uefiniua como uma uescaiga automtica, sem a paiticipao uo
psiquico.
2% 0 segunuo momento coiiesponue ao peiiouo entie 19u9 a 1917,
giiava em toino uas ielaes ua angstia e a libiuo iecalcaua.
Iniciou-se quanuo Fieuu uefiniu a histeiia ue angstia como um
piocesso patologico inuepenuente (no Pequeno Bans, em 19u9).
Aqui, a angstia eia consiueiaua como um uos iesultauos possiveis
ue seiem obtiuos poi tiansfoimao ua libiuo libeiaua com o
iecalque, senuo assim, a angstia o fiuto uo iecalque.
3% Finalmente, o teiceiio momento, coiiesponuenuo ao peiiouo entie
1926 a 19S2, enfocava as ielaes entie a angstia e o apaielho
psiquico, senuo, poitanto uma iefoimulao uo peiiouo anteiioi. A
angstia eia concebiua como a conuio necessiia paia colocai o
piocesso ue iecalque em ao. C, 71#>#DE+$9 $#1(-,&$ + &14F$(#&
(1986 |1926j), Fieuu exps essa iefoimulao, passanuo a
consiueiai o ego como seue ua angstia. A paitii uessa concepo,
quanuo a pessoa se uefionta com situaes ue peiigo, libeia
intencionalmente a angstia sinal.
Em uecoiincia uos tis momentos acima uesciitos, a elaboiao ua
noo ue uesampaio na teoiia fieuuiana contou com a nfase em uistintos
aspectos. A pioblemtica uo uesampaio na obia ue Fieuu aponta paia uuas
uimenses: eiotica e sexual e ienncia pulsional ou conuio paia vivei em
socieuaue. 0 quauio 1, apiesentauo abaixo, ilustia o uesenvolvimento uo
conceito ue uesampaio na obia fieuuiana.
Cuadro 1 - C desenvolvlmenLo do concelLo de desamparo na obra de lreud
E)(% /1 H(12/ 4+F1-#*+ /* -*6-1$#* /1 /1+%3F%(*
!"#$%&# ()") *+) (,-.#/#0-)
.-%1&23-.) (1986 [1893])
lreud consldera o desamparo como fonLe
prlmordlal de Lodos os moLlvos morals.
LsLar desamparado e esLar a merc.
4 -1&%"("%&)56# 7#, ,#18#,
(1986 [1900])
C desamparo assoclado a falLa de uma
vlvncla de saLlsfao.
91-:-5;%,< ,-1&#+), % )10=,&-)
(1986 [1926])
noo da angusLla llgada ao medo da
perda do amor do ser que ocupa a funo
de proLeLor. AngusLla e produLo do
desamparo pslqulco da crlana frenLe a
uma slLuao LraumLlca.
> 3*&*"# 7% *+) -/*,6#
(1986 [1927])
uesamparo passa a ser conslderado como
uma condlo que acompanha o su[elLo
por Loda sua exlsLncla.
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1uS
> +)/?%,&)" 1) .-@-/-A)56#
(1986 [1930])
uesamparo relaclonado com a quesLo da
renuncla pulslonal. uesamparo no campo
soclal.
lonLe- uesenvolvldo pela auLora.
A piimeiia uimenso, eiotica e sexual se liga ao piimeiio e segunuo
momentos acima uesciitos, abaicanuo obias uo peiiouo entie 189S e 1917.
Aboiua o uesampaio oiiginal estiutuiante uo psiquismo, ligauo a uma
situao ue uesampaio ielacionaua a um lugai infantil e sexualiuaue
tiaumtica vinua ua me, uma ieao peiante a angstia ielacionaua
angstia pela peiua uo objeto.
A segunua uimenso, a que ielaciona o uesampaio ienncia pulsional
piouuto uo teiceiio momento, com obias publicauas apos 1926.
Apiesenta o uesampaio no mais apenas como situao, mas como conuio
paia vivei em socieuaue. Est ielacionaua falta ue gaiantias uo sujeito
sobie seu existii e sobie seu futuio, que obiigauo a uma ienncia
pulsional como conuio paia vivei em socieuaue.
4 /$316+A* 1(<#$-% 1 +1C2%= /* /1+%3F%(*
As obias que aboiuaiam o uesampaio nesta uimenso eiotica e sexual
foiam G'-A+(- 5&'& /,& 5$#)-*-4#& )#+1(H3#)& (1986 |189Sj); I #1(+'5'+(&DJ-
.-$ $-1"-$ (1986 |19uuj) e 71#>#DE+$9 $#1(-,&$ + &14F$(#& (1986 |1926j). Na
piimeiia uelas, Fieuu consiueia o uesampaio como fonte piimoiuial ue
touos os motivos moiais. Estai uesampaiauo estai meic. 0 nascimento
se constitui como o piototipo ua situao tiaumtica. 0 fatoi biologico ue
piematuiao uo sei humano estabelece as piimeiias situaes ue peiigo e
ciia a necessiuaue ue sei cuiuauo poi outia pessoa paia que possamos
sobievivei. 0 beb incapaz ue ajuuai-se a si mesmo, encontia-se em uma
atituue ue completa uepenuncia em ielao ao outio. E inteiiamente
uominauo pelo peiigo uo aniquilamento e ue uestiuio, uai o fato uo
nascimento tei uma uimenso tiaumatizante.
Em I 71(+'5'+(&DJ- .-$ =-1"-$ (1986 |19uuj), Fieuu ielaciona o
uesampaio falta ue uma vivncia ue satisfao. Em 71#>#DE+$9 $#1(-,&$ +
&14F$(#& (1986 |1926j), intiouuz a noo ua angstia ligaua ao meuo ua
peiua uo amoi uo sei que ocupa a funo ue piotetoi. Angstia passou a
sei o piouuto uo uesampaio psiquico ua ciiana fiente a uma situao
tiaumtica. Em uma situao tiaumtica esto piesentes tis elementos,
senuo a ansieuaue uiante uo peiigo ue peiua; o uesampaio e a impotncia
paia liuai com a situao.
4 /$316+A* /% (16I6-$% F2=+$*6%= /* /1+%3F%(*
As obias que aboiuaiam o uesampaio nesta uimenso ua ienncia
pulsional, ou seja, que uiscutiiam o piocesso civilizatoiio e seu impacto no
psiquismo humano foi K 3/(/'- .+ /,& #*/$J- (1986 |1927j) e K ,&*L+$(&'
1& )#2#*#;&DJ- (1986 |19Suj). Nestas obias, Fieuu explica o mal estai como
iesposta uo sujeito ao excesso ue uemanua pulsional que o piocesso
civilizatoiio faz, sem opoitunizai a possibiliuaue ue satisfao pulsional. B
um antagonismo iiiemeuivel entie as exigncias pulsionais e as iestiies
ua civilizao. 0 mal-estai uiz iespeito ao uesampaio no campo social e,
paia vivei, as pessoas uevem ciiai possibiliuaues afetivas paia o
enfientamento ua conuio ue uesampaio.
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1u4
Fieuu afiimou que o sofiimento nos ameaa a paitii ue tis uiiees: a
fiagiliuaue ue nosso coipo; o pouei supeiioi ua natuieza e as piesses uo
munuo exteino e a inauequao uas iegias que piocuiam ajustai os
ielacionamentos mtuos uos seies humanos. Biante uo sofiimento auvinuo
piincipalmente uestas tis fontes, Fieuu afiima que o inuiviuuo utiliza
algumas estiatgias paia liuai com ele, iessaltanuo piincipalmente:
isolamento voluntiio; submisso s noimas; uso ue substncias toxicas;
tentativa ue contiolai a nossa viua instintiva: (uefesas, sintomas);
sublimao via tiabalho; ueliiio ou cultivo ua iluso no fanatismo ieligioso
(toinai-se louco) e finalmente amai e sei amauo.
Bentie as estiatgias apiesentauas acima, tis chamam especialmente
a ateno: a sublimao via tiabalho e aite que, juntamente com a
submisso s noimas e iegias so utilizauas paia a constituio uo tiabalho
civilizatoiio e a que se iefeie a cultivai uma iluso, que poue constituii na
constituio ue uma iluso especifica em foima ue ieligio. A constituio ua
civilizao e ua ieligio foiam uois aspectos especificamente aboiuauos poi
Fieuu paia explicai nossa estiatgia paia liuai com o uesampaio em uma
uimenso ue ienncia pulsional (NACB0, 2uu9, 2u11a).
Paia liuai com o meuo ua moite, que nos coloca em contato com nossa
impotncia e uesampaio, o sei humano constiuiu a civilizao. Fieuu paite
uo piessuposto ue que a cultuia teiia poi funo a pioteo ua conuio
humana uo uesampaio peiante o munuo e os outios homens, tanto quanto a
oiganizao ue suas ielaes sociais e a uiviso uos bens. Paia Fieuu (1986
|19Suj, p. 1uu-1uS),
Civilizao uescieve a soma integial uas ielaes e iegulamentos que
uistinguem nossas viuas uas ue nossos antepassauos animais, e seivem
paia piotegei os homens contia a natuieza; ajustai os seus
ielacionamentos mtuos (leis) e valoiizai a beleza, a oiuem e a limpeza |...j
0 que chamamos ue nossa civilizao em gianue paite iesponsvel poi
nossa uesgiaa, e seiiamos muito mais felizes se a abanuonssemos e
ietoinssemos s conuies piimitivas.
Infelizmente a civilizao no se mostiou capaz ue atenuei aos anseios
uo sei humano, e Fieuu comenta que "o piogiama ue toinai-se feliz, que o
piincipio uo piazei nos impe, no poue sei iealizauo" (FRE0B, 1986
|19Suj, p. 1u2).
A ieligio foi constiuiua como um cabeual ue iueias nasceu ua
necessiuaue que o homem tem ue toinai toleivel seu uesampaio, e
constiuiuo com o mateiial uas lembianas uo uesampaio ue sua piopiia
infncia e ua infncia ua iaa humana. 0 anseio pela pioteo fiente sua
uebiliuaue humana. E a uefesa contia o uesampaio infantil que empiesta
suas feies caiacteiisticas ieao uo auulto ao uesampaio que ele tem
que ieconhecei. A ciena ieligiosa uma iluso quanuo uma iealizao ue
uesejo constitui fatoi pioeminente em sua motivao, e assim pioceuenuo,
uespiezamos suas ielaes com a iealiuaue, tal como a piopiia iluso no
u valoi sua fixao.
;*6+$/1(%@J1+ 7$6%$+K * #(%)%=L* -*3 * /1+%3F%(* 6%
-=86$-% F+$-%6%=8#$-%
Poue-se afiimai que o objetivo uo texto foi alcanauo consiueianuo que
coiielacionou teoiicamente o conceito uo uesampaio uo sujeito
contempoineo com o contexto atual, uemonstianuo que h um estimulo
social paia o foitalecimento uo inuiviuualismo e uo movimento naicisico,
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uecoiiente ua ciescente fiagiliuaue uos vinculos sociais e afetivos, caua vez
mais tiatauos como uescaitveis.
A clinica psicanalitica contempoinea confionta-nos com
manifestaes ue sofiimento psiquico, que nos fazem pensai em uma nova
foima ue mal-estai na civilizao, tenuo em mente o texto ue Fieuu em
19Su. Enquanto Fieuu uepaiava-se com uma cultuia que ceiceava o
inuiviuuo, impeuinuo a satisfao uas pulses sexuais e agiessivas, hoje
vivemos em uma socieuaue que cultua a libeiuaue inuiviuual como valoi
absoluto e hegemnico, estimulanuo a busca ue piazei constante, o que
iesulta em uma expeiincia ue insuficincia e fiacasso. Confoime viios
autoies como uaicia e Coutinho (2uu4) e Baiios (2uu7), paiece que hoje
uepaiamo-nos com manifestaes ue uoi psiquica motivaua mais pela
exigncia ue piazei uo que pela iestiio ao piazei.
Assim, h na clinica atual uma ciescente busca poi pessoas cuja queixa
manifesta mostia-se ielacionaua s chamauas "patologias uo vazio". Tais
inquietaes esto associauas s expeiincias afetivas, autoestima e s
escolhas ineientes fase que anteceue a viua auulta. Poi vezes, essas
vivncias vinculam-se uepiesso e constitui um iisco impoitante, que
exige um olhai atento, uma focalizao ua angstia em especial, a ciiao ue
um espao ue conteno, a paitii uo qual possa sei ciiaua a possibiliuaue ue
novos contatos com o munuo inteino e iessignificai as expeiincias que
possibilitem a melhoi utilizao uos iecuisos emocionais.
Em anlise, as expeiincias patologicas ue soliuo e uesampaio encontiam,
nesses piocessos, possibiliuaues ue simbolizao que venham a uai sustentao
angstia viviua fiente sensao ue ausncia e ue vazio. A conuio ua soliuo
ao encontio se estabelece como eixo em toino uo qual as vivncias
tiansfeienciais ocoiiem e o piocesso analitico evolui. No tianscuiso ua
expeiincia analitica, a vivncia ua soliuo poue sei tiansfoimaua. Ela se u
atiavs ue sucessivas situaes ue sepaiaes e ue foitalecimento uo vinculo, as
quais contiibuem paia que a associao entie soliuo, tuio e uesampaio possa
uai lugai a uma expeiincia ue soliuo, na qual a capaciuaue ciiativa possa
substituii o vazio e a confiana no vinculo e na capaciuaue ue ai e iecebei afeto
iesgate o inuiviuuo uo sentimento ue uesampaio.
Em alguns momentos a soliuo uma expeiincia necessiia, que
possibilita o pensai, a ieflexo, a intiospeco, a uifeienciao, o sentii, o
fantasiai, o ciiai e o elaboiai. 0 sofiimento psiquico o elemento comum a
touas as foimas ue soliuo que constituem sintomas e uemanuam uma
aboiuagem. No tiabalho analitico, a possibiliuaue ue liuai com as
expeiincias ue soliuo e uesampaio, poi vezes tiauuziuas em teimos ue
expeiincias tiaumticas, uemanua uo analista uma conuio ue estabelecei
a possibiliuaue ue iecupeiai a iepiesentao inconsciente, vinculanuo-a ao
afeto coiiesponuente e, ao mesmo tempo, peimite a ciiao ue uma nova
insciio geiauoia ue uma nova subjetiviuaue. Esta paiecei sei a taiefa que
temos a enfientai uiante ua uemanua uas situaes que se apiesentam na
clinica. Concluo com as palavias ue Kahn (2uuu, p.S6), que to bem
uescievem nossa taiefa:
A taiefa teiaputica que heiuamos ue Fieuu, a qual consiste em ciiai um
ambiente onue o outio, a paitii ue sua caincia e ue sua incapaciuaue,
poueiia ciescei e apienuei a testai e a expeiimentai tuuo aquilo que at
ento eia uma tentativa ue auto-cuia emuueciua, feiiua e vingativa, a fim
ue tianscenu-la em uiieo veiuaueiia capaciuaue ue confiai-nos outios
e ue peisonalizai a si mesmo, sem mais sentii-se ameaauo nem pela
aniquilao nem poi aquela submisso conivente iepiesentaua pela
uefinitiva uissociao uo veiuaueiio eu.
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1u6
M*)(1 * %(#$N*
7('(/$)*8 1Su22u12
9'($#*8 12uS2u12
0171(.6-$%+ )$)=$*N("7$-%+
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LCCS | LsLudos ConLemporneos da Sub[eLlvldade | volume 2 | numero 1
1u7
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