Masculinidades Miriam Grossi
Masculinidades Miriam Grossi
Masculinidades Miriam Grossi
Masculinidades:UmaRevisoTer ica
Mir iamPillar Grossi
2004
Antr opologiaemPr imeir aMo umarevistaseriadaeditadapeloProgramadePs
GraduaoemAntropologiaSocial(PPGAS)daUniversidadeFederaldeSantaCatarina
(UFSC).Visaapublicaodeartigos,ensaios,notasdepesquisaeresenhas,inditosouno,de
autoriapreferencialmentedosprofessoreseestudantesdepsgraduaodoPPGAS.
UniversidadeFederaldeSantaCatarina
Reitor:RodolfoPintodaLuz.DiretordoCentrodeFilosofiaeCi nciasHumanas:
JooLupi.ChefedoDepartamentodeAntropologia:AliciaN.Gonzlezde
Castells.CoordenadordoProgramadePsGraduaoemAntropol ogi aSocial:
SoniaWei dnerMaluf.Subcoordenador:OscarCal aviaSez.
Editorresponsvel
RafaelJosdeMenezesBastos
ComissoEdi torialdoPPGAS
CarmenSlviaMoraesRial
MariaAmliaSchmidtDickie
OscarCalviaSez
RafaelJosdeMenezesBastos
Consel hoEditorial
AlbertoGroisman
AldoLitaiff
AliciaCastells
AnaLuizaCarvalhodaRocha
AntonellaM.ImperatrizTassinari
DennisWayneWerner
DeiseLucyO.Montardo
EstherJeanLangdon
IlkaBoaventuraLeite
MariaJosReis
MrnioTeixeiraPinto
MiriamHartung
MiriamPillarGrossi
NeusaBloemer
SilvioCoelhodosSantos
SniaWeidnerMaluf
TheophilosRifiotis
ISSN16777174
Solicitasepermuta/ExchangeDesired
Asposiesexpressasnostextosassinadossode
responsabilidadeexclusivadeseusautores.
Copyright
Todososdireitosreservados.Nenhumextratodesta
revistapoderserreproduzido,armazenadoou
transmitidosobqualquerformaoumeio,eletrnico,
mecnico,porfotocpia,porgravaoououtro,sema
autorizaoporescritodacomissoeditorial.
Nopartofthispublicationmaybereproduced,storedin
aretrievalsystemortransmittedinanyformorbyany
means,electronic,mechanical,photocopying,recording
orotherwisewithoutthewrittenpermissionofthe
publisher.
Todacorrespondnciadeveserdirigida
ComissoEditorialdoPPGAS
DepartamentodeAntropologia,
CentrodeFilosofiaeHumanasCFH,
UniversidadeFederaldeSantaCatarina,
88040970,Florianpolis,SC,Brasil
fone:(0.XX.48)331.93.64oufone/fax(0.XX.48)331.9714
email:[email protected]
www.antropologia.ufsc.br
CatalogaonaPublicaoDaurecyCamiloCRB14/416
Antropologiaemprimeiramo/ProgramadePsGraduao
emAntropologiaSocial,UniversidadeFederaldeSanta
Catarina. ,n.1(1995) . Florianpolis:UFSC/
ProgramadePsGraduaoemAntropologiaSocial,1995
v.22cm
Irregular
ISSN16777174
1.AntropologiaPeridicos.I.UniversidadeFederalde
SantaCatarina.ProgramadePsGraduaoemAntropologia
Social.
MASCULINIDADES: UMA REVISO TERICA
Miriam Pillar Grossi
1
Apresentao
Este texto foi fruto do seminrio sobre Masculinidade organizado pelo
CENAP em parceria com o FAGES (UFPE) em Recife, no ms de abril de 2001
2
.
Este texto foi escrito a partir da transcrio do curso, procedimento que teve
vantagens e desvantagens. Entre as vantagens, a de recuperar exemplos que
foram dados em sala de aula e que no faziam parte de minhas anotaes de
aula. Entre as desvantagens, o fato de que muitas passagens no puderam ser
transcritas por problemas no entendimento da gravao, o que me levou a
deixar alguns pontos abordados em aula de fora do texto final. Tambm no foi
possvel recuperar as apresentaes e intervenes dos participantes do curso,
uma vez que elas no foram transcritas em sua totalidade. Por isto deixei em
anexo, no final do texto, meus comentrios a estas apresentaes, uma vez que
as considero como parte do processo conjunto de crescimento intelectual que o
curso me proporcionou. Busquei manter um tom oral ao texto, uma vez que o
objetivo desta publicao de relatar o curso e de permitir a outras pessoas que
tenham acesso forma como estas idias foram desenvolvidas. Busquei seguir
aqui as seguintes grandes linhas do curso:
1) O Gnero, a masculinidade e a feminilidade
2) O trabalho como constituinte da identidade masculina
3) Honra e Violncia
4) Paternidade
5)Emoes nas relaes de gnero e no masculino
1
Do Departamento de Antropologia da UFSC ([email protected]).
2
Agradeo imensamente o convite do CENAP e a acolhida do FAGES/UFPE que me
permitiram sistematizar algumas idias sobre a temtica da masculinidade que venho
desenvolvendo nos ltimos anos. Entre as inmeras interlocues que tive sobre a temtica da
masculinidade, alm da que tive com os participantes do curso de Recife, sou reconhecida ao
dilogo estabelecido nas parcerias de ensino com minha colega Maria Regina Lisboa e com
meus orientandos Juliana Cavilha Mendes e Flvio Luiz Tarnovski. Agradeo tambm os
questionamentos das participantes do curso sobre Masculinidade e Religio promovido pelas
Catlicas pelo Direito de Decidir em outubro de 1999 e dos alunos de graduao, mestrado e
doutorado das disciplinas de Relaes de Gnero (2000/1) e Tpicos Especiais sobre
Masculinidade (2000/2) ambas oferecidas na Universidade Federal de Santa Catarina.
5
1. O Gnero, a masculinidade e a feminilidade
Dentro da vasta tradio dos estudos de gnero, tradio que remonta aos
estudos pioneiros da antropologia europia e norteamericana, existem hoje
diferentes correntes tericas estudando o gnero. Estes estudos vem o gnero
no apenas como um objeto de investigao, mas sobretudo como uma
categoria de anlise que ultrapassa mulheres e homens como objetos de anlise.
Resumirei aqui os argumentos de duas principais correntes tericas,
argumentos que me parecem essenciais para entender o que estamos estudando
neste curso, ou seja, a masculinidade.
Para a corrente psestruturalista, o gnero se constitui pela linguagem,
por aquilo que muitas autoras identificadas com a corrente psestruturalista
definem como discurso. Vejamos o que diz uma das importantes tericas norte
americanas, Joan Scott
3
: o discurso um instrumento de orientao do mundo,
mesmo se no anterior orientao da diferena sexual. O que ela quer dizer
com isso? uma passagem difcil e complexa, onde ela diz que o discurso um
instrumento de orientao do mundo, ou seja, tudo que vivemos permeado
pela linguagem, por discursos. As psestruturalistas pensam que discursos no
so apenas palavras, mas linguagem, atos que tm significado. Por exemplo, o
vestido que eu escolho para vir aqui hoje uma linguagem, ou seja, um
discurso, est produzindo significados para mim e para vocs, e isso que
significa discurso. Para estas autoras, o discurso permeia toda a questo do
gnero.
Para as tericas estruturalistas, o gnero implica em alteridade, ou seja,
para que exista o masculino necessrio seu oposto, o feminino. O processo de
constituio de identidade se d pelo reconhecimento de que existem pessoas
idnticas e diferentes de ns mesmos
4
. Para esta corrente, o gnero se constri
sobre o corpo biolgico, que sexuado. As estruturalistas pensam que s pode
haver dois gneros, uma vez que eles se constituem cognitivamente sobre o
corpo sexuado, que dual (macho e fmea). A existncia de dois gneros no
exclui a possibilidade de que estes sejam constitudos em vrios modelos de
feminino e de masculino, modelos que variam histrica e culturalmente mas
tambm que tm diferentes matizes no interior de cada cultura.
Neste ponto, as psmodernas pensam diferentemente. Para elas o gnero
pode ser mutvel elas pensam que existem mltiplos gneros, e no apenas o
masculino e o feminino. Esta corrente tem estudado particularmente os
indivduos que mudaram de sexo, os transgneros, e tem refletido de forma
sistemtica sobre a forma como indivduos noheterossexuais se vem no
mundo. Para elas, o fato de haver machos e fmeas biolgicos s uma questo
de contingncia, contingncia que pode ser mudada graas s novas tecnologias
mdicas que permitem subverter a ordem natural deste corpo. Operaes de
mudana de sexo permitem tirar ou pr seios, fazer ou tirar um pnis, construir
uma vagina, etc. Da mesma forma, operaes plsticas e ingesto de hormnios
3
Scott, 1990.
4
Hritier, 1996.
6
podem criar caracteres sexuados, produzir homens e mulheres, mais ou menos
femininos ou masculinos.
a atividade que faz o masculino?
Uma das principais definies da masculinidade na cultura ocidental para
o gnero que o masculino ativo. Ser ativo, no senso comum a respeito de
gnero, significa ser ativo sexualmente, o que para muitos significa penetrar o
corpo da/o outra/o. Num dos modelos tradicionais de gnero no Brasil,
estudado por Peter Fry
5
, homem aquele que come, ou seja, que penetra com
seu sexo no apenas mulheres mas tambm outros homens, feminilizados na
categoria bichas. Este autor mostra em seu texto que em outros lugares, como
na Inglaterra e nos Estados Unidos, no a atividade sexual que caracteriza a
identidade de gnero masculina, mas sim o fato de que a sexualidade seja
exercida apenas com parceiras do sexo feminino. Na cultura anglosax, dois
homens que praticam relaes afetivas e sexuais so considerados
homossexuais, enquanto que no Brasil no: um homem que homem, deve
inclusive comer uns veados, pois o que o faz ser considerado homem a
posio de atividade sexual, de penetrao. Na nossa cultura, a atitude
considerada ativa a penetrao sexual. O antroplogo brasileiro Roberto da
Matta
6
conta uma brincadeira que era feita quando ele era jovem, no interior de
Minas Gerais, onde um jovem perguntava para o outro: Tem pente a?,
passando a mo nas ndegas do amigo para ver se havia um pente no bolso da
cala. A ao que um homem verdadeiro tinha que fazer era dar um salto e no
deixar que tocasse nas suas ndegas. A partir deste exemplo, ele reflete sobre o
que significa para um homem brasileiro controlar as suas ndegas para no ser
penetrado. Porque se o cara deixar que toque ali, j um indcio que ele gosta
de ser tocado por outro homem. incrvel como as ndegas no Brasil so
poderosas nesse lugar para um homem ser o passivo.
Mas, para a constituio do modelo de masculinidade hegemnica em
nossa cultura, atividade no diz respeito apenas sexualidade ela tambm
percebida positivamente como agressividade. J na constituio da identidade
de gnero na infncia, observamos como o masculino se constitui pela
hiperatividade dos meninos, que se confunde seguidamente com agressividade.
muito forte esta ligao de atividade com agressividade. Na frente do
local onde eu trabalho tem uma escola infantil, e eu fico escutando da minha
sala o que acontece no ptio da escola. impressionante observar como os
meninos so vistos como agressivos (e olha que uma escola infantil a criana
entra ali com 3 meses de idade e sai com 6/7 anos). Parece que se refora nas
prticas cotidianas a crena de que os meninos so hiperativos e, por sua vez,
agressivos, batem nas meninas, etc. Isto um problema na escola infantil os
meninos so vistos como hiperativos, hiperagressivos e parece que este no
5
Fry, 1982.
6
Da Matta, 1997.
7
um problema das meninas. Evidentemente que as professoras (e os pais)
acreditam seriamente que aqueles meninos so hiperativos porque nasceram
assim, que isto uma caracterstica natural (inata) do sexo masculino e no que
se trata de um comportamento esperado e estimulado de meninos, que devem
deste a tenra infncia se comportar como pequenos homens.
Elizabeth Badinter, em seu livro X, Y: Sobre a Identidade Masculina
7
,
desenvolve a tese de que o gnero masculino se constitui universalmente por
uma necessidade de separao dos meninos da relao com a me, que, por sua
vez, representa o mundo feminino. Ela d vrios exemplos de rituais de
separao do menino da me, ou seja, do mundo das mulheres que muitas
vezes o mundo da casa, pois o menino vai ser separado deste feminino para se
constituir como masculino. Os rituais servem para ajudar a sociedade a repassar
seus valores. Vrios antroplogos, como por exemplo Pierre Clastres, Victor
Turner, Maurice Godelier, Franoise Hritier e Georges Balandier
8
, tm se
dedicado a descrever estes rituais de iniciao, mostrando como pela violncia
e pela separao dos iniciados do mundo onde vivem, que se constri uma
identidade grupal de gnero. Estes antroplogos mostraram como h uma
diferena radical entre os rituais de iniciao femininos e masculinos, sendo
estes ltimos marcados pela violncia fsica e pela inculcao nos meninos da
crena de que eles so detentores de segredos que no podem ser revelados s
mulheres.
Em geral, nesses rituais de sociedades tribais, os homens mais velhos
pegam os meninos e os levam para florestas, onde so feitas inmeras provas
para que os meninos se tornem adultos. Aqui no Brasil, nas tribos indgenas do
alto Xingu, onde as mulheres no podem ver as flautas porque as flautas so
sagradas, os meninos aprendem, nesses rituais de iniciao, mitos associados a
esse poder masculino representado pelo uso das flautas e aprendem a punir,
pela violncia do estupro, as mulheres que ousarem olhar para estes objetos
sagrados. Alm de inmeras situaes de violncia, h tambm, nestes rituais,
situaes que esto diretamente ligadas sexualidade como constituidora da
masculinidade. O smen o fludo corporal que representa simbolicamente a
masculinidade, pois s os homens o produzem. Por isto, por exemplo, em
alguns grupos, como para os Baruya da Nova Guin, a masculinidade se
constitui tambm pela ingesto de smen de homens mais velhos, pois eles
pensam que, bebendo o smen, os meninos vo se tornar mais homens por
terem incorporado a substncia masculina.
O corpo , portanto, o suporte no qual so produzidas as diferenas
simblicas de gnero. Pierre Clastres mostrou em seu livro A Sociedade
Contra o Estado
9
que a violncia corporal nos rituais de iniciao tem o poder
de igualar todos os membros da sociedade. No caso dos meninos, os rituais
mostram que necessrio marcar no corpo a masculinidade, marca que se faz
geralmente com muito sofrimento. Por exemplo, nas culturas islmica e judaica,
existe a circunciso, que um corte no pnis, uma forma de imprimir no rgo
7
Badinter, 1993.
8
Clastres, 1990 Turner, 1974 Godelier, 1996 Hritier, 1996 Balandier, 1985.
9
Clastres, 1990.
8
sexual masculino a marca da cultura. Alguns autores, como Franoise Hritier
10
,
dizem que a circunciso significa, para algumas culturas africanas, tirar a marca
do feminino no corpo do menino, pois para estes grupos aquele pedacinho que
se tira do pnis o resto de feminino no corpo do homem. O ritual inverso para
o feminino, nestes grupos africanos, o corte do clitris, prtica tradicional que
tem sido muito combatida pelo movimento feminista na frica.
Pelo fato destes rituais masculinos serem sempre marcados por violncia
corporal, os meninos pegam os hbitos da tribo e tm muito medo. o medo
que h nesses rituais que vai ensinar aos homens o que ser homem.
Saindo de exemplos tribais e voltando para as sociedades ocidentais,
lembremos que tambm existem inmeros rituais de iniciao do gnero
masculino que se do pela separao do mundo das mulheres. Daniel Welzer
Lang
11
d inmeros exemplos de como na Frana os meninos so iniciados na
violncia pelos mais velhos. Ele compara as sociedades tribais com as ocidentais
no que se refere violncia como constituidora da masculinidade, a partir do
que ele chama de casa dos homens, lugar que existe no centro das aldeias
tribais s freqentado pelos homens, o qual os meninos comeam a freqentar
no decorrer do seu crescimento. Para o autor, as casas dos homens da cultura
ocidental so inmeros lugares onde se aprende a masculinidade, como os
lugares de prticas de esportes masculinos, pois o esporte um desses lugares
centrais da constituio da masculinidade. A anlise de Carmen Rial
12
a partir
dos exemplos da prtica de rugby e de jud no Brasil vai, no entanto, noutro
sentido: o de mostrar como pelo sofrimento corporal que se constitui o jovem
desportista que pela violncia contra si mesmo que se faz a masculinidade.
Quando se pensa em masculinidade e violncia hoje no Brasil, inevitvel
que no se pense na excluso social e nos processos de constituio de
identidades masculinas. A excluso social atinge uma parcela significativa de
jovens: favelados, desempregados, com pouca educao formal, etc. Esta
significativa parcela da populao jovem masculina excluda tem no trfico de
drogas e na criminalidade um locus privilegiado de afirmao de identidade
masculina, marcada pelo uso da violncia. Muitos destes rapazes passam por
experincias de recluso em FEBEMs e prises, lugares profundamente
marcados pelo uso ritual de violncia tanto por parte da instituio como por
parte dos outros presos. As recentes rebelies nestas instituies nos revelam a
complexidade da situao de excluso social, ao mesmo tempo que nos
mostram que valores tradicionais de masculinidade associados violncia
continuam a ser reativados nestas circunstncias dramticas. Uma das formas
mais humilhantes de violncia nas instituies carcerrias a violncia sexual,
qual so submetidos grande parte dos prisioneiros, sobretudo por parte dos
outros presos, companheiros de cela. O uso de violncia sexual fundamental
no processo ritual de incorporao de um novo preso instituio, porque ela
ensina aos novos a hierarquia da cela atravs da feminilizao que o ato sexual
com penetrao anal sugere. A violncia sexual atinge o sujeito no mago mais
10
Hritier, 1999.
11
WelzerLang, 2001.
12
Rial, 1998.
9
profundo do que ele imagina, do que ele aprendeu, do que ele sabe que ser
homem. Como j vimos no incio, um homem de verdade no Brasil tem que
controlar as suas ndegas para no ser penetrado, pois a penetrao
significante de passividade, portanto de feminilidade. Este processo de
feminilizao do novo preso pela penetrao anal faz com que ele se feminilize
tambm, pois ele obrigado a assumir tarefas consideradas femininas dentro da
cela, como limpar, lavar e cozinhar para os homens da cela. S escapam a esta
violncia aqueles que se protegem pela uso da violncia (ou seja, pela
comprovao de sua macheza), ou, o que mais comum hoje nas prises,
pela pertinncia a uma organizao de presos temida por sua violncia contra
os parentes fora da priso.
O modelo de sexualidade predadora masculina , para Daniel Welzer
Lang, um ponto nodal da constituio do gnero masculino uma sexualidade
que formada na viso de que as mulheres devem ser consumidas tal como se
d o aprendizado da sexualidade pela pornografia. Em uma recente palestra
que eu assisti dele, ele perguntava para os rapazes da platia quando eles
tinham visto pela primeira vez uma foto pornogrfica, e ele desenvolveu, a
partir dos depoimentos feitos ali, a idia de que a pornografia uma coisa que
se aprende a ver em grupo. Ele estudou como num grupo de meninos um deles
traz escondido uma revistinha, uma playboy, e que compartilhaa com os
amigos. Para ele, a pornografia um aprendizado da sexualidade que se d
coletivamente, que no se faz individualmente. O prprio fato de se tratar de
fotos de mulheres, de mulheres de papel, as quais se toca pelo papel, permite
que o olhar masculino sobre as mulheres as transforme num objeto, que um
papel que se pode consumir.
Inmeros estudos sobre a sexualidade masculina vm refletindo sobre a
fragilidade do modelo de masculinidade predatria, quando os homens so
confrontados ora com situaes de impotncia, ora com a epidemia da AIDS.
bem verdade que parcela significativa dos estudos sobre o impacto da AIDS na
sexualidade masculina no Brasil foram feitos a partir dos homossexuais, grupo
inicialmente mais atingido pela epidemia. Hoje, no entanto, com a mudana dos
padres epidemiolgicos da doena, so os homens hetero e bisexuais os mais
atingidos e tambm aqueles que tm demonstrado maior resistncia s
campanhas de preveno.
pelo corpo que se constri o feminino?
O gnero se constitui em cada ato da nossa vida, seja no plano das idias,
seja no plano das aes. O tempo inteiro a gente est constituindo o gnero no
nosso prprio cotidiano. Falamos em vrios rituais de masculinidade e vamos
pensar agora nos rituais de construo de feminilidade, que, como j falamos,
so menos violentos que os masculinos, pois eles no precisam separar as
mulheres do mundo feminino, mas sim reforar este vnculo pelo aprendizado
das regras deste mundo.
H vrios estudos brasileiros sobre este aprendizado do feminino, como o
trabalho de Alice Ins Silva sobre o ritual mineiro de coroao de Nossa
10
Senhora, ritual obrigatrio at recentemente para a maior parte das meninas
que se vestiam de anjo em festas religiosas. Rituais similares vinculados a festas
religiosas e/ou populares existem em outras regies do Brasil, mas ainda no
foram suficientemente estudados, como o ritual do dbut, baile no qual
participam jovens de 15 anos de famlias de elite em clubes, na maior parte das
cidades brasileiras.
Alm destes momentos nicos ritualizados que localizamos como
constituidores da feminilidade, podemos pensar em prticas coletivas e
regulares s quais as mulheres se dedicam em determinados momentos
histricos, e que se tornam, de alguma forma, rituais obrigatrios de
constituio e reafirmao de feminilidade. H algumas dcadas, por exemplo,
o lugar onde se ia regularmente era o salo de beleza. Uma mulher normal ia
ao cabeleireiro pelo menos uma vez por semana para passar uma tarde fazendo
bobs no cabelo, penteando, fazendo as unhas, se depilando, etc. atos que
poderamos dizer que constituam um ritual de feminilidade. No que no se v
mais ao cabeleireiro hoje as pessoas vo ao cabeleireiro mais rapidamente do
que antigamente, pois as mulheres no tm mais tempo de ficar uma tarde no
cabeleireiro. O salo de beleza era tambm um espao da construo do corpo,
construo que naquele momento era muito marcada pelo penteado lembrem
se dos coques, toucas e cabelos laqueados, processos demoradssimos de
constituio da imagem feminina. A ida ao cabeleireiro e a arrumao das
mulheres correspondia de alguma forma a um imaginrio de
complementaridade feminino/masculino do casal tradicional de classe mdia,
que tinha como ideal que a mulher cuidasse dos filhos e da casa e que o marido
fosse o provedor. Neste modelo, quando o marido chegava do trabalho, a casa
devia estar arrumada, os filhos de banho tomado, a mulher perfumada
esperando o marido para o jantar.
Atualmente, por exemplo, so as academias de ginstica que constituem,
para muitas mulheres, um espao ritualizado da construo do ser mulher.
No sei se vocs vo em academias, mas certamente devem conhecer pessoas
jovens que freqentam academias todos os dias, que devem passar ali duas ou
trs horas por dia malhando e produzindo seu corpo.
H estudos muito interessantes sobre o culto ao corpo no Brasil, como os
trabalhos da equipe de pesquisa de Mirian Goldenberg
13
a respeito do que se
faz nas academias, do que se conversa ali, o que se fala, o que se produz, o que
se diz sobre o corpo. Para estes pesquisadores, o corpo tem um papel crucial na
constituio da identidade de gnero contempornea, sendo um elemento
central na constituio do sujeito. Assim como no modelo tradicional era
necessrio que a mulher se produzisse regularmente no cabeleireiro, hoje a
mulher deve se produzir na academia, tal como mostram os exemplos
paradigmticos das modelos, mulheres cobiadas pelos homens poderosos,
como os esportistas. Basta ler uma revista tipo Caras para saber que o tenista
Guga s namora modelos ou que Adriane Galisteu passa vrias horas por dia
malhando para ter o corpo perfeito que conquistou o falecido dolo da frmula
1, Ayrton Senna.
13
Goldenberg, 2000.
11
A beleza um dos elementos centrais da constituio da feminilidade no
modelo ocidental moderno, pois ela que permitir mulher se sentir desejada
pelo homem. A cada momento histrico so constitudos modelos especficos
de beleza. Vrias historiadoras brasileiras tm estudado as formas como foram
se constituindo os modelos ideais de feminilidade que so determinados pela
beleza desde o final do sculo XIX. Os concursos de miss tiveram um papel
super importante na constituio do ideal de feminilidade no Brasil dos anos
50/60. Apesar da beleza ser vista como um dom natural, os tratados e
conselhos dados s mulheres sugerem que ela deve ser preservada atravs de
muito esforo e autocontrole. Se antes as horas passadas nos sales de beleza
bastavam para produzir esta beleza, hoje necessrio um esforo cotidiano em
esteiras e aparelhos de musculao, mas tambm no recurso regular a regimes e
cirurgias plsticas, nas quais se acrescenta um pouco de silicone ou se retira
atravs de lipoaspirao excessos em partes do corpo. Adequarse aos modelos
ideais de gnero implica, necessariamente, na submisso a estes procedimentos
que, por sua vez, no devem ser escondidos e sim tornados pblicos, tal como
ficamos sabendo regularmente nas pginas das revistas.
2.Teorias sobre honra, masculinidade e violncia
Na antropologia se tende a pensar que haveria na Europa dois grandes
modelos de valores e de tica, que seriam um para o lado do mediterrneo e
outro o modelo da Europa do norte. Ao falar destes dois modelos, sempre
lembro do exemplo dado por Eric Wolf
14
, em seu estudo sobre as sociedades
camponesas na Europa, que a distino entre modelos espaciais de moradia
no sul e no norte da Europa. Na Europa do Norte, onde no h diviso entre as
casas, os vizinhos so os maiores aliados, diferentemente do modelo
mediterrneo onde so os parentes os principais aliados e os vizinhos so os
inimigos. Um exemplo disto so os bairros e cemitrios norteamericanos que
vemos em filmes, onde as casas no tm muros, s jardins que vo de uma casa
at a outra, e nos cemitrios americanos s h cruzes num imenso gramado
enquanto que aqui no Brasil o modelo de organizao espacial de casas com
muros altos, cacos de vidros em cima dos muros, problemas de violncia na
vizinhana nossos cemitrios so segmentados, temos tmulos que atualmente
se transformaram em pequenas casinhas. Ou seja, temos dois modelos bastante
diferentes: um que parece aberto e outro que parece fechado. Briga de vizinhos
vocs sabem que um tipo de briga bastante corrente no Brasil at morte d
e os muros so, de alguma forma, testemunhas vivas nas cidades mediterrneas
dessa necessidade de delimitao da fronteira daquilo que o domstico,
daquilo que a casa, o ncleo familiar.
Os sentimentos definidores das relaes de gnero no mundo
mediterrneo se do em torno do complexo moral da honra e da vergonha,
sentimentos estudados por vrios autores para diferentes regies do
14
Wolf, 1976.
12
mediterrneo como a Andaluzia (PittRivers), Grcia (Campbell), Cablia
(Bourdieu), Aurs (Tillion)
15
.
Inmeras sociedades se constrem em cima valores de honra. Um dos
clssicos da antropologia o livro de Ruth Benedict, O crizntemo e a
espada
16
, no qual ela reflete sobre o valor da honra para os japoneses. Vrios
autores tm estudado a temtica da honra na sociedade brasileira. Para nossa
cultura, um homem honrado aquele que tem uma mulher de respeito, ou seja,
uma mulher recatada, controlada, pura, etc. a mulher quem detm o poder de
manter a honra do marido, pois se um homem no tem uma mulher virtuosa
ele perde a sua honra.
O que um homem honrado? H inmeros personagens, na nossa
literatura, de homens honrados, homens de palavra, homens de carter,
homens ntegros, homens respeitados por seus pares. Na tradio do
coronelismo do nordeste, na literatura, nas novelas, etc., muito presente este
modelo do grande proprietrio de terras que um homem honrado e que lava a
sua honra com sangue. O que significa lavar a honra com sangue? Se for
enganado, se levar gaia, mata a mulher, mata o amante da mulher.
Recentemente, num livro que eu fiz l com a Casa Renascer, Histrias para
Contar
17
, onde se trabalhou com processos de crimes do Rio Grande do Norte,
era impressionante o nmero de processos em tramitao nas varas do Rio
Grande do Norte de casos de maridos que mataram suas mulheres alegando
que estavam lavando a honra e que ganharam s dois anos de priso com sursis
e logo saram da priso. Ainda hoje se mata a mulher por honra e a justia
considera o argumento da honra verdadeiro e legtimo, tanto que praticamente
absolvem os homens que matam suas mulheres.
Claudia Fonseca tem um texto fundamental para estudar a questo da
honra no Brasil, Cavalo amarrado tambm pasta
18
. A autora usa o modelo
terico sobre a honra mediterrnea, mostrando como ele muito mais
complexo, porque, no modelo tradicional, a mulher traiu e o cara vai l e mata
por motivo de honra. Como a honra masculina depende exclusivamente das
mulheres, os homens precisam controlar as mulheres: um pai tem que controlar
suas filhas um marido tem que controlar sua mulher. Claudia vai mostrar que
as mulheres tambm so capazes de manipular a honra dos maridos porque a
mulher que pode pr a honra do homem em risco. Ela conta das estratgias que
as mulheres usam para trair os maridos caso estes no cumpram o papel que
esperado deles, o de provedor. A fofoca, neste caso, um instrumento poderoso
de pr em dvida o valor masculino: a honra.
15
A gente vai ver que h um modelo clssico no livro do Peristiany (1988). Este livro tem artigos
maravilhosos e fundamentais sobre a questo da honra e da vergonha. Por exemplo, tem um
que do famoso Campbell que estuda a Grcia tem um outro do Peristiany que sobre os
cipriotas de Chipre, perto da Grcia tem um do Pierre Bourdieu que sobre o sentimento da
honra na sociedade kabile, que uma cidade do interior da Arglia tem outro do Ahmed sobre
o Egito e tem outros sobre vrios grupos do mundo mediterrneo.
16
Benedict,1972.
17
Grossi, & Brazo, 1999.
18
Fonseca, 1991.
13
Um ouro modelo de honra diz respeito ao poder econmico que um
homem tem para sustentar sua famlia. O exemplo da fuga estudado por
Marineide Silva
19
ilustrativo das estratgias sociais para manter a honra do pai
de famlia. Em Santa Catarina, em camadas populares, prtica corrente que,
em vez de se casar na igreja, os jovens fogem existe aquilo muito relatado na
literatura antropolgica que o rapto da noiva. Marineide mostrou, em seu
texto, que s quem no sabe oficialmente da fuga da filha o pai, porque a me
da noiva sabe com antecedncia que eles vo fugir. O rapaz constri uma casa e
um belo dia, depois de um baile, a moa no volta para casa porque vai para a
casa do futuro marido, transa com ele e depois o pai fica furioso e obriga a filha
a casar no cartrio. A autora constatou no seu trabalho, que, no fundo, essa era
uma estratgia que beneficiava o pai da noiva, e por qu? Porque, nessa
comunidade, uma festa de casamento tem que ser uma festa grande, tem que
convidar toda a comunidade e sai bem caro, fora ter que comprar o vestido de
noiva, terno, gravata, etc. ou seja, a fuga resolve a questo da honra. O que
parecia desonrar o pai porque ele no controlou sua filha, acaba resultando na
manuteno de sua face, uma vez que ele no passa por incapaz de pagar uma
grande festa de casamento filha, e, por extenso, a toda a comunidade
pesqueira.
H inmeros filmes que tratam da questo da honra e que podem ser
usados para esta reflexo. Entre os que mais uso, sugiro Antes da Chuva, um
filme da Macednia que fala da vendetta, ou seja, da necessidade de matar para
proteger o sangue da famlia Yol, um filme turco que conta a histria de
quatro prisioneiros que tm um fim de semana de folga e, ao reencontrarem
suas mulheres, precisam agir segundo a honra Crnica de uma morte
anunciada, filme baseado no romance de Gabriel Garca Marquez que conta a
histria de um assassinato pela suspeita de traio da noiva. Como este ltimo,
baseado em um romance, est tambm em filmagem, ambientado no nordeste,
um filme do Walter Salles baseado no romance do Ismail Kadar: Abril
Despedaado.
Como vimos, so as mulheres (me, filhas, irms) as responsveis pela
honra familiar. Cabe portanto aos homens (pai, filhos, irmos) o controle sobre
a virtude feminina. Virtude que reconhecida publicamente pela categoria
respeito. Uma mulher de respeito , portanto, uma mulher que est adequada
aos comportamentos reconhecidos socialmente como femininos. Para as
mulheres casadas, ser uma mulher de respeito est associado capacidade de
reproduo e de controle de sua prole. Vrios exemplos foram dados no curso
sobre a imagem que temos desta mulher de respeito todos eles remetendo ao
modelo de me sofrida e digna. Estes exemplos nos remetem mater dolorosa,
um modelo muito poderoso na sociedade crist que aquela me sacrificada
pelos filhos, aquela mulher que morreu de dor no parto, que passa a vida
inteira cobrando dos filhos todo o sacrifcio que ela fez por eles. Este ideal de
comportamento feminino marcado pelo sofrimento materno conhecido na
19
Silva, 1994.
14
literatura da rea como marianismo
20
. Num texto clssico, Marit Melhus d
exemplos de como as mulheres mexicanas de um pequeno povoado estudado
por ela constrem o seu modelo ideal de respeito e virtude sobre o modelo da
Virgem Maria, que, como vocs sabem, era to pura que nunca teve relaes
sexuais na sua vida e inclusive engravidou sendo virgem.
Vrios autores estudaram as formas que este modelo assume no Brasil,
pas marcado pela influncia de vrias levas de imigrao mediterrnea
(espanhis, italianos, gregos, libaneses, judeus do Magreb, etc.
21
). Um dos textos
de referncia o de Luiz Tarley de Arago
22
que reflete sobre a contradio
emocional que este modelo de me venerado pelos filhos sobretudo pelos
filhos homens traz para as relaes de gnero no Brasil. O autor explica esta
contradio contando a seguinte histria: quando um rapaz, um jovem
casadouro, vai procurar uma companheira, uma mulher para acasalarse, ele
vai se guiar pelo desejo sexual no incio do casamento, o amor marcado pela
sexualidade, mas, logo que ocorre a primeira gravidez, esta mulher passa a
ocupar simbolicamente outro lugar para este homem. Quando ela se torna me,
o homem vai deixar de vla como uma mulher jovem, desejvel, companheira
e vai passar a vla como uma mulher sagrada, porque ela se tornou me como
sua prpria me, que ocupa no seu imaginrio um lugar sagrado, intocvel
23
. A
me deste modelo assexuada como a Virgem Maria. E o que acontece com este
homem? Ele vai se defrontar com sua mulher tornada me e para ele isso se
torna um problema complexo. Uma das formas que os homens lidam com isso
transformando a mulher, excompanheira, na mezinha. No sei se aqui no
nordeste comum, mas l no sul muito comum casais com filhos se
chamarem de mezinha e paizinho. Vocs percebem que as palavras so
um canal poderoso para se entender as relaes neste campo a gente tem que
ficar muito atento s palavras que so usadas. Quando o casal se trata assim,
evidentemente est sendo articulado este modelo que no se trata mais da
mulher sexualmente desejada, mas se trata daquela mulher transformada em
sagrada, em me, com a qual provavelmente no se pode fazer sexo e uma
das razes que os homens casados alegam ao procurar prostitutas ou
prostitutos. Isto o que se conceitua dentro do campo da honra, de dupla
moralidade, ou seja, para um homem perfeitamente possvel ter uma mulher
em casa e procurar outras na rua, sem que ele se sinta traindo ningum.
justamente porque ele respeita sua mulher que ele vai procurar na rua outra,
a prostituta, que paga para o sexo. A prpria ofensa filho da p... ou filho da
me reflete esta dicotomia nos papis associados ao feminino.
Para o modelo mediterrneo, justamente no parto e na dor do parto que
a mulher se constri como mais mulher, e o sofrimento acaba se tornando uma
questo central para a construo da feminilidade. Em minhas pesquisas sobre
20
Sobre o marianismo, ver Melhus (1990) e Ary (1990).
21
Para no entrar em longo debate, no fao referncia aos portugueses, uma vez que acato as
crticas ao modelo mediterrneo feitas, entre outras, por Joo Leal (2001).
22
Arago, 1983.
23
Existem vrios tabus na nossa cultura que mostram como a maternidade ocupa um lugar de
sacralidade. A quarentena do psparto um deles, que exige que a mulher fique quarenta dias
sem sexo, fato que se remete a esses valores, neste lugar onde a mulher colocada.
15
violncia contra mulher, tenho percebido que a queixa feminina muito
marcada por esta noo de sofrimento, uma necessidade das mulheres de
expressar e envolver outras pessoas no sofrimento algo muito parecido com o
marianismo, esse valor do sofrimento da Virgem Maria , como aquilo que vai
ser um pano de fundo para as nossas relaes sociais.
A linguagem atua num plano inconsciente. Os mitos tm o poder de
reatualizar valores da cultura que so ensinados em diferentes momentos de
nossa vida. Basta eu falar para algum: No coma essa ma porque tu vais ser
amaldioado. Do que eu estou falando? Algum no pensou em Eva quando
eu falei isto? Eu no preciso contar para vocs esta histria que todos vocs
conhecem, pois ela nosso mito fundador, a histria do incio da humanidade,
de um momento onde o nico casal de humanos que existia vivia prximo de
Deus no paraso. Mas talvez o que no tenha sido contado para vocs que o
mito da criao um mito que fala da dominao masculina. Em outras
culturas existem outros mitos que falam da mesma coisa, que havia um mundo
harmnico, onde deuses, homens e mulheres viviam juntos, mas que de
repente, por culpa das mulheres, os deuses decidiram separar os dois mundos:
o humano e o divino. Ado e Eva viviam num lugar maravilhoso, onde no
havia nenhum mal, tinham frutas, tinha alimento vontade. Todos vocs sabem
que porque Eva comeu a ma que ns humanos fomos expulsos do
paraso e fomos jogados aqui na Terra. Eva , portanto, a culpada do nosso
sofrimento como humanos e o mito, ao contar isto, mostra que as mulheres no
so confiveis, que os homens devem controllas, dominlas.
Este mito to forte que outras personagens femininas do Antigo
Testamento foram esquecidas em nossa tradio, como o caso da Lilith, uma
figura muito poderosa estudada hoje por algumas telogas que tentam buscam
fazer novas leituras da Bblia com a finalidade de transformar, no plano do
simblico, as relaes de gnero, permitindo que as mulheres possam se
espelhar em mitos positivos do poder feminino.
A questo da dominao masculina uma das questes tericas chave das
reflexes tericas feministas sobre o gnero. No final da dcada de 70, havia a
opinio geral de que a dominao masculina era universal, ou seja, em todas as
culturas do mundo, os homens dominavam as mulheres simbolicamente,
politicamente e economicamente.
Algumas tericas da poca sustentavam que, antes do patriarcado, havia
um perodo matriarcal no qual as mulheres mandavam na sociedade. Muitos
autores hoje acham que isso um mito, que no houve nenhuma cultura no
mundo em que as mulheres tenham realmente dominado, tal como se pensava
l
24
. Hoje, a maior parte dos autores concorda com a idia de que a dominao
masculina existe na maior parte das culturas do planeta. Franoise Hritier, ao
explicar isto que ela chama de valncia diferencial dos sexos, diz que a
dominao masculina existe por causa do mistrio da reproduo humana.
24
Motta, 1980 e Hritier, 1996. Sobre a existncia ou no do matriarcado, alguns autores citam
alguns lugares no mundo, como as tribos iroquesas no norte do Canad, onde as mulheres
teriam o mesmo poder dos homens, fazendo parte inclusive da instncia mxima de poder: o
conselho de guerra. Mas, para ter este poder, as iroquesas precisavam estar na menopausa, ou
seja, fora do perodo reprodutivo.
16
Uma mulher pode ter filhos independente da relao estvel com um homem,
mas um homem, sem uma mulher sob seu controle, no, pois o tempo da
reproduo da espcie humana exige alguns anos de intensa relao me/filho.
O binmio dominao masculina/submisso feminina tem sofrido uma
srie de questionamentos quando se estudam relaes de gnero. Muitos
homens, quando questionados a respeito da dominao masculina, costumam
dizer que no tm poder nenhum em casa o que no deixa de ser verdade
quando pensamos nas culturas marcadas por uma forte dicotomia entre casa e
rua, privado e pblico. Como explicaramos o fato de que em nossa cultura
brasileira so as mes que mandam em casa? No modelo familiar mediterrneo,
as mes so poderosssimas elas mandam e desmandam nos maridos, elas
fazem e bordam em relao aos homens. Este um dos elementos estruturais de
nossa cultura, o fato de h uma diviso de poderes sociais, cabendo aos
homens o poder sobre a instncia pblica e s mulheres o privado.
3. O trabalho e a masculinidade
com o advento da Revoluo Industrial que se consolida, no sculo XIX,
essa separao que seria a poltica e o trabalho associados ao plano masculino,
em oposio ao complementar, que aqui seria o lar, o domstico, coisas do
feminino. A gente sabe que este modelo que vai localizar o homem na rua e a
mulher dentro de casa algo que s vai servir a uma classe social, a burguesia.
Isto nunca aconteceu e s existe como modelo ideal para as classes
trabalhadoras, porque o sculo industrial o sculo onde mulheres e crianas
das classes trabalhadoras trabalham at 16 horas por dia nas fbricas, nas minas
elas at dormiam nas fbricas , e uma das grandes conquistas do movimento
sindical a reduo do tempo de trabalho para 40 horas semanais, que hoje na
Europa, por exemplo, j so 35 horas. Ento o processo que a gente vai ver um
modelo burgus, que mostra que o homem um homem de posses, quando a
mulher no precisa trabalhar, e o homem que o provedor, que tem dinheiro e
etc.
Nas sociedades tradicionais, o gnero marcado por tarefas exclusivas de
homens e mulheres. Assim, no mundo industrial, os homens estavam ligados
esfera da produo enquanto as mulheres esfera da reproduo (tanto no que
se refere aos filhos, quanto nos trabalhos domsticos necessrios reproduo
da fora de trabalho). Nas sociedades camponesas, as tarefas so divididas em
trabalho de mulher e em trabalho de homem. A diviso sexual do trabalho
transmitida de gerao em gerao pelo aprendizado dos meninos com os
homens e das meninas com as mulheres. Entre os textos clssicos sobre a
diviso sexual do trabalho como representao do mundo, lembramos dos
trabalhos de Pierre Bourdieu sobre a Cablia e tambm inmeros trabalhos
brasileiros sobre o mundo campons, entre eles os de Ellen Woortman e Maria
Ignez Paulilo
25
.
25
Woortman, 1995 e Paulilo,1990.
17
Tradicionalmente na sociedade ocidental, a masculinidade se constitua
pelo papel que o trabalho tinha na vida dos homens. O trabalho, fosse ele
campons ou industrial, envolvia o corpo masculino, que se distinguia do
feminino pela fora fsica. No final do sculo XX e incio do sculo XXI, este
paradigma do valor do trabalho masculino associado fora vem sendo
substitudo no mundo do trabalho pelo paradigma da competncia, que est
associado ao conhecimento de tecnologia, particularmente de informtica.
A pesquisa de Juliana Cavilha Mendes
26
sobre os militares na terceira
idade ilustrativa a respeito do lugar que o trabalho tem na constituio da
identidade masculina tradicional. Os militares so homens poderosos para
quem o trabalho, o cargo de autoridade no Exrcito, marca quem eles so e se
reflete em todas as instncias da vida deles. em torno do trabalho do militar
que se organiza toda a vida familiar.
Vejamos como isto vem ocorrendo no mundo industrial. O que era uma
montadora de carros no tempo que o Lula perdeu o seu dedo trabalhando na
cadeia de montagem? Era uma mquina mesmo, onde o operrio tinha que ter
fora fsica para pegar nas peas do carro para montlo. Hoje, isso no mais
necessrio pois as montadoras usam robs, comandados por operrios
extremamente especializados. Recentemente, fiz, com meus alunos, uma visita a
uma indstria txtil em Santa Catarina na qual pudemos observar como estes
dois modelos fabris ainda so utilizados. Na parte txtil antiga, onde trabalham
s mulheres com pouqussima educao formal, o barulho das mquinas
assustador, h muita poeira e graxa pelo cho e todo o trabalho exige muito
esforo corporal. Na parte nova da fbrica, tudo muito limpo, um silncio
total, os operrios so jovens, com no mnimo segundo grau, que controlam
grandes computadores que produzem o tecido. Muitos autores e as lutas
sindicais tm mostrado que este novo modelo de produo industrial se, por
um lado, melhora a qualidade de vida do trabalhador, fonte tambm de
grande desemprego, uma vez que a automatizao do mundo fabril obriga a
diminuio da fora de trabalho assim como exige operrios cada vez mais
qualificados em termos de educao. Este , portanto, um dos paradoxos do
mundo do trabalho que tem infludo diretamente nas identidades
contemporneas, pois neste processo parte significativa dos trabalhadores no
qualificados perdem seus empregos, e, por conseguinte, o lugar tradicional de
provedor que esperado e reconhecido como um dos valores centrais da
masculinidade.
A temtica do desemprego masculino tem ocupado importante espao de
reflexo atualmente na Europa, no apenas por parte de pesquisadores mas
tambm de artistas e cineastas, como possvel constatar no filme ingls Ou
tudo ou nada, onde um grupo de operrios metalrgicos desempregados
decide criar um grupo de striptease masculino como forma de enfrentar o
desemprego e a humilhao de serem sustentados por suas mulheres.
H pouqussimos trabalhos sobre desemprego no Brasil que levem em
conta o recorte gnero. Entre eles, destaco alguns recentes trabalhos que vm
26
Mendes, 2002.
18
sendo desenvolvidos na UFSC. Ari Sartori
27
, em sua dissertao sobre gnero
no mundo sindical, percebeu que o desemprego um fator de desestabilizao
da militncia sindical de esquerda. Dborah Sayo
28
, que trabalha com
professoras em Santa Catarina, tem observado que h inmeros casais de
classes mdias nos quais as mulheres, professoras, esto sustentando a casa,
face ao desemprego crescente masculino no setor bancrio.
Na diviso sexual do trabalho tradicional, o homem est ligado ao mundo
pblico do trabalho e a mulher ao mundo privado a casa, o lar, os filhos. Com
este modelo ideal, mesmo quando a mulher tem um emprego remunerado, a
gesto do mundo domstico continua sob sua responsabilidade. O que acontece
no momento do desemprego masculino em camadas mdias? As mulheres, que
acreditam no modelo igualitrio de relaes de gnero, passam a reivindicar
que os homens se responsabilizem das tarefas domsticas, com o seguinte
argumento: enquanto eu trabalho o dia inteiro, tu ficas em casa tu ests
desempregado, tu tens de cuidar das coisas de casa como eu sempre fiz quando
tu trabalhavas mais do que eu. O que poderia ser uma equao simples de
diviso de tarefas e responsabilidades, acaba tendo um impacto profundo na
identidade destes homens, que se sentem, de alguma forma, feminilizados ao
terem de assumir tarefas domsticas.
A aposentadoria masculina tambm comea a ser estudada luz dos
estudos de gnero. Uma pesquisa recente de Rita Machado
29
nos ajuda a refletir
sobre o significado que as mudanas no mundo do trabalho podem ter numa
situao particular brasileira: as aposentadorias precoces nas empresas estatais.
Sua dissertao trata da aposentadoria precoce de engenheiros de uma grande
central eltrica que foram estimulados a se aposentar devido a esse processo de
privatizao ligado globalizao na qual o Brasil est inserido. A maior parte
dessas famlias vivia numa situao em que o homem ganhava super bem pois
era um dos empregos mais bem pagos de Florianpolis, o que fazia com que as
mulheres no precisassem trabalhar para ajudar no sustento da casa. Ao se
aposentarem com menos de 50 anos, estes homens vo para casa e isto provoca
muitas crises familiares, pois o salrio baixa pela metade, os filhos j cresceram
e o homem fica dentro de casa. Casais que eram harmnicos, que nunca
brigaram, comeam a se separar. Um dos entrevistados encontrado num
supermercado, enchendo sacos e sacos de cebolas e batatas ela [pesquisadora]
pergunta se vai haver uma festa para qu tanta cebola e tanta batata? , ele
responde que a mulher disse que ele no serve para nada, s para comprar
cebolas e batatas, ento, quando ele vai ao supermercado, ele s compra cebola
e batata. O cara estava louco para sair de casa e nem ir para o supermercado ele
podia, por estar atuando naquele espao de poder feminino. No , portanto,
falso de pensar que o neoliberalismo, a globalizao e a privatizao tenham
influncia direta na vida privada das pessoas. Como vimos nos exemplos
acima, o desemprego do marido vai tocar no cerne das relaes de gnero de
um casal.
27
Sartori, 1999.
28
Sayo, 2001.
29
Machado, 2001.
19
Richard Sennet
30
, em seu livro, A Corroso do Carter, reflete sobre o
significado do desemprego para altos executivos norteamericanos a partir de
alguns exemplos de pesquisa. Ele inicia o livro contando que havia sentado
numa viagem de avio ao lado do filho de um informante operrio de uma
pesquisa que ele fizera 20/30 anos antes. Este filho era um jovem que subiu na
vida, um executivo. Na viagem, eles vo conversando e ele vai percebendo que,
se por um lado, esse filho fez o que o pai queria, porque estudou e cresceu na
vida, por outro lado esse filho no tinha conscincia que ao ter um lugar
diferente do lugar do pai, ele havia rompido com sua identidade de origem. A
partir deste exemplo, ele vai mostrar como hoje, na psmodernidade, a vida
ativa de homens como ele extremamente fragmentada pois necessrio
mudar o tempo todo de emprego e de cidade. O pai do informante passara 30
anos de sua vida dentro de uma fbrica, o filho tinha de mudar de emprego o
tempo inteiro. Ele amplia sua reflexo a partir do exemplo que ele encontra
inicialmente, por acaso, em um bar de elite de Chicago, com um grupo de
engenheiros norteamericanos da IBM. Como sabemos, os bares so lugares
masculinos institucionalizados na nossa cultura, lugar onde se consome lcool
uma das caractersticas da masculinidade tradicional, segundo Miguel Vale do
Almeida
31
, a de aprender a beber, a suportar bebida. A partir deste encontro
casual, ele passa a acompanhar a trajetria deste grupo de desempregados que
tm um salrio desemprego e no conseguem outro emprego. A vida destes
caras no como esses desempregados que no tem o que comer. Esses
executivos da IBM tm propriedades, tm renda, tm dinheiro aplicado na
bolsa, no entanto a vida deles se tornou sem sentido uma vez findo o trabalho.
Eles discutiam no bar onde haviam errado, porque a vida deles inteira havia
sido entregue para a IBM eles eram o modelo do empregado ideal.
Eu mesma discutia recentemente com uns colegas de engenharia da UFSC
sobre algo que est sendo pouco estudado a respeito da formao das elites
masculinas nas universidades, que a forte possibilidade de desemprego, de
homens treinados para tarefas extremamente competentes que vo ficar
desligados isto , de alguma forma, aquilo que a gente poderia chamar de um
dos momentos de ruptura. O indivduo teve toda sua vida planejada eu vou
me casar com uma mulher assim, vou ter filhos, ter uma casa, vou ter um
emprego, vai estar tudo organizado e, de repente, esse engenheiro,
executivo, perde seu emprego, ele fica desnorteado, ele no tem mais onde se
colocar. D para desenvolver muito esta questo do desemprego, e me parece
que central hoje pensar na questo do desemprego com urgncia esta questo
crescente.
A questo da competncia tambm est presente nas empresas paulistas
que se informatizaram e onde a mo de obra feminina j ultrapassa a mo de
obra masculina nos setores informatizados da indstria. Existem mais mulheres
hoje qualificadas em informtica e cursos de lnguas do que homens,
provocando fortes mudanas nas relaes de gnero das classes trabalhadoras.
Durante muito tempo, os filhos homens de camada populares foram chamados
30
Sennet, 1999.
31
Almeida, 1995.
20
a ajudar em casa desde muito cedo. Nesse meio tempo, por razes de ordem
prtica, as meninas, em geral, ficam cuidando dos irmos menores, ao mesmo
tempo em que so estimuladas a estudar mais tempo, e, assim, as mulheres no
Brasil so mais escolarizadas estatisticamente do que os homens.
Mas, se por um lado, espaos de trabalho masculino comeam a ser
invadidos por mulheres, outros espaos tradicionalmente femininos, como
enfermagem e educao, passam a ser fortemente investidos por homens. Esta
mudana nos padres de emprego so contaminadas tambm pelo plano do
simblico do gnero. A tese de Alvaro Pereira
32
sobre o homem da enfermagem
mostra como todos os homens enfermeiros vo se constituindo na idia de que
eles so muito machos. Ele observou que auxiliares de enfermagem carregam
macas e ficam naquela parte da emergncia onde se faz necessrio a fora fsica.
Por outro lado, os enfermeiros com curso superior raramente exercem tarefas
de cuidado, que so tarefas que caracterizam a profisso. Pode ter mil
enfermeiras num hospital, mas se tem um enfermeiro, este um enfermeiro vai
ter um lugar de coordenao de chefia.
4. Novos modelos de paternidade
Hoje no se pode mais falar na reproduo humana como se falava nos
estudos clssicos da antropologia, nas quais era central o estudo de parentesco.
Nas sociedades tradicionais, a fertilidade tinha um papel central na reproduo
social. A Igreja construiu toda sua histria nessa articulao entre sexo e
reproduo, em cima da noo de que h o amor conjugal romntico. Esta
questo, at ento vista como bvio e natural, hoje mais complexa. Primeiro
porque, at o sculo XIX, a taxa de mortalidade de crianas era muito alta e a
taxa de reproduo tambm. Pegando apenas um exemplo familiar: minha
bisav teve dezoito filhos, minha av teve onze, alguns destes filhos morreram
no parto ou por doena esse era o padro de reproduo no Brasil at a
metade do sculo XX. Graas a inmeros fatores, entre eles a queda da
mortalidade infantil, houve uma diminuio drstica nas taxas de reproduo.
Hoje, a mdia por casal no chega a trs filhos no Brasil. Muitas mulheres
jovens, com dois filhos, j fizeram a ligadura de trompas, porque elas pensam
que no querem passar o mesmo trabalho que suas mes passaram. A
esterilizao e a diminuio do nmero de filhos um desejo individual das
pessoas, no s ligado questo econmica, mas tambm a novos valores
sociais.
Ao lado da drstica diminuio da taxa de natalidade observamos, por
outro, que continua sendo muito importante para as pessoas a reproduo.
Graas aos avanos das tecnologias mdicas de reproduo tornouse acessvel
a muitos casais a busca pela reproduo in vitro. As novas tecnologias de
reproduo nos mostram que estamos nos encaminhando rumo a um momento
tecnolgico no qual para reproduzirse no mais necessrio o intercurso
sexual. A sexualidade heterossexual no mais a nica forma de se ter filhos.
32
Pereira, 1999.
21
Agora, casais homossexuais podem fazer filhos em laboratrios, com a ajuda
dos mdicos. Basta ter um vulo e esperma e se pode fazer um beb de proveta.
Com a descoberta cientfica da clonagem em 1998, realizada at o presente com
ovelhas, especulase tambm que ser possvel que indivduos se reproduzam
em laboratrios sem a necessidade de um parceiro. Neste caminho, as mulheres
seriam as privilegiadas, pois para fazer a clonagem indispensvel um vulo.
Ou seja, o avano tecnolgico no campo da reproduo e da vida humana
certamente nos abrem inmeras possibilidades epistemolgicas no campo da
reflexo sobre o gnero, e, particularmente, sobre a paternidade.
Hoje, parte da literatura que estuda a temtica da famlia, da maternidade
e da paternidade, trabalha com o conceito de parentalidade. Este conceito serve
para explicar as mudanas ocorridas na famlia urbana contempornea, famlias
que cada vez mais esto adequadas ao modelo clssico de famlia nuclear com
pai, me e filhos biolgicos deste casal vivendo sob o mesmo teto. Em camadas
mdias urbanas, muito comum termos hoje famlias recompostas, que so
grupos familiares com filhos de diferentes unies dos pais. Neste modelo de
famlia, as crianas aprendem desde pequenas que existem vrios tipos de
irmos: consangneos de pai e me, consangneos apenas por parte de um
dos genitores e irmos por aliana (aqueles que so filhos dos novos
companheiros do pai e da me). O mesmo acontece com outras pessoas ligadas
por parentesco, como os avs e os tios, pois seguidamente as crianas criadas
nestas famlias recompostas convivem com um grupo maior de parentes por
aliana. comum nestes novos modelos que em situaes rituais, como as festas
de Natal, as crianas circulem por inmeras festas familiares. Nestas famlias
recompostas, as crianas vo aprendendo a conviver com diferentes indivduos
adultos que cumprem o papel de pai ou de me, independentemente do vnculo
biolgico que tenham com elas. Como se trata de novos modelos de parentesco,
ainda no existem termos consensuais para estes novos parentes. Por
exemplo, o termo madrasta, que serve para se referir segunda mulher do pai,
um termo carregado pelo esteretipo da figura m, como na histria da Branca
de Neve.
Sobre esses novos modelos de parentalidade, uma autora que traz uma
contribuio importante Suzana Funck
33
, que pesquisa a literatura utpica norte
americana, na qual so propostos novos modelos de paternidade e maternidade. Um
destesromancesfaladeumasociedadeutpicaondeaparentalidadeobrigatoriamente
composta por um trio dois homens e uma mulher ou duas mulheres e um homem
porquenessasociedadeacriananopodetersomentedoisadultoscomopaiselatem
queterpelomenostrspessoasparacuidlaeostrsadultosvocircularpelospapis
depaieme(independentementedosexodeles).
Em camadas populares, um homem que cria os filhos de outro
considerado um trouxa, porque ele vai trabalhar para sustentar um filho que
no dele e isso uma coisa impensvel l em Porto Alegre, eu no sei aqui. O
que se tem observado agora que muito grande o nmero de homens de
classe mdia que tem criado os filhos dos outros, o que seria inconcebvel no
33
Funck, 1998.
22
modelo tradicional. Esse homem que vai criar filhos de outro e vai ter seus
filhos criados por outro, o novo companheiro de sua exmulher. Nas culturas
contemporneas urbanas, parece que esse o tipo de famlia que comea a se
constituir, o das crianas que ficam com a me biolgica e com pais sociais. O
pai biolgico se acasala com outra, por sua vez vai criar filhos, filhos da outra.
Como isso vai constituir a relao homem e mulher, uma das formas que vem
se pensando muito hoje?
Mas nem todos os homens de classes populares seguem este modelo, tal
como mostrou Maria Juracy Siqueira
34
em estudo sobre homens de classe
populares em Florianpolis. Neste trabalho, ela encontrou o pe, homem que
o paime, que cumpre muito mais a funo materna do que o pai dos
modelos tradicionais, e serve como ilustrao para esta questo. Em sua
pesquisa, ela constata, chocada, que o pe pode ser aquela figura muito legal,
liberal, moderna, mas pode ser tambm aquele que trai a mulher, que tem
dupla moral, o mesmo cara que vai bater na mulher. Portanto, essa questo da
nova masculinidade no um pacote que vem tudo junto, no significa que o
cara no vai ter cimes, vai cuidar dos filhos, vai lavar a loua, vai ser bom de
cama enfim, o modelo ideal de homem. Ela observa que nas novas
paternidades h tambm uma fragmentao de modelos: o homem pode ser
vrias outras coisas ao mesmo tempo. Ou seja, a paternidade essencial para
esse sentimento de ser homem, mas ela no o nico elemento que constitui a
identidade masculina.
Outra nova forma de paternidade que comea a ser estudada so casos de
pais gays, que se configuram um movimento muito forte hoje em pases do
primeiro mundo. Na Frana, eu acompanhei, recentemente, a criao da
associao dos pais e futuros pais gays e lsbicas. Faz dois anos que a
associao comeou e j tem mais de mil associados. Esta associao muito
forte, muito poderosa, e est fazendo um grande lobby pelo reconhecimento do
direito parentalidade de homossexuais, que eles vem como plural. H muitas
formas de um homem homossexual viver a paternidade, a partir da literatura
produzida na Frana e nos Estados Unidos. O primeiro tipo, mais comum, o
de pais homossexuais que tiveram filhos numa relao heterossexual. O
segundo tipo de filiao por adoo, o que em geral um processo muito
complicado para homens sozinhos. Uma terceira forma, mais rara, o uso do
ventre de aluguel, quando um homem paga uma mulher para ter a criana para
ele (ou para um casal de gays). Finalmente, uma ltima possibilidade que me
parece a mais rica como modelo terico, o caso de parentalidade envolvendo
no mnimo trs adultos. Em alguns casos, tratase de dois casais (dois homens e
duas mulheres) que resolvem ter filhos juntos, e resulta numa famlia que tem
duas mes e dois pais. As crianas so criadas entre duas casas, onde em uma
tem dois pais e na outra duas mes. Um outro tipo de arranjo um casal, e a
pode ser ou um casal de duas mulheres ou um casal de dois homens, com mais
um indivduo do outro sexo. O casal escolhe aquele que vai reproduzir com
uma das mulheres e que vo ter um filho essa criana vai ter trs adultos que
vo criar.
34
Siqueira, 1998.
23
H vrios estudos de como as crianas convivem com duas mes ou com
dois pais. Estes estudos investigam desde os efeitos da homossexualidade dos
pais sobre sua identidade sexual at a insero desta criana no mundo familiar
e social. Uma das questes abordadas nestes trabalhos , por exemplo, a forma
como as crianas percebem o pai e seu companheiro, se os dois so chamados
de pai ou se h duas designaes como pai Joo, pai Incio, pai e padrinho ou
pai e tio. Pode ser tambm painho e pai, como me foi sugerido aqui em
Recife.
Ainda h poucos estudos sobre a temtica da paternidade homossexual no
Brasil. Um dos primeiros pesquisadores a se debruar sobre o tema, Flvio
Tarnovski
35
, encontrou uma frmula de adoo usado por homossexuais no
Brasil que um tipo de adoo que no passa pelo sistema judicirio, sistema
que sabemos que marcado por representaes homofbicas, tal como j vem
apontando Claudia Fonseca
36
. Seus informantes [na pesquisa de Tarnovski]
contam que, aps a deciso de terem um filho, encontram por acaso uma
mulher grvida que no deseja ficar com a criana. Eles passam a dar toda a
assistncia material e mdica me e, quando a criana nasce, eles pedem a
guarda da criana. Alguns registram o filho como se ele fosse pai biolgico,
outros conseguem uma guarda informal. No Brasil, parece que a paternidade
homossexual mais um projeto individual mesmo que este homem esteja em
conjugalidade, sempre um que adota, mesmo que os dois o criem. Na Frana e
nos Estados Unidos, muito mais claro o projeto de dois indivduos que
buscam ter um filho juntos, e a criana tende a ser entendida como uma criana
daquele casal, que constitui assim uma famlia. A grande luta nos pases de
primeiro mundo que j tm leis de pacto civil a do reconhecimento ao direito
de filiao dos homossexuais e a adoo conjunta, porque se morre o homem
que adotou, o companheiro no tem nenhum direito guarda da criana, o
mesmo acontecendo em casos de separao conjugal, pois nada assegura o
direito de visita daquele que no ficou com a guarda das crianas.
5. O amor e as emoes no masculino
Para finalizar este curso, abordaremos duas questes ligadas emoo: a
temtica do amor romntico e a forma como os homens lidam com as emoes,
uma vez que uma das caractersticas tradicionais da masculinidade
justamente a negao de qualquer sensibilidade ao homem. Este tema tem sido
objeto particular dos pesquisadores homens que tm se interessado pela
temtica do gnero.
Os sentimentos, assim como todos os comportamentos humanos, no so
naturais, eles so aprendidos em nosso processo de socializao. Um dos
fundadores da antropologia, Marcel Mauss, j tinha se interessado pela questo
35
Tarnovski, 2001.
36
Agradeo a minha eterna mestra e inspiradora Claudia Fonseca pelas importantes
informaes que tem me dado informalmente sobre os preconceitos dos operadores de Justia e
das assistentes sociais no Brasil em relao adoo de crianas por gays e lsbicas, assim como
em relao adoo internacional e suas regras. Para conhecer melhor seus argumentos sugiro
a leitura de Fonseca, 2001.
24
num texto publicado nos anos 30, A expresso obrigatria do sentimento
37
,
no qual ele d exemplos de como emoes como alegria, dor, sofrimento, so
expresses de sentimentos culturalmente determinados.
Homem no chora uma das afirmaes mais recorrentes na formao
dos meninos modelo de gnero que obriga os homens a controlarem suas
emoes, a no chorarem. Mas o que faz a gente chorar? Tem coisas e motivos
que nos fazem chorar, mas de onde vem o choro? s vezes vem da barriga, s
vezes do peito, s vezes as lgrimas vm sem a gente controlar. Evidentemente,
nas lgrimas h um elemento fisiolgico que provoca a lgrima, mas no
nesse ponto que eu estou interessada. O que nos interessa aqui saber quais so
as razes que nos fazem chorar em determinadas situaes e em outras no. Um
dos textos que nos ajuda a pensar neste sentido um livro de VincentBuffault,
Histria das Lgrimas
38
, no qual ela reflete sobre por que, no sculo XIX, h
essa excluso do masculino daquilo que hoje a gente considera como mundo
das emoes. Para desenvolver seu argumento, ela conta como at o sculo
XVIII no teatro as lgrimas eram obrigatrias, pois a estrutura narrativa das
histrias obrigava homens e mulheres a chorarem. Voc ia ao teatro e via toda a
platia aos prantos, ou seja, at o sculo XVIII, as lgrimas no tinham gnero
na Frana, as lgrimas eram emoes exigidas em determinadas circunstncias
consideradas dramticas. A partir do sculo XIX, com o romantismo, as
lgrimas vo deixar de ser uma coisa bem vista para os homens, e elas vo ser
apenas estimuladas para as mulheres.
Esse perodo do sculo XIX, do romantismo, um momento que passa a
ser muito difcil ver um homem chorando as lgrimas passam a ser algo
exclusivo das mulheres, e nesse momento que vo surgir modelos que at hoje
esto presentes nas nossas novelas, nos nossos filmes, que justamente esse
modelo do famoso amor romntico. Todo mundo aqui j se apaixonou e j teve
essa iluso de que a gente encontra a alma gmea, uma pessoa que vai
completar a gente para sempre. Um livro clssico sobre esta temtica o O
amor e o ocidente de Dennis de Rougemont
39
.
Seu argumento neste livro que o amor um valor, uma crena moderna. Este
sentimento que a gente acredita que incontrolvel, que quando se menos
espera se apaixona, cai de quatro por algum, , para ele, um sentimento que
foi sendo construdo desde a Idade Mdia.
O amor medieval, que era o amor corts, era um modelo totalmente
diferente, tambm conhecido como amor platnico. No sei se vocs j viram
esses filmes medievais, j leram As Brumas de Avalon, um romance
envolvente de Marion Bradley
40
que segue sempre aquele modelo que tem uma
princesa, uma rainha em cima da sua torre, e os cavaleiros vo para as cruzadas
at o Oriente Mdio, at Palestina, Jerusalm, para pegar um pedacinho do
manto de Cristo para trazer para a sua rainha, mostrando o seu amor
inconfesso. Quando eles chegam, eles se ajoelham e entregam para a rainha, e a
37
Mauss, 1974.
38
VicentBuffault, 1998.
39
Rougemont, 1985.
40
Bradley, 1985.
25
ela manda um beijo, d um aceno para o cavaleiro e o cavaleiro se desmancha e
acaba a estria. No existe, no modelo do amor corts, o projeto de sexualidade,
o desejo que os corpos se encontrem o que vale mesmo, o grande barato deste
modelo, justamente que seja um amor impossvel, irrealizvel. No modelo do
amor corts, isso no existe, um modelo que ele , por si s, um amor que
mostra a desigualdade de uma mulher poderosa, a rainha, e de cavaleiros que
se a rainha jogar uma rosa, j tudo para esse cavaleiro. Esse modelo , de
alguma forma, uma base para o que vai se constituir num amor romntico, este
que to presente at hoje. Este amor implica necessariamente em corpos que
vo se encontrar mostrando sexualidade e sexo.
Todos ns conhecemos a histria de Romeu e Julieta, uma histria que
conta uma unio impossvel pois eles eram filhos de famlias inimigas. Eduardo
Viveiros de Castro e Ricardo Benzaquem de Araujo
41
refletem sobre esta
histria como um mito da cultura ocidental individualista moderna, mostrando
que Romeu e Julieta so paradigmas daquilo que somos hoje, indivduos que
crem que so livres para uniremse com quem desejam, totalmente
independentes dos projetos familiares mais globais. O mito fala da emergncia
de um sentimento que individualista moderno. O que este sentimento? o
sentimento que eu sou uma pessoa nica, no tem mais ningum igual a mim
no planeta.
O amor romntico, a paixo como um sentimento to forte que extrapola
nossa vontade , segundo Anthony Giddens
42
, um sentimento que vai se
consolidar no sculo XIX como um sentimento engendrado. Para ele, no amor
romntico, homens e mulheres no se colocam da mesma forma na relao,
cabendo s mulheres o compromisso com a manuteno do sentimento, a
garantia da troca emocional, enquanto que aos homens bastaria o encontro
sexual. Para Giddens, atualmente ns estaramos vivendo a emergncia de um
novo projeto amoroso, que ele chama de amor confluente ou plstico. Ele reflete
sobre este amor que exige o encontro de corpos, que no sexo que a gente vai
ter essa fuso corporal, que complete a fuso emocional, espiritual, das almas
de duas pessoas que se encontram. O amor romntico , de alguma forma, um
amor que implica, na sua essncia, em desigualdade de gnero. Por qu? No
amor romntico se trata da construo de uma narrativa, de um discurso da
histria do encontro de dois indivduos. Mas essa narrativa desigual, porque
quem vai se entregar totalmente relao a mulher o homem vai, na medida
do possvel, garantir sua vida sexual tambm fora do casamento. Tanto que um
casamento, dentro deste modelo, visto como um problema para o homem,
pois o homem vai perder a sua liberdade, vai ficar amarrado a uma mulher
para sempre.
No modelo do amor romntico, a mulher tem que ter apenas um homem,
porque quando se apaixona, se apaixona por um, vai casar com aquele, vai ficar
com aquele para o resto da vida, apaixonada, envolvida, entregando o seu
amor.
41
Castro & Arajo, 1977.
42
Giddens, 1993.
26
No entanto, para os homens, o amor romntico como aquele exemplo
que eu dava ontem do Luiz Tarley de Arago, sobre aquela dicotomia do
homem brasileiro, onde cada mulher que ele deseja sexualmente depois se torna
uma mezinha, e, portanto, ela se torna proibida emocionalmente para ele,
porque a me sagrada. Nada impede a um homem casado de ter uma amante,
duas ou trs. Aqui este modelo, cabe mulher segurar o tranco emocional,
afetivo, pelos filhos, pelo marido, que cede, que consente, etc. enquanto o
homem, dentro do modelo romntico, de alguma forma incapaz
emocionalmente, ele um atrapalhado, ele no consegue expressar sua emoo.
Por isso, para alguns que trabalham muito com esta questo da violncia, uma
das formas que resulta do amor romntico justamente a violncia domstica,
porque o homem atrapalha o modelo emocional dessa mulher que sagrada
no conseguindo expressar o seu conflito, a sua raiva, expressa numa
linguagem que a linguagem da fora, do bater na mulher. Este um modelo
de amor muito forte, o mesmo modelo que vai impedir os homens de expressar
suas emoes.
No curso de Recife, escutamos vrios depoimentos masculinos segundo os
quais a gente pode perceber que este modelo romntico parece no estar to
introjetado s novas masculinidades. O que so esses modelos romnticos? Tem
um autor francs, o Michel Feher
43
, que tem estudado muito as formas de
encontro, de expresso do desejo de outra pessoa ao longo de vrios sculos.
H, hoje, nos Estados Unidos, novos rituais de encontro e de romantismo.
So regras, como por exemplo entrega de flores, que, no Brasil, ningum
estudou ainda, mas valeria estudar (como o dia dos namorados, por exemplo, e
o tipo de coisas que so obrigatrias). Se vocs esto namorando algum, o que
obrigatrio no dia dos namorados? Caixa de bombons, flores, jias, sair para
jantar fora... No dia dos namorados, quem d mais presente, os homens ou as
mulheres?
Um novo modelo de expresso masculina a expresso emocional
obrigatria. Hoje os homens j podem comear a chorar, j podem expressar os
sentimentos justamente. No romantismo, parece que os homens esto sempre
apaixonados, sofrendo loucamente por suas mulheres, so capazes de matar e
morrer.
H uma grande volta desse romantismo que vrios autores esto
investigando neste momento. Alguns vo nos dizer que junto com este amor
romntico h um outro modelo que o famoso modelo de amor confluente.
Poderamos definir o amor romntico com a famosa frase que acaba os contos
de fada: casaram e foram felizes para sempre, e o amor confluente com o
poema de Vincius de Moraes, Eterno enquanto dure.
No amor romntico, o casamento dura porque a mulher sustenta
emocionalmente o casamento, enquanto que o amor confluente igualitrio, os
dois tem que sustentar a relao. Para isto, essencial haver troca emocional e
sexual, ou seja, o parmetro do modelo de relacionamento moderno tem que ser
esta entrega igual dos dois parceiros.
43
Feher, 1997.
27
Giddens sustenta que justamente nas relaes homoerticas, ou seja,
entre indivduos do mesmo sexo, que este amor confluente se realiza de forma
mais acabada, mais pura. Isto porque estes indivduos esto margem do
projeto de casamento como desejo familiar de reproduo social e humana.
As relaes afetivosexuais entre pessoas do mesmo sexo vo trazer
modelos inovadores para as prticas afetivas, sexuais e emocionais
contemporneas, no apenas homoerticas mas tambm heterossexuais. Uma
recente pesquisa sobre esta temtica feita no Brasil o livro de Marlise Matos
44
,
Reinvenes do vnculo amoroso, onde a autora estuda heterossexuais, homo
e bissexuais refletindo justamente sobre a constituio das suas identidades a
partir do vnculo afetivo conjugal. Ela percebe que os valores emocionais e
afetivos idealizados so os mesmos para homens e mulheres, independente da
opo sexual. Em seu livro, ela mostra como a emoo algo presente tambm
para os homens, sobretudo no que se refere s relaes afetivas.
Retomando a temtica da expresso masculina dos sentimentos, que de
alguma forma se perde com o desenvolvimento da sociedade moderna, tal
como formula VincentBuffault, observamos que, hoje, os indivduos do sexo
masculino apenas podem chorar em determinadas ocasies, como a morte de
familiares. O filho deve chorar a morte do pai, ou o pai a do filho, porque uma
situao reconhecida socialmente como de extremo sofrimento. Um bom
exemplo deste choro masculino obrigatrio foi dado por Tnia Ramos
45
num
texto intitulado Os brutos tambm choram, no qual ela reflete o choro dos
polticos brasileiros no velrio do deputado Luiz Eduardo Magalhes.
Fora da situao de morte, um dos raros momentos onde o homem pode
chorar na msica. H inmeros exemplos da emoo masculina na msica
popular brasileira, mas ainda h relativamente poucos estudos sobre a temtica.
Ruben Oliven
46
e Maria Izilda Matos
47
estudaram as msicas do Lupicnio
Rodrigues e de outros sambistas dos anos trinta, quarenta e cinqenta. Nestas
msicas, o homem est desesperado, chorando, se lamentando de que as
mulheres so todas traidoras, infiis. Tradicionalmente no Brasil, a msica
popular tem sido um espao permitido emoo masculina. De Teixerinha at
Chitozinho e Xoror, passando por Gilberto Gil e Caetano Veloso, vemos
homens em todo tipo de sofrimento.
Alm da msica, a poesia outro campo de expresso de sentimentos
permitido aos homens. Miguel Vale de Almeida, no ltimo captulo de Os
senhores de si, d o exemplo de um lugar de Portugal onde um poeta declama
um poema muito emocionado e a platia composta por homens chora. Um
pesquisador da UFSC fez um trabalho muito interessante sobre a produo
masculina de dcimas, um tipo de literatura oral feita apenas por homens de
uma comunidade de imigrantes italianos
48
. Estas poesias expressam os
sentimentos de impotncia masculinos ao falarem de honra e morte, de
tragdias e catstrofes.
44
Matos, 2000.
45
Ramos,1999.
46
Oliven, 1987.
47
Matos, 2001.
48
Souza, 2001.
28
A reflexo sobre sentimentos masculinos nos leva a um novo modelo de
masculinidade muito presente nas camadas mdias urbanas, o homem
sensvel. Mas quem o homem sensvel? Uma das primeiras investigadoras a
se debruar sobre o tema, Roseli Buffon
49
, em sua pesquisa com jovens que
moravam sozinhos, constatou que este era uma homem que gostava de msica,
de cozinhar, de cinema, de expressar seus sentimentos, etc. Sua pesquisa
mostrou que uma parte muito importante da casa era a parte onde tinha som e
o computador. Este som quanto melhor fosse, mais cheio de aparelhos e tal,
mais os rapazes mostravam os detalhes: olha aqui, esse aparelho tem o
equalizador no sei o qu..., e explicavam como funcionava aquilo, mostrando
o valor que a tecnologia tinha para eles. Eles tambm valorizavam muito uma
prateleira, que s vezes estava na cozinha, outras vezes na sala, que era a
prateleira s de produtos de alimentao importados (chs ingleses, azeites de
oliva gregos, vinagre balsmico, massas italianas, temperos indianos, chineses,
etc.). Essa era uma prateleira muito importante, porque eles se achavam timos
cozinheiros e esses rapazes faziam questo de convidla para jantar, um jantar
que eles faziam para ela. Ela comeu jantares maravilhosos. A Roseli vai analisar
que, ao mesmo tempo em que esses rapazes mostram que so femininos ao
fazer algo que seria de mulher, na cozinha, eles transformam este ato de
cozinhar, tornandoo masculino. Assim, ele o grande cozinheiro, faz todas as
receitas, japonesas, francesas, italianas. Ento, esse homem na cozinha no vai
cozinhar qualquer coisa, um feijo com arroz, uma carne assada isto coisa
para a mulher cozinhar, e mesmo eles tinham empregadas, que faziam e
deixavam no congelador. Este o momento de reconfigurao da
masculinidade. Na cozinha, que era tradicionalmente do sexo feminino,
possvel transformar um trao da feminilidade tradicional num trao neutro
primeiro ou masculino, porque eles comeam a mostrar que, no fundo, eles se
acham muito maravilhosos e poderosos. Por exemplo, eles fazem uma massa e
dizem: coma essa massa, nem minha me faz uma massa igual a essa
mulher nenhuma vai conhecer vinhos franceses como eu conheo.
Muitos deles tentaram seduzila com vinho e luz de vela. Perguntavam:
mas tu s solteira? Tens namorado?. Ela conta, inclusive, como teve que lidar
com esses rapazes, homens, que se sentiram muito fragilizados na condio de
pesquisados, que no deixa de ser simbolicamente uma inverso da relao
tradicional de gnero: uma pesquisadora ativa que entrevista um homem
passivo que o objeto de investigao
50
. Estes homens, na situao de
entrevista, buscavam reconfigurar a relao de passividade na qual eles se
sentiam, tentando seduzila: sim tudo bem, tu s pesquisadora, tu mandas na
tua pesquisa, mas na nossa relao eu ainda sou homem e vou te conquistar,
ainda sou capaz disso. Esta reflexo muito legal, porque a Roseli observa que
ela tambm se encantou com alguns e como lidou com isso. Porque uma das
regras que se segue na antropologia a de no se poder ter relaes sexuais
com os informantes uma regra tica central da nossa pesquisa
51
. Roseli
49
Buffon, 1992.
50
Buffon, 1992.
51
Laraia,1998.
29
justamente passou por uma reflexo sobre essa regra da antropologia, porque
inevitvel que em qualquer trabalho de campo existam as paixes e decepes.
Concluses: Masculinidades em crise?
Muitos autores tm apontado para uma crise da masculinidade, crise
que seria fruto do desconforto masculino face s conquistas das mulheres no
mundo contemporneo. Eu acho que esta crise de alguma forma algo
estrutural do indivduo moderno. Assim como o feminismo trouxe uma crise na
vida das mulheres, trouxe na vida dos homens. A categoria processo de
mudana me parece mais adequada para pensar o momento pelo qual esto
passando homens e mulheres em suas relaes e constituies de processos
identitrios.
Ao pensar nas relaes de gnero e no processo de constituio de
identidade masculina, tornase inevitvel abordar a temtica da dominao
masculina e a conseqente subordinao feminina. Vimos, no entanto, aqui, que
a questo muito mais complexa do que os discursos militantes apontam, pois
h mltiplos modelos de masculinidade hoje no Brasil: homens honrados,
homens sensveis, novos pais, homens desempregados, etc. Algumas destas
novas masculinidades se afastam do modelo tradicional de fora que definia
o homem. Nestes novos modelos seria valorizada a inteligncia, a sensibilidade
e a capacidade de lidar com novas tecnologias. Alguns se perguntam se os
novos homens seriam menos machistas? A resposta complexa pois ela
exige, mais uma vez, contextualizao das diferentes relaes sociais nas quais
as identidades de gnero so produzidas. Se pegamos o exemplo dos homens
hegemnicos, estes que esto no topo, no alto da escala de sucesso social,
observamos que eles so extremamente competentes profissionalmente, mas
muitos deles continuam sendo machistas, pela prpria forma que percebem as
mulheres como um objeto de exposio que os auxilia na imagem de poder. Os
prprios empresrios globalizados continuam com a iluso, e a publicidade
poderosssima neste sentido, de que eles vo continuar tendo uma mulher em
casa, uma famlia, um lar que no deixa de ser construdo nos mesmos modelos
que a gente chamaria no Brasil de modelos tradicionais. O mesmo se pode
observar nos principais dolos do esporte brasileiro, sempre acasalados com
modelos, mulheres que correspondem totalmente ao modelo ideal de
feminilidade contemporneo.
Mas gostaria de salientar a sugesto dos participantes deste grupo que a
dicotomia masculinidades hegemnica/subalterna talvez no seja a melhor
para pensar os diferentes modelos identitrios vividos pelos homens brasileiros.
Para alguns presentes, a noo de masculinidades subalternas no seria a
mais adequada para pensar as masculinidades nohegemnicas, sobretudo
pelo peso negativo da categoria subalterno. Deixo a vocs esta reflexo, que me
parece de grande valia.
30
Pelas diferentes intervenes e pelos trabalhos de pesquisa apresentados
pelos participantes do curso, Recife est na vanguarda dos estudos sobre
masculinidade no Brasil. Isto se deve, certamente, aos trabalhos pioneiros de
Russel Parry Scott sobre a paternidade e a masculinidade em classes populares.
A reunio de trs grupos que trabalham sobre masculinidade em Recife
(FAGES, O outro lado do Sol e PAPAI) neste curso foi extremamente rica pois
cada um deles tem uma reflexo particular sobre a temtica. No dilogo entre
pesquisadores e militantes foi possvel perceber como os campos cientficos,
acadmicos, militantes, se influenciam mutuamente. A interrelao entre teoria
e militncia uma das caractersticas do campo de estudos de gnero e ela me
pareceu particularmente profcua neste encontro de Recife, que reuniu durante
trs dias pesquisador@s, militantes e simpatizantes das causas feministas e de
gnero.
REFERNCIASBIBLIOGRFICAS
ALMEIDA,MiguelValede. Senhor esdeSi:umainterpretaoantropolgicada
masculinidade.Lisboa:FimdeSculo,1995.264p.
ARAGO,LuizTarleyde.Emnomedame:posioestruturaledisposiessociais
queenvolvemacategoriamenacivilizaomediterrneaenasociedadebrasileira.In:
PerspectivasAntr opolgicasdaMulher,n.3.RiodeJaneiro:Zahar,1983.p.109
145.
ARY,Zaira.Elmarianismocomocultodelasuperioridadespiritualdelamujer:
algunasindicacionesdelapresenciadeestelugarcomnenelBrasil.In:PALMA,
Milagros(org).SimblicadelaFeminilidad:lamujerenelimaginariomtico
religiosodelassociedadesindiasymestizas.Quito:AbyaYala,1990.p.7396.
BADINTER,Elizabeth.XY:sobr eaidentidademasculina.2ed.RiodeJaneiro:
NovaFronteira,1993. 314p.
BALANDIER,Georges.Anthropologiques.Paris:LibrairieGnraleFranaise,1985.
317p.
BENEDICT,Ruth.Ocrisntemoeaespada:padr esdaculturajaponesa.So
Paulo:Perspectiva,1972.277p.
BOURDIEU,Pierre.Adominaomasculina.RiodeJaneiro:BertrandBrasil,1999.
______.Osentimentodahonranasociedadecablia.In:PERISTIANY,JohnG.(org)
HonraeVer gonha:valor esdassociedadesmediter r nicas.2ed.Lisboa:Fundao
CalousteGulbenkian,1988.p.157195.
BRADLEY,MarionZimmer.AsbrumasdeAvalon.RiodeJaneiro:Imago,1985.
246p.
31
BUFFON,Roseli.Encontrandoohomemsensvel?Reconstr uesdaimagem
masculinaemgr upodecamadasmdiasintelectualizadas.Florianpolis:1992.
246f.Dissertao(Mestrado) UniversidadeFederaldeSantaCatarina.Centrode
FilosofiaeCinciasHumanas.
______.Encontrandoumatribomasculinadecamadasmdias.In:GROSSI,Miriam
Pillar(org)TrabalhodeCampoeSubjetividade,n.1.Florianpolis:PPGAS/UFSC,
1992.
p.5370.
CAMPBELL,J.K.AHonraeoDiabo.In:PERISTIANY,JohnG.(org)Honrae
Ver gonha:valor esdassociedadesmediter rnicas.2ed.Lisboa:FundaoCalouste
Gulbenkian,1988.p.111137.
CASTRO,EduardoViveirosdeARAUJO,RicardoBenzaquem.RomeueJulietaea
OrigemdoEstado.In:VELHO,Gilberto(org)Ar teeSociedade:ensaiosdesociologia
daar te.RiodeJaneiro:Zahar,1977.
CLASTRES,Pierre.AsociedadecontraoEstado:pesquisasdeantr opologia
poltica. 5ed.RiodeJaneiro:FranciscoAlves,1990.152p.
DAMATTA,Roberto.Tempentea?Reflexessobreaidentidademasculina.In:
CALDAS,Dario(org.).Homens.SoPaulo:SENAC,1997.
FEHER,Michel.AulaassistidanoSeminriodaEcoleNormaleSuprieure.Paris:
1997,mimeo.
FONSECA,Claudia.AvinganadeCapitu:DNA,escolhaedestinonafamlia
br asileiracontempornea.TrabalhoapresentadonoXXIVEncontroAnualda
ANPOCS.Caxambu:2001,mimeo.
______.Cavaloamarradotambmpasta:honraehumoremumgrupopopular
brasileiro.In:RevistaBrasileiradeCinciasSociais,n.15,ano6,1991.p.2739.
FRY,Peter.Par aInglsver:identidadeepolticanaculturabrasileira.Riode
Janeiro:Zahar,1982.135p.
FUNCK,SusanaBorno.Amater nidadecomodeterminantesocialnasutopias
feministasdeMargePer cyeMargar etAtwood.TrabalhoapresentadonoXXI
EncontroNacionaldaANPOCS.RiodeJaneiro,1998.mimeo.
GIDDENS,Anthony.Atr ansfor maodaintimidade:sexualidade,amoreerotismo
nassociedadesmoder nas. SoPaulo:UNESP,1993.228p.
GODELIER,Maurice.Lnigmedudon.[Paris]:Fayard,1996.315p.
______.LaPr oductiondesGrandsHommes.Paris:Faygard,1982.
GOLDENBERG,Mirian(org.).Osnovosdesejos.RiodeJaneiro/SoPaulo:Record,
2000.
______.Acrisedomasculino:umtemaemdebatedentroeforadaacademia.In:Lugar
Pr imeir o.RiodeJaneiro:IFCS/UFRJ.20p.
32
GROSSI,MiriamPillareBRAZO,AnalbaTeixeira(orgs)Histriasparacontar :
retr atodaviolnciafsicaesexualcontraosexofemininonacidadedeNatal.Natal:
CasaRenascerFlorianpolis:NIGS,2000. 150p.
GROSSI,MiriamPillarHEILBORN,MariaLuizaRIAL,Carmen.Entrevistacom
JoanWallachScott.In: RevistadeEstudosFeministas,vol.6,n.1.RiodeJaneiro:
IFCS/UERJ,1998.p.114124.
HRITIER,Franoise.DelaviolenceII.Paris:OdileJacob,1999.350p.
______.Delaviolence. Paris:OdileJacob,1996.400p.
______.Masculin/Fminin:lapensedeladiffr ence.Paris:OdileJacob,1996.
332p.
LARAIA,RoquedeBarros.ticaeAntropologia.In:LEITE,IlkaBoaventura(org)
ticaeEstticanaAntropologia.Florianpolis:PPGAS/UFSCCNPq,1998.p.89
98.
LEAL,Joo.PalestraapresentadaaoProgramadePsGraduaoemAntropologia
SocialdaUFSC.Florianpolis: 2001,mimeo.
MACHADO,RitaMariaXavier.Homememcasavir aMar ia:aposentadoriae
relaesconjugais.Florianpolis:2001.Dissertao(Mestrado) Universidade
FederaldeSantaCatarina.CentrodeFilosofiaeCinciasHumanas.
MATOS,MariaIzildaSde.ComunicaoapresentadanoIIIEncontroNacionalda
REDEFEM. Niteri:UFF,2001.mimeo.
MATOS,Marlise.Reinvenesdovnculoamoroso:culturaeidentidadedegnero
namodernidadetardia.BeloHorizonte:UFMGRiodeJaneiro:IUPERJ,2000.332p.
MAUSS,Marcel.SociologiaeAntropologia.SoPaulo:EPUEditoradaUSP,1974.
2v.
MELHUS,Marit.Unaverguenzaparaelhonor,unaverguenzaparaelsufrimiento.In:
PALMA,Milagros(org).SimblicadelaFeminilidad:lamujerenelimaginario
mticoreligiosodelassociedadesindiasymestizas.Quito:AbyaYala,1990.p.39
72.
MENDES,JulianaCavilha.Histr iasdeQuar tel:umestudodemasculinidadecom
oficiaisforadaativa.Florianpolis:2002.240f.Dissertao(Mestrado)
UniversidadeFederaldeSantaCatarina.CentrodeFilosofiaeCinciasHumanas.
MOTTA,ClariceNovaes.PorumaAntropologiadaMulher.In: Encontr oscoma
CivilizaoBrasileir a,vol.26.RiodeJaneiro:CivilizaoBrasileira,1980.p.3148.
OLIVEN,RubenGeorge.Amulherfazedesfazohomem.In: CinciaHoje,n.37,vol.
7.SociedadeBrasileiraparaoProgressodaCincia,1987.p.5661.
33
PAULILO,MariaIgnezSilveira.Ter ravista...eaolonge.2ed.Florianpolis:
EditoradaUFSC,1998.171p.
______.Pr odutoreagroindstria:consensosedissensos,ocasodeSantaCatar ina.
Florianpolis:EditoradaUFSC.SecretariadeEstadodaCulturaedoEsporte,1990.
182p.
PEREIRA,Alvaro.Oquotidianoprofissionaldoenfer meir o:dasapar nciass
difer enasdegner o.Florianpolis:1999.[173]f.Tese(Doutorado) Universidade
FederaldeSantaCatarina.CentrodeCinciasdaSade.
PERISTIANY,JohnG.Honraevergonhanumaaldeiacipriotademontanha.In:
PERISTIANY,JohnG.(org)HonraeVer gonha:valor esdassociedades
mediter r nicas.2ed.Lisboa:FundaoCalousteGulbenkian,1988.p.139156.
PITTRIVERS,Julian.HonraePosioSocial.In:PERISTIANY,JohnG.(org)Honra
eVer gonha:valor esdassociedadesmediter r nicas.2ed.Lisboa:Fundao
CalousteGulbenkian,1988.p.1160.
RAMOS,TniaReginaOliveira.Osbrutostambmchoram:doreserefletores.In:
SILVA,AlcioneLeitedaLAGO,MaraCoelhodeSouzaRAMOS,TniaRegina
Oliveira(orgs)FalasdeGnero:teor ias,anlises,leitur as.Florianpolis:Mulheres,
1999. p.319328.
RIAL,CarmenSilvia.Rgbiejud:esporteemasculinidade.In:PEDRO,JoanaMaria
GROSSI,MiriamPillar(orgs)Masculino,feminino,plural:gnerona
inter disciplinar idade.Florianpolis:Mulheres,1998.p.229258.
ROUGEMONT,Dennisde.Lamour etloccident.RiodeJaneiro:Imago,1985.246p.
SARTORI,Ari.Homenseaspolticasdeempoderamentodasmulher es:a
emergnciadogneroentr esindicalistasdeesquer daemFlor ianpolis.
Florianpolis:1999.267f.Dissertao(Mestrado) UniversidadeFederaldeSanta
Catarina.CentrodeFilosofiaeCinciasHumanas.
SAYO,Deborah.Cuidadoeducaoer elaesdegneronacr eche.Trabalho
apresentadonoVICongressoEstadualPaulistasobreFormaodeEducadores.guas
deLindia:2001.mimeo
SCOTT,Joan.Gnero:umacategoriatildeanlisehistrica.In: RevistaEducaoe
Realidade,v.2,n.16.PortoAlegre,1990.p.0522.
SENNET,Richard.Acor rosodocar ter :consequnciaspessoaisdotrabalhono
novocapitalismo.RiodeJaneiro:Record,1999.204p.
SILVA,MarineideMaria.Issofeio,issobonito:casamento,fugaehonraem
PontadasCanas.Florianpolis:1994.59f.TrabalhodeConclusodeCurso
(graduao) UniversidadeFederaldeSantaCatarina.CentrodeFilosofiaeCincias
Humanas.
34
SIQUEIRA,MariaJuracyToneli.Aconstituiodaidentidademasculina:homensdas
classespopularesemFlorianpolis.In:PEDRO,JoanaMariaGROSSI,MiriamPillar
(orgs)Masculino,feminino,plur al:gneronainter disciplinaridade.Florianpolis:
Mulheres,1998.p.209227.
SOUZA,TarcisoCostade.Tragdiar imada,masculinidadedesvelada:umaanlise
antropolgicadamasculinidade.TrabalhoapresentadonoIIEncontrodeEstudosde
GnerodaUFPR.Curitiba:2001.mimeo
TARNOVSKI,FlvioLuiz.Paisassumidos:estudodapater nidadehomossexuala
partirdetrscasosdeadoo.Florianpolis:2002.119f.Dissertao(Mestrado)
UniversidadeFederaldeSantaCatarina.CentrodeFilosofiaeCinciasHumanas.
TILLION,Germaine.Lehar emetlescousins.Paris:ditionsduSeuil,1996.212p.
TURNER,VictorW.OProcessoRitual:estr uturaeantiestr utur a.Petrpolis:
Vozes,1974.
245p.
VINCENTBUFFAULT,Anne.HistriadasLgr imas:sculosXVIIIXIX.Riode
Janeiro:PazeTerra,1988. 314p.
WELZERLANG,Daniel.Aconstruodomasculino:dominaodasmulherese
homofobia.In: RevistadeEstudosFeministas,vol.9,n.2.Florianpolis:
CFH/CCE/UFSC,2001.p.460482.
WOLF,EricRobert. SociedadesCamponesas.2ed.RiodeJaneiro:Zahar,1976.
150p.
WOORTMAN,EllenF.Her deir os,Par enteseCompadres:colonosdosulesitiantes
donordeste.SoPaulo:HucitecBraslia:Edunb,1995.336p.
35
ANTROPOLOGIAEMPRIMEIRAMO
Ttulospublicados
1.MENEZESBASTOS,RafaelJosde.AOrigemdoSambacomoInvenodoBrasil:Sobreo"FeitiodeOraco"
deVadicoeNoelRosa(PorqueasCanesTmMusica?),1995.
2.MENEZESBASTOS,RafaelJosdeeHermenegildoJosdeMenezesBastos.AFestadaJaguatirica:Primeiroe
StimoCantosIntroduo,Transcries,TradueseComentrios,1995.
3.WERNERDennis.PoliciaisMilitaresFrenteaosMeninosdeRua,1995.
4.WERNERDennis.AEcologiaCulturaldeJulianStewardeseusdesdobramentos,1995.
5.GROSSIMiriamPillar.MapeamentodeGruposeInstituiesdeMulheres/deGnero/FeministasnoBrasil,1995.
6.GROSSIMirianPillar.Gnero,ViolnciaeSofrimentoColetnea,SegundaEdio1995.
7.RIALCarmenSilvia.OsCharmesdosFastFoodseaGlobalizaoCultural,1995.
8.RIALCarmenSlvia.JaponsEstparaTVAssimcomoMulatoparaCerveja:lmagensdaPublicidadenoBrasil,
1995.
9.LAGROU,ElsjeMaria.CompulsoVisual:DesenhoseImagensnasCulturasdaAmazniaOcidental,1995.
10.SANTOS,SlvioCoelhodos.LideranasIndgenaseIndigenismoOficialnoSuldoBrasil,1996.
11.LANGDON,EJean.PerformanceePreocupaesPsModernasemAntropologia1996.
12.LANGDON,E.Jean.ADoenacomoExperincia:AConstruodaDoenaeseuDesafioparaaPrtica
Mdica,1996.
13.MENEZESBASTOS,RafaelJosde.AntropologiacomoCrticaCulturalecomoCrticaaEsta:DoisMomentos
ExtremosdeExercciodaticaAntropolgica(EntrendioseIlhus),1996.
14.MENEZESBASTOS,RafaelJosde.MusicalidadeeAmbientalismo:EnsaiosobreoEncontroRaoniSting,
1996.
15.WERNERDennis.LaosSociaiseBemEstarentreProstitutasFemininaseTravestisemFlorianpolis,1996.
16.WERNER,Dennis.AusnciadeFigurasPaternaseDelinqncia,1996.
17.RIALCarmenSilvia.RumoressobreAlimentos:OCasodosFastFoods,1996.
18.SEZ,OscarCalavia.HistoriadoresSelvagens:AlgumasReflexessobreHistriaeEtnologia,1996.
19.RIFIOTIS,Theophilos.NoscamposdaViolncia:DiferenaePositividade,1997.
20.HAVERROTH,Moacir.Etnobotnica:UmaRevisoTerica.1997.
21.PIEDADE,AccioTadeudeC.MsicaInstrumentalBrasileiraeFricodeMusicalidades,1997
22.BARCELOSNETO,Aristteles.DeEtnografiaseColeesMuseolgicas.HiptesessobreoGrafismoXinguano,
1997
23. DICKIE,MariaAmliaSchmidt.OMilenarismoMuckerRevisitado,1998
24. GROSSI,MrianPillar.IdentidadedeGneroeSexualidade,1998
25. CALAVIASEZ,Oscar.CampoReligiosoeGruposIndgenasnoBrasil,1998
26. GROSSI,MiriamPillar.DireitosHumanos,FeminismoeLutascontraaImpunidade.1998
27. MENEZESBASTOS,RafaelJosde.Ritual,HistriaePolticanoAltoXingu:ObservaoapartirdosKamayur
edaFestadaJaguatirica(Yawari),1998
28. GROSSI,MiriamPillar.FeministasHistricaseNovasFeministasnoBrasil,1998.
29. MENEZESBASTOS,RafaelJosde.MsicasLatinoAmericanas,Hoje:MusicalidadeeNovasFronteiras,1998.
30. RIFIOTIS,Theophilos.ViolnciaeCulturanoProjetodeRenGirard,1998.
31. HELM,CecliaMariaVieira.OsIndgenasdaBaciadoRioTibagieosProjetosHidreltricos,1998.
32. MENEZESBASTOS,RafaelJosde.ApapWorldHearing:ANoteontheKamayurPhonoAuditorySystem
andontheAnthropologicalConceptofCulture,1998.
33. SAZ,OscarCalavia.procuradoRitual.AsFestasYaminawa noAltoRioAcre,1998.
34. MENEZESBASTOS,RafaelJosde&PIEDADE,AccioTadeudeCamargo:SoprosdaAmaznia:Ensaio
ResenhasobreasMsicasdasSociedadesTupiGuarani,1999.
35. DICKIE,MariaAmliaSchmidt.MilenarismoemContextoSignificativo:osMuckercomoSujeitos,1999.
36. PIEDADE,AccioTadeudeCamargo.FlautaseTrompetesSagradosdoNoroesteAmaznico:SobreaMsica
doJurupari,1999.
37. LANGDON,EstherJean.Sade,SabereseticaTrsConfernciassobreAntropologiadaSade,1999.
36
36
38. CASTELLS,AliciaNormaGonzlesde.VidaCotidianasobaLentedoPesquisador:OvalorHeursticodaImagem,1999.
39. TASSINARI,AntonellaMariaImperatriz.OspovosIndgenasdoOiapoque:ProduodeDiferenasemContexto
IntertnicoedePolticasPblicas,1999.
40. MENEZESBASTOS,RafaelJosde.BrazilianPopularMusic:AnAnthropologicalIntroduction(PartI),2000.
41. LANGDON,EstherJean.SadeePovosIndgenas:OsDesafiosnaViradadoSculo,2000.
42. RIAL,CarmenSilviaMoraeseGROSSI,MiriamPillar.VivendoemParis:VelhosePequenosEspaosnumaMetrpole,
2000.
43. TASSINARI,AntonellaM.I.MissesJesuticasnaRegiodoRioOiapoque,2000.
44. MENEZESBASTOS,RafaelJosde. AuthenticityandDivertissement:Phonography,AmericanEthnomusicologyandthe
MarketofEthnicMusicintheUnitedStatesofAmerica,2001.
45. RIFIOTIS,Theophilos.LesMdiasetlesViolences:PointsdeRepressurlaRception,2001.
46. GROSSI,Miriam Pillar e RIAL, CarmenSilvia de Moraes. Urban Fear inBrazil:From theFavelas tothe TrumanShow,
2001.
47. CASTELS,AliciaNormaGonzlesde.OEstudodoEspaonaPerspectivaInterdisciplinar,2001.
48. RIAL,CarmenSilviadeMoraes.1.ContatosFotogrficos.2.Manezinho,deofensaatrofu,2001.
49. RIAL,CarmenSilviadeMoraes.RacialandEthnicStereotypesinBrazilianAdvertising.2001
50. MENEZESBASTOS,RafaelJosde.BrazilianPopularMusic:AnAnthropologicalIntroduction(PartII),2002.
51. RIFIOTIS,Theophilos.AntropologiadoCiberespao.QuestesTericoMetodolgicassobrePesquisadeCampoe
ModelosdeSociabilidade,2002.
52. MENEZESBASTOS,RafaelJosde.OndionaMsicaBrasileira:RecordandoQuinhentosanosdeesquecimento,
2002
53. GROISMAN,Alberto.OLdicoeoCsmico:RitoePensamentoentreDaimistasHolandeses,2002
54.Mello,MariaIgnezCruz.ArteeEncontrosIntertnicos:AAldeiaWaujaeoPlaneta,2003.
55.SezOscarCalavia.ReligioeRestosHumanos.Cristianismo,CorporalidadeeViolncia,2003.
56.Sez,OscarCalavia.UnBalanceProvisionaldelMulticulturalismoBrasileo.LosIndiosdelasTierrasBajasenelSiglo
XXI,2003.
57.Rial,Carmen.Brasil:PrimeirosEscritossobreComidaeIdentidade,2003.
58.Rifiotis,Theophilos.AsDelegaciasEspeciaisdeProteoMulhernoBrasileaJudiciarizaodosConflitos
Conjugais,2003.
59.MenezesBastos,RafaelJos.BrazilianPopularMusic:AnAnthropologicalIntroduction(PartIII),2003.
60.Reis,MariaJos,MaraRosaCatulloeAliciaN.GonzlezdeCastells.RupturaeContinuidadecomoPassado:Bens
PatrimoniaiseTurismoemduasCidadesRelocalizadas,2003.
61.Mximo,MariaElisa.Sociabilidadeno"Ciberespao":UmaAnlisedaDinmicadeInteraonaListaEletrnicade
Discusso'Cibercultura'",2003.
62.Pinto,MrnioTeixeira.ArtesdeVer,ModosdeSer,FormasdeDar:XamanismoeMoralidadeentreosArara(Caribe,
Brasil),2003.
63.Dickie,MariaAmliaS.,org.EtnografandoPentecostalismos:TrsCasosparaReflexo,2003.
64.Rial,Carmen.GuerradeImagens:o11deSetembronaMdia,2003.
65.Coelho,LusFernandoHering.PorumaAntropologiadaMsicaArara(Caribe):AspectosEstruturaisdasMelodias
Vocais,2004.
66.MenezesBastos,RafaelJosde.LesBatutasinParis,1922:AnAnthropologyof(In)discreetBrightness,2004.
67.MenezesBastos,RafaelJosde.EtnomusicologianoBrasil:AlgumasTendnciasHoje,2004.
68.Sez,OscarCalavia.MapasCarnales:ElTerritorioylaSociedadYaminawa,2004.
69.Apgaua,Renata.Rastrosdooutro:notassobreummalentendido,2004.
37
37
70.Gonalves,CludiaPereira.Poltica,CulturaeEtnicidade:IndagaessobreEncontrosIntersocietrios,2004.
71.MenezesBastos,RafaelJosde."CargoAntiCult"noAltoXingu:ConscinciaPolticaeLegtimaDefesatnica,2004.
72.Sez,OscarCalavia.Indios,territorioynacinenBrasil.2004.
73.Groisman,Alberto.Trajetos,FronteiraseReparaes.2004.
74.Rial,Carmen.EstudosdeMdia:BrevePanoramadasTeoriasdeComunicao.2004.
75.Grossi,MiriamPillar.Masculinidades:UmaRevisoTerica.2004.