Este documento é uma edição especial da revista "Eleições" que contém o debate gerado em torno de uma proposta de reforma do sistema eleitoral português. A edição inclui artigos sobre o contexto histórico das reformas eleitorais em Portugal, comentários de dirigentes partidários à proposta, e reflexões académicas sobre o tema. O objetivo é analisar a proposta e contribuir para um debate informado sobre como melhorar a representação política através de mudanças no sistema eleitoral.
Este documento é uma edição especial da revista "Eleições" que contém o debate gerado em torno de uma proposta de reforma do sistema eleitoral português. A edição inclui artigos sobre o contexto histórico das reformas eleitorais em Portugal, comentários de dirigentes partidários à proposta, e reflexões académicas sobre o tema. O objetivo é analisar a proposta e contribuir para um debate informado sobre como melhorar a representação política através de mudanças no sistema eleitoral.
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Este documento é uma edição especial da revista "Eleições" que contém o debate gerado em torno de uma proposta de reforma do sistema eleitoral português. A edição inclui artigos sobre o contexto histórico das reformas eleitorais em Portugal, comentários de dirigentes partidários à proposta, e reflexões académicas sobre o tema. O objetivo é analisar a proposta e contribuir para um debate informado sobre como melhorar a representação política através de mudanças no sistema eleitoral.
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ELEIES
CADERNOS DE ADMINISTRAO INTERNA
12 EDI O ES PECI AL Sistema eleitoral e qualidade da democracia ART I GOS Manuel Meirinho Andr Freire Vitalino Canas Antnio Jos Seguro Miguel Relvas Antnio Filipe Pedro Pestana Bastos Pedro Soares Conceio Pequito Teixeira Paulo Morais ORGANI ZAO Andr Freire Manuel Meirinho REVISTA DE ASSUNTOS ELEITORAIS ELEIES CADERNOS DE ADMINISTRAO INTERNA 12 REVISTA DE ASSUNTOS ELEITORAIS EDI O ES PECI AL 5 Introduo SECO I 9 O contexto das reformas eleitorais em Portugal 11 Breve sntese das reformas eleitorais em Portugal Manuel Meirinho 25 Reformas eleitorais: objectivos, solues, efeitos provveis e trade-offs necessrios Andr Freire PROPRIEDADE Ministrio da Administrao Interna Direco Geral da Administrao DIRECO Rita Faden COORDENAO TCNICA Jorge Miguis REDACO E ADMINISTRAO DGAI Av. D Carlos I, 134 1249-104 Lisboa DESIGN silva!designers IMPRESSO Soartes ISBN 978-972-9311-98-7 ISSN 0871-7451 DEPSITO LEGAL 41658/90 *
TTULO ANOTADO PELO INSTITUTO DA COMUNICAO SOCIAL ELEIES NOVEMBRO 2009 12 REVISTA DE ASSUNTOS ELEITORAIS * SECO II 61 Comentrios de dirigentes partidrios proposta de reforma do sistema eleitoral: Para uma melhoria da representao poltica a reforma do sistema eleitoral 63 Estudo sobre a reforma eleitoral para a Assembleia da Repblica. Uma reexo crtica e poltica Vitalino Canas 69 Para uma melhoria da representao poltica. A reforma do sistema eleitoral, uma reexo crtica e poltica Antnio Jos Seguro 79 Sistema eleitoral e qualidade da democracia Miguel Relvas 83 Para uma melhoria da representao poltica tentativa de uma sntese crtica Antnio Filipe 97 Comentrio ao estudo sobre a reforma do sistema poltico para uma melhoria da representao poltica Pedro Pestana Bastos 105 Os mitos do bloco central Pedro Soares SECO III 111 Comentrios acadmicos proposta de reforma do sistema eleitoral: Para uma melhoria da representao poltica a reforma do sistema eleitoral 113 Ainda (e sempre) a reforma do sistema eleitoral entre o mpeto reformista e o imperativo conservador Conceio Pequito Teixeira 141 Para uma melhoria da representao poltica. A reforma do sistema eleitoral, uma reexo crtica Paulo Morais Este livro contm o estudo acadmico que objecto de anlise e debate na presente edio da revista Eleies Para um melhoria da representao poltica, A reforma do sistema eleitoral Andr Freire, Manuel Meirinho, Diogo Moreira Sextante Editora REVISTA DE ASSUNTOS ELEITORAIS 5 INTRODUO Manuel Meirinho Andr Freire
T al como noutros pases, tambm em Portugal as propos- tas de reforma do sistema eleitoral, em particular as que avanam com alteraes substantivas mantendo ou no o princpio de representao vigente , suscitam sempre um intenso debate. certo que este debate se cinge, na maioria dos casos, comunidade acadmica especializada e a algumas elites polticas, a que se tem juntado a comunicao social, prestando um valioso contributo difuso e problematizao das propostas. Independentemente do desfecho das propostas de reforma, o co- nhecimento do seu contedo, dos seus propsitos, das suas limitaes e dos seus efeitos vital para que possam ser avaliadas e criticadas de forma sria e rigorosa. As propostas abertas ao debate pblico, avaliao dos especialistas, s sugestes de melhoria ou de alternati- vas dos partidos, entre outros contributos, tornar-se-o, certamente, mais slidas. o que se pretende com esta edio especial da revista Eleies. Dar a conhecer uma parte do debate que se gerou em torno do es- tudo Para uma melhoria da representao poltica a reforma do sistema eleitoral (Lisboa, Sextante, 2008), realizado por Andr Freire, Manuel Meirinho e Diogo Moreira, a solicitao do Grupo Parlamentar do Partido Socialista, nomeadamente atravs do seu l- der, Dr. Alberto Martins, e conduzido sob a coordenao do primeiro dos trs autores. 6 O estudo foi objecto de um amplo, e por vezes aceso, debate des- de que foi conhecido. Em Dezembro de 2008, o Grupo Parlamentar do Partido Socialista, sob a gide do Dr. Alberto Martins e em arti- culao com os autores, organizou uma Conferncia Parlamentar na Assembleia da Repblica com a participao dos autores e de diversos especialistas na matria: Manuel Braga da Cruz, Jorge Reis Novais, Vital Moreira, Marina Costa Lobo, Antnio de Arajo e Vitalino Canas. Da discusso, como era de esperar, resultaram subscries ao mrito da proposta e sua envergadura e solidez mas tambm vrias crticas, ou porque os participantes defenderam solues diferentes das avan- adas no estudo ou porque discordavam das opes tcnicas. Apesar das diferentes vises, o debate foi lanado no espao pblico, com a colaborao da comunicao social e dele resultou um nmero signi- cativo de notcias, de comentrios e de artigos de opinio, nomeada- mente publicados na imprensa. Paralelamente o debate alargou-se blogosfera, onde alguns acadmicos e interessados no tema contribui- ram para a sua generalizao. Deste amplo debate inicial, decidiram os autores do estudo orga- nizar uma edio com as notcias, comentrios e artigos de opinio mais relevantes que foi publicada numa seco especial da revista Finisterra (n. 65/66, Julho de 2009) 1 : ver Freire, Meirinho e Moreira, 2009. Tratou-se, portanto, de uma colectnea organizada pelos auto- res do estudo com cerca de 40 pginas de artigos de opinio sados na imprensa sobre o estudo tambm em debate neste nmero especial da Eleies. Com o objectivo de focar o debate num registo mais tcnico, mas tambm para analisar a posio dos restantes partidos no s face proposta apresentada ao Partido Socialista mas tambm relativamen- te s opes de cada um em relao a uma possvel alterao do sis- tema eleitoral, decidiram os autores organizar a conferncia Sistema Eleitoral e Qualidade da Democracia. Esta conferncia decorreu no 1 FREIRE, A., MEIRINHO, M., e MOREIRA, D. (organizadores) (2009 b), seco especial sobre Debate sobre a reforma do sistema eleitoral, na seco Parlamento, Finisterra Revista de Reexo e Crtica, 65/66. 7 Instituto Superior de Cincias Sociais e Polticas em Abril de 2009 e contou com dois paineis. No primeiro, os autores do estudo aborda- ram o contexto das reformas eleitorais em Portugal e, no segundo, um conjunto de dirigentes partidrios convidados (Antnio Jos Seguro, Miguel Relvas, Antnio Filipe, Pedro Pestana Bastos e Pedro Soares) comentou, ainda que a ttulo individual, a proposta de reforma do sis- tema eleitoral apresentada ao Partido Socialista. , em boa parte, dos resultados deste debate que trata a presente edio especial da revista Eleies, tendo sido acolhida com gran- de empenho e incentivo pelo Dr. Jorge Miguis, Director da rea de Administrao Eleitoral da Direco Geral da Administrao Interna (ex-STAPE). A edio inclui trs seces: a primeira trata do contexto das refor- mas eleitorais em Portugal, com dois artigos que enquadram a evolu- o das propostas de reforma no perodo democrtico, evidenciando os principais bloqueios sua concretizao (Manuel Meirinho) e que analisam os diferentes objectivos que perseguem os diversos sistemas eleitorais, as solues que adoptam para os atingir e os seus efeitos pro- vveis, seja em termos mecnicos, seja em termos psicolgicos (Andr Freire). A esta luz, o artigo de Andr Freire analisa e discute, ainda, os contributos dos vrios autores (dirigentes partidrios e acadmicos) sobre o estudo em debate neste nmero especial. A segunda seco inclui os comentrios de dirigentes partidrios dos cinco maiores par- tidos representados no Parlamento (PS, PSD, PCP, CDS-PP e BE) que, embora a ttulo pessoal, aceitaram comentar a proposta de reforma do sistema eleitoral (Para uma melhoria da representao poltica a reforma do sistema eleitoral) na conferncia Sistema Eleitoral e Qualidade da Democracia, oralmente,e especicamente para a revista, por escrito. Inclui-se tambm o comentrio de Vitalino Canas que par- ticipou na conferncia organizada pelo Grupo Parlamentar do Partido Socialista na Assembleia da Repblica (4/12/2008), em representao do PS 2 . A terceira seco conta com artigos de dois acadmicos, que 2 Note-se que, do debate ocorrido na Assembleia da Repblica (4/12/2008), esta era a nica con- 8 para alm de incluirem comentrios proposta de reforma j referi- da (Paulo Morais), constituem um importante contributo em termos de reexo sobre o chamado imobilismo institucional, enquanto prin- cipal constrangimento promoo efectiva das reformas eleitorais (Conceio Teixeira). Enquanto organizadores desta edio especial da revista Eleies, gostariamos de agradecer a colaborao de todos os autores pelo seu contributo para o enriquecimento do debate sobre um tema to im- portante na arquitectura e funcionamento do nosso sistema poltico como o da reforma do sistema eleitoral. Um agradecimento espe- cial devido ao Dr. Jorge Miguis, em nome da rea de Administrao Eleitoral da Direco Geral da Administrao Interna, por ter tornado possvel esta edio e assim contribuir para que estes estudos e corres- pondentes debates ultrapassem as fronteiras dos gabinetes. tribuio escrita existente h, porm, gravaes audio e video do debate em posse do Grupo Parlamentar do PS. Por isso, a contribuio de Vitalino Canas a nica resultante desse debate que aqui incluimos. Alm disso, os contributos de dois dos outros intervenientes nesse debate (Vital Moreira e Marina Costa Lobo) deram depois origem a artigos na imprensa e foram publicados na Finisterra, 65/66, sendo tambm comentados no artigo de Andr Freire nesta revista. O contexto das reformas eleitorais em Portugal Manuel Meirinho Andr Freire SECO I REVISTA DE ASSUNTOS ELEITORAIS REVISTA DE ASSUNTOS ELEITORAIS 11 BREVE SNTESE DAS REFORMAS ELEITORAIS EM PORTUGAL 1 Manuel Meirinho 2
1. Reformas eleitorais: entre a complexidade e as diculdades de mudana O processo poltico associado s reformas eleitorais substantivas (major reforms), i.e., com alteraes das regras de converso de votos em mandatos (por exemplo, de sistemas maioritrios para sistemas de representao proporcional ou para sistemas mistos ou vice-versa: Katz, 2008), batante complexo. Vrios factores aju- dam a compreender esta complexidade: 1 Este artigo uma sntese de uma pequena parte do paper Institutional reform in Portugal: eli- te and mass perspectives, apresentado por Andr Freire, Manuel Meirinho e Diogo Moreira no Lisbon 2009 ECPR Joint Sessions no Workshop 3. Why Electoral Reform? The Determinants, Policy and Politics of Changing Electoral Systems, nomeadamente da parte que resultou do contributo de Manuel Merinho para o referido paper colectivo. Uma verso revista deste paper colectivo ser brevemente publicada, na integra, em portugus, no livro A Representao Poltica Portugal em Perspectiva Comparada, Lisboa, Sextante, 2009, e organizado por Andr Freire e Jos Manuel Leite Viegas, no mbito do projecto de investigao Os deputados portugueses em perspectiva compa- rada: eleies, liderana e representao poltica. 2 Politlogo Instituto Superior de Cincias Sociais e Polticas. 12 i) os sistemas eleitorais so estruturas multidimensionais e, por isso, as mudanas requerem algum equilbrio entre, por exemplo, os ele- mentos normativos e as matrias associadas eccia governativa (Dunleavy e Margetts, 1995); ii) as reformas so marcadas pela presso dupla de contextos de curto prazo e de longo prazo que, muitas vezes, levam a solues contraditrias (Norris, 1995 a: 7; Shugart, 2001: 27); iii) as reformas implicam um elevado grau de incerteza no que respeita aos seus efeitos, uma vez que tm inuncia em vrias dimenses da vida poltica, gerando uma espcie de medo do desconhecido(Taagepera e Shugart, 1989; Katz, 2008; Colomer, 2005); iv) as reformas relacionam-se, quase inevitavelmente, com o debate sobre diferentes concepes de democracia (maioritria versus consensual/consociativa) e, deste modo, sobre os principais ob- jectivos que as regras eleitorais devem cumprir, bem como sobre a melhor forma de os atingir (Lijphart, 1999, Norris, 1997). Para alm destes factores existem pelo menos outros trs que aju- dam a compreender o insucesso na implementao das reformas elei- torais, sejam elas substantivas ou minimalistas (as ltimas respeitam, por exemplo, a mudanas da frmula de converso de votos em man- datos em sistemas de representao proporcional, a passagem de listas fechadas para listas abertas, etc). O primeiro, e talvez o mais importante, prende-se com o facto de as reformas serem propostas geralmente pelos partidos de poder(os dois maiores partidos ou blocos de partidos), que raramente chegam a consenso sobre os benefcios (e prejuzos) das reformas (medidos, no- meadamente, em termos de facilidade na conquista e na manuteno do poder). Este aspecto assinala o papel central dos partidos de poder na determinao do tipo de reformas e do momemto da sua implemen- tao. Em regra, as reformas propostas obedecem ao princpio da maxi- mizao do poder (nomeadamente em termos de aumento do nmero de deputados a eleger): se o sistema vigente beneciar os partidos de poder, estes no sentem necessidade de propor alteraes; sempre que se vericam modicaes signicativas no sistema partidrio e/ou nas 13 preferncias dos eleitores que afectem aqueles partidos, ento tendem a apresentar propostas de reforma do sistema eleitoral (Boix, 1996). Este tipo de comportamento explicado pela abordagem do institu- cionalismo racional (rational-choice institutionalism), que assume que nas democracias representativas os actores polticos procuram maxi- mizar os votos e mandantos no mercado eleitoral visando a conquista e a manuteno do poder (Norris, 2004; Katz, 2008). Naturalmente que subsistem srias dvidas relativamente ideia de um actor poltico ex- clusivamente guiado pelo seu prprio interesse (i.e., exclusivamente a maximizao de votos e de mandatos): (), parece que os partidos, por vezes, querem simplesmente fazer as coisas da forma mais correcta ou mais democrtica. Esta possibilidade est na base do j longo debate sobre o facto de o sistema de representao proporcional ter sido in- troduzido na Europa porque os principais partidos reconheceram que este sistema era mais justo ou porque oferecia uma boa proteco aos partidos burgueses no que respeita entrada para o eleitorado de v- rias minorias sociais e das classes trabalhadoras (Katz, 2008; Benoit, 2004). No nosso pas, o debate sobre a modicao do sistema eleito- ral tambm aponta na direco da defesa do interesse geral: a princi- pal justicao prende-se com a necessidade de criar condies para uma melhoria das relaes entre eleitos e eleitores, favorecendo assim os critrios da responsabilizao poltica, da representao plural das correntes de opinio poltica e da democraticidade. Contudo, tambm verdade que os pequenos partidos tm constantemente argumentado que, por detrs destes objectivos explcitos, existe sempre o interesse dos principais partidos na maximizao do poder (Freire et al, 2008). Um segundo aspecto respeita ao grau de liberdade que os actores polticos tm para efectuar as reformas. Em regra no facil alterar o sistema eleitoral, especialmente quanto ele objecto de consagrao constitucional (como o nosso caso, em que necessria uma maioria de dois teros para aprovar as modicaes). Sendo muitos os cons- trangimentos a mudanas que alterem o princpio da representao proporcional, os actores polticos limitam-se a sugerir modicaes dentro deste princpio. Em muitos casos, mesmo no quadro destas al- teraes, a engenharia eleitoral defronta-se, quer com solues di- 14 ceis de compatibilizar, nomeadamente entre eccia governativa e representao (Reilly: 2007, 1354; Nolhen, 2007: 33-40) quer com po- sies muito contraditrias e inconciliveis dos principais partidos. Por ltimo, as reformas eleitorais raramente acontecem a partir de um processo de baixo para cima (das massas para as elites), embora al- gumas das principais reformas que ocorreram na dcada de nocenta nas democracias avanadas foram devidas, em parte, presso dos cidados, nomeadamente atravs de referendos (Donovan, 1995; Vowles, 1995). Por norma, as reformas surgem em processos de cima para baixo, i.e., so conduzidas pelas elites polticas e no resultam de presses de cidados organizados. Assim, as reformas eleitorais raramente so induzidas pela presso social, mecanismo que comum em outras reas das polticas pblicas. Contudo, a eroso das ligaes entre os cidados e o sistema po- ltico, e a eroso da legitimidade do mesmo aos olhos dos eleitores (tal como revelado em vrios estudos) so muitas vezes utilizadas para jus- ticar a necessidade de reformas. Apesar do falhano na implementao de qualquer das reformas j propostas em Portugal, aqueles argumentos tm sido repetidamente utilizados para a sua justicao. Em suma, os cidados tm pouca capacidade para forar os partidos mudana das regras do jogo: so as elites partidrias que determinam os termos das reformas, o seu momento e os resultados desejados. Figura 1 Factores associados diculdade em efectuar reformas eleitorais
FACTORES (SOCIAIS, INSTITUCIONAIS, POLTICOS) Presso dupla dos contextos de curto prazo e de longo prazo Confronto entre diferentes concepes de democracia Diminuto grau de liberdade que os actores polticos tm para efectuar as reformas Natureza multidimensional dos sistemas eleitorais trade-off Grau de incerteza nos resultados medo do desconhecido Papel central dos partidos de poder consenso quanto as custos e aos benefcios Fraca ou nula presso social para as reformas 15 2. Propostas de reforma do sistema eleitoral: uma sntese A ps 48 anos de ditadura, em 1974, Portugal iniciou a chamada terceira vaga de democratizao. Em 34 anos de democracia no se operou qualquer mudan- a signicativa no sistema eleitoral para a Assembleia da Repblica, excepo da reduo do nmero de deputados de 250 para 230 que ocorreu em 1991. Contudo o debate sobre a reforma eleitoral tem sido constante desde a transio para a democracia (Meirinho, 2004; Cruz, 1998). Entre 1976 e 2008 ocorreram diversos ciclos de debate sobre a reforma do sistema eleitoral que traduziram uma multiplicidade de possveis modicaes que vo desde a mudanca para um sistema maioritrio a duas voltas (Amaral, 1985) at manuteno do actual sistema com pequenos ajustamentos. No quadro 1, apresentamos as principais dimenses de anlise das propostas de reforma do sistema eleitoral em Portugal. As propostas de reforma surgiram, essencialmente, em dois con- textos diferentes. Um nmero considervel de alteraes surgiu em contexto de reviso constitucional. Foi o caso de vrias propostas com origem nos partidos, em deputados e em acadmicos que foram apre- sentadas em 1982, em 1989 e em 1997 (ver tabela 2 onde mostramos as principais propostas que surgiram desde 1978, os seus proponentes, a direco da mudana e os mecanismos defendidos para melhorar as relaes entre eleitos e eleitores. Neste mbito surgiram propostas que defenderam a reduo do n- mero de deputados, a mudana na estrutura dos crculos eleitorais, al- teraes na fmula de converso de votos em mandatos e ainda modi- caes ao tipo de voto (nominal versus de lista) e sua estrutura. Na reviso constitucional de 1989, que teve por base um acordo entre os dois maiores partidos (Partido Social Democrata e Partido Socialista), 16 foi aprovada a variao do nmero de deputados entre o mximo de 230 e o mnimo de 180. Em 1997, um novo acordo entre os mesmos partidos levaria reviso da Constituo de modo a permitir a coexis- tncia de crculos uninominais com um crculo nacional, este com ns compensatrios, o que possibilitava a eventual adopo de um sistema misto de pendor proporcional (Mixed Member Proportional System). Em suma, este contexto abriu espao a propostas de reforma com mltiplas direces mas que no consideraram qualquer mudana no princpio de representao adoptado desde o incio do perodo de- mocrtico (Nohlen, 2007), excepo da proposta do candidato pre- sidencial Freitas do Amaral (em 1985, defendeu a mudana para um sistema maioritrio a duas voltas), embora em alguns casos tenham sido defendidas, de facto, alteraes signicativas na arquitectura do sistema (por exemplo, para um sistema misto ou para um sistema de representao proporcional com mltiplos segmentos). Quadro 1 Principais dimenses de anlise das propostas de reforma do sistema eleitoral em Portugal
Contexto Tipo de proposta e direco da mudana Principais razes de justicao das reformas Reviso constitucional Vitrias eleitorais dos principais partidos / compromissos eleitorais ou programticos Genricas propostas vagas e no estruturadas (manuteno do actual sistema com pequenas modicaes ou, por vezes, mais radicais como por exemplo a mudana para o duplo voto) Propostas estruturadas e precisas geralmente suportadas por simulaes sobre os efeitos mecnicos esperados Estabilidade governativa Melhoria da qualidade da representao, i.e., criao de condies mais favorveis com vista melhoria das relaes entre eleitos e eleitores Melhoria da ecincia do Parlamento atavs da reduo do nmero de deputados Fonte: adaptado, revisto e actualizado a partir de Meirinho, 2004 17 O segundo contexto marcado pelas vitrias eleitorais mais signi- cativas dos dois maiores partidos (Partido Social Democrata: duas maiorias absolutas de votos e de mandatos em 1987 e em 1991; Partido Socialista: duas maiorias quase absolutas de mandatos em 1995 e em 1999, e uma maioria de mandatos em 2005), perodos em que surgem, de forma clara, compromissos eleitorais formalizados nos programas eleitorais com vista modicao do sistema eleitoral. Em 1992, o Partido Social Democrata props uma mudana para um Sistema de Representao Proporcional com Mltiplos Segmentos (i.e., crculos eleitorais de baixa magnitude, sem serem uninominais, para favorecer as relaes de proximidade entre eleitos e eleitores e um crculo nacional de trinta lugares com funes compensatrias da desproporcionalidade, embora os dois tipos de crculos primrios e secundrio funcionassem de forma paralela) e a reduo do nmero de deputados para 180. Embora se tratasse de uma alterao signica- tiva (major reform) no previa uma mudana do princpio de represen- tao vigente. Na decorrncia da maioria quase absoluta de mandatos obtida pelo PS em 1995, este partido iniciou um intenso processo de debate sobre a reforma eleitoral no s atravs da apresentao de propostas estru- turadas (surgidas em 1997 e orientadas para a implementao de um Sistema de Membros Mistos, inspirado no sistema alemo) mas tam- bm atravs da encomenda de vrios estudos tcnicos junto da comu- nidade acadmica, nomeadamente sobre o desenho dos crculos e de diversos estudos avaliativos da sua proposta de reforma. Finalmente, mais recentemente, na sequncia da maioria absolu- ta de votos do PS, obtida em 2005, e do compromisso eleitoral deste partido, o respectivo grupo parlamentar encomendou um estudo a uma equipa de acadmicos no sentido de alterar o sistema eleitoral. A proposta incluiu uma mudana para um sistema de representao proporcional de mltiplos segmentos (com crculos plurinominais de baixa magnitude no segmento primrio, mas sem cuculos uni- nominais). Apoiado num vasto estudo comparativo, o estudo pro- ps ainda a introduo do voto preferncial nos crculos primrios (Freire, et al., 2008). 18 Tabela 2 Principais propostas de reforma do sistema eleitoral em Portugal: caractersticas e proponentes
Suporte de apresentao Proponentes Mudana para: Melhoria das relaes eleito-eleitor Projecto de Lei Projecto de Lei Reviso constitucional Artigo de imprensa Livro Manifesto partidrio Projecto de Cdigo Eleitoral Acordo de reviso constitucional Artigo de imprensa PSD CDS Barbosa de Melo S Carneiro Antnio Guterres Freitas do Amaral PSD Acadmicos para o governo do PSD PS e PSD Antnio Vitorino RP (mltiplos segmentos) Idem (com voto obrigatrio) Sistema de membros mistos RP Crculos plurinominais Sistema de membros mistos ou RP Crculos plurinominais Sistema maioritrio a duas voltas Sistema de membros mistos (voto duplo na componente maioritria) Nova estrutura de crculos RP Crculos plurinominais e reduo do n. de deputados Sistema de membros mistos tipo Alemanha Crculos de baixa magnitude Crculos plurinominais no segmento primrio Crculos uninominais Crculos uninominais com voto preferencial Crculos uninominais No especicado No especicado Crculos uninominais TIPO I GENRICAS POR VEZES VAGAS E NO ESTRUTURADAS Ano 1978 1982 1984 1985 1986 1989 1990 Fonte: adaptado, revisto e actualizado de Meirinho, 2004 19 Tabela 2 (cont.) Principais propostas de reforma do sistema eleitoral em Portugal: caractersticas e proponentes
Projecto de Lei Manifestos partidrios (e diversos estudos acadmicos encomendados pelo PS) Manifestos partidrios Estudo acadmico e livro PSD PS PSD CDS BE, PS e PSD Trabalho de investigao acadmico encomendado pelo grupo parlamentar do PS RP crculos plurinominais e reduo do n. de deputados Sistema de membros mistos tipo Alemanha Idem (com reduo do n. de deputados) RP crculos plurinominais RP crculos plurinominais (BE); Sistema de membros mistos (PS e PSD) RP de mltiplos segmentos com voto preferncial nos circulos primrios Crculos plurinominais de magnitude baixa Crculos uninominais Crculos uninominais No especicado No especicado Crculos uninominais Crculos plurinominais de magnitude baixa e voto preferencial opcional TIPO II PRECISAS E ESTRUTURADAS, MUITAS VEZES SUPORTADAS POR SIMULAES SOBRE EFEITOS MECNICOS ESPERADOS 1990 1997 / 1999 1999 2008 Suporte de apresentao Proponentes Mudana para: Melhoria das relaes eleito-eleitor Ano Fonte: adaptado, revisto e actualizado de Meirinho, 2004 20 Considerando a terceira dimenso de anlise principais razes de justicao das reformas (cf. tabela 1), devemos assinalar, em primei- ro lugar, que as criticas ao funcionamento do sistema eleitoral se tm concentrado em trs argumentos: a) a necessidade de reforar as condies de governabilidade (es- pecicamente entre 1974 e 1987, perodo que foi caracterizado por uma forte instabilidade governativa); b) o alegado nmero excessivo de deputados que deveria ser redu- zido (um tema debatido, quase desde o incio da transio demo- crtica, muito por iniciativa dos partidos situados direita, em particular pelo PSD); c) a inexistncia de condies propcias melhoria das relaes entre eleitos e eleitores (qualidade da representao), muito em resultado do voto incidir em listas fechadas e bloqueadas e de persistir uma distribuio muito desigual na magnitude dos cr- culos eleitorais (especialmente desde 1997). O primeiro argumento perdeu relevo desde 1987, um periodo ca- racterizado por uma concentrao de votos nos dois maiores partidos (PS e PSD), e que teve como consequncias uma signicativa reduo do nvel de fragmentao do sistema partidrio (desde ento o n- mero efectivo de partidos muito semelhante ao registado em siste- mas maioritrios) e um ntido aumento na estabilidade governativa. Assim, entre 1992 e 1997 periodo em que surgiram as propostas de reforma mais precisas e estruturadas com base em simulaes sobre efeitos mecnicos , o debate sobre a reforma do sistema eleitoral em Portugal ocorreu, sobretudo, em torno dos dois ltimos argumentos: i) reduo do nmero de deputados (de acordo com os proponentes esta reduo pretendia aumentar a ecincia do Parlamento); ii) me- lhorar a qualidade da representao atravs da criao de condies favorveis melhoria das relaes entre eleitos e eleitores (vulgo pro- ximidade ao nvel dos crculos). 21 3. Sntese das crticas ao funcionamento do sistema eleitoral portugus T al como j referimos anteriormente, as propostas de redu- o do nmro de deputados foram particularmente defen- didas pelo PSD, sendo rejeitadas no s pelo PS mas tam- bm pelos pequenos partidos (BE, CDS-PP e PCP). Pelo menos desde 1997 que esta matria no rene consenso entre PSD e PS e, pelo menos prima fa- cie, tem constitudo um bloqueio via- bilizao das reformas a partir da dca- da de 90 (Freire, 1999; Cruz, 2000). O PS e os pequenos partidos, tm susten- tado que Portugal, em termos compa- rativos, no tem um nmero de depu- tados elevado, argumento que de facto comprovado pela anlise comparada, por exemplo, com a dimenso dos par- lamentos dos pases da Unio Europeia (Freire et al, 2008: 44-53). Do mesmo modo, estes partidos tm alertado para o facto de uma reduo do nmero de deputados nos termos defendidos pelo PSD (de 230 para 180) ter consequn- cias signicativas no nvel de propor- cionalidade do sistema e no grau de representao territorial. Para ultrapassar o problema do alegado distanciamento entre eleitos e eleitores, associado ao sistema de listas fechadas e bloqueadas e a exis- tncia de crculos eleitorais de elevada magnitude (como os de Lisboa, Porto, Braga e Setbal), tm sido propostas vrias solues. Desde 1997, a soluo mais debatida e particularmente defendida pelo PS e PSD tem sido a de um sistema de membros mistos proporcional. Contudo, ________ Em suma, os debates sobre a reforma do sistema eleitoral tm demonstrado que as divises intrapartidrias (sobretudo no seio dos grandes partidos) e o medo do desconhecido tm contribuido para explicar o falhano das vrias tentativas de reforma ________ 22 esta soluo tem sido objecto de vrias criticas, nomeadamente aos cr- culos uninominais: riscos de favorecimento do localismo e do cliente- lismo; risco de levar a uma bipolarizao de facto provocada pela con- centrao da competio entre dois partidos/candidatos nos crculos uninominais, mesmo apesar dos mecanismos de compensao ao nvel do crculo nacional. Estas crticas tm sido conduzidas no s pelos pequenos partidos (com receios naturais de serem penalizados com a introduo de um sistema deste tipo) mas tambm pela comunidade acadmica (AAVV, 1997) e at pelas elites polticas prximas dos dois maiores partidos, incluindo deputados e ex-governantes (Cruz, 2000; Freire, 2001). A falta de consenso vericada quer ao nvel intraparti- drio quer ao nvel interpartidrio sobre a introduo do sistema de membros mistos proporcional constituiu um dos factores que levaram o Partido Socialista a encomendar, em 2008, um novo estudo sobre a reforma do sistema eleitoral (Freire et al, 2008). Como referimos no incio, no perodo democrtico nenhuma refor- ma substantiva do sistema eleitoral foi concretizada. Cremos que as as razes que podero justicar as reservas introduo do Sistema de Membros Mistos Proporcional so muito semelhantes s reservas expressas pelos dirigentes socialistas e por alguns dos seus deputados relativamente introduo do voto preferncial nos crculos prim- rios proposta no estudo de 2008: receio de perda de controlo ao nvel da seleco dos candidatos Assembleia da Repblica e ao nvel da sua aco parlamentar. Em suma, os debates sobre a reforma do sistema eleitoral tm de- monstrado que as divises intrapartidrias (sobretudo no seio dos grandes partidos) e o medo do desconhecido tm contribuido para explicar o falhano das vrias tentativas de reforma. 23 REFERNCIAS BIBLIOGRFICAS
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1. Introduo N o presente artigo reicto sobre alguns dos problemas fundamentais associados s reformas eleitorais ou, mais genericamente, escolha dos sistemas eleitorais. Geralmente, os diferentes tipos de sistemas eleitorais tm subjacentes diferentes objectivos fundamentais que denem, pelo menos segundo alguns autores (Nohlen, 1984-2007), o sistema de representao associado. Para atingir os objectivos cen- trais subjacentes, cada sistema eleitoral adopta diferentes expedientes operacionais, ou seja, diferentes solues instrumentais (frmulas de converso de votos em mandatos, estrutura dos crculos eleitorais, tipo de sufrgio nominal ou de lista , etc.). Cada uma destas solues e, 1 O presente artigo foi especicamente preparado para este nmero especial da revista Eleies. O mesmo vem na senda da comunicao apresentada na conferncia (e debate) que teve lugar ISCSP- UTL, 21 de Abril de 2009, sob o lema Sistema eleitoral e qualidade da democracia. s apresenta- es dos autores do estudo sobre a reforma eleitoral (Freire, Meirinho e Moreira, 2008) seguiu-se um debate (com dirigentes destacados dos vrios partidos presentes no Parlamento portugus, muitos deles deputados) em torno do mesmo estudo e que agora trazido estampa na Eleies. 2 Professor Auxiliar do ISCTE-IUL (Instituto Universitrio de Lisboa) e investigador snior do CIES-ISCTE. 26 sobretudo, o conjunto integrado das mesmas tm depois determinados efeitos provveis, seja de imediato na converso de votos em manda- tos (aquilo que Maurice Duverger, 1951, chamava efeitos mecnicos, e Douglas Rae, 1969, chamou proximal effects), seja a mais longo prazo nos comportamentos e atitudes dos eleitores e dos partidos/candidatos, comportamentos e atitudes esses que resultam dum ajustamento das es- tratgias dos actores s regras eleitorais (aquilo que Maurice Duverger chamava efeitos psicolgicos, e Douglas Rae chamou distal effects). Falamos em efeitos provveis porque em diferentes contextos (hist- ricos, sociais e polticos) e, sobretudo, com diferentes distribuies re- gionais dos votos/do apoio eleitoral aos partidos, as mesmas regras elei- torais podem ter efeitos substancialmente diferentes (Nohlen, 2007). Os diferentes objectivos fundamentais que os diversos sistemas eleitorais perseguem, bem como as diferenciadas solues que adop- tam para os atingir, no so facilmente conciliveis, pelo menos em toda a sua plenitude, e, por isso, h sempre algum trade-off que preciso assumir. Como diz o clebre provrbio portugus, no se pode ter sol na eira e chuva no nabal. Sem embargo de algumas solues en- contradas (sistemas mistos e sistemas de representao proporcional com mltiplos segmentos/RPMS, por exemplo) procurarem, precisamen- te, conciliar alguns objectivos em certa medida contraditrios. Mas o que h que ter presente que mesmo quando se intenta tal conciliao, ela ser sempre relativamente imperfeita, mitigada. No presente artigo irei analisar os diferentes objectivos que perse- guem os diversos sistemas eleitorais, ou, dito de outro modo, os valo- res fundamentais que lhes esto subjacentes, as solues que adoptam para os atingir e os seus efeitos provveis, seja em termos mecnicos, seja em termos psicolgicos. Em cada caso, procurarei sempre elen- car os trade-offs que necessrio assumir, pelo menos parcialmente. A anlise de cada um destes pontos ser feita em trs seces distintas que, geralmente, denem os vectores no mbito dos quais os sistemas ________ Numa reforma do sistema eleitoral h que ter presente que no h sistemas perfeitos: necessrio assumir algum trade-off ________ 27 eleitorais so escrutinados: governabilidade, proporcionalidade e qua- lidade da representao. Termino com breves notas conclusivas. Ao longo de toda exposio procurarei sempre reportar-me s solues que propusemos no recente estudo sobre a reforma eleitoral (Freire, Meirinho, Moreira, 2008) e que est em debate neste nmero especial. Nesta anlise reportar-me-ei ainda no s s posies esgrimidas no debate ocorrido na imprensa sobre o nosso estudo (e recentemente compilado e dado estampa na revista Finisterra: Freire, Meirinho e Moreira, 2009b), mas tambm aos comentrios sobre o mesmo estudo efectuados pelos vrios dirigentes partidrios e pelos dois acadmicos (Conceio Pequito e Paulo Morais) no presente nmero especial da revista Eleies. 2. Governabilidade D e acordo com Dieter Nohlen (1984-2008), h dois grandes princpios de representao em larga medi- da inconciliveis: de um lado, temos a representao proporcional, cujo objectivo central a representao no parlamento (e tambm no governo, embora no ne- cessariamente e, sobretudo, no no mesmo grau e variando de acordo com a alternncia governativa) das vrias tendncias sociais e polticas mais signicativas em cada pas; de outro lado, temos a representao maioritria cujo objectivo central a formao de maiorias (absolutas) no parlamento (mesmo que articiais) e, consequentemente, a forma- o de governos monopartidrios o sistema de maioria absoluta a duas voltas, francesa, permite atingir o mesmo desiderato mas conci- liando-o com a existncia de governos de coligao. Outro terico fundamental nesta matria, o politlogo Arend Lijphart (1999-2007; ver tambm Powell, 2000), fala em democracia maioritria, onde os sistemas eleitorais de tipo maioritrio tm um lugar absolutamente central, e em democracia consensual/consocia- 28 tiva, onde os sistemas eleitorais proporcionais constituem tambm um eixo institucional crucial. De acordo com Lijphart, partindo do pressuposto de que as democracias modernas so fundamentalmen- te representativas, cada um dos modelos de democracia d diferentes respostas questo quem deve governar (em representao do povo)? No caso da democracia maioritria, a resposta : deve governar a maio- ria. Para garantir esse objectivo, o sistema eleitoral d um generoso bnus ao partido vencedor, na converso de votos em mandatos, e, por isso, produz geralmente maiorias absolutas de um s partido no parla- mento, em regra articiais (ou seja, maiorias absolutas de lugares que correspondem a meras maiorias relativas de votos). Claro que os siste- mas proporcionais tambm produzem maiorias deste tipo (por exem- plo, em Portugal, em 2005, com cerca de 45% dos votos, o PS obteve uma maioria absoluta de lugares no parlamento): as diferenas esto, primeiro, no bnus dado ao vencedor (muito mais generoso nos siste- mas maioritrios) e, segundo, na frequncia com que tal ocorre (muito maior nos regimes maioritrios do que nos proporcionais). Nas democracias maioritrias, consequentemente, a poltica enca- rada como um jogo de soma nula em que o vencedor leva tudo (win- ner takes it all) do ponto de vista dos mecanismos de tomada de deciso ao nvel do governo central. Portanto, embora estes sistemas estejam geralmente associados a uma maior durao mdia dos governos (isto , a uma maior estabilidade governativa), tal sobretudo conseguido atravs da criao de maiorias articiais e de uma forte distoro na converso de votos em mandatos, a qual representa geralmente uma forte penalizao das minorias. Assim, embora haja geralmente uma maior capacidade de identicar as alternativas governativas e de as res- ponsabilizar (Anderson, 2000; Freire e Lobo, 2005), tambm verdade que tem sido vericado neste modelo de democracia um menor nvel mdio de satisfao dos cidados (em geral) com a performance do re- gime democrtico (Lijphart, 1999) e, sobretudo, uma maior distncia no nvel de satisfao entre os vencedores (que votaram no partido que est no poder), mais satisfeitos, e os vencidos (que votaram nos partidos que esto na oposio), menos satisfeitos (Anderson e Guillory, 1997). Alm disso, o reforo articial das maiorias e a subrepresentao das 29 minorias pode redundar em autoritarismo da maioria e, tambm, num maior nvel de conitualidade social e num menor controlo da violncia (Lijhart, 1999). Na Tabela 1 apresentamos um resumo destas questes. Tabela 1 Sistemas eleitorais e governabilidade: objectivos, solues, efeitos e trade-offs necessrios
Mdia/Fraca Poltica como jogo de soma positiva Partilha do poder cooperao Maior incorporao das minorias no sistema poltico Trade-off: Veto das minorias Decises mais lentas Menor identicao/ Responsabilizao Remdios: Reforo estabilidade governos minoritrios Incentivos cooperao Forte Poltica como jogo de soma nula Vencedor leva tudo Fraca incorporao das minorias Decises mais rpidas Identicao clara das alternativas Responsabilizao Trade-off: Maiorias articiais Autoritarismo; Maior conitualidade Idntico a RP RM Mitigada Trade-off: Maior complexidade no funcionamento do sistema: maior opacidade Maior incerteza nos resultados (duplo voto, etc.) Representao Proporcional Representao Maioritria Sistemas Mistos MMP (RPMS) Paralelos Fonte: elaborao do autor tendo em conta o patrimnio da sistemtica eleitoral 30 Pelo contrrio, no caso da democracia consensual/consociativa a resposta pergunta sobre quem deve governar quanto mais gente melhor. Ou seja, trata-se de sistemas polticos em que se pretende no s representar elmente todas as tendncias polticas signicati- vas no parlamento, mas tambm incorporar tanto quanto possvel as minorias no processo de deciso ao nvel governamental. Tal feito no s a partir da utilizao de regras proporcionais para a conver- so de votos em mandatos parlamentares, implicando por isso me- nos distores nestes processos (ou seja, bnus menos generosos ao maior partido; menos penalizao das foras minoritrias), mas tam- bm, posteriormente, na formao de governos de coligao (ou seja, incorporando grandes maiorias e pequenos minorias partidos no processo de deciso parlamentar). Isto estimula, e exige, natural- mente, uma signicativa propenso para a cooperao entre os vrios partidos/foras polticas pois s assim possvel ter governos de co- ligao ou acordos de incidncia parlamentar (isto , juntando vrios partidos). Nas democracias consensuais ou consociativas, portanto, a poltica encarada como um jogo de soma positiva em que as maio- rias e as minorias tm geralmente algum papel do ponto de vista dos mecanismos de tomada de deciso ao nvel do governo central, ou pelo menos nos processos de tomada de deciso ao nvel parlamentar. A maior incorporao das minorias no processo de deciso e, portanto, uma democracia mais inclusiva est geralmente associada um maior nvel mdio de satisfao dos cidados com a performance do regime democrtico (Lijphart, 1999) e, sobretudo, a uma menor distncia no nvel de satisfao entre os vencedores (que votaram no partido que est no poder), mais satisfeitos, e os vencidos (que votaram nos par- tidos que esto na oposio), menos satisfeitos (Anderson e Guillory, 1997). Alm disso, como h uma maior representao das minorias e, portanto, um menor risco de autoritarismo da maioria no exerccio do poder h tambm, em regra, um menor nvel de conitualidade social e um maior de controlo da violncia (Lijhart, 1999) 3 . 3 Ver Tabela 1 31 H naturalmente alguns trade-offs/desvantagens que esto muitas vezes associados representao proporcional e democracia con- sensual. Em primeiro lugar, haver uma menor durao mdia dos governos e, portanto, uma menor estabilidade do poder executivo. Como bem chama a ateno Lipjhart (1999-2000) h que, porm, dis- tinguir, em primeiro lugar, entre estabilidade do governo e estabilida- de do regime e, em segundo lugar, h que ter em conta que algumas das mais bem sucedidas democracias do centro e norte da Europa (na Escandinvia, no Benelux, no centro da Europa, etc.) duram h muito, mesmo muito tempo, apesar de uma eventual menor performance do ponto de vista da durao mdia dos governos. Alm disso, h alguns remdios para aumentar a estabilidade do governo sem beliscar a proporcionalidade: duas delas, que propusemos no estudo recente sobre a reforma eleitoral (Freire, Meirinho e Moreira, 2008) so a moo de censura construtiva, para responsabilizar as opo- sies na queda dos governos (s podendo derrub-los se tiverem um governo alternativo para propor), e o reforo dos incentivos coopera- o entre os partidos (apparentement), muito escassa entre os partidos da ala esquerda do espectro ideolgico portugus. Alm disso, conforme props Jorge Reis Novais no debate sobre o estudo (Freire, Meirinho e Moreira, 2008) que teve lugar na Assembleia da Repblica (4/12/2008), poderia ainda reforar-se o poder dos governos minoritrios dando-lhes a possibilidade de converter em moes de conana (s derrubveis se a oposio tivesse um governo alternativo para propor, tal como no caso da moo de censura construtiva) certas peas centrais da governao (o oramento de estado, por exemplo, e, eventualmente, mais algumas, poucas, peas legislativas fundamentais) 4 .
4 Na verdade, j no nosso estudo reectimos sobre uma medida deste tipo, embora no tenhamos formulado uma proposta concreta neste sentido. Fizemo-lo na linha de Arend Lijphart (2006: 49- 50), o qual prope que, alm da moo de censura construtiva, e para se evitarem eventuais blo- queamentos na actuao dos governos, sobretudo no caso de governos minoritrios, se possam converter as suas propostas legislativas do executivo (e/ou maioria parlamentar) em moes de conana (tal como possvel na V Repblica Francesa). O politlogo holands adverte, porm, que a conjugao destas duas medidas (a moo de censura construtiva e esta outra soluo) no foi ainda tentada em nenhum pas. Demos conta desta ideia no nosso estudo sobre a reforma do sis- 32 Claro que se a regra so os governos de coligao, geralmente resul- tantes de negociaes entre os partidos, a identicao das alternati- vas de governo pelos eleitores menos clara, assim como mais difcil responsabilizar os partidos quando h vrios a ter responsabilidade no governo (Anderson, 2000; Freire e Lobo, 2005). Adicionalmente, o peso das minorias pode tornar-se excessivo e at bloquear o processo de deciso, seja ao nvel do governo (onde os pequenos partidos tm geralmente um peso superior ao seu mero peso eleitoral), seja ao nvel do parlamento, nomeadamente e muito especialmente em matrias que exijam maiorias alargadas. Mas a lentido do processo decisrio muitas vezes o preo a pagar pela incorporao das minorias e, alm disso, isso pode at trazer vantagens: medidas mais discutidas e con- sensualizadas podem ter mais apoio social e durar mais no tempo. Os sistemas mistos ou os sistemas proporcionais de segmentos ml- tiplos (RPMS) no acrescentam muito nesta matria, ora se aproximan- do mais dos regimes proporcionais (sistemas mistos alem; sistemas RPMS), ora se aproximando mais dos sistemas maioritrios (sistemas mistos paralelos), embora permitindo uma maior representao das mi- norias do que os sistemas maioritrios puros (Massicotte e Blais, 1999; Shugart e Wattenberg, 2000; Freire e Lopes, 2002; Freire, Meirinho e Moreira, 2008). Em qualquer caso, estes sistemas introduzem sempre uma complexidade acrescida nos sistemas eleitorais tornando-os me- nos transparentes (em termos do seu funcionamento) para os eleitores. No seu texto nesta revista, que alis reproduz integralmente as posies que assumiu na Assembleia da Repblica no debate sobre o estudo (4/12/2008), Vitalino Canas diz ter dvidas sobre vrios dos pontos do nosso estudo, nomeadamente: Duvido que o estudo e a pro- posta que faz garanta efectivamente a governabilidade. Pelo menos, no acompanho os autores na perspectiva optimista em relao go- vernabilidade em Portugal. Ao contrrio, creio que Portugal pode ter tema eleitoral (Freire, Meirinho e Moreira, 2008: 39). Porm, foi a insistncia de Jorge Reis Novais, no debate sobre o estudo na Assembleia da Repblica (4/12/2008), que nos fez pensar nela de forma mais madura. Ao mesmo agradecemos a insistncia na ideia, a qual, manifestamente, nos ajudou a pensar melhor o problema. 33 no futuro um srio problema de governabilidade, particularmente se deixar de haver governos com a sustentao de uma maioria absoluta na Assembleia da Repblica e, continua a alegar o autor, Isto porque a expectativa da possibilidade de evoluo para uma democracia con- sociativa em Portugal (como noutros pases do Sul da Europa e pa- ses com um quadro partidrio semelhante ao nosso) quase to difcil como a evoluo para uma democracia de Westminster. Hoje as coliga- es em Portugal so mais difceis do que h uma ou duas dcadas. Este comentrio merece-me vrias observaes. Primeiro, ns pro- pomos vrias medidas para reforar a governabilidade sem beliscar a proporcionalidade, embora pelo menos algumas delas exijam reviso constitucional: moo de censura construtiva; extenso da lgica mo- o da censura construtiva a algumas peas centrais da governao, nomeadamente o oramento (o oramento construtivo como lhe chama Antnio Jos Seguro neste nmero); incentivos cooperao entre os partidos, isto , o apparentement. Estas medidas, ou pelo me- nos algumas delas, recebem at o apoio do prprio Vitalino Canas, bem como de Antnio Jos Seguro, de Conceio Pequito e de Paulo Morais ver textos neste nmero 5 . Naturalmente, estas medidas no garantem em absoluto a governabilidade, mas se fossem aplicadas iriam muito provavelmente refor-la signicativamente. Em segundo lugar, as propostas de reforma eleitoral (propriamente ditas) contidas no estudo poderiam ser implementadas sem tais medi- das, para no ser necessria reviso constitucional, mas a governabili- dade caria mais enfraquecida. Porm, e at porque na XI Legislatura 5 No presente nmero da Eleies, Antnio Filipe discorda da moo de censura construtiva ale- gando, nomeadamente, que ela iria limitar os poderes do Presidente da Repblica (PR). No sou constitucionalista, nem sequer jurista, mas a priori parece-me que a moo de censura construtiva limitaria sobretudo os poderes do parlamento na possibilidade de fazer cair governos, nomeada- mente evitando coligaes negativas e incentivando uma maior responsabilidade das oposies. De qualquer modo, mesmo admitindo que tal medida limite os poderes do PR, ser por uma boa causa: reforar as condies de governabilidade do sistema poltico sem prejudicar com isso a re- presentao dos pequenos partidos e, por isso, acho at curioso que Antnio Filipe, que deputado de um pequeno partido (PCP) que poderia ser prejudicado por uma eventual compresso de pro- porcionalidade, no veja com bons olhos tal medida. 34 (2009-?) a AR ter poderes de reviso constitucional, se est verdadei- ramente empenhado em manter os nveis de proporcionalidade (que alis fazem o pleno da esmagadora maioria dos deputados de todos os partidos representados na AR na X Legislatura: Freire, Meirinho e Moreira, 2009a), como rearma Alberto Martins no prefcio do nosso estudo (e no temos razes para no levar a srio uma tal posio), o PS poderia at fazer de medidas como estas (reforando a governabi- lidade sem beliscar a proporcionalidade) a moeda de troca absoluta- mente necessria para haver uma reforma do sistema eleitoral sem se comprimir a proporcionalidade e reforando-se tambm, simultanea- mente, as condies de governabilidade. Porque se no for assim, qual realisticamente a alternativa? Porventura por limitao minha, s vejo uma: baixar o limiar de votos para a obteno da maioria absoluta de deputados (articial) de um s partido (dos actuais 45% dos votos para 40% ou at menos?), mas tal implicaria necessariamente uma re- duo da representao dos pequenos partidos, logo uma compresso da proporcionalidade. Como alego abaixo, nomeadamente na prxima seco deste artigo, tal indesejvel por variadssimos motivos. Em terceiro lugar, os problemas de governabilidade existem sobre- tudo esquerda, e praticamente no se colocam direita, mas eles so de ndole poltica e no institucional. Ou seja, resultam de uma di- culdade de entendimentos entre as esquerdas e, pelo contrrio, no derivam de termos um sistema eleitoral excessivamente proporcional (pelo contrrio o nvel de desproporcionalidade est acima da mdia dos regimes proporcionais europeus na UE27+3, como evidenciamos no estudo) ou de termos um sistema partidrio excessivamente frag- mentado (pelo contrrio, a concentrao do voto nos dois maiores par- tidos assemelha o nosso sistema partidrio ao das democracias de tipo Westminster, como tambm evidenciamos no estudo). A direita por- tuguesa j mostrou que capaz de entender-se: por exemplo, a ltima coligao PSD-CDS foi extremamente coesa, numa conjuntura parti- cularmente difcil (crise econmica, necessidade de corrigir o dce num prazo muito curto, investigaes no caso Moderna que indirecta- mente poderiam implicar o lder do CDS, etc.), e o seu colapso resultou apenas da aco presidencial. 35 O problema que o PS no se consegue entender com a esquerda radical ao contrrio do que se passa com os seus congneres socia- listas e sociais-democratas na s na Europa do Sul (nomeadamente em Espanha, Frana, Itlia e Chipre) mas tambm na Escandinvia e em vrios outros pases europeus (Arter, 2006; March, 2008; Freire, 2009b) um facto claro e, curiosamente, mais facilmente reconhecido por Pedro Pestana Bastos, do CDS-PP, do que pelas dirigentes das for- as de esquerda que aceitaram comentar o nosso estudo. Porm, se verdade que h alguma responsabilidade da esquerda radical nesta fal- ta de entendimento, seja por causa do forte grau de ortodoxia do PCP, seja, sobretudo, pela fraca propenso ao compromisso e assuno de responsabilidades governativas pelo BE e pelo PCP, o PS precisa tam- bm de assumir as suas responsabilidades neste domnio. Recorde-se que, em 2004, vrios altos responsveis do partido (que ento apoia- ram a candidatura de Alegre liderana) defendiam que, em caso de vitria com maioria relativa, o PS deveria tentar entender-se com os partidos sua esquerda. O que mudou desde ento? Para bem e para o mal, a esquerda radical continua igual a si prpria Alm disso, vrios estudos demonstram que, na Europa, o PS um dos partidos menos ali- nhados esquerda da famlia socialista/ social-democrata (Freire, 2006 e 2009b). Portanto, para uma aproximao entre as esquerdas o PS precisa, primeiro, de reconhecer o seu forte centrismo ideo- lgico e, segundo, precisa de reconhecer que necessita de ceder signicativamen- te nesse centrismo para tornar possvel uma aproximao esquerda radical. As democracias consociativas e as coliga- es que usualmente lhes esto associa- das, e que os portugueses actualmente parecem preferir s maiorias absolutas (Freire, Meirinho e Moreira, 2009a), exigem tais compromissos, de todas as partes. Neste domnio, as responsabilidades so de todos. Porm, Pedro Soares no seu texto desta revista que aqui cito, parece colocar as responsabilidades de uma ________ O sistema eleitoral portugus no gera problemas de governabilidade: a proporcionalidade est abaixo da mdia; o sistema partidrio no fragmentado, antes pelo contrrio ________ 36 eventual aproximao de um s lado: Na verdade, o bloqueamento hegemnico em que o bloco central quis transformar a vida polti- ca portuguesa no alimenta qualquer esperana quanto a coligaes. Quem que est disponvel para uma aliana com os antpodas do seu programa eleitoral? Na verdade, na minha perspectiva, as cedncias tero de ser mtuas, naturalmente, mas porventura maiores da parte dos pequenos (BE e/ou PCP) do que dos grandes (PS) por uma razo simples: a fora dos nmeros, que um elemento crucial numa qual- quer democracia, implica que os grandes tenham um papel mais im- portante do que os pequenos num acordo parlamentar ou coligao. Alm de que uma comparao recente entre o posicionamento ideo- lgico e as preferncias em matria de polticas pblicas de eleitores e eleitos (deputados), com base em dois inquritos realizados em 2008, revelaram que nos partidos esquerda do PS que existe o maior des- fasamento entre representados e representantes, com os segundos bas- tante mais esquerda do que os primeiros (comparando cada grupo parlamentar com os votantes/simpatizantes de cada partido) (Freire e Belchior, 2009). De qualquer modo, importante sublinhar duas coi- sas. Primeiro, preciso resolver o desequilbrio no sistema partidrio portugus (entre as direitas que conseguem entender-se e as esquer- das que no o conseguem fazer), no s porque essa uma maneira de aumentar a clareza das alternativas, logo a qualidade da democra- cia, mas tambm para preservar o sistema proporcional e o modelo constitucional consociativo: os compromissos poltico-partidrios so parte fundamental para o funcionamento adequado destes sistemas. Segundo, porque a falta de entendimento entre as esquerdas um pro- blema que diz respeito fundamentalmente s elites e muito pouco aos eleitores: os primeiros no se entendem, os segundos desejam sobre- tudo uma tal convergncia (ver nomeadamente as sondagens citadas no meu artigo do Pblico de 27/5/2009: O modelo constitucional, os eleitores e os eleitos). No seu texto nesta revista, Antnio Jos Seguro diz-nos ainda que discorda da nossa denio de governabilidade (Freire, Meirinho e Moreira, 2008): as condies para a formao e manuteno de go- vernos apoiados por maiorias parlamentares absolutas. Note-se que 37 tanto podem ser maiorias absolutas de um s partido como de vrios, isto , resultantes de governos de coligao formal ou informal (acor- dos de incidncia parlamentar). A sua discordncia, diz-nos o autor, resulta de que, levada letra, aquela nossa denio excluiria os go- vernos minoritrios que tivemos desde 1995 do arco da governabili- dade, nomeadamente o de 1995-1999 (Guterres I) que alis cumpriu integralmente a legislatura e, por isso, foi bastante estvel do ponto de vista da governabilidade. Tem razo Antnio Jos Seguro: pessoal- mente, vejo agora que no fomos sucientemente precisos na deni- o de governabilidade. O que queramos dizer, no fundo, que, pelo menos de um ponto de vista terico, h um contnuo de estabilidade governativa mais ou menos provvel. Tal contnuo vai de um mximo (maiorias absolutas monopartidrias) a um mnimo (governo minori- trios), passando por situaes intermdias (maiorias absolutas com base pluripartidria: governos de coligao ou apoiados em acordos de incidncia parlamentar). Tal no signica negar que possam existir alguns governos minoritrios (uma frmula muito comum nalguns pa- ses como a Dinamarca: Arter, 2006) que cumpram a legislatura e que, portanto, se revelem bastante estveis (como o governo Guterres I). Alm de que, em democracia, nem sempre as legislaturas so integral- mente cumpridas (isto , a estabilidade do poder executivo no total) e isso no signica necessariamente um perigo para a estabilidade do regime democrtico como prova a enorme longevidade das democra- cias consociativas do Norte da Europa (Lijphart, 1999). Ou seja, como j dissemos, h que diferenciar entre a estabilidade do governo (que do que estamos a falar) e a estabilidade do regime democrtico: a pri- meira pode no ser total sem pr em causa a segunda; pelo contrrio, absolutizar a primeira pode pr em causa a segunda. Mas aquilo que achamos que as probabilidades de boas condies de governabilida- de com um governo minoritrio so mais reduzidas (do que no caso de uma maioria absoluta, mono ou pluripartidria) e, por isso mesmo, recomendamos algumas medidas (moo de censura construtiva, or- amento construtivo, etc.), com as quais alis Seguro diz concordar, que poderiam reforar a estabilidade governativa, nomeadamente de executivos minoritrios. 38 Tambm Pedro Pestana Bastos converge com a posio dos autores do estudo em matria de governabilidade, sublinhando nomeadamente as diferenas entre o perodo anterior e posterior a 1987: No devemos esquecer que h mais de 20 anos que o Parlamento no aprova uma mo- o de censura ou responsvel pela queda de um Governo, sendo que as nicas duas vezes que nos ltimos 20 anos um Governo no chegou ao m da legislatura, tal deveu-se ou a iniciativa do Primeiro Ministro (caso da demisso do Eng Guterres) ou a iniciativa do PR (caso de dis- soluo da AR pelo Presidente Sampaio por problemas com o Governo de Santana Lopes). Podemos concluir assim que o actual sistema provou neste aspecto, e que passa com distino no teste da Governabilidade. E mais frente acrescenta: Parece-nos claro que as causas (dos pro- blemas de governabilidade que ainda permanecem em Portugal) esto na diculdade em, 35 anos aps a revoluo, os partidos da esquerda se entenderem em solues governativas. Este fenmeno leva a que esquerda as solues embora mais difceis de atingir sero tendencial- mente de um s partido sendo que direita a situao a inversa. Esta realidade leva a que na verdade seja mais fcil encontrar solues con- sociativas direita. Num futuro que prevejo prximo tal fraqueza do sistema poder ser superada. Na verdade, aos poucos percebe-se que as condies para que PS e BE protagonizem uma soluo consociativa se vo reunindo. Com certeza no ser com Jos Scrates frente do PS mas hoje a perspectiva de uma soluo de incidncia parlamentar PS- BE no parece j impossvel o que poder equilibrar o sistema. 3. Proporcionalidade O s sistemas proporcionais apresentam geralmente como uma das suas principais vantagens o facto de proporcionarem uma representao mais justa das vrias tendncias polticas (isto , nem penalizando excessivamente os pequenos, nem dando bnus mui- 39 to generosos aos grandes, sempre na converso de votos em mandatos, embora, como bem sabido, existam sempre, em qualquer sistema elei- toral, algumas distores deste gnero: Rae, 1969). Isto no s permite uma maior incorporao das minorias no sistema poltico e no processo de tomada deciso, legitimando (mas tambm naturalmente atrasando) mais as decises e amortizando os conitos, bem como tornando o sis- tema mais permevel entrada de novas foras polticas (que quando surgem so geralmente pequenas) e, portanto, fornecendo aos sistemas parlamentares uma maior capacidade para incorporarem a inovao so- cial e poltica. Alm disso, como as vrias foras polticas signicativas so tratadas de forma relativamente justa, quem simpatiza com e vota nos pequenos partidos no v o seu voto desperdiado (ou, em alterna- tiva, no obrigado ao voto til), logo h menos votos perdidos. Na Tabela 2 apresenta-se um resumo das questes respeitantes proporcionalidade. Tabela 2 Sistemas eleitorais e proporcionalidade: objectivos, solues, efeitos e trade-offs necessrios
Representao mais el das vrias tendncias; Oportunidade para novas foras Trade-off: Maior Participao Maior Incorporao Favorecimento do vencedor; Forte penalizao dos partidos mais pequenos Trade-off: Menor Participao Menor Incorporao Representao Proporcional Representao Maioritria Sistemas Mistos Idntico a RP Trade-off: Mix ideal, mas depende dos vrios elementos RM Mitigada Trade-off: Mix, resultado nal ainda depende mais dos vrios elementos MMP (RPMS) Paralelos Fonte: elaborao do autor tendo em conta o patrimnio da sistemtica eleitoral 40 Tudo isso est por detrs do diferencial de participao eleitoral, fa- vorvel aos sistemas proporcionais e desfavorvel aos sistemas maiori- trios: h abundante evidncia emprica de que as pessoas participam mais (votam mais, etc.) nos primeiros sistemas do que nos segundos (Jackman, 1987, 1995; Lijphart, 1999; Franklin, 2002; Meirinho, 2004; Wessels e Schmitt, 2008). Mas o nvel de proporcionalidade do sis- tema eleitoral est tambm associado a uma maior clareza das alter- nativas polticas propostas pelos partidos aos eleitores (isto , a uma maior polarizao ideolgica): como h lugar representao de v- rios partidos (e no apenas dos dois maiores), logo das maiorias e das minorias ideolgicas, a competio no se centra exclusivamente no eleitor mediano. Ou seja, a competio poltica no se faz exclusiva- mente centrada no eleitorado central e tal padro de competio esti- mula a diferenciao ideolgica entre os partidos. E, por essa via indi- recta do aumento da clareza das alternativas, podemos dizer tambm que os regimes proporcionais aumentam a qualidade da democracia: estimulam a participao eleitoral (Wessels e Schmitt, 2008), aumen- tam os nveis de identicao dos eleitores com os partidos polticos (Schmitt, 2009; Eneyedi e Todosijevic, 2009) e aumentam o grau em que o voto cidado est ancorado em preferncias em matria de pol- ticas pblicas/temas/orientaes valorativas (Freire, 2009a). Pelo contrrio, os sistemas maioritrios esto geralmente associados a uma representao menos justa (isto , a maiores bnus ao partido vencedor e a maiores penalizaes dos pequenos partidos), a menores oportunidades dadas s novas foras polticas, logo a uma menor ca- pacidade de o sistema parlamentar incorporar a inovao social e po- ltica. Portanto, os sistemas maioritrios esto geralmente associados a mais votos desperdiados (quando depositados nos pequenos parti- dos) e a uma concentrao articial do voto nos dois maiores partidos (pois so os nicos que, em regra, tem mais possibilidades de obter representao parlamentar, exceptuando as minorias territorialmente concentradas). Como vimos, o aumento dos votos desperdiados e a menor incorporao das minorias no sistema poltico leva geralmente a uma menor participao dos cidados (eleitoral, etc.). Alm disso, pelo bipartidarismo articial que induzem, estes sistemas estimulam 41 uma competio quase exclusivamente centrada no eleitor mediano e, portanto, aumentam a probabilidade de uma indiferenciao ideolgi- ca (entre os dois grandes) e, por essa via, aumentam tambm as pro- babilidades de um menor nvel de participao poltica, de menores nveis agregados de identicao com os partidos e de um voto menos ancorado nas preferncias em matria de polticas pblicas. Em suma, a eventual ecincia e rapidez no processo decisrio, usualmente as- sociada aos governos de um s partido, pode redundar num abaixa- mento da qualidade da democracia. Claro que um nvel excessivo de proporcionalidade pode levar in- governabilidade, captura dos sistemas de governo pelas minorias, perda de ecincia e de eccia no processo de governao, etc. Porm, nem Portugal tem um nvel de proporcionalidade excessivo, nem tem um sistema partidrio fragmentado: pelo contrrio, sobretudo desde 1987 e pelo menos at 2005, Portugal tem um nvel de proporcionali- dade abaixo da mdia dos sistemas eleitorais proporcionais europeus (UE27 + 3) e um sistema partidrio muito concentrado nos dois maio- res partidos 6 (tambm muito pouco diferenciados ideologicamente en- tre si). Um formato do sistema partidrio que , alis, mais semelhante aos dos sistemas de partidos das democracias maioritrias do que aos das democracias consensuais (Freire, Meirinho, Moreira, 2008). Alm disso, embora no perodo 1975-1987 tenhamos tido uma grande insta- bilidade dos governos, de 1987 para c temos tido um nvel de estabi- lidade governativa convergente com os padres europeus mais usuais. Mais, como dissemos atrs, os partidos de direita j demonstraram que so capazes de se entender para governar em coligao, os partidos de esquerda que no. Porm, o problema de governabilidade esquerda no um problema institucional, isto , no resulta de termos um sis- tema eleitoral demasiado proporcional e/ou um sistema partidrio de- masiado fragmentado. No, o problema de governabilidade esquerda sobretudo um problema poltico, com responsabilidades repartidas 6 As eleies europeias de 2009 indicam um aumento muito signicativo do nmero efectivo de partidos eleitorais, isto , do nmero de partidos em competio ponderado pelo respectivo peso eleitoral. 42 entre os vrios intervenientes (PS, BE e PCP/CDU), que, por isso mes- mo, no deve, na minha perspectiva ser resolvido com uma compresso da proporcionalidade, at por causa dos impactos negativos que pro- vavelmente teria na participao, na clareza das alternativas polticas, no nvel de identicao com os partidos, etc. Alis, recorde-se mais uma vez que, em 2004, nas primrias do PS para a escolha do lder, uma boa parte da elite dirigente que apoiou Manuel Alegre alegava que deviam tentar construir solues de governo (plural) esquerda, em caso de no terem maioria absoluta, para que a governabilidade e a estabilidade no fossem um exclusivo da direita. De qualquer modo, no estudo que coordenei (Freire, Meirinho e Moreira, 2008), conforme pode comprovar-se lendo as palavras do l- der parlamentar do PS, Dr. Alberto Martins, vertidas no prefcio, aqui- lo que nos foi pedido foi que mantivssemos os nveis de proporciona- lidade e de governabilidade e crissemos condies para um aumento da qualidade da representao. Condies nas quais nos revamos in- teiramente, no s pelo que cou dito atrs, mas pelo conhecimento anterior que tnhamos da matria e, tambm, pela abundante evidn- cia comparativa coligida no trabalho. Apesar de o estudo ter sido elogiado por todos os comentadores pela sua qualidade e flego comparativo, tambm recebemos vrias crticas. Estamos habituados a isso na academia e convivemos bem com o facto. Alis, penso at que, muitas vezes, as crticas nos ajudam a melhorar o nosso trabalho ( sempre assim quando submeto arti- gos para publicao em revistas acadmicas nacionais e internacionais com referee annimo). Todavia, muitas das crticas que recebemos (so- bre este estudo) questionavam os pressupostos, e portanto contesta- vam aquilo que acordmos como o Grupo Parlamentar do PS. Mais, por isso mesmo, vinham pr em causa o diagnstico da situao (acer- ca do funcionamento do sistema eleitoral, de partidos e de governo) que antes estava relativamente consensualizado entre a academia e a classe poltica. Nomeadamente, alguns desses crticos vieram agora propor agora a ideia de que o Portugal tem problemas de governabili- dade (Lobo, 2008; Moreira, 2008a) e que, portanto, no limite a propor- cionalidade deve ser comprimida para se aumentar a governabilidade 43 (embora este corolrio bvio da primeira tese no fosse claramente assumido). E ainda a ideia de que a personalizao do voto (isto , a criao de condies institucionais mais favorveis a uma maior liga- o entre eleitores e eleitos) no assim to necessria, pelo menos se for preciso assumir o seu necessrio trafe-off nomeadamente em ter- mos de alguma reduo da submisso dos deputados face s direces partidrias e, portanto, assumir alguma reduo da disciplina de voto (Lobo, 2008; Moreira, 2008b). Conceio Pequito, nesta revista, alega tambm que o voto preferencial poderia resultar nalguma quebra da disciplina de voto. verdade. Mas, conforme explicaremos a seguir, tal um trade-off que preciso assumir se queremos ter deputados que pensam um pouco mais em responder s demandas dos seus elei- tores e um pouco menos em agradecer s lideranas partidrias: este que o problema central do sistema eleitoral portugus, do nosso ponto de vista. Alis, para atingir este desiderato (mudar o sistema no sentido de criar condies institucionais mais favorveis a uma maior proximidade entre eleitores e eleitos), Conceio Pequito recomenda a adopo de primrias intra-partidrias para a escolha dos candidatos s legislativas. Estou de acordo, mas, tendo em conta o excessivo grau de disciplina dos militantes (em torno da gura do lder) nos partidos portugueses (o PS entre 2005 e 2009 isto foi levado exausto), penso que deveriam ser primrias abertas aos simpatizantes do partido e no apenas aos eleitores: para o partido car mais sintonizado com o pul- sar da sociedade. De qualquer modo, tambm as primrias (abertas ou fechadas) implicariam alguma quebra da disciplina de voto. Mas as crticas mais graves (porque desajustadas) foram algumas leituras do trabalho que ou relevam uma leitura apressada, ou revelam um ostensivo desprezo pela evidncia emprica coligida no mbito do mesmo. Nomeadamente, Vital Moreira (2008a), Marina Costa Lobo (2008) e Manuel Braga da Cruz (no debate no Parlamento a 4/12/08) alegaram que, primeiro, que tnhamos descurado a questo da gover- nabilidade e, segundo, que com a nossa proposta iramos aumentar brutalmente a proporcionalidade por causa da existncia de um cr- culo nacional muito grande (entre 89 e 109 lugares, nas solues mais recomendadas; 99 para a soluo ptima) (Moreira, 2008a). 44 Quanto a termos descurado a questo da governabilidade, rejeito em absoluto tal acusao. Primeiro, porque no s procurmos manter to integralmente quanto possvel o status quo em termos de bnus ao maior partido e de proporcionalidade geral do sistema, como inclusive aumentmos ligeiramente tal bnus (tanto quanto possvel estimar com as simulaes que possvel fazer a priori: as simulaes dos efeitos mecnicos) (Freire, Meirinho e Moreira, 2008: 157-177, especialmente o quadro resumo em 177). Segundo, porque o que ns achamos, nome- adamente eu, que a governabilidade no s no deve ser conseguida custa da proporcionalidade (que no demasiado elevada em termos comparativos, antes pelo contrrio, e isso est comprovado exausto no trabalho), como pode ser conseguida por outros meios: moo de censura construtiva, incentivos cooperao entre os partidos atravs do apparentement, converso de algumas leis fundamentais em moes de conana s rejeitveis atravs da apresentao de alternativas de go- verno. Terceiro, porque muito provavelmente o que nos divide, mas nun- ca foi explicitamente assumido quer por Marina Costa Lobo, quer por Vital Moreira, (mas foi-o por Manuel Braga da Cruz, com louvvel clare- za, sublinhe-se), precisamente este ltimo ponto. Ou seja, o corolrio das crticas destes colegas que se deve comprimir a proporcionalidade para conseguir uma suposta falta de governabilidade do sistema actual, nomeadamente aumentando o bnus dado ao partido vencedor e pena- lizado os pequenos partidos, na converso de votos em mandatos. Pena que, exceptuando Braga da Cruz, o qual defendeu na AR (4/12/08) uma inexo maioritria (props at que se retirasse o sistema proporcional da Constituio), no o tenham claramente assumido. Em matria de proporcionalidade, tambm cumprimos integralmen- te o que nos foi pedido. Isto , as solues encontradas foram todas simu- ladas (com os resultados eleitorais anteriores: 1975-2005), comeando com um crculo nacional de 49 e at 109, e as solues ptimas que re- comendamos apontam para um crculo de 89 a 99 lugares, preferencial- mente a ltima soluo. Porm, de acordo com as estimativas possveis, no s no aumentaramos a proporcionalidade como a diminuiramos um pouco (porque isto no pode ser feito a rgua e esquadro). Todas as estimativas davam um ligeiro aumento do bnus ao vencedor e um 45 ligeiro aumento do nvel de desproporcionalidade (Freire, Meirinho e Moreira, 2008: 157-177, especialmente o quadro resumo em 177). Alm disso, a ideia de que um crculo muito grande aumentaria mui- to a proporcionalidade uma ideia h muito falsicada por Douglas Rae (1969, pp. 116-117). Ou seja, o aumento da proporcionalidade com o aumento da magnitude dos crculos (M) curvilinear 7 e a partir de M = 20 tende para zero, isto , praticamente no cresce (ver Rae, 1969, pp. 116-117: texto e grco apresentados pelo autor). E, a par disso, preciso ter presente que, primeiro, no sistema actual temos vrios cr- culos grandes (com M > 20, ou uma magnitude muito semelhante a 20) 8 e, segundo, que os crculos distritais que propomos so, em regra, muito pequenos (logo geram a uma grande compresso da proporcio- nalidade: em 57% dos 229 lugares em disputa) at para se poder gerar maior proximidade entre eleitores e eleitos e para se aplicar o voto preferencial num s boletim de voto 9 . O que um crculo muito grande faz baixar o limiar de entrada para os pequenos partidos e, por essa 7 Citemos o prprio Douglas Rae: A relao positiva entre a magnitude dos crculos e a proporcio- nalidade curvilinear: conforme aumenta a magnitude dos crculos, a proporcionalidade aumenta a uma taxa decrescente (Rae, 1969, pp. 116-117). 8 Contando Lisboa (M=48) e Porto (M=38), temos hoje 37% dos lugares atribudos em crculos com uma proporcionalidade praticamente igual a M=99; isto para no falar de Braga, M=18, e de Setbal, M=17. Passaramos a ter 43% dos lugares (99/229) nestas condies (e no 50%, como alegou Vital Moreira, 2008a). Alm disso, note-se que nenhum dos outros crculos (de base distrital/regional) teria mais de 10 lugares na nossa proposta, tendo geralmente entre 4 e 8 lugares. 9 Vitalino Canas (no artigo deste revista) alega que o apparentement seria sobretudo benco para os pequenos partidos. verdade, mas apenas parcialmente. Para os pequenos partidos poderem bene- ciar seria necessrio que eles se disponibilizassem a cooperar com os grandes. Portanto, o benefcio seria tambm sistmico, por via dos incentivos cooperao (to escassa entre os partidos de es- querda), e no apenas para os pequenos partidos. E porqu? Porque na maioria (se no mesmo na totalidade) dos crculos distritais que propnhamos (4 a 8-10 lugares) os partidos pequenos teriam muita diculdade em eleger deputados. A no ser que se aparentassem com um dos grandes (note- se que o apparentement era s proposto para o nvel distrital e exigia a publicitao prvia do facto na CNE e nos mass media), e que o divulgassem publicamente sinalizando assim a sua disponibili- dade para cooperarem. O CDS-PP facilmente faria tais aparentamentos com o PSD e, por isso, as esquerdas poderiam car numa situao mais difcil se no zessem o mesmo... No garantido que funcionasse, bem entendido, mas era com certeza um incentivo institucional cooperao interpar- tidria com potenciais benefcios sistmicos e no apenas para os pequenos partidos. 46 via, poder gerar mais fragmentao, sim. Porm, ao estimarmos os resultados vericmos que s antes de 1987 (com menos concentrao do voto) entraria mais 1 ou 2 micro partidos: mais dois lugares para micro partidos em 1979 (um para cada: PDC e UDP); mais dois lugares para micro partidos em 1980 (um para cada: PSR e POUS); mais um lu- gar para a UDP em 1985 e em 1987 (Freire, Meirinho e Moreira, 2008: 111). Ou seja, com o padro de competio actual nada se alteraria; com uma competio mais fragmentada (tal como tivemos at 1987) o incremento de fragmentao seria mnimo. cautela propomos uma clusula barreira de 1,5%, a barreira efectiva actual em Lisboa (o maior crculo actual), que inicialmente no pretendamos fosse necessria 10, 11 . Os dados esto disponveis no CIES-ISCTE (e estavam nos anexos do trabalho entregues ao Grupo Parlamentar Socialista) para todos os que os quiserem escrutinar, sempre o dissemos. Alm disso, fazer comen- trios muito assertivos com base em leituras apressadas, ou, muito pior, ignorar ostensivamente as simulaes dos efeitos mecnicos (as nicas que possvel fazer a priori, sublinho!), no srio. 10 Note-se que no pretendamos, de incio, avanar com uma medida destas (a clusula barreira de 1,5%) que exige reviso constitucional. At porque nos tinha sido pedido que evitssemos medidas que exi- gissem uma reviso constitucional. Mais, tendo em conta as simulaes para o perodo 1991-2005, ela nem sequer seria necessria. E, para todo o perodo (1976-2005), mesmo sem clusula barreira o for- mato do sistema partidrio no se alteraria signicativamente: o que revelam as simulaes dos efei- tos mecnicos. Portanto, trata-se apenas de uma precauo (!) e no de uma condio sine qua non da reforma eleitoral que propomos, pelo menos tanto quanto possvel estimar a priori. 11 Sobre a nossa proposta de uma clusula barreira, Vitalino Canas (no texto desta revista) exprime ainda as seguintes dvidas adicionais: Alis, a minha divergncia em relao clusula barreira no resulta apenas de ser necessrio efectuar uma reviso constitucional para a consagrar. Tenho tambm dvidas de natureza poltica e democrtica sobre o estabelecimento de uma clusula bar- reira, mesmo que de limiar muito baixo (1,5%, por exemplo) (sublinhado nosso). Como pode ler-se no nosso estudo, as clusulas barreiras so abundantemente usadas em sistemas proporcionais (na Alemanha, na Escandinvia, na Europa de leste, etc.), nomeadamente em variadssimos pases euro- peus cujos pergaminhos democrticos no oferecem qualquer dvida, e, sobretudo, cujos nveis de proporcionalidade esto bastante acima dos padres portugueses. Por isso, espantoso que Vitalino Canas tenha dvidas sobre o natureza poltica e democrtica sobre o estabelecimento de uma clu- sula barreira. Alm disso, trata-se apenas de uma questo de transparncia que se for devidamente explicada aos eleitores eles facilmente percebero: a magnitude dos crculos representa uma espcie de clusula barreira efectiva e precisamente por isso que em muitos crculos do interior portu- gus (ou os da emigrao) nem sequer se pode falar de uma proporcionalidade efectiva. 47 Pode dizer-se que o duplo voto junto com a dimenso do crculo nacio- nal aumenta a margem de incerteza nos resultados, e verdade, o que no se pode alegar que a soluo proposta iria aumentar a proporcionalidade e diminuir a governabilidade. No verdade, pelo menos tanto quanto possvel estimar a priori. O resto so intuies e especulaes. Mas, natural- mente, preciso ser bastante cauteloso, de acordo. De qualquer modo, ns testmos solues entre 49 e 109 lugares para o crculo nacional (Freire, Meirinho e Moreira, 2008: 123-133 e 152-177). Por isso: esto l as vrias op- es para o crculo nacional, para o caso de se querer ser (ainda) mais cau- teloso Alis, no comentrio de Vitalino Canas, no debate do Parlamento (4/12/08) e no seu artigo nesta revista, pode ver-se que ele prefere situar-se numa soluo mais cautelosa (mas tambm potencialmente mais despro- porcional porque alteraria signicativamente o status quo em termos do rcio do nmero de lugares afectos aos crculos grandes versus aos crculos pequenos ou mdios): um crculo nacional de 79 lugares. Mais curiosa, porque revelia da proposta que o PS fez aps as vrias crticas da academia ao voto singular inicialmente proposto (Projecto Lei N. 17/IX, in Dirio da Repblica, II Srie-A-Nmero 5: 74-108), a rejeio de Vitalino Canas do voto duplo, que propusemos, em favor do voto singu- lar. Mas tambm uma soluo mais cautelosa, com certeza. Recorde-se, porm, que esta soluo foi na altura muito criticada porque dicilmente concilivel com a personalizao do voto nos crculos de base distrital/re- gional (AA.VV., 1998). E exactamente por causa disso o PS, na verso nal da sua proposta de lei (aps o debate), passou a adoptar o voto duplo. 4. Qualidade da representao P ortugal tem um sistema de voto em lista fechada e blo- queada, ou seja, os eleitores podem apenas votar no partido da sua preferncia, mas no podem expressar preferncias pelos deputados presentes na lista. Pelo contrrio, ao porem uma cruz no partido em que preten- 48 dem votar aceitam necessariamente a ordenao da lista de candidatos que foi feita pelo partido e, portanto, se um determinado partido tem direito a, por exemplo, trs lugares num determinado crculo, ento os trs eleitos sero os trs candidatos que esto no topo da lista, pela respectiva ordem. Este sistema tem vrias vantagens, as quais pode- ro ser especialmente preciosas numa nova democracia (como era a nossa em 1975): primeiro, fortalecem os partidos polticos, secundari- zando os candidatos; segundo, favorecem a disciplina de voto porque os deputados sabem que a sua eleio depende mais da posio que a direco do partido lhe assegurar nas listas do que do voto popular. Porm, as desvantagens tambm so importantes: primeiro, os deputa- dos preocupam-se menos em agradar aos eleitores do que s direces partidrias e isso pode produzir um certo afastamento entre eleitores e eleitos; segundo, a sacralizao da disciplina de voto pode implicar uma completa anulao do papel do deputado (individualmente con- siderado) na arena parlamentar. H vrias formas, igualmente ecazes, de se criarem condies ins- titucionais mais favorveis a uma maior proximidade entre eleitores e eleitos (Curtice e Shively, 2003; Gallagher e Mitchell, 2008) ver um resumo destas questes na Tabela 3. Uma delas so os crculos unino- minais, estejam eles associados aos sistemas maioritrios (dois casos na UE 27 + 3: Frana e Reino Unido) ou aos sistemas mistos (cinco casos na UE 27 + 3, no perodo 1970-2007). Outra soluo o cha- mado voto preferencial, ou seja, os eleitores votam numa lista mas -lhes permitido indi- car o candidato, ou candidatos, nessa lista (ou at em vrias listas: sistema de lista aberta/ panachage) que prefere. E so essas prefern- cias que determinam a entrada dos candida- tos, no a sua ordenao na lista determinada pelo partido. Com solues deste tipo, h na Europa (entre 1970-2007) dez casos com voto preferencial e um sistema de representao propor- cional de um s segmento; dois sistemas com voto nico transfervel, que podemos considerar uma espcie de voto preferencial, associados a ________ O voto em lista fechada e bloqueada hoje um anacronismo (portugus) no contexto europeu que urge superar ________ 49 um sistema de representao proporcional de um s segmento (Malta e Irlanda); e ainda treze casos com voto preferencial e um sistema de re- presentao proporcional em mltiplos segmentos (RPMS). O voto em lista fechada e bloqueada, como o portugus, largamente minoritrio na Europa (apenas sete casos entre 1970 e 2007) (Freire, Meirinho e Moreira, 2008: 40-41 e respectiva errata que acompanhava o livro). Na proposta de reforma do sistema eleitoral aqui em debate, ns propusemos um sistema RPMS, ou seja, com dois segmentos. Um seg- mento secundrio (um crculo nacional de compensao com 99 luga- Tabela 3 Sistemas eleitorais e qualidade da representao: objectivos, solues, efeitos e trade-offs necessrios
Menores incentivos representao local Trade-off: Maior disciplina de voto Centralismo Partidos mais coesos Remdios: Listas fechadas mas no bloqueadas (ou abertas) Maiores incentivos representao local (sem pluralismo local) Trade-off: Menor disciplina de voto Localismo Clientelismo Partidos menos coesos Remdios: Representao Proporcional Representao Maioritria Sistemas Mistos Maiores incentivos representao local (com eventual pluralismo local: RPMS) Trade-off: Menor disciplina de voto Localismo Clientelismo Partidos menos coesos Maiores incentivos representao local (sem pluralismo local) Trade-off: Menor disciplina de voto Localismo Clientelismo Partidos menos coesos MMP (RPMS) Paralelos Exigir disciplina de voto nas questes de governabilidade e de programa eleitoral; dessacralizar a disciplina de voto nas restantes questes Fonte: elaborao do autor tendo em conta o patrimnio da sistemtica eleitoral 50 res) e um segmento primrio (130 lugares em crculos de base distrital ou regional) (Freire, Meirinho e Moreira, 2008). O segmento primrio, com pequenos crculos, acompanhado tambm do voto preferencial (facultativo), permitiria criar condies institucionais mais favor- veis para uma maior proximidade entre eleitores e eleitos. Mas, por os crculos distritais serem pequenos, o segmento primrio iria gerar bastante desproporcionalidade: os pequenos partidos teriam a poucas hipteses de ser eleitos. Da a necessidade de se compensar a propor- cionalidade, que de acordo com os nossos testes seria conseguida com um crculo de 89-99 lugares. Foi alegado que o crculo nacional era demasiado grande/elegia de- masiados deputados e que isso era contraditrio com a ideia de pro- ximidade defendida na proposta (Marina Costa Lobo, no debate no Parlamento; Vital Moreira, nesse debate e em 2008a). No h solues perfeitas, obviamente, e esse ser com certeza um problema. Mas a questo est sobrevalorizada: basta lembrar que o paradigma da repre- sentao proporcional personalizada, o sistema alemo, tem cerca de 600 deputados no Bundestag e cerca de metade deles entram por um crculo nacional nico (depois segmentado pelos Lnder). Alm disso, no debate no parlamento, Marina Costa Lobo alegou ain- da que alguns crculos de base distrital, como por exemplo o Alentejo (agregao dos distritos de Beja, vora e Portalegre), eram demasiado grandes e isso colocava em causa, mais uma vez, a ideia de proximida- de defendida na proposta. Todavia, isto releva de uma confuso sobre o que a dimenso/magnitude do crculo (e que corresponde ao nmero de lugares em disputa: 6 no Alentejo, na nossa proposta; dicilmente se pode considerar um crculo grande) e sobre o que est em causa na questo da proximidade (no so as distncias geogrcas, que pode- riam fazer sentido num pas como o Canad, mas no em Portugal), a qual est sobretudo relacionada com o nmero de eleitores que cada deputado deve representar, e no Alentejo h (muito) poucos eleitores... Sobre o desenho dos crculos que propomos, vrios autores no Parlamento (Vital Moreira), neste nmero da Eleies ou no debate do ISCSP (Miguel Relvas, Antnio Jos Seguro e Pedro Pestana Bastos), apontaram ou a falta de adequao do desenho de alguns crculos reali- 51 dade sociocultural subjacente ou sugeriram a desejabilidade de associar um qualquer novo desenho de crculos a eventuais novas regies admi- nistrativas (uma futura regionalizao). Admitimos que deste ponto de vista as solues propostas possam no ser perfeitas e, at, que possa haver (no caso da partio de certos crculos grandes) alguma falta de adequao do desenho de alguns crculos realidade sociocultural sub- jacente. Pela nossa parte, tentmos sobretudo que, primeiro, a realidade distrital fosse sempre respeitada como matriz de base em todos casos (para agregaes e desagregaes) e, segundo, que os novos desenhos fossem neutros do ponto de vista da competio partidria. Isto foi con- seguido e parece-me desejvel. J esperar pela regionalizao para fazer a reforma do sistema eleitoral introduzir maior diculdade em realizar esta ltima, eventualmente atirando-a para as calendas gregas Face soluo dos crculos uninominais, que alis nos foi pedi- do desconsiderssemos (desconsiderao essa em que tambm nos revemos), a opo por pequenos crculos plurinominais tem vrias vantagens: preserva o pluralismo (impossvel em crculos de um s lugar); permite mais facilmente a representao descritiva/das mi- norias (mulheres, grupos tnicos, classes desfavorecidas, etc.) (Rule e Zimmerman, 1994); no implica um redesenho regular dos crculos para acomodar variaes demogrcas; d menos proeminncia rela- tiva aos candidatos face aos partidos (ver uma sistematizao destes pontos em Freire, Meirinho e Moreira, 2008: 1-10). Sobre os provveis efeitos prticos dos crculos uninominais, vale a pena citar Pedro Soares no seu texto desta revista: Quem conhece a rea- lidade da confrontao poltica, percebe de imediato que o efeito prtico da criao dos crculos uninominais seria o do crescimento da bipolari- zao no debate e do bipartidarismo na representao. Ou seja, os bene- cirios directos seriam PS e PSD e, no menos provvel, a promoo de uma nova vaga de caciquismo local e regional. E, mais adiante, diz-nos ainda Pedro Soares: Finalmente, no queramos deixar de assinalar que o PS no se mostrou disponvel, at ao momento, para assumir as propos- tas do trabalho elaborado por Freire, Meirinho e Moreira, que teria sido encomendado pelo prprio grupo parlamentar do PS para fundamentar um novo projecto de lei eleitoral a apresentar Assembleia da Repblica. 52 A destruio dos mitos sempre dolorosa para quem os alimentou. verdade que o PS, ou sequer o Grupo Parlamentar do PS (GPPS), no to- maram qualquer posio ocial sobre o estudo que nos encomendaram. Na verdade no tinham de o fazer: trata-se de um estudo acadmico para sustentar uma eventual proposta de reforma poltica, mas esta ser sempre uma proposta de ndole poltico e no tcnico, como o nosso estudo. No escondo, porm, que gostaria de ter visto o nosso estudo algo mais debatido, com mais profundidade, rigor e fairness (designa- damente tendo em conta os objectivos que nos propnhamos atingir, acordados com o GPPS, as solues que usmos para os atingir e os da- dos que ancoram empiricamente as solues e a sua justa adequao aos objectivos denidos), nomeadamente no seio do partido e do grupo parlamentar. De qualquer modo, uma coisa parece-me certa: o PS pa- rece ter abandonado denitivamente o projecto dos crculos uninomi- nais. Primeiro, porque nos foi pedido pelo GPPS, nomeadamente pelo Dr. Alberto Martins, para que desconsiderssemos tal soluo, como j disse atrs. Segundo, porque no seu manifesto eleitoral para 2009 a re- jeio dos crculos uninominais um dos posicionamentos porventura mais claros em matria de reforma do sistema eleitoral. Mas, na verdade, vrios dos problemas potencialmente associados aos crculos uninominais esto tambm associados aos pequenos crcu- los com voto preferencial, embora porventura em menor medida: au- mento do custo das campanhas, devido necessidade de campanhas personalizadas; potencial localismo e clientelismo na poltica; menor submisso dos deputados s direces partidrias e, por isso, reduo do nvel da disciplina de voto. Porm, se dermos como bons os motivos para a reforma, isto , a necessidade de mais democracia (ou seja, mais poder dos eleitores na escolha dos seus representantes, em detrimen- tos das direces partidrias) e de condies mais favorveis para uma maior proximidade entre eleitores e eleitos, de forma a combater o abs- tencionismo eleitoral, o declnio da identicao partidria, e o afasta- mento entre eleitores e eleitos, sentido sobretudo pelos primeiros, etc. (sobre o diagnstico da situao, ver Freire, Meirinho e Moreira, 2008: 1-10 e Captulo 1; sobre os motivos alegados, ver a anterior proposta do PS: Projecto Lei N. 17/IX, in Dirio da Repblica, II Srie-A-Nmero 5: 53 74-108), ento h que assumir que preciso correr riscos e que no possvel ter chuva na eira e sol no nabal, ou seja, que preciso assumir algum trade-off. Sobretudo no debate no Parlamento (Vital Moreira, Marina Costa Lobo e Antnio Arajo; Vitalino Canas: a e no texto des- ta revista), mas tambm na imprensa (Moreira, 2008b), vrios interve- nientes recusaram ainda o voto preferencial por ser de difcil (e poten- cialmente perversa) utilizao por eleitores e eleitos. Recuso-me a ter uma ideia menorizada dos meus concidados, sejam eles eleitores ou deputados, que esta viso traduz e que o meu colega Manuel Meirinho (2008) to bem traduziu na imagem do eleitor-ovelha (que est sub- jacente s crticas dos colegas, referidas atrs). No, no creio que se- jamos nem mais nem menos do que os nossos concidados europeus onde estas solues se aplicam h muito e em larga extenso. O voto preferencial recebe, porm, o apoio de deputados de vrios partidos que escreverem textos para esta revista (Antnio Jos Seguro, Miguel Relvas e Pedro Pestana Bastos), bem como de Paulo Morais, os quais no s esto disponveis para assumir alguma quebra da disci- plina de voto, em prol de condies institucionais mais favorveis ao estreitar das ligaes entre eleitores e eleitos, como recusam no fundo a viso do eleitor-ovelha. De qualquer modo, tambm temos de ser realistas e reconhecer que a mudana do sistema eleitoral com a adop- o do voto preferencial em pequenos crculos primrios importante mas no nenhuma panaceia. Por um lado, para o estreitar das liga- es entre eleitores e eleitos, preciso agir em vrias frentes, nomea- damente ao nvel dos comportamentos polticos, como alis sublinham Antnio Filipe e Antnio Jos Seguro. Por outro lado, h vrias outras medidas institucionais (e de prtica poltica) que poderiam contri- buir j para o estreitar dessas relaes: Antnio Jos Seguro d vrios exemplos muito interessantes nesse sentido, e a reforma do parlamen- to na X Legislatura (seguindo muitas das linhas de uma proposta que pessoalmente coordenou 12 ) deu j vrios contributos nesse sentido. De 12 Seguro, A. J. coord. et al. (2007). Reformar e Modernizar a Assembleia da Repblica para Servir Melhor as Cidads, os Cidados e a Democracia, Lisboa, Assembleia da Repblica, polic. 54 qualquer modo, no se trata, como alega Antnio Filipe (em relao ao voto preferencial) de passar de uma representao centrada nos par- tidos para uma representao centrada nos candidatos (e deputados) individualmente considerados (ver tambm Moreira, 2008b). Trata- se to s de manter o voto partidrio em lista, e sem panachage, mas permitindo que, em cada lista, os eleitores possam premiar e respon- sabilizar os deputados de acordo com a sua performance. Mas tambm preciso reconhecer que dar tal poder aos eleitores implica retir-lo s direces partidrias e que, nomeadamente nos pequenos partidos que tentam construir listas de deputados com vrias valncias (diver- sicadas) para um funcionamento mais ecaz dos respectivos grupos parlamentares, isso pode ser um problema. No fundo, voltamos sem- pre eterna questo dos trade-offs: no possvel ter chuva na eira e sol no nabal. Ou seja, preciso os actores polticos (e os cidados) cheguem a um acordo sobre as prioridades de uma eventual reforma. A nalizar esta seco gostaria de referir ainda a posio de Pedro Pestana Bastos, ligando o voto preferencial (com que concorda) e o apparentement (de que tem dvidas), que alega o seguinte: j no que se refere proposta de listas aparentadas temos muitas reservas, no tanto pelo princpio mas mais pela sua dicil compatibilidade com o voto preferencial. O sistema de listas aparentadas pode ser interessan- te no aproveitamento de restos de partidos do mesmo plo mas enten- demos que dicilmente compatvel com o princpio do voto prefe- rencial podendo ter consequncias perversas uma vez que os eleitores podem escolher o candidato. No fundo o partido mais pequeno do polo estaria a engordar com os seus votos a votao do partido do mesmo plo com maior dimenso sendo que, por fora do voto preferencial, na prtica os deputados eleitos por via de aproveitamento de restos seriam sempre os do partido maior de cada plo. Penso que h aqui um erro de perspectiva. O apparentement que propomos s para os crculos primrios porque, dada a sua dimenso, nesses crculos os pequenos partidos teriam muito poucas hipteses de eleger deputa- dos. Porm, se os pequenos partidos juntassem as suas listas com as de outros partidos apenas para efeitos de converso, ento teriam mais hipteses de eleger deputados. Por isso, que apresentamos o appa- 55 rentement: como um incentivo cooperao interpartidria dos pe- quenos partidos com os grandes (em cada bloco ideolgico). Portanto, se estivessem mais disponveis para cooperar, os pequenos poderiam beneciar mais na converso de votos em mandatos. S depois de se saber o nmero de deputados que cabe a cada lista que se aplica o voto preferencial. Por isso, no vejo onde que isto poderia prejudicar os pequenos partidos e o voto preferencial. 5. Concluses N uma qualquer reforma do sistema eleitoral h que ter presente que no h sistemas perfeitos, porque os di- ferentes tipos de sistemas eleitorais perseguem dife- rentes objectivos, nem sempre conciliveis, e, por isso, sempre necessrio assumir algum trade-off. Pela mi- nha parte, continuo a achar que o sistema eleitoral portugus no gera problemas de governabilidade. Seja porque o nvel de proporcionali- dade no elevado em termos comparativos, antes pelo contrrio (est abaixo da mdia dos sistemas proporcionais na UE 27 + 3). Seja porque o sistema partidrio no fragmentado, antes pelo contrrio: o nvel de concentrao de voto nos dois maiores at semelhante ao dos re- gimes bipartidrios associados s democracias maioritrias 13 . Isto no quer dizer que no haja problemas de governabilidade. O que isto sig- nica que os problemas de governabilidade so de origem poltica (falta de entendimentos esquerda) e no institucional (no resultam 13 O que no quer dizer que no haja um declnio deste trao nas prximas legislativas, de 27/9/2009, at por rejeio do exerccio musculado da maioria absoluta do PS entre 2005 e 2009, como alis as europeias de 2009 j prenunciam. Mas, mesmo se o nmero efectivo de partidos eleitorais se aproximar do que se vericou na europeias de 2009, o problema no passa por aqui: estaremos ape- nas (e sobretudo) a aproximar-nos do padro dos sistemas multipartidrios europeus e a afastar- nos do tipo de formato bipartidrio, que no tem aproximado (1987-2005) mais das democracias maioritrias (Freire, Meirinho e Moreira, 2008: 30). 56 de excessiva proporcionalidade na converso de votos em mandatos e/ou de uma excessiva fragmentao do sistema partidrio). Segundo, signica tambm que esses problemas podem ser minimizados sem comprimir a proporcionalidade. Por exemplo, atravs da moo de censura construtiva, da possibilidade de se converterem certas peas da legislao em moes de conana s rejeitveis por quem tiver um governo alternativo para propor (no quadro parlamentar em causa) e, adicionalmente, atravs dos incentivos cooperao entre os partidos (apparentement). At porque a compresso da proporcionalidade (e o bipartidarismo que lhe est geralmente associado) poderiam gerar uma (ainda maior) reduo da clareza das alternativas, um declnio da identicao com os partidos e, directa e indirectamente, um declnio da participao poltica e da satisfao com o regime democrtico. Pelo contrrio, considero que o sistema de voto em lista fechada e bloqueada, ainda por cima associado a alguns crculos muito grandes, embora tenha feito todo o sentido na transio democrtica, hoje um anacronismo no contexto europeu que urge superar. Primeiro, porque, embora sem sobrevalorizar o papel das reformas eleitorais neste do- mnio ( preciso ser realista!), considero que uma maior abertura do sistema eleitoral neste domnio (dando uma voz mais activa aos eleito- res na escolha dos candidatos, seja com o voto preferencial e crculos pequenos, seja at, e cumulativamente, em primrias intrapartidrias para a escolha dos candidatos) pode ajudar signicativamente a au- mentar a participao poltica e a identicao com os partidos, bem como que dar incentivos para que os deputados se preocupem mais com os eleitores e, por isso mesmo, para que actuem de modo a que estes ltimos se sintam melhor representados. Segundo, porque as cr- ticas que apontam para uma subverso do modelo constitucional (com uma representao centrada nos candidatos e no nos partidos) e para uma quebra signicativa da disciplina de voto (Moreira, 2008a e 2008b; Lobo, 2008), so, de todo em todo, exageradas: assim o demonstram as experincias ocorridas noutros pases 14 . Vale a pena recordar o que se 14 David Arter, Democracy in Scandinavia Consensual, Majoritarian or Mixed?, Manchester, 57 passou na Escandinvia aps a introduo do voto preferencial, mas sobretudo na Sucia aps 1998 (com o reforo dos mecanismos asso- ciados ao voto preferencial): Virtually all Scandinavian parliamenta- rians are members of party. But do party representatives represent their parties rst and foremost or do preferential list voting systems (strong or weak) encourage MPs, concerned to be reelected, to attach particular importance to constituency interests? () In short, Scandinavian party democracy has an accentuated territorial dimension, which is reected in legislative behaviour, although party voting, both in the country at large and in parliament, is the norm (Arter, 2006, pp. 42-43). Mas, natu- ralmente, preciso assumir com clareza algum trade-off nesta matria e aceitar, primeiro, uma maior proeminncia relativa dos deputados na representao poltica (face ao status quo) e, segundo, aceitar uma certa dessacralizao da disciplina de voto (que at pode introduzir exibilidade acrescida no sistema de governo). Em suma, estas refor- mas podero pois servir para melhorar a qualidade da democracia, so- bretudo se no forem complementadas com uma compresso da pro- porcionalidade, mas ser sempre necessrio assumir algum trade-off. Caso contrrio poder at parecer que a eventual vontade de mudana est eivada de reservas mentais Alm disso, os dados esto todos lan- ados, no falta abundncia de estudos, o que preciso avanar com cautela e moderao, mas tambm com alguma ousadia (no tipo de su- frgio e procedimentos de votao). E, sem se pr em causa o essencial do nosso sistema proporcional que, reconhea-se com clareza, tirando o sistema de votao, tem funcionado muito bem nestes cerca de 35 anos de democracia, sem se pr em causa o essencial do nosso sistema, dizamos, reformar o regime eleitoral para melhorar a qualidade da democracia portuguesa. Manchester University Press, 2006, pp. 26-45; ver tambm Carmen Ortega. Los Sistemas de Voto Preferencial. Un Estudio de 16 Democracias, Madrid, Centro de Investigaciones Sociolgicas, Siglo XXI, 2004. 58 REFERNCIAS BIBLIOGRFICAS
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1. Os pressupostos A reforma eleitoral tem sido dos temas mais debatidos no mbito da reforma poltica nos ltimos anos. O de- bate no parece ter convencido antes pelo contr- rio a maioria dos intervenientes da bondade ou da necessidade de uma alterao radical do modelo que temos. Alis, o debate levou a que muitos acabassem por reconhecer algo que talvez no reconhecessem na fase inicial: o sistema eleitoral existente, apesar de algumas decincias, serviu para lanar e conso- lidar a democracia, para reforar e consolidar o sistema partidrio, 1 Depois publicado em livro: Para uma Melhoria da Representao Poltica. A Reforma do Sistema Eleitoral, Lisboa, Sextante, 2008. 2 Deputado do Partido Socialista (PS) Assembleia da Repblica na X Legislatura (2005-2009). Vitalino Canas ainda Mestre em Cincias Jurdicas e Polticas pela Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa, e doutorando na mesma rea e na mesma universidade com uma tese subordinada do tema Principio da proporcionalidade ou da proibio do excesso. 3 Transcrio da interveno no colquio organizado pelo Partido Socialista, na Assembleia da Repblica, em 4 de Dezembro de 2008, sobre o estudo identicado no ttulo. 64 mantendo alguma abertura. Se o nosso sistema partidrio pode ser considerado tendencialmente cristalizado e resistente ao aparecimen- to de novos partidos isso no pode ser imputado ao sistema eleitoral. Por outro lado, nenhum problema estrutural do Pas provocado ou susceptvel de ser resolvido pela simples alterao do sistema elei- toral. Mas manifesto que existe um fenmeno global e mundial de afastamento entre os partidos e os eleitores, entre as instituies po- lticas os seus titulares e os cidados, entre eleitos e eleitores. Sendo um fenmeno global (embora com intervalos, em momentos, como o das recentes eleies americanas, de grande mobilizao e esperana de mudana efectiva), tem uma incidncia reconhecida e comprovada em Portugal. A maior decincia do sistema eleitoral existente parece ser o de no contribuir para a atenuao desse afastamento, pelo que a grande tarefa de uma reforma do sistema certamente a criao de melhores condies de identicao entre eleitos e eleitores. 2. O que me agrada no estudo P retende garantir que no haja diminuio do nvel de proporcionalidade e de governabilidade (mas sobre a governabilidade ver a dvida expressa adiante). Moo de censura construtiva, enquanto soluo que refora as condies de governabilidade em circunstn- cias de coligaes negativas incapazes de construir alternativas de Governo e de aco poltica. No entanto h um reverso, no nosso caso: a necessidade de reviso constitucional. A no insistncia nos crculos uninominais. No creio que, salvo no Reino Unido (e mesmo a h quem queira alterar), as experincias de crculos uninominais sejam inequivocamente positivas. Os crculos plurinominais de dimenso reduzida (crculos prim- rios), pelo potencial de maior ligao entre eleitos e eleitores, que deve ser o desiderato central da reforma eleitoral. 65 A manuteno, sempre que possvel (mesmo que haja conjugaes de distritos), da referncia distrital, muito familiar aos eleitores. O nmero impar de Deputados (229). A desvalorizao da ques- to (menor) do nmero de Deputados (no obstante se ter estu- dado a hiptese de 219). Na verdade a diminuio do nmero de Deputados no resolve nenhum problema fundamental, nem corres- ponde a nenhuma exigncia de princpio ou operacional. O nmero de Deputados do Parlamento portugus per capita est exactamente sobre a mdia europeia. 3. Onde tenho dvidas D uvido que o estudo e a proposta que faz garanta efecti- vamente a governabilidade. Pelo menos, no acompa- nho os autores na perspectiva optimista em relao governabilidade em Portugal. Ao contrrio, creio que Portugal pode ter no futuro um srio problema de go- vernabilidade, particularmente se deixar de haver governos com a sus- tentao de uma maioria absoluta na Assembleia da Repblica. Isto porque a expectativa da possibi- lidade de evoluo para uma democra- cia consociativa em Portugal (como noutros pases do Sul da Europa e pases com um quadro partidrio semelhante ao nosso) quase to difcil como a evo- luo para uma democracia de Westminster. Hoje as coligaes em Portugal so mais difceis do que h uma ou duas dcadas. Assim: 1) A reedio do Bloco Central, mesmo que de vez em quanto pare- a desejado por um certo PSD, como soluo para os seus receios de uma longa permanncia fora do poder, no possvel, nem desejvel, a bem da prpria sade do sistema partidrio e da al- ternncia democrtica. ________ Duvido que o estudo e a proposta que faz garanta efectivamente a governabilidade ________ 66 2) A convergncia esquerda, sempre presente, at do ponto de vista histrico, na retrica das foras e dos partidos esquerda do PS, suscita um fenmeno curioso na nossa actualidade po- ltica: aqueles que a advogam com mais vigor, so os primeiros a criar todos os obstculos de modo a que ela seja impossvel, a no ser que tal convergncia seja liderada por eles e que haja uma total submisso de todos os outros ao seu iderio, mesmo que altamente minoritrio ou radicalmente sectrio. A isso cha- ma-se sectarismo envergonhado. Enquanto ele predominar nos partidos esquerda do PS qualquer acordo de Governo virtual- mente impossvel. 3) Restaria a recente (aparente) disponibilidade do CDS, recon- fortante para o PSD, mas pouco credvel para o PS. Ainda nos lembramos bem dos custos de um Governo do PS estar merc das tendncias volveis do CDS-PP, particularmente entre 1999 e 2002. Custos em termos polticos, de prestigio da democracia (o clebre Queijo Limiano no contribuiu para esse prestgio) e at econmicos e nanceiros. 4) Tenho a noo de que mesmo o apparentment proposto seria uma soluo de utilidade, praticabilidade e actractividade muito duvidosa, pouco contribuindo para superar ou neutralizar a ten- dncia pronunciadamente sectria, particularmente dos parti- dos mais pequenos, aqueles que justamente poderiam beneciar mais directamente dessa tcnica. 5) A democracia consocional ou consociativa parece, consequente- mente, uma perspectiva longnqua em Portugal. 6) Listas fechadas e no bloqueadas nos crculos primrios. Por um lado, pode introduzir uma competio perversa entre candida- tos de uma mesma lista/partido, durante a campanha eleitoral. 7) Mas, em contrapartida, as listas fechadas e no bloqueadas levam a uma menor competio interna entre os mesmos candidatos na fase de preparao da lista (ir em 1., 3. ou ltimo na lista deixa de ser decisivo, pelo que implicar lutas menos fracturantes). 8) Por outro lado, mesmo na fase da campanha eleitoral os candida- tos do partido procuraro o mximo protagonismo e visibilidade, 67 mas sabero que qualquer indcio de conitualidade interna ser fatal para a lista e para os prprios candidatos individualmente considerados (os agressivos para os seus colegas de lista, ou de- masiado ambiciosos, sero possivelmente penalizados), pelo que acabar por haver um pacto tcito de no agresso e de colabo- rao dos candidatos. 9) Aquilo a porventura se assistiria seria meramente a campanhas mais baseadas no esforo individual de candidatos e a um even- tual esbatimento da vertente colectiva das campanhas. Mas isso j hoje possvel em virtude da personalizao da poltica. Por isso as dvidas aqui so tendencialmente superadas. 4. Onde divirjo P arece-me inconveniente que uma qualquer reforma eleitoral dependa, em alguns dos seus aspectos impor- tantes, de reviso constitucional. o caso da introduo de moo de censura constru- tiva e da clusula barreira (v. art. 152., 1, CRP). Acresce que no tenho a certeza que a utilizao da quota de Hare para a distri- buio dos mandatos pelos novos crculos no requeira tambm cre- dencial constitucional (embora saiba que h quem diga sem hesitar que no necessrio). Alis, a minha divergncia em relao clusula barreira no resul- ta apenas de ser necessrio efectuar uma reviso constitucional para a consagrar. Tenho tambm dvidas de natureza poltica e democrtica sobre o estabelecimento de uma clusula barreira, mesmo que de li- miar muito baixo (1,5%, por exemplo). Se verdade que no se justica uma compresso da proporciona- lidade, tambm no me parece que se justique um aumento do ndice de proporcionalidade, uma vez que isso pode pr seriamente em causa 68 as condies de governabilidade (que so frgeis, como se exps). Pelo que antecede, acho a dimenso do crculo nacional excessiva, mesmo na verso de 99. Apontaria mais para uma hiptese de magnitude in- termdia dentro das sete denidas (79?). Mas a principal diculdade do modelo a complexizao do boletim de voto e do voto (para j no falar do processo de apuramento: os resul- tados s 21h do dia da eleio sero impossveis com este sistema). A soluo proposta resultar num boletim com dez ou quinze listas de nomes, mais os partidos concorrentes no crculo nacional. O eleitor ter de descobrir em que partido quer votar (duas vezes), e qual o candidato que quer privilegiar dentro de uma lis- ta de vrias dezenas (no total) de can- didatos. Um eleitorado com nveis cul- turais e acadmicos ainda decientes teria diculdade em se adaptar (ainda mais porque o sistema eleitoral das outras eleies no ser alterado da mesma forma). Presumivelmente, a mdia do eleitorado teria di- culdade em gerir o boletim no dia da votao, com alta possibilidade de manifestaes de vontade incorrectamente expressas, ou de votos nulos, mesmo depois da participao em vrios actos eleitorais. Por outro lado, a possibilidade de dois votos (no crculo nacional e nos crculos plurinominais) e de alguma manipulao da lista do 1. segmento possibilita a votao 1 X 2, isto uma votao em mais do que um partido, ideal para indecisos, mas com efeitos imprevisveis ao nvel da clareza global da escolha e da clareza das hipteses governativas. ________ A principal diculdade do modelo a complexizao do boletim de voto e do voto ________ REVISTA DE ASSUNTOS ELEITORAIS 69 PARA UMA MELHORIA DA REPRESENTAO POLTICA. A REFORMA DO SISTEMA ELEITORAL UMA REFLEXO CRTICA E POLTICA Antnio Jos Seguro 1
C omeo por felicitar os Professores Andr Freire, Manuel Meirinho e Diogo Moreira pelo estudo 2 reali- zado e agradecer o convite que me dirigiram para par- ticipar nesta Conferncia, sobre o sistema eleitoral e a qualidade da democracia (ISCSP-UTL, 21 de Abril de 2009). Quero precisar que a minha participao feita a ttulo indivi- dual. Assim, tudo o que aqui disser vincula-me exclusivamente a mim e no o partido poltico a que perteno. Todos sabemos que no h sistemas eleitorais perfeitos. Todos os sistemas tm vantagens e inconvenientes, retratados abundante- mente pela Cincia Poltica. Por outro lado, cada sistema eleitoral relaciona-se com outros sistemas inseridos num regime democrtico especco. Assim, os comentrios que se seguem devem ter presen- 1 Deputado do Partido Socialista (PS) Assembleia da Repblica na X legislatura (2005-2009), e pre- sidente da comisso parlamentar de educao. Antnio Jos Seguro ainda nalista do Mestrado de Cincia Poltica do ISCTE Instituto Universitrio de Lisboa (IUL). 2 O estudo a que me rero, e referirei como tal ao longo do texto, intitula-se Para uma melhoria da representao poltica a reforma do sistema eleitoral, foi elaborado pelos Professores Andr Freire, Manuel Meirinho e Diogo Moreira, a solicitao do Grupo Parlamentar do Partido Socialista, e foi editado num livro com o mesmo ttulo pela Sextante Editora em 2008. 70 te a imperfeio dos sistemas eleitorais e serem contextualizados no quadro da actual forma de governo estabelecida na Constituio da Repblica, comummente designada por sistema semi-presidencial. Um sistema eleitoral, num regime democrtico, deve responder a dois objectivos fundamentais: Representao e Governabilidade. Segundo os autores do estudo em debate, Portugal, desde 1987, no tem um problema de governabilidade; mas tem problemas na quali- dade da representao parlamentar, designadamente o conhecimen- to e a responsabilizao. Analisarei, em seguida, cada uma destas duas concluses. 1. Existe ou no um problema de Governabilidade? C omearei por apontar alguns factos. Como se pode constatar no quadro seguinte (Tabela 1), o actu- al sistema eleitoral (em vigor desde as primeiras eleies), ao longo de 11 actos eleitorais realizados, produziu, por trs vezes (1987, 1991 e 2005), maio- rias absolutas de um s partido; duas maiorias absolutas de uma coli- gao pr-eleitoral (em 1979 e em 1980 com a Aliana Democrtica) e seis maiorias relativas (em 1976, 1983, 1985, 1987, 1999 e 2002). Sendo que, destas seis maiorias relativas, uma delas (a de 1999) conduziu a um empate no nmero de mandatos entre o partido mais votado e o conjunto de todas as restantes foras eleitorais e duas delas (1983 e 2002), permitiram coligaes ps-eleitorais entre o PS/PSD e PSD/ CDS, respectivamente. Recordo que um Governo apoiado por uma maioria relativa (1995 a 1999) cumpriu a Legislatura e outro Governo com maioria abso- luta (2002-2005) viu interrompido o seu mandato, por iniciativa do Presidente da Repblica que dissolveu o parlamento. Os autores do estudo fundamentam a sua armao de inexistncia de um proble- 71 ma de governabilidade no facto de, desde 1987, h 22 anos, se terem completado quatro legislaturas. E no que respeita s duas restantes, iniciadas em 1999 e em 2002, a sua interrupo no ter sido origina- da pela Assembleia da Repblica, mas por iniciativa do Governo e do Presidente da Repblica respectivamente. Mas se aplicarmos o conceito enunciado pelos prprios autores, a governabilidade entendida como as condies para a formao e ma- nuteno de governos apoiados por maiorias parlamentares absolutas, constatamos que as condies de governabilidade s existem desde Abril de 2002, ou seja, nesta e na anterior Legislatura. E existiram, no passado, entre 1987 e 1995 (as duas maiorias absolutas do PSD) e nos tempos da Aliana Democrtica (1979-1983). I-a 1976 107 73 42 40 1 263 I-b 1979 74 80 43 44 1 3 5 250 II 1980 66 82 46 39 1 2 6 4 4 250 III 1983 101 75 30 41 3 250 IV 1985 57 88 22 35 3 45 250 V 1987 60 148 4 29 7 2 250 VI 1991 72 135 5 15 2 1 230 VII 1995 112 88 15 13 2 230 VIII 1999 115 81 15 15 2 2 230 IX 2002 96 105 14 10 2 3 230 X 2005 121 75 12 12 2 8 230 Partidos PS PPD CDS PCP UDP MDP/CDE PPM UEDS ASDI PRD PEV PSN BE Tabela 1 Distribuio de lugares por partidos polticos na Assembleia da Repblica, entre a I Legislatura (designada por I-a e I-b), 1976-1980, e a X Legislatura, 2005-2009
72 Seguindo o conceito enunciado pelos autores do estudo, pode-se concluir que existiu governabilidade em Portugal, durante 19 anos, em 33 possveis, mas intervalados por perodos em que se vericou a ausncia dessas condies. No adiro, por isso, tese dos autores de que, desde h 22 anos, no existe um problema de governabilidade em Portugal. Embora, constato que existe, em particular nos ltimos anos, uma maior preocupao dos partidos polticos com o reforo das condi- es da governabilidade, seja por via dos seus entendimentos (coligaes, enten- dimentos parlamentares, no apresen- tao de moes de censura institucio- nalmente consequentes, ) seja atravs da reviso constitucional que eliminou a obrigatoriedade de um voto sobre os Programas de Governo, tornando mais fcil a obteno, por parte dos Governos sem maioria absoluta, do consentimento parlamentar para iniciar funes. Ora, apesar de atenuada, a questo da ingovernabilidade no se encontra afastada. E pode reaparecer ainda este ano, em consequn- cia dos resultados das prximas eleies legislativas, atenuada e disfarada pelos dois perodos de seis meses (aps a nova composi- o e a tomada de posse do novo Presidente da Repblica) em que a Assembleia da Repblica no poder ser dissolvida. Nesse caso qual deve ser a resposta para se reduzir os espaos da ingovernabilidade? Mudar a lei eleitoral sacricando, para tal, a expresso parlamentar do pluralismo existente na sociedade portu- guesa? No me parece. Em alternativa, considero desejvel aperfei- oar as condies institucionais da governabilidade. Deve apostar-se, tal como defendem os autores, no reforo dos mecanismos da governabilidade dos quais destaco a moo de cen- sura positiva e o oramento construtivo. Estas alteraes provoca- riam atitudes mais construtivas por parte dos partidos polticos e dos agentes parlamentares e uma maior co-responsabilizao de to- dos na garantia da estabilidade poltica. ________ Apesar de atenuada, a questo da ingovernabilidade no se encontra afastada ________ 73 Repito o que disse no incio. Os meus comentrios tm como pres- suposto a actual forma de governo. Coisa diferente, seria analisar a go- vernabilidade, e o prprio sistema eleitoral, luz de outra forma de governo, presidencial ou parlamentar. 2. Passemos representatividade e qualidade da representao O s autores comeam por identicar dois bloqueios: diminuto conhecimento dos eleitos pelos eleitores e fraca responsabilizao dos eleitos perante os eleito- res. Concordo. E considero que estes dois bloqueios, a par de comportamentos menos transparentes por parte de alguns eleitos, conduzem ao aumento da desconana e do desinteresse dos portugueses pelo funcionamento da poltica. A questo que eu coloco, previamente passagem para o estudo de qualquer proposta de reforma do sistema eleitoral, se esses dois blo- queios podem ser eliminados com o actual sistema eleitoral. A minha resposta positiva. Podem ser eliminados. Comecemos pelo conhecimento. As perguntas frequentes so: Quem o meu Deputado? Como o posso contactar? A Constituio da Rep- blica estabelece que os Deputados, uma vez eleitos, representam o Pas e no o crculo eleitoral por onde se candidataram. Sem aten- tar contra a Constituio, perfeitamente possvel que cada Grupo Parlamentar se organize internamente e afecte cada um dos seus Deputados a determinados concelhos dos crculos eleitorais por onde foi eleito. Feita esta organizao deve passar-se fase da divulgao jun- to dos respectivos eleitores de quem o seu Deputado e de como pode ser contactado (via postal, via electrnica) e marcada uma reu- nio entre o eleito e o eleitor. O atendimento aos eleitores dever ser efectuado, preferencialmente, no prprio crculo eleitoral. 74 Alguns Deputados criaram Gabinetes de Atendimento aos Eleitores, como o caso dos Deputados do crculo de Braga, eleitos pela lista do PS, onde me incluo. Todas as segundas-feiras, de manh, que fazemos escala para recebermos os eleitores que marcam previamente a reu- nio. Fazemos este atendimento desde Abril de 2005. Mas bvio que so muito poucos os eleitores que tm conhecimento desta disponibi- lidade e deste Gabinete. Esta pequena revoluo obrigar, entre outras, a uma outra for- ma de organizao dos trabalhos parlamentares, em que os Deputados passem mais tempo em contacto com os eleitores e menos em S. Bento; e a uma afectao de parte dos subsdios pblicos para o nanciamen- to das campanhas eleitorais, ao exerccio do mandato. Dito de outra forma, com o mesmo dinheiro com que o Estado nancia, actualmen- te, as campanhas eleitorais, passaria a nanciar as campanhas eleito- rais e o contacto dos eleitos com os eleitores. Foi neste sentido que apontou a Reforma do Parlamento que tive o gosto de propor e coordenar em 2007 3 , a qual poder ser consultada em www.antoniojoseseguro.com Visitemos agora o segundo bloqueio identicado pelos autores do estudo: a fraca responsabilizao dos eleitos perante os eleitores. Concordo absolutamente. O actual sistema eleitoral responsabiliza muito mais os partidos polticos do que os candidatos. E f-lo por duas razes fundamentais: primeiro, porque os partidos polticos apresen- tam os seus candidatos em listas fechadas; segundo, porque os grupos parlamentares capturam, atravs da prtica parlamentar e violando o actual Regimento, grande parte da consequncia poltica da iniciativa de cada Deputado. O Parlamento portugus em vez de ser constitudo por 230 Deputados, organizados politicamente, constitudo por seis gru- pos parlamentares. O que reduz fortemente a necessidade da relao entre cada eleito e os seus eleitores e fortalece a relao entre cada 3 Seguro, A. J. coord. et al. (2007). Reformar e Modernizar a Assembleia da Repblica para Servir Melhor as Cidads, os Cidados e a Democracia, Lisboa, Assembleia da Repblica, polic. 75 Deputado e a Direco do seu partido poltico. Por curiosidade, ca o registo de que s no actual Regimento da Assembleia da Repblica, aprovado em Julho de 2007, deixou de existir qualquer referncia aos partidos polticos. Para aumentar signicativamente a responsabilizao do eleito pe- rante os eleitores, considero que necessrio que o Deputado preste contas permanentemente aos eleitores como propus anteriormente e consta da Reforma do Parlamento. A pgina pessoal na Internet outro dos exemplos de boas prticas que, apesar de ter passado a ser obrigatria desde Setembro de 2007, a Assembleia da Repblica no tomou qualquer iniciativa a este respeito e so poucos os Deputados que a criaram. Os poderes Constitucionais dos Deputados no podem ser adulte- rados ou capturados pelos Grupos Parlamentares. Dou dois exemplos: Os Deputados tm direito a dirigir perguntas escritas ao Governo. E este tem obrigao de responder no prazo mximo de 30 dias. Este prazo, estabelecido apenas desde Setembro de 2008, no globalmen- te cumprido. Melhorou muito nesta Legislatura e com o actual Governo, mas necessrio que a resposta aos Deputados seja considerada uma prioridade. Deste modo, cada Deputado pode dar seguimento aos problemas que os seus elei- tores lhe colocam e responder-lhes de volta. O segundo exemplo insere-se no processo legislativo. Cada Deputado tem o poder de ini- ciativa legislativa. Isto , pode apresentar pro- jectos de lei. Mas no tem a garantia de que esse projecto-lei alguma vez venha a ser debatido e votado. Com a Reforma do Parlamento, e consequente alterao do Regimento da Assembleia da Repblica, estabeleceram-se prazos m- ximos para todas as fases do processo legislativo. Esta alterao permi- tia que todos os projectos-lei fossem debatidos e votados. Na prtica, a Conferncia de Lderes (composta pelo Presidente da Assembleia da Repblica e pelos Presidentes dos Grupos Parlamentares) impedem que assim acontea. ________ Os poderes Constitucionais dos Deputados no podem ser adulterados ou capturados pelos Grupos Parlamentares ________ 76 Do que acabo de armar, resulta que a vida parlamentar conti- nua a ser dominada fortemente pelos partidos polticos. Percebe-se que assim tenha acontecido, h 33 anos atrs, quando inicivamos os primeiros passos do novo regime democrtico. Hoje, necess- rio que os partidos polticos desocupem parte do espao pblico. neste sentido que tenho vindo a efectuar algumas propostas, que so do conhecimento pblico, das quais destaco a instituio da liberda- de de voto como regra para as deliberaes parlamentares, em vez da actual disciplina de voto. A disciplina de voto aplicar-se-ia nas votaes em que estivesse em causa a governabilidade do Pas (mo- es de censura, de conana, oramentos, ) e o cumprimento das promessas eleitorais. Em todas as outras votaes cada Deputado disporia de liberdade de voto. Esta profunda alterao responsabili- zaria directamente os Deputados, aumentaria a qualidade da repre- sentao e armaria a autonomia de cada Deputado, o que reforaria a relao de conana com os eleitores. A Assembleia da Repblica passaria a ser mais representativa dos eleitores. Signica que h um conjunto de regras, procedimentos, compor- tamentos e instrumentos que, independentemente do sistema elei- toral, podem e devem ser operacionalizados para aumentar a quali- dade da representao: a) Liberdade de voto, como regra; b) Disciplina de voto nas questes da governabilidade; c) Um Parlamento de Deputados e no um Parlamento de Partidos; d) Maior responsabilizao individual do Deputado; e) Um Parlamento que scaliza em vez de ser scalizado pelo Governo; f ) Cada eleitor sabe quem o seu Deputado e como o contactar; g) Maior proximidade entre eleito e eleitor; h) Poderes efectivos dos Deputados e no a sua captura pelos Partidos, atravs dos Grupos Parlamentares. Dito isto, e ainda no quadro da responsabilizao do eleito pe- rante os eleitores, permanece por solucionar o modo de eleio dos 77 Deputados. E neste ponto, a sim, no vislumbro outra via que no passe pela alterao da lei eleitoral para a Assembleia da Repblica, com a possibilidade de cada eleitor poder escolher um, ou mais can- didatos, do partido poltico da sua preferncia. 3. Concluso D eixei claro que o sistema eleitoral portugus deve corresponder aos princpios da governabilidade e da representatividade. Divirjo dos autores quando referem que, desde 1987, deixou de existir um problema com a gover- nabilidade e convirjo com eles quando apontam para a existncia de problemas na qualidade da representao parlamentar. Defendo que o actual sistema eleitoral, imperfeito por denio, tem muitas virtudes e que est longe de se poder considerar esgo- tado. Pelo contrrio, h vrias dimen- ses que carecem de ser aproveitadas e potenciadas e que produziro maior conana nos eleitores face ao funcio- namento em concreto da Democracia, e em particular, na qualidade da repre- sentao poltica. Sou bastante crtico do actual estado de funcionamento da nossa democracia. Mas atribuo mais responsabilidades ao modo de fazer poltica do que legislao em vigor. Mais do que al- terar a lei torna-se necessrio mudar os comportamentos polticos. Isso no me impede de defender alteraes cirrgicas, e pro- fundas, como a possibilidade de cada eleitor poder escolher o seu Deputado, ou Deputados, em consonncia com as suas opes po- lticas. desejvel e urgente. Esta , em minha opinio, a mudana ________ O actual sistema eleitoral, imperfeito por denio, tem muitas virtudes e que est longe de se poder considerar esgotado ________ 78 mais relevante que justica a alterao da actual lei eleitoral para a Assembleia da Repblica. Quero deixar claro que car tudo como est seria um erro grave e que custaria muito caro ao regime democrtico. Mas antes de pas- sarmos repentinamente a uma nova lei eleitoral, que obrigue a uma nova congurao dos crculos eleitorais 4 , entendo que deveramos esgotar as potencialidades da lei que temos actualmente. Mas agindo com rapidez na sua melhoria. O ano de 2010 dever ser destinado a essa tarefa. 4 Qualquer alterao dos crculos eleitorais s dever ser efectuada aps a estabilizao da futura organizao poltica e administrativa do Pas. REVISTA DE ASSUNTOS ELEITORAIS 79 SISTEMA ELEITORAL E QUALIDADE DA DEMOCRACIA Miguel Relvas 1
D esaado pelos Professores Manuel Meirinho e Andr Freire, dois dos mais competentes politlogos Portu- gueses, no podia deixar de aceitar o convite para dar o meu modesto contributo na discusso do tema da Reforma do Sistema Eleitoral. Este tema reveste-se de uma relevncia acrescida quando estamos a dois meses de uma importante eleio legislativa, cujos resultados, com as consequncias polticas decorrentes, podero trazer para a or- dem do dia a premncia da interveno no quadro legislativo que en- forma o nosso sistema eleitoral. H algum tempo que defendo ser esta uma questo de substancial importncia, mas, com tristeza e preocupao reconheo que no tem existido nem capacidade, nem vontade poltica para a levar por diante. A qualidade da Democracia exige no apenas credibilidade. Exige um sistema poltico em que a representatividade e a legitimidade este- jam efectivamente presentes. Se verdade que fundamental a reforma do nosso sistema elei- toral, no menos verdade que o sistema ter, naturalmente, de ser
1 Deputado do Partido Social Democrata (PSD) Assembleia da Repblica na X Legislatura (2005- 2009), e presidente da Comisso de Obras Pblicas Transportes e Comunicaes. Miguel Relvas ainda Licenciado em Cincia Poltica e Relaes Internacionais. 80 acompanhado pela reforma dos partidos polticos e, tambm, do nosso modelo de organizao territorial. No que se refere aos partidos polticos, impe-se um modelo menos centralista e em que as opes internas tenham subjacente um princ- pio de legitimidade e proximidade da seleco dos candidatos, e que a dependncia ou lealdade ao aparelho e direco partidrios consti- tuam factores de grau menor. A reforma da organizao territorial, permitir uma denio dos crculos eleitorais mais realista do que aquela que hoje existe os Distritos como crculos eleitorais contribuindo para uma maior responsabilizao do eleito perante o eleitor. No se pode, no entanto, escamotear que a litoralizao das pes- soas e das actividades econmicas mais dinmicas e a bipolarizao do sistema urbano nacional evidenciam o desequi- lbrio territorial do nosso pas e tornam difcil a adaptao a novos crculos elei- torais que tenham coerncia e em que a coeso territorial e a homogeneidade econmica e social saiam reforadas. Considero que, independentemente do modelo que se encontrar, e acredi- tando que a proporcionalidade no im- pede a governabilidade, sou contrrio introduo dos crculos uninominais que, em minha opinio, esti- mulariam e valorizariam um princpio localista e clientelar que condenaria qualquer inteno reformista. Antes de mais, temos que reconhecer que interesses legtimos como o ideolgico, o politico, o partidrio, mas tambm o econmico, os sociais, os religiosos, os t- nicos e culturais, so tarefas que competem aos Partidos e aos dife- rentes grupos que actuam politicamente, nomeadamente os grupos de presso e os grupos de interesse. E essa uma realidade que, no actual sistema eleitoral, coexiste com os dois nveis, partidrio e de governo, que se condicionam mutuamente, permitindo a governabilidade do pas e a proteco da diversidade de interesses na sociedade. ________ Sou contrrio introduo dos crculos uninominais que, em minha opinio, estimulariam e valorizariam um princpio localista e clientelar que condenaria qualquer inteno reformista ________ 81 E num sistema poltico como o nosso, que vive de um poder muito forte dos Partidos, apenas pontualmente contrariado pelas candidatu- ras independentes, principalmente a Juntas de Freguesia e, mais recen- temente, a Cmaras Municipais, a introduo de crculos uninominais, sem a possibilidade de candidaturas independentes Assembleia da Repblica, geraria mecanismos e atitudes de desresponsabilizao po- ltica de contornos incontrolveis e geradores de instabilidade, que con- tradiriam o que o sistema tem sido capaz de gerar de estabilidade e go- vernabilidade. por acreditar nestas condicionantes que defendo que devemos caminhar para um sistema misto, com um crculo nacional e tambm com crculos regionais com lista semi-fechada e proporcional. Este sistema, obrigaria os partidos a um esforo suplementar na escolha dos melhores candidatos e permitiria ao eleitor manter o seu voto partidrio, conferindo-lhe, no entanto, o poder de opo de en- tre os diversos elementos integrantes da lista, independentemente do respectivo posicionamento nesta. Tratar-se-ia de um avano muito signicativo na modernizao do nosso sistema poltico, desde logo porque permitiria a introduo da dupla opo do voto, o personaliza- do e o ideolgico. Num perodo de acentuada e perigosa quebra de conana e pres- tgio da representao poltica e institucional e do alheamento da par- ticipao cvica, manifestada em preocupantes valores de absteno, devem os partidos, e em particular os dos arco da governao, sentir-se obrigados a aproveitar a prxima legislatura, que tem tambm poderes de reviso constitucional, para se avanar para uma primeira reforma de nosso sistema eleitoral. Os professores Manuel Meirinho, Diogo Moreira e Andr Freire, com o trabalho realizado, deram j um primeiro e decisivo contributo para destruir o habitual argumento de quem nada quer fazer que o de que reformas s depois dos estudos que ainda tm que se produzi- dos. Haja vontade que as propostas j existem! REVISTA DE ASSUNTOS ELEITORAIS 83 PARA UMA MELHORIA DA REPRESENTAO POLTICA TENTATIVA DE UMA SNTESE CRTICA Antnio Filipe 1
1. Introduo A reforma do sistema eleitoral tem sido um tema recor- rente na agenda poltica portuguesa. Desde a redac- o originria da Constituio de 1976, ou mais pre- cisamente desde a aprovao da Lei Eleitoral para a Assembleia Constituinte em 1975, o princpio da re- presentao proporcional tem permanecido intocvel como elemento estruturante essencial do sistema eleitoral portugus, erigido inclusi- vamente como limite material de reviso constitucional. Na verdade, foram poucas e relativamente isoladas as vozes que se ergueram em defesa da adopo de um sistema de representao maioritria que privilegiasse a governabilidade ainda que em detrimento da represen- tatividade. E mesmo essas vozes deixaram de ser fazer ouvir a partir do momento em que se revelou possvel, aps 1987, a emergncia de maiorias absolutas de um s partido. 1 Deputado do Partido Comunista Portugus (PCP) Assembleia da Repblica na X Legislatura (2005-2009) e vice-presidente da Assembleia da Repblica. Antnio Filipe ainda Mestre em Cincia Poltica, pela Universidade Lusfona de Lisboa, e Doutorando em Cincia Poltica na Universidade de Leiden, Holanda. 84 certo que a obteno dessas maiorias se foi tornando menos di- fcil medida que o sistema eleitoral se foi tornando menos propor- cional, devido reduo do nmero de deputados de 250 para 230 na Reviso Constitucional de 1989, e devido tambm deserticao do interior do pas, que tem conduzido ao denhamento de crculos eleitorais. Para alm dos dois crculos da emigrao que elegem dois deputados cada independentemente do nmero de eleitores inscritos, alguns crculos do interior do pas tm vindo a perder representantes devido perda de populao que tm registado, o que obviamente li- mita a proporcionalidade da representao. Mas, seja por que razo for, o carcter proporcional do sistema elei- toral deixou de ser considerado sinnimo de ingovernabilidade, pelo que essa questo deixou de ser o tema preferencial para a exigncia de uma alterao sistmica, na medida em que passou a ser compro- vadamente possvel obter maiorias absolutas por mera vontade dos eleitores, sem necessidade de recurso engenharia eleitoral. No entanto, a discusso prosseguiu, embora em termos diversos, e em torno da invocao de outras preocupaes, como a necessida- de de garantir uma maior proximidade e um mais elevado grau de identicao entre os eleitos e os eleitores. A questo no se coloca ento na mudana de sistema eleitoral, do proporcional para o maiori- trio, mas na alterao da dimenso dos crculos eleitorais, ou na tran- sio de um sistema de crculos plurinominais assentes na diviso dis- trital do territrio, para sistemas mais complexos, em que tais crculos se conjugariam com um crculo nacional e com crculos uninominais de candidatura. Forma de garantir uma maior proximidade e ligao entre eleitos e eleitores, para quem prope, ou forma de garantir a concentrao de votos nos dois maiores partidos por via de mudanas induzidas no comportamento eleitoral, para quem contesta, o certo que o debate sobre o sistema eleitoral tem girado em torno destes problemas, de forma recorrente, de h duas dcadas para c. O grau de proporcionalidade do sistema eleitoral e as eventuais consequncias polticas da sua alterao, so, na verdade, questes fundamentais para a denio do regime poltico em que vivemos. Da que a reforma do sistema eleitoral, para alm de ser objecto de deba- 85 tes polticos intensos, deva ser tambm objecto de debate esclarecido e esclarecedor, o que s ser possvel se for, ao mesmo tempo, objecto de estudo srio e, tanto quanto possvel, aprofundado. O estudo sobre a reforma do sistema eleitoral, para uma melhoria da representao poltica, de Andr Freire, Manuel Meirinho e Diogo Moreira, tem vrios mritos: trata-se de um trabalho assente numa anlise do sistema eleitoral portugus em perspectiva comparada com um grau de aprofundamento porventura nunca visto entre ns, e trata-se de um estudo intelectualmente srio e isento, que procura solues para os objectivos que se prope, de manter a proporciona- lidade e propiciar uma maior responsabilizao dos eleitos perante os eleitores, sem que tais objectivos apaream como meros pretextos para outros objectivos no declarados de transformao do sistema poltico por via da engenharia eleitoral. Independentemente dos mritos, este trabalho contm considera- es que compartilho, quanto ao diagnstico do nosso sistema eleito- ral. J quanto s solues que prope, procurarei justicar as razes da minha concordncia quanto a umas e da minha discordncia quan- to a outras. 2. Proporcionalidade e governabilidade C omecemos pelo princpio: o objectivo assumido pe- los autores, o de manter o nvel de proporcionalida- de e de governabilidade do sistema eleitoral vigente. Compartilho a ideia de que o actual sistema eleitoral no oferece problemas quanto governabilidade. Na verdade, o mito da ingovernabilidade gerada pelo sistema propor- cional foi agitado at 1987, tendo havido mesmo quem defendesse a adopo de um sistema maioritrio como forma de garantir a gover- nabilidade que o sistema supostamente inviabilizava. Trs legislaturas 86 de maioria absoluta de um s partido, entre 1987 e 1995 e entre 2005 e 2009, deitaram por terra o mito da ingovernabilidade. Para alm disso, como sublinhado no estudo em apreo, dada a escassa fragmentao do sistema partidrio, mesmo na ausncia de maiorias absolutas, tem sido garantida, no essencial, a governabilidade, e quando as legislaturas foram interrompidas antes do seu termo, tal no se deveu a caractersti- cas do sistema eleitoral, mas a circunstncias polticas de outra ordem. Da uma primeira discordncia da minha parte, em relao intro- duo da moo de censura construtiva no nosso ordenamento cons- titucional, que os autores propem para reforar as garantias de go- vernabilidade, em termos semelhantes aos existentes em Espanha ou na Alemanha. Em primeiro lugar, a introduo da moo de censura construtiva viria alterar o equilbrio de poderes que a Constituio de 1976 cuidadosamente estabeleceu. A Espanha e a Alemanha vivem sob sis- temas parlamentares puros. Portugal vive sob um sistema semi-presidencial. A responsabilidade poltica, e no ape- nas formal, para nomeao e exone- rao do Primeiro-Ministro compete ao Presidente da Repblica. A introduo da moo de censura construtiva viria lesar decisivamente este poder presidencial, retirando-lhe qualquer poder de deciso au- tnoma quanto formao de um governo que resultasse da aprovao de uma moo de censura. Um dos factores que ajudou governabilidade foi porm a pro- gressiva reduo da proporcionalidade do sistema eleitoral. Por isso, tambm concordo com a ideia exposta de que o sistema no comporta mais perdas de proporcionalidade. Na verdade, a reduo do nmero de deputados de 250 para 230 na sequncia da reviso constitucional de 1989 prejudicou seriamente os pequenos partidos e favoreceu a re- presentao dos dois maiores. Esse efeito fez-se sentir claramente a partir das eleies de 1991. Por outro lado, a deserticao do interior do pas, tem vindo a reduzir drasticamente a dimenso de alguns cr- culos eleitorais, prejudicando a proporcionalidade do sistema. Se pen- sarmos que todo o conjunto dos trs distritos alentejanos (Portalegre, ________ O sistema no comporta mais perdas de proporcionalidade ________ 87 vora e Beja), que corresponde a cerca de um tero do territrio na- cional, s elege oito deputados, camos com uma ideia impressiva da distoro existente. Essa realidade, porm, estende-se a crculos como a Guarda, Vila Real ou Bragana, cuja dimenso tem vindo a decrescer. Entendo por isso que se justicaria substituir a aplicao do mtodo de Hondt pela quota de Hare na determinao do nmero de mandatos a eleger em cada crculo eleitoral. O mtodo de Hondt , como se sabe, o menos proporcional dos sistemas proporcionais, que tende a bene- ciar relativamente os maiores partidos. Se certo que a Constituio impe a aplicao do mtodo de Hondt como mtodo de converso de votos em mandatos, j no h qualquer im- pedimento constitucional a que no seja aplicado o mtodo de Hondt mas ou outro mtodo mais proporcional na determinao do nmero de mandatos em cada crculo. Os autores propem a aplicao deste mtodo para a distribuio de mandatos pelos crculos a que chamam de primrios. Independentemente de consideraes quanto a esses crculos, a aplicao da quota de Hare seria mais justa e proporcional, mesmo tendo como referncia os crculos actuais. Concordo tambm inteiramente com a ideia de que em Portugal no h deputados a mais, ao contrrio do que tantas vezes propalado. O estudo apresentado muito elucidativo a esse respeito. Portugal tem um parlamento pequeno, tanto mais que, ao contrrio do que acontece em muitos outros pases, o parlamento portugus unicameral, e bem. Reduzir o nmero de deputados teria o efeito inevitvel de reduzir a proporcionalidade da representao, como aconteceu a partir de 1991, para alm de, como muito bem sublinhado, reduzir a representao territorial e social. De resto, as razes invocadas recorrentemente para reduzir o nmero de deputados, no decorrem de qualquer argumen- to racional, mas sobretudo de uma cultura anti-parlamentar demag- gica herdada do salazarismo, convenientemente usada para camuar opes de reduo da proporcionalidade e de bipolarizao forada. O argumento da existncia de deputados a mais foi usado quando se ________ Reduzir o nmero de deputados teria o efeito inevitvel de reduzir a proporcionalidade da representao ________ 88 tratou de reduzir o nmero de deputados de 250 para 230. Nenhuma vantagem resultou dessa reduo. O mesmo argumento serviria at ao limite para reduzir o parlamento inexistncia, seguindo a velha mxima de Salazar para quem, para parlamento bastava o Conselho de Ministros. Os autores do estudo no consideram por isso, e bem, qualquer reduo do nmero de deputados. No me chocaria que propuses- sem o aumento, mas tambm no me choca, e compreendo, que o no faam. Propem porm a reduo de um deputado, obrigando exis- tncia de um nmero mpar de deputados, para evitar situaes de empate, como as que se vericaram entre 1999 e 2002. No vejo van- tagem nessa reduo, na medida em que existe soluo regimental para superar eventuais empates que foi, alis, utilizada com grande frequncia nesse perodo. 3. Qualidade da representao O segundo objectivo da proposta de reforma do siste- ma eleitoral reveste maior complexidade e diz res- peito qualidade da representao e to falada res- ponsabilizao dos eleitos pelos eleitores. A proposta em apreo assenta na criao de um segmento primrio de crculos plurinominais, de baixa e mdia mag- nitude, com um sistema de listas fechadas e no bloqueadas, conju- gado com a existncia de um crculo nacional. A reduo da propor- cionalidade gerada pelo segmento primrio de crculos eleitorais seria compensada pelo crculo nacional. A existncia de um crculo nacional que compense a fraca propor- cionalidade dos crculos de menor dimenso uma ideia consagrada na Constituio e aceitvel. O seu efeito corrector ser tanto maior quanto maior for a sua dimenso. Porm, no havendo um aumento do nmero de deputados, os eleitos do crculo nacional so retirados aos 89 restantes crculos, reduzindo a proporcionalidade nestes. Tudo seria diferente se o crculo nacional fosse o nico crculo de apuramento, sendo os restantes de candidatura, mas isso no proposto, pelo que no est em questo. A proposta apresentada tem o mrito, que importa sublinhar, de no ceder propaganda verdadeiramente txica dos crculos unino- minais, que tornariam a proporcionalidade do sistema eleitoral me- ramente aparente, fazendo-o funcionar, em termos de comportamen- to eleitoral (dos eleitores e das foras polticas) segundo uma lgica verdadeiramente maioritria, levando, na melhor das hipteses, a uma sobrerepresentao dos dois maiores partidos e a uma representao meramente residual de todos os demais. Porm, a soluo proposta, de crculos plurinominais de menor di- menso, tambm no suscita o meu entusiasmo. Compreendo-a, mas no a subscrevo. Desde logo, por uma razo fundamental: do meu pon- to de vista, os males que a proposta visa curar, no tm cura por via do sistema eleitoral. Esses males decorrem da prtica poltica e no de qualquer decincia inerente ao sistema eleitoral. Se pensarmos na prtica das eleies legislativas realizadas em Portugal, vericamos facilmente que a lgica das campanhas, dos dis- cursos eleitorais, da mediatizao e, mais relevante ainda, do com- portamento eleitoral, tm uma fraca correspondncia com os crculos eleitorais existentes. Toda a estratgia poltica dos maiores partidos, e que acaba inevitavelmente por contagiar em certa medida os restan- tes, no passa pela valorizao dos candidatos aos crculos eleitorais, mas pela hipervalorizao das lideranas partidrias. As eleies le- gislativas so transformadas numa espcie de eleio dos impropria- mente designados candidatos a Primeiro-Ministro. No entanto, exis- tem candidatos em todos os crculos eleitorais e de entre estes, muitos procuram manter uma relao de proximidade com os seus eleitores, assumem compromissos regionais e locais e reectem-nos na sua ac- tividade parlamentar. Paradoxalmente, ou talvez no, os deputados que mais se preocu- pam com problemas de ndole local ou regional e que exercem o seu mandato mantendo uma maior relao de proximidade com os elei- 90 tores no fazem parte do star system meditico, so considerados de segunda ou terceira linha, raramente so notcia, salvo de o forem por ms razes, e a reduo da visibilidade da sua aco parlamentar co- municao social regional e local faz com que engrossem o nmero dos deputados considerados inexistentes ou dispensveis por parte dos opinion makers que defendem a reduo do nmero de deputados. 4. Tendncias de comportamento eleitoral P or outro lado, facilmente comprovvel que a lgica do comportamento eleitoral em sucessivas eleies legisla- tivas indica claramente um fraqussimo peso dos candi- datos aos crculos eleitorais na determinao do sentido de voto dos eleitores. Os partidos que crescem eleito- ralmente, crescem em todos os crculos de uma forma mais ou menos uniforme, o mesmo acontecendo com os que decrescem. O comporta- mento dos eleitores pouco se compadece com a qualidade relativa dos candidatos, claramente secundarizada por consideraes quanto s opes re- lativas governao do pas. No sero poucas as vezes em que deputados com as maiores provas dadas em defesa dos interesses dos eleitores dos seus crcu- los so preteridos na eleio seguinte em benefcio de candidatos absoluta- mente desconhecidos, ou totalmente desconhecedores dos crculos por onde se candidatam. A lgica nacional tem prevalecido claramente sobre quais- quer dinmicas distritais. E no entanto, os crculos eleitorais que temos no territrio nacional so exclusivamente de base distrital ou regional. ________ O comportamento dos eleitores pouco se compadece com a qualidade relativa dos candidatos, claramente secundarizada por consideraes quanto s opes relativas governao do pas ________ 91 Seria lgico que os eleitores determinassem o sentido do seu voto tendo em considerao os candidatos que realmente se lhes apresen- tam? Em princpio seria, mas na realidade no o tanto. E se a con- gurao dos crculos se alterasse, as coisas mudariam? A resposta a mesma: em princpio mudariam, mas na realidade no mudariam tanto. No creio que seja realista acreditar que uma alterao da con- gurao dos crculos eleitorais tivesse o poder de alterar a lgica que formata invariavelmente as eleies legislativas. Nem os grandes par- tidos nem os principais rgos de comunicao deixariam de apre- sentar as eleies como quase exclusivamente destinadas eleio do Primeiro-Ministro. Os autores da proposta de reforma do sistema eleitoral no ignoram esta realidade, que est muito longe de ser uma originalidade portu- guesa, e procuram enfrent-la, tentando encontrar formas de valoriza- o do peso relativo dos candidatos aos crculos primrios, isto , dos candidatos que representam os crculos. Haveria portanto um crculo nacional, por onde concorreriam as chamadas guras nacionais (embora no obrigatoriamente) e que te- riam uma base de apuramento nacional, garantindo uma representao minimamente proporcional, e haveria crculos primrios, de dimenso mais reduzida que os actuais crculos distritais (embora alguns deles j no possam ser mais reduzidos) que permitiriam aos eleitores eleger os seus deputados. Esta ideia da conjugao do crculo nacional com outros crculos (designadamente uninominais) constou j de outras propostas, desig- nadamente do PS em 1998. Nessa altura, com uma grave decincia (entre outras) que era a no previso de um duplo voto que, a no exis- tir, inviabilizava completamente a lgica do sistema. Ou seja: haveria um crculo nacional segundo uma lgica de representao nacional e crculos de dimenso reduzida segundo lgicas regionais, mas o eleitor s tinha um voto. Ou escolhia uma lgica ou escolhia a outra. No faria sentido. Os autores da presente proposta tentam resolver o problema com diversos antdotos, a saber: o duplo voto e a possibilidade de listas no bloqueadas que permitiriam seleccionar de entre os candidatos. Mais uma vez, compreendo, mas no me entusiasmo. 92 5. O carcter nacional da representao N o me entusiasmo, tendo em considerao desde logo o estatuto constitucional da Assembleia da Repblica e dos seus deputados. A Constituio proclama que a Assembleia da Repblica a assembleia represen- tativa de todos os cidados portugueses (artigo 147), que os deputados representam todo o pas e no os crculos por que so eleitos (artigo 152, n. 2) e que os deputados exercem livremente o seu mandato, sendo-lhes garantidas condies adequadas ao ecaz exerccio das suas funes, designadamente ao indispensvel contacto com os cidados eleitores e sua informao regular (artigo 155, n. 1). A armao da Assembleia da Repblica como assembleia repre- sentativa de todos os cidados e de cada deputado como represen- tante de todo o pas e no apenas do seu crculo de eleio plena de consequncias. A sua razo de ser precisamente a de evitar os deputados locais ou regionais e, por outro lado, armar o prin- cpio do mandato livre, no imperativo, no vinculado aos eleito- res que participaram na eleio do deputado. A viso do deputado eleito pelo seu crculo de que mandatrio e presta contas aos seus eleitores foi historicamente ultrapassada. Sucessivas constituies armaram que os deputados no representam o crculo mas a na- o ou o povo considerados globalmente, o que correspondeu a proclamar a concepo da inexistncia de um mandato imperativo de crculo. Hoje, essa concepo est ultrapassada, mesmo onde os sistemas eleitorais so baseados na maioria simples em crculos uni- nominais ou onde existe a representao proporcional personaliza- da. No quer dizer que no se veriquem formas de relao do de- putado com eleitores do crculo que o elegeu; claro que se vericam e bom que se veriquem; mas essas relaes so menos importan- tes do que a relao do deputado com o seu partido e eventualmente com outros interesses organizados. 93 Voltando s funes que os deputados so chamados a desempenhar, importa notar que a Constituio, apesar de proclamar que os deputados representam todo o pas, no deixa de lhes garantir condies adequadas ao ecaz exerccio das suas funes, designadamente ao indispensvel con- tacto com os cidados eleitores e sua informao regular. Desde h vrios anos que os governos civis esto incumbidos de assegurar um espao nas suas instalaes para que os deputados eleitos pelo respectivo crculo, ou outros que l se desloquem, possam receber eleitores. Porm, tais espaos no so em regra utilizados. O contacto dos deputados com os eleitores normalmente mediado pelas estruturas partidrias regionais ou locais. Constitucionalmente, a Assembleia da Repblica possui um am- plo conjunto de competncias. Competncias polticas, que vo des- de a aprovao de alteraes Constituio at aprovao de trata- dos internacionais, passando pelos estatutos das regies autnomas, pelo Oramento do Estado, pela concesso de amnistias, ou pela au- torizao para declarar a guerra e fazer a paz (artigo 161.). Competncias legisla- tivas genricas, com uma vasta reserva de competncia legislativa, absoluta ou rela- tiva (artigos 164. e 165.). Competncias quanto a outros rgos, que vo desde a eleio de titulares para vrios rgos do Estado at votao de moes de con- ana ou de censura ao Governo, passan- do pela autorizao ao Presidente da Repblica para se ausentar do pas (artigo 163.). Finalmente, competncias de scalizao, nas quais se inclui uma alnea que permite aos deputados vigiar pelo cumpri- mento da Constituio e das leis e apreciar os actos do Governo e da Administrao (artigo 162.). Aqui, neste ltimo ponto, comea e pra- ticamente acaba a interveno dos deputados em assuntos de relevn- cia exclusivamente local ou regional. A existncia de um duplo voto consagraria a existncia de facto de de- putados com estatutos distintos. Onde a Constituio no permite distin- guir, a lei eleitoral distinguiria. Os deputados, constitucionalmente repre- sentam toda a nao e no os crculos por onde so eleitos. Seria assim, ________ A existncia de um duplo voto consagraria a existncia de facto de deputados com estatutos distintos ________ 94 para todos, quando uns seriam eleitos pelo conjunto na nao e outros seriam eleitos nos crculos como seus representantes? Na verdade, seria, dado que as funes constitucionais, os poderes e os deveres de uns e de outros seriam absolutamente iguais, por imperativo constitucional. 6. A proximidade entre eleitos e eleitores E stas consideraes no signicam que, em minha opi- nio, os deputados no devam ter uma relao de proxi- midade com os cidados que os elegem. Considero que devem ter e que muito importante para a qualidade da democracia, que tenham. Deve haver uma relao de proximidade entre eleitos e eleitores. Mas essa relao de proximida- de deve ser feita sem equvocos. Do meu ponto de vista seria um equvoco grave pensar que os depu- tados so eleitos como procuradores de interesses locais ou regionais e que o que distingue os deputados no so as famlias polticas a que pertencem, as ideologias que professam, os projectos de sociedade que defendem, as polticas concretas que preconizam para o pas, as leis que propem e votam, mas os crculos territoriais que representam. Seriam um grave equvoco pensar que os deputados deixariam de se dividir em comunistas, sociais-democratas ou liberais, para passarem a dividir-se, na sua prtica poltica concreta, em beires, alentejanos, ou algarvios, em funo dos interesses concretos das populaes que representassem. Ser ento foroso concluir que o distanciamento entre os cidados e a poltica um mal sem remdio? No foroso que seja, e considero mesmo indispensvel melhorar a relao entre os cidados e o fun- cionamento do sistema poltico, de muitas e variadas maneiras, todas relacionadas com a prtica poltica e com a instituio de mecanismos que aumentem as possibilidades reais de participao e que revelem respeito pela opinio e pela vontade dos cidados. 95 No funcionamento da Assembleia da Repblica, importa sem d- vida viabilizar em termos prticos a possibilidade de iniciativa legis- lativa popular, dignicar o exerccio do direito de petio, dar maior relevo regimental ao tratamento de assuntos de interesse relevante, mas tambm indispensvel melhorar muitos outros aspectos da vida poltica, como a transparncia no exerccio de funes pblicas, o re- gime de transparncia no nanciamento dos partidos e nas despesas eleitorais, o reforo da participao real dos cidados na tomada de decises polticas a todos os nveis. 7. Em concluso N o tenho uma viso conservadora quanto ao sistema eleitoral. Apesar de no hesitar em opor-me a qual- quer mudana pela mudana ou a qualquer mudana que, em minha opinio, seja para pior, considero que o nosso sistema eleitoral podia ser melhorado desig- nadamente quando proporcionalidade, que j se encontra hoje fran- camente diminuda. A maior divergncia que assumo em relao ao sistema proposto por Andr Freire, Manuel Meirinho e Diogo Moreira reside na consi- derao diferente que temos quanto ao que possvel alterar por via do sistema eleitoral. Os autores pretendem mudar o sistema eleito- ral de forma a melhorar a relao entre os eleitos e os eleitores e com isso a qualidade da democracia. Tambm entendo que essa relao e a qualidade da democracia podem e devem ser melhoradas, mas j no considero que essa melhoria dependa, no essencial, de alteraes a in- troduzir no sistema eleitoral, mas de instrumentos e prticas polticas de limitao e de scalizao do exerccio do poder, e de reforo dos poderes de interveno dos prprios cidados na vida poltica e no es- crutnio da actividade governativa e parlamentar. REVISTA DE ASSUNTOS ELEITORAIS 97 COMENTRIO AO ESTUDO SOBRE A REFORMA DO SISTEMA POLTICO PARA UMA MELHORIA DA REPRESENTAO POLTICA Pedro Pestana Bastos 1
A temtica da reforma do sistema eleitoral objecto de discusso acadmica e poltica permanente. Na nos- sa histria recente podemos identicar dois picos no debate poltico, o primeiro desses picos ocorreu na segunda metade da dcada de 80 e na altura a grande preocupao foi, sobretudo, reformar o sistema por forma a reforar as condies de governabilidade. Na verdade entre Dezembro de 1979 e Julho de 1987 tivemos cinco eleies legislativas, o que equivale a uma mdia de uma eleio em cada 18 meses. O sistema sado da revoluo parecia esgotado e sem condies para assegurar a estabilidade e gover- nabilidade. Foi sobretudo esse o pano de fundo dos grande debates dos anos 80 que culminaram nos projectos legislativos de reforma do sistema eleitoral. No obstante as tentativas, sobretudo do PSD, a verdade que no foi possvel chegar a um consenso com o PS, pelo que os 2/3 de votos necessrios no Parlamento para ser aprovada uma reforma eleitoral nunca foram atingidos, nunca tendo o PS cedido s propostas do PSD que restringiam a proporcionalidade atravs sobretudo da al- 1 Dirigente do CDS-PP (Centro Democrtico Social Partido Popular), advogado, jurisconsulto e especialista em sistemas eleitorais e legislao conexa. 98 terao dos crculos eleitorais e da diminuio do nmero de deputa- dos. De qualquer modo por consenso foi aprovada uma diminuio do nmero de deputados de 250 para 230 que no alterou a natureza do sistema eleitoral portugus. Entretanto assistimos a uma maturao do sistema a partir do - nal dos anos 80 que se prolongou pelos anos 90 e at aos nossos dias. Recentemente o tema tem voltado a despertar o interesse tanto dos acadmicos como dos politicos sendo que estamos a assistir ao incio de um novo pico que dever terminar com uma reforma do sistema eleitoral. Mas se a grande preocupao nos anos 80 era a governabili- dade agora a principal preocupao anda volta da representatividade dos Deputados. 2. O actual sistema eleitoral e a sua reforma E m qualquer reforma do sistema eleitoral devemos testar quatro pontos essenciais: Governabilidade, a represen- tatividade, a proporcionalidade e a qualidade. O TESTE DA GOVERNABILIDADE O nosso sistema j deu para tudo (a) maiorias absolutas de um s partido, (b) maiorias absolutas de coligaes pr-eleitorais, (c) maio- rias relativas (d) maiorias absolutas ps- eleitorais. No devemos esquecer que h mais de 20 anos que o Parlamento no aprova uma moo de censura ou responsvel pela queda de um Governo, sendo que as nicas duas vezes que nos ltimos 20 anos um Governo no chegou ao m da legislatura, tal deveu-se ou a iniciativa do Primeiro Ministro (caso da demisso do Eng Guterres) ou a ini- ciativa do PR (caso de dissoluo da AR pelo Presidente Sampaio por 99 problemas com o Governo de Santana Lopes). Podemos concluir assim que o actual sistema provou neste aspecto, e que passa com distino no teste da Governabilidade. O TESTE DA PROPORCIONALIDADE A existncia de muitos crculos de pequenas dimenso (5 ou menos Deputados) afecta a proporcionalidade a qual no nosso sistema com- pensada parcialmente atravs dos grandes crculos eleitorais. Em ter- mos globais o sistema assegura uma proporcionalidade mitigada mas que j no permite mais compresses. Os nmeros so os seguintes: Ou seja, os dois maiores partidos obtiveram 73% dos votos mas tm 84% dos deputados, enquanto os trs outros partidos no obstante te- rem tido no conjunto 21,7% dos votos tm apenas 16% dos deputados. A causa desta proporcionalidade mitigada no se deve ao mtodo de Hondt como costume dizer-se. Caso houvesse um crculo nico na- cional e fosse aplicado o mtodo de Hondt a proporcionalidade seria quase perfeita. A verdadeira causa a dimenso dos crculos eleitorais sendo que todos os votos do BE de 15 Distritos e do CDS de 10 Distritos so completamente desperdiados. Com a actual dimenso dos crculos eleitorais os partidos at 20% tm menos Deputados do que a percenta- gem de votos, e a situao inverte-se quando as votaes so superiores a 20%. De qualquer modo mesmo que de forma mitigada, o sistema pas- sa o Teste da Proporcionalidade. Quadro 1 Resultados das eleies legislativas de 2005
PS 45,3% 27,4% 7,6% 7,3% 6,8% 52% 32% 6,5% 5,3% 4,2% PSD CDU CDS BE Votos Deputados 100 O TESTE DA REPRESENTATIVIDADE A quase totalidade dos deputados no reconhecida pelos elei- tores que, na sua esmagadora maioria no sabe sequer quem so os Deputados do seu crculo eleitoral. Por outro lado, a grande parte dos Deputados acaba por no efectuar traba- lho efectivo junto das populaes do seu crculo. Ou seja, o sistema no passa no teste da representatividade O TESTE DA QUALIDADE Decorre dos demais testes uma vez que a qualidade dos Deputados est directamente ligada proporcionalidade e representatividade do sistema. Existiro tendencialmente melhores condies de recrutamen- to de Deputados num sistema em que, por um lado existam condies de representatividade, aproximando eleitores a eleitores e por outro es- teja assegurada a proporcionalidade por forma a que todas as correntes da sociedade estejam equitativamente representadas no Parlamento. 3. O estudo publicado para uma melhoria da representao poltica S e defendemos que o nosso sistema passa nos testes da proporcionalidade e governabilidade, mas no no tes- te da representatividade ento teremos que identicar como o principal objectivo de uma reforma eleitoral aproximar eleitos e eleitores sem ferir a proprocionali- dade e a governabilidade. Acessoriamente se a reforma permitir ou- tros objectivos como encontrar frmulas de atrair a participao de independentes e estabelecer condies para atrair cada vez melhores candidatos a deputados, ptimo. ________ O sistema no passa no teste da representatividade ________ 101 Um dos principais contributos que o estudo trouxe ao debate foi a anlise efectuada em termos comparados entre democracias maio- ritrias, em que os Governos so provenientes de solues uniparti- drias, e democracias consociativas, onde os Governos resultam de solues coligatrias pr ou ps eleitorais. Os resultados indicam-nos que no existem diferenas relevantes nas performances macroeconmicas nas vrias solues mas j so detec- tadas diferenas signicativas ao nvel do grau de participao dos cidados e no grau de satisfao dos eleitores em relao ao funcionamento da de- mocracia. Este dado a par da circuns- tncia de em 25 dos Estados da UE 90% serem governados por solues consociativas, leva-nos a pen- sar quais as razes para que em Portugal a ideia de maioria absoluta de um s partido seja ainda popular. Parece-nos claro que as causas esto na diculdade em, 35 anos aps a revoluo, os partidos da es- querda se entenderem em solues governativas. Este fenmeno leva a que esquerda as solues embora mais diceis de atingir sero tendencialmente de um s partido sendo que direita a situao a inversa. Esta realidade leva a que na verdade seja mais fcil encontrar solues consociativas direita. Num futuro que prevejo prximo tal fraqueza do sistema poder ser superada. Na verdade, aos poucos percebe-se que as condies para que PS e BE protagonizem uma so- luo consociativa se vo reunindo. Com certeza no ser com Jos Scrates frente do PS mas hoje a perspectiva de uma soluo de incidncia parlamentar PS-BE no parece j impossvel o que poder equilibrar o sistema. A segunda realidade que o estudo encara numa perspectiva sria a questo do nmero de deputados. Na verdade at publicao do estudo o debate volta da reforma do sistema eleitoral andava so- bretudo volta do nmero de deputados sendo que o trabalho apre- sentado demonstra, sem margem para dvidas, que em Portugal, em termos comparados, no existe um nmero excessivo de deputados. ________ As causas esto na diculdade em, 35 anos aps a revoluo, os partidos da esquerda se entenderem em solues governativas ________ 102 Naturalmente que os Estados-maiores tm tendncia para ter um n- mero de eleitores por deputado superior aos Estados pequenos. Da mes- ma forma natural que nos pequenos Estados o nmero de eleitores por Deputado seja mais pequeno. Isto para concluir que as comparaes s- rias devem ser feitas com os estados mdios com populaes entre os 7 e os 13 milhes de habitantes pois so esses que so comparveis a Portugal. E neste aspecto a anlise tambm no deixa dvidas. Dos estados da UE com dimenso prxima da portuguesa em termos de nmero de eleito- res, Portugal o segundo pas com mais eleitores por deputado. Para alm desta comparao, uma reduo do nmero de deputados originaria um grande problema de sub-representao do interior com grandes problemas de deserticao para alm de originar uma com- presso muito relevante da proporcionalidade. Por outro lado, um e- ciente funcionamento de todas as comisses parlamentares exige um nmero de deputados prximo do actual. Tudo o resto populismo de partidos que pretendem, com o pretexto da diminuio de deputados, comprimir o grau de proporcionalidade do sistema. A principal novidade do estudo a proposta de introduo de voto preferencial e da existncia de mltiplos segmentos. Preconizamos o sistema de voto preferencial nos crculos primrios como propos- to. Tem a vantagem de aproximar eleitos de eleitores sem afectar a proporcionalidade e sem os inconvenientes dos crculos uninominais Quadro 2 ndice de deputados eleitos por nmero de eleitores
Austria 33 mil Dinamarca 30 mil Eslovquia 36 mil Bulgria 35 mil Grcia 35 mil Hungria 25 mil Suia 26 mil Rpublica Checa 37 mil Sucia 27 mil Blgica 47 mil Portugal 43 mil 103 (caciquismo, nanciamento, legitimidade uninominal). A soluo de in- troduo de um crculo nacional permite compensar a retraco da pro- porcionalidade decorrente da diminuio na dimenso mdia dos crcu- los primrios e os votos perdidos. Este sistema permite uma aproximao de eleitos e eleitores sem se cair nos perigos, latentes na sociedade portu- guesa, de caciquismo e localismo, os quais surgiriam inevitavelmente em caso de introduo de crculos uninominais. J no que se refere proposta de listas aparentadas temos muitas re- servas, no tanto pelo princpio mas mais pela sua difcil compatibilidade com o voto preferencial. O sistema de listas aparentadas pode ser inte- ressante no aproveitamento de restos de partidos do mesmo plo mas entende- mos que dicilmente compatvel com o princpio do voto preferencial podendo ter consequncias perversas uma vez que os eleitores podem escolher o candida- to. No fundo o partido mais pequeno do polo estaria a engordar com os seus votos a votao do partido do mesmo plo com maior dimenso sendo que, por fora do voto preferencial, na prtica os deputados eleitos por via de aproveita- mento de restos seriam sempre os do partido maior de cada plo. Mas se em relao ao princpio das listas aparentadas temos algu- mas dvidas, a nossa maior critica proposta refere-se soluo geogr- ca apresentada. No h nada mais sensvel em Portugal do que mexer em territrio. As solues concretas de diviso dos crculos devem cor- responder a realidades existente e no a meros exerccios de engenharia de territrio ou nmeros. Para dar um exemplo a soluo que apresen- tada no estudo junta Vila Verde a Guimares em vez de juntar Vila Verde a Braga. Quem conhea a rivalidade Braga/ Guimares e a ligao de Vila Verde a Braga saber que Vila Verde nunca aceitar integrar o crculo de Guimares em vez do de Braga. Para alm da soluo concreta no corresponder a unidades culturais existentes, e soluo preconizada no estudo tem como consequncia a existncia de crculos de dimenso muito dispare entre 5 e 14 candidatos. ________ As solues concretas de diviso dos crculos devem corresponder a realidades existente e no a meros exerccios de engenharia de territrio ou nmeros ________ 104 A opo deve passar pela diviso administrativa existente (CCDR e reas Metropolitanas) e no por um mapa eleitoral que no cor- responda a unidades administrativas. Tendencialmente os novos crculos devero ter dimenses semelhantes por forma a no originar grandes di- ferenas na capacidade dos partidos elegerem deputados. 4. Concluso M uito embora tenhamos as reservas que qualquer tra- balho desta natureza sempre suscita, consideramos o trabalho coordenado pelo Prof Andr Freire, e em co-autoria com Manuel Meirinho e Diogo Moreira, o principal contributo para que o debate da reforma do sistema eleitoral, enquanto debate essencial ao desenvolvimento da Democracia, tenha deixado de estar centrado apenas e sobretudo no nmero de Deputados. Na verdade, o debate volta da reduo do nmero de deputados no contribui para nada e apenas contribui para fragilizar ainda mais o prestgio do Parlamento. Por outro lado, o estudo e os debates que se lhe seguiram trouxeram o debate de- nitivamente para a universidade, para os jornais e para a sociedade civil. Se a reforma do sistema fosse feita sobretudo nos corredores de So Bento e no silncio dos aparelhos partidrios seria uma reforma anti-democrtica que descredibizaria, talvez denitivamente a classe poltica. Esperemos agora que o debate no volte a ser monopolizado pelos aparelhos partidrios e se alargue a toda a sociedade. ________ A opo deve passar pela diviso administrativa existente (CCDR e reas Metropolitanas) e no por um mapa eleitoral que no corresponda a unidades administrativas ________ REVISTA DE ASSUNTOS ELEITORAIS 105 OS MITOS DO BLOCO CENTRAL Pedro Soares 1
O estudo dos investigadores Andr Freire, Manuel Meirinho e Diogo Moreira sobre a reforma do sis- tema eleitoral 2 abala a generalidade dos mitos que os partidos do chamado bloco central tm vindo a construir nesta matria. PS e PSD h muito que par- tem de uma base comum: ambos defendem a introduo de crculos uninominais no sistema de eleio para a Assembleia da Repblica. A efabulao de que o pas tem um problema de governabilidade e de excessiva fragmentao partidria sustentou a mitologia do discurso do bloco central em defesa daquela espcie de upgrade de sinal con- trrio, que mais no seria do que transformar o sistema eleitoral num somatrio de sociedades unipessoais, com a diminuio da proporcio- nalidade e a degradao da qualidade da representao. Objectivamente, os crculos uninominais transformam os eleitos em pretensos representantes dos seus eleitores e tambm dos que se lhe opem. Introduzem factores gritantes de desproporcionalidade entre os votos expressos e a representao obtida por cada fora pol- 1 Dirigente do Bloco de Esquerda (BE), actualmente (e em 2005) candidato a deputado pelo crcu- lo de Braga, e que j desempenhou as funes de representante do BE na Comisso Nacional de Eleies, nomeadamente durante a X Legislatura. 2 Freire, A., Meirinho, M., Moreira, D. (2008), Para uma melhoria da representao poltica A reforma do sistema eleitoral, Lisboa, Sextante Editora. 106 tica. certo que as propostas que tm surgido propem, igualmente, a formao de crculos de compensao escala regional e nacional, que permitiriam atravs do reaproveitamento de votos ou mesmo pelo voto duplo, repor a proporcionalidade no sistema determina- o constitucional e permitir a eleio de deputados aos restantes partidos. Porm, s assim teoricamente ou nas projeces realizadas a partir dos resultados eleitorais anteriormente obtidos com o siste- ma de crculos plurinominais actualmente em vigor. Quem conhece a realidade da confrontao poltica, percebe de imediato que o efeito prtico da criao dos crculos uninominais seria o do crescimento da bipolarizao no debate e do bipartidarismo na representao. Ou seja, os benecirios directos seriam PS e PSD e, no menos provvel, a promoo de uma nova vaga de caciquismo local e regional. Esta linha para a reforma eleitoral coerente com o projecto de lei apresentado pelo PS e PSD, na Legislatura que agora termina, para a reforma do sistema eleitoral dos rgos das autarquias locais. Em vez da representao proporcional das candidaturas nos executivos mu- nicipais, como agora se verica, aquela iniciativa legislativa apontava para a formao de maiorias absolutas, absolutamente articiais na ge- neralidade dos municpios - de acordo com a leitura permitida pelos resultados eleitorais da histria da democracia local, com poderes aos presidentes de cmara para escolherem e destiturem os seus verea- dores segundo os seus prprios critrios pessoais. A discricionarieda- de do presidente da cmara aumentaria exponencialmente e o grupo maioritrio passaria a ter uma concentrao opressora de poderes. De facto, a linha comum do PS e PSD para as legislativas e autr- quicas a da criao de entidades unipessoais com poderes executi- vos e de representao extraordinrios, ao mesmo tempo que reduz as oposies menor expresso possvel. to mais estranho quan- to, como se sabe, tanto a nvel nacional, como tambm nas autarquias locais, no h qualquer problema signicativo de governabilidade. Antes pelo contrrio, as pginas dos jornais esto cheias de episdios de dce, isso sim, de capacidade de scalizao dos vereadores e das assembleias municipais sobre as maiorias nos executivos camarrios que governam sem grande conitualidade. Torna-se difcil de enten- 107 der que esta linha reformista acrescente alguma coisa democracia. O estudo dos referidos autores vem demonstrar com brilhantismo que os crculos uninominais no correspondem a uma necessidade do pas real, mas to s, na nossa perspectiva, necessidade que os partidos do bloco central sentem de reforar e blindar as respec- tivas hegemonias de representao no sistema poltico portugus. Sendo os partidos do rotativismo e tendo sido construdos sombra do Estado, PS e PSD receiam perder a quase exclu- sividade prtica do acesso aos canais do Poder, seja ao nvel nacional ou escala local. Portugal, onde, de acordo com os autores citados, a qualidade da repre- sentao poltica se ressente de um relativamente elevado nvel de des- proporcionalidade do sistema eleito- ral, tendo em conta a mdia europeia, tambm o pas onde os partidos que se tm revezado no governo e com ca- pacidade, em conjunto, de reviso das leis eleitorais, se propem reformar o sistema para lhe introduzir acrescidos factores de distoro da proporcionali- dade que, na realidade, signica bloquear o plural acesso das correntes de opinio representao democrtica. A hipocrisia poltica de uma reforma eleitoral, com criao de crcu- los uninominais, como forma de os aproximar [os eleitos] dos eleito- res (Programa Eleitoral do PS para as Legislativas/2005) no tem, no estudo a que nos temos estado a referir, qualquer apoio tcnico e cien- tco em sua defesa. A mudana de crculos eleitorais plurinominais para crculos uninominais s conduziria ao agravamento da deciente qualidade da representao do nosso sistema eleitoral, com enorme prejuzo para a relao dos eleitos com os eleitores e, necessariamente, ________ Os crculos uninominais no correspondem a uma necessidade do pas real, mas to s, na nossa perspectiva, necessidade que os partidos do bloco central sentem de reforar e blindar as respectivas hegemonias de representao no sistema poltico portugus ________ 108 para as instituies onde se processa a representao, em particular a sua legitimao e credibilizao perante a opinio pblica. Os autores referem mesmo que as relativamente elevadas distor- es proporcionalidade () resultaro, primeiro, da existncia de bastantes crculos muito pequenos (na emigrao, no interior norte e sul, nas ilhas) e, segundo, tambm do padro da competio partidria (muito pouco fragmentada desde 1987). (Freire et al. 2008:31). Ora, neste quadro, propor crculos uninominais s poderia agravar os ci- tados indutores da desproporcionalidade, porque os crculos seriam reduzidos estrita dimenso necessria para eleger um deputado, e a concentrao partidria, o contrrio da fragmentao, atingiria a sua expresso mxima. O bloco central cou sem qualquer argumento plausvel para in- troduzir uma reforma do sistema eleitoral que acabe por o tornar me- nos proporcional, menos plural e menos democrtico. 2. O factor de rigidez do sistema U ma das fobias polticas que o bloco central tem procurado incorporar na sociedade portuguesa, con- siste em criar o medo pela ingovernabilidade do pas, em funo da impossibilidade de formao de uma maioria parlamentar de sustentao do governo, caso os restantes partidos obtenham uma percentagem expressiva do voto popular. Apresenta-se esse desgnio de formar uma maioria poltica como uma espcie de exclusivismo do PS e PSD. J comum que alguns comentadores, s portas de novas eleies legislativas, se desdobrem em frases chocantes e angustiadas perante a eventualidade de Bloco de Esquerda e PCP poderem somar qualquer coisa prxima dos 20% dos votos validamente expressos. O espectro da ingovernabilidade agitado, como se uma qualquer peste estivesse prestes a abater-se sobre o pas. 109 De referir que os autores do estudo, so muito claros quanto ao facto de no existirem diferenas signicativas entre as democracias maioritrias (tipo Westminster) e as democracias consociativas (asso- ciadas aos governos de coligao) em termos de performance macro- econmica (Freire et al. 2008:53), adiantando que as diferenas mais relevantes so favorveis s democracias que partilham o poder (par- ticipao dos cidados, representao das mulheres, proteco social e satisfao dos eleitores). Quer isto dizer que, as maiorias absolutas, que parecem ser o alfa e o mega dos partidos do bloco central, no so propriamente a soluo mais recomendvel para a governao, no havendo qualquer razo para o seu surgimento seja forado. No nosso entendimento, esta espcie de buraco negro em que se tornou a procura de maiorias absolutas, ao ponto de se proporem distores proporcionalidade para que se obtenham, nem que seja na secretaria, maiorias prova de quase tudo, constitui um dos ele- mentos mais marcantes da rigidez que o sistema aparenta e, de facto, o maior problema para a governabilidade. A hegemonia absoluta sobre o sistema em que se tornou o bloco central, levou a que os partidos que o constituem pouco se diferen- ciem nas polticas quando passam pelo governo, naquilo que tudo indi- ca ser um programa comum cumprido por ambos em alternncia. Tm convergido nesse centro uma amlgama de eleitores, de direita e de esquerda, muitos deles imensamente crticos dessa realidade, mas que at agora no descortinavam outra soluo governativa fora desse quadro. Esta situao no forneceu uidez e, pelo contrrio, tornou o sistema rgido e sem alternativas, com diculdades extremas em se re- generar no sentido de qualquer coisa do gnero das democracias con- sociativas a que os autores se referem. Constata-se que, em Portugal, embora apenas esquerda, tem ha- vido diculdades em formar coligaes (Freire et al. 2008:53). Na verdade, o bloqueamento hegemnico em que o bloco central quis transformar a vida poltica portuguesa no alimenta qualquer espe- rana quanto a coligaes. Quem que est disponvel para uma alian- a com os antpodas do seu programa eleitoral? Contudo, ningum duvida hoje em dia que so possveis convergncias com sectores da 110 esquerda que se diferenciam das polticas do bloco central. A implo- so ou, no imediato, o emagrecimento dos partidos do bloco central, sendo da mais elementar higiene poltica, vai conferir novas possibili- dades e, sobretudo, respirao ao sistema. Finalmente, no queramos deixar de assinalar que o PS no se mostrou disponvel, at ao momento, para assumir as propostas do tra- balho elaborado por Freire, Meirinho e Moreira, que teria sido enco- mendado pelo prprio grupo parlamentar do PS para fundamentar um novo projecto de lei eleitoral a apresentar Assembleia da Repblica. A destruio dos mitos sempre dolorosa para quem os alimentou. REVISTA DE ASSUNTOS ELEITORAIS Comentrios acadmicos proposta de reforma do sistema eleitoral: Para uma melhoria da representao poltica a reforma do sistema eleitoral Conceio Pequito Teixeira Paulo Morais SECO III REVISTA DE ASSUNTOS ELEITORAIS 113 AINDA (E SEMPRE) A REFORMA DO SISTEMA ELEITORAL ENTRE O MPETO REFORMISTA E O IMPERATIVO CONSERVADOR Conceio Pequito Teixeira 1
1. Introduo M ais de trinta anos aps a transio democrtica em Portugal, parece ser consensual entre todos que o debate sobre a reforma do sistema eleitoral para a Assembleia da Repblica constitui um tema antigo e recorrente na agenda e no discurso polticos dos principais partidos portugueses, o qual tem sido recuperado incessan- temente e at ver, inutilmente! a cada nova legislatura, como se de um mera formalidade ou ritual se tratasse, mas sempre com efeitos puramente retricos e inconsequentes. E tal assim desde a elaborao da primeira (e nica) Lei Eleitoral ps-revolucionria, a qual, na observncia da Constituio da Repblica de 1976, consagrou o sistema de representao proporcional, segundo o mtodo de apuramento da mdia mais alta de Hondt; instituiu os crculos eleitorais de base distrital e regional; proibiu a previso de 1 Instituto Superior de Cincias Sociais e Polticas (ISCSP-UTL) 114 clusulas-barreira, mediante a exigncia de uma percentagem de vo- tos nacional mnima; e, no menos importante, garantiu aos partidos polticos o exclusivo da apresentao de candidaturas ao rgo parla- mentar, criando as condies necessrias para a posterior e hoje to criticada e contestada deriva partidocrtica do sistema democr- tico portugus. Curiosamente, desde a sua gnese, o debate sobre a necessidade da reforma do sistema eleitoral tornou-se uma exigncia aparentemen- te partilhada pelos dois maiores partidos de cuja vontade depende, como sabido, qualquer reforma nesta matria. Porm, no pode dei- xar de ser manifestamente intrigante e talvez no que, sob este aparente consenso quanto necessidade de rever o actual sistema elei- toral, todas as propostas de reforma entretanto apresentadas e defen- didas pelos dois maiores partidos Partido Socialista e Partido Social Democrata quer nos seus sucessivos manifestos e compromissos eleitorais, quer em sede de reviso constitucional suportadas, in- clusivamente, por estudos prvios desenvolvidos por acadmicos e es- pecialistas no estudo dos sistemas eleitorais, caracterizados pela sua suposta neutralidade axiolgica e exigida iseno partidria tenham pura e simplesmente fracassado. Ou, dito de outro modo: no tenham conseguido ir alm da mera retrica poltica reformista, sem que esta ti- vesse tido quaisquer implicaes concretas no plano legislativo, como seria de esperar e, acima de tudo, como seria necessrio e desejvel. 2. Avaliao poltica do rendimento do actual sistema eleitoral E sta situao torna-se tanto ou mais intrigante quando os dois maiores partidos parecem partilhar o mesmo diag- nstico quanto avaliao que fazem do rendimento do actual sistema eleitoral, tanto quanto s suas virtudes como quanto aos seus defeitos. 115 Na realidade, parece no oferecer quaisquer dvidas que ambos os partidos concordam que o actual sistema eleitoral deu provas mais do que sucientes em matria de governabilidade, na medida em que, e ao contrrio das prprias expectativas dos seus pais fundadores, permi- tiu a formao de sucessivas maiorias de governo basta lembrar que, desde 1987, se registou uma tendncia para a concentrao de votos nos dois maiores partidos, a qual permitiu a formao de trs maiorias de um s partido, duas do Partido Social Democrata na dcada de 1990 e a actual maioria absoluta do Partido Socialista, mostrando, assim, que a maioria dos eleitores orientam a sua conduta eleitoral essencial- mente em funo do valor da estabilidade governativa. O mesmo pode ser dito no que respeita, quer proporcionalidade do actual sistema eleitoral, quer sua legitimidade. No primeiro caso, embora se tenha registado um aumento signicativo do nvel de des- proporcionalidade, o qual em termos comparativos relativamente elevado tendncia que se deve sobretudo ao desenvolvimento dos padres da competio partidria no perodo de consolidao e ps- consolidao do regime democrtico em Portugal, ou seja, crescente concentrao do voto nos dois maiores partidos, e no tanto s mu- danas ocorridas no sistema eleitoral (que pouco ou nada mudou entre 1976 e 2005, excepto quanto reduo do nmero de deputados de 250 para 230) , o facto que ainda assim o aumento do nvel de des- proporcionalidade no impediu a emergncia eleitoral de novas for- maes polticas, umas efmeras, como foi o caso do PRD ou do PSN, outras mais duradouras, de que o Bloco de Esquerda parece ser at agora o exemplo paradigmtico. Menos controversa ainda a armao de que o actual sistema eleitoral no suscita, entre os dois maiores partidos polticos e os seus principais dirigentes, quaisquer problemas nem quanto dedignida- de dos resultados eleitorais, nem quanto justa converso dos votos em mandatos, no se achando deslegitimado junto dos principais acto- res polticos, em particular, ou da opinio pblica, em geral, por qual- quer razo histrica, tcnica ou funcional. Por tudo isto, facilmente se percebe que, pelo menos desde 1987 em diante, tanto o Partido Socialista como o Partido Social Democrata, 116 reconheam de uma forma explcita que as dimenses da proporcio- nalidade (i.e., a correspondncia entre percentagens de votos e per- centagens de lugares) e da governabilidade (i.e., as condies para a formao e manuteno de governos apoiados por maiorias parlamen- tares, de um ou mais partidos) no constituem problemas relevantes que justiquem uma reforma eleitoral, tornando-se necessrio bem pelo contrrio tudo fazer para manter inalterado o actual funciona- mento destas duas dimenses do nosso sistema eleitoral. 3. Defeitos e disfunes do actual sistema eleitoral C omo cou dito atrs, o aparente consenso entre os dois maiores partidos no que respeita avaliao do rendimento do actual sistema eleitoral vai bem mais longe, na medida em que se estende inclusivamente ao diagnstico sobre os seus principais defeitos ou dis- funes, se bem que aqui a linha de demarcao entre o seu reconhe- cimento formal e a sua assumpo efectiva seja mais difcil seno mesmo impossvel de estabelecer. Referimo-nos, pois, ao mani- festo reconhecimento do excessivo poder das direces partidrias na seleco dos candidatos ao parlamento, uma vez que, em virtude da impossibilidade de candidaturas independentes e da presena de listas fechadas e bloqueadas, cabe sobretudo quelas a capacidade de elaborar e ordenar as listas, encontrando-se, assim, a vontade dos eleitores totalmente submetida vontade dos aparelhos e dirigentes partidrios, limitando-se os primeiros a raticar atravs do voto as escolhas que lhes so impostas pelos segundos, de forma mais ou me- nos transparente, mais ou menos democrtica e da a necessida- de de aumentar o poder do eleitor em relao ao eleito, atravs de uma maior e mais directa participao na escolha dos candidatos Assembleia da Repblica. 117 Quanto a este ponto, referimo-nos tambm ao aparente reconheci- mento por parte dos dois maiores partidos Partido Socialista e Partido Social Democrata da necessidade de criar condies institucionais que promovam a proximidade entre eleitos e eleitores, assegurando, desta forma, uma maior receptividade e responsabilizao poltica dos primei- ros face aos segundos; conferindo, ain- da, tanto ao mandato parlamentar indi- vidual como ao parlamento enquanto instituio-chave da democracia repre- sentativa, o capital de credibilidade e conana que ambos tm vindo a per- der junto da opinio pblica. Com efeito, do discurso ocial dos dois maiores partidos e das suas mais re- centes propostas de reforma do sistema eleitoral parece resultar que o objectivo de promover a qualidade da represen- tao parlamentar implica necessaria- mente uma reforma do actual sistema eleitoral no sentido de promover uma relao mais directa entre eleitos e eleitores atravs de mecanismos ins- titucionais que assegurem uma maior personalizao do mandato parlamen- tar; assumindo-se, assim, de forma ex- plcita e inequvoca, que a proximidade e a prestao de contas dos eleitos para com os eleitores (accountability) constituem valores relevantes a ter em conta no funcionamento do sistema eleitoral, a par da proporcionalida- de e da governabilidade. Porm, e sem grande surpresa, o aparente consenso entre os dois maiores partidos, quer quanto avaliao do rendimento do sistema eleitoral, quer inclusivamente quanto s possveis solues a adoptar na sua reviso, torna-se bastante mais difuso e problemtico quando se ________ Porm, e sem grande surpresa, o aparente consenso entre os dois maiores partidos polticos quer quanto avaliao do rendimento do sistema eleitoral, quer quanto s possveis solues a adoptar na sua reviso, torna-se bastante mais difuso e problemtico quando se transita do mero mpeto reformista em abstracto para o plano da prtica poltica em concreto, em que o que sobressai , ainda e sempre, o imperativo conservador ________ 118 transita do mero mpeto reformista em abstracto para o plano da pr- tica poltica em concreto, em que o que sobressai , ainda e sempre, o imperativo conservador. Ora, justamente isso que parece explicar que o ltimo ciclo da sempre adiada reforma do sistema eleitoral o qual se inicia no nal da dcada de 1990 e se mantm em aberto at presente data em- bora tenha sido marcado pela discusso em torno de solues em tudo prximas visando, prima facie, o mesmo e nico propsito, isto , reforar a qualidade da representao parlamentar acabe no nal por se revelar simplesmente inconsequente. Se certo que, durante este ltimo ciclo, ganham sobretudo relevo, quer no contexto dos programas e manifestos eleitorais dos dois maio- res partidos, quer no mbito das suas vrias iniciativas legislativas, as propostas de reforma eleitoral que se baseiam nas vantagens tericas e tecnicamente associadas aos chamados sistemas eleitorais de repre- sentao proporcional personalizada, tendo por principal inspirao o modelo alemo para o que muito ter contribudo a reviso constitu- cional de 1997, ao abrir caminho possibilidade de eventuais alteraes da Lei Eleitoral mais ousadas e ambiciosas , no menos certo que tais propostas, ainda que procurando encontrar uma soluo de compro- misso entre o melhor de dois mundos i.e., a introduo de elemen- tos prprios do sistema maioritrio no quadro de um sistema de matriz proporcional nem por isso geraram o consenso inter e intra partidrio necessrios para levar a cabo a to pretendida reforma, traduzindo- se, mais uma vez, numa oportunidade lamentavelmente perdida! Desta feita, muitas das crticas e hesitaes centraram-se funda- mentalmente nos mritos e demritos associados introduo dos crculos uninominais de apuramento se bem que integrados num sistema de representao proporcional, atravs da sua articulao com crculos eleitorais de apuramento de base distrital. Com efeito, aqueles foram vistos, por uns, como uma condio indispensvel para promo- ver a interveno mais directa e participada dos eleitores na compo- sio das listas apresentadas pelos partidos nos respectivos crculos uninominais, j que a se considerariam eleitos em primeiro lugar os candidatos que tivessem obtido o maior nmero de votos entre todos 119 os candidatos concorrentes; mas tambm como uma condio capaz de permitir uma maior autonomia do deputado individual face ao aparelho do partido que o escolheu e pelo qual foi eleito, a par de uma maior receptividade (responssiveness) e responsabilizao (ac- countability) perante os eleitores do seu crculo. A ideia defendida era, pois, a de que uma tal soluo poderia contri- buir para atenuar alguns dos reconhecidos e denunciados defei- tos do actual sistema eleitoral, no qual os eleitores no escolhem entre os candidatos individualmente considerados, que pura e simplesmen- te desconhecem e que pouco ou nada sabem sobre o que fazem so- bretudo nos crculos plurinominais de grande magnitude mas antes entre os partidos que os propem eleio; mas tambm no qual os deputados uma vez eleitos, e dada a sua cooptao pelos rgos na- cionais das estruturas partidrias a que pertencem, assumem perante estes uma espcie naturalis obligatio, segundo a qual os seus critrios pessoais devem ceder perante os critrios impostos pelos partidos, sob pena de serem obrigados a abandon-los e a desistir assim da pos- sibilidade ou da expectativa de prosseguir uma carreira poltica. Opinies bem diversas foram sustentadas pelos crticos dos crcu- los uninominais, chamando estes a ateno para o facto de o voto em pessoas e no em partidos ou programas polticos poder levar a uma maior personalizao da poltica, o que reforaria aquela que j uma tendncia muito marcada do nosso actual sistema de governo. Como de todos sabido, embora a eleio do governo seja indirecta isto , pertena formalmente ao parlamento a verdade que a autonomia do governo hoje to ampla que na prtica este acaba por gozar de uma legitimidade electiva directa. O que no pode deixar de con- tribuir para que as eleies legislativas assumam cada vez mais um carcter excessivamente personalizado seno mesmo plebiscitrio centrando-se as campanhas eleitorais a nvel nacional, os discursos e as mensagens polticas, bem como o interesse e cobertura mediticos na gura dos candidatos a primeiro-ministro em detrimento dos parti- dos e das suas respectivas orientaes ideolgicas e programticas. Transpor esta tendncia para o nvel local s poderia signicar, para os crticos das supostas vantagens tericas da uninominalida- 120 de, promover ainda mais a j excessiva desinstitucionalizao da vida poltica e todos os perigos a ela inerentes, nomeadamente o facto de as diferenas entre os partidos virem a ser encaradas pelos eleitores como meras diferenas entre personalidades, dicultando, a posterior, a possibilidade de aqueles puderem responsabilizar globalmente os partidos polticos pelo seu exerccio em sede parlamentar ou gover- namental. Mas signicaria tambm que o sufrgio em crculos unino- minais acabaria por impor o indesejvel e prejudicial predomnio das questes de natureza meramente local sobre os assuntos relacionados com a poltica nacional, tanto no debate como na aco poltica e par- lamenta j para no falar do inescapvel reforo do caciquismo, o qual poderia levar a que candidatos de cariz populista ou com gran- de prestgio local, com maior capacidade de angariar votos dadas as posies ocupadas ao nvel do poder local, viessem a ganhar um for- te ascendente junto dos eleitores dos seus crculos em detrimento de candidatos concorrentes com reconhecidas capacidades polticas e tcnicas e, por isso, bem mais habilitados a contribuir para a necess- ria qualicao dos respectivos grupos parlamentares. Claro est que os dirigentes dos pequenos partidos com represen- tao parlamentar foram os porta-vozes das crticas mais veementes suscitadas pela eventual possibilidade de conciliar a proporcionalida- de dos crculos de grande magnitude com a qualidade da representao nos crculos de pequena magnitude maxime uninominais atravs da adopo de um sistema eleitoral de membros mistos, com crculos de dois ou mais nveis, como defendiam, de forma aparentemente con- sensual, tanto o Partido Socialista como o Partido Social Democrata. Para aqueles o que estava e continua a estar essencialmente em causa o facto de o redesenho dos crculos eleitorais ento proposto ter efeitos negativos na proporcionalidade global do sistema eleitoral; e, por isso, no prprio formato do sistema de partidos, beneciando claramente os dois maiores partidos e a j considervel bipolariza- o do sistema poltico em prejuzo dos mais pequenos. Por um lado, um dos efeitos mecnicos associados magnitude dos crculos elei- torais traduz-se na regra de que quanto menor for o crculo maior o limiar de representao, ou seja, maior a percentagem mnima de 121 votos exigida a um partido para que possa obter representao parla- mentar sobretudo quando, como acontece no nosso sistema eleitoral, o nvel de competio partidria reduzido, fazendo aumentar ainda mais o limiar superior de representao ou de excluso. Por outro lado, no se pode igualmente ignorar que os efeitos psicolgicos do siste- ma eleitoral se processam tambm ao nvel do crculo onde os eleitores votam, manifestando-se a a sua inuncia manipuladora. Donde, seria de admitir que a introduo dos crculos uninomi- nais aumentasse ainda mais os efeitos do chamado voto estratgico, sendo os eleitores fortemente pressionados a votar em um dos dois candidatos com mais hipteses de vencer nos respectivos crculos uni- nominais. Facto, este, que contribuiria seguramente para o reforo da excessiva (e fortemente denunciada) bipolarizao do sistema, con- trapondo, de uma vez por todas, os grandes aos pequenos, numa lgica inteiramente contrria aos valores da proporcionalidade e da repre- sentatividade. Embora o debate participado, informado e tecnicamente qualica- do, que iniciou e alimentou o ltimo ciclo (pretensamente reforma- dor) do sistema eleitoral, se tivesse centrado sobretudo em torno das vantagens e desvantagens dos crculos uninominais, o certo que aca- baria por ter um desfecho, que sendo esperado quanto aos resultados completamente nulos! revelar-se-ia contudo um tanto ou quan- to inopinado quanto aos motivos que o ditaram. E isto porque, como a cou dito atrs, tendo os dois maiores partidos apresentado propostas de reforma eleitoral relativamente prximas e partilhadas nos seus as- pectos essenciais e, como tal, susceptveis de ser consensualizadas, garantindo, assim, um acordo interpartidrio que tornasse exequvel os dois teros constitucionalmente necessrios para proceder a qual- quer alterao do sistema eleitoral tal assim no aconteceu. Situao que cou a dever-se a um diferendo aparentemente menor ou, mais correctamente, a um pretexto politicamente conveniente e oportuno. Referimo-nos, pois, ao diferendo em torno da reduo do nmero de deputados para o mnimo inferior consagrado na reviso consti- tucional de 1997 (de 230 para 180), considerada no s indispensvel como inegocivel pelo Partido Social Democrata, por razes que se 122 prendiam no s com a dignicao e eccia do trabalho parlamen- tar mas tambm com o novo desenho de sistema eleitoral que se pro- curava implementar; e entendida, por seu turno, como inaceitvel e injusticada pelo Partido Socialista: a ser levada a efeito uma reduo do nmero de deputados, o rcio deputado/populao agravar-se-ia, dicultando a melhoria da qualidade da representao poltica, na sua vertente da personalizao do mandato parlamentar, nomeadamen- te no que respeita proximidade, consulta e prestao de contas dos eleitos face aos eleitores, mas tambm na sua vertente da representa- tividade em termos polticos, sociais e territoriais. Numa ideia: uma tal reduo sobretudo quando Portugal no tem, numa perspectiva comparada, deputados a mais no poderia deixar de desvirtuar o sentido da reforma ento proposta, tornando a criao de crculos uni- nominais num mero artifcio, e, assim sendo, contrariando o objec- tivo fundamental da reforma eleitoral a implementar. Esta inultrapassvel divergncia de posies quanto dimenso do rgo parlamentar que constitui (e por certo continuar a constituir) um aspecto controverso no debate sobre a reforma do sistema eleitoral em Portugal, tendo inclusivamente contribudo em momentos ante- riores para o impasse e bloqueio da agenda reformista acabaria por ditar, pelo menos aparentemente, o fracasso da reforma desenhada e discutida em 1997 e 1998. 4. O imobilismo institucional e a recente proposta de reforma eleitoral
pois perante este insistente, e at esta data inultrapas- svel imobilismo institucional, no que concerne re- forma do actual sistema eleitoral considerada pelos dois maiores partidos, quanto mais no seja ao nvel do seu discurso ocial, como a reforma prioritria do 123 nosso sistema poltico , que surgiu recentemente, pela iniciativa do Grupo Parlamentar do Partido Socialista, uma nova proposta de re- forma, a qual inaugura uma segunda fase no ltimo ciclo reformista. Esta proposta, que servir de base a uma eventual iniciativa legislati- va do Partido Socialista nesta matria, tem apenas, e at ao momento, por principal (e nico) suporte um estudo de natureza acadmica e tcnica, meritoriamente coordenado por Andr Freire, contando com a qualicada participao de Manuel Meirinho Martins e de Diogo Moreira, num livro entretanto dado estampa pela Sextante Editora, e signicativamente intitulado Para uma Melhoria da Representao Poltica. A Reforma do Sistema Eleitoral (2008). E se os principais propsitos, que orientam esta nova fase da eventual reforma eleitoral, se mantm no essencial inalterados, sendo mais uma vez recuperado o objectivo da criao de condies institu- cionais mais favorveis a um maior conhecimento e responsabilizao dos eleitos pelos eleitores, tornando possvel uma maior participao eleitoral e uma maior conana dos cidados no parlamento e nos de- putados, em particular, e no sistema poltico e nos seus principais ac- tores, em geral; o que sobressai aqui fundamentalmente, para alm da sua inegvel originalidade, a ponderao sria e criteriosa dos auto- res quanto aos caminhos a seguir, bem como quanto s suas eventuais vantagens e desvantagens. Com efeito, torna-se evidente que o pressuposto assumido pelos au- tores , desde o primeiro momento, o de que em matria de desenho eleitoral preciso ter sempre em conta a impossibilidade de se chegar a solues que permitam optimizar, a um tempo, as diferentes funes atribudas aos sistemas eleitorais, sendo apenas possvel chegar a trade offs entre essas mesmas funes um erro em que os autores no incor- rem, ainda que, sublinhe-se, este seja demasiado usual no debate poltico, e muitas vezes acadmico, sobre a reforma eleitoral. Quer isto signicar que o desao consiste em reformar o sistema eleitoral no sentido de este ser capaz de cumprir de forma to equilibrada quanto possvel as funes de representao, de eccia e de participao, no esquecendo, contudo, que estas devem encontrar-se associadas a duas outras que lhes so com- plementares: a de legitimidade e a de simplicidade. 124 Dito isto, importa reconhecer que este difcil e complexo desao manifestamente assumido, e em grande medida, bem sucedido, quan- do analisamos as vrias solues apresentadas pelos autores. Detenhamo-nos, ento, de uma forma mais aprofundada, naquilo que este estudo traz de inovador e desaante, mas tambm eventual- mente polmico e criticvel, e que nos cabe aqui analisar e comentar. 4.1. A abordagem cientca versus a abordagem poltica Um dos aspectos seguramente inovadores que o estudo agora pu- blicado oferece, tanto ao leitor mais atento e informado, como ao leitor porventura mais inexperiente mas nem por isso menos inte- ressado sobre estes temas, desde logo uma viagem exaustiva, avi- sada e esclarecedora pelo universo dos sistemas eleitorais europeus rea geocultural a partir da qual os autores procuram descrever e avaliar o rendimento do nosso actual sistema eleitoral, nas suas principais vertentes, nomeadamente a proporcionalidade, a gover- nabilidade e a qualidade da representao. E fazem-no, como no pode deixar de ser assinalado, atravs de uma abordagem cientca sria e rigorosa, distinguindo, como exigvel num exerccio desta natureza, duas dimenses que devem ser mantidas separadas, quer quanto aos seus pressupostos, quer quanto s suas consequncias: a poltica e a tcnica. Quanto primeira, os autores insistem, de uma forma reiterada, ao longo de todo o seu trabalho, que o desenho que propem para a reforma do actual sistema eleitoral, embora procure dar resposta aos objectivos polticos solicitados pelo Grupo Parlamentar do Partido Socialista, resulta exclusivamente de uma abordagem que se quer cien- tca e tcnica, reconhecendo, por isso, que qualquer deciso quanto eventual reforma a adoptar traduzir sempre uma deciso eminente- mente poltico-partidria a qual ser muito provavelmente (ou me- 125 lhor, muito seguramente) precedida e determinada por uma negocia- o, ditada muito mais por objectivos eleitoralistas (implcitos) do que por objectivos polticos (explcitos), entre os dois maiores partidos. E isto porque, como todos sabemos, se a escolha de um qualquer sistema eleitoral est longe de ser inocente, menos o , por maioria de razo, a sua eventual reforma. Donde, se incontroverso que tanto o Partido Socialista como o Partido Social Democrata sabem que no poder haver reforma eleitoral sem um acordo entre si, indiscutvel tambm o facto de, quer um quer outro, enquan- to partidos concorrentes ao exerccio do poder governativo, partilharem en- tre si um nico interesse: o de garan- tir a alternncia no governo, e que essa alternncia seja feita exclusivamente entre eles, de preferncia com maio- rias absolutas. Ou, pelo menos, com maiorias quase absolutas (ou de bloqueio), que afastem a instabilidade e dispensem os riscos e os cus- tos inerentes formao de governos de coligao particularmente quando estes se tornam indispensveis conservao do poder. Aspecto que , alis, no apenas conrmado pela prtica poltica dos dois maiores partidos em matria de reforma eleitoral, como igual- mente um ponto presente e inescapvel entre aquelas que constituem hoje as teorias mais correntes e populares na literatura internacional sobre os sistemas eleitorais, nomeadamente a theory of rational-choice institucionalism (Norris 2004; Katz 2005) e a theory of reform electo- ral sytems barriers (Rahat 2004). Quanto segunda dimenso de anlise, a tcnica, que aquela que aqui mais nos interessa, os autores partem de um princpio elementar, mas nem sempre inteiramente compreendido, nem mesmo por aque- les que por formao acadmica deveriam assumi-lo como pressu- posto obrigatrio de qualquer investigao sobre o tema, e que o se- guinte: no existem sistemas eleitorais perfeitos e, de um modo geral, as vantagens atribudas a um determinado tipo de sistema acham-se inevitavelmente associadas s desvantagens do sistema eleitoral que ________ A escolha de um qualquer sistema eleitoral est longe de ser inocente, menos o , por maioria de razo, a sua eventual reforma ________ 126 lhe alternativo, e vice-versa. Pelo que, e a este nvel, h que afastar qualquer iluso! Pois bem, a esta lgica infundada escapa certamente o presente estudo, dado que os seus autores no s assumem um tal entendimen- to, como parecem ir ainda mais longe, recuperando um outro ensina- mento fundamental, que muito deve a um dos principais estudiosos no estudo comparado dos sistemas eleitorais, ou seja, a importncia que deve ser atribuda aos factores contextuais de curto e longo prazo em qualquer reforma eleitoral (Nohlen 2007). Trata-se, pois, de reconhecer que os efeitos (esperados, mas tambm inesperados) dos sistemas eleitorais na vida poltica de um determinado pas dependem sempre das caractersticas das sociedades em causa, da distribuio regional das votaes nos diferentes partidos, bem como das tradies histricas e polticas. Numa ideia muito simples, mas por vezes ignorada: a concepo de qualquer reforma eleitoral, ainda que suportada em estudos comparados, deve partir essencialmente das condies histricas e sociopolticas dos respectivos pases. Porm, e ainda quanto a este aspecto, importa salientar que o pre- sente estudo no se torna em nenhum momento refm e tambm aqui de assinalar o seu mrito do debate clssico em torno das van- tagens e desvantagens de um qualquer tipo de sistema eleitoral ideal; o qual, pela sua natureza essencialmente normativa, tende a condicionar os avanos concretos em matria de reforma eleitoral, razo por que se encontra hoje manifestamente ultrapassado e esgotado na literatura internacional. O trajecto escolhido pelos autores assim bem distinto, na medida em que remete as propostas de reforma do sistema eleitoral no para os seus efeitos polticos sobre o sistema eleitoral globalmente consi- derado, mas antes para cada um dos seus principais elementos consti- tutivos, cuja coexistncia e articulao podem ter efeitos sobrepostos, complementares e antagnicos, residindo precisamente aqui a extre- ma complexidade e a no menor incerteza que sempre envolve todo o exerccio de engenharia eleitoral. Porm, e que que bem claro, os riscos e diculdades inerentes a este trajecto so cientca e tecnicamente assumidos, a cada passo e a 127 cada momento, tornando-se evidente o excelente domnio que os au- tores revelam no que respeita complexidade do objecto de estudo que tratam to exaustiva e aprofundadamente. Passemos, ento, e de imediato, ao essencial do desenho de reforma eleitoral que nos pro- posto por Andr Freire, Manuel Meirinho e Diogo Moreira, procuran- do sublinhar, de acordo com o que foi assumido atrs, os seus aspectos mais inovadores e interessantes, mas tambm alguns dos seus pontos mais crticos e polmicos. 4.2. Os efeitos da uninominalidade e as suas falcias Em primeiro lugar, importa salientar que o modelo proposto se en- quadra nos sistemas de representao proporcional com mltiplos segmentos, assente, no caso concreto, em dois segmentos de crculos independentes, mas com funes complementares um modelo que, como os autores demonstram, representa o maior grupo na Europa Ocidental, ultrapassando inclusivamente os sistemas mistos. O pri- meiro segmento (primrio) composto por crculos plurinominais de base distrital ou regional, os quais, dada a sua magnitude mdia, vi- sam criar condies institucionais propcias a uma maior proximidade e responsabilizao dos eleitos face aos eleitores, sem cair assim nas supostas falcias dos crculos uninominais. Falcias, estas, que resultam em grande medida de um entendimen- to supercial e at equvoco mas que, ainda assim, e em alguns casos, tende a ser assumido como um verdadeiro paradigma do funcio- namento dos sistemas com crculos uninominais, na medida em que frequentemente no s ignorado o facto de nas escolhas dos eleitores prevalecer a identicao partidria em detrimento das qualidades pessoais e do desempenho dos candidatos, como tambm o facto de neste tipo de sistemas os partidos terem um papel muito importante na escolha dos candidatos com maiores probabilidades de serem elei- 128 tos, tal como acontece no Reino Unido ao contrrio do que sucede, por exemplo, nos EUA, por fora do sistema presidencialista e, muito em particular, pela utilizao de um sistema de eleies primrias para escolha dos candidatos. Parece no ser arriscado dizer-se, at pela bibliograa consultada, que os autores assumem, tambm aqui, as concluses de alguns estu- dos internacionais mais recentes que refutam em termos prticos os argumentos tericos favorveis aos crculos uninominais em matria de personalizao do voto. E isto porque demonstram, atravs de da- dos empricos, que o grau de conhecimento ou seja, o efeito de per- sonalizao do voto no maior nos sistemas com crculos unino- minais do que nos sistemas com crculos plurinominais (com ou sem voto preferencial), sendo apenas nos sistemas mistos que essa proba- bilidade tende a ser relativamente maior. Donde, e ainda segundo es- tes autores, h que concluir, se bem que de uma forma aparentemente contra-intuitiva, que muito pouco ou nada h a escolher entre crculos plurinominais e crculos uninominais, contradizendo assim os dados empricos as convices tericas dos defensores da uninominalidade. O que mais, em estudos desenvolvidos sobre o caso espanhol, mas tambm sobre o caso portugus, estas concluses parecem ganhar igual suporte emprico, dado que, mesmo na ausncia de crculos eleitorais uninominais, em ambos os pases o conhecimento dos eleitos por par- te dos eleitores tende a ser paradoxalmente maior nos crculos de grande e mdia magnitude do que nos crculos de pequena magnitu- de. de admitir que a explicao desta tendncia deva ser procurada sobretudo nos actuais processos de comunicao poltica, nomeada- mente no crescente papel assumido pela televiso e pelas campanhas eleitorais modernas, uma vez que ao contriburem para a maior visibi- lidade dos candidatos com notoriedade nacional (em regra, dirigentes partidrios de topo), que disputam as eleies nos grandes crculos, acabam por torn-los mais conhecidos entre os eleitores, podendo, eventualmente, favorecer aqui a personalizao do voto (Montero e Gunther 1994; Teixeira 2009). Perante tudo isto, pois de louvar o facto de os autores no terem cado na usual e demasiado fcil misticao em torno dos supostos 129 efeitos dos crculos uninominais, sobretudo no que se refere maior personalizao do voto e responsabilizao do mandato parlamentar, optando antes pela soluo mais adequada dos crculos plurinominais de base distrital ou regional (primrios). Justamente porque estes, dada sua baixa e mdia magnitude (entre 4-6, no mnimo, a 10-12, no mximo), podem eventualmente criar condies mais propcias para uma maior ligao entre eleitores e eleitos, bem como assegurar uma representao mais plural ao contrrio do que sucede com os crcu- los uninominais, os quais, ao aproximarem o eleito daqueles que nele votaram, afastam porm todos os outros cujos votos foram inteis. E se inegvel que estes crculos geram resultados menos propor- cionais, o facto que tal limitao pode ser ultrapassada como alis previsto pelos autores atravs da criao de um segmento superior (crculo secundrio), constitudo pelo crculo nacional que abarcar os votos dos crculos primrios, e cuja principal funo consistir precisamente em compensar as distores proporcionalidade veri- cadas no primeiro segmento. 4.3. Os efeitos da estrutura e modalidade de voto Em segundo lugar, a actual proposta de reforma sugere igualmen- te a possibilidade do voto duplo, diferenciando-se tambm aqui de propostas anteriores que apontavam para o voto singular de lista, traduzindo-se, por conseguinte, a liberdade de escolha dos eleitores num verdadeiro dilema, j que em caso de conito entre o voto na lista e o voto no candidato, o eleitor seria obrigado a fazer uma escolha contraditria. Ora, tal assim no acontece no caso vertente, dado que o eleitor dispe de dois votos: um no crculo primrio, para escolher o deputado que ir representar o seu crculo, e outro para escolher os deputados apresentados na lista do partido a eleger por via do crculo nacional. 130 Em terceiro lugar, e no menos importante, dado o seu carcter pio- neiro, mas igualmente polmico e controverso, como adiante teremos oportunidade de sublinhar, os autores sugerem a adopo de um sis- tema de listas fechadas e no bloqueadas, ou seja, um sistema em que para a eleio dos candidatos apenas nos crculos primrios se considere, primordialmente, o voto preferencial opcional, e, secunda- riamente, a ordenao das listas previamente denida pelos partidos. Todavia, e guiados pela necessria prudncia que uma tal alterao exige, os autores propem que, numa fase inicial, seja adoptado um li- miar de validade relativamente baixo para a contagem dos votos prefe- renciais; devendo ainda ser respeitados os princpios da simplicidade e da transparncia nesta matria, no sentido de tornar possvel a fcil aprendizagem e a adeso signicativa dos eleitores a esta nova forma de interveno na escolha dos eleitos. Embora concordando com os autores quando armam que em mui- tos pases europeus o voto preferencial em listas fechadas e no blo- queadas complementa e refora os efeitos pretendidos pelos sistemas eleitorais de mltiplos segmentos evitando as principais desvanta- gens associadas, quer s listas abertas, quer s listas fechadas e no bloqueadas exveis a verdade que a soluo proposta est longe de ser isenta de riscos, os quais no podem deixar de ser tidos em con- ta no caso concreto do sistema poltico portugus. Desde logo, ao permitirem e reforarem a concorrncia intraparti- dria, de admitir que as listas fechadas e no bloqueadas (ainda que rgidas) afectem negativamente a coeso dos partidos polticos so- bretudo daqueles com vocao de poder e cujo principal objectivo hoje o da ocupao de lugares pblicos. Consequentemente, no de excluir a possibilidade de uma tal soluo contribuir para aumentar e muito o grau de conitualidade, divisionismo e facciosismo, pondo em causa a coeso interna e a eccia externa dos partidos, ou seja, a sua imagem junto do eleitorado intra e inter muros. Com efeito, mesmo reconhecendo que 30 anos aps a transio de- mocrtica, os principais partidos polticos j se encontram relativa- mente bem consolidados, a verdade que a sua evoluo parece no ter afastado alguns dos seus traos genticos mais marcantes, os quais, 131 pelo contrrio, tm assumido com o passar do tempo uma natureza quase endmica. E entre eles, pelo menos no que aos dois maiores parti- dos diz respeito, contam-se particularmente em perodos marcados, quer pela inexistncia de uma liderana forte e consensual, quer pelo afastamento duradouro da sede do poder o frequente e inescapvel divisionismo interno entre faces, correntes e tendncias de oportu- nidade, clientelares e personicadas. Donde podendo assim a dinmica associada introduo do voto preferencial comprometer a necessria coeso e disciplina de voto no parlamento, sem a qual nem o governo, nem a oposio podem cumprir as funes que lhe so atribudas. Tendo em conta os aspectos controversos associados ao novo tipo de sufrgio proposto pelos autores, mas tambm o facto de, os dados empricos disponveis demonstrarem que na maioria dos sistemas eleitorais europeus onde existe o voto preferencial opcional, se ve- ricar no s a possibilidade da sua eventual manipulao pelos partidos como a sua escassa utilizao por parte dos eleitores (dada a sua enorme complexidade), torna-se, no mnimo, pertinente per- guntar se os custos polticos de uma tal soluo justicam os seus eventuais riscos e fracassos? E se, como tal, no seria mais razovel pensar, pelo menos por enquanto, num outro tipo de medida mais simples na sua aplicao e mais previsvel nos seus resultados, nome- adamente na introduo de eleies primrias intrapartidrias para a escolha dos candidatos. 4.4. A persistente imutabilidade do sistema eleitoral: um excepcionalismo portugus Depois de apresentada e analisada, nas suas linhas mais gerais, a proposta de reforma do actual sistema eleitoral, resultante do estudo coordenado por Andr Freire que acreditamos constituir um elemen- to decisivo para dar continuidade ao ciclo reformista que se iniciou no 132 nal da dcada de 1990; ou, inclusivamente, para abrir um novo ciclo no poderamos terminar este texto sem retomar a ideia com que o inicimos, e que passamos a formular do seguinte modo: Constituir a persistente e intrigante imutabilidade do actual sistema eleitoral um qualquer excepcionalismo do sistema poltico portugus? Pois bem, do ponto de vista estritamente poltico e partidrio julga- mos existirem fortes razes para acreditar que tal assim no ! Desde logo, e como a literatura especializada ensina, porque existem vrios obstculos ou barreiras que condicionam a realizao de qualquer re- forma eleitoral. Em primeiro lugar, a possibilidade de uma reforma eleitoral coloca sempre, e invariavelmente, os reformadores perante duas expectativas lgicas contraditrias. Por um lado, de esperar que a reforma esteja partida condenada ao fracasso, porque os actores partidrios que poderiam determinar o seu sucesso so precisamente aqueles que se encontram no poder, e que, por isso, beneciam das regras do jogo institudas. O que, como est bom de ver, faz que qualquer proposta de reforma tenda a ser sempre encarada e natural que assim seja na perspectiva da contabilidade poltica dos potenciais ganhos e perdas para os partidos que se acham no poder ou para aqueles que a ele aspirem. A principal preocupao aqui, ainda que muitas vezes tal no seja reconhecido, a da maximizao dos votos e dos lugares no mercado eleitoral e na arena parlamentar, no sentido de manter ou conquistar o poder. O que de acordo com as abordagens propostas, quer pela teoria do novo institucionalismo, quer pela teoria da escolha racional, no signica seno que os actores centrais para desencadear uma reforma eleitoral actuam sempre racionalmente, ou seja, de forma essencial- mente utilitria e auto-interessada, encarando as instituies como um conjunto de regras formais que criam incentivos e impem constrangimentos que devem ser tidos em conta face ao seu objectivo central: o qual , repita-se, o da maximizao dos votos e dos lugares. E da, como os dados empricos disponveis comprovam, a manifesta preferncia daqueles que esto no poder pelo status quo institucional (Bowler, Donovan e Karp 2006; Pilet 2008), bem como o seu receio perante o desconhecido (Katz 2005) ou seja, face s consequncias 133 que qualquer reforma das regras eleitorais pode desencadear, as quais no so, muitas vezes, antecipadas pelos diferentes cenrios prospec- tivos apresentados pelos especialistas, devido a efeitos tanto mecni- cos como psicolgicos. Isto explica, por exemplo, que os maiores partidos num sistema elei- toral maioritrio se oponham em regra a qualquer proposta que vise a adopo de elementos mais proporcionais, e que, em sentido contr- rio, os pequenos partidos num sistema de representao proporcional sejam contrrios introduo de elementos maioritrios. Por outro lado, este compreensvel mpeto conservador por parte dos maiores partidos, nem por isso exclui o seu mpeto reformista, e isto porque a possibilidade de uma reforma eleitoral, ainda que no substancial mas apenas parcial, pode ser ditada pela necessidade de os partidos minimizarem, em situaes de reconhecida desvantagem, as suas eventuais perdas eleitorais. Por exemplo, de admitir que, num sistema maioritrio, o partido que se encontra no poder no se opo- nha ao reforo da proporcionalidade desde que antecipe com alguma segurana uma derrota nas prximas eleies. Ou que, num sistema eleitoral proporcional, a que corresponda um sistema multipartidrio fragmentado, os dois maiores partidos cheguem facilmente a acordo quanto introduo de elementos prprios do sistema eleitoral maio- ritrio, no sentido de assim promover uma situao de duoplio, que lhes seja inteiramente favorvel. Quanto aos obstculos ou barreiras com que se depara toda e qual- quer reforma do sistema eleitoral, h que considerar ainda a suprema- cia de que goza o status quo institucional, dado que, em muitos casos, as disposies constitucionais e as regras legais condicionam de forma decisiva, tanto a possibilidade como a direco da reforma. No ad- mira pois que, em muitos pases europeus, embora a reforma eleitoral faa usualmente parte da agenda poltica dos principais partidos, s muito raramente tenha implicado mudanas substanciais, ou seja, a substituio de um princpio de representao por outro. O que ajuda a explicar por que que a maioria das reformas, quando efectivamente implementadas, se faz quase sempre no interior do princpio de repre- sentao previamente estabelecido seja este proporcional ou maio- 134 ritrio. assim legitimo armar-se que a deciso mais importante no desenho e na reforma dos sistemas eleitorais se prende essencialmen- te com o princpio de representao adoptado, o qual , no plano nor- mativo, indissocivel de uma determinada concepo da democracia: maioritria ou consensual (Lijphart 1994 e 1998). E se o problema da liberdade de aco dos principais actores par- tidrios em matria de reforma eleitoral se coloca mesmo nos pases em que esta pode ser levada a cabo sem grandes constrangimentos constitucionais ou legais, o que dizer ento do caso portugus? Com efeito, quer a constitucionalizao dos principais elementos constitu- tivos do nosso sistema eleitoral, quer a exigncia constitucional para a sua reviso de uma maioria de dois teros dos votos na Assembleia da Repblica sem falar da sua promulgao subsequente no podem deixar de concorrer para explicar, ou, pelo menos para justicar, o for- te conservadorismo institucional em sede de reforma eleitoral. Por ltimo, ainda de sublinhar que qualquer reforma eleitoral , como cou demonstrado ao longo destas pginas, um processo carac- terizado por uma enorme e delicada complexidade, dada a natureza multidimensional dos sistemas eleitorais. Com efeito, estes so no apenas estruturas institucionais integradas por diferentes elementos de difcil acomodao e articulao entre si frmulas de converso de votos em mandatos, desenho e magnitude dos crculos eleitorais, existncia ou inexistncia de clusulas barreiras legais, tipos de sufr- gios e procedimentos de votao como devem ainda dar uma res- posta equilibrada a diferentes objectivos ou exigncias funcionais proporcionalidade, governabilidade e qualidade da representao , os quais se revelam igualmente de difcil conciliao entre si j que, muitas vezes, procurar melhorar o desempenho de uma funo pode signicar comprometer o rendimento de outra. Estamos em crer que estes e outros obstculos, que so transversais s democracias representativas a que acresce entre ns a falta de uma genuna vontade poltica reformista, que tem marcado ostensiva- mente a prtica dos principais actores partidrios permitem armar que a estabilidade (ou quase imutabilidade) do sistema eleitoral, sendo uma realidade inegvel e incontroversa, no constitui porm um qual- 135 quer excepcionalismo do sistema poltico portugus. Mas o que di- zer da usual e sistemtica falta de consenso no plano intelectual, a qual acaba por contribuir para manter (e at justicar) o conservadorismo poltico no que reforma eleitoral diz respeito? A discusso suscitada pelo presente estudo coordenado por Andr Freire bem demonstrativa de que o conservadorismo poltico igual- mente observvel ao nvel intelectual, ou seja, no discurso de no poucos cientistas, comentadores e analistas polticos, ainda que os mesmos sejam incansveis no que se refere defesa quase intransigente da necessidade de rever o actual sistema eleitoral. E a parece residir o paradoxo! Talvez valha a pena explicarmo-nos melhor na tentativa de dar al- guma ordem ao recorrente e difuso criticismo que a apresentao de cada nova proposta de reforma eleitoral sempre suscita entre aqueles que deveriam ser os mais informados sobre os seus eventuais mri- tos e demritos. E isso para mostrar, ainda que muito sumariamente, e seguindo de perto a abordagem de Hirschman, como muitos desses argumentos crticos, que transitam quase invariavelmente de debate em debate, se reproduzem a si mesmos. Consideremos, ento, e a ttulo meramente ilustrativo, a presente proposta de reforma do sistema eleitoral coordenada e apresentada por Andr Freire e o debate que imediatamente se seguiu sua apre- sentao formal no parlamento o qual tive oportunidade de acom- panhar com manifesto e redobrado interesse. Num primeiro momento, tornou-se evidente que, para uns, os mecanismos sugeridos para criar incentivos institucionais para promover uma maior proximidade e res- ponsabilizao dos eleitos perante aos eleitores poderiam ter efeitos perversos ou contra-producentes em matria de governabilidade. E isso apesar de todos reconhecerem que, pelo menos desde 1987 em diante, inegvel o desenvolvimento de uma tendncia maioritria no sistema partidrio portugus, com a formao de governos suporta- dos por maiorias parlamentares absolutas ou quase absolutas ainda que tal se deva, e importante sublinh-lo, menos aos efeitos mecni- cos do actual sistema eleitoral e mais aos seus efeitos psicolgicos, por fora do peso crescente do voto estratgico, como tem sido demons- trado em vrios estudos. 136 Quanto a este ponto, no deixa de ser curioso que a insistente refe- rncia possibilidade da reforma vir a produzir efeitos perversos na governabilidade parece ignorar quase por completo a prudncia revela- da por Andr Freire, Manuel Meirinho e Diogo Moreira. Precisamente quando, em defesa da continuidade e reforo das condies da estabi- lidade governativa, os autores recuperam a ideia da moo de censura construtiva usada com conhecido sucesso noutros pases (Alemanha e Espanha). E isso para que, atravs deste mecanismo institucional adicional, se torne possvel incentivar a actuao responsvel dos par- tidos, evitando a formao de coligaes negativas. Mas, e ainda quanto a este ponto, os autores no cam por aqui, prevendo igualmente a possibilidade da coligao de listas nos cr- culos primrios para efeitos de converso de votos em mandatos (apparentment). Opo, esta, que, como ensina a literatura especiali- zada, constitui um estmulo ecaz para a cooperao entre partidos, sobretudo se, como sugerem os autores, os partidos polticos forem obrigados (por via legal) a claricar perante o eleitorado quais as coli- gaes que pretendem ou no fazer dando, assim, a conhecer prvia e explicitamente as opes polticas em jogo. Numa ideia: quem est disponvel para cooperar com quem. Outros h que, sem deixar de reconhecer a situao de bipartida- rismo quase perfeito que caracteriza hoje o sistema de partidos em Portugal aproximando-o mais das democracias de maioritrias do que das consensuais insistem antes nos riscos inescapveis de uma eventual compresso da proporcionalidade do sistema eleitoral, resultante da reduo da magnitude dos actuais crculos eleitorais, mesmo que esta seja ditada pelo objectivo, aparentemente partilhado por todos, de promover a poltica de proximidade e a conana entre eleitos e eleitores. Mesmo quando, como acontece na proposta apresentada, se encon- tram previstos solues institucionais capazes de manter inalterado o nvel de desproporcionalidade. Uma aspecto que, como fcil de per- ceber, no sendo rmemente acautelado, penalizaria necessariamen- te os pequenos partidos, comprometendo, como bem reconhecem os autores, o valor do pluralismo poltico e partidrio essencial numa de- 137 mocracia representativa consolidada. At porque, quer a evoluo dos padres da competio interpartidria em Portugal, quer a anlise em termos comparados, desaconselham qualquer compresso adicional da proporcionalidade: seja porque o nosso sistema de partidos cada vez menos fragmentado, seja porque o nvel desproporcionalidade na con- verso de votos em mandatos , entre ns, signicativamente elevado. Por outro lado, h ainda quem defenda a reforma do sistema eleito- ral no sentido de uma melhoria da qualidade da representao poltica, mas que nem por isso deixe de sublinhar os efeitos perversos dos j esquecidos crculos uninominais, alargando tais efeitos aos crculos plurinominais de pequena e mdia magnitude (crculos primrios), ignorando que a presente proposta procura tambm aqui, e mais uma vez, uma soluo equilibrada e de compromisso; que, muito embora considere as desvantagens associadas aos crculos uninominais, no recusa contudo bem pelo contrrio as vantagens dos crculos pe- quenos e mdios no que toca personalizao do voto e responsabi- lizao do mandato parlamentar. Finalmente, e tentando abreviar o mais possvel a nosso argumen- to, h ainda aqueles que, embora lamentem (e quanto!) o quase mo- noplio da representao poltica pelos partidos e a escassa ou nula interveno dos eleitores na escolha dos eleitos, se apressam porm a declarar a total futilidade ou inutilidade de uma reforma que pro- cure alterar, ainda que de forma mais simblica do que efectiva, o ac- tual status quo. Ou seja, e no caso concreto, a alterar o tipo de sufrgio de lista, substituindo o sistema de listas fechadas e bloqueadas por um sistema de listas que admita o voto preferencial, concedendo, assim, aos eleitores uma participao mais directa na escolha dos candida- tos, mesmo que esta alterao implique um processo de aprendizagem que ser sempre necessariamente longo e difcil perante uma socieda- de politicamente pouco exigente e responsvel, mas que nem por isso deve ser posto de parte. Em suma, se decidimos recuperar aqui algumas das crticas da- queles que defendem a reforma do sistema eleitoral em abstrac- to muito embora, aquando da possibilidade de transp-la para a prtica, logo se apressem a contrari-la (passando rapidamente de 138 defensores a opositores) foi com o intuito de demonstrar como no plano intelectual o debate sobre a reforma eleitoral tende a seguir de- terminados padres argumentativos em tudo constantes, dando lugar, na maioria das vezes, a juzos avaliativos repetidos, previsveis e sobre- tudo imobilistas. E isto porque no plano intelectual, e recuperando as teses de Hirschman sobre o discurso conservador nomeadamente a tese da perversidade, do risco e da futilidade qualquer reforma eleitoral, independentemente dos seus mritos, ou produzir efeitos perver- sos (porque no antevistos face s lgicas incidentais da competio eleitoral e partidria), ou colocar em risco as conquistas polticas e cvicas entretanto consolidadas (porque estas no podem nem devem ser dadas como adquiridas), ou revelar-se- ainda pura e simplesmen- te intil (porque inecaz na prossecuo dos objectivos pretendi- dos, estando, portanto, condenada ao fracasso). Donde, e perante este tipo de estratgias argumentativas, que ten- dem a dominar o debate sobre a reforma do sistema eleitoral, parece no haver, nem no plano estritamente poltico-partidrio, nem mesmo no plano acadmico e intelectual, outra alternativa seno a inrcia e o imobilismo institucional, o que seguramente constitui uma das formas mais hbeis e subtis mas tambm mais arriscada de no se discutir verdadeiramente, nem promover de facto a qualidade da democracia. Como bem lembrava Ralf Dahrendorf, no j longnquo ano de 1975: O que somos chamados a fazer em democracia , acima de tudo, manter a possibilidade de revisitar as instituies polticas, uma vez que essa constitui seguramente a grande virtude do regime democrtico: introduzir mudanas graduais sem recorrer a re- volues, desenvolver e melhorar as instituies polticas, sem ter a necessidade de substitui-las permanentemente. Em jeito de concluso, uma leitura atenta e aprofundada do estu- do desenvolvido por Andr Freire, Manuel Meirinho Martins e Diogo Moreira sobre a reforma do sistema eleitoral em Portugal demonstra que parecem estar, neste momento, reunidas as condies necessrias 139 para se passar do imobilismo ao dinamismo institucional, nem que seja no plano exclusivamente intelectual. Para que, pelo menos aqui, no se possa continuar indenidamente armar: Ceci tuera cela (Isto ma- tar aquilo). REFERNCIAS BIBLIOGRFICAS
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Numa obra que se prope elaborar uma proposta de reforma do sistema eleitoral 2 , os autores Andr Freire, Manuel Meirinho e Diogo Moreira (2008) apresentam como objectivo estratgico melhorar a re- presentao poltica. Uma nalidade que se inscreve no actual quadro de descrdito institucional e de questionamento da qualidade da de- mocracia. A reforma que se pretende no profunda nem revolucion- ria, para no abalar os pilares bsicos da proporcionalidade, um impe- rativo constitucional, e governabilidade do sistema, mas no deixa de ser uma oportunidade para melhorar a qualidade do regime poltico em Portugal. Esta uma obra que prope um aprofundamento do sistema que funda a democracia, sem esquecer os ensinamentos de experincias alheias. Procura explorar os sistemas eleitorais dos pases europeus com quem o nosso pas partilha um espao geocultural, mostrando si- militudes e disparidades a nvel da proporcionalidade e governabili- dade. A obra constitui uma abordagem importante e inultrapassvel quando o objectivo propor reformas, j que a experimentao de sis- 1 Director do Instituto de Estudos Eleitorais da Universidade Lusfona. 2 Para uma Melhoria da Representao Poltica. A Reforma do Sistema Eleitoral, Lisboa, Sextante Editora. 142 temas empiricamente inacessvel e de difcil exequibilidade, sendo o tempo uma varivel essencial na consolidao das prticas. O livro mostra que, por exemplo, Portugal tem, dentro dos pases com um regime de representao proporcional, um sistema que apre- senta um dos maiores nveis de desproporcionalidade, no havendo, contudo, grandes barreiras representao. Demonstra ainda que o nosso Pas no tem igualmente problemas de governabilidade, ainda que alguma instabilidade poltica do passado aponte para a necessi- dade de criar condies institucionais mais propcias a uma actuao partidria mais responsvel. Mas Portugal tem sim um problema, que justica, por si s, a pro- posta destes trs autores: as decientes condies institucionais para favorecer a qualidade da representao, j que no oferecida aos elei- tores a oportunidade de escolher candidatos, nem sequer de os res- ponsabilizar. Esta situao gera falta de identicao com o eleitorado, por parte dos que os querem representar, e um inevitvel afastamento dos cidados face a actos eleitorais. Os eleitos, por seu lado, acabam por car mais prximos dos partidos, que os escolhem, do que do seu eleitorado. Enquadrando a questo da dimenso do parlamento do ponto de vista histrico e do seu signicado poltico, os autores apresentam v- rios argumentos, legitimados pela litera- tura e anteriores estudos, que justicam a concluso de que Portugal no tem um nmero excessivo de parlamentares. Porque a proposta vai no sentido de reformar o regime eleitoral com base num sistema de representao proporcional com mltiplos segmentos e caracterizados os fundamen- tos do sistema portugus, os autores propem estudos de casos compa- rados. Uma das tendncias a retirar desta anlise que uma pequena magnitude em crculos primrios favorece a maior proximidade entre o eleitor e o eleito. Outra concluso a que os autores chegam a de que a simplicida- de deve prevalecer na soluo adoptada para Portugal, nisso diferindo das propostas de outros pases analisadas. Assim, os crculos primrios ________ Portugal no tem um nmero excessivo de parlamentares ________ 143 sero acompanhados de um crculo nacional, mas cada um ter o seu escrutnio seguindo o j tradicional mtodo de DHondt e no se- ro permitidas transferncias de votos entre eles. Este sistema de voto duplo poder ainda permitir manter uma opo ideolgica no plano nacional, ao mesmo tempo que possibilita uma escolha personalizada no plano primrio, de base distrital ou regional. No primeiro caso, a proposta de listas fechadas e bloqueadas, mas no segundo mantm- se em aberto a constituio nal dos eleitos atravs do no bloquea- mento das listas ou seja, aos eleitores -lhes permitido escolher no s o partido em quem votam mas tambm o deputado, face aos candi- datos propostos. Assim, dentro de cada fora poltica, a hierarquia ser funo da escolha dos eleitores e no dos dirigentes partidrios, como hoje acontece. Apresentados os pressupostos e metodologia do trabalho e deni- da a magnitude do crculo nacional, tendo por base um total de 229 deputados (219 em caso de reduo) e visando respeitar o princpio da proporcionalidade, os autores apresentam algumas solues pos- sveis para a distribuio de mandatos e desagregao dos crculos. Entre a soluo 1, com 229 parlamentares, a 2 que mantm o nme- ro de lugares mas agrega as regies autnomas numa s, assim como os crculos da emigrao e a 3 com 219 deputados. Dado o binmio proporcionalidade e governabilidade e a transformao esperada na geograa eleitoral portuguesa com esta reforma, os autores concluem que as duas primeiras solues so as que comportam menos riscos de ruptura institucional, numa anlise cuja leitura imprescindvel. O exerccio de aplicao das alternativas permite a reexo sobre a estrutura e modalidade do voto, ao mesmo tempo que prope mu- danas importantes nas dinmicas dos partidos polticos no que diz respeito constituio das listas. claro que os boletins de voto tal como os conhecemos sofrero profundas alteraes, assim como a for- ma como os eleitores so chamados a exercer o seu direito de voto. Mas ca assim cumprida a reexo sobre um maior conhecimento e responsabilizao dos eleitos pelos eleitores. E o caminho a fazer essencial j que, citando Nohlen (2007: 144), os sistemas combinados gozam de uma crescente popularidade nas democracias consolidadas. 144 Assim, uma das mais-valias deste trabalho a abordagem sistemtica de outros regimes eleitorais que podem mostrar caminhos alternati- vos ao portugus, assim como a anlise exaustiva ao sistema nacional actual. Estamos assim perante uma obra cientca de inegvel valor e pioneira, dada a ausncia de estudos sistemticos nesta rea. No obstante os inmeros debates e conferncias realizados sobre a ma- tria na ltima dcada, o ensaio portugus de referncia era ainda, e at hoje, a obra publicada h j mais de 15 anos por Antnio Lopes Cardoso (1993), Sistemas eleitorais. Para uma Melhoria da Representao Poltica A Reforma do Sistema Eleitoral uma proposta tcnica e arrojada que reco- nhece os limites dos sistemas eleitorais, j que no h solues perfei- tas. Em ltima instncia, a opo por qualquer uma das propostas poltica. Mas o trabalho cientco aqui apresentado abre os horizon- tes reexo e proporciona importantes contributos para a anlise da qualidade da democracia que, em ltima instncia, qualquer sistema eleitoral deve servir. REFERNCIAS BIBLIOGRFICAS
CARDOSO, Antnio Lopes (1993), Os Sistemas Eleitorais, Lisboa, Salamandra. FREIRE, Andr; MEIRINHO, Manuel e MOREIRA, Diogo (2008), Para uma Melhoria da Representao Poltica. A Reforma do Sistema Eleitoral, Lisboa, Sextante Editora. NOHLEN, Dieter (2007). Os Sistemas Eleitorais: o contexto faz a diferena, Lisboa, Livros Horizonte. ________ uma proposta tcnica (...) a opo por qualquer uma das propostas poltica ________ Debate sobre o estudo: Para uma melhoria da representao poltica A reforma do sistema eleitoral ELEIES REVISTA DE ASSUNTOS ELEITORAIS NOVEMBRO 2009 CADERNOS DE ADMINISTRAO INTERNA