Sistema Eleitoral e Qualidade Da Democracia

Fazer download em pdf ou txt
Fazer download em pdf ou txt
Você está na página 1de 148

ELEIES

CADERNOS DE ADMINISTRAO INTERNA


12
EDI O ES PECI AL
Sistema eleitoral
e qualidade
da democracia
ART I GOS
Manuel Meirinho
Andr Freire
Vitalino Canas
Antnio Jos Seguro
Miguel Relvas
Antnio Filipe
Pedro Pestana Bastos
Pedro Soares
Conceio Pequito Teixeira
Paulo Morais
ORGANI ZAO
Andr Freire
Manuel Meirinho
REVISTA
DE ASSUNTOS
ELEITORAIS
ELEIES
CADERNOS DE ADMINISTRAO INTERNA
12
REVISTA
DE ASSUNTOS
ELEITORAIS
EDI O ES PECI AL
5
Introduo
SECO I
9
O contexto das reformas
eleitorais em Portugal
11
Breve sntese das reformas
eleitorais em Portugal
Manuel Meirinho
25
Reformas eleitorais: objectivos,
solues, efeitos provveis
e trade-offs necessrios
Andr Freire
PROPRIEDADE
Ministrio da
Administrao Interna
Direco Geral
da Administrao
DIRECO
Rita Faden
COORDENAO
TCNICA
Jorge Miguis
REDACO
E ADMINISTRAO
DGAI
Av. D Carlos I, 134
1249-104 Lisboa
DESIGN
silva!designers
IMPRESSO
Soartes
ISBN
978-972-9311-98-7
ISSN
0871-7451
DEPSITO LEGAL
41658/90
*

TTULO ANOTADO PELO INSTITUTO
DA COMUNICAO SOCIAL
ELEIES
NOVEMBRO 2009
12
REVISTA
DE ASSUNTOS
ELEITORAIS
*
SECO II
61
Comentrios de dirigentes partidrios
proposta de reforma do sistema eleitoral:
Para uma melhoria da representao
poltica a reforma do sistema eleitoral
63
Estudo sobre a reforma eleitoral
para a Assembleia da Repblica.
Uma reexo crtica e poltica
Vitalino Canas
69
Para uma melhoria da
representao poltica.
A reforma do sistema eleitoral,
uma reexo crtica e poltica
Antnio Jos Seguro
79
Sistema eleitoral e
qualidade da democracia
Miguel Relvas
83
Para uma melhoria da
representao poltica tentativa
de uma sntese crtica
Antnio Filipe
97
Comentrio ao estudo sobre a reforma
do sistema poltico para uma
melhoria da representao poltica
Pedro Pestana Bastos
105
Os mitos do bloco central
Pedro Soares
SECO III
111
Comentrios acadmicos proposta
de reforma do sistema eleitoral:
Para uma melhoria da representao
poltica a reforma do sistema eleitoral
113
Ainda (e sempre) a reforma do
sistema eleitoral entre o mpeto
reformista e o imperativo conservador
Conceio Pequito Teixeira
141
Para uma melhoria da
representao poltica.
A reforma do sistema eleitoral,
uma reexo crtica
Paulo Morais
Este livro contm
o estudo acadmico
que objecto de
anlise e debate
na presente edio
da revista Eleies
Para um melhoria
da representao
poltica, A reforma
do sistema eleitoral
Andr Freire,
Manuel Meirinho,
Diogo Moreira
Sextante Editora
REVISTA DE ASSUNTOS ELEITORAIS 5
INTRODUO
Manuel Meirinho
Andr Freire

T
al como noutros pases, tambm em Portugal as propos-
tas de reforma do sistema eleitoral, em particular as que
avanam com alteraes substantivas mantendo ou no
o princpio de representao vigente , suscitam sempre
um intenso debate. certo que este debate se cinge, na
maioria dos casos, comunidade acadmica especializada e a algumas
elites polticas, a que se tem juntado a comunicao social, prestando
um valioso contributo difuso e problematizao das propostas.
Independentemente do desfecho das propostas de reforma, o co-
nhecimento do seu contedo, dos seus propsitos, das suas limitaes
e dos seus efeitos vital para que possam ser avaliadas e criticadas
de forma sria e rigorosa. As propostas abertas ao debate pblico,
avaliao dos especialistas, s sugestes de melhoria ou de alternati-
vas dos partidos, entre outros contributos, tornar-se-o, certamente,
mais slidas.
o que se pretende com esta edio especial da revista Eleies.
Dar a conhecer uma parte do debate que se gerou em torno do es-
tudo Para uma melhoria da representao poltica a reforma do
sistema eleitoral (Lisboa, Sextante, 2008), realizado por Andr
Freire, Manuel Meirinho e Diogo Moreira, a solicitao do Grupo
Parlamentar do Partido Socialista, nomeadamente atravs do seu l-
der, Dr. Alberto Martins, e conduzido sob a coordenao do primeiro
dos trs autores.
6
O estudo foi objecto de um amplo, e por vezes aceso, debate des-
de que foi conhecido. Em Dezembro de 2008, o Grupo Parlamentar
do Partido Socialista, sob a gide do Dr. Alberto Martins e em arti-
culao com os autores, organizou uma Conferncia Parlamentar na
Assembleia da Repblica com a participao dos autores e de diversos
especialistas na matria: Manuel Braga da Cruz, Jorge Reis Novais,
Vital Moreira, Marina Costa Lobo, Antnio de Arajo e Vitalino Canas.
Da discusso, como era de esperar, resultaram subscries ao mrito
da proposta e sua envergadura e solidez mas tambm vrias crticas,
ou porque os participantes defenderam solues diferentes das avan-
adas no estudo ou porque discordavam das opes tcnicas. Apesar
das diferentes vises, o debate foi lanado no espao pblico, com a
colaborao da comunicao social e dele resultou um nmero signi-
cativo de notcias, de comentrios e de artigos de opinio, nomeada-
mente publicados na imprensa. Paralelamente o debate alargou-se
blogosfera, onde alguns acadmicos e interessados no tema contribui-
ram para a sua generalizao.
Deste amplo debate inicial, decidiram os autores do estudo orga-
nizar uma edio com as notcias, comentrios e artigos de opinio
mais relevantes que foi publicada numa seco especial da revista
Finisterra (n. 65/66, Julho de 2009)
1
: ver Freire, Meirinho e Moreira,
2009. Tratou-se, portanto, de uma colectnea organizada pelos auto-
res do estudo com cerca de 40 pginas de artigos de opinio sados na
imprensa sobre o estudo tambm em debate neste nmero especial
da Eleies.
Com o objectivo de focar o debate num registo mais tcnico, mas
tambm para analisar a posio dos restantes partidos no s face
proposta apresentada ao Partido Socialista mas tambm relativamen-
te s opes de cada um em relao a uma possvel alterao do sis-
tema eleitoral, decidiram os autores organizar a conferncia Sistema
Eleitoral e Qualidade da Democracia. Esta conferncia decorreu no
1
FREIRE, A., MEIRINHO, M., e MOREIRA, D. (organizadores) (2009 b), seco especial sobre
Debate sobre a reforma do sistema eleitoral, na seco Parlamento, Finisterra Revista de Reexo e
Crtica, 65/66.
7
Instituto Superior de Cincias Sociais e Polticas em Abril de 2009 e
contou com dois paineis. No primeiro, os autores do estudo aborda-
ram o contexto das reformas eleitorais em Portugal e, no segundo, um
conjunto de dirigentes partidrios convidados (Antnio Jos Seguro,
Miguel Relvas, Antnio Filipe, Pedro Pestana Bastos e Pedro Soares)
comentou, ainda que a ttulo individual, a proposta de reforma do sis-
tema eleitoral apresentada ao Partido Socialista.
, em boa parte, dos resultados deste debate que trata a presente
edio especial da revista Eleies, tendo sido acolhida com gran-
de empenho e incentivo pelo Dr. Jorge Miguis, Director da rea de
Administrao Eleitoral da Direco Geral da Administrao Interna
(ex-STAPE).
A edio inclui trs seces: a primeira trata do contexto das refor-
mas eleitorais em Portugal, com dois artigos que enquadram a evolu-
o das propostas de reforma no perodo democrtico, evidenciando
os principais bloqueios sua concretizao (Manuel Meirinho) e que
analisam os diferentes objectivos que perseguem os diversos sistemas
eleitorais, as solues que adoptam para os atingir e os seus efeitos pro-
vveis, seja em termos mecnicos, seja em termos psicolgicos (Andr
Freire). A esta luz, o artigo de Andr Freire analisa e discute, ainda, os
contributos dos vrios autores (dirigentes partidrios e acadmicos)
sobre o estudo em debate neste nmero especial. A segunda seco
inclui os comentrios de dirigentes partidrios dos cinco maiores par-
tidos representados no Parlamento (PS, PSD, PCP, CDS-PP e BE) que,
embora a ttulo pessoal, aceitaram comentar a proposta de reforma
do sistema eleitoral (Para uma melhoria da representao poltica
a reforma do sistema eleitoral) na conferncia Sistema Eleitoral e
Qualidade da Democracia, oralmente,e especicamente para a revista,
por escrito. Inclui-se tambm o comentrio de Vitalino Canas que par-
ticipou na conferncia organizada pelo Grupo Parlamentar do Partido
Socialista na Assembleia da Repblica (4/12/2008), em representao
do PS
2
. A terceira seco conta com artigos de dois acadmicos, que
2
Note-se que, do debate ocorrido na Assembleia da Repblica (4/12/2008), esta era a nica con-
8
para alm de incluirem comentrios proposta de reforma j referi-
da (Paulo Morais), constituem um importante contributo em termos
de reexo sobre o chamado imobilismo institucional, enquanto prin-
cipal constrangimento promoo efectiva das reformas eleitorais
(Conceio Teixeira).
Enquanto organizadores desta edio especial da revista Eleies,
gostariamos de agradecer a colaborao de todos os autores pelo seu
contributo para o enriquecimento do debate sobre um tema to im-
portante na arquitectura e funcionamento do nosso sistema poltico
como o da reforma do sistema eleitoral. Um agradecimento espe-
cial devido ao Dr. Jorge Miguis, em nome da rea de Administrao
Eleitoral da Direco Geral da Administrao Interna, por ter tornado
possvel esta edio e assim contribuir para que estes estudos e corres-
pondentes debates ultrapassem as fronteiras dos gabinetes.
tribuio escrita existente h, porm, gravaes audio e video do debate em posse do Grupo
Parlamentar do PS. Por isso, a contribuio de Vitalino Canas a nica resultante desse debate que
aqui incluimos. Alm disso, os contributos de dois dos outros intervenientes nesse debate (Vital
Moreira e Marina Costa Lobo) deram depois origem a artigos na imprensa e foram publicados na
Finisterra, 65/66, sendo tambm comentados no artigo de Andr Freire nesta revista.
O contexto das
reformas eleitorais
em Portugal
Manuel Meirinho
Andr Freire
SECO I
REVISTA DE ASSUNTOS ELEITORAIS
REVISTA DE ASSUNTOS ELEITORAIS 11
BREVE SNTESE DAS
REFORMAS ELEITORAIS
EM PORTUGAL
1
Manuel Meirinho
2

1.
Reformas eleitorais:
entre a complexidade e as
diculdades de mudana
O
processo poltico associado s reformas eleitorais
substantivas (major reforms), i.e., com alteraes das
regras de converso de votos em mandatos (por
exemplo, de sistemas maioritrios para sistemas de
representao proporcional ou para sistemas mistos
ou vice-versa: Katz, 2008), batante complexo. Vrios factores aju-
dam a compreender esta complexidade:
1
Este artigo uma sntese de uma pequena parte do paper Institutional reform in Portugal: eli-
te and mass perspectives, apresentado por Andr Freire, Manuel Meirinho e Diogo Moreira no
Lisbon 2009 ECPR Joint Sessions no Workshop 3. Why Electoral Reform? The Determinants, Policy
and Politics of Changing Electoral Systems, nomeadamente da parte que resultou do contributo de
Manuel Merinho para o referido paper colectivo. Uma verso revista deste paper colectivo ser
brevemente publicada, na integra, em portugus, no livro A Representao Poltica Portugal em
Perspectiva Comparada, Lisboa, Sextante, 2009, e organizado por Andr Freire e Jos Manuel Leite
Viegas, no mbito do projecto de investigao Os deputados portugueses em perspectiva compa-
rada: eleies, liderana e representao poltica.
2
Politlogo Instituto Superior de Cincias Sociais e Polticas.
12
i) os sistemas eleitorais so estruturas multidimensionais e, por isso,
as mudanas requerem algum equilbrio entre, por exemplo, os ele-
mentos normativos e as matrias associadas eccia governativa
(Dunleavy e Margetts, 1995);
ii) as reformas so marcadas pela presso dupla de contextos de
curto prazo e de longo prazo que, muitas vezes, levam a solues
contraditrias (Norris, 1995 a: 7; Shugart, 2001: 27);
iii) as reformas implicam um elevado grau de incerteza no que respeita aos
seus efeitos, uma vez que tm inuncia em vrias dimenses da vida
poltica, gerando uma espcie de medo do desconhecido(Taagepera
e Shugart, 1989; Katz, 2008; Colomer, 2005);
iv) as reformas relacionam-se, quase inevitavelmente, com o debate
sobre diferentes concepes de democracia (maioritria versus
consensual/consociativa) e, deste modo, sobre os principais ob-
jectivos que as regras eleitorais devem cumprir, bem como sobre
a melhor forma de os atingir (Lijphart, 1999, Norris, 1997).
Para alm destes factores existem pelo menos outros trs que aju-
dam a compreender o insucesso na implementao das reformas elei-
torais, sejam elas substantivas ou minimalistas (as ltimas respeitam,
por exemplo, a mudanas da frmula de converso de votos em man-
datos em sistemas de representao proporcional, a passagem de listas
fechadas para listas abertas, etc).
O primeiro, e talvez o mais importante, prende-se com o facto de
as reformas serem propostas geralmente pelos partidos de poder(os
dois maiores partidos ou blocos de partidos), que raramente chegam a
consenso sobre os benefcios (e prejuzos) das reformas (medidos, no-
meadamente, em termos de facilidade na conquista e na manuteno
do poder). Este aspecto assinala o papel central dos partidos de poder
na determinao do tipo de reformas e do momemto da sua implemen-
tao. Em regra, as reformas propostas obedecem ao princpio da maxi-
mizao do poder (nomeadamente em termos de aumento do nmero
de deputados a eleger): se o sistema vigente beneciar os partidos de
poder, estes no sentem necessidade de propor alteraes; sempre que
se vericam modicaes signicativas no sistema partidrio e/ou nas
13
preferncias dos eleitores que afectem aqueles partidos, ento tendem
a apresentar propostas de reforma do sistema eleitoral (Boix, 1996).
Este tipo de comportamento explicado pela abordagem do institu-
cionalismo racional (rational-choice institutionalism), que assume que
nas democracias representativas os actores polticos procuram maxi-
mizar os votos e mandantos no mercado eleitoral visando a conquista e
a manuteno do poder (Norris, 2004; Katz, 2008). Naturalmente que
subsistem srias dvidas relativamente ideia de um actor poltico ex-
clusivamente guiado pelo seu prprio interesse (i.e., exclusivamente a
maximizao de votos e de mandatos): (), parece que os partidos, por
vezes, querem simplesmente fazer as coisas da forma mais correcta ou
mais democrtica. Esta possibilidade est na base do j longo debate
sobre o facto de o sistema de representao proporcional ter sido in-
troduzido na Europa porque os principais partidos reconheceram que
este sistema era mais justo ou porque oferecia uma boa proteco aos
partidos burgueses no que respeita entrada para o eleitorado de v-
rias minorias sociais e das classes trabalhadoras (Katz, 2008; Benoit,
2004). No nosso pas, o debate sobre a modicao do sistema eleito-
ral tambm aponta na direco da defesa do interesse geral: a princi-
pal justicao prende-se com a necessidade de criar condies para
uma melhoria das relaes entre eleitos e eleitores, favorecendo assim
os critrios da responsabilizao poltica, da representao plural das
correntes de opinio poltica e da democraticidade. Contudo, tambm
verdade que os pequenos partidos tm constantemente argumentado
que, por detrs destes objectivos explcitos, existe sempre o interesse
dos principais partidos na maximizao do poder (Freire et al, 2008).
Um segundo aspecto respeita ao grau de liberdade que os actores
polticos tm para efectuar as reformas. Em regra no facil alterar o
sistema eleitoral, especialmente quanto ele objecto de consagrao
constitucional (como o nosso caso, em que necessria uma maioria
de dois teros para aprovar as modicaes). Sendo muitos os cons-
trangimentos a mudanas que alterem o princpio da representao
proporcional, os actores polticos limitam-se a sugerir modicaes
dentro deste princpio. Em muitos casos, mesmo no quadro destas al-
teraes, a engenharia eleitoral defronta-se, quer com solues di-
14
ceis de compatibilizar, nomeadamente entre eccia governativa e
representao (Reilly: 2007, 1354; Nolhen, 2007: 33-40) quer com po-
sies muito contraditrias e inconciliveis dos principais partidos.
Por ltimo, as reformas eleitorais raramente acontecem a partir de
um processo de baixo para cima (das massas para as elites), embora al-
gumas das principais reformas que ocorreram na dcada de nocenta nas
democracias avanadas foram devidas, em parte, presso dos cidados,
nomeadamente atravs de referendos (Donovan, 1995; Vowles, 1995). Por
norma, as reformas surgem em processos de cima para baixo, i.e., so
conduzidas pelas elites polticas e no resultam de presses de cidados
organizados. Assim, as reformas eleitorais raramente so induzidas pela
presso social, mecanismo que comum em outras reas das polticas
pblicas. Contudo, a eroso das ligaes entre os cidados e o sistema po-
ltico, e a eroso da legitimidade do mesmo aos olhos dos eleitores (tal
como revelado em vrios estudos) so muitas vezes utilizadas para jus-
ticar a necessidade de reformas. Apesar do falhano na implementao
de qualquer das reformas j propostas em Portugal, aqueles argumentos
tm sido repetidamente utilizados para a sua justicao. Em suma, os
cidados tm pouca capacidade para forar os partidos mudana das
regras do jogo: so as elites partidrias que determinam os termos das
reformas, o seu momento e os resultados desejados.
Figura 1
Factores associados diculdade em efectuar reformas eleitorais

FACTORES
(SOCIAIS, INSTITUCIONAIS, POLTICOS)
Presso dupla dos contextos
de curto prazo e de longo prazo
Confronto entre diferentes
concepes de democracia
Diminuto grau de liberdade que os actores
polticos tm para efectuar as reformas
Natureza multidimensional dos sistemas
eleitorais trade-off
Grau de incerteza nos resultados
medo do desconhecido
Papel central dos partidos de poder
consenso quanto as custos e aos benefcios
Fraca ou nula presso social
para as reformas
15
2.
Propostas de reforma
do sistema eleitoral:
uma sntese
A
ps 48 anos de ditadura, em 1974, Portugal iniciou
a chamada terceira vaga de democratizao. Em 34
anos de democracia no se operou qualquer mudan-
a signicativa no sistema eleitoral para a Assembleia
da Repblica, excepo da reduo do nmero de
deputados de 250 para 230 que ocorreu em 1991. Contudo o debate
sobre a reforma eleitoral tem sido constante desde a transio para a
democracia (Meirinho, 2004; Cruz, 1998).
Entre 1976 e 2008 ocorreram diversos ciclos de debate sobre a
reforma do sistema eleitoral que traduziram uma multiplicidade de
possveis modicaes que vo desde a mudanca para um sistema
maioritrio a duas voltas (Amaral, 1985) at manuteno do actual
sistema com pequenos ajustamentos. No quadro 1, apresentamos as
principais dimenses de anlise das propostas de reforma do sistema
eleitoral em Portugal.
As propostas de reforma surgiram, essencialmente, em dois con-
textos diferentes. Um nmero considervel de alteraes surgiu em
contexto de reviso constitucional. Foi o caso de vrias propostas com
origem nos partidos, em deputados e em acadmicos que foram apre-
sentadas em 1982, em 1989 e em 1997 (ver tabela 2 onde mostramos as
principais propostas que surgiram desde 1978, os seus proponentes, a
direco da mudana e os mecanismos defendidos para melhorar as
relaes entre eleitos e eleitores.
Neste mbito surgiram propostas que defenderam a reduo do n-
mero de deputados, a mudana na estrutura dos crculos eleitorais, al-
teraes na fmula de converso de votos em mandatos e ainda modi-
caes ao tipo de voto (nominal versus de lista) e sua estrutura. Na
reviso constitucional de 1989, que teve por base um acordo entre os
dois maiores partidos (Partido Social Democrata e Partido Socialista),
16
foi aprovada a variao do nmero de deputados entre o mximo de
230 e o mnimo de 180. Em 1997, um novo acordo entre os mesmos
partidos levaria reviso da Constituo de modo a permitir a coexis-
tncia de crculos uninominais com um crculo nacional, este com ns
compensatrios, o que possibilitava a eventual adopo de um sistema
misto de pendor proporcional (Mixed Member Proportional System).
Em suma, este contexto abriu espao a propostas de reforma com
mltiplas direces mas que no consideraram qualquer mudana no
princpio de representao adoptado desde o incio do perodo de-
mocrtico (Nohlen, 2007), excepo da proposta do candidato pre-
sidencial Freitas do Amaral (em 1985, defendeu a mudana para um
sistema maioritrio a duas voltas), embora em alguns casos tenham
sido defendidas, de facto, alteraes signicativas na arquitectura do
sistema (por exemplo, para um sistema misto ou para um sistema de
representao proporcional com mltiplos segmentos).
Quadro 1
Principais dimenses de anlise das propostas de reforma
do sistema eleitoral em Portugal

Contexto
Tipo de proposta
e direco da
mudana
Principais razes
de justicao
das reformas
Reviso constitucional
Vitrias eleitorais dos principais partidos /
compromissos eleitorais ou programticos
Genricas propostas vagas e no estruturadas
(manuteno do actual sistema com pequenas
modicaes ou, por vezes, mais radicais como
por exemplo a mudana para o duplo voto)
Propostas estruturadas e precisas geralmente suportadas
por simulaes sobre os efeitos mecnicos esperados
Estabilidade governativa
Melhoria da qualidade da representao, i.e.,
criao de condies mais favorveis com vista
melhoria das relaes entre eleitos e eleitores
Melhoria da ecincia do Parlamento atavs
da reduo do nmero de deputados
Fonte: adaptado, revisto e actualizado a partir de Meirinho, 2004
17
O segundo contexto marcado pelas vitrias eleitorais mais signi-
cativas dos dois maiores partidos (Partido Social Democrata: duas
maiorias absolutas de votos e de mandatos em 1987 e em 1991; Partido
Socialista: duas maiorias quase absolutas de mandatos em 1995 e em
1999, e uma maioria de mandatos em 2005), perodos em que surgem,
de forma clara, compromissos eleitorais formalizados nos programas
eleitorais com vista modicao do sistema eleitoral.
Em 1992, o Partido Social Democrata props uma mudana para
um Sistema de Representao Proporcional com Mltiplos Segmentos
(i.e., crculos eleitorais de baixa magnitude, sem serem uninominais,
para favorecer as relaes de proximidade entre eleitos e eleitores e
um crculo nacional de trinta lugares com funes compensatrias da
desproporcionalidade, embora os dois tipos de crculos primrios e
secundrio funcionassem de forma paralela) e a reduo do nmero
de deputados para 180. Embora se tratasse de uma alterao signica-
tiva (major reform) no previa uma mudana do princpio de represen-
tao vigente.
Na decorrncia da maioria quase absoluta de mandatos obtida pelo
PS em 1995, este partido iniciou um intenso processo de debate sobre
a reforma eleitoral no s atravs da apresentao de propostas estru-
turadas (surgidas em 1997 e orientadas para a implementao de um
Sistema de Membros Mistos, inspirado no sistema alemo) mas tam-
bm atravs da encomenda de vrios estudos tcnicos junto da comu-
nidade acadmica, nomeadamente sobre o desenho dos crculos e de
diversos estudos avaliativos da sua proposta de reforma.
Finalmente, mais recentemente, na sequncia da maioria absolu-
ta de votos do PS, obtida em 2005, e do compromisso eleitoral deste
partido, o respectivo grupo parlamentar encomendou um estudo a
uma equipa de acadmicos no sentido de alterar o sistema eleitoral.
A proposta incluiu uma mudana para um sistema de representao
proporcional de mltiplos segmentos (com crculos plurinominais
de baixa magnitude no segmento primrio, mas sem cuculos uni-
nominais). Apoiado num vasto estudo comparativo, o estudo pro-
ps ainda a introduo do voto preferncial nos crculos primrios
(Freire, et al., 2008).
18
Tabela 2
Principais propostas de reforma do sistema eleitoral em Portugal:
caractersticas e proponentes

Suporte de
apresentao
Proponentes Mudana para: Melhoria das relaes
eleito-eleitor
Projecto de Lei
Projecto de Lei
Reviso
constitucional
Artigo de
imprensa
Livro
Manifesto
partidrio
Projecto de
Cdigo Eleitoral
Acordo
de reviso
constitucional
Artigo de
imprensa
PSD
CDS
Barbosa de Melo
S Carneiro
Antnio
Guterres
Freitas do
Amaral
PSD
Acadmicos para
o governo do PSD
PS e PSD
Antnio Vitorino
RP (mltiplos
segmentos)
Idem (com voto
obrigatrio)
Sistema de
membros mistos
RP Crculos
plurinominais
Sistema de
membros mistos
ou RP Crculos
plurinominais
Sistema
maioritrio a
duas voltas
Sistema de
membros mistos
(voto duplo na
componente
maioritria)
Nova estrutura
de crculos
RP Crculos
plurinominais e
reduo do n.
de deputados
Sistema de
membros mistos
tipo Alemanha
Crculos de baixa
magnitude
Crculos
plurinominais
no segmento
primrio
Crculos
uninominais
Crculos
uninominais com
voto preferencial
Crculos
uninominais
No especicado
No especicado
Crculos
uninominais
TIPO I GENRICAS POR VEZES VAGAS E NO ESTRUTURADAS
Ano
1978
1982
1984
1985
1986
1989
1990
Fonte: adaptado, revisto e actualizado de Meirinho, 2004
19
Tabela 2 (cont.)
Principais propostas de reforma do sistema eleitoral em Portugal:
caractersticas e proponentes

Projecto de Lei
Manifestos
partidrios
(e diversos
estudos
acadmicos
encomendados
pelo PS)
Manifestos
partidrios
Estudo
acadmico
e livro
PSD
PS
PSD
CDS
BE, PS e PSD
Trabalho de
investigao
acadmico
encomendado
pelo grupo
parlamentar
do PS
RP crculos
plurinominais
e reduo do
n. de deputados
Sistema de
membros mistos
tipo Alemanha
Idem
(com reduo do
n. de deputados)
RP crculos
plurinominais
RP crculos
plurinominais
(BE); Sistema de
membros mistos
(PS e PSD)
RP de mltiplos
segmentos com
voto preferncial
nos circulos
primrios
Crculos
plurinominais
de magnitude
baixa
Crculos
uninominais
Crculos
uninominais
No especicado
No especicado
Crculos
uninominais
Crculos
plurinominais
de magnitude
baixa e voto
preferencial
opcional
TIPO II PRECISAS E ESTRUTURADAS, MUITAS VEZES SUPORTADAS
POR SIMULAES SOBRE EFEITOS MECNICOS ESPERADOS
1990
1997 /
1999
1999
2008
Suporte de
apresentao
Proponentes Mudana para: Melhoria das relaes
eleito-eleitor
Ano
Fonte: adaptado, revisto e actualizado de Meirinho, 2004
20
Considerando a terceira dimenso de anlise principais razes de
justicao das reformas (cf. tabela 1), devemos assinalar, em primei-
ro lugar, que as criticas ao funcionamento do sistema eleitoral se tm
concentrado em trs argumentos:
a) a necessidade de reforar as condies de governabilidade (es-
pecicamente entre 1974 e 1987, perodo que foi caracterizado
por uma forte instabilidade governativa);
b) o alegado nmero excessivo de deputados que deveria ser redu-
zido (um tema debatido, quase desde o incio da transio demo-
crtica, muito por iniciativa dos partidos situados direita, em
particular pelo PSD);
c) a inexistncia de condies propcias melhoria das relaes
entre eleitos e eleitores (qualidade da representao), muito em
resultado do voto incidir em listas fechadas e bloqueadas e de
persistir uma distribuio muito desigual na magnitude dos cr-
culos eleitorais (especialmente desde 1997).
O primeiro argumento perdeu relevo desde 1987, um periodo ca-
racterizado por uma concentrao de votos nos dois maiores partidos
(PS e PSD), e que teve como consequncias uma signicativa reduo
do nvel de fragmentao do sistema partidrio (desde ento o n-
mero efectivo de partidos muito semelhante ao registado em siste-
mas maioritrios) e um ntido aumento na estabilidade governativa.
Assim, entre 1992 e 1997 periodo em que surgiram as propostas de
reforma mais precisas e estruturadas com base em simulaes sobre
efeitos mecnicos , o debate sobre a reforma do sistema eleitoral em
Portugal ocorreu, sobretudo, em torno dos dois ltimos argumentos:
i) reduo do nmero de deputados (de acordo com os proponentes
esta reduo pretendia aumentar a ecincia do Parlamento); ii) me-
lhorar a qualidade da representao atravs da criao de condies
favorveis melhoria das relaes entre eleitos e eleitores (vulgo pro-
ximidade ao nvel dos crculos).
21
3.
Sntese das crticas ao
funcionamento do sistema
eleitoral portugus
T
al como j referimos anteriormente, as propostas de redu-
o do nmro de deputados foram particularmente defen-
didas pelo PSD, sendo rejeitadas no s pelo PS mas tam-
bm pelos pequenos partidos (BE, CDS-PP e PCP). Pelo
menos desde 1997 que esta matria no rene consenso
entre PSD e PS e, pelo menos prima fa-
cie, tem constitudo um bloqueio via-
bilizao das reformas a partir da dca-
da de 90 (Freire, 1999; Cruz, 2000). O
PS e os pequenos partidos, tm susten-
tado que Portugal, em termos compa-
rativos, no tem um nmero de depu-
tados elevado, argumento que de facto
comprovado pela anlise comparada,
por exemplo, com a dimenso dos par-
lamentos dos pases da Unio Europeia
(Freire et al, 2008: 44-53). Do mesmo
modo, estes partidos tm alertado para
o facto de uma reduo do nmero de
deputados nos termos defendidos pelo
PSD (de 230 para 180) ter consequn-
cias signicativas no nvel de propor-
cionalidade do sistema e no grau de representao territorial.
Para ultrapassar o problema do alegado distanciamento entre eleitos
e eleitores, associado ao sistema de listas fechadas e bloqueadas e a exis-
tncia de crculos eleitorais de elevada magnitude (como os de Lisboa,
Porto, Braga e Setbal), tm sido propostas vrias solues. Desde 1997,
a soluo mais debatida e particularmente defendida pelo PS e PSD
tem sido a de um sistema de membros mistos proporcional. Contudo,
________
Em suma, os debates
sobre a reforma do
sistema eleitoral
tm demonstrado
que as divises
intrapartidrias
(sobretudo no seio dos
grandes partidos) e o
medo do desconhecido
tm contribuido para
explicar o falhano
das vrias tentativas
de reforma
________
22
esta soluo tem sido objecto de vrias criticas, nomeadamente aos cr-
culos uninominais: riscos de favorecimento do localismo e do cliente-
lismo; risco de levar a uma bipolarizao de facto provocada pela con-
centrao da competio entre dois partidos/candidatos nos crculos
uninominais, mesmo apesar dos mecanismos de compensao ao nvel
do crculo nacional. Estas crticas tm sido conduzidas no s pelos
pequenos partidos (com receios naturais de serem penalizados com a
introduo de um sistema deste tipo) mas tambm pela comunidade
acadmica (AAVV, 1997) e at pelas elites polticas prximas dos dois
maiores partidos, incluindo deputados e ex-governantes (Cruz, 2000;
Freire, 2001). A falta de consenso vericada quer ao nvel intraparti-
drio quer ao nvel interpartidrio sobre a introduo do sistema de
membros mistos proporcional constituiu um dos factores que levaram
o Partido Socialista a encomendar, em 2008, um novo estudo sobre a
reforma do sistema eleitoral (Freire et al, 2008).
Como referimos no incio, no perodo democrtico nenhuma refor-
ma substantiva do sistema eleitoral foi concretizada. Cremos que as
as razes que podero justicar as reservas introduo do Sistema
de Membros Mistos Proporcional so muito semelhantes s reservas
expressas pelos dirigentes socialistas e por alguns dos seus deputados
relativamente introduo do voto preferncial nos crculos prim-
rios proposta no estudo de 2008: receio de perda de controlo ao nvel
da seleco dos candidatos Assembleia da Repblica e ao nvel da sua
aco parlamentar.
Em suma, os debates sobre a reforma do sistema eleitoral tm de-
monstrado que as divises intrapartidrias (sobretudo no seio dos
grandes partidos) e o medo do desconhecido tm contribuido para
explicar o falhano das vrias tentativas de reforma.
23
REFERNCIAS BIBLIOGRFICAS

AAVV. (1998), Pareceres sobre o Anteprojecto de Reforma da Lei Eleitoral para a Assembleia da
Repblica, Coimbra, Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra.
AMARAL, F. (1985), Uma Soluo para Portugal, Lisboa, Publicaes Europa-Amrica.
BENOIT, K. (2004), Models of electoral system change, Electoral Studies, N 23, 363-389.
BOIX, C. (1999), Setting the Rules of the game: The Choice of Electoral Systems in Advanced
Democracies, American Political Science Review, Vol. 96, N. 3, 609-624.
COLOMER, J. (2005), Its parties that choose electoral systems (or Duvergers laws upside down,
Political Studies, N. 53, 1-21.
CRUZ, M.B. (1998), Sistema Eleitoral Portugus Debate Poltico e Parlamentar), Lisboa, Imprensa
Nacional Casa da Moeda.
CRUZ, M.B. (2000), A reviso falhada do sistema eleitoral, Anlise Social, Vol. XXXV, N 154-155,
pp. 45-54.
DONOVAN, N. (1995), The politics of electoral reform in Italy, in International Political Science
Review, Vol. 16, N. 1, 47-64.
DUNLEAVY, P. e MARGETTS, H. (1995), Understanding the Dynamics of Electoral Reform,
International Political Science Review, Vol. 16, N. 1, 9-29.
FREIRE, A. (editor) (2001), Recrutamento Parlamentar: Os Deputados Portugueses da Constituinte
VIII Legislatura, Lisboa, STAPE/MAI
FREIRE, A., e MAGALHES, P. (2002), A Absteno Eleitoral em Portugal, Lisboa, ICS/Imprensa de
Cincias Sociais.
FREIRE, A., MEIRINHO, M. e MOREIRA, D. (2008), Para uma Melhoria da Representao Poltica:
a reforma do sistema eleitoral, Lisboa, Sextante.
KATZ, R. (2008), Why Are There So many (or So Few) Electoral Reforms, in M. GALLAGHER,
e P. MITCHELL, The Politics of Electoral Systems, Nova Iorque, Oxford University Press.
LIJPHART, A. (1999). Patterns of Democracy: Government Forms and Performance in Thirty-Six
Countries, Yale University Press.
MEIRINHO, M. (2004), Participao Poltica e Democracia: O caso portugus (1976-2000), Lisboa,
Instituto Superior de Cincias Sociais e Polticas.
NOHLEN, D. (2007), Os Sistemas Eleitorais: o contexto faz a diferena, Lisboa, Livros Horizonte.
NORRIS, P. (1995a), Introduction: The Politics of Electoral Reform, in International Political
Science Review, Vol. 16, N. 1, 3-8.
NORRIS, P. (1997), Choosing Electoral Systems: Proportional, Majoritarian and Mixed Systems,
in International Political Science Review, Vol. 18, N. 3, 297-312.
24
NORRIS, P. (2004), Electoral Engineering: Voting Rules and Political Behavior, Nova Iorque,
Cambridge University Press.
REILLY, B. (2007), Democratization and Electoral Reform in the Asia-Pacic Region: Is There
an Asian Model of Democracy?, in Comparative Political Studies, Vol. 40, N. 11, 1350-1371.
SHUGART, M. (2001), Extreme Electoral Systems and the Appeal of the Mixed-Member
Alternative, in M. Shugart e M. Wantenberg (eds.) Mixed-Member Electoral Systems: The Best
of Both Worlds?, Oxford, Oxford University Press.
TAAGEPERA, R. e SHUGART, M. (1989), Seats and Votes, New Haven, Yale University Press.
VOWLES, J. (1995), The politics of electoral reform in New Zeland, in International Political
Science Review, Vol. 16, N. 1, 95-116.
REVISTA DE ASSUNTOS ELEITORAIS 25
REFORMAS ELEITORAIS:
OBJECTIVOS, SOLUES,
EFEITOS PROVVEIS E
TRADE-OFF NECESSRIOS
1
Andr Freire
2

1.
Introduo
N
o presente artigo reicto sobre alguns dos problemas
fundamentais associados s reformas eleitorais ou,
mais genericamente, escolha dos sistemas eleitorais.
Geralmente, os diferentes tipos de sistemas eleitorais
tm subjacentes diferentes objectivos fundamentais
que denem, pelo menos segundo alguns autores (Nohlen, 1984-2007),
o sistema de representao associado. Para atingir os objectivos cen-
trais subjacentes, cada sistema eleitoral adopta diferentes expedientes
operacionais, ou seja, diferentes solues instrumentais (frmulas de
converso de votos em mandatos, estrutura dos crculos eleitorais, tipo
de sufrgio nominal ou de lista , etc.). Cada uma destas solues e,
1
O presente artigo foi especicamente preparado para este nmero especial da revista Eleies. O
mesmo vem na senda da comunicao apresentada na conferncia (e debate) que teve lugar ISCSP-
UTL, 21 de Abril de 2009, sob o lema Sistema eleitoral e qualidade da democracia. s apresenta-
es dos autores do estudo sobre a reforma eleitoral (Freire, Meirinho e Moreira, 2008) seguiu-se
um debate (com dirigentes destacados dos vrios partidos presentes no Parlamento portugus,
muitos deles deputados) em torno do mesmo estudo e que agora trazido estampa na Eleies.
2
Professor Auxiliar do ISCTE-IUL (Instituto Universitrio de Lisboa) e investigador snior do
CIES-ISCTE.
26
sobretudo, o conjunto integrado das mesmas tm depois determinados
efeitos provveis, seja de imediato na converso de votos em manda-
tos (aquilo que Maurice Duverger, 1951, chamava efeitos mecnicos,
e Douglas Rae, 1969, chamou proximal effects), seja a mais longo prazo
nos comportamentos e atitudes dos eleitores e dos partidos/candidatos,
comportamentos e atitudes esses que resultam dum ajustamento das es-
tratgias dos actores s regras eleitorais (aquilo que Maurice Duverger
chamava efeitos psicolgicos, e Douglas Rae chamou distal effects).
Falamos em efeitos provveis porque em diferentes contextos (hist-
ricos, sociais e polticos) e, sobretudo, com diferentes distribuies re-
gionais dos votos/do apoio eleitoral aos partidos, as mesmas regras elei-
torais podem ter efeitos substancialmente diferentes (Nohlen, 2007).
Os diferentes objectivos fundamentais que os diversos sistemas
eleitorais perseguem, bem como as diferenciadas solues que adop-
tam para os atingir, no so facilmente
conciliveis, pelo menos em toda a sua
plenitude, e, por isso, h sempre algum
trade-off que preciso assumir. Como
diz o clebre provrbio portugus, no
se pode ter sol na eira e chuva no nabal.
Sem embargo de algumas solues en-
contradas (sistemas mistos e sistemas
de representao proporcional com
mltiplos segmentos/RPMS, por exemplo) procurarem, precisamen-
te, conciliar alguns objectivos em certa medida contraditrios. Mas o
que h que ter presente que mesmo quando se intenta tal conciliao,
ela ser sempre relativamente imperfeita, mitigada.
No presente artigo irei analisar os diferentes objectivos que perse-
guem os diversos sistemas eleitorais, ou, dito de outro modo, os valo-
res fundamentais que lhes esto subjacentes, as solues que adoptam
para os atingir e os seus efeitos provveis, seja em termos mecnicos,
seja em termos psicolgicos. Em cada caso, procurarei sempre elen-
car os trade-offs que necessrio assumir, pelo menos parcialmente.
A anlise de cada um destes pontos ser feita em trs seces distintas
que, geralmente, denem os vectores no mbito dos quais os sistemas
________
Numa reforma do
sistema eleitoral h que
ter presente que no
h sistemas perfeitos:
necessrio assumir
algum trade-off
________
27
eleitorais so escrutinados: governabilidade, proporcionalidade e qua-
lidade da representao. Termino com breves notas conclusivas. Ao
longo de toda exposio procurarei sempre reportar-me s solues
que propusemos no recente estudo sobre a reforma eleitoral (Freire,
Meirinho, Moreira, 2008) e que est em debate neste nmero especial.
Nesta anlise reportar-me-ei ainda no s s posies esgrimidas no
debate ocorrido na imprensa sobre o nosso estudo (e recentemente
compilado e dado estampa na revista Finisterra: Freire, Meirinho e
Moreira, 2009b), mas tambm aos comentrios sobre o mesmo estudo
efectuados pelos vrios dirigentes partidrios e pelos dois acadmicos
(Conceio Pequito e Paulo Morais) no presente nmero especial da
revista Eleies.
2.
Governabilidade
D
e acordo com Dieter Nohlen (1984-2008), h dois
grandes princpios de representao em larga medi-
da inconciliveis: de um lado, temos a representao
proporcional, cujo objectivo central a representao
no parlamento (e tambm no governo, embora no ne-
cessariamente e, sobretudo, no no mesmo grau e variando de acordo
com a alternncia governativa) das vrias tendncias sociais e polticas
mais signicativas em cada pas; de outro lado, temos a representao
maioritria cujo objectivo central a formao de maiorias (absolutas)
no parlamento (mesmo que articiais) e, consequentemente, a forma-
o de governos monopartidrios o sistema de maioria absoluta a
duas voltas, francesa, permite atingir o mesmo desiderato mas conci-
liando-o com a existncia de governos de coligao.
Outro terico fundamental nesta matria, o politlogo Arend
Lijphart (1999-2007; ver tambm Powell, 2000), fala em democracia
maioritria, onde os sistemas eleitorais de tipo maioritrio tm um
lugar absolutamente central, e em democracia consensual/consocia-
28
tiva, onde os sistemas eleitorais proporcionais constituem tambm
um eixo institucional crucial. De acordo com Lijphart, partindo do
pressuposto de que as democracias modernas so fundamentalmen-
te representativas, cada um dos modelos de democracia d diferentes
respostas questo quem deve governar (em representao do povo)?
No caso da democracia maioritria, a resposta : deve governar a maio-
ria. Para garantir esse objectivo, o sistema eleitoral d um generoso
bnus ao partido vencedor, na converso de votos em mandatos, e, por
isso, produz geralmente maiorias absolutas de um s partido no parla-
mento, em regra articiais (ou seja, maiorias absolutas de lugares que
correspondem a meras maiorias relativas de votos). Claro que os siste-
mas proporcionais tambm produzem maiorias deste tipo (por exem-
plo, em Portugal, em 2005, com cerca de 45% dos votos, o PS obteve
uma maioria absoluta de lugares no parlamento): as diferenas esto,
primeiro, no bnus dado ao vencedor (muito mais generoso nos siste-
mas maioritrios) e, segundo, na frequncia com que tal ocorre (muito
maior nos regimes maioritrios do que nos proporcionais).
Nas democracias maioritrias, consequentemente, a poltica enca-
rada como um jogo de soma nula em que o vencedor leva tudo (win-
ner takes it all) do ponto de vista dos mecanismos de tomada de deciso
ao nvel do governo central. Portanto, embora estes sistemas estejam
geralmente associados a uma maior durao mdia dos governos (isto
, a uma maior estabilidade governativa), tal sobretudo conseguido
atravs da criao de maiorias articiais e de uma forte distoro na
converso de votos em mandatos, a qual representa geralmente uma
forte penalizao das minorias. Assim, embora haja geralmente uma
maior capacidade de identicar as alternativas governativas e de as res-
ponsabilizar (Anderson, 2000; Freire e Lobo, 2005), tambm verdade
que tem sido vericado neste modelo de democracia um menor nvel
mdio de satisfao dos cidados (em geral) com a performance do re-
gime democrtico (Lijphart, 1999) e, sobretudo, uma maior distncia
no nvel de satisfao entre os vencedores (que votaram no partido que
est no poder), mais satisfeitos, e os vencidos (que votaram nos partidos
que esto na oposio), menos satisfeitos (Anderson e Guillory, 1997).
Alm disso, o reforo articial das maiorias e a subrepresentao das
29
minorias pode redundar em autoritarismo da maioria e, tambm, num
maior nvel de conitualidade social e num menor controlo da violncia
(Lijhart, 1999). Na Tabela 1 apresentamos um resumo destas questes.
Tabela 1
Sistemas eleitorais e governabilidade: objectivos, solues,
efeitos e trade-offs necessrios

Mdia/Fraca
Poltica como jogo
de soma positiva
Partilha do poder
cooperao
Maior incorporao
das minorias no
sistema poltico
Trade-off:
Veto das minorias
Decises mais lentas
Menor identicao/
Responsabilizao
Remdios:
Reforo estabilidade
governos minoritrios
Incentivos cooperao
Forte
Poltica como jogo
de soma nula
Vencedor leva tudo
Fraca incorporao
das minorias
Decises mais rpidas
Identicao clara das
alternativas
Responsabilizao
Trade-off:
Maiorias articiais
Autoritarismo;
Maior conitualidade
Idntico a RP RM
Mitigada
Trade-off:
Maior complexidade
no funcionamento do
sistema: maior opacidade
Maior incerteza nos
resultados (duplo voto, etc.)
Representao
Proporcional
Representao
Maioritria
Sistemas
Mistos
MMP (RPMS) Paralelos
Fonte: elaborao do autor tendo em conta o patrimnio da sistemtica eleitoral
30
Pelo contrrio, no caso da democracia consensual/consociativa a
resposta pergunta sobre quem deve governar quanto mais gente
melhor. Ou seja, trata-se de sistemas polticos em que se pretende
no s representar elmente todas as tendncias polticas signicati-
vas no parlamento, mas tambm incorporar tanto quanto possvel as
minorias no processo de deciso ao nvel governamental. Tal feito
no s a partir da utilizao de regras proporcionais para a conver-
so de votos em mandatos parlamentares, implicando por isso me-
nos distores nestes processos (ou seja, bnus menos generosos ao
maior partido; menos penalizao das foras minoritrias), mas tam-
bm, posteriormente, na formao de governos de coligao (ou seja,
incorporando grandes maiorias e pequenos minorias partidos
no processo de deciso parlamentar). Isto estimula, e exige, natural-
mente, uma signicativa propenso para a cooperao entre os vrios
partidos/foras polticas pois s assim possvel ter governos de co-
ligao ou acordos de incidncia parlamentar (isto , juntando vrios
partidos). Nas democracias consensuais ou consociativas, portanto, a
poltica encarada como um jogo de soma positiva em que as maio-
rias e as minorias tm geralmente algum papel do ponto de vista dos
mecanismos de tomada de deciso ao nvel do governo central, ou pelo
menos nos processos de tomada de deciso ao nvel parlamentar. A
maior incorporao das minorias no processo de deciso e, portanto,
uma democracia mais inclusiva est geralmente associada um maior
nvel mdio de satisfao dos cidados com a performance do regime
democrtico (Lijphart, 1999) e, sobretudo, a uma menor distncia no
nvel de satisfao entre os vencedores (que votaram no partido que
est no poder), mais satisfeitos, e os vencidos (que votaram nos par-
tidos que esto na oposio), menos satisfeitos (Anderson e Guillory,
1997). Alm disso, como h uma maior representao das minorias e,
portanto, um menor risco de autoritarismo da maioria no exerccio do
poder h tambm, em regra, um menor nvel de conitualidade social
e um maior de controlo da violncia (Lijhart, 1999)
3
.
3
Ver Tabela 1
31
H naturalmente alguns trade-offs/desvantagens que esto muitas
vezes associados representao proporcional e democracia con-
sensual. Em primeiro lugar, haver uma menor durao mdia dos
governos e, portanto, uma menor estabilidade do poder executivo.
Como bem chama a ateno Lipjhart (1999-2000) h que, porm, dis-
tinguir, em primeiro lugar, entre estabilidade do governo e estabilida-
de do regime e, em segundo lugar, h que ter em conta que algumas
das mais bem sucedidas democracias do centro e norte da Europa (na
Escandinvia, no Benelux, no centro da Europa, etc.) duram h muito,
mesmo muito tempo, apesar de uma eventual menor performance do
ponto de vista da durao mdia dos governos.
Alm disso, h alguns remdios para aumentar a estabilidade do
governo sem beliscar a proporcionalidade: duas delas, que propusemos
no estudo recente sobre a reforma eleitoral (Freire, Meirinho e Moreira,
2008) so a moo de censura construtiva, para responsabilizar as opo-
sies na queda dos governos (s podendo derrub-los se tiverem um
governo alternativo para propor), e o reforo dos incentivos coopera-
o entre os partidos (apparentement), muito escassa entre os partidos
da ala esquerda do espectro ideolgico portugus. Alm disso, conforme
props Jorge Reis Novais no debate sobre o estudo (Freire, Meirinho e
Moreira, 2008) que teve lugar na Assembleia da Repblica (4/12/2008),
poderia ainda reforar-se o poder dos governos minoritrios dando-lhes
a possibilidade de converter em moes de conana (s derrubveis se
a oposio tivesse um governo alternativo para propor, tal como no caso
da moo de censura construtiva) certas peas centrais da governao
(o oramento de estado, por exemplo, e, eventualmente, mais algumas,
poucas, peas legislativas fundamentais)
4
.

4
Na verdade, j no nosso estudo reectimos sobre uma medida deste tipo, embora no tenhamos
formulado uma proposta concreta neste sentido. Fizemo-lo na linha de Arend Lijphart (2006: 49-
50), o qual prope que, alm da moo de censura construtiva, e para se evitarem eventuais blo-
queamentos na actuao dos governos, sobretudo no caso de governos minoritrios, se possam
converter as suas propostas legislativas do executivo (e/ou maioria parlamentar) em moes de
conana (tal como possvel na V Repblica Francesa). O politlogo holands adverte, porm,
que a conjugao destas duas medidas (a moo de censura construtiva e esta outra soluo) no
foi ainda tentada em nenhum pas. Demos conta desta ideia no nosso estudo sobre a reforma do sis-
32
Claro que se a regra so os governos de coligao, geralmente resul-
tantes de negociaes entre os partidos, a identicao das alternati-
vas de governo pelos eleitores menos clara, assim como mais difcil
responsabilizar os partidos quando h vrios a ter responsabilidade
no governo (Anderson, 2000; Freire e Lobo, 2005). Adicionalmente, o
peso das minorias pode tornar-se excessivo e at bloquear o processo
de deciso, seja ao nvel do governo (onde os pequenos partidos tm
geralmente um peso superior ao seu mero peso eleitoral), seja ao nvel
do parlamento, nomeadamente e muito especialmente em matrias
que exijam maiorias alargadas. Mas a lentido do processo decisrio
muitas vezes o preo a pagar pela incorporao das minorias e, alm
disso, isso pode at trazer vantagens: medidas mais discutidas e con-
sensualizadas podem ter mais apoio social e durar mais no tempo.
Os sistemas mistos ou os sistemas proporcionais de segmentos ml-
tiplos (RPMS) no acrescentam muito nesta matria, ora se aproximan-
do mais dos regimes proporcionais (sistemas mistos alem; sistemas
RPMS), ora se aproximando mais dos sistemas maioritrios (sistemas
mistos paralelos), embora permitindo uma maior representao das mi-
norias do que os sistemas maioritrios puros (Massicotte e Blais, 1999;
Shugart e Wattenberg, 2000; Freire e Lopes, 2002; Freire, Meirinho e
Moreira, 2008). Em qualquer caso, estes sistemas introduzem sempre
uma complexidade acrescida nos sistemas eleitorais tornando-os me-
nos transparentes (em termos do seu funcionamento) para os eleitores.
No seu texto nesta revista, que alis reproduz integralmente as
posies que assumiu na Assembleia da Repblica no debate sobre o
estudo (4/12/2008), Vitalino Canas diz ter dvidas sobre vrios dos
pontos do nosso estudo, nomeadamente: Duvido que o estudo e a pro-
posta que faz garanta efectivamente a governabilidade. Pelo menos,
no acompanho os autores na perspectiva optimista em relao go-
vernabilidade em Portugal. Ao contrrio, creio que Portugal pode ter
tema eleitoral (Freire, Meirinho e Moreira, 2008: 39). Porm, foi a insistncia de Jorge Reis Novais,
no debate sobre o estudo na Assembleia da Repblica (4/12/2008), que nos fez pensar nela de
forma mais madura. Ao mesmo agradecemos a insistncia na ideia, a qual, manifestamente, nos
ajudou a pensar melhor o problema.
33
no futuro um srio problema de governabilidade, particularmente se
deixar de haver governos com a sustentao de uma maioria absoluta
na Assembleia da Repblica e, continua a alegar o autor, Isto porque
a expectativa da possibilidade de evoluo para uma democracia con-
sociativa em Portugal (como noutros pases do Sul da Europa e pa-
ses com um quadro partidrio semelhante ao nosso) quase to difcil
como a evoluo para uma democracia de Westminster. Hoje as coliga-
es em Portugal so mais difceis do que h uma ou duas dcadas.
Este comentrio merece-me vrias observaes. Primeiro, ns pro-
pomos vrias medidas para reforar a governabilidade sem beliscar a
proporcionalidade, embora pelo menos algumas delas exijam reviso
constitucional: moo de censura construtiva; extenso da lgica mo-
o da censura construtiva a algumas peas centrais da governao,
nomeadamente o oramento (o oramento construtivo como lhe
chama Antnio Jos Seguro neste nmero); incentivos cooperao
entre os partidos, isto , o apparentement. Estas medidas, ou pelo me-
nos algumas delas, recebem at o apoio do prprio Vitalino Canas,
bem como de Antnio Jos Seguro, de Conceio Pequito e de Paulo
Morais ver textos neste nmero
5
. Naturalmente, estas medidas no
garantem em absoluto a governabilidade, mas se fossem aplicadas
iriam muito provavelmente refor-la signicativamente.
Em segundo lugar, as propostas de reforma eleitoral (propriamente
ditas) contidas no estudo poderiam ser implementadas sem tais medi-
das, para no ser necessria reviso constitucional, mas a governabili-
dade caria mais enfraquecida. Porm, e at porque na XI Legislatura
5
No presente nmero da Eleies, Antnio Filipe discorda da moo de censura construtiva ale-
gando, nomeadamente, que ela iria limitar os poderes do Presidente da Repblica (PR). No sou
constitucionalista, nem sequer jurista, mas a priori parece-me que a moo de censura construtiva
limitaria sobretudo os poderes do parlamento na possibilidade de fazer cair governos, nomeada-
mente evitando coligaes negativas e incentivando uma maior responsabilidade das oposies.
De qualquer modo, mesmo admitindo que tal medida limite os poderes do PR, ser por uma boa
causa: reforar as condies de governabilidade do sistema poltico sem prejudicar com isso a re-
presentao dos pequenos partidos e, por isso, acho at curioso que Antnio Filipe, que deputado
de um pequeno partido (PCP) que poderia ser prejudicado por uma eventual compresso de pro-
porcionalidade, no veja com bons olhos tal medida.
34
(2009-?) a AR ter poderes de reviso constitucional, se est verdadei-
ramente empenhado em manter os nveis de proporcionalidade (que
alis fazem o pleno da esmagadora maioria dos deputados de todos
os partidos representados na AR na X Legislatura: Freire, Meirinho e
Moreira, 2009a), como rearma Alberto Martins no prefcio do nosso
estudo (e no temos razes para no levar a srio uma tal posio), o
PS poderia at fazer de medidas como estas (reforando a governabi-
lidade sem beliscar a proporcionalidade) a moeda de troca absoluta-
mente necessria para haver uma reforma do sistema eleitoral sem se
comprimir a proporcionalidade e reforando-se tambm, simultanea-
mente, as condies de governabilidade. Porque se no for assim, qual
realisticamente a alternativa? Porventura por limitao minha, s
vejo uma: baixar o limiar de votos para a obteno da maioria absoluta
de deputados (articial) de um s partido (dos actuais 45% dos votos
para 40% ou at menos?), mas tal implicaria necessariamente uma re-
duo da representao dos pequenos partidos, logo uma compresso
da proporcionalidade. Como alego abaixo, nomeadamente na prxima
seco deste artigo, tal indesejvel por variadssimos motivos.
Em terceiro lugar, os problemas de governabilidade existem sobre-
tudo esquerda, e praticamente no se colocam direita, mas eles so
de ndole poltica e no institucional. Ou seja, resultam de uma di-
culdade de entendimentos entre as esquerdas e, pelo contrrio, no
derivam de termos um sistema eleitoral excessivamente proporcional
(pelo contrrio o nvel de desproporcionalidade est acima da mdia
dos regimes proporcionais europeus na UE27+3, como evidenciamos
no estudo) ou de termos um sistema partidrio excessivamente frag-
mentado (pelo contrrio, a concentrao do voto nos dois maiores par-
tidos assemelha o nosso sistema partidrio ao das democracias de tipo
Westminster, como tambm evidenciamos no estudo). A direita por-
tuguesa j mostrou que capaz de entender-se: por exemplo, a ltima
coligao PSD-CDS foi extremamente coesa, numa conjuntura parti-
cularmente difcil (crise econmica, necessidade de corrigir o dce
num prazo muito curto, investigaes no caso Moderna que indirecta-
mente poderiam implicar o lder do CDS, etc.), e o seu colapso resultou
apenas da aco presidencial.
35
O problema que o PS no se consegue entender com a esquerda
radical ao contrrio do que se passa com os seus congneres socia-
listas e sociais-democratas na s na Europa do Sul (nomeadamente
em Espanha, Frana, Itlia e Chipre) mas tambm na Escandinvia e
em vrios outros pases europeus (Arter, 2006; March, 2008; Freire,
2009b) um facto claro e, curiosamente, mais facilmente reconhecido
por Pedro Pestana Bastos, do CDS-PP, do que pelas dirigentes das for-
as de esquerda que aceitaram comentar o nosso estudo. Porm, se
verdade que h alguma responsabilidade da esquerda radical nesta fal-
ta de entendimento, seja por causa do forte grau de ortodoxia do PCP,
seja, sobretudo, pela fraca propenso ao compromisso e assuno de
responsabilidades governativas pelo BE e pelo PCP, o PS precisa tam-
bm de assumir as suas responsabilidades neste domnio. Recorde-se
que, em 2004, vrios altos responsveis do partido (que ento apoia-
ram a candidatura de Alegre liderana) defendiam que, em caso de
vitria com maioria relativa, o PS deveria tentar entender-se com os
partidos sua esquerda. O que mudou desde ento? Para bem e para o
mal, a esquerda radical continua igual a si prpria Alm disso, vrios
estudos demonstram que, na Europa, o PS um dos partidos menos ali-
nhados esquerda da famlia socialista/
social-democrata (Freire, 2006 e 2009b).
Portanto, para uma aproximao entre
as esquerdas o PS precisa, primeiro, de
reconhecer o seu forte centrismo ideo-
lgico e, segundo, precisa de reconhecer
que necessita de ceder signicativamen-
te nesse centrismo para tornar possvel
uma aproximao esquerda radical. As
democracias consociativas e as coliga-
es que usualmente lhes esto associa-
das, e que os portugueses actualmente
parecem preferir s maiorias absolutas (Freire, Meirinho e Moreira,
2009a), exigem tais compromissos, de todas as partes. Neste domnio,
as responsabilidades so de todos. Porm, Pedro Soares no seu texto
desta revista que aqui cito, parece colocar as responsabilidades de uma
________
O sistema eleitoral
portugus no
gera problemas de
governabilidade:
a proporcionalidade
est abaixo da mdia;
o sistema partidrio
no fragmentado,
antes pelo contrrio
________
36
eventual aproximao de um s lado: Na verdade, o bloqueamento
hegemnico em que o bloco central quis transformar a vida polti-
ca portuguesa no alimenta qualquer esperana quanto a coligaes.
Quem que est disponvel para uma aliana com os antpodas do seu
programa eleitoral? Na verdade, na minha perspectiva, as cedncias
tero de ser mtuas, naturalmente, mas porventura maiores da parte
dos pequenos (BE e/ou PCP) do que dos grandes (PS) por uma razo
simples: a fora dos nmeros, que um elemento crucial numa qual-
quer democracia, implica que os grandes tenham um papel mais im-
portante do que os pequenos num acordo parlamentar ou coligao.
Alm de que uma comparao recente entre o posicionamento ideo-
lgico e as preferncias em matria de polticas pblicas de eleitores e
eleitos (deputados), com base em dois inquritos realizados em 2008,
revelaram que nos partidos esquerda do PS que existe o maior des-
fasamento entre representados e representantes, com os segundos bas-
tante mais esquerda do que os primeiros (comparando cada grupo
parlamentar com os votantes/simpatizantes de cada partido) (Freire e
Belchior, 2009). De qualquer modo, importante sublinhar duas coi-
sas. Primeiro, preciso resolver o desequilbrio no sistema partidrio
portugus (entre as direitas que conseguem entender-se e as esquer-
das que no o conseguem fazer), no s porque essa uma maneira
de aumentar a clareza das alternativas, logo a qualidade da democra-
cia, mas tambm para preservar o sistema proporcional e o modelo
constitucional consociativo: os compromissos poltico-partidrios so
parte fundamental para o funcionamento adequado destes sistemas.
Segundo, porque a falta de entendimento entre as esquerdas um pro-
blema que diz respeito fundamentalmente s elites e muito pouco aos
eleitores: os primeiros no se entendem, os segundos desejam sobre-
tudo uma tal convergncia (ver nomeadamente as sondagens citadas
no meu artigo do Pblico de 27/5/2009: O modelo constitucional, os
eleitores e os eleitos).
No seu texto nesta revista, Antnio Jos Seguro diz-nos ainda que
discorda da nossa denio de governabilidade (Freire, Meirinho e
Moreira, 2008): as condies para a formao e manuteno de go-
vernos apoiados por maiorias parlamentares absolutas. Note-se que
37
tanto podem ser maiorias absolutas de um s partido como de vrios,
isto , resultantes de governos de coligao formal ou informal (acor-
dos de incidncia parlamentar). A sua discordncia, diz-nos o autor,
resulta de que, levada letra, aquela nossa denio excluiria os go-
vernos minoritrios que tivemos desde 1995 do arco da governabili-
dade, nomeadamente o de 1995-1999 (Guterres I) que alis cumpriu
integralmente a legislatura e, por isso, foi bastante estvel do ponto
de vista da governabilidade. Tem razo Antnio Jos Seguro: pessoal-
mente, vejo agora que no fomos sucientemente precisos na deni-
o de governabilidade. O que queramos dizer, no fundo, que, pelo
menos de um ponto de vista terico, h um contnuo de estabilidade
governativa mais ou menos provvel. Tal contnuo vai de um mximo
(maiorias absolutas monopartidrias) a um mnimo (governo minori-
trios), passando por situaes intermdias (maiorias absolutas com
base pluripartidria: governos de coligao ou apoiados em acordos
de incidncia parlamentar). Tal no signica negar que possam existir
alguns governos minoritrios (uma frmula muito comum nalguns pa-
ses como a Dinamarca: Arter, 2006) que cumpram a legislatura e que,
portanto, se revelem bastante estveis (como o governo Guterres I).
Alm de que, em democracia, nem sempre as legislaturas so integral-
mente cumpridas (isto , a estabilidade do poder executivo no total)
e isso no signica necessariamente um perigo para a estabilidade do
regime democrtico como prova a enorme longevidade das democra-
cias consociativas do Norte da Europa (Lijphart, 1999). Ou seja, como
j dissemos, h que diferenciar entre a estabilidade do governo (que
do que estamos a falar) e a estabilidade do regime democrtico: a pri-
meira pode no ser total sem pr em causa a segunda; pelo contrrio,
absolutizar a primeira pode pr em causa a segunda. Mas aquilo que
achamos que as probabilidades de boas condies de governabilida-
de com um governo minoritrio so mais reduzidas (do que no caso
de uma maioria absoluta, mono ou pluripartidria) e, por isso mesmo,
recomendamos algumas medidas (moo de censura construtiva, or-
amento construtivo, etc.), com as quais alis Seguro diz concordar,
que poderiam reforar a estabilidade governativa, nomeadamente de
executivos minoritrios.
38
Tambm Pedro Pestana Bastos converge com a posio dos autores
do estudo em matria de governabilidade, sublinhando nomeadamente
as diferenas entre o perodo anterior e posterior a 1987: No devemos
esquecer que h mais de 20 anos que o Parlamento no aprova uma mo-
o de censura ou responsvel pela queda de um Governo, sendo que
as nicas duas vezes que nos ltimos 20 anos um Governo no chegou
ao m da legislatura, tal deveu-se ou a iniciativa do Primeiro Ministro
(caso da demisso do Eng Guterres) ou a iniciativa do PR (caso de dis-
soluo da AR pelo Presidente Sampaio por problemas com o Governo
de Santana Lopes). Podemos concluir assim que o actual sistema provou
neste aspecto, e que passa com distino no teste da Governabilidade.
E mais frente acrescenta: Parece-nos claro que as causas (dos pro-
blemas de governabilidade que ainda permanecem em Portugal) esto
na diculdade em, 35 anos aps a revoluo, os partidos da esquerda
se entenderem em solues governativas. Este fenmeno leva a que
esquerda as solues embora mais difceis de atingir sero tendencial-
mente de um s partido sendo que direita a situao a inversa. Esta
realidade leva a que na verdade seja mais fcil encontrar solues con-
sociativas direita. Num futuro que prevejo prximo tal fraqueza do
sistema poder ser superada. Na verdade, aos poucos percebe-se que as
condies para que PS e BE protagonizem uma soluo consociativa se
vo reunindo. Com certeza no ser com Jos Scrates frente do PS
mas hoje a perspectiva de uma soluo de incidncia parlamentar PS-
BE no parece j impossvel o que poder equilibrar o sistema.
3.
Proporcionalidade
O
s sistemas proporcionais apresentam geralmente
como uma das suas principais vantagens o facto de
proporcionarem uma representao mais justa das
vrias tendncias polticas (isto , nem penalizando
excessivamente os pequenos, nem dando bnus mui-
39
to generosos aos grandes, sempre na converso de votos em mandatos,
embora, como bem sabido, existam sempre, em qualquer sistema elei-
toral, algumas distores deste gnero: Rae, 1969). Isto no s permite
uma maior incorporao das minorias no sistema poltico e no processo
de tomada deciso, legitimando (mas tambm naturalmente atrasando)
mais as decises e amortizando os conitos, bem como tornando o sis-
tema mais permevel entrada de novas foras polticas (que quando
surgem so geralmente pequenas) e, portanto, fornecendo aos sistemas
parlamentares uma maior capacidade para incorporarem a inovao so-
cial e poltica. Alm disso, como as vrias foras polticas signicativas
so tratadas de forma relativamente justa, quem simpatiza com e vota
nos pequenos partidos no v o seu voto desperdiado (ou, em alterna-
tiva, no obrigado ao voto til), logo h menos votos perdidos.
Na Tabela 2 apresenta-se um resumo das questes respeitantes
proporcionalidade.
Tabela 2
Sistemas eleitorais e proporcionalidade: objectivos, solues,
efeitos e trade-offs necessrios

Representao
mais el das vrias
tendncias;
Oportunidade
para novas foras
Trade-off:
Maior Participao
Maior
Incorporao
Favorecimento
do vencedor;
Forte penalizao
dos partidos mais
pequenos
Trade-off:
Menor Participao
Menor
Incorporao
Representao
Proporcional
Representao
Maioritria
Sistemas
Mistos
Idntico a RP
Trade-off:
Mix ideal, mas
depende dos
vrios elementos
RM Mitigada
Trade-off:
Mix, resultado
nal ainda
depende mais dos
vrios elementos
MMP (RPMS) Paralelos
Fonte: elaborao do autor tendo em conta o patrimnio da sistemtica eleitoral
40
Tudo isso est por detrs do diferencial de participao eleitoral, fa-
vorvel aos sistemas proporcionais e desfavorvel aos sistemas maiori-
trios: h abundante evidncia emprica de que as pessoas participam
mais (votam mais, etc.) nos primeiros sistemas do que nos segundos
(Jackman, 1987, 1995; Lijphart, 1999; Franklin, 2002; Meirinho, 2004;
Wessels e Schmitt, 2008). Mas o nvel de proporcionalidade do sis-
tema eleitoral est tambm associado a uma maior clareza das alter-
nativas polticas propostas pelos partidos aos eleitores (isto , a uma
maior polarizao ideolgica): como h lugar representao de v-
rios partidos (e no apenas dos dois maiores), logo das maiorias e das
minorias ideolgicas, a competio no se centra exclusivamente no
eleitor mediano. Ou seja, a competio poltica no se faz exclusiva-
mente centrada no eleitorado central e tal padro de competio esti-
mula a diferenciao ideolgica entre os partidos. E, por essa via indi-
recta do aumento da clareza das alternativas, podemos dizer tambm
que os regimes proporcionais aumentam a qualidade da democracia:
estimulam a participao eleitoral (Wessels e Schmitt, 2008), aumen-
tam os nveis de identicao dos eleitores com os partidos polticos
(Schmitt, 2009; Eneyedi e Todosijevic, 2009) e aumentam o grau em
que o voto cidado est ancorado em preferncias em matria de pol-
ticas pblicas/temas/orientaes valorativas (Freire, 2009a).
Pelo contrrio, os sistemas maioritrios esto geralmente associados
a uma representao menos justa (isto , a maiores bnus ao partido
vencedor e a maiores penalizaes dos pequenos partidos), a menores
oportunidades dadas s novas foras polticas, logo a uma menor ca-
pacidade de o sistema parlamentar incorporar a inovao social e po-
ltica. Portanto, os sistemas maioritrios esto geralmente associados
a mais votos desperdiados (quando depositados nos pequenos parti-
dos) e a uma concentrao articial do voto nos dois maiores partidos
(pois so os nicos que, em regra, tem mais possibilidades de obter
representao parlamentar, exceptuando as minorias territorialmente
concentradas). Como vimos, o aumento dos votos desperdiados e a
menor incorporao das minorias no sistema poltico leva geralmente
a uma menor participao dos cidados (eleitoral, etc.). Alm disso,
pelo bipartidarismo articial que induzem, estes sistemas estimulam
41
uma competio quase exclusivamente centrada no eleitor mediano e,
portanto, aumentam a probabilidade de uma indiferenciao ideolgi-
ca (entre os dois grandes) e, por essa via, aumentam tambm as pro-
babilidades de um menor nvel de participao poltica, de menores
nveis agregados de identicao com os partidos e de um voto menos
ancorado nas preferncias em matria de polticas pblicas. Em suma,
a eventual ecincia e rapidez no processo decisrio, usualmente as-
sociada aos governos de um s partido, pode redundar num abaixa-
mento da qualidade da democracia.
Claro que um nvel excessivo de proporcionalidade pode levar in-
governabilidade, captura dos sistemas de governo pelas minorias,
perda de ecincia e de eccia no processo de governao, etc. Porm,
nem Portugal tem um nvel de proporcionalidade excessivo, nem tem
um sistema partidrio fragmentado: pelo contrrio, sobretudo desde
1987 e pelo menos at 2005, Portugal tem um nvel de proporcionali-
dade abaixo da mdia dos sistemas eleitorais proporcionais europeus
(UE27 + 3) e um sistema partidrio muito concentrado nos dois maio-
res partidos
6
(tambm muito pouco diferenciados ideologicamente en-
tre si). Um formato do sistema partidrio que , alis, mais semelhante
aos dos sistemas de partidos das democracias maioritrias do que aos
das democracias consensuais (Freire, Meirinho, Moreira, 2008). Alm
disso, embora no perodo 1975-1987 tenhamos tido uma grande insta-
bilidade dos governos, de 1987 para c temos tido um nvel de estabi-
lidade governativa convergente com os padres europeus mais usuais.
Mais, como dissemos atrs, os partidos de direita j demonstraram que
so capazes de se entender para governar em coligao, os partidos de
esquerda que no. Porm, o problema de governabilidade esquerda
no um problema institucional, isto , no resulta de termos um sis-
tema eleitoral demasiado proporcional e/ou um sistema partidrio de-
masiado fragmentado. No, o problema de governabilidade esquerda
sobretudo um problema poltico, com responsabilidades repartidas
6
As eleies europeias de 2009 indicam um aumento muito signicativo do nmero efectivo de
partidos eleitorais, isto , do nmero de partidos em competio ponderado pelo respectivo peso
eleitoral.
42
entre os vrios intervenientes (PS, BE e PCP/CDU), que, por isso mes-
mo, no deve, na minha perspectiva ser resolvido com uma compresso
da proporcionalidade, at por causa dos impactos negativos que pro-
vavelmente teria na participao, na clareza das alternativas polticas,
no nvel de identicao com os partidos, etc. Alis, recorde-se mais
uma vez que, em 2004, nas primrias do PS para a escolha do lder,
uma boa parte da elite dirigente que apoiou Manuel Alegre alegava
que deviam tentar construir solues de governo (plural) esquerda,
em caso de no terem maioria absoluta, para que a governabilidade e
a estabilidade no fossem um exclusivo da direita.
De qualquer modo, no estudo que coordenei (Freire, Meirinho e
Moreira, 2008), conforme pode comprovar-se lendo as palavras do l-
der parlamentar do PS, Dr. Alberto Martins, vertidas no prefcio, aqui-
lo que nos foi pedido foi que mantivssemos os nveis de proporciona-
lidade e de governabilidade e crissemos condies para um aumento
da qualidade da representao. Condies nas quais nos revamos in-
teiramente, no s pelo que cou dito atrs, mas pelo conhecimento
anterior que tnhamos da matria e, tambm, pela abundante evidn-
cia comparativa coligida no trabalho.
Apesar de o estudo ter sido elogiado por todos os comentadores
pela sua qualidade e flego comparativo, tambm recebemos vrias
crticas. Estamos habituados a isso na academia e convivemos bem
com o facto. Alis, penso at que, muitas vezes, as crticas nos ajudam
a melhorar o nosso trabalho ( sempre assim quando submeto arti-
gos para publicao em revistas acadmicas nacionais e internacionais
com referee annimo). Todavia, muitas das crticas que recebemos (so-
bre este estudo) questionavam os pressupostos, e portanto contesta-
vam aquilo que acordmos como o Grupo Parlamentar do PS. Mais,
por isso mesmo, vinham pr em causa o diagnstico da situao (acer-
ca do funcionamento do sistema eleitoral, de partidos e de governo)
que antes estava relativamente consensualizado entre a academia e a
classe poltica. Nomeadamente, alguns desses crticos vieram agora
propor agora a ideia de que o Portugal tem problemas de governabili-
dade (Lobo, 2008; Moreira, 2008a) e que, portanto, no limite a propor-
cionalidade deve ser comprimida para se aumentar a governabilidade
43
(embora este corolrio bvio da primeira tese no fosse claramente
assumido). E ainda a ideia de que a personalizao do voto (isto , a
criao de condies institucionais mais favorveis a uma maior liga-
o entre eleitores e eleitos) no assim to necessria, pelo menos se
for preciso assumir o seu necessrio trafe-off nomeadamente em ter-
mos de alguma reduo da submisso dos deputados face s direces
partidrias e, portanto, assumir alguma reduo da disciplina de voto
(Lobo, 2008; Moreira, 2008b). Conceio Pequito, nesta revista, alega
tambm que o voto preferencial poderia resultar nalguma quebra da
disciplina de voto. verdade. Mas, conforme explicaremos a seguir,
tal um trade-off que preciso assumir se queremos ter deputados
que pensam um pouco mais em responder s demandas dos seus elei-
tores e um pouco menos em agradecer s lideranas partidrias: este
que o problema central do sistema eleitoral portugus, do nosso
ponto de vista. Alis, para atingir este desiderato (mudar o sistema no
sentido de criar condies institucionais mais favorveis a uma maior
proximidade entre eleitores e eleitos), Conceio Pequito recomenda
a adopo de primrias intra-partidrias para a escolha dos candidatos
s legislativas. Estou de acordo, mas, tendo em conta o excessivo grau
de disciplina dos militantes (em torno da gura do lder) nos partidos
portugueses (o PS entre 2005 e 2009 isto foi levado exausto), penso
que deveriam ser primrias abertas aos simpatizantes do partido e no
apenas aos eleitores: para o partido car mais sintonizado com o pul-
sar da sociedade. De qualquer modo, tambm as primrias (abertas ou
fechadas) implicariam alguma quebra da disciplina de voto.
Mas as crticas mais graves (porque desajustadas) foram algumas
leituras do trabalho que ou relevam uma leitura apressada, ou revelam
um ostensivo desprezo pela evidncia emprica coligida no mbito do
mesmo. Nomeadamente, Vital Moreira (2008a), Marina Costa Lobo
(2008) e Manuel Braga da Cruz (no debate no Parlamento a 4/12/08)
alegaram que, primeiro, que tnhamos descurado a questo da gover-
nabilidade e, segundo, que com a nossa proposta iramos aumentar
brutalmente a proporcionalidade por causa da existncia de um cr-
culo nacional muito grande (entre 89 e 109 lugares, nas solues mais
recomendadas; 99 para a soluo ptima) (Moreira, 2008a).
44
Quanto a termos descurado a questo da governabilidade, rejeito
em absoluto tal acusao. Primeiro, porque no s procurmos manter
to integralmente quanto possvel o status quo em termos de bnus ao
maior partido e de proporcionalidade geral do sistema, como inclusive
aumentmos ligeiramente tal bnus (tanto quanto possvel estimar
com as simulaes que possvel fazer a priori: as simulaes dos efeitos
mecnicos) (Freire, Meirinho e Moreira, 2008: 157-177, especialmente
o quadro resumo em 177). Segundo, porque o que ns achamos, nome-
adamente eu, que a governabilidade no s no deve ser conseguida
custa da proporcionalidade (que no demasiado elevada em termos
comparativos, antes pelo contrrio, e isso est comprovado exausto
no trabalho), como pode ser conseguida por outros meios: moo de
censura construtiva, incentivos cooperao entre os partidos atravs
do apparentement, converso de algumas leis fundamentais em moes
de conana s rejeitveis atravs da apresentao de alternativas de go-
verno. Terceiro, porque muito provavelmente o que nos divide, mas nun-
ca foi explicitamente assumido quer por Marina Costa Lobo, quer por
Vital Moreira, (mas foi-o por Manuel Braga da Cruz, com louvvel clare-
za, sublinhe-se), precisamente este ltimo ponto. Ou seja, o corolrio
das crticas destes colegas que se deve comprimir a proporcionalidade
para conseguir uma suposta falta de governabilidade do sistema actual,
nomeadamente aumentando o bnus dado ao partido vencedor e pena-
lizado os pequenos partidos, na converso de votos em mandatos. Pena
que, exceptuando Braga da Cruz, o qual defendeu na AR (4/12/08) uma
inexo maioritria (props at que se retirasse o sistema proporcional
da Constituio), no o tenham claramente assumido.
Em matria de proporcionalidade, tambm cumprimos integralmen-
te o que nos foi pedido. Isto , as solues encontradas foram todas simu-
ladas (com os resultados eleitorais anteriores: 1975-2005), comeando
com um crculo nacional de 49 e at 109, e as solues ptimas que re-
comendamos apontam para um crculo de 89 a 99 lugares, preferencial-
mente a ltima soluo. Porm, de acordo com as estimativas possveis,
no s no aumentaramos a proporcionalidade como a diminuiramos
um pouco (porque isto no pode ser feito a rgua e esquadro). Todas
as estimativas davam um ligeiro aumento do bnus ao vencedor e um
45
ligeiro aumento do nvel de desproporcionalidade (Freire, Meirinho e
Moreira, 2008: 157-177, especialmente o quadro resumo em 177).
Alm disso, a ideia de que um crculo muito grande aumentaria mui-
to a proporcionalidade uma ideia h muito falsicada por Douglas
Rae (1969, pp. 116-117). Ou seja, o aumento da proporcionalidade com
o aumento da magnitude dos crculos (M) curvilinear
7
e a partir de
M = 20 tende para zero, isto , praticamente no cresce (ver Rae, 1969,
pp. 116-117: texto e grco apresentados pelo autor). E, a par disso,
preciso ter presente que, primeiro, no sistema actual temos vrios cr-
culos grandes (com M > 20, ou uma magnitude muito semelhante a
20)
8
e, segundo, que os crculos distritais que propomos so, em regra,
muito pequenos (logo geram a uma grande compresso da proporcio-
nalidade: em 57% dos 229 lugares em disputa) at para se poder gerar
maior proximidade entre eleitores e eleitos e para se aplicar o voto
preferencial num s boletim de voto
9
. O que um crculo muito grande
faz baixar o limiar de entrada para os pequenos partidos e, por essa
7
Citemos o prprio Douglas Rae: A relao positiva entre a magnitude dos crculos e a proporcio-
nalidade curvilinear: conforme aumenta a magnitude dos crculos, a proporcionalidade aumenta
a uma taxa decrescente (Rae, 1969, pp. 116-117).
8
Contando Lisboa (M=48) e Porto (M=38), temos hoje 37% dos lugares atribudos em crculos com
uma proporcionalidade praticamente igual a M=99; isto para no falar de Braga, M=18, e de Setbal,
M=17. Passaramos a ter 43% dos lugares (99/229) nestas condies (e no 50%, como alegou Vital
Moreira, 2008a). Alm disso, note-se que nenhum dos outros crculos (de base distrital/regional)
teria mais de 10 lugares na nossa proposta, tendo geralmente entre 4 e 8 lugares.
9
Vitalino Canas (no artigo deste revista) alega que o apparentement seria sobretudo benco para os
pequenos partidos. verdade, mas apenas parcialmente. Para os pequenos partidos poderem bene-
ciar seria necessrio que eles se disponibilizassem a cooperar com os grandes. Portanto, o benefcio
seria tambm sistmico, por via dos incentivos cooperao (to escassa entre os partidos de es-
querda), e no apenas para os pequenos partidos. E porqu? Porque na maioria (se no mesmo na
totalidade) dos crculos distritais que propnhamos (4 a 8-10 lugares) os partidos pequenos teriam
muita diculdade em eleger deputados. A no ser que se aparentassem com um dos grandes (note-
se que o apparentement era s proposto para o nvel distrital e exigia a publicitao prvia do facto
na CNE e nos mass media), e que o divulgassem publicamente sinalizando assim a sua disponibili-
dade para cooperarem. O CDS-PP facilmente faria tais aparentamentos com o PSD e, por isso, as
esquerdas poderiam car numa situao mais difcil se no zessem o mesmo... No garantido que
funcionasse, bem entendido, mas era com certeza um incentivo institucional cooperao interpar-
tidria com potenciais benefcios sistmicos e no apenas para os pequenos partidos.
46
via, poder gerar mais fragmentao, sim. Porm, ao estimarmos os
resultados vericmos que s antes de 1987 (com menos concentrao
do voto) entraria mais 1 ou 2 micro partidos: mais dois lugares para
micro partidos em 1979 (um para cada: PDC e UDP); mais dois lugares
para micro partidos em 1980 (um para cada: PSR e POUS); mais um lu-
gar para a UDP em 1985 e em 1987 (Freire, Meirinho e Moreira, 2008:
111). Ou seja, com o padro de competio actual nada se alteraria;
com uma competio mais fragmentada (tal como tivemos at 1987) o
incremento de fragmentao seria mnimo. cautela propomos uma
clusula barreira de 1,5%, a barreira efectiva actual em Lisboa (o maior
crculo actual), que inicialmente no pretendamos fosse necessria
10, 11
.
Os dados esto disponveis no CIES-ISCTE (e estavam nos anexos do
trabalho entregues ao Grupo Parlamentar Socialista) para todos os que
os quiserem escrutinar, sempre o dissemos. Alm disso, fazer comen-
trios muito assertivos com base em leituras apressadas, ou, muito
pior, ignorar ostensivamente as simulaes dos efeitos mecnicos (as
nicas que possvel fazer a priori, sublinho!), no srio.
10
Note-se que no pretendamos, de incio, avanar com uma medida destas (a clusula barreira de 1,5%)
que exige reviso constitucional. At porque nos tinha sido pedido que evitssemos medidas que exi-
gissem uma reviso constitucional. Mais, tendo em conta as simulaes para o perodo 1991-2005, ela
nem sequer seria necessria. E, para todo o perodo (1976-2005), mesmo sem clusula barreira o for-
mato do sistema partidrio no se alteraria signicativamente: o que revelam as simulaes dos efei-
tos mecnicos. Portanto, trata-se apenas de uma precauo (!) e no de uma condio sine qua non da
reforma eleitoral que propomos, pelo menos tanto quanto possvel estimar a priori.
11
Sobre a nossa proposta de uma clusula barreira, Vitalino Canas (no texto desta revista) exprime
ainda as seguintes dvidas adicionais: Alis, a minha divergncia em relao clusula barreira
no resulta apenas de ser necessrio efectuar uma reviso constitucional para a consagrar. Tenho
tambm dvidas de natureza poltica e democrtica sobre o estabelecimento de uma clusula bar-
reira, mesmo que de limiar muito baixo (1,5%, por exemplo) (sublinhado nosso). Como pode ler-se
no nosso estudo, as clusulas barreiras so abundantemente usadas em sistemas proporcionais (na
Alemanha, na Escandinvia, na Europa de leste, etc.), nomeadamente em variadssimos pases euro-
peus cujos pergaminhos democrticos no oferecem qualquer dvida, e, sobretudo, cujos nveis de
proporcionalidade esto bastante acima dos padres portugueses. Por isso, espantoso que Vitalino
Canas tenha dvidas sobre o natureza poltica e democrtica sobre o estabelecimento de uma clu-
sula barreira. Alm disso, trata-se apenas de uma questo de transparncia que se for devidamente
explicada aos eleitores eles facilmente percebero: a magnitude dos crculos representa uma espcie
de clusula barreira efectiva e precisamente por isso que em muitos crculos do interior portu-
gus (ou os da emigrao) nem sequer se pode falar de uma proporcionalidade efectiva.
47
Pode dizer-se que o duplo voto junto com a dimenso do crculo nacio-
nal aumenta a margem de incerteza nos resultados, e verdade, o que no
se pode alegar que a soluo proposta iria aumentar a proporcionalidade
e diminuir a governabilidade. No verdade, pelo menos tanto quanto
possvel estimar a priori. O resto so intuies e especulaes. Mas, natural-
mente, preciso ser bastante cauteloso, de acordo. De qualquer modo, ns
testmos solues entre 49 e 109 lugares para o crculo nacional (Freire,
Meirinho e Moreira, 2008: 123-133 e 152-177). Por isso: esto l as vrias op-
es para o crculo nacional, para o caso de se querer ser (ainda) mais cau-
teloso Alis, no comentrio de Vitalino Canas, no debate do Parlamento
(4/12/08) e no seu artigo nesta revista, pode ver-se que ele prefere situar-se
numa soluo mais cautelosa (mas tambm potencialmente mais despro-
porcional porque alteraria signicativamente o status quo em termos do
rcio do nmero de lugares afectos aos crculos grandes versus aos crculos
pequenos ou mdios): um crculo nacional de 79 lugares.
Mais curiosa, porque revelia da proposta que o PS fez aps as vrias
crticas da academia ao voto singular inicialmente proposto (Projecto Lei
N. 17/IX, in Dirio da Repblica, II Srie-A-Nmero 5: 74-108), a rejeio
de Vitalino Canas do voto duplo, que propusemos, em favor do voto singu-
lar. Mas tambm uma soluo mais cautelosa, com certeza. Recorde-se,
porm, que esta soluo foi na altura muito criticada porque dicilmente
concilivel com a personalizao do voto nos crculos de base distrital/re-
gional (AA.VV., 1998). E exactamente por causa disso o PS, na verso nal
da sua proposta de lei (aps o debate), passou a adoptar o voto duplo.
4.
Qualidade da representao
P
ortugal tem um sistema de voto em lista fechada e blo-
queada, ou seja, os eleitores podem apenas votar no
partido da sua preferncia, mas no podem expressar
preferncias pelos deputados presentes na lista. Pelo
contrrio, ao porem uma cruz no partido em que preten-
48
dem votar aceitam necessariamente a ordenao da lista de candidatos
que foi feita pelo partido e, portanto, se um determinado partido tem
direito a, por exemplo, trs lugares num determinado crculo, ento
os trs eleitos sero os trs candidatos que esto no topo da lista, pela
respectiva ordem. Este sistema tem vrias vantagens, as quais pode-
ro ser especialmente preciosas numa nova democracia (como era a
nossa em 1975): primeiro, fortalecem os partidos polticos, secundari-
zando os candidatos; segundo, favorecem a disciplina de voto porque
os deputados sabem que a sua eleio depende mais da posio que a
direco do partido lhe assegurar nas listas do que do voto popular.
Porm, as desvantagens tambm so importantes: primeiro, os deputa-
dos preocupam-se menos em agradar aos eleitores do que s direces
partidrias e isso pode produzir um certo afastamento entre eleitores
e eleitos; segundo, a sacralizao da disciplina de voto pode implicar
uma completa anulao do papel do deputado (individualmente con-
siderado) na arena parlamentar.
H vrias formas, igualmente ecazes, de se criarem condies ins-
titucionais mais favorveis a uma maior proximidade entre eleitores e
eleitos (Curtice e Shively, 2003; Gallagher e Mitchell, 2008) ver um
resumo destas questes na Tabela 3. Uma delas so os crculos unino-
minais, estejam eles associados aos sistemas maioritrios (dois casos
na UE 27 + 3: Frana e Reino Unido) ou aos
sistemas mistos (cinco casos na UE 27 + 3, no
perodo 1970-2007). Outra soluo o cha-
mado voto preferencial, ou seja, os eleitores
votam numa lista mas -lhes permitido indi-
car o candidato, ou candidatos, nessa lista (ou
at em vrias listas: sistema de lista aberta/
panachage) que prefere. E so essas prefern-
cias que determinam a entrada dos candida-
tos, no a sua ordenao na lista determinada
pelo partido. Com solues deste tipo, h na Europa (entre 1970-2007)
dez casos com voto preferencial e um sistema de representao propor-
cional de um s segmento; dois sistemas com voto nico transfervel,
que podemos considerar uma espcie de voto preferencial, associados a
________
O voto em
lista fechada
e bloqueada hoje
um anacronismo
(portugus) no
contexto europeu
que urge superar
________
49
um sistema de representao proporcional de um s segmento (Malta e
Irlanda); e ainda treze casos com voto preferencial e um sistema de re-
presentao proporcional em mltiplos segmentos (RPMS). O voto em
lista fechada e bloqueada, como o portugus, largamente minoritrio
na Europa (apenas sete casos entre 1970 e 2007) (Freire, Meirinho e
Moreira, 2008: 40-41 e respectiva errata que acompanhava o livro).
Na proposta de reforma do sistema eleitoral aqui em debate, ns
propusemos um sistema RPMS, ou seja, com dois segmentos. Um seg-
mento secundrio (um crculo nacional de compensao com 99 luga-
Tabela 3
Sistemas eleitorais e qualidade da representao: objectivos,
solues, efeitos e trade-offs necessrios

Menores incentivos
representao local
Trade-off:
Maior disciplina
de voto
Centralismo
Partidos mais
coesos
Remdios:
Listas fechadas mas
no bloqueadas
(ou abertas)
Maiores incentivos
representao local
(sem pluralismo
local)
Trade-off:
Menor disciplina
de voto
Localismo
Clientelismo
Partidos menos
coesos
Remdios:
Representao
Proporcional
Representao
Maioritria
Sistemas
Mistos
Maiores incentivos
representao
local (com eventual
pluralismo local:
RPMS)
Trade-off:
Menor disciplina
de voto
Localismo
Clientelismo
Partidos menos
coesos
Maiores incentivos
representao local
(sem pluralismo
local)
Trade-off:
Menor disciplina
de voto
Localismo
Clientelismo
Partidos menos
coesos
MMP (RPMS) Paralelos
Exigir disciplina de voto nas questes de governabilidade e
de programa eleitoral; dessacralizar a disciplina de voto nas
restantes questes
Fonte: elaborao do autor tendo em conta o patrimnio da sistemtica eleitoral
50
res) e um segmento primrio (130 lugares em crculos de base distrital
ou regional) (Freire, Meirinho e Moreira, 2008). O segmento primrio,
com pequenos crculos, acompanhado tambm do voto preferencial
(facultativo), permitiria criar condies institucionais mais favor-
veis para uma maior proximidade entre eleitores e eleitos. Mas, por
os crculos distritais serem pequenos, o segmento primrio iria gerar
bastante desproporcionalidade: os pequenos partidos teriam a poucas
hipteses de ser eleitos. Da a necessidade de se compensar a propor-
cionalidade, que de acordo com os nossos testes seria conseguida com
um crculo de 89-99 lugares.
Foi alegado que o crculo nacional era demasiado grande/elegia de-
masiados deputados e que isso era contraditrio com a ideia de pro-
ximidade defendida na proposta (Marina Costa Lobo, no debate no
Parlamento; Vital Moreira, nesse debate e em 2008a). No h solues
perfeitas, obviamente, e esse ser com certeza um problema. Mas a
questo est sobrevalorizada: basta lembrar que o paradigma da repre-
sentao proporcional personalizada, o sistema alemo, tem cerca de
600 deputados no Bundestag e cerca de metade deles entram por um
crculo nacional nico (depois segmentado pelos Lnder).
Alm disso, no debate no parlamento, Marina Costa Lobo alegou ain-
da que alguns crculos de base distrital, como por exemplo o Alentejo
(agregao dos distritos de Beja, vora e Portalegre), eram demasiado
grandes e isso colocava em causa, mais uma vez, a ideia de proximida-
de defendida na proposta. Todavia, isto releva de uma confuso sobre o
que a dimenso/magnitude do crculo (e que corresponde ao nmero
de lugares em disputa: 6 no Alentejo, na nossa proposta; dicilmente se
pode considerar um crculo grande) e sobre o que est em causa na
questo da proximidade (no so as distncias geogrcas, que pode-
riam fazer sentido num pas como o Canad, mas no em Portugal),
a qual est sobretudo relacionada com o nmero de eleitores que cada
deputado deve representar, e no Alentejo h (muito) poucos eleitores...
Sobre o desenho dos crculos que propomos, vrios autores no
Parlamento (Vital Moreira), neste nmero da Eleies ou no debate
do ISCSP (Miguel Relvas, Antnio Jos Seguro e Pedro Pestana Bastos),
apontaram ou a falta de adequao do desenho de alguns crculos reali-
51
dade sociocultural subjacente ou sugeriram a desejabilidade de associar
um qualquer novo desenho de crculos a eventuais novas regies admi-
nistrativas (uma futura regionalizao). Admitimos que deste ponto de
vista as solues propostas possam no ser perfeitas e, at, que possa
haver (no caso da partio de certos crculos grandes) alguma falta de
adequao do desenho de alguns crculos realidade sociocultural sub-
jacente. Pela nossa parte, tentmos sobretudo que, primeiro, a realidade
distrital fosse sempre respeitada como matriz de base em todos casos
(para agregaes e desagregaes) e, segundo, que os novos desenhos
fossem neutros do ponto de vista da competio partidria. Isto foi con-
seguido e parece-me desejvel. J esperar pela regionalizao para fazer
a reforma do sistema eleitoral introduzir maior diculdade em realizar
esta ltima, eventualmente atirando-a para as calendas gregas
Face soluo dos crculos uninominais, que alis nos foi pedi-
do desconsiderssemos (desconsiderao essa em que tambm nos
revemos), a opo por pequenos crculos plurinominais tem vrias
vantagens: preserva o pluralismo (impossvel em crculos de um s
lugar); permite mais facilmente a representao descritiva/das mi-
norias (mulheres, grupos tnicos, classes desfavorecidas, etc.) (Rule
e Zimmerman, 1994); no implica um redesenho regular dos crculos
para acomodar variaes demogrcas; d menos proeminncia rela-
tiva aos candidatos face aos partidos (ver uma sistematizao destes
pontos em Freire, Meirinho e Moreira, 2008: 1-10).
Sobre os provveis efeitos prticos dos crculos uninominais, vale a
pena citar Pedro Soares no seu texto desta revista: Quem conhece a rea-
lidade da confrontao poltica, percebe de imediato que o efeito prtico
da criao dos crculos uninominais seria o do crescimento da bipolari-
zao no debate e do bipartidarismo na representao. Ou seja, os bene-
cirios directos seriam PS e PSD e, no menos provvel, a promoo de
uma nova vaga de caciquismo local e regional. E, mais adiante, diz-nos
ainda Pedro Soares: Finalmente, no queramos deixar de assinalar que
o PS no se mostrou disponvel, at ao momento, para assumir as propos-
tas do trabalho elaborado por Freire, Meirinho e Moreira, que teria sido
encomendado pelo prprio grupo parlamentar do PS para fundamentar
um novo projecto de lei eleitoral a apresentar Assembleia da Repblica.
52
A destruio dos mitos sempre dolorosa para quem os alimentou.
verdade que o PS, ou sequer o Grupo Parlamentar do PS (GPPS), no to-
maram qualquer posio ocial sobre o estudo que nos encomendaram.
Na verdade no tinham de o fazer: trata-se de um estudo acadmico
para sustentar uma eventual proposta de reforma poltica, mas esta ser
sempre uma proposta de ndole poltico e no tcnico, como o nosso
estudo. No escondo, porm, que gostaria de ter visto o nosso estudo
algo mais debatido, com mais profundidade, rigor e fairness (designa-
damente tendo em conta os objectivos que nos propnhamos atingir,
acordados com o GPPS, as solues que usmos para os atingir e os da-
dos que ancoram empiricamente as solues e a sua justa adequao
aos objectivos denidos), nomeadamente no seio do partido e do grupo
parlamentar. De qualquer modo, uma coisa parece-me certa: o PS pa-
rece ter abandonado denitivamente o projecto dos crculos uninomi-
nais. Primeiro, porque nos foi pedido pelo GPPS, nomeadamente pelo
Dr. Alberto Martins, para que desconsiderssemos tal soluo, como j
disse atrs. Segundo, porque no seu manifesto eleitoral para 2009 a re-
jeio dos crculos uninominais um dos posicionamentos porventura
mais claros em matria de reforma do sistema eleitoral.
Mas, na verdade, vrios dos problemas potencialmente associados
aos crculos uninominais esto tambm associados aos pequenos crcu-
los com voto preferencial, embora porventura em menor medida: au-
mento do custo das campanhas, devido necessidade de campanhas
personalizadas; potencial localismo e clientelismo na poltica; menor
submisso dos deputados s direces partidrias e, por isso, reduo
do nvel da disciplina de voto. Porm, se dermos como bons os motivos
para a reforma, isto , a necessidade de mais democracia (ou seja, mais
poder dos eleitores na escolha dos seus representantes, em detrimen-
tos das direces partidrias) e de condies mais favorveis para uma
maior proximidade entre eleitores e eleitos, de forma a combater o abs-
tencionismo eleitoral, o declnio da identicao partidria, e o afasta-
mento entre eleitores e eleitos, sentido sobretudo pelos primeiros, etc.
(sobre o diagnstico da situao, ver Freire, Meirinho e Moreira, 2008: 1-10
e Captulo 1; sobre os motivos alegados, ver a anterior proposta do PS:
Projecto Lei N. 17/IX, in Dirio da Repblica, II Srie-A-Nmero 5:
53
74-108), ento h que assumir que preciso correr riscos e que no
possvel ter chuva na eira e sol no nabal, ou seja, que preciso assumir
algum trade-off. Sobretudo no debate no Parlamento (Vital Moreira,
Marina Costa Lobo e Antnio Arajo; Vitalino Canas: a e no texto des-
ta revista), mas tambm na imprensa (Moreira, 2008b), vrios interve-
nientes recusaram ainda o voto preferencial por ser de difcil (e poten-
cialmente perversa) utilizao por eleitores e eleitos. Recuso-me a ter
uma ideia menorizada dos meus concidados, sejam eles eleitores ou
deputados, que esta viso traduz e que o meu colega Manuel Meirinho
(2008) to bem traduziu na imagem do eleitor-ovelha (que est sub-
jacente s crticas dos colegas, referidas atrs). No, no creio que se-
jamos nem mais nem menos do que os nossos concidados europeus
onde estas solues se aplicam h muito e em larga extenso.
O voto preferencial recebe, porm, o apoio de deputados de vrios
partidos que escreverem textos para esta revista (Antnio Jos Seguro,
Miguel Relvas e Pedro Pestana Bastos), bem como de Paulo Morais, os
quais no s esto disponveis para assumir alguma quebra da disci-
plina de voto, em prol de condies institucionais mais favorveis ao
estreitar das ligaes entre eleitores e eleitos, como recusam no fundo
a viso do eleitor-ovelha. De qualquer modo, tambm temos de ser
realistas e reconhecer que a mudana do sistema eleitoral com a adop-
o do voto preferencial em pequenos crculos primrios importante
mas no nenhuma panaceia. Por um lado, para o estreitar das liga-
es entre eleitores e eleitos, preciso agir em vrias frentes, nomea-
damente ao nvel dos comportamentos polticos, como alis sublinham
Antnio Filipe e Antnio Jos Seguro. Por outro lado, h vrias outras
medidas institucionais (e de prtica poltica) que poderiam contri-
buir j para o estreitar dessas relaes: Antnio Jos Seguro d vrios
exemplos muito interessantes nesse sentido, e a reforma do parlamen-
to na X Legislatura (seguindo muitas das linhas de uma proposta que
pessoalmente coordenou
12
) deu j vrios contributos nesse sentido. De
12
Seguro, A. J. coord. et al. (2007). Reformar e Modernizar a Assembleia da Repblica para Servir
Melhor as Cidads, os Cidados e a Democracia, Lisboa, Assembleia da Repblica, polic.
54
qualquer modo, no se trata, como alega Antnio Filipe (em relao ao
voto preferencial) de passar de uma representao centrada nos par-
tidos para uma representao centrada nos candidatos (e deputados)
individualmente considerados (ver tambm Moreira, 2008b). Trata-
se to s de manter o voto partidrio em lista, e sem panachage, mas
permitindo que, em cada lista, os eleitores possam premiar e respon-
sabilizar os deputados de acordo com a sua performance. Mas tambm
preciso reconhecer que dar tal poder aos eleitores implica retir-lo
s direces partidrias e que, nomeadamente nos pequenos partidos
que tentam construir listas de deputados com vrias valncias (diver-
sicadas) para um funcionamento mais ecaz dos respectivos grupos
parlamentares, isso pode ser um problema. No fundo, voltamos sem-
pre eterna questo dos trade-offs: no possvel ter chuva na eira
e sol no nabal. Ou seja, preciso os actores polticos (e os cidados)
cheguem a um acordo sobre as prioridades de uma eventual reforma.
A nalizar esta seco gostaria de referir ainda a posio de Pedro
Pestana Bastos, ligando o voto preferencial (com que concorda) e o
apparentement (de que tem dvidas), que alega o seguinte: j no que
se refere proposta de listas aparentadas temos muitas reservas, no
tanto pelo princpio mas mais pela sua dicil compatibilidade com o
voto preferencial. O sistema de listas aparentadas pode ser interessan-
te no aproveitamento de restos de partidos do mesmo plo mas enten-
demos que dicilmente compatvel com o princpio do voto prefe-
rencial podendo ter consequncias perversas uma vez que os eleitores
podem escolher o candidato. No fundo o partido mais pequeno do polo
estaria a engordar com os seus votos a votao do partido do mesmo
plo com maior dimenso sendo que, por fora do voto preferencial,
na prtica os deputados eleitos por via de aproveitamento de restos
seriam sempre os do partido maior de cada plo. Penso que h aqui
um erro de perspectiva. O apparentement que propomos s para os
crculos primrios porque, dada a sua dimenso, nesses crculos os
pequenos partidos teriam muito poucas hipteses de eleger deputa-
dos. Porm, se os pequenos partidos juntassem as suas listas com as de
outros partidos apenas para efeitos de converso, ento teriam mais
hipteses de eleger deputados. Por isso, que apresentamos o appa-
55
rentement: como um incentivo cooperao interpartidria dos pe-
quenos partidos com os grandes (em cada bloco ideolgico). Portanto,
se estivessem mais disponveis para cooperar, os pequenos poderiam
beneciar mais na converso de votos em mandatos. S depois de se
saber o nmero de deputados que cabe a cada lista que se aplica o
voto preferencial. Por isso, no vejo onde que isto poderia prejudicar
os pequenos partidos e o voto preferencial.
5.
Concluses
N
uma qualquer reforma do sistema eleitoral h que ter
presente que no h sistemas perfeitos, porque os di-
ferentes tipos de sistemas eleitorais perseguem dife-
rentes objectivos, nem sempre conciliveis, e, por isso,
sempre necessrio assumir algum trade-off. Pela mi-
nha parte, continuo a achar que o sistema eleitoral portugus no gera
problemas de governabilidade. Seja porque o nvel de proporcionali-
dade no elevado em termos comparativos, antes pelo contrrio (est
abaixo da mdia dos sistemas proporcionais na UE 27 + 3). Seja porque
o sistema partidrio no fragmentado, antes pelo contrrio: o nvel
de concentrao de voto nos dois maiores at semelhante ao dos re-
gimes bipartidrios associados s democracias maioritrias
13
. Isto no
quer dizer que no haja problemas de governabilidade. O que isto sig-
nica que os problemas de governabilidade so de origem poltica
(falta de entendimentos esquerda) e no institucional (no resultam
13
O que no quer dizer que no haja um declnio deste trao nas prximas legislativas, de 27/9/2009,
at por rejeio do exerccio musculado da maioria absoluta do PS entre 2005 e 2009, como alis
as europeias de 2009 j prenunciam. Mas, mesmo se o nmero efectivo de partidos eleitorais se
aproximar do que se vericou na europeias de 2009, o problema no passa por aqui: estaremos ape-
nas (e sobretudo) a aproximar-nos do padro dos sistemas multipartidrios europeus e a afastar-
nos do tipo de formato bipartidrio, que no tem aproximado (1987-2005) mais das democracias
maioritrias (Freire, Meirinho e Moreira, 2008: 30).
56
de excessiva proporcionalidade na converso de votos em mandatos
e/ou de uma excessiva fragmentao do sistema partidrio). Segundo,
signica tambm que esses problemas podem ser minimizados sem
comprimir a proporcionalidade. Por exemplo, atravs da moo de
censura construtiva, da possibilidade de se converterem certas peas
da legislao em moes de conana s rejeitveis por quem tiver um
governo alternativo para propor (no quadro parlamentar em causa) e,
adicionalmente, atravs dos incentivos cooperao entre os partidos
(apparentement). At porque a compresso da proporcionalidade (e
o bipartidarismo que lhe est geralmente associado) poderiam gerar
uma (ainda maior) reduo da clareza das alternativas, um declnio da
identicao com os partidos e, directa e indirectamente, um declnio
da participao poltica e da satisfao com o regime democrtico.
Pelo contrrio, considero que o sistema de voto em lista fechada e
bloqueada, ainda por cima associado a alguns crculos muito grandes,
embora tenha feito todo o sentido na transio democrtica, hoje um
anacronismo no contexto europeu que urge superar. Primeiro, porque,
embora sem sobrevalorizar o papel das reformas eleitorais neste do-
mnio ( preciso ser realista!), considero que uma maior abertura do
sistema eleitoral neste domnio (dando uma voz mais activa aos eleito-
res na escolha dos candidatos, seja com o voto preferencial e crculos
pequenos, seja at, e cumulativamente, em primrias intrapartidrias
para a escolha dos candidatos) pode ajudar signicativamente a au-
mentar a participao poltica e a identicao com os partidos, bem
como que dar incentivos para que os deputados se preocupem mais
com os eleitores e, por isso mesmo, para que actuem de modo a que
estes ltimos se sintam melhor representados. Segundo, porque as cr-
ticas que apontam para uma subverso do modelo constitucional (com
uma representao centrada nos candidatos e no nos partidos) e para
uma quebra signicativa da disciplina de voto (Moreira, 2008a e 2008b;
Lobo, 2008), so, de todo em todo, exageradas: assim o demonstram as
experincias ocorridas noutros pases
14
. Vale a pena recordar o que se
14
David Arter, Democracy in Scandinavia Consensual, Majoritarian or Mixed?, Manchester,
57
passou na Escandinvia aps a introduo do voto preferencial, mas
sobretudo na Sucia aps 1998 (com o reforo dos mecanismos asso-
ciados ao voto preferencial): Virtually all Scandinavian parliamenta-
rians are members of party. But do party representatives represent their
parties rst and foremost or do preferential list voting systems (strong
or weak) encourage MPs, concerned to be reelected, to attach particular
importance to constituency interests? () In short, Scandinavian party
democracy has an accentuated territorial dimension, which is reected
in legislative behaviour, although party voting, both in the country at
large and in parliament, is the norm (Arter, 2006, pp. 42-43). Mas, natu-
ralmente, preciso assumir com clareza algum trade-off nesta matria
e aceitar, primeiro, uma maior proeminncia relativa dos deputados
na representao poltica (face ao status quo) e, segundo, aceitar uma
certa dessacralizao da disciplina de voto (que at pode introduzir
exibilidade acrescida no sistema de governo). Em suma, estas refor-
mas podero pois servir para melhorar a qualidade da democracia, so-
bretudo se no forem complementadas com uma compresso da pro-
porcionalidade, mas ser sempre necessrio assumir algum trade-off.
Caso contrrio poder at parecer que a eventual vontade de mudana
est eivada de reservas mentais Alm disso, os dados esto todos lan-
ados, no falta abundncia de estudos, o que preciso avanar com
cautela e moderao, mas tambm com alguma ousadia (no tipo de su-
frgio e procedimentos de votao). E, sem se pr em causa o essencial
do nosso sistema proporcional que, reconhea-se com clareza, tirando
o sistema de votao, tem funcionado muito bem nestes cerca de 35
anos de democracia, sem se pr em causa o essencial do nosso sistema,
dizamos, reformar o regime eleitoral para melhorar a qualidade da
democracia portuguesa.
Manchester University Press, 2006, pp. 26-45; ver tambm Carmen Ortega. Los Sistemas de Voto
Preferencial. Un Estudio de 16 Democracias, Madrid, Centro de Investigaciones Sociolgicas, Siglo
XXI, 2004.
58
REFERNCIAS BIBLIOGRFICAS

AA.VV. (1998), Pareceres sobre o Anteprojecto de Reforma da Lei Eleitoral para a Assembleia da
Repblica, Coimbra, PCM/MCT/FDUC.
ANDERSON, C. J. (2000), Economic voting and political context, Electoral Studies, 19 (2/3): 151-169.
ANDERSON, C. J., e GUILLORY, C. A. (1997), Political institutions and satisfaction with democracy:
A cross-national analysis of Consensus and Majoritarian systems, American Political Science Review,
91 (1), pp. 66-81.
ARTER, D. (2006), Democracy in Scandinavia Consensual, Majoritarian or Mixed?, Manchester,
Manchester University Press, 2006.
BLAIS, A., e DOBRZYNSKA, A. (1998), Turnout in electoral democracies, European Journal of
Political Research, 33, pp. 239-261.
CURTICE, J. e SHIVLEY, P. (2003). Quem nos representa melhor? Um deputado ou vrios?,
Anlise Social, n. 167, pp. 361-386.
DUVERGER. M. (1951-1987). Os Partidos Polticos, Rio de Janeiro, Guanabara.
ENEYEDI, Z., e TODOSIJEVIC, B. (2009), Adversarial politics, civic virtues and partisanship
in Eastern and Western Europe, in Bartle, John, and Belluci, Paolo (eds.), Political Parties and
Partisanship. Social Identity and Political Attitudes, London, Routledge, pp. 142-161.
FRANKLIN, M. (2002), The dynamics of electoral participation, in LeDUC, L., e NIEMI, R. G.,
e NORRIS, P. (orgs.), Comparing Democracies 2. New Challenges in the Study of Elections and Voting,
Londres, Sage, pp. 148-168.
FREIRE, A. (2006), Esquerda e Direita na Poltica Europeia. Portugal, Espanha e Grcia em
Perspectiva Comparada, Lisboa, Imprensa de Cincias Sociais.
FREIRE, A. (2009a), Value orientations and party choice: The role of party polarization and party
system institutionalization, comunicao apresentada no XXI IPSA (International Political Science
Association) World Congress, Santiago do Chile, Jullho 12-16, 2009.
FREIRE, A. (2009b), Mudana do sistema partidrio em Portugal, 1974-2009: o papel dos factores
polticos, sociais e ideolgicos, in CRUZ, M. A. (organizadora), Eleies e sistemas eleitorais:
perspectivas histricas e polticas, Porto, Universidade do Porto Editorial.
FREIRE, A., e BELCHIOR. A. (2009), Ideological Representation in Portugal: MPs-Electors
Linkages in Terms of Left-Right Placement and Substantive Meaning, Comunicao apresentada
na Conferncia Internacional Representao Parlamentar: o caso Portugus em perspectiva
comparada, Lisboa, Assembleia da Repblica, 19-20 de Junho, 2009.
FREIRE, A., MEIRINHO, M., e MOREIRA, D. (2008), Para uma Melhoria da Qualidade da
Representao. A Reforma do Sistema Eleitoral, Lisboa, Sextante.
59
FREIRE, A., MEIRINHO, M., e MOREIRA, D. (2009a), Institutional Reform in Portugal: Elite
and Mass Perspectives, apresentado nas ECPR (European Consortium for Political Research)
Joint Sessions 2009, Workshop 3. Why Electoral Reform? The Determinants, Policy and Politics
of Changing Electoral Systems, organizado por Monique Leyenaar e Reuven Hazan, Lisboa, Abril,
14-19, 2009.
FREIRE, A., MEIRINHO, M., e MOREIRA, D. (organizadores) (2009b), seco especial sobre
Debate sobre a reforma do sistema eleitoral, na seco Parlamento, Finisterra Revista de
Reexo e Crtica, 65/66. (colectnea com cerca de 40 pginas de artigos de opinio sados na
imprensa sobre o estudo coordenado pelos editores deste dossi acerca da reforma eleitoral para
a Assembleia da Repblica)
FREIRE, A., e LOBO, M. C. (2005), Economics, Ideology and Vote: Southern Europe, 1985-2000,
European Journal of Political Research, Volume 44 (4), pp. 493-518.
GALLAGHER, M. e MITCHELL, P. (2008). The Politics of Electoral Systems, Oxford University Press.
JACKMAN, R. W. (1987), Political Institutions and Voter Turnout in the Industrial Democracies,
American Political Science Review, 81, pp. 405-23.
JACKMAN, R.W., e MILLER, R.A. (1995, 1998), Voter turnout in the industrial democracies during
the 1980s, in NORRIS, P. (org.), Elections and Voting Behaviour: New Challenges, New Perspectives,
Dartmouth, Ashgate, pp. 305-330.
LIJPHART, A. (1999). Patterns of Democracy: Government Forms andPerformance in Thirty-Six
Countries, Yale University Press.
LIJPHART, A. (2006). The case for power sharing, in DIAMOND, L. e PLATTNER, M. F. (2006),
Electoral Systems and Democracy, John Hopkins University Press, pp. 42-55.
LIJPHART, A., (2007). Thinking About Democracy: Power Sharing and Majority ule in Theory and
Practice, Routledge.
LOBO, M. C. (2008), A reforma do sistema eleitoral, Jornal de Negcios, 11/12/2008.
LOPES, F.F. e FREIRE, A. (2002). Partidos Polticos e Sistemas Eleitorais: Uma Introduo, Oeiras, Celta.
MASSICOTTE, L. e BLAIS, A. (1999). Mixed electoral systems: a conceptual and empirical
survey, in Electoral Studies, 18 (3), pp. 341-366.
MARCH, L. (2008), Contemporary Far Left Parties in Europe. From Marxism to the Mainstream?,
Fundao Friedrich Ebert, 11/2008.
MEIRINHO, M. (2004). Participao poltica e democracia: o caso portugus 1976-2000, Lisboa:
Instituto Superior de Cincias Sociais e Polticas.
MEIRINHO, M. (2008), O eleitor-ovelha e as reformas eleitorais, Jornal de Notcias, 14/12/2008.
MOREIRA, V. (2008a), Uma proposta falhada, Pblico, 16/12/2008.
MOREIRA, V. (2008 b), Mais defeitos do que virtudes, Pblico, 23/12/2008.
60
NOHLEN, D. (1984). Two incompatible principles of representation, in LIJPHART, A. GROFMAN,
B., orgs., (1984), Choosing an Electoral System: Issues and Alternatives, Nova Iorque, Praeger, pp. 83-90.
ORTEGA, C. (2004), Los Sistemas de Voto Preferencial. Un Estudio de 16 Democracias, Madrid,
Centro de Investigaciones Sociolgicas, Siglo XXI.
NOHLEN, D. (1995). Sistemas Electorales y Systemas de Partidos, Mxico, Fondo e Cultura Econmica.
NOHLEN, D. (2007). Os Sistemas Eleitorais: o contexto faz a diferena, Livros Horizonte.
POWELL. G. B. (2000). Elections as Instruments of Democracy. Majoritarian and Proportional
Visions, New Haven, Yale University Press.
RAE, D., (1969). The Political Consequences of Electoral Laws, New Haven, Yale University Press.
RULE, W., e ZIMMERMAN, J., eds., (1994). Electoral Systems in Comparative Perspective:
Their Impact on Women and Minorities, Wesport CT, Greenwood Press.
SEGURO, A. J., et al. (2007). Reformar e Modernizar a Assembleia da Repblica para Servir Melhor
as Cidads, os Cidados e a Democracia, Lisboa, Assembleia da Repblica, polic.
SCHMITT, H. (2009), Partisanship in nine democracies: causes and consequences, in Bartle,
John, and Belluci, Paolo (eds.), Political Parties and Partisanship. Social Identity and Political
Attitudes, London, Routledge, pp. 75-87.
SHUGART, M.S. e WATTENBERG, M. P., (orgs.), (2000). Mixed-Member Electoral Systems:
The Best of Both Worlds, Oxford, Oxford University Press.
WESSELS, B., e SCHMITT, H. (2008), Meaningful choices, political supply, and institutional
effectiveness, Electoral Studies, 28, pp. 19-30.
REVISTA DE ASSUNTOS ELEITORAIS
Comentrios de
dirigentes partidrios
proposta de reforma
do sistema eleitoral:
Para uma melhoria da
representao poltica
a reforma do sistema
eleitoral
Vitalino Canas
Antnio Jos Seguro
Miguel Relvas
Antnio Filipe
Pedro Pestana Basto
Pedro Soares
SECO II
REVISTA DE ASSUNTOS ELEITORAIS 63
ESTUDO SOBRE A
REFORMA ELEITORAL PARA A
ASSEMBLEIA DA REPBLICA
UMA REFLEXO CRTICA
E POLTICA
1
Vitalino Canas
2, 3

1.
Os pressupostos
A
reforma eleitoral tem sido dos temas mais debatidos
no mbito da reforma poltica nos ltimos anos. O de-
bate no parece ter convencido antes pelo contr-
rio a maioria dos intervenientes da bondade ou da
necessidade de uma alterao radical do modelo que
temos. Alis, o debate levou a que muitos acabassem por reconhecer
algo que talvez no reconhecessem na fase inicial: o sistema eleitoral
existente, apesar de algumas decincias, serviu para lanar e conso-
lidar a democracia, para reforar e consolidar o sistema partidrio,
1
Depois publicado em livro: Para uma Melhoria da Representao Poltica. A Reforma do Sistema
Eleitoral, Lisboa, Sextante, 2008.
2
Deputado do Partido Socialista (PS) Assembleia da Repblica na X Legislatura (2005-2009).
Vitalino Canas ainda Mestre em Cincias Jurdicas e Polticas pela Faculdade de Direito da
Universidade de Lisboa, e doutorando na mesma rea e na mesma universidade com uma tese
subordinada do tema Principio da proporcionalidade ou da proibio do excesso.
3
Transcrio da interveno no colquio organizado pelo Partido Socialista, na Assembleia da
Repblica, em 4 de Dezembro de 2008, sobre o estudo identicado no ttulo.
64
mantendo alguma abertura. Se o nosso sistema partidrio pode ser
considerado tendencialmente cristalizado e resistente ao aparecimen-
to de novos partidos isso no pode ser imputado ao sistema eleitoral.
Por outro lado, nenhum problema estrutural do Pas provocado ou
susceptvel de ser resolvido pela simples alterao do sistema elei-
toral. Mas manifesto que existe um fenmeno global e mundial de
afastamento entre os partidos e os eleitores, entre as instituies po-
lticas os seus titulares e os cidados, entre eleitos e eleitores. Sendo
um fenmeno global (embora com intervalos, em momentos, como o
das recentes eleies americanas, de grande mobilizao e esperana
de mudana efectiva), tem uma incidncia reconhecida e comprovada
em Portugal. A maior decincia do sistema eleitoral existente parece
ser o de no contribuir para a atenuao desse afastamento, pelo que
a grande tarefa de uma reforma do sistema certamente a criao de
melhores condies de identicao entre eleitos e eleitores.
2.
O que me agrada no estudo
P
retende garantir que no haja diminuio do nvel de
proporcionalidade e de governabilidade (mas sobre a
governabilidade ver a dvida expressa adiante).
Moo de censura construtiva, enquanto soluo que
refora as condies de governabilidade em circunstn-
cias de coligaes negativas incapazes de construir alternativas de
Governo e de aco poltica. No entanto h um reverso, no nosso caso:
a necessidade de reviso constitucional.
A no insistncia nos crculos uninominais. No creio que, salvo no
Reino Unido (e mesmo a h quem queira alterar), as experincias de
crculos uninominais sejam inequivocamente positivas.
Os crculos plurinominais de dimenso reduzida (crculos prim-
rios), pelo potencial de maior ligao entre eleitos e eleitores, que deve
ser o desiderato central da reforma eleitoral.
65
A manuteno, sempre que possvel (mesmo que haja conjugaes
de distritos), da referncia distrital, muito familiar aos eleitores.
O nmero impar de Deputados (229). A desvalorizao da ques-
to (menor) do nmero de Deputados (no obstante se ter estu-
dado a hiptese de 219). Na verdade a diminuio do nmero de
Deputados no resolve nenhum problema fundamental, nem corres-
ponde a nenhuma exigncia de princpio ou operacional. O nmero
de Deputados do Parlamento portugus per capita est exactamente
sobre a mdia europeia.
3.
Onde tenho dvidas
D
uvido que o estudo e a proposta que faz garanta efecti-
vamente a governabilidade. Pelo menos, no acompa-
nho os autores na perspectiva optimista em relao
governabilidade em Portugal. Ao contrrio, creio que
Portugal pode ter no futuro um srio problema de go-
vernabilidade, particularmente se deixar de haver governos com a sus-
tentao de uma maioria absoluta na Assembleia da Repblica.
Isto porque a expectativa da possibi-
lidade de evoluo para uma democra-
cia consociativa em Portugal (como
noutros pases do Sul da Europa e pases
com um quadro partidrio semelhante
ao nosso) quase to difcil como a evo-
luo para uma democracia de Westminster. Hoje as coligaes em
Portugal so mais difceis do que h uma ou duas dcadas. Assim:
1) A reedio do Bloco Central, mesmo que de vez em quanto pare-
a desejado por um certo PSD, como soluo para os seus receios
de uma longa permanncia fora do poder, no possvel, nem
desejvel, a bem da prpria sade do sistema partidrio e da al-
ternncia democrtica.
________
Duvido que o estudo
e a proposta que faz
garanta efectivamente
a governabilidade
________
66
2) A convergncia esquerda, sempre presente, at do ponto de
vista histrico, na retrica das foras e dos partidos esquerda
do PS, suscita um fenmeno curioso na nossa actualidade po-
ltica: aqueles que a advogam com mais vigor, so os primeiros
a criar todos os obstculos de modo a que ela seja impossvel,
a no ser que tal convergncia seja liderada por eles e que haja
uma total submisso de todos os outros ao seu iderio, mesmo
que altamente minoritrio ou radicalmente sectrio. A isso cha-
ma-se sectarismo envergonhado. Enquanto ele predominar nos
partidos esquerda do PS qualquer acordo de Governo virtual-
mente impossvel.
3) Restaria a recente (aparente) disponibilidade do CDS, recon-
fortante para o PSD, mas pouco credvel para o PS. Ainda nos
lembramos bem dos custos de um Governo do PS estar merc
das tendncias volveis do CDS-PP, particularmente entre 1999
e 2002. Custos em termos polticos, de prestigio da democracia
(o clebre Queijo Limiano no contribuiu para esse prestgio) e
at econmicos e nanceiros.
4) Tenho a noo de que mesmo o apparentment proposto seria
uma soluo de utilidade, praticabilidade e actractividade muito
duvidosa, pouco contribuindo para superar ou neutralizar a ten-
dncia pronunciadamente sectria, particularmente dos parti-
dos mais pequenos, aqueles que justamente poderiam beneciar
mais directamente dessa tcnica.
5) A democracia consocional ou consociativa parece, consequente-
mente, uma perspectiva longnqua em Portugal.
6) Listas fechadas e no bloqueadas nos crculos primrios. Por um
lado, pode introduzir uma competio perversa entre candida-
tos de uma mesma lista/partido, durante a campanha eleitoral.
7) Mas, em contrapartida, as listas fechadas e no bloqueadas levam
a uma menor competio interna entre os mesmos candidatos na
fase de preparao da lista (ir em 1., 3. ou ltimo na lista deixa
de ser decisivo, pelo que implicar lutas menos fracturantes).
8) Por outro lado, mesmo na fase da campanha eleitoral os candida-
tos do partido procuraro o mximo protagonismo e visibilidade,
67
mas sabero que qualquer indcio de conitualidade interna ser
fatal para a lista e para os prprios candidatos individualmente
considerados (os agressivos para os seus colegas de lista, ou de-
masiado ambiciosos, sero possivelmente penalizados), pelo que
acabar por haver um pacto tcito de no agresso e de colabo-
rao dos candidatos.
9) Aquilo a porventura se assistiria seria meramente a campanhas
mais baseadas no esforo individual de candidatos e a um even-
tual esbatimento da vertente colectiva das campanhas. Mas isso
j hoje possvel em virtude da personalizao da poltica.
Por isso as dvidas aqui so tendencialmente superadas.
4.
Onde divirjo
P
arece-me inconveniente que uma qualquer reforma
eleitoral dependa, em alguns dos seus aspectos impor-
tantes, de reviso constitucional.
o caso da introduo de moo de censura constru-
tiva e da clusula barreira (v. art. 152., 1, CRP). Acresce
que no tenho a certeza que a utilizao da quota de Hare para a distri-
buio dos mandatos pelos novos crculos no requeira tambm cre-
dencial constitucional (embora saiba que h quem diga sem hesitar
que no necessrio).
Alis, a minha divergncia em relao clusula barreira no resul-
ta apenas de ser necessrio efectuar uma reviso constitucional para a
consagrar. Tenho tambm dvidas de natureza poltica e democrtica
sobre o estabelecimento de uma clusula barreira, mesmo que de li-
miar muito baixo (1,5%, por exemplo).
Se verdade que no se justica uma compresso da proporciona-
lidade, tambm no me parece que se justique um aumento do ndice
de proporcionalidade, uma vez que isso pode pr seriamente em causa
68
as condies de governabilidade (que so frgeis, como se exps). Pelo
que antecede, acho a dimenso do crculo nacional excessiva, mesmo
na verso de 99. Apontaria mais para uma hiptese de magnitude in-
termdia dentro das sete denidas (79?).
Mas a principal diculdade do modelo a complexizao do boletim
de voto e do voto (para j no falar do processo de apuramento: os resul-
tados s 21h do dia da eleio sero impossveis com este sistema).
A soluo proposta resultar num boletim com dez ou quinze listas
de nomes, mais os partidos concorrentes no crculo nacional. O eleitor
ter de descobrir em que partido quer
votar (duas vezes), e qual o candidato
que quer privilegiar dentro de uma lis-
ta de vrias dezenas (no total) de can-
didatos. Um eleitorado com nveis cul-
turais e acadmicos ainda decientes
teria diculdade em se adaptar (ainda
mais porque o sistema eleitoral das outras eleies no ser alterado
da mesma forma). Presumivelmente, a mdia do eleitorado teria di-
culdade em gerir o boletim no dia da votao, com alta possibilidade
de manifestaes de vontade incorrectamente expressas, ou de votos
nulos, mesmo depois da participao em vrios actos eleitorais.
Por outro lado, a possibilidade de dois votos (no crculo nacional e
nos crculos plurinominais) e de alguma manipulao da lista do 1.
segmento possibilita a votao 1 X 2, isto uma votao em mais do que
um partido, ideal para indecisos, mas com efeitos imprevisveis ao nvel
da clareza global da escolha e da clareza das hipteses governativas.
________
A principal
diculdade do modelo
a complexizao
do boletim de voto
e do voto
________
REVISTA DE ASSUNTOS ELEITORAIS 69
PARA UMA MELHORIA DA
REPRESENTAO POLTICA.
A REFORMA DO SISTEMA
ELEITORAL UMA REFLEXO
CRTICA E POLTICA
Antnio Jos Seguro
1

C
omeo por felicitar os Professores Andr Freire,
Manuel Meirinho e Diogo Moreira pelo estudo
2
reali-
zado e agradecer o convite que me dirigiram para par-
ticipar nesta Conferncia, sobre o sistema eleitoral e a
qualidade da democracia (ISCSP-UTL, 21 de Abril de
2009). Quero precisar que a minha participao feita a ttulo indivi-
dual. Assim, tudo o que aqui disser vincula-me exclusivamente a mim
e no o partido poltico a que perteno.
Todos sabemos que no h sistemas eleitorais perfeitos. Todos
os sistemas tm vantagens e inconvenientes, retratados abundante-
mente pela Cincia Poltica. Por outro lado, cada sistema eleitoral
relaciona-se com outros sistemas inseridos num regime democrtico
especco. Assim, os comentrios que se seguem devem ter presen-
1
Deputado do Partido Socialista (PS) Assembleia da Repblica na X legislatura (2005-2009), e pre-
sidente da comisso parlamentar de educao. Antnio Jos Seguro ainda nalista do Mestrado
de Cincia Poltica do ISCTE Instituto Universitrio de Lisboa (IUL).
2
O estudo a que me rero, e referirei como tal ao longo do texto, intitula-se Para uma melhoria da
representao poltica a reforma do sistema eleitoral, foi elaborado pelos Professores Andr Freire,
Manuel Meirinho e Diogo Moreira, a solicitao do Grupo Parlamentar do Partido Socialista, e foi
editado num livro com o mesmo ttulo pela Sextante Editora em 2008.
70
te a imperfeio dos sistemas eleitorais e serem contextualizados no
quadro da actual forma de governo estabelecida na Constituio da
Repblica, comummente designada por sistema semi-presidencial.
Um sistema eleitoral, num regime democrtico, deve responder
a dois objectivos fundamentais: Representao e Governabilidade.
Segundo os autores do estudo em debate, Portugal, desde 1987, no
tem um problema de governabilidade; mas tem problemas na quali-
dade da representao parlamentar, designadamente o conhecimen-
to e a responsabilizao. Analisarei, em seguida, cada uma destas
duas concluses.
1.
Existe ou no um problema
de Governabilidade?
C
omearei por apontar alguns factos. Como se pode
constatar no quadro seguinte (Tabela 1), o actu-
al sistema eleitoral (em vigor desde as primeiras
eleies), ao longo de 11 actos eleitorais realizados,
produziu, por trs vezes (1987, 1991 e 2005), maio-
rias absolutas de um s partido; duas maiorias absolutas de uma coli-
gao pr-eleitoral (em 1979 e em 1980 com a Aliana Democrtica) e
seis maiorias relativas (em 1976, 1983, 1985, 1987, 1999 e 2002). Sendo
que, destas seis maiorias relativas, uma delas (a de 1999) conduziu a
um empate no nmero de mandatos entre o partido mais votado e o
conjunto de todas as restantes foras eleitorais e duas delas (1983 e
2002), permitiram coligaes ps-eleitorais entre o PS/PSD e PSD/
CDS, respectivamente.
Recordo que um Governo apoiado por uma maioria relativa (1995
a 1999) cumpriu a Legislatura e outro Governo com maioria abso-
luta (2002-2005) viu interrompido o seu mandato, por iniciativa do
Presidente da Repblica que dissolveu o parlamento. Os autores do
estudo fundamentam a sua armao de inexistncia de um proble-
71
ma de governabilidade no facto de, desde 1987, h 22 anos, se terem
completado quatro legislaturas. E no que respeita s duas restantes,
iniciadas em 1999 e em 2002, a sua interrupo no ter sido origina-
da pela Assembleia da Repblica, mas por iniciativa do Governo e do
Presidente da Repblica respectivamente.
Mas se aplicarmos o conceito enunciado pelos prprios autores, a
governabilidade entendida como as condies para a formao e ma-
nuteno de governos apoiados por maiorias parlamentares absolutas,
constatamos que as condies de governabilidade s existem desde
Abril de 2002, ou seja, nesta e na anterior Legislatura. E existiram, no
passado, entre 1987 e 1995 (as duas maiorias absolutas do PSD) e nos
tempos da Aliana Democrtica (1979-1983).
I-a
1976
107
73
42
40
1
263
I-b
1979
74
80
43
44
1
3
5
250
II
1980
66
82
46
39
1
2
6
4
4
250
III
1983
101
75
30
41
3
250
IV
1985
57
88
22
35
3
45
250
V
1987
60
148
4
29
7
2
250
VI
1991
72
135
5
15
2
1
230
VII
1995
112
88
15
13
2
230
VIII
1999
115
81
15
15
2
2
230
IX
2002
96
105
14
10
2
3
230
X
2005
121
75
12
12
2
8
230
Partidos
PS
PPD
CDS
PCP
UDP
MDP/CDE
PPM
UEDS
ASDI
PRD
PEV
PSN
BE
Tabela 1
Distribuio de lugares por partidos polticos na Assembleia
da Repblica, entre a I Legislatura (designada por I-a e I-b),
1976-1980, e a X Legislatura, 2005-2009

72
Seguindo o conceito enunciado pelos autores do estudo, pode-se
concluir que existiu governabilidade em Portugal, durante 19 anos,
em 33 possveis, mas intervalados por perodos em que se vericou a
ausncia dessas condies. No adiro, por isso, tese dos autores de
que, desde h 22 anos, no existe um problema de governabilidade
em Portugal.
Embora, constato que existe, em particular nos ltimos anos, uma
maior preocupao dos partidos polticos com o reforo das condi-
es da governabilidade, seja por via dos
seus entendimentos (coligaes, enten-
dimentos parlamentares, no apresen-
tao de moes de censura institucio-
nalmente consequentes, ) seja atravs
da reviso constitucional que eliminou
a obrigatoriedade de um voto sobre os
Programas de Governo, tornando mais
fcil a obteno, por parte dos Governos sem maioria absoluta, do
consentimento parlamentar para iniciar funes.
Ora, apesar de atenuada, a questo da ingovernabilidade no se
encontra afastada. E pode reaparecer ainda este ano, em consequn-
cia dos resultados das prximas eleies legislativas, atenuada e
disfarada pelos dois perodos de seis meses (aps a nova composi-
o e a tomada de posse do novo Presidente da Repblica) em que a
Assembleia da Repblica no poder ser dissolvida.
Nesse caso qual deve ser a resposta para se reduzir os espaos
da ingovernabilidade? Mudar a lei eleitoral sacricando, para tal, a
expresso parlamentar do pluralismo existente na sociedade portu-
guesa? No me parece. Em alternativa, considero desejvel aperfei-
oar as condies institucionais da governabilidade.
Deve apostar-se, tal como defendem os autores, no reforo dos
mecanismos da governabilidade dos quais destaco a moo de cen-
sura positiva e o oramento construtivo. Estas alteraes provoca-
riam atitudes mais construtivas por parte dos partidos polticos e
dos agentes parlamentares e uma maior co-responsabilizao de to-
dos na garantia da estabilidade poltica.
________
Apesar de atenuada,
a questo da
ingovernabilidade
no se encontra
afastada
________
73
Repito o que disse no incio. Os meus comentrios tm como pres-
suposto a actual forma de governo. Coisa diferente, seria analisar a go-
vernabilidade, e o prprio sistema eleitoral, luz de outra forma de
governo, presidencial ou parlamentar.
2.
Passemos representatividade e
qualidade da representao
O
s autores comeam por identicar dois bloqueios:
diminuto conhecimento dos eleitos pelos eleitores e
fraca responsabilizao dos eleitos perante os eleito-
res. Concordo. E considero que estes dois bloqueios,
a par de comportamentos menos transparentes por
parte de alguns eleitos, conduzem ao aumento da desconana e do
desinteresse dos portugueses pelo funcionamento da poltica.
A questo que eu coloco, previamente passagem para o estudo de
qualquer proposta de reforma do sistema eleitoral, se esses dois blo-
queios podem ser eliminados com o actual sistema eleitoral. A minha
resposta positiva. Podem ser eliminados.
Comecemos pelo conhecimento. As perguntas frequentes so: Quem
o meu Deputado? Como o posso contactar? A Constituio da Rep-
blica estabelece que os Deputados, uma vez eleitos, representam o
Pas e no o crculo eleitoral por onde se candidataram. Sem aten-
tar contra a Constituio, perfeitamente possvel que cada Grupo
Parlamentar se organize internamente e afecte cada um dos seus
Deputados a determinados concelhos dos crculos eleitorais por
onde foi eleito.
Feita esta organizao deve passar-se fase da divulgao jun-
to dos respectivos eleitores de quem o seu Deputado e de como
pode ser contactado (via postal, via electrnica) e marcada uma reu-
nio entre o eleito e o eleitor. O atendimento aos eleitores dever ser
efectuado, preferencialmente, no prprio crculo eleitoral.
74
Alguns Deputados criaram Gabinetes de Atendimento aos Eleitores,
como o caso dos Deputados do crculo de Braga, eleitos pela lista do
PS, onde me incluo. Todas as segundas-feiras, de manh, que fazemos
escala para recebermos os eleitores que marcam previamente a reu-
nio. Fazemos este atendimento desde Abril de 2005. Mas bvio que
so muito poucos os eleitores que tm conhecimento desta disponibi-
lidade e deste Gabinete.
Esta pequena revoluo obrigar, entre outras, a uma outra for-
ma de organizao dos trabalhos parlamentares, em que os Deputados
passem mais tempo em contacto com os eleitores e menos em S. Bento;
e a uma afectao de parte dos subsdios pblicos para o nanciamen-
to das campanhas eleitorais, ao exerccio do mandato. Dito de outra
forma, com o mesmo dinheiro com que o Estado nancia, actualmen-
te, as campanhas eleitorais, passaria a nanciar as campanhas eleito-
rais e o contacto dos eleitos com os eleitores.
Foi neste sentido que apontou a Reforma do Parlamento que tive o
gosto de propor e coordenar em 2007
3
, a qual poder ser consultada
em www.antoniojoseseguro.com
Visitemos agora o segundo bloqueio identicado pelos autores
do estudo: a fraca responsabilizao dos eleitos perante os eleitores.
Concordo absolutamente. O actual sistema eleitoral responsabiliza
muito mais os partidos polticos do que os candidatos. E f-lo por duas
razes fundamentais: primeiro, porque os partidos polticos apresen-
tam os seus candidatos em listas fechadas; segundo, porque os grupos
parlamentares capturam, atravs da prtica parlamentar e violando o
actual Regimento, grande parte da consequncia poltica da iniciativa
de cada Deputado.
O Parlamento portugus em vez de ser constitudo por 230
Deputados, organizados politicamente, constitudo por seis gru-
pos parlamentares. O que reduz fortemente a necessidade da relao
entre cada eleito e os seus eleitores e fortalece a relao entre cada
3
Seguro, A. J. coord. et al. (2007). Reformar e Modernizar a Assembleia da Repblica para Servir
Melhor as Cidads, os Cidados e a Democracia, Lisboa, Assembleia da Repblica, polic.
75
Deputado e a Direco do seu partido poltico. Por curiosidade, ca
o registo de que s no actual Regimento da Assembleia da Repblica,
aprovado em Julho de 2007, deixou de existir qualquer referncia aos
partidos polticos.
Para aumentar signicativamente a responsabilizao do eleito pe-
rante os eleitores, considero que necessrio que o Deputado preste
contas permanentemente aos eleitores como propus anteriormente
e consta da Reforma do Parlamento. A pgina pessoal na Internet
outro dos exemplos de boas prticas que, apesar de ter passado a ser
obrigatria desde Setembro de 2007, a Assembleia da Repblica no
tomou qualquer iniciativa a este respeito e so poucos os Deputados
que a criaram.
Os poderes Constitucionais dos Deputados no podem ser adulte-
rados ou capturados pelos Grupos Parlamentares. Dou dois exemplos:
Os Deputados tm direito a dirigir perguntas escritas ao Governo. E
este tem obrigao de responder no prazo mximo de 30 dias. Este
prazo, estabelecido apenas desde Setembro de 2008, no globalmen-
te cumprido. Melhorou muito nesta Legislatura
e com o actual Governo, mas necessrio que a
resposta aos Deputados seja considerada uma
prioridade. Deste modo, cada Deputado pode
dar seguimento aos problemas que os seus elei-
tores lhe colocam e responder-lhes de volta.
O segundo exemplo insere-se no processo
legislativo. Cada Deputado tem o poder de ini-
ciativa legislativa. Isto , pode apresentar pro-
jectos de lei. Mas no tem a garantia de que esse
projecto-lei alguma vez venha a ser debatido e
votado. Com a Reforma do Parlamento, e consequente alterao do
Regimento da Assembleia da Repblica, estabeleceram-se prazos m-
ximos para todas as fases do processo legislativo. Esta alterao permi-
tia que todos os projectos-lei fossem debatidos e votados. Na prtica, a
Conferncia de Lderes (composta pelo Presidente da Assembleia da
Repblica e pelos Presidentes dos Grupos Parlamentares) impedem
que assim acontea.
________
Os poderes
Constitucionais
dos Deputados
no podem ser
adulterados
ou capturados
pelos Grupos
Parlamentares
________
76
Do que acabo de armar, resulta que a vida parlamentar conti-
nua a ser dominada fortemente pelos partidos polticos. Percebe-se
que assim tenha acontecido, h 33 anos atrs, quando inicivamos
os primeiros passos do novo regime democrtico. Hoje, necess-
rio que os partidos polticos desocupem parte do espao pblico.
neste sentido que tenho vindo a efectuar algumas propostas, que so
do conhecimento pblico, das quais destaco a instituio da liberda-
de de voto como regra para as deliberaes parlamentares, em vez
da actual disciplina de voto. A disciplina de voto aplicar-se-ia nas
votaes em que estivesse em causa a governabilidade do Pas (mo-
es de censura, de conana, oramentos, ) e o cumprimento das
promessas eleitorais. Em todas as outras votaes cada Deputado
disporia de liberdade de voto. Esta profunda alterao responsabili-
zaria directamente os Deputados, aumentaria a qualidade da repre-
sentao e armaria a autonomia de cada Deputado, o que reforaria
a relao de conana com os eleitores. A Assembleia da Repblica
passaria a ser mais representativa dos eleitores.
Signica que h um conjunto de regras, procedimentos, compor-
tamentos e instrumentos que, independentemente do sistema elei-
toral, podem e devem ser operacionalizados para aumentar a quali-
dade da representao:
a) Liberdade de voto, como regra;
b) Disciplina de voto nas questes da governabilidade;
c) Um Parlamento de Deputados e no um Parlamento
de Partidos;
d) Maior responsabilizao individual do Deputado;
e) Um Parlamento que scaliza em vez de ser scalizado
pelo Governo;
f ) Cada eleitor sabe quem o seu Deputado e como o contactar;
g) Maior proximidade entre eleito e eleitor;
h) Poderes efectivos dos Deputados e no a sua captura
pelos Partidos, atravs dos Grupos Parlamentares.
Dito isto, e ainda no quadro da responsabilizao do eleito pe-
rante os eleitores, permanece por solucionar o modo de eleio dos
77
Deputados. E neste ponto, a sim, no vislumbro outra via que no
passe pela alterao da lei eleitoral para a Assembleia da Repblica,
com a possibilidade de cada eleitor poder escolher um, ou mais can-
didatos, do partido poltico da sua preferncia.
3.
Concluso
D
eixei claro que o sistema eleitoral portugus deve
corresponder aos princpios da governabilidade e da
representatividade.
Divirjo dos autores quando referem que, desde
1987, deixou de existir um problema com a gover-
nabilidade e convirjo com eles quando apontam para a existncia de
problemas na qualidade da representao parlamentar.
Defendo que o actual sistema eleitoral, imperfeito por denio,
tem muitas virtudes e que est longe de se poder considerar esgo-
tado. Pelo contrrio, h vrias dimen-
ses que carecem de ser aproveitadas
e potenciadas e que produziro maior
conana nos eleitores face ao funcio-
namento em concreto da Democracia,
e em particular, na qualidade da repre-
sentao poltica.
Sou bastante crtico do actual estado
de funcionamento da nossa democracia.
Mas atribuo mais responsabilidades ao
modo de fazer poltica do que legislao em vigor. Mais do que al-
terar a lei torna-se necessrio mudar os comportamentos polticos.
Isso no me impede de defender alteraes cirrgicas, e pro-
fundas, como a possibilidade de cada eleitor poder escolher o seu
Deputado, ou Deputados, em consonncia com as suas opes po-
lticas. desejvel e urgente. Esta , em minha opinio, a mudana
________
O actual sistema
eleitoral, imperfeito
por denio,
tem muitas virtudes
e que est longe de
se poder considerar
esgotado
________
78
mais relevante que justica a alterao da actual lei eleitoral para a
Assembleia da Repblica.
Quero deixar claro que car tudo como est seria um erro grave
e que custaria muito caro ao regime democrtico. Mas antes de pas-
sarmos repentinamente a uma nova lei eleitoral, que obrigue a uma
nova congurao dos crculos eleitorais
4
, entendo que deveramos
esgotar as potencialidades da lei que temos actualmente. Mas agindo
com rapidez na sua melhoria. O ano de 2010 dever ser destinado a
essa tarefa.
4
Qualquer alterao dos crculos eleitorais s dever ser efectuada aps a estabilizao da futura
organizao poltica e administrativa do Pas.
REVISTA DE ASSUNTOS ELEITORAIS 79
SISTEMA ELEITORAL
E QUALIDADE DA
DEMOCRACIA
Miguel Relvas
1

D
esaado pelos Professores Manuel Meirinho e Andr
Freire, dois dos mais competentes politlogos Portu-
gueses, no podia deixar de aceitar o convite para dar
o meu modesto contributo na discusso do tema da
Reforma do Sistema Eleitoral.
Este tema reveste-se de uma relevncia acrescida quando estamos
a dois meses de uma importante eleio legislativa, cujos resultados,
com as consequncias polticas decorrentes, podero trazer para a or-
dem do dia a premncia da interveno no quadro legislativo que en-
forma o nosso sistema eleitoral.
H algum tempo que defendo ser esta uma questo de substancial
importncia, mas, com tristeza e preocupao reconheo que no tem
existido nem capacidade, nem vontade poltica para a levar por diante.
A qualidade da Democracia exige no apenas credibilidade. Exige
um sistema poltico em que a representatividade e a legitimidade este-
jam efectivamente presentes.
Se verdade que fundamental a reforma do nosso sistema elei-
toral, no menos verdade que o sistema ter, naturalmente, de ser

1
Deputado do Partido Social Democrata (PSD) Assembleia da Repblica na X Legislatura (2005-
2009), e presidente da Comisso de Obras Pblicas Transportes e Comunicaes. Miguel Relvas
ainda Licenciado em Cincia Poltica e Relaes Internacionais.
80
acompanhado pela reforma dos partidos polticos e, tambm, do nosso
modelo de organizao territorial.
No que se refere aos partidos polticos, impe-se um modelo menos
centralista e em que as opes internas tenham subjacente um princ-
pio de legitimidade e proximidade da seleco dos candidatos, e que a
dependncia ou lealdade ao aparelho e direco partidrios consti-
tuam factores de grau menor.
A reforma da organizao territorial, permitir uma denio
dos crculos eleitorais mais realista do que aquela que hoje existe
os Distritos como crculos eleitorais contribuindo para uma maior
responsabilizao do eleito perante o eleitor. No se pode, no entanto,
escamotear que a litoralizao das pes-
soas e das actividades econmicas mais
dinmicas e a bipolarizao do sistema
urbano nacional evidenciam o desequi-
lbrio territorial do nosso pas e tornam
difcil a adaptao a novos crculos elei-
torais que tenham coerncia e em que
a coeso territorial e a homogeneidade
econmica e social saiam reforadas.
Considero que, independentemente
do modelo que se encontrar, e acredi-
tando que a proporcionalidade no im-
pede a governabilidade, sou contrrio
introduo dos crculos uninominais que, em minha opinio, esti-
mulariam e valorizariam um princpio localista e clientelar que
condenaria qualquer inteno reformista. Antes de mais, temos que
reconhecer que interesses legtimos como o ideolgico, o politico, o
partidrio, mas tambm o econmico, os sociais, os religiosos, os t-
nicos e culturais, so tarefas que competem aos Partidos e aos dife-
rentes grupos que actuam politicamente, nomeadamente os grupos de
presso e os grupos de interesse. E essa uma realidade que, no actual
sistema eleitoral, coexiste com os dois nveis, partidrio e de governo,
que se condicionam mutuamente, permitindo a governabilidade do
pas e a proteco da diversidade de interesses na sociedade.
________
Sou contrrio
introduo dos crculos
uninominais que,
em minha opinio,
estimulariam e
valorizariam um
princpio localista
e clientelar que
condenaria qualquer
inteno reformista
________
81
E num sistema poltico como o nosso, que vive de um poder muito
forte dos Partidos, apenas pontualmente contrariado pelas candidatu-
ras independentes, principalmente a Juntas de Freguesia e, mais recen-
temente, a Cmaras Municipais, a introduo de crculos uninominais,
sem a possibilidade de candidaturas independentes Assembleia da
Repblica, geraria mecanismos e atitudes de desresponsabilizao po-
ltica de contornos incontrolveis e geradores de instabilidade, que con-
tradiriam o que o sistema tem sido capaz de gerar de estabilidade e go-
vernabilidade. por acreditar nestas condicionantes que defendo que
devemos caminhar para um sistema misto, com um crculo nacional e
tambm com crculos regionais com lista semi-fechada e proporcional.
Este sistema, obrigaria os partidos a um esforo suplementar na
escolha dos melhores candidatos e permitiria ao eleitor manter o seu
voto partidrio, conferindo-lhe, no entanto, o poder de opo de en-
tre os diversos elementos integrantes da lista, independentemente do
respectivo posicionamento nesta. Tratar-se-ia de um avano muito
signicativo na modernizao do nosso sistema poltico, desde logo
porque permitiria a introduo da dupla opo do voto, o personaliza-
do e o ideolgico.
Num perodo de acentuada e perigosa quebra de conana e pres-
tgio da representao poltica e institucional e do alheamento da par-
ticipao cvica, manifestada em preocupantes valores de absteno,
devem os partidos, e em particular os dos arco da governao, sentir-se
obrigados a aproveitar a prxima legislatura, que tem tambm poderes
de reviso constitucional, para se avanar para uma primeira reforma
de nosso sistema eleitoral.
Os professores Manuel Meirinho, Diogo Moreira e Andr Freire,
com o trabalho realizado, deram j um primeiro e decisivo contributo
para destruir o habitual argumento de quem nada quer fazer que o
de que reformas s depois dos estudos que ainda tm que se produzi-
dos. Haja vontade que as propostas j existem!
REVISTA DE ASSUNTOS ELEITORAIS 83
PARA UMA MELHORIA DA
REPRESENTAO POLTICA
TENTATIVA DE UMA
SNTESE CRTICA
Antnio Filipe
1

1.
Introduo
A
reforma do sistema eleitoral tem sido um tema recor-
rente na agenda poltica portuguesa. Desde a redac-
o originria da Constituio de 1976, ou mais pre-
cisamente desde a aprovao da Lei Eleitoral para a
Assembleia Constituinte em 1975, o princpio da re-
presentao proporcional tem permanecido intocvel como elemento
estruturante essencial do sistema eleitoral portugus, erigido inclusi-
vamente como limite material de reviso constitucional. Na verdade,
foram poucas e relativamente isoladas as vozes que se ergueram em
defesa da adopo de um sistema de representao maioritria que
privilegiasse a governabilidade ainda que em detrimento da represen-
tatividade. E mesmo essas vozes deixaram de ser fazer ouvir a partir
do momento em que se revelou possvel, aps 1987, a emergncia de
maiorias absolutas de um s partido.
1
Deputado do Partido Comunista Portugus (PCP) Assembleia da Repblica na X Legislatura
(2005-2009) e vice-presidente da Assembleia da Repblica. Antnio Filipe ainda Mestre em
Cincia Poltica, pela Universidade Lusfona de Lisboa, e Doutorando em Cincia Poltica na
Universidade de Leiden, Holanda.
84
certo que a obteno dessas maiorias se foi tornando menos di-
fcil medida que o sistema eleitoral se foi tornando menos propor-
cional, devido reduo do nmero de deputados de 250 para 230
na Reviso Constitucional de 1989, e devido tambm deserticao
do interior do pas, que tem conduzido ao denhamento de crculos
eleitorais. Para alm dos dois crculos da emigrao que elegem dois
deputados cada independentemente do nmero de eleitores inscritos,
alguns crculos do interior do pas tm vindo a perder representantes
devido perda de populao que tm registado, o que obviamente li-
mita a proporcionalidade da representao.
Mas, seja por que razo for, o carcter proporcional do sistema elei-
toral deixou de ser considerado sinnimo de ingovernabilidade, pelo
que essa questo deixou de ser o tema preferencial para a exigncia
de uma alterao sistmica, na medida em que passou a ser compro-
vadamente possvel obter maiorias absolutas por mera vontade dos
eleitores, sem necessidade de recurso engenharia eleitoral.
No entanto, a discusso prosseguiu, embora em termos diversos,
e em torno da invocao de outras preocupaes, como a necessida-
de de garantir uma maior proximidade e um mais elevado grau de
identicao entre os eleitos e os eleitores. A questo no se coloca
ento na mudana de sistema eleitoral, do proporcional para o maiori-
trio, mas na alterao da dimenso dos crculos eleitorais, ou na tran-
sio de um sistema de crculos plurinominais assentes na diviso dis-
trital do territrio, para sistemas mais complexos, em que tais crculos
se conjugariam com um crculo nacional e com crculos uninominais
de candidatura. Forma de garantir uma maior proximidade e ligao
entre eleitos e eleitores, para quem prope, ou forma de garantir a
concentrao de votos nos dois maiores partidos por via de mudanas
induzidas no comportamento eleitoral, para quem contesta, o certo
que o debate sobre o sistema eleitoral tem girado em torno destes
problemas, de forma recorrente, de h duas dcadas para c.
O grau de proporcionalidade do sistema eleitoral e as eventuais
consequncias polticas da sua alterao, so, na verdade, questes
fundamentais para a denio do regime poltico em que vivemos. Da
que a reforma do sistema eleitoral, para alm de ser objecto de deba-
85
tes polticos intensos, deva ser tambm objecto de debate esclarecido
e esclarecedor, o que s ser possvel se for, ao mesmo tempo, objecto
de estudo srio e, tanto quanto possvel, aprofundado.
O estudo sobre a reforma do sistema eleitoral, para uma melhoria
da representao poltica, de Andr Freire, Manuel Meirinho e Diogo
Moreira, tem vrios mritos: trata-se de um trabalho assente numa
anlise do sistema eleitoral portugus em perspectiva comparada
com um grau de aprofundamento porventura nunca visto entre ns,
e trata-se de um estudo intelectualmente srio e isento, que procura
solues para os objectivos que se prope, de manter a proporciona-
lidade e propiciar uma maior responsabilizao dos eleitos perante
os eleitores, sem que tais objectivos apaream como meros pretextos
para outros objectivos no declarados de transformao do sistema
poltico por via da engenharia eleitoral.
Independentemente dos mritos, este trabalho contm considera-
es que compartilho, quanto ao diagnstico do nosso sistema eleito-
ral. J quanto s solues que prope, procurarei justicar as razes
da minha concordncia quanto a umas e da minha discordncia quan-
to a outras.
2.
Proporcionalidade
e governabilidade
C
omecemos pelo princpio: o objectivo assumido pe-
los autores, o de manter o nvel de proporcionalida-
de e de governabilidade do sistema eleitoral vigente.
Compartilho a ideia de que o actual sistema eleitoral
no oferece problemas quanto governabilidade. Na
verdade, o mito da ingovernabilidade gerada pelo sistema propor-
cional foi agitado at 1987, tendo havido mesmo quem defendesse a
adopo de um sistema maioritrio como forma de garantir a gover-
nabilidade que o sistema supostamente inviabilizava. Trs legislaturas
86
de maioria absoluta de um s partido, entre 1987 e 1995 e entre 2005 e
2009, deitaram por terra o mito da ingovernabilidade. Para alm disso,
como sublinhado no estudo em apreo, dada a escassa fragmentao
do sistema partidrio, mesmo na ausncia de maiorias absolutas, tem
sido garantida, no essencial, a governabilidade, e quando as legislaturas
foram interrompidas antes do seu termo, tal no se deveu a caractersti-
cas do sistema eleitoral, mas a circunstncias polticas de outra ordem.
Da uma primeira discordncia da minha parte, em relao intro-
duo da moo de censura construtiva no nosso ordenamento cons-
titucional, que os autores propem para reforar as garantias de go-
vernabilidade, em termos semelhantes aos existentes em Espanha ou
na Alemanha. Em primeiro lugar, a introduo da moo de censura
construtiva viria alterar o equilbrio de poderes que a Constituio de
1976 cuidadosamente estabeleceu. A
Espanha e a Alemanha vivem sob sis-
temas parlamentares puros. Portugal
vive sob um sistema semi-presidencial.
A responsabilidade poltica, e no ape-
nas formal, para nomeao e exone-
rao do Primeiro-Ministro compete ao Presidente da Repblica. A
introduo da moo de censura construtiva viria lesar decisivamente
este poder presidencial, retirando-lhe qualquer poder de deciso au-
tnoma quanto formao de um governo que resultasse da aprovao
de uma moo de censura.
Um dos factores que ajudou governabilidade foi porm a pro-
gressiva reduo da proporcionalidade do sistema eleitoral. Por isso,
tambm concordo com a ideia exposta de que o sistema no comporta
mais perdas de proporcionalidade. Na verdade, a reduo do nmero
de deputados de 250 para 230 na sequncia da reviso constitucional
de 1989 prejudicou seriamente os pequenos partidos e favoreceu a re-
presentao dos dois maiores. Esse efeito fez-se sentir claramente a
partir das eleies de 1991. Por outro lado, a deserticao do interior
do pas, tem vindo a reduzir drasticamente a dimenso de alguns cr-
culos eleitorais, prejudicando a proporcionalidade do sistema. Se pen-
sarmos que todo o conjunto dos trs distritos alentejanos (Portalegre,
________
O sistema no
comporta mais perdas
de proporcionalidade
________
87
vora e Beja), que corresponde a cerca de um tero do territrio na-
cional, s elege oito deputados, camos com uma ideia impressiva da
distoro existente. Essa realidade, porm, estende-se a crculos como a
Guarda, Vila Real ou Bragana, cuja dimenso tem vindo a decrescer.
Entendo por isso que se justicaria substituir a aplicao do mtodo
de Hondt pela quota de Hare na determinao do nmero de mandatos
a eleger em cada crculo eleitoral. O mtodo de Hondt , como se sabe,
o menos proporcional dos sistemas proporcionais, que tende a bene-
ciar relativamente os maiores partidos. Se certo que a Constituio
impe a aplicao do mtodo de Hondt
como mtodo de converso de votos
em mandatos, j no h qualquer im-
pedimento constitucional a que no
seja aplicado o mtodo de Hondt mas
ou outro mtodo mais proporcional na
determinao do nmero de mandatos
em cada crculo. Os autores propem a
aplicao deste mtodo para a distribuio de mandatos pelos crculos
a que chamam de primrios. Independentemente de consideraes
quanto a esses crculos, a aplicao da quota de Hare seria mais justa e
proporcional, mesmo tendo como referncia os crculos actuais.
Concordo tambm inteiramente com a ideia de que em Portugal
no h deputados a mais, ao contrrio do que tantas vezes propalado.
O estudo apresentado muito elucidativo a esse respeito. Portugal tem
um parlamento pequeno, tanto mais que, ao contrrio do que acontece
em muitos outros pases, o parlamento portugus unicameral, e bem.
Reduzir o nmero de deputados teria o efeito inevitvel de reduzir a
proporcionalidade da representao, como aconteceu a partir de 1991,
para alm de, como muito bem sublinhado, reduzir a representao
territorial e social. De resto, as razes invocadas recorrentemente para
reduzir o nmero de deputados, no decorrem de qualquer argumen-
to racional, mas sobretudo de uma cultura anti-parlamentar demag-
gica herdada do salazarismo, convenientemente usada para camuar
opes de reduo da proporcionalidade e de bipolarizao forada.
O argumento da existncia de deputados a mais foi usado quando se
________
Reduzir o nmero de
deputados teria o efeito
inevitvel de reduzir
a proporcionalidade
da representao
________
88
tratou de reduzir o nmero de deputados de 250 para 230. Nenhuma
vantagem resultou dessa reduo. O mesmo argumento serviria at
ao limite para reduzir o parlamento inexistncia, seguindo a velha
mxima de Salazar para quem, para parlamento bastava o Conselho
de Ministros.
Os autores do estudo no consideram por isso, e bem, qualquer
reduo do nmero de deputados. No me chocaria que propuses-
sem o aumento, mas tambm no me choca, e compreendo, que o no
faam. Propem porm a reduo de um deputado, obrigando exis-
tncia de um nmero mpar de deputados, para evitar situaes de
empate, como as que se vericaram entre 1999 e 2002. No vejo van-
tagem nessa reduo, na medida em que existe soluo regimental
para superar eventuais empates que foi, alis, utilizada com grande
frequncia nesse perodo.
3.
Qualidade da representao
O
segundo objectivo da proposta de reforma do siste-
ma eleitoral reveste maior complexidade e diz res-
peito qualidade da representao e to falada res-
ponsabilizao dos eleitos pelos eleitores.
A proposta em apreo assenta na criao de um
segmento primrio de crculos plurinominais, de baixa e mdia mag-
nitude, com um sistema de listas fechadas e no bloqueadas, conju-
gado com a existncia de um crculo nacional. A reduo da propor-
cionalidade gerada pelo segmento primrio de crculos eleitorais seria
compensada pelo crculo nacional.
A existncia de um crculo nacional que compense a fraca propor-
cionalidade dos crculos de menor dimenso uma ideia consagrada
na Constituio e aceitvel. O seu efeito corrector ser tanto maior
quanto maior for a sua dimenso. Porm, no havendo um aumento do
nmero de deputados, os eleitos do crculo nacional so retirados aos
89
restantes crculos, reduzindo a proporcionalidade nestes. Tudo seria
diferente se o crculo nacional fosse o nico crculo de apuramento,
sendo os restantes de candidatura, mas isso no proposto, pelo que
no est em questo.
A proposta apresentada tem o mrito, que importa sublinhar, de
no ceder propaganda verdadeiramente txica dos crculos unino-
minais, que tornariam a proporcionalidade do sistema eleitoral me-
ramente aparente, fazendo-o funcionar, em termos de comportamen-
to eleitoral (dos eleitores e das foras polticas) segundo uma lgica
verdadeiramente maioritria, levando, na melhor das hipteses, a uma
sobrerepresentao dos dois maiores partidos e a uma representao
meramente residual de todos os demais.
Porm, a soluo proposta, de crculos plurinominais de menor di-
menso, tambm no suscita o meu entusiasmo. Compreendo-a, mas
no a subscrevo. Desde logo, por uma razo fundamental: do meu pon-
to de vista, os males que a proposta visa curar, no tm cura por via do
sistema eleitoral. Esses males decorrem da prtica poltica e no de
qualquer decincia inerente ao sistema eleitoral.
Se pensarmos na prtica das eleies legislativas realizadas em
Portugal, vericamos facilmente que a lgica das campanhas, dos dis-
cursos eleitorais, da mediatizao e, mais relevante ainda, do com-
portamento eleitoral, tm uma fraca correspondncia com os crculos
eleitorais existentes. Toda a estratgia poltica dos maiores partidos, e
que acaba inevitavelmente por contagiar em certa medida os restan-
tes, no passa pela valorizao dos candidatos aos crculos eleitorais,
mas pela hipervalorizao das lideranas partidrias. As eleies le-
gislativas so transformadas numa espcie de eleio dos impropria-
mente designados candidatos a Primeiro-Ministro. No entanto, exis-
tem candidatos em todos os crculos eleitorais e de entre estes, muitos
procuram manter uma relao de proximidade com os seus eleitores,
assumem compromissos regionais e locais e reectem-nos na sua ac-
tividade parlamentar.
Paradoxalmente, ou talvez no, os deputados que mais se preocu-
pam com problemas de ndole local ou regional e que exercem o seu
mandato mantendo uma maior relao de proximidade com os elei-
90
tores no fazem parte do star system meditico, so considerados de
segunda ou terceira linha, raramente so notcia, salvo de o forem por
ms razes, e a reduo da visibilidade da sua aco parlamentar co-
municao social regional e local faz com que engrossem o nmero dos
deputados considerados inexistentes ou dispensveis por parte dos
opinion makers que defendem a reduo do nmero de deputados.
4.
Tendncias de
comportamento eleitoral
P
or outro lado, facilmente comprovvel que a lgica do
comportamento eleitoral em sucessivas eleies legisla-
tivas indica claramente um fraqussimo peso dos candi-
datos aos crculos eleitorais na determinao do sentido
de voto dos eleitores. Os partidos que crescem eleito-
ralmente, crescem em todos os crculos de uma forma mais ou menos
uniforme, o mesmo acontecendo com os que decrescem. O comporta-
mento dos eleitores pouco se compadece com a qualidade relativa dos
candidatos, claramente secundarizada
por consideraes quanto s opes re-
lativas governao do pas. No sero
poucas as vezes em que deputados com
as maiores provas dadas em defesa dos
interesses dos eleitores dos seus crcu-
los so preteridos na eleio seguinte
em benefcio de candidatos absoluta-
mente desconhecidos, ou totalmente
desconhecedores dos crculos por onde
se candidatam. A lgica nacional tem
prevalecido claramente sobre quais-
quer dinmicas distritais. E no entanto, os crculos eleitorais que temos
no territrio nacional so exclusivamente de base distrital ou regional.
________
O comportamento
dos eleitores pouco
se compadece com a
qualidade relativa dos
candidatos, claramente
secundarizada por
consideraes quanto
s opes relativas
governao do pas
________
91
Seria lgico que os eleitores determinassem o sentido do seu voto
tendo em considerao os candidatos que realmente se lhes apresen-
tam? Em princpio seria, mas na realidade no o tanto. E se a con-
gurao dos crculos se alterasse, as coisas mudariam? A resposta
a mesma: em princpio mudariam, mas na realidade no mudariam
tanto. No creio que seja realista acreditar que uma alterao da con-
gurao dos crculos eleitorais tivesse o poder de alterar a lgica que
formata invariavelmente as eleies legislativas. Nem os grandes par-
tidos nem os principais rgos de comunicao deixariam de apre-
sentar as eleies como quase exclusivamente destinadas eleio do
Primeiro-Ministro.
Os autores da proposta de reforma do sistema eleitoral no ignoram
esta realidade, que est muito longe de ser uma originalidade portu-
guesa, e procuram enfrent-la, tentando encontrar formas de valoriza-
o do peso relativo dos candidatos aos crculos primrios, isto , dos
candidatos que representam os crculos.
Haveria portanto um crculo nacional, por onde concorreriam as
chamadas guras nacionais (embora no obrigatoriamente) e que te-
riam uma base de apuramento nacional, garantindo uma representao
minimamente proporcional, e haveria crculos primrios, de dimenso
mais reduzida que os actuais crculos distritais (embora alguns deles j
no possam ser mais reduzidos) que permitiriam aos eleitores eleger
os seus deputados.
Esta ideia da conjugao do crculo nacional com outros crculos
(designadamente uninominais) constou j de outras propostas, desig-
nadamente do PS em 1998. Nessa altura, com uma grave decincia
(entre outras) que era a no previso de um duplo voto que, a no exis-
tir, inviabilizava completamente a lgica do sistema. Ou seja: haveria
um crculo nacional segundo uma lgica de representao nacional e
crculos de dimenso reduzida segundo lgicas regionais, mas o eleitor
s tinha um voto. Ou escolhia uma lgica ou escolhia a outra. No faria
sentido. Os autores da presente proposta tentam resolver o problema
com diversos antdotos, a saber: o duplo voto e a possibilidade de listas
no bloqueadas que permitiriam seleccionar de entre os candidatos.
Mais uma vez, compreendo, mas no me entusiasmo.
92
5.
O carcter nacional
da representao
N
o me entusiasmo, tendo em considerao desde logo
o estatuto constitucional da Assembleia da Repblica
e dos seus deputados. A Constituio proclama que
a Assembleia da Repblica a assembleia represen-
tativa de todos os cidados portugueses (artigo 147),
que os deputados representam todo o pas e no os crculos por que
so eleitos (artigo 152, n. 2) e que os deputados exercem livremente
o seu mandato, sendo-lhes garantidas condies adequadas ao ecaz
exerccio das suas funes, designadamente ao indispensvel contacto
com os cidados eleitores e sua informao regular (artigo 155, n. 1).
A armao da Assembleia da Repblica como assembleia repre-
sentativa de todos os cidados e de cada deputado como represen-
tante de todo o pas e no apenas do seu crculo de eleio plena
de consequncias. A sua razo de ser precisamente a de evitar os
deputados locais ou regionais e, por outro lado, armar o prin-
cpio do mandato livre, no imperativo, no vinculado aos eleito-
res que participaram na eleio do deputado. A viso do deputado
eleito pelo seu crculo de que mandatrio e presta contas aos seus
eleitores foi historicamente ultrapassada. Sucessivas constituies
armaram que os deputados no representam o crculo mas a na-
o ou o povo considerados globalmente, o que correspondeu a
proclamar a concepo da inexistncia de um mandato imperativo
de crculo. Hoje, essa concepo est ultrapassada, mesmo onde os
sistemas eleitorais so baseados na maioria simples em crculos uni-
nominais ou onde existe a representao proporcional personaliza-
da. No quer dizer que no se veriquem formas de relao do de-
putado com eleitores do crculo que o elegeu; claro que se vericam
e bom que se veriquem; mas essas relaes so menos importan-
tes do que a relao do deputado com o seu partido e eventualmente
com outros interesses organizados.
93
Voltando s funes que os deputados so chamados a desempenhar,
importa notar que a Constituio, apesar de proclamar que os deputados
representam todo o pas, no deixa de lhes garantir condies adequadas
ao ecaz exerccio das suas funes, designadamente ao indispensvel con-
tacto com os cidados eleitores e sua informao regular. Desde h vrios
anos que os governos civis esto incumbidos de assegurar um espao nas
suas instalaes para que os deputados eleitos pelo respectivo crculo, ou
outros que l se desloquem, possam receber eleitores. Porm, tais espaos
no so em regra utilizados. O contacto dos deputados com os eleitores
normalmente mediado pelas estruturas partidrias regionais ou locais.
Constitucionalmente, a Assembleia da Repblica possui um am-
plo conjunto de competncias. Competncias polticas, que vo des-
de a aprovao de alteraes Constituio at aprovao de trata-
dos internacionais, passando pelos estatutos das regies autnomas,
pelo Oramento do Estado, pela concesso de amnistias, ou pela au-
torizao para declarar a guerra e fazer a
paz (artigo 161.). Competncias legisla-
tivas genricas, com uma vasta reserva de
competncia legislativa, absoluta ou rela-
tiva (artigos 164. e 165.). Competncias
quanto a outros rgos, que vo desde a
eleio de titulares para vrios rgos do
Estado at votao de moes de con-
ana ou de censura ao Governo, passan-
do pela autorizao ao Presidente da Repblica para se ausentar do
pas (artigo 163.). Finalmente, competncias de scalizao, nas quais
se inclui uma alnea que permite aos deputados vigiar pelo cumpri-
mento da Constituio e das leis e apreciar os actos do Governo e da
Administrao (artigo 162.). Aqui, neste ltimo ponto, comea e pra-
ticamente acaba a interveno dos deputados em assuntos de relevn-
cia exclusivamente local ou regional.
A existncia de um duplo voto consagraria a existncia de facto de de-
putados com estatutos distintos. Onde a Constituio no permite distin-
guir, a lei eleitoral distinguiria. Os deputados, constitucionalmente repre-
sentam toda a nao e no os crculos por onde so eleitos. Seria assim,
________
A existncia de
um duplo voto
consagraria
a existncia de facto
de deputados com
estatutos distintos
________
94
para todos, quando uns seriam eleitos pelo conjunto na nao e outros
seriam eleitos nos crculos como seus representantes? Na verdade, seria,
dado que as funes constitucionais, os poderes e os deveres de uns e de
outros seriam absolutamente iguais, por imperativo constitucional.
6.
A proximidade entre
eleitos e eleitores
E
stas consideraes no signicam que, em minha opi-
nio, os deputados no devam ter uma relao de proxi-
midade com os cidados que os elegem. Considero que
devem ter e que muito importante para a qualidade
da democracia, que tenham. Deve haver uma relao de
proximidade entre eleitos e eleitores. Mas essa relao de proximida-
de deve ser feita sem equvocos.
Do meu ponto de vista seria um equvoco grave pensar que os depu-
tados so eleitos como procuradores de interesses locais ou regionais
e que o que distingue os deputados no so as famlias polticas a que
pertencem, as ideologias que professam, os projectos de sociedade que
defendem, as polticas concretas que preconizam para o pas, as leis que
propem e votam, mas os crculos territoriais que representam. Seriam
um grave equvoco pensar que os deputados deixariam de se dividir em
comunistas, sociais-democratas ou liberais, para passarem a dividir-se,
na sua prtica poltica concreta, em beires, alentejanos, ou algarvios, em
funo dos interesses concretos das populaes que representassem.
Ser ento foroso concluir que o distanciamento entre os cidados
e a poltica um mal sem remdio? No foroso que seja, e considero
mesmo indispensvel melhorar a relao entre os cidados e o fun-
cionamento do sistema poltico, de muitas e variadas maneiras, todas
relacionadas com a prtica poltica e com a instituio de mecanismos
que aumentem as possibilidades reais de participao e que revelem
respeito pela opinio e pela vontade dos cidados.
95
No funcionamento da Assembleia da Repblica, importa sem d-
vida viabilizar em termos prticos a possibilidade de iniciativa legis-
lativa popular, dignicar o exerccio do direito de petio, dar maior
relevo regimental ao tratamento de assuntos de interesse relevante,
mas tambm indispensvel melhorar muitos outros aspectos da vida
poltica, como a transparncia no exerccio de funes pblicas, o re-
gime de transparncia no nanciamento dos partidos e nas despesas
eleitorais, o reforo da participao real dos cidados na tomada de
decises polticas a todos os nveis.
7.
Em concluso
N
o tenho uma viso conservadora quanto ao sistema
eleitoral. Apesar de no hesitar em opor-me a qual-
quer mudana pela mudana ou a qualquer mudana
que, em minha opinio, seja para pior, considero que
o nosso sistema eleitoral podia ser melhorado desig-
nadamente quando proporcionalidade, que j se encontra hoje fran-
camente diminuda.
A maior divergncia que assumo em relao ao sistema proposto
por Andr Freire, Manuel Meirinho e Diogo Moreira reside na consi-
derao diferente que temos quanto ao que possvel alterar por via
do sistema eleitoral. Os autores pretendem mudar o sistema eleito-
ral de forma a melhorar a relao entre os eleitos e os eleitores e com
isso a qualidade da democracia. Tambm entendo que essa relao e a
qualidade da democracia podem e devem ser melhoradas, mas j no
considero que essa melhoria dependa, no essencial, de alteraes a in-
troduzir no sistema eleitoral, mas de instrumentos e prticas polticas
de limitao e de scalizao do exerccio do poder, e de reforo dos
poderes de interveno dos prprios cidados na vida poltica e no es-
crutnio da actividade governativa e parlamentar.
REVISTA DE ASSUNTOS ELEITORAIS 97
COMENTRIO AO ESTUDO
SOBRE A REFORMA DO
SISTEMA POLTICO
PARA UMA MELHORIA DA
REPRESENTAO POLTICA
Pedro Pestana Bastos
1

A
temtica da reforma do sistema eleitoral objecto de
discusso acadmica e poltica permanente. Na nos-
sa histria recente podemos identicar dois picos no
debate poltico, o primeiro desses picos ocorreu na
segunda metade da dcada de 80 e na altura a grande
preocupao foi, sobretudo, reformar o sistema por forma a reforar as
condies de governabilidade. Na verdade entre Dezembro de 1979 e
Julho de 1987 tivemos cinco eleies legislativas, o que equivale a uma
mdia de uma eleio em cada 18 meses. O sistema sado da revoluo
parecia esgotado e sem condies para assegurar a estabilidade e gover-
nabilidade.
Foi sobretudo esse o pano de fundo dos grande debates dos anos
80 que culminaram nos projectos legislativos de reforma do sistema
eleitoral. No obstante as tentativas, sobretudo do PSD, a verdade
que no foi possvel chegar a um consenso com o PS, pelo que os 2/3
de votos necessrios no Parlamento para ser aprovada uma reforma
eleitoral nunca foram atingidos, nunca tendo o PS cedido s propostas
do PSD que restringiam a proporcionalidade atravs sobretudo da al-
1
Dirigente do CDS-PP (Centro Democrtico Social Partido Popular), advogado, jurisconsulto e
especialista em sistemas eleitorais e legislao conexa.
98
terao dos crculos eleitorais e da diminuio do nmero de deputa-
dos. De qualquer modo por consenso foi aprovada uma diminuio do
nmero de deputados de 250 para 230 que no alterou a natureza do
sistema eleitoral portugus.
Entretanto assistimos a uma maturao do sistema a partir do -
nal dos anos 80 que se prolongou pelos anos 90 e at aos nossos dias.
Recentemente o tema tem voltado a despertar o interesse tanto dos
acadmicos como dos politicos sendo que estamos a assistir ao incio
de um novo pico que dever terminar com uma reforma do sistema
eleitoral. Mas se a grande preocupao nos anos 80 era a governabili-
dade agora a principal preocupao anda volta da representatividade
dos Deputados.
2.
O actual sistema eleitoral
e a sua reforma
E
m qualquer reforma do sistema eleitoral devemos testar
quatro pontos essenciais: Governabilidade, a represen-
tatividade, a proporcionalidade e a qualidade.
O TESTE DA GOVERNABILIDADE
O nosso sistema j deu para tudo (a) maiorias absolutas de um s
partido, (b) maiorias absolutas de coligaes pr-eleitorais, (c) maio-
rias relativas (d) maiorias absolutas ps- eleitorais.
No devemos esquecer que h mais de 20 anos que o Parlamento
no aprova uma moo de censura ou responsvel pela queda de um
Governo, sendo que as nicas duas vezes que nos ltimos 20 anos um
Governo no chegou ao m da legislatura, tal deveu-se ou a iniciativa
do Primeiro Ministro (caso da demisso do Eng Guterres) ou a ini-
ciativa do PR (caso de dissoluo da AR pelo Presidente Sampaio por
99
problemas com o Governo de Santana Lopes). Podemos concluir assim
que o actual sistema provou neste aspecto, e que passa com distino
no teste da Governabilidade.
O TESTE DA PROPORCIONALIDADE
A existncia de muitos crculos de pequenas dimenso (5 ou menos
Deputados) afecta a proporcionalidade a qual no nosso sistema com-
pensada parcialmente atravs dos grandes crculos eleitorais. Em ter-
mos globais o sistema assegura uma proporcionalidade mitigada mas
que j no permite mais compresses. Os nmeros so os seguintes:
Ou seja, os dois maiores partidos obtiveram 73% dos votos mas tm
84% dos deputados, enquanto os trs outros partidos no obstante te-
rem tido no conjunto 21,7% dos votos tm apenas 16% dos deputados.
A causa desta proporcionalidade mitigada no se deve ao mtodo de
Hondt como costume dizer-se. Caso houvesse um crculo nico na-
cional e fosse aplicado o mtodo de Hondt a proporcionalidade seria
quase perfeita. A verdadeira causa a dimenso dos crculos eleitorais
sendo que todos os votos do BE de 15 Distritos e do CDS de 10 Distritos
so completamente desperdiados. Com a actual dimenso dos crculos
eleitorais os partidos at 20% tm menos Deputados do que a percenta-
gem de votos, e a situao inverte-se quando as votaes so superiores
a 20%. De qualquer modo mesmo que de forma mitigada, o sistema pas-
sa o Teste da Proporcionalidade.
Quadro 1
Resultados das eleies legislativas de 2005

PS
45,3%
27,4%
7,6% 7,3% 6,8%
52%
32%
6,5%
5,3%
4,2%
PSD
CDU CDS BE
Votos
Deputados
100
O TESTE DA REPRESENTATIVIDADE
A quase totalidade dos deputados no reconhecida pelos elei-
tores que, na sua esmagadora maioria no sabe sequer quem so os
Deputados do seu crculo eleitoral. Por outro lado, a grande parte dos
Deputados acaba por no efectuar traba-
lho efectivo junto das populaes do seu
crculo. Ou seja, o sistema no passa no
teste da representatividade
O TESTE DA QUALIDADE
Decorre dos demais testes uma vez que a qualidade dos Deputados
est directamente ligada proporcionalidade e representatividade do
sistema. Existiro tendencialmente melhores condies de recrutamen-
to de Deputados num sistema em que, por um lado existam condies
de representatividade, aproximando eleitores a eleitores e por outro es-
teja assegurada a proporcionalidade por forma a que todas as correntes
da sociedade estejam equitativamente representadas no Parlamento.
3.
O estudo publicado
para uma melhoria da
representao poltica
S
e defendemos que o nosso sistema passa nos testes da
proporcionalidade e governabilidade, mas no no tes-
te da representatividade ento teremos que identicar
como o principal objectivo de uma reforma eleitoral
aproximar eleitos e eleitores sem ferir a proprocionali-
dade e a governabilidade. Acessoriamente se a reforma permitir ou-
tros objectivos como encontrar frmulas de atrair a participao de
independentes e estabelecer condies para atrair cada vez melhores
candidatos a deputados, ptimo.
________
O sistema no
passa no teste da
representatividade
________
101
Um dos principais contributos que o estudo trouxe ao debate foi a
anlise efectuada em termos comparados entre democracias maio-
ritrias, em que os Governos so provenientes de solues uniparti-
drias, e democracias consociativas, onde os Governos resultam de
solues coligatrias pr ou ps eleitorais. Os resultados indicam-nos
que no existem diferenas relevantes
nas performances macroeconmicas
nas vrias solues mas j so detec-
tadas diferenas signicativas ao nvel
do grau de participao dos cidados
e no grau de satisfao dos eleitores
em relao ao funcionamento da de-
mocracia. Este dado a par da circuns-
tncia de em 25 dos Estados da UE
90% serem governados por solues consociativas, leva-nos a pen-
sar quais as razes para que em Portugal a ideia de maioria absoluta
de um s partido seja ainda popular. Parece-nos claro que as causas
esto na diculdade em, 35 anos aps a revoluo, os partidos da es-
querda se entenderem em solues governativas. Este fenmeno leva
a que esquerda as solues embora mais diceis de atingir sero
tendencialmente de um s partido sendo que direita a situao a
inversa. Esta realidade leva a que na verdade seja mais fcil encontrar
solues consociativas direita. Num futuro que prevejo prximo tal
fraqueza do sistema poder ser superada. Na verdade, aos poucos
percebe-se que as condies para que PS e BE protagonizem uma so-
luo consociativa se vo reunindo. Com certeza no ser com Jos
Scrates frente do PS mas hoje a perspectiva de uma soluo de
incidncia parlamentar PS-BE no parece j impossvel o que poder
equilibrar o sistema.
A segunda realidade que o estudo encara numa perspectiva sria
a questo do nmero de deputados. Na verdade at publicao do
estudo o debate volta da reforma do sistema eleitoral andava so-
bretudo volta do nmero de deputados sendo que o trabalho apre-
sentado demonstra, sem margem para dvidas, que em Portugal, em
termos comparados, no existe um nmero excessivo de deputados.
________
As causas esto na
diculdade em, 35 anos
aps a revoluo,
os partidos da esquerda
se entenderem em
solues governativas
________
102
Naturalmente que os Estados-maiores tm tendncia para ter um n-
mero de eleitores por deputado superior aos Estados pequenos. Da mes-
ma forma natural que nos pequenos Estados o nmero de eleitores por
Deputado seja mais pequeno. Isto para concluir que as comparaes s-
rias devem ser feitas com os estados mdios com populaes entre os 7 e
os 13 milhes de habitantes pois so esses que so comparveis a Portugal.
E neste aspecto a anlise tambm no deixa dvidas. Dos estados da UE
com dimenso prxima da portuguesa em termos de nmero de eleito-
res, Portugal o segundo pas com mais eleitores por deputado.
Para alm desta comparao, uma reduo do nmero de deputados
originaria um grande problema de sub-representao do interior com
grandes problemas de deserticao para alm de originar uma com-
presso muito relevante da proporcionalidade. Por outro lado, um e-
ciente funcionamento de todas as comisses parlamentares exige um
nmero de deputados prximo do actual. Tudo o resto populismo de
partidos que pretendem, com o pretexto da diminuio de deputados,
comprimir o grau de proporcionalidade do sistema.
A principal novidade do estudo a proposta de introduo de voto
preferencial e da existncia de mltiplos segmentos. Preconizamos
o sistema de voto preferencial nos crculos primrios como propos-
to. Tem a vantagem de aproximar eleitos de eleitores sem afectar a
proporcionalidade e sem os inconvenientes dos crculos uninominais
Quadro 2
ndice de deputados eleitos por nmero de eleitores

Austria
33 mil
Dinamarca
30 mil
Eslovquia
36 mil
Bulgria
35 mil
Grcia
35 mil
Hungria
25 mil
Suia
26 mil
Rpublica
Checa
37 mil
Sucia
27 mil
Blgica
47 mil
Portugal
43 mil
103
(caciquismo, nanciamento, legitimidade uninominal). A soluo de in-
troduo de um crculo nacional permite compensar a retraco da pro-
porcionalidade decorrente da diminuio na dimenso mdia dos crcu-
los primrios e os votos perdidos. Este sistema permite uma aproximao
de eleitos e eleitores sem se cair nos perigos, latentes na sociedade portu-
guesa, de caciquismo e localismo, os quais surgiriam inevitavelmente em
caso de introduo de crculos uninominais.
J no que se refere proposta de listas aparentadas temos muitas re-
servas, no tanto pelo princpio mas mais pela sua difcil compatibilidade
com o voto preferencial. O sistema de listas aparentadas pode ser inte-
ressante no aproveitamento de restos de
partidos do mesmo plo mas entende-
mos que dicilmente compatvel com
o princpio do voto preferencial podendo
ter consequncias perversas uma vez que
os eleitores podem escolher o candida-
to. No fundo o partido mais pequeno do
polo estaria a engordar com os seus votos
a votao do partido do mesmo plo com
maior dimenso sendo que, por fora do
voto preferencial, na prtica os deputados eleitos por via de aproveita-
mento de restos seriam sempre os do partido maior de cada plo.
Mas se em relao ao princpio das listas aparentadas temos algu-
mas dvidas, a nossa maior critica proposta refere-se soluo geogr-
ca apresentada. No h nada mais sensvel em Portugal do que mexer
em territrio. As solues concretas de diviso dos crculos devem cor-
responder a realidades existente e no a meros exerccios de engenharia
de territrio ou nmeros. Para dar um exemplo a soluo que apresen-
tada no estudo junta Vila Verde a Guimares em vez de juntar Vila Verde
a Braga. Quem conhea a rivalidade Braga/ Guimares e a ligao de Vila
Verde a Braga saber que Vila Verde nunca aceitar integrar o crculo de
Guimares em vez do de Braga.
Para alm da soluo concreta no corresponder a unidades culturais
existentes, e soluo preconizada no estudo tem como consequncia a
existncia de crculos de dimenso muito dispare entre 5 e 14 candidatos.
________
As solues concretas
de diviso dos crculos
devem corresponder
a realidades existente
e no a meros exerccios
de engenharia de
territrio ou nmeros
________
104
A opo deve passar pela diviso administrativa existente (CCDR
e reas Metropolitanas) e no por um mapa eleitoral que no cor-
responda a unidades administrativas.
Tendencialmente os novos crculos
devero ter dimenses semelhantes
por forma a no originar grandes di-
ferenas na capacidade dos partidos
elegerem deputados.
4.
Concluso
M
uito embora tenhamos as reservas que qualquer tra-
balho desta natureza sempre suscita, consideramos
o trabalho coordenado pelo Prof Andr Freire, e em
co-autoria com Manuel Meirinho e Diogo Moreira,
o principal contributo para que o debate da reforma
do sistema eleitoral, enquanto debate essencial ao desenvolvimento
da Democracia, tenha deixado de estar centrado apenas e sobretudo
no nmero de Deputados. Na verdade, o debate volta da reduo
do nmero de deputados no contribui para nada e apenas contribui
para fragilizar ainda mais o prestgio do Parlamento. Por outro lado,
o estudo e os debates que se lhe seguiram trouxeram o debate de-
nitivamente para a universidade, para os jornais e para a sociedade
civil. Se a reforma do sistema fosse feita sobretudo nos corredores de
So Bento e no silncio dos aparelhos partidrios seria uma reforma
anti-democrtica que descredibizaria, talvez denitivamente a classe
poltica. Esperemos agora que o debate no volte a ser monopolizado
pelos aparelhos partidrios e se alargue a toda a sociedade.
________
A opo deve passar
pela diviso
administrativa
existente (CCDR e
reas Metropolitanas)
e no por um mapa
eleitoral que no
corresponda a unidades
administrativas
________
REVISTA DE ASSUNTOS ELEITORAIS 105
OS MITOS DO
BLOCO CENTRAL
Pedro Soares
1

O
estudo dos investigadores Andr Freire, Manuel
Meirinho e Diogo Moreira sobre a reforma do sis-
tema eleitoral
2
abala a generalidade dos mitos que
os partidos do chamado bloco central tm vindo a
construir nesta matria. PS e PSD h muito que par-
tem de uma base comum: ambos defendem a introduo de crculos
uninominais no sistema de eleio para a Assembleia da Repblica.
A efabulao de que o pas tem um problema de governabilidade e de
excessiva fragmentao partidria sustentou a mitologia do discurso
do bloco central em defesa daquela espcie de upgrade de sinal con-
trrio, que mais no seria do que transformar o sistema eleitoral num
somatrio de sociedades unipessoais, com a diminuio da proporcio-
nalidade e a degradao da qualidade da representao.
Objectivamente, os crculos uninominais transformam os eleitos
em pretensos representantes dos seus eleitores e tambm dos que se
lhe opem. Introduzem factores gritantes de desproporcionalidade
entre os votos expressos e a representao obtida por cada fora pol-
1
Dirigente do Bloco de Esquerda (BE), actualmente (e em 2005) candidato a deputado pelo crcu-
lo de Braga, e que j desempenhou as funes de representante do BE na Comisso Nacional de
Eleies, nomeadamente durante a X Legislatura.
2
Freire, A., Meirinho, M., Moreira, D. (2008), Para uma melhoria da representao poltica A reforma
do sistema eleitoral, Lisboa, Sextante Editora.
106
tica. certo que as propostas que tm surgido propem, igualmente,
a formao de crculos de compensao escala regional e nacional,
que permitiriam atravs do reaproveitamento de votos ou mesmo
pelo voto duplo, repor a proporcionalidade no sistema determina-
o constitucional e permitir a eleio de deputados aos restantes
partidos. Porm, s assim teoricamente ou nas projeces realizadas
a partir dos resultados eleitorais anteriormente obtidos com o siste-
ma de crculos plurinominais actualmente em vigor. Quem conhece a
realidade da confrontao poltica, percebe de imediato que o efeito
prtico da criao dos crculos uninominais seria o do crescimento
da bipolarizao no debate e do bipartidarismo na representao. Ou
seja, os benecirios directos seriam PS e PSD e, no menos provvel,
a promoo de uma nova vaga de caciquismo local e regional.
Esta linha para a reforma eleitoral coerente com o projecto de lei
apresentado pelo PS e PSD, na Legislatura que agora termina, para a
reforma do sistema eleitoral dos rgos das autarquias locais. Em vez
da representao proporcional das candidaturas nos executivos mu-
nicipais, como agora se verica, aquela iniciativa legislativa apontava
para a formao de maiorias absolutas, absolutamente articiais na ge-
neralidade dos municpios - de acordo com a leitura permitida pelos
resultados eleitorais da histria da democracia local, com poderes aos
presidentes de cmara para escolherem e destiturem os seus verea-
dores segundo os seus prprios critrios pessoais. A discricionarieda-
de do presidente da cmara aumentaria exponencialmente e o grupo
maioritrio passaria a ter uma concentrao opressora de poderes.
De facto, a linha comum do PS e PSD para as legislativas e autr-
quicas a da criao de entidades unipessoais com poderes executi-
vos e de representao extraordinrios, ao mesmo tempo que reduz
as oposies menor expresso possvel. to mais estranho quan-
to, como se sabe, tanto a nvel nacional, como tambm nas autarquias
locais, no h qualquer problema signicativo de governabilidade.
Antes pelo contrrio, as pginas dos jornais esto cheias de episdios
de dce, isso sim, de capacidade de scalizao dos vereadores e das
assembleias municipais sobre as maiorias nos executivos camarrios
que governam sem grande conitualidade. Torna-se difcil de enten-
107
der que esta linha reformista acrescente alguma coisa democracia.
O estudo dos referidos autores vem demonstrar com brilhantismo
que os crculos uninominais no correspondem a uma necessidade
do pas real, mas to s, na nossa perspectiva, necessidade que os
partidos do bloco central sentem de reforar e blindar as respec-
tivas hegemonias de representao no
sistema poltico portugus. Sendo os
partidos do rotativismo e tendo sido
construdos sombra do Estado, PS
e PSD receiam perder a quase exclu-
sividade prtica do acesso aos canais
do Poder, seja ao nvel nacional ou
escala local.
Portugal, onde, de acordo com os
autores citados, a qualidade da repre-
sentao poltica se ressente de um
relativamente elevado nvel de des-
proporcionalidade do sistema eleito-
ral, tendo em conta a mdia europeia,
tambm o pas onde os partidos que
se tm revezado no governo e com ca-
pacidade, em conjunto, de reviso das
leis eleitorais, se propem reformar o
sistema para lhe introduzir acrescidos
factores de distoro da proporcionali-
dade que, na realidade, signica bloquear o plural acesso das correntes
de opinio representao democrtica.
A hipocrisia poltica de uma reforma eleitoral, com criao de crcu-
los uninominais, como forma de os aproximar [os eleitos] dos eleito-
res (Programa Eleitoral do PS para as Legislativas/2005) no tem, no
estudo a que nos temos estado a referir, qualquer apoio tcnico e cien-
tco em sua defesa. A mudana de crculos eleitorais plurinominais
para crculos uninominais s conduziria ao agravamento da deciente
qualidade da representao do nosso sistema eleitoral, com enorme
prejuzo para a relao dos eleitos com os eleitores e, necessariamente,
________
Os crculos
uninominais no
correspondem
a uma necessidade
do pas real, mas
to s, na nossa
perspectiva,
necessidade que
os partidos do
bloco central
sentem de reforar
e blindar as respectivas
hegemonias de
representao no
sistema poltico
portugus
________
108
para as instituies onde se processa a representao, em particular a
sua legitimao e credibilizao perante a opinio pblica.
Os autores referem mesmo que as relativamente elevadas distor-
es proporcionalidade () resultaro, primeiro, da existncia de
bastantes crculos muito pequenos (na emigrao, no interior norte e
sul, nas ilhas) e, segundo, tambm do padro da competio partidria
(muito pouco fragmentada desde 1987). (Freire et al. 2008:31). Ora,
neste quadro, propor crculos uninominais s poderia agravar os ci-
tados indutores da desproporcionalidade, porque os crculos seriam
reduzidos estrita dimenso necessria para eleger um deputado, e a
concentrao partidria, o contrrio da fragmentao, atingiria a sua
expresso mxima.
O bloco central cou sem qualquer argumento plausvel para in-
troduzir uma reforma do sistema eleitoral que acabe por o tornar me-
nos proporcional, menos plural e menos democrtico.
2.
O factor de rigidez do sistema
U
ma das fobias polticas que o bloco central tem
procurado incorporar na sociedade portuguesa, con-
siste em criar o medo pela ingovernabilidade do pas,
em funo da impossibilidade de formao de uma
maioria parlamentar de sustentao do governo, caso
os restantes partidos obtenham uma percentagem expressiva do voto
popular. Apresenta-se esse desgnio de formar uma maioria poltica
como uma espcie de exclusivismo do PS e PSD.
J comum que alguns comentadores, s portas de novas eleies
legislativas, se desdobrem em frases chocantes e angustiadas perante
a eventualidade de Bloco de Esquerda e PCP poderem somar qualquer
coisa prxima dos 20% dos votos validamente expressos. O espectro
da ingovernabilidade agitado, como se uma qualquer peste estivesse
prestes a abater-se sobre o pas.
109
De referir que os autores do estudo, so muito claros quanto ao
facto de no existirem diferenas signicativas entre as democracias
maioritrias (tipo Westminster) e as democracias consociativas (asso-
ciadas aos governos de coligao) em termos de performance macro-
econmica (Freire et al. 2008:53), adiantando que as diferenas mais
relevantes so favorveis s democracias que partilham o poder (par-
ticipao dos cidados, representao das mulheres, proteco social
e satisfao dos eleitores). Quer isto dizer que, as maiorias absolutas,
que parecem ser o alfa e o mega dos partidos do bloco central, no
so propriamente a soluo mais recomendvel para a governao, no
havendo qualquer razo para o seu surgimento seja forado.
No nosso entendimento, esta espcie de buraco negro em que
se tornou a procura de maiorias absolutas, ao ponto de se proporem
distores proporcionalidade para que se obtenham, nem que seja
na secretaria, maiorias prova de quase tudo, constitui um dos ele-
mentos mais marcantes da rigidez que o sistema aparenta e, de facto, o
maior problema para a governabilidade.
A hegemonia absoluta sobre o sistema em que se tornou o bloco
central, levou a que os partidos que o constituem pouco se diferen-
ciem nas polticas quando passam pelo governo, naquilo que tudo indi-
ca ser um programa comum cumprido por ambos em alternncia. Tm
convergido nesse centro uma amlgama de eleitores, de direita e
de esquerda, muitos deles imensamente crticos dessa realidade, mas
que at agora no descortinavam outra soluo governativa fora desse
quadro. Esta situao no forneceu uidez e, pelo contrrio, tornou o
sistema rgido e sem alternativas, com diculdades extremas em se re-
generar no sentido de qualquer coisa do gnero das democracias con-
sociativas a que os autores se referem.
Constata-se que, em Portugal, embora apenas esquerda, tem ha-
vido diculdades em formar coligaes (Freire et al. 2008:53). Na
verdade, o bloqueamento hegemnico em que o bloco central quis
transformar a vida poltica portuguesa no alimenta qualquer espe-
rana quanto a coligaes. Quem que est disponvel para uma alian-
a com os antpodas do seu programa eleitoral? Contudo, ningum
duvida hoje em dia que so possveis convergncias com sectores da
110
esquerda que se diferenciam das polticas do bloco central. A implo-
so ou, no imediato, o emagrecimento dos partidos do bloco central,
sendo da mais elementar higiene poltica, vai conferir novas possibili-
dades e, sobretudo, respirao ao sistema.
Finalmente, no queramos deixar de assinalar que o PS no se
mostrou disponvel, at ao momento, para assumir as propostas do tra-
balho elaborado por Freire, Meirinho e Moreira, que teria sido enco-
mendado pelo prprio grupo parlamentar do PS para fundamentar um
novo projecto de lei eleitoral a apresentar Assembleia da Repblica.
A destruio dos mitos sempre dolorosa para quem os alimentou.
REVISTA DE ASSUNTOS ELEITORAIS
Comentrios
acadmicos proposta
de reforma do sistema
eleitoral:
Para uma melhoria da
representao poltica
a reforma do sistema
eleitoral
Conceio Pequito Teixeira
Paulo Morais
SECO III
REVISTA DE ASSUNTOS ELEITORAIS 113
AINDA (E SEMPRE)
A REFORMA DO SISTEMA
ELEITORAL ENTRE
O MPETO REFORMISTA
E O IMPERATIVO
CONSERVADOR
Conceio Pequito Teixeira
1

1.
Introduo
M
ais de trinta anos aps a transio democrtica em
Portugal, parece ser consensual entre todos que o
debate sobre a reforma do sistema eleitoral para a
Assembleia da Repblica constitui um tema antigo
e recorrente na agenda e no discurso polticos dos
principais partidos portugueses, o qual tem sido recuperado incessan-
temente e at ver, inutilmente! a cada nova legislatura, como se
de um mera formalidade ou ritual se tratasse, mas sempre com efeitos
puramente retricos e inconsequentes.
E tal assim desde a elaborao da primeira (e nica) Lei Eleitoral
ps-revolucionria, a qual, na observncia da Constituio da Repblica
de 1976, consagrou o sistema de representao proporcional, segundo
o mtodo de apuramento da mdia mais alta de Hondt; instituiu os
crculos eleitorais de base distrital e regional; proibiu a previso de
1
Instituto Superior de Cincias Sociais e Polticas (ISCSP-UTL)
114
clusulas-barreira, mediante a exigncia de uma percentagem de vo-
tos nacional mnima; e, no menos importante, garantiu aos partidos
polticos o exclusivo da apresentao de candidaturas ao rgo parla-
mentar, criando as condies necessrias para a posterior e hoje to
criticada e contestada deriva partidocrtica do sistema democr-
tico portugus.
Curiosamente, desde a sua gnese, o debate sobre a necessidade da
reforma do sistema eleitoral tornou-se uma exigncia aparentemen-
te partilhada pelos dois maiores partidos de cuja vontade depende,
como sabido, qualquer reforma nesta matria. Porm, no pode dei-
xar de ser manifestamente intrigante e talvez no que, sob este
aparente consenso quanto necessidade de rever o actual sistema elei-
toral, todas as propostas de reforma entretanto apresentadas e defen-
didas pelos dois maiores partidos Partido Socialista e Partido Social
Democrata quer nos seus sucessivos manifestos e compromissos
eleitorais, quer em sede de reviso constitucional suportadas, in-
clusivamente, por estudos prvios desenvolvidos por acadmicos e es-
pecialistas no estudo dos sistemas eleitorais, caracterizados pela sua
suposta neutralidade axiolgica e exigida iseno partidria tenham
pura e simplesmente fracassado. Ou, dito de outro modo: no tenham
conseguido ir alm da mera retrica poltica reformista, sem que esta ti-
vesse tido quaisquer implicaes concretas no plano legislativo, como
seria de esperar e, acima de tudo, como seria necessrio e desejvel.
2.
Avaliao poltica do rendimento
do actual sistema eleitoral
E
sta situao torna-se tanto ou mais intrigante quando os
dois maiores partidos parecem partilhar o mesmo diag-
nstico quanto avaliao que fazem do rendimento do
actual sistema eleitoral, tanto quanto s suas virtudes
como quanto aos seus defeitos.
115
Na realidade, parece no oferecer quaisquer dvidas que ambos os
partidos concordam que o actual sistema eleitoral deu provas mais do
que sucientes em matria de governabilidade, na medida em que, e ao
contrrio das prprias expectativas dos seus pais fundadores, permi-
tiu a formao de sucessivas maiorias de governo basta lembrar que,
desde 1987, se registou uma tendncia para a concentrao de votos
nos dois maiores partidos, a qual permitiu a formao de trs maiorias
de um s partido, duas do Partido Social Democrata na dcada de 1990
e a actual maioria absoluta do Partido Socialista, mostrando, assim,
que a maioria dos eleitores orientam a sua conduta eleitoral essencial-
mente em funo do valor da estabilidade governativa.
O mesmo pode ser dito no que respeita, quer proporcionalidade
do actual sistema eleitoral, quer sua legitimidade. No primeiro caso,
embora se tenha registado um aumento signicativo do nvel de des-
proporcionalidade, o qual em termos comparativos relativamente
elevado tendncia que se deve sobretudo ao desenvolvimento dos
padres da competio partidria no perodo de consolidao e ps-
consolidao do regime democrtico em Portugal, ou seja, crescente
concentrao do voto nos dois maiores partidos, e no tanto s mu-
danas ocorridas no sistema eleitoral (que pouco ou nada mudou entre
1976 e 2005, excepto quanto reduo do nmero de deputados de
250 para 230) , o facto que ainda assim o aumento do nvel de des-
proporcionalidade no impediu a emergncia eleitoral de novas for-
maes polticas, umas efmeras, como foi o caso do PRD ou do PSN,
outras mais duradouras, de que o Bloco de Esquerda parece ser at
agora o exemplo paradigmtico.
Menos controversa ainda a armao de que o actual sistema
eleitoral no suscita, entre os dois maiores partidos polticos e os seus
principais dirigentes, quaisquer problemas nem quanto dedignida-
de dos resultados eleitorais, nem quanto justa converso dos votos
em mandatos, no se achando deslegitimado junto dos principais acto-
res polticos, em particular, ou da opinio pblica, em geral, por qual-
quer razo histrica, tcnica ou funcional.
Por tudo isto, facilmente se percebe que, pelo menos desde 1987 em
diante, tanto o Partido Socialista como o Partido Social Democrata,
116
reconheam de uma forma explcita que as dimenses da proporcio-
nalidade (i.e., a correspondncia entre percentagens de votos e per-
centagens de lugares) e da governabilidade (i.e., as condies para a
formao e manuteno de governos apoiados por maiorias parlamen-
tares, de um ou mais partidos) no constituem problemas relevantes
que justiquem uma reforma eleitoral, tornando-se necessrio bem
pelo contrrio tudo fazer para manter inalterado o actual funciona-
mento destas duas dimenses do nosso sistema eleitoral.
3.
Defeitos e disfunes
do actual sistema eleitoral
C
omo cou dito atrs, o aparente consenso entre os
dois maiores partidos no que respeita avaliao do
rendimento do actual sistema eleitoral vai bem mais
longe, na medida em que se estende inclusivamente
ao diagnstico sobre os seus principais defeitos ou dis-
funes, se bem que aqui a linha de demarcao entre o seu reconhe-
cimento formal e a sua assumpo efectiva seja mais difcil seno
mesmo impossvel de estabelecer. Referimo-nos, pois, ao mani-
festo reconhecimento do excessivo poder das direces partidrias
na seleco dos candidatos ao parlamento, uma vez que, em virtude
da impossibilidade de candidaturas independentes e da presena de
listas fechadas e bloqueadas, cabe sobretudo quelas a capacidade
de elaborar e ordenar as listas, encontrando-se, assim, a vontade dos
eleitores totalmente submetida vontade dos aparelhos e dirigentes
partidrios, limitando-se os primeiros a raticar atravs do voto as
escolhas que lhes so impostas pelos segundos, de forma mais ou me-
nos transparente, mais ou menos democrtica e da a necessida-
de de aumentar o poder do eleitor em relao ao eleito, atravs de
uma maior e mais directa participao na escolha dos candidatos
Assembleia da Repblica.
117
Quanto a este ponto, referimo-nos tambm ao aparente reconheci-
mento por parte dos dois maiores partidos Partido Socialista e Partido
Social Democrata da necessidade de criar condies institucionais
que promovam a proximidade entre eleitos e eleitores, assegurando,
desta forma, uma maior receptividade
e responsabilizao poltica dos primei-
ros face aos segundos; conferindo, ain-
da, tanto ao mandato parlamentar indi-
vidual como ao parlamento enquanto
instituio-chave da democracia repre-
sentativa, o capital de credibilidade e
conana que ambos tm vindo a per-
der junto da opinio pblica.
Com efeito, do discurso ocial dos
dois maiores partidos e das suas mais re-
centes propostas de reforma do sistema
eleitoral parece resultar que o objectivo
de promover a qualidade da represen-
tao parlamentar implica necessaria-
mente uma reforma do actual sistema
eleitoral no sentido de promover uma
relao mais directa entre eleitos e
eleitores atravs de mecanismos ins-
titucionais que assegurem uma maior
personalizao do mandato parlamen-
tar; assumindo-se, assim, de forma ex-
plcita e inequvoca, que a proximidade
e a prestao de contas dos eleitos para
com os eleitores (accountability) constituem valores relevantes a ter em
conta no funcionamento do sistema eleitoral, a par da proporcionalida-
de e da governabilidade.
Porm, e sem grande surpresa, o aparente consenso entre os dois
maiores partidos, quer quanto avaliao do rendimento do sistema
eleitoral, quer inclusivamente quanto s possveis solues a adoptar
na sua reviso, torna-se bastante mais difuso e problemtico quando se
________
Porm, e sem grande
surpresa, o aparente
consenso entre os
dois maiores partidos
polticos quer quanto
avaliao do
rendimento do sistema
eleitoral, quer quanto
s possveis solues a
adoptar na sua reviso,
torna-se bastante mais
difuso e problemtico
quando se transita do
mero mpeto reformista
em abstracto para o
plano da prtica poltica
em concreto, em que
o que sobressai , ainda
e sempre, o imperativo
conservador
________
118
transita do mero mpeto reformista em abstracto para o plano da pr-
tica poltica em concreto, em que o que sobressai , ainda e sempre, o
imperativo conservador.
Ora, justamente isso que parece explicar que o ltimo ciclo da
sempre adiada reforma do sistema eleitoral o qual se inicia no nal
da dcada de 1990 e se mantm em aberto at presente data em-
bora tenha sido marcado pela discusso em torno de solues em tudo
prximas visando, prima facie, o mesmo e nico propsito, isto ,
reforar a qualidade da representao parlamentar acabe no nal
por se revelar simplesmente inconsequente.
Se certo que, durante este ltimo ciclo, ganham sobretudo relevo,
quer no contexto dos programas e manifestos eleitorais dos dois maio-
res partidos, quer no mbito das suas vrias iniciativas legislativas, as
propostas de reforma eleitoral que se baseiam nas vantagens tericas
e tecnicamente associadas aos chamados sistemas eleitorais de repre-
sentao proporcional personalizada, tendo por principal inspirao o
modelo alemo para o que muito ter contribudo a reviso constitu-
cional de 1997, ao abrir caminho possibilidade de eventuais alteraes
da Lei Eleitoral mais ousadas e ambiciosas , no menos certo que tais
propostas, ainda que procurando encontrar uma soluo de compro-
misso entre o melhor de dois mundos i.e., a introduo de elemen-
tos prprios do sistema maioritrio no quadro de um sistema de matriz
proporcional nem por isso geraram o consenso inter e intra partidrio
necessrios para levar a cabo a to pretendida reforma, traduzindo-
se, mais uma vez, numa oportunidade lamentavelmente perdida!
Desta feita, muitas das crticas e hesitaes centraram-se funda-
mentalmente nos mritos e demritos associados introduo dos
crculos uninominais de apuramento se bem que integrados num
sistema de representao proporcional, atravs da sua articulao com
crculos eleitorais de apuramento de base distrital. Com efeito, aqueles
foram vistos, por uns, como uma condio indispensvel para promo-
ver a interveno mais directa e participada dos eleitores na compo-
sio das listas apresentadas pelos partidos nos respectivos crculos
uninominais, j que a se considerariam eleitos em primeiro lugar os
candidatos que tivessem obtido o maior nmero de votos entre todos
119
os candidatos concorrentes; mas tambm como uma condio capaz
de permitir uma maior autonomia do deputado individual face ao
aparelho do partido que o escolheu e pelo qual foi eleito, a par de
uma maior receptividade (responssiveness) e responsabilizao (ac-
countability) perante os eleitores do seu crculo.
A ideia defendida era, pois, a de que uma tal soluo poderia contri-
buir para atenuar alguns dos reconhecidos e denunciados defei-
tos do actual sistema eleitoral, no qual os eleitores no escolhem entre
os candidatos individualmente considerados, que pura e simplesmen-
te desconhecem e que pouco ou nada sabem sobre o que fazem so-
bretudo nos crculos plurinominais de grande magnitude mas antes
entre os partidos que os propem eleio; mas tambm no qual os
deputados uma vez eleitos, e dada a sua cooptao pelos rgos na-
cionais das estruturas partidrias a que pertencem, assumem perante
estes uma espcie naturalis obligatio, segundo a qual os seus critrios
pessoais devem ceder perante os critrios impostos pelos partidos, sob
pena de serem obrigados a abandon-los e a desistir assim da pos-
sibilidade ou da expectativa de prosseguir uma carreira poltica.
Opinies bem diversas foram sustentadas pelos crticos dos crcu-
los uninominais, chamando estes a ateno para o facto de o voto em
pessoas e no em partidos ou programas polticos poder levar a uma
maior personalizao da poltica, o que reforaria aquela que j uma
tendncia muito marcada do nosso actual sistema de governo. Como
de todos sabido, embora a eleio do governo seja indirecta isto ,
pertena formalmente ao parlamento a verdade que a autonomia
do governo hoje to ampla que na prtica este acaba por gozar de
uma legitimidade electiva directa. O que no pode deixar de con-
tribuir para que as eleies legislativas assumam cada vez mais um
carcter excessivamente personalizado seno mesmo plebiscitrio
centrando-se as campanhas eleitorais a nvel nacional, os discursos
e as mensagens polticas, bem como o interesse e cobertura mediticos
na gura dos candidatos a primeiro-ministro em detrimento dos parti-
dos e das suas respectivas orientaes ideolgicas e programticas.
Transpor esta tendncia para o nvel local s poderia signicar,
para os crticos das supostas vantagens tericas da uninominalida-
120
de, promover ainda mais a j excessiva desinstitucionalizao da vida
poltica e todos os perigos a ela inerentes, nomeadamente o facto de
as diferenas entre os partidos virem a ser encaradas pelos eleitores
como meras diferenas entre personalidades, dicultando, a posterior,
a possibilidade de aqueles puderem responsabilizar globalmente os
partidos polticos pelo seu exerccio em sede parlamentar ou gover-
namental. Mas signicaria tambm que o sufrgio em crculos unino-
minais acabaria por impor o indesejvel e prejudicial predomnio das
questes de natureza meramente local sobre os assuntos relacionados
com a poltica nacional, tanto no debate como na aco poltica e par-
lamenta j para no falar do inescapvel reforo do caciquismo,
o qual poderia levar a que candidatos de cariz populista ou com gran-
de prestgio local, com maior capacidade de angariar votos dadas as
posies ocupadas ao nvel do poder local, viessem a ganhar um for-
te ascendente junto dos eleitores dos seus crculos em detrimento de
candidatos concorrentes com reconhecidas capacidades polticas e
tcnicas e, por isso, bem mais habilitados a contribuir para a necess-
ria qualicao dos respectivos grupos parlamentares.
Claro est que os dirigentes dos pequenos partidos com represen-
tao parlamentar foram os porta-vozes das crticas mais veementes
suscitadas pela eventual possibilidade de conciliar a proporcionalida-
de dos crculos de grande magnitude com a qualidade da representao
nos crculos de pequena magnitude maxime uninominais atravs
da adopo de um sistema eleitoral de membros mistos, com crculos
de dois ou mais nveis, como defendiam, de forma aparentemente con-
sensual, tanto o Partido Socialista como o Partido Social Democrata.
Para aqueles o que estava e continua a estar essencialmente em
causa o facto de o redesenho dos crculos eleitorais ento proposto
ter efeitos negativos na proporcionalidade global do sistema eleitoral;
e, por isso, no prprio formato do sistema de partidos, beneciando
claramente os dois maiores partidos e a j considervel bipolariza-
o do sistema poltico em prejuzo dos mais pequenos. Por um lado,
um dos efeitos mecnicos associados magnitude dos crculos elei-
torais traduz-se na regra de que quanto menor for o crculo maior
o limiar de representao, ou seja, maior a percentagem mnima de
121
votos exigida a um partido para que possa obter representao parla-
mentar sobretudo quando, como acontece no nosso sistema eleitoral,
o nvel de competio partidria reduzido, fazendo aumentar ainda
mais o limiar superior de representao ou de excluso. Por outro lado,
no se pode igualmente ignorar que os efeitos psicolgicos do siste-
ma eleitoral se processam tambm ao nvel do crculo onde os eleitores
votam, manifestando-se a a sua inuncia manipuladora.
Donde, seria de admitir que a introduo dos crculos uninomi-
nais aumentasse ainda mais os efeitos do chamado voto estratgico,
sendo os eleitores fortemente pressionados a votar em um dos dois
candidatos com mais hipteses de vencer nos respectivos crculos uni-
nominais. Facto, este, que contribuiria seguramente para o reforo da
excessiva (e fortemente denunciada) bipolarizao do sistema, con-
trapondo, de uma vez por todas, os grandes aos pequenos, numa lgica
inteiramente contrria aos valores da proporcionalidade e da repre-
sentatividade.
Embora o debate participado, informado e tecnicamente qualica-
do, que iniciou e alimentou o ltimo ciclo (pretensamente reforma-
dor) do sistema eleitoral, se tivesse centrado sobretudo em torno das
vantagens e desvantagens dos crculos uninominais, o certo que aca-
baria por ter um desfecho, que sendo esperado quanto aos resultados
completamente nulos! revelar-se-ia contudo um tanto ou quan-
to inopinado quanto aos motivos que o ditaram. E isto porque, como a
cou dito atrs, tendo os dois maiores partidos apresentado propostas
de reforma eleitoral relativamente prximas e partilhadas nos seus as-
pectos essenciais e, como tal, susceptveis de ser consensualizadas,
garantindo, assim, um acordo interpartidrio que tornasse exequvel
os dois teros constitucionalmente necessrios para proceder a qual-
quer alterao do sistema eleitoral tal assim no aconteceu. Situao
que cou a dever-se a um diferendo aparentemente menor ou, mais
correctamente, a um pretexto politicamente conveniente e oportuno.
Referimo-nos, pois, ao diferendo em torno da reduo do nmero
de deputados para o mnimo inferior consagrado na reviso consti-
tucional de 1997 (de 230 para 180), considerada no s indispensvel
como inegocivel pelo Partido Social Democrata, por razes que se
122
prendiam no s com a dignicao e eccia do trabalho parlamen-
tar mas tambm com o novo desenho de sistema eleitoral que se pro-
curava implementar; e entendida, por seu turno, como inaceitvel e
injusticada pelo Partido Socialista: a ser levada a efeito uma reduo
do nmero de deputados, o rcio deputado/populao agravar-se-ia,
dicultando a melhoria da qualidade da representao poltica, na sua
vertente da personalizao do mandato parlamentar, nomeadamen-
te no que respeita proximidade, consulta e prestao de contas dos
eleitos face aos eleitores, mas tambm na sua vertente da representa-
tividade em termos polticos, sociais e territoriais. Numa ideia: uma
tal reduo sobretudo quando Portugal no tem, numa perspectiva
comparada, deputados a mais no poderia deixar de desvirtuar o
sentido da reforma ento proposta, tornando a criao de crculos uni-
nominais num mero artifcio, e, assim sendo, contrariando o objec-
tivo fundamental da reforma eleitoral a implementar.
Esta inultrapassvel divergncia de posies quanto dimenso do
rgo parlamentar que constitui (e por certo continuar a constituir)
um aspecto controverso no debate sobre a reforma do sistema eleitoral
em Portugal, tendo inclusivamente contribudo em momentos ante-
riores para o impasse e bloqueio da agenda reformista acabaria por
ditar, pelo menos aparentemente, o fracasso da reforma desenhada e
discutida em 1997 e 1998.
4.
O imobilismo institucional
e a recente proposta
de reforma eleitoral

pois perante este insistente, e at esta data inultrapas-
svel imobilismo institucional, no que concerne re-
forma do actual sistema eleitoral considerada pelos
dois maiores partidos, quanto mais no seja ao nvel
do seu discurso ocial, como a reforma prioritria do
123
nosso sistema poltico , que surgiu recentemente, pela iniciativa do
Grupo Parlamentar do Partido Socialista, uma nova proposta de re-
forma, a qual inaugura uma segunda fase no ltimo ciclo reformista.
Esta proposta, que servir de base a uma eventual iniciativa legislati-
va do Partido Socialista nesta matria, tem apenas, e at ao momento,
por principal (e nico) suporte um estudo de natureza acadmica e
tcnica, meritoriamente coordenado por Andr Freire, contando com
a qualicada participao de Manuel Meirinho Martins e de Diogo
Moreira, num livro entretanto dado estampa pela Sextante Editora,
e signicativamente intitulado Para uma Melhoria da Representao
Poltica. A Reforma do Sistema Eleitoral (2008).
E se os principais propsitos, que orientam esta nova fase da
eventual reforma eleitoral, se mantm no essencial inalterados, sendo
mais uma vez recuperado o objectivo da criao de condies institu-
cionais mais favorveis a um maior conhecimento e responsabilizao
dos eleitos pelos eleitores, tornando possvel uma maior participao
eleitoral e uma maior conana dos cidados no parlamento e nos de-
putados, em particular, e no sistema poltico e nos seus principais ac-
tores, em geral; o que sobressai aqui fundamentalmente, para alm
da sua inegvel originalidade, a ponderao sria e criteriosa dos auto-
res quanto aos caminhos a seguir, bem como quanto s suas eventuais
vantagens e desvantagens.
Com efeito, torna-se evidente que o pressuposto assumido pelos au-
tores , desde o primeiro momento, o de que em matria de desenho
eleitoral preciso ter sempre em conta a impossibilidade de se chegar
a solues que permitam optimizar, a um tempo, as diferentes funes
atribudas aos sistemas eleitorais, sendo apenas possvel chegar a trade
offs entre essas mesmas funes um erro em que os autores no incor-
rem, ainda que, sublinhe-se, este seja demasiado usual no debate poltico,
e muitas vezes acadmico, sobre a reforma eleitoral. Quer isto signicar
que o desao consiste em reformar o sistema eleitoral no sentido de este
ser capaz de cumprir de forma to equilibrada quanto possvel as funes
de representao, de eccia e de participao, no esquecendo, contudo,
que estas devem encontrar-se associadas a duas outras que lhes so com-
plementares: a de legitimidade e a de simplicidade.
124
Dito isto, importa reconhecer que este difcil e complexo desao
manifestamente assumido, e em grande medida, bem sucedido, quan-
do analisamos as vrias solues apresentadas pelos autores.
Detenhamo-nos, ento, de uma forma mais aprofundada, naquilo
que este estudo traz de inovador e desaante, mas tambm eventual-
mente polmico e criticvel, e que nos cabe aqui analisar e comentar.
4.1.
A abordagem cientca
versus a abordagem poltica
Um dos aspectos seguramente inovadores que o estudo agora pu-
blicado oferece, tanto ao leitor mais atento e informado, como ao
leitor porventura mais inexperiente mas nem por isso menos inte-
ressado sobre estes temas, desde logo uma viagem exaustiva, avi-
sada e esclarecedora pelo universo dos sistemas eleitorais europeus
rea geocultural a partir da qual os autores procuram descrever
e avaliar o rendimento do nosso actual sistema eleitoral, nas suas
principais vertentes, nomeadamente a proporcionalidade, a gover-
nabilidade e a qualidade da representao. E fazem-no, como no
pode deixar de ser assinalado, atravs de uma abordagem cientca
sria e rigorosa, distinguindo, como exigvel num exerccio desta
natureza, duas dimenses que devem ser mantidas separadas, quer
quanto aos seus pressupostos, quer quanto s suas consequncias: a
poltica e a tcnica.
Quanto primeira, os autores insistem, de uma forma reiterada,
ao longo de todo o seu trabalho, que o desenho que propem para a
reforma do actual sistema eleitoral, embora procure dar resposta aos
objectivos polticos solicitados pelo Grupo Parlamentar do Partido
Socialista, resulta exclusivamente de uma abordagem que se quer cien-
tca e tcnica, reconhecendo, por isso, que qualquer deciso quanto
eventual reforma a adoptar traduzir sempre uma deciso eminente-
mente poltico-partidria a qual ser muito provavelmente (ou me-
125
lhor, muito seguramente) precedida e determinada por uma negocia-
o, ditada muito mais por objectivos eleitoralistas (implcitos) do que
por objectivos polticos (explcitos), entre os dois maiores partidos.
E isto porque, como todos sabemos, se a escolha de um qualquer
sistema eleitoral est longe de ser inocente, menos o , por maioria
de razo, a sua eventual reforma. Donde, se incontroverso que tanto
o Partido Socialista como o Partido Social Democrata sabem que no
poder haver reforma eleitoral sem um
acordo entre si, indiscutvel tambm
o facto de, quer um quer outro, enquan-
to partidos concorrentes ao exerccio
do poder governativo, partilharem en-
tre si um nico interesse: o de garan-
tir a alternncia no governo, e que essa
alternncia seja feita exclusivamente
entre eles, de preferncia com maio-
rias absolutas. Ou, pelo menos, com maiorias quase absolutas (ou de
bloqueio), que afastem a instabilidade e dispensem os riscos e os cus-
tos inerentes formao de governos de coligao particularmente
quando estes se tornam indispensveis conservao do poder.
Aspecto que , alis, no apenas conrmado pela prtica poltica dos
dois maiores partidos em matria de reforma eleitoral, como igual-
mente um ponto presente e inescapvel entre aquelas que constituem
hoje as teorias mais correntes e populares na literatura internacional
sobre os sistemas eleitorais, nomeadamente a theory of rational-choice
institucionalism (Norris 2004; Katz 2005) e a theory of reform electo-
ral sytems barriers (Rahat 2004).
Quanto segunda dimenso de anlise, a tcnica, que aquela que
aqui mais nos interessa, os autores partem de um princpio elementar,
mas nem sempre inteiramente compreendido, nem mesmo por aque-
les que por formao acadmica deveriam assumi-lo como pressu-
posto obrigatrio de qualquer investigao sobre o tema, e que o se-
guinte: no existem sistemas eleitorais perfeitos e, de um modo geral,
as vantagens atribudas a um determinado tipo de sistema acham-se
inevitavelmente associadas s desvantagens do sistema eleitoral que
________
A escolha de um
qualquer sistema
eleitoral est longe de
ser inocente, menos o ,
por maioria de razo,
a sua eventual reforma
________
126
lhe alternativo, e vice-versa. Pelo que, e a este nvel, h que afastar
qualquer iluso!
Pois bem, a esta lgica infundada escapa certamente o presente
estudo, dado que os seus autores no s assumem um tal entendimen-
to, como parecem ir ainda mais longe, recuperando um outro ensina-
mento fundamental, que muito deve a um dos principais estudiosos no
estudo comparado dos sistemas eleitorais, ou seja, a importncia que
deve ser atribuda aos factores contextuais de curto e longo prazo em
qualquer reforma eleitoral (Nohlen 2007).
Trata-se, pois, de reconhecer que os efeitos (esperados, mas tambm
inesperados) dos sistemas eleitorais na vida poltica de um determinado
pas dependem sempre das caractersticas das sociedades em causa, da
distribuio regional das votaes nos diferentes partidos, bem como
das tradies histricas e polticas. Numa ideia muito simples, mas por
vezes ignorada: a concepo de qualquer reforma eleitoral, ainda que
suportada em estudos comparados, deve partir essencialmente das
condies histricas e sociopolticas dos respectivos pases.
Porm, e ainda quanto a este aspecto, importa salientar que o pre-
sente estudo no se torna em nenhum momento refm e tambm
aqui de assinalar o seu mrito do debate clssico em torno das van-
tagens e desvantagens de um qualquer tipo de sistema eleitoral ideal; o
qual, pela sua natureza essencialmente normativa, tende a condicionar
os avanos concretos em matria de reforma eleitoral, razo por que
se encontra hoje manifestamente ultrapassado e esgotado na literatura
internacional.
O trajecto escolhido pelos autores assim bem distinto, na medida
em que remete as propostas de reforma do sistema eleitoral no para
os seus efeitos polticos sobre o sistema eleitoral globalmente consi-
derado, mas antes para cada um dos seus principais elementos consti-
tutivos, cuja coexistncia e articulao podem ter efeitos sobrepostos,
complementares e antagnicos, residindo precisamente aqui a extre-
ma complexidade e a no menor incerteza que sempre envolve todo o
exerccio de engenharia eleitoral.
Porm, e que que bem claro, os riscos e diculdades inerentes a
este trajecto so cientca e tecnicamente assumidos, a cada passo e a
127
cada momento, tornando-se evidente o excelente domnio que os au-
tores revelam no que respeita complexidade do objecto de estudo
que tratam to exaustiva e aprofundadamente. Passemos, ento, e de
imediato, ao essencial do desenho de reforma eleitoral que nos pro-
posto por Andr Freire, Manuel Meirinho e Diogo Moreira, procuran-
do sublinhar, de acordo com o que foi assumido atrs, os seus aspectos
mais inovadores e interessantes, mas tambm alguns dos seus pontos
mais crticos e polmicos.
4.2.
Os efeitos da uninominalidade
e as suas falcias
Em primeiro lugar, importa salientar que o modelo proposto se en-
quadra nos sistemas de representao proporcional com mltiplos
segmentos, assente, no caso concreto, em dois segmentos de crculos
independentes, mas com funes complementares um modelo que,
como os autores demonstram, representa o maior grupo na Europa
Ocidental, ultrapassando inclusivamente os sistemas mistos. O pri-
meiro segmento (primrio) composto por crculos plurinominais
de base distrital ou regional, os quais, dada a sua magnitude mdia, vi-
sam criar condies institucionais propcias a uma maior proximidade
e responsabilizao dos eleitos face aos eleitores, sem cair assim nas
supostas falcias dos crculos uninominais.
Falcias, estas, que resultam em grande medida de um entendimen-
to supercial e at equvoco mas que, ainda assim, e em alguns casos,
tende a ser assumido como um verdadeiro paradigma do funcio-
namento dos sistemas com crculos uninominais, na medida em que
frequentemente no s ignorado o facto de nas escolhas dos eleitores
prevalecer a identicao partidria em detrimento das qualidades
pessoais e do desempenho dos candidatos, como tambm o facto de
neste tipo de sistemas os partidos terem um papel muito importante
na escolha dos candidatos com maiores probabilidades de serem elei-
128
tos, tal como acontece no Reino Unido ao contrrio do que sucede,
por exemplo, nos EUA, por fora do sistema presidencialista e, muito
em particular, pela utilizao de um sistema de eleies primrias
para escolha dos candidatos.
Parece no ser arriscado dizer-se, at pela bibliograa consultada,
que os autores assumem, tambm aqui, as concluses de alguns estu-
dos internacionais mais recentes que refutam em termos prticos os
argumentos tericos favorveis aos crculos uninominais em matria
de personalizao do voto. E isto porque demonstram, atravs de da-
dos empricos, que o grau de conhecimento ou seja, o efeito de per-
sonalizao do voto no maior nos sistemas com crculos unino-
minais do que nos sistemas com crculos plurinominais (com ou sem
voto preferencial), sendo apenas nos sistemas mistos que essa proba-
bilidade tende a ser relativamente maior. Donde, e ainda segundo es-
tes autores, h que concluir, se bem que de uma forma aparentemente
contra-intuitiva, que muito pouco ou nada h a escolher entre crculos
plurinominais e crculos uninominais, contradizendo assim os dados
empricos as convices tericas dos defensores da uninominalidade.
O que mais, em estudos desenvolvidos sobre o caso espanhol, mas
tambm sobre o caso portugus, estas concluses parecem ganhar igual
suporte emprico, dado que, mesmo na ausncia de crculos eleitorais
uninominais, em ambos os pases o conhecimento dos eleitos por par-
te dos eleitores tende a ser paradoxalmente maior nos crculos de
grande e mdia magnitude do que nos crculos de pequena magnitu-
de. de admitir que a explicao desta tendncia deva ser procurada
sobretudo nos actuais processos de comunicao poltica, nomeada-
mente no crescente papel assumido pela televiso e pelas campanhas
eleitorais modernas, uma vez que ao contriburem para a maior visibi-
lidade dos candidatos com notoriedade nacional (em regra, dirigentes
partidrios de topo), que disputam as eleies nos grandes crculos,
acabam por torn-los mais conhecidos entre os eleitores, podendo,
eventualmente, favorecer aqui a personalizao do voto (Montero e
Gunther 1994; Teixeira 2009).
Perante tudo isto, pois de louvar o facto de os autores no terem
cado na usual e demasiado fcil misticao em torno dos supostos
129
efeitos dos crculos uninominais, sobretudo no que se refere maior
personalizao do voto e responsabilizao do mandato parlamentar,
optando antes pela soluo mais adequada dos crculos plurinominais
de base distrital ou regional (primrios). Justamente porque estes,
dada sua baixa e mdia magnitude (entre 4-6, no mnimo, a 10-12, no
mximo), podem eventualmente criar condies mais propcias para
uma maior ligao entre eleitores e eleitos, bem como assegurar uma
representao mais plural ao contrrio do que sucede com os crcu-
los uninominais, os quais, ao aproximarem o eleito daqueles que nele
votaram, afastam porm todos os outros cujos votos foram inteis.
E se inegvel que estes crculos geram resultados menos propor-
cionais, o facto que tal limitao pode ser ultrapassada como alis
previsto pelos autores atravs da criao de um segmento superior
(crculo secundrio), constitudo pelo crculo nacional que abarcar
os votos dos crculos primrios, e cuja principal funo consistir
precisamente em compensar as distores proporcionalidade veri-
cadas no primeiro segmento.
4.3.
Os efeitos da estrutura
e modalidade de voto
Em segundo lugar, a actual proposta de reforma sugere igualmen-
te a possibilidade do voto duplo, diferenciando-se tambm aqui de
propostas anteriores que apontavam para o voto singular de lista,
traduzindo-se, por conseguinte, a liberdade de escolha dos eleitores
num verdadeiro dilema, j que em caso de conito entre o voto na
lista e o voto no candidato, o eleitor seria obrigado a fazer uma
escolha contraditria. Ora, tal assim no acontece no caso vertente,
dado que o eleitor dispe de dois votos: um no crculo primrio,
para escolher o deputado que ir representar o seu crculo, e outro
para escolher os deputados apresentados na lista do partido a eleger
por via do crculo nacional.
130
Em terceiro lugar, e no menos importante, dado o seu carcter pio-
neiro, mas igualmente polmico e controverso, como adiante teremos
oportunidade de sublinhar, os autores sugerem a adopo de um sis-
tema de listas fechadas e no bloqueadas, ou seja, um sistema em que
para a eleio dos candidatos apenas nos crculos primrios se
considere, primordialmente, o voto preferencial opcional, e, secunda-
riamente, a ordenao das listas previamente denida pelos partidos.
Todavia, e guiados pela necessria prudncia que uma tal alterao
exige, os autores propem que, numa fase inicial, seja adoptado um li-
miar de validade relativamente baixo para a contagem dos votos prefe-
renciais; devendo ainda ser respeitados os princpios da simplicidade
e da transparncia nesta matria, no sentido de tornar possvel a fcil
aprendizagem e a adeso signicativa dos eleitores a esta nova forma
de interveno na escolha dos eleitos.
Embora concordando com os autores quando armam que em mui-
tos pases europeus o voto preferencial em listas fechadas e no blo-
queadas complementa e refora os efeitos pretendidos pelos sistemas
eleitorais de mltiplos segmentos evitando as principais desvanta-
gens associadas, quer s listas abertas, quer s listas fechadas e no
bloqueadas exveis a verdade que a soluo proposta est longe
de ser isenta de riscos, os quais no podem deixar de ser tidos em con-
ta no caso concreto do sistema poltico portugus.
Desde logo, ao permitirem e reforarem a concorrncia intraparti-
dria, de admitir que as listas fechadas e no bloqueadas (ainda que
rgidas) afectem negativamente a coeso dos partidos polticos so-
bretudo daqueles com vocao de poder e cujo principal objectivo
hoje o da ocupao de lugares pblicos. Consequentemente, no de
excluir a possibilidade de uma tal soluo contribuir para aumentar
e muito o grau de conitualidade, divisionismo e facciosismo, pondo
em causa a coeso interna e a eccia externa dos partidos, ou seja, a
sua imagem junto do eleitorado intra e inter muros.
Com efeito, mesmo reconhecendo que 30 anos aps a transio de-
mocrtica, os principais partidos polticos j se encontram relativa-
mente bem consolidados, a verdade que a sua evoluo parece no
ter afastado alguns dos seus traos genticos mais marcantes, os quais,
131
pelo contrrio, tm assumido com o passar do tempo uma natureza
quase endmica. E entre eles, pelo menos no que aos dois maiores parti-
dos diz respeito, contam-se particularmente em perodos marcados,
quer pela inexistncia de uma liderana forte e consensual, quer pelo
afastamento duradouro da sede do poder o frequente e inescapvel
divisionismo interno entre faces, correntes e tendncias de oportu-
nidade, clientelares e personicadas. Donde podendo assim a dinmica
associada introduo do voto preferencial comprometer a necessria
coeso e disciplina de voto no parlamento, sem a qual nem o governo,
nem a oposio podem cumprir as funes que lhe so atribudas.
Tendo em conta os aspectos controversos associados ao novo tipo
de sufrgio proposto pelos autores, mas tambm o facto de, os dados
empricos disponveis demonstrarem que na maioria dos sistemas
eleitorais europeus onde existe o voto preferencial opcional, se ve-
ricar no s a possibilidade da sua eventual manipulao pelos
partidos como a sua escassa utilizao por parte dos eleitores (dada
a sua enorme complexidade), torna-se, no mnimo, pertinente per-
guntar se os custos polticos de uma tal soluo justicam os seus
eventuais riscos e fracassos? E se, como tal, no seria mais razovel
pensar, pelo menos por enquanto, num outro tipo de medida mais
simples na sua aplicao e mais previsvel nos seus resultados, nome-
adamente na introduo de eleies primrias intrapartidrias para
a escolha dos candidatos.
4.4.
A persistente imutabilidade
do sistema eleitoral: um
excepcionalismo portugus
Depois de apresentada e analisada, nas suas linhas mais gerais, a
proposta de reforma do actual sistema eleitoral, resultante do estudo
coordenado por Andr Freire que acreditamos constituir um elemen-
to decisivo para dar continuidade ao ciclo reformista que se iniciou no
132
nal da dcada de 1990; ou, inclusivamente, para abrir um novo ciclo
no poderamos terminar este texto sem retomar a ideia com que o
inicimos, e que passamos a formular do seguinte modo: Constituir a
persistente e intrigante imutabilidade do actual sistema eleitoral
um qualquer excepcionalismo do sistema poltico portugus?
Pois bem, do ponto de vista estritamente poltico e partidrio julga-
mos existirem fortes razes para acreditar que tal assim no ! Desde
logo, e como a literatura especializada ensina, porque existem vrios
obstculos ou barreiras que condicionam a realizao de qualquer re-
forma eleitoral. Em primeiro lugar, a possibilidade de uma reforma
eleitoral coloca sempre, e invariavelmente, os reformadores perante
duas expectativas lgicas contraditrias.
Por um lado, de esperar que a reforma esteja partida condenada
ao fracasso, porque os actores partidrios que poderiam determinar
o seu sucesso so precisamente aqueles que se encontram no poder,
e que, por isso, beneciam das regras do jogo institudas. O que,
como est bom de ver, faz que qualquer proposta de reforma tenda a
ser sempre encarada e natural que assim seja na perspectiva da
contabilidade poltica dos potenciais ganhos e perdas para os partidos
que se acham no poder ou para aqueles que a ele aspirem.
A principal preocupao aqui, ainda que muitas vezes tal no seja
reconhecido, a da maximizao dos votos e dos lugares no mercado
eleitoral e na arena parlamentar, no sentido de manter ou conquistar o
poder. O que de acordo com as abordagens propostas, quer pela teoria
do novo institucionalismo, quer pela teoria da escolha racional, no
signica seno que os actores centrais para desencadear uma reforma
eleitoral actuam sempre racionalmente, ou seja, de forma essencial-
mente utilitria e auto-interessada, encarando as instituies como
um conjunto de regras formais que criam incentivos e impem
constrangimentos que devem ser tidos em conta face ao seu objectivo
central: o qual , repita-se, o da maximizao dos votos e dos lugares.
E da, como os dados empricos disponveis comprovam, a manifesta
preferncia daqueles que esto no poder pelo status quo institucional
(Bowler, Donovan e Karp 2006; Pilet 2008), bem como o seu receio
perante o desconhecido (Katz 2005) ou seja, face s consequncias
133
que qualquer reforma das regras eleitorais pode desencadear, as quais
no so, muitas vezes, antecipadas pelos diferentes cenrios prospec-
tivos apresentados pelos especialistas, devido a efeitos tanto mecni-
cos como psicolgicos.
Isto explica, por exemplo, que os maiores partidos num sistema elei-
toral maioritrio se oponham em regra a qualquer proposta que vise a
adopo de elementos mais proporcionais, e que, em sentido contr-
rio, os pequenos partidos num sistema de representao proporcional
sejam contrrios introduo de elementos maioritrios.
Por outro lado, este compreensvel mpeto conservador por parte
dos maiores partidos, nem por isso exclui o seu mpeto reformista, e
isto porque a possibilidade de uma reforma eleitoral, ainda que no
substancial mas apenas parcial, pode ser ditada pela necessidade de os
partidos minimizarem, em situaes de reconhecida desvantagem, as
suas eventuais perdas eleitorais. Por exemplo, de admitir que, num
sistema maioritrio, o partido que se encontra no poder no se opo-
nha ao reforo da proporcionalidade desde que antecipe com alguma
segurana uma derrota nas prximas eleies. Ou que, num sistema
eleitoral proporcional, a que corresponda um sistema multipartidrio
fragmentado, os dois maiores partidos cheguem facilmente a acordo
quanto introduo de elementos prprios do sistema eleitoral maio-
ritrio, no sentido de assim promover uma situao de duoplio, que
lhes seja inteiramente favorvel.
Quanto aos obstculos ou barreiras com que se depara toda e qual-
quer reforma do sistema eleitoral, h que considerar ainda a suprema-
cia de que goza o status quo institucional, dado que, em muitos casos,
as disposies constitucionais e as regras legais condicionam de forma
decisiva, tanto a possibilidade como a direco da reforma. No ad-
mira pois que, em muitos pases europeus, embora a reforma eleitoral
faa usualmente parte da agenda poltica dos principais partidos, s
muito raramente tenha implicado mudanas substanciais, ou seja, a
substituio de um princpio de representao por outro. O que ajuda
a explicar por que que a maioria das reformas, quando efectivamente
implementadas, se faz quase sempre no interior do princpio de repre-
sentao previamente estabelecido seja este proporcional ou maio-
134
ritrio. assim legitimo armar-se que a deciso mais importante no
desenho e na reforma dos sistemas eleitorais se prende essencialmen-
te com o princpio de representao adoptado, o qual , no plano nor-
mativo, indissocivel de uma determinada concepo da democracia:
maioritria ou consensual (Lijphart 1994 e 1998).
E se o problema da liberdade de aco dos principais actores par-
tidrios em matria de reforma eleitoral se coloca mesmo nos pases
em que esta pode ser levada a cabo sem grandes constrangimentos
constitucionais ou legais, o que dizer ento do caso portugus? Com
efeito, quer a constitucionalizao dos principais elementos constitu-
tivos do nosso sistema eleitoral, quer a exigncia constitucional para a
sua reviso de uma maioria de dois teros dos votos na Assembleia da
Repblica sem falar da sua promulgao subsequente no podem
deixar de concorrer para explicar, ou, pelo menos para justicar, o for-
te conservadorismo institucional em sede de reforma eleitoral.
Por ltimo, ainda de sublinhar que qualquer reforma eleitoral ,
como cou demonstrado ao longo destas pginas, um processo carac-
terizado por uma enorme e delicada complexidade, dada a natureza
multidimensional dos sistemas eleitorais. Com efeito, estes so no
apenas estruturas institucionais integradas por diferentes elementos
de difcil acomodao e articulao entre si frmulas de converso
de votos em mandatos, desenho e magnitude dos crculos eleitorais,
existncia ou inexistncia de clusulas barreiras legais, tipos de sufr-
gios e procedimentos de votao como devem ainda dar uma res-
posta equilibrada a diferentes objectivos ou exigncias funcionais
proporcionalidade, governabilidade e qualidade da representao ,
os quais se revelam igualmente de difcil conciliao entre si j que,
muitas vezes, procurar melhorar o desempenho de uma funo pode
signicar comprometer o rendimento de outra.
Estamos em crer que estes e outros obstculos, que so transversais
s democracias representativas a que acresce entre ns a falta de
uma genuna vontade poltica reformista, que tem marcado ostensiva-
mente a prtica dos principais actores partidrios permitem armar
que a estabilidade (ou quase imutabilidade) do sistema eleitoral, sendo
uma realidade inegvel e incontroversa, no constitui porm um qual-
135
quer excepcionalismo do sistema poltico portugus. Mas o que di-
zer da usual e sistemtica falta de consenso no plano intelectual, a qual
acaba por contribuir para manter (e at justicar) o conservadorismo
poltico no que reforma eleitoral diz respeito?
A discusso suscitada pelo presente estudo coordenado por Andr
Freire bem demonstrativa de que o conservadorismo poltico igual-
mente observvel ao nvel intelectual, ou seja, no discurso de no poucos
cientistas, comentadores e analistas polticos, ainda que os mesmos sejam
incansveis no que se refere defesa quase intransigente da necessidade
de rever o actual sistema eleitoral. E a parece residir o paradoxo!
Talvez valha a pena explicarmo-nos melhor na tentativa de dar al-
guma ordem ao recorrente e difuso criticismo que a apresentao de
cada nova proposta de reforma eleitoral sempre suscita entre aqueles
que deveriam ser os mais informados sobre os seus eventuais mri-
tos e demritos. E isso para mostrar, ainda que muito sumariamente,
e seguindo de perto a abordagem de Hirschman, como muitos desses
argumentos crticos, que transitam quase invariavelmente de debate
em debate, se reproduzem a si mesmos.
Consideremos, ento, e a ttulo meramente ilustrativo, a presente
proposta de reforma do sistema eleitoral coordenada e apresentada
por Andr Freire e o debate que imediatamente se seguiu sua apre-
sentao formal no parlamento o qual tive oportunidade de acom-
panhar com manifesto e redobrado interesse. Num primeiro momento,
tornou-se evidente que, para uns, os mecanismos sugeridos para criar
incentivos institucionais para promover uma maior proximidade e res-
ponsabilizao dos eleitos perante aos eleitores poderiam ter efeitos
perversos ou contra-producentes em matria de governabilidade.
E isso apesar de todos reconhecerem que, pelo menos desde 1987
em diante, inegvel o desenvolvimento de uma tendncia maioritria
no sistema partidrio portugus, com a formao de governos suporta-
dos por maiorias parlamentares absolutas ou quase absolutas ainda
que tal se deva, e importante sublinh-lo, menos aos efeitos mecni-
cos do actual sistema eleitoral e mais aos seus efeitos psicolgicos, por
fora do peso crescente do voto estratgico, como tem sido demons-
trado em vrios estudos.
136
Quanto a este ponto, no deixa de ser curioso que a insistente refe-
rncia possibilidade da reforma vir a produzir efeitos perversos na
governabilidade parece ignorar quase por completo a prudncia revela-
da por Andr Freire, Manuel Meirinho e Diogo Moreira. Precisamente
quando, em defesa da continuidade e reforo das condies da estabi-
lidade governativa, os autores recuperam a ideia da moo de censura
construtiva usada com conhecido sucesso noutros pases (Alemanha
e Espanha). E isso para que, atravs deste mecanismo institucional
adicional, se torne possvel incentivar a actuao responsvel dos par-
tidos, evitando a formao de coligaes negativas.
Mas, e ainda quanto a este ponto, os autores no cam por aqui,
prevendo igualmente a possibilidade da coligao de listas nos cr-
culos primrios para efeitos de converso de votos em mandatos
(apparentment). Opo, esta, que, como ensina a literatura especiali-
zada, constitui um estmulo ecaz para a cooperao entre partidos,
sobretudo se, como sugerem os autores, os partidos polticos forem
obrigados (por via legal) a claricar perante o eleitorado quais as coli-
gaes que pretendem ou no fazer dando, assim, a conhecer prvia
e explicitamente as opes polticas em jogo. Numa ideia: quem est
disponvel para cooperar com quem.
Outros h que, sem deixar de reconhecer a situao de bipartida-
rismo quase perfeito que caracteriza hoje o sistema de partidos em
Portugal aproximando-o mais das democracias de maioritrias do
que das consensuais insistem antes nos riscos inescapveis de
uma eventual compresso da proporcionalidade do sistema eleitoral,
resultante da reduo da magnitude dos actuais crculos eleitorais,
mesmo que esta seja ditada pelo objectivo, aparentemente partilhado
por todos, de promover a poltica de proximidade e a conana entre
eleitos e eleitores.
Mesmo quando, como acontece na proposta apresentada, se encon-
tram previstos solues institucionais capazes de manter inalterado o
nvel de desproporcionalidade. Uma aspecto que, como fcil de per-
ceber, no sendo rmemente acautelado, penalizaria necessariamen-
te os pequenos partidos, comprometendo, como bem reconhecem os
autores, o valor do pluralismo poltico e partidrio essencial numa de-
137
mocracia representativa consolidada. At porque, quer a evoluo dos
padres da competio interpartidria em Portugal, quer a anlise em
termos comparados, desaconselham qualquer compresso adicional da
proporcionalidade: seja porque o nosso sistema de partidos cada vez
menos fragmentado, seja porque o nvel desproporcionalidade na con-
verso de votos em mandatos , entre ns, signicativamente elevado.
Por outro lado, h ainda quem defenda a reforma do sistema eleito-
ral no sentido de uma melhoria da qualidade da representao poltica,
mas que nem por isso deixe de sublinhar os efeitos perversos dos j
esquecidos crculos uninominais, alargando tais efeitos aos crculos
plurinominais de pequena e mdia magnitude (crculos primrios),
ignorando que a presente proposta procura tambm aqui, e mais uma
vez, uma soluo equilibrada e de compromisso; que, muito embora
considere as desvantagens associadas aos crculos uninominais, no
recusa contudo bem pelo contrrio as vantagens dos crculos pe-
quenos e mdios no que toca personalizao do voto e responsabi-
lizao do mandato parlamentar.
Finalmente, e tentando abreviar o mais possvel a nosso argumen-
to, h ainda aqueles que, embora lamentem (e quanto!) o quase mo-
noplio da representao poltica pelos partidos e a escassa ou nula
interveno dos eleitores na escolha dos eleitos, se apressam porm a
declarar a total futilidade ou inutilidade de uma reforma que pro-
cure alterar, ainda que de forma mais simblica do que efectiva, o ac-
tual status quo. Ou seja, e no caso concreto, a alterar o tipo de sufrgio
de lista, substituindo o sistema de listas fechadas e bloqueadas por um
sistema de listas que admita o voto preferencial, concedendo, assim,
aos eleitores uma participao mais directa na escolha dos candida-
tos, mesmo que esta alterao implique um processo de aprendizagem
que ser sempre necessariamente longo e difcil perante uma socieda-
de politicamente pouco exigente e responsvel, mas que nem por isso
deve ser posto de parte.
Em suma, se decidimos recuperar aqui algumas das crticas da-
queles que defendem a reforma do sistema eleitoral em abstrac-
to muito embora, aquando da possibilidade de transp-la para a
prtica, logo se apressem a contrari-la (passando rapidamente de
138
defensores a opositores) foi com o intuito de demonstrar como no
plano intelectual o debate sobre a reforma eleitoral tende a seguir de-
terminados padres argumentativos em tudo constantes, dando lugar,
na maioria das vezes, a juzos avaliativos repetidos, previsveis e sobre-
tudo imobilistas.
E isto porque no plano intelectual, e recuperando as teses de
Hirschman sobre o discurso conservador nomeadamente a tese da
perversidade, do risco e da futilidade qualquer reforma eleitoral,
independentemente dos seus mritos, ou produzir efeitos perver-
sos (porque no antevistos face s lgicas incidentais da competio
eleitoral e partidria), ou colocar em risco as conquistas polticas e
cvicas entretanto consolidadas (porque estas no podem nem devem
ser dadas como adquiridas), ou revelar-se- ainda pura e simplesmen-
te intil (porque inecaz na prossecuo dos objectivos pretendi-
dos, estando, portanto, condenada ao fracasso).
Donde, e perante este tipo de estratgias argumentativas, que ten-
dem a dominar o debate sobre a reforma do sistema eleitoral, parece
no haver, nem no plano estritamente poltico-partidrio, nem mesmo
no plano acadmico e intelectual, outra alternativa seno a inrcia e o
imobilismo institucional, o que seguramente constitui uma das formas
mais hbeis e subtis mas tambm mais arriscada de no se discutir
verdadeiramente, nem promover de facto a qualidade da democracia.
Como bem lembrava Ralf Dahrendorf, no j longnquo ano de 1975:
O que somos chamados a fazer em democracia , acima de tudo,
manter a possibilidade de revisitar as instituies polticas, uma
vez que essa constitui seguramente a grande virtude do regime
democrtico: introduzir mudanas graduais sem recorrer a re-
volues, desenvolver e melhorar as instituies polticas, sem
ter a necessidade de substitui-las permanentemente.
Em jeito de concluso, uma leitura atenta e aprofundada do estu-
do desenvolvido por Andr Freire, Manuel Meirinho Martins e Diogo
Moreira sobre a reforma do sistema eleitoral em Portugal demonstra
que parecem estar, neste momento, reunidas as condies necessrias
139
para se passar do imobilismo ao dinamismo institucional, nem que seja
no plano exclusivamente intelectual. Para que, pelo menos aqui, no se
possa continuar indenidamente armar: Ceci tuera cela (Isto ma-
tar aquilo).
REFERNCIAS BIBLIOGRFICAS

AA.VV. (1998), Pareceres sobre o Anteprojecto de Reforma da Lei Eleitoral para a Assembleia da
Repblica, Presidncia do Conselho de Ministros, Ministrio da Cincia e Tecnologia e Faculdade
de Direito da Universidade de Coimbra.
BOWLER, Shaun, DONOVAN, Todd e KARP, Jeffrey A. (2006), Why Politicians Like Electoral
Institutions: Self Interest, Values or Ideology?, Journal of Politics, 68 (2), pp. 433-446.
CURTICE, John e SHIVELEY, Phillips (2003), Quem nos Representa Melhor? Um Deputado ou
Vrios, Anlise Social, vol. XXXVIII, (167), pp. 361-387.
FREIRE, Andr; MEIRINHO, Manuel e MOREIRA, Diogo (2008), Para uma Melhoria da
Representao Poltica. A Reforma do Sistema Eleitoral, Lisboa, Sextante Editora.
HIRSCHMAN, Albert O. (1997), O Pensamento Conservador. Perversidade, Futilidade e Risco, Oeiras,
Difel Editora.
KATZ, Richard (2005), Why are there so Many (or so Few) Electoral Reforms?, in Michael
Gallagher e Paul Mitchell (orgs.), The Politics of Electoral Systems, Oxford, Oxford University Press,
pp. 57-76.
LIJPHART, Arend (1994), Electoral Systems and Party Systems, Oxford, Oxford University Press.
LIJPHART, Arend (1998), Majoritarian and Consensus Democracy: Cultural, Structural,
Functional and Rational Choice Explanations, Scandinavian Political Studies, 21 (2), pp. 99-108.
MONTERO, Jos Ramn e GUNTHER, Richard (1994) Sistemas Cerrados y Listas Abiertas:
Sobre Algunas Propuestas de Reforma del Sistema Electoral en Espaa, in AA.VV., La Reforma
del Rgimen Electoral, Madrid, Centro de Estudios Constitucionales, pp. 13-88.
NORRIS, Pippa (2004), Electoral Engineering: Voting Rules and Political Behavior, Nova Iorque,
Cambridge University Press.
PILET, Jean-Benoit (2008), The Future is Imagination, the Present is Reality: Why do Big Ruling
Parties Oppose Majority Systems?, Representation, 44 (1), pp. 41-50.
RAHAT, Gideon (2004), The Study of the Politics of Electoral Reform in the 1990s: Theoretical
and Methodological Lessons, Comparative Politics, 36, (4), pp. 461-479.
TEIXEIRA, Conceio Pequito (2009), O Povo Semi-Soberano. Partidos Polticos e Recrutamento
Parlamentar em Portugal, Coimbra, Almedina Editora.
REVISTA DE ASSUNTOS ELEITORAIS 141
PARA UMA MELHORIA
DA REPRESENTAO
POLTICA A REFORMA
DO SISTEMA ELEITORAL,
UMA REFLEXO CRTICA
Paulo Morais
1

Numa obra que se prope elaborar uma proposta de reforma do
sistema eleitoral
2
, os autores Andr Freire, Manuel Meirinho e Diogo
Moreira (2008) apresentam como objectivo estratgico melhorar a re-
presentao poltica. Uma nalidade que se inscreve no actual quadro
de descrdito institucional e de questionamento da qualidade da de-
mocracia. A reforma que se pretende no profunda nem revolucion-
ria, para no abalar os pilares bsicos da proporcionalidade, um impe-
rativo constitucional, e governabilidade do sistema, mas no deixa de
ser uma oportunidade para melhorar a qualidade do regime poltico
em Portugal.
Esta uma obra que prope um aprofundamento do sistema que
funda a democracia, sem esquecer os ensinamentos de experincias
alheias. Procura explorar os sistemas eleitorais dos pases europeus
com quem o nosso pas partilha um espao geocultural, mostrando si-
militudes e disparidades a nvel da proporcionalidade e governabili-
dade. A obra constitui uma abordagem importante e inultrapassvel
quando o objectivo propor reformas, j que a experimentao de sis-
1
Director do Instituto de Estudos Eleitorais da Universidade Lusfona.
2
Para uma Melhoria da Representao Poltica. A Reforma do Sistema Eleitoral, Lisboa, Sextante
Editora.
142
temas empiricamente inacessvel e de difcil exequibilidade, sendo o
tempo uma varivel essencial na consolidao das prticas.
O livro mostra que, por exemplo, Portugal tem, dentro dos pases
com um regime de representao proporcional, um sistema que apre-
senta um dos maiores nveis de desproporcionalidade, no havendo,
contudo, grandes barreiras representao. Demonstra ainda que o
nosso Pas no tem igualmente problemas de governabilidade, ainda
que alguma instabilidade poltica do passado aponte para a necessi-
dade de criar condies institucionais mais propcias a uma actuao
partidria mais responsvel.
Mas Portugal tem sim um problema, que justica, por si s, a pro-
posta destes trs autores: as decientes condies institucionais para
favorecer a qualidade da representao, j que no oferecida aos elei-
tores a oportunidade de escolher candidatos, nem sequer de os res-
ponsabilizar. Esta situao gera falta de identicao com o eleitorado,
por parte dos que os querem representar, e um inevitvel afastamento
dos cidados face a actos eleitorais. Os eleitos, por seu lado, acabam
por car mais prximos dos partidos, que os escolhem, do que do seu
eleitorado.
Enquadrando a questo da dimenso do parlamento do ponto de
vista histrico e do seu signicado poltico, os autores apresentam v-
rios argumentos, legitimados pela litera-
tura e anteriores estudos, que justicam
a concluso de que Portugal no tem um
nmero excessivo de parlamentares.
Porque a proposta vai no sentido de
reformar o regime eleitoral com base num sistema de representao
proporcional com mltiplos segmentos e caracterizados os fundamen-
tos do sistema portugus, os autores propem estudos de casos compa-
rados. Uma das tendncias a retirar desta anlise que uma pequena
magnitude em crculos primrios favorece a maior proximidade entre
o eleitor e o eleito.
Outra concluso a que os autores chegam a de que a simplicida-
de deve prevalecer na soluo adoptada para Portugal, nisso diferindo
das propostas de outros pases analisadas. Assim, os crculos primrios
________
Portugal no tem
um nmero excessivo
de parlamentares
________
143
sero acompanhados de um crculo nacional, mas cada um ter o seu
escrutnio seguindo o j tradicional mtodo de DHondt e no se-
ro permitidas transferncias de votos entre eles. Este sistema de voto
duplo poder ainda permitir manter uma opo ideolgica no plano
nacional, ao mesmo tempo que possibilita uma escolha personalizada
no plano primrio, de base distrital ou regional. No primeiro caso, a
proposta de listas fechadas e bloqueadas, mas no segundo mantm-
se em aberto a constituio nal dos eleitos atravs do no bloquea-
mento das listas ou seja, aos eleitores -lhes permitido escolher no
s o partido em quem votam mas tambm o deputado, face aos candi-
datos propostos. Assim, dentro de cada fora poltica, a hierarquia ser
funo da escolha dos eleitores e no dos dirigentes partidrios, como
hoje acontece.
Apresentados os pressupostos e metodologia do trabalho e deni-
da a magnitude do crculo nacional, tendo por base um total de 229
deputados (219 em caso de reduo) e visando respeitar o princpio
da proporcionalidade, os autores apresentam algumas solues pos-
sveis para a distribuio de mandatos e desagregao dos crculos.
Entre a soluo 1, com 229 parlamentares, a 2 que mantm o nme-
ro de lugares mas agrega as regies autnomas numa s, assim como
os crculos da emigrao e a 3 com 219 deputados. Dado o binmio
proporcionalidade e governabilidade e a transformao esperada na
geograa eleitoral portuguesa com esta reforma, os autores concluem
que as duas primeiras solues so as que comportam menos riscos de
ruptura institucional, numa anlise cuja leitura imprescindvel.
O exerccio de aplicao das alternativas permite a reexo sobre
a estrutura e modalidade do voto, ao mesmo tempo que prope mu-
danas importantes nas dinmicas dos partidos polticos no que diz
respeito constituio das listas. claro que os boletins de voto tal
como os conhecemos sofrero profundas alteraes, assim como a for-
ma como os eleitores so chamados a exercer o seu direito de voto.
Mas ca assim cumprida a reexo sobre um maior conhecimento
e responsabilizao dos eleitos pelos eleitores. E o caminho a fazer
essencial j que, citando Nohlen (2007: 144), os sistemas combinados
gozam de uma crescente popularidade nas democracias consolidadas.
144
Assim, uma das mais-valias deste trabalho a abordagem sistemtica
de outros regimes eleitorais que podem mostrar caminhos alternati-
vos ao portugus, assim como a anlise exaustiva ao sistema nacional
actual. Estamos assim perante uma obra cientca de inegvel valor
e pioneira, dada a ausncia de estudos sistemticos nesta rea. No
obstante os inmeros debates e conferncias realizados sobre a ma-
tria na ltima dcada, o ensaio portugus
de referncia era ainda, e at hoje, a obra
publicada h j mais de 15 anos por Antnio
Lopes Cardoso (1993), Sistemas eleitorais.
Para uma Melhoria da Representao
Poltica A Reforma do Sistema Eleitoral
uma proposta tcnica e arrojada que reco-
nhece os limites dos sistemas eleitorais, j que no h solues perfei-
tas. Em ltima instncia, a opo por qualquer uma das propostas
poltica. Mas o trabalho cientco aqui apresentado abre os horizon-
tes reexo e proporciona importantes contributos para a anlise da
qualidade da democracia que, em ltima instncia, qualquer sistema
eleitoral deve servir.
REFERNCIAS BIBLIOGRFICAS

CARDOSO, Antnio Lopes (1993), Os Sistemas Eleitorais, Lisboa, Salamandra.
FREIRE, Andr; MEIRINHO, Manuel e MOREIRA, Diogo (2008), Para uma Melhoria da
Representao Poltica. A Reforma do Sistema Eleitoral, Lisboa, Sextante Editora.
NOHLEN, Dieter (2007). Os Sistemas Eleitorais: o contexto faz a diferena, Lisboa, Livros
Horizonte.
________
uma proposta
tcnica (...) a opo
por qualquer uma
das propostas
poltica
________
Debate
sobre o estudo:
Para uma
melhoria da
representao
poltica
A reforma
do sistema
eleitoral
ELEIES
REVISTA DE ASSUNTOS
ELEITORAIS
NOVEMBRO 2009
CADERNOS DE
ADMINISTRAO
INTERNA

Você também pode gostar