A Idade Pré-Escolar e o Desenho Infantil

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A IDADE PR-ESCOLAR E O DESENHO INFANTIL.

Gislaine Rossler
Rodrigues Gobbo Grupo de Pesquisa Implicaes Pedaggicas da Teoria HistricoCultural; Programa de Ps-Graduao em Educao FFC Universidade Estadual Paulista UNESP/Marlia. Prof.Dr. Stela Miller-UNESP-Marlia, Programa de Psgraduao em [email protected]. Eixo: Educao Infantil e Ensino Fundamental de 9 anos

A PRESCHOOL PERIOD AND CHILDREN'S DRAWING


Resumo: Ao desenhar, a criana procura expressar ideias e situaes vivenciadas em seu entorno social. Nessa pesquisa buscamos compreender o desenvolvimento grfico em crianas pequenas, acompanhando essa evoluo a partir dos desenhos, na primeira etapa da educao infantil. Para tanto, realizamos coleta de dados por meio de registros grficos de atividades realizadas na idade de trs anos e posteriormente aos seis anos. Porm, em nossa proposta de pesquisa um fator fundamental para o ensino da escrita acontecer, refere-se inteno e presena de um mediador, que seria, em nosso estudo, o professor.O professor ser aquele cuja inteno promove o ensino, e com este, o desenvolvimento infantil se altera. A pesquisa foi realizada em uma Escola Municipal de Educao Infantil (E.M.E.I.) de uma cidade do interior do estado de So Paulo.Foram escolhidos quatro sujeitos, alunos dessa pr-escola. Para a gerao de dados, optamos pela observao registrada em caderno pessoal, anlise documental dos cadernos das crianas, filmagem das tarefas, e fotografias dos momentos com os desenhos. Os resultados revelam que o desenho contribui para a criana recordar contedos pelas imagens, expressar momentos de enunciao nos traados desenhados, e, revelam, principalmente, que nessas situaes o pr-escolar vivencia momentos de autoria e subjetividade. Palavras-chave: Educao Infantil. Desenho. Grafismo Infantil. Abstract:When drawing, the child tries to express ideas and situations experienced in their social environment. This research aims to understand the graphical development in young children, following these developments from the drawings, the first stage of education. To this end, we collected data through graphic records of activities performed at the age of three years and later to six years. However, in our research proposal a key factor for the teaching of writing happens, refers to the intention and the presence of a mediator, who would, in our study, the teacher. The teacher is one whose intention promotes the teaching and with this, child development changes. The survey was conducted in a Municipal School of Early Childhood Education (EMEI) of a city in the state of So Paulo. We selected four subjects, students of this pre-school. To generate data, we chose the observation recorded in personal notebook, documentary analysis of children's books, shooting tasks, and photographs of moments with the drawings. The results show that the design contributes to the child to recall images by content, express moments of enunciation in routes drawn, and reveal, especially in those situations that preschool experience moments of authorship and subjectivity.

Keywords: Early Childhood Education. Drawing. Children's artwork.

Introduo

A idade pr-escolar O ato de desenhar faz surgirem outras formas de compreender o mundo objetivo. A criana, enquanto desenha, canta, conta histrias, imagina, fala. Pode-se dizer que o desenho um instrumento de conhecimento, cujas marcas e traos dizem muito sobre quem faz eu-desenho, como se o desenho carregasse algo como o eu de cada um e o definisse numa folha de papel. (TIBURI; CHU, 2010). Desenhar objetos, pessoas, situaes, animais, emoes, ideias so tentativas de aproximao com o mundo. Desenhar conhecer, apropriar-se. (DERDYK, 2004, p. 24). Como conhecimento humano perpassa toda a Histria, seja nas pinturas rupestres, na construo dos maquinrios na revoluo industrial, na arquitetura mais elaborada contempornea, na comunicao das ilustraes dos quadrinhos, nos livros infantis, na animao cinematogrfica, como tambm nos jogos eletrnicos. Seu incio na idade pr-escolar um perodo relevante para o desenvolvimento das capacidades humanas. A criana aprende facilmente se forem considerados e conhecidos seu desenvolvimento psquico e sua atividade principal. O crebro infantil est em formao, e em condies favorveis de vida e de educao; desenvolvem-se intensamente as capacidades prticas, intelectuais, imaginativas; ocorre a formao dos conceitos espontneos, dos primeiros sentimentos e hbitos, e da conduta (ZAPORZHETS,1987). Para Zaporzhets (1987 apud MELLO, 2007), o ensino para os pr-escolares deveria se efetivar por meio de jogos, observao direta e diferentes tipos de atividade prtica e plstica, e no por meio de tarefas que confundem educao com instruo ou pr-escolarizao, na antecipao dos estudos prprios da escola fundamental. O entendimento da especificidade da infncia de fundamental importncia para que a criana reproduza para si as qualidades especificamente humanas. Como ensina Mello (2007, p. 91):
[...] na infncia at os seis anos de idade, a criana j vive uma atividade intensa de formao de funes psquicas, capacidades e habilidades que no so visveis a olhos que entendem o

desenvolvimento dessas funes e qualidades humanas como sendo naturalmente dado.

A infncia um fenmeno cultural, histrico, condicionado aos modelos econmicos, polticos e sociais vigentes em cada perodo da histria da humanidade. Por isso, as crianas que frequentam uma escola de educao infantil tm mais possibilidade de alcanar um desenvolvimento superior que as crianas que no tiveram acesso educao mais intencional e sistematizada voltada para o sentido e significao do mundo cultural. A eficcia da educao escolar reside em considerar as particularidades psicofisiolgicas evolutivas da criana pr-escolar (ZAPORZHETS, 1987). A criana em idade pr-escolar possui caractersticas prprias quanto aos interesses, curiosidade, imaginao e afetividade. Tambm os conhecimentos infantis refletem sua idade e so, portanto, inferiores aos adquiridos pelo adulto, em decorrncia das poucas experincias vividas pela criana, porm, nessa fase de sua vida, ela j est em processo de formao e desenvolvimento de suas funes psquicas superiores. Pela observao diria, em suas relaes com objetos e pessoas, orientada pela atividade principal, seus sentimentos vo apresentando estabilidade, e a criana passa a compreender e a formar raciocnios de maior abstrao sobre a base de um pensamento prtico. A criana, ao nascer, apresenta uma herana biolgica, ou seja, reflexos no condicionados, formas inatas de comportamento, como a satisfao de suas necessidades orgnicas: alimentao, respirao, temperatura adequada, proteo, etc. A partir dos reflexos no condicionados, a criana, na interao com os adultos, cria novas necessidades em contato com o mundo externo a cultura na qual ela vive. O adulto, como mediador, medeia o processo de assimilao e apropriao do mundo objetivo, resultante da atividade do trabalho de geraes, que a herana cultural (MUKHINA, 1996). Assim, entende-se que as qualidades naturais da criana no formam qualidades psquicas, mas so suporte biolgico sobre o qual vo ser construdas essas ltimas pelas vias scio-histrico-culturais no processo de educao e ensino mediado por algum mais experiente. Durante a infncia, nos seis primeiros anos, h uma maturao do sistema nervoso e do crebro, a qual decorre da ativao de setores cerebrais pela atividade externa no processo de apropriao do mundo objetivo. Caso no existam atividades

que proporcionem um desenvolvimento adequado, tais setores, pouco exercitados, podem demonstrar evoluo ineficiente. No perodo pr-escolar, a criana percorre um longo processo de

desenvolvimento. Especificamente dos trs aos seis anos forma os conceitos espontneos e, partindo deles, elabora os conceitos cientficos. Objetivando tornar claro o processo de constituio do desenho a partir das perspectivas tericas desse tema apresentamos a seguir essa conceituao. O Desenho: perspectivas tericas De acordo com a Teoria Histrico-Cultural, o ensino gerador de aprendizagens movimenta o desenvolvimento, sendo essenciais as relaes sociais e a apropriao da cultura historicamente acumulada promovidas por um mediador cultural para o processo de humanizao da criana. O desenho, desse modo, entendido nas relaes objetivas e concretas do sujeito com sua realidade e cultura, das quais as crianas se aproximam por meio dos traos do desenho (TRINDADE, 2011). Em suas pesquisas, Trindade (2011), referenciando os trabalhos vigotskianos, afirma que a representao nos desenhos se d na atribuio de sentido ao que se apresenta no meio. Essa representao simblica, pelos desenhos, envolve a relao ativa dos sujeitos no meio cultural, cujas impresses subjetivas correspondem reelaborao da realidade percebida que decorre no de condies internas prestabelecidas na constituio dos sujeitos, mas por meio da relao dialtica estabelecida entre as significaes construdas socialmente e a atribuio do sentido pessoal que situa a experincia humana na esfera particular (TRINDADE, 2011 p. 231). Iavelberg (2006) refere-se passagem do desenho espontneo ao cultivado, da livre expresso incorporao da cultura no ensino do desenho. Para Iavelberg (2006), as constncias conceituais no desenho cultivado so frutos das experincias de aprendizagem influenciadas pela cultura, cuja evoluo depende de oportunidades e formas de aprendizagem. Segundo a autora o desenho como linguagem da criana um virtual humano que pode se desenvolver ou no a depender das experincias de aprendizagem positivas ou negativas do desenhista. (p. 26). Martins (1998, 2004) tambm se ocupa da temtica do desenho como forma de dizer e remete importncia de se respeitar a criana, autora dos traos e rabiscos

iniciais, usando metaforicamente o termo passageiro para design-la. Qual alfndega de nosso aprendiz? Viveu ou vive o caos criador ou o caos paralisante? Traz em sua bagagem regras rgidas para fazer dentro de normas, dadas por outros em outros tempos ou lugares, ou ousadia, mergulho, perder-se, reencontrar-se? (MARTINS, 2004, p. 240). A autora utiliza o termo alfndega como metfora para o ensino e ensinante, para o professor. A alfndega, para Martins, poder ser desenhante, segundo a qual incentiva ideias e experimentaes no papel, na argila, no tecido, no recorte, no ngulo escolhido para imagens fotogrficas, no corpo, no gesto, em tudo que a criao possibilitar, ou poder ser alfndega perigosa , aquela que aceita o j visto, com proximidade da forma real, acha feio ou bonito o desenho do passageiro, valoriza a cpia, o igual que reproduz e no recria. Martins (2004) prope cautela e preocupao quanto s tarefas que objetivam o desenhar orientado segundo um tema:
Muitas e muitas vezes encontrei propostas para essa faixa etria (34anos) que mandavam: registre a histria que voc ouviu. E a folha para o desenho j vinha com o ttulo l em cima. Qualquer rabisco feito pela criana pequena que garatuja. Qualquer resposta perguntaO que voc desenhou?- dada, porque o passageiro sabe que so s rabiscos, mas preciso dar uma resposta que convena o professor. (MARTINS, 2004, p. 241-242).

Tal preocupao se d devido restrio expressividade infantil e conduo obedincia de regras: corre-se o risco de que riscos e rabiscos no se tornam, eles prprios, motivos para continuar inventando riscos e rabiscos. (MARTINS, 2004, p. 242. Considerando a mesma orientao da ressignificao da expresso na infncia, Leite (2004), discute o papel da escrita dos adultos nos desenhos. A autora acredita que a escrita feita pelo adulto - professores ou pais - no desenho infantil busca a garantia de compreenso e interpretao uniformes dos registros, frutos de uma trajetria escolarizante, motivada pelo desejo de saber e concretizadas nas perguntas: O que isto? O que voc fez aqui? Essa prtica, para Leite, impregna de escrita o desenho livre, aquele cujo objetivo a expresso infantil. A autora defende ainda que ningum tem direito de interferir, descrevendo, nomeando ou datando os desenhos. Sugere que tal procedimento seja feito no verso da folha. Para Leite (2004), quando professores questionam a criana sobre o que ela desenhou e depois escrevem o que significa, buscam a traduo das imagens ou uma espcie de ttulo para o desenho. Conforme a autora, os significados nos desenhos

possuem um movimento dialtico entre objetividade (social e cultural) e subjetividade para a constituio do sujeito que desenha. O exerccio de olhar para as imagens infantis sem decifr-las confere criana um conhecimento prprio e diferente do adulto. A atitude das escritas, nesse sentido, pode ser vista pela criana como tentativa de traduzir para o adulto as imagens ininteligveis. Essa opinio da autora baseia-se na ideia de que o desenho uma manifestao artstica ou esttica, no sendo passvel de decodificao como outros signos simblicos. J de acordo com Luria (2006) e Vygotski (2000), o desenho nexo intermedirio para a constituio da escrita, constituindo-se como um dos elementos de sua da pr-histria. Segundo esses autores, primeiramente ele uma representao grfica do gesto e depois torna-se representao simblica do objeto. Leite (1998, 2002, 2004) defende o desenho como um dos elementos culturais da infncia, uma das expresses de mostrar-se presente no mundo. Assim, para conhecer a produo grfica nos desenhos, o mediador deve estar com a criana, ouvila, v-la, conversando sobre o que ela pensa para tentar compreender o que deseja revelar. O desenho no apresenta de maneira direta o retrato do visto ou vivido: debruando-nos sobre desenhos de crianas que conhecemos desenhos! E, consequentemente, a produo cultural de meninos e meninas. (LEITE, 2004, p. 64). s vezes o desenho pode revelar ou ocultar. No imaginrio infantil, a criana pode, em vez de registrar o vivido, desejar fugir dele. O desenho, segundo a mesma autora, possibilidade de fruio, de prazer, de jogo e transbordamento, que como linguagem constitui-se na identidade do desenhista, que como narrativas visuais aguardam contemplao e entrelaamento com a dialogia da lngua. No so desenhos-em-desenvolvimento feitos por adultos-de-amanh, mas atividades linguageiras. (LEITE, 2004, p. 70). Nesse sentido, tambm contribuem com a ideia da subjetividade pelo ato de desenhar Tiburi e Chu (2010) dizendo que quando desenhamos, fazemos nascer uma obra e aparecemos nela pela criao, e ainda desenho uma palavra que subsume a condio existencial do eu com seu prprio ato. Para usar um lacans vlido: me torno meu significante; mais que isso, vou-junto do significante que crio (p. 22, grifo nosso). verdade que a criana, enquanto desenha, gosta de relatar o que faz. Nesse fazer, o professor pode escrever no verso do trabalho, forma mais respeitosa para o autor.

Outro elemento de relevncia para a abordagem do desenho: os esteretipos, que so as imagens repetidas, como se fossem naturais, e se apresentam muitas vezes como modelos a serem copiados (VIANA, 1995). Tais modelos apresentados prontos pela escola, de acordo com Viana (1995), so vistos como forma negativa de expresso, j que inibem a subjetividade no desenho. Aos poucos, quando povoam o universo da infncia, fazem com que a criana desaprenda e no acredite em seu prprio desenho, resultando na falta de expresso e de confiana. Elas comeam a considerar seus traos e desenhos feios ou mal feitos. Os desenhos estereotipados empobrecem a percepo e a imaginao da criana, inibem sua necessidade expressiva; embotam seus processos mentais, no permitem que desenvolvam naturalmente suas potencialidades. Estereotipar quer dizer, ento, simplificar, esquematizar, reduzir expresso mais simples. Vianna (1995) salienta a necessidade da des-estereotipizao. Nessa tentativa, o professor busca ofertar outros modos de representar a figurao, sendo necessria a conscientizao de que existem formas diversificadas de desenhar os objetos culturais, sendo interessante a observao das transformaes obtidas no material produzido pelo grupo. Aps apresentar o desenho segundo a Teoria Histrico-Cultural, focalizamos o ensino desse importante contedo do conhecimento humano, mostraremos o processo do desenvolvimento grfico infantil

Garatujar, garatujar para depois desenhar As marcas, os traos ou os rabiscos na primeira infncia (1-3 anos) so aes. Esses exerccios gestuais so nomeados garatujas, que nesse momento no remetem a significados simblicos. Esses rabiscos no incio so incontrolados, no traado que quase escapa do instrumento, com traos desiguais que escorregam sobre o papel, tornando-se longitudinais e circulares. (MARTINS, 1998, p. 98). Pensar nas garatujas como produo subjetiva da criana consider-la como os futuros traos do desenho. Para a pesquisadora Rhoda Kellogg (1985), os futuros desenhos constituem-se a partir da gestualidade de garatujar. Para demonstrar o percurso, a autora utiliza a Mandala da representao e o desenvolvimento da figura humana.

Dos rabiscos iniciais nascem as formas circulares, traados triangulares ou quadrangulares, a cruz, o x, denominados por Kellogg (1985) de diagramas bsicos. Os traados vo se complexando conforme a criana experiencia as marcas. Esses diagramas vo se combinando e se agregando, superpem-se, ficam dentro ou fora, crescem ou diminuem. (MARTINS, 1998, p. 100). Dessa produo grfica, dos rabiscos e das pesquisas das formas, ocorre a gnese das primeiras figuras humanas. Em um primeiro momento, o objetivo das marcas e rabiscos so a ao, a pesquisa e a experimentao dos recursos; em um segundo momento, a criana inicia uma inteno e representao figurativa. Encontramos, no primeiro momento - da ao, pesquisa e explorao - um contato fsico com o mundo circundante e com as pessoas. A criana embora sem a intencionalidade de ser produtora dos signos vive em um mundo simblico e como tal leitora desses referenciais sgnicos. Ela aprende a dar tchau, a bater palmas, a assoprar velinhas de mentira, a fazer comidinhas, a balanar a boneca como se fosse um beb de verdade: aes aprendidas em seu meio sociocultural e recriadas diante das brincadeiras simblicas. A imitao conduz aprendizagem. Assim como o gesto de apontar, a criana imita a ao de riscar um papel. Seu prazer est no ato de riscar, ainda no h inteno de registro, o que interessa nesse momento a ao. H pressa para que a criana deixe logo as garatujas e passe para os desenhos reconhecveis. Para algumas pessoas, s h desenho quando a criana faz o figurativo. (MARTINS, 1998, p. 102). Esse modo exploratrio inicial da criana repertrio para as prximas aes, pelas reorganizaes e desejos de experienciar o novo. A pesquisa desse primeiro movimento, quando tolhida, pode conduzir repetio mecnica conquistada com os desenhos mimeografados ou exerccios de prontido. Do primeiro momento exploratrio para o segundo, o expressivo - denominado simblico por Gardner (1997) - surge o carter semitico e representacional das primeiras formas. A criana faz seus primeiros smbolos, sendo a passagem dos rabiscos e das pesquisas exploratrias para o desenho, um perodo mais lento. Tais aes ganham maior significao se houver oportunidade para representar a figura humana. A primeira figura humana, segundo Kellogg (1985), apresenta-se como um crculo com olhos, nariz e boca. O crculo uma grande cabea de onde saem braos e pernas que se assemelham a um sol. Quando h cabelos, quase sempre so espetados. As pernas e braos so como raios maiores. As mos e ps tm as formas circulares com

cinco raios, podem mostrar um novo sol representando as mos. Nessa situao expressiva da figura humana, no surge a preocupao com o registro da cena em si; os desenhos parecem flutuar no espao do papel. A criana conta a histria de seu traado e registra na figurao o princpio da simplicidade e do primitivo, exclui o que no tem importncia para ela, por isso h nfase na grande massa, que a cabea de onde surgem os braos e pernas. Na simplicidade da figura humana inicial feita pelas crianas vo sendo elaborados os detalhes que surgem nos desenhos futuros. Dessa representao primitiva humana que se estruturam todas as outras, como desenhos dos animais, cuja boca se encontra perto do pescoo e no na ponta do focinho como as dos cachorros e gatos. Na continuidade pela verossimilhana da forma, a criana produz uma linguagem sgnica, o desenho representa o objeto ausente. Na descoberta de que pode registrar tudo com o desenho - uma visita ao zoolgico, um passeio, seu brinquedo favorito, seu animal de estimao, etc. - concomitantemente, aparece a busca pela representao mais realista do mundo objetivo, com maior autocrtica na comparao com o real. Nesse momento interessante o mediador possibilitar a ampliao de repertrios, fazer rodas de leituras de imagens e observao direta de situaes de ensino, para que ocorra a evoluo nesse perodo. Quando surge a necessidade de representar figuras e formas pelo desenho, a criana deixa os rabiscos e mostra seus signos-smbolos. Podemos explicitar o ingresso da criana no universo da representao simblica e da escrita pictogrfica, nos reportando ao processo estudado por Luria (2006) sobre a trajetria do desenho escrita. Podemos resumir tal processo em alguns momentos cruciais: a primeira apresentao da escrita nos trabalhos infantis mostrada nos traados ou rabiscos topogrficos, que por sua posio, situao e relao com os outros rabiscos (p. 157) ajudavam na rememorao do material registrado, isto , pela escrita topogrfica, a criana lembra o contedo pedido por meio de marcas colocadas em determinadas posies sobre o papel. Aps a descoberta das marcas topogrficas que podem ajudar a recordar o significado do rabisco, a criana, pela mediao de algum mais experiente, descobre que pode expressar um contedo objetivo, ou seja, passa das marcas subjetivas dos rabiscos para a aquisio dos signos, instrumentos simblicos que representam outros. Posteriormente alguns fatores conduzem a criana para a passagem da atividade grfica imitativa, que a fase no diferenciada de atividade grfica para a da atividade grfica diferenciada, aquela em que os signos so

descritivos e significativos. Esses fatores so diagnosticados quando o mediador solicita que a criana desenhe contedos com quantidade, forma, cor e tamanho. O desenho passa a ser feito como um recurso ou um meio para registro, como signo representativo, diferente do desenho como processo espontneo que no desempenha a funo de relao ou lembrana. Nesse percurso apresenta-se a distino, segundo Luria (2006), entre o desenho como escrita pictogrfica, cujo papel dos signos de mediar a recordao dos contedos solicitados na tarefa, e o desenho como processo autocontido de representao, que brincadeira e espontneo. Na primeira forma de registro, a funo escrever com o auxlio de marcas; na segunda, a representao no vai alm do desenho de imagens encontrado nas formas de desenho espontneo e, assim, no denota qualquer relao com a tarefa de recordar um contedo. Nessa explicao percebe-se o caminho da escrita pictogrfica para a escrita simblica quando a criana, impossibilitada de desenhar um contedo abstrato, o substitui por outro. Diante do que foi enunciado para comprovar a hiptese de que os desenhos colaboram para a representao simblica infantil, propomo-nos na prxima seo relatar a gerao de dados obtidos em uma unidade pblica de educao infantil. Coleta de dados e anlise A pesquisa em questo pretende o entendimento da prtica pedaggica em articulao com os seus fundamentos tericos, com o objetivo de melhorar essa prtica. E, para que se chegue apreenso do fenmeno em sua essencialidade, preciso passar os dados empricos pelo crivo do pensamento terico. No se trata de descartar a forma pela qual o dado se manifesta, pelo contrrio, trata-se de sab-la como dimenso parcial, superficial e perifrica do mesmo. (MARTINS, 2006, p. 10. Grifo no original). preciso, pois, desvendar o real contedo que se esconde por trs da aparncia de sua forma. Os sujeitos que compem a pesquisa foram acompanhados por quatro anos na educao infantil em uma cidade do interior de So Paulo. Foi realizada a coleta dos registros grficos nos quatro anos que as crianas participaram da E.M.E.I. Trs sujeitos foram selecionados pelos critrios de permanncia na escola, neste perodo e um deles ingressou somente no ltimo ano da coleta, nossa inteno foi fazer uma anlise das diferenas nos resultados obtidos.

Participaram da pesquisa quatro alunos e trs professoras. Os alunos com faixa etria dos trs aos seis anos, entre 2005 e 2008. As professoras de educao infantil atuaram nos referidos anos com os alunos selecionados. Uma das professoras foi docente no primeiro ano da educao infantil e no ltimo ano. Essa professora possua duas graduaes e cursava mestrado em educao na rea do ensino de linguagens. As outras duas participantes possuam graduao em pedagogia. Os dados apresentados esto organizados na forma de situaes que abrangem as observaes, coletadas antes, durante e depois da realizao das tarefas com desenho e escrita. preciso ressaltar que o professor denominado por P1, P2, P3 e os quatro alunos por A1,A2, A3 e A4. Os sujeitos A1, A2 e A3 no ano de 2005 realizaram a categoria do desenho como autoria nas seguintes tarefas: eu sou...., minha professora, meu amiguinho, minha escola, trabalho com as formas, histria do caracol, mame gosta de....., minha turma, histria do tatu, meus brinquedos, histria da Branca de Neve, o corpo, as flores, Dia de Chuva, minha cidade, Pai, lanche com bolacha, o ninho na escola, histrias do saci, trabalho com rtulos do nome, a Joaninha, Parlenda da bruxa, tarefas diversificadas com o nome. Todas as atividades citadas foram desenhadas, no constatamos nenhuma mimeografada ou xerocopiada. Nesse ano a professora foi a P1. As crianas realizaram (44) quarenta e quatro registros com desenhos. (12) doze folhas avulsas com explorao de material diversificado (carvo, tinta, areia,cola colorida, papis) e 10 em suportes maiores (papel Canson A3, papel carto, cartolina, caixas, papelo, papel pardo) desenhos com garatujas, rabiscos e explorao matrica. Observamos a categoria da mediao em 2005 em atividades com formas geomtricas, embalagens, rtulos e desenhos. A professora (P1) propunha atividades na lousa e espaos maiores: cho, parede e calada para realizarem os desenhos. Fazia os desenhos na lousa para alimentar o olhar e realizava a hora do conto com objetos para colaborar na representao da histria. A mediao, aqui, realizada por meio do ensino que parte do que a criana faz sem ajuda para aquele em que ela precisar da colaborao do outro, observando critrios referentes atividade principal que, aos 3 anos, a manipulao de objetos.

No ano 2006, com quatro anos, os sujeitos A1, A2 e A3 registraram (10) dez desenhos com autoria em: Eu sou, desenhe crculos, histria do Tor, banho bom, Dom rato e a lua, Parlenda da pedrinha. Nesse ano, a professora era a P2. Constatamos (18) dezoito trabalhos com datas comemorativas, (11) onze trabalhos nomeados como ligue certo e pinte a quantidade (mimeografados), (9) nove desenhos mimeografados. Observamos que o desenho das crianas, de 2005 para 2006, no demonstrou evoluo, permanecendo com as mesmas caractersticas. Houve muitas tarefas visando escolarizao precoce. Em 2007, com 5anos, os sujeitos A1, A2 e A3 apresentaram (7) sete registros de desenhos com os temas: pintura livre, indiozinho, a abelhinha, eu sou assim, passeio ao zoolgico e jardim botnico, a bruxa Onilda. Havia um caderno chamado Atividades com (55) cinquenta e cinco exerccios mimeografados que objetivavam o ensino das vogais e cpias de numerais at 10. No caderno de arte: (12) doze registros de desenhos mimeografados referentes a passeios e comemoraes e (21) vinte e uma colagens. Pasta com 58 tarefas mimeografadas. Um caderno que o aluno levava para casa com exerccios: com (9) nove desenhos de datas comemorativas, 34 trinta e quatro tarefas mimeografadas, (19) dezenove colagens com letras e palavras soltas sem contextualizao (recorte e cole letras para formar a palavra ndio), 6 colagens de matemtica( recorte e cole trs objetos), (3) trs pesquisas de figuras, 2 quebra-cabeas. A Professora era a P3. Em 2008, houve registros de desenhos representando jogos como cabo de guerra, jogos de dados, histrias de interpretao: A fada, Rapunzel,Quem foi Pandora, o segredo do Saci, Branca de Neve, A vendedora de peixes. Registros de histrias e produo escrita com narrativas individuais. Caderno de classe com (26) vinte e seis registros de desenho. Caderno de tarefas com (25) vinte e cinco solicitaes de trabalhos utilizando escrita e desenho como interpretao, como nos exemplos: desenhe sua famlia, meus amigos da escola, a planta de minha casa, meu brinquedo, eu sou assim, desenhar o que entendeu da msica, a histria que eu li, etc. A professora era a P1, a mesma que havia trabalhado com o grupo em 2005. Ingressou nesse ano o aluno A4. O aluno A4 havia passado por escolas em que a criana no desenhava; seus traos revelavam o grafismo em uma fase primitiva e rudimentar

de crianas de 3 ou 4 anos. Isto demonstra que o desenho no aprendizagem natural. O aluno A4 terminou o ano escrevendo histrias com os ttulos: O Minotauro, os Doze trabalhos de Hrcules, ilustradas com desenhos. Nessa etapa observa-se a categoria do desenho como registro dos gneros textuais em diferentes momentos: a criana como produtora de textos, como leitora e ouvinte de narrativas. A professora era contadora de histrias, possua ba e caixas que utilizava na hora do conto. Ao trmino do ano letivo, os alunos realizaram uma feira expondo a produo com desenhos, contaram histrias para os menores da escola e para os pais. Consideraes finais Pela exposio dos dados, verificou-se maior evoluo nos desenhos das crianas nos anos de 2005 e 2008. H, nesse perodo, a presena de maior nmero de registros com desenhos e ausncia de registros mimeografados. Em 2006 e 2007, nota-se um nmero insignificante de autoria com desenhos. Percebe-se que a mediao e interveno so aspectos essenciais no processo de desenvolvimento da criana. A teoria deve permear o para qu fazer ou qual o objetivo que determina a tarefa a ser realizada por ela. Para o ensino promover o desenvolvimento, o professor trabalha com uma inteno consciente de tornar isso possvel, e no de forma espontanesta. Da ser essencial que o ensino na escola priorize os contedos culturalmente sistematizados, aqueles construdos historicamente pela humanidade. E, para finalizar as consideraes, a educao infantil deve ser vista como poca de desenvolvimento das funes psquicas superiores, j que, ao nascer, a criana possui as funes psquicas elementares, as biologicamente herdadas. Durante a educao infantil o professor desenvolver formas do pensamento que conduzir s formas abstratas. No compete a esta etapa curricular desenvolver a escolarizao precoce do ensino fundamental.

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