FRANK MARCON

VISIBILIDADE E RESISTNCIA NEGRA EM LAGES

Copyright 2010, by Frank Marcon Capa, projeto grfico e editorao eletrnica Estdio Letras Contemporneas Ilustrao da capa Cacimba da Santa Cruz, de Marino Malinverni, primeiros anos do sculo XX. Acervo famlia Malinverni. Preparao de originais Fbio Brggemann Conselho editorial Daniel Mayer Fbio Brggemann Pricles Prade ISBN 978-85-7662-52-9

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Para dona Basilcia, dona Marieta (Mulata) e seu Sebastio Ataide.

A mais estpida mania dos brasileiros, a mais estpida e lorpa, a aristocracia. Abre a um jornaleco desses bonecos, e logo das com os clichs muito negros... Olha que ningum quer ser negro no Brasil!... Lima Barreto O fato de uma fonte no ser objetiva mas nem mesmo um inventrio objetivo no significa que seja inutilizvel. Carlo Ginzburg Quando voc for convidado pra subir no adro/Da Fundao Casa de Jorge Amado/Pra ver do alto a fila de soldados, quase todos pretos/Dando porrada na nuca de malandros pretos/ De ladres mulatos e outros quase brancos/ Tratados como pretos/ S pra mostrar aos outros quase pretos/ (Que so quase todos pretos)/ Como que pretos, pobres e mulatos/ E quase brancos, quase pretos de to pobres so tratados/ E no importa se os olhos do mundo inteiro/ Possam estar por um momento voltados para o largo/ Onde os escravos eram castigados/ E hoje um batuque, um batuque/ Com a pureza de meninos uniformizados de escola secundria em dia de parada/ E a grandeza pica de um povo em formao/ Nos atrai, nos deslumbra e estimula/ No importa nada: nem o trao do sobrado/ Nem a lente do Fantstico, nem o disco de Paul Simon/ Ningum cidado/ Se voc for ver a festa no Pel, e se voc no for/ Pense no Haiti, reze pelo Haiti/ O Haiti aqui, o Haiti no aqui [...] ). Caetano Veloso e Gilberto Gil

Sumrio

Prlogo ..................................................................................................................................................11 Introduo ..................................................................................................................................... 15 Captulo 1 O negro lageano no campo e na cidade, visibilidade histrica ............................................................................................................ 25 Captulo 2 A cor manifesta: prticas cotidianas contra a cor inexistente ............................... 57 Captulo 3 Homens de cor no espao urbano de Lages .......................... 91 Consideraes Finais .................................................................................................... 117 Anexos .............................................................................................................................................. 123 Notas .....................................................................................................................................................127 Bibliografia ............................................................................................................................... 139

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Prlogo

ste livro foi escrito originalmente no ano 2000, em forma de dissertao de mestrado, a partir de pesquisa realizada entre os anos de 1997 e 1999. A maior parte foi feita nos arquivos judicirios de Lages e de Florianpolis, no acervo de jornais da Biblioteca do Estado de Santa Catarina, recorrendo ainda a entrevistas com alguns descendentes de africanos octogenrios na cidade de Lages. O principal argumento do trabalho surgiu a partir do contato com algumas publicaes realizadas nos anos noventa, por pesquisadores como lio Cantalcio Serpa, Ilka Boaventura Leite, Joana Maria Pedro e Maria Bernardete Ramos Flores, que enfrentavam o desafio de questionar os discursos historiogrficos e sociolgicos estabelecidos, encontrando novas possibilidades de anlise e novos sujeitos de pesquisa. A contribuio mais interessante daquele momento foi a desconstruo dos discursos sobre a invisibilidade de alguns grupos sociais e o estmulo s releituras crticas da produo ensastica, cientfica e documental sobre o estado de Santa Catarina. Tais referncias, bem como a inspirao indiciria da micro-histria italiana e a influncia da semitica na
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antropologia interpretativista norte-americana, corrente entre alguns historiadores e cientistas sociais brasileiros, inspiraram, naquele momento, as anlises que realizamos. A utilizao dos processos judiciais, que nortearam boa parte desta pesquisa, e a metodologia utilizada para tal fim, teve influncias muito peculiares a partir da leitura do livro de Sidney Chalhoub, Vises da Liberdade, sobre escravos, libertos e livres no Rio de Janeiro, no sculo XIX. Diferente do recorte de Chalhoub, priorizamos o perodo ps-escravido, e, para tal caso, tivemos outros desafios, como encontrar entre os atores dos processos judiciais, aqueles que eram mencionados ou identificados de alguma forma como negros, fossem eles rus, vtimas ou testemunhas nos processos. Os processos judiciais se mostraram com inmeras possibilidades de anlise e de prioridades interpretativas, mas algumas pareceram mais interessantes aos propsitos iniciais de demonstrar a presena negra na regio. A pesquisa com os processos judiciais exigiu certa familiarizao sobre os tramites processuais, a estrutura dos documentos, a linguagem jurdica utilizada e, a partir da, a leitura detalhada dos documentos, associadas a tcnicas de tabulao de dados, cruzamentos indicirios e anlises densas dos textos narrativos dos depoimentos e testemunhos integrantes dos processos. A existncia e a disponibilidade desta documentao no Frum de Lages e no Tribunal de Justia de Santa Catarina foram fundamentais para que a pesquisa ganhasse corpus cronolgico e temtico adequados, que cobriu as dcadas finais do sculo XIX e as dcadas iniciais do sculo XX.
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As caractersticas dos processos crimes e dos inquritos policiais exigiram ainda a utilizao de teorias analticas que dessem conta de uma peculiaridade importante destes documentos: os conflitos sociais recorrentes entre os envolvidos. A categoria resistncia, sugerida por Helosa Jochmins Reichel, orientadora da pesquisa, estava em voga na poca, num contexto de teorias que revisavam o marxismo a partir da histria social, o que foi imprescindvel para anlise das tenses sociais que surgiam dos depoimentos dos rus, das vtimas, dos tcnicos do judicirio e das testemunhas que participavam dos processos. Contradies de valores, de comportamentos e de convices sociais, muitas vezes permeados pela emergncia de referncias raa ou cor dos envolvidos, possibilitaram a anlise sobre as conexes de uma ampla teia de relaes e tenses sociais prprias da regio. Diante de tais consideraes, o leitor j deve imaginar que est diante de um livro com a caracterstica peculiar das influncias de um momento relevante de renovao do olhar sobre o tema da escravido e da histria das populaes negras na Regio Sul. Tambm poder se deparar com algumas categorias de anlise e um vocabulrio que expressam em muito as orientaes tericas, as preocupaes e o contexto de uma dada poca em que o texto foi originalmente escrito. Publicar este livro depois de dez anos gratificante pelo desafio de ampliar difuso de seu acesso entre pesquisadores, professores e outros interessados, imaginando que ele ainda tenha algo a contribuir sobre o tema das populaes negras no Sul do Brasil, bem como sobre o uso
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de algumas fontes e metodologias de pesquisa, no caso mais especfico da pesquisa com processos judiciais. Alm disto, encontramo-nos em um momento importante de discusses tericas sobre identidades, de inspirao por possibilidades de pesquisas interdisciplinares e, principalmente, num contexto de amplo debate sobre polticas de aes afirmativas, neste caso, principalmente aquelas sobre incluso do contedo de Histria da frica e Cultura AfroBrasileira nas escolas, da necessidade ou no de cotas raciais nas universidades e, entre outros, dos debates em torno da questo quilombola, com as quais este livro pode contribuir direta ou indiretamente.
Frank Marcon
Aracaju, outono de 2010

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Introduo

lguns trabalhos recentes de autores ligados Histria e Antropologia Social em Santa Catarina tm tratado da invisibilidade negra no Estado. Entre eles, Joana Maria Pedro e outros (1996), no artigo Escravido e preconceito em Santa Catarina: histria e historiografia1, afirmam que:
A invisibilidade tem sido, portanto, mais um dos atributos pagos por populaes de origem africana em Santa Catarina. Alm da historiografia, os meios de comunicao de massa vm construindo uma imagem de loira catarina, um pedao da Europa no Sul do Brasil, e, desta forma, acaba-se acrescentando, mesmo que involuntariamente, mais uma forma de discriminao: a negao da existncia e da memria. (p. 233)

Alm de Joana Maria Pedro (1996), a antroploga Ilka Boaventura Leite (1996) e a historiadora Patrcia Freitas (1997) abordaram a invisibilidade2 e insignificncia3 negra na historiografia, pelo vis da desconstruo dos discursos histricos, literrios e dos meios de comunicao que projetaram e projetam a imagem de um Estado catarinense branco e europeizado. As autoras, ao observarem elementos especficos da narrativa sociolgica, literria ou histrica sobre os descendentes de africanos, denun15

ciaram a negao da existncia e a negao da memria em relao quelas populaes, em Santa Catarina. Segundo a antroploga Ilka Boaventura Leite, tradicionalmente, duas especificidades do tratamento historiogrfico sobre a temtica dos negros em todo o Sul do Brasil contriburam para invisibilizar a sua presena nesta regio:
A primeira, fundamentada a partir de uma anlise do passado colonial, afirma que o negro teve e tem presena rara, inexpressiva ou insignificante e atribui a isto a ausncia de um grande sistema escravista voltado para exportao, como ocorreu em outras regies do Brasil. A segunda, sugere que em algumas reas e em certos tipos de atividade, existiram relaes mais democrticas e igualitrias. Estas relaes seriam decorrentes sobretudo do modelo econmico implantado. (Leite, 1996, p. 40)

Desde as primeiras dcadas do sculo passado at os anos de 1980, os nomes mais expressivos que focalizaram, em algumas de suas produes, o negro em Santa Catarina, foram: Heitor Blum4, Renato Barbosa5, Osvaldo Cabral, Walter Piazza6, Fernando Henrique Cardoso e Octvio Ianni7. No entanto, eles confirmaram o discurso da insignificncia numrica dos negros no Estado, de sua reduzida importncia histrica e, ainda, sugerindo que existiram relaes mais democrticas e igualitrias entre escravos e senhores ou, posteriormente, entre negros e a sociedade catarinense em geral8, sempre usando como mtodo de anlise e discurso a comparao com outras regies do Brasil. Concentrando tal problema num espao mais especfico dentro do Estado, a historiografia sobre Lages municpio localizado na rea central de Santa Catarina re-

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produziu o mesmo discurso da invisiblidade e da insignificncia negra em sua histria. O historiador, e membro do Instituto Histrico e Geogrfico de Santa Catarina, Walter Piazza (1990), ao fazer uso de censos e matrculas de escravos, em artigo escrito sobre A escravido numa rea de pastoreio: os Campos de Lages , conclui que [...] uma das maiores evidncias deste estudo o pequeno nmero de escravos em relao propriedade fundiria, de pecuria extensiva. (p. 272). Licurgo Costa (1997) , historiador da regio de Lages, e tambm membro do Instituto Histrico e Geogrfico de Santa Catarina, diz que [...] em relao ao restante da Provncia de Santa Catarina, e considerando sua extenso territorial, Lages no foi um municpio de grande populao escrava. (p. 181). Ao trabalharem com o perodo escravista, ambos admitem a existncia negra na histria da regio, mas argumentam pela sua insignificncia numrica e produtiva. As concluses, vindas de historiadores que falam de um lugar como o Instituto Histrico, espaos de saber autorizado, como define Patrcia Freitas (1996)9, se consolidaram como insofismveis, tanto para os pesquisadores que os seguiram, quanto para o senso comum local. O fato de a historiografia tradicional do Estado ter identificado um nmero menor de escravos em relao a outras provncias do perodo imperial, no argumento suficiente para associarmos que tais nmeros correspondessem toda a populao negra da regio, pois necessrio reconhecer que houve um significativo nmero de descendentes de africanos livres ou libertos em
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Santa Catarina. Alm disto, o reconhecimento da existncia histrica dos descendentes de africanos no pode ficar restrito aos anos de escravismo, como foi predominantemente focalizado por aqueles que estudaram o negro na regio, porque a populao negra no sumiu instantaneamente com a abolio, em 1888, apesar da referncia cor ter desaparecido dos registros estatsticos, da documentao oficial e da historiografia. Atualmente, um dos maiores desafios temticos em relao visibilidade negra trabalhar com a histria da populao negra aps a escravido. Desde os ltimos anos do sculo XIX, o discurso da imprensa e de parte da intelectualidade daquela poca orientava pelos interesses de uma elite branca e burguesa, tornando-se os veiculadores das ideias de progresso e civilizao que ela absorvia do exterior. A necessidade de esquecer o passado escravocrata e, por consequncia, a existncia da populao negra estigmatizada por ele, era justificada pela reproduo de teorias cientficas absorvidas da Europa, entre elas: o positivismo, o evolucionismo e o darwinismo-social10. Segundo Lilia Moritz Schwarcz (1995), estas teorias eram assimiladas por parte das elites intelectuais e polticas brasileiras trazendo a sensao de proximidade com o mundo europeu e de confiana na inevitabilidade do progresso e da civilizao. (p. 34). Ao mesmo tempo, a miscigenao11 da sociedade brasileira12 comeou a ser pensada por grande parte da intelectualidade como alternativa possvel ao branqueamento da populao do pas.13 Com base nas teorias racialistas europeias, acrescentaram ao determinismo ra18

cial a crena [...] na desigualdade das raas humanas, e principalmente, numa seleo natural e social que conduziria a um povo brasileiro branco num futuro no muito remoto. (Schwarcz, 1987, p. 25). Contrariavam, assim, as previses deterministas europeias de degenerao racial brasileira pela mistura das raas, alegando que atravs da mestiagem que se construiria um Brasil branco. Segundo Thomas Skidmore (1989),
Durante o perodo alto do pensamento racial 1880 a 1920 a ideologia do branqueamento ganhou foros de legitimidade cientfica, de vez que as teorias racistas passaram a ser interpretadas pelos brasileiros como confirmao das suas idias de que a raa superior a branca , acabaria por prevalecer no processo de amalgamao. (p. 63)

Esse discurso racial determinista brasileira legitimou, por sua vez, a hierarquia social14 existente no pas, vinculando a capacidade intelectual e o posicionamento social dos indivduos s caractersticas raciais do seu grupo. Inserido em tal hierarquia, o mestio passou a ser pensado como sendo antdoto ao veneno da degenerao, e um meio para a conquista de uma harmonia racial aps a abolio. Para os tericos da poca, atravs dele e do estmulo entrada de imigrantes no pas, ocorreria uma miscigenao seletiva, onde prevaleceria a vitria da raa branca superior.15 Promover a invisibilidade negra foi um dos suportes da ideologia do branqueamento.16 A intelectualidade brasileira conclua, como prioridade para a nao atingir foros de civilizada, a eliminao gradual da barbrie que o negro e o ndio representavam. Segundo Lilia Schwarcz (1995), Silvio Romero escrevia, nas pginas da Revista do
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Instituto Histrico e Geogrfico Brasileiro, em 1908, sobre suas concluses a esse respeito, resumindo uma ideia polmica na poca, porm compartilhada por grande maioria de seus pares. Diz, Lilia Schwarcz (1995):
Tomando como suposto inicial que ao elemento branco cabia um papel fundamental no processo civilizatrio, Romero, em vez de lamentar a barbrie do indgena e a inpcia do negro, partia para solues originais: estava na mestiagem a sada ante a situao deteriorada do pas e era sobre o mestio enquanto produto local, melhor adaptado ao meio que recaam as esperanas do autor. (p. 115)

Foi tambm naquele mesmo perodo dos ltimos anos de escravido s primeiras dcadas da Repblica que se enfatizou a necessidade de consolidao de um processo civilizador17 e urbanizador da sociedade brasileira. Em Lages, naquela poca, segundo Serpa (1995, p. 8), o horizonte vislumbrado pelas elites locais foi o de civilizar o povo a partir dos paradigmas europeus. A ordem para civilizar passaria pela prioridade de reordenao e disci-plinao do espao pblico, atravs da higienizao, de novas edificaes, embelezamento da cidade, surgimento de sociedades recreativas privadas e a reformulao dos cdigos de posturas e leis municipais em geral18. Assim, a caracterstica dos primeiros trinta anos do perodo ps-escravista foi o prevalecimento de uma orientao ideolgica19 e poltica, corroborada pelos intelectuais brasileiros da poca, que esteve empenhada em coagir as manifestaes populares e em propagar um discurso de igualdade e mestiagem racial que invisibilizasse e imiscusse o negro numa massa popular nica20.
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Para toda a populao brasileira, principalmente a de origem africana, a Lei urea, assinada em 1888, representou um marco histrico. Para os negros, no significou apenas o direito jurdico liberdade fsica, mas o momento de sua insero no mercado de trabalho e de consumo, de renovao de suas manifestaes e tradies culturais, da reformulao dos objetivos a serem alcanados para sua prpria sobrevivncia e a possibilidade aberta para a conquista de novos espaos sociais, polticos ou econmicos. Para o negro lageano, alm da abolio, outro marco referencial de sua histria foi ano de 1918. Naquele ano, fundou-se o Centro Cvico Cruz e Souza hoje com noventa anos como um clube para negros, justamente em uma poca em que se fortalecia, no Brasil, [...] o esprito nacionalista que procura se desvencilhar das teorias raciais e ambientais caractersticas do incio da Repblica Velha. (Ortiz, 1985, p. 22). Assim, o Centro Cvico Cruz e Souza tornou-se o espao especfico onde o negro passou a exercer alguns aspectos de sua sociabilidade, reconhecendo a sua ascendncia africana e escrava e, portanto, a diferena ante uma suposta identidade nacional homognea, que o inclua no discurso e o exclua ao exerccio prtico da cidadania. A proposta deste livro perceber a visibilidade histrica das populaes de origem africana em Lages durante as primeiras dcadas da Repblica, observando, em algumas de suas prticas cotidianas21, as formas de resistncia articuladas por eles contra a dominao da elite branca, manifestada atravs do discurso e de prticas civilizadoras da sociedade.
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Tal objetivo tem por inspirao a seguinte reflexo de Joana Maria Pedro (1996):
Historicizar a criao de instituies e espaos de sociabilidade. Perceber a ressignificao de valores ditos brancos. Observar a construo de diferenciadas formas de resistncia articuladas nos embates do cotidiano. So estas aes que ajudaro a tirar as populaes negras da invisibilidade [...] (p. 244)

Para E. P. Thompson (Apud, Dessan, 1992), um grupo social s adquire existncia ao longo do processo de luta que o leva gradual aquisio de identidade cultural e poltica. A padronizao das formas de agir e se comportar de um determinado grupo, capaz ainda de transformar-se de acordo com suas relaes sociais, o identificam culturalmente. Entendemos aqui cultura, no de forma fragmentada, que possa distrair-nos a ateno das existentes contradies sociais, mas sim como costume, formas manifestas de manuteno ou exerccio de tradies e usos habituais que caracterizam as aes de um grupo social como resistncia contra a dominao. As manifestaes cotidianas de um grupo social inserido num contexto de relaes com outros grupos sociais se chocam, sempre que os interesses em defesa de seus costumes so confrontados. Aqui, apontamos a cultura popular como defesa contra o exerccio de dominao por parte de outros grupos sociais, a servio dos prprios interesses do popular. necessrio investigarmos os costumes, a cultura dos descendentes de africanos inseridos na heterognea camada de populares nos mais diversos contextos do seu cotidiano, para encontrarmos respostas aos problemas da visibilidade e da resistncia negra em relao ao projeto civilizador.
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Segundo a anlise que o historiador lio Serpa (1996) faz sobre Lages, em A reformulao das condutas e das sociabilidade durante a Primeira Repblica:
O horizonte vislumbrado pelas elites foi o de civilizar o povo a partir dos paradigmas europeus, criando novas formas de sociabilidades que denotassem mudanas de hbitos culturais considerados rsticos e obsoletos, enraizados numa populao marcada pela heterogeneidade tnica e cultural. (Serpa, 1996, p. 15)

Com o processo de abolio e implantao da Repblica, renovaram-se as formas de dominao sobre os descendentes africanos, antes marcada pela escravido negra. Manifestaes culturais, tradicionais e populares, alm de outras que destoassem do exemplo de civilizao europeia, passaram a ser consideradas como sinnimo da no civilizao e, portanto, combatidas por uma elite burguesa e branca22. Porm, sobre o combate dessa elite em relao s manifestaes culturais tradicionais, lio Serpa (1996) diz o seguinte:
Isto no quer dizer que estes tipos de manifestaes deixaram de ser cultivadas, elas subsistiram em meio discriminaes e at porque a existncia de grande quantidade de descendentes de africanos denunciava que estas expresses culturais ainda estavam presentes na prpria permanncia destes no convvio social, embora sofrendo ingerncias de polticas e prticas segregacionistas. ( p. 17)

Sidney Chalhoub (1990), por exemplo, em seu estudo sobre o fim da instituio escrava no Brasil, atravs de processos judiciais, analisou o significado de liberdade forjado pelos negros durante a experincia escravista e concluiu que, atravs das diversas vises e manifestaes de liberdade, surgiram processos de luta no interior do
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cativeiro que revelam a atuante participao do negro no processo de extino da escravido. Reconhecer e evidenciar a existncia de uma hegemonia de classe no implica necessariamente a esterilizao das lutas e das transformaes sociais ou vigncia de um consenso paralisante (Thompson, Apud: Chalhoub, 1990, p. 25). Atentando para a afirmao acima, cabe a anlise de como se cultivaram ou transformaram as manifestaes de resistncia negra, do perodo que vai da Abolio da Escravatura at a fundao do Centro Cvico Cruz e Souza, diante das formas de dominao exercidas contra os descendentes de africanos, inseridos na camada popular, em Lages. Desconstruir as noes de invisibilidade e de inexistncia terica necessrio para demonstrar como o discurso das elites mascarou a presena negra, na tentativa de construo de identidades regionais e nacionais, aliadas aos conceitos eurocntricos de civilizao.

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Captulo 1 O negro lageano no campo e na cidade, visibilidade histrica

Baba tera de Congo, Tudo fica um gente s, Foi varido cativero Na Tera de Bendeng, No se toma mais rovado, No guenta mais vregaio, Negro agora anda contente, No Padece mais trabaio. Matheus Junqueiro23

questo quantitativa dos descendentes de africanos, em Lages, foi comumente assimilada como insignificante e justificada, como tal, pelos nmeros apresentados por pesquisadores que tradicionalmente estudaram a temtica da escravido na regio. Alm deste fator, a historiografia local afirmou que o relacionamento entre senhores e os poucos escravos que aqui existiram, foi mais harmnico e afvel do que em outras regies do Brasil escravista. Visibilidade negra durante o perodo escravista Lages, desde sua fundao como vila, por Antnio Correia Pinto de Macedo, em 177124, tornou-se o ncleo econmico, social e poltico de todo o Planalto Serrano catarinense. Fazendeiros e suas famlias; bugres gentios e escravizados; escravos negros; e uma camada popular de homens livres de diversos matizes compuseram o mapa
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demogrfico da regio. Em levantamento da populao da vila, realizado em 1798, Lages contava com 218 brancos livres, contra 380 pessoas formadas por pretos livres e mulatos escravos (Serpa, 1990, p. 60). Em 1801, segundo a Lista Geral dos Habitantes da Villa de Lages e seu Disctricto, assinada por Joo Damasceno de Crdova, sargento-mor comandante, a populao era de 715 pessoas, sendo 136 escravas. Em tal listagem, que tambm classificou os habitantes atravs da categoria cor, nomeando-os como: Negro, Pardo e Branco25, foi levantado um nmero considervel de pardos e negros que, quando livres, aleatoriamente foram identificados como agregados ou como proprietrios de um minguado nmero de itens de subsistncia. Na denominao escravos foram arrolados tambm alguns poucos gentios 26 , algumas vezes classificados como pardos, outras vezes como brancos. Mais de meio sculo depois do ltimo levantamento demogrfico apontado acima, no ano de 1872, por ocasio do primeiro Recenseamento Geral do Brasil, a regio do Planalto Serrano catarinense, compreendidas as freguesias de Lages, Baguaes, Campos Novos, Curitibanos e So Joaquim27, totalizava uma populao de 14.549 habitantes, dos quais 10,9 % eram escravos ou seja, 1.585 pessoas classificados segundo a cor 28 entre negros e pardos29. No entanto, dos restantes 89,1 % de habitantes livres, os pardos somavam 28,05%, os pretos 2,98% e os caboclos 3,24%, percentuais que, adicionados ao de escravos, representavam um total de 45,17% da populao como no branca. O nmero de pardos e pretos livres era trs vezes maior do que o nmero de escravos e, somadas as
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duas categorias sociais, representavam quase metade dos habitantes do Planalto Serrano. As condies da populao de descendentes de africanos que compunha o quadro demogrfico da regio durante o sculo XIX eram as mais diversas. Quanto classificao social, poderiam estar entre libertos, livres ou escravos. Quanto cor, eram pardos, mulatos ou pretos. Quanto naturalidade, ou eram de nao, africanos, ou eram crioulos, nascidos no Brasil. Porm, a historiografia tradicional potencializou a invisibilidade negra na regio. Por exemplo, o historiador Licurgo Costa (1982), levantando vrios nmeros30 sobre a populao escrava de Lages, concluiu que o motivo pelo qual a regio no apresentou um ndice expressivo de populao escrava foi o fato de este ser um centro quase que exclusivamente de atividades pastoris e o [...] negro no ter sido, nunca, um grande entusiasta das lides do campo. (Costa, 1982, p. 181). Esse aspecto do discurso de Licurgo, insinuando que o nmero da populao negra na regio esteve diretamente relacionado com o nmero da populao escrava31, contribuiu para invisibiliz-la. importante salientar, porm, que um nmero significativo de descendentes de africanos em Lages no era escravo e, mesmo quando o era, no estava necessariamente empregado nas lides pastoris, pois muitos deles trabalhavam na agricultura e em outras atividades domsticas. Analisando o censo de 187232, observamos que, dos 1.585 escravos, entre homens e mulheres, 495 foram definidos pela atividade de lavradores, 605 foram descritos como sem profisso, 377 em servio domstico e ou27

tros 88 distribudos em diversas atividades. Entre aqueles descritos como sem profisso, pela estatstica oficial, exerciam atividades variadas, sem ofcio definido, ora nos servios do campo, com atividades como o pastoreio do gado, o rocio e a produo de alimentos, ora exercendo trabalhos domsticos variados, ou, ento, em ocupaes outras que demandassem maior esforo fsico, como a construo de casas e o levante de taipas, por exemplo.33 O fato de 377 escravas ou escravos trabalharem em servios domsticos no significava que residissem na rea urbana. Segundo Relatrio apresentado pelo presidente da provncia dr. Francisco Jos da Rocha Assemblia Legislativa Provincial, em outubro de 188734, acusando a realizao de um levantamento do nmero de escravos existentes em Santa Catarina, atravs da matrcula, a regio de Lages detinha 18 escravos em domiclio urbano e 708 em domiclio rural, de um total de 736 escravos matriculados. Portanto, naquele momento, h pouco menos de um ano do 13 de Maio de 1888, em toda a provncia de Santa Catarina somavam-se 4.927 escravos, e a populao escrava da regio de Lages representava 14,94% daquele total. Com o auxlio de outras fontes documentais35, constatamos tambm que os negros e pardos livres se empregavam como jornaleiros e agregados, s vezes se tornando, inclusive, pequenos proprietrios. No caso dos jornaleiros, prestavam servios como feitores, tropeiros, campeiros, operrios, artesos ou lavradores, vendendo sua mo-de-obra a algum homem de posses da regio.36 Como agregados, estabeleciam-se com suas famlias na pro28

priedade de algum criador, fazendeiro ou negociante, de onde tiravam o seu sustento em troca do trabalho realizado. No que se refere aos que se tornavam pequenos proprietrios, estes eram responsveis pelo prprio sustento, com suas pequenas fainas agrcolas ou outras atividades urbanas37, como, por exemplo, proprietrios de pequenas casas comerciais ou botequins. Frequentemente, havia unies conjugais entre escravos negros e agregados pardos ou brancos, como tambm entre pequenos proprietrios brancos e negros, ou mulatos38, criando uma massa subalterna, composta de escravos, jornaleiros, agregados, vagabundos e pequenos proprietrios com diversos matizes. Esta era uma caracterstica do perodo escravista em todo o Brasil. A sociedade tradicional escravocrata em Lages Naqueles anos do sculo XIX, predominava nas relaes sociais o patriarcalismo nuclear e hierrquico, onde o grande proprietrio latifundirio concentrava todos os poderes temporais e religiosos em suas mos, baseado na tradio das sociedades que se desenvolveram distantes dos poderes centrais. Escravos, agregados, ndios mansos e a prole do fazendeiro estavam sujeitos ao seu poder ptrio. At mesmo os pequenos proprietrios acabavam por submeter-se autoridade de um ou outro grande fazendeiro. Sobre a sociedade patriarcal no Brasil, diz Srgio Buarque de Holanda (1997):
Os escravos das plantaes e das casas, e no somente os escravos, como os agregados, dilatam o crculo familiar e, com ele, a auto-

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ridade imensa do pater-famlias. Esse ncleo bem caracterstico em tudo se comporta como seu modelo da Antigidade, em que a prpria famlia, derivada de famulus, se acha estreitamente vinculada idia de escravido, e em que mesmo os filhos so apenas os membros livres do vasto corpo, inteiramente subordinado ao patriarca, os liberi. (p. 81)

A historiografia recente demonstra que essa relao hierrquica e vertical entre dominados e dominadores no representou uma total submisso do primeiro para com o segundo.39 A ordem social era definida por contextos hierrquicos especficos, mas no significa que dentro desta concepo de sociedade no houvesse mobilidade social ou, at mesmo, que fosse impossvel resistir a ela. Os limites da relao entre senhores e subjugados eram estabelecidos pela tradio da arbitrariedade do primeiro para com o segundo. A autoridade exercida pelo senhor legitimava-se atravs da violncia ou da sua ameaa. Porm, tambm, pela tradio se construram mecanismos para ludibriar e reverter a ordem estabelecida. O promotor pblico de Lages, no dia 23 de maio de 1879, denunciou o ex-escravo Plcido, pardo escuro, de assassinato de seu senhor, Jos Madruga de Crdova Primo, na manh do dia 7 de fevereiro de 187940. Segundo a promotoria, Jos Madruga, ao verificar os servios de que encarregara seu escravo o de fazer uma irra para trilhar trigo , teve motivos para repreend-lo, e o que fez com empurres; o escravo Plcido, em resposta, imediatamente puxou de um faco e deu-lhe at a morte, fugindo aps roubar-lhes alguns objetos. Testemunharam o fato a escrava Rita, de 17 anos; o escravo Jos, de 78 anos, natural de Lages; Maria Rosrio Pereira; e Leonardo, natu30

ral dos EUA, carpinteiro, conhecido como alemo. Nenhuma das testemunhas interferiu, limitando-se a chamar ajuda. Capturado e inquirido, o ru relatou com detalhes como assassinou Jos Madruga, dizendo no ter medo das consequncias, pois era maltratado com castigos e passava fome. O ru acabou condenado pena de morte pelo juiz Cndido Alves Duarte de Lima. O ru, Plcido, profisso campeiro, h muito suportando os maus tratos e castigos de seu proprietrio, voltouse contra a autoridade hierrquica, a ponto de reconhecer, em seus depoimentos, que agira motivado pela contestao da maneira pela qual era, em sua concepo, injustamente tratado, no se importando com as possveis consequncias de seu julgamento, como se estivesse no seu direito de reagir quele tipo de condio. Plcido envolvera-se, anteriormente, em outro processo-crime, por motivo de furto, no ano de 187541. Naquela ocasio, disse que confessara um roubo que no cometera, na casa de negcios de Miguel Francisco Melo, com o intuito de desgastar a imagem de seu senhor, Jos Madruga, para que este o vendesse, pois, alegava que Jos Madruga era mau para com ele e no lhe dava dia para trabalhar, finalmente afirmando, que no desejava mais servir a tal senhor. A situao conflituosa entre Plcido e Madruga j vinha de alguns anos antes da tragdia da manh de 7 de fevereiro de 1879, e no estava apenas ligada a um fato isolado, conforme denunciado pela promotoria. Em Lages, como no estado de Santa Catarina, alm da invisibilidade numrica, outro tipo de representao que se construiu foi a de uma escravido que teria sido
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diferente em relao a outras regies do Brasil42, por suas caractersticas mais dceis, determinadas pelo tipo de produo econmica e relaes sociais existentes (Leite, 1996). Atravs de processos criminais, inquritos policiais ou processos cveis de liberdade referentes ao perodo escravista, observamos as manifestaes de conflito e violncia entre senhores e escravos, originados pelos mais diversos motivos, contradizendo o que se tornou senso-comum no discurso historiogrfico sobre a escravido e o negro na regio. Historiadores como Licurgo Costa (1997), afirmam que [...] o tratamento dado aos escravos pelos fazendeiros, proprietrios da quase totalidade deles, sempre foi benigna, humana e afvel. No entanto, vrios so os exemplos em que foi possvel verificarmos o contrrio. Alguns processos crimes demonstraram que as relaes entre senhores e escravos no foram afveis e tampouco humanitrias. No dia 15 de junho de 186743, foi aberto, pelo juiz municipal Henrique Ribeiro de Crdova, inqurito de corpo delito da vtima escrava Vernica, do senhor Francisco Borges do Amaral e Castro, como denncia de que a escrava fora cruelmente aoitada a cordas de couro cru, por dois escravos de seu senhor. Em outro processo, de 26 de abril de 187944, a promotoria pblica denunciou o proprietrio Joo O. Branco por espancamento de seu escravo de nome Luis, com mais de 70 anos. Em 9 de abril de 188445, o senhor Antnio Joaquim da Silva Jnior foi acusado pelo bacharel Braulio Colnia, por assassinato de sua escrava Mariana, que, h tempos encontrava-se doente, sem poder prestar servios ao seu senhor e, por esse motivo, vinha sendo espancada, at que veio a falecer.
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Conflitos jurdicos de outra ordem, entre escravos e senhores, esto registrados nas Aes Cveis de Liberdade. Muitas dessas aes eram originadas por motivos diversos, em que os cativos se julgavam tratados injustamente por seus senhores.46 Em Lages, algumas situaes que levaram os escravos, atravs de seus curadores, a procurar a justia foram, entre as diversas aes de liberdade47 impetradas na dcada de oitenta do sculo XIX, os seguintes: o escravo Joo, de Jos Manoel Oliveira Branco, em 1883, pedia liberdade, denunciando a crueldade e os maus tratos de seu senhor, porque este no lhe permitia o trabalho aos domingos e dias santos, para o ajuntamento de peclio 48; a parda Margarida, escrava do capito Jos Antunes Lima, em 1884, declarava que j havia sido dada como livre pelos seus patres e que estes ainda a mantinham em cativeiro49; Ado, preto, escravo do senhor Ramiro Pereira de Andrade, em 1885, pedia a liberdade, dizendo dispor a quantia de 200$000 ris, a fim de evitar os maus tratos de seu senhor [...]50; o escravo Manoel, de Venncio Antunes de Moraes, em 1885, requeria sua liberdade, por viver h 6 anos em completo abandono pelos seus senhores herdeiros51. Na ordem social escravocrata brasileira, o fantasma das relaes conflituosas entre senhores e escravos rondava a vida comum de toda a sociedade. O autoritarismo hierrquico dos grandes proprietrios se estendia para alm dos seus cativos, a todos que o rodeavam, inclusive aos trabalhadores livres52 ocasionalmente contratados. A violncia era uma instituio comumente praticada em todos os meios, para reafirmar escalas hierrquicas em que se pressupunha
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um respeito a graus superiores de tais escalas que, no entanto, vez por outra, eram rompidas espontaneamente. Na grande maioria dos casos, o pano de fundo dos processos citados foram as relaes de trabalho e de autoridade entre senhores e escravos, onde a hierarquia tradicional era geralmente contestada. Mas no apenas os escravos encontraram suas formas de subverso ordem patriarcal. Agregados, pees, jornaleiros e membros da famlia senhorial tambm desenvolveram prticas de resistncia e mobilidade quela prtica social. Entre os trabalhadores livres que contestavam tal ordem, identificamos, ainda, a presena negra. No dia 20 de outubro de 188353, a promotoria pblica denunciou o operrio pedreiro, Gregrio Evaristo de Almeida, empregado na construo da casa do tenente coronel Manoel Ribeiro da Silva, por ter aquele agredido o filho deste, Vidal Ribeiro, seu contratante. O fato se deu no dia 16 de outubro, pelo motivo de ter o denunciado se retirado da obra para ir jantar em sua casa e, tendo demorado um pouco, o filho do coronel enviou ao dito Gregrio, atravs de um escravo de nome Honorato, o seguinte recado: que se quizesse ir trabalhar fosse depressa, e se no quizesse fosse a put... que o pariu. Assim sendo, ofendido, Gregrio deliberou a retirar-se da obra, indo buscar suas coisas. Pouco depois, chegando obra, ele e Vidal Ribeiro trocaram desagravos, tentando Vidal acertar com sua bengala o denunciado, do que este se defendeu, derrubando-o em um buraco de amassar barro, fazendo-lhe os ferimentos, constantes no corpo delito do processo. Entre as testemunhas, outros pedreiros, um carcereiro e escravos confirmaram
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os insultos de Vidal ao ru, inclusive o de ter-lhe dito: voc no quer trabalhar porque um negro ordinrio, um filho da puta. No caso acima, a ordem hierrquica foi rompida em dois momentos. Primeiro, na atitude rebelde de cunho moral de Gregrio ao retirar-se deliberadamente da obra, por causa das ofensas verbais recomendadas por Vidal. Segundo, quando Vidal soube de tal atitude, considerou-a uma insolncia sua autoridade e foi ao encontro de Gregrio, tentando agredi-lo, ao que o negro, defendendo-se, derrubou-o. O pedreiro Gregrio carregava, pela cor, o estigma da inferioridade social e, com ela, o pressuposto da servido pacfica. Entretanto, em dois atos, rompeu um elo da tradio hierrquica e pessoal que o tratou indignamente, insistindo em sua condio de homem livre. Aps a Abolio. Negro barbrie, branco civilidade Com a progressiva miscigenao, a partir de meados do sculo XIX e, principalmente, aps a Abolio da Escravatura, gradativamente as diferenas quanto cor, nos textos e no discurso da elite, deixaram de ser referidas. A ideia que perpassava por esse discurso de omisso era de que o Brasil se confirmasse como um pas de mestios e progressivamente passasse por um processo de branqueamento. A partir da abolio at a dcada de vinte do sculo passado, nenhum documento oficial como, por exemplo, censos, estatsticas, certides de nascimento, casamento e bito, permite um levantamento exato, ou at mesmo aproximado, da populao pela cor. Hebe Mattos (1998) explica as razes. Segundo ela:
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[...] desde que os libertos deixam de ter um estatuto jurdico especfico, nas antigas sociedades escravistas, torna-se bastante mais difcil encontr-los nas fontes de poca. Esta uma dificuldade geral nas pesquisas sobre a experincia histrica ps-emancipao nas Amricas. No Brasil, entretanto, especialmente acentuada, no apenas pela inexistncia de prticas legais, baseadas em distines de cor e raa ou pela presena demograficamente expressiva, e mesmo majoritria, de negros e mestios livres, antes mesmo da abolio, mas pelo desaparecimento, que se faz notar desde meados do sculo XIX, de se discriminar a cor de homens e mulheres livres nos registros histricos disponveis. Processos cveis e criminais, registros de batismo, casamento e bito, na maioria dos casos, no fazem meno da cor e, mesmo nos registros civis, institudos em 1888, onde citar a cor era legalmente obrigatrio, em muitos casos ela se faz ausente. (p. 19).

Podemos completar o pensamento de Hebe Mattos, no que se refere s primeiras dcadas do perodo psabolicionista, quanto ao problema de identificar ou visibilizar o negro, com duas consideraes. Primeiro, que alm das fontes documentais citadas por ela, tambm as fontes estatsticas conhecidas sobre o perodo54 silenciam quanto a informaes em relao cor dos indivduos. Segundo, que utilizando os processos criminais como fontes, foi possvel identificar, em alguns casos, atravs da leitura minuciosa de todo o contedo dos processos, a cor de alguns dos indivduos envolvidos55. Com advento da Repblica, tornou-se preocupao da elite brasileira no s esquecer o passado monrquico, escravocrata, como tambm a africanidade e a indianidade que representavam a velha ordem e os maus costumes da sociedade brasileira. Por outro lado, absorver o imigrante europeu, a civilidade e o progresso que eles representavam, foi a frmula encontrada na tentativa de acelerar a
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transformao dos tradicionais costumes populares e apressar o desejo de branqueamento vislumbrado pela elite. Aproximadamente nos anos setenta do sculo XIX, a intelectualidade brasileira passa a absorver as ideologias positivistas, evolucionistas e darwinistas gestadas na Europa, que fundamentavam o chamado determinismo racial56 e, por sua vez, estabeleciam uma hierarquia entre as raas, onde os brancos ocupavam o topo e os negros a base de uma dada estrutura evolucionista da humanidade. Cientistas, polticos e literatos brasileiros definiram, a partir da, os negros, os ndios e os mestios do pas como possuidores de atributos fsicos e morais negativos, intelectualmente inferiores perante outros tipos raciais que compunham a populao brasileira. (Schwarcz, 1987, p. 22). Assim, as diversas discusses e divergncias que se seguiram sobre a temtica, no Brasil, acabaram concebendo a ideia de um pas em processo de branqueamento e em harmonia racial sem, no entanto, afastar-se do princpio bsico do racialismo europeu que hierarquizava as raas. Em Lages, especificamente, no foi diferente. O jornal O Imparcial, do dia 27 de setembro de 1903, dizia o seguinte sobre o problema negro57:
[...] No Brazil, os negros puros vo sendo substitudos pelos mestios, exactamente o contrrio do que se nota nos Estados Unidos. Observadores auctorizados58 assignalam a extenso da mestiagem brazileira, que apressa a eliminao certa da raa de cor. Aqui as raas como que amplexam-se, concorrendo mutuamente para transformao ou substituio. Os negros pelas crenas, hbitos, e princpios deixam-se absorver naturalmente. Nos Estados Unidos um abysmo separa fundamentalmente as duas raas.59

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Segundo os jornais dos primeiros anos da Repblica, o projeto de mestiagem brasileira, que possibilitaria eliminar os negros puros, seguia naturalmente seu curso no pas. Observamos ainda que o articulista do jornal usou a comparao com os Estados Unidos, exaltando positivamente o aspecto da mestiagem brasileira, ressaltando o branqueamento fenptico da populao negra do Brasil, associando, a isto, tambm, a evoluo de sua moralidade, hbitos e costumes. Sem ser explicitamente racista, no entanto, em um fragmento de artigo do jornal O Imparcial, de 3 de outubro de 1903, o articulista alertava explicitamente:
Fomos e somos sempre o escravocrata ocioso, o indiano indolente que dorme sombra das palmeiras, de envolta com o africano superticioso que espreita nos symbolos e fetiches a buena dicha do porvir. [...] precisamos de reforma dos costumes.60

Neste caso, o autor adjetivou negativamente o passado escravocrata e a composio tnica do pas, relacionando as caractersticas culturais de tal passado como causadoras de um problema caracterstico de seu presente, o atraso em relao modernidade e civilizao almejadas. Poucos foram, porm, os artigos de jornais que explicitavam a crena na degenerao do negro e do ndio. Em grande parte, os discursos jornalsticos sobre o tema no eram marcadamente de carter racialista discriminatrio, e, sim, objetivavam reformulaes dos hbitos culturais das classes populares, considerados rsticos e obsoletos. Estes se encontravam [...] enraizados numa populao marcada pela heterogeneidade tnica e cultural [...] (Serpa, 1996, p. 15), que, no entanto, era considerada de forma homognea, como popular.
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Pobres, negros e mestios eram estigmatizados como responsveis pelo atraso do pas, representantes da velha ordem escravista e monrquica de um Brasil que se pretendia esquecer. Enquanto isso, por outro lado, o imigrante europeu era visto como a renovao dos costumes, sinnimo do progresso econmico, da urbanidade e da civilidade vindoura. No relatrio apresentado ao Conselho Municipal de Lages, em 01 de janeiro de 1899, pelo superintendente, Major Vidal de Oliveira Ramos Jnior, disse o major, sobre a colonizao que aflua para o municpio:
No intuito de attrair a immigrao expontnea que, de modo animador, comea a affluir para o nosso Municpio, procedente dos ncleos coloniaes allemes e italianos do Estado, a Superintendncia Municipal foi auctorisada, pela Lei n.42 de 05 de janeiro do anno passado, a conceder lotes suburbanos, por aforamento, pelo prazo mximo de cem annos [...]. Cumpre, porm, no desanimar, attentas as grandes vantagens, que dessa nascente immigrao deve resultar para a nossa terra [...]. O nosso povo, em sua maioria, pouco inclinado agricultura, dedica-se de preferncia, industria pastoril ou ao pequeno comrcio, profisses sem dvida menos trabalhosas, embora tambm menos lucrativas [...].61

Assim como em outras regies do pas, o estado de Santa Catarina sempre associou a imigrao perspectiva de desenvolvimento, e o brasileiro incapacidade produtiva. Paiz novo e despovoado, o Brazil s na immigrao ter factor essencial ao seu progresso econmico, [...]62 dizia a sinopse da administrao do Estado de 1910-14, apresentada pelo governador Vidal Jos de Oliveira Ramos, ao presidente do Congresso Representativo de Santa Catarina.

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Esta mentalidade racialista, mascarada e discriminatria propagada pelos dirigentes e pela intelectualidade do pas, norteava as prticas de relaes sociais do Brasil, no nosso caso especfico de Lages, como atestam os depoimentos constantes no processo crime abaixo. No sbado de Aleluia do ms de abril de 191263, na localidade de ndios 64, na casa de negcios de Joo Naschenveng, suscitou-se uma dvida entre Miguel Joaquim Bernardo, a vtima, e os rus Joo Pereira, Damaso de tal, Generoso Miguel Valente e Carlos Mller. Miguel Bernardo, 45 anos, natural e residente na comarca de Lages, jornaleiro, inquirido no processo, disse que, antes do acontecido, sempre tinha mantido boas relaes com os acusados, e que tinha sido agredido porque Damaso de tal pediu a ele respondente o seu fumo e pediu tambm, logo em seguida, palha para o cigarro; que respondendo no ter palha, Damaso de tal atirou-lhe aos olhos o fumo e, em seguida deu-lhe uma bofetada que ele respondente desviou com o brao; que Damaso de tal levou a mo ao cabo do faco desembainhando-o e ele respondente correu para a rua [...], quando os outros acusados tambm o atacaram. O dono da casa de negcios, Joo Naschenveng, natural da ustria, 39 anos, servindo como testemunha, disse que viu a discusso entre os envolvidos e mandou que Miguel se retirasse, pois [...] Miguel Bernardo um negro muito sem vergonha e que no respeita os outros. Outra testemunha, Joo Cruz Jnior, negociante, 29 anos, natural do Rio Grande do Sul, disse que os rus eram de [...] boa ndole [e] trabalhadores, mas Miguel Bernardo dado [] embriagues, desordeiro [e]
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metido a macho. Tais conceitos foram corroborados, ainda, pelos testemunhos de Carlos Augusto do Amaral e do italiano Desidrio Daboit.65 Os fragmentos do processo citado acima servem para demonstrar como o senso-comum associou certos valores morais, como a dedicao ao trabalho e a boa ndole, branquidade. Enquanto isso, o seu oposto, a negritude, como nos depoimentos citados, de que Miguel Bernardo um negro muito sem vergonha dado embriaguez, desordeiro e metido a macho, foi relacionada desordem e indolncia. Os testemunhos de Joo Cruz Jnior, Carlos Augusto Amaral e Desidrio Daboit demonstramnos, igualmente, a presena destas representaes no imaginrio coletivo66 da sociedade de Lages. Os debates quanto transio do trabalho escravo para o livre e sobre o destino racial do pas, travados nos meios polticos e intelectuais desde meados do sculo XIX, estigmatizaram o Brasil escravista e monrquico como sinnimo de atraso ante dois argumentos: em primeiro lugar, a imoralidade e a inpcia econmica do sistema escravista em si; e, segundo, a mancha da inferioridade do sangue negro presente nas veias de quase todo brasileiro, que o sistema escravista tinha semeado. Ambos os argumentos produziram um imaginrio estigmatizante (Azevedo, 1987, p. 241) queles indivduos egressos do sistema escravista negros, pardos, indgenas e brancos pobres. Mesmo que os discursos acima j no fossem mais necessrios com o fim do escravismo, com a adoo de uma poltica imigrantista e a consequente perspectiva de branqueamento, a cor continuou sendo o smbolo da inferiori41

dade, da inpcia e da velha ordem do pas. Enquanto isso, o imigrante europeu, representado como o portador da boa-nova, da sntese do progresso, da liberdade, do desenvolvimento, do trabalho disciplinado, era visto como o alvo imaginrio das ambies civilizadoras, tanto sob o aspecto cultural quanto racial. Os padres liberais econmicos, urbanos, higinicos, estticos, de sociabilidade e racionalidade cientfica eram espelhados nos padres culturais europeus e vistos como transformaes prioritrias para a conquista do progresso e da civilizao. Trabalho e civilizao X tradio
Esta fria de embelezamento, conforto, higiene e segurana que, enfim, tanto expressava um ideal de civilizao quanto aos interesses burgueses, implcitos na renovao urbana, tinha o seu complemento na estruturao de uma imagem do pobre como perigoso, indisciplinado, com aspecto e comportamento no recomendvel. Feios, sujos e malvados [...]. Principalmente quando de cor [...]. (Pesavento, 1994, p. 140)

Fatores como a chegada da imprensa cidade, em 1883 , o crescimento econmico da elite e sua projeo na poltica estadual, foram definitivos para as transformaes sociais, econmicas e culturais que passaram a ocorrer a partir dos ltimos anos do sculo XIX. Mesmo isolada no ermo planalto catarinense, afastada dos grandes centros68, Lages atravs do comrcio que faziam os viajantes que partiam ou chegavam cidade e de determinado grupo da elite que enviava seus filhos a So Paulo, So Leopoldo, Porto Alegre e Florianpolis para terem sua formao escolar entrava em contato com os novos padres morais das condutas ditas civilizadas (Serpa, 1996, p. 20).
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Como em praticamente todas as cidades brasileiras, a partir de meados do sculo XIX, Lages foi impulsionada a seguir a lgica da civilizao69. Os jornais, como um dos principais instrumentos na defesa dos interesses da elite70, ao projetarem, em suas pginas, a moral idealizada pela mesma, combatiam as de carter popular e tornavam-se o rgo difusor oficial de um discurso civilizador para a sociedade. O jornal Cruzeiro do Sul, em 25 de junho de 1902, em artigo intitulado O Jornalismo, dizia:
O jornalismo que dia a dia se espalha cada vez mais em todo mundo por sem dvida um dos agentes principais do progresso e de civilizao moderna.71

Os prprios jornais se pronunciavam como porta-vozes de tal discurso72, ao noticiarem os melhoramentos urbanos73 e as novas prticas sociais da elite, associando-as civilidade. Por outro lado, os mesmos jornais definiam, em seus artigos, como maus costumes e imoralidades, a jogatina, a prtica do curandeirismo, os roubos de gado, a vagabundagem, a prostituio e os bailes populares tambm chamados sambas ou fandangos , afetando a moral e os significados das prticas cotidianas populares existentes. No entanto, a mesma imprensa registrava que, em oposio ordem, civilidade e urbanidade apregoadas pelas elites, resistia uma moral da desordem nas manifestaes do cotidiano das classes populares. Brancos pobres, caboclos e descendentes de africanos em geral formavam essa classe de populares e tinham suas manifestaes cotidianas associadas barbrie, aos maus costumes e ociosidade. Segundo o jornal Cruzeiro do Sul, publicado em Lages nos idos de 1904:
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[...] necessrio a represso dos vadios e vagabundos que infestam esta cidade [...], nas casas de famlia h falta de creadas e muitos servios que exigem o brao do jornaleiro so demorados porque falta quem queira empregar-se. s noutes porm a gaita solta suas notas gafas manuseada por um vadio e a sala soturna de bachanal enche-se de vagabundos de todos os sexos, todas as cores , todas as idades e todas as procedncias. 74

Pelo trecho da citao acima, a imprensa, como institucionalizadora da moral branca da elite, referia-se necessidade de represso vadiagem, como forma de ordenar e submeter os ditos vadios ao trabalho. Festas noturnas, populares, eram adjetivadas como bacanais, onde estavam presentes vagabundos de todas as cores. Como facetas daquele discurso, foi possvel identificarmos a invisibilidade tnica, mascarada pela homogeneizao da camada popular e, ainda, a construo de uma ordem disciplinar, em relao ao trabalho, que buscava, atravs do discurso, definir aqueles que seriam aceitos positivamente no crculo social, em oposio aos desclassificados, aos quais se legava a excluso. Em artigo publicado pela Revista Brasileira de Histria, Sidney Chalhoub (1985) analisou a transio do trabalho escravo para o trabalho livre no Brasil, apresentando como se pretendia instituir novos valores sociedade:
Os trabalhadores libertos, ou mesmo os brancos pobres, teriam que ser reeducados numa nova tica de trabalho, que os transformaria em trabalhadores disciplinados. A construo da imagem de bom trabalhador [...] se apoiava em diversas expectativas de comportamento: assiduidade, responsabilidade, eficincia, bons costumes , etc. (Chalhoub, 1985, p. 105)

Alm de exaltar o trabalho como valor moral positivo e construir as expectativas acima sobre ele, a elite, para se diferenciar das prticas populares e tradicionais vigen44

tes, tomou a iniciativa de reformular seus costumes, investindo em educao, criando grupos teatrais, associaes beneficentes, clubes e sociedades musicais, danantes e recreativas, mais prximas dos padres de civilidade almejados, ou seja, o paradigma europeu de civilizao. O prprio carter repreensivo e legal do aparelho administrativo e policial foi institudo, exaltando os valores de uma nova moral civilizada e, por outro lado, combatendo as prticas costumeiras de divertimento, sociabilidade e significado de trabalho livre para a massa popular. Vadios, trabalhadores e tradio No dia 18 de setembro de 1889 75, Albertina Catadore, imigrante natural da Itlia, denunciou ao delegado de polcia, que tinham roubado de sua cozinha duas arrobas de toucinho. A queixosa Albertina, casada com Bernardo de Cezare, atribuiu o furto ao pardo Luiz Eufrazio dos Santos e ao preto Raimundo Corneta. Disse ainda que, alm daquele crime, o pardo Luiz Eufrzio, h um ano atrs da data do roubo do toucinho em sua casa, ajudando-lhe a carnear uma rs, tirou-lhe duas mantas de carne, e que s ficara sabendo por uma preta que vira a dita carne na chcara de Dona Anna Passos, onde o mesmo Luiz era caseiro. Interrogado, o pardo Luiz respondeu chamar-se Luiz Eufrzio dos Santos, ter 21 anos de idade, solteiro, residente na cidade, profisso jornaleiro e que, quando o dito Bernardo de Cezare estava em casa, ele, Luiz, sempre ia at l por motivos de servio, sabendo, ainda, que frequentavam a mesma casa: Raimundo Corneta, o preto Marcelino, a preta Joanna, um moo de nome
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Cndido e uma mulher, Maria Romana, e que todos eram recebidos na cozinha pela dona da casa. Sobre o roubo do qual foi acusado, disse Luiz que [...] nunca teve em sua casa duas mantas de carne. Outro acusado e interrogado foi Raimundo Corneta, que respondeu chamar-se Jos Raimundo da Silva, 49 anos de idade, solteiro, natural da Bahia, profisso jornaleiro, residente na cidade de Lages e que, naquele dia em que ocorreu o crime, passou trabalhando em quitanda, acrescentando que sabia que freqentavam, regularmente, a casa da queixosa e tinham conhecimento do tal toucinho, alm dele, [...] o preto Marcelino que foi escravo de Antonio de Palmas; Luiz Eufrazio dos Santos; o preto Dionizio, casado com a parda Manoela; um sobrinho do capito Antonio Ricken do Amorim, de nome Cndido e por alcunha Condoco; a preta Thereza, que foi escrava de Clementino Alves; e, a parda Beacta de tal.76 Por suspeita, foi tambm inquerido o preto Marcelino, que disse chamar-se Marcelino Maria de Jesus, 22 anos de idade, solteiro, natural desta provncia, residente na cidade de Lages, que, sobre a noite do roubo, disse ter pernoitado em casa de Jos Paranagu, um carpinteiro natural de So Paulo, por ocasio de ter ido levar at o bairro Ponte Grande, subrbio da cidade de Lages, em altas horas da noite, um cavalo de propriedade do doutor Fiza. Marcelino disse, ainda, que no tendo lugar certo onde dormir, s vezes pernoitava no Corpo da Guarda, s vezes em casa do dito doutor Fiza, de quem era camarada. O promotor pblico encerrou o inqurito sem citar judicialmente nenhum dos acusados, dizendo no haver matria para a denncia. No h sequer um depoimento
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mais objetivo que possa incriminar um dos autuados pelo roubo do toucinho. Pairam apenas suspeitas sem testemunhos. No entanto, no pretendemos encontrar respostas s indagaes de quem teria cometido o crime. Tal inqurito foi til por trazer luz fragmentos do cotidiano negro do ps-escravismo, fornecendo alguns indcios sobre os significados de trabalho e as prticas sociais dos ex-escravos e seus descendentes na regio. O preto Marcelino, o preto Dionizio, a preta Thereza, a parda Beacta de tal, o preto Raimundo e o pardo Luiz Eufrazio frequentavam a cozinha da casa do senhor Bernardo Cezare. Pelos indcios, aquele homem era um tipo de mascate que contratava ocasionalmente os pretos acima para servios domsticos de carneao e de quitanda. Humildes em suas posses, alguns deles eram exescravos que no tinham sequer casa para dormir, como o caso de Marcelino, e se tornavam camaradas de um ou outro chefe poltico, comerciante, ou criador da regio. Ou, ento, como Luiz Eufrazio, que era caseiro na chcara de dona Anna Passos, e ia casa de Bernardo sempre a motivo de servio. No espao urbano, suburbano e rural onde ocorriam as relaes entre pretos e brancos, na Lages do recente perodo ps-escravista, a mobilidade era um valor importante para o negro (Mattos, 1998). Ora aqui, ora acol, ele se movimentava livremente em busca de sua subsistncia. Atravs da leitura e anlise dos mais de 350 processos-crime e inquritos policiais dos ano de 1889 a 192077, observamos que os descendentes de africanos da regio, em grande parte, se identificavam profissionalmente, em
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tais processos, principalmente como jornaleiros e lavradores, conforme quadro abaixo: Quadro das profisses de negros/mulatos/pardos e morenos, arrolados nos processos crimes e apelaes de 1889 1920
Profisso Quantidade No cita profisso 21 Lavrador 17 Jornaleiro 16 Camarada 05 Domstica 03 Criada 03 Peo 02 Negociante 02 Agregado 01 ndice 28,37% 22,97% 21,62% 6,76% 4,05% 4,05% 2,70% 2,70% 1,35% Profisso Lavadeira De suas Agncias Pedreiro Sapateiro Parteira Oleiro Praa Ferreiro Quantidade 01 01 01 01 01 01 01 01 ndice 1,35% 1,35% 1,35% 1,35% 1,35% 1,35% 1,35% 1,35%

Obs: a) dos quais foram arrolados um total de 74 pessoas de cor, conforme quadro. b) alguns foram arrolados com mais que uma profisso, ex: lavrador e jornaleiro, ou peo e camarada, etc...

Do ndice de 21,62% de jornaleiros e das variveis dessa categoria, como os criados, camaradas, pees, e os que vivem de suas agncias, so atividades que pressupunham a mobilidade, porque eram temporrias ou ocasionais. Quanto aos lavradores descendentes de africanos, normalmente tinham sua pequena roa de subsistncia, s vezes propriedade prpria, s vezes de forma agregada propriedade de algum outro proprietrio de terras. Muitos lavradores, no entanto, se empregavam, ainda, como jornaleiros e camaradas, na cidade ou no campo, para complementar a renda familiar, como no caso do pardo Domingos Padilha. Em 13 de outubro de 191578, foi denunciado o criador major Diogo Alves Vieira por assassinato de seu cama48

rada Domingos. Segundo a promotoria, o fato se deu por ocasio de uma discusso entre o ru e a vtima, na qual o pardo Domingos teria agredido com um faco ao ru que, defendendo-se, deu-lhe um tiro mortal. Em depoimento por escrito, o ru disse: Domingos Padilha era seu peo desde mais de um ano e vivia como agregado numa casa de campo, com lavouras e outras benfeitorias, cedida gratuitamente pelo suplicante e sita na sua propriedade dos Conselhos [no quarteiro dos ndios]. Outra questo das relaes entre senhores e trabalhadores livres o significado que tais relaes representavam para os negros egressos de uma tradio escravista. Joo Fernandes Ayres Varella, filho da ex-escrava Gervsia de tal79, jornaleiro e agregado de Joo Aquino Cabral, foi acusado, em 189980, pelo assassinato de trs crianas menores de dois anos, filhos de seu patro. Em seu depoimento, disse que o fez para vingar-se de uma surra que lhe dera Joo Aquino, pelo motivo de ele no ter encontrado umas rezes que sara para procurar. Em outra ocasio, acrescentou ainda Joo Fernandes que [...] queria ir embora por isso tinha morto as crianas. Ora, o elo hierrquico e paternalista, tradicionalmente to profundo nos meandros sociais daquele perodo, mesmo anos aps a abolio, poderia ser contestado de vrias formas, porm, o ru escolheu a sua maneira de contest-la. Talvez no imaginasse sua trgica pena, acreditasse na impunidade, ou no seu direito de contestao quela ordem. Talvez, ainda, no fosse to fcil desvencilhar-se das amarras hierrquicas e paternalistas que a tradio lhe impunha, sem criar o motivo que a legitimasse.
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A forma com que se empregavam camaradas, jornaleiros, criados e pees, geralmente era a de trabalho ocasional, e isto estava ligado, ainda, s expectativas de liberdade construdas na poca escravista. Quando se estabeleciam em propriedades alheias como agregados, isto se dava, muitas vezes, por curto espao de tempo, at o surgimento de uma distenso entre o proprietrio e o dito agregado, que nem sempre tinha um fim trgico como nos casos acima. Por mais que se perpetuasse algum tipo de vnculo patriarcal hierrquico entre os negros livres em relao a antigos ou novos patres por imperativo daquela ordem social a mobilidade espacial e o arbtrio de decidir quando e a quem servir, eram-lhes imprescindveis como significantes de liberdade. Por outro lado, a elite branca sentia-se prejudicada com a arbitrariedade de criados e jornaleiros, no que tange definio de suas relaes de trabalho. No jornal A Evoluo, de 8 de fevereiro de 1906, encontramos o seguinte anncio:
Precisa-se: de uma criada que no se d ao vcio da embriagues e que no faa mudanas por conta prpria.81

Denegrindo alguns valores e associando-os negativamente em relao a outros, a imprensa difundia uma nova moral de trabalho, que estava relacionada a certos padres de comportamento e bons costumes ditos civilizados, e que iam de encontro s prticas de vida cotidiana dos populares. Assim como as vises do negro sobre liberdade (Chalhoub, 1990) remetiam a noes de mobilidade, pelo contrrio, eram consideradas pela elite branca como insubmisso, vadiagem e propenso ao roubo e criminalidade.
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Livres, despossudos e mveis

O furto de animais nesta comarca um crime que campeia impunemente desde pocas remotas, constituindo a gatunice quase que um meio de vida ou profisso.82

Comum e muito combatido na regio, o roubo de gado tornou-se uma das principais preocupaes das autoridades e dos criadores, a partir da segunda metade do sculo XIX. Jornaleiros, camaradas, agregados, entre negros, indgenas e brancos pobres, ou seja, todos que se mantinham em atividades sazonais e circulavam livremente pela regio eram suspeitos. O problema se agravara com a progressiva abolio dos escravos. J alguns meses aps abolida a escravido, em setembro de 1888, o promotor pblico Joo Jos Theodoro da Costa, tambm fazendeiro, denunciou83 Manoel Waltrick e seu irmo Serafim Waltrick pelo roubo de trs reses em dezembro de 1887, retiradas dos campos do criador Loureno Jos Theodoro Waltrick. Justificando a denncia, disse o promotor: est pois claro, que os denunciados vivem do furto, porquanto desde que foram libertados, no procuraram at hoje dedicar-se ao trabalho e no possuindo nada de seu, teem no entretanto feito constantemente carneao de gados em casa da preta velha Mariana, onde residem, e isto sempre que se ausenta Felippe Jos Bairros, de quem os denunciados so agregados. Os denunciados, ditos pelo prprio promotor agregados de Felipe Jos Barrios, no eram porm de dedicar-se ao trabalho, desde que foram libertados, no possuindo nada de seu. Ora, Manoel e Serafim eram ex-es51

cravos de Loureno Waltrick, a vtima. Usavam, ainda, o mesmo sobrenome de seu antigo proprietrio, o que demonstrava uma relao de dependncia e afinidade, como tambm de autoidentificao perante a sociedade de que faziam parte. Ainda assim, o relacionamento no impediu que Manoel e Serafim roubassem o gado do senhor Waltrick, o que revela uma certa ambiguidade das relaes hierrquicas naqueles termos e a possibilidade prtica de contestao a uma ordem pr-estabelecida. Assim como o pardo Luiz Eufrzio, do processo ante84 rior , nunca teve em sua casa duas mantas de carne, os acusados Manoel e Serafim, segundo o promotor Joo Costa85, vivem de furto, no possuindo nada de seu. O ideal de acmulo e riqueza no fazia parte da mentalidade daqueles negros, o que significa a sua no submisso a um tempo burgus, externo s suas necessidades de sobrevivncia e, por isso, conflitante com o seu bem-viver. (Thompson, apud Azevedo, 1987, p.138). Aps adquirirem a liberdade, muitos dos descendentes de africanos viveram perambulando, roubando e/ou trabalhando periodicamente, de acordo com suas necessidades e vontades. Do fichamento de processos-crimes, inquritos policiais e apelaes crimes da comarca de Lages dos anos de 1888 a 1920, identificamos vinte e nove processos referentes a furto de bovinos, cavalares e muares86. Em oito destes, em um ou outro momento da leitura de seus contedos, houve o envolvimento de descendentes de africanos. Em muitos dos casos, as justificativas dos acusados, em seus depoimentos, foram: 1) a de que furtaram para comer e alimentar a sua famlia; 2) para vender e conse52

guir algum dinheiro; ou ainda, 3) pensando que os animais roubados seriam orelhanos87. Geralmente, a quantidade de cada furto era pequena, e, a venda, no caso de gado bovino, frequentemente era feita no prprio mercado pblico, depois de carneado. Os cavalos e mulas eram vendidos em localidades distantes, at mesmo em outras cidades, para que no fossem reconhecidos. Essa categoria de crime chegou a preocupar o governo estadual. A Mensagem dirigida ao Congresso Representativo de Santa Catarina, pelo Engenheiro Civil Herclio Pedro da Luz, Governador do Estado, em agosto de 1896, dizia:
Faz-se necessria a creao de uma companhia montada e que permanea na regio serrana, onde os furtos de gado so freqentes e a represso difcil, attentas as grandes distncias em que se acham uma das outras e dos centros populosos as fazendas de criao.88

Mesmo assim, por vrios anos aps tal pronunciamento, no houve policiamento eficiente ou suficiente para a conteno da prtica, h muito tempo comum no meio rural do Planalto Serrano catarinense e agravado pelo processo abolicionista, por significar, em muitos dos casos, uma condio de sobrevivncia daqueles que usufruam de tais furtos. Esse tipo de banditismo89, no organizado, aleatrio e espontneo, era uma forma de resistncia individual em relao a uma nova moral civilizatria, urbana e capitalista que se institua, caracterizando aquele momento de transio. Com a libertao total dos escravos, aumentara a massa de despossudos que disputavam as migalhas do velho sistema e, assim, tambm, a problemtica dos furtos 53

no s de animais -, em que muitas vezes estavam presentes os negros. Dos mapas demonstrativos da movimentao da cadeia de Lages, referentes aos meses de abril e maio de 188990, existe a seguinte relao:
Nome
1. Maurcio Rita Theresa 2. Antonio Luiz 3. Mn. Gersino D. Silva 4. Jos Paranagu 5. Mn. F. da Cruz 6. Mauricio Rita Theresa 7. David Canabarro 8. Manoel Ant. de Moraes 9. Manoel Andr 10. Alexandre V. da Costa 11. Amancio B. Souza 12. Jacintho 13. Cyrina Maria Pereira 14. Maria Ignacio d. Souza 15. Gercina Dos Santos S. 16. Clara M. Da Conceio

Idade
21 22 22 46 30 21 24 29 25 20 25 26 26 24 22 21

Ofcio
Jornaleiro Lavrador Jornaleiro Carpinteiro Pedreiro Jornaleiro Jornaleiro Jornaleiro Jornaleiro Jornaleiro Jornaleiro Jornaleiro Lavadeira Lavadeira Lavadeira Lavadeira

Sinais
Pardo Pardo Pardo Pardo Preto Pardo Pardo Moreno Preto Preto Preto Pardo Branca Parda Parda Parda

Crime
Morte Ferimentos Furto Furto Morte Morte Furto Furto Furto Furto Furto Furto Furto Furto Furto Furto

Entrou
04/4 29 10 10 12/4 24 24 24 24 24 24 24 24 24 24

Saiu
14/5 10 11 14/5 14 27 27 27 25

Por ordem do
Juiz Municipal Delegado Juiz de Direito Subdelegado Juiz Municipal Juiz Municipal Delegado Delegado Delegado Delegado Delegado Delegado Delegado Delegado Delegado Delegado

Obs: 1). Os mapas de abril e maio no original so individuais. Alm das caractersticas apontadas acima, outras so: naturalidade; estado civil e estatura.

Dos dezesseis indivduos que entraram ou saram da priso nos referidos meses, apenas uma mulher foi caracterizada como branca, sendo a grande maioria denominada de parda, entre alguns pretos e um moreno, ou seja, a maioria era descendente de africanos. Daqueles, apenas dois indivduos foram arrolados por crime de morte, sendo que doze foram presos por crime de furto. Apenas trs indivduos foram presos por ordem do juiz municipal ou do juiz de Direito, enquanto os outros foram presos por ordem do delegado ou subdelegado municipal. Da grande maioria desses presos, investigamos a possibilidade de encontrar os devidos processos-crime ou inquritos policiais referentes a tais prises, dos quais identificamos ape54

nas dois daqueles indivduos, o que significa que muitas das prises foram realizadas preventivamente, por suspeita ou por estratgia de coibir-se a criminalidade, no existindo uma documentao policial particularizada sobre cada uma daquelas prises. Alm disso, no existem muitos relatrios to detalhados como os da fonte acima, principalmente quanto ao tpico que mais interessa, que o quesito cor. A caracterstica cor foi anotada no mapa como sinnimo do quesito sinais, que se refere ao tipo de caracterstica fsica dos indivduos presos. No entanto, apesar do silncio o das fontes documentais caracterstico daquele perodo, as demonstraes autorizam a afirmar a existncia de uma classe marginalizada na sociedade lageana, onde se encontrava um nmero significativo de descendentes de africanos propensos a uma criminalidade, definida segundo os valores ditos brancos e burgueses.

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56

Captulo 2 A cor manifesta: prticas cotidianas

As emoes possuem sempre um fundamento de classe muito bem determinado; a forma sob a qual elas se manifestam sempre histrica, quer dizer, especfica, limitada, ligada a uma poca. As emoes no so, em absoluto universais nem intemporais. Bertolt Brecht

Contra a cor inexistente urante o sculo XIX e as primeiras dcadas do sculo XX, as prticas sociais vivenciadas em toda a regio de Lages foram marcadas por uma ntima relao com os valores religiosos. Para os habitantes do Planalto Serrano, a religio possua sentido to pragmtico que as roas e os animais eram benzidos, e se acreditava curar as pessoas rezando sobre suas feridas (Queiroz, 1996, p. 6). Atravs dos chamados curandeiros ou feiticeiros, os populares estabeleceram sua devoo religiosa, sem a interveno eclesistica e oficial da Igreja Catlica. Em 18 de julho de 1918, o jornal O Planalto publicou o artigo intitulado Fanatismo em Lages, assinado por um indivduo com o pseudnimo de Bisbilhoteiro, residente em Capo Alto, distrito de Lages, onde denunciava

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a prtica um tanto comum de aspectos da religiosidade popular na regio. Dizia o Bisbilhoteiro:

[...] alm do Luciano e do Daniel, ambos do Painel, temos outros fanticos e exploradores de algibeiras, entre os quaes sobresahem os seguintes: Nessa cidade, uma tal Maria Eugenia (do Boava) que sortista, benzedeira e xaropista. Neste districto (Capo Alto) Therezio Brasileiro e Joo Olympio, discpulo de Daniel, que tambm adivinho e benze com patus, costumando receitar ch de raspagem de uma madeira que s elle fornece. No districto de Campo Bello, no lugar Cerro Negro , existe um tal Manoel Xerengue, benzedor, xaropista e bbedo91.

Para os porta-vozes da moral civilizadora, todo um arcabouo vernacular era usado indistintamente para associar a religiosidade popular a aspectos negativos. Benzedeiras, xaropistas, sortistas e curandeiros eram sempre seguidos por cognomes de: fanticos, exploradores, feiticeiros, ou qualquer outra denominao que reforasse o seu aspecto depreciativo para a sociedade civilizada; como aquela manifestada pelo jornal O Planalto, em que Manoel Xerengue foi lembrado como benzedor, xaropista e bbado. Alm da rea urbana, em toda a ampla rea suburbana e rural sob a jurisdio da cidade de Lages, como no caso de Painel, Capo Alto e Campo Belo, prevaleciam as costumeiras prticas de curandeirismo, principalmente entre os setores mais populares da sociedade. No dia 16 de setembro de 190292, Pedro Guilherme da Silva, vulgo Pedro Barulho, natural de Desterro, 35 anos, lavrador, residente h 15 anos em Lages, foi denunciado por crime de ferimentos contra Antonio de Mello Corra, 50 anos, casado, criador e lavrador. O crime, ocorrido em 14 de julho na localidade Cerrito93, teria aconte-

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cido na ocasio em que Pedro Barulho apresentara-se em casa de Antonio, dizendo que, por meio de magias, o curava das molstias que o importunavam. Autorizado pelos que se encontravam na casa, Pedro Barulho comeou a bater em Antonio, usando de um rosrio e vara de marmeleiro, e a furar-lhe com um chifre de veado branco, produzindo-lhe diversos ferimentos. Ao escurecer, Pedro Barulho teria ainda distribudo a todos os presentes uma beberagem e encerrado a vtima em um quarto, dizendo que tudo aquilo era para tirar o mau esprito que Mello tinha no corpo, tendo, em seguida, se retirado do local. Em seu depoimento94, Pedro defendeu-se dizendo que apenas benzeu a vtima com arruda molhada. Enquanto isso, outros testemunhos do processo, inclusive o da prpria vtima, confirmaram a verso da promotoria, alegando que Barulho era feiticeiro, curandeiro e monge. O ru foi condenado a um ano de priso. De todos os eptetos dados a Pedro, o que mais chamou a ateno que nenhum o teria qualificado de negro, preto, pardo ou escuro em tal processo. A anlise de tal documento teria sido dada por estar inserida no espao de tempo escolhido para esta pesquisa. No entanto, dois fatos permitiram a identificao da cor daquele indivduo. Primeiro, o envolvimento de Pedro Barulho, em 17 de maro de 1907, em um rolo effectuado no lugar denominado ndios95, onde o promotor pblico Manoel Thiago de Castro, ao denunci-lo, chamou-o de esse indivduo de cor escura 96; tambm em notcia do jornal A Evoluo, foi publicada a informao sobre o mesmo episdio, de que Pedro em companhia de outros pretos metteuse numa grossa carraspana97. Segundo, que na noite de 20
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para 21 de abril de 191898, na rua da Santa Cruz, em casa de Antonio Machado, onde se realizava um baile, Luiz Vieira e seu capanga e empregado Antonio Barulho, armados, envolveram-se em uma discusso, ofendendo fisicamente vrias pessoas. Sobre tal acontecimento, disse a testemunha Joo Pedro Luiz, operrio, 43 anos, que viu um moo de boa altura tendo um revlver na mo, e um preto que empunhava um faco, vindo a saber depois que o moo branco era filho do senhor Diogo Vieira e o preto era filho de um tal Pedro Barulho. provvel que muitos dos processos estudados, envolvendo populares no perodo da Primeira Repblica, inclussem descendentes de africanos, embora, por vezes, no tenha sido possvel identific-los, como nos autos processuais em que o curandeiro Pedro Barulho foi acusado por ferimentos contra Antnio de Mello Corra. primeira vista, no foi possvel identificar a cor de Barulho. S depois de confrontar com outras informaes obtidas atravs de uma nota de jornal e de outros processos que foi possvel distingui-la. Assim como Hebe Mattos (1998) detectou o progressivo desaparecimento da cor nos processos judiciais do Sudeste brasileiro no sculo XIX, pudemos tambm perceb-lo na anlise dos processos-crime da comarca de Lages durante a Primeira Repblica. Aproximadamente at meados do sculo XIX, idenficava-se a cor dos envolvidos nos processos, fossem brancos ou negros. A partir da, passaram a ser nomeados pela cor, geralmente, apenas os indivduos que tinham alguma relao com um prximo passado escravista. Por exemplo: pretos e pardos eram
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sempre identificados como escravos ou libertos. Era como se a cor estivesse cumprindo um papel de distino quanto ao status social, pois com o progressivo distanciamento da ascendncia escrava, deixava-se de citar tal categoria. Sobre isso, Hebe Mattos (1998) faz a seguinte afirmativa:
Se, at a primeira metade do sculo XIX, os homens livres se dividiam, maneira colonial, em brancos e pardos, a vivncia da liberdade, na segunda metade se bem que continuasse fundamentalmente hierarquizada j no incorporava a diferenciao racial ao controle social, inclusive em termos policiais e criminais, dos homens livres e pobres. O desaparecimento da marca racial dos registros policiais no foi uma inveno republicana, mas uma prtica j plenamente vigente, em relao aos homens nascidos livres, nas ltimas dcadas da escravido [...]. Perder o estigma do cativeiro era deixar de ser reconhecido no s como liberto (categoria necessariamente provisria), mas como preto ou negro, at ento sinnimos de escravo ou ex-escravo e, portanto, referentes a seu carter de no cidados. (Mattos, 1998, p. 284)

Em Lages, observamos que, em praticamente todos os registros oficiais, inclusive nos processos judiciais a partir das ltimas dcadas do sculo XIX at os anos vinte e trinta deste sculo, houve um progressivo desaparecimento da definio da cor dos indivduos arrolados em tal documentao. No entanto, no era incomum que, aleatoriamente, um ou outro escrivo, sem nenhum critrio aparentemente tcnico, tenha usado distinguir a cor99 naqueles autos, alguma vezes identificando-a por livre arbtrio, outras pela transcrio da fala de funcionrios da justia envolvidos no processo o promotor pblico, o juz , o delegado de polcia, os peritos do corpo delito ou, ainda, pela transcrio literal dos depoimentos de testemunhas, vtimas e rus.
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Dos processos-crimes consultados, resultou o quadro a seguir, referente ao momento em que foi possvel localizar os descendentes de africanos no contedo dos autos: Em relao origem da sua citao nos processos, de 1889 a 1920:
Origem do termo
Citado pela denncia: Citado por testemunhos/ru/vtima Corpo delito Cito pelo prprio depoimento Outros

Quantidade de processos
23 35 12 02 01

ndice proporcional
31,51 % 47,95 % 16,44 % 2,75% 1,37%

TOTAL

73

Obs: a) o tem dito pelo prprio depoimento, se refere condio quanto situao de ex-escravo ou filho de ex-escravo. b) o tem outros referente identificao da cor por uma fotografia anexa aos autos do processo.

A origem do termo cor foi citada oficialmente por funcionrios da justia em dois momentos. Em 31,51% dos casos, a citao foi feita pela promotoria e, em 16,44% das vezes, foi citada pelos responsveis pelo exame de corpo delito das vtimas. Somados, tais ndices totalizam 48,95% dos casos. Por outro lado, em 47,95% dos processos, ou seja, quase metade deles, s foi possvel a identificao dos negros pela leitura cuidadosa do contedo dos depoimentos de testemunhas, vtimas e rus. Apesar de no haver distines tnicas definidas oficialmente por qualquer tipo de poltica racial, a cor se manifestava, por vezes, no cotidiano conflituoso daquela sociedade, como elemento social diferenciador. Com uma leitura atenta de todos os processos crimes de 1880 a 1920, constata-se que a manifestao da cor, pelos depoentes, expressava a existncia de uma
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fronteira situacional e contrastiva entre os indivduos daquela sociedade. Segundo o historiador gacho Paulo Roberto Staudt Moreira (1995),
[...] no seu dia-a-dia, os indivduos elaboram estrategicamente sistemas de smbolos e classificaes, visualizando grupos adversrios - demarcando-os - e construindo sua prpria auto-imagem. Neste jogo dirio de convivncia em um mesmo espao, os indivduos acabam por elaborar sua identidade de forma situacional e contrastiva. (p. 78).

Atravs da vivncia em seu cotidiano, os indivduos estabeleciam entre si cdigos de relacionamento. As distenes e alianas que se manifestavam atravs das experincias estabelecidas entre eles permitiam o surgimento de uma identidade situacional e contrastiva que, por sua vez, possua fronteiras prprias. Estas constituam-se em fronteira situacional e contrastiva nos momentos em que afloravam determinados conflitos sociais. Assim, a fronteira delimitada pelo momento em que uma dada unidade social rompida pela manifestao de uma situao conflituosa. Estes conflitos podiam ser de forma horizontal, ou seja, entre as prprias classes populares, ou ainda, de forma vertical, entre subalternos e dominadores. A fronteira situacional e contrastiva se manifesta em certas situaes prticas do cotidiano, definindo hierarquicamente posies e diferenas em que estariam inseridos brancos e negros, bem como pobres e ricos, nacionais e estrangeiros, homens e mulheres, entre outros grupos que compem dado quadro social em que, por vezes, os indivduos se incluem ou se excluem de uma dada unidade, dependendo da situo social manifesta. No entanto, no que
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se refere a questes tnicas no Brasil, essa fronteira mal definida e embaada pelo discurso e prtica do branqueamento e pelo silncio sobre as diferenas no Brasil psabolicionista, nem sempre salientou a alteridade pela questo da cor, manifestando-se de outras formas. Como no se expunha necessariamente a cor dos indivduos envolvidos em todos os processos do perodo pesquisado, fato que tambm ocorria com outros documentos, no foi possvel identificar com exatido todos os negros, pardos ou mulatos envolvidos. Porm, quando foi possvel faz-lo, seja atravs da fala de um depoente, seja colidindo informaes entre fontes como processos e jornais, verificou-se algumas situaes sociais especficas do cotidiano de Lages, em que era comum a presena de descendentes de africanos, como no exemplo da prtica de curandeirismo. No processo em que Pedro Barulho foi acusado de provocar ferimentos graves em Antonio Mello Corra, vrias testemunhas depuseram, dizendo que Pedro era curandeiro, feiticeiro e monge, com a inteno de ressaltar, ao aparelho judicirio aspectos da vida do acusado, que a ordem social predominante considerava como imoral. Em tal caso, a fronteira se manifestou em outros termos, no sendo lembrada a cor do acusado, pois quem sabe outros presentes, ou a maioria em questo, tambm fossem descescendentes de africanos. Por mais que as pessoas que testemunharam o fato em casa de Antonio tenham se mostrado coniventes com a prtica curandeira, permitindo que Barulho benzesse Antonio, eram amigas da vtima e sabiam que, ao narrarem para o
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judicirio a atividade do curandeiro, comprometeriam sua ndole diante da moral civilizadora, no sendo necessrio destacar a sua cor. Aspectos da religiosidade popular: a presena negra
Devoo aos santos, festas, novenas, promessas e benzeduras eram elementos fortes do catolicismo popular e se caracterizavam pelo seu carter festivo, pela interpenetrao entre sagrado e profano e pela mnima ingerncia da hierarquia eclesistica. (Serpa, 1997, p. 55)

Em Igreja e poder em Santa Catarina, o historiador lio Cantalcio Serpa (1997) disserta como, concomitante a um processo civilizador da sociedade catarinense, entre 1889 e 1920, houve uma reorganizao burocrtica, institucional e devocional da Igreja Catlica no Estado, seguindo a lgica de transformaes que ocorria em todo o pas com a proclamao da repblica. Na expresso de Serpa, a Igreja se romanizava101 e pretendia instituir, simbolicamente, uma hierarquia administrativa e devocional, que contradizia o costume e a tradio das camadas populares da regio. Na mentalidade daquela diversidade de populares do Planalto Serrano Catarinense, formada por descendentes de portugueses, espanhis, indgenas e africanos, as autoridades eclesisticas eram pouco reconhecidas. Alm disto, at fins do sculo XIX, os sacramentos da igreja como o batismo, a comunho e o casamento, eram pouco considerados em suas prticas cotidianas. Em Lages e regio, com a vinda dos padres alemes da Ordem Franciscana, a partir de 1892, comeou a reestruturao do catolicismo pela Igreja, preocupada em implementar e estabelecer prticas disciplinadoras em re65

lao hierarquia da Igreja e legitimar a autoridade de padres, vigrios, bispo e papa. Para isto, encontraram apoio entre as classes dirigentes e os setores mdios que, naquele momento, reformulavam suas condutas sociais de acordo com os padres de civilizao adotados, branco e burgus, e que relacionavam os costumes tradicionais ao atraso e ignorncia. Por conta daquelas intenes, pela primeira vez, no ano de 1898, a regio recebeu a visita de um bispo, dom Jos de Camargo Barros102. Festas e recepes foram preparadas pelos padres franciscanos em diversas cidades e freguesias da regio, como: So Joaquim, Painel, Lages, Canoas, Curitibanos e Campos Novos. Em seus dirios, (Barros, apud Piazza, 1984) dentre as impresses de pouca considerao sua presena por parte do povo em geral, de atraso, ignorncia e pobreza da regio, o Bispo afirmou que, no Painel [...] so quase todos caboclos e mulatos e que, em Lages, [...] a populao de negros e mulatos muito grande103. Dom Jos visitou vrias cidades catarinenses onde a afluncia de imigrantes europeus j se fazia presente h algumas dcadas em grande nmero, como na regio do vale do Rio Itaja e na regio sul de Santa Catarina. Por isso se explica a atitude incomum do bispo, identificando a diferena fentipa da composio populacional da regio do planalto, em fins do sculo XIX. A visita de dom Jos procurava submeter o carter de reconhecimento da autoridade episcopal aos populares, dentro do plano de romanizao da Igreja. Entre as estratgias de disciplinarizao religiosa, que incluam
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a ao dos padres pelo interior da regio, batizando, crismando e casando a populao, a Igreja tambm condenava o concubinato, o curandeirismo e outras prticas cotidianas tradicionais, como as festas profanas dos populares. Nestas, jogava-se, bebia-se e brincava-se, sendo considerado o momento em que todos estavam juntos, transgredindo a normalidade do cotidiano vivido (Serpa, 1997, p. 111), sem distino de classe ou cor. A Igreja fundou ainda escolas, bandas musicais, associaes beneficentes e jornais como por exemplo o Cruzeiro do Sul, em 1903 , entre outros instrumentos, pelos quais impunha um conjunto de moralidade civilizada e condenava outros de carter popular. No entanto, segundo lio Serpa (1997):
Junto s camadas pobres da sociedade, enfrentaram dificuldades e reaes, pois o caboclo pobre, alijado da posse e dos meios de produo, vivendo em completo analfabetismo, extraindo da terra os mnimos vitais, vivendo muitas vezes sob a dependncia dos ricos fazendeiros, tinha outras formas de se relacionar com o sagrado. Estes habitantes, designados por caboclos, vivenciavam suas prticas devocionais tpicas do catolicismo popular em que: o leigo tinha participao ativa nos assuntos religiosos, as capelas eram geridas por capeles que no estavam subordinados hierarquia eclesistica, o culto aos santos tinha um papel central, as benzeduras eram prticas corriqueiras, a crena em pessoas com poderes sobrenaturais fazia parte do cotidiano de homens e mulheres. (p. 79)

Dentre as manifestaes religiosas populares e tradicionais da regio, perpetuavam-se as prticas cotidianas do curandeirismo e das benzeduras, bem como a resistncia romanizao de algumas capelas em que os fiis e capeles no admitiam subordinar-se hierarquia eclesistica, que nunca antes fizera parte do mundo que vivenciaram.
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Duas capelas de carter popular merecem ateno: a de Nossa Senhora do Rosrio e a de Santa Cruz. A primeira, pelo seu significado para as populaes de origem africana durante o perodo escravista e, a segunda, pelo seu carter extremamente popular e caracterstico da regio, onde se fundam as razes do movimento milenarista caboclo104 e a crena em So Joo Maria um santo de carne e osso105 em Lages. So parcas as informaes sobre a capela Nossa Senhora do Rosrio106. Construda por volta de 1860107 pelo mestre pedreiro Pai Joo, natural de Angola, escravo do fazendeiro Manoel Joaquim Pinto, a capela congregava os escravos da cidade e seus descendentes. Durante o perodo escravista, tradicionalmente no ms de outubro, celebravam-se pomposas festas em homenagem santa padroeira dos pretos e escravos108. Provavelmente, dois fatos contriburam para o gradativo desdm dos descendentes de africanos devoo de Nossa Senhora do Rosrio: a abolio da escravatura, em 1888, e a vinda dos padres franciscanos a Lages, em 1892. Por um lado, talvez a capela lembrasse aos ex-escravos um passado e uma condio social que preferiam esquecer e, por outro, o controle administrativo exercido pelos padres franciscanos em relao s capelas que no demonstravam resistncia popular romanizao, fez com que a capela do Rosrio ficasse cada vez mais fragilizada em relao ao nmero de fiis. A falta de interesse e recursos para mant-la levou suas instalaes s runas, sendo fechada entre os anos vinte e trinta do sculo XX, e demolida nos anos quarenta 109.
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Segundo Serpa (1997, p. 203), a capela de Santa Cruz representava, para a maioria da populao, um marco significativo da presena de Joo Maria de Agostinho em Lages. O monge Joo Maria, nas suas andanas pelo interior de Santa Catarina, deixou sua marca registrada na cidade, plantando uma cruz no local onde se originou a capela, construda com o esforo dos seus devotos. Em torno da cruz, surgiram muitas lendas e verdades, e a capela constituiu-se num foco de conflitos entre franciscanos e os devotos de Santa Cruz. At por volta do ano de 1915, ela resistiu, mantendo-se, arbitrariamente, fora da jurisdio franciscana. O zelador de Santa Cruz, Loureno Dias Baptista, escreveu no jornal O Imparcial, em novembro de 1902: a capela de Santa Cruz tem estado muitssimos anos sob minha gerncia [...] e no darei satisfaes sobre ela a nenhum Vigrio, visto que considero que somente devo prestar contas aos devotos de S. Cruz, dado o carter exclusivamente popular da capela.111 Pretos e brancos frequentavam as festas e os cultos da capela de Santa Cruz112 durante o perodo. No entanto, a partir de 1920, a capela foi fechada para ser demolida. Em seu lugar, outra seria construda por acordo entre os franciscanos e o poder pblico municipal. O controle total da capela foi passado autoridade diocesana em 1924, atravs da elaborao dos Estatutos da Irmandade de Santa Cruz, registrado em cartrio (Serpa, 1997, p. 209). Porm, s em 1931, foi lanada a pedra fundamental do novo templo de Santa Cruz que, aos poucos, perdeu seu vnculo com a religiosidade popular tradicional.
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Feiticeiros e curandeiros: a crendice popular Antonio Waltrick, 79 anos, casado, profisso criador, denunciou113 o mulato Justino do Carmo, feiticeiro ou curandeiro, morador da cidade, como autor do incndio proposital em sua casa, na fazenda Santo Antnio Lisboa, na madrugada de 18 de abril de 1908. Interrogado, Justino Augusto do Carmo disse que era sapateiro, solteiro, com 45 anos de idade, natural da antiga Desterro, h um ano morador na cidade de Lages, em casa de Joo Waltrick, na rua Santa Cruz, onde se ocupava de fazer flores de papel e preparar remdios. Justino finalizou seu depoimento alegando sua inocncia. Sobre o fato do incndio, o hebdomadrio O Clarim, no dia 30 de abril de 1908, em uma nota com o ttulo Casa Queimada, dizia o seguinte:
Na noite de 17 do andante ficou reduzida a cinzas a casa de residncia do sr. Tenente Cel. Antonio Waltrick, distante a lgua e meia desta cidade. Achavam-se em casa o sr. Waltrick, sua exma Esposa e um filho, que pouco salvar puderam. Em vista de uma carta que est em mo do sr. Commissrio de polcia, o incndio parece ter sido praticado por um curandeiro ou feiticeiro que h tempo se acha nesta praa induzindo o povo incauto com suas bestialogias que esto passando despercebidas s autoridades, o que leva-nos a crer que estas no comprehendem que nosso adiantamento moral j no permitte tal MODUS VIVENDI que s tem entrada onde a ignorncia tem domiclio.114

No h meno nenhuma referente cor de Justino na nota de O Clarim. Se no fosse o coronel Waltrick cham-lo de mulato, no momento em que fez a denncia, talvez jamais o soubssemos. No entanto, a fronteira situacional e contrastiva se manifestou no inqurito policial, no momento de exaltao de Waltrick, por sua con70

vico de que o incndio foi causado por aquele a quem chamou de mulato Justino. Naquele momento, o coronel Waltrick intencionava reforar os valores negativos do acusado em relao aos padres de civilidade aceitos, relembrando ao aparato jurdico-policial, o estigma da condio social passada de Justino, pela sua cor. Por coincidncia ou no, tanto Justino quanto Pedro Barulho, do processo anterior, eram curandeiros. Ao corpo delito e inqurito policial do incndio na casa da Fazenda Santo Antonio Lisboa115, foi anexada uma carta enviada por Justino ao senhor Waltrick, trs dias antes do incndio. Antes de passarmos a ela, cabe esclarecer que Justino, dias antes, havia preparado um remdio para Waltrick, que o tomou, alegando ter-lhe feito mal as ervas que o recomendara e que continham venenos. Na carta, Justino dizia que respeitava o coronel, e que ficou muito chateado com suas insinuaes, e que, porm, na sexta-feira santa, Waltrick receberia um sinal de Deus para lhe mostrar como ele, Justino, era inocente. Justino confirmou a autoria da carta, mas negou o crime, e acrescentou ter ouvido dizer que uma parda, Domingas Manoela, teria rogado pragas ao senhor Waltrick, lembrando, tambm, que por outras trs vezes j havia sido queimada a dita casa. A testemunha, Joo Waltrick, filho do coronel, negociante, 45 anos, defendeu o curandeiro a quem tinha como hspede, reforando as intrigas entre seu pai e Manoela. Inquirida, Domingas Maria Henrique, conhecida como Manoela, 70 anos, lavradora, natural do Cear, negou ter cometido o crime ou rogado pragas ao senhor Waltrick. Outras
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testemunhas disseram ser voz geral na cidade que Justino foi o autor do crime de incndio. A promotoria pblica finalizou, dizendo que no tinha argumentos suficientes para confirmar a denncia e pediu que se arquivasse o inqurito em julho de 1908, o que foi despachado pelo juiz, e o incndio foi dado como casual. Embora no tenha sido condenado, bastante provvel que Justino tenha tido parte em tal crime, pois o incndio ocorreu exatamente na sexta-feira santa, dia previsto por ele para Waltrick receber um sinal de Deus. O mulato disse, na carta anexa ao processo, que respeita o coronel e que ficou muito chateado com suas insinuaes [...], acrescentando que, na Sexta-Feira Santa recebers um sinal de Deus. Houve, na atitude de Justino, pelo tom ameaador de suas palavras, a evidncia de um questionamento moral quanto ordem hierrquica. Isto, no considerando a possibilidade do ato do incndio pelo curandeiro. Acrescentamos, interpretao do acontecimento, que no apenas a ordem hierrquica foi rompida, mas foi desconsiderado todo um discurso de adiantamento moral que j no permitia tal modus vivendi propagado incansavelmente pelas elites. A prtica social do curandeirismo e da feitiaria sobrevivia como elemento da religiosidade popular e intimidava, ameaando toda a ordem social vigente e uma nova moral que se pretendia implantar. A condenao moral do curandeirismo, por si s, poderia ser vista como preconceito moral de setores da sociedade em relao aos populares. No entanto, some-se a este raciocnio que o preconceito em relao cor de Justino tambm o de
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ordem moral, pois quando da distino de sua cor por parte do depoimento de Waltrick, este a ressaltou como inteno estratgica de denegrir a imagem de Justino diante do aparato jurdico, que era cmplice da moralidade civilizadora das elites e da Igreja e, por sua vez, da moral do prprio coronel Waltrick. As manifestaes do preconceito de ordem moral da sociedade branca e elitizada de Lages contra as prticas tradicionais de religiosidade popular eram duplamente reforadas quando tais prticas se manifestavam por descendentes de africanos. Por mais que determinada fonte omitisse informaes quanto cor, de certa forma, tais prticas eram reconhecidamente, para a elite, manifestaes de um Brasil arcaico, representando uma ordem moral em que a influncia negra era bastante significativa em sua formao. Para a pensadora Agnes Heller (1992), todos os preconceitos se caracterizam por uma tomada de posio moral. Qualquer acusao de imoralidade de um grupo social em relao a outros grupos, sejam estes de carter econmico, cientfico, tnico, nacional, entre outros, est relacionada a um tipo de preconceito de ordem moral. Exemplificamos os procedimentos de tal mentalidade preconceituosa da poca com as palavras do jornal O Clarim, de 29 de janeiro de 1908, em que as prticas de crendice e religiosidade popular eram consideradas como manifestaes imorais e ilegais:
Sabemos que existe nesta cidade curandeiros charlates que aqui andam explorando o povo, mormente aquellas pessoas de pouca instruco que facilmente esto sendo levadas pela fama de taes curandeiros, verdadeiros charlates exploradores. necessrio que 73

esses senhores deixem taes modos de vida para que no sejam punidos pela lei que aberta e energicamente se oppe a taes practicas.116

O combate s prticas de uma moral tradicional e popular no foi diretamente tratado envolvendo a questo da cor, embora esta fosse uma condio intrnseca nas prticas sociais. No afirmamos que todo curandeiro ou feiticeiro fosse descendente de africano, mas entendemos que tais atividades eram caractersticas de uma ampla classe popular de indistinta ascendncia tnica e diversos matizes, onde, tambm, a populao negra se fez e se faz presente de forma significativa. Aspectos do cotidiano ldico popular em Lages
Nesta busca de construo de um espao urbano est a preocupao das elites em construir a esfera pblica, mas concomitantemente esta edificao no est isenta de medidas que denotem segregao no caso, mendigos, desocupados, loucos e bbados e expresses culturais sambas e batuques passam a ser consideradas expresses de no civilizao e que, portanto, deveriam ser banidas. Estas manifestaes culturais deveriam ser extirpadas como forma de possibilitar a construo de uma esfera pblica burguesa e branca. (Serpa, 1996, p. 17)

Na citao acima, o historiador lio Serpa refere-se ao processo civilizador em Lages durante a Primeira Repblica. Sua nfase quanto aos mecanismos utilizados pela elite econmica, poltica e intelectual da regio, na busca pelo civilizar-se. As elites idealizavam um novo espao urbano ordenado e civilizado, de acordo com os padres espelhados nas principais cidades do mundo e do pas, como Londres, Paris, Rio de Janeiro e So Paulo. Desde os ltimos anos do sculo XIX, o poder pblico, a polcia e o aparato jurdico passaram a delimitar e
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remodelar os padres de conduta ldico-popular da sociedade (Chalhoub, 1985, p. 112). No dia 3 de novembro de 1895, o jornal Gazeta de Lages publicou, entre outras regulamentaes do Cdigo de Posturas da cidade de Lages, o fragmento em que dizia ser proibido:
# 1o. Fazer bulhas ou voserias, dar gritos altos sem necessidade reconhecida. # 2o. Fazer sambas, ou batuques quaisquer que sejam as denominaes, dentro das ruas e das povoaes.117

As prticas sociais de entretenimento denominadas sambas e batuques118, que esto diretamente relacionadas africanidade, foram as nicas identificadas textualmente, pelo Cdigo de Posturas, como ilegais. No entanto, outras nomenclaturas sinnimas, como: fandangos119 ou bailes populares, foram usadas pela elite da regio para identificar quaisquer que sejam as denominaes dos ajuntamentos de pessoas que produzissem rudos, barulhos e algazarras. Esta definio incerta de tais categorias era uma demonstrao do sincretismo tradicional e cultural do cotidiano de negros, mestios e brancos pobres da sociedade lageana. A condenao das prticas sociais e de vida desses descendentes de africanos e brancos pobres pela sociedade civilizada, branca e burguesa, no impediu que aquelas formas de manifestao deixassem de existir, embora os porta-vozes do discurso civilizador fizessem de tudo, atravs da imprensa, para associar tais bailes a aspectos morais negativos, relacionando-os negritude e reclamando a vigilncia das autoridades policiais.
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O jornal Regio Serrana, de 15 de maio de 1910, clamava a devida ateno policial para acabar com aquele tipo de divertimento popular que persistia no centro da cidade. Segundo o articulista:
Ultimamente a nossa polcia tem cochilado um pouquinho [...]. Assim que nenhuma providncia tomou para acabar com esses indecentes fandangos que quasi todas as noites, como atrasada, perturbam a tranqilidade das famlias, especialmente na rua Cel. Crdova, onde existem alguns cortios infectos e antihyginicos. Admira-nos o consentimento que por parte do proprietrio da casa encontram as perturbadoras do sossego que noite tem direito as famlias daquella rua, para a realizao desses nauseabundos fandangos. Esperamos da auctoridade policial as providncias que esse acto reclama.120

Os intelectuais, a elite e o poder pblico121, alm do discurso e institucionalizao de uma moral civilizada, atravs dos inmeros jornais do perodo, adotaram, na prtica, outras estratgias para redefinio da sensibilidade e dos costumes da sociedade. A criao de escolas particulares e a fundao do Instituto Estadual de Educao Vidal Ramos, em 1912; a fundao de clubes sociais, como o 1o. de Julho, em 1896, e o 14 de Junho, em 1920; a criao de sociedades literrias, teatrais e musicais; a nfase higiene e ao embelezamento122 na reformulao do espao urbano; e o reaparelhamento dos rgos repressivos, como as constantes ampliaes e reformas da cadeia municipal e o aumento do efetivo policial, foram alguns dos instrumentos usados para a implantao gradativa das novas prticas sociais que se pretendia regulamentar, no intuito de se fazer cumprir as leis e posturas, alm de manter uma determinada ordem em relao ao comportamento social que condissesse com a propagada moral civilizada.
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A grande preocupao da elite e do poder pblico com as manifestaes cotidianas de entretenimento dos populares era o seu carter barulhento, violento e anti-higinico, lugar onde a bebida estimulava os participantes a expanses de certas prticas, em que elos hierrquicos e a ordem de situaes convencionais do dia-a-dia eram rompidos.
Na noite de 24, houve um chimfrim, l para as bandas da antiga rua das Tropas, num dos costumeiros sambas que realizava-se na casa de Thereza de tal. Quatro praas que policiavam o bairro foram aggredidas e contundidas algumas. Avisado, compareceu o sr. Delegado de polcia que acabou com a festa, serenando o nimo dos exaltados que na maior parte estavam armados de cacetes.123

Os bailes populares subsistiam, apesar do olhar vigilante da imprensa e da ao da polcia. O samba realizado em casa de Theresa de tal demonstra a persistncia da prtica. Pretos, meretrizes e outras pessoas de duvidosa conduta desobedeciam os cdigos de posturas e promoviam arbitrariamente suas reunies danantes. Segundo Serpa (1996, p. 25), o sonho de que todos fossem civilizados esbarrava em individualidades recalcitrantes e formas de subjetivao alheias ao processo ou submersas em seu mundo. Para os descendentes de africanos e outros populares, o carter ldico e profano de seus bailes representava cdigos legtimos de conduta. Com o conceito de legtimo queremos dizer que os homens e mulheres que constituam a multido acreditavam estar defendendo direitos ou costumes tradicionais124 (Thompson, 1995, p. 216). Ou seja, resistiam a um processo civilizador e intolerante das elites, que pretendia instituir novos valores morais e bur77

gueses de ordem, disciplina, trabalho e higiene, avessos moralidade ldica e tradicional dos descendentes de africanos e populares. Bailes populares: a presena negra Na noite de 11 de fevereiro de 1892125, em casa de negcios de Francisco Circumpciso Farias, no Arraial do Painel126, estavam reunidas vrias pessoas a tocar viola, a cantar e a beber quando, por causa de uma prostituta de nome Julia, filha de Maria Preta, comeou uma briga entre Benedicto Nogueira de Andrade, jornaleiro, 35 anos, casado, filho de Maria Benedicta; Feliciano Francisco dos Santos, jornaleiro, 52 anos, solteiro, filho de pais incgnitos e Benedicto de Calazans Guerreiro, da qual foi vtima de morte Antonio Tolentino Guerreiro. Estavam presentes no local: Manoel Serafim da Cruz, 58 anos, natural de Curitiba, que tocava viola; sua esposa Maria Rodrigues, 40 anos, natural de Vacaria; Benedicto Nogueira, vulgo alferes, que cantava; o preto conhecido por Justino, de nome Justino Vieira Camargo, 35 anos, jornaleiro; outro negro, conhecido como Bernardo Bexiga; Ado, peo do senhor Joo Luiz Vieira Jnior; e, entre outros, as mulheres, Nhinhara, Manoela preta, Candida Zangada e a prpria Julia. Por ocasio do testemunho de Olivrio Rodrigues Nunes127, negociante, 37 anos, este disse que estando em sua casa, j deitado, ouviu na rua, em frente a casa, Antonio Guerreiro perguntar seu camarada: O que foi que os negros disseram; e, respondendo o camarada: A rapariga, Julia, filha de Maria Preta, dissera que se era por di78

nheiro que ella ficava com os negros, no ia; Antonio Guerreiro pediu um rifle ao seu camarada e sahiu correndo para a casa de Francisco Farias [...], onde deu-se o conflito. No auto de perguntas aos denunciados, Benedicto Nogueira e Feliciano dos Santos, ambos disseram que foram casa de Farias para cantar e tocar e que foram agredidos por Antonio Guerreiro, que acabou morrendo no conflito. Aquele era um tpico baile popular, onde estavam reunidos lavradores, jornaleiros e prostitutas, dentre os quais vrios dos presentes eram de cor preta. Naquele tipo de reunio ldica, a msica, a dana, a prostituio e a bebida eram os principais ingredientes. A violncia tambm era comum e manifestada geralmente por nimos mais exaltados como conduta legtima.128 Nas reunies danantes, quase sempre eram os negros que estavam no comando dos instrumentos musicais. Segundo o memorialista Armando Ramos (1988) [...] aqui em Lages de 1905 a 1915 eu s conheci tocadores pretos. (p. 79). Ramos (1988) disse, ainda, ter ouvido de seus antepassados que os proprietrios de escravos da regio compravam os instrumentos musicais, principalmente gaitas, e davam aos escravos para que eles animassem seus bailes de senzala. Pela habilidade e hbitos adquiridos, os descendentes de africanos consagraram-se na regio, aps a abolio, pela sua sensibilidade musical. O cotidiano popular da regio era marcadamente profano. Tradicionalmente, alguns bailes eram realizados aps o chamado pixurum ou puxurum, que era um trabalho realizado solidariamente entre vrios indi79

vduos: lavradores, agregados, pees, jornaleiros e, no tempo da escravido, cativos de uma dada vizinhana que, solidariamente se reuniam para fazer uma roa, lidar com o gado, erguer uma taipa ou um galpo, entre outros trabalhos que exigissem urgncia e um maior nmeros de pessoas para realiz-lo. Essa solidariedade era premiada, conforme a tradio, pela realizao de uma festa danante, que era, na verdade, a recompensa e o estmulo para que os vizinhos se socorressem mutuamente.129 A grande expectativa dos envolvidos era o fim do trabalho e a realizao do baile. De maneira geral, os bailes tinham uma composio informalmente segregada e excludente. Ou eram bailes populares, onde frequentavam indivduos de vrias classes e etnias , ou eram bailes familiares, onde a presena das pessoas se fazia de forma mais homognea, entre criadores, fazendeiros, negociantes e artistas. No entanto, vez por outra, havia certas invases desses espaos, tanto por parte de indivduos das classes populares, quanto por parte de indivduos das elites. Geralmente, tal situao predispunha um ambiente ao conflito, como no caso que segue. Denunciou promotoria pblica da comarca de Lages, que na sede do distrito de Capo Alto130, s 23 horas da noite de 14 de abril de 1914131, estavam algumas pessoas em uma reunio familiar, ou baile, entre as quais Jos Zeferino Neves, subdelegado de polcia daquele distrito, quando, na parte de fora da casa, apareceu Geraldo, perturbando a ordem pblica, de faca em punho, com inslitas provocaes a todos [...]. Acresce que Geraldo tido e havido como desordeiro de peor espcie [...], sen80

do, portanto, preso em flagrante pelo delegado presente, por resistncia a entregar a arma. Aberto o inqurito, foram chamados para prestar depoimento, entre outros, os presentes no dito baile: Jos Waltrick Branco, criador; Jos Xavier Leite Sobrinho, criador; Manoel Jos Pereira de Jesus, criador; e Jos Luiz Tubbs, 19 anos, artista sapateiro. Em seu depoimento, o criador Jos Leite disse que pelas onze horas mais ou menos, o denunciado entrou na sala do baile de que se estava danando, com uns fumeiros. Sendo notada a presena, em uma reunio familiar, daqueles fumeiros e do prprio denunciado, os quais no tinham sido convidados e no so pessoas que reunam requisitos para tanto, algum dos presentes pediu-lhes, com bons modos, que eles se retirassem, o que fizeram. Quando iam saindo para a rua, o denunciado comeou a provocar a todos indistintamente proferindo palavras injuriosas, continuando, na rua, a provocar [...]. Em outro testemunho do mesmo processo, o artista Jos Luiz Tubbs acrescentou que: [...] quando o denunciado entrou na sala de baile, acompanhado de um negro e de um mulato, mandou que este danasse; pelo que foi mandado sair o mulato que no tinha convite para o baile, como tambm no tinha o denunciado e muito menos o negro, pois era uma reunio familiar e que nenhum deles poderia ter cabida.132 Conforme os testemunhos, o acusado e seus companheiros, um negro e um mulato, no eram bem vindos no baile familiar realizado por criadores133 e artistas, porque no reuniam requisitos para tanto, devido a sua cor e condio social, como descrito por Jos Luiz Tubbs e Jos Leite.
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As distines entre bailes familiares e bailes populares eram significativamente demarcadas. Enquanto o primeiro ocupava as pginas dos jornais, representado pelo discurso da elite como um modelo ideal de comportamento, o outro ocupava as pginas policiais, simbolizando, em potencial, os valores sociais negativos da sociedade tradicional. Abaixo, na ntegra, o artigo publicado no jornal O Clarim, de 27 de maio de 1908, com o ttulo de Violncias Policiais:
H poucos dias ficamos perplexos e at certo modo completamente attonitos, com o facto da priso de um preto velho desta cidade, pelo facto de ter este feito um baile, sem devida venia do sr. Commissario de polcia que se achava em viagem ou a passeio fora da cidade. um facto contrastvel com as disposies constitucionaes da Repblica, que concede a todos o exerccio livre da sua vontade e liberdade, e assegura a cada um o direito de inviolabilidade individual, exceptos os casos pela prpria lei determinados. Ora, se a nova forma de governo, que fez derruir a dynastia, veio, como principal condio nivelar todos os cidados brazileiros na mesma raia de direitos, como se pode admitir que haja um completo trao de distinco entre classes, ou entre indivduos que tentam exercitar o mesmo direito, isto , o direito de liberdade, contanto que este no ultrapasse as normas da razo, do justo e do honesto. Si os pretos no podem fazer bailes, isto , divertirem-se independentemente da vontade de um superior, claro que essa raa no tem a verdadeira e completa independncia, e si certo que a lei urea de 13 de maio de 88 veio arranc-los do nefando captiveiro e consider-los irmos na mesma ptria, e a explendorosa pronunciao de 15 de novembro de 1889 veio com mais amplitude lig-los mais intimamente ao seio da cara ptria, legando a todos os mesmos direitos assegurados na constituio republica-

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na que considera iguaes todos os homens menos certo, por fora, no ser que estes pobres, pobres j por sua inferioridade de raa, pobres j porque deixam-se subjugar miseravelmente, trucidada a sua liberdade e integridade individual que se esto no mesmo nvel de garantias constitucionaes, no escapam ao chanfalho policial que sobre elles pesa como reflexo doutrora. No podemos admitir que haja um completa prohibio para essa pobre gente dar azas as suas expanses, porque se ns outros temos livremente as nossas occasies de jbilo e nos divertimos, justo que elles, que so de carne e osso tambm possam dar os seus bailes, sem que para isso seja preciso mendigar uma previa licena. E, si essa prohibio firma-se em disposio da lei municipal, ento o caso de dizer-se: CADA MUNICPIO UMA REPBLICA DENTRO DA REPBLICA, e ... TOLLITUR QUESTIO!134

Nunca foi comum, por parte da imprensa lageana, a denncia de atitudes que denotassem carter segregacionista de qualquer segmento social contra descendentes de africanos. A justificativa mais provvel para a publicao do artigo acima que o fato tenha ganho tal entonao por ter, coincidentemente, cado em dias prximos comemorao dos 20 anos da Abolio da Escravatura e que o articulista, inflamado pelos acontecimentos da semana anterior, onde uma grande massa popular, percorreu as ruas desta cidade, festejando esse dia comemorativo de sua liberdade [...]135 seguindo at a [...] redaco do Clarim a qual foi saudada pelo sr. Gustavo Martins que frente do povo ergueu um viva a democrata redaco do Clarim, sendo estrepitosamente correspondido pelo povo em massa [...]136, tenha sensibilizado a redao do jornal pela injustificada priso do preto velho.

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Apesar dos apelos feitos pelo articulista s leis que vieram nivelar todos os cidados brasileiros na mesma raia de direitos, no podendo se admitir que haja um completo trao de distino entre classes, o prprio autor imprimiu na redao do artigo um carter de diferenciao entre ns outros e eles, os pretos, a quem chamou de estes pobres, pobres j por sua inferioridade de raa, demonstrando o aspecto racialista de seu discurso, em que possvel observar o sentimento de alteridade e superioridade do autor (ns outros) em relao aos descendentes de africanos (eles). O artigo expressa com realismo a convivncia entre a elite branca e os pretos e pobres. Em sntese, o direito da inviolabilidade individual e a condio de cidado legada a todos os brasileiros com a Abolio da Escravatura e pelas disposies constitucionais da Repblica, foi limitado pelas ditas normas da razo, do justo e do honesto, institudos pela moral civilizadora. A presena negra em outras formas de entretenimento Na casa de negcios do cidado Manoel Francisco da Silva, pelas duas horas da tarde do dia 20 de janeiro de 1905137, na localidade de Campo Belo138, fazenda Pinheiros Ralos, travando-se de palavras Innocncio e Francisco Xavier por motivo de no ter este cumprimentado aquelle, o mesmo Xavier deu de relho no dito Innocencio, esbordoando-o at que este saiu para fora do ptio da casa onde se achavam [...]. Innocencio, natural de Lages, lavrador, com 25 anos de idade, casado, disse em seu depoimento, que a briga entre ele e Francisco Xavier foi inicia84

da porque Xavier cumprimentou a todos os presentes, menos a ele, e que perguntando o porqu de tal atitude, foi agredido a relhos por Xavier, que respondeu-lhe que o fazia pelo fato de ele, Innocencio ser negro, e como tal precisa de lao. Innocencio, defendendo-se, deu-lhe como resposta que o captiveiro j tinha acabado [...] recebendo diversas relhadas. Quanto ao depoimento de Francisco Xavier de Souza, vivo, criador, natural de Lages, este disse que chegou casa de negcios e cumprimentou a todos com aperto de mo, excepto a Innocencio, quem apenas cortejou dizendo-lhe: Boa tarde; ao que retrucou-lhe Innocencio perguntando se negro no era gente, respondendo-lhe elle depoente, que sim, que negro nunca foi gente, ainda mais nas condies delle [...], e que, por fim, teria sido ele, Xavier, agredido primeiramente por Innocencio.139 Lavrador e negro, Innocencio foi o nico dos presentes ao qual Xavier no estendeu a mo para cumprimentar. Importunado, Innocencio retrucou a Xavier, recebendo como resposta que o motivo era o fato de ele ser negro, e como tal precisa de lao, ao que, prontamente, Innocencio respondeu que o captiveiro j tinha acabado, exigindo o direito de ser tratado como um igual, demonstrando sentirse ofendido pelo tom com o qual foi chamado de negro, como algum que nunca perder a marca da escravido. Xavier ficou irritado pela presuno do negro em dirigirlhe a palavra, ainda mais, cobrando-lhe uma atitude de igual considerao dada aos outros presentes. A reao de Innocencio demonstra como o fim da escravido representava na viso de alguns negros, a ruptura de uma hierarquia
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pr condicionada cor, onde o respeito e o tratamento de igualdade eram requisitados por eles prprios, quando se sentiam redimidos por outrem. A Abolio da Escravatura e a Proclamao da Repblica colocaram os negros legalmente sob a mesma condio jurdica de cidados que o restante da sociedade. No entanto, na prtica, a moral dominante, legitimada pelas teorias racialistas, prevaleceu uma diferena hierrquica marcada pela etnicidade140, associando, sempre que possvel, a negritude em relao antiga condio social escrava dos descendentes de africanos. E nos momentos em que essa hierarquia foi contestada, ela mostrou-se como uma conquista individual dos negros pelo reconhecimento de sua cidadania, como no caso de Innocencio. Os bares, botequins ou casas de negcio eram o espao de lazer dirio, onde os homens se reuniam para beber, jogar e conversar sobre os acontecimentos do dia-adia. Como espao pblico141, nada limitava a presena da diversidade social e tnica naqueles ambientes. Por exemplo, vrias testemunhas foram arroladas no processo em que Innocencio e Francisco Xavier entraram em conflito e, entre elas, alguns criadores e lavradores que estiveram presentes na casa de negcios de Manoel Francisco da Silva. Nos bares, botequins e outros espaos sociais de lazer, a presena diversificada de indivduos de vrias classes sociais e ascendncia tnica era comum. Os conflitos tambm se tornaram frequentes, mesmo que nem sempre resultassem em processos ou inquritos criminais, devido inexistncia de vtimas com ferimentos graves ou por causa do silncio dos envolvidos em relao justia ou
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polcia, pois era costumeira a resoluo de contendas sem a interveno policial ou jurdica142. No lugar chamado Amola Facas, distrito de Lages, no dia 24 de agosto de 1913143, durante uma corrida de cavalos, numa raia em frente casa de Alexandre Ignacio de Jesus, foi gravemente ofendido pelo acusado Antonio Ribeiro Lara, a vtima Francisco Bibiano de Anhaya. O depoimento da testemunha Irineu Antunes de Castro, 45 anos, casado, natural de Lages, lavrador, residente e inspetor do quarteiro do Amola Facas, foi o que melhor situou os acontecimentos daquela tarde. Segundo Irineu, o acusado Antonio apostou com Sebastio, irmo de Francisco, 50$000 ris em uma corrida de cavalos. Porm, logo em seguida, Sebastio convidou a Antonio para abrirem o dinheiro, ao que Antonio, indignado, insultou muito Sebastio, terminando com as seguintes palavras: tenho dinheiro para comprar toda essa negrada. E Sebastio respondeu que ele no tinha dinheiro para comprar negros da qualidade delle [...]. A testemunha acrescentou, ainda, que Manoel segurou a espada que Antonio iria dar em Sebastio e que Antonio comeou a atirar contra o grupo de pessoas em que estavam reunidos os irmos de Sebastio. Dentre outros diversos testemunhos, nenhum confirmou ser o tiro que saiu da arma de Antonio o mesmo que atingiu Francisco. Porm, no mnimo, outras trs testemunhas, alm de Antunes Castro, ao afirmarem estar prximas do acontecido, confirmaram ter visto a tentativa de agresso por parte de Antonio e ouvido a expresso: eu tenho dinheiro para comprar toda essa negrada, ou algo similar. A discusso entre Antonio Lara e os irmos Anhaya iniciou-se por causa da aposta, mas agravara-se no momento
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em que Antonio insultou Sebastio e seus irmos, chamando-os de negrada, associando diretamente tal termo ao passado escravista dos ofendidos, ao dizer que poderia compr-los. A negritude era a marca do cativeiro e de uma condio social e racial estigmatizada hierarquicamente como inferior em todos o Pas. Os negros sabiam muito bem o que aquelas palavras representavam. Sebastio e seus irmos responderam em defesa prpria contra um tipo de ofensa que no aceitavam mais: a qualificao de inferioridade. A fronteira tnue, situacional e contrastiva que se tentou omitir com a ideia de unidade da nao brasileira, mestia e harmnica, elaborada naquela poca sob a gide mtica do que se convencionou chamar, posteriormente, de democracia racial144, insistia em aparecer naquele momento, estimulando o surgimento de uma etnicidade negra, marcada pelo reconhecer-se e ser reconhecido como diferente pela cor. Nos fins de semana, na rea rural145 ou nos arrabaldes da cidade146, juntavam-se criadores, lavradores, pees brancos e pretos para apreciarem as corridas de cavalos147. Devido diversidade social, era comum que, dos nimos mais exaltados, se produzisse algum tipo de intriga verbal ou violncia fsica. Os espaos no eram especificamente populares, mas no deixavam de ter uma caracterstica profana, suscetvel a brincadeiras, jogos, danas, bebedeiras e conflitos. Segundo Licurgo Costa (1982), sobre as carreiras realizadas em Lages, havia sempre grande afluxo de povo para as raias: faziam-se vultuosas apostas; vendedores de comidas e bebidas instalavam suas tendas;
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muitos assistentes montavam barracas; surgiam tocadores de violas e sanfona; improvisavam-se danas; corria muita cachaa e as brigas eram frequentes, muitas vezes com graves conseqncias. (p. 1429) Com a fundao da Associao Turf Catharinense por um grupo de fazendeiros lageanos, em julho de 1917, remodelaram-se as corridas de cavalos, criando-se, aos poucos, um espao especfico e definitivo para a atividade, com caractersticas mais ordeiras, elitizadas e civilizadas. Alm disso, o pagamento de taxas foi adotado pelo poder pblico municipal para coibir a realizao das corridas em outros espaos pblicos ou privados que no aquele determinado pelos fazendeiros, o que possibilitava um controle mais eficiente sobre tais manifestaes. Em 1920, a Associao Turf Catharinense inaugurou um hipdromo, em substituio s velhas raias de corridas, em local doado pela prefeitura na localidade da Vrzea, subrbio da cidade. Apesar das mudanas promovidas pela elite e pelo poder pblico, as carreiras continuaram ocorrendo em alguns dos antigos locais, mas, gradativamente, foram se esgotando, j que, na maior parte dos casos, eram os criadores e fazendeiros quem as promoviam. As situaes cotidianas dos populares em Lages eram comuns entre mulatos, pretos e brancos pobres. A religiosidade e o entretenimento estavam profundamente arraigados em sua moralidade, pelos costumes de um passado recente e tradicional. No entanto, a elite lutava insistentemente para impor uma outra moral, por ela adotada, civilizadora e renovadora dos costumes da sociedade.

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Captulo 3 Homens de cor no espao urbano de Lages

Ningum sentiu o teu espasmo obscuro, ser humilde entre os humildes seres. Embriagado, tonto dos prazeres, O mundo para ti foi negro e duro. Cruz e Sousa

o dia 14 de maro de 1907 foi publicada no jornal A Evoluo, a seguinte nota:

Chamamos a atteno de quem competir afim de providenciar no sentido de serem suavisados os males do pobre preto velho Amaro que habita em uma casa mais semelhante a uma pocilga nas proximidades da Santa Cruz. H poucos dias tivemos occasio de v-lo. quase indiscritvel a impresso que nos causou o msero preto velho, alli num miservel cochichlo replecto de vermina e n. Entregue aos cuidados de uma aleijada que tem que sahir rua arrastando-se para obter o duro po de sua subsistncia o infeliz preto velho paraltico jz sobre os mais repelentes trapos tendo como nica faculdade respirar o ar infecto que exahala de dentro da casucha. E isto passa-se dentro da rea urbana desta cidade sem um rpido olhar dos que devem zelar pela sade pblica e mitigar os sofrimentos dos desamparados da sorte.148

Para os novos padres de civilidade e urbanidade que contagiavam as elites lageanas das primeiras dcadas da Repblica, algumas imagens das condies de vida de po91

pulares e miserveis no poderiam permanecer vista pblica. Alm da causa arquitetnica, adotada pelas elites e pelo poder pblico na renovao do espao urbano149, era necessrio limpar a cidade, dar-lhe aspecto salubre, confortvel e seguro, principalmente no que se refere s reas centrais da urbe e suas proximidades. A situao infeliz vivida pelo miservel Amaro foi narrada pela imprensa, ressaltando os aspectos repugnantes da condio em que o dito preto se encontrava, conclamando a ao do poder pblico e de particulares, lembrando que aquela situao passava-se dentro da rea urbana desta cidade. O olhar vigilante da imprensa lageana estava atento a fiscalizar, incentivar e estabelecer os requisitos materiais necessrios para que a cidade se tornasse civilizada, bem como a denunciar a presena do indesejvel e do patolgico150, sob a perspectiva da sua lgica moral de civilizao. O aspecto sujo e feio do ambiente em que vivia o preto velho fazia parte de um cenrio social pobre e comum de bairros perifricos ao centro da cidade, em que a maioria da populao vivia aqum das condies de higiene propagadas como necessrias pela moral burguesa e civilizadora. Financiadas por intelectuais, polticos, pela Igreja e por homens de posses, as associaes beneficentes se multiplicaram na cidade151 e incorporaram a filantropia pblica como sinnimo de civilidade. Alm das associaes, outras de carter diverso, como recreativo, literrio ou religioso, tambm estabeleceram em seus estatutos a beneficncia. A caridade e a generosidade para com os mendigos e os enfermos, ao mesmo tempo que aliviavam a
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conscincia da elite, que usufrua de uma vida economicamente tranquila, contribuam para sanar a pobreza das ruas centrais, melhorando seu aspecto. Em 20 de agosto de 1912, foi criado, pela lei estadual nmero 928, o Hospital de Caridade de Lages152. Alguns anos antes, o clero, o poder pblico e a elite local, atravs dos jornais e de mensagens, sinopses e relatrios peridicos da administrao pblica do municpio e do estado, discursavam sobre o carter essencial da construo de um hospital e casa de caridade para a cidade, pois [...] j no pequeno o nmero de desprotegidos da fortuna, sem po e sem lar que passeiam a misria pelas ruas da cidade, exhibindo-a nas vestes andrajosas e nas feies denunciadoras de amargas e continuas privaes sofridas, estendendo a mo ao bulo generoso da philantropia pblica.153 A questo do embelezamento da cidade passava pela definio do que belo, bonito, saudvel e ordeiro para a moral burguesa de civilizao. Os miserveis, pobres, loucos e aleijados, principalmente quando de cor (Pesavento, 1994, p. 140), representavam a esttica social do feio e do indesejado na esfera do espao pblico que a elite branca pretendia construir e consolidar. Para os setores sociais que representavam a moral da elite, o embelezamento constitua-se em uma ao urgente e execuo inadivel, por ser o thermometro caracterstico e denunciante do desenvolvimento e progresso daquelles que nella vivem.154 Naqueles primeiros anos da Repblica, a regio de Lages crescia economicamente e demograficamente, ampliando a representatividade poltica local155 em relao ao estado de Santa Catarina. Estes fatores impulsionaram
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o desenvolvimento da cidade e, por consequncia, uma nova configurao de seu espao urbano. No entanto, com o crescimento populacional da urbe, cresceram os indesejveis sociais. O fluxo deste crescimento vinha de outras cidades e, principalmente, da rea rural da prpria regio, devido falta de propriedade e trabalho queles que deixaram de ser cativos e no queriam permanecer ou no eram mais aceitos nas antigas propriedades em que serviram como escravos. Aps a Abolio da Escravatura, alguns espaos geogrficos da cidade foram gradativamente ocupados por populares e, principalmente, por descendentes de africanos. Entre outros, os mais significantes foram as proximidades da regio onde estava localizada a capela de Santa Cruz156, a regio denominada de Banhado157, conhecida como Lagoo e o bairro da Brusque158. Segundo Sandra Pesavento, sobre a cidade de Porto Alegre nos primeiros anos da Repblica:
Na diviso do espao que obedecia assimetria social, os subalternos deveriam ser varridos da rea central, levados aos subrbios, aos arrabaldes, s novas reas que eram loteadas. Para esta operao, ao mesmo tempo saneadora, moralizante, esttica e especulativa, mas sempre baseada em critrios classistas, convergiam as opinies de homens de governo e daqueles mais situados socialmente. (Pesavento,1994, p. 138)

Como em Porto Alegre, respeitadas as propores, tambm se desenhou em Lages um quadro social geograficamente segregado, onde a ocupao dos espaos estava preestabelecida pela condio social; as elites na rea central da cidade e os pobres na rea suburbana. Alguns populares, moradores antigos do centro, resistiram enquan94

to puderam a deslocarem-se para a periferia. No entanto, como estratgia para a expulso dos indesejados sociais do centro, o poder pblico estava sempre renovando as leis e posturas do municpio, atravs das quais aumentava os impostos sob as propriedades, exigia dos proprietrios a reforma esttica das residncias, saneamento e melhorias dos passeios pblicos em frente s casas, tudo sob a ameaa de taxas e multas159. Desta forma, os prprios populares acabavam saindo gradativamente da rea central, estabelecendo-se nos bairros e arrabaldes da cidade, por falta de condies materiais para se manterem nas antigas propriedades.160 Banhado e Santa Cruz, Brusque e Lagoo
[...] havia [...] um vasto mundo de participao popular. S que este mundo passava ao largo do mundo oficial da poltica. [...] concretizava-se em pequenas comunidades tnicas, locais ou mesmo habitacionais; [...]. (Carvalho, 1997, p. 38)

Os bairros161 que antigamente eram reconhecidos como Lagoo, Brusque, Banhado162 e Santa Cruz, abrigando a populao de descendentes de africanos e os brancos pobres, hoje fazem parte da rea central da cidade. Muito pouco dos descendentes daquelas populaes permaneceram nestes locais, transladando-se periferia urbana, medida que o centro crescia e incorporava esses antigos bairros. Nos bairros Banhado e Santa Cruz, vizinhos um do outro, viviam diversos descendentes de africanos. Em alguns jornais da cidade e processos crimes pesquisados, aparecem referncias a estes locais como sendo a residncia de algum indivduo de cor negra. Como exemplos, alm
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do preto velho Amaro que habita em uma casa mais semelhante a uma pocilga nas proximidades da Santa Cruz163, identificamos como moradores das imediaes do Banhado e da Santa Cruz, o moreno Claudino de Chaves Lins164, o pardo Antonio Gonalves da Silva Porto165, o preto Laurindo Jos Garcia166, o preto Francisco Gonalves167 e o curandeiro mulato Justino do Carmo168, entre outros. Os bares, casas de prostituio, bailes ou festas em residncias particulares e a prpria rua foram, muitas vezes, alguns dos locais em que visualizamos a presena de descendentes de africanos naquelas imediaes. O Banhado e o Santa Cruz, alm de serem ocupados por moradores humildes, por vezes pretos, eram espaos onde se manifestavam as situaes do cotidiano ldico, inclusive sendo atrados moradores negros de outros bairros ou arrabaldes da cidade. Na noite de 20 para 21 de abril de 1918169, realizou-se um baile na rua da Santa Cruz, em casa de Antonio Machado. L pela madrugada, chegaram o preto Guilherme da Silva, conhecido como Antonio Barulho, filho de Pedro Barulho170, o menor Luiz Vieira, filho de Diogo Vieira, e Agostinho de tal mulato171 , filho de Miguel Coelho. O baile corria animado at o momento em que Vieira entrou numa sala onde alguns indivduos conversavam e comeou provoc-los, travando-se uma discusso entre Vieira e Juventino Xavier. O capanga e empregado do denunciado Luiz Vieira, tendo em uma das mos um punhal, atirou-se contra os que se achavam em sua frente, acertando, fatalmente, Fermino Jos dos Santos.
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Em seu depoimento, o acusado Luiz Vieira disse sobre seus parceiros que, Agostinho de tal era seu vizinho e Antonio Barulho, seu camarada. Disse tambm, que saiu de sua casa em companhia de ambos para irem a cidade procura de uma meretriz de nome Sebastiana, na rua dos marmeleiros, bairro de Santa Cruz, onde souberam que a dita meretriz tinha ido a um baile em casa de Antonio Machado, para onde se dirigiu com seus companheiros. Alm da presena do mulato Agostinho de tal, do preto Antonio Barulho e do menor Luiz Vieira, identificamos outros dos presentes naquele baile, arrolados pela justia como testemunhas do crime. Entre eles, o preto172, jornaleiro Laurindo Jos Garcia, 23 anos, natural de So Joaquim; o jornaleiro Andr Francisco da Silva, 31 anos, natural de Curitibanos; o pedreiro Joo Pedro Luiz, 43 anos; o pedreiro Joo Ozorio dos Santos; o jornaleiro Emlio Roza, 27 anos; o lavrador Sebastio Borges, 28 anos, residente na cidade; e o jornaleiro Jernimo Lopes de Liz, 28 anos. Apesar da impossibilidade de identificar a cor de todos os presentes, descobrimos as profisses de alguns deles. Tal dado demonstra o carter popular do baile e a provvel presena de outros descendentes de africanos em seu meio. Jornaleiros, pedreiros ou lavradores de Lages, cidades prximas, ou das redondezas, eram a grande maioria das pessoas presentes naquele tipo de divertimento dos bairros perifricos da cidade, considerados como violentos, ruidosos e promscuos pela tica civilizadora. No Banhado e no Santa Cruz, alm dos bailes em casas de particulares, tambm eram comuns as chamadas
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reunies de rua. O senhor Sebastio Ataide, descendente de africanos, nascido em 1923 e morador de Lages desde o ano de 1929, estudioso da histria de seus antepassados, em entrevista no dia 26 de junho de 1998, falou173 sobre o que seriam as reunies de rua. Disse que, segundo o que soube pela tradio oral, as reunies eram realizadas no Santa Cruz, onde os negros acendiam fogueiras e cantavam at determinada hora, debaixo de lampies, porque a cidade no tinha iluminao eltrica.174 Nas reunies, realizadas com bastante frequncia, compareciam populares diversos e produzia-se muito barulho, batuque e bate p175, o que perturbava a tranquilidade social das elites, devido proximidade da rea central. Alm do aspecto ldico do cotidiano dos bairros citados acima, a capela de Santa Cruz estava localizada numa colina, no alto da Santa Cruz, onde os fiis do monge So Joo Maria, em geral o pessoal mais humilde, negros e aqueles mais pobres 176 de toda a regio, se reuniam para orar.177 Segundo Sebastio Ataide, Tio Eufrzio, ex-escravo da famlia Ribeiro, foi um dos puxadores das rezas em frente capela Santa Cruz178. Nos bairros Brusque e Lagoo, tambm concentraram-se vrios descendentes de africanos que migraram para a cidade aps a Abolio da Escravatura, em busca de oportunidades de sobrevivncia. Na sua maioria jornaleiros e lavradores, homens e mulheres, viviam de vender a lenha que recolhiam de matas prximas, do excedente de suas lavouras, do servio domstico para terceiros, da lavagem de roupas s margens do rio Lagoo, da venda de quitutes, velas de cera e sabo caseiro, e ainda de servios espordi98

cos diversos pela venda de seu jornal de trabalho179. Outros, como funcionrios do poder pblico, exerceram atividades como o recolhimento do lixo e material fecal, o acendimento da iluminao a gs das ruas da cidade e o servio de praas da fora pblica policial180. Sebastio Ataide (1998), relembrando de sua infncia e do que ouvira pela tradio oral, apontou os provveis motivos da origem do nome Brusque para o bairro. Disse ele que:
Existem certas verses [...] A nica informao meio certo que se sabe, que veio... quando o senhor Caetano Vieira da Costa foi prefeito de Lages, al por 1927, 28, ele parece que contratou um engenheiro para fazer um levantamento topogrfico da cidade, e, esse engenheiro, Brsk eu no estou lembrado bem do primeiro nome , ele residiu numa casa ali mais ou menos onde est o Pronto Socorro, do outro lado at a casa eu conheci , e, parece que ele tinha uma placa, l, com o nome dele, n... Agrimensor... o nome total... Brsk, e comeou, parece, que a chamar: Ele mora l pra Brusque, l perto da Brusque... Brusque, Brusque... E o outro, que dizem, o seguinte: que foi devido quantidade de mulatos, servidores da Prefeitura e gente que foram requerendo terras ali e fazendo casas; como tinha muito moreno, muita gente de cor, dizia: Isso aqui est at parece Brusque... A nossa Brusque, aqui, no Estado, que eram Franceses e Alemos, gente loira, n. Era uma pilhria. Tambm existe isso a, no ? 181

A referncia documental mais antiga que encontramos sobre a denominao daquela regio como Brusque foi no processo crime de 10 de maro de 1927, em que fora acusado e qualificado como re, Lino Euphrazio Garcia Ribeiro, jornaleiro, pardo182, identificado como morador na rua Brusque183. Como vimos, a hiptese do senhor Sebastio Ataide (1998) sobre o nome do bairro originou-se do fato de que o agrimensor Brsk teria se

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instalado naquela regio de 1927 a1928, momento a partir do qual a regio ficara conhecida como Brusque. Tal informao coincide com a referncia ao ano do processo do pardo Lino Euphrazio Garcia de Ribeiro. Por outro lado, a idia de pilhria deve ser considerada, pois o municpio de Brusque, no Vale do Rio Itaja, j era, h muitos anos, reconhecidamente uma das colnias germnicas mais prsperas e numerosas do estado de Santa Catarina. A Brusque de Lages, ou seja, o bairro, representaria o seu oposto. Naquela regio, desde o perodo da libertao dos escravos, progressivamente, at a dcada de cinquenta do sculo passado184, acumularam-se, na sua maioria, moradores negros e pobres vindos da rea rural e de outras cidades, em busca de sobrevivncia. A presena do agrimensor Brusk naquelas imediaes se tornava irnica, pois como disse Sebastio Ataide (1998), inicialmente as pessoas se referiam localidade da Brusque, tendo como referncia a residncia do agrimensor. Em virtude da caracterstica da grande maioria da populao e do nmero de casas com aspecto humilde, tal forma de identificar a localidade, vista como feia, suja e de aspecto brusco, para os moradores das reas centrais, tornou-se uma forma de gracejar com a regio, ocupada principalmente por descendentes de africanos. Nos bairros em que se estabeleceram as populaes pobres, eram comuns as casas de prostituio, a violncia, os bailes populares sambas ou fandangos e a insalubridade de ruas e casas, como uma normalidade vivida por seus habitantes, que se diferenciava da realidade do modelo de civilidade que a elite implantava nas reas centrais.
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No interior da diversidade popular, os descendentes de africanos reconheciam solidariamente aqueles cdigos sociais, que produziam inclusive, entre eles, o surgimento do sentimento de alteridade, de diferena em relao ao outro, da elite e civilizado. E. P. Thompson (1987), no prefcio do livro A formao da classe operria inglesa, conceitua seu entendimento de classe, como [...] um fenmeno histrico, que unifica uma srie de acontecimentos dspares e aparentemente desconectados, tanto na matria-prima da experincia como na conscincia. (p. 10). E, continua com sua definio, dizendo que:
[...] a classe acontece quando alguns homens, como resultado de experincias comuns (herdadas ou partilhadas), sentem e articulam a identidade de seus interesses entre si, e contra outros homens cujos interesses diferem (e geralmente se ope) dos seus. A experincia de classe determinada, em grande medida, pelas relaes de produo em que os homens nasceram - ou entraram involuntariamente. A conscincia de classe a forma como essas experincias so tratadas em termos culturais: encarnadas em tradies, sistemas de valores, idias e formas institucionais. (Thompson, 1987, p. 10)

Tomando de emprstimo a definio de Thompson sobre classe para conceituar um grupo tnico-social especfico, no caso dos descendentes de africanos no interior do conceito de populares, observamos um fazer-se da etnicidade185 desse grupo social, nas primeiras dcadas da Repblica no Brasil, um fazer-se em sua experincia comum, de sua conscincia de alteridade. O discurso das elites, de igualdade, liberdade e cidadania aos egressos do regime escravocrata, surgidos com a Abolio da Escravatura e a Constituio Republicana, ficou apenas no papel.
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Na prtica social, as diferenas entre negros e brancos permaneceram latentes e foram, de certa forma, reforadas pelo grande volume de imigrantes europeus que entraram no Brasil durante a primeira Repblica. Tais diferenas constituram-se em elementos importantes para o florescimento de uma etnicidade negra. O Centro Cvico Cruz e Souza: etnicidade e civilidade O jornal O Clarim, de 20 de maio de 1908, trouxe em sua terceira pgina a notcia de que:
No dia 13 de maio um grupo de pretos, acompanhados de uma grande massa popular, percorreu as ruas desta cidade, festejando esse dia comemmorativo de sua liberdade. Levando frente uma banda musical, comeou a dar expano aos seus justo enthusiasmo, na rua Deodoro, donde sahiram, percorrendo todas as outras ruas em repetidos vivas ao 13 de maio, Repblica, ao povo lageano. [...]186

Naquele mesmo dia, os manifestantes se prostraram em frente sede do Club 1o de Julho, da redao do jornal Regio Serrana, da redao do jornal O Clarim, do Colgio So Jos, da casa do comissrio de polcia Francisco de Paula Ramos e, por ltimo, em casa do senhor Luiz Pimentel, onde um dos manifestantes falou, de uma das janelas, sobre o reconhecimento profundo famlia imperial, e muito especialmente a Dona Isabel, pelo ato magnnimo que concedeu aos de sua raa a liberdade considerando-os irmos [...].187 A manifestao dos descendentes de africanos na cidade de Lages, pela comemorao dos vinte anos de Abolio da Escravatura, sugere que comeara a florescer um autoreconhecimento, por parte daqueles pretos lageanos,
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de sua diferena pela raa ou pela cor, em relao aos outros, considerados irmos a partir de 13 de maio de 1888. A distino social hierrquica, que no sistema escravista se deu pela condio de livre, liberto e escravo, no regime de trabalho livre, passara a se dar pela distino da cor, como estigma de uma posio social passada. No dia 22 de setembro de 1918, alguns pretos de Lages fundaram o Centro Cvico Cruz e Souza188, como entidade recreativa, cvica e literria dos homens de cor189. Em 6 de outubro do mesmo ano, elegeram sua primeira diretoria para a gesto de 1918 - 1919, assim formada: como presidente, Joaquim Pinto de Oliveira; como vice-presidente, Alpio Cruz; como 1o. secretrio, Paulino Saldanha do Amaral; como 2 o. secretrio, Hemiliano Honorato da Silva; como tesoureiro, Saturnino Antonio do Pilar; e, como orador oficial, Vicente Cassuly de Menezes190. Segundo o jornal Cruz e Souza, os idealizadores da sociedade Centro Cvico Cruz e Souza foram alguns negros [...] allumnos da Escola Nocturna dos Amadores da Arte, esses jovens chamaram ao seu lado alguns elementos de fra [...]191 e levaram adiante a idia de uma agremiao para os homens de cor. Congregando os descendentes de africanos do municpio, o Centro Cvico, um ano aps a sua fundao, contava com 60 scios contribuintes que pagavam mensalidade de 1$000 ris192. Suas primeiras reunies foram realizadas no edifcio onde funcciona a Escola Nocturna dos Amadores da Arte193. Os primeiros grandes bailes, solenidades e sesses comemorativas foram realizados no
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Theatro Municipal194. Dos eventos anuais, os mais badalados eram o 13 de Maio, pela comemorao da Abolio da Escravatura, e o 22 de Setembro, pela fundao do Centro Cvico. O surgimento do Cruz e Souza era associado necessidade emergente dos descendentes de africanos de conquistarem e estabelecerem um espao social prprio, onde a congregao mtua promovesse, entre eles, um carter de autorreconhecimento como classe, ou como um grupo social, distinto de homens de cor. O espao social, at ento atribudo, de certa forma, era ditado, controlado e manipulado pelas elites, atravs da coero policial e da progressiva urbanizao da cidade. No exemplar do jornal O Planalto, de novembro de 1918, foi publicada a notcia A Festa da Bandeira - Inaugurao do Centro Cvico Cruz e Souza, com o seguinte contedo:
Realizou-se, nesta cidade, 19, a festa da bandeira. Conforme o protocolo, foi hasteada, s 12 horas, em todas as reparties, federaes, estadoaes e municipaes, a bandeira Nacional. noite, no Theatro Municipal, houve uma sesso cvica commemorativa, promovida pela recem-creada sociedade Centro Cvico Cruz e Souza que escolheu esse dia para a sua inaugurao official. Esteve muito concorrida essa festa, comparecendo ella o senador Vidal Ramos, o superintendente cel. Belisrio Ramos, muitas outras pessas eradas e os representantes da imprensa local. s 8 horas foi aberta a sesso pelo presidente, sr. Joaquim Pinto de Oliveira que, declarando inaugurado o Centro Cvico Cruz e Souza, deu a palavra ao sr. Vicente Cassuly de Menezes que produziu um bom discurso, sendo muito applaudido. Em seguida o senador Coronel Vidal Ramos, pronunciou notvel pea oratria, cheio de belssimos ensinamentos cvicos, rece-

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bendo, ao terminar, prolongada salva de palmas. Fallaram, em seguida, os srs. Paulino Saldanha do Amaral e Jucundino Godinho. A Orchestra do G.D.P. Amadores da Arte abrilhantou a festa executando alem do Hynno Nacional e da Marselhesa, diversas peas do seu vasto repertorio. s 22 horas terminou a festa retirando-se todos satisfeitos pela captivante gentilesa dos homens de cr, fundadores do centro.195

No mesmo nmero do jornal O Planalto, foi tambm publicada a notcia referente s condies do tratado de armistcio que ps fim Primeira Guerra Mundial. A imprensa local acompanhou atentamente o desenrolar da guerra em seus quatro anos de conflitos. De 1914 a 1918, multiplicaram-se, nos jornais, as notcias sobre o front, e, principalmente, artigos sobre a questo do perigo germanfilo para o Brasil e de exaltao do civismo e do nacionalismo no pas. A crise poltica social e econmica que proliferou em todo o mundo atingiu tambm o Pas, provocando um fortalecimento das ideias cvicas e de unidade nacional. Para o pesquisador Thomas Skidmore, o perodo de 1914 a 1918 foi de transio ideolgica para um novo nacionalismo196, principalmente a partir de 1917, quando o Brasil declarou guerra Alemanha. Um novo nacionalismo, pelo qual a intelectualidade brasileira passou a ressaltar o civismo e a necessidade de uma produo literria e cientfica nacional que, at ento, estava desnacionalizada pela leitura, estrangeirada pelos costumes alheios (Skidmore, 1989, p. 174), principalmente quanto aos de origem europeia. A questo posta pela intelectualidade era da necessidade de despertar o sentimento cvico e nacio-

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nal em todos os recantos do pas, estimulando na populao o esprito de nao e de unidade. Segundo o antroplogo Arthur Ramos (1956), sobre uma das primeiras sociedades negras surgidas no estado de So Paulo nos anos vinte197, [...] vamos encontrar uma sociedade formada, que se propunha a realizar tudo pela integrao do homem negro na comunidade nacional. (p.186) A fundao de uma sociedade recreativa para os homens de cor, em Lages, foi imbuda pelo carter cvico, por acontecer num momento em que o civismo estava latente no meio intelectual, nas elites, e at mesmo entre alguns setores populares. A comemorao e exaltao de datas cvicas pelos descendentes de africanos demonstrou o seu desejo de participar de um novo projeto de nao e a inserirem-se como sujeitos histricos desse processo, como parte do seu todo. A percepo, por parte dos negros, de que a abolio e a constituio republicana no os colocou efetivamente em igualdade de oportunidades econmicas e sociais em relao aos outros elementos nacionais, por carregarem o estigma da inferioridade racial, amadureceu progressivamente, durante as primeiras dcadas da Repblica, o sentimento de alteridade em relao a outros grupos sociais. Para Arthur Ramos (1956):
Na zona Sul, onde a imigrao branca se vem processando em larga escala, o Negro se sente como uma minoria oprimida. [...] O negro no bem recebido, na comunidade branca, como nos outros Estados do Centro e do Norte. [...] E embora no exista nenhuma separao no plano legal, embora a legislao no estabelea nenhuma separao, o preconceito de cor se estabelece na opinio pblica. (p.185)

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Exemplificando o proliferamento desse tipo de associao no estado de So Paulo, continua Ramos (1956):
[...] o Negro se arregimentou em associaes contemporneas que visam afirmao dos seus direitos sociais e polticos, em igualdade de condio com os brancos. [...] Como conseqncia lgica dos preconceitos de cor que l se formaram. [...]. Estas agremiaes negras, de So Paulo, proclamam ainda os direitos iguais, na ordem econmica, poltica e cultural, de negros e brancos. (p.185).

Sob a bandeira do civismo, o Cruz e Souza procurava ganhar o reconhecimento, a legitimidade, o respeito e o apoio da intelectualidade e da elite lageana, apesar da latente moral preconceituosa, nem sempre manifesta, da elite em relao negritude. Como exemplo, h o fato da fundao do Clube 14 de Junho, em 1920, onde se proibia em seus estatutos a incluso de negros como scios (Serpa, 1996, p. 19). Por ironia, o Clube 14 foi fundado por alguns representantes da elite que apoiaram e aplaudiram a iniciativa dos descendentes de africanos no ato cvico da Festa da Bandeira, da Inaugurao do Centro Cvico Cruz e Souza. O preconceito estabelecido desde a abolio em relao aos descendentes de africanos negou-lhes as oportunidades de asceno social a esferas superiores de um mundo que se consolidava como burgus e branco. A iniciativa da fundao do Centro Cvico, estrategicamente, colocou os homens de cor, a partir de 1918, no calendrio programtico de atividades sociais das elites polticas e da imprensa, dando-lhes um espao que antes era s branco. Por outro lado, talvez o receio preconceituoso das elites, de asceno social dos negros, tenha se manifestado na fundao do Clube 14 de Junho, quando da proibio de
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pretos como scios, o que nunca antes se fez necessrio, pois os lugares sociais estavam preestabelecidos. Civilidade e negritude
Trabalhamos pois unidos com afinco, sem desvanecimentos pela nosso futurosa sociedade, no s pelo seu desenvolvimento moral e intellectual, como tambm, para continuarmos a honrar o excelso e immortal nome do nosso Patrono poeta lyrico Cruz e Souza, que so documentos que confrontam e nos reabilitam para com os homens de mrito e de conscincia. Trabalhamos pois, para que seja a nossa divisa: Moralidade, trabalho e civilizao.198

A ideia de civismo no Brasil, forjada pela intelectualidade naqueles anos da guerra mundial, assimilou a moralidade e a civilidade como elementos de seu significado. Diante da crise provocada pela guerra e o reconhecimento dos intelectuais e polticos de que a crise atingiu o pas, pela sua dependncia econmica direta em relao s potncias estrangeiras, foi imposta a necessidade de fortalecer o nacionalismo, estimulando-se o progresso interno da nao. Para tanto, era preciso modernizar, desenvolver, civilizar e educar o Brasil, atravs de referenciais prprios e nativos (Skidmore, 1989, p. 180) que rompessem com os cones estrangeiros do pensamento literrio e social. Em sntese, o Brasil deveria se autoinventar culturalmente. Os negros fundadores do Centro Cvico Cruz e Souza perceberam que um comportamento dentro dos padres moralmente aceitos na sociedade possibilitava-lhes negar o estigma da cor associado barbrie. Estabeleceu-se, assim, uma ambiguidade entre a perspectiva de dominao pelas elites, em relao aos descendentes de africanos, atravs de projetos civilizadores e uma perspectiva de resistn108

cia dos prprios descendentes de africanos, que construam sua conscincia de classe e possibilidade de ascenso social na prtica daqueles embates morais. De certa forma, os negros aceitaram uma segregao racial informal, mas, por outro lado, articularam a possibilidade de alcanar uma projeo social. Segundo um dos diretores da sociedade, ns os do C.C. Cruz e Souza, [...] trabalhando pelo levantamento do nvel moral e social dos homens de cr, nada mais fazemos do que grangear a sympathia de todos os que se interessam pelo progresso desta terra.199 Como sociedade recreativa, a preocupao da diretoria do Centro Cvico, na promoo de seus bailes e festas, era com a manuteno da ordem e a demonstrao de civilidade200. O jornal O Lageano, de 17 de maio de 1919, ao relatar sobre os acontecimentos comemorativos do 13 de Maio daquele ano, organizados pelo Cruz e Souza, comentou que tudo ocorreu [...] na melhor da boa ordem [...].201 Os jornais locais constantemente elogiavam e parabenizavam os negros do Cruz e Souza pela demonstrao de civismo, civilidade e ordem com que realizavam suas festas, aspecto importante para o reconhecimento moral positivo da agremiao ante as elites, que sempre vigiaram atentas as manifestaes de divertimento populares, principalmente aquelas onde a maioria era descendente de africanos. No inqurito policial de nmero 466, arquivado no foro da comarca de Lages, aberto em 31 de novembro de 1931202 por crime de defloramento de Natalina da Silva Xavier, 18 anos de idade, de cor morena, foi acusado o namorado da vtima, de nome Gensio, pela denncia de
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Jos Gregrio da Silva Xavier, lavrador, 42 anos, residente na cidade, pai da vtima. No auto de perguntas, Natalina respondeu ser namorada do acusado h dois anos e que a primeira vez que ele tentou ter relaes sexuais com ela, fazendo-lhe promessas de casamento, foram surpreendidos no ptio de sua casa pela sua av, Ins Zuza. Disse ainda Natalina que, no entanto, continuou a namorar Gensio, frequentando pela ltima vez, em sua companhia, o baile do dia 22 de Setembro de 1931, no Centro Cvico Cruz e Souza. No entanto, em outubro, novamente no quintal da casa da vtima, com as mesmas promessas de casamento, o ru conseguiu desvirgin-la. Vrias testemunhas arroladas no inqurito, entre amigos e conhecidos de Natalina, destacaram o costumeiro comportamento regrado e moral da vtima. Praxdes Goulart, 19 anos, profisso domstica, disse que viu Natalina por [...] diversas vezes em bailes familiares, assim como na sociedade Centro Cvico Cruz e Souza e que seu comportamento era de respeito e honestidade. 203 Outro testemunho foi dado por Antonio Manoel dos Santos, natural de Lages, 23 anos, lavrador, membro da diretoria do Cruz e Souza, que atestou [...] l ver Natalina danar e ter seu procedimento digno de uma sociedade.204 Outras testemunhas reforaram, ainda, o libi da boa ndole de Natalina, demonstrando para o aparato jurdico que o comportamento da vtima estava dentro dos padres de moralidade aceitos pela sociedade, pois Natalina frequentava bailes no Cruz e Souza. Os depoentes que entonaram tal condio em seus testemunhos eram prximos vitima e sabiam como o aparato jurdico interpretaria suas palavras. O Centro Cvico Cruz e Souza sedimentara-se, por con110

veno social, como um representante da ordem, da moral civilizada e dos bons costumes. A integridade moral de Natalina foi avaliada pelos depoentes, como tambm absorvida pelo judicirio, atravs da compreenso mtua de uma moralidade positiva da vtima, justificada pelo fato de que ela frequentava o Cruz e Souza. No final do inqurito, em 10 de agosto de 1932, o ru foi declarado culpado. Cruz e Souza: resistncia pela unidade, e dissidncia
E assim foi que seguiu-se o baile na maior ordem e alegria, at alta da madrugada.205

Na entrevista com Sebastio Ataide (1998), que conheceu o primeiro presidente do Centro Cvico Cruz e Souza, Joaquim Pinto de Oliveira, ele conta que este contou que a ideia da fundao do Centro surgiu quando ele, Joaquim, estava fazendo uma calada de pedras na casa do poltico Caetano Vieira da Costa206 e, comentando que ele e outros desejavam fazer um baile com gente escolhida, para no acontecerem as costumeiras confuses, o dito poltico lhe disse: Mas vem c! T na hora! Por que vocs no se organizam, no se renem vocs pretos, no organizam um centro cvico? Centro cvico, onde vocs possam se reunir, fazer os bailes de vocs, trocar as ideias, se aculturarem [...].207 Da que surgiu pela primeira vez a ideia posteriormente discutida pelos alunos pretos da Escola Noturna Amadores da Arte, com o apoio poltico e decisivo do ento deputado estadual Caetano Costa, para a fundao do Cruz e Souza. Da Abolio da Escravatura, passaram-se trinta anos do ano de fundao do Centro Cvico, em 1918. No de111

correr deste perodo, a estratgia civilizadora de dominao das elites fez conquistas, imps seu modelo e sua moral de sociedade, mas no sem a oposio veemente da moral popular. Desorganizados, sem perspectivas econmicas, a vida cotidiana tradicional era o nico sistema de valores em que os populares compreendiam o seu mundo. Mas com o progressivo aburguesamento da cidade, novos elementos de significado social foram inseridos ao cotidiano daqueles populares, sendo resignificados por eles, de acordo com sua viso das coisas. Se o trabalho, a moralidade, a ordem e a civilidade eram elementos do mundo burgus e branco, o lazer, o profano e o festivo o eram do mundo popular e negro. O Centro Cvico Cruz e Souza se consolidou pelo entrosamento do considerado ordeiro com o desordeiro, pela absoro da moral civilizada pela popular e pela resistncia da moral popular civilizada. A diverso ou tradio ldica dos descendentes de africanos foi a motivao primeira para o surgimento do clube , base da sustentao de seu quorum e, consequentemente, de sua existncia. A preocupao cvica e moral estava restrita ao grupo especfico daqueles negros mais prximos da diretoria da agremiao. A maioria deles estava interessada no ambiente festivo e seguro que o Centro Cvico proporcionava em relao a possveis interferncias policiais. De acordo com Sebastio Ataide (1998) sobre o perfil dos negros fundadores do Cruz e Souza, destacamos alguns deles e suas ocupaes. Joaquim Pinto de Oliveira e Alpio Cruz eram pedreiros; Paulino Saldanha do Amaral
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tinha uma casa de secos e molhados no Santa Cruz; Saturnino Antonio do Pilar e Joo Maria da Rosa eram funcionrios do poder pblico; Vicente Cassuly de Menezes era tipgrafo de jornal; Luiz Gomes Dias era sapateiro; e Sebastio de Oliveira Dias era professor. Apesar de humildes em suas posses, ou destitudos de tal, alguns deles se distinguiam da maioria por terem, de alguma forma, conquistado algum tipo de formao escolar ou erudita. O Centro Cvico Cruz e Souza, atravs do tipgrafo e jornalista Vicente Cassuly de Menezes, em 1919, conseguiu rodar nas oficinas do jornal O Planalto, o jornal Cruz e Souza208, que trazia a epgrafe: Orgam do Centro Civico Cruz e Souza. Em seu primeiro nmero, o diretor Vicente de Menezes fez a apresentao do jornal sociedade, dizendo:
Apparece hoje ao povo de Lages, este modesto jornalzinho. Despido de toda e qualquer preteno, o Cruz e Souza no visa outro fim, seno o de bem servir os interesses do Centro Cvico Cruz e Souza e despertar o gosto pela leitura entre os seus associados. [...] Conhecemos perfeitamente que a nossa leitura no fascinar e nem ir prender a atteno do nosso povo, que [porm] reconhecendo os nossos esforos na fundao de um jornal para negros, no deixar por isso, de auxiliar-nos.209

O jornal Cruz e Souza teve durao efmera, foram apenas cinco nmeros, sendo o primeiro com data de 3 de agosto de 1919, e, o ltimo, datado em 5 de outubro de 1919. No entanto, a leitura deles fundamental para compreender os significados da fundao do Centro Cvico para os descendentes de africanos. O jornal mantinha a coluna entre scios que noticiava aniversrios, viagens, falecimentos, festas e a vinda

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para a cidade de scios do interior, entre outras notcias sociais sobre a comunidade do Centro Cvico. Sempre trazia, em uma de suas pginas, um poema do poeta Joo da Cruz e Sousa, e publicava notcias em geral sobre a vida social e policial da cidade, alm de artigos de opinio. Em um dos artigos, elogiando a atuao do delegado de polcia da cidade, dizia o jornal:
[...] O digno official providenciou ainda mais, para que se acabassem certos sambas e fez com que em nossa cidade reinasse completa harmonia. No mais se houve o bate p no Alto da Santa Cruz, no Banhado e nos seus arrabaldes, semanas inteiras, perturbando o socego pblico, os quaes sempre traziam maos resultados. [...].210

O Centro Cvico passou a ser um instrumento civilizador, aculturador, e abrasileirador de um grupo de negros. Se isto era impossvel, pelo estigma da cor, seria possvel pelo civilizar-se. Assim como o reconhecimento nacional conquistado por alguns descendentes de africanos na poltica e na literatura, a exemplo do prprio poeta Cruz e Sousa mesmo que ele s tenha sido reconhecido aps a sua morte , entre outros, aquele grupo fundador almejava afeioar-se moral civilizada para ascender socialmente. O hino do Cruz e Souza, cantado pela primeira vez por seus membros em 1919, esclarecedor:
Do Civismo o pendo arvoramos Denodados, com f, com ardor, Quando ufanos e crentes fundamos Este Centro de paz e amor. Nosso lema reunir os pequenos Os humildes que ganham seu po,

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E dizer-lhes, altivos, serenos! A grandeza da nossa misso. Sejamos unidos Que dez Valem mil! Cantemos as glrias [estribilho] Do nosso Brasil. Ao trabalho compete um logar De elevado destaque na Histria. Aos seus filhos compete luctar. Pra galgal-o com honra e com glria. A extenso, a fortuna, a belleza, Do Brasil desdas serras ao mar Os seus feitos de tanta grandeza mister conhecer, celebrar. Para tanto elevemos nossa alma. Eduquemos os nossos costumes; Da victria teremos a palma, Do saber gozaremos os lumes, A riqueza do pobre a virtude, a conscincia da honra e dever. Conquistemol-a em toda amplitude! Para tanto mister aprender.

A letra foi feita pelo deputado Caetano Vieira da Costa, em homenagem ao Centro Cvico e musicada pelo maestro Loureno Baptista e pelo negro Pedro Cndido. Os princpios morais conclamados pelo hino eram o civismo, a humildade, o trabalho e a educao dos costumes. Mesmo que sua letra no tenha sido feita por negros, foi aceita pela diretoria do clube como seu hino oficial, o que significa um compactuar com aquelas ideias.

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Aliado da moral civilizada, o Centro Cvico passou a proibir a presena, em seus bailes, e a expulsar da sociedade os negros que provocassem badernas e imoralidades nas festas do clube, apesar de nunca terem conseguido coibi-las totalmente. Em vista disto, segundo Sebastio Ataide (1998), [...] uma ala de negros criou o Bom Jesus, t l, onde t essa Gruta Bom Jesus [no antigo bairro do Banhado]. L criaram um clube, l fora, pra eles.211 Alm daqueles negros fundadores do Bom Jesus, outros continuaram promovendo festas e bailes fora do Centro Cvico, e quando isto acontecia, o Cruz e Souza fazia questo de anunciar nos jornais que no tinha nada a ver com tais eventos212. O Bom Jesus foi um clube de bailes, e, assim como outros particulares que continuavam acontecendo, promovia festas sem a preocupao ordeira, civilizada e cvica do Centro Cvico, o que significa que os bailes populares continuaram ocorrendo. Mas isto seria outra histria.

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Consideraes Finais

s temas condutores desta pesquisa foram: primeiro, a visibilidade histrica da populao negra em Lages, a partir da constatao de que ela esteve envolta pela categoria popular; segundo, o processo civilizador que administrou a omisso da presena verificvel dos descendentes de africanos e sua cultura na regio; e, terceiro, a resistncia individual e coletiva da populao negra, a partir dos indcios que possibilitam afirmar como se constituiu certo sentimento de identificao tnica. A origem do discurso sobre a insignificncia numrica da populao negra na regio est ancorada na histria que se fazia sobre o perodo escravista. Para respondermos qualquer questo sobre a visibilidade dos descendentes de africanos, s podiamos comear por uma releitura da escravido. Atravs dela, demonstramos a premissa da existncia de um passado histrico escravista, no qual constata-se que os negros foram numericamente significativos. Revimos as fontes quantitativas, e esclarecemos que elas foram invisibilizadas pela historiografia local, principalmente pela omisso sobre a populao negra no-escrava na regio.
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Apesar da impossibilidade de quantificarmos os nmeros da populao negra ps-escravido, foi atravs dos processos judiciais que surgiu a possibilidade de visualizarmos o negro de maneira qualitativa na regio, justamente num perodo em que ele parece desaparecer da documentao histrica: o perodo das primeiras dcadas da Repblica, em que predominava nos jornais impressos e na bibliografia ensastica o discurso burgus de desenvolvimento, de progresso e de civilizao. Ao fazermos uma anlise detida do cotidiano social popular daquela poca, foi possvel desmontarmos os argumentos ideolgicos de uma regio socialmente homognea e pacfica, em que no existiam a diversidade e os conflitos sociais com apelos a esteretipos raciais. Pela documentao jurdica, percebemos que aqueles embates sociais eram perpassados por significados de diferenas e, entre elas, as diferenas constitudas pela referncia cor. A elite da regio, os setores mdios e a Igreja Catlica promoveram, contra as camadas populares, uma batalha moralizadora dos costumes e prticas tradicionais de trabalho, lazer e religiosidade, vislumbrando uma composio social cada vez mais ordeira, civilizada e predisposta ao controle poltico e ao poder econmico. Porm, os indivduos de culturas populares diversificadas e criativas parecem ter resistido a tais projetos, primando pela manuteno de certas prticas sociais, valores morais e costumes que estavam arraigados em suas vidas cotidianas. No conjunto daquela populao, estavam presentes os descendentes de africanos, em parte morando nos arrabaldes e bairros pobres de Lages e regio, frequentando
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fandangos e sambas, praticando sua mstica religiosidade, roubando ou trabalhando como servidores espordicos e criados do servio particular ou pblico. Apesar do discurso de igualdade social difundido pelas elites, a populao negra de Lages parece aos poucos ter percebido que o idealismo abolicionista e republicano, que os inserira na condio de cidados, no os incorporara incondicionalmente e definitivamente em igualdade de oportunidades sociais ao ideal de civilidade e brancura do projeto nacional. Talvez, certa conscincia tnica dos descendentes de africanos tenha se constituindo desde o perodo escravocrata. No entanto, quando as elites passaram a elaborar suas ideias abolicionistas, positivistas, republicanas e burguesas de liberdade, igualdade e cidadania, a partir das ltimas dcadas do sculo XIX, comearam tambm a se concretizar e consolidar nas prticas do dia-a-dia as diferenas sociais entre os brasileiros negros e os brasileiros brancos, e a cor parece que passou a ser um elemento fundamental de distino social, um esteretipo de qualificao social de indivduos e grupos. Vimos que no dia-a-dia dos descendentes de africanos surgiam manifestaes de reconhecimento de tais diferenas. A partir da aglomerao de famlias negras na periferia e da criao de sociedades recreativas, percebemos alguns exemplos de sentimentos de solidariedade tnica entre os descendentes de africanos. O ser negro, portanto diferente, no complexo que formava a pluralidade social na regio e no Pas, contestava, e contesta no presente, o discurso de unidade e democracial racial.
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No embate cotidiano entre as elites e as classes populares, bem como na experincia social vivida, que foram constituindo-se as estratgias de dominao e resistncia na regio. Para os negros de Lages, a fundao do Centro Cvico Cruz e Souza representou um carter ambguo em tal embate. Por um lado, parece que houve a aceitao da determinao de uma moralidade branca, civilizada e excludente, e, por outro lado, parece que havia ali a possibilidade daqueles negros se equipararem socialmente aos ideais de civilidade. Mas antes disto, muitos negros se recusaram a assimilar a moral de civismo e civilidade e no aceitaram fazer parte do club ou no foram aceitos por ele. As estratgias de resistncia no se manifestam apenas nos momentos de conflitos sangrentos entre grupos sociais que se opem. Elas so elaboradas nas manifestaes do cotidiano das relaes. Nem a dominao, nem a resistncia em relao a ela so vias de sentido nico. Ambas so construdas nas prticas das relaes sociais entre os homens ou entre os grupos. No caso da fundao do Centro Cvico Cruz e Souza, se, por um lado, as estratgias de dominao da elite, no que diz respeito a moral civilizadora e excludente, podem ser interpretadas como assimiladas pelos negros que fundaram o club, por outro lado, podem tambm ser vistas como estratgias de alguns descendentes de africanos para ascenderem socialmente no plano daquela moral civilizadora. Finalmente, apontamos para a necessidade de outros trabalhos sobre o tema, principalmente no que se refere ao estado de Santa Catarina, onde o descaso com tais his120

trias parece ter sido muito mais recorrente do que em outras partes do pas. No que diz respeito ao negro na regio de Lages, fica aberta a questo para que se construam outras problemticas, tanto sobre o perodo escravista, quanto, principalmente, em relao aos anos que se suscederam a fundao do Centro Cvico Cruz e Souza e a constituio do bairro da Brusque. Tais espaos, assim como outros que ainda precisam ser estudados, tornaramse alguns dos principais e mais duradouros lugares de sociabilizao dos descendentes de africanos na regio durante quase todo o transcorrer do sculo XX.

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Anexos

Anexo 01 Mapa da diviso administrativa do Estado de Santa Catarina no ano 1908 (Licurgo Costa, 1982).

Anexo 02 Fotografia da folha de rosto de um Processo Crime, do ano de 1905, na Comarca de Lages/SC. (Acervo do Frum de Lages).

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Anexo 03 Fotografia da obra leo sobre tela Cacimba da Santa Cruz, de Marino Malinverni, primeiros anos do sculo XX. (Acervo da famlia Malinverni).

Anexo 04 Mapa da cidade de Lages em 1940, em que aparecem os bairros Banhado, Lagoo e Brusque circundando a rea central. (Licurgo Costa, 1982)

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Anexo 05 Fotografia da primeira pgina do jornal Cruz e Souza, no ano de 1919. (Acervo Museu Thiago de Castro)

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Notas

Artigo publicado na obra organizada pela professora Ilka Boaventura Leite (1996): Negros no Sul do Brasil: invisibilidade e territorialidade. 2 Sobre a invisibilidade negra no Sul do Brasil, ver a obra organizada pela professora Ilka Boaventura Leite (1996): Negros no Sul do Brasil: invisibilidade e territorialidade; em especial o artigo Descendentes de Africanos em Santa Catarina: invisibilidade histrica e segregao, da organizadora. 3 Sobre a teoria da insignificncia, ver a dissertao de mestrado de Patrcia Freitas (1997): Margem da palavra, silncio do nmero. 4 Ver a obra de Heitor Blum (1939): A Campanha Abolicionista na antiga Desterro. 5 Ver a obra de Renato Barbosa (1940): Gerao Abolicionista. 6 Sobre a produo de Cabral e Piazza, em relao s populaes de origem africana em Santa Catarina, ver a dissertao de mestrado de Patrcia Freitas (1997). 7 Ver a obra conjunta de Fernando Henrique Cardoso e Octvio Ianni (1960): Cor e mobilidade social em Florianpolis. 8 Cabe ressaltar que existiram diferenas tericas e metodolgicas entre os autores citados e que, em seus trabalhos, cada qual sua maneira, percorreu objetivos e problemas diferentes. 9 Ver ainda a obra de Lilia Moritz Schwarcz (1995): O espetculo das raas: cientistas, instituies e questo racial no Brasil, 1870-1930. 10 Sobre as instituies, cientistas e teorias que prevaleceram no Brasil de 1870 a 1930, ver Lilia Moritz Schwarcz (1995), obra j citada. 11 A miscigenao j era uma prtica comum no Brasil desde a perodo colonial. 12 Sobre as teorias de branqueamento da sociedade brasileira em fins do sculo XIX e incio deste, ver a obra de Thomas Skidmore (1989): Preto no Branco: raa e nacionalidade no pensamento brasileiro. 13 Sobre as concepes racistas ortodoxas ( frente deles Nina Rodrigues) e os partidrios do branqueamento ( frente deles Silvio Romero) a partir de fins do sculo XIX, ver a obra de Thomas Skidmore (1989), j citada. 14 Sobre o envolvimento do fator racial nas relaes hierrquicas no Brasil, ver o texto de Roberto da Matta (1997): A fbula das Trs Raas, ou o problema do racismo brasileira, em seu livro Relativizando: uma introduo antropologia social. 15 Sobre tais concluses, ver Ilka Boaventura Leite (1996), obra j citada. 16 Conforme entendimento sobre invsibilidade, de Ilka Boaventura Leite (1996, p. 41), obra j citada.
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Ver as obras de Norbert Elias, O processo civilizador: uma histria dos costumes (1994); e O processo civilizador: formao do estado civilizao (1993). 18 Como exemplos, em Lages, a fundao do Mercado Pblico, a criao da Polcia Municipal, o surgimento do primeiro jornal em 1883, O Lageano e em seguida vrios outros , a construo da nova sede do Poder Pblico Municipal e da nova Igreja Matriz, a fundao do Club Primeiro de Julho (1896), reformulao do Cdigo de Posturas (1895), entre outros acontecimentos. 19 Ver a obra de Marilena Chau (1994): Convite filosofia. 20 Ver Lilia Moritz Schwarcz (1995), obra j citada; e, tambm, a obra de Renato Ortiz (1985, p. 22): Cultura brasileira identidade nacional. 21 Entenda-se aqui cotidiano como vida cotidiana que, segundo a autora Agnes Heller (1992): O cotidiano e a histria, significa dizer que: ... a vida do homem inteiro; ou seja, o homem participa na vida cotidiana com todos os aspectos de sua individualidade e personalidade. (p.17). E, [...] so partes orgnicas da vida cotidiana: a organizao do trabalho e da vida privada, os lazeres e o descanso, a atividade social sistematizada, o intercmbio e a purificao (p.18). 22 Expresso usada pelo historiador lio Cantalcio Serpa (1996), em artigo sobre a Reformulao das condutas e sociabilidades durante a Primeira Repblica, na cidade de Lages. 23 Matheus Junqueiro foi um escritor lageano do incio do sculo, autor da comdia intitulada Trapaa Matrimonial, em que o personagem Gregrio Branco, cor preta, canta uma msica, da qual uma das estrofes a trasncrita em epgrafe. 24 Licurgo Costa (1982), em sua obra O Continente das Lagens: sua histria e influncia no Serto da Terra Firme, explica que muitos anos antes da fundao da vila, havia algumas fazendas e moradores esparsos na regio, tambm denominada Campos das Lagens. S a partir de 1766, depois de algumas tentativas frustradas de fundao de um ncleo populacional, ou pvoa, na regio, por determinao do governador da Capitania de So Paulo a qual pertencia toda a regio do que hoje o Planalto Catarinense foi definitivamente estabelecida onde hoje a parte central da cidade de Lages, e elevada categoria de vila em 1771. 25 As categorias referentes cor, contidas na Lista Geral dos Habitantes da Villa de Lages e seu Disctricto, em 1801, esto respectivamente citadas no dito documento, sob os cdigos: B de branco, P de pardo e N de negro. 26 Assim denominados os ndios que eram escravizados at as primeiras dcadas do sculo XIX. A partir da, vrias leis imperiais regulamentaram a proibio da escravizao de indgenas, coibindo tal prtica, que aos poucos se extinguiu totalmente. 27 Os municpios de Lages, Campos Novos, Curitibanos e So Joaquim podem ser localizados no Mapa da diviso administrativa de Santa Catarina no ano de 1908, ver anexo 01. 28 No RECENSEAMENTO GERAL DO BRASIL, de 1872, o termo usado foi a categoria raa. 29 As denominaes preto, pardo, mulato e negro foram usadas, neste livro, como sinnimos de descendentes de africanos. No estudo de Lcia Elena de Oliveira, et al (1985), sobre O lugar do negro na fora de trabalho, os autores afirmaram que tanto pelos levantamentos demogrficos feitos no passado, como pelos trabalhos realizados por pesquisadores das cincias ditas sociais e humanas, a fronteira entre as categorias de cor e raa, no Brasil, sempre deixaram margem a dvidas. Por isso, para aqueles autores, o termo negro
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um termo consagrado pelo pensamento social brasileiro para designar pretos e pardos [...] (p. 11), ou seja, queles que manifestam fenotipamente caractersticas de ascendncia tnica africana. 30 Em Licurgo Costa (1982), obra j citada, o autor relaciona alguns nmeros demogrficos sobre populao escrava de Lages, retirados de fontes diversas. Os nmeros so os seguintes: ano de 1766: 50 escravos; ano de 1776: 110 escravos; ano de 1777: 191 escravos; ano de 1801: 136 escravos; ano de 1829: 338 escravos; ano de 1840: 1000 escravos; ano de 1856: 1195 escravos; ano de 1872: 2012 escravos; ano de 1883: 1522 escravos; ano de 1884: 1233 escravos; ano de 1886: 1076 escravos; ano de 1887: 1064 escravos. importante observar que o autor omite a fonte de origem de vrios destes nmeros. 31 Sobre alguns nmeros da populao livre de origem africana, durante o perodo escravista, ver a obra de Maria Hebe Mattos (1998): Das cores do silncio: os significados da liberdade no Sudeste escravista do Brasil. 32 RECENSEAMENTO GERAL DO BRASIL. 1872. 33 Essa informao foi tirada da leitura de diversos processos crimes e aes de liberdade do perodo escravista, em Lages. 34 SANTA CATARINA. Governador (Rocha). Relatrio do Presidente da Provncia Dr. Francisco Jos da Rocha Assemblia Legislativa Provincial do Estado em outubro de 1887". Florianpolis, 1887. 35 Processos crimes at 1888, jornal Guia Serrano e Lista Geral dos habitantes. 36 Sobre a escravido nas reas de criao de gado do Sul do Brasil, o historiador Jacob Gorender (1988), diz que [...] durante o sculo XIX, a pecuria gacha evoluiu no sentido do emprego mais frequente de pees sob formas rudimentares de salariado. [...] podemos concluir que, de Norte a Sul, coexistiram na pecuria o trabalho escravo e o trabalho livre. (p. 437/438) 37 Ver, por exemplo, a Lista Geral dos Habitantes da Villa de Lages e seu Disctricto, assinado por Joo Damasceno de Crdova, Sargento Mr Comandante, em 1801. Arquivo do Convento Diocesano da cidade de Lages. 38 Dos anos de 1799, 1800 e 1801, a chamada Lista Geral dos Habitantes da Villa de Lages e seu Disctricto ou Mapa Geral dos Habitantes da Villa de Lages e seu Districto traz informaes detalhadas sobre os fogos existentes, como nomes de todos os indivduos da famlia, empregos, cor, idade, condio social, estado civil, ocupaes e observaes que se referem propriedade e produo dos fogos. 39 Ver, como exemplos: Sidney Chalhoub (1990): Vises da liberdade: uma histria das ltimas dcadas da escravido na corte; e Maria Helena Machado (1994): O plano e o pnico: os movimentos sociais da dcada da abolio. 40 LAGES, Foro da Comarca. Processo Crime. 23 maio 1879. Mao 48. 41 LAGES, Foro da Comarca. Processo Crime. 1875. Maro 30. 42 O professor de cincias polticas, Michael Hanchard (1995), publicou na revista Estudos Afro-Asiticos interessante artigo com o ttulo Fazendo a exceo: narrativas de igualdade racial no Brasil, no Mxico e em Cuba, onde demonstra como se construram, naquelas naes, tendncias tericas de excpecionalismo racial. Para o autor, os estudiosos do problema racial usaram o mtodo comparativo, em relao a outras naes ou regies, para negar a existncia de conflitos na prpria nao ou regio de onde falam. 43 LAGES. Foro da Comarca. Processo Crime. 15 Jun. 1867. Mao 31. 44 LAGES. Foro da Comarca. Processo Crime. 26 Abr. 1879. Mao 45. 45 LAGES. Foro da Comarca. Processo Crime. 09 Abr. 1884. Mao 40.

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Segundo Sidney Chalhoub (1990, p. 41), obra j citada, sobre as vises da liberdade, o escravo agia de acordo com a sua prpria compreenso em relao situao em que se encontrava e no simplesmente reproduzindo a tica opressora. Sobre os procedimentos usuais para a entrada com uma ao de kiberdade no perodo escravista, interessante o trabalho de Keila Grinberg (1994) Liberata, a lei da ambiguidade: as aes de liberdade da Corte de Apelao do Rio de Janeiro, sculo XIX. Ver ainda, Sidney Chalhoub (1990), obra j citada. LAGES. Foro da Comarca. Ao Cvel de Liberdade. 26 Dez. 1883. Caixa 14. LAGES. Foro da Comarca. Ao Cvel de Liberdade. 06 Dez. 1884. Caixa 14. LAGES. Foro da Comarca. Ao Cvel de Liberdade. 07 jun. 1886. Caixa 13. LAGES. Foro da Comarca. Ao Cvel de Liberdade. 09 mar. 1885. Caixa 13. Sobre a vida dos homens livres na ordem social escravocrata brasileira, ver a obra de Maria Sylvia de Carvalho Franco (1997): Homens livres na ordem escravocrata. LAGES. Foro da Comarca. Processo Crime. 22 out. 1883. Mao 64. Para Hernan Otero (1996), em seu estudo sobre a Argentina, denominado Crisol de razas e integracin de inmigrantes en la Argentina, 1869-1914, as categorias oficiais usadas pelo Estado para a identificao dos indivduos em censos e relatrios demogrficos, assim como outros em documentos oficiais, atuam como [...] matrices mentales y discursivas que desempearon un rol importante en la creacin y la divusin de uma imagem de la sociedade y la Nacin [...] (p.02) desejada pelo Estado. Em sntese, o desaparecimento das definies que identificam a negritude ou a indianidade em tais documentos, por estarem diretamente ligados a um determinado projeto de nao branca. No caso do pedreiro Gregrio, citado anteriormente, s foi possvel identificar sua cor pelo depoimento de algumas testemunhas arroladas no processo. Sobre as teorias cientficas que fundamentaram o determinismo racial, ver a obra de Tzvetan Todorov (1993): Ns e os outros: a reflexo francesa sobre a diversidade humana. Problema Negro tambm o ttulo do artigo. Para Lilia Moritz Schwarcz (1995), em sua obra O espetculo das raas: cientistas, instituies e questo racial no Brasil, 1870-1930, os Homens de Sciencia eram aqueles vistos como representantes do saber autorizado e legtimos observadores dos problemas raciais do pas. O Imparcial. Lages, n. 18, p. 01, 27 set. 1903. O Imparcial. Lages, n. 19, p.01, 03 out. 1903. LAGES. Superintendente (Vidal Ramos). Relatrio do Superintendente Municipal de Lages Major Vidal de Oliveira Ramos Jnior ao Conselho Municipal em 01 de janeiro de 1899. So Leopoldo, Typ. Rothermund, 1899. p.11/12. SANTA CATARINA. Governador (Vidal Ramos). Sinopse da Administrao do Estado de Santa Catarina, quadrinio de 1910 a 1914, apresentado pelo Governador Coronel Vidal Jos de Oliveira Ramos ao senhor Major Joo Guimares Pinho, Presidente do Congresso Representativo do Estado, ao passar-lhe o governo, em junho de 1914". p. 06. LAGES. Foro da Comarca. Processo Crime. 04 Jun.1912. Mao 51 A localidade Santo Antonio dos ndios, nos arredores da cidade, at hoje conhecida como ndios. A promotoria pede a condenao dos rus em abril de 1913, porm, o processo est incompleto, dando margens dvida de que foi abandonado revelia da

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justia o que bem provvel ou tenha se perdido no tempo. LAGES. Foro da Comarca. Processo Crime. 04. Jun. 1912. Mao 51. J citado. Ver Bronislaw Baczo (1985): A imaginao social; e, Tania Navarro Swain (1994): Voc disse imaginrio? . Segundo Tania: [...] o imaginrio, atravs das mais diferentes linguagens, atua como um vigoroso caudal que atravessa obliquamente as formaes sociais, penetrando todos seus meandros, em todos os nveis, todas as classes sociais interclasse modelando conjuntos/pacotes de relaes sociais hegemnicas, cuja durao compreende maior ou menor lapso de tempo (p.49). O primeiro jornal que surgiu na cidade foi O Lageano, em 1883. Em seguida, surgiram outros tantos, como o Echo da Serra, o Escudo, o 15 de Novembro, o Rebate, o Municpio, o Regio Serrana, O Imparcial, O Cruzeiro do Sul, o Aurora, o O Clarim e o O Planalto. Isso at os anos vinte deste sculo. Devido distncia e aos acidentes geogrficos no caminho entre Lages e alguns centros maiores, como Curitiba, Porto Alegre e Florianpolis, Lages teve dificuldades na comunicao freqente com tais centros, at os primeiros anos do sculo XX. Sobre processo civilizador, ver Norbert ELIAS (1993). Esta elite pode ser identificada como sendo formada pelos fazendeiros, comerciantes, altos funcionrios pblicos e profissionais liberais ( SERPA, 1996. p. 17). CRUZEIRO DO SUL. Lages, n. 7, 25 jun. 1902. Sobre o combate ao comportamento popular e a projeo de uma moralidade civilizada pela imprensa, na virada do sculo XIX para o XX, ver o artigo de Anderson VARGAS (1994): Moralidade, autoritarismo e controle social em Porto Alegre na virada do sculo 19". Algumas notcias e artigos que se repetiam com freqncia nos jornais da poca, estavam relacionadas higiene pblica, sade, melhoramento de vias urbanas, construo e limpeza de cacimbas para o fornecimento de gua, reformas no Mercado Pblico, novo prdio para a prefeitura, iluminao pblica, entre outros temas. Para consulta, ver relao de jornais pesquisados em Fontes documentais, no final desta dissertao. CRUZEIRO DO SUL. Lages, n. 31, p. 01, 14 dez. 1904. LAGES. Foro da Comarca. Inqurito Policial. 18 Set. 1889. Mao 78 LAGES. Foro da Comarca. Inqurito Policial. 18 Set. 1889. Mao 78 Os acervos e documentos consultados para tal caso foram os inquritos policiais e processos crimes do perodo entre 1888 e 1920, encontrados no Frum da Comarca de Lages e no Arquivo do Tribunal de Justia de Santa Catarina, durante pesquisa realizada em 1999. SANTA CATARINA. Tribunal de Justia. Apelao Crime n. 900. 14 Dez. 1915. Caixa 19. Anexo ao processo em questo, encontramos a Certido de Batismo do ru, nascido em 16 de outubro de 1881 na Freguesia dos Baguaes, filho da preta Gervsia, solteira. LAGES. Foro da Comarca. Processo Crime. 19 Dez. 1899. Mao 60. LAGES. Foro da Comarca. Processo Crime. 19 Dez. 1899. Mao 60. A Evoluo. Lages, n. 21, p. 04, 05 abr. 1906. SANTA CATARINA. Tribunal de Justia. Apelao Crime n. 920. 24 Mar. 1916. Caixa 19. LAGES. Foro da Comarca. Processo Crime n. 14. 01 Set. 1888. Mao 75

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LAGES. Foro da Comarca. Inqurito Policial. 18 Set. 1889. Mao 78. LAGES. Foro da Comarca. Processo Crime n. 14. 01 Set. 1888. Mao 75. 86 Ver a imagem da capa de um destes processos crimes, no anexo 04. 87 No linguajar da regio, orelhano significa animal sem identificao, sem marca de propriedade, ou selvagens. 88 SANTA CATARINA. Governador (Herclio Luz). Mensagem do Governador do Estado de Santa Catarina Engenheiro Civil Herclio Pedro da Luz dirigida ao Congresso Representativo de Santa Catarina em agosto de 1896". 89 Sobre banditismo, ver a obra de E. J. Hobsbawm (1976): Bandidos. 90 ARQUIVO PBLICO DO ESTADO DE SANTA CATARINA, Florianpolis. Ofcio do Delegado de Polcia para o Presidente da Provncia - Mapas demonstrativos do movimento de entrada e sada de presos da cadeia de Lages, dos anos de 1888 e 1889". 91 O Planalto. Lages, n. 58, p. 01. 18 jul. 1918. 92 LAGES. Foro da Comarca. Processo Crime n. 7. 16 Set. 1902. Mao 65. 93 So Jos do Cerrito hoje um municpio localizado na direo oeste da cidade de Lages, distante 30 km do centro. 94 LAGES. Foro da Comarca. Processo Crime n. 7. 16 Set. 1902. Mao 65. 95 Conforme jornal A EVOLUO. Lages, n. 17, p. 03, 21 mar. 1907. 96 LAGES. Foro da Comarca. Processo Crime, n. 59. 17 Abr. 1907. Mao 30. 97 A EVOLUO. Lages, n. 17, p.03, 21 mar. 1907. 98 LAGES. Foro da Comarca. Processo Crime, n. 161. 17 Maio 1918. Mao 10. 99 Sobre as categorias de cor em registros civis de nascimento, bito, casamento e registros religiosos; como tambm a sua ausncia, consultar a obra de Hebe Maria Mattos (1998): Das cores do silncio: os significados da liberdade no Sudeste escravista - Brasil, sculo XIX, especialmente o captulo 18. 100 Roberto da Matta (1997) define o sistema de hierarquia social brasileiro, dizendo: Ningum igual entre si ou perante a lei; nem senhores (diferenciados pelo sangue, nome dinheiro, ttulos, propriedades, educao, relaes pessoais passveis de manipulao etc.), nem os escravos, criados ou subalternos, igualmente diferenciados entre si por meio de vrios critrios. Esse , parece-me, um ponto-chave em sistemas hierarquizantes, pois, quando se estabelecem distines para baixo, admiti-se, pela mesma lgica, uma diferenciao para cima. Todo o universo social, ento, acaba pagando o preo da sua extremada desigualdade, colocando tudo em gradaes. Neste sistema, no h necessidade de segregar o mestio, o mulato, o ndio e o negro, porque as hierarquias asseguram a superioridade do branco como grupo dominante. A intimidade, a considerao, o favor e a confiana, podem se desenvolver como traos e valores associados hierarquia indiscutvel que emoldura a sociedade [...]. (p.75). 101 Segundo lio Cantalcio SERPA (1997): Do processo de romanizao da Igreja, que no Brasil se desencadeou na segunda metade do sculo XIX, e tomou corpo durante a Primeira Repblica com a expanso de seus ideais por todas as unidades da federao, a literatura utilizou os termos catolicismo romanizado e catolicismo ultramontano. [...] A referncia ao catolicismo, com adjetivo ultramontano, est ligada tendncia da Igreja em afirmar os princpios hierrquicos da sua poltica organizacional fortemente burocratizada, centralizada, autoritria e que relegava aos leigos papel secundrio em assuntos de cunho religioso. (p. 25). 102 Bispo da diocese Paran - Santa Catarina de 1894 a 1904. 103 Trechos dos Dirios de Dom Jos de Camargo Barros, em sua visita de outubro
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de 1898 o estado de Santa Catarina. Apud. Walter Fernando Piazza (1984). Segundo lio Cantalcio Serpa (1997), sobre as razes do movimento milenarista caboclo do Contestado: A problemtica social esboada na forma de analfabetismo generalizado, propriedade de terra nas mos de poucos, expropriao da posse da terra por empresas estrangeiras, introduo de novas relaes sociais com a penetrao do capitalismo no campo e o aumento significativo da populao com a construo da estrada de ferro So Paulo-Rio Grande, fizeram com que homens e mulheres respondessem a esse conjunto de situaes, projetando um sonho que de acordo com suas condies concretas e culturais lhes parecia vivel. A utopia calcava-se na possibilidade de instaurar um reinado de paz, prosperidade e justia na terra [...]. (p. 72). Sobre o Contestado, ver tambm a obra de Maurcio Vinhas de Queiroz (1981) Messianismo e conflito social no Brasil: a guerra sertaneja do Contestado: 1912-1916. 105 Expresso usada por lio Serpa (1997, p. 55). Obra j citada. 106 Sobre Irmandade do Rosrio, ver a trabalho de Julita Scarano (1978): Devoo e escravido: a Irmandade de Nossa Senhora do Rosrio dos Pretos no Distrito Diamantino, no sculo XVIII. 107 Sobre histrico da fundao da capela Nossa Senhora do Rosrio em Lages, ver trabalho de Sebasito Atade (1988, p. 64): O negro no planalto lageano. 108 Referindo-se a uma dessas festas, a do ano de 1880, narrou Otaclio Costa (1943): Dez de outubro! Dia de N. S. do Rosrio. Que movimento/ Os rojes cortam o espao. de notar o aprumo dos pretos e a tafularia das pretas. Vai Sair a procisso! L vem o Agostinho, escravo do fazendeiro Antnio Ribeiro dos Santos. o festeiro do ano. Seu amo, a seu lado, o prestigia e deseja o brilho da festa para cabal desempenho do tio Agostinho. Depois vem o tio Horcio, preto alto, de cartola e calas brancas e sapatos lustrosos. Depois vem o Antnio Ismrio bem trajado e mais o Pedro Cachoeira, com seu cavanhaque, o tio Cinza, marido da Iria, o Joo Mocmbique, o Martinho e o Rogrio do Juca Antunes, o tio Cypriano, liberto do Padre Camillo, exmio tocador de sino. Depois, solene, respeitado, benquisto vem o Padre Antnio e ao seu lado o Manzinho, escravo de Claudiano Rosa... Atrs do andor vai a msica do Justino o maestro Justino Espndola de Lima... E que respeito, que profunda venerao de todos, brancos e pretos! ... E vo pela rua Paranagu e dobram a esquina da velha Matriz e regressam na mesma ordem. Novamente a Imagem de N.S. do Rosrio volta para o seu altar, enquanto na rua a msica ataca uma marcha religiosa e a Imagem vai solenemente subindo a escada da celebrada Igreja do Rosrio. 109 Em 1943, foi inaugurada a igreja do Rosrio, no bairro Coral, onde residiam muitos descendentes de italianos, alemes e portugueses. O novo local da igreja do Rosrio ficou bem distante da rea onde antes funcionava a capela. A imagem e as alfaias da antiga capela Rosrio foram transpostas para nova igreja, por ocasio de sua inaugurao. 110 Ver no anexo 3, a imagem da antiga capela da Santa Cruz. 111 O Imparcial. Lages, 01 nov. 1902. 112 Sobre a Festa de Santa Cruz no ano de 1911, dizia o jornal O Clarim. Lages, n. 21, p. 01, 22 abr. 1911: portanto lamentvel que a festa que se vai realizar como tantas outras j realizadas seja, independente da boa f que por ventura haja de seus promotores, completamente contrria aos preceitos da S. Igreja e assim contrria as ensinaes de Jesus Christo [...]. Prossegue o articulista, acusando a irmandade de no entregar a chave da capela e no
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prestar contas s autoridades diocesanas. LAGES. Foro da Comarca. Processo Crime. 24 Abr. 1908. Mao 38. 114 O Clarim. Lages, n. 30, p.03, 30 Abr. 1908.. 115 LAGES. Foro da Comarca. Processo Crime. 24 Abr. 1908. Mao 38. 116 O Clarim. Lages, n.17, p. 02, 29 jan. 1908. 117 O jornal Gazeta de Lages. n. 132, p. 04, 03 nov. 1895, transcreveu parcialmente o Cdigo de Posturas do Municpio de Lages, aprovado em 1895. 118 Segundo o antroplogo Arthur Ramos (1956): Batuque e samba tornaram-se dois termos generalizados para designarem a dana profana dos negros, no Brasil. (p. 129). 119 Em alguns processos crimes pesquisados, os termos fandango ou samba foram usados indiscriminadamente como sinnimos de baile popular. No processo crime em que foi acusado Jos Borges de Amaral e Castro: LAGES. Foro da Comarca. Processo Crime. 08 Set. 1899. Mao 60; o promotor pblico, ao abrir a denncia, disse que: [...] acontecia um samba ou fandango, em casa de Domingos Leite Jnior [...] , usando ambas as denominaes como sinnimos. 120 Regio Serrana. Lages, n. 20, p. 02, 15 maio 1910. 121 Segundo jornal A Notcia. Lages, n. 3, p. 01, 24 jan. 1914: a prefeitura do municpio de Lages publicou o Relatrio da gesto dos negcios do municpio de Lages, no anno de 1913, apresentado ao Conselho Municipal, em 03 de janeiro de 1914, pelo sr. Otaclio Vieira da Costa, 10. substituto em exerccio do Superintendente Municipal, em que enfatizava que, [...] a administrao no tem medido esforos em prol do desenvolvimento moral, intelectual e material desta parte do Estado, innegavelmente mais adiantada hinterland Chatarinense. 122 Dizia jornal A Notcia . Lages, n. 36, p. 02, 07 set. 1912; que [...] a atual administrao que manifestamente procura dar a esta cidade um cunho differente alliando a higiene e o embelezamento. 123 Jornal O Planalto. Lages, n. 79, p. 03, 26 dez. 1918. 124 No original: Con el concepto de legitimacin quiero decir que los hombres y las mujeres que constituan la multitud crean estar defendiendo derechos o costumbres tradicionales [...]. (Thompson, 1995, p. 216). 125 LAGES. Foro da Comarca. Processo Crime. 23 mar. 1900. Mao 82. 126 A antiga localidade denominada Painel, hoje municpio, est distante poucos quilmetros da cidade de Lages. 127 LAGES. Foro da Comarca. Processo Crime. 23 mar. 1900. Mao 82. 128 Sobre a violncia como norma comum de conduta, ver Maria Sylvia de Carvalho Franco (1997, p. 51): Homens livres na ordem escravocrata. 129 Maria Sylvia de Carvalho Franco (1997), em obra j citada, trabalhou a questo da solidariedade entre os trabalhadores rurais do sculo XIX (p. 30-42). 130 A antiga localidade de Capo Alto hoje um municpio localizado na direo sul de Lages, a aproximadamente 50 km. 131 LAGES. Foro da Comarca. Processo Crime n. 125. 11 maio 1914. Mao 32. 132 LAGES. Foro da Comarca. Processo Crime n. 125. 11 maio 1914. Mao 32. 133 Os criadores da poca eram fazendeiros com centenas de cabeas de gado, ou meio fazendeiros , com um nmero menor de cabeas de gado. Quanto aos meio fazendeiros, podemos dizer que eram os pequenos criadores e grandes negociantes de gado de corte. Sobre tais definies, ver Maurcio Vinhas de Queiroz (1981, p. 45). 134 O Clarim. Lages, n. 34, p. 03, 27 maio 1908.
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Artigo com o ttulo 13 de maio publicado no jornal O Clarim. Lages, n. 33, p. 03, 20 maio1908. Observamos ainda que os nmeros do jornal O Clarim vm com a seguinte subscrio, em primeira pgina: Orgam Popular e Independente. 136 O Clarim. Lages, n.33, p.03, 20 maio 1908. 137 LAGES. Foro da Comarca. Processo Crime, n.35. 22 Mar. 1905. Mao 29. 138 A localidade de Campo Belo, hoje municpio Campo Belo do Sul, est distante pouco mais de 50 km da cidade de Lages em direo ao Rio Grande do Sul. 139 LAGES. Foro da Comarca. Processo Crime, n. 35. 22 Mar. 1905. Mao 29. 140 Ver obra de Roberto Cardoso de Oliveira (1976): Identidade, etnia e estrutura social. 141 Sobre definies de espao pblico e privado, ver obra de Roberto Da Matta (1997, p. 87-107): Carnavais, malandros e heris: para uma sociologia do dilema brasileiro. 142 Em relao ao cotidiano conflituoso dos populares e sua relao com o aparelho judicirio e a polcia, ver Sidney Chalhoub (1986, p. 163-204). 143 LAGES. Foro da Comarca. Processo Crime, n. 120, 16 set. 1913. Mao 26. 144 Algumas leituras contemporneas interessantes sobre o mito da democracia racial brasileira so os trabalhos de Michael Hanchard (1995) e Fernando Rosa Ribeiro (1995): A nao em fluxo. 145 Na rea rural de Lages existiam raias no Painel, Coxlia Rica, Capo Alto, Campo Belo, Canoas e Rio Bonito. Informao tirada da leitura sistemtica dos Processos Crimes de 1888 a 1918, e da obra de Licurgo Costa (1982, p. 1428), j citada. 146 Na zona urbana e suburbana da cidade, as raias se localizavam no Banhado e no Conta Dinheiro. (Costa, 1982. p. 1428). 147 Para confirmao quanto presena de descendentes de africanos em corridas de cavalos, do ano 1888 a 1918, consultar, ainda, os seguintes processos: LAGES. Foro da Comarca. Processo Crime, n. 70, 17 Jul. 1890. Mao 45; e LAGES. Foro da Comarca. Processo Crime, n. 56, 02 Jan. 1908. Mao 29. 148 A Evoluo, n. 13, p. 02 14 fev. 1907. 149 Naquela poca, algumas casas e edifcios foram construdos ou reformados com traos arquitetnicos ao estilo europeu, como o prdio da Prefeitura Municipal, em 1902, o prdio da Escola Estadual Vidal Ramos, em 1912, e a Igreja Matriz de Lages, terminada em 1921. Tambm foram abertas novas ruas acabando com alguns cubculos existentes na rea central , construdas algumas praas e jardins, e arborizadas outras vias j existentes. 150 Conforme Sidney Chalhoub (1986): [...] a conduta real vivida pelos membros das classes populares no se ajusta aos padres dominantes, concluindo-se, ento, que os populares vivem em um estado anmico ou patolgico [...]. (p.114). Quanto viso das classes dominantes em relao ao cotidiano dos populares como patolgico, ver, tambm, Maria Odila Leite da Silva Dias (1995, p. 51). 151 A primeira entidade beneficente em Lages foi o Clube Unio Artstica, fundado em 27 de novembro de 1892. Em 12 de julho de 1906, foi criada a Ordem Franciscana Secular. Em 19 de janeiro de 1917, foi fundada a Conferncia Vicentina de Lages. Segundo Licurgo Costa (1982, p.1401-1405), estas foram algumas das sociedades beneficentes criadas na cidade de Lages. 152 Ver: SANTA CATARINA. Secretrio Geral dos Negcios do Estado (Fulvio Aducci). Relatrio do Secretrio Geral dos Negcios do Estado Dr. Fulvio Aducci apresentado ao Governador do Estado Dr. Felippe Schmidt em 1o. de
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julho de 1916". Florianpolis, Typ. dO Estado. LAGES. Superintendente (Belisrio Ramos). Relatrio do Superintendente Municipal Belisrio Ramos apresentado ao Conselho Municipal em 02 de janeiro de 1906". Lages, Typ. Regio Serrana, 1906. 154 O PLANALTO. Curitibanos, n. 03, p. 01, 01 fev. 1909. Observao: o municpio de Curitibanos est localizado na regio do Planalto Catarinense, aproximadamente a 80 Km. da cidade de Lages; foi parte desse municpio at o ano de 1875. 155 Referimo-nos principalmente famlia Ramos, oligarquia de polticos lageanos de renome estadual. Entre os expoentes da famlia: Vidal Ramos Jnior foi vice-governador do estado de Santa Catarina, de 1902 a 1906, e governador, de 1910 a 1914, alm de outros cargos do executivo municipal e do legislativo estadual e federal; Belisrio Jos de Oliveira Ramos, irmo de Vidal, foi por sucessivas vezes, do ano de 1902 a 1922, superintendente municipal de Lages; Nereu Ramos, filho de Vidal, foi governador e interventor estadual de 1935 a 1945, e ocupou, inclusive, alm de outros cargos, a presidncia da Repblica do Brasil por alguns dias, no ms de maio de 1949. Para maiores esclarecimentos sobre tais nomes, consultar a obra de Licurgo Costa (1982, p. 12151390), j citada. 156 Hoje faz parte da rea central da cidade. 157 Hoje, junto ao Centro, chama-se bairro Copacabana. 158 O Lagoo era uma regio que se confundia com o bairro da Brusque por fazer parte de seu prolongamento. Localizados numa regio ngrime, a parte alta era denominada de Brusque e a parte baixa era chamada de Lagoo por causa de um crrego que passava naquelas proximidades. Hoje toda aquela regio conhecida como bairro da Brusque, e a maior parte dela tambm foi engolida pelo centro da cidade. 159 Impresso em: LAGES. Colleo De Leis Do Municpio, 1895. Gabinete Typogrfico J. Godinho, Lages; o Cdigo de Posturas do municpio dizia o seguinte: Art. 39 - Os muros, frentes, casas e sobrados e, em geral, quaesquer edifcios, obras em construes que, no todo ou em parte, ameacem runa ou desabamento sero no prazo marcado pela superintendncia, demolidas por seus proprietrios. - O infrator ser punido com uma multa de 10$000 a 20$000 reis, e far-se-h a mesma demolio, logo aps do prazo, a sua custa. (p.27) 160 Segundo Maria Odila Leite da Silva Dias (1995), sobre o cotidiano das mulheres pobres paulistas no sculo XIX, e a migrao das mesmas das reas centrais para a periferia: [...] expulsaram-nas o aburguesamento da vila, os melhoramentos urbanos, a iluminao, o alinhamento das casas, o encarecimento dos impostos municipais e, finalmente, as estradas de ferros. (p.17) 161 Naquela poca, eram localidades da rea urbana no necessariamente denominadas oficialmente pelo poder pblico municipal como bairros. o caso de Santa Cruz, do Banhado, do Lagoo e da Brusque, onde s vezes uma rua, um rio, ou outra caracterstica qualquer de suas redondezas acabavam tornando todo um dado recorte da regio urbana, reconhecido com aquele nome. 162 Sobre a localizao dos bairros Lagoo, Brusque e Banhado, ver mapa da cidade de Lages, de 1940, anexo 4. 163 A Evoluo. Lages, n. 13, p. 02, 14 fev. 1907. 164 LAGES. Foro da Comarca. Processo Crime. 30 Mar. 1917. Mao 38. 165 LAGES. Foro da Comarca. Processo Crime, n. 185. 26 Jan. 1921. Mao 28.
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SANTA CATARINA. Tribunal de Justia . Apelao Crime, n. 3063. 05 Fev. 1926. Caixa 44. 167 LAGES. Foro da Comarca. Processo Crime, n. 198. 15 Jun. 1921. Mao 27. 168 LAGES. Foro da Comarca. Processo Crime. 24 Abr. 1908. Mao 38. 169 LAGES. Foro da Comarca. Processo Crime, n.161. 17 Maio 1918. Mao 10. 170 Sobre o curandeiro Pedro Barulho, ver o captulo:Contra a cor inexistente. 171 Este termo foi usado na p. 23 do processo em questo, quando a promotoria requisitou que se identificassem corretamente os rus. 172 A cor de Laurindo Jos Garcia foi identificada no corpo delito do processo: SANTA CATARINA. Tribunal de Justia. Apelao Crime, 3063. 05 fev. 1926. Caixa 44; por ocasio de uma briga em que se envolveu, num baile no lugar denominado Banhado. 173 No priorizei a fonte oral na pesquisa. No entanto, fiz vrias entrevistas com descendentes de africanos. Entre elas, duas senhoras com mais de 90 anos, na inteno de esclarecer algumas dvidas sobre a vida dos negros no perodo. Quanto entrevista realizada com Sebastio Atade (1998), fiz por ele ser um estudioso da histria dos negros em Lages, ao mesmo tempo que nascido na regio, e foi, ainda, membro da diretoria do Centro Cvico Cruz e Souza, tendo tambm um trabalho publicado sobre o tema: O Negro no Planalto Lageano. Cabe ressaltar que trabalhamos a histria oral conforme o entendimento de Verena Alberti (1989): Histria oral: a experincia do Cpdoc; e auxlio da obra de Janaina Amado; Marieta de Moraes Ferreira (1996): Usos & abusos da histria oral. 174 Ataide, Sebastio. Lages, 26 jun. 1998. 175 Cruz e Souza. Lages, n. 05, p. 03. 05 out. 1919. 176 Ataide, Sebastio. Lages, 26 jun.1998. 177 Sobre a capela de Santa Cruz, ver o captulo Aspectos da religiosidade popular em Lages: a presena negra. 178 Ataide, Sebastio. Lages, 26 jun. 1998. 179 Conforme informaes retiradas da leitura de alguns processos crimes da comarca de Lages durante a dcada de 30, e entrevistas com Marieta Camargo da Silva Santos (1998) e Sebastio Ataide (1998). 180 Conforme entrevista com Sebastio Ataide (1998), e informaes do jornal Correio Lageano, 10/11 ago. 1997. Suplemento especial: Os bairros de Lages. 181 Ataide, Sebastio. Lages, 26 jun.1998. 182 A cor de Lino Garcia dos Santos foi identificada em: LAGES. Foro da Comarca. Inqurito Policial. 18 Fev. 1923. Mao 88. 183 LAGES. Foro da Comarca. Processo Crime. 10 mar. 1927. Mao 77. 184 Conforme o jornal Correio Lageano, 10/11 ago. 1997. Suplemento especial: Os bairros de Lages. 185 Baseado na obra de Roberto Cardoso de Oliveira: Identidade, etnia e estrutura social. Segundo o autor: [...] Etnicidade essencialmente a forma de interao entre grupos culturais operando dentro de contextos sociais comuns [...]. (p.85) 186 O Clarim, Lages, n. 33, p. 03, 20 maio 1908. 187 O Clarim, Lages, n. 33, p. 03, 20 maio 1908. 188 O nome do Centro Cvico Cruz e Souza uma homenagem ao poeta simbolista catarinense Joo da Cruz e Sousa, nascido em Desterro (Florianpolis), aos 24 dias de novembro de 1861, filho do mestre pedreiro Guilherme, escravo do marechal Guilherme Sousa, e da lavadeira, liberta, Carolina Eva
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da Conceio. Em todos os documentos pesquisados referentes ao Centro Cvico Cruz e Souza, a grafia Souza com a letra z foi convencionalmente usada para nominar o Centro Cvico, porque era desse modo que o prprio poeta assinava. No sculo XIX, em uma das reformas ortogrficas, convencionouse alterar seu sobrenome para Sousa, com s. 189 O termo homens de cor foi usado difusamente pelos membros do Centro Cvico Cruz e Souza e pela sociedade em geral, para se referirem aos scios daquele club. 190 Ver: jornal O Planalto. Lages, n. 70, p. 03, 17 dez. 1918. 191 Cruz e Souza. Lages, n. 04, p. 01, 22 set. 1919. 192 Conforme o jornal Cruz e Souza. Lages, n. 05, p. 01, 05 set. 1919. 193 Cruz e Souza. Lages, n. 03, p. 03, 07 set. 1919. Observao: a Escola Noturna Amadores da Arte pertencia sociedade Grupo Dramtico Particular Amadores da Arte, fundado em 1916. E, segundo conversa informal com o diretor e pesquisador do Museu Thiago de Castro, senhor Danilo Thiago de Castro, o G.D.P. Amadores da Arte mantinha, alm da escola, uma orquestra sinfnica, uma biblioteca e um grupo dramtico. 194 Mais tarde, prximo ao bairro da Brusque, foi alugado um prdio para sede do Centro Cvico Cruz e Souza e, em 1938, foi inaugurada sua sede prpria, localizada at hoje em frente Igreja de Santa Cruz. 195 O Planalto. Lages, n. 74, p. 03, 21 nov. 1918. 196 Termo usado por Thomas E. Skidmore (1989): obra j citada. 197 Sobre a sociedade jornalstica de homens negros, O Clarim dAlvorada, fundada em 1924, em So Paulo, ver: Arthur Ramos (1956, p. 186). 198 Cruz e Souza. Lages, n. 04, p. 02, 22 set. 1919. O artigo foi assinado por Cassimiro da Silva Varella. 199 Cruz e Souza. Lages, n. 04, p. 05, 22 set. 1919. 200 Conforme os ESTATUTOS DO CENTRO CVICO CRUZ E SOUZA. Lages, 06 out. 1918: A diretoria esforar-se-a de modo que as festas promovidas pelo Centro sejam realizadas na melhor ordem possvel [...]. (art. 32) 201 O Lageano. n. 196, p. 02/03, 17 maio 1919. 202 LAGES. Foro da Comarca. Inqurito Policial, n. 466. 13 Nov. 1931. Mao 112. 203 LAGES. Foro da Comarca. Inqurito Policial, n. 466. 13 Nov. 1931. Mao 112. 204 LAGES. Foro da Comarca. Inqurito Policial, n. 466. 13 Nov. 1931. Mao 112 205 Cruz e Souza. Lages, n. 05, p. 01, 05 out. 1919. 206 Caetano Vieira da Costa foi deputado estadual, secretrio geral do governo do estado de Santa Catarina e superintendente municipal de Lages. 207 Ataide, Sebastio. Lages, 26 jun. 1998. 208 Ver imagem da capa do jornal Cruz e Souza, no anexo 5. 209 Cruz e Souza, Lages, n. 01, p. 01, 03 ago. 1919. 210 Cruz e Souza, Lages, n. 05, p. 03, 05 out. 1919. 211 Ataide, Sebastio. Lages 26 jun. 1998. 212 Conforme entrevista com: Ataide, Sebastio. Lages 26 jun. 1998.

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Fontes documentais oficiais Censos e estatsticas

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Mensagens e relatrios oficiais

LAGES, Superintendente. Relatrios dos Superintendentes do municpio ao Conselho Municipal de Lages, 1899-1920. SANTA CATARINA, Delegados de polcia. Ofcios dos delegados de polcia do estado para os presidentes da Provncia, 1888-1889. SANTA CATARINA, Governador. Relatrios e Mensagens dos Governadores Assemblia Legislativa do estado, 1882-1922.

Processos jurdicos
LAGES. Foro da comarca. Ao de liberdade, 1882-1888. LAGES. Foro da comarca. Inqurito policial, 1855-1931. LAGES. Foro da comarca. Processo crime, 1855-1931. SANTA CATARINA. Tribunal de justia do estado. Apelao criminal, 1899-1930.

Fontes no oficiais Entrevistas

ATAIDE, Sebastio. Entrevista concedida a Frank Nilton Marcon. Lages, 26 jun. 1998. NASCIMENTO, Basilcia Maria do. Entrevista concedida a Frank Nilton Marcon. Lages, 24 out. 1997. SANTOS, Marieta Camargo da Silva. Entrevista concedida a Frank Nilton Marcon. Lages, maio 1998. (observao: devido a idade da

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entrevistada e sua dificuldade em falar, a entrevista foi realizada atravs de questionrio por escrito).

Estatutos
ESTATUTOS DO CENTRO CVICO CRUZ E SOUZA. Lages, 06 out. 1918.

Jornais
A EVOLUO. Lages, 1905-1907. A NOTCIA. Lages, 1912; 1914-1915. CRUZ E SOUZA. Lages, 1919. CRUZEIRO DO SUL. Lages, 1902-1905. GAZETA DE LAGES. 1895. O CLARIM. Lages, 1907-1908; 1911. O IMPARCIAL. Lages, 1901-1903. O LAGEANO. Lages, 1883; 1919-1920. O PLANALTO. Curitibanos, 01 fev. 1909. O PLANALTO. Lages, 1918-1919. REGIO SERRANA. Lages, 1903; 1910.

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Composto com a fonte Goudy Old Style, no estdio da Letras Contemporneas, em Florianpolis, e impresso na grfica Nova Letra, em Blumenau, em abril de 2010.